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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Letras UMA TEORIA SEMÂNTICA FUNDADA EM FORMALISMOS LÓGICOS PARA A ANÁLISE LINGÜÍSTICA DAS REGRAS DE PREDICAÇÃO E INTERMEDIAÇÃO DE CONCEITOS JURÍDICOS Luiz Augusto Lima de Ávila Belo Horizonte 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Letras

UMA TEORIA SEMÂNTICA FUNDADA EM FORMALISMOS LÓGICOS PARA A

ANÁLISE LINGÜÍSTICA DAS REGRAS DE PREDICAÇÃO E INTERMEDIAÇÃO DE

CONCEITOS JURÍDICOS

Luiz Augusto Lima de Ávila

Belo Horizonte 2010

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Luiz Augusto Lima de Ávila

UMA TEORIA SEMÂNTICA FUNDADA EM FORMALISMOS LÓGICOS PARA A

ANÁLISE LINGÜÍSTICA DAS REGRAS DE PREDICAÇÃO E INTERMEDIAÇÃO DE

CONCEITOS JURÍDICOS

Tese apresentada ao programa de Pós-Graduação em Letras, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de doutor em lingüística.

Área de concentração: Lingüística e Língua Portuguesa. LP6: Enunciação e Processos Discursivos. Orientador: Prof. Dr. Hugo Mari

Belo Horizonte 2010

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Ávila, Luiz Augusto Lima de A958t Uma teoria semântica fundada em formalismos lógicos para análise

lingüística das regras de predicação e intermediação de conceitos jurídicos – Belo Horizonte 2010. 267 folhas; 28 cm. Trabalho apresentado ao Programa de Pós-graduaçao em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais campus Coração Eucarístico Orientador: Hugo Mari Banca examinadora: Professores da PUC Minas Bibliografia.

1. Lingüística 2. Semântica – Direito I. Título. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Campus Barreiro

CDU: 34:001.4

Ficha catalográfica elaborada Bibliotecários da PUC Minas Gerais - Barreiro

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Luiz Augusto Lima de Ávila

UMA TEORIA SEMÂNTICA FUNDADA EM FORMALISMOS LÓGICOS PARA A ANÁLISE LINGÜÍSTICA DAS REGRAS DE PREDICAÇÃO E INTERMEDIAÇÃO DE CONCEITOS JURÍDICOS

Tese apresentada ao programa de Pós-Graduação em Letras, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de doutor em lingüística.

____________________________________________________________ Professor Doutor Hugo Mari (Orientador) - PUC Minas

____________________________________________________________ Professor Doutor Paulo Henrique de Aguiar Mendes - PUC Minas

____________________________________________________________ Professor Doutor Ibraim Vitor de Oliveira - PUC Min as

____________________________________________________________ Professora Doutora Miracy Barbosa de Souza Gustin - UFMG

____________________________________________________________ Professor Doutor Bruno Amaro Lacerda - UFJF

Belo Horizonte 2010

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À minha esposa Lilian Motta, por todas as horas furtadas, companheirismo, amor e carinho. Ao meu pai, José Márcio de Ávila, por seu exemplo maior de vida, inspiração, dedicação e ponderação; por seu incentivo ao estudo; por seu amor e carinho. In memoriam. À minha avó Maria de Lourdes Morais Lima, por seu amor e carinho, pelo exemplo de comunhão e fé em Deus. In memoriam.

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Ao Professor Dr. Hugo Mari, por sua dedicação, orientação primorosa, rigor científico e exemplo de tolerância e erudição; por seus ensinamentos valiosos e pela maiêutica, um constante convite a pensar; por saber e pregar, mais do que qualquer outro, que não é no silêncio que o homem se faz, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão, pois, conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito e somente enquanto sujeito que o homem pode realmente conhecer.

Aos Professores Doutores Milton do Nascimento, Paulo Henrique Aguiar Mendes e Vanda de Oliveira Bitencourt pela atenção, ensinamentos e incentivo constante ao longo de todo o doutoramento.

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Aos juristas, positivistas ou legalistas, não eram permitidas opiniões sobre a verdade ou justiça das leis, pois as próprias leis promulgadas é que determinam o que é justo e o jurista deve negar, por absurda, qualquer outra questão que discuta a legitimidade e justiça das leis. Os juristas fazem autênticas interpretações filológicas da lei, no entanto, incumbe ao lingüista e ao filósofo da linguagem efetuar a interpretação da verdade conforme a razão. Assim, se Jurisprudência é, dada a etimologia do termo, a prudência na aplicação do direito ou ciência do direito, o termo juízo implica o ato de estabelecer uma relação entre um sujeito e um predicado, ou a própria relação estabelecida, que é simbolizada com S é P, ou seja, só exprimem juízo as frases que têm a forma sujeito-predicado. "Se, nos últimos cinqüenta anos, os filósofos tornaram-se muito interessados na linguagem, isto não ocorreu por terem eles se desinteressado das grandes questões da filosofia, porém precisamente porque eles estão interessados ainda nas grandes questões e porque passaram a acreditar que a linguagem detém a chave para resolver ou situar de modo satisfatório as grandes questões." (Hilary Putnam – Language and philosophy, in Mind, language and reality. Philosophical papers, vol. II, p. 1.)

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RESUMO

A lógica formal não abarca extensivamente as lógicas multivalentes de Jan Lukasiewicz e, em

razão disso, não basta, por si mesma, para explicar a racionalidade jurídica que não deve

tomar por prescindível essa extensionalidade, pois, se trata de uma racionalidade que não

integra o mundo objetivo, mas, sim, o mundo intersubjetivo, variável, contingente e plural, de

modo que o acesso à realidade é mediado pela linguagem, em que o termo verdade só pode

predicar as proposições e não a própria realidade. Refutamos a afirmação de Theodor

Viehweg no que concerne a deixar de lado a lógica multivalente de Jan Lukasiewicz, pois, o

formalismo lógico, como base fundamental para a lógica de Lukasiewicz, propicia o

adequado tratamento científico para uma teoria semântica que se propõe para a análise

lingüística das regras de predicação e intermediação de conceitos jurídicos. Assim, fixar a

atenção tanto no aspecto formal quanto no aspecto material do raciocínio jurídico, que

combinados viabilizam a argumentação, determinamos o caráter imprescindível da

extensionalidade ao raciocínio jurídico. A “Lingüística” , a “Filosofia da Linguagem”, a

“Lógica” e a "Jurisprudência" dialogam com o objetivo de elucidar o quadro metodológico

para a descrição lógico-formal-semântica da jurisprudência ou ciência do direito, a partir de

investigação das regras de predicação e intermediação (extensionalidade) dos conceitos

jurídicos com vistas à determinação da necessidade por simplificação e da necessidade por

hipótese na categorização do contingente no imaginário jurídico-discursivo. Alf Ross

sintetiza, em “TûTû”, a racionalidade na linha do positivismo jurídico, de caráter realista e

anti-metafísico, e demonstra que, na linguagem jurídica, a operacionalização do discurso é

uma técnica de manipulação de termos sem significado, ou seja, é a partir da identidade como

função de dois lugares I(x, y) e dos enunciados informativos de identidade que, na perspectiva

da análise dos Futuros Contingentes e da referenciação semântica dos signos e conceitos ainda

que jurídicos, imputamos validade aos atos que tomam a linguagem como medium.

Palavras-chave: Lingüística. Filosofia da Linguagem. Lógica Formal. Lógica Jurídica. Jurisprudência. Semântica. Predicação. Extensionalidade.

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ABSTRACT

Formal logic besides cannot to include extensively the multivalent Jan Lukasiewicz’s logic.

It’s not sufficient by itself to explain the legal rationality because legal rationality doesn’t

integrate the objective world. It integrates an intersubjective, unchanged, contingent and

plural world. So the access to reality is mediated by language. Therefore, the truth term can to

predicate just true propositions, not the reality.

We refute the Theodor Viehweg’s claim about to abandon Jan Lukasiewicz’s logic of

multivalent because logical formalism, as the foundation for the logic of Lukasiewicz,

provides appropriate scientific treatment or a semantic theory to proposed for analysis

linguistic rules of predication and intermediation of legal concepts. And so, pay attention in

formal aspect as the material of legal reasoning. It’s important to remember that the formal

and material aspects when combined make possible the argument.

Linguistic, Jurisprudence and Philosophy of language have been talking in order to elucidate

the methodological framework for describing logical-formal-semantic enunciation of

jurisprudence or law. From research rules predication and intermediation (extensionality) of

legal concepts, we determine the necessity of simplification and hypotheses in the

categorization of the contingent in imaginary juridical-discoursive.

Alf Ross summarizes in “Tûtû” the rationality of legal positivism that works as realistic and

anti-metaphysical character. He demonstrates in legal language, that the operationalization of

discourse is a manipulation of meaningless terms. This operationalization works as a function

I(x, y) and the information identity statements in view of the analysis of contingent futures

and semantic reference of signs and legal concepts. So, we ascribe validity to acts that take

language as medium.

Key Words: Linguistic. Philosophy of language. Formal logical. Juridical logical.

Jurisprudence. Semantic. Predication. Extensionality.

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SUMÁRIO RESUMO ............................................................................................................................... 06 ABSTRACT .......................................................................................................................... 07 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 10 2 DE UMA ABORDAGEM SEMÂNTICA DOS FUTUROS CONTINGENT ES DE ARISTÓTELES À TÓPICA DE THEODOR VIEHWEG. ............................................. 17 2.1 Uma abordagem semântica dos "Futuros Contingentes" em "Da Interpretação" de Aristóteles. .............................................................................................................................. 17 2.2 O Positivismo Jurídico prático e o Pós-Positivismo de Theodor Viehweg e a insuficiência de uma ciência do Direito fundada na Dogmática ou Ideologia Jurídica. .............................. 25 2.3 O acontecimento entre o valor pressupostamente analítico da Lei e o caráter contingente de sua aplicação. ..................................................................................................................... 32

2.4 A Tópica e Jurisprudência em Theodor Viehweg: uma descrição lógico-semântica da jurisprudência para a determinação do contingente. .............................................................. 39 3 A LÓGICA COMO INSTRUMENTO DA LINGUAGEM E A LINGUA GEM COMO INSTRUMENTO DA LÓGICA. ......................................................................................... 61 3.1 A base fundamental para as Lógicas Não-Clássicas de três ou múltiplos valores. .......... 61 3.2 A demonstração canônica da incompletude de Kurt Gödel contra o determinismo: a inconsistência de um sistema que se ramifica ad infinitum sem uma solução provida no seu interior. ................................................................................................................................... 72 3.3 O Sistema Lógico-Filosófico de Jan Lukasiewicz: a Lógica de Três Valores e a Lógica de Muitos Valores. ...................................................................................................................... 76 3.4 O Sistema Lógico-Filosófico de Alfred Tarski: The Semantic Conception of Truth: and the Foundations of Semantics. ................................................................................................ 86 3.5 Os formalismos lógicos para uma análise da argumentação na jurisprudência: uma descrição do Direito fundada na dicotomia entre criação e aplicação do Direito. ................. 96 4 UMA TEORIA SEMÂNTICA FUNDADA EM FORMALISMOS LÓGIC OS PARA UMA ANÁLISE LINGÜÍSTICA DAS REGRAS DE PREDICAÇÃO E INTERMEDIAÇÃO DE CONCEITOS JURÍDICOS .............. ...................................... 147

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4.1 A identidade como função de dois lugares I(x, y) e os enunciados informativos de identidade: a análise dos Futuros Contingentes na perspectiva da referenciação semântica dos signos e conceitos jurídicos. ................................................................................................. 147 4.2 Uma teoria semântica fundada em formalismos lógicos para uma análise lingüística das regras de predicação e intermediação de conceitos jurídicos. .............................................. 175 5 CONCLUSÃO .................................................................................................................. 198 REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 209 ANEXO 1a - TABELA DOS VALORES DE VERDADE PARA C E P. ...................... 215 ANEXO 1b - TABELA DOS VALORES DE VERDADE PARA P E Q . ..................... 219 ANEXO 1c - TABELA DOS VALORES DE VERDADE PARA A E B . ...................... 223 ANEXO 2 - QUADRO DAS PROPOSIÇÕES SIMPLES/COMPOSTA E LÓGICA MODAL ............................................................................................................................... 227 ANEXO 3 - O SISTEMA LÓGICO-FILOSÓFICO DE JAN LUKASIEWICZ: A LÓGICA DE TRÊS E MÚLTIPLOS VALORES. .......................................................... 228

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1 INTRODUÇÃO

Provavelmente, mostrar a diferença de atuação ou da argumentação entre acusação e

defesa através da apropriação de certos formalismos lógicos, evitando incorrer ou priorizar

fórmulas enigmáticas para, assim, também, evitar que o essencial pareça estar diluído em um

formalismo excessivo, se demonstrou o grande desafio ao longo da elaboração da tese.

Aplicar um raciocínio lógico implica, muitas vezes, termos que sair do formalismo que

implica o raciocínio lógico para tornar sua aplicação compreensível.

No transcorrer da reflexão, que desenvolvemos nos três capítulos que se seguem,

procuramos nas formulações teóricas, abordagens e procedimentos de Aristóteles e de Jan

Lukasiewicz, sobre os futuros contingentes, a formalização de uma lógica não-clássica ou

uma lógica a partir de três ou mais valores para uma teoria semântica fundada em

formalismos lógicos para a análise das regras de predicação e intermediação de conceitos

jurídicos. Para tanto, Afred Tarski, Kurt Gödel, Hugo Mari, Susan Haack, Kneale e Kneale,

Greimas, Lewy, Strawson, Gottlob Frege, Rescher, Ernest Nagel e James R. Newman,

Manuel Atienza, Jeronymo Soares Barbos, Oswald Ducrot, Alf Ross, montesquieu, Saussure,

Barthes, Benvenist, Bertrand Russell, Katz, Irving Copi, Jörgen Jörgensen, Daniel

Vanderveken, Charle Sander Peirce, Charles Morris e Júlio Pinto nortearam a discussão.

Nesse sentido, Tércio Sampaio Ferraz Jr., Tereza Calvert de Magalhães, Ulrich Klub e

Hanz Kelsen contribuíram para uma abordagem mais complexa da questão pertinente a

racionalidade jurídica, mas, foi Theodor Viehweg quem contribuiu, determinantemente e de

diversos modos, para a determinação do objetivo da tese que consiste em destacar os aspectos

em que a semântica contribui para expor questões relevantes do raciocínio jurídico,

submetendo-os à sistematização de uma lógica não clássica de três ou múltimplos valores, ou

seja, quando abarcamos a afirmação de que:

(a) o direito não integra o mundo objetivo, mas, sim, o mundo intersubjetivo, variável,

contingente e plural, o acesso à realidade será, então, mediado pela linguagem ou

proposições lingüísticas, sendo que o termo verdade só poderá predicar as proposições

e não a própria realidade;

(b) a lógica formal, que não abarca extensivamente as lógicas multivalentes de Jan

Lukasiewicz, não basta, por si mesma, para explicar a racionalidade jurídica, pois, o

âmbito do racional é mais amplo que o da lógica formal não extensiva pode abarcar;

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(c) que é, precisamente, a invenção, por um lado, e a dedução, por outro, que constitui a

matéria ou o conteúdo da racionalidade jurídica e, segundo Theodor Viehweg, se trata

aquí de la lógica formal y de una combinación material especial e a esta lógica

pertenecen también las lógicas multivalentes en el sentido de Lukasiewicz (1991. p.

68);

(d) a lógica formal, que não abarca extensivamente as lógicas multivalentes de Jan

Lukasiewicz, não basta, por si mesma, para explicar a racionalidade jurídica, pois, o

âmbito do racional é mais amplo que o da lógica formal não extensiva pode abarcar.

Mas rechaçamos a afirmação de que las lógicas multivalentes en el sentido de

Lukasiewicz devem ser deixadas de lado en vista de que su significado no está aún aclarado.

(1991. p. 68). Discordamos de Therodor Viehweg no que concerne a deixar de lado as lógicas

multivalentes de Jan Lukasiewicz, pois, somente ela, com seus formalismos lógicos, pode

propiciar o adequado tratamento científico ou uma teoria semântica para a análise lingüística

das regras de predicação e intermediação de conceitos jurídicos e, assim, fixar a atenção tanto

no aspecto formal quanto no aspecto material do raciocínio jurídico, ou seja, da argumentação

jurídica.

Toda essa preocupação se mostra descrita no longo percurso que construímos e que

converge, na sua forma derradeira, a partir da identificação de um pragmatismo jurídico

alheio às contingências, em uma teoria semântica fundada em formalismos lógicos para a

análise das regras de predicação e intermediação de conceitos jurídicos.

Assim, a presente análise, desenvolvida como uma proposta geral e sob uma

perspectiva interdisciplinar que integra a “Lingüística” , a “Filosofia da Linguagem”, a

“Lógica” e a "Jurisprudência" como Ciência do Direito, pretende ser uma contribuição à

pesquisa de base teórica à Lingüística, à Lógica e à Jurisprudência. Trata-se de analisar a

estrutura da jurisprudência a partir da lógica como um instrumento da lingüística, em um

ângulo até agora pouco observado, ou seja, uma reflexão sobre algumas das formulações

conceituais, desenvolvidas pela Lingüística, Lógica e Jurisprudência em torno de um mesmo

objeto de estudo: as regras de predicação e intermediação (extensionalidade) dos conceitos

jurídicos a partir do processo de produção de sentido. Trata-se da elaboração de uma teoria

semântica fundada em formalismos lógicos para a análise das regras de predicação e

intermediação dos conceitos jurídicos.

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A “Lingüística” , a “Filosofia da Linguagem”, a “Lógica” e a "Jurisprudência"

dialogam com o objetivo de elucidar o quadro metodológico para a descrição lógico-formal-

semântica da jurisprudência ou ciência do direito, a partir de investigação das regras de

predicação e intermediação (extensionalidade) dos conceitos jurídicos com vistas à

determinação da necessidade por simplificação e da necessidade por hipótese na

categorização do contingente no imaginário jurídico-discursivo. Embora a proposta se defina

pela restrição aos fundamentos, não nos descuramos do tratamento das especificidades de uma

investigação histórica do positivismo lógico que, segundo A. J. Ayer, se refere à aliança entre

o Círculo de Viena e o Círculo de Varsóvia, este último representado lógicos e filósofos

como: Kazimierz Twardowski; Ajdukiewicz; Stanislaw Lesniewski; Jan Lukasiewicz e Alfred

Tarski.

Os problemas de ordem metodológica constituem a matéria prima ou o objeto de

pesquisa para os pensadores atuais. Na epistemologia das ciências sociais, tanto ou mais que

em outras, as controvérsias têm, como centro de gravidade, a hermética presença do

positivismo. Pretendemos estruturar em torno do Sistema Lógico-Filosófico (many-valued

logic) de Jan Lukasiewicz e do Sistema Lógico-Filosófico de Alfred Tarski (The Semantic

Conception of Truth: and the Foundations of Semantics) algumas questões polêmicas

suscitadas em razão do empirismo lógico.

A partir de Jan Lukasiewicz são suscitados: a dessemelhança entre o silogismo do tipo

implicacional e do silogismo do tipo inferencial, e referente ao problema da refutação do

determinismo e ao problema da divisão da ciência em a priori e a posteriori; o sistema da

lógica de três valores como uma parte própria do sistema da lógica de dois valores, e o

sistema de uma lógica de múltiplos valores como uma parte própria do sistema de uma lógica

de três valores, embora alguns princípios, como o princípio do terceiro excluído e o princípio

da não contradição ou argumento reductio ad absurdum, desapareçam no sistema de uma

lógica de múltiplos valores. A partir de Alfred Tarski são suscitados: o fato de que se não

alcançamos uma concepção geral da verdade, mas, apenas formulamos uma definição parcial

ou particular, então, no âmbito próprio das linguagens naturais (não formalizadas), a

concepção de Tarski, acima referida, é aplicável? Ou seja, é possível a formalização da

linguagem ordinária?

O suporte conceitual de análise entre “Lingüística” e “Lógica” fundamentou-se com

Jan Lukasiewicz e Alfred Tarski que nos dão o embasamento teórico, além das críticas de

Haack, e Kneale e Kneale sobre a lógica clássica e não clássica, para descortinar, em meio a

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uma atmosfera marcada pelo positivismo lógico, as complexas estruturas das concepções de

Aristóteles no Órganon. Entretanto, antes de nos aprofundarmos nessas questões, que

correspondem ao terceiro capítulo da tese, abordamos, no segundo capítulo, a partir de uma

investigação dos futuros contingentes em "Da Interpretação" de Aristóteles, uma descrição

lógico-semântica da jurisprudência na determinação do contingente como necessidade por

hipótese em detrimento da necessidade por simplificação.

À primeira vista, lingüística e lógica nem sempre traçaram o mesmo caminho de

análise, ora se distanciando pelas preocupações com fundamentos teóricos, ora se

aproximando pela recorrência comum aos elementos formais de base. E, nessa perspectiva,

ora a linguagem é tomada como objeto de justificação da lógica, ora a lógica é tomada como

instrumento para descrição da linguagem. Mas, o conjunto das análises das relações

proposicionais desenvolvidas pela lógica clássica não pode ser considerado uma análise do

sentido lingüístico da proposição, mas sim uma avaliação de preceitos de relações lógicas. Em

razão disso, optamos pela lingüística que toma a lógica para a descrição de fatos e para o

desenvolvimento de certos padrões lógicos não clássicos da lógica de Jan Lukasiewicz para

tratar de questões da linguagem, ou seja, da extensionalidade e do processo de significação ao

processo de produção de sentido.

Nesse sentido abarcamos padrões formais diferenciados para tratar de questões da

linguagem, ou seja, caminhos diversos foram traçados na avaliação de exemplos, e exemplos

alternativos foram selecionados para a tarefa de caracterizar procedimentos capazes de

justificar, racionalmente, a jurisprudência como um médium lógico-lingüístico. Ademais, se

as duas abordagens da lógica e da lingüística se distanciam, portanto, no alcance do seu

método, elas certamente se aproximam pela forma complementar que assumem diante dos

objetos que compõem o universo de intervenção de cada uma.

Pensadas nessa extensão, a lógica, como instrumento da lingüística, pode ser expressa

na forma de condições que definem princípios e procedimentos constitutivos de nossa

atividade cognitiva. Desse modo, os procedimentos de análise da lingüística são

potencializados pelos instrumentos da lógica, na medida em que esta tem que atender àquela.

E se ambas se utilizam de procedimentos de análise que não são exteriores a nossa atividade

cognitiva, antes são formas e estratégias que espelham aspectos da construção do nosso

entendimento sobre os fatos.

Assim, as questões que envolvem, portanto, a correlação entre lógica, lingüística e

jurisprudência, na dimensão acima referida, foram desenvolvidas em três capítulos específicos

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(do segundo ao quarto), adotando-se como ponto de partida os futuros contingentes de

Aristóteles, em "da Interpretação" no Órganon. E em cada um dos referidos capítulos,

procuramos, a partir da formulação inicial, aprofundar na complexidade de certos aspectos

conceituais pertinentes ao domínio do necessário e do contingente, relevantes para a avaliação

a ser desenvolvida. Na seqüência, procuramos introduzir outras dimensões teóricas, outros

roteiros conceituais ou mesmo outros padrões formais, oriundos de disciplinas diversas, os

quais servissem de respaldo, não só para contrastar com as posições de Viehweg, Ross e

Lukasiewicz, como também para completá-las. Mais especificamente, investigamos: a

modalização do contingente como "não necessário mas existente" com Greimas e Hugo Mari;

a semiótica como uma lógica e a abdução como primazia da pragmática com Peirce, Nöth,

Pinto e Calvet; o processo de significação e o processo de produção de sentido como

referência semântica com Saussure, Benveniste e Barthes; o sentido e a referência com Frege

e Russell; a lógica e a Teoria dos Atos de Fala com Strawson e Hugo Mari. Na medida do

necessário e quando apropriado, apresentamos casos e exemplos como justificativa da análise

em questão. Vejamos, então, os parâmetros de avaliação que orientaram cada capítulo.

No segundo capítulo, intitulado De uma abordagem semântica dos futuros

contingentes de Aristóteles à Tópica de Theodor Viehweg, abordamos o Positivismo Jurídico

prático e o Pós-Positivismo de Theodor Viehweg e a insuficiência de uma ciência do Direito

fundada na Dogmática ou Ideologia Jurídica, ou seja, a jurisprudência ou ciência do direito

que, a partir do ideal positivista de ciência da natureza, busca na descrição do comportamento

dos objetos em determinado campo objetivo a explicação desse comportamento e a criação de

possibilidades de sua previsão. Assim, a ciência do direito constrói teorias ou sistemas

axiomáticos que constituem hipóteses genéricas que se confirmam pelos experimentos

empíricos e, na perspectiva do paradoxo da confirmação (a universalização de proposições

particulares), servem de prognóstico para a ocorrência de fenômenos que obedecem às

mesmas condições descritas teoricamente.

No entanto, a ocorrência de tais fenômenos não escapa aos pressupostos da variação

de contexto (de tempo e de espaço), da possibilidade, da regularidade duvidosa, do

estabelecimento de prognósticos alternativos que, fundados cientificamente, revelam

dificuldades. Este tema, dada a generalidade pertinente de uma Teoria do Conhecimento, de

uma Teoria do Direito e de uma Teoria da Linguagem (lógico, semântica e intencional), é

dimensionando, no segundo capítulo, a partir da Tópica e Jurisprudência de Theodor

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Viehweg, para a inteligibilidade do acontecimento entre o valor pressupostamente analítico da

Lei e o caráter contingente de sua aplicação.

Theodor Viehweg ressalta que “as formulas conceituais da nova semiótica,

distinguindo-se, pois, entre os aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos de um modo de

falar” e “uma diferenciação entre uma maneira de falar situacional e outra não situacional”

(Viehweg. Tópica e Jurisprudência. 1979. Pg. 101) como aspectos do pensamento jurídico, até

então, haviam ficado, por séculos, sujeitos a determinações ou padrões matematizantes das

ciências naturais ou à margem de uma cientificidade estritamente jurídica (e autônoma).

No terceiro capítulo, sob o título A lógica como instrumento da linguagem e a

linguagem como instrumento da lógica: enveredamos pela base fundamental para as Lógicas

Não-Clássicas de três ou múltiplos valores; buscamos na demonstração canônica da

incompletude de Kurt Gödel contra o determinismo, a inconsistência de um sistema que se

ramifica ad infinitum sem uma solução provida no seu interior; esquadrinhamos no Sistema

Lógico-Filosófico de Jan Lukasiewicz, a Lógica de Três Valores e a Lógica de Muitos

Valores; no Sistema Lógico-Filosófico de Alfred Tarski, indagamos sobre a concepção

semântica da verdade; e, investigamos os formalismos lógicos para uma análise da

argumentação na jurisprudência, a descrição do Direito fundada na dicotomia entre criação e

aplicação do Direito.

No quarto capítulo, Alf Ross, um filósofo dinamarquês, sintetiza em “TûTû” a

racionalidade na linha do positivismo jurídico, de caráter realista e anti-metafísico. Nesta

perspectiva, o autor busca demonstrar que, na linguagem jurídica, a operacionalização do

discurso é uma técnica de manipulação de termos sem significado, ou seja, sem referência

semântica. Assim, se tomados isoladamente, os termos propriedade, crédito e direito

subjetivo, que correspondem a “TûTû”, não tem significado ou significação, mas, se são

inseridos entre fatos condicionantes e conseqüências condicionadas, ao juízo deste se pode

atribuir referência semântica. E é a partir da identidade como função de dois lugares I(x, y) e

dos enunciados informativos de identidade que, na perspectiva da análise dos Futuros

Contingentes e da referenciação semântica dos signos e conceitos ainda que jurídicos,

imputamos validade aos atos que tomam a linguagem como medium.

No capítulo correspondente a Conclusão, concebemos, em síntese, uma reflexão geral

sobre toda investigação desenvolvida, retomando aspectos complementares, que se ajustaram,

em conjunto, a uma visão global da análise realizada. Nos moldes da lógica de três e

múltiplos valores de Jan Lukasiewicz, evidenciou a importância da necessidade e da

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contingência, do analítico e do sintético e da análise dos processos de produção de sentido

como diretrizes efetivas da ação racional e, conseqüentemente, para o desenvolvimento de

uma teoria semântica fundada em formalismos lógicos para uma análise lingüística das regras

de predicação e intermediação de conceitos jurídicos.

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2 DE UMA ABORDAGEM SEMÂNTICA DOS FUTUROS CONTINGENT ES DE ARISTÓTELES À TÓPICA DE THEODOR VIEHWEG.

2.1 Uma abordagem semântica dos "Futuros Contingentes" em "Da Interpretação" de Aristóteles.

Aristóteles afirma o princípio da não-contradição ao sustentar que duas proposições

contraditórias não podem ser ambas verdadeiras, concomitante a afirmação de que duas

proposições contraditórias não podem ser ambas falsas, estabelecendo assim o princípio do

terceiro excluído. Então, ele apresenta o princípio da verdade por correspondência e o

princípio da bivalência em defesa do segundo princípio mencionado. O princípio da verdade

por correspondência assevera que uma proposição é verdadeira se, e somente se, aquilo que

ela assere é o caso e é falsa em caso contrário, e o princípio da bivalência (Princípio da não

contradição e princípio do terceiro excluído) determina que toda proposição seja verdadeira

ou, no sentido disjuntivo excludente, falsa. Esses princípios implicam na conclusão

determinista de que todo evento é necessário e, por isso, Aristóteles questiona a legitimidade

ou consistência dos mesmos e da tese de que existem eventos contingentes.

Assim, no nono capítulo Da interpretação, Aristóteles afirma que a partir dos

princípios acima indicados, a tese correspondente a “necessariamente p ou necessariamente

não-p” é adequada às proposições sobre o presente e o passado, mas não é adequada, pelo

menos não do mesmo modo, às proposições singulares sobre o futuro. Posteriormente, em um

argumento determinista, Aristóteles afirma que a verdade de uma proposição sobre uma

contingência futura acarreta sua necessidade, mas, contrapõe, ao mesmo tempo, a recusa à

conclusão determinista de que tudo ocorre por necessidade.

Por conseguinte, há uma perspectiva de interpretação cuja tese1 (T1) correspondente à

afirmação de que Aristóteles restringe a aplicação do princípio de bivalência às proposições

sobre o passado e o presente, de modo que as proposições sobre futuros contingentes não são

nem verdadeiras nem falsas. Por outro lado, há uma perspectiva de interpretação cuja tese2

(T2) corresponde à afirmação de que Aristóteles preserva o princípio de bivalência em

detrimento da inferência determinista segundo a qual a necessidade decorre da verdade, ou

1 KNEALE, W., KNEALE, M. The Development of Logic, p. 45-54. 2 RESCHER, N. Truth and Necessity in Temporal Perspective, p. 183-220.

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seja, uma proposição sobre futuros contingentes é momentaneamente verdadeira ou falsa sem

que isto acarrete sua necessidade.

Mais especificamente, sobre a distinção entre as proposições contraditórias sobre o

passado ou o presente e as proposições contraditórias singulares sobre o futuro, Aristóteles

afirma que

... as proposições singulares, cujo predicado se refere ao futuro, a solução é outra. Se, na verdade, toda a afirmação ou toda a negação é verdadeira ou falsa, todo o predicado afirmado ou negado deve pertencer ou não ao sujeito. (...) Sendo assim, nada é, nem será (seja por efeito do acaso, seja de modo indeterminado), algo que, no futuro, possa indiferentemente ser ou não ser, por contingência, mas tudo se realiza por necessidade, sem qualquer determinação. Com efeito, ou bem quem sustente que algo será, ou bem quem sustente o contrário, há-de falar com verdade desse caso. Isso pode exacta e igualmente ocorrer ou não ocorrer, se uma ou outra afirmação não for necessariamente verdadeira, porque a palavra contingente não é mais do que a indeterminação quanto ao presente e quanto ao futuro, sendo aquilo que pode suceder deste, ou daquele modo. (ARISTÓTELES. 1985. p. 114-115)

Enquanto as proposições que são contraditórias sobre o passado ou o presente devem

ser verdadeiras ou falsas, as proposições contraditórias singulares sobre o futuro não são

predicadas com nenhum dos dois valores de verdade padrões ou, se abarcarem a referida

predicação, não o fazem do mesmo modo.

Ou seja, podemos observar que as proposições universais com sujeito universal ou as

proposições singulares sobre o passado ou o presente correspondem à classe das proposições

contraditórias sobre o passado ou o presente, porque quando uma delas é verdadeira, a outra é

falsa. Mas, no caso das proposições indefinidas, se forem tratadas como proposições

particulares, temos um par de subcontrárias e, neste caso, uma não é realmente a negação da

outra. O problema, propriamente dito, surge quando Aristóteles afirma que as proposições

contraditórias singulares sobre o futuro não se comportam do mesmo modo que as

proposições contraditórias sobre o passado ou o presente.

Aristóteles, então, apresenta uma formulação aparentemente ambígua do princípio

lógico da bivalência, pois, de fato, ao considerar duas proposições contraditórias, afirma

p ∨ ¬p

ou afirma (p ∨ ¬p)

como T1 – preserva-se o princípio da bivalência em detrimento da inferência determinista: a necessidade decorre da verdade

como T2 – Limita o princípio da bivalência às proposições contraditórias sobre o passado ou o presente. Já as proposições contraditórias singulares sobre o futuro não são verdadeiras ou falsas

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No entanto, Aristóteles afirma o princípio de bivalência a todas as proposições sobre o

passado ou o presente, excluídas as proposições indefinidas, pois, se considerarmos que duas

proposições indefinidas contraditórias podem ser ambas verdadeiras, então é evidente que T1

não se aplica nesse caso. Ou seja, o princípio da bivalência cuja validade é negada por

Aristóteles para proposições contraditórias singulares sobre o futuro corresponde a T2,

considerando, para tanto, que (p ∨ ¬p) implica uma limitação à aplicação do princípio da

bivalência ou uma restrição às proposições sobre o passado ou o presente, excluídas as

proposições indefinidas ou futuras.

E se proposições contraditórias singulares sobre o futuro podem ou não ser falsas

conjuntamente ou podem ou não ser verdadeiras conjuntamente, são as hipóteses sobre as

quais Aristóteles assere para fundamentar as razões para rejeitar o determinismo, assinalando

as conseqüências absurdas que decorrem dos argumentos assim considerados e a inutilidade

da deliberação humana se tais argumentos fossem válidos, ou, mais especificamente, a

negação da contingência decorrente do princípio determinista segundo o qual tudo ocorre

necessariamente.

Além disso, se uma coisa agora é branca, então foi verdadeira a afirmação anterior de que ela seria branca, de modo que seria sempre verdadeiro dizer não importa de que coisa, que ela é ou ela será. Mas se em todo o tempo fosse verdadeiro afirmar que uma coisa é ou será, não é no entanto possível que ela não seja, ou não venha a ser; ora, o que não pode ser é impossível que seja, e o que não pode ser é necessariamente. De onde resulta que todos os futuros se produzem necessariamente, por conseguinte, nada acontece por contingência, nem por indeterminação, pois onde há acaso não há necessidade. Não é todavia possível pretender que nem a afirmação, nem a negação são verdadeiras, que não se possa dizer, por exemplo, que um tal evento se realizará, ou que não se realizará. Primeiro, porque, se a afirmação fosse falsa, a negação não seria verdadeira, e porque, por sua vez, se esta fosse falsa, a afirmação poderia não ser verdadeira. Em segundo lugar, suponhamos como verdadeiro o dizer que algo é ao mesmo tempo branco e grande. Estas duas qualidades devem pertencer necessariamente ao sujeito, tanto uma como outra; e se for verdadeiro afirmar que elas lhe pertencerão amanhã, amanhã elas hão-de pertencer-lhe realmente. Mas como, de um acontecimento, admitimos que não podemos dizer que ele se realizará ou não se realizará amanhã, a contingência desaparecerá. Se tomarmos, por exemplo, uma batalha naval, será necessário dizer que a batalha naval ocorrerá e que a batalha naval não ocorrerá. Tais são, por isso, com outros de análogo teor, os absurdos em que caímos, se admitirmos que, para toda a afirmação e para toda a negação, - quer se trate de proposições universais de sujeito universal, quer de proposições singulares – uma das opostas é necessariamente verdadeira e outra falsa, e que não há contingência no futuro, mas que, pelo contrário, todas as coisas ocorrem por efeito da necessidade. Em virtude desse juízo, não haveria necessidade de deliberar, nem de ter preocupações, na certeza de que, adoptada uma dada conduta, o resultado estaria determinado, e que se não adoptássemos essa conduta, o resultado não se atingiria. (...) Pouco importa, aliás, que se haja feito uma afirmação ou uma

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negação, dado ser evidente que o real não é menos do que é, apesar da afirmação ou da negação de ser ou de poder ser, uma vez não ser a afirmação nem a negação que levará os acontecimentos à realização, ... (ARISTÓTELES. 1985. p. 115-117)

Deste modo, uma proposição P qualquer não indica, desde logo, um estado de coisas

que determine que o agente, que delibera, fará (não fará) ou que o fato, objeto de deliberação,

ocorrerá (não ocorrerá) o que quer que seja, nem, tão pouco, é, desde logo, verdadeiro que o

agente, que delibera, fará (não fará) ou que o fato, objeto de deliberação, ocorrerá (não

ocorrerá) o que quer que seja, isto é, mais precisamente, uma proposição P qualquer,

correspondente a eventos futuros contingentes, não é verdadeira ou falsa antes do fato, senão

que tão-somente após do fato. Assim, a assertiva de que uma proposição é sempre verdadeira

ou falsa não é correspondente à assertiva de que uma proposição é sempre verdadeira ou falsa,

em qualquer tempo ou lugar, no entanto, é correspondente a assertiva de que uma proposição

é sempre, caso venha a se tornar, quando se tornar, verdadeira ou falsa.3 Ou seja, trata-se da

impossibilidade de se atribuir um valor-verdade a uma proposição no futuro que, em razão

disso, deixa de ser uma proposição no sentido lógico-formal.

A distinção entre o que sempre existe, o que nunca existe, o existe esporadicamente e

o que possa existir, implica considerarmos, respectivamente, o que é necessário, o que é

impossível, o que é contingente e o que é possível. De acordo com Aristóteles, o que é

contingente está sujeito à geração e corrupção, pois, tais fenômenos são, eles próprios,

contingentes. Consideremos, ainda, que se um evento é necessário, então é necessário que ele

sempre exista ou é necessário que, no presente instante, ele exista por um determinado tempo.

Analogicamente, se um evento é impossível, então é impossível que ele sempre exista (ou

necessário que ele nunca exista) ou é impossível que, no presente instante, ele exista (ou é

necessário, no presente instante, ele nunca exista) por um determinado tempo. Por outro lado,

se um evento é contingente, é possível que ele exista em uma parte da totalidade de instantes e

não exista em outra parte da mesma totalidade, ou seja, segundo Aristóteles, um evento

contingente não tem a possibilidade de existir em todos os instantes e carece da possibilidade

de não existir em todos os instantes. E, ainda, se um evento é contingente, é também possível

que, no presente instante, ele exista por um tempo determinado e que ele não exista no mesmo

tempo determinado, pois, não é necessário, ou seja, o contingente é existente, mas não por

3 Consideremos, para tanto, a suposição ou relativismo do antecedente na função de uma condicional relativa: Se o determinismo é absoluto, inexiste noção de deliberação; Ora, existe a noção de deliberação; Então, o determinismo não é absoluto.

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necessidade. Observemos, para tanto, uma modalização para o contingente, a partir da

combinação dos princípios da não contradição e do terceiro excluído, nos quadros abaixo:

necessário possível existir e sempre existe necessário exitir e existe

impossível [não] possível existir e [não] existe [não] necessário existir e [não] existe

contingente possível existir e existe [não] necessário existir e existe

possível possível existir [não] necessário existir

Necessário P Necessário ¬¬¬¬P Impossível ¬¬¬¬P Impossível P ¬¬¬¬Possível ¬¬¬¬P ¬¬¬¬Possível P (+)Modus (+)Dictum4 (+)Modus (-)Dictum (-)Modus (-)Dictum (-)Modus (+)Dictum ¬¬¬¬Necessário ¬¬¬¬P ⊗⊗⊗⊗ ¬¬¬¬Necessário P ¬¬¬¬Impossível P ¬¬¬¬Impossível ¬¬¬¬P Possível P Possível ¬¬¬¬P

(GREIMAS. 1983. p. 67-91)

Assim, a questão dos futuros contingentes de Aristóteles ou, mais especificamente, da

dicotomia entre necessidade e contingência implicada na problemática do domínio dessas

duas categorias é parametrizar conceitualmente os limites de uma categoria em relação à

outra, ou seja, sobre os limites de onde uma cessa e a outra se inicia. Segundo Hugo Mari, em

“O domínio da necessidade e da contingência numa abordagem semântica”:

Existem, certamente, muitas dificuldades que se fazem presentes quando se pretende operar com categorias como necessidade e contingência. Decidir sobre os limites onde uma cessa e a outra se inicia representa uma dimensão dessas dificuldades. Por exemplo, se a necessidade impele o raciocínio para a dimensão do essencial, a contingência circunscreve-o na dimensão do acidental. Em conseqüência dessa flutuação polarizada, o ajuste entre os fatos e as nossas formulações teóricas, no âmbito da primeira categoria, pode parecer elegante pelo alcance conferido às

4 Uma proposição modal contém dois elementos básicos na sua estrutura: o MODUS, que representa a atitude proposicional, e o DICTUM , que representa o conteúdo proposicional. No quarto capítulo aprofundamos no desenvolvimento da lógica modal.

Contingente

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hipóteses; o mesmo não pode ser dito, no âmbito da segunda, pois, retendo dela a dimensão acidental, evidencia-se uma certa fragmentação nos processos de inferência. No fundo, tudo isso se deve ao fato de não dispormos, na nossa tradição de análise, de instrumentos mais eficazes para enfrentar a contingência, de conferir-lhe ainda uma instância secundária e também da pretensão que temos de convertê-la, sempre que possível, em necessidade. (2007. p. 01)

A referida pretensão, que em muitas circunstâncias caracteriza a necessidade da

necessidade na reflexão teórica, foi a base fundamental para o positivismo filosófico

originado no Círculo de Viena. E, ainda, segundo Hugo Mari:

A rigor, a contingência só é acolhida, no nosso padrão de conhecimento, na medida em que a convertemos em alguma forma de necessidade − ainda que em uma necessidade fraca −, por um critério de recorrência, de repetição, de previsibilidade. Em outras palavras, uma certa padronização da construção teórica levou-nos à desconfiança sobre os aspectos acidentais de um objeto, ressaltando a sua relevância aos olhos do observador, motivado pela construção metalingüística, à medida que se repetem, se tornam reincidentes e, assim, se transformam em objeto de interesse para a teoria. Ainda que seja possível admitir que a partir da observação de uma coleção de contingências venhamos a alcançar a necessidade, não podemos assumir essa possibilidade como um padrão geral na construção desta última. Supor a necessidade requer uma análise mais acurada dos fatos em questão e aquilo que julgamos ser da ordem do necessário pode se desfazer em razão de novas descobertas. (2007. p. 01-02)

Assim, a necessidade e a contingência não se determinam por um padrão único de

conhecimento que se ajusta a essas categorias, pois, se se assere um princípio de

generalização, de universalização do conhecimento, não se elimina o caráter circunstancial da

compreensão. Segundo Hugo Mari:

Quando nos deparamos com essas duas categorias, as nossas decisões costumam assumir duas direções distintas: a necessidade nos libera para os desafios de uma opção (às vezes precipitada) pela universalidade; a contingência nos amarra numa dimensão particular espácio-temporal das acidentalidades. (2007. p. 02)

Se considerarmos, para tanto, o domínio da lógica, uma disciplina formal, como já

demonstrado acima, podemos observar que a categoria da necessidade é incorporada a partir

do princípio da universalidade, mas, enquadrar a categoria da contingência nessa dimensão

formal implica a consideração das hipóteses já apresentadas, ou seja, as teses: não-padrão ou

realista, que preserva o princípio da bivalência em detrimento da inferência determinista – a

necessidade decorre da verdade; e, padrão ou não-realista, que limita o princípio da bivalência

às proposições contraditórias sobre o passado ou o presente e as proposições contraditórias

singulares sobre o futuro não são verdadeiras ou falsas.

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Tais hipóteses abarcam, principalmente, parâmetros que apontam para a categorização

da contingência, pois as derivações no Sistema Lógico Formal não são suficientes para

expressar a referida categorização da contingência, ou seja, se um fato contingente deve ser

‘não-necessário’, ou deve ser ‘possível, mas não-necessário’ apenas lhe circunscreve um

valor indeterminado no Sistema Lógico Formal, onde outras relações estão articuladas de

modo claro e determinadas. Assim, Hugo Mari afirma que:

no domínio da língua portuguesa afirmar que o artigo antecede o nome na estrutura do sintagma nominal deve traduzir um fato necessário em relação a essa língua5. Todavia, afirmar que o adjetivo é posposto ao nome na estrutura do sintagma nominal deve ser considerado não-necessário, mas não devemos traduzi-lo como um fato contingente, já que, se existe alguma coisa de circunstancial6 no uso do adjetivo, esse circunstancial relaciona-se ao não-necessário – uma vez que em situações apropriadas ele pode anteceder o nome –, mas não ao contingente. (2007. p. 02)

Uma questão circunstancial relacionada ao não-necessário e, concomitantemente, ao

não contingente decorre da refutação, em geral, do determinismo que se resume em abarcar,

não (ou, pelo menos, não só) a possibilidade (P1) segundo a qual se assere que S pode fazer ou

ser x (pode não fazer ou não ser x) se, e somente se:

a. sua natureza seja tal que faça com que S não faça ou não seja x (faça ou seja x),

b. inexiste qualquer impedimento exterior para que S faça ou seja x (não faça ou não

seja x), ainda que (um advérbio correspondente a uma condicional relativa7) e

c. S exibe certa aptidão geral para fazer ou para ser x (para não fazer ou para não ser

x),

mas, a possibilidade (P2) segundo a qual se assere que S pode fazer x (pode não fazer x) se, e

somente se:

5 Devemos admitir que uma definição mais restritiva para a posição do artigo no sintagma nominal – ‘o artigo antecede imediatamente o nome na estrutura do sintagma nominal’ – seja considerada não-necessária, mas isso está longe de ser um fato contingente no uso do artigo em português, pois sabemos que ele é deslocado dessa posição em razão da recorrência de outros elementos: possessivos, numerais, adjetivos no sintagma. (MARI. 2007. nota 02. p. 02) 6 À posição anteposta do adjetivo ao nome devemos traduzir como uma possibilidade (que atende a certos usos consagrados, às condições de estilo, às condições de expressão...), pois, normalmente, julgamos mais natural a ordem nome-adjetivo como, por exemplo: ‘dimensão empírica’ (empírica dimensão?), ‘natureza conceitual’ (conceitual natureza?), ‘orientação cognitiva‘ (cognitiva orientação?), ‘extensão pragmática’ (pragmática extensão?), o que não exclui o uso das formas interrogadas. (MARI. 2007. nota 03. p. 02) 7 P → q. Se p, então q.

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a. sua natureza seja tal que NÃO faça com que S não faça ou não seja x (faça ou seja x),

b. inexiste qualquer impedimento exterior para que S faça ou seja x (não faça ou não

seja x), desde que (uma preposição correspondente a uma condicional absoluta8) e

c. S exibe certa aptidão geral para fazer ou para ser x (para não fazer ou para não ser

x).

E, se o determinismo se assere, em geral, pela tese de que todos os eventos que podem

ocorrer (podem não ocorrer) são os que efetivamente ocorrem (não ocorrem), a possibilidade

eliminada não é (ou, pelo menos, não só) aquela no sentido de P1, mas, sim, aquela no sentido

de P2 acima, segundo a qual se tem, ao fazer ou ser (não fazer ou não ser), uma abertura para

contrários, ou seja, uma autêntica alternativa entre fazer ou não fazer, ou ser ou não ser, algo.

Se considerarmos, agora, o domínio da lingüística em uma dimensão semântico-

pragmática, as categorias da necessidade e da contingência estão atreladas a uma orientação

empírica que diz respeito a funções pragmáticas, a que os fatos de linguagem se vinculam.

Segundo Hugo Mari,

Qualquer prática de linguagem, qualquer fato lingüístico tem uma dimensão de eventualidade preponderante. Um aspecto daquilo que consideramos a essência do homem − a sua mortalidade, por exemplo, − tem uma importância limitada do ponto de vista pragmático: raramente proferimos sentenças – como ‘Todo homem é mortal’ - para dar conta de propriedades que lembram a dimensão do necessário. As nossas predicações sobre homem não são criadas para dizer algo que está na sua essência5, mas reportam padrões que fazem um homem diferente do outro. Tristeza, alegria, desacertos, ignorância, inteligência, altura, cor, rancor, brandura são todos aspectos temáticos dos nossos enunciados que falam de uma multiplicidade contingencial do homem. Então, pensar a necessidade na linguagem não é uma tarefa simples, que estaria circunscrita apenas ao uso das chamadas expressões explicativas (adjetivos e orações adjetivas). Ao contrário, ela requer, como veremos à frente, uma avaliação de estruturas apropriadas a erigir aspectos da redundância, de duplicidade semântica que se torna incômoda e pouco natural em muitas situações, mas que se torna inevitável em outras. (2007. p. 03)

Assim, entre a necessidade bem demarcada nos Sistemas Lógicos Formais e a

contingência deixada a uma dimensão difusa, podemos afirmar que esta última é que está

sempre a representar algum desafio para a representação, alguma dimensão desconcertante do

conhecimento e, com certeza, é a partir dela que mais ampliamos o nosso universo conceitual,

como na descrição lógico-semântica da jurisprudência ou ciência do Direito.

8 P ↔ q. p se, e somente se, q.

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2.2 O Positivismo Jurídico prático e o Pós-Positivismo de Theodor Viehweg e a insuficiência de uma ciência do Direito fundada na Dogmática ou Ideologia Jurídica.

O Positivismo Jurídico Prático, distinto do Positivismo Filosófico, por sua

metodologia ou rigorismo lógico-jurídico, realiza um reducionismo do próprio fenômeno

Positivista e, nesse sentido, é uma especificidade deste, uma vez que a perspectiva científico-

positivista determina uma base única de caráter primordialmente epistemológico.9 Neste

sentido, THEODOR VIEHWEG ressalta a distinção e a especificidade:

qué significa – con respecto al positivismo filosófico – el positivismo jurídico? Se vincula, pues, con aquella posicíon positivista que tan ejemplarmente fue representada por Comte y que se manifestó en un entusiasmo rapidamente difundido por el llamado positivismo especializado.” (...) “Es ciertamente correcto que el positivismo filosófico – cuyos matices en su país originário, Francia, se extienden desde el positivismo cientificista-empirista hasta el positivismo metafísico-espiritualista – no puede ser sin más equiparado al positivismo jurídico que, a su vez, se presenta también con matices diferentes. Pero, puede constatarse que la actitud cientificista-positivista – que se encuentra en la base y con la que, por así decirlo, se comenzó – es la misma. Tiene un carácter primordialmente epistemológico. Al postular el espíritu positivo de la ciencia, se exige también que ésta esté libre de toda metafísica. Y aquí es designado como metafísico todo aquello que no puede satisfacer un concepto de experiencia estrecho y estabelecido a tal efecto. La cuestión apunta, pues, a saber qué es lo que há de excluirse de uma ciencia a fin de que esté libre de metafísica em El sentido indicado, es decir, a fin de volverla positiva. (1991. p. 54-55)

O Positivismo Jurídico Prático é descrito, por THEODOR VIEHWEG e de um

modo muito característico, como a repetição do que, diariamente, sucede a um nível

legislativo. Isto é, segundo Theodor Viehweg:

Muchos juristas, judicialmente ativos − es decir, que aplican el derecho vigente e no trabajan em El nivel legislativo −, podrían decir más o menos lo seguinte: nos

9 Diferente, ainda, de positivismo, a positivação do direito, da política ou da história, nada mais é do que o fenômeno da positivação do sujeito ou a emancipação deste, dado que o direito, a política e a história são obras essencialmente humanas, e não relações naturais eternas e imutáveis, isto é, a positivação do sujeito é determinante do direito, da política e da história. O professor TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR., acrescenta que: Há um sentido filosófico e um sentido sociológico de positivação. No primeiro, positivação designa ato de positivar, isto é, de estabelecer um direito por força de um ato de vontade. (...) direito positivo é não só aquele que é posto por decisão, mas, além disso, aquele cujas premissas da decisão que o põe também são postas por decisão. (...) O direito, com a Revolução Francesa, torna-se uma criação ab ovo. Com isso, ele instrumentaliza-se, marcando-se mais uma vez a passagem de uma prudência prática para uma técnica poética. Ou seja, para usar uma distinção aristotélica (Ética a Nicômaco, 1094 a 21), o direito passa a ser concebido como poiésis, uma atividade que se exterioriza nas coisas externas ao agente (por exemplo, com madeira fabricar uma mesa)e que por isso exige técnica, isto é, uma espécie de know-how, um saber-fazer, para que um resultado seja obtido. (...) ela não visa senão ao bem agir (ético) do próprio agente, sua eupraxia. Está aí o núcleo do fenômeno da positivação do direito em seu sentido social. (FERRAZ JR. 2003. P. 74/75)

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consideramos juspositivistas en el sentido de que estamos obligados por la Constituición a atenermos, em todas nuestras reflexiones dogmáticas, a la Constituición positiva vigente aquí y ahora, así como también a lás leyes positivas y sus equivalentes válidos constitucionalmente. Nos sentimos obligados a no sobrepasar los límites de nuestra legislación positiva. En este sentido, pensamos positivamente e evitamos todo pensamiento transpositivo. Nos parece que esto es también practicable. Consideramos que los pensamientos transpositivos son superfluos e improcedentes." (...) "cuando una jurisprudência tan austera es convertida en el vedadero núcleo de toda la ciencia del derecho, fácilmente puede promover la dictadura. Pues, es claro que queda totalmente librada al legislador. Naturalmente, en la atualidad, se confía en la Ley Fundamental, que contiene y protege una teoría material del derecho. (1991. p. 56-57)

O Positivismo Jurídico Prático, determinado sob uma base de caráter inicialmente

epistemológico, se constitui em uma ideologia de leitura do direito positivo, essencialmente

metafísica, de caráter ontológico e autopoiético10, razão pela qual o conhecimento jurídico se

vale do Positivismo para se converter em ciência. Nesta perspectiva, o Positivismo Jurídico

Prático nega o que é variável, contingente e plural, como arquétipos do conhecimento

jurídico, se sustentando, tão somente, em um discurso retórico que se limita a repetição do

que, diariamente, sucede a um nível legislativo.

O Positivismo Jurídico Prático, como a repetição do que, diariamente, sucede a um

nível legislativo, toma o direito como uma totalidade que se manifesta em um sistema de

proposições jurídicas em intrínseca e específica conexão, ou seja, a autolimitação do

pensamento jurídico ao estudo da lei, como um modo típico de pensar o direito, se

transformou na Ciência Dogmática do Direito. Trata-se, segundo TÉRCIO SAMPAIO

FERRAZ Jr., da idéia do sistema como um método, como um instrumento metódico do

pensamento dogmático no direito. (2003. P. 79-80).

A ciência dogmática do Direito, diferente de outros sistemas, como, por exemplo, do

político, do religioso e do social, segundo TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ Jr., enfatiza, ainda,

o caráter lógico dedutivo do sistema jurídico, enquanto desdobramento de conceitos e

normas abstratas da generalidade para a singularidade, em termos de uma totalidade

fechada e acabada. (2003. P. 79-80). O Positivismo Jurídico Prático ou ciência dogmática do

Direito é um sistema fundado em uma lógica binária que informa e enfatiza um processo de

subsunção ou lógico-dedutivo.

10 A teoria da autopoiésis ou autocriação, de MATURANA e VARELA, conceitua como autopoiético o sistema que pode criar sua própria estrutura e os elementos dos quais se compõe, sendo seu modelo básico os sistemas vivos. Nossa proposta é que os seres vivos se caracterizam por – literalmente – produzirem de modo contínuo a si próprios, o que indicamos quando chamamos a organização que os define de organização autopoiética (MATURANA e VARELA. 2002. P. 52)

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Assim, o Positivismo Jurídico Prático tem por característica a lógica ficcional e,

conseqüentemente, a neutralidade, a verdade (na lógica binária) e o pensamento sistêmico,

que toma a Ciência do Direito como um processo de redução da complexidade do

ordenamento jurídico positivado, recorrendo à construção de um sistema baseado em

classificações, divisões etc.

No entanto, Segundo Viehweg, se concordarmos que as normas jurídicas não podem

ser aferidas, em si mesmas, pelo critério verdade/falsidade, é necessário, portanto, controlar,

através desses critérios, as proposições e enunciados que as descrevem. O positivismo jurídico

de Kelsen não é juspositivista em sua fundamentação, mas sim em sua elaboração posterior,

pois, se apresenta inicialmente sob uma influência NeoKantiana. (Viehweg. 1991. p.56) Hanz

Kelsen, em Teoria Pura do Direito e sobre as diferenças entre o princípio da causalidade e o

princípio da imputação, firma que:

A forma verbal em que são apresentados tanto o princípio da causalidade como o da imputação é um juízo hipotético em que um determinado pressuposto é ligado com uma determinada conseqüência. O sentido da ligação, porém, é - como já vimos -diferente nos dois casos. O princípio da causalidade afirma que, quando é A, B também é (ou será). O princípio da imputação afirma que, quando A é, B deve ser. Como exemplo de uma aplicação do princípio da causalidade numa lei natural concreta remeto para a lei já referida que descreve a ação do calor sobre os metais. Exemplos de aplicações do princípio da imputação no domínio das ciências sociais normativas são: quando alguém te fez algum bem, deves mostrar-te agradecido; quando alguém sacrifica a sua vida pela pátria, a sua memória deve ser honrada; quando alguém pecou, deve fazer penitência. São proposições de Moral, ou leis morais, em que são representadas normas positivas, isto é, normas estabelecidas pelos comandos de um chefe religioso ou pelo costume. Proposições ou leis jurídicas em que são representadas as normas positivas estabelecidas por um legislador ou através do costume são, por exemplo, as seguintes: quando alguém comete um crime, deve ser punido; quando alguém não paga o que deve, deve ser executado o seu patrimônio. A distinção entre causalidade e a imputação reside em que – como já notamos - a relação entre o pressuposto, como causa, e a conseqüência, como efeito, que é expressa na lei natural, não é produzida, tal como a relação entre pressuposto e conseqüência que se estabelece numa lei moral ou jurídica, através de uma norma posta pelos homens, mas é independente de toda a intervenção desta espécie. Visto que o sentido especifico do ato através do qual é produzida a relação entre pressuposto e conseqüência numa lei moral ou jurídica é uma norma, pode falar-se de uma relação normativa - para a distinguir de uma relação causal. “Imputação” designa uma relação normativa. É esta relação - e não qualquer outra - que é expressa na palavra “dever-ser”, sempre que esta é usada numa lei moral ou jurídica. Uma outra distinção entre causalidade e imputação consiste em que toda a causa concreta pressupõe, como efeito, uma outra causa, e todo o efeito concreto deve ser considerado como causa de um outro efeito, por tal forma que a cadeia de causa e efeito - de harmonia com a essência da causalidade - é interminável nos dois sentidos. Daí vem que todo o evento concreto seja o ponto de intercepção de um número em princípio limitado de séries causais. A situação é completamente diferente no caso da imputação. O pressuposto a que é imputada a conseqüência numa lei moral ou jurídica, como, por exemplo, a morte pela pátria, o ato generoso, o pecado, o crime, a que são imputados, respectivamente, a veneração da memória

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do morto, o reconhecimento, a penitência e a pena, todos esses pressupostos não são necessariamente conseqüências que tenham de ser atribuídas a outros pressupostos. E as conseqüências, como, por exemplo, a veneração da memória, o reconhecimento, a penitência, a pena, que são imputadas, respectivamente, à morte pela pátria, ao ato generoso, ao pecado e ao crime, não têm necessariamente de ser também pressupostos a que sejam de atribuir novas conseqüências. O número dos elos de uma série imputativa não é, como o número dos elos de uma série causal, ilimitado, mas limitado. Existe um ponto terminal da imputação. Na série causal, porém, tal ponto não existe. A pressuposição de uma primeira causa, de uma prima causa, o análogo do ponto terminal da imputação, é inconciliável com a idéia da causalidade - pelo menos com a idéia da causalidade tal como ela se apresenta nas leis da física clássica. A representação de uma primeira causa que, como vontade criadora de Deus ou como vontade livre do homem, desempenha na metafísica religiosa um papel decisivo, é igualmente um resíduo do pensamento primitivo em que o princípio da causalidade ainda não se havia emancipado do da imputação. (KELSEN. 1998. P. 63-64)

E Theodor Viehweg afirma a existência, em última instância, de um texto

constitucional que é remissivo a contextos mais amplos ou transpositivos e que se apresenta

sem interpretação, pois são interpretáveis de modos diversos. Mais propriamente, Viehweg

afirma que:

Pero,en última instancia, el textoconstitucional es sólo un texto o hasta un texto parcial que, por cualquier motivo, remite a contextos más amplios, es decir, transpositivos, los cuales, por lo pronto, se apresentam sin interpretación y son interpretables de muy diferente manera. Se repite pues − simplesmente a un nivel superior − lo que diariamente sucede a nivel legislativo; (1991. p. 57)

E, para tanto, Theodor Viehweg acrescenta que:

Esta situación es tenida en cuenta por las dos teorías más importantes de la filosofía jurídica y social cuando – coincidiendo en neste punto - sostienen que la actitud juspositivista que se acaba de describir no há sido pensada hasta sus últimas consecuencias y, por lo tanto, es un engaño. Cuando hablo de las teorías más importantes, me refiro, naturalmente, al tomismo-aristotélico y al marxismo-leninismo11. Ambas son estrictamente antipositivista, también en el sentido que aquí interesa. Ambas sostienen que el deseado aislamiento juspositivista es inconcebible in thesi y por ello – como es fácil de demostrar – no há sido tampoco nunca realizado in praxi. Pues sería imposible, por así decirlo, adherir a un pensamiento secundário y poner entre parêntesis al primario. En verdad, no sería posible detenerse en el eligido estádio de la meditación sino que, más bien, necesariamente se realizan por dequier reflexiones transpositivas. Si seriamente se las quisiera controlar (algo que sería la tarea de una ciencia) y no simplesmente disimularlas (como supone por nuestra parte el marxismo-leninismo), habría que decidirse por una concepición primária más amplia y el correspondiente método. Con otras palabras: ambas doctrinas coinciden en afirmar que, por razones lógicas, el positivismo jurídico-prático aquí descrito no puede satisfacer la función social de uma dogmática jurídica. (1991. P. 57-58)

11 Tais doutrinas afirmam, por razões lógicas, que o positivismo jurídico-prático, por Theodor Viehweg descrito, não pode satisfazer a função social de uma dogmática jurídica.

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Nesse sentido, o autor aponta o desdobramento do objeto da ciência do Direito em

uma perspectiva de criação do Direito e em uma perspectiva de aplicação do Direito. Essa

distinção e, conseqüentemente, a negação da repetição do que, diariamente, sucede a um nível

legislativo, propicia a caracterização de uma perspectiva pós-positivista, ou mais

propriamente o Pós-Positivismo como uma ciência falibilista ou, mesmo, transpositivista e

decorrente do fenômeno da positivação. Um Pós-Positivismo que, na perspectiva do

Positivismo, inverte a lógica da argumentação positivista jurídico-prática, sob o arquétipo da

prevalência do raciocínio problemático, que privilegia o pensamento a partir do problema em

concreto, em detrimento do raciocínio sistemático ou lógico dedutivo, que privilegia a

subsunção do problema à norma.12

Outra característica do Pós-Positivismo é a adoção do critério de correção normativa,

fundado em uma lógica de três ou múltiplos valores, em detrimento do critério de verdade

fundado em uma lógica binária, pois, se o direito não integra o mundo objetivo, mas, sim, o

mundo intersubjetivo, variável, contingente e plural, o acesso à realidade será, então, mediado

pela linguagem ou proposições lingüísticas, uma vez que o termo verdade só pode predicar as

proposições e não a própria realidade.

Nesse sentido, distinto da verificação da verdade, que por não poder assim predicar

uma proposição, em razão de não haver aceitabilidade acerca da correspondência entre o

enunciado descritivo13 e os fatos, implica a necessidade de se alterar a (ou produzir nova)

proposição, o critério de correção normativa de um enunciado que prescreve normas de ação

não pode ser objeto de verificação a não ser comparando-o a outro enunciado normativo, que,

como aquele, não descreve, mas prescreve uma realidade. E prescrever implica que, se é

verdade que os fatos podem nos demonstrar e provar que nossas proposições são falsas, eles

não podem, no mesmo sentido, demonstrar e provar que nossas proposições são verdadeiras

ou falsas, corretas ou incorretas. Em razão disso é que o critério de correção normativa, em

uma perspectiva epistemológica e Pós-Positivista, substitui a busca pela verdade no

conhecimento jurídico, uma perspectiva Positivista Jurídico-Prático, que se vale do

Positivismo para se converter em ciência, pela correção normativa na aplicação de normas

jurídicas a um determinado contexto, fundada em uma lógica de três ou múltiplos valores.

12 A prevalência do raciocínio problemático, que privilegia o pensamento a partir do problema em concreto, em detrimento do raciocínio sistemático ou lógico dedutivo, que privilegia a subsunção do problema à norma, é correspondente à Tópica e Jurisprudência de Theodor Viehweg descrita no próximo tópico. 13 Para a inteligibilidade da diferença entre um enunciado descritivo e um enunciado narrativo veja o anexo 4.

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O Pós-Positivismo, que se caracteriza pela negação da repetição do que, diariamente,

sucede a um nível legislativo e pela distinção entre o plano de criação e o plano de aplicação

das normas jurídicas positivas, na busca de um conhecimento de ordem hemenêutica, se

fundamenta na assertiva de que se é verdade que toda norma legal é genérica no plano da sua

criação, não deve ser aplicada indistintamente em qualquer circunstância.

Mas esta questão nos remete à necessidade de nos aprofundarmos em dois pontos

específicos Positivismo Jurídico Prático, ou seja, mais precisamente, o ceticismo diante de

interpretações e legitimações mais amplas, ou seja, segundo Theodor Viehweg,

o esencial es que la comprensible limitación a la que se somete el positivismo práctico contiene dos puntos: 1) escepticismo frente a interpretaciones más amplias e − estrechamente vinculado con ello −; 2) escepticismo frente a legitimaciones más amplias. (1991. p. 58)

Se há um ceticismo diante de interpretações mais amplas, então se tem que buscar

limitar a interpretação e, para tanto, operar com conceitos efetivamente unívocos entre texto e

contexto situacional. No entanto, a linguagem natural ou ordinária é o meio menos adequado

para a busca da referida unicidade de conceitos, pois, para poder descrever ou mesmo falar

acerca da realidade é imprescindível a amplitude de interpretações elásticas e, portanto, não

unívocas. Mas, ainda assim, existe a possibilidade de criarmos termos rigorosamente

definidos com a ajuda da linguagem ordinária, embora, nela mesma, o caráter estrito do

Positivismo Jurídico Prático vá sempre fracassar. Segundo Theodor Viehweg:

Si en la posición juspositivista aquí considerada se adopta una posición escéptica frente a la interpretación y ella es tomada realmente en serio, entonces en la actualidad ya no basta con limitarse cándidamente a prometer una cautela interpretativa.Más bien, si desea ser coherente, la actitud aquí descrita está obligada, en última instancia, a apartase de la antiga concepción humanista del lenguaje, que subyace a toda ciencia del espíritu hermenéutico y a pasar a una concepción técnico-cientificista del lenguaje, que subyace a todas las ciencias de orientación matemática.Sólo de esta manera es realizable exactamente el positivismo jurídico práctico al que aquí se aspira. (1991. P. 59)

E, como podemos perceber, não se pode, na perspectiva de uma linguagem ordinária,

alcançar, se quer mesmo pretender alcançar, a exatidão matemática de uma linguagem

técnico-científica. Mas esta linguagem técnico-científica garante ao Positivismo Jurídico

Prático a base fundamental para a aplicação da Lei livre de toda interpretação. Nesse sentido

Theodor Viehweg afirma que

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es imposible, por una parte, atenerse al lengueje genuino y, por otra, aspirar a una exactitud matemática. Sin embargo, tal parece ser el programa del positivismo jurídico prático. Es pues, incoherente. Uno tendría que decidirse por la matematización que opera con una prescrición de interpretación inequívocamente estabelecida y, por lo tanto, excluye pensamientos transpositivos. Si se procede así, resultan posibilidades hasta cierto punto sorprendentes. Pues, si se recurre a la lógica matamática moderna − que si no exclusiva sí esencialmente se ha desarrollado en el terreno del positivismo filosófico − se llega finalmente, a través de una formalización en el sentido algorítmico, a la automatización. Podría decirse que ella y sólo ella es en la actualidad un positivismo jurídico coherente en el sentido indicado. Pues, con la ayuda de la lógica proposicional bivalente, es decir, con la ayuda de un medio relativamente sencillo, se puede ya hoy, al menos en algunos campos del derecho, realizar electrónica-automaticamente con la deseable exactitud aquello que reclama el positivimo jurídico práctico. (1991. P. 59-60)

Já, no que diz respeito ao ceticismo diante de legitimações mais amplas, outro ponto

específico do Positivismo Jurídico Prático, se pressupõe conceitos como elementos de cálculo

já previamente determinados univocamente, ou seja, a determinação de uma linguagem

técnico-científica como caráter essencial do Positivismo Jurídico Prático. Mais

especificamente, se trata do que incluo na prescrição para a interpretação do cálculo jurídico

ter que aparecer como legitimado ou, mais propriamente dito, se trata de um pensamento

secundário que pode empreender um curso ordenado se, e somente se, o pensamento primário

foi previamente determinado. No entanto, segundo Theodor Viehweg

El positivismo jurídico-prático tendría que reflexionar al respecto, algo que tampoco hace. Se atiene a los principios constitucionales y esquiva la cuestión estrita acerca de qué sucede en realidad teóricamente cuando aquéllos son interpretados extensiva o restritivamente. (1991. P. 61)

Assim, o Pós-Positivismo, que se caracteriza pela negação da repetição do que,

diariamente, sucede a um nível legislativo, na busca de um conhecimento de ordem

hemenêutica, se fundamenta também na necessidade de uma adequada relação recíproca entre

dogmática-jurídica e investigação jurídica. E a convergência da investigação jurídica implica

a participação de disciplinas específicas como a filosofia do direito, a história do direito, a

sociologia do direito, a criminologia e psicologia etc.

E se o Pós-Positivismo adota do critério de correção normativa, fundado em uma

lógica de três ou múltiplos valores, em detrimento do critério de verdade fundado em uma

lógica binária, em razão do direito não integrar o mundo objetivo, mas, sim, o mundo

intersubjetivo, variável, contingente, plural ou, mais propriamente dito, do acontecimento

entre o valor pressupostamente analítico da lei e o caráter contingente de sua aplicação, o

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acesso à realidade será, então, mediado pela linguagem ou proposições lingüísticas, ainda que

o termo verdade só possa predicar as proposições e não a própria realidade.

2.3 O acontecimento entre o valor pressupostamente analítico da Lei e o caráter contingente de sua aplicação.

A incursão mais determinante em favor da contingência deve-se à relevância atribuída

à questão do acontecimento como um contínuo ou sempre um novo padrão de informação a

ser incorporado no âmbito das teorias, principalmente no âmbito do raciocínio jurídico onde é

constante a ordem do necessário desfazer-se em razão do acontecimento, ou seja, em uma

perspectiva no domínio da lingüística, toda definição no âmbito do raciocínio jurídico,

considerando a função do necessário em uma atividade metalingüística, é propriamente o

necessário, como a relação entre o conjunto das predicações do definidor já contidas no

termo-objeto definido, revertido ou subvertido pelo acontecimento.

Mais especificamente, podemos asserir que o acontecimento problematiza o fato de

que tais predicações necessárias, nas circunstâncias de uso de uma língua, implicam fatos que

são pressupostos no uso de um termo objeto, considerando, para tanto, que não há interesse,

qualquer que seja o processo interlocutivo, principalmente os processos interlocutivos

relacionados ao raciocínio jurídico, de construir predicações analíticas sobre um termo-objeto,

pois, o domínio desse termo-objeto já implica o domínio dessas predicações como

pressupostas. Isto é, o valor (que se supõe) analítico da lei é um pressuposto, quando é

aplicada temos dela uma dimensão contingente.

Em uma perspectiva interdisciplinar, é a filosofia da linguagem, a lingüística e a

lógica que dialogam com o objetivo de elucidar o quadro metodológico da descrição lógico-

semântica da jurisprudência ou ciência do direito, a partir de uma investigação da necessidade

por simplificação e da necessidade por hipótese na categorização do imaginário jurídico-

discursivo.

A partir do ideal positivista de ciência da natureza, a jurisprudência ou ciência do

direito busca, na descrição do comportamento dos objetos em determinado campo objetivo, a

explicação desse comportamento e a criação de possibilidades de sua previsão. Assim, a

ciência do direito constrói teorias ou sistemas axiomáticos que constituem hipóteses genéricas

que se confirmam pelos experimentos empíricos e, na perspectiva do paradoxo da

confirmação (a universalização de proposições particulares), servem de prognóstico para a

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ocorrência de fenômenos que obedecem às mesmas condições descritas teoricamente, como

podemos observar, inicialmente, no quadro esquemático das proposições simples abaixo:

Quadro lógico para proposições simples:

¬[∃c (¬Pc)] Nego que algum corvo não é preto

≅≅≅≅ Todo corvo é preto ∀c (Pc)

¬[∃c (Pc)] Nego que algum corvo é preto

≅≅≅≅ ∀c (¬Pc) Nenhum corvo é preto

A

I

E O

Algum corvo é preto ∃c (Pc) ≅≅≅≅

Nego que nenhum corvo é preto ¬[∀c (¬Pc)]

∃c (¬Pc) Algum corvo não é preto ≅≅≅≅

Nego que todo corvo é preto ¬[∀c (Pc)]

Oposição contraditória

∀ - Para todo; ∃ - Existe pelo menos um; ¬ - negação; ≅ - semelhança; C - corvo; P - preto

Para tanto, recorremos ao Paradoxo da Confirmação que descreve os problemas

associados à indução, ou seja, se é comum pensar que todas as vezes que descubro um corvo

preto estou confirmando a universalização (diferente de generalização14) de proposições

particulares, ou seja, de Este corvo é preto ou Cx ∧ Px para Todos os corvos são pretos ou ∀∀∀∀x

14 Tradicionalmente, os Universais foram chamados “noções genéricas”, “idéias” ou “entidades abstratas”. Costumava-se contrapor os universais aos particulares, e estes últimos foram equiparados a entidades concretas ou singulares. Um problema capital em relação aos “universais” é o do seu status ontológico. Trata-se de determinar que classe de entidades correspondentes aos universais, isto é, qual a sua forma peculiar de ‘existência”. A questão foi exposta com freqüência na história da filosofia, sobretudo desde de Platão e Aristóteles; mas, como foi discutida intensivamente durante a Idade Média, é costume colocar-se nesse período a origem da chamada questão dos universais. O Gênero é uma classe que tem maior extensão e, por conseguinte, menor compreensão do que outra, chamada espécie. Assim, por exemplo, a classe dos animais é um gênero em relação à classe dos homens, a qual é uma espécie do dito gênero. Mas, a classe dos animais é uma espécie do gênero que constitui a classe dos seres vivos. Quando um gênero abrange todas as espécies, chama-se “gênero generalíssimo” ou “gênero supremo”: exemplos deste gênero são (segundo os autores), a substância, a coisa ou o ser. Alguns autores, entretanto, falam de gêneros supremos (no plural) e os consideram como gêneros indefiníveis que servem para definir os outros gêneros e não são eles próprios espécies de nenhum outro gênero; tais gêneros equivalem então às categorias consideradas como noções primordiais e irredutíveis. A noção de gênero foi definida de muitas maneiras pelos filósofos, que, ademais, a identificaram com freqüência com outros conceitos. Platão, por exemplo, falou muitas vezes dos gêneros como idéias. Aristóteles (em Top., I 5, 102 a 31) define o gênero como o atributo essencial aplicável a uma pluralidade de coisas que diferem entre si especificamente; a definição aristotélica constitui, em linhas gerais, a base para a concepção que tem do gênero os lógicos de tendência clássica.

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Cx → Px. A confirmação tem o seguinte mecanismo de funcionamento: a universalização

Todos os corvos são pretos ou Cx → Px é equivalente a negação de que Algum corvo não é

preto ou ¬[Cx ∧ ¬Px], e, só assim, podemos negar que Nenhum corvo é preto ¬¬¬¬(Cx → ¬Px),

que seria equivalente a Algum corvo é preto ou Cx ∧ Px, como demonstrado no quadro

esquemático das proposições abaixo:

Quadro lógico para proposições compostas:

A E Ι O

Isto é, a universalização Todos os corvos são pretos Cx → Px é confirmada sempre

que me deparo com algo não-preto que é um não-corvo ou ¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Cx, como o meu fusca

que é amarelo, pois, Algum não-preto é não-corvo ou ¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Cx é a proposição particular de

Todo não-preto é não-corvo ou ¬¬¬¬Px → ¬¬¬¬Cx; e, sempre que me deparo com a confirmação de

que Todo não-preto é não-corvo ou ¬¬¬¬Px → ¬¬¬¬Cx confirmo, por equivalência, que Todos os

corvos são pretos ou Cx → Px e, por conseguinte, o particular Algum corvo é preto ou Cx ∧∧∧∧

Px.

No entanto, podemos observar que Algum preto não é corvo ou Px ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Cx, ou Algum

não corvo é preto ou ¬¬¬¬Cx ∧∧∧∧ Px, como O meu fusca é preto, não integra o quadro de

proposições compostas em termos de equivalência nas oposições subalternas, contrárias e

contraditórias no quadro em que Todos os corvos são pretos Cx → Px.

∀∀∀∀ - Para todo; ∃∃∃∃ - Existe pelo menos um; ∧∧∧∧ - e; ∨∨∨∨ - e/ou; ¬¬¬¬ - negação; →→→→ - se, então; C - corvo; P - preto; x – variável, uma coisa qualquer.

∀∀∀∀x [Cx →→→→ ¬¬¬¬Px] = ¬¬¬¬[Cx ∧∧∧∧ Px] ∀∀∀∀x [Cx →→→→ Px] = ¬¬¬¬[Cx ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Px]

∃∃∃∃x [¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Cx] = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Px →→→→ Cx] ∃∃∃∃x [¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ Cx] = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Px →→→→ ¬¬¬¬Cx]

∀∀∀∀x [¬¬¬¬Px →→→→ ¬¬¬¬Cx] = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ Cx]

∃∃∃∃x [Cx ∧∧∧∧ Px] = ¬¬¬¬[Cx →→→→ ¬¬¬¬Px]

∀∀∀∀x [¬¬¬¬Px →→→→ Cx] = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Cx]

∃∃∃∃x [Cx ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Px] = ¬¬¬¬[Cx →→→→ Px]

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Assim, sempre que vejo fuscas amarelos, estou confirmando que todos os corvos são

pretos. Consideremos, para tanto, as equivalências a partir das oposições contraditórias nos

esquemas apresentados no quadro acima. No entanto, sempre que vejo fuscas pretos, não

confirmo que todos os corvos são pretos, pois, as proposições Algum preto não é corvo ou Px

∧∧∧∧ ¬¬¬¬Cx, ou Algum não corvo é preto ou ¬¬¬¬Cx ∧∧∧∧ Px, como O meu fusca é preto não encontram

equivalências no quadro lógico para proposições compostas em que há a proposição Todos os

corvos são pretos Cx → Px confirmada pela proposição ¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Cx ou o meu fusca é

amarelo

A afirmação de que a equivalência das proposições relacionadas, na oposição

contraditória, demarca o caráter contingente da quantificação (universal e particular)

conjugado com a qualificação (afirmação e negação) corresponde à inversão do sujeito e do

predicado combinado com certo aspecto ou condição do sujeito ou do predicado, ou seja, da

recursividade que demarca uma oração complexa − uma estrutura (uma oração) dentro de

outra estrutura da mesma classe (outra oração), como podemos representar mais

especificamente no quadro abaixo:

Notação Lógica Proposições Equivalência C → P P → C

P1 Todo corvo é preto. (A) P2 Todo preto é corvo. (A)

Não Equivalentes

C → P ¬P → ¬C

P1 Todo corvo é preto. (A) P2 Todo não preto é não corvo. (A)

Equivalentes

C ∧ ¬P ¬P ∧ C

P3 Algum corvo é não preto. (O) P4 Algum não preto é corvo. (O)

Equivalentes

C ∧ P ¬P ∧ ¬C

P5 Algum corvo é preto. (I) P6 Algum não preto é não corvo. (I)

Não Equivalentes

C ∧ P P ∧ C

P7 Algum corvo é preto. (I) P8 Algum preto é corvo. (I)

Equivalentes

C - corvo; P - preto

Ou seja, não é claro que se possa fazer uma troca do antecedente com o conseqüente

em Todo corvo é preto ou Cx → Px para Todo preto é corvo ou Px → Cx, ainda que Todo

corvo é preto ou Cx → Px para Todo não preto é não corvo ou ¬Px → ¬Cx sejam

equivalentes. Mais precisamente, devemos considerar que uma propriedade (no caso, ser

preto) deve ter uma extensão diferente ou maior dos objetos a que se aplica, senão seria

propriedade de um único objeto e se confundiria com o próprio objeto. E isso, se pode

observar na não equivalência entre os pares de proposições Algum preto não é corvo ou Px ∧∧∧∧

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¬¬¬¬Cx ou Algum não corvo é preto ou ¬¬¬¬Cx ∧∧∧∧ Px e Algum corvo não é preto ou Cx ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Px ou

Algum não preto é corvo ou ¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ Cx, em qualquer combinação que possa ser considera.

Também não poderia dizer ¬Cx →¬Px, porque isso ainda implicaria admitir que a

propriedade ser preto seria exclusiva do objeto corvo, pois, negar o objeto implicaria negar a

propriedade preto para esse objeto. Somente em frases como é verdade que Todo homem

pensa ou é verdade que Hx → Px, contraditória a é falso que Algum homem não pensa ou é

falso que Hx ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Px, podemos admitir o paradoxo se considerarmos pensar uma propriedade

exclusiva de homem.

E assim, podemos afirmar que a ocorrência de tais fenômenos, como é o Paradoxo da

Confirmação, só confirma o fato de que não escapamos ao pressuposto da variação de

contexto (de tempo e de espaço), do contingente, da possibilidade, da regularidade duvidosa,

do estabelecimento de prognósticos alternativos que, fundados cientificamente e

universalizados, revelam as dificuldades ou os problemas associados à indução – revelam o

acontecimento e nele a impossibilidade da inversão de sujeito e predicado, como demonstrado

acima.15

Em outro exemplo, abordando a recursividade das proposições, sobre a realidade da

"educação", podemos, em certo aspecto ou a partir de determinada condição, considerá-la

como "parte das estratégias de dominação da sociedade, alienando o homem" e, em outro

aspecto, variada a condição, podemos abordá-la como "direito de todos e condição de

cidadania", como demonstrado no quadro abaixo:

P: "A educação é um instrumento de alienação."

Condição 1 [Escola como um Aparelho Ideológico de um Estado]

"parte das estratégias de dominação da sociedade, alienando o homem." P é V

Condição 2 [Escola como um programa social de um governo]

"direito de todos e condição de cidadania." P é F

15 Para tanto, nossa investigação, no terceiro e quarto capítulos, abarca a Teoria da "many-valued logic" como o Sistema Lógico-filosófico de Jan Lukasiewicz, a Teroria da "The Semantic Conception of Truth" como o Sistema Lógico-filosófico de Alfred Tarski aplicada à Jurisprudência.

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¬¬¬¬P: "A educação não é um instrumento de alienação."

Condição 1 [Escola como um Aparelho Ideológico de um Estado]

"parte das estratégias de dominação da sociedade, alienando o homem." ¬¬¬¬P é F

Condição 2 [Escola como um programa social de um governo]

"direito de todos e condição de cidadania." ¬¬¬¬P é V

Na perspectiva do princípio do terceiro excluído, a proposição "a educação é

instrumento de alienação" não pode verdadeira e falsa, mas, sim, verdadeira ou falsa. No

entanto, dadas as variações que concernem a certos aspectos ou condições do sujeito ou do

predicado, a recursividade que demarca uma oração complexa não escapa ao contingente. Se

universalizada, essa recursividade revela as dificuldades e os problemas associados à indução,

ou seja, revela o acontecimento encoberto pelo paradoxo da confirmação. Mais

especificamente, revela que P (sob a condição 1) e ¬¬¬¬P (sob a condição 2), sob diferentes

condições, podem ser verdadeiros ao mesmo tempo. Assim, tanto é verdade que algum corvo

não é preto quanto é verdade que algum corvo é preto.

Entre os princípios norteadores do raciocínio lógico, o princípio da não-contradição é

criticado considerando a existência de situações contraditórias na realidade que negam esse

mesmo princípio aristotélico. Isso, porém, não anula o princípio da não-contradição aplicado

às proposições categóricas, pois, se a proposição "a educação é instrumento de alienação" é

considerada verdadeira em determinadas condições, nessas mesmas condições a proposição

"nem toda educação é instrumento de alienação" e "nenhuma educação é instrumento de

alienação" é falsa. Para afirmar a primeira proposição como verdadeira, deve-se anunciar as

condições em que ela pode ser verdadeira, e não serão, obviamente, as mesmas condições em

que “a educação é instrumento de alienação” é considerada como proposição verdadeira.

A aparente refutação do princípio da não-contradição é fundada no fato de que toda

proposição lingüística, como a junção sujeito-predicado, é fundamento do pensar, do falar e

do conhecer, e oculta, como padrão característico de uma proposição, o contingente como a

presença de um estado-de-coisas ou como a primazia da pragmática na determinação de todo

esse processo, sem que haja a distinção de certo aspecto ou condição do sujeito ou do

predicado entre as proposições categóricas ou lingüísticas, ou seja, a recursividade que

demarca uma oração complexa é a mesma em ambas as proposições em relação de oposição.

Mais especificamente, teríamos P (como um Universal Afirmativo sob a condição 1) e ¬¬¬¬P

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(como um Particular Negativo sob a condição 2), sob idênticas condições, podem ser

verdadeiros ao mesmo tempo.

Entre os princípios norteadores do raciocínio lógico formal e simbólico, o princípio da

não-contradição e o princípio do terceiro excluído são criticados considerando a existência

dos contingentes e/ou das verdades concorrentes em situações contraditórias e particulares,

dada a primazia da pragmática na determinação de todo esse processo. A aparente refutação

do princípio da não-contradição é fundada no fato de que toda proposição, como a junção

sujeito-predicado, é fundamento do pensar e do falar, e tem reduzido a ela, como padrão

característico de uma proposição lingüística, o processo de enunciação e a referência

semântica ou processo de produção de sentido como uma especificidade do processo de

referência. Os princípios norteadores do raciocínio lógico contemplam apenas a relação

sujeito-predicado e desconhecem a dimensão do acontecimento ou do contingente das

proposições, por exemplo: a proposição "A educação é um instrumento de alienação." pode

não ser nem verdadeira e nem falsa ou, mesmo, contraditória, considerando aplicações

pragmáticas que possam revelar que a educação pode ser instrumento de alienação em alguns

aspectos indeterminados.

Assim, se a sintaxe é a conexão de signos com outros signos, a semântica é a conexão

entre significados de signos com significados de outros signos ou com objetos, cuja

fundamentação é composicional, e a pragmática, como conexão situacional, é a utilização

desse acumulado entre sintaxe e semântica pelos respectivos partícipes; então, dada a

complexidade das estruturas narrativas e dos processos referenciais, como o processo de

enunciação e a referência semântica ou processo de produção de sentido como uma

especificidade do processo referencial, podemos demonstrar que o modo de pensar não-

situacional, como atividade intelectual, provoca menos dificuldades que o modo de pensar

situacional. Entretanto, libertar uma estrutura de pensamento das perturbações advindas da

situação pragmática, tornando possível dispor de sua isolada construção sintática, semântica e

dedutiva como base fundamental para a hierarquização de signos de um sistema racional

dedutivo – a racionalidade jurídica, por exemplo, como uma racionalidade sistemático-

dedutiva –, afasta todo questionamento sobre a complexidade da problemática situacional

fundada na recusa de uma segurança meramente sistêmica combinada com a exigência, para

além da sua dimensão sintático-semântica, de uma fundamentação plena e abarcante.

Na linguagem jurídica, a operacionalização do discurso é uma técnica de manipulação

de termos sem significado ou, a princípio, sem referência semântica alguma, mas, se inseridos

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entre fatos condicionantes (primeira premissa) e conseqüências condicionadas (segunda

premissa), ao juízo deste se pode atribuir referência semântica (conclusão), que não é

correspondente a uma determinada realidade ou qualidade, senão a um valor16. Assim, a

proposição ou a operacionalização do discurso, como uma linguagem jurídica, que é

categorizada como não-constatativa ou de indeterminação quanto a algum estado de coisas

pode ser contraditória ao padrão característico de uma proposição lingüística que, na junção

sujeito-predicado, reduz um estado-de-coisas ou a primazia da pragmática na determinação de

todo esse processo que envolve o juízo distinto do primeiro, acima referido.

No entanto, paradoxalmente, essa realidade ou essa “primazia da pragmática” é base

fundamental para a imprescindibilidade prático-ética, distinta de uma lógico-teórica, do

princípio da não-contradição como constitutivo de um pressuposto fundamental para a vida

ordinária (atividades comunicativas, sociais, etc.) e para as atividades práticas dissociadas de

toda sorte de problemas, ou seja, dissociada do contingente como necessidade por hipótese

oposta à necessidade por simplificação.

Se a enunciação da matéria necessária é aquela que não pode deixar de convir ao

sujeito, ou ser simplesmente necessidade por simplificação, e a enunciação de matéria

contingente é aquela cujo predicado pode convir ou não convir ao sujeito, ou ser

simplesmente necessidade por hipótese, então o princípio da não-contradição, considerando a

recursividade que demarca uma oração complexa, implica na coexistência da necessidade e da

contingência, pois, não há como negar a necessidade sem que estejamos negando também à

contingência ou negando esta estaríamos negando àquela.

Para tanto, no que concerne ao Direito ou à jurisprudência, desdobramos a

continuidade da discussão nos tópicos que seguem: Tópica e Jurisprudência em Theodor

Viehweg, raciocínio lógico dedutivo aplicado ao Direito de Manuel Atienza e "Tû-Tû" em Alf

Ross.

2.4 A Tópica e Jurisprudência em Theodor Viehweg: uma descrição lógico-semântica da jurisprudência para a determinação do contingente.

Em Tópica e Jurisprudência, VIEHWEG faz uma alusão ao filósofo italiano GIAN

BATTISTA VICO que, no início do século XVIII, escreve uma dissertatio na qual pretendia

16 Como veremos em Tû-Tû de Alf Ross, no capítulo 4.

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realizar uma conciliação entre o método filosófico antigo prevalecente e o moderno. Para

VICO, segundo VIEHWEG, se referindo aos métodos científicos: o método antigo se

caracteriza como retórico ou tópico, por partir não de um primum verum (verdade primária),

mas do sensus communis (senso comum), ou seja, considera: o verossímil que contrapõe

ângulos diversos e conclui através de uma rede de silogismos; e o método moderno, ou crítico

cartesiano, que consiste em não tomar como marco inicial ou ponto de partida, para uma

inferência lógica, nada que não seja absolutamente certo ou evidente (primum verum), e que,

pela via da lógica ou derivação dedutiva, se demonstre mediante procedimentos similares aos

da matemática e da geometria. Mais especificamente, Viehweg afirma que:

Tudo isto, porém, segundo Vico, pode ser evitado pelo antigo método retórico e, especialmente, pela sua peça medular, a tópica retórica. Esta proporciona sabedoria, desperta a fantasia e a memória e ensina como considerar um estado de coisas de ângulos diversos, isto é, como descobrir uma trama de pontos de vista. Deve-se intercalar, diz Vico, o antigo modo de pensar tópico com o novo, pois este sem aquele na verdade não se efetiva. (1979. P. 21)

Em Tópica e Jurisprudência, no parágrafo terceiro, VIEHWEG faz uma análise da

tópica, caracterizando-a não como um método, no sentido aristotélico, mas como uma técnica

do pensamento problemático, e, assim, se conciliando mais com a Tópica Ciceroniana do que

com a Tópica Aristotélica. Neste sentido, se os objetos dos raciocínios jurídicos são os

problemas que se apresentam em quaisquer situações, ou seja, se o direito é, essencialmente,

pautado por argumentações que giram em torno de problemas práticos, VIEHWEG afirma

que a Tópica ou a atitude espiritual a ela subjacente é algo que o raciocínio jurídico deve,

necessariamente, possuir. Assim, se VIEHWEG nega o direito como um sistema dedutivo,

nega, também, a tópica como um método.

A tópica, como técnica do pensamento que se orienta para o problema objetivo e

concreto, pretende fornecer indicações de como se comportar em situações de aporia, ou seja,

uma situação que designa uma questão que, dada a dificuldade e dúvida, é estimulante e

iniludível17, “a fim de não se ficar preso, sem saída” (VIEHWEG. 1979. P. 33). A tópica é

uma busca de um caminho para a resolução de uma situação problemática, cujo próprio

17 “Trata-se, em suma, do que se chama aporías ou pensamento aporético, isto é, o pensamento que vem provocado pelo problema que assedia e do qual não se pode esquivar, suscitando aquela situação de ânimo que Boécio chamou dubitatio. Percebe-se o problema – de conduta humana prática – como algo dado e como algo que nos dirige, isto é, como o que suscita ou põe em marcha o pensamento” (RECASÉNS SICHES. 1971. P. 353).

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problema é “algo previamente dado, que atua sempre como guia” (VIEHWEG. 1979. P. 34)

E problema, a partir de VIEHWEG, é

toda questão que aparentemente permite mais de uma resposta e que requer necessariamente um entendimento preliminar, de acordo com o qual toma o aspecto de questão que há que levar a sério e para a qual há que buscar uma resposta como solução. Isto se desenvolve abreviadamente do seguinte modo: o problema, através de uma reformulação adequada, é trazido para dentro de um conjunto de deduções, previamente dado, mais ou menos explícito e mais ou menos abrangente, a partir do qual se infere uma resposta. Se a este conjunto de deduções chamamos sistema, então podemos dizer, de um modo mais breve, que, para encontrar uma solução, problema se ordena dentro de um sistema (1979: 34)

Assim, essa noção de problema se contrapõe à de sistema, e VIEHWEG, na esteira de

Nicolai Hartmann, distingue pensamento problemático ou aporético e pensamento

sistemático, ou seja:

’O modo de pensar sistemático procede do todo. A concepção é nele o principal e permanece sempre como o dominante. Não há que buscar um ponto de vista. O ponto de vista está adotado desde o princípio. E a partir dele se selecionam os problemas. Os conteúdos do problema que não se conciliam com o ponto de vista são rejeitados. São considerados como uma questão falsamente colocada. Decide-se previamente não sobre a solução dos problemas, mas sim sobre os limites dentro dos quais a solução pode mover-se’ (...) ’O modo de pensar aporético procede em tudo ao contrário’. A isto se acrescenta uma série de considerações, que termina com a seguinte frase: ‘(O modo de pensar aporético) não põe em dúvida que o sistema exista e que para sua própria maneira de pensar talvez seja latentemente o determinante. Tem certeza do seu sistema, ainda que não chegue a ter dele uma concepção’ (HARTMANN apud VIEHWEG. 1979. P. 35).

A tópica, do ponto de vista do objeto, é a techné do pensamento problemático, do

ponto de vista do instrumento com que opera, tem-se a noção de topói ou cadeia de

argumentos ou lugares-comuns, e do ponto de vista do tipo de atividade, é a busca e exame de

premissas. E diante de um problema deve-se buscar, através de tentativas e escolhas

arbitrárias, pontos de vistas mais ou menos causais ou premissas que sejam objetivamente

adequadas e fecundas à solução do problema. Segundo THEODOR VIEHWEG, a

“observação ensina que na vida diária quase sempre se procede desta maneira” e que, nestes

casos, “uma investigação ulterior mais precisa faz com que a orientação conduza à

determinados pontos de vista diretivos” e para “efeito de uma visão mais abrangente,

denominamos tal procedimento de tópica de primeiro grau.” (1979. P. 36)

Os catálogos de topói ou repertório de pontos de vista já preparados representariam,

segundo VIEHWEG, um apoio fundamental a uma resposta dirigida à afirmação de que é a

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exaltação da insegurança18. E um “procedimento que se utiliza desses catálogos chamamos

tópica de segundo grau”. (1979. P. 36)

Podemos entender que, diante de um problema, os tópicos quando tomados

isoladamente constituem, então, a chamada tópica de primeiro grau, ao passo que, quando são

organizados em catálogos recebem a designação de tópica de segundo grau. Logo os

catálogos de topói ou repertório de pontos de vista não constituem um conjunto de deduções e

só recebem um sentido a partir do problema.

Os catálogos de topói ou repertório de pontos de vista, segundo VIEHWEG, são

designados como sendo universalmente aplicáveis e aplicáveis apenas a um determinado

ramo. Os topói universalmente aplicáveis são generalizações muito amplas ou elementos de

prova suscetíveis de serem usados em qualquer discussão imaginável ou problema apenas

pensável. Já os topói aplicáveis apenas a um determinado ramo só servem para um

determinado círculo de problemas.

Os catálogos de topói ou repertório de pontos de vista universalmente aplicáveis e

aplicáveis apenas a um determinado círculo de problemas, ou, respectivamente, gerais e

especiais, têm a função única de servir a uma discussão sobre determinado problema. Esta

função designa uma importância, característica da conciliação do dinamismo e da ordenação

dos topói, aos círculos de problemas que mantêm ou não perdem nunca seu caráter

problemático, ou seja, diante das alterações possíveis de situações e em casos particulares, é

preciso encontrar novos pontos de vista para a solução do problema, cuja característica é o

contínuo caráter problemático. Os topói ou pontos de vista que, dependendo do problema,

aparecem como adequados ou inadequados, dado o entendimento que não são absolutamente

imutáveis e se entendidos de um modo funcional, possibilitam a orientação e a condução do

pensamento na determinação de um sentido do topos ou ponto de vista a partir do problema.

Daí serem, os topói ou pontos de vista, sempre flexíveis e elásticos, só permitindo alcançar

18 Mesmo os catálogos de topói ou pontos de vista, segundo Viehweg, satisfazem “tão pouco nosso espírito sistemático que nos sentimos impelidos a fazer urgentemente o trabalho dedutivo-sistemático. Sentimos o desejo de começar a estabelecer, por uma parte, uma série de conceitos fundamentais, com o fim de obter definições em cadeia, e, por outra parte, a fixar proposições centrais, com a finalidade de fazer deduções em cadeia ou algo parecido ao que aprendemos no que se relaciona com uma investigação de princípios. Com isto, não obstante, alteramos a peculiar função dos topoi. Desligamo-los progressivamente de sua orientação para o problema quando tiramos conclusões extensas e absolutamente corretas. E, finalmente, notamos que estas conclusões se encontram muito longe já da situação inicial e são, apesar de sua correção, inadequadas, razão pela qual somos levados a afirmar que entre o sistema que havíamos projetado e o mundo do problema, que apesar de tudo não perdeu nada de sua problemática, se abriu uma notável fissura.” (1979. p. 39)

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conclusões curtas, e nunca longas cadeias dedutivas, características do modo de pensar

sistemático.

A tópica se caracteriza, assim, como uma arte da invenção ou ars inveniendi, um

procedimento de busca e exame racional de premissas ou tópicos sem término previsto, que só

se interrompe ou acaba, dependendo do problema, quando se alcança uma solução

considerada satisfatória para o problema em questão. A tópica como ars inveniendi se

contrapõe à formação do juízo ou ars iudicandi que, tanto em Cícero como em Viehweg, não

tem por objetivo ou função a descoberta das premissas, mas, sim, o seu recebimento para a

obtenção de conclusões logicamente fundadas, ou seja, para a formação do juízo.

A tópica como uma arte da invenção ou ars inveniendi assim se caracteriza pela

constante vinculação ao problema, um procedimento constante e dinâmico de busca de

premissas, e não só uma operação puramente lógica, ou ars iudicandi, pois, segundo

Viehweg, “não é possível liquidar totalmente a problemática que se quer dominar, e esta

aparece por toda a parte com uma forma nova.” (1979. p. 39)

Se a tópica como ars inveniendi se diferencia da lógica demonstrativa ou ars iudicandi

é possível distinguir, segundo Viehweg, “uma reflexão que busca o material para pensar, de

outra [forma] que se ajusta à lógica.”. E, dada a convergência com o raciocínio aristotélico

acima citado, complementa com a afirmação de que: “É igualmente claro que na prática esta

última deve vir depois daquela.”. A tópica, conclui, “é uma meditação prelógica”, pois busca

as premissas ou proposições ou topoi que a lógica irá receber para elaborar uma solução com

uma constante vinculação ao problema ou uma formação de juízo com a característica

desvinculação do problema. Neste sentido, como função, “a inventio é primária e a conclusio

secundária” (1979. p. 40).

A tópica ou techné do pensamento problemático é esquiva às vinculações, sem, no

entanto, renunciar por completo àquelas vinculações, dado o interesse em estabelecer

determinadas fixações. O aparente paradoxo é dirimido a partir da inteligibilidade de um

acordo recíproco ou entendimento comum, ou seja, mediante perguntas e respostas adequadas

à indicação do que é e do que aparentemente possa ser digno de uma reflexão mais profunda.

Neste sentido, também se pode observar a contínua vinculação ao problema.

Theodor Viehweg nos dá um exemplo desse aparente paradoxo:

A atividade processual, por exemplo, ensina isto diariamente ao jurista. São exemplos clássicos os diálogos platônicos em que Sócrates vai criando, por meio de uma técnica de perguntas, de efeito bastante peculiar, aqueles acordos de que necessita para suas demonstrações. (1979. p. 41)

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O acordo recíproco ou entendimento comum, a partir de perguntas e respostas

adequadas à indicação do que é e do que aparentemente possa ser digno de uma reflexão mais

profunda, pode ser originário da interpretação que, abrindo novas possibilidades de

entendimento, não lesam o que é, até então, um ponto de vista fixado. Assim, ao mesmo

tempo em que os pontos de vista fixados são mantidos, são, também, dadas as conexões

distintas, submetidos a novos pontos de vista que se produzem, dando aos pontos de vista já

fixados uma nova direção.

Se as premissas fundamentais se legitimam só pela aceitação do interlocutor no

procedimento descrito19, fica claro que a tópica ou invenção, ou aquilo que Aristóteles

designa como dialética, se configura a única instância possível de controle e discussão dos

problemas. No entanto, o que na tópica, dada a discussão dos problemas, ficou provado como

aceitável ou relevante é admissível como premissa, e se isto, segundo THEODOR

VIEHWEG, pode parecer muito arriscado,

é menos inquietante se se tem em conta que os que disputam dispõem de um saber que já experimentou prévia comprovação, seja ela qual for, e que entre pessoas razoáveis só pode contar com aceitação se tiver um determinado peso específico. Desta maneira, a referência ao saber ‘dos melhores e mais famosos’ encontra-se também justificada. (1979. P. 42/43)

A legitimação ou prova de uma premissa é, para Viehweg, diferente da sua

demonstração ou fundamentação, pois, esta é uma questão puramente lógica, que exige um

sistema dedutivo. E a tópica, pressupondo a não existência da formação do juízo desvinculado

do problema, cujo procedimento, segundo Gian Battista Vico e Theodor Viehweg, designa o

“methodus critica” fundado no “primum verum”, é que designa a constante vinculação ao

problema com a manutenção da redução e dedução “em limites modestos”. (1979. p. 43)

Neste ponto, podemos observar que Viehweg enfatiza, em termos ideais, a distinção e

a contraposição entre sistema dedutivo e tópica, afirmando que: “quando se logra estabelecer

um sistema dedutivo, a que toda ciência, do ponto de vista lógico, deve aspirar, a tópica deve

ser abandonada.” (1979. p. 43). Em um sistema lógico ideal ou negando que, na prática,

19 Na tópica, o ponto de partida ou consenso sobre o exame de uma premissa é mais importante do que o ponto de chegada ou decisão. Trata-se do consenso sobre o ponto de partida e, por conseguinte, a fundamentação da racionalidade para posterior decisão ou solução do problema. A tópica coleciona pontos de vista e os reúne em catálogos que, não estando organizados por um nexo dedutivo, são especialmente fáceis de serem ampliados e completados.

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existam conexões essenciais entre sistema e problema, a tópica perde sua funcionalidade

diante da inexistência de premissas a descobrir.

De um modo diverso do método sistemático-dedutivo, Leibniz concebe a

jurisprudência na forma de ars combinatória, fazendo concordar, assim, “o tradicional estilo

de pensamento da Idade Média com o espírito matemático do século XVII” (Viehweg. 1979.

p. 71), ou seja, para Leibniz não é necessário rechaçar a tópica em favor de um método

sistemático-dedutivo, pois, mesmo admitindo a ars inveniendi em sua estrutura fundamental,

entende que ela pode ser colocada sob controle aritmético; trata-se de conceber ars inveniendi

como ars combinatória, ou seja, a matematização da tópica. Assim, a tentativa de Leibniz de

matematizar a tópica jurídica, a partir do projeto de uma casuística geral20 de problemas ou

casos ocorridos no âmbito do direito, é dada por inutilizada diante da multiplicidade da

linguagem natural, fato que finalmente o levou ao propósito de fundar uma linguagem precisa,

enfatizando axiomática.

A afirmação de não ser o Direito uma disciplina sistematizável e, portanto, ser incapaz

de encontrar princípios seguros e objetivos, não tem a conotação de desprezo ou

rechaçamento a qualquer tipo de estabilidade ou da denominada "segurança jurídica", pois, se

consideramos a tópica uma constante vinculação ao problema que, dada a techné do

pensamento problemático e o entendimento comum, abre novas possibilidades de

entendimento não lesando o que é, até então, um ponto de vista fixado, temos que a constante

reelaboração do direito leva em conta que toda a estrutura das ações jurídicas conserve sua

estabilidade, porém sem perder sua flexibilidade.

Segundo Viehweg, dadas as situações cambiantes, se faz uso de novos tópicos, ora

pela legislação, ora pela interpretação jurisdicional, e ao mesmo tempo em que os pontos de

vista fixados são mantidos, são, também, dadas as conexões distintas, submetidos à novos

pontos de vista que se produzem, dando aos pontos de vista já fixados uma nova direção, ou

seja:

um campo teórico como o jurídico, pensar topicamente significa manter princípios, conceitos, postulados, com um caráter problemático, na medida em que jamais perdem sua qualidade de tentativa. Como tentativa, as figuras doutrinárias do Direito são abertas, delimitadas sem maior rigor lógico, assumindo significações em função dos problemas a resolver, constituindo verdadeira ‘fórmulas de procura’ de solução de conflito. Noções-chaves como ‘interesse público’, ‘vontade contratual’, ‘autonomia da vontade’, bem como princípios básicos como ‘não tirar

20 Trata-se do registro, exame e ajustamento à espécie jurídica ocorrente de solução dada por outro a caso idêntico.

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proveito da própria ilicitude’, ‘dar a cada um o que é seu’, ‘in dubio pro reo’ guardam um sentido vago que se determina em função de problemas como a relação entre sociedade e indivíduo, proteção do indivíduo em face do Estado, do indivíduo de boa fé, distribuição dos bens numa situação de escassez etc., problemas estes que se reduzem, de certo modo, a uma aporia nuclear, isto é, a uma questão sempre posta e renovadamente discutida e que anima toda a jurisprudência: a aporia da justiça. (1979. p. 03/04)

Segundo Viehweg, se “para um observador desprevenido”, ou seja, para o observador

desprovido de resistência a algo que possa abalar a segurança proveniente de um sistema

jurídico lógico-dedutivo, ou seja, a partir “de uma interpretação adequada que modifique o

sistema através de uma extensão, redução, comparação, síntese, etc.”, “o quadro estrutural

não se modificou de um modo básico, em comparação com o dos tempos pré-sistemáticos.”, e

aquele observador desprevinido poderá “ver reafirmada a mesma techne que através dos

séculos foi cultivada de modo manifesto e reconhecido em estreita conexão com a retórica.”.

(1979. p. 81-83)

Theodor Viehweg ressalta “as formulas conceituais da nova semiótica, distinguindo-

se, pois, entre os aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos de um modo de falar”, “uma

diferenciação entre uma maneira de falar situacional e outra não situacional”, o aspecto

semântico como padrão do pensamento que “conduz o jurista prático, de muitas maneiras, à

convicção de que aquilo que in casu hic et nunc deve ser averiguado como justo, emerge, com

suficiente certeza, em última análise, do significado das palavras do texto jurídico” e a

dialógica como a lógica com “inclinação para o pensamento situacional e pragmático”

(1979. P. 101-105) para apontar os aspectos do pensamento jurídico que, até então, haviam

ficado, por séculos, sujeitos a determinações ou padrões matematizantes das ciências naturais

ou a margem de uma cientificidade estritamente jurídica (e autônoma).

A problemática que se apresenta à concepção de uma fundamentação completa e

determinada por ações lingüísticas nos leva a uma reflexão semiótica que responde, em

muitos aspectos, à práxis do pensamento ou da argumentação primária, ou seja, distinguindo

entre uma forma de pensamento ou uma argumentação situacional, dialética e moderna e

outro pensamento ou argumentação não situacional, restrita e dedutiva, com o objetivo de

tornar compreensível a argumentação, como um todo, desde a situação do discurso,

THEODOR VIEHWEG, busca tornar inteligível as fórmulas conceituais modernas da referida

semiótica e seus aspectos sintático, semântico e pragmático.

Viehweg, sobre estes aspectos da semiótica moderna, afirma que:

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“La sintaxis significa, pues, la conexión de los signos entre si; la semántica, la conexión entre signos y objetos cuya designación se afirma, y la pragmática, el contexto situacional en el que los signos son utilizados por los respectivos participantes. Se puede contatar que, en la práxis de pensamiento hoy habitual, el aspecto sintático-semántico goza de preferencia. Se entiende la sintaxis con la ayuda de la semántica, mientras que la pragmática funciona sólo como ayuda de emergencia, para corregir algunas imprecisiones que puedan haber quedado.” (1991. P. 177)

Mais precisamente, trata-se da sintaxe como a conexão de signos com outros

signos, da semântica como a conexão entre significados de signos com significados de outros

signos ou com objetos e cuja fundamentação é composicional, e da pragmática como a

conexão situacional que enfatiza todo esse acumulado entre sintaxe e semântica a partir dos

respectivos partícipes. A complexidade das estruturas narrativas e dos processos referenciais,

como o processo de enunciação e a referência semântica ou processo de produção de sentido

como uma especificidade do processo referencial, podemos demonstrar que o modo de pensar

não-situacional, como atividade intelectual, provoca menos dificuldades que o modo de

pensar situacional. Entretanto, libertar uma estrutura de pensamento das perturbações

advindas da situação pragmática, tornando possível dispor de sua isolada construção sintática,

semântica e dedutiva como base fundamental para a hierarquização de signos de um sistema

racional dedutivo – a racionalidade jurídica, por exemplo, como uma racionalidade

sistemática, semântica e dedutiva –, afasta todo questionamento sobre a complexidade da

problemática situacional, fundada na recusa de uma segurança meramente sistêmica

combinada com a exigência, para além da sua dimensão sintático-semântica, de uma

fundamentação plena e abarcante.

E, assim, Viehweg enfatiza, em uma perspectiva crítica, a concepção de prática

jurídica fundada apenas no aspecto sintático, semântico e dedutivo em detrimento do aspecto

pragmático, e propõe, sobre esse mesmo aspecto pragmático, um modelo alternativo. Ou seja,

como já explicitado, na linguagem jurídica, a operacionalização do discurso é uma técnica de

manipulação de termos sem significado ou, a princípio, sem referência semântica alguma,

mas, se inseridos entre fatos condicionantes (primeira premissa) e conseqüências

condicionadas (segunda premissa), ao juízo deste se pode atribuir referência semântica

(conclusão), que não é correspondente a uma determinada realidade ou qualidade, senão a um

valor. Assim, a operacionalização do discurso, em uma proposição na linguagem jurídica, que

é categorizada como não-constatativa ou de indeterminação quanto a algum estado de coisas,

pode ser contraditória ao padrão característico de uma proposição na linguagem ordinária que,

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na junção sujeito-predicado, reduz um estado-de-coisas que envolve um juízo distinto do

primeiro.

E, assim, se tem a concepção de uma fundamentação completa que, determinada pela

mencionada ação lingüística, difere-se do procedimento convencional ou do pensamento não

situacional, restritivo e dedutivo, que busca sua fundamentação em uma teoria axiomática,

como um sistema de fundamentação dedutivo.

Viehweg, sobre as peculiaridades dos aspectos da semiótica moderna, afirma que:

es obvio que la retórica ha tenido siempre primordialmente en mira la mencionada pragmática y también es fácil de comprender que el nuevo interés en la retórica há vuelto a concentrarse en esta perspectiva. La consecuencia de ello es que la serie convencional de reflexiones indicada más arriba es ahora invertida; éste es un cambio de fundamental importancia. Pues ahora se vuelve a intentar, con nuevos medios, reflexionar sobre la situación pragmática, de la que procede el discurso, como situación inicial, a fin de volver comprensible desde ella todos los demás resultados del pensamiento. Se remiten, pues, todos los produtos del pensamiento a su origen situacional para, desde allí, aclararlos nuevamente. Si a una tal forma de pensar – que se mueve dentro de la situación pragmática del discurso – se la llama situacional y a la que no toma en cuenta la situación del discurso, no situacional. (1991. p. 177)

Postular a perspectiva retórica ou pragmática como base fundamental da semântica e

da sintaxe e, ainda, como ponto de partida para posteriores investigações, impõe a

transposição de algumas dificuldades. Mais especificamente, para a inteligibilidade do que

vem a ser uma fundamentação completa e determinada por ações lingüísticas, dada a

dicotomia entre os referidos elementos cuja conexão buscamos inteligir, ou seja, a perspectiva

retórica ou pragmática como base fundamental da semântica e da sintaxe, recorremos à

perspectiva de Charles Morris que, em 1938, substituiu as designações de Charles Sanders

Peirce, feitas à semiótica, pela designações elencadas por Theodor Viehweg, ou seja, a

sintaxe, a semântica e a pragmática, que hoje constituem os três grandes domínios da

Semiótica Moderna. (NÖTH. 1998. p. 57)

No entanto, é com o recurso às reflexões de Peirce que, mais claramente, poderemos

inteligir a conexão entre a invenção comunicativa e os aspectos reflexivos que definem a

dialógica, isto é, com o recurso, mais propriamente, à lógica abdutiva.

A semiótica, para Peirce, idêntica à lógica, ou seja, “Em seu sentido geral, a lógica é,

como acredito ter demonstrado, apenas um outro nome para semiótica, a quase-necessária,

ou formal, doutrina dos signos” (1977. p. 45), no sentido de que procede por observações

abstratas, partindo dos signos particulares ou do que são os signos, para as afirmações gerais

ou o que os signos devem ser. E, para inteligirmos a questão, devemos considerar a concepção

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de signo que, para Peirce, é “algo que está no lugar de [representa] outra coisa para

alguém” (PINTO. 1995. P. 50) ou algo que está para alguém por algo sob algum aspecto ou

capacidade. Trata-se de uma definição que traduz de modo mais articulado o clássico aliquid

stat pro aliquo, ou seja, uma coisa que esta por outra, como um conceito tradicional de signo

cunhado por Santo Agostinho. (NÖTH. 1998. P. 65/66)

O signo, para Peirce, designa, em um sentido lato, o próprio signo, o objeto e o

interpretante, ou seja, o signo, a coisa significada e a cognição produzida na mente. Mais

especificamente, se avaliarmos o quadro de classificação dos signos, podemos observar que,

para Peirce, signo é qualquer forma de organização da significância e ou da experiência do ser

vivo que requer necessariamente representamen-objeto-interpretante para significar o mundo.

E é a partir da relação do signo com o objeto que se determina ou se produz um interpretante

ou, dado o processo de continuidade, um representamen que é o nome do objeto perceptível

que serve como signo para o receptor. Este processo se designa como semiose e se caracteriza

como um processo infinito21, dada a produção de um interpretante que, por sua vez, é um

signo ou representamen que produz um interpretante e assim por diante. (NÖTH. 1998. P. 66-

68 e PINTO. 1995. P. 49)

Para Peirce, a semiótica se caracteriza pela designação de três aspectos, como a

gramática, a lógica e a retórica; designações que foram substituídas, respectivamente, pela

sintaxe, semântica e pragmática, na perspectiva de Morris.

A gramática se denomina como um âmbito independente em que se concebe, pela

relação ou conexão de signos, a tarefa de determinar o que deve ser verdadeiro quanto ao

representamen utilizado, cujo objetivo é o de incorporar um significado qualquer. A lógica se

denomina como o âmbito da semântica em que se concebe, pela relação ou conexão dos

signos com os objetos, a perspectiva do que é quase necessariamente verdadeiro em relação

ao representamen, cujo objetivo é o de aplicar-se a qualquer objeto; uma lógica que, a partir

da unidade do diverso, compreende a teoria unificada da dedução, indução e retrodução, esta

última como uma inferência hipotética ou abdução22. Já a retórica refere-se à eficácia da

semiose, cujo objetivo é o de estabelecer os procedimentos para que um signo possa dar

origem a outro signo. (PEIRCE. 1977. p.. 45-46.)

21 Assim, se alguém acreditar que um determinado objeto é uma colher, então a utilizará para levar alimentos à boca; mas, se for esse alguém chinês, por exemplo, e acreditar que se trata de uma pazinha, a utilizará para tratar de flores. 22 O estabelecimento de uma ponte entre o mundo prático e o ideal. A opinião como uma possível verdade.

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A semiótica, que responde em muitos aspectos à práxis do pensamento e,

principalmente, aos aspectos da argumentação primária e argumentação secundária, esta como

pertencente a este âmbito, designa uma rigidez decrescente do pensamento ou argumentação,

ou seja, da gramática à retórica, tal qual, da sintaxe à pragmática.

Para que possamos inteligir os diferentes aspectos da lógica, como um aspecto geral da

semiótica, é imprescindível a delimitação das diferenças entre empirismo e pragmatismo23.

Assentados ambos na noção de experiência, o empirismo e o pragmatismo se diferem pelo

modo como entendem essa noção de experiência.24 Assim, enquanto o empirismo toma a

experiência como experiência passada, ou seja, como um patrimônio limitado que pode ser

inventariado e sistematizado de forma absoluta, o pragmatismo entende a experiência como

abertura para o futuro, ou seja, como possibilidade de fundamentar a previsão, não em

confronto com a experiência passada, mas em relação com o possível uso futuro dessa

experiência passada. Trata-se de uma máxima pragmatista. (PEIRCE. 1977. p. 225-227 e

PINTO. 1995. p. 13)

Então, delimitada as diferenças entre empirismo e pragmatismo, para que possamos

inteligir os diferentes aspectos da lógica, como um aspecto geral da semiótica, Peirce, dando

uma resposta lógica ao problema da máxima pragmatista, ou seja, quanto à prova

determinante de que os efeitos práticos de um conceito constituem a soma total do conceito, o

mesmo afirma que o pragmatismo não é mais que uma questão de abdução. (PEIRCE. 1977.

p. 227-229)

A máxima pragmatista como uma questão de retrodução ou lógica abdutiva tem por

fundamento o juízo perceptivo como fonte do conhecimento. Os juízos perceptivos contêm

elementos gerais, ou seja, embora os juízos perceptivos sejam singulares, considerando o

sujeito (p.ex. Este livro é ...), não deixam de envolver a generalidade, considerando o

predicado (... preto), o que possibilita a dedução de proposições gerais, e, assim, a concepção,

como apresentada, de juízo perceptivo, que é um juízo particular, ser suficiente para

responder a indagação de como se passa deles para os juízos universais.

23 Segundo a professora THEREZA CALVET DE MAGALHÃES, uma teoria “semiótica” do conhecimento (essa teoria, segundo a qual todo conhecimento é mediato, inferencial e articulado no tempo, envolve a rejeição não apenas de racionalismo cartesiano mas também do empirismo inglês). (MAGALHÃES. 1998. P. 72) 24 Assim, se alguém acreditar que um determinado objeto é uma colher, então a utilizará para levar alimentos à boca; mas, se for esse alguém chinês, por exemplo, e acreditar que se trata de uma pazinha, a utilizará para tratar de flores. Portanto, e ao contrário do que pretendia Descartes, a clareza das idéias não resulta das idéias inatas, mas da aplicação de uma máxima pragmatista, como formulada por CHARLES SANDERS PEIRCE, ou seja, a idéia de um objeto é a idéia dos efeitos sensíveis que concebemos que esse objeto tem. A concepção de certos aspectos práticos do objeto constitui a nossa concepção do objeto.

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Sob uma outra perspectiva, para a questão posta acima, podemos, ainda, afirmar que é

pela lógica abdutiva que a generalidade é introduzida nos juízos perceptivos, ou seja, na

criação das premissas, como fundamento para a dedução, e das teorias, como fundamento

para a indução.

Mais especificamente, sobre esta outra perspectiva, temos que a lógica tradicional ou

silogismo formal concebe a distinção somente entre dedução, como uma inferência necessária

que extrai uma conclusão já contida nas premissas, e indução, como uma inferência

experimental que não consiste em descobrir ou criar algo de novo, mas, sim, em confirmar

uma teoria através da experimentação. Daí, se a lógica tradicional só distingue dedução e

indução, como se dá a criação das premissas e das teorias, como fundamentadoras,

respectivamente, da dedução e da indução? Em resposta, Peirce apresenta a retrodução ou

lógica abdutiva que é uma inferência hipotética e, provando que algo pode ser, é o método

que cria novas hipóteses explicativas. (PEIRCE. 1977. P. 229/230)

A lógica abdutiva como inferência hipotética é tomada como uma lógica da

descoberta, da invenção ou da criação, e, neste sentido, trata-se de um argumento que supõe

que um termo, dado um certo número de caracteres a ele atribuído, pode ser predicado de

qualquer objeto que possua aqueles caracteres; uma afirmação categórica de algo ainda não

experimentado, observando, para tanto, a rigidez decrescente do pensamento ou argumentos

implica a passagem da gramática à retórica ou da sintaxe à pragmática. (PINTO. 1995. P. 13)

A lógica tradicional, que só distingue dedução e indução, atribui a esta última, não só

o caráter de experimentação, mas, também, o caráter de descobrimento, criação e invenção.

No entanto, considerando a lógica indutiva, fundada no empirismo, e a lógica abdutiva,

fundada no pragmatismo, dada a diferenciação posta por Peirce, podemos observar que o

caráter de experimentação só cabe à indução (que toma a experiência como experiência

passada), ao passo que, o caráter de descobrimento, criação e invenção cabe, então, à abdução

(que toma a experiência como abertura para o futuro).

No entanto, é muito pouco provável que o exemplo da saca de feijões dado por Peirce

e comentado pelo professor Júlio Pinto, permita uma maior apreensão e inteligibilidade da

questão posta acima, se não vejamos:

[Todos os feijões daquela saca] são brancos. Esses feijões [são daquela saca.] Logo, esses feijões são brancos. (Dedução);

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[Esses feijões] são daquela saca. [Esses feijões] são brancos. Logo, todos os feijões daquela saca são brancos. (Indução); Todos os feijões daquela saca [são brancos.] Esses feijões [são brancos.] Logo, esses feijões são daquela saca. (Abdução).

(PINTO. 1995. P. 13/14)

No primeiro silogismo, apontado como dedutivo, podemos observar que o sujeito da

primeira premissa [Todos os feijões daquela saca] combinado com o predicado da segunda

premissa [daquela saca] converge para formar o elemento de conexão ou termo médio. No

segundo silogismo, apontado como indutivo, podemos observar que o sujeito da primeira

premissa [Esses feijões] combinado com o sujeito da segunda premissa [Esses feijões]

converge para formar o elemento de conexão ou termo médio. No terceiro silogismo,

apontado como abdutivo, podemos observar que o predicado da primeira premissa [são

brancos] combinado com o predicado da segunda premissa [são brancos] converge para

formar o elemento de conexão ou termo médio. Assim, se aplicarmos as regras de validade25,

mais especificamente sobre a distribuição26 do termo médio, podemos afirmar que: excetuada

a dedução, a indução e a abdução incorrem na não distribuição do termo médio e, portanto,

são falaciosas27. No que concerne a distribuição dos termos da conclusão incompatíveis com a

não distribuição dos mesmos termos nas premissas, podemos afirma que: excetuada a dedução

e a abdução, a indução incorre na falácia da não distribuição do termo maior [daquela saca].

Assim, em termos lógicos formais, a falácia da abdução decorre do termo de conexão

que emprega para o predicado a mesma extensão que emprega para o sujeito, ou seja, o termo

médio conecta um mesmo elemento, quando poderia, também, conectar elementos diferentes.

Podemos observar, também, que na abdução o termo médio ou de conexão não implica dois

25 As Regras de Validade são: Regra 1: Um silogismo categórico válido deve conter exatamente três termos, cada um dos quais deve ser usado no mesmo sentido durante todo o raciocínio ou argumento.; Regra 2: Num silogismo categórico válido de forma típica, o termo médio deve estar distribuído em, pelo menos, uma das premissas.; Regra 3: Num silogismo categórico válido de forma típica não pode haver na conclusão qualquer termo distribuído que não esteja também distribuído nas premissas.; Regra 4: Nenhum silogismo categórico de forma típica que tenha duas premissas negativas é válido.; Regra 5: Se uma ou outra premissa de um silogismo categórico válido de forma típica é negativa, a conclusão deve ser negativa.; Regra 6: Nenhum silogismo categórico válido de forma típica com uma conclusão particular pode ter duas premissas universais. (COPI. 1968. p. 184 a 188). 26 um termo está distribuído numa proposição, quando esta se refere a todos os membros da classe designada por esse termo; caso contrário, diz-se que o termo não está distribuído nessa (ou por) essa proposição. (COPI. 1968. p.185) 27 Daí podermos afirma, também, que de duas proposições particulares nada se pode concluir sem incorrer em falácia e, conseqüentemente, no paradoxo da confirmação já discutido no início do capítulo.

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elementos diferentes, mas um mesmo elemento, contrário à dedução e indução que implicam,

por conexão, dois elementos diferentes. Disso decorre que, na abdução figura, até a segunda

premissa, somente dois elementos no silogismo; um terceiro elemento aparece somente na

conclusão, diferentemente da dedução e da indução, onde até a segunda premissa figuram três

termos ou elementos e o elemento da conclusão, já tendo, portanto, figurado nas premissas

precedentes.

A abdução tem uma eficácia, no mínimo, duvidosa, até mesmo pelo fato de toda a

discussão da questão parecer se passar de forma mais intuitiva do que formal, pois, não há

como admitirmos uma formalização em termos de exemplificação ou de operacionalização,

como se pode observar em outros exemplos:

DEDUÇÃO ABDUÇÃO

Todas as nuvens escuras indicam chuva Todas as nuvens escuras indicam chuva

Essas nuvens são escuras Essas nuvens indicam chuva

Essas nuvens indicam chuva Essas nuvens são escuras

Todos os ministros do governo prevaricam Todos os ministros do governo prevaricam

Aqueles são ministros do governo Esses ministros prevaricam

Aqueles prevaricam Esses ministros são do governo

Todo sabão em pó lava mais branco Todo sabão em pó lava mais branco

OMO é um sabão em pó OMO lava mais branco

OMO lava mais branco OMO é um sabão em pó

Todos os pássaros voam Todos os pássaros voam

Bem-te-vi é um pássaro Bem-te-vi voa

Bem-te-vi voa Bem-te-vi é um pássaro

Todos reformadores são fanáticos Todos reformadores são fanáticos

Alguns idealistas são reformadores Aqueles idealistas são fanáticos

Alguns idealistas são fanáticos Aqueles idealistas são reformadores OBS:Termo médio ou de conexão

A abdução, sem dúvida, tem uma eficácia demarcada pela duvida, mas, embora

pareça se passar de forma mais intuitiva do que formal, é decorrente do termo de conexão que

emprega para o predicado a mesma extensão que emprega para o sujeito, cuja eficácia, em

termos de uma explicação para processos inferenciais, é o emprego do contraditório a partir

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de uma dicotomia quantitativa e qualitativa das proposições veiculadas nos processos

inferenciais.

No entanto, como podemos descrever sistematicamente a distinção entre o caráter de

experimentação da indução e o caráter de descobrimento, criação e invenção da abdução, ou

seja, como distinguir a lógica indutiva, fundada no empirismo, da lógica abdutiva, fundada no

pragmatismo, senão a partir da abordagem proposta inicialmente, ou seja: entre necessidade

por simplificação - ou a enunciação de matéria necessária como é aquela que não pode deixar

de convir ao sujeito -, e necessidade por hipótese - ou a enunciação de matéria contingente

como é aquela cujo predicado pode convir ou não convir ao sujeito.

Nesse sentido, o princípio da não-contradição implica na coexistência da necessidade e

da contingência, pois, não há como negar a necessidade sem que estejamos negando também

à contingência, ou seja, a contingência requer a necessidade como pressuposta.

Ademais, como determinar sistematicamente a diferença entre indução e abdução pelo

fato de a primeira tomar a experiência como experiência passada (ser retro-projetiva) e a

segunda tomar a experiência como abertura para o futuro (ser projetiva)? E, considerando o

escopo dos quantificadores, a indução é muito mais projetiva, se parte de alguns para todos,

contrária a abdução que, partindo de todos para alguns, é mais retro-projetiva. Entretanto, a

partir do exemplo dado acima e segundo o professor JÚLIO PINTO, se pode observar que:

a abdução compartilha com a dedução o fato de ter a regra geral como premissa inicial (todos os feijões, etc). Entretanto, como a indução ela arrisca um palpite que pode dar errado. Olhada desta maneira, a abdução está, portanto, entre a indução e a abdução. Contudo, ela difere das duas também pela maior possibilidade de erro implícita na hipótese que ela lança, porque é fácil perceber como tanto a indução quanto a dedução estão baseadas na experiência. Portanto, a lógica não pode se basear apenas nesses dois tipos de inferência, porque a experiência humana sugere uma maneira de se derivar ou manipular informações que não é tão bem definida, como a indução ou a dedução, mas que, ainda, assim, é responsável pela descoberta do não conhecido. O caráter de previsão da abdução é, por isso, mais marcante. Há nela uma certa audácia que as outras inferências não apresentam (cf. SEBEOK, 1983) Dos tipos possíveis de inferência, portanto, a abdução constitui o único que se projeta para o futuro, já que tanto a dedução quanto a indução dizem do passado, do já conhecido, na medida em que se referem à experiência. Como palpites, os processos abdutivos podem levar a erros, mas a falibilidade de uma hipótese não quer dizer que a abdução seja um processo de ensaio e erro. Fundamentalmente, o que acontece é que uma hipótese é formulada com base na experiência, através da escolha de um interpretante logicamente possível para os signos que se oferecem à observação.

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A inferência abdutiva é, portanto, um palpite razoavelmente bem fundamentado acerca de uma semiose28 qualquer e que deve ser posteriormente testado por dedução, a fim de que se chegue a uma inferência indutiva sobre o universo representado por aquela semiose. Enquanto previsão, a inferência hipotética se insere na terceiridade, mas, como é um ato de insigth que 'se nos apresente com um flash de luz', é um terceiro com teor de primeiro, principalmente, também, em virtude de seu caráter essencialmente remático29. Assim, a abdução apresenta-se no esquema triádico da experiência no nível de primeiridade em relação aos dois tipos de inferência, ainda que os três processos, por envolverem atividade sígnica, sejam da ordem do terceiro. (PINTO. 1995. P. 13/14)

Segundo a professora THEREZA CALVET DE MAGALHÃES sobre a uberdade da

abdução:

Para Peirce, essa interpretatividade do juízo perceptivo é apenas ‘o caso extremo dos Juízos Abdutivos’. Os nossos juízos perceptivos – as primeira premissas de todo pensamento crítico e controlado – são um caso extremo das inferências abdutivas, das quais diferem por estar absolutamente além de toda crítica (‘A sugestão abdutiva advém-nos como num lampejo. É um ato de insight, embora ... extremamente falível’).” (...) “Os nossos juízos perceptivos são as primeiras premissas de todo pensamento crítico e controlado e ocupam, assim, um lugar privilegiado na ordem da investigação. O processo da investigação é considerado por Peirce como um processo de raciocínio, que vai da abdução, via dedução, à indução, e cujo objetivo é o de estabelecer uma crença verdadeira. A abdução – o primeiro estágio da investigação – consiste na invenção, seleção e consideração de uma hipótese. Na medida em que é ‘o processo de formação de uma hipótese explanatória’, a abdução ‘é a única operação lógica que introduz uma idéia nova’. Esta forma de argumento não oferece segurança (a segurança quanto à sua verdade é baixa), mas sua uberdade (ou o seu valor em produtividade) é alta; a abdução ‘simplesmente sugere que alguma coisa pode ser’. (MAGALHÃES. 1998. P. 75)

Contrastando alguns aspectos teóricos, objetivando a sistematização da diferença entre

indução como experiência passada e a abdução como a experiência que se abre para o futuro,

podemos fazer algumas ilações, tais como: Do mesmo modo que, para Peirce, segundo o

Professor Júlio Pinto, a inferência abdutiva é um palpite razoavelmente bem fundamentado

acerca de uma semiose qualquer e que deve ser posteriormente testado por dedução, a fim de

que se chegue a uma inferência indutiva sobre o universo representado por aquela semiose,

28 a semiose está intimamente ligada à noção de interpretante. Por semiose entende-se, estritamente, a produção de sentido, processo infinito pelo qual, através de sua relação com o objeto, o signo produz um interpretante que, por sua vez, é um signo que produz um interpretante e assim por diante. (PINTO. 1995. P. 49) 29 Primeiro elemento da terceira tricotomia dos signos, a tríade que se refere aos modos de relação do signo com seu objeto, de maneira a produzir um interpretante (em outras palavras, a tríade que lida com a significação do signo propriamente dita), o rema seria caracterizado como aquele signo cujo interpretante tem uma existência sabida, mas cujo sentido é obscuro. Em outras palavras, um rema é uma função proposicional, em que os termos seriam incógnitas. Peirce pensa o rema como aquele signo que não é nem verdadeiro, nem falso: algo que seria uma proposição, se não lhe faltasse pelo menos um dos elementos que deveriam estar presentes para que sua significação pudesse ser avaliada em termos de falso e verdadeiro. Um rema é, portanto, um signo cujo interpretante não é limitado naquilo ao qual ele pode se referir como objeto, isto é, é um signo aberto e indeterminado, no sentido de que seu interpretante contém pelo menos uma variável livre. (PINTO. 1995. P. 44)

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para Peirce, segundo a professora THEREZA CALVET DE MAGALHÃES, a inferência

abdutiva é o processo de investigação ou raciocínio que vai da abdução, via dedução, à

indução, e cujo objetivo é o de estabelecer uma crença verdadeira., de modo que a abdução –

o primeiro estágio da investigação – consiste na invenção, seleção e consideração de uma

hipótese. Entretanto, se o exemplo da saca de feijões dado por Peirce e comentado pelo

professor Júlio Pinto não permita uma maior apreensão e inteligibilidade da questão posta

acima, podemos afirmar que a abdução, pelo seu teor dinâmico e falível, não tem se estrutura

a partir das regras padrões do silogismo, ou, talvez, a abdução seja pré-silogística, já que

auxilia na construção da dedução e, posteriormente, da indução.

Mais especificamente, podemos afirmar que a inferência abdutiva é a primazia da

pragmática ou a realidade que, paradoxalmente, é base fundamental para a

imprescindibilidade prático-ética, distinta de uma lógico-teórica, do princípio da não-

contradição como constitutivo de um pressuposto fundamental para a vida ordinária

(atividades comunicativas, sociais, etc.) e para as atividades práticas dissociadas de toda sorte

de problemas, ou seja, dissociada do contingente como necessidade por hipótese oposta à

necessidade por simplificação. Ou seja, na linguagem ordinária, tanto mais na linguagem

jurídica, a operacionalização do discurso é uma técnica de manipulação de termos sem

significado ou, a princípio, sem referência semântica alguma, mas, se inseridos entre fatos

condicionantes (primeira premissa) e conseqüências condicionadas (segunda premissa), ao

juízo deste se pode atribuir referência semântica (conclusão), que não é correspondente a uma

determinada realidade ou qualidade, senão a um valor. Assim, a proposição ou a

operacionalização do discurso, como uma linguagem jurídica, que é categorizada como não-

constatativa ou de indeterminação quanto a algum estado de coisas pode ser contraditória ao

padrão característico de uma proposição lingüística que, na junção sujeito-predicado, reduz

um estado-de-coisas ou a primazia da pragmática na determinação de todo esse processo que

envolve o juízo distinto do primeiro, acima referido.

Assim, da complexidade da uberdade da abdução como um descobrimento, uma

criação ou uma invenção bem fundamentada acerca de uma semiose qualquer, na lógica de

Peirce (Semiótica. 2003), da inferência lógico dedutiva e indutiva que, na semântica em

JÚLIO PINTO (Semiótica. 1995), distingue os aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos

de um modo de falar situacional, podemos asserir a formulação simultânea de alguma coisa e

seu contrário (fazer ou ser A e não fazer ou não ser A), longe de ser para a dialética alvo de

exclusão, é antes o ponto de partida. Daí, a insuficiência de um conceito de verdade surge face

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à inexistência de uma medida de adequação. A dificuldade é que esta adequação perfeita não

existe, pois, sendo uma entre outras temos a medida da dessemelhança.

Em uma outra perspectiva, se a lógica formal opera, seguindo um modelo matemático,

um cálculo ou um método formalista, fundado em regras operativas que se referem as

qualidades formais dos signos empregados e não ao seu sentido, a lógica de um raciocínio

jurídico não poderia ser exaurida pela lógica formal se, segundo Theodor Viehweg, se

entiende por lógica jurídica aquella que supera el marco de la lógica formal (1991. p. 68-69),

pois, caso contrário, o raciocínio jurídico poderia ser exaurido pela lógica formal se se

entende por lógica jurídica exclusivamente a lógica formal na aplicação jurídica.

E, considerando o aspecto semântico, Viehweg afirma que:

Este desempenha na jurisprudência e na pesquisa jurídica um papel peculiar e, até mesmo, as vezes, enganoso. Pois aqui, produtos da linguagem jurídica são freqüentemente apresentados como objetos extra-lingüísticos, por ela meramente copiados. Deste modo criam-se, por vezes, campos objetivos independentes, que o pensamento jurídico imagina atingir e adequadamente descrever, embora seja ele próprio que os produza. (1979. p. 103)

Assim, se o direito não integra o mundo objetivo, mas, sim, o mundo intersubjetivo,

variável, contingente e plural, o acesso à realidade será, então, mediado pela linguagem ou

proposições lingüísticas, sendo que o termo verdade só poderá predicar as proposições e não

a própria realidade.

Ainda, segundo Viehweg:

a situação pragmática em geral, que em última análise nos interessa e que é base de todo e qualquer discurso, somente poderá ser suficientemente compreendida caso se concebam as suas verbalizações como mútuas instruções para a invenção e uso lingüísticos. Toda invenção e comunicação lingüística, segundo este ponto de vista, se realiza na medida em que mútuas instruções lingüísticas de ação são dadas e recebidas. Quem quiser saber como cada locutor é controlado através de seu modo de falar − isto é, na verdade, uma questão emocionante − deve tornar claro para si esta pragmática. É certo que aqui surgem enormes dificuldades, pois a teoria tradicional da ciência vê a proposição, isto é, a junção sujeito-predicado, como fundamento do pensar e do falar, reduzindo a ela a mútua instrução, ou seja, a série predicado-objeto. Este padrão preferido de proposição lingüística oculta, possivelmente, a primazia da pragmática. (1979. p. 105-106)

E é, precisamente, a invenção, por um lado, e a dedução, por outro, que constitui a

matéria ou o conteúdo da racionalidade jurídica, pois, segundo Theodor Viehweg, se trata

aquí de la lógica formal y de una combinación material especial e a esta lógica pertenecen

también las lógicas multivalentes en el sentido de Lukasiewicz, pero que podemos dejar aquí

de lado en vista de que su significado no está aún aclarado. (1991. p. 68) Assim, a lógica

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formal, que não abarca extensivamente as lógicas multivalentes de Jan Lukasiewicz, não

basta, por si mesma, para explicar a racionalidade jurídica, pois, o âmbito do racional é mais

amplo que o da lógica formal não extensiva pode abarcar. Nesse sentido, Theodor Vieweg

afirma que:

ha sido una consecuencia del desarrollo intelectual moderno el fijar cada vez más la atención en el aspecto formal y cada vez menos en el aspecto material del pensamiento jurídico. La deducción, el sistema deductivo o axiomático y, finalmente, el cálculo, es decir, la lógica formal, parecen ser las cosas primordiales. La evaluación precedente, la amplificación o, finalmente, la interpretación del cálculo, es decir, la realización material, han sido a menudo consideradas como secundárias. Han parecido ser poco susceptibles de un tratamiento científico y, así, han quedado sorprendentemente incontroladas. En el peor de los casos, han sido sometidas a la arbitrariedad, la sugestión o la fuerza. Frente a estos problemas, que Aristóteles describe en sus Tópicos, he recordado una técnica conceptual que contiene indicaciones importantes sobre los medios con los cuales se constituye el aspecto material de nuestro pensamiento. Siguiendo a Aristóteles, se podría sintéticamente distinguir, a partir de Cicerón, dos métodos de pensamiento: por uma parte, la invención y, por otra, la deducción. (1991. p. 68-69)

Discordamos de Therodor Viehweg no que concerne a deixar de lado as lógicas

multivalentes de Jan Lukasiewicz, pois, somente ela pode propiciar o adequado tratamento

científico para a ampliação e para a interpretação do cálculo ou sua realização material, e,

assim, fixar a atenção tanto no aspecto formal quanto no aspecto material do raciocínio

jurídico, ou seja, da argumentação jurídica que, segundo Theodor Viehweg,

predomina siempre; en ella se encuentra aparentemente la sede de la fuerza creadora y de la prudencia; de ella depende el éxito de la justificación de nuestras decisiones. Por ello, es muy peligroso descuidar la argumentación. No se la debe dejar librada a lo irracional sino que hay que procurar aclararla racionalmente por todos los medios de que hoy disponemos. Se podrá constatar así que la argumentación jurídica ha utilizado desde hace mucho tiempo la dialéctica clássica (tópica) y que la demostración jurídica ha recurrido a la deducción. Ciertamente sería erróneo decir: allí se trata de la tópica, que no tiene nada que ver con la lógica, y aquí de la lógica. Naturalmente, las cosas no marchan así. Pues es una trivialidad decir que la lógica es indispensáble para todo pensamiento y, por lo tanto, también para la tópica. La diferencia es otra y, a primera vista, se la podría indicar de la seguinte manera: mientras que la estructura (deductiva o axiomática) de la lógica formal determina la estructura de la demonstración, ella no determina la estructura de la argumentación. Se puede decir que en uno de estos casos se está frente a un sistema tópico y en el otro frente a un sistema deductivo. Por lo tanto, no se podría dudar que en la actualidad la argumentación constituye, en este sentido, la parte más importante del pensamiento jurídico. (1991. p. 69-70)

Assim, se, inicialmente, a análise categorial da linguagem é devido a Aristóteles: que

foi o primeiro a usar o termo categoria, no sentido técnico-lingüístico; que, no Tratado sobre

as Categorias e Da Interpretação, afirma, respectivamente, um total de dez categorias

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diferentes, além de uma classe especial de termos que ele classifica como sincategoremáticos,

entre os quais as conjunções, preposições e advérbios, que acompanham as categorias, mas

não pertencem, eles mesmos, a nenhuma categoria, senão à referida classe de termos

sincategoremáticos30; que toma a interpretação lógica como fundamental para compreensão

do porquê as categorias são essenciais para a análise da linguagem que faz em "Da

Interpretação"; que propõe o silogismo categórico como um método para determinar quais as

conclusões estão corretas em cada caso a partir de um local determinado, razão pela qual a

categorização aristotélica segue uma abordagem "semântica" e não um critério

morfossintático; e, que desenvolve, no Órganon, a base da teoria da argumentação, então

podemos pensar a construção de um sistema de propriedade que seja capaz de expressar

relações fundamentais de significação que não descarta a necessidade ou, mesmo, a

sinteticidade.

E se a logicidade dos sistemas lógicos formais, muitas vezes, trata a língua ordinária

isoladamente da sua função, como se a língua mesma consistisse inteiramente de marcas e

sons, então, não é possível compreender a relação entre proposições ou a validade das leis

lógicas, se não tivermos em conta o uso significativo da língua. Daí, é que, a partir da lógica

como objeto ou instrumento da linguagem em detrimento da linguagem como objeto ou

instrumento da lógica, é que optamos pela peculiaridade de uma notação quase aritmética

(Teorias Gramaticais baseadas em Formalismos Lógicos e Matemáticos) para a descrição

sintática corresponde à possibilidade de se descrever aspectos computacionais da sintaxe, em

razão de uma interpretação das relações sintáticas em termos de funções e argumentos. Para

tanto, recorremos à base fundamental para as lógicas não clássicas de três ou múltiplos

valores com os expoentes do Círculo de Varsóvia, entre eles: Stanislaw Lesniewski em

formalization of logic and foundations of mathematics, Jan Lukasiewicz, em Elements of

Mathematicical Logic e Aristotle´s Syllogistic from the Standpoint of Modern Formal Logic, e

Alfred Tarski, em A concepção Semântica da verdade, que demarcam o fato de que estruturas

sintáticas gramaticais da linguagem gerada não são apenas simbólicas, mas são combinações

de significado, significação e produção de sentido. A partir delas podemos estabelecer as

30 Há uma distinção entre categorias e classes gramaticais, uma vez que as categorias aristotélicas não deram, diretamente, origem às classes gramáticas. Esse trabalho decorre dos gramáticos alexandrinos que trabalharam as categorias aristotélicas em termos do Latim. Mas o próprio Aristóteles concebia classes gramaticais no sentido tradicional, ou seja: onoma (nome); rema (verbo); epírrema (advérbio); artron (articulares, artigos); e, sindesmos (conjunções e preposições) como os sincategoremáticos. Até mesmo o registro em sua obra era diferente, pois, as categorias é objeto dos primeiros analíticos e as classes fazem parte da retórica.

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categorias funcionais de outras expressões de linguagem e das regras de combinação entre

elas. Essas categorias funcionais são influenciadas por sua origem na análise da linguagem na

lógica de predicados em notação polonesa. O interessante é que pela primeira vez temos um

cálculo baseado nas propriedades semânticas dos elementos que constituem uma linguagem,

que é uma perspectiva completamente nova de investigação lógica.

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3 A LÓGICA COMO INSTRUMENTO DA LINGUAGEM E A LINGUA GEM COMO INSTRUMENTO DA LÓGICA.

3.1 A base fundamental para as Lógicas Não-Clássicas de três ou múltiplos valores.

A partir de uma abordagem semântica dos Futuros Contingentes em Da Interpretação

de Aristóteles e o acontecimento entre o valor pressupostamente analítico da Lei e o caráter

contingente de sua aplicação chegamos a um terceiro valor-verdade para a determinação de

um cálculo baseado nas propriedades dos elementos que constituem a linguagem e a tese de

que o termo verdade só poderá predicar as proposições e não a própria realidade, pois, a

realidade, que é sempre positiva, é alheia à falsidade e à verdade que são objetos discursivos.

Então, podemos pensar a construção de um sistema de propriedade que seja capaz de

expressar relações fundamentais de significação que não descarta a necessidade ou, mesmo, a

sinteticidade.

As sentenças de tempo-futuro ou correspondentes aos futuros contingentes não podem

ter somente os valores ordinários de valor-verdade, mas devem ter valores extraordinários de

valor-verdade, pois, apesar das aparências, as sentenças em questão não são do tipo do qual a

lógica é, ou deveria ser, considerada; as sentenças em questão, pensadas dentro do escopo da

lógica, realmente não têm a forma que aparentam ter; as sentenças em questão, pensadas

dentro do escopo da lógica, não são verdadeiras ou falsas, mas têm outro valor-verdade ou um

terceiro valor-verdade.

As sentenças correspondentes aos futuros contingentes, na tese de um terceiro valor-

verdade e diferente das sentenças que estão dentro do escopo da lógica, não fazem uma

declaração ou não expressam uma proposição. No entanto, as sentenças têm significado, mas

as declarações (o uso das sentenças) têm os três-valores e entre eles se estabelecem relações

lógicas variadas a partir da significação ou produção de sentido. Assim, uma declaração não

se limita a uma sentença ou a uma proposição.

Mais propriamente, é significativa uma sentença, cujo termo sujeito falha ao denotar,

ao referir, tal que a própria sentença não possa ser genuína, mas somente um espúrio uso da

sentença, mas, conseqüentemente, constitui uma declaração. No entanto, as referidas

sentenças, cujo termo sujeito falha ao denotar, ao referir, não são declarações se

considerarmos o escopo da lógica clássica e, portanto, não são contra-exemplos aos princípios

da não contradição e ao princípio do terceiro excluído. Lewy argumenta que aquelas referidas

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sentenças têm sido pensadas como contra-exemplos para a lógica clássica, mas, elas são muito

vagas para serem predicadas de um valor-verdade clássico, pelo que não são, de fato, contra-

exemplos, uma vez que essas sentenças não expressam proposições, e é somente com

proposições que a lógica clássica se mantém. Segundo Lewy uma proposição é, precisamente,

uma sentença que na lógica clássica é verdadeira. E, em razão desse argumento, não há

nenhuma força contrária ao proponente de uma lógica não-clássica, que pudesse

simplesmente contestar que ele não tenha visto nenhuma razão para restringir a lógica pelas

proposições no sentido que Lewy aponta, afirmando que:

Se continuarmos a significar pela ‘proposição’ o que agora significamos pela palavra, não podemos supor que, em certas circunstâncias, uma inferência feita de acordo com o princípio da negação dupla possa ser inválida. Mas não existe uma razão para que nós não devêssemos mudar nosso conceito de proposição. E uma das maneiras de se fazer isso é construir um cálculo lógico em que o princípio da negação dupla não se sustentasse ou detivesse. Tal que, uma lógica não pode ser dita para ser inconsistente com a nossa: para isto, não é uma lógica de proposições no nosso sentido de ‘proposição’.31 (LEWY. 1946. P. 38)

Podemos, então, depreender que os princípios da lógica clássica somente se aplicam a

proposições32, isto é, somente a sentenças33 ou a locuções que por si só são torpes ou

falsificadoras potenciais da lógica. Nesse sentido, Strawson afirma, em Introdução a Teoria

da Lógica (1952. P. 3-4), que é entre declarações, e não entre sentenças, que as relações

lógicas se sustentam. Essas relações lógicas, nas quais se determinam os valores-verdade, são

aparentes na base da declaração (ato e fala) ou do ato ilocucionário que, distinto da locução e

da perlocução, é o produto da ação realizada por um locutor com um enunciado, não se

reduzindo ao resultado do mero ato de dizer (locução) nem às conseqüências ou efeitos que tal

ação tem no comportamento posterior do alocutário.

31 "If we are to continue to mean by 'proposition' what we now mean by the word, we cannot suppose that in certain circumstances an inference made in accordance with (the principle of double negation) may be invalid. But there is no reason why we should not change our concept of proposition. And one of the ways of doing so is to construct a logical calculus in which the principle (of double negation) does not hold. Such a logic cannot be said to be inconsistent with ours: for it is not a logic of propositions in our sense of 'proposition'." (LEWY. 1946. P. 38) 32 Em lógica proposicional, uma proposição é uma entidade ou frase portadora de valor de verdade (verdadeiro ou falso). Assim, uma frase Todo S é P expressa uma proposição e frases sinônimas Todo S’ é P’ expressam a mesma proposição, enquanto frases ambíguas expressam mais do que uma proposição. Podemos considerar que uma proposição é o conjunto de mundos possíveis em que essa proposição é verdadeira - na perspectiva da semântica formal, se identifica a proposição com a função que especifica qual o seu valor de verdade em cada mundo. 33 A sentença (frase, enunciado ou proposição) é um elemento teórico abstrato, no interior do qual funcionam outros elementos menores. A sentença é a maior unidade estrutural no sistema de organização de uma língua. No entanto, na perspectiva da análise de discurso, há as unidades gramaticais supra-sentenciais como os parágrafos, as trocas conversacionais etc..

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Nesse sentido, a declaração como ato ilocucionário garante a correspondência entre o

conteúdo proposicional do enunciado e a realidade, pois, a realização de uma declaração faz

com que o universo de referência se altere, fazendo-o coincidir com o conteúdo proposicional.

Uma declaração é a expressão da sua própria realidade e, em razão disso, esses atos são

essencialmente institucionais, pois, exigem que o locutor e o alocutário se encontrem em

posições sociais definidas: juiz e réu; patrão e empregado; padre e noivos etc.. E o predicado

verdadeiro ou falso é aplicável somente às sentenças, mas não às declarações, pois, a lógica é,

então, fundada nas relações de conseqüência e inconsistência que somente podem se

sustentar entre declarações e não entre sentenças. Segundo Vanderveken,

Usando sentenças numa conversação ou diálogo, os falantes executam atos de fala de certo tipo, chamados atos ilocucionais (por exemplo, asserções, ordens, perguntas, promessas). Embora uma conversação seja mais do que uma sucessão desconexa de atos ilocucionais (porque a cada estágio da conversação, alguns atos ilocucionais possíveis são inadmissíveis ou inadequados e porque as condições de sucesso de uma conversação ultrapassam as condições de sucesso dos atos ilocucionais nela praticados), qualquer teoria da conversação materialmente adequada deve começar pelo reconhecimento de que os atos ilocucionais são as unidades constitutivas da conversação. Conseqüentemente, uma teoria da conversação deve incorporar uma teoria lógica dos atos ilocucionais. A maior parte dos atos ilocucionais executados em conversações são atos ilocucionais elementares da forma F(p), onde F é uma força ilocucional e p é um proposição. A tarefa básica de uma teoria lógica dos atos ilocucionais ou lógica ilocucional (Searle e Vanderveken) é definir o conjunto de todas as forças ilocucionais de enunciações possíveis e as condições necessárias e suficiente para o sucesso de atos ilocucionais elementares da forma F(p). (VANDERVEKEN. 1985. P. 173.)

Assim, se somente as proposições, predicáveis de um valor-verdade, verdadeiro ou

falso, estão dentro do escopo da lógica clássica, então, as lógicas não-clássicas não estão

descartadas, inclusive as declarações diretivas (imperativas ou prescritivas). Mas, para a tese

de uma lógica não-clássica que admite lacuna no valor-verdade ou admite um terceiro valor

intermediário em relação ao valor-verdade, devemos considerar que as relações lógicas se

sustentam somente entre declarações capazes de orientar um valor-verdade, mas, se eles

realmente têm ou não um valor-verdade ou se o valor-verdade tomado é clássico ou não-

clássico são questões imprescindíveis para a sustentação de uma lógica não-clássica.

Se as relações lógicas se sustentam entre sentenças que não são propriamente

proposições, na perspectiva de uma lógica clássica, a declaração pode ser definida

independentemente da definição de proposição, ou seja, uma declaração não se limita

conceitualmente à proposição acima referida. Consideremos, para tanto, o seguinte diálogo:

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Interlocutor 1: [Está chovendo] ou

Interlocutor 1: [haverá uma batalha naval amanhã]. Interlocutor 2: [Você quer dizer que está chovendo aqui, por não saber se está ou

não chovendo lá.] ou

Interlocutor 2: [Você quer dizer que haverá uma batalha naval amanhã, por não saber se haverá ou não haverá uma batalha naval amanhã.]

Interlocutor 1: Você concordaria, então, que minha declaração não é nem

verdadeira nem falsa? Interlocutor 2: Não, não que seja minha opinião, uma vez que toda declaração é

também verdadeira ou falsa. Daí, nossa única conclusão é que o que você chama de uma declaração não é realmente, de nenhuma maneira, uma declaração ou proposição.

Interlocutor 1: Mas isso não é um pouco arbitrário? Parece-me que você assume

que toda declaração é também verdadeira ou falsa e então distingue entre declarações e formas de declarações para evitar ser refutado.

No diálogo acima podemos observar que se a forma gramatical de uma sentença

recalcitrante é tomada como indicativa de sua forma lógica então, com efeito, a atribuição de

verdadeiro ou falso dá origem à dificuldade. Uma vez, porém, reconhecido que a forma

gramatical é equivocada como a base fundamental para sua forma lógica, a dificuldade

desaparece. Considere, por exemplo, como parte do argumento usado por Russell (1956. P.

39-56), a sentença O Rei da França é calvo que é gramaticalmente formada por sujeito-

predicado, ou seja, se é construída logicamente pela forma sujeito-predicado, a dificuldade

aparece, uma vez que O Rei da França, que nada denota, não pode ser um sujeito lógico. A

solução de Russell é construir a sentença como uma forma existencial, ou seja:

não quando CRF (‘C’ um predicado, e ‘RF’ é um sujeito lógico) mas, quando (∃∃∃∃x) (RFx & ∀∀∀∀ y(RFy ⊃⊃⊃⊃ x=y) & Cx)

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Assim, no quadro de valor-verdade, podemos inferir que a sentença é lógica, desde

que a sentença existencial, tendo um conjunto falso (ff), seja falso. Além do mais, os

problemas que concernem ao valor-verdade a ser atribuído a negação da sentença O Rei da

França não é calvo podem ser resolvidos por assinalar que a negação é ambígua, entre:

¬¬¬¬(∃∃∃∃x) (RFx & ∀∀∀∀y(RFy ⊃⊃⊃⊃ x=y) & Cx)

e

(∃∃∃∃x) (RFx & ∀∀∀∀y(RFy ⊃⊃⊃⊃ x=y) & ¬¬¬¬Cx)

Um argumento similar segundo Prior, Aristóteles e Lukasiewicz, surgem da

predicação de verdadeiro ou falso para sentenças que concernem aos futuros contingentes, ou

seja, atribuindo p (amanhã) para BN (batalha-nalval) como sentenças de tempo-presente ou

no infinitivo, temos:

BN(p) Haver uma batalha-naval (p) Deve ser uma batalha-naval (p)

↓↓↓↓ ↓↓↓↓ ↓↓↓↓

BNp Haverá uma batalha-naval amanhã Será uma batalha-naval amanhã

E o valor-verdade a ser atribuído à negação sentença como Não haverá uma batalha-

naval amanhã se demonstra ambíguo entre:

¬¬¬¬BNp Não haverá uma batalha-naval amanhã Não Será uma batalha-naval amanhã

e

BN ¬¬¬¬p Haverá uma batalha-naval não amanhã Será uma batalha-naval não amanhã

Mais especificamente, é a partir do pressuposto existencial relativo ao termo do sujeito

e os enunciados não-constatativos que a tese de que existem lacunas entre os valores-verdade

é bastante distinta da tese de que existe um ou mais valores-verdade intermediários. Assim,

empregar três valores lógicos, em que o terceiro valor-verdade é definido como não

verdadeiro e não falso, implica identificar esse valor com significância, pois, dizer que

existem algumas sentenças que são nem verdadeiras nem falsas é simplesmente o mesmo que

dizer que existem algumas sentenças que tem o valor-verdade nem verdadeiro nem falso.

Nesse caso, podemos supor, também, que concomitantemente verdadeiro e falso, assim como

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nem verdadeiro e nem falso, é um valor-verdade aquém, além ou extra em relação a

verdadeiro ou falso.

Os argumentos para a tese de que existem lacunas entre os valores-verdade são

pensados de forma diferente daqueles da tese de que existe um ou mais valores-verdade

intermediários. Para tanto, consideremos, por exemplo, o argumento de Frege (1978) acerca

das sentenças que contem termos não-denotados. De acordo com a teoria do sentido e

referência de Frege, a referência de uma expressão composta depende da referência de suas

partes, ou seja, em particular, os valores-verdade de uma sentença (que é seu referente)

dependem da referência das expressões compostas da sentença. Assim, se um dos

componentes lhe falta, a referência, então, será a própria sentença. Assim, uma sentença como

O Rei da França é sensato deve ser, ela mesma, verdadeira ou falsa. O argumento de Frege

conduz diretamente para a conclusão de que sentenças não-denotativas não têm valor-verdade

ou que corresponde às lacunas entre os valores-verdade, ou seja, essa perspectiva semântica

corresponderia a verdades não funcionais, uma vez que, quando em cada caso, para ambas as

disjunções faltam valores-verdade, designaria verdadeiro para p ou ¬p, mas nenhum valor-

verdade para p ou q.

Essa perspectiva semântica de Frege é particularmente apropriada e convergente com

a posição de Aristóteles quanto aos futuros contingentes, pois, de acordo com Aristóteles, as

sentenças correspondentes a futuros contingentes, embora sejam não verdadeiras e não falsas,

se tornarão eventualmente verdadeiras ou falsas, de modo que uma possa designar verdadeiro,

agora, para 'haverá uma batalha naval amanhã ou não haverá uma batalha naval amanhã', uma

vez que, o que quer que faça, a disjunção inteira é verdadeira.

Pelo contrário, se tomarmos a referida declaração como meio verdadeira,

parcialmente verdadeira, aproximadamente verdadeira (Austin, 1990) ou pela aparente

analogia entre verdade e probabilidade (Jan Lukasiewicz, 1963)34, somos obrigados a acatar

que as referidas considerações sugerem a existência de graus de verdade, um tipo de

intermediação contínua dos valores-verdade entre os casos limite de verdadeiro e falso.

Jan Lukasiewicz, em many-valued logic, abarca o problema dos "Futuros

Contingentes" e escreve que:

Posso assumir sem contradição que a minha presença em Varsóvia num certo momento do tempo (no próximo ano), isto é, ao meio-dia do dia 21 de dezembro, no

34 Sobre as teses fundamentais de Jan Lukasiewicz dedicamos um tópico próprio para um maior aprofundamento das questões pertinentes às complexidades das lógicas não-clássicas.

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momento presente ainda não está decidida positiva ou negativamente. É, pois, possível, mas não necessário, que eu esteja presente em Varsóvia no tempo referido. Assim supondo, a afirmação ´Estarei presente em Varsóvia ao meio-dia do dia 21 de dezembro do próximo ano` não é verdadeira nem falsa no momento presente. Porque se fosse verdadeira no momento presente a minha futura presença em Varsóvia teria que ser necessária, o que contradiz a suposição e se fosse falsa no momento presente, a minha presença futura em Varsóvia seria impossível, o que de novo contradiz a suposição. A frase declarativa sob consideração não é, no momento presente, nem verdadeira nem falsa e tem que ter um terceiro valor, diferente de 0, ou falso, e de 1, ou verdadeiro. Podemos indicá-lo por ´½`, isto é, ´o possível`, que fará um terceiro valor juntamente com ´o falso` e ´o verdadeiro`. É esta linha de pensamento que dá origem a um sistema a três valores de lógica proposicional.35 (LUKASIEWICZ. 1957. p.64.)

A questão que se estende é, antes de adentramos às complexidades das lógicas não-

clássicas de Lukasiewicz, saber se a concepção de verdade é violada ou, mesmo, descartada

nas propostas das lógicas não-clássicas, ou seja, no que concerne aos princípios da identidade,

da não contradição e do terceiro excluído (como a exclusão de um terceiro valor ou um valor

intermediário).

Uma proposta possível de interpretação dos valores intermediários dos sistemas de

muitos-valores decorre do antagonismo ou da incompatibilidade com os valores verdadeiro e

falso que são mutuamente excludentes e exaustivos. Consideremos, ainda, que f e i podem ser

pensados, simplesmente, como diferentes formas de ser falso e este seja definido como a

verdade da negação e esta, por sua vez, é para ser uma verdade-função. Assim, se 'v' é igual à

verdade e f é igual a i que é igual a falso, então a lei da dupla negação deve ser abolida.

Assim, as lógicas não-clássicas rejeitam a dicotomia clássica de verdadeiro-falso ou de

negação.

Mas, se f e i são ambos considerados como falso, é inexplicável que uma fórmula

bem-formada tome f ou i ou uniformemente i para todas as atribuições, para que suas

35 “I can assume without contradiction that my presence in Warsaw at a certain moment of time next year, e.g., at noon on 21st December, is not settled at the present moment either positively or negatively. It is therefore possible but not necessary that I shall be present in Warsaw at the stated time. On this presupposition the statement ´I shall be present in Warsaw at noon on 21st December next year` is neither true nor false at the present moment. For if it were true at the present moment my future presence in Warsaw would have to be necessary, which contradicts the presupposition, and if it were false at the present moment, my future presence in Warsaw would have to be impossible, which again contradicts the presupposition. The statement under consideration is therefore at the present neither true nor false and must have a third value different from 0, or the false and from 1, or the true. We can indicate this by ´½`: it is `the possible` which goes at a third value with the ´false` and the ´true`. This is the train of thought which gave rise to the three-valued system of propositional logic” (Apud Rescher. Op. cit., p.64.)

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variáveis não sejam consideradas como contradições. Bem como, ainda, i não é designado ou

anti-designado36 nas lógicas de três ou mais valores de Jan Lukasiewicz.

Inevitavelmente a lógica de muitos-valores não está sujeita ao princípio da não

contradição, pois, segundo Rescher (1968. P. 82-83), uma fórmula bem-formada que aceita

somente valores designados (como verdadeiros) é uma tautologia e, por analogia, uma

fórmula bem-formada que aceita somente valores anti-designados (como falsos) é uma

contradição. Assim, podemos inferir que a inclusão de outros valores elimina a possibilidade

de contradição, já que a polarização de valores perde sua força no sistema, ou seja, violamos

os princípios da identidade, da não contradição e do terceiro excluído quando tomamos por

objeto a declaração como ato ilocucionário.

No entanto, não é necessariamente o caso de que toda fórmula bem-formada de um

sistema de três ou mais valores é também designado ou anti-designado, pois, em muitos

sistemas propostos por lógicas não-clássicas, o valor intermediário é nenhum ou indecidível.

Então, mesmo que um valor indeterminado seja identificado, ou designado verdadeiro ou anti-

designado falso, ele não estaria sujeito ao princípio da não contradição. Segundo

Lukasiecwicz, em uma lógica de três ou mais valores, o valor intermediário não pode ser

designado ou anti-designado em razão da seguinte tese: se i fosse designado, o resultado de

que p e ¬p, que aceita i quando p = ¬p = i, possa ter um valor designado verdadeiro é

inaceitável; e, se i fosse anti-designado, o resultado de que p ou ¬p, que aceita i quando p =

¬p = i, possa ter um valor anti-designado falso é inaceitável.

No entanto, se, em um sistema de verdade não-funcional, algumas fórmulas bem-

formadas não são verdadeiras ou falsas, outras como p ∨ ¬p são verdadeiras ainda que p seja

indeterminado ou não seja verdadeiro ou falso, embora p ∨ q não seja verdadeiro se as

proposições implicadas em disjunção são indeterminadas ou não são verdadeiras ou falsas.

Nesse sentido, o princípio do terceiro excluído, como um teorema, não é intercambiável com

a expressão ou a inteligibilidade correspondente ao princípio da não contradição, nem podem

ser abarcados como equivalentes. Assim, se:

36 designados (contrário a anti-designados) é um adjetivo de um valor-verdade em um sistema de avaliação e funciona como uma analogia à verdade em um sistema de dois valores. É conveniente observar todos os valores designados como espécies de verdade e todos os valores não-designados como espécies de mentiras, de modo que o princípio do terceiro excluído possa ser mantido, ou então poderá restar um intervalo de valor-verdade entre valores designados e não-designados.

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Toda fórmula bem-formada do sistema é verdadeira ou falsa [prevalece o princípio da não contradição]

e Todo p ∨∨∨∨ ¬¬¬¬p é um teorema do sistema

[prevalece o princípio do terceiro excluído (exclusão de um valor intermediário)]

Mais especificamente, na aplicação do princípio do terceiro excluído, como um

teorema, e na demonstração de seu desenvolvimento é que podemos perceber nitidamente a

distinção em relação ao princípio da não contradição. Jan Lukasiewicz enfatiza essa referida

distinção em Aristotle´s Syllogistic (1957. P. 82) e em Sobre el determinismo (in: Estudios de

Lógica y Filosofia. 1970. P. 43-60).

Para a referida demonstração do teorema que concerne ao princípio do terceiro

excluído (exclusão do intermediário), a título de exemplo, retomaremos o enunciado que

demarca a tese dos Futuros Contingentes de Aristóteles, ou seja:

Haverá uma batalha naval amanhã.

Assim, para a aplicação do princípio do terceiro excluído (exclusão do intermediário),

consideramos o fato de que se um sujeito A, hoje, declara ou enuncia:

Haverá uma batalha naval amanhã.

e se um sujeito B nega o que foi enunciado acima, declarando que:

Não haverá uma batalha naval amanhã,

então, ou o sujeito A ou o sujeito B é que diz a verdade. Não podemos saber, hoje, qual dos

sujeitos é que diz a verdade, mas, podemos sabê-lo amanhã. Assim, se amanhã houver uma

batalha naval, a declaração do sujeito A será, então, verdadeira, mas, se amanhã não houver

uma batalha naval, a declaração do sujeito B será, então, verdadeira.

Portanto, hoje, é verdade que haverá uma batalha naval amanhã ou é verdade que não

haverá uma batalha naval amanhã. Se o sujeito A profere uma declaração p, ou F(p) e o

sujeito B profere uma declaração correspondente à negação de p, ou F(¬p), então, um dos

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dois sujeitos faz uma afirmação verdadeira não só hoje, mas, em qualquer instante de tempo t.

Assim, temos a correspondente à notação lógica:

F - força ilocucional correspondente a "é verdade que"

F(p) ∨∨∨∨ F(¬¬¬¬p)

Ou é verdadeiro, no instante t, que haverá uma batalha naval amanhã (β) ou é

verdadeiro, no instante t, que não haverá uma batalha naval amanhã (α).

ββββ ∨∨∨∨ αααα

Mas, a base fundamental da tese do determinismo, de Jan Lukasiewicz, na diferença

entre o princípio do terceiro excluído, como um teorema, e o princípio da não contradição,

pode ser inteligida a partir das declarações de dois sujeitos A e B implicadas em uma

condicional relativa, ou seja, se α, então não-β, de modo que α representa o enunciado [é

verdadeiro, no instante t, que não haverá uma batalha naval amanhã] e β o enunciado [é

verdadeiro, no instante t, que haverá uma batalha naval amanhã]. No conseqüente da notação

lógica correspondente à condicional relativa, podemos observar a negação de β, não-β, ou

seja, nego que [é verdadeiro, no instante t, que haverá uma batalha naval amanhã]. Assim, se

α, então não-β implica, por equivalência, que se β, então não-α, uma vez que se α implica

não-β, então α e β se excluem mutuamente, e, portanto, β implica não-α, ou seja:

ββββ∨∨∨∨αααα Ou [é verdadeiro, no instante t, que haverá uma batalha naval amanhã] ou [é verdadeiro, no instante t, que não haverá uma batalha naval amanhã].

αααα→→→→¬¬¬¬ββββ Se [é verdadeiro, no instante t, que não haverá uma batalha naval amanhã], então nego que [é verdadeiro, no instante t, que haverá uma batalha naval amanhã].

ββββ→→→→¬¬¬¬αααα Se [é verdadeiro, no instante t, que haverá uma batalha naval amanhã], então nego que[é verdadeiro, no instante t, que não haverá uma batalha naval amanhã].

E ainda que consideremos a notação lógica correspondente a se não-α, então β que

implica, por equivalência, em se não-β, então α, uma vez que se não-α implica β, então α e β

se excluem mutuamente, e, portanto, não-β implica α, ou seja:

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¬¬¬¬αααα→→→→ββββ Se nego que [é verdadeiro, no instante t, que não haverá uma batalha naval amanhã], então [é verdadeiro, no instante t, que haverá uma batalha naval amanhã].

¬¬¬¬ββββ→→→→αααα Se nego que [é verdadeiro, no instante t, que haverá uma batalha naval amanhã], então [é verdadeiro, no instante t, que não haverá uma batalha naval amanhã].

Assim, Jan Lukasiewicz demonstra a tese do determinismo na dicotomia entre o

princípio do terceiro excluído, como teorema e não como a exclusão de um terceiro valor ou

um valor intermediário, e o princípio da não contradição.

No entanto, Susan Haack, em Filosofia das lógicas, afirma que:

Lukasiewicz apresenta sua lógica trivalente por meio de um argumento derivado de Aristóteles, no sentido de que, a menos que se permita que enunciados sobre o futuro não sejam ainda verdadeiros ou falsos, estar-se-á comprometido com o fatalismo. (A interpretação que Lukasiewicz faz de Aristóteles é discutível, mas não preciso ocupar-me dessa disputa aqui; cf. Haack, 1974, cap. 4 para uma discussão relevante) O argumento de Lukasiewicz é o seguinte. Suponhamos que seja verdade agora que vou estar em Varsóvia ao meio-dia de 21 de dezembro do próximo ano; quer dizer, é necessário que eu esteja em Varsóvia ao meio-dia de 21 de dezembro do próximo ano. Suponhamos, entretanto, que seja agora falso que eu vou estar em Varsóvia ao meio-dia de 21 de dezembro do próximo ano; então eu não posso estar em Varsóvia ao meio-dia de 21 de dezembro do próximo ano; quer dizer, é impossível que eu esteja em Varsóvia ao meio-dia de 21 de dezembro do próximo ano. Assim, se é ou verdadeiro ou falso, agora, que eu estarei em Varsóvia naquela ocasião, é ou necessário ou impossível que eu esteja em Varsóvia naquela ocasião. A única maneira de evitar esta conclusão fatalista, insiste Lukasiewicz, consiste em negar que tais enunciados contingentes, no tempo verbal futuro, sejam ou verdadeiro ou falsos antes do evento. A bivalência, ele conclui, deve ser rejeitada. (...) a falácia de argumentar a partir de: Necessariamente, se é agora verdadeiro [falso] que vou estar em Varsóvia ao meio-dia de 21 de dezembro do próximo ano, então eu [não] vou estar em Varsóvia ao meio-dia de 21 de dezembro do próximo ano. que é, é claro, verdadeiro, para: Se é agora verdadeiro [falso] que vou estar em Varsóvia ao meio-dia de 21 de dezembro do próximo ano, então necessariamente eu [não] vou estar em Varsóvia ao meio-dia de 21 de dezembro do próximo ano. i.e., argumentando de: L(A→B) para: A→ L B (Se não está óbvio que isto seja uma falácia, consideremos esta instância que claramente não preserva a verdade: L((p&q) →p), logo (p&q) → Lp. Se estou certa a respeito disto, o fatalismo não se segue da bivalência, assim, mesmo que o fatalismo seja uma tese inacessível, não há necessidade de rejeitar a bivalência por causa disso, e Lukasiewicz não forneceu uma boa razão para adotar sua lógica trivalente. (Haack. 2004. p. 274-276)

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A afirmação de Susan Haack, acima, pode ser refutada com fundamento no

fato de que o modalizador ou a força ilocucional empregada por Lukasiewicz não opera sobre

o conectivo, mas tão somente sobre o conteúdo proposicional. Assim, como demonstrado na

tese do determinismo que é fundada na dicotomia entre o princípio do terceiro excluído, como

teorema, e o princípio da não contradição. E, ainda, Lukasiewicz introduz um símbolo

modalizador para o termo indeterminado ou possível e o define pela seguinte equivalência: ◊p

= ¬ p → p. Isto é, se uma proposição pode ser derivada da sua própria negação, então não

poderá ser falsa, qualquer que seja o número de valores de verdade que reconhecemos. Na

lógica clássica de dois valores, esta propriedade é determinante da verdade, mas, em um

sistema lógico de três valores é determinante da possibilidade (contingente).

3.2 A demonstração canônica da incompletude de Kurt Gödel contra o determinismo: a inconsistência de um sistema que se ramifica ad infinitum sem uma solução provida no seu interior.

Qualquer sistema lógico, como demonstra Kurt Gödel, baseado em um número finito

de princípios básicos e consistentes, ou seja, incapazes de acatar ou produzir contradições,

contém afirmações que não podem ser provadas, como verdadeiras ou falsas, a partir do

próprio sistema. Isto significa que nenhum sistema lógico se basta ou basta a si mesmo, de

modo que sempre será necessário um sistema maior ou genérico e mais complexo para dar

conta de tudo que o sistema menor ou específico contém, mas aquele, para ser entendido

integralmente, precisará de um sistema, outro, maior ou mais genérico e mais complexo; e

assim sucessivamente.

Há um enunciado que a mente humana pode aceitar como verdadeira, mas um sistema

lógico não. Este enunciado pode ser formulado como uma pergunta, ou seja: É verdade que

este sistema lógico é incapaz de afirmar que esta frase é verdadeira? Se o sistema for

consistente, incapaz de acatar ou produzir contradições, ele jamais poderá responder que é

verdade que este sistema lógico é incapaz de afirmar que esta frase é verdadeira, pois, estaria

afirmando que é verdade que ele (o próprio sistema) não pode dizer que é verdade. Portanto,

existe uma verdade que um sistema lógico é incapaz de afirmar, mas, a mente humana não só

é capaz de acatar ou produzir a contradição, como, também, analisar o paradoxo. Segue-se,

segundo Kurt Gödel, que nenhuma máquina pode ser uma mente. Tomemos como objeto de

análise o silogismo correspondente às assertivas: Nenhuma máquina é capaz de provar a

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veracidade da proposição de Gödel. A mente humana pode provar essa veracidade. Logo, a

mente não é uma máquina. Ernest Nagel e James R. Newman, em A Prova de Gödel,

demonstram que:

As conclusões de Gödel versam sobre o problema de saber se é possível construir uma máquina de calcular comparável ao cérebro humano em inteligência matemática. Hoje, as máquinas de calcular encerram um conjunto fixo de diretivas; tais diretivas correspondem a regras fixas de inferência, de procedimento axiomático formalizado. As máquinas fornecem assim respostas a problemas operando passo a passo, sendo cada passo controlado pelas diretivas embutidas. (NAGEL e NEWMAN. 2003. P86-87)

Assim, a demonstração de Gödel levanta uma série de questões sobre as afirmações

que não podem ser provadas, como verdadeiras ou falsas, a partir do próprio sistema, como

nos sistemas econômicos, políticos, jurídicos etc. Não é claro ou categórico que nenhum

destes sistemas seja, ou pretenda ser, tão lógico e consistente quanto a aritmética, contrário à

idéia de que nenhum sistema derivado de um conjunto finito de regras pode se justificar ou

justificar a si mesmo de forma lógica sem cair em contradição. Segundo Ernest Nagel e James

R. Newman, em A Prova de Gödel, afirmam que:

como Gödel mostrou em seu teorema da incompletude, existem numerosos problemas na teoria elementar dos números que permanecem fora do âmbito de um método axiomático fixado, e que tais engenhos são incapazes de responder por mais intrincados e engenhosos que sejam os mecanismos introduzidos e por mais rápidas que sejam suas operações. Dado um problema definido, pode-se construir uma máquina deste tipo para resolvê-lo; mas não é possível fazer uma máquina deste gênero capaz de resolver todo e qualquer problema. O cérebro humano pode, na verdade, ter limitações próprias inerentes, e talves existam problemas matemáticos que ele seja incapaz de resolver. Mas, ainda assim, o cérebro parece corporificar uma estrutura de regras de operação muito mais poderosa do que a estrutura das máquinas artificiais comumente concebidas. (NAGEL e NEWMAN. 2003. P. 87)

Kurt Gödel, que também integra o Circulo de Viena, um grupo de matemáticos e

filósofos precursores do positivismo lógico na primeira metade do século vinte, demonstra a

possibilidade de expressar os paradoxos usando linguagem matemática, ou seja, a partir dos

teoremas da incompletude tem-se a base fundamental do positivismo lógico, isto é, não existe

nenhuma teoria T estendendo uma teoria mínima (da aritmética), que seja simultaneamente

(recursivamente) axiomatizável, consistente e completa. Ernest Nagel e James R. Newman,

em A Prova de Gödel, afirmam que:

Gödel mostrou como construir uma fórmula aritmética G que represente o enunciado metamatemático: 'A fórmula G não é demonstrável'. Esta fórmula G afirma assim ostensivamente por si própria que não é demonstrável. Até certo ponto, G é construído de modo análogo ao Paradoxo de Richard. No Paradoxo a

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expressão 'richardiano' éstá associada a um certo número n, construindo-se assim a sentença 'n é richardiano'. No argumento de Gödel, a fórmula G está também associada a um certo número h, e é construída de tal maneira que corresponda ao enunciado: 'A fórmula com o número associado h é não-demonstrável'. Mas Gödel também mostrou que G é demonstrável se, e somente se, sua negação formal ∼G for demonstrável. Este passo na argumentação é mais uma vez análogo a um passo no Paradoxo de Richard, no qual se provou que n é richardiano se, e somente se n não for richardiano. Entretanto, se a fórmula e a sua própria negação forem ambas formalmente demonstráveis, o cálculo aritmético não será consistente. Consequentemente, se o cálculo for consistente, nem G nem ∼G são formalmente deriváveis dos axiomas da aritmética. Portanto, se a aritmética for consistente, G será uma fórmula formalmente indecidível. Gödel provou então que, embora G não seja formalmente demonstrável, ela é não obstante, uma verdadeira fórmula aritmética. Ela é verdadeira no sentido de que assevera que todo inteiro possui uma certa propriedade aritmética, que ser pode exatamente definida e apresentada porque não importa qual inteiro seja examinado. Como G é tanto verdadeiro como formalmente indecidível, os axiomas da aritmética são incompletos. Em outros termos, não podemos deduzir todas as verdades aritméticas a partir dos axiomas. (NAGEL e NEWMAN. 2003. P. 74)

Com a demonstração canônica da incompletude, pretende-se demonstrar um resultado

sobre certo sistema T usando essencialmente apenas os recursos expressivos e dedutivos deste

próprio sistema T que deve assim ser dotado de certa capacidade de auto-reflexão, capacidade

esta que o condena à incompletude.

Mais especificamente, imaginemos um aparato teórico (um sistema ou uma teoria) T,

tal que só e somente só com T é que podemos demonstrar o que é verdadeiro. Para tanto,

consideremos as seguintes asserções U e U’ abaixo:

U: ESTA ASSERÇÃO É INDEMONSTRÁVEL EM T. U’: E STA ASSERÇÃO É DEMONSTRÁVEL EM T.

Se U é verdadeira, então, não é demonstrável em T, mas, se não é demonstrável em T,

então é falsa, pois, só e somente só com T é que podemos demonstrar o que é verdadeiro. E se

U’ é verdadeira, então, também, não é demonstrável em T, mas, se não é demonstrável em T,

então é falsa, pois, só e somente só com T é que podemos demonstrar o que é verdadeiro. Para

tanto, consideremos os seguintes desdobramentos em U e em U’:

(a) QUE U [ESTA ASSERÇÃO É INDEMONSTRÁVEL EM T.] É DEMONSTRÁVEL EM T. (a’) QUE U [ESTA ASSERÇÃO É INDEMONSTRÁVEL EM T.] É INDEMONSTRÁVEL EM T. (b) QUE U’ [ESTA ASSERÇÃO É DEMONSTRÁVEL EM T.] É DEMONSTRÁVEL EM T. (b’) QUE U’ [ESTA ASSERÇÃO É DEMONSTRÁVEL EM T.] É INDEMONSTRÁVEL EM T.

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Ou seja, se U é demonstrável em T, não pode ser verdadeira em razão da contradição

que se instaura entre o ser indemonstrável da proposição interna e o ser demonstrável da

proposição externa. Assim, U não pode ser demonstrável em T, pois, só e somente só com T é

que podemos demonstrar asserções verdadeiras. No entanto, se U é indemonstrável em T, não

pode, também, ser verdadeira, pois, só e somente só com T é que podemos demonstrar o que é

verdadeiro. Para tanto, consideremos uma complementação cujo caráter é infinito para os

desdobramentos em U:

(a) QUE U [ESTA ASSERÇÃO É INDEMONSTRÁVEL EM T.] É DEMONSTRÁVEL EM T.

(a’) QUE U {[ESTA ASSERÇÃO É INDEMONSTRÁVEL EM T.] É INDEMONSTRÁVEL EM T.} É

DEMONSTRÁVEL EM T. (...)

Consequentemente, dizer que U é verdadeira, já que U afirma não se demonstrável em

T, poder-se-ia dizer que U é verdadeira e indemonstrável em T. Mas, assim, não

explicaríamos a paradoxal contradição que se instaura nessa última assertiva.

Se considerarmos agora o desdobramento apontado para U’ , podemos observar que se

U’ é demonstrável em T, não pode ser verdadeira em razão da contradição que se instaura

entre o ser demonstrável em T da proposição interna e a condição de que só e somente só com

T é que podemos demonstrar asserções verdadeiras. Assim, U’ não pode ser demonstrável em

T, pois, só e somente só com T é que podemos demonstrar asserções verdadeiras. No entanto,

se U’ é indemonstrável em T, de modo inverso, podemos observar não haver contradição

entre o ser indemonstrável em T da proposição externa e a condição de que só e somente só

com T é que podemos demonstrar asserções verdadeiras. Mas essa convergência não garante a

atribuição da predicação de ser demonstrável em T, nem, tão pouco, a predicação de ser

verdadeira, pois, se assim o fizermos, estaremos incorrendo em uma complementação de

caráter infinito e paradoxal, tal qual ocorre em U, ou seja:

(b) QUE U’ [ESTA ASSERÇÃO É DEMONSTRÁVEL EM T.] É DEMONSTRÁVEL EM T.

(b’) QUE U’ {[ESTA ASSERÇÃO É DEMONSTRÁVEL EM T.] É INDEMONSTRÁVEL EM T.} É

DEMONSTRÁVEL EM T. (...)

Consequentemente, dizer que U’ é verdadeira, já que U’ afirma não se demonstrável

em T, poder-se-ia dizer que U’ é verdadeira e indemonstrável em T. Mas, tal assertiva

implicaria o fato de termos que admitir que se U’ é verdadeira e indemonstrável em T, antão

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(b’) que U’ {[Esta Asserção é demonstrável em T.] é indemonstrável em T.} é demonstrável

em T. (...). Mas, assim, retomamos o fato de não podermos explicar a paradoxal contradição

que se instaura nessa última assertiva, cuja razão já foi demonstrada em (a’) que U {[Esta

Asserção é indemonstrável em T.] é indemonstrável em T.} é demonstrável em T. (...).

E ainda que consideremos o caráter negativo de U e U’ , o raciocínio não seria outro

senão aquele que, em uma razão inversa, foi demonstrado acima. E essa é basicamente a

demonstração do 1º Teorema da Incompletude de Kurt Gödel. Segundo Ernest Nagel e James

R. Newman, em A Prova de Gödel, afirmam que:

A prova de Gödel não dever ser apresentada como um convite para o desespero ou como uma desculpa para o tráfico de mistérios. A descoberta da existência de verdades matemáticas formalmente indemonstráveis não significa que existam verdades destinadas a permanecer para sempre desconhecidas, ou que uma intuição 'mística' (radicalmente diferente em espécie e autoridade daquilo que é em geral operativo nos progressos intelectuais) deve substituir provas adequadas. Isto não significa, como pretendeu um autor recente que há 'limites ineludíveis para a razão humana'. Isto significa que os recursos do intelecto humano não foram e não poder ser plenamente formalizados, e que novos princípios de demonstração aguardam eternamente invenção e descoberta. Vimos que proposições matemáticas que não podem ser estabelecidas por dedução formal a partir de um dado conjunto de axiomas, podem, não obstante ser estabelecidas por raciocínio metamatemático 'informal'. Seria irresponsabilidade pretender que tais verdades formalmente indemonstráveis, firmadas por argumentos metamatemáticos, se baseiam em nada melhor do que puros apelos à intuição. (NAGEL e NEWMAN. 2003. P. 87-88)

Assim, podemos asseverar que toda teoria ou todo sistema é incompleto, pois,

contrasta com as assertivas U e U’, que devem ser convenientes, como um aparato teórico

(um sistema ou uma teoria) T que deve ser consistente.

3.3 O Sistema Lógico-Filosófico de Jan Lukasiewicz: a Lógica de Três Valores e a Lógica de Muitos Valores.

Abarcando como objeto de investigação o próprio sistema de cálculo sentencial e

problematizando os axiomas quanto ao fato de atenderem a exigência da consistência,

independência e completude, Lukasiewicz afirma que:

As provas que serão apresentadas a seguir poderão ser formalizadas dentro de alguns sistemas axiomáticos, mas seria extremamente difícil. Nossas provas serão realizadas como normalmente é feito em matemática, ou seja, vamos começar a

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partir de premissas cuja verdade será ditada pela intuição.37 (LUKASIEWICZ. 1963. p. 67)

Assim, se é esse o caminho que corresponde à descrição natural do nosso raciocínio,

ou seja, começar a partir de premissas cuja verdade será ditada pela intuição, não é essa a

dimensão do raciocínio jurídico?

No entanto, o conceito de consistência ou compatibilidade supõe a definição de

dedutibilidade, tanto que, quanto à consistência do sistema de axiomas do cálculo sentencial,

Lukasiewicz afirma que:

O primeiro problema a ser tratado é o da consistência dos axiomas do cálculo sentencial. Será demonstrado que, se iniciamos a partir de nossos axiomas e procedemos em conformidade com as regras de inferência, nunca poderemos provar duas frases, ou seja, uma que tem a forma de α e a outra de Nα, pois, são contraditórios. Isto é muito importante, pois, para que possamos provar duas frases contraditórias, teríamos de reconhecer a verdade de ambas às frases, uma vez que reconhecemos a verdade de todas as sentenças que são prováveis no cálculo sentencial. Mas, em conformidade com o princípio da contradição, duas sentenças contraditórias não podem ser verdadeiras.38 (LUKASIEWICZ. 1963. p. 67)

Na determinação da prova ou no modo como se dá a demonstração da consistência

temos que observar o fato de que, em nosso sistema, as definições são apenas abreviaturas e

não desempenham qualquer papel fundamental na prova39 e que a regra da substituição nos

permite substituir, em qualquer tese, o definiens pelo definiendum.40 (LUKASIEWICZ. 1963.

p. 68) Ou seja, que a regra da substituição nos permite substituir, em qualquer tese, o

significado pelo significante.

E, então, apontar um princípio assim definido por Lukasiewicz:

Podemos provar que, no nosso sistema, a partir de qualquer tese que contém um definiendum também podemos deduzir uma tese na qual o definiendum referido é substituído pelo definiens adequado. Desta forma, no nosso sistema de cálculo

37 "The proofs to be presented below might be formalized within some axiomatic system, but that would be extremely difficult. Our proofs will be carried out as is usually done in mathematics, i.e., we shall start from assumptions whose truth will be dictated by intuition." (1963. P. 67) 38 "The first problem to be dealt with is that of the consistency of the axioms of the sentential calculus. It will be shown that if we start from our axioms and proceed in accordance with the rules of inference, we can never prove two sentences, one of which has the form α, and the other Nα, and thus are contradictory. This is very important, for should we prove two contradictory sentence, we would have to recognize the truth of both these sentence, since we recognize the truth of every sentences that is provable in the sentential calculus. But, in conformity with the principle of contradiction, two contradictory sentences cannot both be true." (1963. P. 67) 39"... the fact that in our system definitions are merely abbreviations and do not play any essential role in the proofs"; (1963. p. 68) 40 "the rule of replacement permits us to replace in any thesis, the definiens by the definiendum" (1963. P. 68)

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sentencial cada prova tem sua contrapartida que não ocorre em termos definidos.41 (LUKASIEWICZ. 1963. p. 68)

A definition-free of the sentential calculus (S*) e a prova da consistência de S é dada

pela prova de consistência de S* ou definição livre do cálculo sentencial que se distingue do

sistema original S em razão de não envolver expressões que contêm termos definidos, ou seja,

meaningful expressions that contain no defined terms.

Então, diante do problema exposto, Lukasiewicz indaga sobre a possibilidade, no

campo da lógica, de uma interpretação para o terceiro símbolo numérico. E, assim, sobre a

"lógica de três ou mais valores", nos deparamos com o clássico problema aristotélico dos

futuros contingentes que, segundo Lukasiewicz:

Podemos, no entanto, adaptar uma posição na variância com o princípio de dois valores na lógica. Podemos supor que uma frase, no sentido lógico do termo, pode ter valores que não sejam verdadeiro ou falso. A frase que não sabemos se é falsa ou verdadeira e nenhum valor determinado como verdadeiro ou falso, talvez possa ter um terceiro valor indeterminado. Poderíamos, por exemplo, considerar que a sentença "em um ano, a partir de agora, estarei em Varsóvia", não é verdadeira ou falsa e tem um terceiro e indeterminado valor que pode ser simbolizado como ´½`.42 (LUKASIEWICZ. 1963. p. 78)

Sobre o sistema do cálculo sentencial da lógica de três ou mais valores observamos

que, se não houver uma simbologia precisa, as noções de verdadeiro e falso se apresentam

imprecisas, pois, toda proposição necessita de fatos definidos para se tornar verdadeira. E,

assim como a proposição em um ano, a partir de agora, estarei em Varsóvia não é nem

verdadeiro nem falso e tem um terceiro e indeterminado valor que pode ser simbolizado por

´½`43, a proposição

Isto é um homem

41 "We could prove that, in our system, from any thesis that contains a definiendum we may also deduce a thesis in which the said definiendum is replaced by the appropriate definiens. In this way, in our system of the sentential calculus every proof has its counterpart in which no defined terms occur" (1963. P. 68) 42 "We might, however, adopt a standpoint at the variance with the principle of two values in logic. We might assume that a sentence, in the logical sense of the term, might have values other than falsehood and truth. A sentence, of which we do not know whether it is false or true, might have no value determined as truth or falsehood, but might have some third, undetermined, value. We might, for instance, consider that the sentence in a year from now I shall be in Warsaw is neither true nor false and has a third, undetermined, value, which can be symbolized as ´½`." (1963. P. 78) 43 Um grão de areia não faz um punhado. Adicionar outro grão ainda não faz um punhado. No entanto, adicionando mais e mais grãos, em algum momento, teremos um punhado de areia. Um homem com cabelos não é careca. Tirando um cabelo não o transforma em careca. Porém assim continuando eventualmente se tornará careca. Paradoxos - Eubulides de Mileto - Grécia - Século IV AC.

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pode se aplicar a todos os machos adultos da espécie, mas não às crianças. Mas, vista de outro

modo, pode abranger toda a humanidade, dependendo do sentido que se dá à palavra

"homem". Então, não é nem verdadeiro nem falso e tem um terceiro e indeterminado valor

que pode ser simbolizado como ´½`.

Propor soluções diversas de α ou Nα para problemas de lógica é abandonar o

princípio do Terceiro Excluído e o princípio da não contradição da lógica de Aristóteles, o

que implica no abandono da denominada prova por contradição.

No sistema do cálculo sentencial da lógica de três ou mais valores, a lógica se

transforma desde seus fundamentos se adotarmos a hipótese de que além de verdadeiro e falso

há, também, um terceiro valor lógico ou até mais valores. Lukasiewicz apresenta uma

estrutura na qual adiciona o valor ½ representando não necessariamente o termo "possível"

além dos valores 1 representando não necessariamente o termo verdadeiro e 0 representando

não necessariamente o termo falso.

A afirmação e a negação do valor lógico ½ são equivalentes como podemos observa

na tabela-verdade para o cálculo sentencial da lógica de três ou mais valores.

αααα Não-αααα p Não-p

1 0 ½ ½ 0 1

O sistema do cálculo sentencial da lógica de três ou mais valores é sugerida,

inicialmente, por Aristóteles em sua obra De Interpretatione. Tal lógica pode ser entendida

como uma tentativa de solucionar um problema relacionado aos futuros contingentes. Se

proposições devem corresponder a fatos, é evidente que em se tratando de eventos situados no

futuro tem-se a hipótese de uma alternativa real e a hipótese de uma alternativa potencial, ou

seja, em direções contrárias. Deste modo, temos que a afirmação e a negação correspondentes

a essa proposição terão o mesmo caráter valorativo, ou seja, ½ e, assim, ambas poderão ser

verdadeiras ou ambas poderão ser falsas, porém, ainda, não podem ser nem verdadeira e nem

falsa.

Aristóteles afirma que as sentenças haverá ou não haverá uma batalha naval amanhã

ou já é definitivamente verdadeiro ou definitivamente falso que haverá uma batalha naval

amanhã terão o mesmo caráter valorativo, ou seja, ½ e, assim, em cada um dos pares citados,

ambas poderão ser verdadeiras ou ambas poderão ser falsas. No entanto, ainda, não podem ser

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nem verdadeira e nem falsa. E, assim, o que não está determinado não pode ser conteúdo de

verificação. Aristóteles defende, da mesma forma, que embora nenhuma das partes da

disjunção seja, agora, verdadeira ou falsa, o conjunto inteiro desta disjunção (haverá ou não

haverá uma batalha naval amanhã) é, desde já, definitivamente verdadeiro.

Com três valores de verdade, as funções de verdade têm que ser redefinidas ou suas

definições têm que ser generalizadas de tal modo que abarquem os casos em que um ou mais

argumentos tomam o valor correspondente a ½, ou seja:

p →→→→ q p ∧∧∧∧ q p ∨∨∨∨ q p ↔↔↔↔ q p ∨∨∨∨ q

p q Cpq Kpq Apq Epq Jpq

1 1 1 1 1 1 0 1 ½ ½ ½ 1 ½ 1 1 0 0 0 1 0 1 ½ 1 1 ½ 1 ½ 1 ½ ½ 1 ½ ½ 1 0 ½ 0 ½ 0 ½ ½ ½ 0 1 1 0 1 0 1 0 ½ 1 0 ½ ½ ½ 0 0 1 0 0 1 0

N C 1 ½ 0 1 0 1 1 ½ 0 ½ ½ ½ 1 1 ½ 0 1 0 1 1 1

A coluna do extremo direito, nos quadros imediatamente acima, indica que para p = 1

e p = 0 não há mudança em ¬ p, ou seja, ¬ p = 0 e ¬ p = 1 e, no entanto, para p = ½ temos ¬

p = ½.

Assim, a descrição do raciocínio jurídico começa a partir de premissas cuja verdade

será ditada pela intuição, em razão de não alcançar, de modo absoluto, o verdadeiro ou o

falso, mas, por forjar o verdadeiro ou o falso da sua existência no intervalo entre o verdadeiro

e o falso - daí o raciocínio jurídico ser predicado de polêmico.

Devemos compreender que neste sistema de uma lógica de três valores, ínsito ao

raciocínio jurídico, os símbolos das funções de verdade não podem conservar exatamente as

mesmas relações que tinham no sistema de uma lógica de dois valores e, conseqüentemente,

as fórmulas que são tautológicas no sistema de uma lógica de dois valores podem deixar de

sê-lo quando consideradas como fórmulas do sistema de uma lógica de três valores.

N A 1 ½ 0 1 0 1 1 1 1 ½ ½ ½ 1 ½ ½ 0 1 0 1 ½ 0

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Jan Lukasiewicz é pioneiro no campo da many-valued logic, ou seja, para ser mais

preciso, valemo-nos de uma imagem geométrica que tem como referência um segmento de

reta cujos pontos externos podem ser indicados pelos símbolos 1 e 0, em substituição a

verdadeiro (V) e falso (F), válido (V) e inválido (I), que resulta, então, na possibilidade de

abarcar o ponto médio do referido segmento com o símbolo ½, ou seja:

Eu posso supor sem contradição que a minha presença em Varsóvia num certo momento do tempo, e.g., ao meio-dia do dia 21 de dezembro, no momento presente ainda não está decidida positiva ou negativamente. É por isso possível mas não necessário que eu esteja presente em Varsóvia na altura referida. Nesta suposição a afirmação "Estarei presente em Varsóvia ao meio-dia do dia 21 de dezembro do próximo ano" não é verdadeira nem falsa no momento presente. Porque se fosse verdadeira no momento presente a minha futura presença em Varsóvia teria que ser necessária, o que contradiz a suposição e se fosse falsa no momento presente, a minha presença futura em Varsóvia seria impossível, o que de novo contradiz a suposição. A frase declarativa sob consideração não é, no momento presente, nem verdadeira nem falsa e tem que ter um terceiro valor, diferente de 0, ou falso, e de 1, ou verdadeiro. Podemos indicá-lo por "½", isto é, "o possível", que fará um terceiro valor juntamente com "o falso" e "o verdadeiro". É esta linha de pensamento que dá origem a um sistema a três valores de lógica proposicional.44 (Apud Rescher. 1957. p.64.)

Assim, se considerarmos que os princípios do cálculo proposicional deixam de ser

aplicados em razão dos significados dos conectivos dados pelas matrizes apresentadas por Jan

Lukasiewicz, como, por exemplo, a tese correspondente ao princípio do terceiro excluído.

Neste ponto, existe uma divergência entre a tese sistêmica de Lukasiewicz e o que é

asseverado no nono capítulo, futuros contingentes, do Da interpretação; para Aristóteles, a

disjunção includente haverá ou não haverá uma batalha naval amanhã vale mesmo quando

as suas partes, “haverá uma batalha naval amanhã” e sua negação, têm ambas valores

indeterminados ou ½. Aristóteles afirma a validade da disjunção inludente não por causa dos

valores de verdade atribuídos a seus componentes (1, ½ ou 0), mas porque esses componentes

são contraditórios. Existe, portanto, um elemento não verofuncional no tratamento destas

proposições. Arthur Prior considera que o aparecimento da não-verofuncionalidade em tais

44 I can assume without contradiction that my presence in Warsaw at a certain moment of time next year, e.g., at noon on 21st December, is not settled at the present moment either positively or negatively. It is therefore possible but not necessary that I shall be present in Warsaw at the stated time. On this presupposition the statement ´I shall be present in Warsaw at noon on 21st December next year` is neither true nor false at the present moment. For if it were true at the present moment my future presence in Warsaw would have to be necessary, which contradicts the presupposition, and if it were false at the present moment, my future presence in Warsaw would have to be impossible, which again contradicts the presupposition. The statement under consideration is therefore at the present neither true nor false and must have a third value different from 0, or the false and from 1, or the true. We can indicate this by ´½`: it is `the possible` which goes at a third value with the ´false` and the ´true`. This is the train of thought which gave rise to the three-valued system of propositional logic. (Apud Rescher. Op. cit., p.64.)

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proposições é devido a uma confusão com relação à diferenciação das duas seguintes

sentenças: i) Haverá ou não haverá uma batalha naval amanhã que é verdadeira de acordo

com regras verofuncionais, somente quando pelo menos uma das duas componentes for

verdadeira e ii) Amanhã será o caso da seguinte sentença: há ou não há uma batalha naval.

A sentença em "ii)" não é verofuncional dado que o conectivo de disjunção é governado pelo

operador não-verofuncional amanhã será o caso... (operador este que não aparece no sistema

trivalorado de Lukasiewicz) enquanto que a sentença em "i)", apesar de ser verofuncional, não

possui validade para todos os casos. (1962. p. 230-250)

Dissertando sobre os futuros contingentes ou a lógica modal elaborada por Aristóteles,

Lukasiewicz afirma que De acordo com Aristóteles, apenas proposições são necessária,

impossível, possível ou subordinada.45 (1957. p. 134). E dada a ambiguidade do termo

contingente, Lukasiewicz, sob a denominação modal functions (ou função) propõe as formas

correspondentes a é necessário que p (Lp), é impossível que p (Ip) e é contingente que p (Cp),

fundado no sistema da lógica de três valores.

O valor indicado como ½ ou i significa, por correspondência, indeterminado ou

possível e, abarcado em sentenças correspondentes aos futuros contingentes, submete-se aos

princípios, já desenvolvidos, que orientam o sistema da lógica de três valores.

Este valor indeterminado ou possível, como um terceiro valor-verdade, representa a

união do verdadeiro e do falso. E, fundado no sistema da lógica de três valores, propõe a

função a um argumento.

Mais especificamente, Lukasiewicz introduz um símbolo funcional ou modalizador

correspondente ao termo indeterminado ou possível e o define pela equivalência ◊p = ¬ p →

p. Assim, se uma proposição pode ser derivada da sua própria negação, então não pode ser

falsa seja qual for o número de valores de verdade que reconhecemos. No sistema lógico de

dois valores esta propriedade é suficiente para assegurar a verdade, mas no sistema lógico de

três valores só garante a possibilidade.

Na lógica modal ou sistema de interpretações modais de Lukasiewicz, uma sentença é

necessária apenas no caso em que é verdadeira, é impossível apenas no caso de ser falsa e é

contingente apenas no caso de intermediária.

No entanto, Lukasiewicz afirma que:

45 "According to Aristotle, only propositions are necessary, impossible, possible, or contingent." (1957. p. 134)

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Se nós concordamos com Aristóteles que alguns eventos futuros, e.g. uma batalha naval, são contingentes, logo uma proposição sobre cada evento enunciado hoje pode ser nem verdadeiro nem falso... Com base nessa idéia... Construí em 1920 um sistema de três-valores de lógica modal desenvolvido depois em um artigo de 1930. Vejo hoje que esse sistema não satisfaz todas as nossas intuições que concernem as modalidades e deveria ser trocado pelo sistema Lm

4.46 (LUKASIEWICZ. 1957. p.

166-167)

Com esse novo sistema de interpretações modais, o sistema de uma lógica de quatro

valores, Lukasiewicz afirma, ainda, que refuta todas as inferências falsas traçadas na

conexão com a lógica modal, explica as dificuldades do silogismo modal Aristoteliano, e

revela alguns fatos lógicos inesperados que são da maior importância para a filosofia.47

(LUKASIEWICZ. 1957. p. 169)

E sobre as different kinds of possibility, Lukasiewicz, admitindo uma escala de

graduação, distingue o silogismo modal do silogismo assertórico, ou seja:

Podemos dizer, portanto, que na lógica modal de múltiplos valores existem possibilidades de diferentes graus. Sempre tenho que apenas dois sistemas modais são de possível importância filosófica e científica: um sistema modal mais simples, no qual é possível considerar como não tendo nenhum grau ao todo, que é nosso sistema modal de quatro valores, e o ´x0` valorizado no sistema em que existem infinitamente muitas possibilidades de graus. Seria interessante investigar este problema ainda mais, pois podemos encontrar aqui uma relação entre lógica modal e a teoria da probabilidade.48 (LUKASIEWICZ. 1957. p. 180)

Assim, se o sistema da lógica de três valores é, em parte, o próprio sistema da lógica

de dois valores, ou seja, todos os teoremas desta são teoremas daquela, então, o sistema de

uma lógica de múltiplos valores é, em parte, o próprio sistema de uma lógica de três valores,

embora alguns princípios, como o princípio do terceiro excluído e o princípio da não

contradição ou argumento reductio ad absurdum, desapareçam no sistema de uma lógica de

múltiplos valores.

46"If we accept with Aristotle that some future events, e.g., a sea-fight, are contingent, them a proposition about such events enounced today can be neither true nor false … On the basis of this idea … I constructed in 1920 a three-valued system of modal logic developed later in paper of 1930. I see today that this system does not satisfy all our intuitions concerning modalities and should be replaced by the system Lm

4. (LUKASIEWICZ. 1957. p. 166-167) 47 refutes all false inferences drawn in connexion with modal logic, explains the difficulties of the Ariatotelian modal syllogistic, and reveals some unexpected logical facts which are of the greatest importance for philosophy. (LUKASIEWICZ. 1957. p. 169) 48 We may say therefore that in eight-valued modal logic there exist possibilities of different degrees. I have always that only two modal systems are of possible philosophic and scientific importance: the simplest modal system, in which possibility is regarded as having no degrees at all, that is our four-valued modal system, and the ´x0` valued system in which there exist infinitely many degrees of possibility. It would be interesting to investigate this problem further, as we may find here a link between modal logic and the theory of probability. (LUKASIEWICZ. 1957. p. 180)

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No entanto, Kneale e Kneale afirmam que:

Lukasiewicz elaborou o seu sistema de três valores de uma maneira bastante coerente e deu-lhe uma interpretação que o faz parecer lógico no sentido mais estrito desta palavra; mas o sistema não está relacionado com a lógica de dois valores da maneira que ele sugere. Nos seus escritos ele tem em mente aquele emprego da palavra "possível" no qual se pode dizer que um homem, a quem se faz uma pergunta acerca do futuro, pode dizer que haverá uma batalha naval no dia seguinte. Num ensaio posterior, onde um sistema diferente de lógica modal é apresentado, reconhece que se têm considerado outras concepções de possibilidade mas continua a argumentar a partir da suposição que ◊P e ∼P são incompatíveis. Ora é certo que um homem seria desonesto se dissesse "É possível que tenha havido hoje uma batalha naval" se soubesse que era um facto que não tinha havido nenhuma batalha naval, porque nesse contexto "é possível..." significa, como Frege disse, que a pessoa que fala não sabe de nada em contrário. Mas este emprego da expressão não implica que exista um terceiro valor de verdade, entre a verdade e a falsidade. Nem parece natural que alguém a quisesse interpretar dessa maneira a menos que estivesse preocupado com o problema de Aristóteles dos futuros contingentes. Já argumentamos que esse problema resulta da noção confusa de que a verdade é uma propriedade que pertence a frases declarativas em certos momentos ...49 (KNEALE e KNEALE. 1962. P.572-573)

A afirmação de Kneale e Kneale, de que é confusa a noção de verdade pensada como

uma propriedade que pertence às frases declarativas em certos momentos, demonstra um

pressuposto contraditório ao adotado por Lukasiewicz, pois, a declaração não se limita

conceitualmente à proposição ou ao enunciado. E as relações lógicas, nas quais se determinam

os valores-verdade, só são aparentes na base da declaração que, como ato ilocucionário, é

distinta da locução e da perlocução, por ser o produto da ação realizada por um locutor com

um enunciado que não se reduz ao mero ato de dizer (locução) ou às conseqüências ou aos

efeitos que a referida ação tem no comportamento posterior do alocutário.

Nesse sentido, podemos reafirmar que a declaração ou o ato ilocutório garante a

correspondência entre o conteúdo proposicional do enunciado e a realidade, pois, a realização

de uma declaração faz com que o universo de referência se altere, fazendo-o coincidir com o

conteúdo proposicional.

49 Lukasiewicz has worked out his three-valued system in fairly coherent fashion and supplied an interpretation which makes it look like logic according to the stricter requirement for the use of that word; but his system is not related to two-valued logic in the way he suggests. Throughout his discussions he has in mind that usage of the word ´possible` in which a man who is questioned about the future may say that it is possible there will be a naval battle on the next day. In a later essay, where he presents a different system of modal logic, he admits that other conceptions of possibility have been entertained, but continues to argue from the assumption that ◊P e ∼P are incompatible. Now it would, of course, be dishonest for a man to say ´It is possible that there has been a naval battle today` when he knew for a fact that there had been no naval battle, because in this context ´it is possible…` means, as Frege said, that the speaker knows nothing to the contrary. But this usage does not imply tha there is a third truth-value between truth and falsity. Nor does it seem likely that anyone would want to interpret it in that way unless he were worried by Aristotle´s problem about future contingents. We have already argued that the problem arises from the confused notion that truth is a property which belongs to a statement at a time … (Kneale. 1962. P.572-573)

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Em Deviant Logic, Fuzzy Logic, Susan Haack afirma que:

O argumento de Lukasiewicz, de por que são necessários dois funcionalistas para a possibilidade, é como se segue: se ‘A é contingente’ é definido como ‘A é possível e não-A é possível’, logo dada a tese de que ‘se alguma coisa é verdadeira de A e também verdadeira da negação de A, então é verdadeira de qualquer proposição arbitrária de B’, significa que não pode haver proposições de contingentes verdadeiros. Para evitar isso, dois tipos de contingências são definidas em termos de dois tipos de possibilidade: contigência X (para ‘A é M-possível e ~A é W-possível) e contingência Y (para ‘A é W-possível e ~A é M-possível’). Nesses sentidos de contingências, podem haver proposições de contingências verdadeiras. Esses argumentos revelam que Lm

4 deve ambas falhar como uma lógica modal convencional, e como uma lógica modal de Aristóteles. Em primeiro lugar, é evidente que o princípio de Lukasiewicz leva a condição de que Se δ A e δ ~A, então δ B, É aceitável somente para os funcionalistas δ que são verdades-funcionais. E ‘possível’, o qual não satisfaz esse princípio, não é, como usualmente é entendido, uma função-verdade. Portanto Lm

4 é improvável que seja aceitável como uma simples lógica modal, precisamente porque a insistência nesse princípio força os operadores modais a serem verdades-funcionais. Entretanto, poderia se, como foi argumentado acima, que uma verdade-funcional que restitui os operadores modais deveria render-se apropriadamente a lógica modal de Aristóteles. Mas Lm

4 não sucede mesmo como uma lógica modal não-convencional. Pelo argumento de Lukasiewicz, para as duas possibilidades de operadores depende do pressuposto de que a conclusão "não existem proposições contingentes verdadeiras ou proposições verdadeira que sejam contingente" é para ser evitada. Mas uma lógica modal aristoteliana deveria, não evitar, mas incorporar, essa conclusão. Para o argumento de de Interpretatione ix requer apenas isso. Uma proposição contingente, se Aristóteles estiver certo, deveria ser nem verdadeira nem falsa. Lm

4 é ainda menos sucedido que L3.50 (Haack. 1996. P. 89-90)

Na lógica de múltiplos-valores, podemos inferir que a inclusão de outros valores

elimina a possibilidade de contradição, já que a polarização de valores perde sua força no

50 Lukasiewicz´s argument, why two functors for possibility are needed, goes as follows: if ´A is contingent` is defined as ´A is possible and not-A is possible`, then given the thesis that ´if something is true of A and also true of the negation of A, then it is true of any arbitrary proposition B`, it follows that there can be no true contingent propositions. To avoid this, two kinds of contingency are defined in terms of the two kinds of possibility: X-contingency (for ´A is M-possible and ∼ A is W-possible`) and Y-contingency (for ´A is W-possible and ∼ A is M-possible`). In these senses of contingency, there can be true contingent propositions. The arguments reveal that Lm

4 must fail both as a conventional modal logic, and as an ´Aristotelian` modal logic. In the first place, it is clear that the principle Lukasiewicz takes for granted, that if δ A e δ ∼A, then δ B, is acceptable only for functors δ which are truth-functional. And ´possible`, which does not satisfy this principle, is not, as usually understood, a truth-function. Thus Lm

4 is unlikely to be acceptable as a straightforward modal logic, precisely because insistence on this principle forces the modal operators to be truth-functional. However, it could be, as was argued above, that a truth-functional rendering of the modal operators should yield an appropriately ´Aristotelian` modal logic. But Lm

4 does not succeed even as a non-conventional modal logic. For Lukasiewicz´s argument for the two possibility operators depends upon the assumption that the conclusion, that there are no true contingent propositions, is to be avoided. But an Aristotelian modal logic should, not avoid, but embody, this conclusion. For the argument of de Interpretatione ix requires just this. A contingent proposition, if Aristotle were right, would be neither true nor false. Lm4 is even less successful than L3. (Haack. 1996. P. 89-90)

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sistema, em que são violados os princípios da identidade, da não contradição e do terceiro

excluído quando tomamos por objeto a declaração como um ato ilocucionário.

Mas, Lukasiewicz, se referindo ao problema da refutação do determinismo e ao

problema da divisão da ciência em a priori e a posteriori (ou empíricas), afirma que:

Sob a influência de Platão, a teoria das idéias de Aristóteles desenvolveu uma lógica dos termos universais e condições estabelecidas sobre o ponto de vista da necessidade que era, na minha opinião, desastroso para a filosofia. As proposições que atribuem propriedades essenciais para os objetos são, de acordo com ele, não apenas dados factuais, mas também necessariamente verdadeiros. Esta distinção errada foi o início de uma longa evolução que levou à divisão da ciência em dois grupos: uma ciência a priori que constituindo teoremas apodíticos, como a lógica e a matemática, e as ciências empíricas ou a posteriori consistindo, principalmente, afirmações assertivas baseadas na experiência. Esta distinção é, na minha opinião, falsa. (...) Enquanto o tratamento da necessidade de Aristóteles possa parecer um fracasso, o seu conceito ambivalente de possibilidade ou contingência é uma idéia importante e frutífera. Penso que isso possa ser aplicado com êxito para refutar determinismo.51 (LUKASIEWICZ. 1957. p. 205)

Nesse sentido, refuta o evidente por si mesmo e, ao redimensionar o problema da

definição metodológica, abarca a proposição lógica como asserção, como declaração sobre as

coisas.

3.4 O Sistema Lógico-Filosófico de Alfred Tarski: The Semantic Conception of Truth: and the Foundations of Semantics.

Alfred Tarski que, a partir de 1919, acompanhou as classes inéditas desenvolvidas por

Lesniewski, investiga as instituições vinculadas com a concepção aristotélica clássica da

verdade, as quais se expressam na assertiva de Aristóteles: decir de lo que es que no es, o de

lo que no es que es, es falso; mientras que deir de lo que es que es, o de lo que no es que no

es, es verdadero (BUNGE. 1960. p. 11). Mais precisamente, segundo Tarski:

51 Under the influence of Plato´s theory of ideas Aristotle developed a logic of universal terms and set forth views on necessity which were, in my opinion, disastrous for philosophy. Propositions which ascribe essential properties to objects are according to him not only factually, but also necessarily true. This erroneous distinction was the beginning of a long evolution which led to the division of science into two groups: the a priori sciences consisting of apodeictic theorems, such as logic and mathematics, and the a posteriori or empirical sciences consisting chiefly of assertoric statements based on experience. This distinction is, in my opinion, false. (…) While Aristotle´s treatment of necessity is in may opinion a failure, his concept of ambivalent possibility or contingency is an important and fruitful idea. I think that it may successfully applied to refute determinism. (1957. p. 205)

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Conseqüentemente, devemos sempre associar a noção de verdade, assim como a de sentença, a uma linguagem específica, pois é óbvio que a mesma expressão que é uma sentença verdadeira em uma linguagem pode ser falsa ou sem significado em outra. Com certeza, o fato de estarmos interessados aqui principalmente na noção de verdade para sentenças não exclui a possibilidade de uma subseqüente extensão dessa noção a outros tipos de objetos. A palavra verdadeiro, como outras palavras de nossa linguagem cotidiana, certamente não está isenta de ambigüidade. E não me parece que os filósofos que discutiram esse conceito tenham ajudado a diminuir sua ambigüidade. em obras e discussões dos filósofos, encontramos muitas concepções diferentes de verdade e falsidade, e devemos indicar que concepção será a base de nossa discussão. Gostaríamos que nossa definição fizesse justiça às intuições que seguem a concepção clássica aristotélica da verdade – intuições que encontram sua expressão nas palavras bem conhecidas da Metafísica de Aristóteles: Dizer do que é que não é, ou do que não é que é, é falso, enquanto que dizer do que é que é, ou do que não é que não é, é verdadeiro. Se quiséssemos nos adaptar à terminologia filosófica moderna, poderíamos talvez expressar essa concepção por meio da conhecida fórmula: A verdade de uma sentença consiste com sua concordância (ou correspondência) com a realidade. (Para uma teoria da verdade que se baseie na última formulação, foi sugerida a expressão "teoria da correspondência")52 (TARSKI. 1944. p. 342-343)

E, assim, Tarski, em a concepção semântica da verdade (textos clássicos), propõe

questões relativas à semântica e à filosofia da linguagem para tratar de um problema

fundamental: na construção de uma estrutura lógica da linguagem, o que importa saber é se a

linguagem ordinária (coloquial) pode ou não ser formalizada, ou seja, é um sistema formal

(que pode ser uma língua natural em alguma extensão) que está em questão. O problema é de

natureza semântica, pois, os conceitos de dedutibilidade, significação e de verdade devem ser

definidos no âmbito da estrutura lógica pretendida.

52"Consequently, we must always relate the notion of truth, like that of a sentence, to a specific language; for it is obvious that the same expression which is a true sentence in one language can be false or meaningless in another. Of course, the fact that we are interested here primarily in the notion of truth for sentences does not exclude the possibility of a subsequent extension of this notion to other kinds of objects. The word ´true`, like other words from our everyday language, is certainly not unambiguous. And it does not seem to me that the philosophers who have discussed this concept have helped to diminish its ambiguity. In works and discussions of philosophers we meet many different conceptions of truth and falsity, and we must indicate which conception will be the basic of our discussion. We should like our definition to do justice to the intuitions which ad-here to the classical Aristotelian conception of truth – intuitions which find their expression in the well-known words of Aristotle´s Metaphysics: To say of what is that it is not, or of what is not that it is, is false, while to say of what is that it is, or of what is not that it is not, is true. If we wished to adapt ourselves to modern philosophical terminology, we could perhaps express this conception by means of the familiar formula: The truth of a sentence consists in its agreement with (or correspondence to) reality. (For a theory of truth which is to be based upon the latter formulation the term ´correspondence theory` has been suggested.) (TARSKI. 1944. p. 342-343)

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A impossibilidade de uma formalização da linguagem ordinária é afirmada

categoricamente por Tarski e fundamentada em um problema acerca da verdade, como

demonstrado acima. Bunge afirma que El problema principal es el de dar uma definición

satisfactoria de esta noción es decir, uma definición que sea materialmente adecuada y

formalmente correcta. (1960. p. 112), ou seja, trata-se de examinar os critérios ou condições

responsáveis pela adequação material da definição e explicitar a estrutura formal da

linguagem em cujo âmbito será proposta ou elaborada a definição. Para tanto, devemos,

preliminarmente, empreender o emprego do predicado vedadeiro, que se desdobra,

inicialmente, no plano da extensão e do significado do termo em questão. Mais, precisamente,

Tarski entende que é necessário limitar a denotação ou extensão do termo verdadeiro como

predicável às orações, pois, debemos relacionar La noción de verdad, así como La de

oración, a um lenguaje específico. Quanto ao significado ou conotação do termo verdade

como fórmulas e definições, Tarski reconhece que

todas estas formulaciones pueden conducir a diversos equívocos, pues ninguma de ellas es suficientemente precisa y clara (aunque esto se aplica mucho menos a la formulación aristotélica original que a cualquiera de las otras); en todo caso, ninguma de ellas puede considerarse una definicón satisfactória de la verdad (BUNGE. 1960. p. 116-117).

Mais precisamente, segundo Tarski:

Se, por outro lado, decidíssemos estender o uso popular do termo ´designar`, aplicando-o não apenas a nomes mas também a sentenças, e se concordássemos em dizer que o que é designado pelas sentenças são "estados de coisas", poderíamos possivelmente usar para o mesmo propósito a seguinte frase: Uma sentença é verdadeira se ela designa um estado de coisas existentes. Contudo, todas essas formulações podem levar a várias confusões, pois nenhuma delas é suficientemente precisa e clara (embora isso se aplique muito menos à formulação original de Aristóteles do que a qualquer uma das outras). De qualquer modo, nenhuma delas pode ser considerada uma definição satisfatória de verdade. Cabe-nos procurar uma expressão mais precisa para nossas intuições.53 (TARSKI. 1944. p. 343)

53 If, on the other hand, we should decide to extend the popular usage of the term ´designate` by applying it not only to names, but also to sentences, and if we agreed to speak of the designata of sentences as ´states of affairs`, we could possibly use for the same purpose the following phrase: A sentence is true if it designates an existing states of affairs. However, all these formulations can lead to various misunderstandings, for none of them is sufficiently precise and clear (though this applies much less to the original Aristotelian formulation than to either of the others); at any rate, none of them can be considered a satisfactory definition of truth. It is up to us to look for a more precise expression of our intuitions. (TARSKI. 1944. p. 343)

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Um critério de adequação material para a definição do termo verdade corresponde à

equivalência “X é verdadeira, [se] e somente se p”, onde podemos observar duas variáveis,

ou seja, uma variável sintática e uma variável sentencial. Se “p” denota uma sentença ou

oração qualquer, X expressa o nome desta oração arbitrária. Isto é, segundo Tarski,

Comecemos por um exemplo concreto. Consideremos a sentença "a neve é branca". Perguntamos em que condições essa sentença é verdadeira ou falsa. Parece claro que, se nos basearmos na concepção clássica de verdade, diremos que a sentença é verdadeira se a neve é branca, e que ela é falsa se a neve não é branca. Assim, se a definição de verdade tem de se conformar à nossa concepção, ela deve aplicar a seguinte equivalência: A sentença "a neve é branca" é verdadeira se, e somente se, a neve é branca. Observamos que frase "a neve é branca" ocorre do lado esquerdo dessa equivalência entre aspas, e do lado direito, sem aspas. Do lado direito, temos a própria sentença, e do lado esquerdo, o nome da sentença. Empregando a terminologia lógica medieval, poderíamos também dizer que, do lado direito, as palavras "a neve é branca" ocorrem sob suppositio formalis e, do lado esquerdo, sob suppositio materialis. Não é tão necessário explicar por que devemos ter o nome da sentença, e não a própria sentença, no lado esquerdo da equivalência. Pois, em primeiro lugar, do ponto de vista da gramática de nossa língua, uma expressão da forma ´X é verdadeiro` não se tornaria uma sentença significativa se nela substituíssemos ´X` por uma sentença ou por qualquer coisa diferente de um nome – uma vez que o sujeito de uma sentença pode ser apenas um substantivo ou uma expressão que funcione como um substantivo. E, em segundo lugar, as convenções fundamentais a respeito do uso de qualquer linguagem requerem que, em qualquer proferimento que façamos a respeito de um objeto, é o nome do objeto que deve ser empregado, e não o próprio objeto. Consequentemente, se quisermos dizer algo de uma sentença, por exemplo, que ela é verdadeira, devemos utilizar o nome dessa sentença, e não a própria sentença.54 (TARSKI. 1944. p. 343-344)

Tarski toma tal equivalência (com p substituído pela sentença da língua a qual a

palavra verdade se refere, e X substituído pelo nome dessa sentença) uma equivalência da

forma (T). Ou seja, a equivalência da forma T se refere à expressão X é verdadeira, [se] e

54 Let us start with a concrete example. Consider the sentence ´snow is white`. We ask the question under what conditions this sentence is true or false. It seems clear that if we base ourselves on the classical conception of truth, we shall say that the sentence is true if snow is white, and that it is false if snow is not white. Thus, if the definition of truth is to conform to our conception, it must imply the following equivalence: The sentence ´snow is white is true if, and only if, snow is white. Let me point out that the phrase ´snow is whit` occurs on the left side of this equivalence in quotation marks, and on the right without quotation marks. On the right side we have the sentence itself, and on the left the name of the sentence. Employing the medieval logical terminology we could also say that on the right side the words "snow is white" occur in suppositio formalis, and on the left in suppositio materialis. It is hardly necessary to explain why we must have the name of the sentence, and not a sentence itself, on the left side of the equivalence. For, in the first place, from the point of view of the grammar of our language, an expression of the from "X is true" will not become a meaningful sentence if we replace in it ´X` by a sentence or by anything other than a name since the subject of a sentence may be only a noun or an expression functioning like a noun. And, in the second place, the fundamental conventions regarding the use of any language require that in any utterance we make about an object it is the name of the object which must be employed, and not the object itself. In consequence, if we wish to say something about a sentence, for example, that it is true, we must use the name of this sentence, and not the sentence itself. (TARSKI. 1944. p. 343-344)

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somente se p e a existência ou ocorrência de variáveis livres em T não podem ser tomadas

como uma oração ou sentença. E, para tanto, seria necessário realizar uma dupla operação de

substituição, mas, entender a expressão resultante das substituições, em T, da variável p por

uma oração qualquer e da variável X por um nome da mesma oração, decorre da expressão

resultante desta operação ter caráter explicativo, ou seja, por seu intermédio explicamos em

que consiste a verdade desta oração individual. Bunge afirma que

Por fin podemos formular de manera precisa las condiciones en que considerarmos el uso y la definición del término ´verdadero` como adecuado desde el punto de vista material: deseamos usar el término ´verdadero` de manera tal que puedan enunciarse todas las equivalencias de la forma (T), y lhamaremos ´adecuada` a una definición de la verdad si de ella se siguen todas estas eqivalencias. (BUNGE. 1960. p. 117)

Mais especificamente, Tarski afirma que:

Agora podemos finalmente colocar de uma forma precisa as condições sob as quais consideraremos o uso e a definição do termo "verdadeiro" como adequados do ponto de vista material: queremos usar o termo "verdadeiro" de tal maneira que todas as equivalências da forma (T) possam ser afirmadas, e diremos que uma definição de verdade é "adequada" se todas essas equivalências dela se seguem. Devemos enfatizar que nem a própria expressão (T) (que não é uma sentença, mas apenas um esquema de sentença) nem qualquer instância particular da forma (T) pode ser compreendida como uma definição de verdade. Podemos apenas dizer que toda equivalência da forma (T), obtida ao se substituir "p" por uma sentença particular, e ´X` por um nome dessa sentença, pode ser considerada uma definição parcial de verdade, que explica em que consiste a verdade dessa sentença individual. A definição geral tem de ser, em certo sentido, uma conjunção lógica de todas essas definições parciais. (Esta última observação requer alguns comentários. Uma linguagem pode admitir a construção de infinitamente muitas sentenças. E, assim, o número das definições parciais de verdade referentes a sentenças dessa linguagem também será infinito. Logo, para dar à nossa observação um sentido preciso, teríamos de explicar o que se quer dizer por uma "conjunção lógica de infinitamente muitas sentenças". Mas isso nos levaria demasiado longe nos problemas técnicos da lógica moderna.)55 (TARSKI. 1944. p. 344-345)

55 Now at last we are able to put into a precise form the conditions under which we will consider the usage and the definition of the term ´true` as adequate from the material point of view: we wish to use the term true in such a way that all equivalences of the form (T) can be asserted, and we shall call a definition of truth adequate if all these equivalences follow from it. It should be emphasized that neither te expression (T) itself (which is not a sentence, but only a schema of a sentence) nor any particular instance of the form (T) can be regarded as a definition of truth. We can only say that every equivalence of the form (T) obtained by replacing ´p` by a particular sentence, and ´X` by a name of this sentence, may be considered a partial definition of truth, which explains wherein the truth of this one individual sentence consists. The general definiton has to be, in a certain sense, a logical conjunction of all these partial definitions. (The last remark calls for some comments. A language may admit the construction of infinitely many sentences; and thus the number of partial definitions of truth referring to sentences of such a language will also be infinite. Hence to give our remark a precise sense we should have to explain what is meant by a ´logical conjunction of infinitely many sentences`;but this would lead us too far into technical problems of modern logic.) (TARSKI. 1944. p. 344-345)

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A concepção do conceito expresso pela palavra “verdade” é referido a sistemas lógicos

formalizados de ordem finita ou infinita e a concepção proposta envolve uma técnica

aplicável também a outros conceitos semânticos, na medida em que, para cada conceito, é

possível associar um corpo de enunciados sob a forma de equivalências (definições parciais).

E, nesse sentido, Tarski afirma que:

A semântica é uma disciplina que, de modo geral, trata de certas relações entre expressões de uma linguagem e os objetos (ou "estado de coisas") "a que se referem" tais expressões. Como exemplos típicos de conceitos semânticos, podemos mencionar os conceitos de designação, satisfação, e definição, tal como eles ocorrem no seguintes exemplos: a expressão "o pai de seu país" designa (denota) George Washington; a neve satisfaz a função sentencial (a condição) "x é branca"; a equação ´2 ⋅ x = 1` define (determina unicamente) o número ½. Enquanto as palavras "designa", "satisfaz", e "define" expressam relações (entre certas expressões e os objetos "referidos" por essas expressões), a palavra verdadeiro é de uma natureza lógica diferente: ela expressa uma propriedade (ou denota uma classe) de certas expressões, a saber, de sentenças.56 (TARSKI. 1944. p. 345)

Se não alcançamos uma concepção geral da verdade, mas, apenas formulamos uma

definição parcial ou particular, então, no âmbito próprio das linguagens naturais (não

formalizadas), a concepção de Tarski, acima referida, é aplicável? Para tanto, se faz

necessário respondermos outra questão posta inicialmente, ou seja, é possível a formalização

da linguagem ordinária?

Não alcançamos uma concepção geral de verdade, em razão dos recorrentes paradoxos

e antinomias que se apresentam às tentativas de fazê-lo com a negação da impossibilidade de

caracterizar um conceito geral e exato de semântica, ou seja, a antinomia do mentiroso, a

antinomia da definibilidade (por meio de um número finito de palavras) e a antinomia dos

termos heterológicos (por meio de várias lógicas ou contrário a lógica).

Mais especificamente, quanto à antinomia do mentiroso, segundo Lukasiewicz e

Tarski:

56 Semantics is a discipline which, speaking loosely, deals with certain relations between expressions of a language and the objects (or ´states of affairs`) ´referred to` by those expressions. As typical examples of semantic concepts we may mention the concepts of designation, satisfaction, and definition as these occur in the following examples: the expression ´the father of his country` designates (denotes) George Washington; snow satisfies the sentential function (the condition) ´x is white`; the equation ´2 • x = 1` defines (uniquely determines) the number ½. While the words ´designates`, ´satisfies`, and ´defines` express relations (between certain expressions and the objects ´referred to` by these expressions), the word ´true` is of a different logical nature: it expresses a property (or denotes a class) of certain expressions, viz., of sentences. (TARSKI. 1944. p. 345)

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Pra obter essa antinomia em uma forma clara, consideremos a seguinte sentença: A sentença impressa neste artigo, p. 347, l. 31, não é verdadeira. Para ser breve, vamos substituir a sentença acima enunciada pela letra s. De acordo com nossa convenção a respeito do uso adequado do termo "verdadeiro", afirmamos a seguinte equivalência da forma (T): (1) s é verdadeira se, e somente se, a sentença impressa neste artigo, p. 347, l. 31, não é verdadeira. Por outro lado, lembrando o significado do símbolo s, estabelecemos empiricamente o seguinte fato: (2) s é idêntica à sentença impressa neste artigo, p. 347, l. 31. Ora, por uma lei conhecida da teoria d identidade (a lei de Leibniz), segue-se de (2) que podemos substituir em (1) a expressão "a sentença impressa neste artigo, p. 347, l. 31." pelo símbolo s. Obtemos, assim, o seguinte: (3) s é verdadeira se, e somente se, s não é verdadeira. Desse modo, chegamos a uma contradição aparente.57 (TARSKI. 1944. p. 347-348)

A antinomia ou o paradoxo (do grego para e doxa, além da crença) do mentiroso tem

diversas variantes58, mas, mais especificamente, diz respeito à sentença

57 To obtain this antinomy in a perspicuous form, consider the following sentence: The sentence printed in this paper on p. 347, l. 31, is not true. For brevity we shall replace the sentence just stated by the letter ´s`. According to our convention concerning the adequate usage of the term ´true`, we assert the following equivalence of the form (T): (1) ´s` is true if, and only if, the sentence printed in the paper on p. 347, l. 31, is not true.

On the other hand, keeping in mind the meaning of the symbol ´s`, we establish empirically the following fact: (2) ´s` is identical with the sentence printed in this paper on p. 347, l. 31.

Now, by a familiar law from the theory of identity (Leibniz`s law), it follows from (2) that we may replace in (1) the expression ´the sentence printed in this paper on p. 347, l. 31` by the symbol ´s`. We thus obtain what follows: (3) ´s` is true if, and only if, ´s` is not true.

In this way we have arrived at an obvious contradiction. (TARSKI. 1944. p. 347-348) 58 Outras variantes são: a) o paradoxo de Epimênides, diz respeito a um cretense chamado Epimênides, que teria supostamente dito que todos os cretenses são sempre mentirosos. Se um mentiroso é alguém que sempre diz o que é falso, então, se o que Epimênides disse é verdadeiro, é falso; b) Outra variante envolve o termo Heterológico que significa não verdadeiro sobre si mesmo; assim, por exemplo, x, y e z são heterológicos, enquanto que a, b e c são autológicos, verdadeiros sobre si mesmos. Ora, heterológico é heterológico? Bem, se heterológico é heterológico, não é verdadeiro sobre si mesmo; assim, não é heterológico. Se, contudo, ele não é heterológico, é verdadeiro sobre si mesmo; assim, é heterológico. Logo, heterológico é heterológico se, e somente se, heterológico não é heterológico (paradoxo de Grelling); c) Litígio entre Protágoras e Eulato - Protágoras, na Grécia do Século V a.C. lecionava a arte das alegações endereçada aos jurados dos tribunais. Eulato queria ser advogado, mas, como não podia pagar os honorários para seus estudos, fez um acordo com Protágoras, mediante o qual este lhe daria as lições, mas não receberia pagamento algum, enquanto Eulato não ganhasse seu primeiro caso. Quanto Eulato concluiu os estudos, protelou o início da sua prática profissional. Cansado de esperar, em vão, pelo pagamento, Protágoras intentou ação judicial contra seu ex-discípulo para cobrar a dívida. Não levando em conta o adágio, segundo o qual o advogado que defende o seu próprio caso tem por cliente um idiota, Eulato decidiu fazer a sua própria defesa ante o tribunal. Quando o julgamento começou, Protágoras apresentou a versão do caso num dilema esmagador: – Se Eulato perde este caso, então terá que pagar-me (por sentença do tribunal); se ele ganha o caso, terá, igualmente, que pagar-me (pelos termos do nosso contrato). Ele deve perder ou ganhar este caso. Portanto, Eulato deve, de qualquer modo, pagar-me. A situação parecia ruim para Eulato, mas este aprendera muito bem a arte da retórica. E apresentou ao tribunal, como replica, o seguinte dilema: – Se ganho este caso, não terei que pagar a Protágoras (por decisão do tribunal); se perco, tampouco terei que pagar a Protágoras (pelos termos do contrato, pois nesse caso não terei ganhado, ainda, o meu primeiro caso). Devo perder ou ganhar este caso. Portanto, não tenho, em caso algum, que pagar a Protágoras.

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(S) Esta sentença é falsa

Suponhamos que S é verdadeira; então o que ela diz é o caso; logo ela é falsa.

Suponhamos, agora, que S é falsa; então o que ela diz não é o caso, logo ela é verdadeira.

Assim, S é verdadeira se, e somente se, S é falsa.

As variantes da antinomia do mentiroso incluem sentenças indiretamente auto-

referentes, ou seja, incorporam falácias do tipo círculo vicioso, tais como o paradoxo do

cartão postal:

A próxima sentença é falsa. A sentença anterior é verdadeira.

no qual se supõe que no anverso do cartão postal está escrito:

A sentença no outro lado deste cartão é falsa

e no verso está escrito:

A sentença no outro lado deste cartão é verdadeira.

Mas, em razão das possíveis ocorrências de antinomias e paradoxos, é que se torna

necessária a especificação (ou contextualização) da estrutura formal de uma língua natural,

para a caracterização, não ambígua, da classe das palavras ou expressões que serão

consideradas significativas, ou seja, o vocabulário de uma língua natural, na qual as

definições dos conceitos semânticos são dadas. Trata-se, também, de estabelecer todos os

axiomas ou sentenças (primitivas) que serão afirmados sem provas. E ao especificar a

estrutura de uma linguagem, Tarski afirma que:

... exclusivamente à forma das expressões envolvidas, a linguagem é dita formalizada. Em tal linguagem, os teoremas são as únicas sentenças que podem ser afirmadas. No momento presente, as únicas linguagens com uma estrutura especificada são as linguagens formalizadas dos vários sistemas de lógica dedutiva, possivelmente enriquecidas pela introdução de certos termos não-lógicos. Contudo, o campo de aplicação dessas linguagens é bastante abrangente. Somos capazes, teoricamente, de desenvolver nelas vários ramos da ciência, por exemplo, a matemática e a física teórica.

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(Por outro lado, podemos imaginar a construção de linguagens que tenham uma estrutura exata especificada sem serem formalizadas. Em uma tal linguagem, a assertabilidade das sentenças, por exemplo, nem sempre depende de sua forma, mas às vezes de outros fatores, não-lingüísticos. Seria interessante e, de fato, importante, construir uma linguagem desse tipo, e especialmente uma que se mostrasse suficiente para o desenvolvimento de um ramo abrangente da ciência empírica, pois isso justificaria a esperança de que as linguagens com estrutura especificada pudessem, finalmente, substituir a linguagem no discurso científico).59 (TARSKI. 1944. p. 346-347)

A referida aproximação consiste em substituir uma linguagem natural, ou uma parte

dessa linguagem natural, por uma linguagem que corresponda à implicação ou à inferência,

acima mencionadas, e cuja estrutura seja especificada de forma exata e que divirja da

linguagem dada o menos possível. Tarski, analisando os pressupostos que levaram à

antinomia do mentiroso, afirma que:

(I) Fizemos implicitamente a pressuposição de que a linguagem na qual a antinomia é construída contém, além de suas expressões, os nomes para essas expressões, assim como termos semânticos tais como "verdadeiro", referindo-se a sentenças dessa linguagem. Também pressupomos que todas as sentenças que determinam o uso adequado desse termo podem ser afirmadas na linguagem. Uma linguagem com essas propriedades será chamada "semânticamente fechada". (II) Fizemos a pressuposição de que, nessa linguagem, valem as leis ordinárias da lógica. (III) Fizemos a pressuposição de que podemos formular e afirmar em nossa linguagem uma premissa empírica, tal como o enunciado (2), que apareceu em nosso argumento. Acontece que a pressuposição (III) não é essencial, pois é possível reconstruir a antinomia do mentiroso sem sua ajuda. Mas as pressuposições (I) e (II) mostram-se essenciais. Uma vez que toda linguagem que satisfaz a ambas estas pressuposições é inconsistente, devemos rejeitar pelo uma delas. Seria desnecessário salientar aqui as conseqüências de rejeitar a pressuposição (II), isto é, mudar nossa lógica (supondo que isso fosse possível), mesmo em suas partes mais elementares e fundamentais. Consideramos, assim, apenas a possibilidade de rejeitar a pressuposição (I). Conseqüentemente, decidimos não usar nenhuma linguagem que seja semanticamente fechada, no sentido dado. Tal restrição seria, é claro, inaceitável para aqueles que, por razões que não me são claras, acreditam que há apenas uma linguagem "genuína" (ou pelo menos que todas as linguagens "genuínas" são mutuamente tradutíveis). Contudo, essa restrição não afeta as necessidades ou interesses da ciência de nenhuma forma

59 ... exclusively to the form of the expressions involved, the language is said to be formalized. In such a language theorems are the only sentences which can be asserted. At the present time the only language with a specified structure are the formalized languages of various systems of deductive logic, possibly enriched by the introduction of certain non-logical terms. However, the field of application of these languages is rather comprehensive; we are able, theoretically, to develop in them various branches of science, for instance, mathematics and theoretical physics. (On the other hand, we can image the construction of languages which have an exactly specified structure without being formalized. In such a language the assertability of sentences, for instance, may depend not always on their form, but sometimes on other, non-linguistic factors. It would be interesting and important actually to construct a language of this type, and specifically one which would prove to be sufficient for the development of a comprehensive branch of empirical science; for this would justify the hope that language with specified structure could finally replace everyday language in scientific discourse.)." (TARSKI. 1944. p. 346-347)

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essencial. As linguagens (ou as formalizadas, ou – o que é mais freqüentemente o caso – as porções da linguagem cotidiana) que são usadas no discurso científico não têm de ser semanticamente fechadas.60 (TARSKI. 1944. p. 348-349)

A linguagem cotidiana aparentemente satisfaz (I) e (II) e, conseqüentemente, deveria

ser inconsistente por ser possível reconstruir a antinomia do mentiroso, mas não se trata de

uma linguagem que tem uma estrutura especificada com exatidão e, no que concerne à

consistência, não há um significado exato, ou seja, não se sabe quais expressões são sentenças

e em que grau quais sentenças devem ser definidas como afirmáveis. No entanto, não se

exclui a possibilidade de uma linguagem com uma estrutura especificada com exatidão se

assemelhar a uma linguagem cotidiana, caso em que essa linguagem cotidiana seria

inconsistente.

E se essa discussão representa uma prova do sistema desenvolvido por Tarski, o

conceito de verdade que se constrói é aquele que nem sempre depende da forma,

considerando a construção da linguagem, mas, sim e às vezes, de outros fatores não-

lingüísticos ou, mais especificamente, empíricos, ou seja, novos padrões de informação a

serem incorporados no âmbito das teorias, mas, principalmente no âmbito do raciocínio

jurídico, onde a ordem do necessário, necessariamente, se desfaz em razão do empírico, do

acontecimento. Assim, se o valor (que se supõe) analítico da lei é um pressuposto, os fatores

não-lingüísticos ou empíricos determinam a dimensão contingente que temos da lei quando é

aplicada.

60 (I) We have implicitly assumed that the language in which the antinomy is constructed contains, in addition to its expressions, also the names of these expressions, as well as semantic terms such as the term ´true` referring to sentences of this language; we have also assumed that all sentences which determine the adequate usage of this term can be asserted in the language. A language with these properties will be called ´semantically closed`. (II) We have assumed that in this language the ordinary laws of logic hold. (III) We have assumed that we can formulate and assert in our language an empirical premise such as the statement (2) which has occurred in our argument. It turns out that the assumption (III) is not essential, for it is possible to reconstruct the antinomy of the liar without its help. But the assumptions (I) and (II) prove essential. Since every language which satisfies both of these assumptions is inconsistent, we must reject at least one of them. It would be superfluous to stress here the consequences of rejecting the assumption (II), that is, of changing our logic (supposing this were possible) even in its more elementary and fundamental parts. We thus consider only the possibility of rejecting the assumption (I). Accordingly, we decide not to use any language which is semantically closed in the sense given. This restriction would of course be unacceptable for those who, for reasons which are not clear to me, believe that there is only one ´genuine` language (or, at least, that all ´genuine` language are mutually translatable). However, this restriction does not affect the needs or interests of science in any essential way. The languages (either the formalized languages or – what is more frequently the case – the portions of everyday language) which are used in scientific discourse do not have to be semantically closed. (TARSKI. 1944. p. 348-349)

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3.5 Os formalismos lógicos para uma análise da argumentação na jurisprudência: uma descrição do Direito fundada na dicotomia entre criação e aplicação do Direito.

Com o positivismo jurídico prático e com o pós-positivismo à insuficiência de

uma ciência do Direito fundada na dogmática ou ideologia jurídica e com a Tópica e

Jurisprudência em Theodor Viehweg, como uma descrição lógico-semântica da jurisprudência

para a determinação do contingente, provocamos uma incursão mais detalhada sobre a base

fundamental e o desenvolvimento das lógicas de três ou mais valores, em razão da

complexidade de uma abordagem semântica dos Futuros Contingentes aos fatores não-

lingüísticos ou empíricos que determinam a dimensão contingente que temos da lei quando é

aplicada.

Podemos, agora, adentrar em aspectos mais específicos do raciocínio jurídicos para a

elaboração de uma teoria semântica aplicada a jurisprudência a partir do Pós-Positivismo que

adota um critério de correção normativa fundado em uma lógica de três ou múltiplos valores

de Jan Lukasiewicz (1963) e Alfred Tarski (2007), em detrimento do critério de verdade

fundado em uma lógica binária.

E se o direito não integra o mundo objetivo, mas, sim, o mundo intersubjetivo,

variável, contingente e plural, o acesso à realidade será, então, mediado pela linguagem ou

proposições lingüísticas, uma vez que o termo verdade só pode predicar as proposições e não

a própria realidade. Assim, poder-se-ia, segundo Manuel Atienza, abordando o âmbito da

argumentação jurídica,

distinguir três diferentes campos jurídicos em que ocorrem argumentações. O primeiro é o da produção ou estabelecimento de normas jurídicas." (...) "Um segundo campo em que se efetuam argumentos jurídicos é o da aplicação de normas jurídicas à solução de casos." (...) "Finalmente, o terceiro âmbito em que se verificam argumentos jurídicos é o da dogmática jurídica. (ATIENZA. 2000. P. 18-19)

Segundo Marcelo Cattoni de Oliveira, em "Devido Processo Legislativo":

Estamos diante de uma diferença qualitativa e não meramente quantitativa: enquanto os discursos legislativos de justificação normativa se referem à validade das normas, nos termos das condições institucionais exigidas pelo princípio democrático, os discursos jurisdicionais de aplicação normativa se referem à adequabilidade de normas válidas a um caso concreto, à luz de visões paradigmático-jurídicas que cobram reflexividade (CATTONI. 2000. P. 122)

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Mais especificamente, sobre o âmbito da dogmática jurídica, podemos observar uma

estreita correspondência com o Positivismo Jurídico Prático ou Ciência Dogmática do Direito

de Theodor Viehweg que, por sua metodologia ou rigorismo lógico-jurídico, reduz o

fenômeno propriamente positivista à repetição do que, diariamente, sucede a um nível

legislativo. Neste sentido, sem deixar de abordar a insuficiência de uma Ciência do Direito

fundada na Dogmática, Manuel Atienza afirma que:

A dogmática é, sem dúvida, uma atividade complexa, na qual cabe distinguir essencilamente as seguintes funções: 1) fornecer critérios para a produção do Direito nas diversas instâncias em que ele ocorre; 2) oferecer critérios para a aplicação do Direito; 3) ordenar e sistematizar um setor do ordenamento jurídico." (...) "A diferença que, não obstante, existe entre os dois processos de argumentação poderia ser assim sintetizada: enquanto os órgãos aplicadores têm de resolver casos concretos (por exemplo, se se deve ou não alimentar à força os presos que estão em greve de fome para obter determinadas mudanças em sua situação carcerária), o dogmático do Direito se ocupa de casos abstratos (por exemplo, determinar quais são os limites entre o direito à vida e o direito à liberdade pessoal e qual dos dois deve prevalecer quando há conflito entre eles). Contudo parece claro que a distinção não pode sempre (ou talvez quase nunca) ser feita de forma muito taxativa. (ATIENZA. 2000. P. 19-20)

A distinção entre os dois processos de argumentação, aplicação e dogmática do

Direito, não pode ser feita de forma tão taxativa, pois, devemos considerar o caráter

contingente do evento em si mesmo, como os presos que estão em greve de fome para obter

determinadas mudanças em sua situação carcerária, ou seja, do direito a vida e do direito a

liberdade, pois, é possível, no presente instante, que ele exista por um determinado tempo e

que ele não exista no mesmo tempo determinado, uma vez que não é necessário.

A contingência, contrária à necessidade que é bem demarcada em sistemas lógico-

formais, é deixada a uma dimensão difusa e, conseqüentemente, é um desafio para a

representação.

E, ainda, segundo Manuel Atienza, a distinção entre os dois processos de

argumentação não pode ser feita de forma tão taxativa, considerando:

Por um lado porque o praticante precisa recorrer a critérios fornecidos pela dogmática, pelo menos quando enfrenta casos difíceis (por exemplo, para adotar uma decisão fundamentada na primeira questão proposta acima seria necessário responder, antecipadamente, à segunda), e ao mesmo tempo a dogmática se apóia também em casos concretos. Por outro lado, porque ocorre de os tribunais (ou certo tipo de tribunais) terem de resolver casos abstratos, isto é, suas decisões podem não consistir simplesmente em condenar X a pagar uma certa quantidade de dinheiro ou em absolver Y de um determinado delito, mas também em declarar que determinada lei é inconstitucional, que um regulamento é ilegal ou que uma determinada norma deve ser interpretada num determinado sentido; além disso alguns tribunais, ao decidirem um caso concreto, criam jurisprudência, o que significa que a regra em

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que baseiam a sua decisão - e que se expressa na ratio decidendi da sentença - tem caráter geral e abstrato, e consequentemente vale para todos os casos futuros. (ATIENZA. 2000. P. 20-21)

Se os órgãos aplicadores do direito têm que resolver casos concretos ao tempo em que

a ciência dogmática do direito se apóia também em casos concretos, podemos observar que

uma incursão mais determinante em favor da contingência se dá pela relevância atribuída ao

acontecimento ou caso concreto como um contínuo ou sempre um novo padrão de informação

a ser incorporado no âmbito das teorias, onde a ordem do necessário se desfaz em razão desse

acontecimento ou caso concreto.

Sobre o contexto de descoberta e o contexto de justificação, Manuel Atienza afirma

que:

de um lado está a atividade que consiste em descobrir ou enunciar uma teoria e que, segundo a opinião geral, não é suscetível de uma análise de tipo lógico; nesse plano, cabe unicamente mostrar como se gera e se desenvolve o conhecimento científico, o que constitui tarefa para o sociólogo e o historiador da ciência. Mas do outro lado está o procedimento que consiste em justificar ou validar a teoria, isto é, em confrontá-la com os fatos a fim de mostrar a sua validade; essa última tarefa exige uma análise de tipo lógico (embora não apenas lógico) e se rege pelas regras do método científico (que não são aplicáveis no contexto da descoberta). (ATIENZA. 2000. P. 21)

A referida distinção entre o contexto de descoberta e o contexto de justificação

demarca acentuadamente a assertiva de que o acontecimento só confirma o fato de que não

escapamos ao pressuposto da variação de contexto (de tempo e de espaço) ou do contingente

que, fundados cientificamente e universalizados como no contexto de descoberta, revelam as

dificuldades ou os problemas associados à indução no contexto de justificação – revelam o

acontecimento e nele a inversão de sujeito e predicado que, como já demonstrado, podem

demarcar a equivalência por implicação ou diferença. Assim, tanto o contexto de descoberta

quanto o contexto de justificação são suscetíveis de uma análise do tipo lógico, pois, à lógica

cabe demonstrar como se desenvolve o conhecimento científico-jurídico para a criação e para

a aplicação de normas jurídicas. E a referida suscetibilidade a uma análise do tipo lógico

decorre da natureza descritiva e prescritiva comum aos discursos para criação e aplicação da

norma jurídica, pois, segundo o próprio Manuel Atienza:

A distinção entre contexto de descoberta e contexto de justificação não coincide com aquela existente entre discurso descritivo e discurso prescritivo, a não ser pelo fato de que em relação tanto a um quanto ao outro contexto se pode adotar uma atitude descritiva ou prescritiva. (ATIENZA. 2000. P. 22)

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No entanto, se tanto o contexto de descoberta quanto o contexto de justificação são

suscetíveis de uma análise do tipo lógico, ressaltamos que a ordem de implicação entre o

discurso descritivo e o discurso prescritivo demarca o caráter ora de criação ora de aplicação

da norma jurídica. Mais especificamente, tratando-se de um raciocínio lógico-discursivo,

fundado em um silogismo, a ordem de implicação das assertivas descritiva e prescritiva pode

se alternar do seguinte modo: quando a primeira premissa é correspondente a um discurso

descritivo seguida de uma segunda premissa que é correspondente a um discurso prescritivo, a

conclusão se caracteriza como uma prescrição geral, próprio da criação da norma jurídica;

mas, quando a primeira premissa é correspondente a um discurso prescritivo seguida de uma

segunda premissa que é correspondente a um discurso descritivo, a conclusão se caracterize

como uma prescrição específica, próprio da aplicação da norma jurídica.61

Algumas questões pertinentes à ordem do discurso descritivo e do discurso prescritivo,

que demarca o caráter ora de criação, ora de aplicação da norma jurídica, são apontadas por

Manuel Atienza, ou seja:

o processo de tomada de decisão por um juiz ou um jurado é resultado da combinação dos valores da informação com os da impressão inicial. O processo de decisão começa com a acumulação de unidades de prova ou informação; a isso se segue o processo de avaliação, em que a cada item informativo se atribui um valor numa escala específica para o julgamento que está se desenvolvendo; o terceiro passo consiste em atribuir um peso para cada informação; depois a informação avaliada e sopesada é integrada num julgamento singular, como por exemplo 'probabilidade de culpabilidade"; e finalmente se leva em conta a impressão inicial, isto é, os preconceitos do juiz ou do jurado, que podem provir tanto de condições circunstanciais (por exemplo, seu estado de humor no momento do julgamento) quanto de condições ligadas à sua personalidade (por exemplo, preconceitos raciais ou religiosos). O modelo não pretende explicar apenas como se decide (e se argumenta) de fato, mas também sugere o que se poderia fazer para reduzir o peso dos preconceitos (dar um peso maior aos outros elementos) ou, então, sob que condições os julgamentos com jurados (o que implica também as argumentações dos jurados, que conduzem a uma determinada conclusão) poderiam ser tão confiáveis quanto os julgamentos com juízes profissionais. (ATIENZA. 2000. P. 23-24)

No entanto, o autor não especifica o emprego combinado do discurso descritivo, dos

valores e do discurso prescritivo a partir da complexidade pertinente a um raciocínio lógico-

discursivo que, fundado em um silogismo, deve abarcar a razão pela qual a categorização

aristotélica segue uma abordagem "semântica" e não um critério morfossintático; e, que

desenvolve, no Órganon, a base da teoria da argumentação, então podemos pensar a

61 Essa distinção será tratada com mais propriedade no próximo capítulo, em Tû-Tû de Alf Ross.

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construção de um sistema de propriedade que seja capaz de expressar relações fundamentais

de significação que não descarta a necessidade ou, mesmo, a sinteticidade. Manuel Atienza

chega a apontar que

caberia falar de uma justificação formal dos argumentos (quando um argumento é formalmente correto) e de uma justificação material (quando se pode considerar que um argumento, num campo determinado, é aceitável). Isso permitiria distinguir entre a lógica formal ou dedutiva, por um lado, e o que às vezes se chama de lógica material ou informal (onde se incluem coisas tais como a tópica ou a retórica), por outro." (2000. P. 24) "justificar uma decisão, num caso difícil, significa algo mais que efetuar uma operação dedutiva que consiste em extrair um conclusão a partir de premissas normativas fáticas. (ATIENZA. 2000. P. 25)

O autor aponta com propriedade, embora superficial, o que até então buscamos

apresentar em uma perspectiva mais complexa e correspondente ao caráter de logicidade dos

sistemas lógicos formais que abarca a língua ordinária isoladamente da sua função ou do uso

significativo da língua. Em razão disso, a partir da lógica como objeto ou instrumento da

linguagem em detrimento da linguagem como objeto ou instrumento da lógica, é que optamos

por abarcar as relações complexas e as peculiaridades de uma notação lógica quase aritmética

(Teorias Gramaticais baseadas em Formalismos Lógicos e Matemáticos) para a descrição

sintática correspondente à possibilidade de se descrever aspectos computacionais dessa

sintaxe, em razão de uma interpretação das relações sintáticas em termos de funções e

argumentos, ou seja, as estruturas sintáticas gramaticais da linguagem gerada não são apenas

simbólicas, mas são combinações de significado, significação e produção de sentido. Para

tanto, é que recorremos à lógica de três ou múltiplos valores com Stanislaw Lesniewski, Jan

Lukasiewicz e Alfred Tarski.

Sobre o conceito de validade dedutiva ou correção formal dos argumentos, Manuel

Atienza recorre a um texto literário, do gênero policial, sob o título "A carta roubada" de

Edgard Allan Poe, ou seja:

August Dupin (precursor de Sherlock Holmes, do padre Brown, de Hercule Poirot etc.) recebe, um dia, a visita do chefe de polícia de Paris, que o consulta sobre o seguinte problema: um documento da maior importância foi roubado na residência real. Sabe-se que o autor é o ministro D., que usa a carta como instrumento de chantagem contra uma dama da realeza. O ministro certamente escondeu a carta em algum lugar da sua casa, mas o chefe da polícia, apesar de ter realizado uma busca minuciosa e sistemática, não consegue encontrá-la. Dupin é bem sucedido no caso, graças a um processo de raciocínio que, grosso modo, é o seguinte: se a carta tivesse estado ao alcance da busca os agentes a teriam descoberto, e, como a carta tem de estar na residência do ministro, isso quer dizer que a polícia não procurou direito. Dupin sabe que o ministro é uma pessoa audaz e inteligente, e que, além

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disso, tem não apenas uma inteligência matemática como também − se assim se pode chamar − uma inteligência poética. Assim, o ministro pôde prever que a sua casa seria revistada pela polícia e que os homens do prefeito procurariam em todos os lugares onde se supõe que uma pessoa pode deixar um objeto que deseja esconder. Com base nisso, Dupin infere que o ministro teve de deixar a carta num lugar muito visível, mas, precisamente por isso, inesperado. E efetivamente ele encontra a carta numa caixa de papelão para cartões que pendia de uma tira azul sobre a lareira, enrugada e manchada (como se tratasse de algo sem importância) e exibindo um sinete e um tipo de letra no endereço de características opostas às da carta roubada (pois o envelope havia sido convenientemente trocado). Dupin explica assim o fracasso do chefe da polícia: 'A causa remota do seu fracasso é a hipótese de que o ministro é um imbecil porque tem fama de poeta. Todos os imbecis são poetas; é isso que acha o chefe da polícia, e ele incorre numa non distributio medii ao inferir que todos os poetas são imbecis'. (ATIENZA. 2000. P. 27-28)h

Diferente da correção normativa fundada em uma lógica de três ou múltiplos valores

de Jan Lukasiewicz (1963) e Alfred Tarski (2007), a validade dedutiva ou a correção formal

dos argumentos decorre do critério de verdade fundado em uma lógica clássica (binária) ou

formal.

Assim, se aprofundarmos em uma análise mais apurada da complexidade das notações

lógicas apresentadas por Manuel Atienza, podemos observar que a non distributio medii ou

não distribuição do termo médio, como um princípio da lógica proposicional, é convergente

com a assertiva de que o predicado deve ter uma extensão diferente ou maior em relação aos

objetos a que se aplica, senão seria propriedade de um único objeto e se confundiria com o

próprio objeto. Assim, da afirmação de que todos os imbecis são poetas não se pode inferir

logicamente que todos os poetas são imbecis, ou seja:

a) b)

Todos os imbecis são poetas Todos os poetas são imbecis O ministro é poeta O ministro é poeta Logo, o ministro é um imbecil Logo, o ministro é um imbecil

(falácia) (lógica)

Nesse sentido, o autor demonstra, em um raciocínio lógico-discursivo: a falácia da

conclusão do primeiro silogismo na não distribuição do termo poeta em predicados

afirmativos; e, a lógica da conclusão do segundo silogismo na distribuição do termo poeta em

um sujeito universal, ainda que, na segunda premissa, o temo poeta esteja não distribuído em

um predicado afirmativo.62 Mais especificamente, podemos afirmar que a não distribuição do

termo médio é correspondente a uma menor extensão, no que concerne ao direcionamento

62 Sobre o princípio da non distributio medii, ver anexo 2.

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dado, em relação a um termo médio distribuído, como podemos observar nos conjuntos

abaixo:

a) b) Poeta (predicado) Imbecis (predicado)

(Falácia) (Lógica)

A não distribuição do termo médio pode ser entendida, a partir do pressuposto de que

todo predicado tem uma extensão maior que a do sujeito, considerando que o termo imbecil,

predicando o ministro em “a)”, tem uma extensão menor em relação ao termo poeta como

predicado de Ministro, pois não se está falando de todo ministro. De modo dessemelhante,

podemos observar que tanto o termo imbecil quanto o termo poeta, predicados em “b)”, a

menor extensão do segundo em relação ao primeiro é irrelevante na predicação do sujeito, o

ministro.

Ademais, o autor se limita a discutir o conceito de validade dedutiva, correção formal

e correção material a partir da non distributio medii ou não distribuição do termo médio em

detrimento dos futuros contingentes e da complexidade deste a partir do princípio da não

contradição e do terceiro excluído e, mais especificamente, nessa medida, dos futuros

contingentes como assertivas de caráter deontológico ou prescritivas. Mais precisamente,

sobre o silogismo teórico e o silogismo prático, Manuel Atienza afirma que:

no Direito, na moral etc. os argumentos que se articulam partem muitas vezes de, e chegam a, normas; isto é, empregam um tipo de enunciados em relação aos quais não parece que tenha sentido falar de verdade ou falsidade. Em consequência , surge o problema de se a lógica se aplica ou não às normas. Por exemplo, Kelsen, sobretudo em sua obra póstuma, La teoría general de las normas (1979), sustentou

Ministro

Imbecis

O termo poeta, não distribuído, não garante que todo ministro pertença ao conjunto dos imbecis, ainda que sejam poetas.

Ministro X

Poetas ?

Ministro X

Pressuposto: Todo predicado tem uma extensão maior que a do sujeito.

O termo poeta, distribuído no sujeito da primeira premissa, garante que o ministro pertença ao conjunto dos imbecis.

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enfaticamente que a inferência silogística não funciona com relação às normas. As regras da lógica se aplicam ao silogismo teórico que se baseia num ato de pensamento, mas não ao silogismo prático ou normativo (o silogismo em que pelo menos uma das premissas e a conclusão são normas). Na tradição da filosofia do Direito, a questão costuma remontar a Jorgensen (1937), que propôs um problema por ele denominado 'quebra-cabeça', e que Ross (1941 e 1971) chamou de 'dilema de Jorgensen'. De acordo com Ross, uma inferência prática como: Você deve manter as suas promessas. Essa é uma das suas promessas. Logo, você deve manter essa promessa. carece de validade lógica. Não é logicamente necessário que um sujeito que estabelece uma regra geral deva também estabelecer a aplicação particular dessa regra. Que isso se verifique ou não depende de fatos psicológicos. Não é raro − acrescenta Ross − que um sujeito formule uma regra geral, mas evite a sua aplicação quando se vê afetado. Entretanto, se examinarmos bem, essa idéia é decididamente estranha. (2000. P. 35-36) (...) isso não parece ter relação com a lógica, que − como a gramática − é uma disciplina prescritiva: não diz como os homens pensam ou raciocinam de fato, apenas como deveriam fazê-lo. (ATIENZA. 2000. P. 37)

O que podemos deduzir da afirmação de que o silogismo acima carece de validade

lógica em razão da aplicação particular da regra, senão a falácia pela non distributio medii ou

não distribuição do termo médio correspondente a ambos os predicados afirmativos das

premissas que integram o silogismo.

Além disso, não devemos confundir, como normalmente faríamos, o sujeito Você da

primeira premissa como um sujeito particular para estabelecer a aplicação particular da regra,

pois, diferente do que se possa inadvertidamente pensar, trata-se de um sujeito universal, tal

qual cada ou quem como determinativos de quantidade, universais e distributivos. Jeronymo

Soares Barbosa afirma que:

Os universais distributivos são tres, um simples e indeclinavel, que serve só para o singular e para todos os generos, que é cada e dois compostos do demonstrativos quem, qual, e de quer, terceira pessoa do presente do indicativo do verbo querer, saber: quemquer, qualquer. Quemquer é ndeclinavel, tem só singular e diz-se só de pessoas; qualquer diz-se tanto de pessoas como de coisas, e é declinavel por numeros sómente, como: qualquer pessoa, quaesquer coisas. O distributivo cada é sempre relativo, e suppôe antes de si um proposição universal collectiva, clara ou oculta, que elle distribue pelos individuos comprehendidos na mesma proposição para distinguir as suas differenças, quanto ao attributo que de todos se affirma collectivamente. Os distributivos quemquer, qualquer, são absolutos porque não se referem a outra proposição. Elles mesmos fazem a proposição e a distribuem. Estas proposições, por ex.: quem quer pode dizer; qualquer coisa se póde dizer, equivalem a estas: todo homem póde dizer, tudo se póde dizer. O distributivo cada porém considera as partes d`um todo, quaesquer que ellas sejam, como outras tantas unidades proposicionaes, para por ellas distribuir o atributo da proposição. Assim se ajunta elle, já aos appellativos cada homem, cada casa, cada cidade, cada nação, já aos numeraes cada um, cada dois, cada tres, cada cento; já aos partitivos cada qual. As partes suppõem o todo, e o distributivo das mesmas suppõem a proposição universal collectiva. Pelo que, quando digo:

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cada homem tem seu genio, cada terrra tem seu uso; é o mesmo que se dissesse: todos os homens tem genios, cada qual o seu; todas as terras tem seus usos, cada um o seu. D`aqui se vê que a palavra cada é um verdadeiro adjetivo indeclinavel, que determina os nomes appellativos a tomarem-se em um sentido distributivo por ordem á porção que do attributo lhes compete. 63 (BARBOSA. 1881. P. 119-120)

E se o silogismo prático acima carece de validade lógica, isso decorre, como já dito, da

non distributio medii ou não distribuição do termo médio, do predicado ter uma extensão

determinantemente maior que a extensão do sujeito e, conseqüentemente, da impossibilidade

da demonstração de proposições universais. E, nesse sentido, é que fundamentamos o não ser

logicamente necessário que um sujeito que estabelece uma regra geral deva também

estabelecer a aplicação particular dessa regra ou que um sujeito formule uma regra geral,

mas evite a sua aplicação quando se vê afetado. Mais especificamente, a ocorrência ou a não

ocorrência da aplicação particular de uma regra, na dependência de fatos psicológicos,

decorre do caráter próprio dos futuros contingentes e da natureza prescritiva (ou imperativa

em sentido lato) de toda regra.

E se o direito e a gramática são disciplinas prescritivas, como afirma o autor, em que

não se diz como os homens pensam ou raciocinam de fato, mas, sim, como deveriam fazê-lo,

então, o desafio está, não em negar a relação com a lógica, mas, sim, demonstramos a lógica

por trás do que é prescritivo ou futuro contingente - da invenção e da dedução como

constitutivos da matéria ou do conteúdo pertinente à racionalidade jurídica, ou seja, de uma

63 Os determinativos de quantidade são os que determinam e applicam os nomes appellativos aos indivíduos da sua especie, indicando estes, não já pelas suas qualidades como os antecedentes, mas pelo seu numero. Ora esta applicação póde-se fazer ou a todos os individuos da especie, ou a uma parte d`elles sómente. D`aqui a divisão mais geral d`estes determinativos em universaes e em partitivos. Os universaes ou são positivos, porque affirmam alguma coisa de todos os individuos, ou negativos, porque a negam dos mesmos individuos. Os primeiros ou affirmam alguma coisa de todos os individuos considerados juntos e em multidão, e então chamam-se collectivos: ou considerados separadamente e cada um per si, e chamam-se distributivos. A Lingua Portuguesa não tem senão um collectivo universal, que é no singular todo para o genero masculino, toda para o feminino e tudo para o neutro; e no plural todos para o masculino e todas para o feminino. Não é determinativo senão quando precede o nome apellativo: v. gr.: todo o homem é mortal. quando se lhe segue é um adjetivo explicativo, que vale o mesmo que inteiro, razão porque a mesma proposição de verdadeira passa a falsa, dizendo: o homem todo é mortal. Se digo no singular todo homem é mortal, o appellativo homem é tomado distributivamente por cada. Se digo no plural todos os homens mentem, toma-se collectivamente, e então sempre leva o artigo depois de si. Usamos do distributivo nas proposições metaphysicamente certas, e do collectivo nas que o são moralmente. Este determinativo universal tem uma determinação neutra, tudo; porque esta nunca concorda com substantivo algum, mas só com as coisas que não tem genero ou não lh`o queremos dar, como: os pyrrhonicos duvidam de tudo. Tudo está bem feito. A terminação masculina todotambem se neutralisa, substantivando-se por meio do artigo, como o todo d`este quadro, o todo d`este discurso está bem feito. (BARBOSA. 1881. P. 118-119)

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lógica formal que, combinada com uma matéria especial, se traduz na lógica de múltiplos

valores de Jan Lukasiewicz.

Assim, reafirmamos que o autor não especifica toda a complexidade do emprego

combinado do discurso descritivo, dos valores e do discurso prescritivo a partir da

complexidade pertinente aos futuros contingentes em um raciocínio lógico-discursivo, ou

seja, não aborda aspectos específicos tanto quanto complexos de uma descrição sintática

correspondente à possibilidade de se descrever aspectos computacionais dessa sintaxe, pois,

uma investigação das relações sintáticas em termos de funções e argumentos parte do

pressuposto de que as estruturas sintáticas são combinações de significado, significação e

produção de sentido.

Nesse sentido, a princípio, a diferença estrutural entre o silogismo correspondente ao

discurso de criação e o silogismo correspondente ao discurso de aplicação da norma jurídica,

como podemos observar abaixo64,

Criação da Norma Jurídica

1º premissa: [Todo homem que] subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel <furta>.

2º premissa: <Quem furta>65 [deve ser] penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Conclusão: Logo, [Todo homem que] subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel [deve ser] penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (art. 155 do Código Penal Brasileiro)

Aplicação da Norma Jurídica

1º premissa: [Todo homem que] subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel [deve ser] penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (art. 155 do Código Penal Brasileiro)

∀∀∀∀x Px →→→→ Qx

2º premissa: José subtraiu, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.

PJosé

Conclusão: Logo, José [deve ser] penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

QJosé

nos permite investigar e ponderar no "dilema de Jorgensen", apontado acima, o caráter geral

do dever de cumprir com as promessas contraditório ao caráter específico da adoção de uma

64 Uma distinção que será tratada com mais propriedade no próximo capítulo, em Tû-Tû de Alf Ross. 65 <cada furto>, <você que furta> etc...

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conduta que nega o cumprimento de uma promessa feita a determinado sujeito. Segundo a

indagação proposta por Manuel Atienza,

está a questão de se a relação que mantêm entre si as normas válidas (no sentido de pertencentes a um sistema) são relações de tipo lógico. A resposta a essa pergunta é obviamente negativa, uma vez ser possível que normas contraditórias entre si pertençam a um mesmo sistema. Por exemplo, a um mesmo sistema moral poderia pertencer tanto a norma 'devem-se cumprir todas as promessas' quanto a norma 'não tenho por que cumprir a promessa que fiz a B'; o sistema em questão ficaria pouco atraente devido precisamente ao fato de ser inconsistente do ponto de vista lógico, mas isso não vem ao caso. (2000, P. 38)

Se considerarmos a impossibilidade de sustentação de proposições universais e, nesse

sentido, o propósito da distinção entre universalidade e generalidade, ou seja, da relativização

do grau de generalidade, em oposição à perspectiva ontológica ou condição absoluta do grau

de universalidade, a antinomia, jurídica ou não, é reduzida à lógica dialética ou de múltiplos

valores, pois, uma propriedade qualquer deve ter uma extensão diferente ou maior dos objetos

a que se aplica, senão seria propriedade de um único objeto e se confundiria com o próprio

objeto.

Mas, ainda assim, devemos considerar que com o raciocínio dedutivo, ou com o

silogismo, empregado no contexto de criação da norma, jurídica ou não, se busca

fundamentar, na conexão de valores ou termo médio das premissas, a conexão do fato com a

norma em sentido estrito, ou seja, a norma em sentido amplo. Devemos considerar, também,

que a individualização da referida norma ocorre somente em um discurso descritivo do fato e

no contexto de aplicação dessa norma. 66

66 O silogismo correspondente a aplicação da norma jurídica, guarda correspondência com as estruturas da lógica simbólica, mais especificamente com a condicional relativa "se P, então Q" (P →→→→ Q) e com a condicional absoluta "Q se e somente se P" (P ↔↔↔↔ Q). Ou seja, para “se P, então Q” (P →→→→ Q) ser verdadeiro, é irrelevante o verdadeiro ou o falso do antecedente P implicado em uma condicional relativa com a verdade de Q. No entanto, para “Q se e somente se P” (P ↔↔↔↔ Q) ser verdadeiro é relevante tanto a verdade do antecedente P, quanto à verdade do conseqüente Q implicados em uma condicional absoluta. Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo:

P Q ¬ P ¬ Q P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Q P ∨∨∨∨ Q P ∨∨∨∨ Q P →→→→ Q P ↔↔↔↔ Q V V F F F F V V V V F F V V V V F F F V V F F V V V F F F V V F F F V V

Assim, se a verdade só pode ser admitida em um modelo, pois só ele pode calcular objetos sintáticos próprios, a afirmação de que assim como a negação de P é não-P, que só é verdade quando P for falsa, a negação de P →→→→ Q (Se Deus existe, a vida faz sentido) não é ¬¬¬¬P →→→→ ¬¬¬¬Q (Se Deus não existe, a vida não faz sentido), mas, antes, P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Q (Deus existe e a vida não faz sentido) ou ¬¬¬¬(P →→→→ Q).

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O raciocínio lógico dedutivo, correspondente à subsunção e próprio de uma

perspectiva do positivismo ou positivismo jurídico, implica na redução de toda a

complexidade fática à norma, ou seja, no enquadramento do tipo temos a negação de todos os

outros elementos que compõem descritivamente o fato, como uma razão, intenção ou motivo

diferente daquele pressuposto pela norma, pois, é suficiente a descrição do fato sobre o qual já

pesa um valor institucionalizado67, como podemos observar abaixo e em correspondência com

a descrição da norma jurídica acima indicada:

Criação da Norma Jurídica

1º premissa: [Todo homem que] deixar de cumprir as promessas que faz <pratica um ato de enajenación68>.

2º premissa: <Quem pratica um ato de enajenación>69 [deve ser] condenado à exclusão.

Conclusão: Logo, [Todo homem que] deixar de cumprir as promessas que faz [deve ser] condenado à exclusão.

Aplicação da Norma

1º premissa: [Todo homem que] deixar de cumprir as promessas que faz [deve ser] condenado à exclusão.

∀∀∀∀x Px →→→→ Qx

2º premissa: José, [por não ter condições financeiras ou psicológica em decorrência de fato alheio a sua vontade], deixou de cumprir as promessas que fez.

PJosé

Conclusão: Logo, José [deve ser] condenado à exclusão. QJosé

No que corresponde a uma racionalidade lógica, em uma perspectiva formal, a não

distribuição do termo médio no silogismo empregado para a criação da norma culminaria em

uma conclusão falaciosa ou duvidosa, diferente do que podemos observar em <Quem furta> e

em <Quem pratica um ato de enajenación> distribuídos em razão do caráter universal do

sujeito na proposição.70 No mesmo sentido, se pode inferir que [(Px → Qx) e PJosé]→ QJosé,

mas não se pode inferir logicamente que [(Px → Qx) e QJosé]→ PJosé em razão da relativização

67 Sobre a institucionalização de valores trataremos mais propriamente em Tû-Tû de Alf Ross, no próximo capítulo. 68 acto de enajenación significa a falta de atenção a causa do pensamento, abstrair, alienar, distrair, provocar perturbação intensa, desvairar. Optamos por usar esse termo em razão de não ser de uso comum ou ordinário e, assim, dar uma perspectiva da institucionalização. 69 <cada ato de enajenación >, <você que pratica um ato de enajenación > etc... 70 Um pressuposto básico é o princípio de que todo termo médio é excluído da conclusão, composta do termo maior e do termo menor.

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pertinente à condicional P, ou seja, ainda que a consideremos na conclusão, a proposição não

deixa de ser relativa.71

Consideremos, também, que, se a premissa categórica (segunda premissa) afirma o

antecedente da premissa condicional (primeira premissa) e a conclusão afirma o conseqüente

da premissa condicional, temos um argumento (conclusão) válido ou lógico, ou seja, [(Px →

Qx) e PJosé]→ QJosé. Nesse sentido, diz-se que o argumento está no modo afirmativo ou modus

ponens72. No entanto, não podemos confundir essa forma válida do modus ponens com a

forma que comete a falácia de afirmar, na premissa categórica, o conseqüente da premissa

condicional, e a conclusão, afirmar o antecedente da premissa condicional, ou seja, [(Px →

Qx) e QJosé]→ PJosé.

Diferente do modus ponens, o modus tollens73 pode ser observado quando a premissa

categórica nega conseqüente da premissa condicional e a conclusão nega o antecedente da

premissa condicional, caso em que o argumento é válido ou lógico, ou seja, [(Px → Qx) e

¬QJosé]→ ¬PJosé. No entanto, não podemos confundir essa forma válida do modus tollens com

a forma que comete a falácia de negar, na premissa categórica, o antecedente da premissa

condicional, e a conclusão, negar o conseqüente da premissa condicional, ou seja, [(Px → Qx)

e ¬PJosé]→ ¬QJosé.

Assim, podemos afirma a compatibilidade do raciocínio jurídico com o modus ponens

e o modus tollens e, conseqüentemente, a sua incompatibilidade com os argumentos que não

são válidos ou lógicos.

Consideremos, ainda, para a inteligibilidade da questão, a incursão em um extrato do

texto L´Esprit des Lois (livro XV, capítulo 5) de Montesquieu, relativo à escravidão dos

negros, ou seja:

Livro XV: Como as leis da escravidão civil têm relação com a natureza do clima. Capítulo V - Da escravidão dos negros. Se eu tivesse que sustentar o direito que tivemos de tornar os negros escravos, eis o que eu diria: Os povos da Europa, exterminando os da América, tiveram que escravizar os da África para abrir e limpar tantas terras. O Açúcar seria muito caro se não fizéssemos que escravos cultivassem a planta que o produz. Aqueles de que se rata são negros dos pés até a cabeça; e têm o nariz tão achatado que é quase impossível ter pena deles.

71 Ver nota 37. 72 Originário da palavra latina ponere, que significa afirmar. 73 Originário da palavra latina tollere, que significa negar.

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Não é possível nos convencer de que Deus, que é muito sábio, tenha posto uma alma, especialmente uma boa alma, em um corpo todo negro. É tão natural pensar que a cor constitui a essência da humanidade que os povos da Ásia, que fazem eunucos, sempre privam os negros da relação que têm conosco de um modo mais pronunciado. Pode-se determinar a cor da pele pela dos cabelos, que era, entre os egípcios, os melhores filósofos do mundo, de tão grande conseqüência, que matavam todos os homens ruivos que lhes caíssem nas mãos. Uma prova de que os negros não têm senso comum é que dão maior valor a um colar de vidro do que ao de ouro, que, nas nações civilizadas, é de grande importância. É impossível supor que essas pessoas sejam homens; porque, se supuséssemos que eles são homens, começaríamos a crer que nós mesmos não somos cristãos. Mentes ou espíritos pequenos exageram demais a injustiça que se faz aos africanos. Pois, se esta fosse como dizem, será que não teria ocorrido aos príncipes da Europa, que fazem entre si tantas convenções inúteis, fazerem uma convenção geral em favor da misericórdia e da piedade ?74 (Montesquieu. 1864. P. 203-204)

A referida incursão no extrato relativo à escravidão dos negros, do texto L´Esprit des

Lois (livro XV, capítulo 5) de Montesquieu, é uma investigação feita por Oswald Ducrot que,

em Provar e Dizer, afirma que:

Montesquieu recorre a um procedimento freqüentemente utilizado pela literatura militante do século XVIII, ele finge colocar-se o lado da opinião de seus adversários e expõe os argumentos que segundo eles justificam a escravidão (Se eu tivesse que sustentar o direito que tivemos de tornar os negros escravos, eis o que eu diria:). e ele mostra que esses argumentos (ex: o açúcar seria muito caro se a cltura não fosse assegurada pelos escravos; a raça negra é uma raça inferior destinada a servidão e que não sofre com isso. ) antes sugeririam conclusões opostas, tornando claro o absurdo e a injustiça do que pretendiam justificar. (DUCROT. 1981. P. 147-148)

74 Livre XV : Comment les lois de l’esclavage civil ont du rapport avec la nature du climat. Chapitre V - De l'esclavage des nègres. Si j'avais à soutenir le droit que nous avons eu de rendre les nègres esclaves, voici ce que je dirais : Les peuples d'Europe ayant exterminé ceux de l'Amérique, ils ont dû mettre en esclavage ceux de l'Afrique, pour s'en servir à défricher tant de terres. Le sucre serait trop cher, si l'on ne faisait travailler la plante qui le produit par des esclaves. Ceux dont il s'agit sont noirs depuis les pieds jusqu'à la tête; et ils ont le nez si écrasé qu'il est presque impossible de les plaindre. On ne peut se mettre dans l'esprit que Dieu, qui est un être très sage, ait mis une âme, surtout une âme bonne, dans un corps tout noir. Il est si naturel de penser que c'est la couleur qui constitue l'essence de l'humanité, que les peuples d'Asie, qui font des eunuques, privent toujours les noirs du rapport qu'ils ont avec nous d'une façon plus marquée. On peut juger de la couleur de la peau par celle des cheveux, qui, chez les Égyptiens, les meilleurs philosophes du monde, étaient d'une si grande conséquence, qu'ils faisaient mourir tous les hommes roux qui leur tombaient entre les mains. Une preuve que les nègres n'ont pas le sens commun, c'est qu'ils font plus de cas d'un collier de verre que de l'or, qui, chez des nations policées, est d'une si grande conséquence. Il est impossible que nous supposions que ces gens-là soient des hommes; parce que, si nous les supposions des hommes, on commencerait à croire que nous ne sommes pas nous-mêmes chrétiens. De petits esprits exagèrent trop l'injustice que l'on fait aux Africains. Car, si elle était telle qu'ils le disent, ne serait-il pas venu dans la tête des princes d'Europe, qui font entre eux tant de conventions inutiles, d'en faire une générale en faveur de la miséricorde et de la pitié? (Montesquieu. 1864. P. 203-204)

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111

E, nesse sentido, no que concerne ao texto de Montesquieu sobre a Escravidão,

segundo Ducrot, Montesquieu cede aos escravagistas o raciocínio acima indicado e cuja

análise é assim deduzida:

O texto comporta duas proposições explícitas A nos somos cristãos; B os negros são homens. O raciocínio dos escravagistas toma por premissa (1) B → ¬A (= se nós supuséssemos que eles são homens começar-se-ia a crer que nos mesmo não somos cristãos) (2) Não B (= é impossível que essas pessoas sejam homens) Para obter a conclusão (2) a partir da premissa (1) é preciso - aplicar a premissa à lei lógica dita de contraposição (p → q é equivalente à ¬q → ¬p). Obtém-se então não não A → não B o que dá se se elimina a dupla negação (3) A → ¬B Dai implicitamente uma premissa suplementar que parece depender da evidência A (= nós somos cristão) - concluir de (3) utilizando-se a nova premissa A (4) não B (= os negros não são homens) Toda ironia de Montesquieu consiste em sugerir como também aceitável um percurso que partindo da mesma premissa (1), isto é B → ¬A tomaria como premissa suplementar não A, mas B (= os negros são homens). Com essa premissa B com efeito e a premissa (1) (= B → não A) é-se levado a concluir não-A (= Nós não somos cristãos). (DUCROT. 1981. p. 148)

Da análise acima, considerando os mesmos pressupostos, ou seja, A (nos somos

cristãos) e B (os negros são homens), podemos inferir, em princípio, que, a partir da

contraposição ou equivalência demonstrada abaixo, se A →→→→ B é equivalente à ¬¬¬¬B →→→→ ¬¬¬¬A,

então B →→→→ ¬¬¬¬A é equivalente a A →→→→ ¬¬¬¬B. Ou seja, se [se nos somos cristãos, então os negros

são homens] é equivalente a [se os negros não são homens, então nos não somos cristãos],

então, [se os negros são homens, então nos não somos cristãos] é equivalente a [se nos somos

cristãos, então os negros não são homens].

[(A →→→→ B) ≅≅≅≅ (¬¬¬¬B →→→→ ¬¬¬¬A)] →→→→ [(B →→→→ ¬¬¬¬A) ≅≅≅≅ (A →→→→ ¬¬¬¬B)]

O raciocínio que Montesquieu adota, inicialmente, pode ser descrito através do

seguinte silogismo

Primeira premissa: B →→→→ ¬¬¬¬A [se os negros são homens, então nos não somos cristãos]

Segunda premissa: A [nos somos cristãos]

Conclusão: ¬¬¬¬B [os negros não são homens]

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112

e , como vimos que B →→→→ ¬¬¬¬A é equivalente a A →→→→ ¬¬¬¬B, argumenta Ducrot, que para obter a

conclusão ¬¬¬¬B, a partir da primeira premissa B →→→→ ¬¬¬¬A, é preciso aplicar a lógica da

contraposição ou da equivalência acima indicada75, ou seja, quando a premissa categórica

nega conseqüente da premissa condicional e a conclusão nega o antecedente da premissa

condicional implicados em uma condicional relativa ou simplesmente ¬¬¬¬(¬¬¬¬A) →→→→ ¬¬¬¬B, caso em

que o argumento é válido ou lógico e correspondente ao modus tollens, e estruturar o

silogismo76 abaixo:

Primeira premissa: A →→→→ ¬¬¬¬ B [se nos somos cristãos, então os negros não são homens]

Segunda premissa: A [nos somos cristãos]

Conclusão: ¬¬¬¬B [os negros não são homens]

A ironia, apontada por Ducrot, consiste no fato de Montesquieu sugerir, ao assumir o

mesmo raciocínio de seus adversários escravagistas, uma contingência fundada na

contraposição ou equivalência, ou seja, é possível B e é possível não B, e, portanto, o aceitável

como podemos demonstrar no silogismo77 que segue abaixo:

75 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºprem Conc. 1º premissa

A B ¬A ¬B B → A B → ¬ A ¬ B → A ¬ B → ¬ A V V F F V F V V V F F V V V V F F V V F F V V V F F V V V V F V

76 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºprem Conc. 1º premissa

A B ¬A ¬B A → B A → ¬B ¬A → B ¬A → ¬B V V F F V F V V V F F V F V V V F V V F V V V F F F V V V V F V

77 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºprem Conc. 1º premissa

A B ¬A ¬B B → A B → ¬ A ¬ B → A ¬ B → ¬ A V V F F V F V V V F F V V V V F F V V F F V V V F F V V V V F V

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Primeira premissa: B →→→→ ¬¬¬¬A [se os negros são homens, então nos não somos cristãos]

Segunda premissa: B [os negros são homens]

Conclusão: ¬¬¬¬A [nos não somos cristãos]

No entanto, outra análise é possível a partir do pressuposto abarcado pelo raciocínio de

Montesquieu, ou seja, é impossível supor que essas pessoas sejam homens; porque, se

supuséssemos que eles são homens, começaríamos a crer que nós mesmos não somos

cristãos. (Montesquieu. 1864. P. 203-204) Se abarcarmos a perspectiva dos escravagistas,

devemos considerar a proposição é impossível supor que essas pessoas sejam homens como a

premissa categórica que afirma o antecedente e a conclusão o conseqüente da premissa

condicional, caso em que o argumento é válido ou lógico, como descrito no silogismo78

abaixo:

Primeira premissa: ¬¬¬¬B →→→→ A [se os negros não são homens,

então nos somos cristãos] Segunda premissa: ¬¬¬¬B [os negros não são homens]

Conclusão: A [nos somos cristãos]

Nesse sentido último, se Montesquieu apela para um método comumente empregado

pela literatura militante do século XVIII, fingindo colocar-se a favor da perspectiva de seus

adversários, então deverá considerar a proposição é possível supor que essas pessoas sejam

homens como a premissa categórica que nega o antecedente e a conclusão o conseqüente da

premissa condicional, caso em que o argumento é não é válido ou não lógico, como descrito

no silogismo79 abaixo:

78 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: Conc. 2ºprem 1º premissa

A B ¬A ¬B B → A B → ¬ A ¬ B → A ¬ B → ¬ A V V F F V F V V V F F V V V V F F V V F F V V V F F V V V V F V

79 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºpremConc. 1º premissa

A B ¬A ¬B B → A B → ¬ A ¬ B → A ¬ B → ¬ A V V F F V F V V V F F V V V V F F V V F F V V V

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Primeira premissa: ¬¬¬¬B →→→→ A [se os negros não são homens, então nos somos cristãos]

Segunda premissa: B [os negros são homens]

Conclusão: ¬¬¬¬A [nos não somos cristãos]

Assim, podemos afirmar que: na primeira análise, Montesquieu sugere, ao assumir o

mesmo raciocínio de seus adversários escravagistas, uma contingência fundada na

contraposição ou equivalência, ou seja, a possibilidade de B e a possibilidade de não B, e,

portanto, o aceitável; na segunda análise, Montesquieu, ao assumir o mesmo raciocínio de

seus adversários escravagistas, constrói um argumento falacioso que, por se tratar de

duvidoso, nada mais é do que uma contingência, ou seja, é possível não B e é possível B, e,

portanto, o aceitável. Mas, admitirmos o contingente implicaria, também, na admissão da

declaração em uma perspectiva ilocucionária ou abdutiva.

Mas, diferente do que é para Montesquieu, que recorre a um método comumente

empregado pela literatura militante do século XVIII, fingindo se colocar a favor da

perspectiva de seus adversários, a racionalidade jurídica já tem institucionalizado, no âmbito

da aplicação do Direito, um ponto de partida ou primeira premissa que é a norma jurídica,

cujo caráter dogmático suprime a idéia de uma contraposição ou equivalência.

Assim, a partir da racionalidade lógico-dedutiva, proposta por Manuel Atienza e

Oswald Ducrot, é que podemos fazer algumas incursões iniciais que serão o objeto o e ponto

de partida para uma análise mais complexa no próximo capítulo. Para tanto, passamos a

considerar os quadros abaixo que correspondem à relação entre norma [A], acusação [I] e

defesa [O]. Os modelos de aplicação da norma jurídica são deduzidos nas hipóteses que

decorrem das combinações correspondentes, para ambos os casos, a: a.[412], a`.[412],

b.[512] e c.[413]:

[Todo homem que] deixar de cumprir as promessas que faz [deve ser] condenado à exclusão. (Todo S é P) (Nenhum S é P)

A E

F F V V V V F V

Princípio do in dúbio pro réo.

4

5

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subalterna contraditória

Ι contrária O

(Algum S é P) (Algum S não é P) José deixou de cumprir as promessas que fez.

José não deixou de cumprir as promessas que fez.

Logo, José [deve ser] condenado à exclusão.

Logo, José [não deve ser] condenado à exclusão.

José deixou de cumprir as promessas que fez.

Logo, José [não deve ser] condenado à exclusão.

ou

[Todo homem que] subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel [deve ser] penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (art. 155 do Código Penal Brasileiro).

(Todo S é P) (Nenhum S é P)

A E

subalterna contraditória

Ι contrária O

(Algum S é P) (Algum S não é P)

José subtraiu, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.

José não subtraiu, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.

Logo, José [deve ser] penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Logo, José [não deve ser] penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

José subtraiu, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.

Logo, José [não deve ser] penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Princípio do in dúbio pro réo.

3

2

1

4

5

3

2

1

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As premissas correspondentes aos modelos de aplicação da norma estão dispostas em

razão de seu caráter qualitativo (afirmação e negação) e quantitativo (universais e

particulares), pertinentes à lógica formal. Tal disposição nos permite considerar quatro

combinações possíveis que, na forma de silogismos, descrevem a racionalidade lógica para o

discurso no contexto de aplicação da norma. Para tanto, os determinativos universais definem

o caráter absoluto atribuído ao termo verdade e o caráter relativo atribuído ao termo falso

quando predicados dessas proposições, mas, quando são predicados de proposições cujos

determinativos são particulares, há uma inversão lógica, ou seja, o caráter absoluto é atribuído

ao termo falso e o caráter relativo é atribuído ao termo verdade. Mais especificamente, temos

as possíveis combinações dos valores verdade:

F V V F V V F F V A E V F F V F F V F V V Ι O V V F

F F V F F V

Considerando os casos, nos quadros acima, correspondentes à relação entre norma [A],

acusação [I] e defesa [O], as possíveis combinações dos valores de verdade, a partir dos

determinativos universais e particulares, integram as hipóteses que decorrem das combinações

correspondentes a a.[412], a`.[412], b.[512] e c.[413]. Mais especificamente, podemos

entender que a proposição [1] é a tradução da norma geral para um caso particular, ou seja, a

norma seria construída para funcionar idealmente no campo das proposições A [4] e I [1].

Mas, a proposição [2] é uma argumentação que se constrói para refutar [1]. E, assim, é que

[1] representa a posição da acusação e [2] a posição da defesa.

Observamos, ainda, que no contexto de criação da norma e na perspectiva da lógica

clássica ou formal há, para a norma, a objetivação da validade (ou verdade) como um

pressuposto para o contexto de aplicação. Mas, em razão de seu caráter de futuro contingente,

o pressuposto de validade da norma prevalece se e somente se houver, no raciocínio de

subsunção, a correspondência efetiva entre o concreto e o abstrato da situação fática, ou seja,

a demonstração da premissa categórica ou segunda premissa. O raciocínio lógico dedutivo ou

Determinativos Universais Verdade – caráter absoluto Falso – caráter relativo

Determinativos Particulares Verdade – caráter relativo Falso – caráter absoluto

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de subsunção, ainda que reduzindo a complexidade fática à norma, prevalece somente diante

da existência de provas ditas materiais e não meramente argumentativas. Assim, as assertivas

em um [1] e dois [2], dada a relação contrária entre proposições particulares e o seu caráter

contingencial, são ambas verdadeiras e, nesse sentido, demarcamos a dúvida quanto ao fato -

o ponto de partida para toda argumentação intersubjetiva.

A primeira hipótese, de quatro combinações possíveis e que descreve a racionalidade

lógica para a argumentação no contexto de aplicação da norma, é a [412] quando houver

provas materiais ou não meramente argumentativas, ou seja:

a.[412] – Há provas materiais ou não meramente argumentativas

(Todo S é P) (Nenhum S é P)

A E

subalterna contraditória

Ι contrária O

(Algum S é P) (Algum S não é P)

A existência de provas materiais ou não meramente argumentativas põe termo à

dúvida demarcada pelo caráter contingencial de um [1] e dois [2], em que ambos são

verdadeiros, ou seja, se as referidas provas beneficiam a assertiva em [1], o raciocínio de

subsunção se dá na correspondência efetiva entre o concreto em [1] e o abstrato da situação

fática em [4]. Assim, a verdade da assertiva em [1] se opõe, na relação contrária entre

proposições particulares, ao falso da assertiva em [2]. Isto é, a existência de provas materiais

ou não meramente argumentativas, que põe termo à dúvida, implica a sobreposição da

combinação que implica a verdade de [1] e o falso de [2] à verdade de [1] e [2],

concomitantemente, ou à verdade de [2] e o falso de [1], pois, separadamente, a verdade de

[1] só poder pressupor a verdade de [2], ou a falsidade de [2] só poder pressupor a verdade de

[1], ou a verdade de [1] só poder pressupor a falsidade de [2], como padrões normativos,

negam o caráter qualitativo (afirmação e negação) implicado com caráter quantitativo

(universais e particulares) das assertivas ou declarações pertinentes à lógica formal.

1 2

4

falso verdade

falso verdade

verdade verdade

verdade

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No caso, em particular, a.[412] – Há provas materiais ou não meramente

argumentativas, os determinativos particulares definem o caráter relativo atribuído ao termo

verdade e o caráter absoluto atribuído ao termo falso quando predicados das proposições no

caso particular acima.

Deste modo, se confirma a incidência da norma em [4] em razão do valor verdade que

lhe é atribuído a partir do valor falso da assertiva em [2], na relação contraditória e em

observância ao princípio da não contradição. E nesse sentido, a verdade da assertiva em [4]

fundamentaria a verdade da assertiva em [1]. O Réu será condenado.

A segunda hipótese, de quatro combinações possíveis e que descreve a racionalidade

lógica para a argumentação no contexto de aplicação da norma, é uma outra perspectiva da

[412] quando houver provas materiais ou não meramente argumentativas, ou seja:

a`.[412] – Há provas materiais ou não meramente argumentativas

(Todo S é P) (Nenhum S é P)

A E

subalterna contraditória

Ι contrária O

(Algum S é P) (Algum S não é P)

A existência de provas materiais ou não meramente argumentativas põe termo à

dúvida demarcada pelo caráter contingencial de [1] e [2], em que ambos são verdadeiros, ou

seja, se as referidas provas beneficiam a assertiva em [2], não há o raciocínio de subsunção e,

conseqüentemente, não se dá a correspondência efetiva entre o concreto em [2] e o abstrato da

situação fática em [4]. Ressaltamos, mais uma vez, que a existência de provas materiais ou

não meramente argumentativas que põe termo à dúvida, implica, agora, a sobreposição da

combinação que implica a verdade de [2] e o falso de [1] à verdade de [1] e [2],

concomitantemente, ou à verdade de [1] e o falso de [2], pois, separadamente, a verdade de

[1] só poder pressupor a verdade de [2], ou a falsidade de [2] só poder pressupor a verdade de

[1], ou a verdade de [1] só poder pressupor a falsidade de [2], como padrões normativos,

1 2

4

falso

falso verdade

5

falso verdade

verdade verdade

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negam o caráter qualitativo (afirmação e negação) implicado com caráter quantitativo

(universais e particulares) das assertivas ou declarações pertinentes à lógica formal.

No caso, em particular, a`.[412] – Há provas materiais ou não meramente

argumentativas, os determinativos particulares definem o caráter relativo atribuído ao termo

verdade e o caráter absoluto atribuído ao termo falso quando predicados das proposições no

caso particular acima.

Deste modo, se confirma a não incidência da norma em [4] em razão do valor falso

que lhe é atribuído a partir do valor verdade da assertiva em [2], na relação contraditória e em

observância ao princípio da não contradição. E nesse sentido, o falso da assertiva em [4] não

fundamenta o falso da assertiva em [1]. O Réu será absolvido.

A terceira hipótese, de quatro combinações possíveis e que descreve a racionalidade

lógica para a argumentação no contexto de aplicação da norma, é a [512] quando não houver

provas materiais ou não meramente argumentativas, ou seja:

b.[512] – Não há provas materiais ou não meramente argumentativas

(Todo S é P) (Nenhum S é P)

A E

subalterna contraditória

Ι contrária O

(Algum S é P) (Algum S não é P)

A inexistência de provas materiais ou não meramente argumentativas não põe termo à

dúvida demarcada pelo caráter contingencial de [1] e [2], em que ambos são verdadeiros, ou

seja, se não há provas que beneficiem a assertiva em [1] e [2], também não há o raciocínio de

subsunção e, conseqüentemente, não se dará a correspondência efetiva entre a dúvida do

concreto em [1] e [2] e o abstrato da situação fática em [4]. Assim, a inexistência de provas

materiais ou não meramente argumentativas que não põe termo à dúvida, implica, agora, a

sobreposição da combinação que implica a verdade de [1] e [2] ao falso de [1] e a verdade de

[2] ou à verdade de [1] e o falso de [2], pois, separadamente, a verdade de [1] só poder

1 2

4

falso verdade

5

falso verdade

verdade verdade

falso

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pressupor a verdade de [2], ou a falsidade de [2] só poder pressupor a verdade de [1], ou a

verdade de [1] só poder pressupor a falsidade de [2], como padrões normativos, negam o

caráter qualitativo (afirmação e negação) implicado com caráter quantitativo (universais e

particulares) das assertivas ou declarações pertinentes à lógica formal.

No caso, em particular, b.[512] – Não há provas materiais ou não meramente

argumentativas, os determinativos particulares definem o caráter relativo atribuído ao termo

verdade e o caráter absoluto atribuído ao termo falso quando predicados das proposições no

caso particular acima.

Deste modo, se confirma a não incidência da norma em [4] em razão do valor falso

que lhe é atribuído concomitantemente o valor verdade que é atribuído à assertiva em [2].

Nesse sentido, o falso da assertiva em [4] não fundamenta o verdadeiro da assertiva em [1]. O

Réu não será condenado, mas, também, não será absolvido, com fundamento na dúvida ou no

caráter contingente de [1] e [2]. Mas, nesse caso, há a incidência do princípio da dúvida ou

princípio do indúbio pro réo (constitucional) em [5], um termo composto que foge aos

parâmetros da proposição (sujeito e predicado) em lógica formal, que demarcada à

impossibilidade de se por termo à dúvida e opta pelo encerramento da discussão beneficiando

o réu, ou seja, persistindo a dúvida o Réu não será condenado ou absolvido, mas ficará livre.

A quarta última hipótese, de quatro combinações possíveis e que descreve a

racionalidade lógica para a argumentação no contexto de aplicação da norma, é a [413]

quando houver ou não houver provas materiais ou não meramente argumentativas, ou seja:

c.[413] – Haja ou não hája provas materiais ou não meramente argumentativas

(Todo S é P) (Nenhum S é P)

A E

subalterna contraditória

Ι contrária O

(Algum S é P) (Algum S não é P)

1 3

4

falso verdade

falso verdade

verdade verdade

verdade

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É irrelevante a existência ou a inexistência de provas materiais ou não meramente

argumentativas em razão da assertiva em [3] concordar, no que concerne aos fatos, com a

assertiva em [1]. Mas, a assertiva em [3] discorda, no que concerne à norma em sentido

estrito, da assertiva em [1] e, nessa perspectiva, a existência ou a inexistência de provas

materiais ou não meramente argumentativas mantém o seu caráter de irrelevância em razão da

dúvida versar, não sobre fatos, mas, sim, sobre as normas positivadas, ou seja, apreendidas e

demonstradas somente a partir da abstração e do raciocínio lógico na mente humana.

Nesta última hipótese, o raciocínio de subsunção se dá em razão da correspondência

entre o concreto e o abstrato da situação fática. A verdade da assertiva em [1] não se opõe, na

relação contrária entre proposições particulares e no que concerne ao antecedente (fato) da

premissa condicional, à verdade da assertiva em [3], mas, no que concerne ao conseqüente da

premissa condicional ou a norma em sentido estrito (dever ser), [1] se opõe a [3]. Nesse

sentido, a incidência da norma em [4], em razão do valor verdade que lhe é atribuído como

fundamento para o valor verdade atribuído à assertiva em [1], e o valor verdade atribuído à

assertiva em [3] é correspondente à dúvida, somente, quanto ao conseqüente, mas, nesse caso,

não há uma opção institucionalizada como vimos mais acima com o princípio da dúvida ou do

indúbio pro réo, ou seja, a opção se dá a partir de questões aporéticas no campo da

argumentação tópica ou raciocínio problemático.

Na relação contraditória estabelecida entre a assertiva de [1] e de [3], podemos

observar a violação do princípio da não contradição fundado no princípio constitucional da

contradição80, caso em que, podemos observar, não se discute fatos, mas, sim, o dever ser do

direito, cujo caráter é prescritivo ou determinado como futuro contingente.

O que podemos observar é a possibilidade da norma em sentido estrito (o conseqüente

da premissa condicional) não ser aplicada em razão da superposição de outros valores ao

valor já subentendido na norma. Podemos observar, ainda, que a não aplicabilidade da norma

jurídica não lhe retira o caráter de validade (ou verdade), uma perspectiva própria do pós-

positivismo ou própria de um raciocínio tópico ou problemático segundo Theodor Viehweg.

Para a inteligibilidade das questões em ambos os problemas, a analogia com o

raciocínio de Oswald Ducrot, que pesa sobre a referida incursão no extrato relativo à

80 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 5º, inciso LV, garante "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;".

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122

escravidão dos negros, do texto L´Esprit des Lois (livro XV, capítulo 5) de Montesquieu, se

mostra elucidativa da complexidade da racionalidade lógico-dedutiva empregada, ou seja:

Silogismo da acusação:

Primeira premissa: [condicional]

P →→→→ Q [Todo homem que] deixar de cumprir as promessas que faz [deve ser] condenado à exclusão.

Segunda premissa: [categórica]

PJosé José deixou de cumprir as promessas que fez.

Conclusão: QJosé Logo, José [deve ser] condenado à exclusão.

Silogismo da defesa:

Primeira premissa: [condicional]

P →→→→ Q [Todo homem que] deixar de cumprir as promessas que faz [deve ser] condenado à exclusão.

Segunda premissa: [categórica]

¬¬¬¬PJosé José não deixou de cumprir as promessas que fez.

Conclusão: ¬¬¬¬QJosé Logo, José [não deve ser] condenado à exclusão.

ou

Silogismo da acusação:

Primeira premissa: [condicional]

P →→→→ Q [Todo homem que] subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel [deve ser] penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (art. 155 do Código Penal Brasileiro).

Segunda premissa: [categórica]

PJosé José subtraiu, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.

Conclusão: QJosé Logo, José [deve ser] penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Silogismo da defesa:

Primeira premissa: [condicional]

P →→→→ Q [Todo homem que] subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel [deve ser] penalizado com a reclusão de 1

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(um) a 4 (quatro) anos, e multa. (art. 155 do Código Penal Brasileiro).

Segunda premissa: [categórica]

¬¬¬¬PJosé José não subtraiu, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.

Conclusão: ¬¬¬¬QJosé Logo, José [não deve ser] penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

No silogismo da acusação (forma válida do modus ponens), em ambos os casos, a

premissa categórica (segunda premissa) afirma o antecedente da premissa condicional

(primeira premissa) e a conclusão afirma o conseqüente da premissa condicional, termos em

que o argumento (conclusão) é válido ou lógico, ou seja, [(Px →→→→ Qx) e PJosé] →→→→ QJosé81.

No entanto, no silogismo da defesa (forma não válida ou falaciosa do modus tollens),

em ambos os casos, a premissa categórica nega o antecedente da premissa condicional e a

conclusão nega o conseqüente da premissa condicional, ou seja, [(Px →→→→ Qx) e ¬¬¬¬PJosé] →→→→

¬¬¬¬QJosé82, quando a forma lógica ou válida do modus tollens corresponde a premissa

categórica que nega o conseqüente da premissa condicional e a conclusão que nega o

antecedente da premissa condicional, ou seja, [(Px →→→→ Qx) e ¬¬¬¬QJosé] →→→→ ¬¬¬¬PJosé83. No entanto,

no campo da racionalidade jurídica, inicialmente, o objeto de discussão é correspondente ao

81 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºprem Conc. 1º premissa

P Q ¬P ¬Q P → Q P → ¬Q ¬P → Q ¬P → ¬Q V V F F V F V V V F F V F V V V F V V F V V V F F F V V V V F V

82 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºprem Conc.1º premissa

P Q ¬P ¬Q P → Q P → ¬Q ¬P → Q ¬P → ¬Q V V F F V F V V V F F V F V V V F V V F V V V F F F V V V V F V

83 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: Conc.2ºprem1º premissa

P Q ¬P ¬Q P → Q P → ¬Q ¬P → Q ¬P → ¬Q V V F F V F V V V F F V F V V V F V V F V V V F F F V V V V F V

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antecedente da premissa condicional, sobre o qual pesa o caráter de ser contingente – daí, a

afirmação do conseqüente como premissa categórica ou segunda premissa não se aproximar

muito do particular, pois, ainda que lhe atribuamos o valor de verdade, esse valor de verdade

teria um caráter meramente relativo e, conseqüentemente, contrário ao princípio da não

contradição.

Mais especificamente, se a defesa sucumbir à dogmática ou, segundo Theodor

Viehweg, ao positivismo jurídico prático que, não se diferenciando do método comumente

empregado pela literatura militante do século XVIII, salvo pela imposição da norma jurídica

como único e absoluto ponto de partida ou primeira premissa condicional e a subsunção como

raciocínio jurídico, então qualquer tentativa de empregar uma racionalidade fundada na

equivalência estará fadada ao fracasso, embora válida e, conseqüentemente, lógica como

podemos observar no modus ponens, ou seja, [(¬¬¬¬Qx →→→→ ¬¬¬¬Px) e ¬¬¬¬QJosé]→→→→ ¬¬¬¬PJosé84.

Da análise acima, em uma relação analógica com o raciocínio de Oswald Ducrot,

podemos inferir, em princípio, que, a partir da contraposição ou equivalência demonstrada

abaixo, se Q →→→→ ¬¬¬¬P é equivalente a P →→→→ ¬¬¬¬Q, então P →→→→ Q é equivalente à ¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P, ou

seja, no que concerne a essa última equivalência, [se o homem deixar de cumprir as

promessas que faz, então, deve ser condenado à exclusão] é equivalente a [se o homem não

deve ser condenado à exclusão, então, não deixa de cumprir as promessas que faz] ou [se o

homem subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, então, deve ser penalizado

com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (art. 155 do Código Penal Brasileiro)]

é equivalente a [se o homem não deve ser penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro)

anos, e multa. (art. 155 do Código Penal Brasileiro), então, o homem não subtrai, para si

ou para outrem, coisa alheia móvel]. Simbolicamente, temos:

[(Q → ¬P) ≅ (P → ¬Q)] → [(P →→→→ Q) ≅≅≅≅ (¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P)]

84 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: Conc.2ºprem1º premissa

P Q ¬P ¬Q P → Q P → ¬Q ¬P → Q ¬P → ¬Q ¬Q → ¬P V V F F V F V V V V F F V F V V V F F V V F V V V F V F F V V V V F V V

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O raciocínio que a defesa adota, inicialmente, pode ser descrito como não válido ou

falacioso através do seguinte silogismo85:

Silogismo da defesa:

Primeira premissa: [condicional]

P →→→→ Q Se o homem deixar de cumprir as promessas que faz, então, deve ser condenado à exclusão.

Segunda premissa: [categórica]

¬¬¬¬PJosé José não deixou de cumprir as promessas que fez.

Conclusão: ¬¬¬¬QJosé Logo, José [não deve ser] condenado à exclusão.

ou

Silogismo da defesa:

Primeira premissa: [condicional]

P →→→→ Q Se o homem subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, então, deve ser penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (art. 155 do Código Penal Brasileiro).

Segunda premissa: [categórica]

¬¬¬¬PJosé José não subtraiu, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.

Conclusão: ¬¬¬¬QJosé Logo, José [não deve ser] penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Mas, como vimos que P →→→→ Q é equivalente a ¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P, para obter a conclusão ¬¬¬¬P, a

partir da primeira premissa ¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P, é preciso aplicar a lógica da contraposição ou da

equivalência acima indicada, ou seja, quando a premissa categórica nega o conseqüente da

premissa condicional [P →→→→ Q] e a conclusão nega o antecedente da premissa condicional [P

85 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºprem Conc.1º premissa

P Q ¬P ¬Q P → Q P → ¬Q ¬P → Q ¬P → ¬Q V V F F V F V V V F F V F V V V F V V F V V V F F F V V V V F V

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→→→→ Q], implicados em uma condicional relativa ou simplesmente ¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P, caso em que o

argumento é válido ou lógico e correspondente ao modus ponens, como demonstrado no

silogismo86 abaixo:

Silogismo da defesa:

Primeira premissa: [condicional]

¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P Se o homem não deve ser condenado à exclusão, então, não deixa de cumprir as promessas que faz.

Segunda premissa: [categórica]

¬¬¬¬QJosé José [não deve ser] condenado à exclusão.

Conclusão: ¬¬¬¬PJosé Logo, José não deixou de cumprir as promessas que fez.

ou

Silogismo da defesa:

Primeira premissa: [condicional]

¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P Se o homem não deve ser penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa (art. 155 do Código Penal Brasileiro), então, não subtrai, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.

Segunda premissa: [categórica]

¬¬¬¬QJosé

José [não deve ser] penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Conclusão: ¬¬¬¬PJosé Logo, José não subtraiu, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.

Caso em que, também, o argumento é válido ou lógico e correspondente ao modus

tollens, se a segunda premissa ou premissa categórica negar o conseqüente da primeira

86 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: Conc. 2ºprem 1º premissa

P Q ¬P ¬Q P → Q P → ¬Q ¬P → Q ¬P → ¬Q ¬Q → ¬P V V F F V F V V V V F F V F V V V F F V V F V V V F V F F V V V V F V V

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premissa condiciona [¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P] e a conclusão negar o antecedente da primeira premissa

condicional [¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P], como demonstrado no silogismo87 abaixo:

Silogismo da defesa:

Primeira premissa: [condicional]

¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P Se o homem não deve ser condenado à exclusão, então, não deixa de cumprir as promessas que faz.

Segunda premissa: [categórica]

¬¬¬¬[¬¬¬¬PJosé ]

ou PJosé

José deixou de cumprir as promessas que fez.

Conclusão: ¬¬¬¬[¬¬¬¬QJosé ]

ou QJosé

Logo, José [deve ser] condenado à exclusão.

ou

Silogismo da defesa:

Primeira premissa: [condicional]

¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P Se o homem não deve ser penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa (art. 155 do Código Penal Brasileiro), então, não subtrai, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.

Segunda premissa: [categórica]

¬¬¬¬[¬¬¬¬PJosé ]

ou PJosé

José subtraiu, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.

Conclusão: ¬¬¬¬[¬¬¬¬QJosé ]

ou QJosé

Logo, José [deve ser] penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

A ironia, como apontada por Ducrot, consiste no fato de a defesa sugerir, ao assumir o

mesmo raciocínio de seus adversários (a acusação), uma contingência fundada na

contraposição ou equivalência, ou seja, possível e não possível, e, portanto, o aceitável como

87 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºpremConc. 1º premissa

P Q ¬P ¬Q P → Q P → ¬Q ¬P → Q ¬P → ¬Q ¬Q → ¬P V V F F V F V V V V F F V F V V V F F V V F V V V F V F F V V V V F V V

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podemos observar no silogismo acima. E, ainda, podemos acrescentar que, no campo da

racionalidade jurídica, inicialmente, o objeto de discussão é correspondente, agora, ao

conseqüente da premissa condicional, sobre o qual pesa o caráter de ser contingente – daí, a

afirmação do antecedente como premissa categórica ou segunda premissa não se aproximar

muito do particular, pois, ainda que lhe atribuamos o valor de verdade, esse valor de verdade

teria um caráter meramente relativo e, conseqüentemente, contrário ao princípio da não

contradição.

No que diz respeito ao argumento da defesa, em que a primeira premissa condicional é

correspondente a “a. É necessário que [P→→→→Q]”, podemos observar a falácia do Modus

Tollens em a “d. É possível que [¬P∧∧∧∧¬¬¬¬Q]” (ou “e. Não é necessário que [¬¬¬¬P→→→→ Q]”) que,

como premissa categórica (segunda premissa) e conclusão respectivamente, não implica a

negação da norma “a. É necessário que [P→→→→Q]” ou primeira premissa condicional, como

demonstrado no quadro de oposições modais abaixo:

A E Ι O

≠≠≠≠ (diferente de)

Mais especificamente, no quadro acima, a “d. É possível que [¬P∧∧∧∧¬¬¬¬Q]” (ou “e. Não é

necessário que [¬¬¬¬P→→→→ Q]”) implica, em razão da não negação da norma “a. É necessário que

P→→→→¬¬¬¬Q = ¬[P∧Q]

¬¬¬¬P∧∧∧∧¬¬¬¬Q = ¬¬¬¬[¬¬¬¬P→→→→Q]

¬[P∧¬Q] = P→→→→Q

a. É possível que [P∧∧∧∧Q] b. Não é possível que [P∧∧∧∧¬¬¬¬Q] c. Não é impossível que [P→→→→Q]

a. É possível que [P∧∧∧∧¬¬¬¬Q] b. Não é possível que [P∧∧∧∧Q] c. Não é necessário que [P→→→→Q]

a. É necessário que [P→→→→Q] b. É impossível que [P→→→→¬¬¬¬Q] c. Não é possível que [P∧∧∧∧¬¬¬¬Q]

¬[P→¬Q] = P ∧∧∧∧ Q

a. É impossível que [P→→→→Q] b. É necessário que [P→→→→¬¬¬¬Q] c. Não é possível que [P∧∧∧∧Q]

P∧∧∧∧¬¬¬¬Q = ¬[P→Q]

d. É possível que [¬P∧∧∧∧¬¬¬¬Q] e. Não é necessário que [¬¬¬¬P→→→→ Q]

A hipótese pesa sobre o antecedente da premissa condicional – falácia o Modus Tollens ou lógica do Modus Ponens, que depende da primeira premissa condicional adotada, ou seja, se P→→→→Q ou se ¬¬¬¬P→→→→¬¬¬¬Q, respectivamente.

A hipótese pesa somente sobre o conseqüente da premissa condicional – adoção do princípio do contraditório ou violação do princípio da não contradição.

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[P→→→→Q]” ou primeira premissa condicional, a negação do caráter hipotético do antecedente da

premissa condicional na premissa categórica ou segunda premissa88, correspondente à

negação do antecedente da primeira premissa condicional, e a negação, na conclusão, do

conseqüente da primeira premissa condicional, ou seja, [(P→→→→Q)∧∧∧∧¬¬¬¬P]→→→→¬¬¬¬Q89, fundado na

falácia ou na não validade do Modus Tollens. Ou, ainda, se [(P→→→→Q)∧∧∧∧P]→→→→Q90, então,

[(¬¬¬¬P→→→→¬¬¬¬Q)∧∧∧∧¬¬¬¬P]→→→→¬¬¬¬Q91, fundados no Modus Ponens, como demonstrado no quadro abaixo:

Modus Ponens Lógico ou

Válido

Modus Ponens Lógico ou

Válido

Modus Tollens Falacioso ou

Inválido

Primeira premissa: P→→→→Q ¬¬¬¬P→→→→¬¬¬¬Q P→→→→Q

88 Para P →→→→ Q ser verdadeiro, é irrelevante o verdadeiro ou o falso do antecedente P implicado em uma condicional relativa com a verdade de Q. Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo:

P Q ¬ P ¬ Q P→→→→Q V V F F V V F F V F F V V F V F F V V V

Assim, se a verdade só pode ser admitida em um modelo, pois só ele pode calcular objetos sintáticos próprios, a afirmação de que assim como a negação de P é não-P, que só é verdade quando P for falsa, a negação de P →→→→ Q (Se Deus existe, a vida faz sentido) não é ¬¬¬¬P →→→→ ¬¬¬¬Q (Se Deus não existe, a vida não faz sentido), mas, antes, P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Q (Deus existe e a vida não faz sentido) ou ¬¬¬¬(P →→→→ Q). 89. Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºp Concl. 1ºp 1ºp 2ºp Concl.

P Q ¬ P ¬ Q P→→→→Q (P→→→→Q)∧∧∧∧¬¬¬¬P [(P→→→→Q)∧∧∧∧¬¬¬¬P]→→→→¬¬¬¬Q V V F F V F V V F F V F F V F V V F V V F F F V V V V V

90. Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºp Concl. 1ºp 1ºp 2ºp Concl.

P Q ¬ P ¬ Q P→→→→Q (P→→→→Q)∧∧∧∧P [(P→→→→Q)∧∧∧∧P]→→→→Q V V F F V V V V F F V F F V F V V F V F V F F V V V F V

91. Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºp Concl. 1ºp 1ºp 2ºp Concl.

P Q ¬ P ¬ Q ¬¬¬¬P→→→→¬¬¬¬Q (¬¬¬¬P→→→→¬¬¬¬Q)∧∧∧∧¬¬¬¬P [(¬¬¬¬P→→→→¬¬¬¬Q)∧∧∧∧¬¬¬¬P]→→→→¬¬¬¬Q V V F F V F V V F F V V V V F V V F F F V F F V V V V V

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[condicional]

Segunda premissa: [categórica]

P ¬¬¬¬P ¬¬¬¬P

Conclusão: Q ¬¬¬¬Q ¬¬¬¬Q

No entanto, quando a hipótese pesa somente sobre o conseqüente da primeira premissa

condicional (ou a norma em sentido estrito) e não havendo dúvida quanto ao antecedente (ou

fato) que é afirmado na premissa categórica ou segunda premissa, podemos observar que

[P∧∧∧∧¬¬¬¬Q] oposta, na relação contraditória, a [P→→→→Q], implica o princípio do contraditório ou a

violação do princípio da não contradição considerada a admitida a dúvida ou a possibilidade

do conseqüente em ambas as proposições.

Mais especificamente, no quadro de oposições modais acima, a “a. É possível que

[P∧∧∧∧¬¬¬¬Q]” (ou “b. Não é possível que [P∧∧∧∧Q]” ou “c. Não é necessário que [P→→→→Q]”) implica,

além da negação da norma “a. É necessário que [P→→→→Q]” (ou “b. É impossível que [P→→→→¬¬¬¬Q]”

ou “c. Não é possível que [P∧∧∧∧¬¬¬¬Q]”), a antinomia entre a norma descrita e a “a. É impossível

que [P→→→→Q]” (ou “b. É necessário que [P→→→→¬¬¬¬Q]” ou “c. Não é possível que [P∧∧∧∧Q]”). Esta

última é a base fundamental para “a. É possível que [P∧∧∧∧¬¬¬¬Q]” (ou “b. Não é possível que

[P∧∧∧∧Q]” ou “c. Não é necessário que [P→→→→Q]”) tanto quanto a primeira é a base fundamental

para “a. É possível que [P∧∧∧∧¬¬¬¬Q]” (ou “b. Não é possível que [P∧∧∧∧Q]” ou “c. Não é necessário

que [P→→→→Q]”).

Ou seja, se [(P→→→→Q)∧∧∧∧P]→→→→Q92 é válida ou lógica, então, [(P→→→→¬¬¬¬Q)∧∧∧∧ P]→→→→¬¬¬¬Q93 também

é válida ou lógica, e ambas fundadas no Modus Ponens:

92. Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºp Concl. 1ºp 1ºp 2ºp Concl.

P Q ¬ P ¬ Q P→→→→Q (P→→→→Q)∧∧∧∧P [(P→→→→Q)∧∧∧∧P]→→→→Q V V F F V V V V F F V F F V F V V F V F V F F V V V F V

93. Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºp Concl. 1ºp 1ºp 2ºp Concl.

P Q ¬ P ¬ Q P→→→→¬¬¬¬Q (P→→→→¬¬¬¬Q)∧∧∧∧ P [(P→→→→¬¬¬¬Q)∧∧∧∧ P]→→→→¬¬¬¬Q V V F F F F V V F F V V V V F V V F V F V F F V V V F V

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Modus Ponens Lógico ou

Válido

Modus Ponens Lógico ou

Válido

Primeira premissa: [condicional]

P→→→→Q

P→→→→¬¬¬¬Q

Segunda premissa: [categórica]

P P

Conclusão: Q ¬¬¬¬Q

No raciocínio lógico dedutivo apresentado por Manoel Atienza, concomitante à

discussão sobre a non distributio medii ou não distribuição do termo médio, se restringe às

premissas que antecedem à conclusão, uma primeira condicional relativa (ou causal) e uma

segunda categórica (descritiva do fato específico ou segunda premissa) para a configuração do

silogismo empregado em um discurso no contexto de aplicação da norma. Ou seja, no

exemplo dado pelo autor, temos:

A e B são acusados do delito de tráfico de drogas tipificado no artigo 344 do Código Penal, com a concorrência da circunstância agravante do artigo 344 rep. a) 3º, pois a quantidade de heroína apreendida com eles (mais de 122 gramas de heroína pura) é considerada – de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal – de “notória importância”. A droga tinha sido encontrada pela polícia numa bolsa, escondida no travesseiro de uma cama de casal, situada no quarto de um apartamento onde – quando a polícia entrou para efetuar a verificação – estavam A e B (um homem e uma mulher respectivamente). Na audiência o advogado de defesa e os acusados, A e B, sustentaram que, embora os dois últimos vivessem juntos no mesmo apartamento, eles não mantinham mais que uma relação de amizade, dormiam em quartos diferentes e, concretamente, B não tinha conhecimento da existência da droga. Em decorrência disso, o advogado de defesa, em suas conclusões definitivas, solicitou a absolvição de B. Entretanto a sentença, num dos seus “antecedentes do fato”, considerou “fato provado” que A e B compartilhavam o quarto referido e que, conseqüentemente, B tinha conhecimento e havia participado da atividade de tráfico de drogas, da qual ambos eram acusados. A justificação que aparece é esta: Os acusados (A e B) compartilhavam a habitação referida, como prova – apesar de, na audiência, eles terem declarado não serem mais que simples amigos – o testemunho dos dois policiais que fizeram a verificação e que disseram ser essa a única cama que estava desfeita (a verificação foi realizada as 6 horas da manhã) e em cujo quarto estavam todos os objetos pessoais dos acusados, e o fato de que, em escrito ao juiz de instrução (dirigido enquanto A estava cumprindo prisão preventiva), [...] o acusado (A) se refere a (B) como “minha mulher”. Esquematicamente o argumento seria o seguinte: Havia apenas uma cama desfeita na casa. Eram seis horas da manhã quando ocorreu a verificação. Toda a roupa e os objetos pessoais de A e de B estavam na mesma habitação em que se encontrava a cama. Meses depois, A se refere a B como “minha mulher”. Logo, na época em que se realizou a verificação, A e B mantinham relações íntimas (e, conseqüentemente, B sabia da existência da droga) (...) O argumento não tem caráter dedutivo, pois a passagem das premissas à conclusão não é necessária, embora altamente provável. Se se aceita a verdade das premissas,

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então existe uma razão forte para aceitar também a conclusão, embora, é claro, não possa haver certeza absoluta: teoricamente é possível que B tivesse acabado de chegar em casa às 6 da manhã, que seus objetos pessoais estivessem na casa de A porque ele pensava em fazer limpeza em regra nos armários, e que, depois da declaração de ambos, a amizade existente entre eles tivesse se convertido numa relação mais íntima. (ATIENZA. 2000. P. 40-42)

Consideremos, para tanto, outro exemplo, a síntese de um caso hipotético:

O caso passou-se na cidade Aisat-naf, Meugnin e Sodot viviam na melhor harmonia, como bons amigos que sempre tinham sido. Meugnin ao entrar ali encontrou Meugla à sua espera. Este, ao vê-lo de semblante alterado e porque havia ouvido, poucos momentos antes, um tiro, que lhe pareceu ter partido da casa de Sodot, interrogou-o sobre o que se tinha passado. – Não foi nada! – explicou Meugnin – Tive uma discussão violenta com Sodot... e ele ameaçou-me com uma espingarda... – Mas... dispararam um tiro... – Um tiro!?... – Meugnin encolheu os ombros – Não! A nossa questão não chegou a tanto... Apesar de ele estar raivoso como um urso, não passamos de uma discussão... embora ele merecesse um bom corretivo... Meugla teimou: – Que lá houve um tiro, isso eu posso jurar. Ouvi-o com estes ouvidos que a terra há de comer... – Não sei, nem isso me importa! – volveu Meugnin, revelando ainda uns restos de ira. – Sodot portou-se como um animal... a sua pessoa deixou, portanto, de me preocupar. Meugla desempenhou-se da incumbência que ali o levara e retirou-se quase logo a seguir. No entanto, não cessava de cogitar sobre o que tinha ouvido. – E se tiver acontecido alguma desgraça a Sodot? A ideia martelava-lhe a cabeça insistentemente. Encontrando-se com um amigo, participou-lhe as suas apreensões e juntos resolveram ir inquirir o que ocorrera na casa de Sodot. Poucos instantes depois entravam na casa de Sodot, ficando alarmados com o que seus olhos atônitos, então presenciaram. O quadro, na realidade desencorajante, era o seguinte: Sodot estava deitado no seu quarto, imóvel sobre a cama, de lado, e com enorme mancha de sangue ainda fresco a alastrar-lhe pelo peito coberto por uma camisa de linho branco. Um tanto afastada, sobre uma mesa, estava a sua espingarda com o cano virado para ele, e descarregada. O Sol, que penetrava pelo quarto adentro, através dos vidros retorcidos da janela, punha uma nota de vida naquele espetáculo de morte. O trágico acontecimento foi imediatamente participado ao Chefe de polícia, que de pronto procedeu com as investigações de praxe. Estas conduziram diretamente a Meugnin. Que outra pessoa na aldeia tinha algum motivo para matar Sodot? Sim, porque não havia dúvida nenhuma: – Sodot fora assassinado. À noite, estava Meugnin já deitado, a dormir o sono dos justos, quando foi acordado bruscamente por violentas pancadas desferidas na porta de sua casa. Saltando da cama, em sobressalto, foi ver quem batia. Era o Chefe de polícia, na companhia de outros, que lhe dava voz de prisão sob a acusação de homicídio de Sodot. Meugnin ficou assombrado pela imputação que lhe faziam. E nesse mesmo momento começou a afirmar veementemente a sua inocência. Ninguém, porém, o acreditou. As presunções eram todas contra Meugnin – para sua desgraça. “Que agira por vingança!” Na realidade, as aparências o condenavam, fazendo Meugnin se debater em vão.

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– Meugnin está em maus lençóis! – comentava o povo da cidade, todo ele convencido da sua culpabilidade na morte de Sodot – Ele vai ser, sem dúvida, condenado à morte. O processo foi instaurado, incriminando-o pelo homicídio de Sodot. Decorrido um tempo, efetuava-se o respectivo julgamento. Meugnin teve testemunhas que compareceram no tribunal para abonar o seu bom comportamento antes do fatídico dia. No entanto, Meugla que o vira chegando em casa pôs tudo a perder com as declarações que fez. Meugla dramatizou o assunto, se sentindo um dos principais personagens do drama que se julgava. A sentença não podia ser outra. Meugnin salvou-se da pena capital apenas por um pormenor que se toma como relevante: ninguém o vira atirar em Sodot. Mas o júri considerou-o culpado, condenando-o a 25 (vinte e cinco) anos de prisão.

Em ambos os problemas apresentados acima, se a passagem das premissas à conclusão

não é necessária e isto decorre do fato de que não podemos sempre identificar nas premissas

um elemento de conexão que esteja distribuído, então, podemos incorrer na non distributio

medii ou não distribuição do termo médio. Para tanto, consideremos o exemplo acima

estruturado nos silogismos de proposições simples, abaixo:

Primeira premissa: A é T A é traficante, ou seja, P [realiza atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância]

Segunda premissa: B é A B é A. [Havia apenas uma cama desfeita na casa; Eram seis horas da manhã quando ocorreu a verificação; Toda a roupa e os objetos pessoais de A e de B estavam na mesma habitação em que se encontrava a cama; Meses depois, A se refere a B como “minha mulher”.]

Conclusão: B é T B é traficante, ou seja, P [realiza atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância] Logo, na época em que se realizou a verificação, A e B mantinham relações íntimas (e, conseqüentemente, B sabia da existência da droga)

ou

Primeira premissa: S é A Sodot é assassinado, ou seja, P [morto por alguém]. [Sodot é assassinado.]

Segunda premissa: M discutiu Meugnin discutiu com Sodot.

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com S [Meugnin ao entrar ali encontrou Meugla à sua espera. Este, ao vê-lo de semblante alterado e porque havia ouvido, poucos momentos antes, um tiro, que lhe pareceu ter partido da casa de Sodot, interrogou-o sobre o que se tinha passado. – Não foi nada! – explicou Meugnin – Tive uma discussão violenta com Sodot... e ele ameaçou-me com uma espingarda...]

Conclusão: M é A Meugnin é o assassino, ou seja, P [matou alguém].

A conclusão, a partir do raciocínio lógico dedutivo, em cada silogismo de proposições

simples acima, irá figurar como premissa categórica (ou segunda premissa) dos raciocínios

lógicos dedutivos correspondentes à aplicação da norma jurídica, cuja notação lógica é

representada abaixo:

Primeira premissa: PX →→→→ QX se x [realizar atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância], então x [deverá ser punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a) 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol)]

Segunda premissa: PB B realiza atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância.

Conclusão: QB , B deve ser punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a) 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol).

ou

Primeira premissa: PX →→→→ QX se x [matar alguém], então x [deve ser] condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Art. 121 do Código Penal Brasileiro.

Segunda premissa: PM Meugnin matou alguém.

Conclusão: QM Meugnin [deve ser] condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Art. 121 do Código Penal

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Brasileiro.

Segundo Manuel Atienza

para esses casos os magistrados não podem se servir unicamente das regras de experiência, pois ele precisam se sujeitar também (ao contrário do detetive Dupin) às 'regras processuais de avaliação da prova'. Por exemplo, o juiz pode estar pessoalmente convencido de que B também saiba da existência da droga (assim como Dupin estava quanto ao lugar onde a carta podia ser encontrada) e, entretanto, não considerar isso um 'fato provado', pois o princípio da presunção de inocência (tal e como ele o interpreta) exige que a certeza sobre os fatos seja não apenas altamente provável, mas sim − poderíamos dizer − absoluta. (ATIENZA. 2000. P. 42)

Mas, a não condenação e a não absolvição do Réu, embora possa ter o seu

desenvolvimento inicial fundamentado nos princípios do terceiro excluído e da não

contradição, é próprio de um terceiro valor e, nesse sentido, correspondente a uma

racionalidade inerente a lógica dialética de três ou de múltiplos valores fundada no

pressuposto de que uma propriedade qualquer, considerada uma proposição, deve ter uma

extensão diferente ou maior dos objetos a que se aplica, senão seria propriedade de um único

objeto e se confundiria com o próprio objeto.

Sobre os argumentos e as notações lógicas, esquematicamente elaboradas, para a

representação dos problemas apresentados, podemos inferir, no seu desenvolvimento, a

relação entre norma [A], acusação [I] e defesa [O], cujos modelos de aplicação da norma

jurídica são deduzidos nas hipóteses que decorrem das combinações correspondentes a:

a.[412], a`.[412], b.[512] e c.[413], abaixo e já desenvolvidas mais acima.

([Todo homem que] realizar atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância [deve ser] punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a) 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol)

(Todo S é P) (Nenhum S é P)

A E

subalterna contraditória

Ι contrária O

Princípio do in dúbio pro réo. 5

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(Algum S é P) (Algum S não é P)

B realizou atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância.

B não realizou atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância.

Logo, B deve ser punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a) 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol).

Logo, B não deve ser punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a) 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol).

B realizou atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância.

Logo, B não deve ser punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a) 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol).

ou

([Todo homem que] matar alguém [deve ser] condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Art. 121 do Código Penal Brasileiro.

(Todo S é P) (Nenhum S é P)

A E

subalterna contraditória

Ι contrária O

(Algum S é P) (Algum S não é P)

Meugnin matou Sodot. Meugnin não matou Sodot. Logo, Meugnin [deve ser] condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Art. 121 do Código Penal Brasileiro.

Logo, Meugnin não [deve ser] condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Art. 121 do Código Penal Brasileiro.

Meugnin matou Sodot. Logo, Meugnin não [deve ser]

condenado a reclusão de 12 (doze)

3

2

1

Princípio do in dúbio pro réo. 5

3

2

1

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a 30 (trinta) anos. Art. 121 do Código Penal Brasileiro.

Assim, considerada a implicação da especificidade concernente ao problema proposto

por Manoel Atienza e ao caso hipotético, temos a existência de provas que não são

conclusivas, mas, meramente circunstanciais, fundamentada na não observância do princípio

da non distributio medii ou não distribuição do termo médio no raciocínio lógico dedutivo que

antecede outro em que a conclusão do primeiro irá figurar como premissa categórica no

segundo, ou seja, a premissa descritiva do fato específico para a configuração do silogismo

empregado em um discurso no contexto de aplicação da norma.

B realizar atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância ou

Meugnin ter matado Sodot são asserções meramente hipotéticas, em razão de não ser possível

por termo à dúvida, pois, a inexistência de provas materiais ou não meramente argumentativas

demarca o caráter contingencial da assertiva em um (1) e da assertiva em dois (2), ambas

verdadeiras, ainda que, pragmaticamente, o veredicto em um caso ao assegurar a verdade a

uma assertiva acaba por tornar falsa a outra. Assim, o princípio da dúvida em (5), um termo

composto que foge aos parâmetros de sujeito e predicado (proposição) em lógica formal,

orienta a racionalidade humana para o encerramento da discussão, em que o Réu não será

condenado ou absolvido.

Para a inteligibilidade das questões em ambos os problemas, a analogia com o

raciocínio de Oswald Ducrot, que pesa sobre a referida incursão no extrato relativo à

escravidão dos negros, do texto L´Esprit des Lois (livro XV, capítulo 5) de Montesquieu, se

mostra elucidativa da complexidade da racionalidade lógico-dedutiva empregada, a partir da

forma válida do modus ponens ou da forma não válida ou falaciosa do modus tollens, ou seja:

Silogismo da acusação:

Primeira premissa: [condicional]

P →→→→ Q ([Todo homem que] realizar atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância [deve ser] punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a) 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol)

Segunda premissa: [categórica]

PJosé B realizou atos de tráfico de drogas em uma quantidade de

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notória importância. Conclusão: QJosé Logo, B deve ser punido, de

acordo com o artigo 344 e 344 rep. a) 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol).

Silogismo da defesa:

Primeira premissa: [condicional]

P →→→→ Q ([Todo homem que] realizar atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância [deve ser] punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a) 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol)

Segunda premissa: [categórica]

¬¬¬¬PJosé B não realizou atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância.

Conclusão: ¬¬¬¬QJosé Logo, B não deve ser punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a) 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol).

ou

Silogismo da acusação:

Primeira premissa: [condicional]

P →→→→ Q ([Todo homem que] matar alguém [deve ser] condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Art. 121 do Código Penal Brasileiro.

Segunda premissa: [categórica]

PJosé Meugnin matou Sodot.

Conclusão: QJosé Logo, Meugnin [deve ser] condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Art. 121 do Código Penal Brasileiro.

Silogismo da defesa:

Primeira premissa: [condicional]

P →→→→ Q ([Todo homem que] matar alguém [deve ser] condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Art. 121 do Código Penal Brasileiro.

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Segunda premissa: [categórica]

¬¬¬¬PJosé Meugnin não matou Sodot.

Conclusão: ¬¬¬¬QJosé Logo, Meugnin não [deve ser] condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Art. 121 do Código Penal Brasileiro.

No silogismo da acusação, concernente à forma válida do modus ponens, em ambos os

problemas acima, a premissa categórica (segunda premissa) afirma o antecedente da premissa

condicional (primeira premissa) e a conclusão afirma o conseqüente da premissa condicional,

termos em que o argumento (conclusão) é válido ou lógico, ou seja, [(Px →→→→ Qx) e PB/Meugnim]

→→→→ QB/Meugnim94.

No entanto, no silogismo da defesa (forma não válida ou falaciosa do modus tollens),

em ambos os casos, a premissa categórica nega o antecedente da premissa condicional e a

conclusão nega o conseqüente da premissa condicional, ou seja, [(Px →→→→ Qx) e ¬¬¬¬PB/Meugnim] →→→→

¬¬¬¬QB/Meugnim95, quando a forma lógica ou válida do modus tollens corresponde à premissa

categórica negar o conseqüente da premissa condicional e à conclusão negar o antecedente da

premissa condicional, ou seja, [(Px →→→→ Qx) e ¬¬¬¬QB/Meugnim] →→→→ ¬¬¬¬PB/Meugnim96. No entanto, no

94 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºprem Conc. 1º premissa

P Q ¬P ¬Q P → Q P → ¬Q ¬P → Q ¬P → ¬Q V V F F V F V V V F F V F V V V F V V F V V V F F F V V V V F V

95 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºprem Conc.1º premissa

P Q ¬P ¬Q P → Q P → ¬Q ¬P → Q ¬P → ¬Q V V F F V F V V V F F V F V V V F V V F V V V F F F V V V V F V

96 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: Conc.2ºprem1º premissa

P Q ¬P ¬Q P → Q P → ¬Q ¬P → Q ¬P → ¬Q V V F F V F V V V F F V F V V V F V V F V V V F F F V V V V F V

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campo da racionalidade jurídica, inicialmente, o objeto de discussão é correspondente ao

antecedente da premissa condicional, sobre o qual pesa o caráter de ser contingente – daí, a

afirmação do conseqüente como premissa categórica ou segunda premissa não se aproximar

muito do particular, pois, ainda que lhe atribuamos o valor de verdade, esse valor de verdade

teria um caráter meramente relativo e, conseqüentemente, contrário ao princípio da não

contradição.

Mais especificamente, se a defesa sucumbir à dogmática ou, segundo Theodor

Viehweg, ao positivismo jurídico prático que, não se diferenciando do método comumente

empregado pela literatura militante do século XVIII, salvo pela imposição da norma jurídica

como único e absoluto ponto de partida ou primeira premissa condicional e a subsunção como

raciocínio jurídico, então qualquer tentativa de empregar uma racionalidade fundada na

equivalência estará fadada ao fracasso, embora válida e, conseqüentemente, lógica como

podemos observar no modus ponens, ou seja, [(¬¬¬¬Qx →→→→ ¬¬¬¬Px) e ¬¬¬¬QB/Meugnim]→→→→ ¬¬¬¬PB/Meugnim97.

Da análise acima, em uma relação analógica com o raciocínio de Oswald Ducrot,

podemos inferir, em princípio, que, a partir da contraposição ou equivalência demonstrada

abaixo, se Q →→→→ ¬¬¬¬P é equivalente a P →→→→ ¬¬¬¬Q, então P →→→→ Q é equivalente à ¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P, ou

seja, no que concerne a essa última equivalência, [se o homem realizar atos de tráfico de

drogas em uma quantidade de notória importância, então, deve ser punido, de acordo com

o artigo 344 e 344 rep. a) 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal

Espanhol)] é equivalente a [se o homem não deve ser punido, de acordo com o artigo 344 e

344 rep. a) 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol),

então, não realiza atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância.] ou

[se o homem matar alguém, então, deve ser condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta)

anos. (Art. 121 do Código Penal Brasileiro)] é equivalente a [se o homem não deve ser

condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. (Art. 121 do Código Penal Brasileiro),

então, não mata alguém]. Simbolicamente, temos:

97 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: Conc.2ºprem1º premissa

P Q ¬P ¬Q P → Q P → ¬Q ¬P → Q ¬P → ¬Q ¬Q → ¬P V V F F V F V V V V F F V F V V V F F V V F V V V F V F F V V V V F V V

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[(Q → ¬P) ≅ (P → ¬Q)] →→→→ [(P →→→→ Q) ≅≅≅≅ (¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P)]

O raciocínio que a defesa adota, inicialmente, pode ser descrito como não válido ou

falacioso através do seguinte silogismo98:

Silogismo da defesa:

Primeira premissa: [condicional]

P →→→→ Q se o homem realizar atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância, então, deve ser punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a) 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol)

Segunda premissa: [categórica]

¬¬¬¬PB B não realizou atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância.

Conclusão: ¬¬¬¬QB Logo, B não deve ser punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a) 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol).

ou

Silogismo da defesa:

Primeira premissa: [condicional]

P →→→→ Q ([Todo homem que] matar alguém [deve ser] condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Art. 121 do Código Penal Brasileiro.

Segunda premissa: [categórica]

¬¬¬¬PMeugnim Meugnin não matou Sodot.

98 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºprem Conc.1º premissa

P Q ¬P ¬Q P → Q P → ¬Q ¬P → Q ¬P → ¬Q V V F F V F V V V F F V F V V V F V V F V V V F F F V V V V F V

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Conclusão: ¬¬¬¬QMeugnim Logo, Meugnin não [deve ser] condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Art. 121 do Código Penal Brasileiro.

Mas, como vimos que P →→→→ Q é equivalente a ¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P, para obter a conclusão ¬¬¬¬P99,

a partir da primeira premissa ¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P, é preciso aplicar a lógica da contraposição ou da

equivalência acima indicada, ou seja, quando a premissa categórica nega o conseqüente da

premissa condicional [P →→→→ Q] e a conclusão nega o antecedente da premissa condicional [P

→→→→ Q], implicados em uma condicional relativa ou simplesmente ¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P, caso em que o

argumento é válido ou lógico e correspondente ao modus ponens, como demonstrado no

silogismo abaixo:

Silogismo da defesa:

Primeira premissa: [condicional]

¬¬¬¬Q→→→→¬¬¬¬P se o homem não deve ser punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a) 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol), então,

não realiza atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância .

Segunda premissa: [categórica]

¬¬¬¬QB B não deve ser punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a) 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol).

Conclusão: ¬¬¬¬PB Logo, B não realizou atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância.

ou

99 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: Conc. 2ºprem 1º premissa

P Q ¬P ¬Q P → Q P → ¬Q ¬P → Q ¬P → ¬Q ¬Q → ¬P V V F F V F V V V V F F V F V V V F F V V F V V V F V F F V V V V F V V

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Silogismo da defesa:

Primeira premissa: [condicional]

P →→→→ Q se o homem não deve ser condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. (Art. 121 do Código Penal Brasileiro), então, não mata alguém.

Segunda premissa: [categórica]

¬¬¬¬QMeugnim Meugnin não [deve ser] condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Art. 121 do Código Penal Brasileiro.

Conclusão: ¬¬¬¬PMeugnim Logo, Meugnin não matou Sodot.

Caso em que, também, o argumento é válido ou lógico e correspondente ao modus

tollens, se negar a segunda premissa ou premissa categórica negar o conseqüente da primeira

premissa condiciona [¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P] e a conclusão negar o antecedente da primeira premissa

condiciona [¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P], como demonstrado no silogismo100 abaixo:

Silogismo da defesa:

Primeira premissa: [condicional]

¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P se o homem não deve ser punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a) 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol), então,

não realiza atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância .

Segunda premissa: [categórica]

¬¬¬¬[¬¬¬¬PB ]

ou PB

B realizou atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância.

Conclusão: ¬¬¬¬[¬¬¬¬QB ]

ou QB

Logo, B deve ser punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a) 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol).

100 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºpremConc. 1º premissa

P Q ¬P ¬Q P → Q P → ¬Q ¬P → Q ¬P → ¬Q ¬Q → ¬P V V F F V F V V V V F F V F V V V F F V V F V V V F V F F V V V V F V V

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ou

Silogismo da defesa:

Primeira premissa: [condicional]

¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P se o homem não deve ser condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. (Art. 121 do Código Penal Brasileiro), então, não mata alguém.

Segunda premissa: [categórica]

¬¬¬¬[¬¬¬¬PMeugnim ]

ou PMeugnim

Meugnin matou Sodot.

Conclusão: ¬¬¬¬[¬¬¬¬QMeugnim ]

ou QMeugnim

Logo, Meugnin [deve ser] condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Art. 121 do Código Penal Brasileiro.

A ironia, como apontada por Ducrot, consiste no fato de a defesa sugerir, ao assumir o

mesmo raciocínio de seus adversários (a acusação), uma contingência fundada na

contraposição ou equivalência, ou seja, possível e não possível, e, portanto, o aceitável como

podemos observar no silogismo acima. E, ainda, podemos acrescentar que, no campo da

racionalidade jurídica, inicialmente, o objeto de discussão é correspondente, agora, ao

conseqüente da premissa condicional, sobre o qual pesa o caráter de ser contingente – daí, a

afirmação do antecedente como premissa categórica ou segunda premissa não se aproximar

muito do particular, pois, ainda que lhe atribuamos o valor de verdade, esse valor de verdade

teria um caráter meramente relativo e, conseqüentemente, contrário ao princípio da não

contradição.

No que diz respeito ao argumento da defesa, em que a primeira premissa condicional é

correspondente a “a. É necessário que [P→→→→Q]”, podemos observar a falácia do Modus

Tollens em a “d. É possível que [¬P∧∧∧∧¬¬¬¬Q]” (ou “e. Não é necessário que [¬¬¬¬P→→→→ Q]”) que,

como premissa categórica (segunda premissa) e conclusão respectivamente, não implica a

negação da norma “a. É necessário que [P→→→→Q]” ou primeira premissa condicional, como

demonstrado no quadro de oposições modais abaixo:

A E

P→→→→¬¬¬¬Q = ¬[P∧Q] ¬[P∧¬Q] = P→→→→Q

a. É necessário que [P→→→→Q] b. É impossível que [P→→→→¬¬¬¬Q] c. Não é possível que [P∧∧∧∧¬¬¬¬Q]

¬[P→¬Q] = P ∧∧∧∧ Q

a. É impossível que [P→→→→Q] b. É necessário que [P→→→→¬¬¬¬Q] c. Não é possível que [P∧∧∧∧Q]

P∧∧∧∧¬¬¬¬Q = ¬[P→Q]

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Ι O

≠≠≠≠ (diferente de)

Mais especificamente, no quadro acima, a “d. É possível que [¬P∧∧∧∧¬¬¬¬Q]” (ou “e. Não é

necessário que [¬¬¬¬P→→→→ Q]”) implica, em razão da não negação da norma “a. É necessário que

[P→→→→Q]” ou primeira premissa condicional, a negação do caráter hipotético do antecedente da

premissa condicional na premissa categórica ou segunda premissa101, correspondente a

negação do antecedente da primeira premissa condicional, e a negação, na conclusão, do

conseqüente da primeira premissa condicional, ou seja, [(P→→→→Q)∧∧∧∧¬¬¬¬P]→→→→¬¬¬¬Q102, fundado na

falácia ou na não validade do Modus Tollens. Ou, ainda, se [(P→→→→Q)∧∧∧∧P]→→→→Q103, então,

[(¬¬¬¬P→→→→¬¬¬¬Q)∧∧∧∧¬¬¬¬P]→→→→¬¬¬¬Q104, fundados no Modus Ponens, como demonstrado no quadro abaixo:

101 Para P →→→→ Q ser verdadeiro, é irrelevante o verdadeiro ou o falso do antecedente P implicado em uma condicional relativa com a verdade de Q. Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo:

P Q ¬ P ¬ Q P→→→→Q V V F F V V F F V F F V V F V F F V V V

Assim, se a verdade só pode ser admitida em um modelo, pois só ele pode calcular objetos sintáticos próprios, a afirmação de que assim como a negação de P é não-P, que só é verdade quando P for falsa, a negação de P →→→→ Q (Se Deus existe, a vida faz sentido) não é ¬¬¬¬P →→→→ ¬¬¬¬Q (Se Deus não existe, a vida não faz sentido), mas, antes, P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Q (Deus existe e a vida não faz sentido) ou ¬¬¬¬(P →→→→ Q). 102. Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºp Concl. 1ºp 1ºp 2ºp Concl.

P Q ¬ P ¬ Q P→→→→Q (P→→→→Q)∧∧∧∧¬¬¬¬P [(P→→→→Q)∧∧∧∧¬¬¬¬P]→→→→¬¬¬¬Q V V F F V F V V F F V F F V F V V F V V F F F V V V V V

103. Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºp Concl. 1ºp 1ºp 2ºp Concl.

P Q ¬ P ¬ Q P→→→→Q (P→→→→Q)∧∧∧∧P [(P→→→→Q)∧∧∧∧P]→→→→Q

¬¬¬¬P∧∧∧∧¬¬¬¬Q = ¬¬¬¬[¬¬¬¬P→→→→Q]

a. É possível que [P∧∧∧∧Q] b. Não é possível que [P∧∧∧∧¬¬¬¬Q] c. Não é impossível que [P→→→→Q]

a. É possível que [P∧∧∧∧¬¬¬¬Q] b. Não é possível que [P∧∧∧∧Q] c. Não é necessário que [P→→→→Q]

d. É possível que [¬P∧∧∧∧¬¬¬¬Q] e. Não é necessário que [¬¬¬¬P→→→→ Q]

A hipótese pesa sobre o antecedente da premissa condicional – falácia o Modus Tollens ou lógica do Modus Ponens, que depende da primeira premissa condicional adotada, ou seja, se P→→→→Q ou se ¬¬¬¬P→→→→¬¬¬¬Q, respectivamente.

A hipótese pesa somente sobre o conseqüente da premissa condicional – adoção do princípio do contraditório ou violação do princípio da não contradição.

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Modus Ponens Lógico-Válido

Modus Ponens Lógico-Válido

Modus Tollens Falacioso-Inválido

Primeira premissa: [condicional]

P→→→→Q ¬¬¬¬P→→→→¬¬¬¬Q P→→→→Q

Segunda premissa: [categórica]

P ¬¬¬¬P ¬¬¬¬P

Conclusão: Q ¬¬¬¬Q ¬¬¬¬Q

No entanto, quando a hipótese pesa somente sobre o conseqüente da primeira premissa

condicional (ou a norma em sentido estrito) e não havendo dúvida quanto ao antecedente (ou

fato) que é afirmado na premissa categórica ou segunda premissa, podemos observar que

[P∧∧∧∧¬¬¬¬Q] oposta, na relação contraditória, a [P→→→→Q], implica o princípio do contraditório ou a

violação do princípio da não contradição considerada a admissão da dúvida com a

possibilidade do conseqüente em ambas as proposições.

Mais especificamente, no quadro de oposições modais acima, a “a. É possível que

[P∧∧∧∧¬¬¬¬Q]” (ou “b. Não é possível que [P∧∧∧∧Q]” ou “c. Não é necessário que [P→→→→Q]”) implica,

além da negação da norma “a. É necessário que [P→→→→Q]” (ou “b. É impossível que [P→→→→¬¬¬¬Q]”

ou “c. Não é possível que [P∧∧∧∧¬¬¬¬Q]”), a antinomia entre a norma descrita e a “a. É impossível

que [P→→→→Q]” (ou “b. É necessário que [P→→→→¬¬¬¬Q]” ou “c. Não é possível que [P∧∧∧∧Q]”). Esta

última é a base fundamental para “a. É possível que [P∧∧∧∧¬¬¬¬Q]” (ou “b. Não é possível que

[P∧∧∧∧Q]” ou “c. Não é necessário que [P→→→→Q]”) tanto quanto a primeira é a base fundamental

para “a. É possível que [P∧∧∧∧¬¬¬¬Q]” (ou “b. Não é possível que [P∧∧∧∧Q]” ou “c. Não é necessário

que [P→→→→Q]”).

V V F F V V V V F F V F F V F V V F V F V F F V V V F V

104. Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºp Concl. 1ºp 1ºp 2ºp Concl.

P Q ¬ P ¬ Q ¬¬¬¬P→→→→¬¬¬¬Q (¬¬¬¬P→→→→¬¬¬¬Q)∧∧∧∧¬¬¬¬P [(¬¬¬¬P→→→→¬¬¬¬Q)∧∧∧∧¬¬¬¬P]→→→→¬¬¬¬Q V V F F V F V V F F V V V V F V V F F F V F F V V V V V

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Ou seja, mais especificamente, se [(P→→→→Q)∧∧∧∧P]→→→→Q105 é válida ou lógica, então,

[(P→→→→¬¬¬¬Q)∧∧∧∧ P]→→→→¬¬¬¬Q106 também é válida ou lógica, e ambas fundadas no Modus Ponens:

Modus Ponens Lógico ou

Válido

Modus Ponens Lógico ou

Válido

Primeira premissa: [condicional]

P→→→→Q

P→→→→¬¬¬¬Q

Segunda premissa: [categórica]

P P

Conclusão: Q ¬¬¬¬Q

Nesse sentido, lembramos que na demonstração canônica da incompletude de Gödel,

se levantou uma série de questões acerca das afirmações que não podem ser provadas,

verdadeiras ou falsas, a partir do próprio sistema, como ocorre nos sistemas econômicos,

políticos, jurídicos etc, pois, nenhum sistema derivado de um conjunto finito de regras poderia

justificar a si mesmo de forma lógica sem cair em contradição, de modo que sempre será

necessário um sistema maior e mais complexo para dar conta de tudo que o sistema menor

contém, mas aquele, para ser entendido integralmente, precisará de outro sistema, maior e

mais complexo ainda; e assim sucessivamente.

Há um enunciado que a mente humana e a racionalidade inerente a lógica dialética ou

de múltiplos valores pode aceitar como verdadeira, mas não um sistema lógico formal, ou

seja: É verdade que cada sistema lógico é incapaz de afirmar que esta frase é verdadeira?

Em um sistema lógico formal não se responde que é verdade que cada sistema lógico é

incapaz de afirmar que esta frase é verdadeira, pois, estaria incorrendo em contradição ao

105. Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºp Concl. 1ºp 1ºp 2ºp Concl.

P Q ¬ P ¬ Q P→→→→Q (P→→→→Q)∧∧∧∧P [(P→→→→Q)∧∧∧∧P]→→→→Q V V F F V V V V F F V F F V F V V F V F V F F V V V F V

106. Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºp Concl. 1ºp 1ºp 2ºp Concl.

P Q ¬ P ¬ Q P→→→→¬¬¬¬Q (P→→→→¬¬¬¬Q)∧∧∧∧ P [(P→→→→¬¬¬¬Q)∧∧∧∧ P]→→→→¬¬¬¬Q V V F F F F V V F F V V V V F V V F V F V F F V V V F V

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afirmar que é verdade que ele próprio não pode dizer que é verdade - quando diz que é

verdade.

Assim, podemos afirmar que o contraditório é fundado no fato de que o caráter

prescritivo do direito e da gramática não determinarem como os homens pensam ou

raciocinam de fato, mas, sim, como deveriam fazê-lo. Daí, buscarmos, não negar a relação

com a lógica, mas, sim, demonstramos a lógica por trás do que é prescritivo ou futuro

contingente - da invenção e da dedução como constitutivos da matéria ou do conteúdo

pertinente à racionalidade, ou seja, de uma lógica formal que, combinada com uma matéria

especial, se traduz na lógica de três ou de múltiplos valores de Jan Lukasiewicz.

4 UMA TEORIA SEMÂNTICA FUNDADA EM FORMALISMOS LÓGIC OS PARA UMA ANÁLISE LINGÜÍSTICA DAS REGRAS DE PREDICAÇÃO E INTERMEDIAÇÃO DE CONCEITOS JURÍDICOS

4.1 A identidade como função de dois lugares I(x, y) e os enunciados informativos de identidade: a análise dos Futuros Contingentes na perspectiva da referenciação semântica dos signos e conceitos jurídicos.

Na linha do positivismo jurídico, de caráter realista e anti-metafísico, Alf Ross assere

a operacionalização do discurso ou da linguagem jurídica como uma técnica de manipulação

de termos sem significado, ou seja:

... acredita que se um determinado tabu é violado – por exemplo, se um homem encontra-se com sua sogra, ou se mata um animal totêmico, ou se alguém ingere alimento preparado pelo chefe – surge o que é denominado TûTû. Os membros da tribo dizem, ademais, que quem comete a infração se investe de TûTû. É muito difícil explicar o que significa isso. Talvez o mais próximo de uma explicação seja dizer que é concebido como uma espécie de força ou estigma perigoso que recai sobre o culpado e ameaça toda a comunidade com o desastre. Por esse motivo, uma pessoa que esteja TûTû tem que ser submetida a uma cerimônia de purificação. Este relato interessante, mas não usual conduz-me às seguintes reflexões. É óbvio que a tribo Aisat-naf vive na mais obscura superstição. TûTû não é nada, supõe-se, ou uma palavra desprovida de qualquer significado. As situações anteriormente mencionadas de violação do tabu decerto dão origem a diversos efeitos naturais, tais como o sentimento de terror, porém, evidentemente, não são esses fenômenos, nem algum outro demonstrável, o que se designa com a expressão TûTû. O discurso acerca de TûTû é puramente destituído de sentido. Todavia, o que é notável, conforme o relato de Meugnin, é que parece que essa palavra, a despeito de sua carência de significado, possui uma função a ser

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cumprida na linguagem cotidiana do povo. Os enunciados que incluem a palavra TûTû se afiguram capazes de preencher as duas principais funções de toda linguagem: prescrever e descrever, ou, para ser mais explícito, expressar ordens ou regras e fazer afirmações sobre fatos.107 (ROSS. 1957. P. 812)

Alf Ross sintetiza em TûTû uma categorização simbólica correspondente a

significantes que, a despeito de estarem desprovidos de significados, abarcam as funções

básicas de toda linguagem, ou seja: a prescrição e/ou a descrição de um estado de coisas que,

sob a designação de referência semântica, se mostram dessemelhantes em razão da

dessemelhança de uma e outra função. Mais especificamente, se a afirmação de um estado de

coisas supostamente existente implica na verdade da assertiva, o mesmo não se pode dizer no

que diz respeito à prescrição, cujo estado de coisas não é predicado com a categoria de

existente, o que lhe garante, conseqüentemente, um desdobramento entre os futuros

contingentes. Segundo Alf Ross:

O estado de coisas ao qual uma frase se refere chama-se ‘referência semântica’. Pode ser definido, com maior precisão, como o estado de coisas que se relaciona de tal modo com a afirmação que, se supusermos que o primeiro efetivamente existe, então consideraremos ser verdadeira a segunda. A referência semântica de uma proposição dependerá dos usos lingüísticos que prevalecem na comunidade. De acordo com esses usos, um determinado estado de coisas é o estímulo para dizer ‘meu pai morreu’. Tal estado de coisas constitui a referência semântica do enunciado e pode ser estabelecido com total independência de qualquer idéia que se possa ter sobre a morte – por exemplo, que ao se produzir esta, a alma se separa do corpo. Por outro lado, se digo ao meu filho ‘feche a porta’, esta frase não é, claramente, a expressão de uma afirmação. Faz, é verdade, referência a um estado de coisas, porém de uma maneira totalmente diferente. Esse estado de coisas (o fato de que a porta seja fechada) não é indicado como algo que efetivamente exista, mas simplesmente é apresentado como uma diretriz para a conduta de meu filho. Diz-se que tais declarações são a expressão de uma prescrição.108 (ROSS. 1957. P. 813)

107 ... holds the belief that in the case of an infringement of certain taboos - for example, if a man encounters his mother-in-law, or if a totem animal is killed, or if someone has eaten of the food prepared for the chief - there arises what is called tû-tû. They also say that the person who committed the infringement has "become tû-tû". It is very difficult to explain what is meant by this. Perhaps the nearest one can get to an explanation is to say that tû-tû is conceived of as a kind of dangerous force or infection which attaches to the guilty person and threatens the whole community with disaster. For this reason a person who has become tû-tû must be subjected to a special ceremony of purification. This interesting but from unusual tale led me to the following reflections. It is obvious that the Noít-cit tribe dwells in a state of darkest superstition. Tû-tû is of course nothing at all, a word devoid of any meaning whatever. To be sure, the above situations of infringement of taboo give rise to various natural effects (such as a feeling of dread and terror), but obviously it is not these, any more than any other demonstrable phenomena, which are designated as tû-tû. The talk about "tû-tû" is pure nonsense. Nevertheless, and this is what is remarkable, from the accounts given by Mr. Ybodon it appears that this word, in spite of its lack of meaning, has a function to perform in the daily language of the people. The tû-tû pronouncements seem able to fulfill the two main functions of all language: to prescribe and to describe: or - to be more explicit - to express commands or rules and to make assertions about facts. (ROSS. 1957. P. 812) 108 The state of affairs to which a sentence refers is called its semantic reference. It can more precisely be defined as that state of affairs which is related to the assertion in such a way that if the state of affairs be assumed actually to exist, then the assertion is assumed to be true. What the semantic reference of a sentence is

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No entanto, não se pode justificar a separação da referida categorização simbólica,

correspondente a significantes, de uma determinada realidade ou qualidade que se possa

atribuir à TûTû, pois, como já dito, a refutação do princípio da não-contradição é fundada no

fato de que toda proposição lingüística, como a junção sujeito-predicado, é fundamento do

pensar, do falar e do conhecer, e oculta, como padrão característico de uma proposição, o

contingente como a presença de um estado-de-coisas ou como a primazia da pragmática na

determinação de todo esse processo, sem que haja a distinção de certo aspecto ou condição do

sujeito ou do predicado entre as proposições categóricas ou lingüísticas, ou seja, a

recursividade que demarca uma oração complexa − uma estrutura (uma oração) dentro de

outra estrutura da mesma classe (outra oração) − é a mesma em ambas as proposições em

relação de oposição. Mais especificamente, teríamos P (como um Universal Afirmativo sob a

condição x) e ¬P (como um Particular Negativo sob a condição x), sob idênticas condições,

podem ser verdadeiros ao mesmo tempo.

Se assim é, então, podemos asserir que, para a designação de referência semântica, é,

propriamente, não só um processo de significação, mas, mais precisamente, um processo de

produção de sentido como um duplo fenômeno correspondente ao fenômeno de significação e

ao fenômeno de valoração, cuja combinação é a base fundamental para a nominada referência

semântica apontada por Alf Ross.

Mas, é a partir da dessemelhança entre descrição e prescrição que implica,

inicialmente, considerar um estado de coisas supostamente existente e/ou não existente − a

dessemelhança entre o fenômeno de significação e o fenômeno da valoração é uma questão

aporética.

Para tanto, Saussure, que é precursor de um esquema teórico que constitui a base de

outras teorias atuais de semântica, afirma que o signo é o elemento fundamental para a

comunicação. Num dado exemplo, percebemos que a visão de um livro evoca, no falante, a

imagem visual ou o conceito. Esse, por sua vez, evoca a imagem acústica da palavra por

will depend upon the linguistic usage prevailing in the community. According to these usages a certain definite state of affairs is the stimulus to saying ´My father is dead`. This state of affairs constitutes the semantic reference of the pronouncement and can be established quite independently of any ideas the speaker may possibly have concerning death - for example, that the soul a death departs from the body. On the other hand, if I say to my son ´Shut the door`, this sentence is clearly not the expression of any assertion. True, it has sentence to a state of affairs, but in a quite different way. This state of affairs (´the door`s being shut`) is not indicated as actually existing, but is presented as a guide for my son`s behavior. Such pronouncements are said to be the expression of a prescription. (ROSS. 1957. P. 813)

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associação. Inversamente, para o ouvinte, o som chegando provoca uma imagem acústica

seguida de imagem visual e/ou conceitual. Para Saussure o signo é uma imagem composta de

uma imagem acústica e um conceito, ou seja, respectivamente, significante e significado. Ou

seja, segundo Saussure, se entendemos por signo o total resultante da associação de um

significante com um significado, podemos dizer mais simplesmente: o signo lingüístico é

arbitrário. (SAUSSURE. 2004. p. 80-84 e 133):

Conceito Significado (So) Signo = Signo = Imagem Acústica Significante (Se)

O significante corresponde à materialização do signo, como os sons, na língua falada,

e as letras, na língua escrita. O significado, por sua vez, é o correspondente à imaterialização

ou abstração do signo, ou seja, é o conceito transmitido pelos sons ou letras. A significação é

a mediação de significante e significado, uma relação que se estabelece no interior do signo.

Para Saussure, tanto quanto para Alf Ross, a significação é o processo mais elementar para a

produção de sentido, ou seja, o processo significação é o processo mais elementar na

composição do duplo fenômeno correspondente ao fenômeno de significação e fenômeno de

valoração109, cuja combinação resulta no processo de produção de sentido ou referência

semântica. Ou seja:

SIGNIFICADO (conceito para um significante) Relação mediada pela SIGNIFICAÇÃO . (função) SIGNIFICANTE REFERENTE (representação material do signo) (estado de coisas) (Imagem auditiva)

109 O processo de valoração decorre de uma racionalidade lógico-dedutiva, em que um valor figura como elemento de conexão.

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152

(+)

SENTIDO

A coisa significada, como o mundo, o sujeito, a história etc., é objeto de análise em

Sentido e referência, de Gottlob Frege. Para ele o sinal (um equivalente a signo) aponta uma

referência ou o estado de coisas que é designado pelo significado, mas essa conexão entre o

significado e a coisa designada decorre da arbitrariedade ou volição, ou seja: ninguém pode

ser impedido de empregar qualquer evento ou objeto arbitrariamente produzidos como um

sinal para qualquer coisa, mas, se essa conexão pode sofrer alteração em razão da volição do

falante, então, um sentido nunca assegura sua referência (FREGE. 1978. p. 62-63).

Frege definia o signo como uma abstração do objeto, mas não o objeto em si mesmo,

ou seja, o referente, como a coisa ou o objeto existente. Essa representação acarreta a noção

de sujeito a partir da relação que é dada entre linguagem e realidade. No entanto, se a

linguagem se torna um processo de falseamento da realidade, o sentido de um signo que

denota um objeto real é, em verdade, o simulacro desse objeto, pois, se o significado é o

conceito para o significante no processo de referência ou significação, o signo é uma coisa

que está no lugar de outra ou por outra, de modo que a referida significação ou referência,

como o processo mais elementar para a produção de sentido (Saussure), é a medida ou a

relação mediada entre significante e significado. Assim, podemos entender que, para Frege, a

dessemelhança entre sentido e referência é correspondente por aproximação, respectivamente,

à dessemelhança entre processo de significação e processo de produção de sentido, ou seja, só

o processo de produção de sentido implica o fenômeno de significação e valoração.

Segundo Benveniste, entre o significante e o significado, o laço não é arbitrário; pelo

contrário, é necessário (BENVENISTE. 2005. p. 55) e o fenômeno da significação ou

processo de significação, resultante da implicação ou composição do significante com o

significado, não pode ser confundido com o próprio signo. Nesse sentido, Saussure afirma

que: Esses dois elementos estão intimamente unidos e um reclama o outro. (SAUSSURE.

2004. p. 80). E, ainda, segundo Benveniste, o sentido de uma palavra é seu emprego e o

referente é o objeto particular a que a palavra corresponde no caso concreto da

circunstância ou do uso. E, sobre essa dessemelhança, adverte: é desta confusão

extremamente freqüente entre sentido e referência, ou entre referente e signo, que nascem

VALORAÇÃO

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tantas discussões vãs sobre o que se chama o princípio da arbitrariedade do signo.

(BENVENISTE. 1989. p. 231)

Mais do que uma relação mediada entre significante e significado, a significação é

medida em um princípio contratual e coletivo, inscrito numa temporalidade longa. Mais

especificamente, segundo Roland Barthes,

... o que é arbitrário é a relação entre o significante e a coisa significada (entre o som boi e o animal boi); mas, já o vimos, para o próprio Saussure, o significado não é a coisa e sim a representação psíquica da coisa (conceito); a associação entre o som e a representação psíquica é o fruto de uma preparação coletiva (por exemplo, da aprendizagem da língua francesa); esta associação - que é a significação - não é absolutamente arbitrária (francês algum tem liberdade para modificá-la), mas, muito ao contrário, necessária. (BARTHES. 2003. P. 53)

Assim como necessária é a coletividade que estabelece os valores, cuja única razão de

ser está no uso e no consenso geral: o indivíduo, por si só, é incapaz de fixar um que seja.

(SAUSSURE. 2004. p. 132). E, assim, a arbitrariedade do signo nos faz compreender melhor

por que o fato social pode, por si só, criar um sistema lingüístico. e

a idéia de valor, assim determinada, nos mostra que é uma grande ilusão considerar um termo simplesmente como a união de certo som com um certo conceito. Defini-lo assim seria isolá-lo do sistema do qual faz parte; seria acreditar que é possível começar pelos termos e construir o sistema fazendo a soma deles, quando, pelo contrário, cumpre partir da totalidade solidária para obter, por análise, os elementos que encerra. (SAUSSURE. 2004. p. 132)

Para explicar o fenômeno de significação e o fenômeno de valoração, Saussure recorre

à imagem de uma folha de papel, ou seja:

A língua é também comparável a uma folha de papel: o pensamento é o anverso e o som o verso; não se pode cortar um sem cortar, ao mesmo tempo, o outro; assim tampouco, na língua, se poderia isolar o som do pensamento, ou o pensamento do som; (SAUSSURE. 2004. p. 131)

Mais especificamente, Saussure, recortando a folha em diversos pedaços a1, a2, a3 e an,

assere que cada pedaço tem um valor em relação ao outro e, por outro lado, se a folha de

papel tem um anverso e um verso, cada pedaço a1-a1`, a2-a2`, a3-a3` e an-an` dão ao fenômeno

ou processo de significação o caráter de ser a medida entre significante (anverso) e

significado (verso), como representado no gráfico abaixo:

(a1-a1`, a2-a2`, a3-a3` e an-an`):

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Significado (So)

Signo Significação Significante (Se) (a1, a2, a3 e an):

Mas, se considerarmos que o conceito nos aparece como a contraparte da imagem

auditiva no interior do signo ao tempo em que este mesmo signo, isto é, a relação que une

seus dois elementos, é também, e de igual modo, a contraparte dos outros signos da língua,

então, podemos conceber um princípio que, embora paradoxal, corresponde ao fato de que a

língua é um sistema em que todos os termos são solidários e o valor de um resulta tão-

somente da presença simultânea de outros (SAUSSURE. 2004. p. 131), como na

representação das flechas horizontais no gráfico acima. Deste modo, o valor não se confunde

com a significação e, mais especificamente, com a contraparte da imagem auditiva, ou seja,

com o significado.

No entanto, se o valor, como fenômeno de valoração, é necessariamente constituído

por um estado-de-coisas dessemelhante e suscetível de ser trocado por outro cujo valor resta

determinar, concomitantemente, um estado-de-coisas semelhante que se pode comparar com

aquele cujo valor está em causa, então, nos deparamos, primeiro, com um problema que

corresponde ao fato de que Tû-Tû é um termo sem significação e, segundo, com o problema

dos futuros contingentes na dessemelhança entre descrição e prescrição que implica

considerarmos, respectivamente, um estado de coisas supostamente existente e um estado de

coisas não existente.

Alf Ross, no que concerne a referência semântica, assere que

Ainda que a palavra TûTû em si mesma careça de qualquer significação, os enunciados nos quais aparece não são formulados casualmente. Como outros enunciados de afirmação, são promovidos, em conformidade com os costumes lingüísticos predominantes, por estados de coisas perfeitamente definidos. Isso explica por que enunciados que incluem a palavra TûTû possuem referência semântica, ainda que a palavra careça de sentido. O enunciado afirmativo N.N. está

Significado (So)

Significante (Se)

Significado (So)

Significante (Se)

Significado (So)

Significante (Se)

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155

TûTû dá-se claramente em conexão semântica definida com uma situação complexa...110 (ROSS. 1957. P. 814)

Ou seja, a designação de referência semântica corresponde a um processo de produção

de sentido como um duplo fenômeno correspondente ao fenômeno de significação e

fenômeno de valoração, cuja combinação é a base fundamental para a nominada referência

semântica apontada por Alf Ross. Nesse referido processo, Tû-Tû, como dispositivo de

sentido, é o termo para o qual se constrói a significação a partir do processo de valoração, na

perspectiva do princípio paradoxal de Saussure, como podemos observar no gráfico abaixo:

Fato TûTû ( Linguagem descritiva)

TûTû Dever Ser (Linguagem prescritiva)

Fato Dever Ser (Linguagem prescritiva)

Se considerarmos fenômeno de valoração que é necessariamente constituído por um

estado-de-coisas dessemelhante e suscetível de ser trocado por outro cujo valor resta

determinar, concomitantemente, um estado-de-coisas semelhante que se pode comparar com

aquele cujo valor está em causa, ou seja, um sistema em que todos os termos são solidários e

o valor de um resulta tão-somente da presença simultânea de outros (SAUSSURE. 2004. p.

131), então, a sentença que combina o fato mais o dever ser, na conclusão acima, é a

referência semântica para o termo Tû-Tû. Assim, o conceito de valor é, antes de tudo, um

conceito sistêmico, que implica solidariedade entre diversos elementos, e é a comparação

entre coisas semelhantes, que implica a troca de coisas dessemelhantes. Assim Tû-Tû é o

semelhante, ao passo que o fato e o dever ser são o dessemelhante.

Mas, no que concerne ao problema dos futuros contingentes na dessemelhança entre

descrição e prescrição que implica considerarmos, respectivamente, um estado de coisas

supostamente existente e um estado de coisas não existente, Tû-Tû é o termo designativo do

estado-de-coisas não existente, pois, ainda não tem significação, embora tenha referência

semântica decorrente do fenômeno de valoração que lhe garante a produção de sentido.

110 Although the word tû-tû in itself has no meaning whatever, yet the pronouncements in which this word occurs are not made in a haphazard fashion. Like other pronouncements of assertion they are stimulated in conformity with the prevailing linguistic customs by quite definite states of affairs. This explains why the tû-tû pronouncements do have semantic reference although the word is meaningless. The pronouncements of the assertion N.N. is tû-tû clearly occurs in definite semantic connection with a complex situation ...

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Deste modo, podemos observar que a produção de sentido é mais que uma correlação

entre significante e significado, é um duplo fenômeno, um de significação e outro de

valoração como parte daquele. Podemos dizer, ainda, que a necessidade que é intrínseca ao

princípio paradoxal atribuído ao processo de valoração, não é extensiva à combinação da

significação com a valoração para o processo de produção de sentido.

Mas, se a palavra Tû-Tû é incluída tanto nas proposições (declarações) ou nos

enunciados que, por fazerem afirmações sobre fatos, são descritivos da realidade, quanto nas

sentenças que, por expressarem ordens ou regras, são prescritivas de uma conseqüência,

obtemos um estrutura correspondente ao sistema lógico-dedutivo, como demonstrado no

gráfico acima. E assim, se considerarmos somente a estrutura correspondente ao sistema

lógico-dedutivo, temos o preenchimento das funções de um raciocínio tipicamente sistemático

característico do Positivismo Jurídico, axiomático e autônomo. Alf Ross, no que concerne a

prescrição, ressalta que naquela determinada tribo

são empregados, entre outros, os seguintes enunciados: (1) Se uma pessoa ingeriu alimento do chefe, então está “TûTû”. (2) Se uma pessoa está “TûTû”, deverá ser submetida a uma cerimônia de purificação. Ora, é patente que com total independência do que represente “TûTû”, ou ainda que não represente absoltamente nada, esses dois enunciados, quando se ajustam as regras usuais da lógica, exprimem exatamente o mesmo que o seguinte enunciado: (3) Se uma pessoa ingeriu alimento do chefe, deverá ser submetido a uma cerimônia de purificação. Esta proposição é notoriamente um enunciado prescritivo, cheio de significado, sem o menor indício de misticismo. O resultado não é de surpreender, pois se deve simplesmente ao fato de que estamos usando aqui uma técnica de expressão do mesmo tipo que essa: ‘Quando X é igual a Y e Y é igual a Z, então X é igual a Z, proposição que é válida não importando o que represente Y, ou mesmo quando não represente absolutamente nada..111 (ROSS. 1957. P. 814)

E, no que concerne à descrição, Alf Ross ressalta que

Ainda que a palavra “TûTû” em si mesma careça de qualquer significação, os enunciados nos quais aparece não são formulados casualmente. Como outros enunciados de afirmação, são promovidos, em conformidade com os costumes lingüísticos predominantes, por estados de coisas perfeitamente definidos. Isso

111 ... are in use, among others, the following two pronouncements: 1. If a person has eaten of the chief`s food he is tû-tû. 2. If a person is tû-tû, he shall be subjected to a ceremony of purification. Now it is plain that quite apart from what ´tû-tû` stands for, or even whether is stands for anything at all, these two pronouncements, when combined in accordance with the usual rules of logic, will amount to the same thing as the following pronouncement: 3. If a person has eaten of the chief´s food he shall be subjected to a ceremony of purification, which obviously is a completely meaningful prescription pronouncement, without the slightest trace of mysticism. This result is not really surprising, for it is simply due to the fact that we are here using a technique of expression of the same kind as this: ´When x=y and y=z, then x=z` a proposition which holds good whatever ´y` stands for, or even if it stands for nothing at all. (ROSS. 1957. P. 814)

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explica por que enunciados que incluem a palavra “TûTû” possuem referência semântica, ainda que a palavra careça de sentido.

112 (ROSS. 1957. P. 814)

Ou seja, o termo Tû-Tû não tem significação ou mesmo sentido em si mesmo, salvo

em uma sentença em que todos os termos são solidários e o valor de um decorre da presença

simultânea de outros. E, em razão disso, uma sentença, como a junção sujeito-predicado, que

é fundamento do pensar, do falar e do conhecer, oculta o contingente, seja como a presença de

um estado-de-coisas, seja como a primazia da pragmática na determinação de todo esse

processo.

Para demonstrar essa relação a partir da dessemelhança entre uma sentença descritiva

e uma sentença prescritiva, Alf Ross propõe considerarmos a referência semântica atribuída a

Tû-Tû em uma situação complexa, afirmando que:

O enunciado afirmativo ‘N.N. está TûTû’ dá-se claramente em conexão semântica definida com uma situação complexa, em que podem distinguir-se duas partes: (1) O estado de coisas que consiste em que N.N. tenha ingerido alimento do chefe - ou matado um animal totêmico, ou encontrado com sua sogra etc. (doravante será chamado por nós de ´Fato 1`). (2) O estado de coisas que consiste em que a norma válida que obriga à cerimônia de purificação seja aplicável a N.N., ou, expresso com mais precisão, o estado de coisas que consiste em que, caso N.N. não se submeta à cerimônia, estará, muito provavelmente, exposto a uma dada reação por parte da comunidade (doravante chamaremos de ´Fato 2`). Dada a existência destes dois estados de coisa, o enunciado de que N.N. está ´tû-tû` é considerado verdadeiro. Dessa forma, a combinação dos dois estados é, em virtude da definição, a referência semântica do enunciado.

113 (ROSS. 1957. P. 815)

e que correspondente à análise do silogismo apontado acima, ou seja:

Fato TûTû

112 Although the word tû-tû in itself has no meaning whatever, yet the pronouncements in which this word occurs are not made in a haphazard fashion. Like other pronouncements of assertion they are stimulated in conformity with the prevailing linguistic customs by quite definite states of affairs. This explains why the tû-tû pronouncements do have semantic reference although the word is meaningless. (ROSS. 1957. P. 814) 113 The pronouncements of the assertion ´N.N. is tû-tû` clearly occurs in definite semantic connection with a complex situation in which two parts can be distinguished: (1) The state of affairs in which N.N. has either eaten of the chief`s food or has killed a totem animal or has encountered his mother-in-law, etc. (Hereafter called ´state of affairs 1`); (2) The state of affairs in which the valid norm which requires ceremonial purification is applicable to N.N., which may more precisely be paraphrased as that state of affairs in which if N.N. does not submit himself to this ceremony he will in all probability be exposed to a given reaction on the part of the community (Hereafter called ´state of affairs 2`). Given the existence of this twofold state of affairs, the pronouncement that N.N. is tû-tû will be assumed to be true, and thus it is this state of affairs which in consequence of the given definition is the semantic reference of the pronouncement. (ROSS. 1957. P. 815)

Se uma pessoa ingeriu alimento do chefe, então está tû-tû. PRIMEIRA PREMISSA

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TûTû Dever Ser

Fato Dever Ser

Mais especificamente, Alf Ross aborda essa questão afirmando que:

Somente ao juízo ‘N.N. está tû-tû, tomado em seu conjunto, pode-se atribuir referência semântica. Porém, não se pode separar desta referência uma certa realidade ou qualidade que possa ser atribuída a N.N. e que corresponda à palavra “TûTû”. Portanto, qualquer tentativa de atribuir à palavra tû-tû uma referência semântica independente, em proposições como as que se seguem, está fadada ao fracasso: 1. Se uma pessoa ingeriu a comida do chefe, então está "tû-tû". 2. Se uma pessoa está "tû-tû", deverá ser submetida a uma cerimônia de purificação.114 (ROSS. 1957. P. 815)

E assim, considerada a situação complexa, correspondente à impossibilidade de se

atribuir referência semântica ao termo Tû-Tû tomado em si mesmo ou fora do conjunto

representado pelas sentenças correspondentes à primeira e segunda premissa do silogismo

categórico acima, é necessário que consideremos o princípio de que Tû-Tû, ínsito tanto na

sentença declarativa quanto na sentença prescritiva, está condicionado ou dependente dos

pressupostos fáticos de uma e outra premissa. E para uma demonstração da referida situação

complexa, Alf Ross propõe que na proposição de número 1, acima grifada, substitua-se o

termo Tû-Tû pelo fato de número 2, acima também grifado; e na proposição de número 2,

acima grifada, substitua-se o termo Tû-Tû pelo fato de número 1, acima também grifado. Ou

seja:

P1 (Tû-Tû = F2) P1 →→→→ F2

114 It is only the statement ´N.N. is tû-tû` to which taken in its entirety semantic reference can be ascribed. But this reference is not of such a kind that in it there can be distinguished a certain reality or quality which can be ascribed to N.N. and which corresponds to the word ´tû-tû`. (...) Thus any attempt to ascribe to the word tû-tû an independent semantic reference is doomed to failure in propositions like the following: 1. If a person has eaten of the chief`s food he is tû-tû. 2. If a person is tû-tû he shall be subjected to a ceremony of purification. (ROSS. 1957. P. 815)

Se uma pessoa está tû-tû, deverá ser submetida a uma cerimônia de purificação. SEGUNDA PREMISSA

Se uma pessoa ingeriu alimento do chefe, deverá ser submetido a uma cerimônia de purificação. CONCLUSÃO

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Premissa maior P1 − Se uma pessoa ingeriu alimento do chefe, então está Tû-Tû.

Tû-Tû F2 − O estado de coisas que consiste em que a norma válida que obriga

à cerimônia de purificação seja aplicável a N.N., ou, expresso com mais precisão, o estado de coisas que consiste em que, caso N.N. não se submeta à cerimônia, estará, muito provavelmente, exposto a uma dada reação por parte da comunidade.

Operação Substituindo Tû-Tû por F2 em P1 teremos a seguinte sentença ou

conclusão correspondente à referência semântica ou processo de produção de sentido.

Conclusão P1 →→→→ F2 − Se uma pessoa ingeriu alimento do chefe, então deverá ser

submetida a uma cerimônia de purificação. P2 (Tû-Tû = F1) P2 →→→→ F1

Premissa menor P2 − Se uma pessoa está Tû-Tû, deverá ser submetida a uma cerimônia

de purificação.

Tû-Tû F1 − O estado de coisas que consiste em que N.N. tenha ingerido alimento do chefe - ou matado um animal totêmico, ou encontrado com sua sogra etc.

Operação Substituindo Tû-Tû por F1 em P2 teremos a seguinte sentença ou

conclusão correspondente a referência semântica ou processo de produção de sentido.

Conclusão P2 →→→→ F1 − Se uma pessoa ingeriu alimento do chefe, então deverá ser

submetida a uma cerimônia de purificação.

Na demonstração da referida situação complexa, podemos observar que Tû-Tû cumpre

a sua função conectiva na medida em que temos a mesma conclusão, ou seja, substituindo Tû-

Tû, em P1, pela prescrição correspondente a F2, e, em P2, pelo fato correspondente a F1,

teremos a equivalência entre P1 →→→→ F2 (Se uma pessoa ingeriu alimento do chefe, então deverá

ser submetida a uma cerimônia de purificação.) e P2 →→→→ F1 (Se uma pessoa ingeriu alimento

do chefe, então deverá ser submetida a uma cerimônia de purificação.).

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No entanto, qualquer tentativa de atribuir à palavra Tû-Tû uma referência semântica

independente, contrário ao silogismo categórico acima apresentado ou como um processo de

significação, estará fadada à redundância e, conseqüentemente, ao fracasso, como podemos

observar substituindo Tû-Tû, em P1, pelo fato correspondente a F1, e, em P2, pela prescrição

correspondente a F2, ou seja:

P1 (Tû-Tû = F1) P1 →→→→ F1 Premissa maior P1 − Se uma pessoa ingeriu alimento do chefe, então está Tû-Tû.

Tû-Tû F1 − O estado de coisas que consiste em que N.N. tenha ingerido

alimento do chefe - ou matado um animal totêmico, ou encontrado com sua sogra etc.

Operação Substituindo Tû-Tû por F1 em P1 teremos a seguinte sentença ou

conclusão que não é correspondente a referência semântica ou processo de produção de sentido. A relação é de redundância.

Conclusão P1 →→→→ F1 − Se uma pessoa ingeriu alimento do chefe, então uma pessoa

ingeriu alimento do chefe. P2 (Tû-Tû = F2) P2 →→→→ F2 Premissa maior P2 − Se uma pessoa está Tû-Tû, deverá ser submetida a uma cerimônia

de purificação.

Tû-Tû F2 − O estado de coisas que consiste em que a norma válida que obriga à cerimônia de purificação seja aplicável a N.N., ou, expresso com mais precisão, o estado de coisas que consiste em que, caso N.N. não se submeta à cerimônia, estará, muito provavelmente, exposto a uma dada reação por parte da comunidade.

Operação Substituindo Tû-Tû por F2 em P2 teremos a seguinte sentença ou

conclusão que não é correspondente a referência semântica ou processo de produção de sentido. A relação é de redundância.

Conclusão P2 →→→→ F2 − Se uma pessoa deverá ser submetida a uma cerimônia de

purificação, então deverá ser submetida a uma cerimônia de purificação.

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Como podemos observar que, substituindo Tû-Tû, em P1, pelo fato correspondente a

F1, e, em P2, pela prescrição correspondente a F2, de duas premissas idênticas não podemos

concluir nada, ou seja, a relação é de redundância e não é correspondente à referência

semântica ou processo de produção de sentido..

Para Alf Ross,

esta solução é inadmissível, porque as duas proposições constituem as premissas maior e menor para a conclusão de que uma pessoa que ingeriu alimento do chefe deve ser submetido a uma cerimônia de purificação. A palavra tû-tû, conseqüentemente, se significar algo, terá que significar o mesmo em ambas.115 (ROSS. 1957. P. 818)

Nesta perspectiva, Alf Ross busca demonstrar que, na linguagem jurídica, o uso das

palavras propriedade, crédito e outras expressões como direito subjetivo e direito objetivo são

similares ao termo Tû-Tû, descrevendo a operacionalização do discurso jurídico como uma

técnica de manipulação de palavras sem significado, sem referência semântica, entre fatos

condicionantes e conseqüências condicionadas. E, nesse sentido, a regra da substituição do

definiens pelo definiendum116, como base fundamental da consistência do cálculo em lógica

formal, não prevalece para a inteligibilidade do termo Tû-Tû, embora a tenhamos como base

fundamental para a lógica de múltiplos valores.

O silogismo proposto por Alf Ross para a inteligibilidade da referência semântica que

é atribuída a Tû-Tû em uma situação complexa tem por objetivo propiciar um esquema geral

para os casos concretos ou exemplos específicos que desenvolvemos no capítulo anterior.

Para o primeiro problema, podemos observar, no que concerne à criação e aplicação de

uma norma, o seguinte desenvolvimento:

Criação da Norma Jurídica

Sujeito Predicado Premissa/Conclusão

Fato TûTû (pratica

um ato de enajenación)

[Todo homem que] deixar de cumprir as promessas que faz <pratica um ato de enajenación>. PRIMEIRA PREMISSA

TûTû (pratica um ato de

Dever Ser <Quem pratica um ato de enajenación> [deve ser] condenado à exclusão. SEGUNDA PREMISSA

115 this solution is inadmissible, because the two propositions constitute the major and minor premises for the conclusion that a person who has eaten of the chief`s food shall be subjected to a ceremony of purification. The word tû-tû, therefore, if it means anything at all, must mean the same thing in both of them. (ROSS. 1957. P. 818) 116 A regra da substituição nos permite substituir, em qualquer tese, o significado pelo significante.

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enajenación)

Fato Dever Ser Logo, [Todo homem que] deixar de cumprir as promessas que faz [deve ser] condenado à exclusão. CONCLUSÃO

Aplicação da Norma Jurídica que é referência semântica para o termo <pratica um ato de

enajenación>.

1º premissa: [Todo homem que] deixar de cumprir as promessas que faz [deve ser] condenado à exclusão.

∀∀∀∀x Px →→→→ Qx

2º premissa: José, [por não ter condições financeiras ou psicológica em decorrência de fato alheio a sua vontade], deixou de cumprir as promessas que fez.

PJosé

Conclusão: Logo, José [deve ser] condenado à exclusão. QJosé

Para o segundo problema, podemos observar, no que concerne à criação e aplicação de

uma norma, o seguinte desenvolvimento:

Criação da Norma Jurídica

Sujeito Predicado Premissa/Conclusão

Fato TûTû (furta) [Todo homem que] subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel <furta>. PRIMEIRA PREMISSA

TûTû (furta) Dever Ser <Quem furta> [deve ser] penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. SEGUNDA PREMISSA

Fato Dever Ser

Logo, [Todo homem que] subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel [deve ser] penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (art. 155 do Código Penal Brasileiro) CONCLUSÃO

Aplicação da Norma Jurídica que é referência semântica para o termo <furto>

1º premissa: [Todo homem que] subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel [deve ser] penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (art. 155 do Código Penal Brasileiro)

∀∀∀∀x Px →→→→ Qx

2º premissa: José subtraiu, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.

PJosé

Conclusão: Logo, José [deve ser] penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

QJosé

Para o terceiro problema, podemos observar, no que concerne à criação e aplicação de

uma norma, o seguinte desenvolvimento:

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Criação da Norma Jurídica

Sujeito Predicado Premissa/Conclusão

Fato TûTû (trafica) [Todo homem que] realizar atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância <trafica>. PRIMEIRA PREMISSA

TûTû (trafica) Dever Ser

<Quem trafica> [deve ser] punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a) 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol). SEGUNDA PREMISSA

Fato Dever Ser

Logo, [Todo homem que] realizar atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância [deve ser] punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a. 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol). CONCLUSÃO

Aplicação da Norma Jurídica que é referência semântica para o termo <tráfico>

1º premissa: [Todo homem que] realizar atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância [deve ser] punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a. 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol).

∀∀∀∀x Px →→→→ Qx

2º premissa: B realiza atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória importância

PB

Conclusão: Logo, B [deve ser] punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a. 3º do Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol).

QB

Para o quarto problema, podemos observar no que concerne à criação e aplicação de

uma norma o seguinte desenvolvimento:

Criação da Norma Jurídica

Sujeito Predicado Premissa/Conclusão

Fato TûTû (comete

homicídio) [Todo homem que] matar alguém <comete homicídio>. PRIMEIRA PREMISSA

TûTû (comete homicídio) Dever Ser

<Quem comete homicídio> [deve ser] condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Art. 121 do Código Penal Brasileiro.SEGUNDA PREMISSA

Fato Dever Ser Logo, [Todo homem que] matar alguém [deve ser] condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Art.

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121 do Código Penal Brasileiro. CONCLUSÃO

Aplicação da Norma Jurídica que é referência semântica para o termo <comete homicídio>

1º premissa: [Todo homem que] matar alguém [deve ser] condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Art. 121 do Código Penal Brasileiro.

∀∀∀∀x Px →→→→ Qx

2º premissa: Meugnin matou Sodot. PMeugnim

Conclusão: Logo, Meugnin [deve ser] condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Art. 121 do Código Penal Brasileiro.

QMeugnim

O raciocínio lógico dedutivo para a aplicação da norma jurídica, correspondente à

subsunção e próprio de uma perspectiva do positivismo ou positivismo jurídico, implica na

redução de toda a complexidade fática à norma, ou seja, no enquadramento do tipo temos a

negação de todos os outros elementos que compõem descritivamente o fato. Nesse sentido, se

pode inferir que [(Px → Qx) e PJosé/B/Meugnim]→ QJosé/B/Meugnim, mas, não se pode inferir

logicamente que [(Px → Qx) e QJosé/B/Meugnim]→ PJosé/B/Meugnim em razão da relativização

pertinente à condição P, ou seja, ainda que essa condição seja considerada na conclusão, ela

não deixa de ser relativa ou de caráter hipotético. Mais especificamente, no que concerne ao

modus ponens: a primeira dedução é possível porque se está inferido o conseqüente; a

segunda dedução não é possível por se tratar de uma inferência do antecendente que nem

sempre é válida.

E, conseqüentemente, explicar o processo de produção de sentido, como um só

fenômeno que implica a significação e a valoração, semelhante ou dessemelhante à

determinação dos valores de verdade (verdadeiro ou falso) que nas proposições ou sentenças

descritivas, em que pese presença do pressuposto existencial relativo ao referente, não se dá

por um critério lógico, mas, sim, por uma observação empírica; e que nas sentenças

prescritivas, ou meramente não-constatativas, a determinação do valor de verdade se justifica

em um critério lógico-ontológico, de caráter a priori (independente de qualquer experiência) e

necessário (tem que ser ele verdadeiro, independentemente de quaisquer condições empíricas

relativas à pessoa ou ao objeto, aos fatos condicionantes e conseqüências condicionadas), é

uma questão aporética que remonta a determinação do contingente como necessidade por

hipótese oposta à necessidade por simplificação.

Embora já perquerido um ou outro aspecto relativo aos enunciados não-constatativos e

ao pressuposto existencial relativo ao termo sujeito, retomo o tema buscando aprofundar,

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ainda mais, em determinados aspectos, para uma abordagem mais complexa e detalhada do

termo Tû-Tû de Alf Ross. Assim, dado o desenvolvimento inicial a partir dos futuros

contingentes e da dicotomia entre necessidade por simplificação e necessidade por hipótese,

Aristóteles, em "categorias", afirma que para o par de proposições:

p Sócrates está doente. q Sócrates está bem de saúde.

os valores de verdade que podem ser atribuídos a p e q dependem de um pressuposto

existencial quanto ao sujeito e têm sua validade restrita a um par de proposições afirmativas

cujos predicados são mutuamente excludentes, mas não exaustivos117. Assim, se

considerarmos a existência do sujeito, a proposição p ou q tem de ser verdadeira e a outra tem

de ser falsa. Mas, se considerarmos que o sujeito não existe, as proposições p e q têm que ser

falsas. No entanto, as proposições

r Sócrates está em Atenas. s Sócrates está em Tebas.

que não podem ser, ambas, verdadeiras, podem ser falsas, pois, os predicados são mutuamente

excludentes, mas não exaustivos. Segundo Aristóteles, em categorias:

Se, sem dúvida, Sócrates existe, uma será verdadeira e outra falsa, mas, se não existe, ambas serão falsas, pois nem a expressão Sócrates está doente, nem a expressão Sócrates está bom, são verdadeiras, se Sócrates não existir. Quanto à privação e à possessão, se o sujeito não existir, nem uma nem outra são verdadeiras; e se o sujeito existe, nem sempre acontece que uma seja verdadeira e a outra falsa. Na verdade, a expressão Sócrates vê é oposta a Sócrates é cego, enquanto possessão e privação; se Sócrates existe, não é necessário que uma destas expressões seja verdadeira e a outra falsa, pois, se Sócrates ainda não for naturalmente capaz de ver, ambas as proposições são falsas; e se Sócrates não existe, ambas as expressões são igualmente falsas, isto é, a de que vê e a de que é cego. (ARISTÓTELES. 1985. p. 90)

Já, quanto a uma proposição afirmativa e outra negativa, ainda que os predicados

sejam mutuamente excludentes e exaustivos118, os valores de verdade não são os mesmos de p

e q. Para o par de proposições:

117 A partir da teoria dos conjuntos, significa que não estão em distribuição complementar. 118 Significa que estão em distribuição complementar.

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p Sócrates está doente. p' Sócrates não está doente.

se considerarmos o pressuposto existencial relativo ao termo sujeito, diferente de p e q, p e p'

não podem ser falsas a um só tempo, pois, se o sujeito existe ou não existe, uma teria que ser

verdadeira e a outra falsa, como demonstrado no esquema abaixo:

p Sócrates está doente. q Sócrates está bem de saúde. Proposições preliminares p' Sócrates não está doente. Primeira condição Segunda condição que Sócrates existe que Sócrates não existe119 p V p* F critério empírico q F q* F p' F p'* V critério lógico-formal-semântico

critério lógico-formal

(ou)

Primeira condição Segunda condição que Sócrates existe que Sócrates não existe p F p* F critério empírico q V q* F p' V p'* V critério lógico-formal-semântico

critério lógico-formal

A determinação dos valores de verdade para as proposições indicadas acima e à

esquerda ou sob a primeira condição, para p, q e p', se justifica em um critério lógico-formal

combinado com o pressuposto existencial relativo ao termo sujeito, ou seja, que Sócrates

119 Assinalamos a negação ou ausência do pressuposto existencial relativo ao termo sujeito com a indicação de um asterisco "*" em p, q e p'.

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existe é um critério que implica a existência de um objeto que pode ser predicada

afirmativamente ou negativamente. Entretanto, a determinação dos valores de verdade para as

proposições p*, q* indicadas acima e à direita ou sob a segunda condição se faz por um

critério empírico, o que torna as proposições falsas, em razão da inexistência material de

Sócrates; no caso de p'* se justifica como verdadeira com base em um critério lógico-formal e

em razão do valor atribuído a p*. O critério lógico-formal consiste no segundo e terceiro

axiomas ou princípios da lógica aristotélica, ou seja, no princípio do terceiro excluído, de

acordo com o qual uma proposição tem que ser verdadeira ou falsa, ou seja, não pode ser

concomitantemente verdadeira e falsa ou não verdadeira e não falsa a um só tempo, e o

princípio da não contradição, de acordo com o qual duas proposições em uma relação de

oposição contraditória não poderem ser, a um só tempo, verdadeira ou falsa.

A determinação dos valores de verdade para as proposições p*, q* e p'* apresenta um

caráter a priori, dependente ou baseado na experiência, embora necessário, ou seja, se

Sócrates não existe, dizer que Sócrates está doente ou Sócrates está bem de saúde tem de ser

falso, mas, dizer que Sócrates não está doente tem de ser verdadeiro, independentemente de

quaisquer condições de observação empírica relativas a não existência de Sócrates. Assim,

quando negado ou ausente o pressuposto existencial relativo ao termo do sujeito, podemos

afirmar que a proposição negativa p'* ou "Sócrates não está doente" é tomada como uma

proposição verdadeira, pois, p'* ou "Sócrates não está doente" subsiste verdadeira em uma

perspectiva ou critério lógico-formal-semântico quando Sócrates não existe.

Isto é, a presença de uma descrição definida ou de um nome próprio em uma asserção

pressupõe, em princípio, a existência do objeto co-referenciado. Em outros termos, a ausência

do pressuposto existencial implicaria a impossibilidade de proferimento destas expressões. Ou

seja, a idéia de negar o pressuposto e a idéia de pressuposto inexistente não são

necessariamente compatíveis, pois, a condição de ‘não existência do pressuposto’ é exterior à

proposição; trata-se apenas de uma simulação. Assim, considerando o plano da racionalidade

jurídica para as proposições em análise, pode-se pensar que a própria proposição institui o

referente.

Assim, podermos afirmar que a proposição p'* ou "Sócrates não está doente" não é do

mesmo tipo ou caráter lógico de proposições como "q*" ou "Sócrates está bem de saúde" que

ilustram o que Aristóteles afirma sobre proposições contingentes e possíveis, pois, nessa

perspectiva, o critério lógico-formal-semântico atribuído a p'* ou Sócrates não está doente

subsiste inalterável face o critério empírico quando Sócrates não existe. Ou seja: se Sócrates

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existe (primeira condição) então p' ou Sócrates não está doente segue q ou Sócrates está bem

de saúde, sendo ambos falsos ou ambos verdadeiros; mas, se Sócrates não existe (segunda

condição) então p'* ou Sócrates não está doente não segue q* ou Sócrates está bem de saúde,

sendo que se q* ou Sócrates está bem de saúde é falso, então p'* ou Sócrates não está doente

é verdadeiro.

Em outros termos, só para argumentar, podermos inferir que a afirmação de que p ou

Sócrates está doente [é verdadeiro] é contrário a p' ou Sócrates não está doente [é falso] e

este é diferente de q ou Sócrates está bem de saúde que pode ser verdadeiro ou falso,

respectivamente a existência e inexistência de Sócrates (*). Isto é, se tanto p' ou Sócrates não

está doente quanto q ou Sócrates está bem de saúde são contrários de p ou Sócrates está

doente, são contrários com implicações diferentes, pois, quando presente o pressuposto

existencial relativo ao sujeito, o valor atribuído a p' ou Sócrates não está doente e a q ou

Sócrates está bem de saúde são equivalentes, mas, quando negado ou ausente o pressuposto

existencial relativo ao termo do sujeito, o valor atribuído a q* ou Sócrates está bem de saúde

e ao seu contrário p* ou Sócrates está doente é o mesmo e sempre falso, ao passo que o valor

verdade atribuído a p'* ou Sócrates não está doente, por um critério lógico-formal-semântico,

o define, ainda, como contrário de p* ou Sócrates está doente [é falso] e diferente de q* ou

Sócrates está bem de saúde [é falso], como podemos observar no esquema acima.

Assim, se Tû-Tû, ausente o pressuposto existencial relativo ao referente, é inserido

como sujeito em uma sentença, então, não haverá, conseqüentemente, o pressuposto

existencial relativo ao termo sujeito. Mais especificamente, a proposição p como quem está

Tû-Tû deve ser penalizado, em que pese a combinação dos referidos pressupostos,

correspondente a p*. Ou seja, mesmo em uma circunstância abstrata e formal como essa, a

proposição não vai instituir o objeto da norma jurídica, mas vai instituir a norma jurídica

como objeto ou referente para o termo Tû-Tû.

Sobre o valor de verdade das proposições em que o termo correspondente ao sujeito

não faz referência a um estado de coisas ou cujo pressuposto existencial relativo ao termo

sujeito é ausente, Bertrand Russell, em Logic and Knowledge, sobre uma teoria da

significação ou simplesmente On denoting, afirma que:

Esta teoria considera que, qualquer frase gramaticalmente correta, denota a posição para um objeto. Assim, 'o atual Rei da França', 'o quadrado redondo', etc., são supostos para objetos genuínos. É admitido que tais objetos não subsistem, mas, no entanto, são objetos supostos. Esta é, em si, uma difícil demonstração, mas, a principal objeção é que tais objetos, na verdade, são capazes de violar a lei da não contradição. Sustenta-se, por exemplo, que o existente Rei da França existe, e

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também não existe; que o quadrado redondo é redondo, e também não é redondo etc.. Mas isso é intolerável; e se qualquer teoria pode ser encontrada para evitar este resultado, ela é certamente preferível.120 (Russell. 1956. p. 45)

Nesse sentido, é que podemos pensar em um contraste entre o intensional/intencional,

onde as expressões seriam verdadeiras, e o extensional, onde as expressões seriam falsas, já

que inexistem objetos do mundo relativos a tais expressões.

Mais especificamente, Russell destaca três problemas lógicos correspondentes à

identidade, ao princípio do terceiro excluído e das proposições existenciais negativas. Assim,

sobre o problema da identidade afirma que:

(1) Se a é idêntico a b, tudo o que é verdadeiro de um é verdadeiro de outro, e qualquer um dos dois pode ser substituído pelo outro no interior de qualquer proposição, sem que isso altere a verdade ou a falsidade da proposição resultante. George IV queria saber se Scott é o autor de Waverley; e Scott é de fato o autor de Waverley. Mas se Scott é idêntico ao autor de Waverley, então podemos substituir o autor de Waverley por Scott em qualquer proposição, inclusive na proposição de que George IV queria saber se Scott era o autor de Waverley e, assim, provar que Jeorge IV quer saber se Scott é Scott.121 (RUSSELL. 1956. p. 47-48)

Trata-se, portanto, de explicar o conteúdo cognitivo de afirmações de identidade e sua

utilidade informativa, pois, a proposição expressa pela sentença Scott é o autor de Waverley

não contém o mesmo objeto duas vezes, em razão do fato de que o predicado “é o autor de

Waverley” é uma expressão incompleta, que não está por nenhum objeto particular. No

entanto, a identidade entre Scott e autor de Waverley é assegurada pelo fato de apontarem

para o mesmo referente, ou seja, a mesma pessoa que é apontada pelo nome próprio Scott e

pela expressão definida o autor de Waverley. No entanto, eles têm sentidos diferentes, ou seja,

muitos fatos que podem ser associados a Scott podem não ser associados a autor de Waverley.

Mais especificamente, diferente da identidade entre dois termos, cuja notação lógica é

a = b, os enunciados informativos de identidade tem uma notação lógica correspondente a Rx

120 This theory regards any grammatically correct denoting phrase as standing for an object. Thus `the present King of France', `the round square', etc., are supposed to be genuine objects. It is admitted that such objects do not subsist, but nevertheless they are supposed to be objects. This is in itself a difficult view; but the chief objection is that such objects, admittedly, are apt to infringe the law of contradiction. It is contended, for example, that the existent present King of France exists, and also does not exist; that the round square is round, and also not round, etc. But this is intolerable; and if any theory can be found to avoid this result, it is surely to be preferred. (Russell. 1956. p. 45) 121 (1) If a is identical with b, whatever is true of the one is true of the other, and either may be substituted for the other in any proposition without altering the truth or falsehood of that proposition. Now George IV wished to know whether Scott was the author of Waverley; and in fact Scott was the author of Waverley. Hence we may substitute Scott for the author of `Waverley', and thereby prove that George IV wished to know whether Scott was Scott. (RUSSELL. 1956. p. 47-48)

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∧ ∀y (Ry → y=x), de modo que, não se estaria afirmando a identidade entre dois termos como

em a = b, mas, sim, afirmando que um termo possui um atributo que para o outro termo está

sob uma condição, ainda mais porque as descrições, a partir de uma teoria da significação, são

incompletas. Assim, o conseqüente x=y não afirma a identidade entre as duas expressões,

pois, elas são distintas por sua natureza. O que se afirma é a identidade de valores que uma e

outra assumem: o fato, por exemplo, de apontarem para o mesmo referente. A diferença fica

por conta do fato de cada uma das expressões identificar o mesmo referente por atribuições

distintas.

Sobre o problema do princípio do terceiro excluído, Russell, ainda a partir de uma

teoria da significação ou On denoting, afirma que:

(2) Pelo princípio do terceiro excluído, quer "a é b" ou "a não é b" deve ser verdadeiro. Daí a proposição expressa 'O atual Rei da França é calvo' ou 'O atual Rei da França não é calvo' deve ser verdadeira. Porém, se nós enumerarmos todas as coisas que são calvas e todas as coisas que não são calvas, não se encontrará o atual Rei da França em nenhuma das duas listas.122 (RUSSELL. 1956. p. 48)

Embora, para as duas proposições opostas e a partir do princípio do terceiro excluído,

o autor esteja considerando que toda vez que uma for V/F a outra será F/V, a ausência do

pressuposto existencial implicaria na violação do princípio de terceiro excluído. Então, nem o

que é expresso por O atual Rei da França é calvo é extensionalmente verdadeiro nem o que é

expresso por O atual Rei da França não é calvo é extensionalmente verdadeiro, e,

conseqüentemente, teríamos uma violação do princípio do terceiro excluído. Para tanto,

Russell indaga sobre a possibilidade de se atribuir o valor de verdade a:

p O atual Rei da França é calvo

122 (2) By the law of the excluded middle, either `A is B' or `A is not B' must be true. Hence either `the present King of France is bald' or `the present King of France is not bald' must be true. Yet if we enumerated the things that are bald, and then the things that are not bald, we should not find the present King of France in either list. (RUSSELL. 1956. p. 48)

Identidade entre dois termos Enunciados informativos de identidade

a = b Rx ∧∧∧∧ ∀∀∀∀y (Ry →→→→ y=x)

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cuja notação lógica, proposta por Russell, para os termos em "p" , é:

p' Existe um x, tal que x é o atual rei da França e x é calvo.

p'' ∃∃∃∃ x [Rx ∧∧∧∧ ∀∀∀∀y (Ry →→→→ y=x)] ∧∧∧∧ Cx

Para uma adequada leitura dos termos acima, temos que: R representa o predicado é o

atual rei da França e C representa o predicado é calvo. Assim, o termo designativo do sujeito

em p passa a ser um termo de predicado em p' e p'' , e como resultado tem-se que p deixa de

ser uma proposição atômica e passa a ser uma proposição molecular. Mas, trata-se de uma

conjunção em que uma das proposições Existe um x, tal que x é o atual rei da França é falsa.

E se uma das proposições implicadas pela conjunção aditiva for falsa, a proposição como um

todo é falsa.

E se admitirmos que ¬ p ou O atual Rei da França não é calvo é uma proposição

verdadeira, retornamos à discussão correspondente à ausência do pressuposto existencial

relativo ao termo do sujeito, cujas proposições não comportam modalizações contingenciais

ou possíveis e a determinação dos valores de verdade, de caráter a priori, independente de

qualquer experiência, e necessário, se justificam em um critério lógico-ontológico. Ou seja, o

referente é pressuposto e o que é V/F é a sua associação com o predicado é calvo.

Sobre o problema das proposições existenciais negativas, Russell, ainda a partir de

uma teoria da significação ou On denoting, afirma que:

Consideremos a proposição expressa por 'A difere de B'. Se isso é verdade, então há uma diferença entre A e B, fato que pode ser expresso por 'a diferença entre A e B subsiste'. Mas se for falso que A difere de B, então não há diferença alguma entre A e B, fato que pode ser expresso por 'a diferença entre A e B não subsiste'. Mas como pode uma não entidade ser o sujeito de uma proposição? 'Penso, logo existo' não é mais evidente do que 'Eu sou o sujeito de uma proposição, logo existo'; na condição de 'Eu sou' é tomada para fazer valer a subsistência do ser, não a existência. Destarte, deve ser sempre auto-contraditório negar a existência de nada; mas temos visto, em conexão com o significado, que admitir o ser de tudo também conduz a contradições. Assim, se A e B não diferem entre si, para se supor que existe, ou que não existe, tal objeto, a diferença entre A e B parece igualmente impossível.123 (Russell. 1956. P. 48)

123 (3) Consider the proposition `A differs from B'. If this is true, there is a difference between A and B, which fact may be expressed in the form `the difference between A and B subsists'. But if it is false that A differs from B, then there is no difference between A and B, which fact may be expressed in the form `the difference between A and B does not subsist'. But how can a non-entity be the subject of a proposition? `I think, therefore I am' is no more evident than `I am the subject of a proposition, therefore I am'; provided `I am' is taken to assert subsistence or being, not existence. Hence, it would appear, it must always be self-contradictory to deny the being of anything; but we have seen, in connection with Meaning, that to admit being also sometimes leads to

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Ou seja, como é possível negar a existência do referente designado pela expressão a

diferença entre a e b é... quando a e b não diferem, senão com a introdução de uma variável x

e uma perspectiva de quantificação, isto é, se a e b diferem, existe um x que torna verdadeira a

expressão x é a diferença entre a e b. Mas, se a e b não diferem, não haverá essa entidade x.

No entanto, é preciso caracterizar a natureza da diferença e a natureza da identidade.

Assim, a e b comprimem uma diferença essencial e quando fazemos dela uma identidade quer

dizer que qualificamos algum aspecto desses objetos para fazer daquele aspecto uma

identidade; identidade para coisas que são diferentes. Assim, se a identidade é uma função de

dois lugares, ou seja, I(x, y), então, exige objetos distintos para figurar nos dois lugares.

Consideremos agora, I(x, y) e os enunciados informativos de identidade para o

silogismo simples no contexto de criação da norma jurídica e, conseqüentemente, para

determinação do que seja um instituto jurídico, e para o silogismo composto no contexto de

aplicação da norma jurídica, a partir do quadro abaixo:

Os enunciados informativos de identidade são lidos: x é R e para todo y, se y é R,

então y é igual a x; existe um x, tal que x é R e para todo y, se y é R, então y é igual a x e x é

C; existe um x, tal que se x é R e para todo y, se y é R, então y é igual a x, então x é C. Assim,

entre homicídio e furto, por exemplo, determinamos a identidade (I) como instituto jurídico

(IJ) em sentido lato e, assim, como função entre dois lugares, ou seja:

contradictions. Thus if A and B do not differ, to suppose either that there is, or that there is not, such an object as `the difference between A and B' seems equally impossible. (Russell. 1956. P. 48)

IDENTIDADE

entre dois termos função de dois lugares Enunciados informativos de

a = b I(x, y) Rx ∧∧∧∧ ∀∀∀∀y (Ry →→→→ y=x)

ou ∃∃∃∃ x [Rx ∧∧∧∧ ∀∀∀∀y (Ry →→→→ y=x)] ∧∧∧∧ Cx

ou ∃∃∃∃ x [Rx ∧∧∧∧ ∀∀∀∀y (Ry →→→→ y=x)] →→→→ Cx

IDENTIDADE entre dois termos função de dois lugares Enunciados informativos de

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Os enunciados informativos de identidade (I) como instituto jurídico (IJ) em sentido

lato são lidos: 1. homicídio é um instituto jurídico e para todo furto, se furto é um instituto

jurídico, então furto é igual a homicídio; 2. existe um homicídio, tal que homicídio é um

instituto jurídico e para todo furto, se furto é um instituto jurídico, então furto é igual a

homicídio e homicídio é um instituto jurídico de direito penal; 3. existe um homicídio, tal que

se homicídio é um instituto jurídico e para todo furto, se furto é um instituto jurídico, então

furto é igual a homicídio, então, homicídio é um instituto jurídico de direito penal.

Em outra perspectiva, considerando o silogismo simples no contexto de criação da

norma jurídica, entre Tû-Tû (como predicado da primeira premissa) e Tû-Tû (como sujeito da

segunda premissa), enajenación (como predicado da primeira premissa) e enajenación (como

sujeito da segunda premissa), furto (como predicado da primeira premissa) e furto (como

sujeito da segunda premissa), tráfico (como predicado da primeira premissa) e tráfico (como

sujeito da segunda premissa), homicídio (como predicado da primeira premissa) e homicício

(como sujeito da segunda premissa), abarcando os quatro problemas acima indicados,

determinamos a identidade (I) como instituto jurídico (IJ) em sentido estrito e, assim, como

função entre dois lugares, ou seja:

a = b

Homicídio = Furto

I(x, y) I – Instituto Jurídico (IJ)

em sentido lato

I(Homicídio, Furto)

DP – Direito Penal

Rx ∧∧∧∧ ∀∀∀∀y (Ry →→→→ y=x) ou

∃∃∃∃ x [Rx ∧∧∧∧ ∀∀∀∀y (Ry →→→→ y=x)] ∧∧∧∧ Cx ou

∃∃∃∃ x [Rx ∧∧∧∧ ∀∀∀∀y (Ry →→→→ y=x)] →→→→ Cx

Enunciados informativos de

1. IJHomicídio ∧ ∀Furto (IJFurto → Furto = Homicídio ) ou

2. ∃Homicídio [IJ Homicídio ∧ ∀Furto (IJFurto → Furto = Homicídio)] ∧ DPHomicídio ou

3. ∃Homicídio [IJ Homicídio ∧ ∀Furto (IJFurto → Furto = Homicídio)] → DPHomicídio

IDENTIDADE entre dois termos função de dois lugares Enunciados informativos de

a = b Tû-Tû-P (como

predicado da primeira premissa) = Tû-Tû-S

I(x, y) I – Instituto Jurídico (IJ)

em sentido estrio.

Rx ∧∧∧∧ ∀∀∀∀y (Ry →→→→ y=x) ou

∃∃∃∃ x [Rx ∧∧∧∧ ∀∀∀∀y (Ry →→→→ y=x)] ∧∧∧∧ Cx ou

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Os enunciados informativos de identidade (I) como instituto jurídico (IJ) em sentido

estrito são lidos: 1. Tû-Tû-P (como predicado da primeira premissa) é um instituto jurídico e

para todo Tû-Tû-S (como sujeito da segunda premissa), se Tû-Tû-S (como sujeito da

segunda premissa) é um instituto jurídico, então Tû-Tû-S (como sujeito da segunda

premissa) é igual a Tû-Tû-P (como predicado da primeira premissa); 2. existe um Tû-Tû-P

(como predicado da primeira premissa), tal que Tû-Tû-P (como predicado da primeira

premissa) é um instituto jurídico e para todo Tû-Tû-S (como sujeito da segunda premissa), se

Tû-Tû-S (como sujeito da segunda premissa)é um instituto jurídico, então Tû-Tû-S (como

sujeito da segunda premissa) é igual a Tû-Tû-P (como predicado da primeira premissa) e

Tû-Tû-P (como predicado da primeira premissa) é um instituto jurídico de direito penal; 3.

existe um Tû-Tû-P (como predicado da primeira premissa), tal que se Tû-Tû-P (como

predicado da primeira premissa) é um instituto jurídico e para todo Tû-Tû-S (como sujeito da

segunda premissa), se Tû-Tû-S (como sujeito da segunda premissa)é um instituto jurídico,

então Tû-Tû-S (como sujeito da segunda premissa) é igual a Tû-Tû-P (como predicado da

primeira premissa), então, Tû-Tû-P (como predicado da primeira premissa) é um instituto

jurídico de direito penal.

Na terceira e última perspectiva, considerando o silogismo composto no contexto de

aplicação da norma jurídica, entre o Fato-P como antecedente da primeira premissa

condicional ou prescritiva e o Fato-D da premissa categórica/descritiva ou segunda premissa,

por exemplo, determinamos a identidade (I) como Fato Típico (FT) e, assim, como função

entre dois lugares, ou seja:

(como sujeito da segunda premissa)

I[Tû-Tû-P (como predicado da primeira

premissa), Tû-Tû-S (como sujeito da segunda

premissa)]

DP – Direito Penal

∃∃∃∃ x [Rx ∧∧∧∧ ∀∀∀∀y (Ry →→→→ y=x)] →→→→ Cx

Enunciados informativos de

1. IJTû-Tû-P ∧ ∀ Tû-Tû-S (IJ Tû-Tû-S → Tû-Tû-S = Tû-Tû-P ) ou

2. ∃Tû-Tû-P [IJ Tû-Tû-P ∧ ∀ Tû-Tû-S (IJ Tû-Tû-S → Tû-Tû-S = Tû-Tû-P )] ∧ DPTû-Tû-P ou

3. ∃Tû-Tû-P [IJ Tû-Tû-P ∧ ∀ Tû-Tû-S (IJ Tû-Tû-S → Tû-Tû-S = Tû-Tû-P )] → DPTû-Tû-P

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Os enunciados informativos de identidade (I) como instituto jurídico (IJ) em sentido

estrito são lidos: 1. Fato-P (como antecedente da primeira premissa condicional ou

prescritiva) é um Fato Típico (FT) e para todo Fato-D (da premissa categórica/descritiva ou

segunda premissa), se Fato-D (da premissa categórica/descritiva ou segunda premissa) é um

Fato Típico (FT), então Fato-D (da premissa categórica/descritiva ou segunda premissa) é

igual a Fato-P (como antecedente da primeira premissa condicional ou prescritiva); 2. existe

um Fato-P (como antecedente da primeira premissa condicional ou prescritiva), tal que

Fato-P (como antecedente da primeira premissa condicional ou prescritiva) é um Fato

Típico (FT) e para todo Fato-D (da premissa categórica/descritiva ou segunda premissa), se

Fato-D (da premissa categórica/descritiva ou segunda premissa) é um Fato Típico (FT),

IDENTIDADE entre dois termos função de dois lugares Enunciados informativos de

a = b Fato-P (como

antecedente da primeira premissa condicional ou prescritiva) = Fato-D (da

premissa categórica/descritiva ou

segunda premissa)

I(x, y) I – Fato Típico (FT)

I[Fato-P (como

antecedente da primeira premissa condicional ou prescritiva) = Fato-D (da

premissa categórica/descritiva ou

segunda premissa)]

DP – Direito Penal

Rx ∧∧∧∧ ∀∀∀∀y (Ry →→→→ y=x) ou

∃∃∃∃ x [Rx ∧∧∧∧ ∀∀∀∀y (Ry →→→→ y=x)] ∧∧∧∧ Cx ou

∃∃∃∃ x [Rx ∧∧∧∧ ∀∀∀∀y (Ry →→→→ y=x)] →→→→ Cx

Enunciados informativos de

1. IJFato-P ∧ ∀ Fato-D (IJ Fato-D → Fato-D = Fato-P) ou

2. ∃Fato-P [IJ Fato-P ∧ ∀ Fato-D (IJFato-D → Fato-D = Fato-P)] ∧ DPFato-P ou

3. ∃Fato-P [IJ Fato-P ∧ ∀Fato-D (IJFato-D → Fato-D = Fato-P)] → DPFato-P

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então Fato-D (da premissa categórica/descritiva ou segunda premissa) é igual a Fato-P

(como antecedente da primeira premissa condicional ou prescritiva) e Fato-P (como

antecedente da primeira premissa condicional ou prescritiva) é um Fato Típico (FT) de

direito penal; 3. existe um Fato-P (como antecedente da primeira premissa condicional ou

prescritiva), tal que se o Fato-P (como antecedente da primeira premissa condicional ou

prescritiva) é um Fato Típico (FT) e para todo Fato-D (da premissa categórica/descritiva ou

segunda premissa), se Fato-D (da premissa categórica/descritiva ou segunda premissa) é um

Fato Típico (FT), então Fato-D (da premissa categórica/descritiva ou segunda premissa) é

igual a Fato-P (como antecedente da primeira premissa condicional ou prescritiva), então, o

Fato-P (como antecedente da primeira premissa condicional ou prescritiva) é um Fato

Típico (FT) de direito penal.

Assim, a partir da noção de predicação como função atributiva de propriedades a um

objeto, observamos que, de modo geral, predicado e sujeito (ou argumento) são funções

preenchidas por expressões lingüísticas e, na tradição gramatical, são correlativos, ou seja, o

sujeito é a expressão que denota o elemento de que se fala na oração e o predicado é a

expressão que denota aquilo que se fala do sujeito, ou, ainda, a relação de predicação, falar de

ou predicar de, corresponde à atribuição de propriedades a indivíduos. E como já dito, as

sentenças Sócrates está doente e O atual rei da França é calvo apresentam uma forma

autêntica de predicação, porque existe um objeto pressuposto a que esta função se aplica.

Assim, admitir que sentenças, independente da diferença entre constatativos (afirmar,

assegurar, confirmar etc.) e não-constatativos (prometer, ordenar, declarar, pedir, prescrever

etc.), apresentam uma forma autêntica de predicação, implicaria a necessidade de

reformulação dos conceitos de proposição tanto em Aristóteles quanto em Russell. Isto é, com

os futuros contingentes, o princípio do terceiro excluído e o princípio da não contradição não

subsiste como base fundamental para uma lógica de três ou múltiplos valores.

A proposta de Strawson (On referring. 1971. p.1-27), que diferencia sentença de uso

da sentença, implica uma abordagem a partir da teoria dos atos de fala, ou seja, não podemos

estabelecer um valor de verdade para as proposições ou enunciados como Sócrates está

doente e O atual rei da França é calvo, em razão de não haver uma explicação das condições

de proferimento, como do tempo ou do lugar, mas, podemos fazê-lo em razão da enunciação

que, em si mesma, tem demarcado o tempo e o lugar.

Mas, ainda que Strawson proponha a defesa da diferença entre asserção e

pressuposição como condição para a constituição de um enunciado, é inevitável a retomada da

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discussão correspondente à ausência do pressuposto existencial relativo ao termo do sujeito,

cujas proposições não comportam modalizações contingenciais (possível que P e possível que

não P) se o critério é empírico. No entanto, a determinação do valor de verdade, de caráter a

priori, independente de qualquer experiência, e necessário, se justifica em um critério lógico-

formal-semântico. Mas, como sistematizar a contingência, a inconstância, a propensão ou a

alternação sem que, necessariamente, reunindo condições favoráveis, possa haver a conversão

em necessidade?

4.2 Uma teoria semântica fundada em formalismos lógicos para uma análise lingüística das regras de predicação e intermediação de conceitos jurídicos.

Ulrich Klub, em Normas jurídicas e análise lógica, citando Hanz Kelsen, afirma que:

À página 77 do manuscrito explica Kelsen que o ato do Tribunal é um ato de vontade, a saber, uma ordem dirigida ao procedimento de um outro órgão, o órgão de execução. Acrescenta então: “Que a validade da norma individual estabelecida pelo tribunal possa ser fundamentada pela norma que o legislador elaborou significa que o sentido subjetivo do ato do tribunal é também seu sentido objetivo, ou seja, uma norma válida, porque o ato do tribunal é autorizado por uma norma válida prssuposta.” Esta tese se completa no artigo da FORUM por uma extensa nota, do seguinte teor: (...) Arthur Kaufmann, em Analogia e natureza das coisas, Juristische Studiengesellschaft Karlsruhe, Schriftenreihe, caderno 65/66, Karlsruhe, 1965, nega à página 8 que a aplicação do Direito seja “um processo puramente dedutivo” e afirma, à página 29, que a aplicação do Direito como “subsunção” “não é possível por meio de um simples silogismo”. (...) “Também Alf Ross (Theorie der Rechtquellen. Wiener Staats – und Rechtswissenschaftliche Studien, vol XIII, 1929, p.325) recusa-se a considerar como silogismo a sentença judicial. Assinala ele que a função do juiz, quando aplica uma norma abstrata a uma decisão concreta, é essencialmente jurígena (p.332 e seguinte). Diz: ´É impossível fazer que uma tal atividade repouse sobre um processo lógico objetivo, pois do abstrato para o concreto não há caminho... Entre o abstrato e o concreto há um abismo, que nenhuma lógica, somente um ato, pode vencer`.” (Kelsen e Klub. 1984. P. 100 – 101)

Nesse sentido, afirmar que é impossível fazer que uma tal atividade repouse

sobre um processo lógico objetivo é afirmar que a sentença judicial não é uma atividade que

possa ser estruturada, meramente, como uma proposição em um silogismo lógico formal.

Mas, se do abstrato para o concreto não há caminho ou se entre o abstrato e o concreto há

um abismo, que nenhuma lógica, somente um ato, pode vencer, então, nos deparamos com as

exigências teóricas atinentes à construção das bases formais ou sistêmicas para uma teoria

semântica. Isto é, os princípios da lógica clássica somente se aplicam às proposições, às

sentenças ou às locuções que, por si só, são torpes ou falsificadoras potenciais da lógica.

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178

Entretanto, as relações lógicas se sustentam entre sentenças que não são propriamente

proposições, na perspectiva de uma lógica clássica; são declarações que podem ser definidas,

independentemente da definição de proposição e na perspectiva da análise de discurso, como

trocas conversacionais.

Assim, a partir da noção de predicação como função atributiva de propriedades a um

objeto, observamos que, de modo geral, predicado e sujeito (ou argumento) são funções

preenchidas por expressões lingüísticas e, na tradição gramatical, são correlativos, ou seja, o

sujeito é a expressão que denota o elemento de que se fala na oração e o predicado é a

expressão que denota aquilo que se fala do sujeito, ou, ainda, a relação de predicação, falar de

ou predicar de, corresponde à atribuição de propriedades a indivíduos.

Mais precisamente, a partir da identidade como uma função de dois lugares I(x, y) e

dos enunciados informativos de identidade, vamos repensar a solução para o paradoxo da

confirmação e buscar descrever um análise, nessa medida, dos quatro problemas propostos e

desenvolvidos no capítulo anterior, ou seja, a partir de um formalismo lógico fundado nas

regras de predicação e intermediação de conceitos jurídicos, fazer a análise lógico-lingüística

das declarações de tempo-futuro ou correlatas aos futuros contingentes. Nesse sentido, as

declarações não podem ter somente os valores ordinários de valor-verdade (verdadeiro ou

falso), mas, devem ter outro ou um terceiro valor extraordinário de valor-verdade, ou seja, o

½ que Jan Lukasiewicz, em many-valued logic, abarca para o problema dos futuros

contingentes, afirmando que:

A frase declarativa sob consideração não é, no momento presente, nem verdadeira nem falsa e tem que ter um terceiro valor, diferente de 0, ou falso, e de 1, ou verdadeiro. Podemos indicá-lo por ´½`, isto é, ´o possível`, que fará um terceiro valor juntamente com ´o falso` e ´o verdadeiro`. É esta linha de pensamento que dá origem a um sistema a três valores de lógica proposicional.124 (LUKASIEWICZ. 1957. p.64.)

Considerando o paradoxo da confirmação (a universalização de proposições

particulares), no que diz respeito à proposição Todos os corvos são pretos Cx → Px ser

confirmada sempre que me deparo com algo não-preto que é um não-corvo ou ¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Cx,

como o meu fusca que é amarelo, pois, Algum não-preto é não-corvo ou ¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Cx é a

proposição particular de Todo não-preto é não-corvo ou ¬¬¬¬Px → ¬¬¬¬Cx; e, sempre que me

124 “The statement under consideration is therefore at the present neither true nor false and must have a third value different from 0, or the false and from 1, or the true. We can indicate this by ´½`: it is `the possible` which goes at a third value with the ´false` and the ´true`. This is the train of thought which gave rise to the three-valued system of propositional logic” (Apud Rescher. Op. cit., p.64.)

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deparo com a confirmação de que Todo não-preto é não-corvo ou ¬¬¬¬Px → ¬¬¬¬Cx confirmo, por

equivalência, que Todos os corvos são pretos ou Cx → Px e, por conseguinte, o particular

Algum corvo é preto ou Cx ∧∧∧∧ Px.

Mas, se observarmos bem, Algum preto não é corvo ou Px ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Cx, ou Algum não

corvo é preto ou ¬¬¬¬Cx ∧∧∧∧ Px, como O meu fusca é preto, não integra o quadro de proposições

compostas em termos de equivalência nas oposições subalternas, contrárias e contraditórias

no quadro em que Todos os corvos são pretos Cx → Px.

Assim, sempre que vejo fuscas amarelos, estou confirmando que todos os corvos são

pretos, mas, sempre que vejo fuscas pretos, não confirmo que todos os corvos são pretos, pois,

as proposições Algum preto não é corvo ou Px ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Cx, ou Algum não corvo é preto ou ¬¬¬¬Cx ∧∧∧∧

Px, como O meu fusca é preto não encontram equivalências no quadro lógico para

proposições compostas em que há a proposição Todos os corvos são pretos Cx → Px

confirmada pela proposição ¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Cx ou o meu fusca é amarelo.

Mas, como declarações ou, na perspectiva da análise de discurso, como trocas

conversacionais, caracterizando a natureza da diferença e a natureza da identidade, podemos

qualificar algum aspecto das declarações para fazer desse aspecto uma identidade e,

conseqüentemente, uma equivalência uma forma fraca de necessidade em que não se descarta

a sinteticidade.

Assim, se a identidade é uma função de dois lugares I(x, y), então, exige objetos

distintos que ora abarcamos como os sujeitos das proposições não equivalentes acima, ou

seja, (a) Algum fusca é preto (cuja representação é Algum preto não é corvo ou Px ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Cx ou

Algum não corvo é preto ou ¬¬¬¬Cx ∧∧∧∧ Px e (b) Algum covo é preto (cuja representação é Algum

corvo é preto ou Cx ∧∧∧∧ Px ou Algum preto é corvo ou Px ∧∧∧∧ Cx:

IDENTIDADE entre dois termos IDENTIDADE como função de dois lugares a = b

(a) fusca = (b) covo

I(αααα, ββββ) I – preto (P)

(OBS: o predicado sempre tem uma extensão maior que o sujeito)

I [( αααα) fusca, (ββββ) corvo]

V – verdadeiro

Enunciados informativos de

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180

Os enunciados informativos de identidade são lidos: 1. Algum fusca é preto e para

todo corvo, se Algum corvo é preto, então Algum corvo é igual a Algum fusca; 2. existe um

fusca, tal que Algum fusca é preto e para todo corvo, se Algum corvo é preto, então Algum

corvo é igual a Algum fusca e Algum fusca é verdadeiro; 3. existe um fusca, tal que se Algum

fusca é preto para todo corvo, se Algum corvo é preto, então Algum corvo é igual a Algum

fusca, então, Algum fusca é verdadeiro. Assim, entre fusca e corvo determinamos preto (P)

como a identidade I(x, y), como função entre dois lugares diferente.

Nesse sentido, a declaração Algum corvo é preto ou Cx ∧∧∧∧ Px (confirmada sempre que

me deparo com algo não-preto que é um não-corvo ou ¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Cx) é verdade tanto quanto

Algum não corvo (fusca) é preto ou ¬¬¬¬Cx ∧∧∧∧ Px (confirmada sempre que me deparo com algo

não preto que é um corvo ou ¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ Cx), pois, o preto é determinado como a identidade I(x,

y) ou função entre dois lugares diferentes.

No entanto, se considerarmos as declarações Algum corvo é preto ou Cx ∧∧∧∧ Px

(confirmada sempre que me deparo com algo não-preto que é um não-corvo ou ¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Cx) é

verdade tanto quanto Algum corvo não é preto ou Cx ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Px (confirmada sempre que me

deparo com algo não preto que é um corvo ou ¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ Cx), pois, o preto é determinado como a

identidade I(x, y) ou função entre dois lugares diferentes, como podemos deduzir abaixo, no

quadro das possibilidades de implicação entre Corvo (sujeito) e Preto (predicado) (ou todo

corvo é preto Cx →→→→ Px como ponto de partida):

Quadro lógico para proposições simples:

A E Ι O

1. Pαααα ∧ ∀ββββ (Pββββ → a = b) ou 2. ∃αααα [ Pαααα ∧ ∀ββββ (Pββββ → a = b)] ∧ Vαααα

ou 3. ∃αααα [ Pαααα ∧ ∀ββββ (Pββββ → a = b)] → Vαααα

¬¬¬¬Px →→→→ ¬¬¬¬Cx (VFVV) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ Cx] Cx →→→→ Px (VFVV) = ¬¬¬¬[Cx ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Px]

¬¬¬¬Px →→→→ Cx (VVVF) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Cx] ¬¬¬¬Cx →→→→ Px (VVVF) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Cx ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Px]

¬¬¬¬Px →→→→ Cx (VVVF) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Cx] Cx →→→→ ¬¬¬¬Px (FVVV) = ¬¬¬¬[Cx ∧∧∧∧ Px]

¬¬¬¬Px →→→→ ¬¬¬¬Cx (VFVV) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ Cx] ¬¬¬¬Cx →→→→ ¬¬¬¬Px (VVFV) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Cx ∧∧∧∧ Px]

Cx ∧∧∧∧ Px (VFFF) = ¬¬¬¬[Cx →→→→ ¬¬¬¬Px] ¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Cx (FFFV) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Px →→→→ Cx]

Cx ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Px (FVFF) = ¬¬¬¬[Cx →→→→ P x] ¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ Cx (FVFF) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Px →→→→ ¬¬¬¬Cx]

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181

M

ais precisamente, se as declarações Todo corvo é preto ou Cx →→→→ Px (confirmada sempre que

me deparo com algo não-preto que é um não-corvo ou ¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Cx; ou sempre que me deparo

com um corvo que é preto ou Cx ∧∧∧∧ Px) é verdade tanto quanto Todo não-corvo é preto ou

¬¬¬¬Cx →→→→ Px (confirmada sempre que me deparo com algo não-preto que é corvo ou ¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ Cx;

ou sempre que me deparo com um não-corvo que é preto ou ¬¬¬¬Cx ∧∧∧∧ Px). Assim, não podemos

negar o preto como identidade I(x, y) ou função entre dois lugares diferentes, pois, o preto é

determinado como a identidade I(x, y) ou função entre dois lugares diferentes. Assim,

demarcamos o princípio de que todo predicado tem sempre uma extensão maior que o sujeito.

Consideremos agora, a identidade I(x, y) ou função entre dois lugares diferentes e os

enunciados informativos de identidade para o silogismo composto relativo à escravidão dos

negros em um extrato do texto L´Esprit des Lois (livro XV, capítulo 5) de Montesquieu, ou

seja: no que diz respeito às declarações: nos somos cristãos e os negros não são homens ou A

∧∧∧∧ ¬¬¬¬B e os negros são homens e nós não somos cristãos ou B ∧∧∧∧ ¬¬¬¬A, em razão de um

argumento valido ou lógico para o silogismo no modus tollens.

Mais especificamente, a ironia, apontada por Ducrot, que consiste no fato de

Montesquieu sugerir, ao assumir o mesmo raciocínio de seus adversários escravagistas, uma

contingência fundada na contraposição ou equivalência entre nos somos cristãos e os negros

não são homens ou A ∧∧∧∧ ¬¬¬¬B e os negros são homens e nos não somos cristãos ou B ∧∧∧∧ ¬¬¬¬A, ou

seja, é possível não B125 e é possível B126, uma vez que a declaração se nós somos cristãos,

125 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºprem Conc. 1º premissa

A B ¬A ¬B B → A B → ¬ A ¬ B → A ¬ B → ¬ A V V F F V F V V V F F V V V V F F V V F F V V V F F V V V V F V

126 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºprem Conc. 1º premissa

A B ¬A ¬B A → B A → ¬B ¬A → B ¬A → ¬B V V F F V F V V V F F V F V V V

∧∧∧∧ - e; ¬¬¬¬ - negação; →→→→ - se, então; x – variável, uma coisa qualquer.

¬¬¬¬Cx ∧∧∧∧ Px (FFVF) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Cx →→→→ ¬¬¬¬Px] ¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ Cx (FVFF) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Px →→→→ ¬¬¬¬Cx]

¬¬¬¬Cx ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Px (FFFV) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Cx →→→→ Px] ¬¬¬¬Px ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Cx (FFFV) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Px →→→→ Cx]

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182

então, os negros não são homens ou A →→→→ ¬¬¬¬B é equivalente à declaração se os negros são

homens, então, nós não somos cristãos ou B →→→→ ¬¬¬¬A, e, portanto, o aceitável ou o contingente

é o que podemos demonstrar nos silogismos que seguem abaixo:

Assim, se a identidade é uma função de dois lugares I(x, y), então, exige objetos

distintos que ora abarcamos como o sujeito das declarações correspondentes à possibilidade

dos negros serem homens e à possibilidade dos negros não serem homens, relacionando-o,

com objetos diferentes, ou seja, a1 os negros são homens e b1 os brancos são homens,

concomitante às proposições a2 os negros não são homens e b2 o gado não é homem, ou seja:

F V V F V V V F F F V V V V F V

é possível não B é possível B

Primeira premissa:

B →→→→ ¬¬¬¬A [se os negros são homens, então nós não somos cristãos]

A →→→→ ¬¬¬¬ B [se nós somos cristãos, então os negros não são homens]

Segunda premissa:

A [nós somos cristãos] B [os negros são homens]

Conclusão: ¬¬¬¬B [os negros não são homens]

¬¬¬¬A [nos não somos cristãos]

IDENTIDADE entre dois termos IDENTIDADE como função de dois lugares a = b

(a1) os negros = (b1) os brancos

ou

(a2) os negros = (b2) o gado

I(αααα, ββββ) I 1 – homem (H)

I2 – não homem (¬¬¬¬H) (OBS: o predicado sempre tem uma extensão

maior que o sujeito)

I 1 [(αααα1) os negros , (ββββ1) os brancos] ou

I 2 [(αααα2) os negros, (ββββ2) o gado]

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Os enunciados informativos de identidade correspondente a I 1 – homem (H) são lidos:

1. Algum negro é homem e para todo branco, se Algum branco é homem, então Algum branco

é igual a Algum negro; 2. existe um negro, tal que Algum negro é homem e para todo branco,

se Algum branco é homem, então Algum branco é igual a Algum negro e Algum negro é

homem é ½ (não é verdadeiro ou falso); 3. existe um negro, tal que se Algum negro é homem e

para todo branco, se Algum branco é homem, então Algum branco é igual a Algum negro,

então, Algum negro é homem é ½ (não é verdadeiro ou falso). Assim, Montesquieu, entre os

negros e os brancos, determina homem (H) como identidade I(x, y), como função entre dois

lugares diferente.

Em outra perspectiva, os enunciados informativos de identidade correspondente a I 2 –

não homem (¬¬¬¬H) são lidos: 1. Algum negro não é homem e para todo gado, se Algum gado

não é homem, então Algum gado é igual a Algum negro; 2. existe um negro, tal que Algum

negro não é homem e para todo gado, se Algum gado não é homem, então Algum gado é igual

a Algum negro e Algum negro não é homem é ½ (não é verdadeiro ou falso); 3. existe um

negro, tal que se Algum negro não é homem e para todo gado, se Algum gado não é homem,

então Algum gado é igual a Algum negro, então Algum negro não é homem é ½ (não é

verdadeiro ou falso). Assim, os Escravagistas, entre os negros e o gado, determinam não

homem (¬H) como identidade I(x, y), como função entre dois lugares diferente.

Assim, confirmamos que Montesquieu sugere, em vez de refutar e assumindo o

mesmo raciocínio de seus adversários escravagistas, ou seja, se os negros são homens, então

nós não somos cristãos ou B →→→→ ¬¬¬¬A equivalente a se nós somos cristãos, então os negros não

são homens ou A →→→→ ¬¬¬¬B, uma contingência fundada na contraposição ou equivalência, isto é,

a possibilidade de B e a possibilidade de não B e, portanto, o aceitável que implica o

fundamento para a possibilidade da força ilocucional de qualquer proferimento, em uma

perspectiva ainda que abdutiva e ainda que se trate de um ato discursivo próprio do âmbito

jurídico. Nesse sentido, a validade racional de uma proposição não é intrínseca somente à

própria proposição, mas, antes, é decorrente de um grau de performatividade atribuído a um

formato proposicional qualquer.

½ – não é verdadeiro ou falso (indefinido)

Enunciados informativos de 1. Hαααα ∧ ∀ββββ (Hββββ → a = b)

ou 2. ∃αααα [Hαααα ∧ ∀ββββ (Hββββ → a = b)] ∧ ½αααα ou 3. ∃αααα [Hαααα ∧ ∀ββββ (Hββββ → a = b)] → ½αααα

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184

Nessa perspectiva, e considerando o sistema do cálculo sentencial da lógica de três ou

mais valores, em que as funções de verdade são redefinidas de tal modo que abarquem os

casos em que um ou mais argumentos tomam o valor correspondente a ½, temos a seguinte

representação para se os negros são homens, então nos não somos cristãos ou B →→→→ ¬¬¬¬A

equivalente a se nos somos cristãos, então os negros não são homens ou A →→→→ ¬¬¬¬B:

A →→→→ B ¬¬¬¬B →→→→ ¬¬¬¬A

A →→→→ ¬¬¬¬B B →→→→ ¬¬¬¬A

A B ¬¬¬¬A ¬¬¬¬B Cab C¬¬¬¬b¬¬¬¬a Ca¬¬¬¬b Cb¬¬¬¬a 1 1 0 0 1 1 0 0 1 ½ 0 ½ ½ ½ ½ ½ 1 0 0 1 0 0 1 1 ½ 1 ½ 0 1 1 ½ ½ ½ ½ ½ ½ 1 1 1 1 ½ 0 ½ 1 ½ ½ 1 1 0 1 1 0 1 1 1 1 0 ½ 1 ½ 1 1 1 1 0 0 1 1 1 1 1 1 Equivalentes Equivalentes

Acrescentamos, ainda, que as declarações se os negros são homens, então nos não

somos cristãos ou B →→→→ ¬¬¬¬A e se nos somos cristãos, então os negros não são homens ou A →→→→

¬¬¬¬B têm o valor correspondente a ½ (não é verdadeiro ou falso), se implicadas em uma adição,

e as mesmas declarações se [se os negros são homens, então nos não somos cristãos ou B →→→→

¬¬¬¬A], então, [se nos somos cristãos, então os negros não são homens ou A →→→→ ¬¬¬¬B] têm o valor

correspondente a 1 (verdadeiro), se implicadas em uma condicional relativa, como descrito

nas representações abaixo em que C é uma condicional relativa e A é uma adição:

N C 1 ½ 0 A 1 ½ 0 1 0 1 1 ½ 0 1 1 1 1 ½ ½ ½ 1 1 ½ ½ 1 ½ ½ 0 1 0 1 1 1 0 1 ½ 0:

Em outra perspectiva e a partir do paradoxo da confirmação, a declaração Algum

negro é escravo ou Nx ∧∧∧∧ Ex (confirmada sempre que me deparo com algo não-escravo que é

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185

um não-negro ou ¬¬¬¬Ex ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Nx) é verdade tanto quanto Algum não negro (branco; amarelo) é

escravo ou ¬¬¬¬Nx ∧∧∧∧ Ex (confirmada sempre que me deparo com algo não-escravo que é um

negro ou ¬¬¬¬Ex ∧∧∧∧ Nx), pois, o termo escravo é determinado como a identidade I(x, y) ou

função entre dois lugares diferentes.

No entanto, se considerarmos as declarações Algum negro é escravo ou Nx ∧∧∧∧ Ex

(confirmada sempre que me deparo com algo não-escravo que é um não-negro ou ¬¬¬¬Ex ∧∧∧∧

¬¬¬¬Nx) é verdade tanto quanto Algum negro não é escravo ou Nx ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Ex (confirmada sempre

que me deparo com algo não-escravo que é um corvo ou ¬¬¬¬Ex ∧∧∧∧ Nx), pois, o termo escravo é

determinado como a identidade I(x, y) ou função entre dois lugares diferentes, como podemos

deduzir abaixo, no quadro das possibilidades de implicação entre Negro (sujeito) e Escravo

(predicado) (ou todo negro é escravo Nx →→→→ Ex como ponto de partida):

Quadro lógico para proposições simples:

A E Ι O

∧∧∧∧ - e; ¬¬¬¬ - negação; →→→→ - se, então; x – variável, uma coisa qualquer.

¬¬¬¬Ex →→→→ ¬¬¬¬Nx (VFVV) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Ex ∧∧∧∧ Nx] Nx →→→→ Ex (VFVV) = ¬¬¬¬[Nx ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Ex]

¬¬¬¬Ex →→→→ Nx (VVVF) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Ex ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Nx] ¬¬¬¬Nx →→→→ Ex (VVVF) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Nx ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Ex]

¬¬¬¬Ex →→→→ Nx (VVVF) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Ex ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Nx] Nx →→→→ ¬¬¬¬Ex (FVVV) = ¬¬¬¬[Nx ∧∧∧∧ Ex]

¬¬¬¬Ex →→→→ ¬¬¬¬Nx (VFVV) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Ex ∧∧∧∧ Nx] ¬¬¬¬Nx →→→→ ¬¬¬¬Ex (VVFV) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Nx ∧∧∧∧ Ex]

Nx ∧∧∧∧ Ex (VFFF) = ¬¬¬¬[Nx →→→→ ¬¬¬¬Ex] ¬¬¬¬Ex ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Nx (FFFV) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Ex →→→→ Nx]

Nx ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Ex (FVFF) = ¬¬¬¬[Nx →→→→ Ex] ¬¬¬¬Ex ∧∧∧∧ Nx (FVFF) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Ex →→→→ ¬¬¬¬Nx]

¬¬¬¬Nx ∧∧∧∧ Ex (FFVF) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Nx →→→→ ¬¬¬¬Ex] ¬¬¬¬Ex ∧∧∧∧ Nx (FVFF) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Ex →→→→ ¬¬¬¬Nx]

¬¬¬¬Nx ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Ex (FFFV) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Nx →→→→ Ex] ¬¬¬¬Ex ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Nx (FFFV) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Ex →→→→ Nx]

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186

Assim, se a identidade é uma função de dois lugares I(x, y), então, exige objetos

distintos que ora abarcamos como os sujeitos das declarações que não são equivalentes, ou

seja, (a) Algum branco é escravo (cuja representação é Algum escravo não é negro ou Ex ∧∧∧∧

¬¬¬¬Nx ou Algum não negro é escravo ou ¬¬¬¬Nx ∧∧∧∧ Ex e (b) Algum negro é escravo (cuja

representação é Algum nego é escravo ou Nx ∧∧∧∧ Ex ou Algum escravo é negro ou Ex ∧∧∧∧ Nx:

Os enunciados informativos de identidade são lidos: 1. Algum branco é escravo e para

todo negro, se Algum negro é escravo, então Algum branco é igual a Algum negro; 2. existe

um branco, tal que Algum branco é escravo e para todo negro, se Algum negro é escravo,

então Algum branco é igual a Algum negro e Algum branco é escravo é verdadeiro; 3. existe

um branco, tal que se Algum branco é escravo e para todo negro, se Algum negro é escravo,

então Algum branco é igual a Algum negro, então, Algum branco é escravo é verdadeiro.

Assim, entre branco e negro determinamos o termo escravo (E) como a identidade I(x, y),

como função entre dois lugares diferente.

Assim, a declaração Todo negro é escravo ou Nx →→→→ Ex (confirmada sempre que me

deparo com algo não-escravo que é um não-negro ou ¬¬¬¬Ex ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Nx; ou sempre que me deparo

com um negro que é escravo ou Nx ∧∧∧∧ Ex) é verdade tanto quanto Todo não-negro é escravo

ou ¬¬¬¬Nx →→→→ Ex (confirmada sempre que me deparo com algo não-escravo que é negro ou ¬¬¬¬Ex

∧∧∧∧ Nx; ou sempre que me deparo com um não-negro que é escravo ou ¬¬¬¬Nx ∧∧∧∧ Ex). E, nesse

sentido, se o termo escravo como identidade I(x, y) ou função entre dois lugares diferentes,

IDENTIDADE entre dois termos IDENTIDADE como função de dois lugares

a = b

(a) branco = (b) negro

I(αααα, ββββ)

I – escravo (E)

(OBS: o predicado sempre tem uma extensão maior

que o sujeito)

I [(αααα) branco, (ββββ) negro]

V – verdadeiro

Enunciados informativos de

1. Eαααα ∧ ∀ββββ (Eββββ → a = b) ou 2. ∃αααα [ Eαααα ∧ ∀ββββ (Eββββ → a = b)] ∧ Vαααα

ou 3. ∃αααα [ Eαααα ∧ ∀ββββ (Eββββ → a = b)] → Vαααα

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então, demonstramos o princípio de que todo predicado tem sempre uma extensão maior que

o sujeito.

Consideremos agora, a identidade I(x, y) ou função entre dois lugares diferentes e os

enunciados informativos de identidade para o silogismo composto ao contexto de aplicação da

norma jurídica. Mais especificamente, vamos considerar as declarações da acusação e as

declarações da defesa nos quatro problemas apresentados. Inicialmente, ressaltamos que, para

as combinações a.[412] e a`.[412] em ambos os problemas, o formalismo da lógica clássica

descreve as hipóteses em suas especificidades, em razão do caráter epistemológico ou da

materialidade das provas que beneficiam o argumento da acusação ou o argumento da defesa,

respectivamente.

No entanto, para as combinações b.[512] e c.[413] em ambos os problemas, o

formalismo da lógica clássica não é suficiente para descrever as hipóteses em suas

especificidades, em razão do argumento da acusação e o argumento da defesa não contarem

com o caráter epistemológico ou com a materialidade das provas, mas, tão somente, com

argumentações ou declarações que, independentemente da definição de proposição, na

perspectiva da análise de discurso são trocas conversacionais. Para tanto, os quatro problemas

apresentados podem ser reduzidos ás seguintes notações lógicas:

Vaiáveis

Homem (x); José; B; Meugnin.

P 1. deixar de cumprir as promessas que faz; 2. subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel; 3. realizar atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória

importância; 4. matar alguém.

¬¬¬¬P 1. não deixar de cumprir as promessas que faz; 2. não subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel; 3. não realizar atos de tráfico de drogas em uma quantidade de notória

importância; 4. não matar alguém.

Q 1. deve ser condenado à exclusão;

2. deve ser penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (art. 155 do Código Penal Brasileiro);

3. deve ser punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a) 3º do

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Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol); 4. deve ser condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Art. 121

do Código Penal Brasileiro.

¬¬¬¬Q 1. não deve ser condenado à exclusão; 2. não deve ser penalizado com a reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e

multa. (art. 155 do Código Penal Brasileiro); 3. não deve ser punido, de acordo com o artigo 344 e 344 rep. a) 3º do

Código Penal, com a pena de prisão maior. (Código Penal Espanhol); 4. não deve ser condenado a reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Art. 121 do Código Penal Brasileiro.

No que diz respeito às declarações da acusação e às declarações da defesa, nos quatro

problemas apresentados, optamos, em razão da brevidade, pelo conteúdo e declarações que

seguem: Meugnin matou alguém e deve ser condenado ou P ∧∧∧∧ Q e Meugnin não deve ser

condenado e não matou alguém ou ¬¬¬¬Q ∧∧∧∧ ¬¬¬¬P, em razão de um argumento valido ou lógico

para o silogismo no modus ponens e no modus tollens, respectivamente.

Mais especificamente, trata-se de uma sugestão de contingência, quando for o caso

em que a defesa assume o mesmo raciocínio de seus adversários (a acusação), fundada na

contraposição ou equivalência entre Meugnin matou alguém e deve ser condenado ou P ∧∧∧∧ Q e

Meugnin não deve ser condenado e não matou alguém ou ¬¬¬¬Q ∧∧∧∧ ¬¬¬¬P, ou seja, é possível não

Q127 e é possível Q128, tanto quanto é possível não P e é possível P, uma vez que a declaração

se o homem matar alguém, então, deve ser condenado ou P →→→→ Q é equivalente a declaração

127 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºpremConc. 1º premissa

P Q ¬P ¬Q P → Q P → ¬Q ¬P → Q ¬P → ¬Q ¬Q → ¬P V V F F V F V V V V F F V F V V V F F V V F V V V F V F F V V V V F V V

128 Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: Conc. 2ºprem1º premissa

P Q ¬P ¬Q P → Q P → ¬Q ¬P → Q ¬P → ¬Q ¬Q → ¬P V V F F V F V V V V F F V F V V V F F V V F V V V F V F F V V V V F V V

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se o homem não deve ser condenado, então, não matou alguém ou ¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P, e, portanto, o

aceitável ou o contingente é o que podemos demonstrar nos silogismos que seguem abaixo:

Mas, se a identidade é uma função de dois lugares I(x, y), então, exige objetos

distintos que ora abarcamos como o sujeito das declarações correspondentes a possibilidade

de Meugnin matar Sodot e a possibilidade de Meugnin não matar Sodot, relacionando-o com

objetos diferentes, ou seja, (a) Meugnin é homicida e (b) Meugla é homicida, ou seja:

Os enunciados informativos de identidade correspondente a I – homicida (H) são

lidos: 1. Meugnin é homicida e para todo Meugla, se Meugla é homicida, então Meugnin é

é possível não Q, tanto quanto P

é possível Q, tanto quanto P

Primeira premissa:

P →→→→ Q [se matar alguém, então deve ser condenado]

P →→→→ Q [se matar alguém, então deve ser condenado]

Segunda premissa:

P [Meugnin matou alguém]

¬¬¬¬Q [Meugnin não deve ser condenado]

Conclusão: Q [Meugnin deve ser condenado]

¬¬¬¬P [Meugnin não matou alguém]

IDENTIDADE entre dois termos IDENTIDADE como função de dois lugares a = b

(a) Meugnin = (b) Meugla

I(αααα, ββββ) I – homicida (H)

(OBS: o predicado sempre tem uma extensão maior que o sujeito)

I [( αααα) Meugnin, (ββββ) Meugla]

½ – não é verdadeiro ou falso (indefinido)

Enunciados informativos de

1. Hαααα ∧ ∀ββββ (Hββββ → a = b) ou 2. ∃αααα [Hαααα ∧ ∀ββββ (Hββββ → a = b)] ∧ ½αααα

ou 3. ∃αααα [Hαααα ∧ ∀ββββ (Hββββ → a = b)] → ½αααα

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igual a Meugla; 2. existe um Meugnin, tal que Meugnin é homicida e para todo Meugla, se

Meugla é homicida, então Meugnin é igual a Meugla e Meugnin é homicida é ½ (não é

verdadeiro ou falso); 3. existe um Meugnin, tal que se Meugnin é homicida e para todo

Meugla, se Meugla é homicida, então Meugnin é igual a Meugla, então, Meugnin é homicida

é ½ (não é verdadeiro ou falso). Assim, para Meugnin e Meugla, determinamos homicida (H)

como identidade I(x, y), como função entre dois lugares diferente.

Assim, confirmamos que a defesa, ao assumir o mesmo raciocínio de seu adversário

(a acusação), ou seja, se o homem matar alguém, então, deve ser condenado ou P →→→→ Q que é

equivalente à declaração se o homem não deve ser condenado, então, não matou alguém ou

¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P, sugere apenas, em vez de refutar, uma contingência fundada na contraposição ou

equivalência, isto é, a possibilidade de Q e a possibilidade de não Q, tanto quanto a

possibilidade de P e a possibilidade de não P e, nesse sentido, o aceitável que implica a

admissão das declarações em uma perspectiva ilocucionária ou abdutiva.

Nessa perspectiva, e considerando o sistema do cálculo sentencial da lógica de três ou

mais valores, em que as funções de verdade são redefinidas de tal modo que abarquem os

casos em que um ou mais argumentos tomam o valor correspondente a ½, temos a seguinte

representação para se o homem matar alguém, então, deve ser condenado ou P →→→→ Q

equivalente a declaração se o homem não deve ser condenado, então, não matou alguém ou

¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P:

P →→→→ Q ¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P

P →→→→ ¬¬¬¬Q Q →→→→ ¬¬¬¬P

P Q ¬¬¬¬P ¬¬¬¬Q Cab C¬¬¬¬b¬¬¬¬a Ca¬¬¬¬b Cb¬¬¬¬a 1 1 0 0 1 1 0 0 1 ½ 0 ½ ½ ½ ½ ½ 1 0 0 1 0 0 1 1 ½ 1 ½ 0 1 1 ½ ½ ½ ½ ½ ½ 1 1 1 1 ½ 0 ½ 1 ½ ½ 1 1 0 1 1 0 1 1 1 1 0 ½ 1 ½ 1 1 1 1 0 0 1 1 1 1 1 1 Equivalentes Equivalentes

Acrescentamos, ainda, que a declaração se o homem matar alguém, então, deve ser

condenado ou P →→→→ Q equivalente à declaração se o homem não deve ser condenado, então,

não matou alguém ou ¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P têm como resultado o valor correspondente a ½ (não é

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verdadeiro ou falso), se implicadas em uma adição, mas, têm o resultado correspondente a 1

(verdadeiro), se implicadas em uma condicional relativa, como descrito nas representações

abaixo em que C é uma condicional relativa e A é uma adição:

N C 1 ½ 0 A 1 ½ 0 1 0 1 1 ½ 0 1 1 1 1 ½ ½ ½ 1 1 ½ ½ 1 ½ ½ 0 1 0 1 1 1 0 1 ½ 0:

Em outra perspectiva e a partir do paradoxo da confirmação, a declaração Algum

homem é homicida ou P ∧∧∧∧ Q (confirmada sempre que me deparo com um não-homicida que é

um não-homem ou ¬¬¬¬Q ∧∧∧∧ ¬¬¬¬P) é verdade tanto quanto Algum não-homem é homicida ou ¬¬¬¬P ∧∧∧∧

Q (confirmada sempre que me deparo com algo não-homicida que é homem ou ¬¬¬¬Q ∧∧∧∧ P),

pois, o termo homicida é determinado como a identidade I(x, y) ou função entre dois lugares

diferentes.

No entanto, se considerarmos as declarações Algum homem é homicida ou P ∧∧∧∧ Q

(confirmada sempre que me deparo com algo não-homicida que é não-homem ou ¬¬¬¬Q ∧∧∧∧ ¬¬¬¬P) é

verdade tanto quanto Algum homem não é homicida ou P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Q (confirmada sempre que me

deparo com algo não-homicida que é homem ou ¬¬¬¬Q ∧∧∧∧ P), pois, o termo homicida é

determinado como a identidade I(x, y) ou função entre dois lugares diferentes, como podemos

deduzir abaixo, no quadro das possibilidades de implicação entre Homem (sujeito) e

Homicida (predicado) (ou todo homem é homicida P →→→→ Q como ponto de partida):

Quadro lógico para proposições compostas:

A E

¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P (VFVV) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Q ∧∧∧∧ P] ¬¬¬¬P →→→→ ¬¬¬¬Q (VVFV) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬P ∧∧∧∧ Q]

¬¬¬¬Q →→→→ P (VVVF) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Q ∧∧∧∧ ¬¬¬¬P] ¬¬¬¬P →→→→ Q (VVVF) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Q]

¬¬¬¬Q →→→→ P (VVVF) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Q ∧∧∧∧ ¬¬¬¬P] P →→→→ ¬¬¬¬Q (FVVV) = ¬¬¬¬[P ∧∧∧∧ Q]

¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P (VFVV) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Q ∧∧∧∧ P] P →→→→ Q (VFVV) = ¬¬¬¬[P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Q]

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Ι O

Assim, se o termo homicida é a identidade I(x, y) ou função entre dois lugares

diferentes, então, demonstramos o princípio de que todo predicado tem sempre uma extensão

maior que o sujeito.

No entanto, outra questão relevante diz respeito às declarações da acusação e da defesa

que concordam quanto ao antecedente da premissa condicional ou primeira premissa, ou seja,

afirmam a premissa categórica ou segunda premissa, mas, discordam quanto ao conseqüente

da premissa condicional. A hipótese a que nos referimos é correspondente a c.[413] – Haja ou

não hája provas materiais ou não meramente argumentativas, no capítulo anterior.

Mais especificamente, ainda em razão da brevidade, optamos pelo conteúdo e

declarações que seguem: Meugnin matou alguém e deve ser condenado ou P ∧∧∧∧ Q e Meugnin

matou alguém e não deve ser condenado ou P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Q, em razão de um argumento válido ou

lógico para os silogismos no modus ponens, como podemos observar nos silogismo a partir do

quadro de oposições modais abaixo:

A E Ι O

∧∧∧∧ - e; ¬¬¬¬ - negação; →→→→ - se, então.

P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Q (FVFF) = ¬¬¬¬[P →→→→ Q] ¬¬¬¬Q ∧∧∧∧ P (FVFF) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P]

P ∧∧∧∧ Q (VFFF) = ¬¬¬¬[P →→→→ ¬¬¬¬Q] ¬¬¬¬Q ∧∧∧∧ ¬¬¬¬P (FFFV) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Q →→→→ P]

¬¬¬¬P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Q (FFFV) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬P →→→→ Q] ¬¬¬¬Q ∧∧∧∧ ¬¬¬¬P (FFFV) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Q →→→→ P]

¬¬¬¬P ∧∧∧∧ Q (FFVF) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬P →→→→ ¬¬¬¬Q] ¬¬¬¬Q ∧∧∧∧ P (FVFF) = ¬¬¬¬[¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P]

P→→→→¬¬¬¬Q = ¬[P∧Q] ¬[P∧¬Q] = P→→→→Q

a. É possível que [P∧∧∧∧Q] b. Não é possível que [P∧∧∧∧¬¬¬¬Q] c. Não é impossível que [P→→→→Q]

a. É possível que [P∧∧∧∧¬¬¬¬Q] b. Não é possível que [P∧∧∧∧Q] c. Não é necessário que [P→→→→Q]

a. É necessário que [P→→→→Q] b. É impossível que [P→→→→¬¬¬¬Q] c. Não é possível que [P∧∧∧∧¬¬¬¬Q]

¬[P→¬Q] = P ∧∧∧∧ Q

a. É impossível que [P→→→→Q] b. É necessário que [P→→→→¬¬¬¬Q] c. Não é possível que [P∧∧∧∧Q]

P∧∧∧∧¬¬¬¬Q = ¬[P→Q]

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≠≠≠≠ (diferente de)

A partir do quadro de oposições modais acima e considerando as declarações Meugnin

matou alguém e deve ser condenado ou P ∧∧∧∧ Q e Meugnin matou alguém e não deve ser

condenado ou P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Q, temos os seguintes silogismos cujos argumentos são validos ou

lógicos:

Modus Ponens Lógico ou Válido129

Modus Ponens Lógico ou Válido130

Primeira premissa: [condicional]

P→→→→Q

P→→→→¬¬¬¬Q

Segunda premissa: [categórica]

P P

Conclusão: Q ¬¬¬¬Q

129. Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºp Concl. 1ºp 1ºp 2ºp Concl.

P Q ¬ P ¬ Q P→→→→Q (P→→→→Q)∧∧∧∧P [(P→→→→Q)∧∧∧∧P]→→→→Q V V F F V V V V F F V F F V F V V F V F V F F V V V F V

130. Como podemos observar na tabela do anexo 1, sintetizada abaixo: 2ºp Concl. 1ºp 1ºp 2ºp Concl.

P Q ¬ P ¬ Q P→→→→¬¬¬¬Q (P→→→→¬¬¬¬Q)∧∧∧∧P [(P→→→→¬¬¬¬Q)∧∧∧∧P]→→→→¬¬¬¬Q V V F F F F V V F F V V V V F V V F V F V F F V V V F V

¬¬¬¬P∧∧∧∧¬¬¬¬Q = ¬¬¬¬[¬¬¬¬P→→→→Q]

d. É possível que [¬P∧∧∧∧¬¬¬¬Q] e. Não é necessário que [¬¬¬¬P→→→→ Q]

A hipótese pesa sobre o antecedente da premissa condicional – falácia o Modus Tollens ou lógica do Modus Ponens, que depende da primeira premissa condicional adotada, ou seja, se P→→→→Q ou se ¬¬¬¬P→→→→¬¬¬¬Q, respectivamente.

A hipótese pesa somente sobre o conseqüente da premissa condicional – adoção do princípio do contraditório ou violação do princípio da não contradição.

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Como já observamos, se a hipótese pesa somente sobre o conseqüente da primeira

premissa condicional (ou a norma em sentido estrito) e não havendo dúvida quanto ao

antecedente (ou fato) que é afirmado na premissa categórica ou segunda premissa, então a

declaração Meugnin matou alguém e não deve ser condenado ou P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Q (possibilidade de

¬¬¬¬Q) é oposta, na relação contraditória, à Quem matar alguém deve ser condenado ou P →→→→ Q

(necessidade de Q), implica o princípio do contraditório ou a violação do princípio da não

contradição considerada a admitida a dúvida ou a possibilidade do conseqüente em ambas as

proposições, ou seja, a possibilidade de Q e a possibilidade de ¬¬¬¬Q, ou simplesmente Meugnin

matou alguém e deve ser condenado ou P ∧∧∧∧ Q e Meugnin matou alguém e não deve ser

condenado ou P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬Q.

Neste caso específico, podemos observar que a possibilidade de Q e a possibilidade de

¬¬¬¬Q resulta na negação da necessidade e da impossibilidade de Quem matar alguém deve ser

condenado ou P →→→→ Q, e, portanto, o aceitável ou o contingente como demonstrado nos

silogismos que seguem abaixo:

Mas, se a identidade é uma função de dois lugares I(x, y), então, exige objetos

distintos e, nesse sentido, vale a análise feita acima para as declarações (a) Meugnin é

homicida e (b) Meugla é homicida, ou seja, (a) Meugnin deve ser condenado e (b) Meugla

deve ser condenado, nos termos do quadro abaixo:

é possível não Q, tanto

quanto P

é possível Q, tanto quanto

P

Primeira

premissa:

P →→→→ Q [se matar alguém, então

deve ser condenado]

P →→→→ ¬¬¬¬Q [se matar alguém, então

deve ser condenado]

Segunda

premissa:

P [Meugnin matou

alguém]

P [Meugnin matou

alguém ]

Conclusão: Q [Meugnin deve ser

condenado]

¬¬¬¬Q [Meugnin não deve ser

condenado ]

IDENTIDADE entre dois termos IDENTIDADE como função de dois lugares a = b

I(αααα, ββββ)

I – deve ser condenado (DSC)

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Os enunciados informativos de identidade correspondente a I – deve ser condenado

(DSC) são lidos: 1. Meugnin deve ser condenado e para todo Meugla, se Meugla deve ser

condenado, então, Meugnin é igual a Meugla; 2. existe um Meugnin, tal que Meugnin deve ser

condenado e para todo Meugla, se Meugla deve ser condenado, então, Meugnin é igual a

Meugla e Meugnin deve ser condenado é ½ (ou não é verdadeiro ou falso); 3. existe um

Meugnin, tal que se Meugnin deve ser condenado e para todo Meugla, se Meugla deve ser

condenado, então, Meugnin é igual a Meugla, então, Meugnin deve ser condenado é ½ (ou

não é verdadeiro ou falso). Assim, para Alguém que mata alguém e para Alguém que não

mata alguém, determinamos I – deve ser condenado (DSC) como identidade I(x, y), como

função entre dois lugares diferente.

Nesse sentido, ainda que a defesa seja contraditória à acusação, ou seja, a declaração

Quem matar alguém deve ser condenado ou P →→→→ Q que é contraditório a declaração Quem

matar alguém não deve ser condenado ou P →→→→ ¬¬¬¬Q, sugere, ainda assim, uma contingência

fundada na contraposição, mas, não na equivalência, isto é, a possibilidade de Q e a

possibilidade de não Q, e, nesse sentido, o aceitável ainda implica a admissão das declarações

em uma perspectiva ilocucionária ou abdutiva.

Nessa perspectiva, e considerando o sistema do cálculo sentencial da lógica de três ou

mais valores, em que as funções de verdade são redefinidas de tal modo que abarquem os

casos em que um ou mais argumentos tomam o valor correspondente a ½, temos a seguinte

representação para Quem matar alguém deve ser condenado ou P →→→→ Q não é equivalente a

declaração Quem matar alguém não deve ser condenado ou P →→→→ ¬¬¬¬Q:

(a) Meugnin = (b) Meugla (OBS: o predicado sempre tem uma extensão maior que o sujeito)

I [( αααα) Meugnin , (ββββ) Meugla ]

½ – não é verdadeiro ou falso (indefinido)

Enunciados informativos de 1. DSCαααα ∧ ∀ββββ (DSCββββ → a = b)

ou 2. ∃αααα [DSCαααα ∧ ∀ββββ (DSCββββ → a = b)] ∧ ½αααα ou 3. ∃αααα [DSCαααα ∧ ∀ββββ (DSCββββ → a = b)] → ½αααα

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P →→→→ Q ¬¬¬¬Q →→→→ ¬¬¬¬P

P →→→→ ¬¬¬¬Q Q →→→→ ¬¬¬¬P

P Q ¬¬¬¬P ¬¬¬¬Q Cab C¬¬¬¬b¬¬¬¬a Ca¬¬¬¬b Cb¬¬¬¬a 1 1 0 0 1 1 0 0 1 ½ 0 ½ ½ ½ ½ ½ 1 0 0 1 0 0 1 1 ½ 1 ½ 0 1 1 ½ ½ ½ ½ ½ ½ 1 1 1 1 ½ 0 ½ 1 ½ ½ 1 1 0 1 1 0 1 1 1 1 0 ½ 1 ½ 1 1 1 1 0 0 1 1 1 1 1 1 Não Equivalentes

No entanto, sempre que as declarações Quem matar alguém deve ser condenado ou P

→→→→ Q não equivalente a declaração Quem matar alguém não deve ser condenado ou P →→→→ ¬¬¬¬Q

forem ½ (não é verdadeiro ou falso), se implicadas em uma adição, o resultado será ½ (não é

verdadeiro ou falso), mas, se implicadas em uma condicional relativa, o resultado será 1 (ou

verdadeiro), como descrito nas representações abaixo em que C é uma condicional relativa e

A é uma adição:

N C 1 ½ 0 A 1 ½ 0 1 0 1 1 ½ 0 1 1 1 1 ½ ½ ½ 1 1 ½ ½ 1 ½ ½ 0 1 0 1 1 1 0 1 ½ 0

Assim, as relações lógicas se sustentam entre sentenças que não são propriamente

proposições, ou seja, na perspectiva do formalismo lógico de Jan Lukasiewicz, a declaração

pode ser objeto de descrição ou sistematização independentemente da definição de

proposição, pois, uma declaração não se limita conceitualmente a uma proposição e, na

perspectiva da análise de discurso, é uma troca conversacional.

Sob outro prisma, a demonstração do aceitável ou do contingente, fundado no

princípio de que todo predicado tem sempre uma extensão maior que o sujeito, está no

pressuposto existencial relativo ao termo sujeito das declarações firmadas na conclusão do

silogismo que segue abaixo:

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Isto é, se considerarmos a verdade da premissa categórica ou segunda premissa como

fundamento para o pressuposto existencial relativo ao termo sujeito da conclusão. Mais

especificamente, o pressuposto existencial relativo ao termo sujeito de QMeugnin: Meugnin deve

ser condenado e de QMeugnin: Meugnin não deve ser condenado é fundado, respectivamente,

nas declarações PMeugnin: Meugnin matou Sodot e PMeugnin: Meugnin não matou Sodot. O

pressuposto existencial relativo ao termo sujeito da conclusão é determinado pela verdade da

correspondência do sujeito com o predicado na premissa categórica ou segunda premissa, ou

seja, que esta garanta o pressuposto existencial do termo sujeito na conclusão. Isto é, se

Meugnin matou Sodot, então, Meugnin existe e se Meugnin não matou Sodot, então, Meugnin

não existe.

Na determinação da existência de Meugnin devemos levar em conta a distribuição (ou

não direcionamento) e não distribuição (ou direcionamento) do termo no predicado em

relação ao sujeito, ou seja, se a declaração é afirmativa, então o predicado está não distribuído

(ou direcionado) em relação ao sujeito, mas, se a declaração é negativa, então o predicado está

distribuído (ou não direcionado) em relação ao sujeito. Nesse sentido, temos que para o

predicado distribuído (ou não direcionado) o sujeito não existe.

No entanto, se considerarmos a declarações QMeugnin: Meugnin deve ser condenado,

RMeugnin: Meugnin deve ser absolvido e ¬QMeugnin: Meugnin não deve ser condenado, temos

que diferente de QMeugnin e RMeugnin, QMeugnin e ¬QMeugnin não podem ser falsas a um só tempo,

pois, independente do pressuposto existencial relativo ao termo sujeito, ou seja, se o sujeito

existe ou não existe, necessariamente uma teria que ser verdadeira e a outra falsa, como

demonstrado no esquema abaixo:

QMeugnin: Meugnin deve ser condenado. RMeugnin: Meugnin deve ser absolvido. Proposições preliminares

¬QMeugnin: Meugnin não deve ser condenado.

Primeira premissa:

P →→→→ Q se matar alguém, então deve ser condenado.

¬¬¬¬P →→→→ ¬¬¬¬Q se não matar alguém, então não deve ser condenado.

Segunda premissa:

P Meugnin matou Sodot. ¬¬¬¬P Meugnin não matou Sodot.

Conclusão: Q Meugnin deve ser condenado.

¬¬¬¬Q Meugnin não deve sr condenado.

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Primeira condição Segunda condição que Meugnin matou Sodot que Meugnin não matou Sodot Meugnin existe Meugnin não existe

Q V Q* F critério empírico R F R* F ¬¬¬¬Q F ¬¬¬¬Q* V critério lógico-formal-semântico

critério lógico-formal

(e)

Primeira condição Segunda condição que Meugnin matou Sodot que Meugnin não matou Sodot Meugnin existe Meugnin não existe

Q F Q* F critério empírico R V R* F ¬¬¬¬Q V ¬¬¬¬Q* V critério lógico-formal-semântico

critério lógico-formal

A determinação dos valores de verdade para QMeugnin, RMeugnin e ¬QMeugnin, sob a

primeira condição, é justificado por um critério lógico-formal combinado com o pressuposto

existencial relativo ao termo sujeito, ou seja, que Meugnin existe. Mas, a determinação dos

valores de verdade para Q*Meugnin, R*Meugnin e ¬Q*Meugnin, sob a segunda condição, é

justificado por um critério empírico, que implica a falsidade de Q*Meugnin e R*Meugnin em razão

da não existência de Meugnin, e é justificado por um critério lógico-formal-semântico, que

implica a verdade de ¬Q*Meugnin em razão da não existência de Meugnin e do valor atribuído a

Q*Meugnin, ou seja, falso. O critério lógico-formal implica o princípio do terceiro excluído

concomitante o princípio da não contradição, mas o critério empírico ou com base na

experiência viola o princípio do terceiro excluído concomitante o princípio da não contradição

quando temos a diferença entre R*Meugnin: Meugnin deve ser absolvido é falso e ¬Q*Meugnin:

Meugnin não deve ser condenado é verdadeiro.

A determinação dos valores de verdade para as proposições p*, q* e p'* apresenta um

caráter a priori, dependente ou baseado na experiência, embora necessário, ou seja, se

Meugnin não existe, dizer que QMeugnin: Meugnin deve ser condenado e RMeugnin: Meugnin

deve ser absolvido tem de ser falso, mas dizer que ¬QMeugnin: Meugnin não deve ser

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condenado tem de ser verdadeiro, independentemente de quaisquer condições de observação

empírica relativas a não existência de Meugnin; o que determina o caráter do critério lógico-

formal-semântico. Isto é, quando negado o pressuposto existencial relativo ao termo do

sujeito, podemos afirmar que a declaração ¬QMeugnin: Meugnin não deve ser condenado

subsiste verdadeira em uma perspectiva ou critério lógico-formal-semântico.

Mas, dizer que RMeugnin: Meugnin deve ser absolvido tem de ser falso e dizer que

¬QMeugnin: Meugnin não deve ser condenado tem que ser verdadeiro implica uma diferença

em razão do aceitável ou do contingente fundado no princípio de que todo predicado tem

sempre uma extensão maior que o sujeito.

5 CONCLUSÃO

No transcorrer da reflexão, que desenvolvemos nos três capítulos precedentes,

procuramos nas formulações teóricas, abordagens e procedimentos de Aristóteles e de Jan

Lukasiewicz, sobre os futuros contingentes, a formalização de uma lógica não-clássica ou

uma lógica a partir de três ou mais valores para uma teoria semântica fundada em

formalismos lógicos para a análise das regras de predicação e intermediação de conceitos

jurídicos.

Aristóteles e Jan Lukasiewicz, quando tratam dos futuros cotingentes, demarcam o

fato de que estruturas sintáticas gramaticais da linguagem gerada não são apenas simbólicas,

mas são combinações de significado, significação e produção de sentido. A partir delas

podemos estabelecer as categorias funcionais de outras expressões de linguagem e das regras

de combinação entre elas. Essas categorias funcionais são submetidas, na análise da

linguagem, às lógicas não-clássicas de três ou múltiplos valores.

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Nesse sentido, Theodor Viehweg contribuiu, determinantemente e de diversos modos,

para a determinação do objetivo da tese que consiste em destacar os aspectos em que a

semântica contribui para expor questões relevantes do raciocínio jurídico, submetendo-os à

sistematização de uma lógica não clássica de três ou múltimplos valores, ou seja, quando

abarcamos a afirmação de que:

(a) o direito não integra o mundo objetivo, mas, sim, o mundo intersubjetivo, variável,

contingente e plural; o acesso à realidade será, então, mediado pela linguagem ou

proposições lingüísticas, sendo que o termo verdade só poderá predicar as proposições

e não a própria realidade;

(b) a lógica formal, que não abarca extensivamente as lógicas multivalentes de Jan

Lukasiewicz, não basta, por si mesma, para explicar a racionalidade jurídica, pois, o

âmbito do racional é mais amplo que o da lógica formal não extensiva pode abarcar;

(c) é, precisamente, a invenção, por um lado, e a dedução, por outro, que constitui a

matéria ou o conteúdo da racionalidade jurídica e, segundo Theodor Viehweg, se trata

aquí de la lógica formal y de una combinación material especial e a esta lógica

pertenecen también las lógicas multivalentes en el sentido de Lukasiewicz (1991. p.

68);

(d) a lógica formal, que não abarca extensivamente as lógicas multivalentes de Jan

Lukasiewicz, não basta, por si mesma, para explicar a racionalidade jurídica, pois, o

âmbito do racional é mais amplo que o da lógica formal não extensiva pode abarcar.

Mas rechaçamos a afirmação de que las lógicas multivalentes en el sentido de

Lukasiewicz devem ser deixadas de lado en vista de que su significado no está aún aclarado.

(1991. p. 68). Discordamos de Theodor Viehweg no que concerne a deixar de lado as lógicas

multivalentes de Jan Lukasiewicz, pois, somente ela, com seus formalismos lógicos, pode

propiciar o adequado tratamento científico ou uma teoria semântica para a análise lingüística

das regras de predicação e intermediação de conceitos jurídicos e, assim, fixar a atenção tanto

no aspecto formal quanto no aspecto material do raciocínio jurídico, ou seja, da argumentação

jurídica.

Toda essa preocupação se mostra descrita no longo percurso que construímos e que

converge, na sua forma derradeira, a partir da identificação de um pragmatismo jurídico

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alheio às contingências, em uma teoria semântica fundada em formalismos lógicos para a

análise das regras de predicação e intermediação de conceitos jurídicos.

Se a semiótica é, segundo Peirce, idêntica à lógica e esta à quase-necessária, ou

formal, doutrina dos signos (1977. p. 45), e, segundo Theodor Viehweg, as fórmulas

conceituais da nova semiótica, distinguem-se, pois, entre os aspectos sintáticos, semânticos e

pragmáticos de um modo de falar que, por sua vez, distingue-se entre uma maneira de falar

não situacional e outra situacional, então, entre o que é necessário, que direciona o raciocínio

para a dimensão do essencial, e o que é contingente, que circunscreve o raciocínio na

dimensão do acidental, há a pretensão de converter o contingente, sempre que possível, em

necessário.

Nesse sentido, a referida pretensão destaca o furor do necessário na reflexão teórica,

contrário ao contingente que é concebido, somente, na medida em que o convertemos em

alguma forma de necessidade, ainda que em uma necessidade fraca, por um critério de

recorrência, de repetição ou de previsibilidade. Isto é, como foi demonstrada com o paradoxo

da confirmação, a padronização da construção teórica impõe a desconfiança sobre aspectos

acidentais de um objeto que, à medida que se repetem e se tornam reincidentes, ressaltam aos

olhos do observador.

No entanto, o necessário não é alcançado a partir da observação de uma quantidade,

qualquer que seja, de contingentes, pois, se o que é da ordem do necessário pode se desfazer

em razão de novas descobertas, então, não se pode assumir essa necessidade, que se trata de

uma compreensão circunstancial, como um padrão universal ou mesmo a possibilidade de sua

construção. A necessidade nos libera para os desafios de uma opção (ainda que precipitada)

pela universalidade tanto quanto a contingência nos amarra em uma dimensão particular

espaço-temporal das acidentalidades.

Como observamos ao longo dos três capítulos precedentes, em que comparamos, por

exemplo, a lógica e a lingüística, no que dizer respeito à racionalidade jurídica, identificamos

de modo específico os problemas que se situam em ambos os domínios, do necessário e do

contingente; enquadramos o contingente em uma dimensão formal, em uma teoria semântica

fundada na formalização da lógica para a análise lingüística das regras de predicação e

intermediação de conceitos jurídicos.

A partir do ideal positivista de ciência da natureza, a jurisprudência ou ciência do

direito busca, na descrição do comportamento dos objetos em determinado campo objetivo, a

explicação desse comportamento e a criação de possibilidades de sua previsão. Assim, a

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ciência do direito constrói teorias ou sistemas axiomáticos que constituem hipóteses genéricas

que se confirmam pelos experimentos empíricos e, na perspectiva do paradoxo da

confirmação (a universalização de proposições particulares), servem de prognóstico para a

ocorrência de fenômenos que obedecem às mesmas condições descritas teoricamente.

A incursão mais determinante em favor da contingência deve-se à relevância atribuída

à questão do acontecimento como um contínuo ou sempre um novo padrão de informação a

ser incorporado no âmbito das teorias, ainda mais se considerarmos o âmbito da racionalidade

jurídica, onde a ordem do necessário se desfazer em razão do acontecimento é uma constante.

Nesse sentido, podemos deduzir que o caráter (que se supõe) analítico da lei, a partir de uma

investigação da necessidade por simplificação e da necessidade por hipótese na categorização

do imaginário jurídico-discursivo, é um pressuposto, pois, quando é aplicada temos dela uma

dimensão contingente. Mais especificamente, a enunciação da matéria necessária é aquela que

não pode deixar de convir ao sujeito, ou simplesmente necessidade por simplificação, e a

enunciação de matéria contingente é aquela cujo predicado pode convir ou não convir ao

sujeito, ou simplesmente necessidade por hipótese.

Os aspectos conceituais da necessidade (analiticidade) e da contingência

(sinteticidade) e os problemas associados a sua utilização na compreensão de fatos semânticos

na análise das línguas naturais são desenvolvidos, na formulação de Katz (1972), como

Semântica Interpretativa. 131

No que concerne à análise da representação conceitual dos signos, observamos que a

transitividade por implicação ou semelhança entre analítico132 e necessário e entre sintético e

contingente define o caráter de uma Teoria Semântica e, conseqüentemente, um problema

131 É comum uma associação da necessidade ao analítico e ao universal de um lado, e do outro, da contingência, ao sintético e ao particular. Nada impede que, num modelo qualquer, um dos termos seja eliminado e redefinido em função dos termos remanescentes: na lingüística, por exemplo, a necessidade é quase sempre substituída pela analiticidade. Outras categorias como a priori, inato e a posteriori, adquirido também costumam ser contrastadas, respectivamente, a necessidade e contingência. Ainda que num determinado campo seja possível correlacionar necessário, analítico, universal, a priori, inato, não devemos deduzir dessa correlação tratar-se de categorias equivalentes. Por exemplo, é comum associar necessário/contingente a dimensão lógica do conhecimento e analítico/sintético a uma dimensão ontológica, sem que um grupo, em termos operacionais, seja o contrário do outro. 132 Trata-se da definição geral de analítico em Katz, ou seja: ...both members of each pair are analytic by virtue of the fact that the predicate contains only semantic information already found in the subject.” (ambos os membros de cada par são analíticos em virtude do fato de que o predicado contém apenas informações semânticas já encontradas no assunto) E mais à frente: “...it ought to be that analyticity, in the general case, is the situation where the assertion of a proposition involves no more information than is already contained in its presupposition. (que deveria ser a analiticidade que, no caso geral, é a situação em que a afirmação de uma proposição não envolve mais informações do que já está contido no seu pressuposto) (KATZ, J. J. Semantic Theory. New York: Harper & Row, 1972. P. 172-3.).

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recorrente, ou seja, é possível: (a) a compreensão analítica ou (b) a determinação das

condições necessárias para definir espécies naturais e artefatas ou itens lexicais lato senso.

Mais especificamente, em razão da referida transitividade por implicação, ou a possibilidade

de (a) − compreensão − decorre, se e somente se, da possibilidade teórica de (b) − definição −,

ou a refutação de (a) decorre da impossibilidade de (b). Segundo Mari, são:

duas questões que espelham as dificuldades mais recorrentes na semântica: (a) existem compreensões analíticas para espécies naturais e artefatas em particular, ou para itens lexicais, em geral? (b) é possível determinar condições necessárias e suficientes para definir espécies naturais e artefatas ou itens lexicais latu sensu? As duas perguntas contêm os mesmos problemas, em razão de uma certa transitividade que implicam: logo, podemos confirmar viabilidade perceptiva de (a) – compreensão – pela possibilidade teórica de (b) – definição -, ou, simplesmente, refutar (a) pela impossibilidade de (b). Embora (a) afirme uma certa atividade perceptiva que exercemos sobre os objetos (diretamente ou através de nomes de objetos) (b) parece orientar-se pelas condições metalingüísticas de fixação dessa percepção. (MARI. 2007. P. 05)

Outro problema, apontado por Mari, para a análise da representação conceitual dos

signos, ainda em razão da referida transitividades por implicação, é a possibilidade de

desvincularmos o que é necessário do que é suficiente para assegurar uma definição, ou seja,

mais especificamente:

A mútua dependência que admitimos em relação a (a) e (b) ainda guarda um outro tipo de dificuldade, isto é, a possibilidade de desvincularmos o necessário do suficiente, assegurando que uma definição possa ser necessária, enquanto assegura parte da essência do nome-objeto, mas não suficiente, por não assegurar aspectos adicionais que são levados em conta na sua percepção como um todo. Por exemplo, a idéia de [mecanismo automotivo] é necessária à definição de carro, mas nunca será suficiente para defini-lo, considerando-se a percepção que temos desse objeto. (MARI. 2007. P. 05-06)

No entanto, como demonstramos mais acima, a análise dos Futuros Contingentes na

perspectiva da referenciação semântica dos signos correspondentes a um instituto jurídico, por

impossibilidade de uma representação conceitual desses signos ou institutos jurídicos, exige

uma abordagem sistêmica para além da semântica interpretativa de Katz que é limitada, em

razão da referida transitividade por implicação, ou a possibilidade de (a) − compreensão −

decorrente, se e somente se, da possibilidade teórica de (b) − definição −, ou a refutação de (a)

decorrente da impossibilidade de (b), ou mesmo a distinção e desvinculação entre necessário e

suficiente, por não abordarem aspectos específicos das sentenças prescritivas ou imputativas

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que, entre inferência e implicação, descrevem processos distintos de referenciação semântica

dos signos correspondentes a um instituto jurídico.

E, ainda que consideremos as condições de analiticidade que, segundo Mari, é

qualquer categoria que pertença ao domínio de um determinado objeto/conceito pode tornar-se formalmente analítica, para outros domínios, por força da operação lógica de negação, desde que se possa derivar da categoria uma regra de implicação, associando-a a uma outra categoria positivamente marcada para o domínio do objeto em questão. (MARI. 2007. P. 15)

devemos observar, além do limite de que nem tudo que resultar de uma aplicação da negação

pode ter pretensões à analiticidade, mas apenas aquilo que resultar de uma combinação

negação-implicação (MARI. 2007. p. 15).

E, ainda, além de outras relações que são possíveis (mas não necessárias) e

circunscritas ao campo do sintético, como a frase Cavalos não são móveis que não seria

considerada absurda, já que a única restrição que deve ser imposta à negação refere-se à sua

aplicação a predicações analíticas. (MARI. 2007. p. 15), as objeções, de Putnam (1988) e

Kripke em circunstâncias diferentes, ao conceito de analiticidade e os aspectos fundamentais

para a relação entre lógica e linguagem, desde o positivismo lógico do Círculo de Viena e o

pensamento lógico-filosófico do Círculo de Varsóvia com a many-valued logic de Jan

Lukasiewicz e a concepção semântica da verdade de Alfred Tarski.

As objeções de Putnam (1988) e Kripke concernem à possibilidade de determinar

condições necessárias e suficientes que sejam capazes de assegurar a referência, ou seja, trata-

se da refutação de (a) − compreensão − que decorre da impossibilidade de (b) − definição.

Segundo Mari:

para o primeiro essa impossibilidade está associada às espécies naturais que não comportam definições analíticas; Kripke centra sua crítica nos nomes próprios que, segundo ele, não garantem referência através de uma conjunção de propriedades que lhes é associada. Logo, não existe um conjunto de descrições definidas que seja analítico em relação ao referente que designa, na extensão do comentário desenvolvido pelos dois autores. Embora tenham traçado caminhos diferentes, a formulação de ambos coincide no fato de declararem a impossibilidade de definições analíticas, para os objetos conceituais que escolheram no âmbito de sua análise. (MARI. 2007. P. 15)

A tese central de Putnam, de que as espécies naturais não podem ser analiticamente

definidas, concerne à seguinte afirmação:

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Não há nenhuma verdade analítica na forma que todo limão tem P, pois, a teoria tradicional tem em conta o que é correto para os conceitos de um critério (ou seja, para conceitos como solteirão e raposa) e faz dela uma explicação geral dos significados dos nomes em geral.133 (PUTNAM. 1977. P. 102)

Segundo Mari, referindo-se a tese de Putnam,

quando definimos limão pela cor da casca, teor de acidez, natureza cítrica etc., não provemos condições necessárias e suficientes para compreender o que venha a ser limão. Uma definição analítica não inclui, no seu domínio, os membros que contiverem quaisquer anomalias, já que eles, pelo teor das propriedades constantes da definição, estarão logicamente excluídos. Todavia, um limão que contenha uma casca fora do padrão da definição (ele menciona um blue lemon), ou um teor de acidez abaixo do padrão, ou qualquer outra fato que venha contradizer um dos aspectos da definição, não deixa de ser um limão e estamos prontos a incluí-lo na classe, como geralmente o fazemos. (MARI. 2007. P. 15-16)

Com o mesmo raciocínio, Putnam nega o caráter de analiticidade para o traço de

[animalidade] para gato ou para outro animal qualquer134, porque não há garantias absolutas

de que uma parte dos objetos que conhecemos por esse nome não seja de robôs mecânicos.

Segundo Mari,

Nos exemplos que vínhamos discutindo e num outro viés da reflexão, um homem que deixasse de ser bípede por um acidente genético ou não, também deixaria de ser homem, pelo fato de sua definição conter essa propriedade? Se uma resposta a essa questão for negativa – não, ele continuaria ser homem - , a relação deixa de constituir-se como verdade analítica, já que a predicação ser bípede seria falsa em algumas circunstâncias, ou pelo menos para alguns membros da classe. Se a resposta for afirmativa – sim, ele deixaria de sê-lo –, confirmamos sua analiticidade, reconhecendo que ser bípede é uma propriedade necessária à compreensão da classe-homem, mas, com isso, deixamos de lado, não apenas membros que não venham alcançar essa exigência, como ainda estaríamos privilegiando esta dimensão de homem, em detrimento de outras propriedades que também fazem parte dele. Por exemplo, a idéia de racionalidade, propriedades do córtex cerebral, habilidade dos membros superiores seriam menos analíticas do que a função bípede? Algumas dessas propriedades são mais ou menos analíticas? Algumas teriam o poder de “veto” numa classe e outras não? (MARI. 2007. P. 16)

133 There are no analitic truth of the form every lemon has P. What has happened is this: the tradicional theory has taken an account which is correct for the one criterion concepts (i.e., for such concepts as bachelor and vixen), and made it a general account of the meaning of general names. (PUTNAM. 1977. P. 102) 134 Esse caso, bem como o do limão, teve grande repercussão, a partir das disputas travadas entre Putnam e Katz. Na essência, a formulação de Putnam é uma crítica à Teoria Semântica desenvolvida por Katz que, por sua vez, responde às críticas do autor, às vezes, de forma irônica: If cats were Martian robots, would they like blue lemons?(Se os gatos eram robôs de Marte, eles gostariam de limões azuis.) (Cf. KATZ, J.J. Logic and Language: An Examination of Recent Criticisms of Intensionalism. In: GUNDERSON, K. Language, Mind and Knowledge. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1975. P.36-130.).

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Putnam categoriza core facts135 como uma propriedade que existe entre as categorias

que devem ser usadas para garantir o uso de certos termos e quando usamos um determinado

signo para referir, o fazemos a partir de um estereótipo da classe, que representa a extensão

dos seus membros normais, mas não exclui os membros anormais. Putnam afirma que:

Se, para mudar o exemplo, todos os limões tornaram-se azuis, a palavra limão não vai mudar imediatamente seu significado. Quando digo primeiro, com surpresa, os limões tornaram-se azuis, limão significará, ainda, o que significa agora - o que equivale a dizer que limão será associado com o estereótipo de amarelo-limão, apesar de eu estar usando a palavra para negar que os limões (mesmo os limões normais) são de fato amarelo.136 (PUTNAM.1977. P.112-113)

No entanto, quando uma anomalia se torna estável e contínua, ela altera o teor do

estereótipo e, ao fazê-lo, altera também o significado da palavra: ... se nosso estereótipo de

um tigre nunca muda, então a palavra tigre terá mudado seu significado.137 (PUTNAM.

1977. P.112-113)

Se a função primeira do estereótipo é garantir os membros normais da classe, sem que

isso venha a significar a exclusão de outros membros, então, o estereótipo deve ser composto

por propriedade de caráter analítico, ou seja, por categorias que temos expectativa de

encontrar em cada um de seus membros se fizermos sua decomposição conceitual, pois, tais

propriedades serão destinadas à definição da classe ou do conjunto mais regular de membros

nela incluídos. No entanto, o caráter analítico atribuído às propriedades de um estereótipo está

sujeito à ação do contexto, do tempo e do espaço, e, portanto, passível de alterações. Assim, o

analítico não pode guardar uma relação de transitividade por implicação ou semelhança com o

necessário, salvo uma forma fraca de necessidade.

Por forma fraca de necessidade, afirmamos a uberdade da possibilidade de não

descartar a necessidade, pois é a partir dela que pensamos a construção de um sistema de

propriedades que seja capaz de expressar relações fundamentais de significação, mas, não

podemos, tão pouco, descartar a sinteticidade. E, segundo Hugo Mari, faltou a Putnam dizer

135 Até mesmo nesse tipo de solução, Putnam e Kripke se aproximam: este não garante a referência através de core facts ou fatos centrais (e do estereótipo), mas através do conceito de rigid designator, definido como “something is a rigid designator if in any possible world it designates the same object...”(algo é um designador rígido se em todo o mundo possível esse algo designa o mesmo objeto) (KRIPKE, S. Naming and Necessity. In: DAVIDSON, D. & HARMANN, G. (ed.) Semantics of Natural Language. Dordrecht: D. Reidel, 1972.). 136 ...If, to change the exemple, lemons all turn blue, the word ‘lemon’ will not immediately change its meaning. When I first say, with surprise, ‘lemons have all turned blue’, lemon will still mean what it means now - which is to say that ‘lemon’ will be associated with the stereotype ‘yellow lemon’, even though I will be using the word to deny that lemons (even normal lemons) are in fact yellow. (PUTNAM.1977. P.112-113) 137... if our stereotype of a tiger ever changes, then the word tiger will have changed its meaning. (PUTNAM.1977. P.112-113)

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como é que construímos uma metalinguagem para operar com core facts, já que isso é o

mínimo que se pode pensar em termos de exigências teóricas. (MARI. 2007. P. 16) No

entanto, não nos furtamos às exigências teóricas concernentes à construção das bases formais

ou sistêmicas para uma teoria semântica, mas o fizemos a partir de um formalismo lógico para

a análise lingüística das regras de predicação e intermediação de conceitos jurídicos, ou seja,

dos aspectos fundamentais da relação entre lógica e linguagem como base fundamental para a

jurisprudência ou para a argumentação e racionalidade jurídica.

Inicialmente, com Theodor Viehweg, discorremos arrazoadamente sobre o Positivismo

Jurídico Prático, cuja perspectiva não abarca o princípio de que uma propriedade qualquer

deve sempre ter uma extensão maior ou diferente dos objetos a que se aplica, pois, senão,

seria a propriedade de um único objeto e confundir-se-ia com o próprio objeto. E, nesse

sentido, confirmamos que Montesquieu sugere, em vez de refutar e assumindo o mesmo

raciocínio de seus adversários escravagistas, ou seja, se os negros são homens, então nós não

somos cristãos ou B →→→→ ¬¬¬¬A equivalente a se nós somos cristãos, então os negros não são

homens ou A →→→→ ¬¬¬¬B, uma contingência fundada na contraposição ou equivalência, isto é, a

possibilidade de B e a possibilidade de não B e, portanto, o aceitável que implica o

fundamento para a possibilidade da força ilocucional de qualquer proferimento, em uma

perspectiva ainda que abdutiva e ainda que se trate de um ato discursivo próprio do âmbito

jurídico.

Nesse sentido, a validade racional de uma proposição não é intrínseca somente à

própria proposição, mas, antes, é decorrente de um grau de performatividade atribuído a um

formato proposicional qualquer. Mas é a partir da associação de uma força ilocucional e uma

proposição, isto é, conferindo a qualquer formato proposicional um grau de performatividade

determinamos as condições mínimas e necessárias para a existência formal de um Ato de Fala

e, conseqüentemente, a sua validade racional, cujo fundamento é o aceitável.

Segundo Vanderveken (1985. P. 176), um modo µi (prescrição, imputação, ordem,

comando, pedido, solicitação, súplica etc.) de realização de um ponto ilocucional πi (diretivo)

é formalmente determinado por uma função µi de I (conjunto de contexto) x P (conjunto de

proposições) a valores de verdade, ou seja: µi (I x πi x P)=1, onde se lê que µi atribui o valor

verdade igual a 1 a um par <I, P>, se e somente se o falante ou o locutor realiza aquele ponto

ilocucional πi sobre P (proposição) em I (contexto) de um certo modo µi. Essa função do

modo ilocucional µi é uma restriçãodo especial (imputação) a partir do ponto ilocucional πi

(diretivo), isto é, µi (I ,P)=1 se e somente se (I πi P). Mais especificamente e segundo

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Vanderveken, podemos afirmar que um modo de realização µi (imputação) de um ponto πi

(diretivo) é especial quando ele restringe as condições de realização de πi (diretivo).

Isto é, se as estruturas sintáticas da linguagem gerada não são apenas simbólicas, mas,

combinações pelas quais podemos estabelecer as categorias funcionais de outras expressões

de linguagem e das regras de combinação entre elas, então, a proposição como um ato

discursivo é, ainda que próprio do âmbito jurídico, um cálculo baseado nas propriedades

semânticas dos elementos que constituem uma linguagem. Um cálculo que implica a

retomada de princípios e fundamentos constitutivos do pragmatismo propagados pela Teoria

dos Atos de Fala, a partir da ênfase no valor performativo de atos de linguagem particulares,

desenvolvida por Austin, e ampliada, por Searle138, para a ênfase na força ilocucional de

qualquer proferimento.

Consideradas essas extensões, a Teoria dos Atos de Fala é a condição que possibilita a

fundamentação de uma prática intersubjetiva como racionalmente válida, ou seja, que

possibilita e fundamenta, em uma perspectiva deontológica, a imputação de uma sanção à

descrição de um fato como nas notações lógicas Se A é, B deve ser e Se não-A é, B deve ser de

Hans Kelsen. No entanto, devemos considerar a autoreflexividade da linguagem que,

refletindo a si mesma, possibilita reconhecer aquilo que já se encontra posto pela própria

linguagem e que só mesmo através dela se tem acesso, pois, qualquer ato discursivo demanda

pretensões ao sentido; condição que, fundada no aceitável, implica poder imputar validade

racional aos atos que tomam a linguagem como médium.

A lógica ou a validade de um raciocínio jurídico não é determinada ou exaurida pela

lógica formal, pois, a lógica jurídica supera o marco da lógica formal. Nesse sentido, o caráter

semântico da linguagem cumpre um peculiar papel na jurisprudência e na pesquisa jurídica

que pode ser enganoso. Mas isso se dá em razão do fato de que os produtos da linguagem

jurídica são freqüentemente apresentados como objetos extralingüísticos ou, por ela,

138 Os performativos particularizam modos possíveis de realização de uma força ilocucional, ou seja, modos possíveis de realização de assertivas, declarativas, comissivas, expressivas e diretivas (ou imputativas). Entretanto, a associação de uma força ilocucional a uma proposição [Filocucional (Pgrau de performatividade)] não assegura, necessariamente, o funcionamento de um ato de fala que requer parâmetros intencionais, como a sinceridade desdobrada em crença e desejo, e parâmetros convencionais, como a distribuição de papéis relativos ao sujeito. Segundo Searle: As condições preparatórias estabelecem que o falante esteja numa posição de autoridade em relação ao ouvinte, a condição de sinceridade consiste em o falante querer que se realize o acto ordenado, e a condição essencial tem a ver com o facto de o falante pretender que a enunciação seja uma tentativa de conseguir que o ouvinte realize o acto. Para as asserções, as condições preparatórias incluem o facto de que o ouvinte deve ter alguma base para supor que a proposição asseverada é verdadeira, a condição de sinceridade consiste em ele acreditar que ela é verdadeira e a condição essencial tem a ver com o facto de a proposição ser apresentada como representando um estado de coisas real. (SEARLE. 1981. P. 86)

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209

meramente repetidos ou reproduzidos, isto é, a racionalidade jurídica imagina alcançar ou

descrever adequadamente campos objetivos independentes, embora seja ela mesma que os

produza.

Em razão disso é que podemos afirmar que se o direito não integra o mundo objetivo,

mas, sim, o mundo intersubjetivo, variável, contingente e plural, então, o acesso à realidade

será mediado pela linguagem como instrumento da lógica e pela lógica como instrumento da

linguagem, em que o termo verdade só poderá predicar as proposições e não a própria

realidade. E se é, precisamente, a invenção, por um lado, e a dedução, por outro, que

constituem a matéria ou o conteúdo da racionalidade jurídica, a lógica formal é a base

fundamental da lógica de três ou mais valores de Jan Lukasiewicz para a determinação de

uma teoria semântica que possa, minimamente, propiciar uma análise lingüística das regras

de predicação e intermediação de conceitos jurídicos.

Assim, se entendemos uma proposição, é porque sabemos que a implica x, ou seja, um

sentido dá origem à implicação como podemos observar em (∃∃∃∃x).fx ∨∨∨∨ fa = (∃∃∃∃x).fx, (∃∃∃∃x).fx.fa

= fa. Propriamente dito, significa que x decorre de a ou que x deve decorre de a, ou seja,

significa que a implica x ou que a deve implicar x, como podemos observar na tabela de

equivalência abaixo:

fa

[fx ∨∨∨∨ fa]

fx

[fx ∨∨∨∨ fa]

║ fx fa fx ∨∨∨∨ fa [fx ∨∨∨∨ fa]. fa [fx ∨∨∨∨ fa] ∨∨∨∨ fa [fx ∨∨∨∨ fa]. fx [fx ∨∨∨∨ fa] ∨∨∨∨ fx v v v v v v v v f v f v v v f v v v v f v f f f f f f f

x - proposição; a- proposição; ∨ - e/ou (alternativo relativo); . - e (aditivo)

Assim, se o direito não integra o mundo objetivo, mas, sim, o mundo intersubjetivo,

variável, contingente e plural, então, o acesso à realidade será mediado pela linguagem, cujo

entendimento implica entender, em um determinado tempo, algo que tem que ser entendido

desse jeito - (∃∃∃∃x).fx ∨∨∨∨ fa = (∃∃∃∃x).fx, (∃∃∃∃x).fx.fa = fa, pois, se sei que x decorre de a, então

entendo. E isso significa que, quando o entendo, vejo algo diferente do signo que recebo – um

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tipo de definição do signo que dá origem a decorrência como parte intrínseca do mecanismo

de referenciação.

Acrescenta-se, ainda, que x não deve ser uma função de verdade de a para que a

decorrência seja possível, pois, se assim fosse, incorríamos no paradoxo da confirmação.

Nesse sentido, não se diz que x está contido em a, salvo se a é definida como uma soma

lógica (com x como um dos termos da soma) – se esse for o caso, então, a é meramente uma

abreviação que não é, necessariamente, uma decorrência. No cálculo lógico não há algo como

uma ligação oculta – não se pode procurar por trás das regras porque não há nada atrás. E,

assim, fundamentamos paradoxalmente a relevância e a necessidade de distinção entre o

contrário e o contraditório para a jurisprudência e Ciência do Direito.

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Anexo 1a - Tabela dos Valores de Verdade para C e P.

Conexão Aditiva: "e" C P ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P C ∧∧∧∧ P ¬¬¬¬ C ∧∧∧∧ P C ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ C ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ P V V F F V F F F V F F V F F V F F V V F F V F F F F V V F F F V

C P ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ (C ∧∧∧∧ P) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ C ∧∧∧∧ P) ¬¬¬¬ (C ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ P) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ C ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ P) V V F F F V V V V F F V V V F V F V V F V F V V F F V V V V V F

C P ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P P ∧∧∧∧ C P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P ∧∧∧∧ C ¬¬¬¬ P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ C

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217

V V F F V F F F V F F V F F V F F V V F F V F F F F V V F F F V

C P ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ (P ∧∧∧∧ C) ¬¬¬¬ (P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ C) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ P ∧∧∧∧ C) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ C) V V F F F V V V V F F V V V F V F V V F V F V V F F V V V V V F

Conexão Disjuntiva Excludente: "ou" C P ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P C ∨∨∨∨ P ¬¬¬¬ C ∨∨∨∨ P C ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ C ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ P V V F F F V V F V F F V V F F V F V V F V F F V F F V V F V V F

C P ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ (C ∨∨∨∨ P) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ C ∨∨∨∨ P) ¬¬¬¬ (C ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ P) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ C ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ P) V V F F V F F V V F F V F V V F F V V F F V V F F F V V V F F V

C P ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P P ∨∨∨∨ C P ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P ∨∨∨∨ C ¬¬¬¬ P ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ C V V F F F V V F V F F V V F F V F V V F V F F V F F V V F V V F

C P ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ (P ∨∨∨∨ C) ¬¬¬¬ (P ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ C) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ P ∨∨∨∨ C) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ P ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ C) V V F F V F F V V F F V F V V F F V V F F V V F F F V V V F F V

Conexão Disjuntiva Includente: "e/ou" C P ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P C ∨∨∨∨ P ¬¬¬¬ C ∨∨∨∨ P C ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ C ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ P V V F F V V V F V F F V V F V V

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F V V F V V F V F F V V F V V V

C P ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ (C ∨∨∨∨ P) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ C ∨∨∨∨ P) ¬¬¬¬ (C ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ P) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ C ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ P) V V F F F F F V V F F V F V F F F V V F F F V F F F V V V F F F

C P ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P P ∨∨∨∨ C P ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P ∨∨∨∨ C ¬¬¬¬ P ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ C V V F F V V V F V F F V V F V V F V V F V V F V F F V V F V V V

C P ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ (P ∨∨∨∨ C) ¬¬¬¬ (P ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ C) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ P ∨∨∨∨ C) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ P ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ C) V V F F F F F V V F F V F V F F F V V F F F V F F F V V V F F F

Conexão Condicional Relativa: "se, então" C P ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P C →→→→ P ¬¬¬¬ C →→→→ P C →→→→ ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ C →→→→ ¬¬¬¬ P V V F F V V F V V F F V F V V V F V V F V V V F F F V V V F V V

C P ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ (C →→→→ P) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ C →→→→ P) ¬¬¬¬ (C →→→→ ¬¬¬¬ P) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ C →→→→ ¬¬¬¬ P) V V F F F F V F V F F V V F F F F V V F F F F V F F V V F V F F

C P ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P P →→→→ C ¬¬¬¬ P →→→→ C P →→→→ ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P →→→→ ¬¬¬¬ C V V F F V V F V V F F V V V V F F V V F F V V V F F V V V F V V

C P ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ (P →→→→ C) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ P →→→→ C) ¬¬¬¬ (P →→→→ ¬¬¬¬ C) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ P →→→→ ¬¬¬¬ C) V V F F F F V F V F F V F F F V F V V F V F F F

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F F V V F V F F Conexão Condicional Absoluta: "se, somente se" C P ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P C ↔↔↔↔ P ¬¬¬¬ C ↔↔↔↔ P C ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ C ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ P V V F F V F F V V F F V F V V F F V V F F V V F F F V V V F F V

C P ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ (C ↔↔↔↔ P) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ C ↔↔↔↔ P) ¬¬¬¬ (C ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ P) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ C ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ P) V V F F F V V F V F F V V F F V F V V F V F F V F F V V F V V F

C P ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P P ↔↔↔↔ C ¬¬¬¬ P ↔↔↔↔ C P ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ C V V F F V F F V V F F V F V V F F V V F F V V F F F V V V F F V

C P ¬¬¬¬ C ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ (P ↔↔↔↔ C) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ P ↔↔↔↔ C) ¬¬¬¬ (P ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ C) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ P ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ C) V V F F F V V F V F F V V F F V F V V F V F F V F F V V F V V F

Kurt Gödel descreveu um cálculo formalizado dentro do qual se pode expressar

costumeiras notações aritméticas e estabelecer relações aritméticas familiares como no quadro

comparativo dos símbolos usados em Lógica, abaixo:

Designação Peano-Russell Hilbert Notação Polonesa Enciclopédia Variantes

Negação ∼∼∼∼ −−−− N ¬¬¬¬ Conjunção •••• &&&& K ∧∧∧∧

Disjunção Includente ∨∨∨∨ ∨∨∨∨ A ∨∨∨∨ Disjunção Excludente J ∨∨∨∨

Condicional ⊃⊃⊃⊃ →→→→ C →→→→ ⇒⇒⇒⇒ Bicondicional ≅≅≅≅ ∼∼∼∼ E ↔↔↔↔ ⇔⇔⇔⇔

Negação Alternada D ↑↑↑↑ |||| Negação Conjunta X ↓↓↓↓

Quantificador Universal (x) (x) ΠΠΠΠ ∀∀∀∀x Λx, (∀∀∀∀x) Quantificador existencial (∃∃∃∃x) (Ex) ΣΣΣΣ ∃∃∃∃ Vx

As fórmulas do cálculo são construídas a partir de uma classe de signos elementares,

que constitui o vocabulário fundamental. Um conjunto de fórmulas primitivas (ou axiomas)

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constitui o suporte e os teoremas do cálculo são fórmulas deriváveis dos axiomas por meio de

um conjunto cuidadosamente enumerado de Regras de transformação ou regras de inferência.

Os termos elementares pertencentes ao vocabulário fundamental ou enciclopédico

(descrito acima) são de duas espécies: os termos constantes e as variáveis.

Anexo 1b - Tabela dos Valores de Verdade para P e Q.

Conexão Aditiva: "e" P Q ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q P ∧∧∧∧ Q ¬¬¬¬ P ∧∧∧∧ Q P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ Q ¬¬¬¬ P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ Q V V F F V F F F V F F V F F V F F V V F F V F F F F V V F F F V

P Q ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q ¬¬¬¬ (P ∧∧∧∧ Q) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ P ∧∧∧∧ Q) ¬¬¬¬ (P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ Q) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ P ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ Q) V V F F F V V V V F F V V V F V F V V F V F V V F F V V V V V F

P Q ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q Q ∧∧∧∧ P Q ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q ∧∧∧∧ P ¬¬¬¬ Q ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ P

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221

V V F F V F F F V F F V F F V F F V V F F V F F F F V V F F F V

P Q ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q ¬¬¬¬ (Q ∧∧∧∧ P) ¬¬¬¬ (Q ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ P) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ Q ∧∧∧∧ P) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ Q ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ P) V V F F F V V V V F F V V V F V F V V F V F V V F F V V V V V F

Conexão Disjuntiva Excludente: "ou" P Q ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q P ∨∨∨∨ Q ¬¬¬¬ P ∨∨∨∨ Q P ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ Q ¬¬¬¬ P ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ Q V V F F F V V F V F F V V F F V F V V F V F F V F F V V F V V F

P Q ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q ¬¬¬¬ (P ∨∨∨∨ Q) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ P ∨∨∨∨ Q) ¬¬¬¬ (P ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ Q) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ P ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ Q) V V F F V F F V V F F V F V V F F V V F F V V F F F V V V F F V

P Q ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q Q ∨∨∨∨ P Q ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q ∨∨∨∨ P ¬¬¬¬ Q ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ P V V F F F V V F V F F V V F F V F V V F V F F V F F V V F V V F

P Q ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q ¬¬¬¬ (Q ∨∨∨∨ P) ¬¬¬¬ (Q ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ P) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ Q ∨∨∨∨ P) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ Q ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ P) V V F F V F F V V F F V F V V F F V V F F V V F F F V V V F F V

Conexão Disjuntiva Includente: "e/ou" P Q ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q P ∨∨∨∨ Q ¬¬¬¬ P ∨∨∨∨ Q P ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ Q ¬¬¬¬ P ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ Q V V F F V V V F V F F V V F V V

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222

F V V F V V F V F F V V F V V V

P Q ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q ¬¬¬¬ (P ∨∨∨∨ Q) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ P ∨∨∨∨ Q) ¬¬¬¬ (P ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ Q) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ P ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ Q) V V F F F F F V V F F V F V F F F V V F F F V F F F V V V F F F

P Q ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q Q ∨∨∨∨ P Q ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q ∨∨∨∨ P ¬¬¬¬ Q ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ P V V F F V V V F V F F V V F V V F V V F V V F V F F V V F V V V

P Q ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q ¬¬¬¬ (Q ∨∨∨∨ P) ¬¬¬¬ (Q ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ P) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ Q ∨∨∨∨ P) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ Q ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ P) V V F F F F F V V F F V F V F F F V V F F F V F F F V V V F F F

Conexão Condicional Relativa: "se, então" P Q ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q P →→→→ Q ¬¬¬¬ P →→→→ Q P →→→→ ¬¬¬¬ Q ¬¬¬¬ P →→→→ ¬¬¬¬ Q V V F F V V F V V F F V F V V V F V V F V V V F F F V V V F V V

P Q ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q ¬¬¬¬ (P →→→→ Q) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ P →→→→ Q) ¬¬¬¬ (P →→→→ ¬¬¬¬ Q) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ P →→→→ ¬¬¬¬ Q) V V F F F F V F V F F V V F F F F V V F F F F V F F V V F V F F

P Q ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q Q →→→→ P ¬¬¬¬ Q →→→→ P Q →→→→ ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q →→→→ ¬¬¬¬ P V V F F V V F V V F F V V V V F F V V F F V V V F F V V V F V V

P Q ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q ¬¬¬¬ (Q →→→→ P) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ Q →→→→ P) ¬¬¬¬ (Q →→→→ ¬¬¬¬ P) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ Q →→→→ ¬¬¬¬ P) V V F F F F V F V F F V F F F V F V V F V F F F

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223

F F V V F V F F Conexão Condicional Absoluta: "se, somente se" P Q ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q P ↔↔↔↔ Q ¬¬¬¬ P ↔↔↔↔ Q P ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ Q ¬¬¬¬ P ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ Q V V F F V F F V V F F V F V V F F V V F F V V F F F V V V F F V

P Q ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q ¬¬¬¬ (P ↔↔↔↔ Q) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ P ↔↔↔↔ Q) ¬¬¬¬ (P ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ Q) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ P ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ Q) V V F F F V V F V F F V V F F V F V V F V F F V F F V V F V V F

P Q ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q Q ↔↔↔↔ P ¬¬¬¬ Q ↔↔↔↔ P Q ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ P V V F F V F F V V F F V F V V F F V V F F V V F F F V V V F F V

P Q ¬¬¬¬ P ¬¬¬¬ Q ¬¬¬¬ (Q ↔↔↔↔ P) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ Q ↔↔↔↔ P) ¬¬¬¬ (Q ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ P) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ Q ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ P) V V F F F V V F V F F V V F F V F V V F V F F V F F V V F V V F

Kurt Gödel descreveu um cálculo formalizado dentro do qual se pode expressar

costumeiras notações aritméticas e estabelecer relações aritméticas familiares como no quadro

comparativo dos símbolos usados em Lógica, abaixo:

Designação Peano-Russell Hilbert Notação Polonesa Enciclopédia Variantes

Negação ∼∼∼∼ −−−− N ¬¬¬¬ Conjunção •••• &&&& K ∧∧∧∧

Disjunção Includente ∨∨∨∨ ∨∨∨∨ A ∨∨∨∨ Disjunção Excludente J ∨∨∨∨

Condicional ⊃⊃⊃⊃ →→→→ C →→→→ ⇒⇒⇒⇒ Bicondicional ≅≅≅≅ ∼∼∼∼ E ↔↔↔↔ ⇔⇔⇔⇔

Negação Alternada D ↑↑↑↑ |||| Negação Conjunta X ↓↓↓↓

Quantificador Universal (x) (x) ΠΠΠΠ ∀∀∀∀x Λx, (∀∀∀∀x) Quantificador existencial (∃∃∃∃x) (Ex) ΣΣΣΣ ∃∃∃∃ Vx

As fórmulas do cálculo são construídas a partir de uma classe de signos elementares,

que constitui o vocabulário fundamental. Um conjunto de fórmulas primitivas (ou axiomas)

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constitui o suporte e os teoremas do cálculo são fórmulas deriváveis dos axiomas por meio de

um conjunto cuidadosamente enumerado de Regras de transformação ou regras de inferência.

Os termos elementares pertencentes ao vocabulário fundamental ou enciclopédico

(descrito acima) são de duas espécies: os termos constantes e as variáveis.

Anexo 1c - Tabela dos Valores de Verdade para A e B.

Conexão Aditiva: "e" A B ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B A ∧∧∧∧ B ¬¬¬¬ A ∧∧∧∧ B A ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ B ¬¬¬¬ A ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ B V V F F V F F F V F F V F F V F F V V F F V F F F F V V F F F V

A B ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B ¬¬¬¬ (A ∧∧∧∧ B) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ A ∧∧∧∧ B) ¬¬¬¬ (A ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ B) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ A ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ B) V V F F F V V V V F F V V V F V F V V F V F V V F F V V V V V F

A B ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B B ∧∧∧∧ A B ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B ∧∧∧∧ A ¬¬¬¬ B ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ A

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225

V V F F V F F F V F F V F F V F F V V F F V F F F F V V F F F V

A B ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B ¬¬¬¬ (B ∧∧∧∧ A) ¬¬¬¬ (B ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ A) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ B ∧∧∧∧ A) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ B ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ A) V V F F F V V V V F F V V V F V F V V F V F V V F F V V V V V F

Conexão Disjuntiva Excludente: "ou" A B ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B A ∨∨∨∨ B ¬¬¬¬ A ∨∨∨∨ B A ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ B ¬¬¬¬ A ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ B V V F F F V V F V F F V V F F V F V V F V F F V F F V V F V V F

A B ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B ¬¬¬¬ (A ∨∨∨∨ B) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ A ∨∨∨∨ B) ¬¬¬¬ (A ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ B) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ A ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ B) V V F F V F F V V F F V F V V F F V V F F V V F F F V V V F F V

A B ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B B ∨∨∨∨ A B ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B ∨∨∨∨ A ¬¬¬¬ B ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ A V V F F F V V F V F F V V F F V F V V F V F F V F F V V F V V F

A B ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B ¬¬¬¬ (B ∨∨∨∨ A) ¬¬¬¬ (B ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ A) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ B ∨∨∨∨ A) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ B ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ A) V V F F V F F V V F F V F V V F F V V F F V V F F F V V V F F V

Conexão Disjuntiva Includente: "e/ou" A B ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B A ∨∨∨∨ B ¬¬¬¬ A ∨∨∨∨ B A ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ B ¬¬¬¬ A ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ B V V F F V V V F V F F V V F V V F V V F V V F V

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226

F F V V F V V V

A B ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B ¬¬¬¬ (A ∨∨∨∨ B) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ A ∨∨∨∨ B) ¬¬¬¬ (A ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ B) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ A ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ B) V V F F F F F V V F F V F V F F F V V F F F V F F F V V V F F F

A B ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B B ∨∨∨∨ A B ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B ∨∨∨∨ A ¬¬¬¬ B ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ A V V F F V V V F V F F V V F V V F V V F V V F V F F V V F V V V

A B ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B ¬¬¬¬ (B ∨∨∨∨ A) ¬¬¬¬ (B ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ A) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ B ∨∨∨∨ A) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ B ∨∨∨∨ ¬¬¬¬ A) V V F F F F F V V F F V F V F F F V V F F F V F F F V V V F F F

Conexão Condicional Relativa: "se, então" A B ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B A →→→→ B ¬¬¬¬ A →→→→ B A →→→→ ¬¬¬¬ B ¬¬¬¬ A →→→→ ¬¬¬¬ B V V F F V V F V V F F V F V V V F V V F V V V F F F V V V F V V B ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B ¬¬¬¬ (A →→→→ B) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ A →→→→ B) ¬¬¬¬ (A →→→→ ¬¬¬¬ B) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ A →→→→ ¬¬¬¬ B)

V V F F F F V F V F F V V F F F F V V F F F F V F F V V F V F F

A B ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B B →→→→ A ¬¬¬¬ B →→→→ A B →→→→ ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B →→→→ ¬¬¬¬ A V V F F V V F V V F F V V V V F F V V F F V V V F F V V V F V V

A B ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B ¬¬¬¬ (B →→→→ A) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ B →→→→ A) ¬¬¬¬ (B →→→→ ¬¬¬¬ A) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ B →→→→ ¬¬¬¬ A) V V F F F F V F V F F V F F F V F V V F V F F F

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F F V V F V F F Conexão Condicional Absoluta: "se, somente se" A B ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B A ↔↔↔↔ B ¬¬¬¬ A ↔↔↔↔ B A ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ B ¬¬¬¬ A ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ B V V F F V F F V V F F V F V V F F V V F F V V F F F V V V F F V

A B ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B ¬¬¬¬ (A ↔↔↔↔ B) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ A ↔↔↔↔ B) ¬¬¬¬ (A ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ B) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ A ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ B) V V F F F V V F V F F V V F F V F V V F V F F V F F V V F V V F

A B ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B B ↔↔↔↔ A ¬¬¬¬ B ↔↔↔↔ A B ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ A V V F F V F F V V F F V F V V F F V V F F V V F F F V V V F F V

A B ¬¬¬¬ A ¬¬¬¬ B ¬¬¬¬ (B ↔↔↔↔ A) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ B ↔↔↔↔ A) ¬¬¬¬ (B ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ A) ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ B ↔↔↔↔ ¬¬¬¬ A) V V F F F V V F V F F V V F F V F V V F V F F V F F V V F V V F

Kurt Gödel descreveu um cálculo formalizado dentro do qual se pode expressar

costumeiras notações aritméticas e estabelecer relações aritméticas familiares como no quadro

comparativo dos símbolos usados em Lógica, abaixo:

Designação Peano-Russell Hilbert Notação Polonesa Enciclopédia Variantes

Negação ∼∼∼∼ −−−− N ¬¬¬¬ Conjunção •••• &&&& K ∧∧∧∧

Disjunção Includente ∨∨∨∨ ∨∨∨∨ A ∨∨∨∨ Disjunção Excludente J ∨∨∨∨

Condicional ⊃⊃⊃⊃ →→→→ C →→→→ ⇒⇒⇒⇒ Bicondicional ≅≅≅≅ ∼∼∼∼ E ↔↔↔↔ ⇔⇔⇔⇔

Negação Alternada D ↑↑↑↑ |||| Negação Conjunta X ↓↓↓↓

Quantificador Universal (x) (x) ΠΠΠΠ ∀∀∀∀x Λx, (∀∀∀∀x) Quantificador existencial (∃∃∃∃x) (Ex) ΣΣΣΣ ∃∃∃∃ Vx

As fórmulas do cálculo são construídas a partir de uma classe de signos elementares,

que constitui o vocabulário fundamental. Um conjunto de fórmulas primitivas (ou axiomas)

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constitui o suporte e os teoremas do cálculo são fórmulas deriváveis dos axiomas por meio de

um conjunto cuidadosamente enumerado de Regras de transformação ou regras de inferência.

Os termos elementares pertencentes ao vocabulário fundamental ou enciclopédico

(descrito acima) são de duas espécies: os termos constantes e as variáveis.

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Anexo 3

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O Sistema Lógico-Filosófico de Jan Lukasiewicz: a Lógica de Três e Múltiplos Valores.

1. Aspectos fundamentais. O positivismo lógico do Círculo de Viena e o pensamento lógico- filosófico do Círculo de Varsóvia.

Em Elements of Mathematicical Logic de Jan Lukasiewicz (1963), Jerzy Slupecki

ressalta, no prefácio, o valor histórico referente às investigações desenvolvidas pelos lógicos

polacos, em Varsóvia e em Lwow, no período correspondente ao final da Primeira Guerra

Mundial e o início da Segunda Guerra Mundial. Já em El Positivismo Lógico A. J. Ayer

(1965. P. 11-12) destaca a aliança entre o Círculo de Viena e os grupos de filósofos e lógicos

polacos, entre eles, Kazimierz Twardowski, Ajdukiewicz, Stanislaw Lesniewski, Jan

Lukasiewicz e Alfred Tarski.

Na secunda metade do Século XX, as teorias metodológicas categorizadas de natureza

positivista e que vicejam no complexo domínio das ciências sociais são objetos de inúmeros

debates. O positivismo, estratificado nos pressupostos de August Comte, demarca o centro

das controvérsias no âmbito da epistemologia das ciências sociais, que tratamos com maior

especificidade, no capítulo anterior, em O Positivismo Jurídico Prático de Theodor Viehweg e

a insuficiência de uma ciência do Direito fundada na dicotomia entre criação e aplicação do

Direito. Jean Piaget, em A situação das ciências do homem no sistema das ciências, sustenta

uma posição oposta à de R. Jacobson que afirma não haver qualquer hierarquia nas ciências

do homem. Em conclusão, Piaget afirma que a linguística não deve ser tomada como "ciência-

chave", Piaget adverte que: ... como mostrou Chomsky, a linguagem está subordinada à

inteligência ou à sua lógica e não o inverso, como julgava o positivismo contemporâneo.

(1970. vol. I. p.14.), mais propriamente, por analogia, um positivismo prático linguístico.

E é a partir da dicotomia entre a linguagem como objeto da lógica e a lógica como

objeto da linguagem que Stanislaw Lesniewski em formalization of logic and foundations of

mathematics, Jan Lukasiewic, em Elements of Mathematicical Logic e Aristotle´s Syllogistic

from the Standpoint of Modern Formal Logic, e Alfred Tarski, em A concepção Semântica da

verdade, demarcam algumas questões suscitadas pelo empirismo lógico139, pelo formalismo e

139 Neopositivismo (empirismo lógico ou positivismo lógico) é um termo essencialmente filosófico e estará presente, no início do século XX, na Filosofia da Linguagem que, por sua vez, influenciará a Ciência do Direito

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a pela semiótica próprios de uma estrutura positivista, para repensar a lógica Aristotélica.

Nesse sentido, veja-se o comentário feito por Popper:

Eu afirmaria que uma das realizações não menos importantes de Alfred Tarski foi que, introduzindo duas idéias na lógica, ele de fato tornou uma coisa muitíssimo realista. A primeira é a idéia de Tarski (em parte antecipada por Bolzano) de que a consequência lógica é a transmissão da verdade. A segunda, diria eu, é a reabilitação da teoria de correspondência da verdade, a reabilitação da idéia de que a verdade é simplesmente a correspondência com os fatos. (POPPER. 1975. p.282)

Sobre o desenvolvimento da lógica, desde o advento das tórias não-euclidianas140

datada do Século XIX, Rescher afirma que:

O eixo principal do desenvolvimento da lógica moderna, desde os dias pioneiros de Boole a Frege, tem mudado muito, decididamente, em direção aos interesses e aplicações matemáticas. E, de fato, a matemática continua até hoje a ocupar uma posição central no atual estado da lógica"141 (…) "No entanto, a continuação dessa longa tendência em matemática tem mascarado e obscurecido um aglomerado altamente significativo de desenvolvimento em lógica, de um mais recente surto de crescimento da lógica a partir de considerações filosóficas. Os últimos dez ou quinze anos sobretudo – embora houvesse, sem dúvida, empolgação anterior – se viu o florescimento e a aceleração do crescimento dos ramos da teoria lógica desenvolvida especificamente com essas aplicações filosóficas em mente.142 (RESCHER, 1968. P. 1)

Assim, no desenvolvimento da lógica moderna podemos observar que são

significativas a extensão, o escopo, a riqueza e a diversidade desta categoria, ou seja, segundo

no século XX. O termo positivismo pode se desdobrar no positivismo de Augusto Comte e no positivismo (neopositivismo ou empirismo lógico) que floresceu entre os membros do Círculo de Viena. São dessemelhantes, mas, em comum, marcadas pela oposição a especulação e a metafísica. O neopositivismo não constitui um novo positivismo e recebeu a designação de empirismo lógico para distingui-lo do empirismo clássico. E empirismo em razão da recusa a toda e qualquer forma de Metafísica oriunda da filosofia especulativa do racionalismo clássico. Os empiristas consideravam que o critério de significação das proposições era sua verificabilidade empírica. 140 Aqui vale lembrar que, segundo Sócrates, se o movimento é a causa de tudo o que devém e parece existir e o repouso como o não-ser ou a destruição, nenhuma coisa é em si mesma e que não há o que possa denominar com acerto ou dizer como é constituída. Assim, se qualificarmos como eterno o nexo entre o triângulo e a propriedade sua, a partir da geometria euclediana, de ter a soma dos ângulos internos igual a soma dois ângulos retos ou 180º, estaríamos negando a indução e a intuição para a busca e o alcance dos universais e, consequentemente, pela construção de novos nexos de juízo para juízo, de proposição para proposição, a realização do raciocínio ou silogismo. 141"The mainstream of the development of modern logic since the pioneering days from Boole to Frege has moved very decidedly in the direction of mathematical interests and applications. And, in fact, mathematics continues to the present day to occupy a central position on the logic stage" (RESCHER, 1968. P. 1) 142 "However, the continuing of this long-standing mathematical tendency has masked and obscured a highly significant cluster of developments in logic of a more recent spurt of growth of logic in directions bearing on philosophical considerations. The last ten or fifteen years especially – though there were, to be sure, earlier stirrings – have seen the flourishing and accelerating growth of branches of logical theory developed specifically with such philosophical applications en mind." (RESCHER, 1968. P. 1)

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Rescher (1968. P. 8-9), podemos observar no Philosophical Developments um Map of logic

marcado pela dessemelhança que pode ser representada no quadro abaixo:

1. Ethical Applications 3. Epistemological Applications a. logic of action a. logic of questions b. deontic logic b. epistemic logic c. logic of commands c. logic supposition d. logic of preference and choice d. logic of information and information-processing e. inductive logic 2. Metaphysical Applications a. logic of existence 4. Inductive Logic b. chronological logic a. logic of evidence and confirmation, acceptance c. logic of part/whole b. probabilistic logic d. Lesniewski´s ´ontilogy´ e. constructivistic logic f. ontology

No entanto, nem todas essas denominações, designadas ou nominadas lógicas,

correspondem, necessariamente, a sistemas lógicos formais e algumas formas são apenas

aplicações de outros sistemas lógicos.

O papel desempenhado pelo positivismo lógico do Círculo de Viena, concernentes aos

procedimentos metodológicos e sob o título de Filosofia Analítica, caracteriza inúmeras

posições epistemológicas a partir da segunda metade do Século XX. A expressão positivismo

lógico ou filosofia analítica insere-se na perspectiva do neo-positivismo de Viena, ou seja,

independente das tendências de anti-formalismo linguístico, de anti-formalismo psicológico

ou formalismo, este movimento tem um caráter anti-especulativo. Trata-se da

resoluta oposição a toda "especulação" e a toda "metafísica" e, portanto, a grande parte da filosofia, e especificamente da filosofia alemã (ou em língua alemã) da época. Dentro das tendências especulativas figuravam não somente o idealismo com também diversas correntes filosófica que procuravam distinguir ciências naturais e ciências culturais ou ciências naturais de ciências do espírito. Contra todos os descarrilamentos filosóficos, os fundadores do Círculo de Viena aspiraram a construir uma filosofia científica e, especialmente, como indicou Otto Neurath (Le devéloppment Du Cercle de Vienne etc., p. 11), a constituição de ´uma linguagem científica que, evitando todo pseudo-problema, permitirá enunciar prognoses e formular as condições de seu controle por meio de enunciados de observação`. (Dicionário de Filosofia. p. 3019)

No entanto, é singular o fato de que os abades Constantin Michalski e J. Salamucha, o

Padre I. Bochenski, O. P. e Jean Drewnowski, todos pensadores ligados ao Círculo Tomista

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da Cracóvia143, avaliando a importância da lógica matemática, passaram a estudá-la e aplicá-

la em suas indagações e estudos filosóficos, derrubando destarte a tese de que a lógica

matemática não poderia prescindir de uma postura crítica identificável com o empirismo

lógico ou neo-positivismo.

Kazimierz Twardowski inspirador e orientador de Stanislaw Lesniewski e Jan

Lukasiewicz é considerado o The father of Polish philosophy e, segundo Eugene C. Luschei,

Stanislaw Lesniewski e Jan Lukasiewicz

Foram profundamente influenciados, não tanto pelas opiniões de Twardowski como pela sua insistência no rigor e clareza solidamente fundamentadas na história da filosofia e nas tradições da lógica, com base na análise e na definição precisa que herdou de Brentano e transmitiu a eles. Na manutenção desta herança comum em suas diferentes formas, eles foram inicialmente influenciados pelo ataque de Frege e Husserl ao psicologismo na lógica e pelo trabalho pioneiro de Frege, Whitehead e Russell.144 (LUSCHEI. 1962. p. 18-19)

O lógico polonês Stanislaw Lesniewski a partir de Frege, Whitehead e Russell

desenvolve um sistema completo de lógica formalizada, mas isso não significa que

Lesniewski tenha aderido a um puro formalismo sintático, pois, rejeita tanto o realismo

platônico quanto a pretensão de construir cálculos inteiramente dependentes de toda

interpretação semântica. Lesniewski, do ponto de vista ontológico e ainda não Lesniewskiano,

inclinando-se a um nominalismo moderado, adota um ponto de vista contextualista que

consiste, essencialmente, em fazer os significados dados às expressões depender do contexto

ou contextos nos quais elas aparecem. E esses contextos não são arbitrários, de modo que

Lesniewski se opôs a todo ficcionalismo e pragmatismo tanto na fundamentação da

matemática como na conceitualização científica.

A relação entre pontos de vista no trabalho de Lesniewski sobre o mundo e o

tratamento da linguagem que é usado para representar esse mundo é que dá ao trabalho de

Lesniewski a relevância para um interesse permanente e sempre atual. Mais especificamente,

o que é relevante é o modo que Lesniewski considera os sistemas formais e a forma que ele

utiliza os sistemas lógicos formais para expressar suas opiniões filosóficas. A logicidade dos

143 O pensamento filosófico polonês contemporâneo é fruto de uma intensa atividade preparatória desenvolvida nos centros de Krakow, Lwow e Warszawa, e Poznam. 144 were deeply influenced, not so much by Twardowski´s philosophical opinions as by his insistence on rigor and clarity, solidly grounded in history of philosophy and logical traditions, and based on precise definition and analysis, which he inherited from Brentano and passed on to them. Maintaining this commom inheritance in their divergent ways, they were early influenced by Frege´s and Husserl´s attack on psychologism in logic and by the pioneer work of Frege, Whitehead, and Russell. (LUSCHEI. 1962. p. 18-19)

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sistemas lógicos formais, muitas vezes, trata a língua ordinária isoladamente da sua função,

como se a língua mesma consistisse inteiramente de marcas e sons. Não é possível

compreender a relação de uma proposição para outra ou a validade das leis lógicas, salvo se

tivermos em conta o uso significativo da língua. Daí, a peculiaridade de uma notação quase

aritmética para a descrição sintática corresponde à possibilidade de se descrever aspectos

computacionais da sintaxe. A notação quase aritmética para a descrição sintática torna

aplicáveis as Teorias Gramaticais baseadas em Formalismos Lógicos e Matemáticos, em

razão de uma interpretação das relações sintáticas em termos de funções e argumentos e não

ao redor da estrutura de constituintes sintagmáticos.

As Teorias Gramaticais baseadas em Formalismos Lógicos e Matemáticos

estabelecem um homomorfismo entre a sintaxe e a interpretação semântica dos elementos

constituintes da sentença. Este homomorfismo faz com que as regras de uma Teoria

Gramatical baseada em Formalismos Lógicos e Matemáticos, que geram estruturas sintáticas,

sejam regras interpretadas, isto é, para cada regra da gramática que gera uma sequência

aleatória de símbolos que corresponde a uma interpretação semântica, o que significa que as

estruturas sintáticas gramaticais da linguagem gerada não são apenas simbólicas, mas são

combinações de significado.

Sobre esta relação entre sintaxe e semântica, temos que £ pode ser usado para caçar

leões: escreve-se o nome do leão em um pedaço de papel e £ é logo aplicado, se assegurando

de que o papel esteja dentro de uma jaula. Esta é uma descrição exagerada de homomorfismo

entre sintaxe e semântica para uma Teoria Gramatical baseada em Formalismos Lógicos e

Matemáticos, além do evidente sentido de humor com que é feita, certamente corresponde

com o fato de a relação entre as gramáticas nessas cadeias de símbolos e sua referência

decorre da própria concepção das categorias.

Inicialmente, a análise categorial da linguagem é devido a Aristóteles, que foi o

primeiro a usar o termo categoria, no sentido técnico do termo na linguística. No Tratado

sobre as Categorias, Aristóteles afirma um total de dez categorias diferentes145, além de uma

classe especial de termos que ele chama de sincategoremáticos146, entre os quais as

145 As palavras sem combinação umas com as outras significam por si mesmas uma das seguintes coisas: o que (a substância), o quanto (quantidade), o como (qualidade), com que se relaciona (relação), onde está (lugar), quando (tempo), como está (estado), em que circunstância (hábito), actividade (acção) e passividade (paixão). (ARISTÓTELES. I Categorias. 1985. P. 41-42) 146 Ou casos do nome, como podemos observar em da interpretação. (ARISTÓTELES. II Periérmeneias. 1985. P. 103)

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conjunções, preposições e advérbios, que acompanham as categorias, mas não pertencem, eles

mesmos, a nenhuma categoria, senão à referida classe de termos sincategoremáticos.

As categorias aristotélicas são interpretadas de três modos distintos, embora

implicados entre si, ou seja: ontologicamente, como o modo de ser; epistemologicamente,

como o modo de saber; e, logicamente, como o modo de significação. A interpretação lógica é

fundamental para compreensão do porquê as categorias são essenciais para a análise da

linguagem que Aristóteles faz em Da Interpretação, e tudo como a base à sua teoria da

argumentação. O silogismo categórico é proposto por Aristóteles como um método para

determinar quais as conclusões estão corretas em cada caso a partir de um local determinado,

razão pela qual a categorização aristotélica segue uma abordagem semântica e não um critério

morfossintático.

Destacamos, em Lesniewski, os três sistemas dedutivos elaborados com o auxílio da

técnica axiomática, ou seja, a prototética, a ontologia e a mereologia, e sob o título

formalization of logic and foundations of mathematics, E. C. Luschei afirma que:

Formadas as regras de definição, o mais abrangente e rigorosa como suas outras diretivas, Lesniewski formalizou o seu sistema completo, combinatório, sobre uma base finita e em termos extensionais. Além disso, é distinguido pelo seu construtivismo nominalista e caráter contextualista; sua gramática básica das categorias semânticas; seu rigor, generalidade e poder de expressão; a sua demonstração de consistência relativa; a sua validade universal; e, sua pureza lógica, economia e elegância. Isto é constituído por três sistemas dedutivos axiomáticos em ordem hierárquica: prototética, ontologia e mereologia – etimologicamente, proto-teses, teoria do ser e a teoria das partes, respectivamente.147 (LUSCHEI. 1962. p. 21)

Na concepção de gramática lógica pura, de Husserl, existem categorias que formam

uma base para a aplicação de outras categorias como a categoria ou classe dos operadores. O

resultado desta aplicação torna-se, por sua vez uma nova base para outras aplicações. E é a

partir dessa gramática lógica pura de Husserl que se dá a distinção entre as categorias de base

e categorias funcionais estabelecida pela escola polonesa do Círculo Varsóvia.

Para Lesniewski, diferente de uma concepção de linguagem formal e lógica,

um cálculo dedutivo sem uma interpretação ontológica, após a linguagem formal, não tem

147 Prescribind rules of definition as comprehensive and rigorous as his other directives, Lesniewski formalized his system completely, combinatorially on a finite basis, and in extensional terms. It is further distinguished by its ´constructively nominalist` and ´contextualist` character; its basic grammar of semantic categories; its rigor, generality and power of expression; its demonstrable relative consistency; its universal validity; and its logical purity, economy, and elegance. It consists of three axiomatic deductive systems in hierarchic order: protothetic, ontology and mereology – etymologically, proto-theses, theory of being, and theory of parts, respectively. (LUSCHEI. 1962. p. 21)

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nenhum valor. Os significados das expressões de linguagem são essenciais para estabelecer as

regras de cálculo dedutivo, em função não só de sua própria extensão como símbolos, mas,

também, dos contextos em que aparecem.

Lesniewski estabeleceu um sistema composto de três teorias axiomáticas: o

prototética, ontologia e Mereology. Cada uma destas três teorias se fundamenta na anterior, de

modo que é a prototética é a mais básica. Esta consiste em uma lógica proposicional que pode

ser entendida como uma gramática de categorias semânticas, ou seja, é uma lógica

proposicional, indefinidamente extensível, de constantes e variáveis de todos os tipos

semânticos possíveis e um sistema de funções conectivas por meio do qual se criam outros

conectivos. A Ontologia, por sua vez, é uma lógica de nomes, de verbos e de expressões

funcionais nominais e verbais de extensões complexas que são obtidas por uma combinação

simples. E, finalmente, a Mereologia, também denominada “um cálculo de individualidades”,

é uma teoria de conjuntos e partes e as possíveis relações que ocorrem em geral entre ambos,

de modo que, a mereologia trata de conjuntos e de classes tratados como individualidades

formadas por seus elementos constitutivos.

Para uma exata compreensão do termo funcional, consideremos, inicialmente, a como

um nome e Fa, equivalente a (∃x) (a=x ∧ Fx), como qualquer sentença que o contenha. E se

não é necessário ocorrer a senão no contexto de a=, então, reduzimos a= a um predicado A,

abandonando o nome a. Assim, Fa, equivalente a (∃x) (Ax ∧ Fx), corresponde a uma situação

em que o predicado A é verdadeiro unicamente para a. No entanto, A nos priva da unicidade

que o a (nome) propicia, pois, a princípio, a (nome) se aplica somente a um objeto, contrário

ao predicado A que não abarca a referida condição. A notação sem os nomes refere-se ainda a

a e a outros objetos. Mas, desde que estipulemos através de novas sentenças que A é

verdadeiro apenas para um único e determinado objeto:

(∃∃∃∃x) Ax, ¬¬¬¬ (∃∃∃∃x) (∃∃∃∃y) [Ax ∧∧∧∧ Ay ∧∧∧∧ ¬¬¬¬ (x¬¬¬¬y)]

Além dos nomes, dos quantificadores e dos sinais das funções-verdade, temos, ainda,

outros elementos funcionais, que representam a pretensão de um termo singular e o objetivo

de afirmar um termo singular ou uma redundância, pois, podem ser eliminados a favor dos

predicados apropriados, por extensão do método de eliminação dos nomes. São exemplos de

elementos duncionais: o círculo de ou pai de (função de um lugar); com + une dois termos

singulares para afirma um termo singular (função de dois lugares); e assim por diante com três

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ou mais lugares. Assim, os elementos funcionais geram complexos termos singulares e,

juntamente com os nomes, pertencem a uma única categoria – a categoria dos termos

singulares distinta da categoria das variáveis. Os complexos termos singulares podem conter

variáveis, pois, o que coloca a própria variável à parte, relativamente a esses termos, é a sua

ocorrência nos quantificadores.

Deste modo, Lesniewski introduziu uma teoria de categorias semânticas para certas

razões lógico-filosóficas, sob o impacto de Bedeutungskategorien148 de Husserl, por um lado,

e da Teoria dos Tipos Lógicos149 de Bertrand Russell, por outro.

De acordo com Lesniewski, há uma categoria básica e uma categoria funcional, que

têm o seguinte desdobramento: sentenças e nomes como duas categorias básicas; todas as

outras categorias são categorias funcionais.

O sistema de Lesniewski dá forma a uma hierarquia ascendente e ramificada das

categorias funcionais que são caracterizadas em duas maneiras: pelo número e pelas

categorias semânticas dos argumentos; e pela categoria semântica do conjunto formado pela

expressão funcionais juntamente com os seus argumentos.

Em 1935, Kazimierz Ajdukiewicz publicou uma reformulação da gramática de

categorias semânticas de Lesniewski com a intenção de que as conexões sintáticas da

linguagem reflitam uma forma mais adequada. Ajdukiewicz pretende propor regras para

determinar quando uma expressão linguística está bem formada, seja em uma linguagem

formal ou em uma linguagem ordinária, embora a maior complexidade da linguagem

ordinária seja um incentivo para uma investigação mais categórica. Os sistemas de regras

semânticas de Ajdukiewicz afetam uma e outra linguagem de forma geral, embora os traços

distintivos da linguagem ordinária frente à linguagem formal e, mesmo em comparação com

148 Teoria das categorias de significados de Husserl: A dessemelhança entre expressões significando forma e expressões significando matéria, dada a sentença (1) Esta casa é verde, observamos que os termos “Esta” e “é” não têm um significado independente, pois, são expressões syncategorematic, isto é, expressões que são significativas somente após a composição com outros termos ou expressões. Para Husserl, as expressões syncategorematic significam formas, distintas das expressões casa ou verde que significam matéria. Discernindo a forma subjacente da forma proposicional (2) This S is p, observamos que cada forma associada a uma regra de conexão do significado determina a que categoria do significado as expressões substituídas pelas variáveis da forma devem pertencer, ou seja, segundo Husserl, cada forma primitiva adere a alguma regra a priori que indica que cada conexão do significado que obedece essa forma causa eficazmente um significado unitário. No exemplo (2), a regra de conexão do significado indica que qualquer matéria nominal pode ser substituída por “S” e qualquer matéria adjetiva pode ser substituída por “p”, mas, se em uma forma se violasse a regra da conexão do significado, substituindo as variáveis por termos que pertencesse a categorias impróprias, a expressão resultante seria uma expressão sem significado ou um disparate. Isto acontece, por exemplo, se em (2) nós substituirmos para Spor descuidado e p por verde (que é apropriado). 149 A Teoria dos Tipos Lógicos descreve a relação entre os diferentes grupos e/ou sistemas e permite, consequentemente, que um se desloque de um conjunto de regras para o outro, ou seja, a Teoria dos Tipos Lógicos fornece o quadro para a compreensão da metamorfose de um nível lógico para outro.

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os outros, eles não são inter-traduzíveis univocamente, mas há geralmente várias traduções

possíveis de uma expressão da linguagem em termos categóricos, o que em última análise,

depende de questões empíricas, não lógicas.

Ajdukiewicz propõe uma análise categórica das linguagens formais a partir de duas

categorias básicas: n para as expressões de linguagem que designam indivíduos e s para as

que designam proposições. A partir delas podemos estabelecer funcionalmente as categorias

de outras expressões de linguagem e das regras de combinação entre elas. Essas categorias

funcionais são influenciadas por sua origem na análise da linguagem na lógica de predicados

em notação polonesa. O interessante é que pela primeira vez temos um cálculo baseado nas

propriedades semânticas dos elementos que constituem uma linguagem, que é uma

perspectiva completamente nova de investigação lógica.

Ajdukiewicz adicionou ao sistema de Lesniewski uma indexação às categorias

semânticas, ou seja, às categorias básicas de nomes e de sentenças atribuiu os índices n e s

respectivamente. Às categorias funcionais, atribuiu-se um índice fracionário que consiste em

um numerador e em um denumerador. O primeiro é o índice da categoria semântica do valor

funcional para seus argumentos. O último é uma sequência que consiste nos índices das

categorias semânticas dos argumentos.

As categorias de Ajdukiewicz são em número limitado e selecionadas de modo que

correspondam à linguagem de um Sistema Lógico Formal. Ele observa que o número das

categorias na língua ordinária é muito maior e que há categorias que têm uma flutuação no

significado, o que torna o projeto de um sistema muito mais complexo. Entretanto, ele lembra

que em casos simples e favoráveis, entretanto, o instrumento do índice citado acima será

bastante apropriado para o uso linguístico.

Mas, o que e quais são as condições necessárias e suficientes para que uma expressão

tenha o significado unitário? A condição necessária para que a expressão seja articulada

completamente. Isto significa, em primeiro lugar, que a expressão pode ser dividida em um

elemento funcional principal e os seus argumentos. Ajdukiewicz está bem ciente de que, na

língua ordinária, a ordem dos argumentos no elementos funcional principal não é a mesma

que a sua ordenação sequencial. Em segundo lugar, tem que se certificar que cada argumento

também está em análise em um elementos funcional principal e seus argumentos, e assim por

diante. Mas, a língua ordinária admite, frequentemente, expressões elípticas de modo que, às

vezes, uma expressão composta significa que não pode ser bem articulada ou articulada

completamente na única base de palavras contidas explicitamente nela. No entanto, uma boa

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articulação total pode ser facilmente criada através da introdução das palavras omitidas e

implícitas. A condição suficiente é que, após a divisão em funcionais e argumentos, deve

haver um ajuste perfeito entre o número de argumentos exigidos por cada elemento funcional

e seus argumentos reais que, além disso, devem pertencer às categorias apropriadas. Uma

expressão que cumpre o necessário, a condição para que tenha um significado unitário, é

conectada sintaticamente. A combinação dos argumentos dos elementos funcionais com as

categorias semânticas dos elementos funcionais é verificada mecanicamente por um algoritmo

descrito no exemplo que se segue abaixo. A condição suficiente é encontrada se o resultado

deste procedimento for um simples índice.

Ajdukiewicz dá a seguinte sentença do Sistema Lógico Formal, onde se escreve

abaixo de cada um de seus símbolos o índice de sua categoria:

(p ∨∨∨∨ p) → p

s f s f s

Em seguida, as partes da expressão são organizadas em um functor principal e seus

argumentos:

→, p ∨∨∨∨ p, p

f s f s s

É aplicável o mesmo procedimento para qualquer sub-expressão ou expressão

secundária que ainda possa ser decomposta em um functor principal e em seus argumentos:

→, ∨∨∨∨, p, p, p

f f s s s

Separamos, em seguida, a sequência dos índices da expressão:

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f f s s s

Na sequência obtida, a partir da esquerda para a direita, tentamos encontrar uma

combinação de índices, de modo que temos um índice fracionado seguido imediatamente por

uma sequência de índices que ocorrem no denominador do índice fracionado. Nós cancelamos

a sequência (se existirem vários, nós cancelamos o primeiro), e substituímo-la pelo numerador

do índice fracionado. No exemplo, a combinação que nós estamos procurando consiste no

segundo, terceiro e quarto membro da sequência.

O resultado é: f s s

Aplicamos a operação somente uma vez, ou seja, não aplicamos a operação mais de

uma vez, e chegamos a s.

Este último índice f ss é o expoente da expressão. Uma vez que é simples (e não

fracionado), e todas as outras condições tiverem sido preenchidas, nossa sentença inicial é

conectada sintaticamente.

E, assim, considerando a linguagem matemática, um sistema de lógica formalizada,

dessemelhante, ou mesmo oposta, à linguagem ordinária, em razão do número de categorias e

da flutuação de significados de cada categoria, é que Jan Lukasiewicz escrutou o Organon em

Aristotle´s syllogistic e, com o objetivo de demarcar o genuíno silogismo aristotélico, disserta

sobre o silogismo implicacional e sobre o silogismo modal do estagirita.

Lukasiewicz esclarece que o silogismo aristotélico é implicacional (condicional ou

implicação material), ao passo que o silogismo tradicional, inclusive aquele utilizado pelos

lógicos da escolástica, é do tipo inferencial (esquema dedutivo), como representado na tabela

abaixo:

Forma Implicacional

Se X e Y então Z

Forma Inferencial

X

Ora Y

Logo Z

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Na forma implicacional ou condicional podemos associar proposições e,

consequentemente, valores lógicos (verdadeiro ou falso). Já, na forma inferencial, que é um

esquema dedutivo, podemos associar um argumento (consequência), mas não valores lógicos

e, neste caso, o atributo que pode predicar é o da validade ou não validade do argumento.

Lukasiewicz apresenta um sistema de silogismos não-modais correspondentes às teses

de Aristóteles, concomitantemente, às exigências da lógica formal moderna, ou seja, o caráter

estritamente formalístico da lógica contemporânea determina, consequentemente, o abandono

da linguagem ordinária e suas regras gramaticais, em favor do cálculo.

Para Alfred Tarski, em The Semantic Conception of Truth: and the Foundations of

Semantics. Philosophy and Phenomenological Research, a concepção do conceito expresso

pela palavra verdade refere-se a sistemas lógicos formalizados de ordem finita ou infinita e a

concepção proposta envolve uma técnica aplicável também a outros conceitos semânticos, na

medida em que, para cada conceito, é possível associar um corpo de enunciados sob a forma

de equivalências (definições parciais). Assim, não alcançamos uma concepção geral da

verdade, mas, apenas formulamos uma definição parcial ou particular.

Nas investigações de Alfred Tarski encontramos o elo, a conexão entre os pensadores

aqui apontados, mais especificamente, nas investigações de Kazimierz Twardowski,

Stanislaw Lesniewski, Jan Lukasiewicz e Alfred Tarski encontramos a possibilidade de tomar

conhecimento da história do movimento neo-positivista e chamar atenção para os equívocos e

perigos decorrentes de uma linha doutrinária que se caracteriza pelo abandono da metafísica.

Mais especificamente, nos deparamos com a necessidade de um autêntico exame crítico da

filosofia analítica, único caminho para a superação do fascínio provocado pela forma

científica de que esta corrente se reverte, pois, dessemelhante de uma precisão conceitual,

fundamentação rigorosa das teses e respeito à história, é a composição de uma linguagem

científica que, análogo ao que ocorria nas ciências positivas, evita todo pseudo-problema

(toda especulação e toda metafísica) ao formular as condições de seu controle por meio de

enunciados de observação que são concernentes aos procedimentos metodológicos (Filosofia

Analítica).

2. O Sistema Lógico-Filosófico de Jan Lukasiewicz: a Lógica de Três Valores e a Lógica de Muitos Valores.

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Lukasiewicz propõe, para lógica proposicional, uma notação lógica não ambígua o

suficiente para permitir a eliminação de parênteses e outros sinais usados para determinar o

escopo dos conectivos lógicos.

Assim, se “p” e “q” são variáveis sentenciais, Jan Lukasiewicz busca representá-las

simbolicamente a partir de um princípio, ou seja:

“A função Cpq é uma sentença condicional (incidência) com o “p” antecedente e o “q” conseqüente; Isto é lido “se p, então q”. O functor C é escrito antes do antecedente p e do conseqüente q na seqüência da implicação. Em inglês, o functor C tem o seu homólogo em duas palavras, “if” (se) e “then” (então). Neste sentido, também, o grego e o Latim aproximam da notação que temos adotado, pois, nessas línguas, o símbolo da sentença condicional constituído de uma palavra e permanece no início da sentença condicional. Em nosso simbolismo lógico, os functors devem ser escritos no início da função em questão.”150 (Lukasiewiz. 1963. p. 24)

De modo que, “N” e “C” são sinais primitivos do sistema de cálculo sentencial

elaborado por Jan Lukasiewicz e para os demais sinais que denotam os conetivos sentenciais,

temos a seguinte simbologia151 abaixo:

Negação ¬ (não) não-p Np ----------------

Conjunção ∧ (e) p e q Kpq NCpNq

Soma Lógica ∨ (e/ou) p ou q Apq CNpq

Condicional → (se,então) se p então q Cpq ----------------

150 “The function Cpq is a conditional sentence (implication) with the antecedent p and the consequent q; it is read ´if p, then q`. The functor C is written before the antecedent p and the consequent q of the implication, In English, the functor C has its counterpart in two words, ´if`and ´then`. In that respect, too, both Greek and Latin come closer to the notation we have adopted, for in those languages the symbol of the condition sentence consist of one word and stands at the beginning of the conditional sentence. In our logical symbolism we shall always write functors at the beginning of the functions in question.” (Lukasiewiz. 1963. p. 24) 151 Quadro comparativo dos símbolos usados em Lógica:

Designação Peano-Russell Hilbert Notação Polonesa Enciclopédia Variantes Negação ∼∼∼∼ −−−− N ¬¬¬¬

Conjunção •••• &&&& K ∧∧∧∧ Disjunção Inclusiva ∨∨∨∨ ∨∨∨∨ A ∨∨∨∨ Disjunção Exclusiva J ∨∨∨∨

Condicional ⊃⊃⊃⊃ →→→→ C →→→→ ⇒⇒⇒⇒ Bicondicional ≅≅≅≅ ∼∼∼∼ E ↔↔↔↔ ⇔⇔⇔⇔

Negação Alternada D ↑↑↑↑ |||| Negação Conjunta X ↓↓↓↓

Quantificador Universal (x) (x) ΠΠΠΠ ∀∀∀∀x Λx, (∀∀∀∀x) Quantificador existencial (∃∃∃∃x) (Ex) ΣΣΣΣ ∃∃∃∃ Vx

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Bi-condicional ↔ (se,somente se) p se e somente se Epq NCCpqNCqp ou

CCNpqNCpNq Disjuntiva ∨ (ou) p ou q Jpq CCpqNCqp

ou NCCNpqNCpNq

Negação Conjunta p↓q p neg. conjunta q Xpq

Negação Alternada p↑q p incompatível q Dpq CpNq

Mais especificamente, na tabela que corresponde a “Conjunção ∧ (e)” , p ∧∧∧∧ q ou Kpq

é, com o mesmo significado, correspondente a ¬¬¬¬ (p →→→→ ¬¬¬¬ q) ou NCpNq, como podemos

observar pela seqüência de valores a eles atribuídos. Do mesmo modo, na tabela

correspondente a “Soma Lógica (Disjunção includente) ∨ (e/ou)”, p ∨∨∨∨ q ou Apq é, com o

mesmo significado, correspondente a ¬¬¬¬ p →→→→ q ou CNpq, como podemos observar pela

seqüência de valores a eles atribuídos nas tabelas abaixo:

Kpq NCpNq Apq CNpq p ∧∧∧∧ q ¬¬¬¬ (p →→→→ ¬¬¬¬ q) p ∨∨∨∨ q ¬¬¬¬ p →→→→ q V ou 1 V ou 1 V ou 1 V ou 1 F ou 0 F ou 0 V ou 1 V ou 1 F ou 0 F ou 0 V ou 1 V ou 1 F ou 0 F ou 0 F ou 0 F ou 0

Na tabela que corresponde a “Biondicional ↔ (se, somente se)”, p ↔↔↔↔ q ou Epq é, com o

mesmo significado, correspondente a ¬¬¬¬ [(p →→→→ q) →→→→ ¬¬¬¬ (q →→→→ p)] ou NCCpqNCqp, bem como

a (¬¬¬¬ p →→→→ q) →→→→ ¬¬¬¬ (p →→→→ ¬¬¬¬ q) ou CCNpqNCpNq, como podemos observar pela seqüência de

valores a eles atribuídos e no desenvolvimento descrito abaixo:

Epq NCCpqNCqp CCNpqNCpNq p ↔↔↔↔ q ¬¬¬¬ [(p →→→→ q) →→→→ ¬¬¬¬ (q →→→→ p)] (¬¬¬¬ p →→→→ q) →→→→ ¬¬¬¬ (p →→→→ ¬¬¬¬ q) V ou 1 V ou 1 V ou 1 F ou 0 F ou 0 F ou 0 F ou 0 F ou 0 F ou 0 V ou 1 V ou 1 V ou 1

Desenvolvimento

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Na conjunção “KCpqCqp” substituirmos “Cpq” por “p” e “Cqp” por “q” e obtemos

a equivalência como uma expressão que define “Epq” que tem o mesmo significado de

“NCCpqNCqp”. E podemos obter, ainda, correspondência com “CCNpqNCpNq”, como

demonstramos abaixo:

E na tabela que corresponde a “Disjunção excludente ∨ (ou)” , p ∨∨∨∨ q ou Jpq é, com o

mesmo significado, correspondente a (p →→→→ q) →→→→ ¬¬¬¬ (q →→→→ p) ou CCpqNCqp, bem como a ¬¬¬¬

[(¬¬¬¬ p →→→→ q) →→→→ ¬¬¬¬ (p →→→→ ¬¬¬¬ q)] ou NCCNpqNCpNq, como podemos observar pela seqüência de

valores a eles atribuídos e no desenvolvimento descrito abaixo:

Jpq CCpqNCqp NCCNpqNCpNq p ↔↔↔↔ q (p →→→→ q) →→→→ ¬¬¬¬ (q →→→→ p) ¬¬¬¬ [(¬¬¬¬ p →→→→ q) →→→→ ¬¬¬¬ (p →→→→ ¬¬¬¬ q)] F ou 0 F ou 0 F ou 0 V ou 1 V ou 1 V ou 1 V ou 1 V ou 1 V ou 1 F ou 0 F ou 0 F ou 0

Desenvolvimento

Cpq Cqp NCqp CCpqNCqp NCCpqNCqp p →→→→ q (q →→→→ p) ¬¬¬¬ (q →→→→ p) (p →→→→ q) →→→→ ¬¬¬¬ (q →→→→ p) (p →→→→ q) →→→→ ¬¬¬¬ (q →→→→ p) V ou 1 V ou 1 F ou 0 F ou 0 V ou 1 F ou 0 V ou 1 F ou 0 V ou 1 F ou 0 V ou 1 F ou 0 V ou 1 V ou 1 F ou 0 V ou 1 V ou 1 F ou 0 F ou 0 V ou 1

CNpq CpNq NCpNq CCNpqNCpNq ¬¬¬¬ p →→→→ q p →→→→ ¬¬¬¬ q ¬¬¬¬ (p →→→→ ¬¬¬¬ q) (¬¬¬¬ p →→→→ q ) →→→→ ¬¬¬¬ (p →→→→ ¬¬¬¬ q) V ou 1 F ou 0 V ou 1 V ou 1 V ou 1 V ou 1 F ou 0 F ou 0 V ou 1 V ou 1 F ou 0 F ou 0 F ou 0 V ou 1 F ou 0 V ou 1

Cpq Cqp NCqp CCpqNCqp p →→→→ q (q →→→→ p) ¬¬¬¬ (q →→→→ p) (p →→→→ q) →→→→ ¬¬¬¬ (q →→→→ p) V ou 1 V ou 1 F ou 0 F ou 0 F ou 0 V ou 1 F ou 0 V ou 1 V ou 1 F ou 0 V ou 1 V ou 1 V ou 1 V ou 1 F ou 0 F ou 0

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245

Na disjunção excludente “JCpqCqp” substituirmos “Cpq” por “p” e “Cqp” por “q”

e obtemos a equivalência como uma expressão que define “Jpq” que tem o mesmo

significado de “CCpqNCqp”. E podemos obter, ainda, correspondência com

“NCCNpqNCpNq”, como demonstramos abaixo:

Relativamente à notação lógica de Jan Lukasiewicz, destacamos a dispensa dos sinais

auxiliares em razão do simbolismo adotado, como podemos observar no quadro abaixo:

[(p →→→→ q) ∧∧∧∧ p] →→→→ q CKCpqpq [(p →→→→ q) ∧∧∧∧ (q →→→→ r)] →→→→ (p →→→→ r) CKCpqCqrCpr

¬¬¬¬ [p ∧∧∧∧ (q ∨∨∨∨ ¬¬¬¬p)] NKpAqNp ¬¬¬¬ [p ∧∧∧∧ ¬¬¬¬p)] NKpNp

A notação lógica ¬¬¬¬ [p ∧∧∧∧ ¬¬¬¬p)] ou NKpNp pode ser descrita como “a negação de uma

conjunção cujo multiplicando é “p” e cujo multiplicador é a negação de “p”.”

Destacamos, ainda, a relação estreita entre a notação lógica de Lukasiewicz e a

estrutura de árvore que comporta, inicialmente, a definição recursiva de fórmula, ou seja, as

variáveis sentenciais são fórmulas; se “p” é uma fórmula, então “Np” é uma fórmula; e, se

“p” e “q” são fórmulas, então “Apq” , “Kpq” , “Cpq” , “Epq” e “Dpq” são fórmulas. Para

tanto, introduzimos as expressões “C” , “W” , “P” , “F” e os parênteses angulados que

encerram uma estrutura que serve de base (frame) para qualquer linguagem “L” .

CNpq CpNq NCpNq ¬¬¬¬ p →→→→ q p →→→→ ¬¬¬¬ q ¬¬¬¬ (p →→→→ ¬¬¬¬ q) V ou 1 F ou 0 V ou 1 V ou 1 V ou 1 F ou 0 V ou 1 V ou 1 F ou 0 F ou 0 V ou 1 F ou 0

CCNpqNCpNq NCCNpqNCpNq (¬¬¬¬ p →→→→ q ) →→→→ ¬¬¬¬ (p →→→→ ¬¬¬¬ q) ¬¬¬¬ [(¬¬¬¬ p →→→→ q ) →→→→ ¬¬¬¬ (p →→→→ ¬¬¬¬ q)]

V ou 1 F ou 0 F ou 0 V ou 1 F ou 0 V ou 1 V ou 1 F ou 0

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246

Mais especificamente, temos que o componente “C” denota um conjunto finito não

vazio de sinais ou caracteres de “L” e o componente “W” denota uma função que associa a

cada elemento de “C” um peso integral ou rango (r). E considerando os sinais do vocabulário

primitivo:

“N” (functor monádico “não”); “K” (functor diádico “e”); “A” (functor diádico “ou”); as letras “p”, “q”, “r” (denotando variáveis sentenciais); as constantes “1” e “0” (valores-verdades)

e os sinais integrantes do vocabulário primitivo de “C” se associam, dada a função “W” , aos

valores como demonstrado abaixo:

o functor “N” tem rango ou peso zero, isto é, r(N) = 0 ou W(N) = 0; os operadores binários têm rango “-1”, isto é, r(K) = -1 e r(A) = -1; as variáveis sentenciais têm rango 1; as constantes “1” e “0” (valores lógicos) têm também peso 1.

Assim, se “X” é uma fórmula, o peso de “X” ou r(X) é a soma dos rangos (peso de

uma fórmula), ou seja, dos sinais ou elementos componentes da esquerda para a direita. Por

exemplo:

X = NKNpApr N K N p A p r 0 -1 0 1 -1 1 1 rangos (r) 1 1 2 2 1 2 1 soma dos rangos (r)

Examinando o quadro acima observamos que: em que L(X) temos 7 (sete) caracteres;

que o sétimo sinal é igual a 1; que o sexto sinal é igual a 2 e corresponde a soma do sexto

sinal mais o sétimo sinal; e, assim, sucessivamente até o primeiro sinal que é igual a 1 e

correspondente a soma do primeiro ao sétimo sinal. E considerando que a expressão “X” é

uma fórmula se e somente se “X” é positiva e r(X) = 1, concluímos que “X” é positiva e r(X)

= 1 e, por conseguinte, “X” é uma fórmula.

Em outro exemplo:

X = NApqs

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247

N A p q s 0 -1 1 1 1 rangos (r) 2 2 3 2 1 soma dos rangos (r)

observamos que: em que L(X) temos 5 (cinco) caracteres; que o quinto sinal é igual a 1; que o

quarto sinal é igual a 2 e corresponde a soma do quarto sinal mais o quinto sinal; e, assim,

sucessivamente até o primeiro sinal que é igual a 2 e correspondente a soma do primeiro ao

quinto sinal. E considerando que a expressão “X” é uma fórmula se e somente se “X” é

positiva e r(X) = 1, concluímos que “X” é positiva, mas, r(X) = 2 e, por conseguinte, “X” não

é uma fórmula.

Acrescentando os dois outros componentes, “P” e “F” , temos que “P” denota um

subconjunto não vazio e “C” cujos os elementos (π), em termos de uma lógica binária, são os

valores-verdade (truth-constants) “1” e “0” . Por outro lado “F” denota uma função que,

aplicada a cada sinal de “C” de grau D > 0, determina uma função veritativa. O quadro

seguinte esclarece-nos sobre as aplicações de “F” :152

F aplicada a K F aplicada a A F aplicada a C F aplicada a E F aplicada a J

F(K11) = 1 F(K10) = 0 F(K01) = 0 F(K00) = 0

F(K11) = 1 F(K10) = 1 F(K01) = 1 F(K00) = 0

F(K11) = 1 F(K10) = 0 F(K01) = 1 F(K00) = 1

F(K11) = 1 F(K10) = 0 F(K01) = 0 F(K00) = 1

F(K11) = 0 F(K10) = 1 F(K01) = 1 F(K00) = 0

A relação estreita entre a notação lógica de Lukasiewicz e a estrutura de árvore

comporta, ainda, a definição de que uma árvore é um gráfico conexo que não apresenta ciclo

algum, de modo que: se “p” é uma variável sentencial, então o gráfico correspondente reduz-

se ao vértice “p” ; para a fórmula “Np” o gráfico tem um lado cujos vértices são “N” e “p” ;

para fórmulas do tipo “ αpq” , sendo “ α” um conectivo sentencial, o gráfico tem dois lados e

três vértices. Analisemos os três exemplos que se seguem:

(I) CKCpqCqrCpr

C K C p q C q r C p r -1 -1 -1 1 1 -1 1 1 -1 1 1 (r) 1 2 3 4 3 2 3 2 1 2 1 ΣΣΣΣ (r) 1 2 3 4 4 3 4 4 2 3 3 n

152 Mais especificamente, um quadro completo para análise é indicado na nota de número 13.

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248

Examinando o quadro acima observamos que: em que L(X) temos 11 (onze)

caracteres; que o décimo primeiro sinal é igual a 1; que o décimo sinal é igual a 2 e

corresponde a soma do décimo sinal mais o décimo primeiro sinal; e, assim, sucessivamente

até o primeiro sinal que é igual a 1 e correspondente a soma do primeiro ao décimo pimeiro

sinal. E considerando que a expressão “X” é uma fórmula se e somente se “X” é positiva e

r(X) = 1, concluímos que “X” é positiva e r(X) = 1 e, por conseguinte, “X” é uma fórmula. E

a estrutura de árvore ou gráfico conexo comporta quatro níveis, assim caracterizado:

C

K C

C C p r

p q q r

(II) CKCpqNqNp

C K C p q N q N p -1 -1 -1 1 1 0 1 0 1 (r) 1 2 3 4 3 2 2 1 1 ΣΣΣΣ (r) 1 2 3 4 4 3 4 2 3 n

Examinando o quadro acima observamos que: em que L(X) temos 9 (nove) caracteres;

que o nono sinal é igual a 1; que o oitavo sinal é igual a 1 e corresponde a soma do oitavo

sinal mais o nono sinal; e, assim, sucessivamente até o primeiro sinal que é igual a 1 e

correspondente a soma do primeiro ao nono sinal. E considerando que a expressão “X” é uma

fórmula se e somente se “X” é positiva e r(X) = 1, concluímos que “X” é positiva e r(X) = 1

e, por conseguinte, “X” é uma fórmula. E a estrutura de árvore ou gráfico conexo comporta

quatro níveis, assim caracterizado:

C

K N

C N p

p q q

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(III) NKpANpq

N K p A N p q 0 -1 1 -1 0 1 1 (r) 1 1 2 1 2 2 1 ΣΣΣΣ (r) 1 2 3 3 4 5 4 n

Examinando o quadro acima observamos que: em que L(X) temos 7 (sete) caracteres;

que o sétimo sinal é igual a 1; que o oitavo sinal é igual a 2 e corresponde a soma do sexto

sinal mais o oitavo sinal; e, assim, sucessivamente até o primeiro sinal que é igual a 1 e

correspondente a soma do primeiro ao sétimo sinal. E considerando que a expressão “X” é

uma fórmula se e somente se “X” é positiva e r(X) = 1, concluímos que “X” é positiva e r(X)

= 1 e, por conseguinte, “X” é uma fórmula. E a estrutura de árvore ou gráfico conexo

comporta cinco níveis, assim caracterizado:

N

K

p A

N q p

Analisemos agora a função dos símbolos “X” e “D”. Os conectivos “K”, “A”, “C”,

“E” e “J”, associados às variáveis sentenciais “p” e “q”, expressam, respectivamente: os

conectivos “e” e “e/ou”, cujo significado é a não exclusão; os conectivos “se, então”, “se e

somente se” e “ou”, cujo significado é a exclusão. No entanto, os functores corresponentes a

negação conjunta (Xpq) e a negação alternada (Dpq) podem ser expressas conforme a tabela

abaixo:

F aplicada a X F aplicada a D

F(K11) = 0 F(K10) = 0 F(K01) = 0 F(K00) = 1

F(K11) = 0 F(K10) = 1 F(K01) = 1 F(K00) = 1

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Podemos observar que: na negação conjunta (Xpq), a conjunção e a negação são

reduzidas a um único nexo; e, na negação alternada (Dpq), a negação e a conjunção são

reduzidas a um único nexo, ou seja:

Np = Xpp Np = Dpp

Kpq = XXppXqq Kpq = DDppDqq Mais especificamente153:

negação conjunta (Xpq)

p Np Xpp 1 0 0 0 1 1

p q Kpq Xpp Xqq XXppXqq Xpq NCNpq ¬¬¬¬ (¬¬¬¬ p →→→→ q) 1 1 1 0 0 1 0 0 F 1 0 0 0 1 0 0 0 F 0 1 0 1 0 0 0 0 F 0 0 0 1 1 0 1 1 V

Obs: o valor “1” ou “V” ocorre se e somente se “p” e “q” têm o valor “0”ou “F”.

negação alternada (Dpq)

p Np Dpp 1 0 0 0 1 1

p q Kpq Dpq Dqq DDpqDpq CpNq p →→→→ ¬¬¬¬ q 1 1 1 0 0 1 0 F 1 0 0 1 1 0 1 V 0 1 0 1 1 0 1 V 0 0 0 1 1 0 1 V

Obs: o valor “1” ou “V” ocorre se e somente se “p” e “q” não têm “1”ou “V”.

Se “N” e “C” são snais primitivos do sistema de cálculo sentencial elaborado por

Lukasiewicz, na negação conjunta “Xpq” o valor “1” ou “V” ocorre se e somente se “p” e “q”

têm, ao mesmo tempo, o valor “0”ou “F” e é, por definição, correspondente a “NCNpq” ou

153 Mais especificamente, um quadro completo para uma análise comparativa é indicado na nota de número 13.

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“ ¬ (¬ p → q)” e, portanto, contrária a negação alternada ou incompatibilidade “Dpq” , cujo

valor “1” ou “V” ocorre se e somente se “p” e “q” não têm, ao mesmo tempo, valor “1”ou

“V” e é, por definição, correspondente a “CpNq” ou “p → ¬ q”.

Observamos, ainda, que no âmbito do sistema de Lukasiewicz as teses de número 117,

“CDppNp” , e de número 118, “CNpDpp” , justificam a admissibilidade da definição nominal

“Np = Dpp” . Outras teses relevantes são a tese número 119, “CDpqDqp” , ou lei da

comutatividade e as teses de número 123, “CCpqDpDpq”, e de número 126, “CDpDpqCpq”,

que justificam a admissibilidade da defnição nominal “Cpq = DpDpq” .

A utilização do functor “D” determina a simplificação do sistema como se pode

verificar no esquema abaixo:

Functor “A” Functor “K” Functor “E” Functor “J”

Functor “N” Functor “C”

Functor “D”

Segundo, Jan Lukasiewicz:

“O lógico francês J. Nicod deu um único axioma do cálculo sentencial, com a negação alternativa como um único termo primitivo. O axioma de Nicod é muito complicado e não muito intuitivo. Em nossa notação pode ser escrito da seguinte forma: DDpDqrDDtDttDDsqDDpsDps Em vez da habitual regra de desapego, formuladas no que diz respeito à implicação, o sistema de Nicod contém a regra que nos permite aceitar a expressão γ na força

Observando as definições:

“Apq” = “CNpq”;

“Kpq” = “NCpNq”;

pelas teses números 117, 118, 123 e 126, definidas em função do:

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de expressão reconhecida DαDβγ e na expressão reconhecida α.” 154 (1963. p. 63-64)

Mas como explicar um único axioma do cálculo sentencial dado pelo lógico francês J.

Nicod, ou seja, a negação alternativa como um único termo primitivo:

Consideremos, inicialmente, que para a redução do número de signos primitivos de um

cálculo, Henry Maurice Sheffer introduziu a negação conjunta ↓́`, também denominada

traço-função de sheffer, que se lê ´nem... nem`, cujo valor, como uma proposição molecular

binária p↓q, é verdadeiro se, e somente se, seus componentes são falsos, ou seja: p↓q (f f f v),

como demonstrado acima com Xpq. Outros conectivos do cálculo proposicional são

definíveis por ↓́`, como a negação e a disjunção includente ou alternativa. Mais precisamente

podemos indicar que: ¬p = def. (p↓p); p∨q = ¬(p↓q). Um exemplo que pode ser dado é

“Nem os professores são bem pagos nem os estudiosos são espertos” (nem p nem q).

Já Jean Nicod introduziu a negação alternativa (ou negação disjuntiva) ́` que se lê

´não ao mesmo tempo p e q` ou negação alternada, cujo valor como uma proposição

molecular binária pq, é falsa se, e somente se, seus componentes dão ambos verdadeiros, ou

seja, pq (f v v v), como demonstrado acima como Dpq. Outros conectivos do cálculo

proposicional são definíveis por ´`, como a negação e a disjunção includente ou alternativa.

Mais precisamente podemos indicar que: ¬p = def. (pp); p∨q = (¬pq). Um exemplo que

pode ser dado é “Jan Lukasiewicz não é italiano ou Hugo Mari não é polonês” (não p ou não

q).

p∨∨∨∨q = def. ((p↓↓↓↓q) ↓↓↓↓ (p↓↓↓↓q))

ou

p∨∨∨∨q = def. (¬¬¬¬p¬¬¬¬q)

154 “The french logician J. Nicod gave a single axiom of the sentential calculus, with alternative denial as the only primitive term. Nicod´s axiom is very complicated and not very intuitive. In our notation it can be written down as follows: DDpDqrDDtDttDDsqDDpsDps Instead of the usual rule of detachment, formulated with respect to implication, Nicod´s system contains the rule which permits us to accept the expression γ on the strength of the recognized expression DαDβγ and the recognized expression α.” (1963. p. 63-64)

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Em 1917, Jean Nicod (1917. p. 32–41) mostrou que a seguinte fórmula 23-symbol (na

notação polonesa) é um axioma único para a lógica sentencial clássica (D é interpretada

semanticamente como NAND, ou seja, o traço de Sheffer):

(N) DDpDqrDDtDttDDsqDDpsDps

mais especificamente:

D Dp Dqr D Dt Dtt D Dsq D Dps Dps

D

D D

p (Dqr) D D

t (Dtt) (Dsq) D

(Dps) (Dps)

ou

[p (qr)] {[t (tt)] [(sq) ((ps) (ps))]}

p (qr)

t (tt) (sq)

(ps) (ps)

Em 1913, H. Sheffer (1913. p. 481–488) dá as seguintes bases para a algebra boleanan

nos termos de um conectivo binário ↓, ou seja, ↓ é justamente NAND: x ↓ y = n(x) + n(y)).

(Sheffer1) (x ↓↓↓↓ x) | (x ↓↓↓↓ x) = x (Sheffer2) x ↓↓↓↓ (y ↓↓↓↓ (y ↓↓↓↓ y)) = x ↓↓↓↓ x (Sheffer3) (x ↓↓↓↓ (y ↓↓↓↓ z)) ↓↓↓↓ (x ↓↓↓↓ (y ↓↓↓↓ z)) = ((y ↓↓↓↓ y) ↓↓↓↓ x) ↓↓↓↓ ((z ↓↓↓↓ z) ↓↓↓↓ x)

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A única regra de inferência para o único axioma do sistema de Nicod é a regra do

distanciamento ou desapego para D:

(D-Regra) desde DpDqr e p, infere-se r.

Lukasiewicz (1970. p. 179–196) mais tarde demonstrou que a seguinte instância de

substituição (t/s) do axioma da Nicod (N) bastaria:

(Ł1) DDpDqrDDsDssDDsqDDpsDps

Mordchaj Wajsberg (1977. p. 37–39), aluno de Lukasiewicz, mais tarde descobriu o

seguinte 23-symbol orgânico (Um único axioma é orgânico se não contém tautologias

subformuladas. (N) e (L) são não orgânicos, porque eles contém tautologias subformuladas da

forma DxDxx), único axioma, para D:

(W) DDpDqrDDDsrDDpsDpsDpDpq

Lukasiewicz, mais tarde, descobriu outro axioma orgânico do 23-symbol:

(Ł2) DDpDqrDDpDrpDDsqDDpsDps

Existem novos axiomas do único 23-símbolo, alguns dos quais são orgânicos e tem

apenas 4 variáveis, por exemplo,

(HF1) DDpDqrDDpDqrDDsrDDrsDps

Na exposição de Lukasiewicz, o problema da substituição correta de variáveis é

descrito a partir de uma definição de categoria sintática, ou seja:

“Dizemos que uma expressão β é a correta substituição da expressão α se e somente se β difere de α, ou seja, apenas no lugar de certas variáveis que ocorrem em α a expressão β tem certas expressões de significado, pois, tais expressões155 de

155 Em relação as expressões, seqüências finitas de sinais, destaca-se as classe das expressões bem formadas ou fórmulas. A existência desta classe está ligada às regras de formação previamente estabelecida no âmbito do sistema. Jan Lukasiewicz usa a denominação” meaningful expression”, ou seja: “This term is left undefined but the following theorem will enable us to decide about every expression formed of variables and of constants of the sentential calculus, whether it is a meaningful or not.” (1963. p. 37) (“Este termo a esquerda é indefinido, mas o teorema a seguir permitirá decidir sobre cada expressão formada de variáveis do cálculo sentencial, quer seja um significado ou não.”). Teorema, em Lukasiewicz, é um corpo de regras de formação, como podemos perceber em:

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255

significado em β são equiformes sempre que correspondam a variáves equiformes em α.” 156 (1963. p. 39)

No exemplo proposto por Jan Lukasiewicz, temos:

CCpqCCqrCpr (αααα)

Substituindo “q” por “CNpq”, isto é:

q/CNpq

então, obtemos:

CCpCNpqCCCNpqrCpr (ββββ)

A substituição realizada em (α), acima, é correta em razão da expressão “CNpq”

substituir todas as ocorrências de “q” , pois, tanto “q” como “CNpq” são fórmulas.

Lukasiewicz apresenta, ainda, três regras de inferência adotadas no sistema:

“Da regra e substituição: se uma expressão α é a tese do sistema, podemos reconhecer, como uma tese do sistema, qualquer expressão que seja uma substituição correta da expressão α. Da regra do distanciamento ou desapego: se quaisquer expressões α e β são teses do sistema e a expressão α é uma implicação com o antecedente equiforme com β, então, podemos reconhecer, como uma tese do sistema, qualquer expressão γ que é equiforme com a conseqüente da implicação α. Da regra de substituição: Se uma expressão α é a tese de um sistema e uma expressão β faz parte da expressão α e é equiforme com o lado direito de uma das

“The expression x is a meaningful expression if and only if one of the following conditions is satisfied: 1) x is small letter; 2) x is the negation of a meaningful expression; 3) x is an implication with arguments which are meaningful expression; 4) x is an alternation with arguments which are meaningful expression; 5) x is an conjunction with arguments which are meaningful expression; 6) x is an no-conjunction with arguments which are meaningful expression; 7) x is an equivalence with arguments which are meaningful expression.” (1963. p. 37)

(“A expressão x é uma expressão significativa se e somente se for satisfeita uma das seguintes condições:1) x é uma letra minúscula; 2) x é a negação de uma expressão significativa; 3) x é uma implicação com argumentos que são expressões significativas; 4) x é uma alternância com argumentos que são expressões significativas; 5) x é uma conjunção com argumentos que são expressões significativas; 6) x é uma não-conjunção com argumentos que são expressões significativas; 7) x é uma equivalência com argumentos que são expressões significativas.”) (1963. p. 37) 156 “We say that an expression β is a correct substitution of the expression α if and only if β differs from α only in that in place of certain variables which occur in α the expression β has certain meaningful expression, such that meaningful expression in β are equiform whenever they correspond to equiform variables in α.” (1963. p. 39)

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definições dadas ou sobre uma substituição correta, então, podemos reconhecer como uma tese do sistema qualquer expressão γ que é obtida da expressão α através da substituição da expressão β por uma expressão equiforme com o lado esquerdo da mesma definição ou por substituição correta correspondente ao lado esquerdo.”157 (1963. p. 39-40)

E procurando distinguir “the rule of substitution” da “rule of replacement”, Jan

Lukasiewicz afirma que:

“... quando aplicamos a regra de substitução (diferente de replacemente) devemos substituir todas as variáveis equiformes por expressões equiformes, considerando que a regra de substituição (replacemente) torna possível substituir apenas uma expressão de uma tese, mesmo que uma segunda expressão, equiforme com a primeira, ocorra em tese.”158 (1963. p. 41)

E tomando como objeto de investigação o próprio sistema de cálculo sentencial,

Lukasiewicz, problematizando os axiomas quanto ao fato de atenderem a exigência da

consistência, satisfazerem a exigência da independência e observarem a exigência da

completude, afirma que:

"As provas que serão apresentadas a seguir poderão ser formalizadas dentro de alguns sistemas axiomáticos, mas seria extremamente difícil. Nossas provas serão realizadas como normalmente é feito em matemática, ou seja, vamos começar a partir de premissas cuja verdade será ditada pela intuição."159 (1963. p. 67)

O conceito de consistência ou compatibilidade supõe a definição de dedutibilidade,

tanto que, quanto à consistência do sistema de axiomas do cálculo sentencial, Lukasiewicz

afirma que:

157 “The rule of substitution: if an expression α is a thesis of the system, them we may recognize as a thesis of the system any expression which is a correct substitution of the expression α. The rule of detachment: If any expressions α and β are theses of the system and the expression α is an implication with the antecedent equiform with β, then we may recognize as a thesis of the system any expression γ which is equiform with the consequent of the implication α. The rule of replacement: if an expression α is a thesis of the system, and an expression β is part of expression α and is equiform with the right side of one of the definitions given about or one of its correct substitution, then we may recognize as a thesis of the system any expression γ which is obtained from expression α through the replacement of expression β by an expression equiform with the left side of the same definition or by its corresponding correct substitution of that left side.” (1963. p. 39-40) 158 “... when applying the rule of substitution we must replace all equiform variables by equiform expression, whereas the rule of replacement makes it possible to replace only one expression in a thesis, even if a second expression, equiform with the first, occurs in that thesis.” (1963. p. 41) 159 “The proofs to be presented below might be formalized within some axiomatic system, but that would be extremely difficult. Our proofs will be carried out as is usually done in mathematics, i.e., we shall start from assumptions whose truth will be dictated by intuition.” (1963. P. 67)

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257

"O primeiro problema a ser tratado é o da consistência dos axiomas do cálculo sentencial. Será demonstrado que, se iniciamos a partir de nossos axiomas e procedemos em conformidade com as regras de inferência, nunca poderemos provar duas frases, ou seja, uma que tem a forma de α e a outra de Nα, pois, são contraditórios. Isto é muito importante, pois, para que possamos provar duas frases contraditórias, teríamos de reconhecer a verdade de ambas às frases, uma vez que reconhecemos a verdade de todas as sentenças que são prováveis no cálculo sentencial. Mas, em conformidade com o princípio da contradição, duas sentenças contraditórias não podem ser verdadeiras."160 (1963. p. 67)

Na determinação da prova ou no modo como se dá a demonstração da consistência

temos que observar:

"... o fato de que em nosso sistema definições são apenas abreviaturas e não desempenham qualquer papel fundamental na prova;"161 (1963. p. 68) "A regra da substituição nos permite substituir, em qualquer tese, o definiens pelo definiendum".162 (1963. p. 68)

E, então, apontar um princípio assim definido por Lukasiewicz:

"Podemos provar que, no nosso sistema, a partir de qualquer tese que contém um definiendum também podemos deduzir uma tese na qual o definiendum referido é substituído pelo definiens adequado. Desta forma, no nosso sistema de cálculo sentencial cada prova tem sua contrapartida que não ocorre em termos definidos."163. (1963. p. 68)

A “definition-free of the sentential calculus” (S*) e a prova da consistência de “S” é

dada pela prova de consistência de “S*” que se distingue do sistema original “S” em razão de

não envolver expressões que contêm termos definidos, não incluir a regra do “replacement” e

restringir a regra da substituição a “meaningful expressions that contain no defined terms”.

A partir da definição de “definition-free system”, a prova da independência dos

axiomas de “S” se reduz à prova da independência dos axiomas em “S*”. Ou seja:

160 “The first problem to be dealt with is that of the consistency of the axioms of the sentential calculus. It will be shown that if we start from our axioms and proceed in accordance with the rules of inference, we can never prove two sentences, one of which has the form α, and the other Nα, and thus are contradictory. This is very important, for should we prove two contradictory sentence, we would have to recognize the truth of both these sentence, since we recognize the truth of every sentences that is provable in the sentential calculus. But, in conformity with the principle of contradiction, two contradictory sentences cannot both be true.” (1963. P. 67) 161 “... the fact that in our system definitions are merely abbreviations and do not play any essential role in the proofs;” (1963. p. 68) 162 “the rule of replacement permits us to replace in any thesis, the definiens by the definiendum” (1963. P. 68) 163 “We could prove that, in our system, from any thesis that contains a definiendum we may also deduce a thesis in which the said definiendum is replaced by the appropriate definiens. In this way, in our system of the sentential calculus every proof has its counterpart in which no defined terms occur.” (1963. P. 68)

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258

"A segunda questão referente ao nosso sistema de cálculo sentencial é o da independência dos axiomas que temos formulado acima. A intenção é que nenhum dos três axiomas podem ser comprovados através dos axiomas restantes e as regras de inferência como adaptada no sistema."164 (1963. p. 72-73)

Mais especificamente, Lukasiewicz afirma que:

"A prova da independência dos axiomas da definição livre do cálculo sentencial é, em alguns aspectos, semelhante à prova de consistência. Por exemplo, para provar que Axioma 1 é independente dos axiomas 2 e 3, devemos construir uma certa propriedade ϕ1 que satisfaça as três condições seguintes: 1) propriedade ϕ1 é um atributo dos axiomas 2 e 3; 2) propriedade ϕ1 é hereditária no que diz respeito às regras de inferência da definição livre de cálculo sentencial; 3) propriedade ϕ1 não é um atributo do Axioma 1. Se existe uma propriedade ϕ1 que satisfaz estas três condições, então o Axioma 1 é independente dos Axiomas 2 e 3 ".165 (1963. p. 72-73) (...) "A prova da independência dos axiomas do cálculo sentencial incluiu a utilização de uma tabela com três valores: «O»,«1»,«2». Para provar a independência das várias teses do Cálculo sentencial muitas vezes se tem que usar uma tabela que contêm três ou mais valores diferentes. Chamo a atenção para o fato de que para provar a coerência e independência, não é necessário tratar os símbolos «0» e «1», tal como a posição das frases falsas e verdadeiras, respectivamente".166 (1963. p. 73)

Então, diante do problema exposto Lukasiewicz indaga sobre a possibilidade, no

campo da lógica, de uma interpretação para o terceiro símbolo numérico empregado nas

provas que se relacionam com a independência e afirma que:

"Na realização da prova da independência, temos demonstrado que cada teses do cálculo sentencial tem propriedade ϕ0, o que consideramos ser a propriedade característica do verdadeiro cálculo de sentença em investigação. Na raiz da lógica que utilizamos há o pressuposto de que cada frase tem sempre um, e apenas um, dos

164 “The second issue pertaining to our system of the sentential calculus is that of the independence of the axioms we have formulated above. The intention is that none of the three axioms can be proved by means of the remaining axioms and the rules of inference as adopted in the system.” (1963. P. 72-73) 165 “The proof of the independence of the axioms of the definition-free sentential calculus is in some respects similar to the proof of consistency. For instance, to prove that Axiom 1 is independent of Axioms 2 and 3, we shall construct a certain property ϕ1 that satisfies the following three conditions: 1) property ϕ1 is an attribute of Axioms 2 and 3;

2) property ϕ1 is hereditary with respect to the rules of inference of the definition-free sentential calculus;

3) property ϕ1 is not an attribute of Axiom 1.

If there exists a property ϕ1 that satisfies these three conditions, then Axiom 1 is independent of Axioms 2 and 3” . (1963. P. 72-73) 166 “The proof of the independence of the axioms of the sentential calculus included the use of a table with three values: ´0`, ´1`,´2`. In proving the independence of the various theses of the sentential calculus one often has to use tables that contain three or more different values. Attention has been drawn to the fact that in proving consistency and independence it is not necessary to treat the symbols ´0` and ´1` as standing for false and true sentences, respectively”. (1963. P. 73)

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dois valores lógicos: verdade e falsidade. Este pressuposto, geralmente não está formulado explicitamente, mas é um pressuposto básico na lógica ".167 (1963. p. 77)

Sobre a “lógica dos três ou mais valores”, nos deparamos com o clássico problema

aristotélico dos futuros contingentes que, segundo Lukasiewicz:

"Podemos, no entanto, adaptar uma posição na variância com o princípio de dois valores na lógica. Podemos supor que uma frase, no sentido lógico do termo, pode ter valores que não sejam verdadeiro ou falso. A frase, que não sabemos se é falsa ou verdadeira, talvez nenhum valor determinado como verdadeiro ou falso, possa ter um terceiro valor indeterminado. Poderíamos, por exemplo, considerar que a sentença ´em um ano, a partir de agora, estarei em Varsóvia`, não é nem verdadeiro nem falso e tem um terceiro, indeterminado, valor que pode ser simbolizado como ´½`."168 (1963. p. 78)

Sobre o sistema do cálculo sentencial da lógica de três ou mais valores observamos

que, se não houver uma simbologia precisa, as noções de verdadeiro e falso se apresentam

imprecisas, pois, toda proposição necessita de fatos definidos para se tornar verdadeira. E,

assim como a proposição “em um ano, a partir de agora, estarei em Varsóvia” não é nem

verdadeiro nem falso e tem um terceiro e indeterminado valor que pode ser simbolizado como

´½`169, a proposição

Isto é um homem

pode se aplicar a todos os machos adultos da espécie, mas não às crianças. Mas vista de outro

modo, pode abranger toda a humanidade, dependendo do sentido que se dá à palavra

"homem". Então, não é nem verdadeiro nem falso e tem um terceiro e indeterminado valor

que pode ser simbolizado como ´½`.

167 “In carrying out the proof of independence we have demonstrated that every thesis of the sentential calculus has property ϕ0, which we consider to be the characteristic property of the true sentences of the calculus under investigation. For at the root of the logic we use there is the assumption that every sentence always has one, and only one, of the two logical values: falsehood and truth. This assumption is usually not formulated explicitly, but is a basic assumption made in logic”. (1963. P. 77) 168 “We might, however, adopt a standpoint at the variance with the principle of two values in logic. We might assume that a sentence, in the logical sense of the term, might have values other than falsehood and truth. A sentence, of which we do not know whether it is false or true, might have no value determined as truth or falsehood, but might have some third, undetermined, value. We might, for instance, consider that the sentence in a year from now I shall be in Warsaw is neither true nor false and has a third, undetermined, value, which can be symbolized as ´½`.” (1963. P. 78) 169 Um grão de areia não faz um punhado. Adicionar outro grão ainda não faz um punhado. No entanto, adicionando mais e mais grãos, em algum momento, teremos um punhado de areia. Um homem com cabelos não é careca. Tirando um cabelo não o transforma em careca. Porém assim continuando eventualmente se tornará careca. Paradoxos - Eubulides de Mileto - Grécia - Século IV AC.

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260

Propor soluções diversas de "α" ou "Nα" para problemas de lógica é abandonar o

princípio do Terceiro Excluído e o princípio da não contradição da lógica de Aristóteles, o

que implica no abandono da denominada prova por contradição.

No sistema do cálculo sentencial da lógica de três ou mais valores, a lógica se

transforma desde seus fundamentos se adotarmos a hipótese de que além de verdadeiro e falso

há, também, um terceiro valor lógico ou até mais valores". Lukasiewicz apresenta uma

estrutura na qual adiciona o valor “½” representando não necessariamente o termo "possível"

além dos valores “1” representando não necessariamente o termo verdadeiro e “0”

representando não necessariamente o termo falso.

A afirmação e a negação do valor lógico “½” são equivalentes como poemos observa

na tabela-verdade para o cálculo sentencial da lógica de três ou mais valores.

αααα Não-αααα p Não-p

1 0 ½ ½ 0 1

O sistema do cálculo sentencial da lógica de três ou mais valores é sugerida,

inicialmente, por Aristóteles em sua obra De Interpretatione. Tal lógica pode ser entendida

como uma tentativa de solucionar um problema relacionado aos futuros contingentes. Se

proposições devem corresponder a fatos, é evidente que em se tratando de eventos situados no

futuro tem-se a hipótese de uma alternativa real e a hipótese de uma alternativa potencial, ou

seja, em direções contrárias. Deste modo, temos que a afirmação e a negação correspondentes

a essa proposição terão o mesmo caráter valorativo, ou seja, “½” e, assim, ambas poderão ser

verdadeiras ou ambas poderão ser falsas, porém, ainda, não podem ser nem verdadeira e nem

falsa.

Aristóteles afirma que as sentenças “haverá ou não haverá uma batalha naval amanhã”

ou “já é definitivamente verdadeiro ou definitivamente falso que haverá uma batalha naval

amanhã” terão o mesmo caráter valorativo, ou seja, “½” e, assim, em cada um dos pares

citados, ambas poderão ser verdadeiras ou ambas poderão ser falsas, porém, ainda, não podem

ser nem verdadeira e nem falsa. E, assim, o que não está determinado não pode ser conteúdo

de verificação. Aristóteles defende, da mesma forma, que embora nenhuma das partes da

disjunção seja, agora, verdadeira ou falsa, o conjunto inteiro desta disjunção (haverá ou não

haverá uma batalha naval amanhã) é, desde já, definitivamente verdadeiro.

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Se considerarmos os functors “C”, “K”, “A”, “E” e “J”, a partir do sistema do cálculo

sentencial da lógica de três ou mais valores, temos que:

p →→→→ q p ∧∧∧∧ q p ∨∨∨∨ q p ↔↔↔↔ q p ∨∨∨∨ q

p q Cpq Kpq Apq Epq Jpq

1 1 1 1 1 1 0 1 ½ ½ ½ 1 ½ 1 1 0 0 0 1 0 1 ½ 1 1 ½ 1 ½ 1 ½ ½ 1 ½ ½ 1 0 ½ 0 ½ 0 ½ ½ ½ 0 1 1 0 1 0 1 0 ½ 1 0 ½ ½ ½ 0 0 1 0 0 1 0

N C 1 ½ 0 1 0 1 1 ½ 0 ½ ½ ½ 1 1 ½ 0 1 0 1 1 1

Com três valores de verdade, as funções de verdade têm que ser redefinidas ou suas

definições têm que ser generalizadas de tal modo que abarquem os casos em que um ou mais

argumentos tomam o valor correspondente a ½.

A coluna do extremo direito, no quadro imediatamente acima, indica que para “p” = 1

e “p” = 0 não há mudança em “¬ p”, ou seja, “¬ p” = 0 e “¬ p” = 1 e, no entanto, para “p” =

½ temos “¬ p” = ½. Analogicamente na definição de “p → q” (C, 1, ½ e 0 na vertical) (C, 1,

½ e 0 na horizontal)os casos clássicos são tratados como se tem demonstrado e para os casos

não clássicos há o princípio de que se o valor do antecedente “p” for menor ou igual ao valor

do conseqüente “q” o valor do condicional “p → q” deve ser igual a 1 e no outro caso, em que

o valor do antecedente “p” for maior que o valor de “q” deve ser igual a ½.

Devemos compreender que neste sistema de uma lógica de três valores, os símbolos

das funções de verdade não podem conservar exatamente as mesmas relações que tinham no

sistema de uma lógica de dois valores e, conseqüentemente, as fórmulas que são tautológicas

no sistema de uma lógica de dois valores podem deixar de sê-lo quando consideradas como

fórmulas do sistema de uma lógica de três valores.

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Mais especificamente, para o functor C definido na tabela-verdade devemos observar

o seguinte princípio:

(N) negação (C) Condicional Np = 1 - p Para p ≤ q: Cpq = 1

Para p > q: Cpq = 1 – p + q

Para o functor A, Apq, ou (p ∨ q), não é mais definido como CNpq, como pudemos

observar anteriormente, mas, como podemos observar no quadro abaixo, é definido como

“CCpqq”, ou “(p →→→→ q) →→→→ q”, em razão da ordem de valores expressos nas respectivas

colunas:

p →→→→ q (p →→→→ q) →→→→ q p ∨∨∨∨ q

p q Cpq CCpqq Apq

1 1 1 1 1 1 ½ ½ 1 1 1 0 0 1 1 ½ 1 1 1 1 ½ ½ 1 ½ ½ ½ 0 ½ ½ ½ 0 1 1 1 1 0 ½ 1 ½ ½ 0 0 1 0 0

N A 1 ½ 0 1 0 1 1 1 1 ½ ½ ½ 1 ½ ½ 0 1 0 1 ½ 0

Essa equivalência é escolhida para garantir que uma disjunção no sistema de uma

lógica de três valores conserve o mesmo valor dos seus termos disjuntos se estes têm valores

semelhantes e nos outros casos o maior dos dois valores. Com efeito, quando p = ½, ApNp =

A½N½ = A ½ ½ = ½ . Ou seja:

(N) negação (A) Disjunção Includente Np = 1 - p Para p = q: Apq = 1, ½ ou 0 (o valor da semelhança)

Para p >/< q: Apq = 1 ou ½ (o valor maior)

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Para o functor E, no quadro abaixo, podemos observar que “Epq”, ou (p ↔ q), é

definido como “KCpqCpq”, ou ((p →→→→ q) ∧∧∧∧ (p →→→→ q)), em razão da ordem de valores expressos

nas respectivas colunas:

p →→→→ q (p →→→→ q) ∧∧∧∧ (p →→→→ q) p ↔↔↔↔ q p q Cpq KCpqCpq Epq 1 1 1 1 1 1 ½ ½ ½ ½ 1 0 0 0 0 ½ 1 1 ½ ½ ½ ½ 1 1 1 ½ 0 ½ ½ ½ 0 1 1 1 0 0 ½ 1 ½ ½ 0 0 1 0 1

N E 1 ½ 0 1 0 1 1 ½ 0 ½ ½ ½ ½ 1 ½ 0 1 0 0 ½ 1

Para o functor K, no quadro abaixo, podemos observar que “Kpq” , ou (p ∧ q), é

definido como “NANpNq”, ou (¬¬¬¬ (¬¬¬¬p ∨∨∨∨ ¬¬¬¬q)), em razão da ordem de valores expressos nas

respectivas colunas:

¬¬¬¬ (¬¬¬¬p ∨∨∨∨ ¬¬¬¬q) p ∧∧∧∧ q p q ¬¬¬¬p ¬¬¬¬q NANpNq Kpq 1 1 0 0 1 1 1 ½ 0 ½ ½ ½ 1 0 0 1 0 0 ½ 1 ½ 0 ½ ½ ½ ½ ½ ½ ½ ½ ½ 0 ½ 1 0 0 0 1 1 0 0 0 0 ½ 1 ½ 0 0 0 0 1 1 0 0

N K 1 ½ 0 1 0 1 1 ½ 0 ½ ½ ½ ½ ½ 0 0 1 0 0 0 0

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A equivalência é escolhida para garantir que uma conjunção no sistema de uma lógica

de três valores conserve o mesmo valor dos seus termos conjuntos se estes têm valores

semelhantes e nos outros casos o menor dos dois valores. Com efeito, quando p = ½, ApNp =

A½N½ = A ½ ½ = ½ . Ou seja:

(N) negação (A) Disjunção Includente Np = 1 - p Para p = q: Apq = 1, ½ ou 0 (o valor da semelhança)

Para p >/< q: Apq = ½ ou 0 (o valor menor)

Para o functor J, no quadro abaixo, podemos observar que “Jpq” , ou (p ∨ q), é

definido como “ ” , ou ( ), em razão da ordem de valores expressos nas respectivas

colunas:

p →→→→ q p ∨∨∨∨ q

p q Cpq Jpq

1 1 1 0 1 ½ ½ 1 1 0 0 1 ½ 1 1 1 ½ ½ 1 0 ½ 0 ½ ½ 0 1 1 1 0 ½ 1 ½ 0 0 1 0

N J 1 ½ 0 1 0 1 0 1 1 ½ ½ ½ 1 0 ½ 0 1 0 1 ½ 0

Jan Lukasiewicz é pioneiro no campo da “many-valued logic”, ou seja, para ser mais

preciso, valemo-nos de uma imagem geométrica que tem como referência um segmento de

reta cujos pontos externos podem ser indicados pelos símbolos “1” e “0” , em substituição a

verdadeiro “V” e falso “F” , valido “V” e invalido “I” , que resulta, então, na possibilidade de

abarcar o ponto médio do referido segmento com o símbolo ½, ou seja:

“Eu posso supor sem contradição que a minha presença em Varsóvia num certo momento do tempo, e.g., ao meio-dia do dia 21 de dezembro, no momento presente ainda não está decidida positiva ou negativamente. É por isso possível mas não necessário que eu esteja presente em Varsóvia na altura referida. Nesta suposição a afirmação ´Estarei presente em Varsóvia ao meio-dia do dia 21 de dezembro do próximo ano` não é verdadeira nem falsa no momento presente. Porque se fosse

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verdadeira no momento presente a minha futura presença em Varsóvia teria que ser necessária, o que contradiz a suposição e se fosse falsa no momento presente, a minha presença futura em Varsóvia seria impossível, o que de novo contradiz a suposição. A frase declarativa sob consideração não é, no momento presente, nem verdadeira nem falsa e tem que ter um terceiro valor, diferente de 0, ou falso, e de 1, ou verdadeiro. Podemos indicá-lo por ´½`, isto é, ´o possível`, que fará um terceiro valor juntamente com ´o falso` e ´o verdadeiro`. É esta linha de pensamento que dá origem a um sistema a três valores de lógica proposicional.”170 (1957. p.64.)

Assim, se considerarmos que os princípios do cálculo proposicional deixam de ser

aplicados em razão dos significados dos conectivos dados pelas matrizes apresentadas por Jan

Lukasiewicz, como, por exemplo, a tese correspondente ao princípio do terceiro excluído,

ApNp, ou seja, quando p = ½, ApNp = A½N½ = A ½ ½ = ½., veremos, neste ponto, que existe

uma divergência entre a tese sistêmica de Lukasiewicz e o que é asseverado no nono capítulo,

futuros contingentes, do Da interpretação; para Aristóteles, a disjunção includente “haverá ou

não haverá uma batalha naval amanhã” vale mesmo quando as suas partes, “haverá uma

batalha naval amanhã” e sua negação, têm ambas valores indeterminados ou “½”. Aristóteles

afirma a validade da disjunção inludente não por causa dos valores de verdade atribuídos a

seus componentes (1, ½ ou 0), mas porque esses componentes são contraditórios. Existe,

portanto, um elemento não verofuncional no tratamento destas proposições. Arthur Prior

considera que o aparecimento da não-verofuncionalidade em tais proposições é devido a uma

confusão com relação à diferenciação das duas seguintes sentenças: i) “Haverá ou não haverá

uma batalha naval amanhã” que é verdadeira de acordo com regras verofuncionais, somente

quando pelo menos uma das duas componentes for verdadeira e ii) “Amanhã será o caso da

seguinte sentença: ‘há ou não há uma batalha naval’”. A sentença ii) não é verofuncional dado

que o conectivo de disjunção é governado pelo operador não-verofuncional ‘amanhã será o

caso...’ (operador este que não aparece no sistema trivalorado de Lukasiewicz) enquanto que a

sentença i) apesar de ser verofuncional não possui validade para todos os casos. (1962. p. 230-

250)

170 “I can assume without contradiction that my presence in Warsaw at a certain moment of time next year, e.g., at noon on 21st December, is not settled at the present moment either positively or negatively. It is therefore possible but not necessary that I shall be present in Warsaw at the stated time. On this presupposition the statement ´I shall be present in Warsaw at noon on 21st December next year` is neither true nor false at the present moment. For if it were true at the present moment my future presence in Warsaw would have to be necessary, which contradicts the presupposition, and if it were false at the present moment, my future presence in Warsaw would have to be impossible, which again contradicts the presupposition. The statement under consideration is therefore at the present neither true nor false and must have a third value different from 0, or the false and from 1, or the true. We can indicate this by ´½`: it is `the possible` which goes at a third value with the ´false` and the ´true`. This is the train of thought which gave rise to the three-valued system of propositional logic” (Apud Rescher. Op. cit., p.64.)

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Dissertando sobre os futuros contingentes ou a lógica modal elaborada por Aristóteles,

Lukasiewicz afirma que “According to Aristotle, only propositions are necessary, impossible,

possible, or contingent.”171 (1957. p. 134). E dada a ambigüidade do termo contingente,

Lukasiewicz, sob a denominação “modal functions” propõe as formas correspondentes a “é

necessário que p” (Lp), “é impossível que p” (Ip) e “é contingente que p” (Cp), fundado no

sistema da lógica de três valores já desenvolvido e simplificado nas matrizes abaixo:

A ¬¬¬¬ A ∧∧∧∧ B 1/v ½/i 0/f A ∨∨∨∨ B 1/v ½/i 0/f

1/v 0/f 1/v 1/v ½/i 0/f 1/v 1/v 1/v 1/v ½/i ½/i ½/i ½/i ½/i 0/f ½/i 1/v ½/i ½/i 0/f 1/v 0/f 0/f 0/f 0/f 0/f 1/v ½/i 0/f

A →→→→ B 1/v ½/i 0/f A ↔↔↔↔ B 1/v ½/i 0/f

1/v 1/v ½/i 0/f 1/v 1/v ½/i 0/f ½/i 1/v 1/v ½/i ½/i ½/i 1/v ½/i 0/f 1/v 1/v 1/v 0/f 0/f ½/i 1/v

O valor indicado como “½” ou “i” significa, por correspondência, “indeterminado” ou

“possível” e, abarcado em sentenças correspondentes aos futuros contingentes, submete-se

aos princípios, já desenvolvidos, que orientam o sistema da lógica de três valores, como

podemos observar na síntese abaixo:

¬¬¬¬ A = 1 - A A ∨∨∨∨ B = max [A, B] A ∧∧∧∧ B = min [A, B] 1 se A ≤≤≤≤ B A →→→→⊃⊃⊃⊃ B = 1 - A + B se A >>>> B

Este valor “indeterminado” ou “possível”, como um terceiro valor-verdade,

representa a união do verdadeiro e do falso. E, fundado no sistema da lógica de três valores,

propõe a “função a um argumento” ou, em notação lógica, o functor (M), mais

especificamente, “Mp = CNpp” , mais especificamente,

p ¬¬¬¬ p Mp CNpp (¬¬¬¬p →→→→ p)

171 “De acordo com Aristóteles, apenas proposições são necessária, impossível, possível ou subordinada.” (1957. p. 134)

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1/v 0/f 1/v 1/v ½/i ½/i 1/v 1/v 0/f 1/v 0/f 0/f

Mais especificamente, Lukasiewicz introduz um símbolo funcional correspondente ao

termo “indeterminado” ou “possível” e o define pela equivalência “ ◊p = ¬ p → p” . Assim,

se uma proposição pode ser derivada da sua própria negação, então não pode ser falsa seja

qual for o número de valores de verdade que reconhecemos. No sistema lógico de dois valores

esta propriedade é suficiente para assegurar a verdade, mas no sistema lógico de três valores

só garante a possibilidade. O princípio dessa função, que é identificado como possibilidade,

reconhece o valor “0” quando o argumento tem esse valor “0” , mas nos outros casos

reconhece o valor correspondente à “1” . Ou seja:

Lp= df. ¬¬¬¬M ¬¬¬¬p (necessário) Cp= df. Mp & M ¬¬¬¬p (contingente) Ip = df. L ¬¬¬¬p (impossível)

p L p C p I 1/v 1/v 1/v 0/f 1/v 0/f ½/i 0/f ½/i 1/v ½/i 0/f 0/f 0/f 0/f 0/f 0/f 1/v

Com o terceiro valor indicado por Lukasiewicz podemos observar, ainda, que “p ∧ ¬p

= i” quando “p = ¬p = i” , e “p ∧ ¬p” deve ser vista como possível se os termos da

conjunção são, individualmente, possíveis.

Na lógica modal ou sistema de interpretações modais de Lukasiewicz, uma sentença é

necessária apenas no caso em que é verdadeira, impossível apenas no caso de ser falsa e

contingente apenas no caso de intermediária.

No entanto, Lukasiewicz afirma que:

“Se nós concordamos com Aristóteles que alguns eventos futuros, e.g. uma batalha naval, são contingentes, logo uma proposição sobre cada evento enunciado hoje pode ser nem verdadeiro nem falso... Com base nessa idéia... Construí em 1920 um sistema de três-valores de lógica modal desenvolvido depois em um artigo de 1930. Vejo hoje que esse sistema não satisfaz todas as nossas intuições que concernem as modalidades e deveria ser trocado pelo sistema Lm

4.”172 (1957. p. 166-167)

172 “If we accept with Aristotle that some future events, e.g., a sea-fight, are contingent, them a proposition about such events enounced today can be neither true nor false … On the basis of this idea … I constructed in

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Com esse novo sistema de interpretações modais, o sistema de uma lógica de quatro

valores, Lukasiewicz afirma, ainda, que “Refuta todas as inferências falsas traçadas na

conexão com a lógica modal, explica as dificuldades do silogismo modal Aristoteliano, e

revela alguns fatos lógicos inesperados que são da maior importância para a filosofia.”173

(1957. p. 169)

As matrizes de Lm4 são formadas como o produto da matriz para os próprios cálculos

proposicionais clássicos. Seus valores-verdade são ordenados por pares de valores-verdade

clássicos, ou seja, o sistema é o produto de Lc consigo mesmo, portanto, os valores de Lm4

correspondem aos pares ordenadores de valores de Lc, como demonstrado abaixo:

1 = (1/v, 1/v) 2 = (1/v, 0/f) 3 = (0/f, 1/v) 0 = (0/f, 0/f)

¬¬¬¬ p p →→→→ q 1 (v, v) 2 (v, f) 3 (f, v) 0 (f, f) 0 (f, f) 1 (v, v) 1 (v, v) 1 (v, v) 2 (v, f) 3 (f, v) 0 (f, f) 3 (f, v) 2 (v, f) M 2 (v, f) 1 (v, v) 1 (v, v) 3 (f, v) 3 (f, v) 2 (v, f) 3 (f, v) W 3 (f, v) 1 (v, v) 2 (v, f) 1 (v, v) 2 (v, f) 1 (v, v) 0 (f, f) 0 (f, f) 1 (v, v) 1 (v, v) 1 (v, v) 1 (v, v)

Possibilidade 1 Possibilidade2 M p W p

1 (v, v) 1 (v, v) 1 (v, v) 1 (v, v) 1 (v, v) 2 (v, f) 2 (v, f) 2 (v, f) 3 (f, v) 3 (f, v) 1 (v, v) 3 (f, v) 3 (f, v) 0 (f, f) 2 (v, f) 0 (f, f)

E, a partir da especificação dos conectivos, podemos observar alguns princípios

considerando um conectivo arbitrário (Z) de (x e y) de valores arbitrários, ou seja:

¬¬¬¬(x, y) = (¬¬¬¬x, ¬¬¬¬y) e

(x1, y1) Z (x2, y2) = (x1 Z x2, y1 Z y2)

1920 a three-valued system of modal logic developed later in paper of 1930. I see today that this system does not satisfy all our intuitions concerning modalities and should be replaced by the system Lm

4.” (1957. p. 166-167) 173 “refutes all false inferences drawn in connexion with modal logic, explains the difficulties of the Ariatotelian modal syllogistic, and reveals some unexpected logical facts which are of the greatest importance for philosophy.” (1957. p. 169)

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Os dois functors, M e W, que representam possibilidade, são introduzidos:

M 2 (v, f) →→→→ 1 (v, v) = 1 (v, v) 2 (v, f) →→→→ 2 (v, f) = 1 (v, v) 2 (v, f) →→→→ 3 (f, v) = 3 (f, v) 2 (v, f) →→→→ 0 (f, f) = 3 (f, v)

W 3 (f, v) →→→→ 1 (v, v) = 1 (v, v) 3 (f, v) →→→→ 2 (v, f) = 2 (v, f) 3 (f, v) →→→→ 3 (f, v) = 1 (v, v) 3 (f, v) →→→→ 0 (f, f) = 2 (v, f)

E sobre as “different kinds of possibility”, Lukasiewicz, admitindo uma escala de

graduação, distingue o silogismo modal do silogismo assertórico, ou seja:

“Podemos dizer, portanto, que na lógica modal de múltiplos valores existem possibilidades de diferentes graus. Sempre tenho que apenas dois sistemas modais são de possível importância filosófica e científica: um sistema modal mais simples, no qual é possível considerar como não tendo nenhum grau ao todo, que é nosso sistema modal de quatro valores, e o ´x0` valorizado no sistema em que existem infinitamente muitas possibilidades de graus. Seria interessante investigar este problema ainda mais, pois podemos encontrar aqui uma relação entre lógica modal e a teoria da probabilidade.”174 (1957. p. 180)

Assim, se o sistema da lógica de três valores é, em parte, o próprio sistema da lógica

de dois valores, ou seja, todos os teoremas desta são teoremas daquela, então, o sistema de

uma lógica de múltiplos valores é, em parte, o próprio sistema de uma lógica de três valores,

embora alguns princípios, como o princípio do terceiro excluído e o princípio da não

contradição ou argumento reductio ad absurdum, desapareçam no sistema de uma lógica de

múltiplos valores. Ou seja, “p Np” e “p Mp”, como demonstrado, guardam relação,

respectivamente: com o silogismo aristotélico é do tipo implicacional (condicional ou

implicação material) que podemos associar uma proposição e, conseqüentemente, valores

lógicos (verdadeiro ou falso); e, com o silogismo tradicional é do tipo inferencial (esquema

dedutivo) que podemos associar um argumento (conseqüência) e, neste caso, o atributo que

174 “We may say therefore that in eight-valued modal logic there exist possibilities of different degrees. I have always that only two modal systems are of possible philosophic and scientific importance: the simplest modal system, in which possibility is regarded as having no degrees at all, that is our four-valued modal system, and the ´x0` valued system in which there exist infinitely many degrees of possibility. It would be interesting to investigate this problem further, as we may find here a link between modal logic and the theory of probability.” (1957. p. 180)

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pode predicar é o da validade ou não validade do argumento, como representado na tabela

abaixo:

Forma Implicacional

Se X e Y então Z

Forma Inferencial

X

Ora Y

Logo Z

Mas Lukasiewicz, distinguindo, por dessemelhança, o silogismo do tipo implicacional

do silogismo do tipo inferencial, refere-se ao problema da refutação do determinismo e ao

problema da divisão da ciência em a priori e a posteriori, ou seja:

"Sob a influência de Platão, a teoria das idéias de Aristóteles desenvolveu uma lógica dos termos universais e condições estabelecidas sobre o ponto de vista da necessidade que era, na minha opinião, desastroso para a filosofia. As proposições que atribuem propriedades essenciais para os objetos são, de acordo com ele, não apenas dados factuais, mas também necessariamente verdadeiros. Esta distinção errada foi o início de uma longa evolução que levou à divisão da ciência em dois grupos: uma ciência a priori que constituindo teoremas apodíticos, como a lógica e a matemática, e as ciências empíricas ou a posteriori consistindo, principalmente, afirmações assertivas baseadas na experiência. Esta distinção é, na minha opinião, falsa." (...) "Enquanto o tratamento da necessidade de Aristóteles possa parecer um fracasso, o seu conceito de possibilidade ou contingência ambivalente é uma idéia importante e frutífera. Penso que isso possa ser aplicado com êxito para refutar determinismo".175 (1957. p. 205)

175 “Under the influence of Plato´s theory of ideas Aristotle developed a logic of universal terms and set forth views on necessity which were, in my opinion, disastrous for philosophy. Propositions which ascribe essential properties to objects are according to him not only factually, but also necessarily true. This erroneous distinction was the beginning of a long evolution which led to the division of science into two groups: the a priori sciences consisting of apodeictic theorems, such as logic and mathematics, and the a posteriori or empirical sciences consisting chiefly of assertoric statements based on experience. This distinction is, in my opinion, false.” (…) “While Aristotle´s treatment of necessity is in may opinion a failure, his concept of ambivalent possibility or contingency is an important and fruitful idea. I think that it may successfully applied to refute determinism.” (1957. p. 205)

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e, principalmente, ao rechaçar o evidente por si mesmo e ao redimensionar o problema da

definição metodológica, Lukasiewicz transforma as proposições lógicas em asserções sobre as

coisas.