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International Congress of Critical Applied Linguistics Brasília, Brasil 19-21 Outubro 2015 1557 UMA PROPOSTA DO ESTUDO DE LETRAMENTO CIENTÍFICO EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE ENSINO FUNDAMENTAL NA CIDADE DO SALVADOR BA Maria Rita de Cássia RODRIGUES [email protected] Secretaria de Educação do Estado da Bahia Universidade Federal da Bahia (UFBA) Nós estamos eternamente contando histórias sobre nós mesmos. Schafes (1981, p. 31) RESUMO O objetivo deste artigo é apresentar as atividades de leitura e escrita, referentes aos textos de divulgação científica, realizadas no segundo semestre de 2014, no colégio Estadual Ruy Barbosa, situado na Rua Bela Vista do Cabral, no bairro de Nazaré, em Salvador BA, com os alunos do 9º ano. Foi aplicado um projeto cujo título “Letramento científico”, tendo como eixo temático pluralidade cultural, como texto base “Salada Cultural” e como proposta pedagógica formar leitores de textos de divulgação científica. Busquei esclarecer para os alunos a importância deste gênero e com isso percebi que, embora se mantenham presos a uma visão antiga da aplicação da gramática sem as devidas ponderações, precisam ser oportunizados a conhecer esse gênero. Acredito que nós professores precisamos melhorar a qualidade do ensino para que esse possa conduzir a aprendizagem significativa. O que implica mudança nos métodos para sermos capazes de motivar nossos alunos a irem além da gramática descontextualizada e se apropriarem dos conceitos da língua no seu cotidiano. Com essa proposta baseei-me nos estudos de Kleiman e Street, que definem letramento como um conjunto de práticas sociais de leitura e de escrita. Como referencial teórico e metodológico, inspirei-me autobiografia na visão de Tânia Regina (2010), que discute a narrativa como formação permanente, refletindo constantemente a nossa prática, oportunizando e oferecendo uma formação reflexiva-crítica de professores, e na etnografia como prática escolar que envolve a coleta de dados sobre hábitos, valores, crenças e comportamentos de um grupo social. Ao concluir este trabalho com textos de divulgação científica percebi que os alunos conseguiram identificar tema, reconhecer o gênero pelo suporte, que é um texto não-literário, qual a finalidade do autor, localizar informações explicitas e quais os aspectos linguísticos. Esta proposta me fez perceber o quanto é importante planejar as ações, criar objetivos e estratégias para que de fato se desenvolva uma boa prática escolar com os textos de Divulgação Científica e também que nós professores precisamos fazer dos estudos uma rotina na nossa vida, fazendo-se necessário criar condições para que os alunos aprendam a ler tais textos. Palavras-chave: Leitura. Escrita. Letramento Científico. 1. INTRODUÇÃO

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International Congress of Critical Applied Linguistics

Brasília, Brasil – 19-21 Outubro 2015

1557

UMA PROPOSTA DO ESTUDO DE LETRAMENTO CIENTÍFICO EM UMA

ESCOLA PÚBLICA DE ENSINO FUNDAMENTAL NA CIDADE DO

SALVADOR – BA

Maria Rita de Cássia RODRIGUES

[email protected]

Secretaria de Educação do Estado da Bahia

Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Nós estamos eternamente contando histórias sobre nós mesmos.

Schafes (1981, p. 31)

RESUMO

O objetivo deste artigo é apresentar as atividades de leitura e escrita, referentes aos textos de

divulgação científica, realizadas no segundo semestre de 2014, no colégio Estadual Ruy

Barbosa, situado na Rua Bela Vista do Cabral, no bairro de Nazaré, em Salvador – BA, com os

alunos do 9º ano. Foi aplicado um projeto cujo título “Letramento científico”, tendo como eixo

temático pluralidade cultural, como texto base “Salada Cultural” e como proposta pedagógica

formar leitores de textos de divulgação científica. Busquei esclarecer para os alunos a

importância deste gênero e com isso percebi que, embora se mantenham presos a uma visão

antiga da aplicação da gramática sem as devidas ponderações, precisam ser oportunizados a

conhecer esse gênero. Acredito que nós professores precisamos melhorar a qualidade do ensino

para que esse possa conduzir a aprendizagem significativa. O que implica mudança nos métodos

para sermos capazes de motivar nossos alunos a irem além da gramática descontextualizada e se

apropriarem dos conceitos da língua no seu cotidiano. Com essa proposta baseei-me nos estudos

de Kleiman e Street, que definem letramento como um conjunto de práticas sociais de leitura e

de escrita. Como referencial teórico e metodológico, inspirei-me autobiografia na visão de Tânia

Regina (2010), que discute a narrativa como formação permanente, refletindo constantemente a

nossa prática, oportunizando e oferecendo uma formação reflexiva-crítica de professores, e na

etnografia como prática escolar que envolve a coleta de dados sobre hábitos, valores, crenças e

comportamentos de um grupo social. Ao concluir este trabalho com textos de divulgação

científica percebi que os alunos conseguiram identificar tema, reconhecer o gênero pelo suporte,

que é um texto não-literário, qual a finalidade do autor, localizar informações explicitas e quais

os aspectos linguísticos. Esta proposta me fez perceber o quanto é importante planejar as ações,

criar objetivos e estratégias para que de fato se desenvolva uma boa prática escolar com os

textos de Divulgação Científica e também que nós professores precisamos fazer dos estudos

uma rotina na nossa vida, fazendo-se necessário criar condições para que os alunos aprendam a

ler tais textos.

Palavras-chave: Leitura. Escrita. Letramento Científico.

1. INTRODUÇÃO

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Este artigo propõe-se a discutir e refletir acerca da prática pedagógica com os

textos de divulgação científica.

Após fazer várias leituras e estudos sobre o texto de divulgação científica, pude

refletir sobre a minha prática em relação a este gênero, um problema percebido foi o

ineditismo desse texto na minha prática pedagógica, não havendo um modelo de

planejamento até então, o que implica no desconhecimento dos alunos. Além disso,

durante a graduação em Letras Vernáculas nunca nos foram demandados fichamentos,

resenhas, artigos ou monografias relacionados com textos de divulgação científica, os

quais chegaram a meu conhecimento ainda em 2014.

Foi então que, durante a formação de um grupo de estudos, coordenado por

Laureci Ferreira da Silva*, nos foi apresentado texto de divulgação científica pela

revista Ciência Hoje, então veio a confirmação de que nosso alunos nunca haviam

experimentado esse gênero textual, uma vez que nós como professoras não tínhamos

essa vivência.

A partir disso, precisamos discutir e melhorar nossas práticas escolares,

priorizando o ensino de leitura e escrita considerando as práticas de letramento do aluno

e do professor para formarmos leitores e escritores, para isso se faz necessário planejar a

escrita para melhor executá-la e oportunizar os aprendentes a conviver com os mais

variados gêneros textuais, em consonância com o trazem os PCN:

Quanto mais Dominamos as possibilidades de uso da

língua, mais nos aproximamos da eficácia comunicativa

estabelecida como norma ou a sua transgressão,

denominada estilo. A atenção sobre aquilo que não se

mostra e como se mostra traz informações sobre quem

produz e para que produz. (BRASIL. Ministério da

Educação, 1999, p. 43)

A proposta envolveu um plano de ação que se baseia em objetivos que

propiciem os alunos a conhecerem o texto de Divulgação Científica, criando condições

para que eles de fato aprendam a ler este texto. Também requer acompanhamento e

controle de ação planejada para que a partir do plano se proporcione um aprendizado de

pesquisa da própria realidade podendo vir a atuar sobre ela, transformando-a.

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Durante a realização desse projeto foram criadas possibilidades para que

trabalhassem com diversos gêneros textuais, especialmente os de divulgação cientifica,

buscando esclarecer com os mesmos a importância desse gênero.

Aprendi a não prejulgar as turmas nem me culpar, mas refletir sobre a minha

prática e observar a sala de aula, para que assim os alunos possam ampliar a capacidade

leitora, apesar de ainda estarem presos a uma visão antiga da aplicação da gramática na

disciplina Língua Portuguesa.

Com as reflexões feitas acerca do uso descontextualizado da gramática sem

devidas ponderações, acredito que nós professores precisamos melhorar a qualidade de

ensino para que se possa conduzir a aprendizagem com sentido para o aluno, o que

implica mudança de método para sermos capazes de motivar nossos alunos a irem além

da Gramática descontextualizada e se apropriarem dos conceitos da língua no seu

conteúdo.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

Esse estudo tem como referencial teórico a leitura como construção de sentido,

para tanto se faz necessário que o professor de Língua Portuguesa não perca de vista

que quando se pensa em competência leitora é necessário saber o que, para que, como e

por quê se lê. Os objetivos precisam estar claros para que o aprendente atribua sentido

ao que se lê. Segundo Borges (2010), a leitura é uma das atividades mais importantes e

mais difíceis de obter sucesso na contemporaneidade.

Segundo os PCN (BRASIL. Ministério da Educação, 1997), a escola não pode

garantir o uso da linguagem fora de seu espaço físico, mas deve garantir tal exercício a

partir do uso amplo desse espaço, como forma de instrumentalizar o aprendente para o

seu desenvolvimento social. A função da disciplina de Língua Portuguesa na Escola é

garantir o uso ético e estético da linguagem verbal, fazer compreender que através da

linguagem é possível transformar e reiterar o social, o cultural e o pessoal, aceitando a

complexidade humana e respeitando as falas como parte das vozes possíveis e

necessárias ao desenvolvimento humano mesmo que no Jogo Comunicativo haja

avanços e retrocessos próprios do uso a da linguagem. Enfim, fazer o aluno

compreender como um texto está em constante diálogo com o mundo.

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Acredita-se que para o aluno desenvolver práticas leitoras e escritoras é preciso

que haja uma preocupação voltada para ele, de modo que o sujeito possa desenvolver

autonomia e que estas práticas façam sentido seja o texto literário ou não literário (como

os de divulgação científica).

Essa proposta tomou como referência os estudos de Kleiman (1995) e Street

(1995) que definem letramento como um conjunto de práticas sociais, não apenas uma

habilidade técnica neutra. Como procedimento metodológico inspirei-me na etnografia

– uma vez que minhas pesquisas se deram na prática em sala de aula.

Bakhitin (2009) parte da concepção da língua como desenvolvimento da

consciência e do pensamento como fato social que se funda nas necessidades de

comunicação. Letramento científico, na visão de Gouveia (2009) é concebido como

prática de cidadania. Nele os sujeitos são capazes de fazer pesquisa, comparar

informações, realizar seriação de informações e levantar hipóteses etc.

Em suma, acredito que o professor de Língua Portuguesa pode interferir nas

práticas de leitura e de produção de texto, proporcionando ao aluno um trabalho a partir

de um ensino que busca fazer sentido ao relacionar os textos ao contexto social do

discente, oferecendo condições de produção, participação e criação no processo.

3. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Como referencial metodológico, adoto a autobiografia na visão de Tânia

Regina (2010) que discute a narrativa como formação permanente – refletindo

constantemente nossa prática, oportunizando e oferecendo uma formação reflexiva-

crítica de professor, transformando minha prática e refletindo as condições que ofereço

aos alunos, como me vejo enquanto profissional.

Etnografia da prática escolar, na visão de André (2005), envolve a coleta de

dados sobre hábitos, valores, crenças e comportamentos de um grupo social, no nosso

caso nossos alunos. Para isso, faz-se necessário o encontro do professor com o aluno,

valorizando o conhecimento que cada um traz, para que desse modo haja interação

social e se busque, com a prática pedagógica não apenas um resultado positivo, mas

também que possamos conhecer a nossa escola mais de perto, sem máscaras,

percebendo o que de fato precisa ser transformado, o papel de cada um, considerando a

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vida pessoal dos aprendentes, a importância desse conhecimento para os alunos

envolvidos na relação de ensino e aprendizagem.

4. CONCEPÇÃO DE LETRAMENTO NA VISÃO DE KLEIMAN E STREET

Street (1995) e Kleiman (1995) definem letramento como práticas sociais que

exigem ações e medidas de inclusão social.

As práticas de letramento, para Street (1995), são episódios observáveis que se

forma e constituem pelas práticas sociais. Nesses eventos, o texto escrito passa a fazer

parte da interação do sujeito com o contexto comunicativo. Conforme Gee (1999), o

sentido do texto é regido pelo contexto em que está inserido. Guedes Pinto (2010)

apresenta uma visão dialógica dos letramentos, por considerar as atividades de leitura e

escrita em relação ao outro.

Para a autora, os estudos de letramento tomam a língua como prática social,

cujos usos estão relacionados ao contexto imediato com destaque para aspectos sociais

das práticas de letramento e correlação das forças simbólicas em jogo, correspondendo

ao modelo ideológico de Street (1995).

Baseado nesses estudos sobre letramento, o que devemos fazer é estabelecer

uma relação de nossos alunos com esta prática, de maneira que os torne menos

desiguais em relação à leitura e à escrita, e isso só é possível quando partimos do ponto

inicial, como nosso aluno está em relação à aprendizagem, o que ele já sabe, o que ainda

não adquiriu de conhecimento, o que é significativo para ele.

Desse modo, analisando essas concepções, precisamos refletir o quanto é

necessário que os aprendentes sejam oportunizados ao saber, para que desse modo

possam perceber o que essa prática é capaz de oferecer na sua vida, além do poder.

5. CONTEXTO DE EXPERIÊNCIA

5.1. A PROFESSORA

Sou Maria Rita de Cássia Rodrigues, mãe de um filho de 23 anos, professora de

Língua Portuguesa há aproximadamente 20 anos, da rede estadual de ensino há 30,

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leciono no Colégio Estadual Ruy Barbosa, localizado na rua Bela Vista do Cabral, nº

34, no bairro de Nazaré, em Salvador – BA. Sou graduada em Letras Vernáculas pela

Universidade Católica do Salvador, especialista em Estudos linguísticos e literários pela

Universidade Federal da Bahia (UFBA) e em Psicopedagogia Escolar pela Universidade

Contemporânea (UnC).

Iniciei meus trabalhos em sala de aula em Euclides da Cunha, uma cidade do

interior da Bahia, onde nasci e cresci, situada a 326Km da capital. Assim que concluí o

magistério, fui convocada pela prefeitura da cidade a trabalhar com as séries iniciais

(pré-escola) e me mantive nesse trabalho por dois anos. Depois desse primeiro contato

com a sala de aula, ingressei na rede Estadual ainda no interior da Bahia, ministrando

aulas para a segunda série do ensino fundamental, em 1985, na Escola Joaquim Silva

Dantas, onde permaneci até o final de 1986. Em 1987, migrei para Salvador a fim de

prestar vestibular, sendo aprovada no curso de Letras Vernáculas, foi nesse mesmo ano

que comecei a ensinar no Colégio Estadual Ruy Barbosa, onde estou até hoje.

5.2. OS ALUNOS

Os alunos que fazem parte do quadro dessa escola são oriundos de bairros

populares como Federação, Engenho Velho da Federação, Calabar e Alto das Pombas,

bairros localizados no centro da cidade de Salvador. Apresentam faixa etária entre 12 e

16 anos no turno diurno e entre 18 e 60 anos à noite. A maioria deles pertence à baixa

classe média ou à classe baixa, sendo filhos de pais separados e residindo com a mãe, os

avós ou tios, não tendo – via de regra – muito contato com o pai. Grande parte deles

afirma desejar ingressar no Nível Superior de Ensino dizendo que quer construir um

futuro melhor. Apresentam algumas dificuldades em relação à leitura, que serão

apresentadas na seção 5.4., como: localizar informações implícitas no texto, capacidade

de fazer inferências e reconhecer os gêneros textuais (p. ex. artigo de opinião e editorial)

e identificar a finalidade de alguns gêneros. Os alunos do noturno são trabalhadores e

alguns desejam apenas obter o nível médio de ensino, sendo poucos os que se afirmar

desejosos de ingressar numa universidade, a maioria demonstra preferência por cursos

técnicos e profissionalizantes.

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5.3. O COLÉGIO

O colégio está situado em Salvador – BA, no bairro de Nazaré, na Rua Bela

Vista do Cabral, Nº 34. Essa escola possui 400 alunos matriculados, distribuídos entre o

6º e o 9º anos do ensino fundamental, nos turnos matutino e vespertino, com educação

em Tempo Integral, além dos alunos de EJA (Educação de Jovens e Adultos), que

frequentam a escola no noturno.

O Colégio Estadual Ruy Barbosa funciona em um prédio de dois andares. No

andar térreo temos a direção e em frente à sala de direção a sala multifuncional, uma

secretaria, sala dos professores com banheiro, banheiros (dois) no corredor, biblioteca

(onde os alunos não podem retirar livros), laboratório de informática (que não

funciona), sala vice direção, salas de aula – duas de 6º ano e três de 7º ano. No primeiro

andar funcionam duas turmas de 8º ano e duas de 9º ano, há mais dois banheiros no

corredor do primeiro andar e um bebedouro. Na área externa há uma quadra e a

garagem.

5.4. MINHA EXPERIÊNCIA INTRODUZINDO TEXTOS DE DIVULGAÇÃO

CIENTÍFICA

Em 2012, buscando atender à demanda dos alunos no que se refere à

aprendizagem de leitura e escrita, formamos um grupo de estudos, com a professora

Laureci Ferreira da Silva, e começamos a discutir letramento. Nesse mesmo ano, nossos

estudos objetivavam discutir o que ocorria em nossas aulas de Língua Portuguesa,

especialmente em referência à leitura e à escrita, para ampliar nossos conhecimentos

sobre letramento na perspectiva de Kleiman. Após esses estudos, fizemos um trabalho

com a escrita dos alunos para identificar quais habilidades e competências haviam

desenvolvido e, a partir daí, elaborar e executar um projeto de intervenção.

Foi também nesse ano que a Secretaria de Educação do Estado da Bahia

implantou a modalidade de educação integral na escola e, com isso, a escola começou a

fazer formação dos professores que iriam trabalhar com os alunos do turno vespertino, e

eu, mesmo não sendo desse turno, participei de todas as etapas de planejamento,

acompanhamento, execução e avaliação. Todas essas etapas foram coordenados pela

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professora Laureci, que era a articuladora designada pela SEC e pela escola para

desempenhar esse papel.

No final de 2013, a professora Laureci nos convidou para participar de sua

pesquisa de doutorado. Bruna Vasconcelos, Marilene Miranda e eu, nos reuníamos

quinzenalmente aos sábados para a sessão de estudos de textos de divulgação científica

e acadêmicos, observando a linguagem, organização, estrutura, tecitura do texto, as

vozes, como são articuladas as ideias, o que permeia as concepções apresentadas, os

discursos, teorias que sustentam as discussões, os resultados obtidos e problemas

apresentados pelo autor.

Em 2014, começamos a estudar textos de divulgação científica, a fim de inseri-

los nas aulas de Língua Portuguesa, foi então que surgiu o projeto “Letramento

Científico na Escola” e, a partir disso, organizamos as sequências didáticas cujo eixo

temático foi “Pluralidade Cultural”.

Dando continuidade a nossos estudos com a professora e doutoranda Laureci,

continuamos elaborando sequências didáticas com os textos de Divulgação Científica

das revistas “Ciência Hoje” e “Ciência Hoje das Crianças”. Selecionamos vários textos

e organizamos uma coletânea desses gêneros textuais para trabalharmos. Ao inserirmos

esses gêneros nas aulas de L. P., percebemos o quanto é importante lidarmos com os

mais variados gêneros textuais, não apenas para os alunos conhecerem, mas para formar

leitores autônomos e que deem continuidade a seus estudos.

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Ao iniciar a execução do projeto didático de Letramento Científico pautado no

eixo “Pluralidade Cultural”, que iniciou na última semana de Julho de 2014, a partir de

um plano de ação elaborado pelo aluno, orientado pelas questões a seguir:

O que queremos

aprender sobre

pluralidade

cultural?

Quais as etapas

que vamos

seguir?

O que vamos

ler?

O que vamos

escrever?

Qual será o

produto final?

TÍTULO DO PROJETO DO GRUPO

Após a elaboração do plano de ação com os alunos, percebi o interesse dos

grupos pelo tema eleições. No segundo momento, foi realizada a mobilização dos

conhecimentos prévios, feita através da imagem de uma Urna eletrônica e da

apresentação dos seguintes questionamentos: o que esse objeto lembra? Qual sua

finalidade? Qual a cultura dos políticos brasileiros, baianos e soteropolitanos?

Uendel respondeu “lembra as eleições”, Tamires respondeu que as eleições a

lembram o direito de exercer a cidadania, diz ser um momento importante já que vamos

escolher quem vai nos representar no congresso, Elizabeth respondeu que a urna é

utilizada para as pessoas depositarem seu voto.

Diante das hipóteses levantadas, fomos para a verificação das mesmas lendo o

texto base “As Urnas” de Leandro Konder e Mara Figueira na revista CHC. “O que

eleição Significa para você? ”.

Para verificação das hipóteses, os alunos fizeram leitura silenciosa do texto.

Depois da leitura proferida, distribuí entre os alunos as vezes que aparecem no texto, foi

então que eles perceberam que apresentava um discurso direto, pelas falas e pontuação

apresentadas.

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Após a leitura foram feitas algumas inferências como: O título é coerente com

o texto? Por quê? Que trecho justifica essa resposta? De que processo trata o texto? Por

que nós brasileiros elegemos nossos representantes? De acordo com a constituição quais

são os deveres do poder legislativo? Como se dá o processo eleitoral nos países em que

a forma de governo é a Democracia? Qual a diferença entre nosso processo eleitoral e o

dos EUA? O Brasil é um país democrático?

Tive a colaboração da professora de História, Suzeni Teles Rufinni, que

trabalhou com eles o que era referente a sua disciplina, explicando sobre os três poderes,

a Democracia como regime de governo e as diferenças entre os processos eleitorais no

Brasil e nos EUA.

Pedro e Leonardo disseram que a diferença entre a eleição no Brasil e nos EUA

é que, apesar de o Brasil ser considerado um país democrático, somos obrigados a votar,

enquanto nos EUA não, as pessoas votam se quiserem. Mesmo assim, muitos

americanos fazem questão de ir às urnas escolher seus representantes enquanto aqui

nem sempre queremos votar.

Vale destacar que, neste momento, estou aprendendo e ensinando, à medida

que há um movimento de ação, reflexão e ação. Pois, estudando no grupo com a

doutoranda, vimos as teorias, elaboração das sequências didáticas e as aplicamos na

escola, e em seguida retornamos para avaliar os resultados no grupo, de onde vão

surgindo novos estudos e novas sequências didáticas.

Na pós-leitura, foram feitos os seguintes questionamentos: Qual o ponto de

vista dos autores? Você consegue identificar dois argumentos em defesa desse ponto de

vista? Após responderem esses questionamentos, os alunos se organizaram em grupos

de acordo com as imagens de políticos distribuídas entre eles: Barack Obama, Nelson

Mandela, Dilma Rouseff, Jacques Wagner e Ban Ki Moon (secretário geral da ONU),

para organizar um debate com dois ou três argumentos.

O ponto de vista dos autores é mostrar que os brasileiros votarão para

governador, deputado federal e estadual etc.; esclarecer que o voto só é obrigatório para

maiores de 18 anos e analfabetos e jovens entre 16 e 18 anos não precisam votar.

Foi feita também uma análise linguística: Na linha 19, qual a intenção do autor

ao utilizar dois sinais de pontuação depois da expressão “o quê”? O discurso no texto é

direto ou indireto?

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O uso de dois sinais de pontuação está associado ao desejo de dar ênfase,

conclusão à qual os alunos somente chegaram após uma aula sobre pontuação. O

discurso é direto, por apresentar diretamente as falas dos personagens. Os alunos não

souberam justificar, mas responderam corretamente o tipo de discurso do texto.

Em outra aula, após a análise linguística, utilizamos o texto “Meu povo, eu

prometo”, com palavras cruzadas referentes ao tema eleições, para os alunos

responderem em grupo. Por último, os alunos, ainda em grupo, se reuniram para criar

uma plataforma de governo, visando o convencimento de eleitores.

Para isso, expliquei aos alunos que um texto argumentativo objetiva convencer

alguém de nossas ideias. Para tanto, deve ter clareza para tratar de qualquer tema ou

assunto, sendo constituído por um primeiro parágrafo curto, seguido do

desenvolvimento que deve referir-se à opinião de que o escreve – com argumentos

convincentes e verdadeiros e exemplos claros. Por fim deve ser concluído com um

parágrafo capaz de responder ao primeiro parágrafo, ou, simplesmente, com a ideia

chave da opinião. A linguagem utilizada é, em geral, impessoal e objetiva.

Após essa explicação os alunos foram para a atividade prática da Plataforma de

Governe, que foi organizada da seguinte maneira: primeiro foi feita a ativação dos

conhecimentos prévios sobre o que é uma plataforma de governo, Vitória questionou “é

o que o candidato fala, pró? ” Wesley “é o que ele vai fazer no seu governo? ”.

Após os questionamentos feitos por eles, respondi que uma plataforma de

governo é a lista de interesses que um governo defende e pelos quais trabalha, é a base

de tudo que se quer implementa, são seus planos. Ex.: fim da pobreza, extinção da

fome, uma educação de qualidade.

Em seguida, formamos quatro grupos que foram sorteados a partir das

seguintes palavras: Plataforma, Governo, Candidatos e Eleição. Os alunos se

organizaram de acordo com as palavras iguais. A partir daí foi dada a seguinte

instrução: “Agora vocês vão criar a plataforma de governo, lembrando que o texto deve

ser argumentativo, por isso vocês precisarão convencer os eleitores das suas ideias. O

texto deve ser claro e ter riqueza lexical, para tratar do tema ou assunto, os argumentos

precisam ser convincentes e verdadeiros com exemplos claros”. Após a conclusão da

atividade, escolhemos juntos o texto com argumento mais convincente, formado por

Tamires, Gabriel, Jéssica e Vitória.

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Ao longo do processo foi importante este estudo, pois assim os sujeitos

partícipes puderam refletir sobre a relevância de tal texto. Pude, com isso, perceber o

que de fato os alunos aprenderam com este estudo, a identificar o texto de divulgação

científica como não literário, reconhecê-lo através do suporte, perceber as diferenças

entre um artigo de opinião e um de divulgação científica, fazendo inferências,

reconhecendo o tema e a ideia principal e quais aspectos linguísticos foram trabalhados.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que percebi com isso é que, apesar das diversas dificuldades apresentadas, os

alunos são capazes de inferir informações tais como: o tema, o gênero textual, os

argumentos utilizados pelo autor etc. Ao executar essas aulas notei, criando um

ambiente acolhedor, que os alunos não tiveram boa receptividade por estarem

preocupadas com a gramática descontextualizada. A falta de engajamento por parte de

alguns alunos causou angústia, mas pude mostrar-lhes que a melhor forma de trabalhar a

gramática é a partir de um contexto. Assim conduzi a atividade, com as reflexões feitas

acerca do ensino de LP, que precisa ser contextualizado. Acredito na possibilidade

melhorar a qualidade do ensino nessa disciplina para que, dessa forma, possa conduzir o

aluno à aprendizagem, o que implica mudança nos métodos para sermos capazes de

motivar nosso alunos a se expressarem nas diversas situações de comunicação.

Em relação a ensinar, ficou evidenciado que os alunos aprenderam a fazer

inferências, identificar ideias explícitas no texto, perceber a diferença entre as eleições

no Brasil e nos EUA.

Ao concluir esse projeto, os alunos aprenderam a desenvolver habilidades de

leitura como inferências, localização de informações explícitas, capacidade de

argumentar pertinentemente, identificar gêneros textuais e argumentos relevantes.

Neste cenário, e enquanto professora de L. P., pude perceber também que para

alguns alunos as atividades de leitura e escrita não têm significado algum, por isso, é

necessário partir da realidade deles, dos seus interesses, pois só assim a aprendizagem

poderá ter um verdadeiro significado.

Finalizo este artigo refletindo a pratica pedagógica, afirmando a importância de

planejarmos as nossas aulas para melhor executá-las e na certeza de que quando

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planejamos as nossas atividades precisamos considerar o que o aluno já sabe , e também

que é necessário planejar a partir daquilo que é do interesse dele para que as aulas façam

sentido. A leitura de textos precisa ser motivada.

REFERÊNCIAS

ANDRÉ, M. E. D. A. Etnografia da prática escolar. Ed. 12. Campinas – SP: Papirus, 2005.

BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Ed. 13. São Paulo: Editora Hucitec, 2009.

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ROMERO, T. R. S. (Org.). Autobiografias na (re)constituição de identidades de professores de

línguas: O olhar crítico-reflexivo. Campinas – SP: Pontes Editores, 2010.

SILVA, L. F. Formação de professoras: Aprendendo e ensinando a ler e escrever. 2012. 161 f.

Dissertação (Mestrado em Língua e Cultura) – Instituto de Letras, Universidade Federal da

Bahia, Salvador. 2012.

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