uma prÁtica observacional em astrofÍsica: o diagrama h-r de aglomerados abertos

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 182 Cad.Cat.Ens.Fís., v. 18, n. 2: p. 182-196, ago. 2001. UMA PRÁTICA OBSERVACIONAL EM ASTROFÍSICA: O DIAGRAMA H-R DE AGLOMERADOS ABERTOS  Roberto Kalbusch Saito  Raymundo Baptista Departamento de Física - UFSC Fl or ian óp ol is SC  Resumo  Apresentamos o roteiro de uma prática observacional em astrofísica impleme ntada na discip lina de Astrof ísica I, do curso de graduação da UFSC, em 1999, bem como reportamos os resultados obtidos em seu  pr imeiro ano. O projeto constituiu-se no estudo do aglomerado aberto M6, a partir de observações realizadas no Laboratório Nacional de  Astrofísica em Itajubá/MG. Foram medidas magnitudes nas bandas U(  =360 nm) , B( =440nm) , V( =550nm) , R( =650nm) e I ( =790nm) de 28 estrel as do aglomer ado M6. Os dados foram calibra dos, a partir da me di da de es tr el as padr ão. Com base nos dados cali brados const ruí mos o di agrama de cor (U-  B)x(B-V) para as es trel as do aglomerado. A comparão com o di agrama para a Se ênci a  Principal permite inferir a extinção interestelar na direção do agl omerado . A parti r do di agr ama de Hertz spr ung-Russel (H-  R), determinou-se a distância até M6 pelo método de paralaxe fotométrica. O ponto de inflexão do aglomerado no diagrama H-  R foi utili zado para estimar sua idade. I. Introdução É inegável o valor das práticas experimentais na consolidação de conceitos teóricos apresentados em sala de aula. Visando dar aos alunos da disciplina de Astrofísica I curso de graduação, da UFSC, (FSC 5803) a oportunidade de interagir com astrônomos profissionais no exercício de suas observações e verificar na prática os conceitos aprendidos em sala de aula, ampliamos o curso a partir de 1999 com a introdução de 36 horas-aulas dedicadas ao desenvolvimento e realização de  práticas computacionais e observacionais sobre técnicas de observação e análise de dados astronômicos e tópicos de astrofísica estelar.

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Roberto Kalbusch SaitoRaymundo BaptistaDepartamento de Física - UFSCFlorianópolis SCApresentamos o roteiro de uma prática observacional em astrofísicaimplementada na disciplina de Astrofísica I, do curso de graduação daUFSC, em 1999, bem como reportamos os resultados obtidos em seuprimeiro ano. O projeto constituiu-se no estudo do aglomerado abertoM6, a partir de observações realizadas no Laboratório Nacional deAstrofísica em Itajubá/MG. Foram medidas magnitudes nas bandasU( =360nm), B( =440nm), V( =550nm), R( =650nm) e I( =790nm)de 28 estrelas do aglomerado M6. Os dados foram calibrados, a partirda medida de estrelas padrão. Com base nos dados calibradosconstruímos o diagrama de cor (U-B)x(B-V) para as estrelas doaglomerado. A comparação com o diagrama para a SeqüênciaPrincipal permite inferir a extinção interestelar na direção doaglomerado. A partir do diagrama de Hertzsprung-Russel (H-R),determinou-se a distância até M6 pelo método de paralaxe fotométrica.O ponto de inflexão do aglomerado no diagrama H-R foi utilizado paraestimar sua idade.

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  • 182 Cad.Cat.Ens.Fs., v. 18, n. 2: p. 182-196, ago. 2001.

    UMA PRTICA OBSERVACIONAL EM ASTROFSICA:O DIAGRAMA H-R DE AGLOMERADOS ABERTOS

    Roberto Kalbusch SaitoRaymundo BaptistaDepartamento de Fsica - UFSCFlorianpolis SC

    Resumo

    Apresentamos o roteiro de uma prtica observacional em astrofsicaimplementada na disciplina de Astrofsica I, do curso de graduao daUFSC, em 1999, bem como reportamos os resultados obtidos em seuprimeiro ano. O projeto constituiu-se no estudo do aglomerado abertoM6, a partir de observaes realizadas no Laboratrio Nacional deAstrofsica em Itajub/MG. Foram medidas magnitudes nas bandasU( =360nm), B( =440nm), V( =550nm), R( =650nm) e I( =790nm)de 28 estrelas do aglomerado M6. Os dados foram calibrados, a partirda medida de estrelas padro. Com base nos dados calibradosconstrumos o diagrama de cor (U-B)x(B-V) para as estrelas doaglomerado. A comparao com o diagrama para a SeqnciaPrincipal permite inferir a extino interestelar na direo doaglomerado. A partir do diagrama de Hertzsprung-Russel (H-R),determinou-se a distncia at M6 pelo mtodo de paralaxe fotomtrica.O ponto de inflexo do aglomerado no diagrama H-R foi utilizado paraestimar sua idade.

    I. Introduo

    inegvel o valor das prticas experimentais na consolidao de conceitostericos apresentados em sala de aula. Visando dar aos alunos da disciplina deAstrofsica I curso de graduao, da UFSC, (FSC 5803) a oportunidade de interagircom astrnomos profissionais no exerccio de suas observaes e verificar na prtica osconceitos aprendidos em sala de aula, ampliamos o curso a partir de 1999 com aintroduo de 36 horas-aulas dedicadas ao desenvolvimento e realizao de prticascomputacionais e observacionais sobre tcnicas de observao e anlise de dadosastronmicos e tpicos de astrofsica estelar.

  • Saito, R.K. e Baptista, R. 183

    Como parte dessas atividades, a turma dividida em grupos de 2 ou 3alunos e cada grupo tem a tarefa de realizar uma prtica observacional completa. Asprticas so realizadas em uma misso de coleta de dados junto ao Laboratrio Nacional de Astrofsica (LNA), em Itajub/MG, efetuada durante o semestre letivo.

    Neste artigo apresentamos o roteiro de uma das prticas (seo II), bemcomo o relatrio resultante de sua realizao no primeiro semestre em que foiimplementada (seo III). A compreenso do roteiro e a capacidade de realizar a anlise requerem dos alunos conhecimentos de astrofsica estelar que so apresentados duranteo curso.

    As observaes da prtica descrita neste artigo so realizadas com ofotmetro fotoeltrico rpido FOTRAP/LNA. Os manuais de operao do FOTRAP,bem como do programa de reduo dos dados obtidos, MAGS.EXE, esto disponveisem:

    http://www.lna.br/instrum/fotrap/fotrap.html

    Uma cpia do programa de reduo MAGS.EXE e seus arquivos acessriospode ser obtida junto ao LNA ou por solicitao aos autores. A distribuio semestraldo tempo dos telescpios do LNA pode ser encontrada em:

    http://www.lna.br/distempo/divtempo.html

    E as solicitaes de alocao do tempo disponvel devem ser encaminhadas direo do LNA com antecedncia de pelo menos dois meses, devidamenteacompanhadas de justificativa cientfico-didtica.

    O resultado deste trabalho foi apresentado no IX Seminrio de IniciaoCientfica da UFSC, em outubro de 1999; na 7 Jornada de Iniciao Cientfica, queocorreu durante a 52 Reunio Anual da SBPC em Braslia/DF, no ms de julho de2000; na XXVI Reunio Anual da Sociedade Astronmica, em Mangaratiba/RJ,tambm em julho de 2000, e valeu ao primeiro autor o prmio de um dos Destaques deIniciao Cientfica da UFSC em 1999.

    II. Roteiro: o diagrama H-R de aglomerados abertos

    II.1. Objetivos

    Traar o diagrama H-R de um aglomerado aberto.Usar diagrama de cor (U - B) x (B - V) para estimar a extino interestelar(avermelhamento).Determinar a distncia at o aglomerado usando o mtodo de paralaxe fotomtrica.Usar modelos de evoluo estelar para estimar a idade do aglomerado.

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    II.2. Introduo

    Estrelas geralmente nascem em grupos, na forma de aglomerados. Existemdois tipos bsicos de aglomerados estelares. Aglomerados abertos so sistemas jovens(populao I), contendo poucas estrelas ( 200) e esto associados ao disco da galxia.Em contrapartida, os aglomerados globulares so sistemas mais velhos (tpicapopulao II), contendo grande nmero de estrelas ( 104) e esto associados ao halo da galxia.

    Pelo fato de todas as estrelas de um aglomerado estarem aproximadamente mesma distncia (isto vlido para aglomerados cujas distncias so bem maiores que o dimetro do aglomerado), as diferenas de brilho so intrnsecas, i.e., refletemdiferenas reais de brilho das estrelas do aglomerado. Esse fato bastante til, poispermite traar o diagrama H-R do aglomerado e estudar a relao entre suas estrelassem se preocupar em conhecer a distncia. O diagrama H-R de aglomerados abertosmostra que a maior parte das estrelas distribui-se ao longo da seqncia principal (SP),com algumas poucas estrelas evoludas para o ramo das gigantes e menor nmero aindade estrelas ans brancas.

    Pode-se usar as estrelas na SP do aglomerado para inferir a sua distnciacom a tcnica da paralaxe fotomtrica. Esta consiste em determinar o deslocamentovertical (em magnitudes) necessrio para ajustar o diagrama H-R do aglomerado SP.O deslocamento em magnitudes fornece diretamente o mdulo da distncia, .

    Mv - mv = 5 - 5 log d(pc)

    Quando os efeitos de extino interestelar (avermelhamento) soimportantes, preciso antes obter as cores intrnsecas das estrelas do aglomerado,desavermelhando as magnitudes e cores dos objetos antes de traar o diagrama H-R.Para tanto necessrio traar o diagrama de cor (U - B) x (B - V) e estimar osdeslocamentos em cor E (B - V) e E (U - B) necessrios para fazer as medidas dasestrelas coincidirem com o lugar geomtrico da SP nesse diagrama. Determina-se aextino visual Av a partir do excesso de cor E (B - V),

    Av = 3,0 E (B - V)

    E corrige-se as magnitudes V e os ndices de cor (B - V) das estrelas doaglomerado antes de traar o diagrama H-R.

    Estrelas mais massivas (e, portanto, mais azuis e brilhantes) consomem oseu combustvel nuclear com maior voracidade e, em conseqncia, saem da SP maisrapidamente. De modo que, medida em que o aglomerado envelhece, suas estrelasmais brilhantes e azuis deixam a SP em direo ao ramo das gigantes. Em um dadoponto da vida do aglomerado, as estrelas que esto saindo da SP so estrelas cujo tempo de vida na SP coincide com a idade do aglomerado3. Pode-se, assim, estimar a idade de

  • Saito, R.K. e Baptista, R. 185

    um aglomerado medindo o seu ponto de inflexo o ponto em que as estrelas doaglomerado esto saindo da SP determinando a massa correspondente das estrelas noponto de inflexo e calculando o seu tempo de vida na SP,

    taglo = tSP = 1010 (M / M ) -2,5 anos

    Esta prtica visa: (i) fornecer aos alunos a oportunidade de reproduzir todosos passos de um experimento cientfico em astrofsica, envolvendo a coleta de dados,sua posterior anlise para extrao de informao a cerca dos objetos estudados, aredao dos resultados em formato cientfico e sua apresentao em seminrio; (ii)aplicar de maneira prtica os contedos vistos em sala de aula, exercitar sua iniciativa,capacidade de raciocnio e de superar dificuldades prticas ao longo do projeto (e nosero poucas!), e seu poder de organizao e sntese no momento de redigir e apresentar os resultados de seu trabalho. As sees seguintes descrevem os procedimentos quesero realizados ao longo do projeto e as questes que o relatrio final deve abordar.Recomenda-se sua leitura integral e atenta bem antes da visita ao LNA. Bomtrabalho!

    II.3. Procedimento

    II.3.1. Coleta de dados

    As observaes deste projeto foram feitas com o fotmetro rpido(FOTRAP) durante visita ao LNA. Se o tempo ajudar (dedos cruzados!), possvelcoletar os dados do projeto em meia noite de observao. O instrumento permitiu que se obtivesse medidas do brilho de uma estrela simultaneamente em seis filtros (UBVRI eluz integral, ou clear) e ser usado no seu modo de magnitude & cores. Recomendou-seque a equipe lesse o artigo de descrio de funcionamento do instrumento, seus modosde operao e o procedimento de calibrao de seus dados (1994) antes da viagem aoLNA.

    Para fins de notao chamaremos as estrelas do aglomerado a ser observado de estrelas de programa.

    Antes de mais nada, foi preciso realizar medidas de estrelas-padro, demagnitudes e cores previamente conhecidas, que permitissem determinar atransformao das medidas instrumentais (contagens/s) das estrelas de programa emmagnitudes UBVRI calibradas. Essas medidas deviam cobrir estrelas de cores bemdiversas (e.g., das bem azuis s vermelhas) e em massas de ar pequenas (prximas aoznite) e grandes (distantes do znite). Utilizou-se estrelas das regies-E do Graham3mediu-se em torno de 10-15 estrelas-padro antes e depois de realizar as medidas dasestrelas de programa.

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    NOTA: JAMAIS medir estrelas mais brilhantes que magnitude V = 7,5para no arriscar queimar a fotomultiplicadora do FOTRAP. Evitar medirestrelas-padro mais fracas que V = 12.

    O prximo passo foi observar o aglomerado aberto. A carta estelar, napgina 188, contm o campo do aglomerado aberto M6, com coordenadas para o ano de 1950. Essas coordenadas foram precessionadas para a data das observaes. Oprograma de aquisio de dados do FOTRAP permite fazer isto. Na carta estomarcadas em torno de 30 estrelas com magnitudes variando entre V = 7,8 e V = 13. Oobjetivo era medir um grande nmero de estrelas, cobrindo a maior faixa emmagnitudes possvel. A qualidade do diagrama H-R depender de quo ampla for afaixa em magnitudes e cores cobertas pelas observaes. Recomenda-se medir pelomenos 30 estrelas, cobrindo uma faixa de brilho de pelo menos 5 magnitudes.

    Lembre-se de efetuar anotaes descrevendo as observaes efetuadas e deregistrar as condies climticas (nuvens, seeing ) ao longo das medies. Isso podeser extremamente til na reduo, para se lembrar e poder descartar medidas duvidosas,e se constitui numa das normas de conduta bsica de um bom astrnomo.

    As medidas efetuadas pelo FOTRAP foram gravadas ao longo da noite num arquivo DJnnnnn.MAG, onde nnnnn = data juliana reduzida. A data juliana reduzidapara o dia 26/6/1999 51356. Esse arquivo foi gravado em disquete e trazido de voltapara posterior reduo fotomtrica.

    II.3.2. Reduo

    O programa MAGS ser utilizado para reduo dos dados coletados. Esteprograma utiliza as medidas de estrelas-padro para calcular os coeficientes deextino, transformao e as constantes de ponto zero das bandas UBVRI (constantesde calibrao). Selecionar o modo de ajustar apenas os 3 primeiros parmetros fixandoo valor do coeficiente de extino de segunda ordem em (B - V) em k bv = -0,03. Oprograma funciona iterativamente, calculando simultaneamente os 3 parmetros a serem determinados. A reduo em cada banda feita separadamente e em seqncia. Deve-secalibrar as medidas em (B - V) antes de proceder calibrao em V. O monitor dadisciplina se encarregar de fornecer maiores detalhes do funcionamento do programaMAGS.

    Deve-se gravar o arquivo com os coeficientes da reduo para posterioranlise. O MAGS tem uma opo para calcular magnitudes & cores das estrelas deprograma constantes do arquivo *.MAG. Deve-se usar esta opo aps o clculo dasconstantes de calibrao para obter magnitudes e cores calibradas das estrelas doaglomerado.

  • Saito, R.K. e Baptista, R. 187

    II.3.3. Anlise

    Traou-se o diagrama de cor [(U B) x (B V)] para o aglomerado e compararou-secom a SP. As cores para as estrelas da SP podem ser obtidas em Baptista (1997) ou em Bohn-Vitense (1989). Plotou-se as medidas das estrelas de programa como pontos e a SP como umalinha contnua. Usou-se diagrama para inferir a extino interestelar (avermelhamento) na direo do aglomerado. Para tanto, usou-se o fato de que a razo entre os avermelhamentos em (U B) e (B V) para uma estrela uma constante e vale:

    E(B V) / E(U B) = 1,4

    Note que o vetor de desavermelhamento deve ser o mesmo para todas as estrelas do aglomerado. Corrigi-se as magnitudes e cores das estrelas do aglomerado dos efeitos de extino interestelar, conforme descrito na seo II. As estrelas devem ficar mais brilhantes e azuis aps a correo.

    Questo Que suposio estamos fazendo ao afirmar que a correo deavermelhamento deve ser a mesma para todas as estrelas do aglomerado? Voc consegueimaginar casos em que isso no seja verdade?

    Trace o diagrama de cor-magnitude [V x (B V)] para o aglomerado e identifique as estrelas que pertena SP. Superponha a curva da SP aos dados do aglomerado. As magnitudes& cores para a SP podem ser obtidas das notas de aula de Baptista (1997) ou de Bohn-Vitense(1989). Determine graficamente o deslocamento vertical (em magnitudes) necessrio para ajustar a SP aos dados do aglomerado. Calcule o mdulo da distncia e infira a distncia D aoaglomerado.

    Questo Compare a distncia e o excesso de cor E (B V) obtidos com o valor da literatura (Lang, 1980).

    Questo Que erro cometemos na distncia se usarmos as magnitudes e cores dasestrelas do aglomerado sem a correo dos efeitos de extino interestelar? Nesse caso, a distncia maior ou menor?

    Questo A incerteza na estimativa da distncia depende da incerteza no ajustegrfico da SP aos dados do aglomerado. Estime a incerteza na distncia a partir do mximo e do mnimo deslocamento vertical que resultem num ajuste ainda razovel da SP aos dados doaglomerado. Qual o erro relativo na estimativa da distncia ao aglomerado?

    Utilize o diagrama cor-magnitude para medir o ponto de inflexo do aglomerado, observando em que ponto as estrelas do aglomerado comeam a sair da SP. Use a cor (B V)do ponto de inflexo para calcular a correo bolomtrica BC (vide Bohn-Vitense). Calcule amagnitude absoluta bolomtrica da estrela do ponto de inflexo,

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    Mbol = Mv - BC

    e estime sua luminosidade L/L . Use a relao emprica:

    L / L = ( M / M )3,5

    para estimar a massa desta estrela e a relao t M -2,5 da seo II.2 para inferir a idadedo aglomerado.

    Questo Com os seus conhecimentos de evoluo estelar, possvel quej existam ans brancas nessa aglomerado? Que magnitude teria uma an branca desteaglomerado com R = 0,012 R e Tef = 10000 K?

    II.3.4. Apresentao dos resultados

    A equipe deveria redigir um relatrio descrevendo as observaes e osresultados obtidos em formato de artigo cientfico. Este relatrio deveria conter:

    Uma seo de introduo, com uma breve descrio do objetoastronmico estudado (no mximo 2 pargrafos) e uma explanao sobre a forma e ocontedo do restante do relatrio;

    Uma seo de observaes e reduo de dados, descrevendo osprocedimentos realizados para a obteno dos dados (data, instrumento usado,condies climticas, quantas estrelas-padro e estrelas de programa foram medidas),bem como os procedimentos de reduo de dados (listando os coeficientes de extino,ponto zero e de transformao determinados em cada banda). Mximo de 1 pgina;

    Uma seo de anlise, seguindo o roteiro da seo II.3.3. Incluir figurascom os diagramas cor-cor e cor-magnitude para o aglomerado, indicando o vetor dedesavermelhamento e o ponto de inflexo determinados;

    Uma seo de comentrios, listando as dificuldades encontradas para arealizao da prtica e possveis sugestes para sua melhora; (opcional)

    Uma seo de concluso com o sumrio dos principais resultados obtidos.

    Os relatrios do projeto observacional foram apresentados em seminrio nofinal ao final do semestre, em data previamente marcada.

    III. Apresentao dos resultados

    III.1. Introduo

    As estrelas geralmente nascem em grupos, na forma de aglomerados. Osaglomerados abertos so aglomerados jovens, com estrelas ditas de populao I. Amaioria das estrelas de um aglomerado aberto est na Seqncia Principal (SP), com

  • Saito, R.K. e Baptista, R. 189

    algumas poucas j evoludas no ramo das gigantes. Devido ao fato de o dimetro doaglomerado ser pequeno comparado com a sua distncia, podemos assumir que adistncia entre ns e todas as estrelas do aglomerado a mesma.

    O aglomerado aberto M6 (NGC 6405) conhecido como AglomeradoBorboleta devido sua forma geomtrica, pois seu arranjo sugere o esboo de umaborboleta com as asas abertas. O aglomerado M6 est situado no centro galctico, naconstelao de Escorpio, e foi descoberto por Hodierna que, em 1654, contou 18estrelas?

    O estudo do diagrama de Hertzsprung-Russel (H-R) que apresentamos emseguida nos possibilita obter um maior nmero de informaes sobre este aglomeradoaberto.

    III.2. Coleta de dados

    As observaes foram feitas no Observatrio do Pico dos Dias, doLaboratrio Nacional de Astrofsica (LNA), em Itajub/MG, utilizando o FotmetroRpido (FOTRAP) acoplado ao Telescpio Zeiss. Esse um telescpio Cassegrainclssico, com espelho primrio parablico e secundrio hiperblico, razo focal no focoCassegrain de f/12,5 e apontamento manual (conforme informaes na homepage doLNA), sendo utilizado essencialmente para fotometria. O FOTRAP permite que seobtenha medidas simultneas do brilho de uma estrela em seis filtros: ultravioleta (U),azul (B), visvel (V), vermelho (R), infravermelho (I) e luz integral (C). Em nossoprojeto, o FOTRAP foi utilizado no modo de magnitude & cores.

    Fig. 1- Carta estelar do Aglomerado

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    As medies foram realizadas nas noites de 26 e 27 de junho de 1999.Na primeira noite foram medidas 13 estrelas-padro e 21 estrelas do aglomerado M6 e,na segunda 15, estrelas-padro e 7 estrelas do aglomerado. Foram medidas estrelas-padro do catlogo de Graham (1983). Procurou-se cobrir estrelas de cores bemdiversas, e em massas de ar pequenas e grandes.

    A fig. 1 mostra um carta estelar do aglomerado, onde esto indicadasas estrelas medidas. A estrela indicada por uma flecha (M6 25) uma estrela peculiar,j evoluda, que deixou a SP em direo ao ramo das gigantes. Tentamos cobrir a maiorfaixa possvel em brilho, respeitando os limites do equipamento. Devido grandesensibilidade da fotomultiplicadora do FOTRAP, no foi possvel medir estrelas maisbrilhantes do que magnitude V =7,5.

    III.3. Reduo

    A reduo dos dados coletados foi feita utilizando-se o programa MAGS.Esse programa utiliza as medidas de estrelas-padro para calcular os coeficientes deextino, transformao, e as constantes de ponto zero das bandas UBVRI a partir deexpresses do tipo:

    v V = a1 + a2X + a3(B V) + a4X(B V)

    (b v) = b1 + b2X + b3(B V) + b4X(B V)

    e expresses similares para (U B), (V R) e (R I), onde, respectivamente, a1 e b1so as constantes de ponto zero em V e (B V), a2 e b2 so os coeficientes de extinoatmosfrica (em magnitudes por massa de ar), a3 e b3 so os coeficientes detransformao e X a massa de ar. Os coeficientes em letra maiscula referem-se aosvalores de catlogo e os ndices em letra minscula so as magnitudes e coresinstrumentais.

    Em (B - V) o coeficiente de extino de segunda ordem foi fixado em b43= -0,03, enquanto para as outras magnitudes e cores o coeficiente correspondente foifixado em zero (e.g., a4=0). O MAGS funciona iterativamente, calculandosimultaneamente os trs parmetros a serem determinados. A reduo em cada cor feita separadamente e em seqncia. (JABLONSKY, 1994).

    III.4. Anlise

    O primeiro passo da anlise foi traar o diagrama de cor (U - B ) x (B - V)para M6 e comparar com o diagrama para a Seqncia Principal. Desse diagrama pde-se inferir a extino interestelar (avermelhamento) na direo do aglomerado. Usou-se

  • Saito, R.K. e Baptista, R. 191

    que a razo entre os avermelhamentos em (U - B) e (B - V) para uma estrela umaconstante e vale, E(B - V) / E(U - B) = 1,4, onde E(B - V) o excesso no ndice de cor(B V) e E(U B) o excesso em (U B) 1.

    Para o nosso conjunto de dados:

    E(B- V) = 0,14 e E(U -B) = 0,10

    Como:

    Av = 3,0 E( B - V )

    determinamos:

    Av = 0,42 mag,

    onde Av o vetor desavermelhamento (total) na banda V.Assumimos que o vetor desavermelhamento o mesmo para todas as

    estrelas (pois estamos fazendo a aproximao de que todas as estrelas do aglomeradoesto mesma distncia de ns). A partir do vetor de desavermelhamento obtido,podemos corrigir as magnitudes e cores do efeito de extino interestelar e, aps acorreo, traar o diagrama de Hertzsprung-Russel ou diagrama de cor-magnitude[V x (B-V)]. A distncia at o aglomerado M6 calculada atravs do mtodo daparalaxe fotomtrica, que consiste em determinar o deslocamento vertical necessrio,em magnitudes, para ajustar as medidas das estrelas do aglomerado SeqnciaPrincipal. O deslocamento em magnitudes fornece diretamente o mdulo da distncia:

    Mv - mv = 5 - 5 log d (pc)

    onde o valor do deslocamento vertical, Mv a magnitude absoluta, mv amagnitude aparente e d a distncia medida em parsec (pc).

    Do diagrama H-R medimos

    = 9

    o que implica em:d = (630 30) pcA incerteza na estimativa da distncia foi obtida verificando-se qual o

    deslocamento vertical mximo e mnimo que resultava ainda assim, num ajusteaceitvel Seqncia Principal.

  • 192 Cad.Cat.Ens.Fs., v. 18, n. 2: p. 182-196, ago. 2001.

    O ponto de inflexo do aglomerado estimado observando-se o ponto emque as estrelas comeam a sair da SP. Em nossas medidas os valores para essa estrelaso:

    Utilizamos a cor da estrela no ponto de inflexo para calcular a correobolomtrica (BC) e, atravs das relaes abaixo, determinar a massa e a luminosidadeda estrela no ponto de inflexo e com isso a idade do aglomerado

    Fig. 2-Diagrama de cor para M6, antes (smbolos vazios) e aps odesavermelhamento (smbolos cheios). Quanto mais para direita e para baixo, maisvermelha a estrela. A correo (indicada por setas) torna as estrelas mais azuis deforma a se ajustarem Seqncia Principal.

    Para (B - V) = -0,099, temos que BC = 0,690, como

    Mbol = Mv BC e Mv = -0,477

    Estrela (U - B) (B - V) Mv

    M6 1 -0,431 -0,099 -0,477

    Diagrama de Cor-2,0

    -1,0

    0,0

    1,0

    2,0

    3,0

    4,0-0,5 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0

    (B - V)

    (U-B

    )

    SP M6 M6 Corrigido

  • Saito, R.K. e Baptista, R. 193

    temos que:

    Mbol = -0,167

    Da relao

    Mbol = 4,72 2,5 log ( L/L )

    obtemos:

    L=8,83 x 1035 erg/s = 226,4 L

    Fig. 3 Diagrama H-R, magnitude x cor das estrelas em (B-V). Quantomais para cima, mais brilhante a estrela. O deslocamento vertical (paralaxefotomtrica) transforma as magnitudes observadas (aparentes) em magnitudesintrnsecas (avsolutas). A estrela no canto superior direito a estrela Gigante (M6 25),evoluda, e que j saiu da SP.

    Usando a relao massa-luminosidade:

    ( L / L ) = ( M / M )3,5

    Diagrama H-R-8,0

    -4,0

    0,0

    4,0

    8,0

    12,0

    16,0-0,5 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0

    (B - V)

    Mag

    (V)

    SP M6 M6 Corrigido

  • 194 Cad.Cat.Ens.Fs., v. 18, n. 2: p. 182-196, ago. 2001.

    obtemos a massa da estrela no ponto de inflexo:

    M = 9,4 x 1033 g = 4,70 M

    A idade do aglomerado obtida da relao:

    taglo = tSP = 1010 ( M / M ) -2,5 anos

    taglo = (210 40) milhes de anos,

    onde a incerteza na idade foi obtida atravs da propagao de erros nas medidas dendice de cor (B V) e da magnitude absoluta Mv.

    III.5. Resposta das Questes

    Questo Que suposio estamos fazendo ao afirmar que a correo deavermelhamento deve ser o mesmo para todas as estrelas do aglomerado? Vocsconseguem imaginar casos em que isso no seja verdade?

    R: Estamos fazendo a aproximao de que todas as estrelas do aglomerado esto mesma distncia de ns. Esse tipo de aproximao s vlido quando odimetro do aglomerado pequeno se comparado com a sua distncia. Isso pode novaler para um aglomerado muito prximo, pois cada estrela teria uma distncia e umavermelhamento prprios.

    Questo Compare a distncia e o excesso de cor E(B V) obtidos com ovalor da literatura.

    R:

    Lang (1980) Este trabalhoE (B - V ) 1,6 1,4Distncia (em pc) 630 630

    Questo Que erro cometemos na distncia se usarmos as magnitudes ecores das estrelas do aglomerado sem a correo dos efeitos de extino interestelar?Nesse caso, a distncia maior ou menor?

    R: No considerar os efeitos de extino interestelar resulta em erroscruciais para a determinao da distncia, que ser menor, ou seja, estaremos

  • Saito, R.K. e Baptista, R. 195

    erradamente assumindo que o aglomerado est mais prximo, prejudicando um dosprincipais resultados requeridos no projeto.

    Questo A incerteza na estimativa da distncia depende da incerteza noajuste grfico da SP aos dados do aglomerado. Estime a incerteza na distncia a partirdo mximo e do mnimo deslocamento vertical que resultem num ajuste ainda razovelda SP aos dados do aglomerado. Qual o erro relativo na estimativa da distncia doaglomerado?

    R: = ( d/d) x 100 = (30pc/630pc) x 100 4,8 %

    Questo Com os seus conhecimentos de evoluo estelar, possvel quej existam ans brancas nessa aglomerado? Que magnitude teria uma an branca desteaglomerado com R = 0,012 R e Tef = 10000 K?

    R: Sim. Ans-brancas so o estgio final da vida de estrelas com massamenor que 6 M . Uma vez que a estrela que est atualmente saindo da SP tem M =4,7 , estrelas do aglomerado com massas na faixa 6,0 M /M 4,7 tero dadoorigem a ans-brancas. Uma an branca com R = 0,012 R e Tef = 10000 K teria uma magnitude aparente mv = 20,95 (ver adiante), extremamente fraca e quaseimperceptvel no telescpio onde realizamos as medidas.

    Da relao:

    L = 4 R2 T4

    obtemos:

    L = 0,0013 L

    Assim:

    Mv = 4,72 2,5 log ( L/L ) = +11,94

    ou seja, a magnitude absoluta da estrela an branca seria Mv = +11,94.

    Obtemos a magnitude aparente, sabendo que d=630 pc, atravs da relao:

    Mv - mv = 5 - 5 log d (pc)

    mv = 20,95 mag.

  • 196 Cad.Cat.Ens.Fs., v. 18, n. 2: p. 182-196, ago. 2001.

    IV. Concluso

    Apresentamos um resumo dos dados obtidos para o aglomerado M6,partindo-se da fotometria e anlise do diagrama H-R. A partir de medidas demagnitudes UBVRI de 28 estrelas do aglomerado aberto M6, realizamos um estudo quepermitiu estimar a extino interestelar na direo do aglomerado, determinar suadistncia usando o mtodo da paralaxe fotomtrica e inferir sua idade a partir do pontode inflexo. A tabela abaixo resume os principais resultados do trabalho.

    Aglomerado Aberto M6

    M6extino visual 0,42 magdistncia (630 30) pcidade do aglomerado (210 40) milhes de anos

    Com este projeto tivemos a oportunidade de aplicar, na prtica, oscontedos vistos em sala de aula. Foi de grande valor acadmico a possibilidade derealizar todas as etapas de um experimento cientfico em Astrofsica, nos permitindovivenciar na realidade todas as dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores nesse ramo da Fsica.

    V. Referncias Bibliogrficas

    BAPTISTA, R., 1997, Notas de Aula, Astrofsica I.

    BOHN-VITENSE, E., 1989 Introduction to Stellar Astrophysics, Vol. 1, CambridgeUniversity Press.

    GRAHAM, J.A., 1983, Publ. Astron. Soc. Pac., 94,244.

    JABLONSKY, F., et al., 1994, Publ. Astron. Soc. Pac., 106, 1172.

    LANG, K.R., 1980 Astrophysical Formalue, Springer-Verlag.

    SHU, F. 1982, The Physical Universe: An Introduction to Astronomy, University Science Books.

    http://www.lna.br

    http://www.seds.org/messier/m/m006.html