uma poÉtica do aforismo ou uma miniteoria do … isaias mucci.pdf · anais do v congresso de...

24
Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO PENSAMENTO INTERMITENTE”, SEGUNDO JORGE LOVISOLO, FILÓSOFO ARGENTINO CONTEMPORÂNEO LATUF ISAIAS MUCCI RESUMO: Verdadeiro gênero literário, intimamente aparentado ao campo semântico da máxima, do axioma, do adágio, do anexim, do epifo- nema, do refrão, do epigrama, do prolóquio, do provérbio, do dizer, do dito, do ditado, do apotegma e da sentença, tendo adquirido direi- to de cidadania científica, literária e filosófica a partir dos escritos de Hipócrates (460-377 a.C.), o aforismo, que se caracteriza pela conci- são e fulguração do pensamento, tem sua pujança com o Aufklärung, quando, na literatura alemã, se colocam em questão as certezas mais radicalmente estabelecidas. Com os moralistas franceses (MONTAIGNE, LA ROCHE- FOUCAULD, CHAMFORT, PASCAL, SAINT-SIMON, LA BRUYÈRE, VAUVERNAGUES) e os românticos alemães (GOE- THE, NOVALIS, F. SCHLEGEL), o aforismo torna-se “a forma por excelência do pensamento universal”. Nietzsche, que pensava por relâmpagos, consagrou, definitivamente, a forma aforismática, in- crustando-a no pensamento moderno. No presente estudo, lê-se, muito de perto, o livro Averiguacio- nes sobre el aforismo (2008), em que Jorge Lovisolo traça, com esti- lo aforismático, um panorama sedutor da trajetória e da natureza eminentemente contemporânea do aforismo, apresentando um “bre- viário de pérolas expressivas, em que se conjugam poesia, arte, filo- sofia, ciência e política”. Súmula seminal, o livro de Lovisolo figura- se, em tempos alucinados e desvairados de Internet, como uma enci- clopédia portátil, um vade-mécum, alma mater studiorum.

Upload: others

Post on 22-Feb-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO INTERMITENTE”, SEGUNDO JORGE LOVISOLO,

FILÓSOFO ARGENTINO CONTEMPORÂNEO

LATUF ISAIAS MUCCI

RESUMO:

Verdadeiro gênero literário, intimamente aparentado ao campo semântico da máxima, do axioma, do adágio, do anexim, do epifo-nema, do refrão, do epigrama, do prolóquio, do provérbio, do dizer, do dito, do ditado, do apotegma e da sentença, tendo adquirido direi-to de cidadania científica, literária e filosófica a partir dos escritos de Hipócrates (460-377 a.C.), o aforismo, que se caracteriza pela conci-são e fulguração do pensamento, tem sua pujança com o Aufklärung, quando, na literatura alemã, se colocam em questão as certezas mais radicalmente estabelecidas.

Com os moralistas franceses (MONTAIGNE, LA ROCHE-FOUCAULD, CHAMFORT, PASCAL, SAINT-SIMON, LA BRUYÈRE, VAUVERNAGUES) e os românticos alemães (GOE-THE, NOVALIS, F. SCHLEGEL), o aforismo torna-se “a forma por excelência do pensamento universal”. Nietzsche, que pensava por relâmpagos, consagrou, definitivamente, a forma aforismática, in-crustando-a no pensamento moderno.

No presente estudo, lê-se, muito de perto, o livro Averiguacio-

nes sobre el aforismo (2008), em que Jorge Lovisolo traça, com esti-lo aforismático, um panorama sedutor da trajetória e da natureza eminentemente contemporânea do aforismo, apresentando um “bre-viário de pérolas expressivas, em que se conjugam poesia, arte, filo-sofia, ciência e política”. Súmula seminal, o livro de Lovisolo figura-se, em tempos alucinados e desvairados de Internet, como uma enci-clopédia portátil, um vade-mécum, alma mater studiorum.

Page 2: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

2

Para Natalia Ruiz de los Llanos (ou Aletheia, como prefiro, aforisti-camente, chamá-la), anfitriã greco-latina da sabedoria e do prazer.

Page 3: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

3

“Comment devenir zen? Partir de rien pour arriver nulle part en revenant

de tout”.1

Aforismo zen, de autor desconhecido.

“A poesia é a metafísica instantânea”. Bachelard, O direito de sonhar. “Ao lermos os grandes aforistas, temos a impressão de que todos se conheciam muito bem”.

(Elias Canetti [1905-1994])

“Meditar, em filosofia, é encaminharmo-nos do conhecido para o desconhecido, e aqui defrontar o real” (Paul Valéry (1871-1945)) “Se tivéssemos uma verdadeira vida não teríamos necessidade de arte. A arte começa precisamente onde cessa a vida real, onde

não há mais nada à nossa frente. Será que a arte não é mais do que uma confissão da nossa impotência?” Richard Wagner [1813-1883] “A arte é a magia libertada da mentira de ser verdadeira”. Theodore Wiesengrund Adorno.

1 “Como tornar-se zen? Partir do nada para chegar a nenhuma parte vol-tando do todo” (Tradução nossa).

Page 4: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

4

“A Tarefa atual da arte é introduzir o caos na ordem”. (T. Adorno, Mínima Moralia, III)

“O aforismo, a sentença, em que pela primeira vez sou mestre en-tre os alemães, são formas de «eternidade»: a minha ambição é dizer em dez frases o que o outro qualquer diz num livro – o que outro qualquer «não» diz nem num livro inteiro...” Friedrich Nietzsche “Si le perpectivismo de este filósofo (Nietzsche) ha escogido el aforismo – tal vez sin advertirlo, aunque era filólogo – se debe, sin duda, a que es la figura a que mejor si adecua a la modalidad expresiva de un pensamiento convulso marcado por una finitud irredenta, bien de-finida: Dios ha muerto” (LOVISOLO, 2008, p. 26) “Aquele que não duvida de nada de nada não sabe nada”.

(Aforismo helênico)

“Um aforismo não deve necessariamente ser verdadeiro, mas de-ve superar a verdade”.

(Karl Kraus) Considerações Intempestivas Sobre Algo Coriscante

Se este breve ensaio inaugura-se com um florilégio de aforis-

mos, em signos verbais e plásticos, deve-se ao fato de que aforismo

puxa aforismo, constituindo uma ciranda, em que o desejo e a refle-

xão giram, dançam, desenham figuras, que fazem sonhar. Como

abordar o aforismo, depois de tê-lo gozado? Grosso modo ( e, aqui, o

adjetivo “grosso” não tem nada a ver com a sutileza e o refinamento

do aforismo), o aforismo define-se como um postulado que, em pou-

cas palavras, explicita norma ou princípio de alcance moral, uma

Page 5: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

5

verdade dogmática, podendo resumir toda uma postura perante a

vida. Por sua natureza paradoxal, o aforismo é o contrário do lugar-

comum, a doxa. É paradigmático este aforismo de Nietzsche (1844-

1900):

Vademecum – Vadetecum (vá comigo – vá contigo) Atraem-lhe meu jeito e minha língua Você me segue, vem atrás de mim? Si-ga apenas a si mesmo fielmente: – Assim me seguirá – com va-gar! com vagar! (NIETZSCHE, 2002, p. 19)

Há, em grego, duas palavras muito semelhantes: aphórisma,

atos, que significa posto à parte, e aphorismós, ou αφοριζειν :

definir, delimitar, que, entre outras acepções, tem a de definição cur-

ta, sentença (HIPPOCRATES, 1972, p. 98-206).

Foi neste sentido que a palavra aforismo entrou para o vocabu-

lário médico em um dos livros mais conhecidos e traduzidos da his-

tória da medicina: Os Aforismos, de Hipócrates (460-377 a.C). Ao

todo são 413 sentenças, ou preceitos, agrupados em 7 seções, resu-

mindo todos os conhecimentos da medicina empírica da época.

O primeiro dos aforismos hipocráticos é lapidar e constitui, talvez, a

melhor definição da conjugação da arte e da vida: A vida é breve, a

arte é longa, a ocasião fugidia, a experiência enganosa, o julgamen-

to difícil.2 Esse aforismo inaugural foi glosado por Geoffrey Chaucer

(1340-1400): “The life short, the craft so long to learn”3 (Apud

2 Eis a tradução latina: “Ars longa, vita brevis, occasio praeceps, experimentum periculosum, iudicium difficile.” 3 “A vida, tão curta, a arte tão longa para se aprender” (Tradução nossa).

Page 6: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

6

SCOTT, 1965, p. 18); por seu turno, Carlos Drummod de Andrade

(1902-1987) parodia esse aforismo arcaico: “A vida é breve, a velhi-

ce é longa”. Do grego, o termo migrou para o latim – aphorismus - e

deste para as línguas modernas: inglês e alemão, aphorism; francês,

aphorisme; italiano, espanhol e português, aforismo. Em medicina,

“aforisma” designa um hematoma resultante da rotura de um vaso

sanguíneo. O signo “aforismo” incrustou-se em outros domínios do

conhecimento, como a filosofia, o direito, a política, a agricultura, as

artes. Em “O aforismo e a poesia das idéias”, Silvian Iosifescu alude

à indecidibilidade das fronteiras do aforismo: ”Forme de transition

qui organise le général et lui impose l’empreinte de l’individuel,

l’aphorisme se trouve à la frontière de la philosophie”4 (IOSIFES-

CU,1987, p.54). Em seu dicionário de termos literários, um dicioná-

rio “conciso” como os aforismos e que tem, na capa, um desenho

aforístico dialogal (– “I’ve got logorrhoea – Try a panegyric”5),

Scott cita a jocosa definição outorgada por Alan Brien: “An apho-

rism is a witty, wise, and true remark which one can never remember

at the moment when it would be most advantageous to repeat it” 6

(SCOTT, 1965, p. 18).

4 “Forma de transição que organiza o geral e lhe impõe uma impressão do individual, o aforismo encontra-se à fronteira da filosofia” (Tradução nos-sa). 5 “Peguei uma logorréia. Tente um panegírico” (Tradução nossa). 6 “ Um aforismo é uma observação engenhosa, sábia e verdadeira de que não se lembra nunca no momento em que seria mais favorável repeti-la” (Tradução nossa).

Page 7: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

7

Verdadeiro gênero literário, intimamente aparentado ao campo

semântico da máxima, do axioma, do adágio, do anexim, do epifo-

nema, do refrão, do epigrama, do prolóquio, do provérbio, do dizer,

do dito, do ditado, do apotegma e da sentença, tendo adquirido direi-

to de cidadania científica, literária e filosófica a partir dos escritos de

Hipócrates, o aforismo, que se caracteriza pela concisão e fulguração

do pensamento, tem sua pujança com o Aufklärung, quando, na lite-

ratura alemã, se colocam em questão as certezas mais radicalmente

estabelecidas.

Atribui-se a Georg.Christoph Lichtenberg (1742-1799), com

seus Aforismos (1800-1806) – onze cadernos de anotações redigidas

durante sua vida e não destinadas a publicação –, o pionerismo nesse

gênero ilustrado, de que foi, pela maneira não-sistemática do pensa-

mento e pela fragmentação, mestre para André Breton (1896-1966),

Novalis (1772-1801) e Fredrich Schlegel (1772-1829), por exemplo.

Com os moralistas franceses (Montaigne, La Rochefoucauld, Cham-

fort, Pascal, Saint-Simon, La Bruyère, Vauvernagues) e os românti-

cos alemães (Goethe, Novalis, F. Schlegel, por exemplo), o aforismo

torna-se “a forma por excelência do pensamento universal”. Nietzs-

che, que pensava por relâmpagos, consagrou, definitivamente, a for-

ma aforismática, incrustando-a no pensamento moderno.

Aqui, abro uns parêntesis para traçar breves considerações so-

bre o fragmento, considerado em sua forma aforística. No vazio dos

parêntesis, uma pergunta grita: os Pré-Socráticos escreveram frag-

mentariamente ou deles nos chegaram apenas fragmentos? Mas, ao

Page 8: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

8

fim e ao cabo, que importa a resposta sobre a gênese da obra – frag-

mentária ou não - desses pensadores originais se seus textos poético-

filosóficos ressoam, intensamente, na Modernidade, sobretudo a

partir de Nietzsche? Com efeito, o fragmento é signo indicial, traço

de presença, marca de momentos, testemunha de um discurso, que,

ou se esgarçou, ou se quis esgarçado, configurando fiapos e farpas de

um texto inconcluso e descontínuo. A estética do fragmento sinaliza

a poética do aforismo, na medida em que ambas as formas conver-

gem na rede que enreda o escritor, o leitor, os objetos e as palavras

lidas e percebidas. O aforismo afirma. O fragmento reafirma. E, na

espiral em aberto, de afirmações e reafirmações, o texto gira, rodopi-

a, fulgura, enfim.

Crônica de um (re)encontro marcado nos signos ou não separe Baco aquilo que o vinho uniu

Era uma vez um “Simpósio Interdisciplinar: Itinerarios del

Vino”, que aconteceu na belíssima cidade da Salta, no Norte da Ar-

gentina, de 4 a 6 de agosto de 2008, no qual eu me inscrevera com a

palestra “In vino poema divino”, que foi logo proferida no primeiro

dia; justamente no último dia foi-nos oferecida uma excursão à regi-

ão vinícola de Salta, dia em que, na programação, constava a fala de

Jorge Lovisolo, que tratou do tango e do vinho. Na véspera, eu tivera

a oportunidade de ouvir Natalia Ruiz de los Llanos, esposa de Lovi-

solo, e que tratou da poesia latina sobre o vinho. São absolutamente

sedutores a pessoa e o discurso de Natalia, que protagonizou a ceia

Page 9: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

9

final do Simpósio, celebrada num dos vários requintados restaurantes

daquela cidade barroca e colonial. No jantar, eu estava quase ao lado

de um jovem senhor que falava sobre filosofia com um professor da

Université Bretagne Sud, na França; entrei na conversa, que me pa-

receu, imediatamente, muito interessante, porque o professor argen-

tino discursava sobre seus filósofos preferidos, entre os quais Hegel e

Benjamin; sobre Hegel, não opinei, mas, quando se tratrou de Ben-

jamin e da Escola de Frankfurt, fiquei entusiasmado e quis ouvir

mais as reflexões de Jorge Lovisolo. Ao fim do gostoso e intelectual

jantar, eu era o interlocutor privilegiado daquele professor que exala-

va filosofia entre saladas, sorvetes, carnes e sorrisos. Fui convidado

por Natalia a conhecer sua casa no exclusivo bairro de San Lorenzo,

nas cercanias de Salta. Com Geruza Queiroz Coutinho, minha grande

amiga brasileira, professora na Universidad Nacional de Sal-

ta/UNSA, rumei para descobrir novas amizades. San Lorenzo me

lembrou muito a campagne de Genebra, não só por suas casas muito

chiques, como pelo ambiente silencioso e reservado, como se se esti-

vesse num lugar muito especial. Mas prefiro o horizonte de San Lo-

renzo, que me eleva, me projeta, me eterniza. Logo que adentrei a

casa de nossa bela anfitriã, disse-lhe: “Eis a casa da sabedoria e do

prazer”. Fora uma intuição, logo, logo confirmada pela chegada de

Jorge Lovisolo, que, de novo, esteve a meu lado, dando continuidade

a uma conversação eclodida à sombra noturna de taças de vinho ar-

gentino. Apenas avistei o consorte de minha anfitrião, exclamei,

wildeanamente: “Mas é um dândi”, elogio ao qual o jovem senhor

Page 10: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

10

retribuiu com um sorriso cúmplice. Eu estava diante de um dândi

portenho, perdido nos pré-Andes. A reunião tornou-se ainda mais

familiar com a chegada de Mabel, mãe da anfitriã e lingüista fervoro-

sa. Jorge Lovisolo falava de filosofia como quem respira o ar mais

puro das montanhas pré-andinas. Com um saboroso café, eu sorvia

uma sabedoria ali, bem junto a mim. Escutava um jovem filósofo,

irmão dos gregos, dos latinos e dos latino-americanos. Simples e

singelamente, ele me ofereceu um livro seu, Averiguaciones sobre el

aforismo, pelo qual tive amor à primeira vista, não só pela capa, que

exibe um fragmento da Madonna del Magnificat, de Boticelli, como

pelo sumário, nitidamente filosófico. Intuitivamente afirmei, com-

pulsando o sumário, que gostaria muitíssimo do capítulo I “Aforismo

y referencia” (tive, mesmo, a ousadia de trocar o signo “referência”

por “reverência”, significando meu estado face ao livro e ao escritor-

filósofo). A “referência” será retomada no capítulo VIII. Jorge (já

gozávamos a intimidade da filosofia – “amor à sabedoria”) afirmou

ter um carinho especial pelo capítulo VII “Modernidad. Aforismo y

algoritmo. Gracián, Vico y Lichtenberg”. Fiquei mais curioso ainda.

A dedicatória soa uma consagração e um convite: “Para Latouf,

celebrando en champan, el Encuentro sobre el vino. Con todo afecto,

Jorge. Salta, 8 de agosto de 2008”. Irmã gêmea da filosofia, a litera-

tura compareceu àquele simpósio particular: Jorge, filósofo argenti-

no, declarou seu grande amor por Guimarães Rosa, que ele lê em

português e de quem cita aforismos e fragmentos, e que considera “el

mas grande escritor latinoamericano”. Se eu já fora conquistado

Page 11: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

11

pela filosofia benjaminiana, explanada pelo filósofo portenho, agora

estava totalmente embevecido quando se tratava das veredas das

Gerais. Jorge quis que fôssemos até sua casa, ali pertinho, a fim de

que eu conhecesse sua biblioteca e visse as edições de Guimarães

Rosa que ele lê. Tem forma de pirâmide sua biblioteca principal,

onde figura a melhor edição de Grande sertão: veredas. Jorge mos-

trou-me, ainda, a edição espanhola de Primeiras estórias, de Guima-

rães Rosa, onde, no prefácio, consta a troca de correspondência entre

o escritor mineiro e seu tradutor. Mais tarde, eu sonharia com uma

troca de e-mails com meu filósofo favorito atualmente. Agora, essa

correspondência já é um fato e já está me provocando inquietações e

gozo. Andando pelas vias de San Lorenzo, pudemos ainda falar de

nossas experiências, por mais de uma década, em terras européias e

de nossa reintegração nas respectivas Pátrias. Eu acabava de

(re)encontrar um alter ego, um irmão, um amigo, dimidium animae

meae.

Presente de Ego ou o Desaforo dos Aforismos

No presente estudo, lê-se, muito de perto, embora brevemente,

o livro Averiguaciones sobre el aforismo (Buenos Aires: Altamira,

2008), em que Jorge Lovisolo7 traça, com estilo aforismático, um

7 Jorge Lovisolo é professor titular de História da Filosofia Contemporâ-nea, na Universidad Nacional de Salta, Argentina. Durante cinco anos, foi professor convidada na Universidad Autônoma de Barcelona. Foi colabo-rador permanente das revistas catalãs El Viejo Topo e Quimera. Participou

Page 12: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

12

panorama sedutor da trajetória e da natureza eminentemente contem-

porânea do aforismo, apresentando um “breviário de pérolas expres-

sivas, em que se conjugam poesia, arte, filosofia, ciência e política”.

Súmula seminal, o livro de Lovisolo figura-se, em tempos alucinados

e desvairados de Internet, como uma enciclopédia portátil, um vade-

mécum, alma mater studiorum.

Quase tão antigo quanto a linguagem humana, o aforismo não

tem, segundo me consta, um estudo a ele dedicado exclusivamente;

talvez por isso eu me tenha encantado tanto com o presente que o

Autor me ofertou, sem que eu esperasse ou tivesse a mínima idéia de

uma surpresa. Como todo texto, essa obra de Jorge Lovisolo pode ter

mil e uma maneiras de ser lida, entre as quais uma seria a de reco-

lher, como flores em uma exuberante primavera, os aforismos de que

se constitui.

Com efeito, Averiguaciones sobre el aforismo figura uma mise

en abîme, na medida mesma em que se constitui um mosaico de afo-

rismos, não só pela citação insistente de aforismos, extraídos dos

diversos campos do saber, mas, sobretudo, da filosofia, como pela

própria estrutura textual, que vai pontuando com aforismos a argu-

mentação, a contra-argumentação, a história do aforismo, a filosofia

do aforismo, a estética do aforismo, a poética do aforismo, a “mini-

teoria” do aforismo ou “pensamento intermitente”. A febre do saber

conjuga-se com a febre do sabor. Nos intervalos do saber e nos in-

como palestrante em renomados centros de pesquisa, como Academia Na-

cional de Ciências, na Argentina e no Centre de Recherches Latinoaméri-

caines, de Poitiers, na França.

Page 13: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

13

terstícios do sabor, incrustam-se outros aforismos, porque o pensa-

mento não cessa de pensar, tampouco o desejo não pára de desejar.

Já no “Prólogo” do livro-corpus deste ensaio, podemos ler, especu-

larmente:

Nadie ignora que todo prólogo es un epílogo disconforme. Al se-gundo, por un desmedido afán de protagonismo, le place tener la última palabra, pero a condiciones de ser la primera. Lo ofende que lo relegen a al redundante clausura de un libro concluido – para eso está el colofón editorial. Que yo sepa, el epílogo es un prólogo diferido: nadie lo escribe para un libro inexistente. Mas bien es el adelantado epigramático de los resultados de una bús-queda. (LOVISOLO, 2008, p. 9)

Nesse fragmento inaugural, tangido pelo paradoxo, pulsa a

forma aforismática e esta-se diante de uma ciranda de aforismos, que

joga, de chofre, o leitor na contra-corrente da doxa, do lugar-comum,

do clichê. É significativo notar que o livro, aberto com um prólogo

metalingüístico e mimético do epílogo, seu alter ego, não tem um

epílogo, confirmando que prólogo e epílogo são duas faces intercam-

biáveis da mesma moeda textual: a metonímia impera também no

campo do aforismo, tratado por Lovisolo em suas migrações. Aliás,

este livro estrutura-se em duas partes, sendo a segunda totalmente

diferente da primeira, servindo quase de introdução, apresentação,

prólogo, quiçá, a um outro livro, que aí está in nuce, um livro porvir,

um livro por-vir.

Reforça esta minha observação o fato de cada parte estrutural

possuir uma bibliografia própria, com certeza muito fincada na filo-

sofia, porém independente, mesmo sendo complementar. No quase

Page 14: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

14

epílogo da primeira parte, nosso Autor, orientando seu leitor, inscre-

ve, aforística e didaticamente: “Concluída la excursión, puedo afir-

mar que la teoría del aforismo termina donde comienza el aforismo

de la teoría, que no termina. A eso vamos en la segunda parte” (LO-

VISOLO, 2008, p. 70).

Outro livro, outros livros dentro de um livro ( mise en abîme,

sempre), a segunda parte, da página 75 à página 94, é seca, árida,

um deserto cheio de minas, constituindo, ao fim e ao cabo, um libelo

contra a “ciência marcial”, baseada na razão instrumental (Idibidem,

p. 82). A “leveza insusentável do aforismo” cede lugar a um pensa-

mento pesado; o “pensamento intermitente” do aforismo cede a vez a

um pensamento cerrado, que critica a ciência positivista, o neo-

liberalismo, o “Giro lingüístico”, já detonado na primeira parte do

opúsculo; a “miniteoria” torna-se uma densa teoria, que reflete sobre

a ciência, a política, a ética, a ecologia. A segunda parte faz a cabeça

girar e o coração sobressaltar-se.

“Excursão”, eis o signo-chave, ou um signo-chave, para cami-

nhar pelas veredas do aforismo, a que nos conduz, vagorosamente e

com firmeza, este filósofo argentino contemporâneo. Insígnia do

passeio ou da caminhada peripatética pelos foros do aforismo, a capa

do livro encanta e mereceria uma análise semiológica à parte, a que,

no momento, não podemos nos propor. Exibe-se um fragmento da

Madonna do Magnificat ou Madonna con il Bambino e cinque angeli

(1481), de Sandro Boticelli (1445-1510), que se encontra na Galeria

degli Uffizi, em Florença.

Page 15: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

15

Nessa obra, predominam as curvas: nos cachos dos cabelos

dos personagens pintados, nas mãos, nos braços, no arco, na janela,

no rio, no movimento circular da tela em têmpera; tudo isso faz que a

imagem esteja refletida em um espelho convexo em forma de olho de

boi.

Protagonista, a Madonna, ricamente pintada, está coroada por

dois anjos e está compondo, guiada pela mão direita do Menino Je-

sus, sobre um livro de pergaminho, o salmo8, cujo incipit é Magnifi-

cat; na mão esquerda, o Menino tem uma romã, símbolo da ressur-

reição. Vestidos como pajens, dois anjos a ajudam, segurando o tin-

teiro com a tinta. Por que será esta a imagem da capa de um livro que

trata, filosoficamente, do aforismo? Meu encantamento súbito gerou

8 Magnificat anima mea DominumEt exultavit spiritus meus in Deo saluta-ri meo. Quia respexit humilitatem ancillæ suæ: ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes. Quia fecit mihi magna qui potens est, et sanctum nomen eius. Et misericordia eius a progenie in progenies timenti-bus eum. Fecit potentiam in brachio suo, dispersit superbos mente cordis sui. Deposuit potentes de sede et exaltavit humiles. Esurientes implevit bonis et divites dimisit inanes, Suscepit Israel puerum suum recordatus misericordiæ suæ, Sicut locutus est ad patres nostros, Abraham et semini eius in sæcula.

A minha alma glorifica o Senhor *E o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador. Porque pôs os olhos na humildade da sua Serva: De hoje em diante me chamarão bem aventurada todas as gerações. O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas: Santo é o seu nome. A sua misericórdia se estende de geração em geração Sobre aqueles que o temem. Manifestou o poder do seu braço. E dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos de seus tronos. E exaltou os humildes. Aos famintos encheu de bens. E aos ricos despediu de mãos vazias. Acolheu a Israel, seu servo, Lembrado da sua misericór-dia, Como tinha prometido a nossos pais, A Abraão e à sua descendência para sempre.

Page 16: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

16

meditações. Será um aforismo em forma de fragmento ou um frag-

mento à maneira de aforismo. O fragmento privilegia o movimento

das mãos que escrevem, orientam e ajudam; assim, o aforismo nasce

do ritmo das mãos, que inscrevem, em forma cíclica, um texto mag-

nífico. A Madonna, protagonista do quadro in totum, do pintor re-

nascentista, será a presentia in absentia, como todo signo, aliás.

Especular como esse espelho convexo, o aforismo parece rea-

lista, naturalista, remetendo a outros níveis de especulação. Discurso

paradigmático, o aforismo, resgatado pelo solo de Lovisolo, seqües-

tra o lugar da Madonna boticelliana, séria, meditativa, absorta em

sua própria beleza.

Detalhe da Madonna do Magnificat, de Boticelli

Madonna do Magnificat, de Boticelli

No corpo do livro que contemplamos, outro aforismo visual

enquadra-se, como que asseverando que tudo é texto, tudo é aforis-

Page 17: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

17

mo, tudo é discurso aforístico, não só nas linguagens da arte, como

na própria cultura, porque “la vida es un lío” ( “a vida é um feixe”,

um feixe de signos) – eis um belo aforismo, um elo aforismático;

trata-se de “El Combate de Carnaval y Cuaresma de Brueghel”

(LOVISOLO, op. cit., p. 52), ou “El combate entre don carnaval y

doña cuaresma” (em holandês, “Het Gevecht tussen Carnival en

Vasten”), que se encontra no Museu de História da Arte, de Viena:

Combate de carnaval e quaresma (1559), de Brueghel, o Velho

(1525/1530-1569).

A natureza hipertextual deste ensaio, “hipertextual” no sentido

borgeano de “caminhos que se bifurcam”, corresponde, ipsis litteris,

ao próprio tratado sobre aforismo, dado que se inscrevem estas refle-

xões:

Si hay un punto fijo posicionado en el centro del globo terráqueo donde la totalidad de las cosas se apretujarían por atracción, hasta disputárselo para habitarlo en escandalosa promiscuidad, no sería oportuno rehabilitar; en atención a seres y cosas, la hipótesis iró-nica de la patafísica ubuesca de Alfred Jarry – próxima al Allan Poe crítico del principio de inducción – asentada en una ciencia nueva periférica, y antigravitatoria, la sicence des solu-tions imaginaires (hay otras?) y, así, oponer al punto fijo y cen-trípeto una perifería disipativa y poblada de partículas volátiles, sin más vectores que una pluralidad de líneas de fuga meteóricas, una diseminación excéntrica como la del ciclamen lucreciano,

Page 18: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

18

una atracción por el vacío que invierta los principios de la mecá-nica newtoniana? (LOVISOLO, 2008, p. 82)

Um parágrafo posterior confirma a hipertextualidade necessá-

ria, quando se fala em ciência, aforismo, política e poesia:

La determinación de un estado de cosas siempre presto a bifur-carse o al borde de una súbita declinación, es decir, de un cicla-men: “ángulo indiscernible por el cual se apartan de la vertical los átomos en caída libre” – en una multiplicidad posible de tales estados se evalúa en una relación tan próxima del cero que sólo podemos llamarla improbabilidad. (Idibidem, p. 90)

Em seu diálogo, ou dialética, nosso Autor não poupa nem He-

gel, seu filósofo preferido, a quem contra-argumenta, apontando-lhe

um “doble error” com relação à “referencia del flumen in clausula”

(Idibidem, p. 46). Dialoga de igual para igual com os mais renoma-

dos pensadores e tem a delicadeza de citá-los no original com a res-

pectiva tradução.

Entre as inúmeras virtudes do livro em pauta, ressalto seu esti-

lo paródico, poético, sagaz, aliado a uma rara erudição, que o apa-

renta aos enciclopedistas: construindo uma teoria do aforismo, o

texto traz à baila uma série entrecruzada de conhecimentos, pesqui-

sas, estudos, que projetam e que abrem insuspeitos horizontes de

leitura e meditação. Não ouço o tom da gaia ciência nietzscheana

nem da melancólica ciência adorniana; talvez, um certo ceticismo

insistente, que ressoa o aforismo de Gramsci (1891-1937): “pessi-

mista no intelecto, otimista na vontade”. O texto desenha “breve

Page 19: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

19

recorrido de tono filologizante” (LOVISOLO, op. cit., p. 28) e nele

se estabelece, freqüentemente, um diálogo com o leitor, como neste

apelativo enunciado: “convengamos, querido lector” (Idibidem, p.

91).

Ao quase fim deste modesto ensaio, releio um fragmento de

Averiguaciones sobre el aforismo, que me surge como um afago, um

consolo, uma justificativa e a esperança de que sempre se pode fazer

melhor (“fazer milhor”, diria, popularmente, Mário de Andrade –

1893-1945 –, maior personagem cultural brasileiro), de que se pode

ler melhor:

Los intervalos blancos, que no lagunas, dejan constancia de un pensar intermitente, astillan el “ flujo de la conciencia” y nos dan tiempo para sacar de sus goznes el sentido rutinario de las pala-bras. Es como escribir con plumilla: nos permite “disfrutar de las necesarias pausas requeridas para mojar la pluma en en tintero” (Noberto Chaves). De este modo, al lector le es conferido el pri-vilegio de ser co-autor: su lectura tapa los huecos, “como la nie-ve” – decía Unamuno –. (Idibidem, p. 20)

Se a exclamação do aforismo é, segundo Jorge Lovisolo, “Es

así!”, a leitura de seu livro provoca um grito de júbilo e de euforia,

porque sua leitura é uma prática do celebérrimo aforismo de Horácio:

Carpe diem!, que nosso Autor articula, brilhantemente, com o pri-

meiro aforismo, o hipocratiano Vita brevis (Idibidem, p. 44-9). A arte

e o estudo são longos...

Page 20: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

20

Post Scriptum Ou Um Ensaio Em Aberto, Nas Ondas Da Inter-net

Minha troca constante de e-mails com Jorge Lovisolo constitui para mim um repertório de textos seminais, que me ajudam na re-leitura de Averiguaciones sobre el aforismo. Inquiri-lhe sobre al-gumas passagens e ele, com a elegância de um verdadeiro dândi, respondeu-me rápida e amplamente. Perguntando-lhe, por exem-plo, sobre a significação de “irredente”, que ele usa, qualificando o pensamento em marteladas de Nietzsche, eis o que me escre-veu:

A hora paso a las preguntas que me hacés:

1º) Creo que la pregunta relativa a “irredenta” es fácil de respon-der: es una cuestión puramente lexical y no conceptual. Empleo el término “irredenta” en su uso coloquial: “no redimible”, “sin redención posible”: sería algo así como “una finitud consumada, irreversible”. El “perspectivismo” de Nietzsche (como en Hei-degger, Foucault, Ricoeur y tantos otros) parte de una analítica de la finitud del hombre que pone fin al sueño antropológico moderno. Es por eso que acudo a la metáfora de las paralelas: pa-ra un ser finito (nosotros, mortales), las paralelas convergen hacia un punto que, supuestamente, está en el infinito (así lo afirman los teóricos de la perspectiva plana del Renacimiento, en particu-lar: Durero, Alberti y Brunelleschi); no es el caso de Dios que, dada su ubicuidad, está presente tanto en el punto de mira como en el punto de fuga. Con Nietzsche se ha derrumbado lo supra-sensible, entendido desde Platón en adelante como el epékeina tes ousías (más allá de las esencias), como principio de posición de valores. Sabido es que para Nietzsche el nuevo principio de posición de valores es el cosmos aisthetós (mundo sensible) en-carnado en la “voluntad de poder”. En fin, Nietzsche opera una inversión de la metafísica que destruye la ilusión de toda “tras-cendencia”: horizonte de la infinitud. De todos modos, no estoy seguro de haber contestado con preci-sión a tu pregunta. Si quedan dudas vos me lo dirás. 2º) En cuanto a “mis duras críticas al Giro Lingüístico”. Esto está bastante desarrollado en Alarmas… No obstante intentaré satis-

Page 21: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

21

facer tu inquietud diciéndote algo y citando algunos pasajes de ese libro. Antes de las citas algunas aclaraciones que tal vez te sirvan. En ningún momento dejo de reconocer los aportes significativos del Giro Lingüístico, considerado desde un punto de vista intrínseco. Mi crítica no es al legado –en ocasiones muy valioso- del Giro, tampoco es una crítica epistemológica: se trata de una crítica po-lítica: intento mostrar la complicidad –deliberada o involuntaria- del Giro Lingüístico con los modelos socialdemócrata y neolibe-ral (para mí, no constituyen una alternativa, más bien tienden a ser indiscernibles). El Giro Lingüístico –a través de la teoría de la argumentación, los actos de habla, etc- le brinda el sostén teórico al llamado “con-senso democrático” que tiende a la resolución de conflictos socia-les por vía argumentativa. (Obviamente que aquí la figura em-blemática es Habermas, pero también Rorty y ciertas obras tardí-as de Derrida, Ricoeur, hasta llegar a su forma bastarda en Fuku-yama). Los buenos modales argumentativos a ser empleados en los espa-cios públicos (Öffentlichkeit) y en las deliberaciones públicas tienen su base en el Giro Lingüístico que, según mi forma de ver desatiende varias cuestiones: a) Las diferencias en materia de competencias retóricas no brinda a todos los interlocutores un acceso igualitario en el debate ra-cional (como pretenden Habermas y también Rorty y J. Rawls). b) Las diferencias de los actores sociales no sólo se reducen a sus competencias retóricas: hay diferencias políticas, culturales, económicas, de clase, de género, etc.: en un espacio público deli-berativo (que yo distingo del espacio público publicitario: esto podrás verlo en un pasaje de Alarmas que te adjunto) el argu-mento de un afro-cubano negro no tiene el mismo peso que el ar-gumento de un norteamericano blanco de ojos azules. c) Pasando a otro orden de cuestiones vinculadas a lo mismo: Pienso que la resolución de conflictos por vía discursiva es asi-métrica cuando los involucrados en una deliberación pública (ONU y otros macroorganismos de decisión supranacionales) pertenecen al primer mundo o a los terceros o cuartos mundos. Ejemplo: Si en los países ricos (“consensuales democráticos”) los conflic-tos se resuelven por vía discursivo-argumentativa sin acudir a la violencia extralingüísitica es porque estos países realizan una dis-

Page 22: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

22

tribución diferida (en el sentido de Derrida: retraso y desvío) de la acumulación capitalista en los países periféricos; acumulación que se realizó durante cinco siglos de expoliación capitalista del tercer mundo. Esta distribución diferida –de bienes materiales o simbólicos- permite satisfacer las inclinaciones hedonistas de la ciudadanía primermundista. Esta satisfacción de inclinaciones hedonistas tienen dos conse-cuencias: pacificación de los conflictos de clase y una despoliti-zación generalizada de la sociedad civil metropolitana, dado que han desplazado la explotación al sudeste asiático, en particular, a los “dragones del sudeste asiático”: allí se produce un arsenal de mercancías a bajo costo por los salarios de hambre reinantes en esa región. d) Vos te preguntarás qué tiene que ver lo dicho arriba con el Gi-ro Lingüístico. Bien, intentaré decirte algo: parto de la convicción de que el Giro Lingüístico es funcional al sistema neoliberal o socialdemócrata: a) el consenso democrático –cuyos dispositivos de constitución son la teoría de la argumentación, la pragmática del lenguaje y la teoría de los actos de habla- tiende a des-responsabilizar a los cuadros administrativos del Estado consen-sual democrático: por eso, en Averiguaciones digo que hoy, por primera vez “el poder puede prescindir de los poderosos. Es una máquina sin maquinista (el “bárbaro ilustrado”: promotor de ca-tástrofes “accidentales” o programadas). e) Hay una complicidad tácita o pactada entre Giro Lingüístico, Neoliberalismo y Socialdemocracia. f) El ciudadano arquetípico (consensual democrático) esperado por el Poder es un ciudadano que obre conforme a los buenos modales argumentativos que le procura el Giro Lingüístico. g) Como podrás observar, no hago una crítica inmanente a los le-gados del Giro sino a sus efectos políticos y sociales. Si estas aclaraciones te sirven de algo, podés citarlas en el texto que estás escribiendo. Como así también el pasaje de Alarmas que te envío por archivo adjunto. Ojalá que estas aclaraciones no aumenten el dolor de cabeza del semiólogo: de ningún modo quiero que te sientas tocado por lo que digo. Además, todo lo afirmado por mí queda sujeto a crítica. Que serán recibidas con placer.

Page 23: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

23

Por favor, no dudes en hacer las consultas que creas pertinen-

tes. Te responderé con agrado: estas preguntas me obligan a explici-

tar algunos conceptos que, en ocasiones, doy por sobreentendidos.

Gracias por recordarme Saquarema, ese hogar y vergel donde

se puede filosofar al aire libre: dichoso tú.

Page 24: UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA MINITEORIA DO … Isaias Mucci.pdf · Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo UMA POÉTICA DO AFORISMO OU UMA “MINITEORIA DO PENSAMENTO

Anais do V Congresso de Letras da UERJ-São Gonçalo

24

Referências Bibliográficas

HIPPOCRATES. The Loeb Classical Library. London: W. Heine-mann Ltd., 1972. v. 4. p. 98-216

IOSIFESCU, Silvian. “L’aphorisme et la poésie des idées”, Cahiers

roumains d’études littéraires, 1, 1987.

LOVISOLO, Jorge. Averiguaciones sobre el aforismo. Buenos Aires: Altamira, 2008.

NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência, São Paulo: Companhia das Letras, 2002

SCOTT, A.F. Current literary terms, a concise dictionary. London: macmillan Press, 1965.