uma odisseia de natal: criando uma animação baseada em mitos e contos de fadas

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  • 7/30/2019 Uma Odisseia de Natal: Criando uma animao baseada em mitos e contos de fadas.

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    UNESP Universidade Estadual PaulistaJlio de Mesquita Filho

    Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicao

    Departamento de Comunicao Social

    Criando uma animao baseada em mitos econtos de fadas

    OrientandoPAULO HENRIQUE DE ARAGO

    Orientador:Prof. Dr. JOO BAPTISTA DE MATTOS WINCK FILHO

    Banca examinadora:Prof. Ms. MARCOS AMRICO

    Prof. Ms. WILLIANS CEROZZI BALAN

    Bauru SP2 0 0 6

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    UNESP Universidade Estadual PaulistaJlio de Mesquita Filho

    Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicao

    Departamento de Comunicao Social

    UMA ODISSIA DE NATALCriando uma animao baseada em mitos e

    contos de fadas

    Paulo Henrique de AragoRA 333727

    Projeto Experimental apresentado comoexigncia parcial para obteno do ttulode Bacharel em Comunicao Social Habilitao em Rdio e Televiso, aoDepartamento de Comunicao Social

    da Faculdade de Arquitetura, Artes eComunicao da Universidade EstadualPaulista "Jlio de Mesquita Filho",atendendo resoluo de nmero 02/84do Conselho Federal de Educao.

    Bauru SP2 0 0 6

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    Ao ser humano e as coisas boas que ele pode fazer.

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    Agradecimentos

    minha famlia, por me sustentar enquanto insisto em fazer essas coisas

    que no do dinheiro;

    Aos meus amigos, por estes quatro anos de histrias pra vida inteira;

    A todos que tornaram possvel a realizao deste trabalho, em especial Carol, que me ajudou em tudo e mais um pouco.

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    Se tivsseis tanta f como um gro de mostarda, direis a este sicmoro:arranca-te as razes e transplanta-te para o mar, e ele vos obedeceria.

    Evangelho segundo So Lucas 17,6

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    SUMRIO

    PRLOGO .................................................................................................1

    PARTE I: A PARTIDA............................................................................41 MUNDO COMUM: AS NARRATIVAS POPULARES.........................51.1 O mito...............................................................................................6

    1.1.2 Epopia.......................................................................................71.2 O conto maravilhoso........................................................................81.2.1 Conto de fadas............................................................................8

    2 CHAMADO AVENTURA COMPARAES ENTRE MITOS,CONTOS DE FADAS E NARRATIVAS CONTEMPORNEAS...............10

    2.1 Principais caractersticas do mito...................................................112.2 Principais caractersticas do conto de fadas..................................122.3 Principais caractersticas da narrativa contempornea..................13

    3 ENCONTRO COM O MENTOR A JORNADA DO HERI E OSARQUTIPOS...........................................................................................15

    3.1 Pesquisadores do monomito..........................................................16

    3.1.1 Vladimir Propp...........................................................................163.1.2 Joseph Campbell.......................................................................173.1.3 Christopher Vogler.....................................................................17

    3.2 A jornada do heri..........................................................................183.2.1 Mundo comum...........................................................................203.2.2 Chamado aventura.................................................................203.2.3 Recusa do chamado..................................................................213.2.4 Encontro com o mentor.............................................................213.2.5 Travessia do primeiro limiar......................................................213.2.6 Testes, aliados e inimigos.........................................................223.2.7 Aproximao da caverna oculta................................................22

    3.2.8 Provao...................................................................................233.2.9 Recompensa.............................................................................233.2.10 Caminho de volta.....................................................................233.2.11 Ressurreio...........................................................................243.2.12 Retorno com o elixir.................................................................24

    3.3 Os arqutipos.................................................................................243.3.1 O Heri......................................................................................263.3.2 O Mentor....................................................................................273.3.3 O Anjo........................................................................................283.3.4 O Arauto....................................................................................293.3.5 O Guardio do limiar.................................................................29

    3.3.6 O Camaleo..............................................................................293.3.7 O Pcaro....................................................................................30

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    3.3.8 A Sombra...................................................................................30

    4 TRAVESSIA DO PRIMEIRO LIMIAR: A ANIMAO......................324.1 Animao tradicional 2D.................................................................344.2 Animao digital 3D........................................................................36

    4.3 Animao stopmotion.....................................................................36

    PARTE II: A INICIAO.....................................................................385 APROXIMAO DA CAVERNA OCULTA O PROJETO...............39

    5.1 A histria.........................................................................................415.1.1 Mundo comum...........................................................................425.1.2 Chamado aventura.................................................................425.1.3 Recusa do chamado..................................................................435.1.4 Encontro com o mentor.............................................................435.1.5 Travessia do primeiro limiar......................................................435.1.6 Testes, aliados e inimigos.........................................................445.1.7 Aproximao da caverna oculta................................................445.1.8 Provao...................................................................................445.1.9 Recompensa.............................................................................455.1.10 Caminho de volta.....................................................................455.1.11 Ressurreio...........................................................................455.1.12 Retorno com o elixir.................................................................46

    5.2 Os personagens.............................................................................475.2.1 Papai Noel.................................................................................475.2.2 Marionete...................................................................................485.2.3 Crocodilo...................................................................................485.2.4 Bonecas Desvairadas................................................................485.2.5 Aranha-Me...............................................................................495.2.6 Mame Noel..............................................................................505.2.7 Mulher........................................................................................505.2.8 Brinquedos do Ba....................................................................50

    5.3 O roteiro..........................................................................................51

    6 PROVAO A PRODUO...........................................................606.1 O storyboard...................................................................................616.2 O animatic......................................................................................83

    6.3 Os bonecos....................................................................................836.3.1 Papai Noel.................................................................................846.3.2 Mame Noel..............................................................................866.3.3 Marionete...................................................................................866.3.4 Crocodilo...................................................................................876.3.5 Bonecas Desvairadas................................................................886.3.6 Aranhas e Brinquedos do Ba..................................................88

    6.4 O cenrio........................................................................................896.4.1 A iluminao..............................................................................90

    6.5 A gravao.....................................................................................916.5.1 A animao................................................................................91

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    PARTE III: O RETORNO....................................................................937 RESSURREIO A PS-PRODUO.........................................947.1 A edio..........................................................................................957.2 Os efeitos........................................................................................967.3 A sonorizao.................................................................................97

    8 RETORNO COM O ELIXIR A FINALIZAO EM DVD..................99

    EPLOGO................................................................................................101

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.......................................................103

    ANEXO....................................................................................................105

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    PRLOGO

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    PRLOGO

    O Heri acredita.

    Acredita em algo maior, em seus ideais, acredita em simesmo. s vezes, as sombras esto cada vez mais fortes, o dominam e

    no h nada que ele possa fazer. Parece ser o amargo fim. Mas no . O

    Heri acredita, e por isso vence.

    Histrias como essa, chamadas por muitos nomes como

    mitos, lendas e contos de fadas, existem h milhares de anos, sendo

    praticamente inerentes humanidade. Transmitidas inicialmente de forma

    oral, foram depois difundidas com a chegada da escrita e, a partir do

    sculo XX, tornaram-se um dos produtos principais da cada vez mais

    poderosa indstria da comunicao de massa, atravs das histrias em

    quadrinhos, do cinema e da televiso. Estes veculos por sua vez, utilizam

    em suas produes tanto os heris clssicos, como os heris modernos,

    que chegam acompanhados de toda uma mitologia particular e to rica

    quanto as primordiais.

    Grande parte destas narrativas, antigas ou contemporneas,

    contadas em torno de uma fogueira ou na sala escura do cinema,

    protagonizadas por um humano, por um semi-deus ou por um aliengena,

    espantosamente possuem o mesmo fio condutor. Embora dispersas pelo

    tempo, pelo espao e pelas caractersticas de cada civilizao, contm a

    mesma histria central e transmitem os mesmos pensamentos. E foi

    utilizando esta histria e estes pensamentos que Uma Odissia de Natal

    foi criada.

    Empregando os estudos de Carl Jung sobre os arqutipos, a

    jornada do heri de Joseph Campbell e as adaptaes destas pesquisas

    feitas por Christopher Vogler, a animao procura utilizar o mesmo

    enredo e os mesmo tipos de personagens presentes nas milenares

    narrativas populares. As referidas histrias, seus equivalentes

    contemporneos e os estudos citados, so discutidos na primeira parte

    deste trabalho,A Partida. Nela so apresentadas tambm as origens e as

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    diversas formas de animao, meio escolhido para dar vida ao pequeno

    Papai Noel de brinquedo e sua no to pequena jornada.

    Na segunda parte, A Iniciao, inicia-se o relatrio de

    produo da animao. Das idias iniciais gravao, passando pelo

    roteiro, storyboard e demais passos do processo, tudo detalhado,

    mostrando as etapas verdadeiramente hericas pelas quais a reduzida

    equipe precisou atravessar para captar o vdeo.

    Na terceira e derradeira parte, O Retorno, apresentada a

    ps-produo da animao, sua montagem, adio de efeitos visuais e

    sonoros, bem como a produo do DVD com os extras que o

    acompanham.

    Dito tudo isso, resta apenas o convite para que parta voc

    tambm e nos acompanhe nesta Odissia.

    BOA VIAGEM!

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    PARTE I

    A PARTIDA

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    CAPTULO 1

    MUNDO COMUMAs narrativas populares

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    CAPTULO 1 MUNDO COMUM: AS NARRATIVAS

    POPULARES

    Mais velho que os antigos templos gregos, que as pirmidesdo Egito ou que os jardins suspensos da Babilnia, o ato de contar e

    ouvir histrias.

    H milhares de anos, nos agrupamentos humanos hoje

    considerados primitivos, os conhecimentos eram transmitidos de gerao

    para gerao atravs da fala. Explicaes sobre a vida, a sociedade, o

    mundo e seus muitos mistrios eram transformados em histrias e mais

    facilmente passados adiante. Da surgiram os mitos, as fbulas e oscontos de fadas, consolidados com a inveno da escrita e que perduram

    at os dias atuais por meio dos antigos e dos modernos meios de

    comunicao, pois um novo modo de contar histrias nunca vem (ou pelo

    menos, at hoje, nunca veio) a substituir completamente seus

    antecessores.

    Todos os gneros de narrativa popular, entretanto, no podem

    ser tratados de maneira simplificada e serem considerados um s, como

    muitas vezes o so. Cada um tem sua forma especfica e suas

    particularidades que o definem como nico.

    1.1 O mito

    A palavra vem do grego, mthos, e pode significar histria,

    relato ou discurso.

    a forma dos povos ancestrais de explicar o mundo e,

    principalmente, suas origens. H as chamadas cosmogonias (surgimento

    do mundo), teogonias (surgimento dos deuses), antropogonias

    (surgimento dos homens) e as heroogonias (surgimento dos heris),

    presentes em praticamente todas as culturas, da antiga Mesopotmia

    Amrica pr-colombiana.

    Nas civilizaes conhecedoras da escrita, muitos mitos foram

    registrados e originaram os livros que serviam e muitos ainda servem

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    como um cdigo, um manual de conduta para a vida, como o Rig Veda

    hindu e a Torah judaica.

    Com o passar dos sculos, a religio crist, derivada da

    judaica, tornou-se dominante no mundo ocidental e os mitos pertencentes

    a outras culturas passaram a ser considerados histrias de fico,

    resultando no moderno significado da palavra mito.

    Como disse Joseph Campbell (1904-1987), mitologia o

    nome que damos s religies dos outros.

    1.1.2 Epopia

    A epopia uma das formas de difuso escrita dos mitos

    antes conhecidos apenas pela tradio oral. Trata-se de um extenso

    poema, que narra os feitos grandiosos de um ou mais personagens (que

    podem ser tanto deuses, quanto mortais) em busca de um determinado

    objetivo. Assim so o Enuma Elish da Babilnia e o Mahabharata da

    ndia.

    Entretanto, o poema pico que conta a jornada de um

    aventureiro, repleta de perigos e complicaes variadas, hoje o formato

    mais difundido das velhas epopias. A Epopia de Gilgamesh, por

    exemplo, descreve a histria do rei sumrio do ttulo, que parte em busca

    da imortalidade. Suas primeiras verses datam do perodo de 2000 a

    1600 a.C., mas pode ter surgido muito tempo antes, sendo considerado o

    mais antigo texto literrio conhecido.

    Fig. 01 O rei Gilgamesh, chamado de Nimrod na Bblia. O primeiro a setornar heri neste mundo. Gn 10, 9.

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    As epopias mais divulgadas no ocidente so, porm, as

    gregas A Ilada e A Odissia (escritas entre VIII e VII a.C.), ambas

    atribudas a Homero (sculo VIII a.C.) e relacionadas Guerra de Tria

    (lia, em grego). A primeira narra alguns dos episdios da guerra, dando

    maior importncia ao semi-deus Aquiles, enquanto a segunda conta a

    viagem que o heri Odisseu empreende para voltar ao lar aps o

    confronto.

    1.2 O conto maravilhoso

    O conto maravilhoso uma narrativa curta, repleta de

    prodgios e acontecimentos fantsticos. Hoje considerados histrias para

    crianas, os contos maravilhosos tm suas origens nos antigos mitos.

    Esta definio engloba as fbulas e contos de fadas das mais

    diversas origens, do continente europeu aos agrupamentos indgenas do

    Brasil.

    1.2.1 Conto de fadas

    Inicialmente designados na lngua portuguesa contos da

    carochinha, os contos de fadas ganharam o nome que utilizamos hoje ao

    longo do sculo XX, devido principalmente influncia da nomenclatura

    inglesa fairy tale. As fadas, entretanto, no aparecem na maioria destas

    histrias, que podem ser inclusive de outras civilizaes em que este ser

    fantstico nem conhecido, como os contos rabes de As Mil e uma

    Noites.

    Assim como as outras narrativas populares, os contos de

    fadas possuem enredos bem parecidos entre si, do ponto de vistaestrutural. Geralmente contam a histria de um personagem quase

    sempre algum excludo pelo seu prprio grupo que mesmo aps toda

    sorte de acontecimentos malficos, torna-se vitorioso, por meio de seus

    prprios mritos ou auxiliado por amigos e seres mgicos. Estes contos

    costumam transmitir lies e formas de conduta de maneira implcita, ao

    contrrio das fbulas, por exemplo, que possuem uma lio de moral

    destacada ao final do texto. Apesar disso, algumas verses de contos defadas possuem tambm esta moral destacada.

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    Alguns dos escritores que reuniram antigas histrias da

    tradio oral foram Charles Perrault (1628-1703), no sculo XVII, e os

    irmos Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859), no sculo

    subseqente. Os contos foram traduzidos para vrias lnguas desde ento

    e difundidos pelo Ocidente afora.

    Fig. 02 Branca de Neve em gravura de Theodor Hosemann, 1867.

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    CAPTULO 2

    CHAMADO AVENTURAComparaes entre mitos, contos de fadas e

    narrativas contemporneas

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    CAPTULO 2 CHAMADO AVENTURA: COMPARAES

    ENTRE MITOS, CONTOS DE FADAS E NARRATIVAS

    CONTEMPORNEAS

    Em muitas civilizaes no h uma separao definida entre o

    mito e o conto de fadas, afinal os dois tm a mesma origem e inmeros

    elementos semelhantes entre si.

    Provenientes da religio e dos rituais de iniciao, ambos

    tratam de questes da alma humana de forma simblica, passando

    ensinamentos que podem guiar o homem em sua jornada pela vida.

    Mas no h apenas semelhanas, h tambm grandesdiferenas nos enredos e na forma como os dois tipos de histrias so

    contados.

    2.1 Principais caractersticas do mito

    A singularidade uma forte caracterstica deste tipo de

    narrativa. Seus personagens principais e secundrios geralmente

    ambivalentes , possuem todos nomes prprios e peculiaridades que ostornam nicos. Os locais em que estas histrias se passam tambm tm

    caractersticas prprias e, em sua maioria, existem realmente. Isso se

    deve ao fato de que todo mito pretende ser verdico e completamente

    verossmil, ao menos aos olhos de seu povo.

    O heri, protagonista do mito, capaz de feitos e atitudes

    extraordinrios, praticamente impossveis de serem realizados por um ser

    humano comum. Por essa razo, o heri , no raro, um semi-deus. Sua

    histria contada do incio ao fim de sua vida, ou em alguns casos, um

    pouco antes ou depois destes fatos, sendo seu nascimento excepcional

    e/ou profetizado, e sua morte o princpio de sua existncia imortal.

    Como exemplos, podem ser destacadas as histrias do grego

    Hracles (Hrcules, em latim) e do judeu Jesus Cristo.

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    2.2 Principais caractersticas do conto de fadas

    Em oposio s faanhas admirveis da mitologia, esto as

    aes simples dos heris dos contos de fadas. Embora to fantsticos

    quanto os do primeiro caso, aqui os acontecimentos perdem a aura divina

    que os cerca e so narrados como se pudessem acontecer com qualquer

    pessoa, em qualquer lugar do mundo, a qualquer momento.

    Fig. 03 Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Mau em ilustrao de Gustave

    Dor. O lobo fala, engole de uma s vez pessoas inteiras, tem a barriga aberta enquanto

    dorme e no faz meno de acordar: o conto de fadas narra episdios fantsticos como

    fatos banais.

    Os personagens so extremamente maniquestas, sendo

    completamente bons ou completamente maus, e nem nome costumam

    ter, sendo tratados apenas pela funo que desempenham na histria

    (rei, rainha, madrasta, caador, etc.). At mesmo o prprio protagonista

    possui um nome-adjetivo (Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho) ou

    genrico (Joo, Maria).

    Outra caracterstica dessemelhante a durao da histria.

    Se o mito relata toda a vida do heri, o conto de fadas faz apenas um

    pequeno recorte, muitas vezes omitindo seu nascimento e, via de regra, a

    sua morte.

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    2.3 Principais caractersticas da narrativa contempornea

    Grande parte das narrativas contemporneas, criadas para a

    literatura, histrias em quadrinhos, cinema ou para a televiso utiliza

    elementos dos mitos e dos contos de fadas, unindo e embaralhando-os

    em uma mesma histria. Nestas histrias, no entanto, costumeira a

    preeminncia de caractersticas de um dos dois gneros.

    Nas produes predominantemente mticas, o heri moderno,

    embora possuidor de grandes poderes no mais to inatingvel quanto

    os protagonistas dos mitos antigos. Como nos contos de fadas, ele possui

    tambm sentimentos e fraquezas com as quais qualquer um pode se

    identificar, apesar das qualidades nicas que o definem. o caso de

    personagens como Tarzan, Super-Homem, Indiana Jones e Neo, por

    exemplo. Cada um destes novos heris traz consigo uma enorme

    quantidade de coadjuvantes, locais e acontecimentos, criando mitologias

    to ricas e singulares quanto s primitivas.

    Fig. 04 Em cena dos quadrinhos, Clark Kent se transforma no Super-

    Homem. Assim o heri da comunicao de massa: rene em um s indivduo o comum

    e o extraordinrio, o humano e o divino.

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    Tal qual os contos tambm, suas histrias contam apenas

    trechos de sua vida, no ela inteira e, apesar de algumas lidarem com

    fatos verdicos, no tm a pretenso de serem reais.

    J nas produes predominantemente fericas, os personagens

    possuem agora nomes prprios no necessariamente genricos ou

    ligados as suas caractersticas , e as tramas so um pouco mais

    elaboradas. Como exemplos podem ser citadosAs Crnicas de Nrnia: O

    Leo, a Feiticeira e o Guarda-roupa1 e Edward Mos-de-Tesoura2.

    Algumas das adaptaes feitas aos novos tempos, foram a

    amenizao da violncia e do contedo sexual (muito presentes em

    velhas verses dos contos), e a eterna vitria do bem contra o mal pois,

    apesar do maniquesmo, o bem nem sempre vencia nas antigas histrias.

    O que no significa que o conto tenha obrigatoriamente um tpico final

    feliz.

    Como maior contribuio dos mitos para os contos de fadas

    contemporneos, pode ser citada a jornada do protagonista, agora mais

    similar trajetria percorrida pelo heri mtico.

    1

    The Chronicles of Narnia: The Lion, the Witch, and the Wardrobe, EUA, 2005, dir.Andrew Adamson.2Edward Scissorhands, EUA, 1990, dir. Tim Burton.

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    CAPTULO 3

    ENCONTRO COM O MENTORA jornada do heri e os arqutipos

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    CAPTULO 3 ENCONTRO COM O MENTOR: A JORNADA

    DO HERI E OS ARQUTIPOS

    3.1 Pesquisadores do monomitoApesar das enormes distncias geogrficas, temporais e

    culturais existentes no planeta, as narrativas populares, em especial os

    mitos, so espantosamente similares em todas as civilizaes, existentes

    ou j extintas. Mudam-se os detalhes, os nomes e os locais, mas a

    estrutura das histrias continua sempre a mesma, o que seria

    denominado por James Joyce (1882-1941) de monomito.

    Fig. 05 O irlands James Joyce, que em 1922, escreveu o romance

    Ulisses, em referncia ao personagem principal da Odissia de Homero.

    3.1.1 Vladimir Propp

    Um dos primeiros estudos, no entanto, a tratar

    desta incrvel semelhana, foi o do lingista e folclorista

    Vladimir Iakovlevich Propp (1895-1970). Publicado em1928, seu livro Morfologia do conto maravilhoso apresenta

    uma anlise de cem contos de magia russos.

    Atravs desta pesquisa, Propp descobriu que a estrutura de

    todos os contos analisados era praticamente idntica, dividindo-a ento

    em trinta e um componentes, a que chamou de funes aes

    realizadas por distintos personagens no decorrer da narrativa. Segundo

    ele ainda, nos contos populares a seqncia das funes sempre amesma, embora algumas possam, s vezes, ser omitidas. Sem o menor

    Fig. 06

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    17

    desejo, ao menos aparente, de exceder estes estudos a outros gneros, o

    modelo proposto por Vladimir Propp, foi redescoberto na dcada de 1960,

    quando diversos estudiosos passaram a relacion-lo ao folclore de outros

    povos.

    3.1.2 Joseph Campbell

    Porm, antes da redescoberta dos estudos

    proppianos, o mitlogo norte-americano Joseph

    Campbell publicava O heri de mil faces, livro de 1949

    em que busca, assim como Propp, a histria oculta

    presente nas narrativas primitivas.

    Mas ao contrrio de seu antecessor, Campbell analisa mitos de

    origens completamente distintas, de civilizaes de partes diversas do

    globo, provando que a jornada do heri, modo como ele chama o

    monomito, est presente em culturas que no poderiam, de forma

    alguma, ter tido contato entre si. Tambm como Morfologia do conto

    maravilhoso, a obra de Joseph Campbell no ganhou destaque poca

    de seu lanamento, somente alcanando o merecido prestgio anos

    depois, desta vez graas ao cinema.

    Baseando-se nos estudos do mitlogo, o cineasta George

    Lucas (1944- ) criou seu prprio mito moderno, a saga de Guerra nas

    estrelas3, grande campe de bilheteria, que mostrou Hollywood uma

    possvel frmula para filmes de sucesso, potencializada ainda mais aps

    o trabalho de Christopher Vogler.

    3.1.3 Christopher VoglerVogler, tambm norte-americano, era na

    dcada de 1980, um analista de roteiros dos estdios

    Walt Disney, que utilizava as idias contidas nO heri de

    mil faces para verificar a qualidade tcnica das histrias,

    fazendo sugestes que poderiam melhorar a relao do

    pblico com a futura produo. A partir destas idias, publicaria ento A

    3Star Wars, EUA, 1977, dir. George Lucas

    Fig. 08

    Fig. 07

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    jornada do escritor, livro lanado originalmente em 1993 no qual adapta a

    jornada do heri forma hollywoodiana de contar histrias.

    3.2 A jornada do heri

    Um heri, vindo do mundo cotidiano seaventura numa regio de prodgios sobrenaturais; aliencontra fabulosas foras e obtm uma vitria decisiva;o heri retorna de sua misteriosa aventura com o poderde trazer benefcios aos seus semelhantes.

    4

    desta maneira que Joseph Campbell resume a jornada do

    heri, o monomito presente em todas as culturas. Ainda segundo o

    pesquisador, esta grande jornada percorrida por Prometeu, Moiss, pelo

    Buda ou pelo Jurupari5 pode ser dividida em trs grandes estgios.

    No primeiro estgio, o da separao ou partida, algo arranca

    violentamente o heri de sua vida cotidiana e o joga em direo

    aventura. Moiss, descendente dos escravos hebreus, recebe a misso

    de libertar seu povo. O Jurupari, aclamado chefe da tribo, necessita da

    pedra nanacypara fazer valer sua condio de nobre.

    No segundo estgio, provas e vitrias da iniciao, o heri

    enfrenta toda sorte de perigos como o embate travado entre Moiss e oFara e o percurso de Jurupari at a Serra do Gancho da Lua ,

    chegando com dificuldade ao ltimo estgio.

    No retorno e reintegrao sociedade, o protagonista do mito

    sai do mundo especial em que estava e volta sua comunidade, mais

    experiente e bem preparado, trazendo benefcios a todos. Moiss e

    Jurupari retornam do encontro com Deus portando as leis que governaro

    seus povos com a sabedoria divina.Na jornada do heri mitolgico de Joseph Campbell, as trs

    grandes fases descritas acima podem ser subdivididas em passos

    menores, totalizando dezessete pequenas etapas percorridas ao longo de

    toda a jornada.

    4

    Joseph Campbell in O heri de mil faces, p. 365 Figura mitolgica presente em vrias tribos indgenas do Brasil. Conhecida tambmcomo Anhang.

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    Fig. 09 Diagrama da jornada do heri mitolgico segundo Joseph

    Campbell

    O esquema proposto por Campbell foi, mais tarde, adaptadopor Christopher Vogler s narrativas atuais apresentadas no cinema e na

    televiso. Como mostrado na tabela abaixo, os trs grandes estgios

    tornaram-se os trs atos do clssico roteiro linear e os dezessete passos

    menores foram reduzidos a doze.

    O HERI DE MIL FACES A JORNADA DO ESCRITOR

    Partida Primeiro ato

    Mundo comumChamado da aventura Chamado aventuraRecusa do chamado Recusa do chamadoAuxlio sobrenatural Encontro com o mentorPassagem pelo primeiro limiar Travessia do primeiro limiarVentre da baleia

    Iniciao Segundo ato

    Estrada de provas Testes, aliados, inimigosAproximao da caverna oculta

    Encontro com a Deusa ProvaoA mulher como tentaoSintonia com o PaiApoteoseA grande conquista Recompensa

    Retorno Terceiro ato

    Recusa do retorno Caminho de voltaVo mgicoResgate de dentroTravessia do limiar

    RetornoSenhor de dois mundos RessurreioLiberdade de viver Retorno com o elixir

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    Em sua obra, Vogler lembra a todo momento que este modelo

    no precisa (nem deve), ser seguido risca, que suas tcnicas deveriam

    ser empregadas parcimoniosamente e com grande sensibilidade em

    relao s necessidades de uma histria em particular.6

    A jornada do heri, contudo, pode ser uma grande aliada do

    roteirista e os passos que a compem um bom guia na hora de se criar

    uma histria.

    A seguir, mais detalhes sobre cada um destes passos.

    3.2.1 Mundo comum

    O primeiro estgio da jornada apresenta o heri e seu

    ambiente, suas caractersticas e o que faz. Em muitos casos, o

    protagonista est entediado com a mesmice de sempre ou sente-se como

    um estranho no ninho. Em O Mgico de Oz7, Dorothy se chateia com a

    vida na fazenda. Em Matrix8, Thomas Anderson, ou Neo, sente que h

    algo de errado no mundo em que vive.

    A aparente normalidade e apatia, entretanto, no persistir por

    muito tempo.

    3.2.2 Chamado aventura

    Comeada a histria, a calmaria rapidamente transformada

    em tempestade. Ou num furaco, como o que transporta Dorothy ao

    mundo maravilhoso de Oz.

    Algo de errado aconteceu, um desafio de grande risco foi

    proposto, e a interferncia do heri se faz necessria, criando o pontodetonador de toda a trama. aqui que a platia conhece o objetivo do

    protagonista. O heri conseguir salvar a princesa? Dorothy conseguir

    voltar para casa? Neo desvendar os mistrios a cerca da Matrix e, se

    necessrio, ser capaz de enfrent-la?

    6

    Christopher Vogler in A jornada do escritor, p. 227The Wizard of Oz, EUA, 1939, dir. Victor Fleming8The Matrix, EUA, 1999, dir. Larry e Andy Wachowski

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    3.2.3 Recusa do chamado

    Muitas vezes o heri hesita antes de deixar o mundo que

    conhece e partir em sua jornada. s vezes, preciso que algo ainda mais

    grave acontea, no restando outra sada a no ser seguir viagem rumo

    ao desconhecido.

    Neo no confia nos estranhos Morpheus e Trinity, que dizem

    saber toda a verdade sobre a Matrix. At que perseguido, preso e

    interrogado de maneira inslita pelo agente Smith e seus comparsas.

    Neste momento, o encorajamento e os ensinamentos de um

    mentor se fazem indispensveis.

    3.2.4 Encontro com o mentor

    O mentor tem como funo preparar o heri para enfrentar o

    desconhecido. Para isso, pode presente-lo com algum artefato que lhe

    ser til no futuro e pode, especialmente, passar-lhe toda a sabedoria e

    experincia que possui.

    Morpheus revela a Neo que a Matrix na verdade uma

    realidade virtual, forma criada pelas mquinas para controlar os seres

    humanos. Entrega-lhe ento a plula simblica com a qual o heri poder

    acordar.

    Em O Mgico de Oz, a bruxa Glinda orienta Dorothy e d a ela

    os sapatinhos de rubi, responsveis, mais tarde, pela sua volta ao lar.

    3.2.5 Travessia do primeiro limiar

    No primeiro ponto de virada da trama, o heri entra enfim no

    mundo especial, comprometendo-se de vez com sua aventura e seusobjetivos. Decide enfrentar os perigos e conseqncias decorrentes do

    problema apresentado no segundo passo da jornada, fazendo a histria

    decolar.

    Neo sai da Matrix e acorda no mundo ps-apocalptico

    dominado pelas mquinas, o mundo real. Dorothy inicia sua trilha pela

    Estrada de Tijolos Amarelos.

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    3.2.6 Testes, aliados e inimigos

    Tendo ultrapassado o limiar entre o mundo comum e o mundo

    especial, o heri se defrontar com desafios constantes, encontrando ao

    longo do caminho amigos e inimigos que, de uma forma ou de outra, o

    tornaro mais forte e mais preparado para as provaes supremas que se

    aproximam.

    Dorothy encontra seus companheiros de caminhada, o

    Espantalho, o Homem de Lata e o Leo Medroso, passando por diversos

    perigos ao lado deles. Neo passa por treinamentos e testes variados.

    Surgem novas perguntas: ser ele destinado a acabar de uma vez por

    todas com a guerra entre homens e mquinas? Ser ele o Escolhido?

    Fig. 10 Dorothy e seus amigos na desconhecida verso de 1910, The

    Wonderful Wizard of Oz, dirigida por Otis Turner.

    3.2.7 Aproximao da caverna oculta

    O heri est prestes a entrar no local mais perigoso do mundo

    especial. Em muitas histrias este o quartel-general do inimigo, onde oprotagonista precisa entrar de qualquer maneira, pois nele que se

    encontra o objeto que procura.

    Em Matrix, Morpheus foi capturado pelo Agente Smith e Neo

    parte para salv-lo. Em O Mgico de Oz, Dorothy levada para o castelo

    da malvada Bruxa do Oeste e seus amigos precisam entrar para resgat-

    la.

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    3.2.8 Provao

    A provao um momento crtico da histria. Nela o heri entra

    num confronto direto com uma fora extremamente poderosa e enfrenta a

    real possibilidade da morte. Esta morte pode ser simblica ou literal, mas

    quase nunca definitiva, culminado com a vitoriosa ressurreio do

    protagonista.

    Dorothy e seus companheiros caem na armadilha da Bruxa do

    Oeste, mas conseguem fugir usando uma vassoura voadora, rumo

    morada do Mgico de Oz. Neo, mesmo demonstrando habilidades

    excepcionais, surrado pelo Agente Smith e precisa fugir para no

    morrer.

    3.2.9 Recompensa

    Depois de renascer, o heri tem direito sua recompensa.

    Pode ser o objeto que ele procura ou algo que o deixe perto de consegui-

    lo.

    O Mgico de Oz mostra, de certa forma, ao Espantalho, ao

    Homem de Lata e ao Leo Medroso que a jornada que percorreram, na

    verdade j lhes deu tudo o que precisavam. J Neo conseguiu resgatar

    Morpheus, tendo feito proezas que ele prprio desconhecia ser capaz de

    realizar.

    3.2.10 Caminho de volta

    Comea aqui o terceiro e derradeiro ato da histria, o segundo

    ponto de virada. Nesta etapa, o heri percebe que ter de deixar o mundo

    especial e voltar ao mundo comum. Porm, ainda no derrotou porcompleto as foras do mal e continua correndo perigo, ou ainda no

    atingiu o objetivo almejado.

    O Mgico de Oz prepara um balo de ar quente para que

    Dorothy, volte para casa. No fundo, porm, a menina sabe que este no

    o caminho e acaba saindo do balo. Em Matrix, o Agente Smith ainda

    uma grande ameaa e Neo precisa det-lo, custe o que custar.

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    3.2.11 Ressurreio

    Nesta etapa h novamente um momento de morte e

    renascimento, ainda mais intenso que o primeiro, vivido na Provao. o

    clmax da trama.

    As foras do mal realizam um ltimo esforo para destruir o

    heri que, com todas as lies que aprendeu no mundo especial,

    consegue finalmente emergir vitorioso.

    Aps um novo embate de vida ou morte e,

    diante de um incrdulo Agente Smith, Neo ressuscita

    como o Escolhido. Em O Mgico de Oz, Dorothy

    percebe que a felicidade na verdade est dentro

    dela mesma.

    O heri est agora purificado,

    transformado pela aventura que viveu num novo ser,

    mais evoludo e experiente.

    3.2.12 Retorno com o Elixir

    O heri consegue finalmente retornar ao Mundo Comum,

    trazendo o elixir, aquilo que ele buscava e que direta ou indiretamente

    beneficiar a comunidade, ou o mundo todo.

    Com auxlio dos sapatinhos de rubi, Dorothy volta fazenda,

    tendo a certeza de que amada e de que no h lugar como o nosso

    lar. Neo derrota o Agente Smith (por ora) e tem-se a promessa de que,

    como Messias, poder finalmente libertar os seres humanos do jugo da

    Matrix.

    A paz foi restabelecida no universo do heri.

    No prximo item, os personagens presentes na jornada.

    3.3 Os arqutipos

    Carl Gustav Jung (1875-1961), psiclogo suo, define os

    arqutipos como fenmenos imateriais que servem como modelos para o

    desenvolvimento da psique, criando assim, padres de personalidade. Asimagens primordiais, como tambm so chamados, so personificados

    Fig. 11

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    nas narrativas populares e transformados nas figuras tpicas destas

    histrias, to recorrentes em diversas culturas quanto a prpria jornada

    mitolgica.

    H sempre os heris, chamados aventura por arautos,

    encorajados e orientados por sbios, encontrando ao longo do caminho

    alguns aliados, mas tambm guardies e viles nas sombras, prontos

    para destru-los. Cada um destes personagens desempenha uma funo

    na histria, representando aspectos distintos da personalidade humana.

    Auxiliam o heri, mesmo que de forma indireta, a se tornar uma pessoa

    completa, pois ele adquire um pouco de cada ser que encontra em sua

    trajetria.

    Fig. 12 Os arqutipos influenciam e so influenciados pelo Heri.

    Como j mencionado no captulo dois, os personagens dos

    contos de fadas tradicionais apresentam funes bem definidas. O heri sempre heri, o vilo sempre vilo. J nos mitos e nas histrias

    modernas, os personagens podem ser extremamente contraditrios,

    sendo ora bondosos, ora capazes de atos moralmente inaceitveis.

    Hrcules, por exemplo, mesmo sendo um heri, num acesso de loucura

    matou a esposa e os prprios filhos.

    Assim sendo, percebe-se que um personagem pode

    desempenhar a funo de vrios arqutipos ao longo da histria, como o

    prprio Hrcules que passa da condio de heri para a de vilo e depois

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    para heri novamente. Da mesma forma, um s arqutipo pode ser

    representado por vrios personagens ou at mesmo por algo abstrato.

    Um heri pode ter vrios mentores ou pode guardar a sabedoria dentro de

    si mesmo.

    Segundo Christopher Vogler, os arqutipos mais comuns (e

    mais teis a um roteirista) so:

    Heri

    Mentor

    Arauto

    Guardio do limiar

    Camaleo

    Pcaro

    Sombra

    Vejamos cada um deles.

    3.3.1 O Heri

    Psicologicamente, este arqutipo representa o que Sigmund

    Freud (1856-1939) chamou de ego, a parte da personalidade que acredita

    ser diferente do resto do grupo. O Heri representaria a busca pela

    identidade, para se tornar um ser humano completo e equilibrado.

    Dramaticamente, Heri algum que est disposto a se

    sacrificar por algo maior do que ele mesmo. No necessrio, no

    entanto, que seja um guerreiro, que seja homem, ou nem mesmo que

    saia de casa, pois a jornada pode acontecer em seu prprio quintal ou emsua prpria mente. O Heri pode ser homem, mulher, velho, criana, rei,

    mendigo, corajoso, covarde, guerreiro, pacifista, animal, objeto, uma

    infinidade de outras coisas. O Heri tem mil faces. Precisa, contudo, ter

    qualidades, defeitos e desejos que permitam a platia se identificar. So

    motivados pela vontade de sobreviver, de ser livre, amado, vingado, de

    reparar algo que est errado.

    No clmax da trama, porm, o Heri enfrenta inevitavelmente aiminncia da morte (real ou alegrica), mais intensa do que em qualquer

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    outro momento que possa ter havido ao longo da jornada. O Heri pode

    enfrent-la e sobreviver, mostrando que h sempre uma sada; pode

    morrer e ressuscitar, provando que ela pode ser transcendida ou pode

    ainda morrer como mrtir, oferecendo sua vida por um ideal.

    Nos contos de fadas, o heri obtm quase sempre uma vitria

    pessoal, ao passo que nos mitos o triunfo pode beneficiar toda a

    comunidade como nas histrias de Moiss, Tezcatlipoca ou Jurupari -,

    ou ainda o mundo inteiro, caso de Gautama Buda, Jesus e Maom.

    O arqutipo do Heri pode se manifestar tambm em outros

    personagens que no o protagonista, at mesmo na Sombra, que pode se

    redimir e realizar atitudes hericas. Um bom personagem, na verdade,

    aquele que possui, alm de suas caractersticas principais, um pouco de

    cada arqutipo, tornando-se assim mais complexo e convincente.

    Fig. 13 Anakin Skywalker: de Heri a Sombra.

    3.3.2 O Mentor

    O Mentor desempenha o papel do self da psicologia, a parte

    mais nobre da psique humana. Na jornada mitolgica, algum mais

    sbio e experiente que ajuda ou treina o Heri caso ele se prove digno e

    merecedor de tal -, podendo dar conselhos ou presentes mgicos que se

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    tornaro necessrios mais tarde. Por essa razo chamado por Vladimir

    Propp de doador.9

    Os mentores so muitas vezes antigos heris, que podem ter

    concludo ou no sua jornada, mas que de qualquer forma adquiriram

    conhecimento o suficiente para auxiliar e motivar o Heri em sua

    trajetria.

    Fig. 14 O personagem Mentor orienta Telmaco na Odissia.

    Sendo o protagonista muitas vezes rfo, o Mentor

    constantemente relacionado figura de um de seus pais, como a Fada-

    Madrinha em Cinderela ou o mago Merlim nas histrias do jovem Rei

    Arthur. Todavia, este arqutipo pode tambm ser abstrato, como um

    cdigo de moral e conduta interno, j absorvido pelo Heri por

    experincias ou ensinamentos passados.

    3.3.3 O Anjo

    O anjo um outro arqutipo importante, mas no mencionado

    por Christopher Vogler em sua obra.

    Sua funo guiar o Heri, fazendo com que continue em sua

    jornada. Ao contrrio do Mentor, todavia, o Anjo faz isso de maneira

    direta, como os antigos deuses gregos, capazes de manipular os homens

    com um simples movimento dos dedos. Assim sendo, este arqutipo pode

    9 Vladimir Propp in Morfologia do conto maravilhoso, p. 41

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    auxiliar o Heri levando-o pelo caminho correto, como fazia Atena, ou

    jogar contra ele ondas gigantes e monstros marinhos, como fazia

    Poseidon.

    3.3.4 O Arauto

    O Arauto representa uma funo psicolgica importante: a

    necessidade de mudana. O Heri tem uma vida aparentemente normal,

    at que surge este arqutipo, normalmente no primeiro ato da histria,

    alertando-o de que algo alterou consideravelmente o status quo. A partida

    para uma aventura se faz necessria.

    O Arauto pode ser uma figura positiva, negativa ou neutra.

    Pode ainda ser representado por um personagem que desempenha

    originalmente outro arqutipo, como um Mentor, Pcaro ou at mesmo a

    Sombra.

    3.3.5 O Guardio do limiar

    Num nvel psicolgico profundo, este arqutipo pode

    representar as neuroses, demnios ntimos que impem auto-limitaes e

    impedem o crescimento. Existem para testar o Heri, preparando-o para

    os demais perigos que viro.

    Podem ser personificados por capangas do vilo ou por figuras

    neutras do mundo especial que de alguma maneira impedem a passagem

    do Heri. Para ultrapass-los o protagonista pode se disfarar como o

    inimigo, roubando suas vestes, por exemplo. O ideal que o Guardio do

    limiar no seja derrotado, mas de certa forma incorporado, podendo at

    se tornar um poderoso aliado.

    3.3.6 O Camaleo

    O Camaleo expressa a energia do animus e da anima,

    palavras usadas por Carl Jung para representar o elemento masculino

    presente no inconsciente feminino, no caso do primeiro, e o elemento

    feminino no inconsciente masculino, no caso da segunda. Por essa razo,

    muitas vezes apresentado como algum do sexo oposto ao do Heri.

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    O personagem que representa este arqutipo finge ser

    representante de outro, confundindo os demais personagens e tambm o

    pblico. Pode mudar de aparncia ou, como mais comum, de atitude,

    exibindo sua verdadeira face, seja ela boa ou m. O arqutipo do

    Camaleo tambm pode ser momentaneamente encarnado por qualquer

    personagem da histria.

    3.3.7 O Pcaro

    Desempenhando vrias funes psicolgicas importantes, o

    Pcaro responsvel pelas mudanas e transformaes saudveis,

    apontando as bobagens e a hipocrisia. Sua funo na trama trazer o

    alvio cmico para os momentos de grande tenso, reavivando a ateno

    da platia.

    O Pcaro pode ser um aliado da Sombra, aliado do Heri ou at

    mesmo o prprio, constituindo o chamado Heri Picaresco, figura muito

    comum nos contos populares e nos desenhos animados infantis.

    Fig. 15 Pernalonga, tpico Heri Picaresco.

    3.3.8 A Sombra

    A Sombra representa traumas e culpas reprimidas no

    inconsciente, monstros na escurido que podem no apenas ameaar,

    mas destruir.

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    o vilo da histria e impe desafios constantes ao Heri, que

    por sua vez, se torna mais forte a cada problema superado. A Sombra

    desperta o que h de melhor no seu inimigo ao coloc-lo em situaes-

    limite que atentam contra a sua prpria vida ou dos seus.

    Este arqutipo pode se manifestar num nico personagem, em

    vrios, num acontecimento ou no prprio Heri, certas vezes capaz de

    atitudes egostas ou mesquinhas.

    Como os outros personagens, a Sombra que pretende ser

    verossmil tambm deve ser possuidora de defeitos, qualidades ou

    justificativas para suas aes. De seu ponto de vista, um vilo o heri

    de seu prprio mito e o heri da platia o vilo dele. 10

    10 Christopher vogler in A jornada do escritor, p 127

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    CAPTULO 4

    TRAVESSIA DO PRIMEIRO

    LIMIARA Animao

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    CAPTULO 4 TRAVESSIA DO PRIMEIRO LIMIAR: A

    ANIMAO

    A animao um meio audiovisual bastante utilizado para secontar histrias, sendo suas tcnicas empregadas nos mais diversos

    gneros narrativos. O mais comum, entretanto, seu uso em produes

    voltadas para o pblico infantil.

    Consiste em fotografar ou gravar alguma cena, sendo que na

    prxima as posies dos elementos que a compem sero ligeiramente

    alteradas. Quando estas imagens so projetadas em seqncia,

    geralmente a 24 quadros por segundo, no caso do cinema, ou 30, no casoda televiso, est criada a iluso de movimento. A esta iluso d-se o

    nome de persistncia retiniana, ou persistncia visual.

    Apesar do tempo e do trabalho utilizados pra se fazer uma

    animao, muito maiores que numa produo convencional, se bem

    aproveitados podem trazer resultados tambm muito melhores devido ao

    total controle da aparncia e movimento dos personagens e cenrios.

    O cinema de animao surgiu no incio do sculo passado11,

    mas a identidade de seu verdadeiro criador controversa e disputada

    por cineastas como o espanhol Segundo de Chomn (1871-1929), o

    francs mile Cohl (1857-1938) e os ingleses James Stuart Blackton

    (1875-1941) e Arthur Melbourne Cooper (1874-1961). Passando pelas

    trucagens de Georges Mlis (1861-1938) e pela criao dos primeiros

    longas-metragem animados - produzidos por Quirino Cristiani (1896-1984)

    na Argentina e Lotte Reiniger (1899-1981) na Alemanha , as tcnicas

    chegam aos estdios norte-americanos, responsveis pelos desenhos

    animados mais conhecidos do grande pblico.

    11 Contudo, a animao fora do cinema j existia desde o sculo XIX, atravs doschamados brinquedos ticos.

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    Fig. 16 O talo-argentino Quirino Cristiani: criou dois longas animados (em

    1917 e 1931) antes mesmo que Walt Disney comeasse o primeiro.

    A animao hoje uma grande indstria, com produtos para

    cinema, televiso, jogos eletrnicos e internet, sendo a maior parcela daproduo comercial ainda criada nos Estados Unidos (usando muitas

    vezes mo-de-obra de outros pases), mas Canad, Europa e Japo

    possuem tambm seus produtores-exportadores. Artisticamente ou com

    menor xito comercial, porm, animaes so feitas em todas as partes

    do globo.

    Embora existam tcnicas diversas como o pixilation, a

    animao com areia e os vrios brinquedos pticos (como o zootrpico eos flipbooks), as formas mais comuns, e mais utilizadas profissionalmente,

    so as animaes stopmotion (em menor escala) e em duas e trs

    dimenses.

    4.1 Animao tradicional 2D

    A animao em duas dimenses (2D), ou desenho animado,

    to conhecida que facilmente confundida pelos leigos com a prpria arteda animao.

    Em sua forma tradicional, consiste em desenhar o quadro inicial

    sobre uma folha de papel e, com auxlio de uma mesa de luz, os quadros

    subseqentes, cada um em uma folha at formar o movimento completo.

    Os desenhos so posteriormente transferidos para acetato, coloridos e

    filmados. Atualmente, algumas etapas ou at mesmo todas elas ,

    podem ser criadas ou aperfeioadas digitalmente com programas de

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    computador como o ToonZ, o Plastic Animation Paper e o conhecido

    Flash.

    O desenho animado foi difundido pelo mundo com os trabalhos

    de empresas americanas como a Warner e principalmente a Walt Disney.

    Iniciando seus experimentos em diversos desenhos de curta-metragem

    nos anos 1920 e 30, os estdios Disney tornaram-se proprietrios de um

    completo domnio tecnolgico e criativo na arte de contar histrias. A

    narrativa cinematogrfica aliada aos mitos e contos de fadas culminaram

    nos clssicos Branca de Neve e os sete anes12, Dumbo13 e Cinderela14 e

    nos mais recentesA Bela e a Fera15, O Rei Leo16e Tarzan17.

    Fig. 17 Fantasia da Walt Disney Pictures: obra de arte em forma de

    animao 2D

    Apesar dos sucessos, o desenho animado foi completamente

    abandonado pelos grandes estdios de cinema nos anos 2000, sendosubstitudo pela tcnica 3D. No entanto, continua muito presente na

    televiso, atravs de sries18 e comerciais, e na internet.

    12Snow White and the seven dwarfs, EUA, 1937, dir. William Cottrell, Wilfred Jackson,Larry Morey, Perce Pearce, Ben Sharpsteen13 Idem, EUA, 1941, dir. Ben Sharpsteen14Cinderella, EUA, 1950, dir. Clyde Geronomi, Hamilton Luske, Wilfred Jackson15Beauty and the Beast, EUA, 1991, dir. Gary Trousdale, Kirk Wise16The Lion King, EUA, 1994, dir. Roger Allers, Rob Minkoff17

    Idem, EUA, 1999, dir. Chris Buck, Kevin Lima18 Espao agora disputado pelos desenhos animados americanos e pelos japoneses,chamados de anims.

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    4.2 Animao digital 3D

    A animao 3D (trs dimenses) tem se tornado muito popular

    nos ltimos anos, sendo a tcnica preferida pelos novos animadores.

    Neste formato, totalmente produzida no computador a partir

    de programas que trabalham com algoritmos matemticos capazes de

    criar formas geomtricas variadas. Os personagens so modelados e tm

    um esqueleto articulado ligado eles, criando a animao necessria.

    Alguns dos programas mais conhecidos e utilizados para este fim so o

    Blender, o Lightwave, o 3DSMAXe o Maya.

    O ttulo de primeiro longa-metragem animado totalmente feito

    em 3D disputado pelo brasileiro Cassiopia19 e pelo norte-americano

    Toy Story20, ambos concludos em 1995. De l para c, a animao 3D

    invadiu o cinema (e a televiso em menor escala), destacando-se

    empresas como a Pixar (subsidiria da Walt Disney) e a Dreamworks.

    Esta ltima fez muito sucesso com Shrek21, animao em que debocha da

    Disney e seus contos de fadas, utilizando, contudo, a mesma jornada do

    heri da concorrente, desta vez com mscaras mais modernas.

    4.3 Animao stopmotion

    Muitas pessoas a conhecem, mas no pelo nome. Tambm

    denominada stop-action, no Brasil popularmente chamada de

    animao de massinha, devido aos seus bonecos feitos de massa de

    modelar. a animao que tem o movimento criado a partir de imagens

    estticas, como seu prprio nome sugere.

    Embora todas as tcnicas sejam essencialmente isto, ostopmotion utiliza objetos reais sendo assim, tambm uma forma de

    animao 3D. Estes objetos, sejam eles objetos comuns ou bonecos

    articulados, so movidos e fotografados quadro-a-quadro. Quando

    colocados em seqncia e na velocidade da projeo, o movimento est

    criado.

    19 Idem, BRA, 1995, dir. Clvis Vieira20

    Idem, EUA, 1995, dir. John Lasseter21 Idem, EUA, 2001, dir. Andrew Adamson, Vicky Jenson

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    Surgiu nos primrdios do cinema e , provavelmente, a mais

    antiga tcnica de animao e trucagem. George Mlis utilizava-a

    bastante em seus filmes, contando histrias inspiradas em contos

    populares, de fadas e de fico cientfica, deslumbrando o pblico e

    influenciando as vindouras geraes de animadores e cineastas. Anos

    mais tarde, a tcnica como efeito especial foi aproveitada tambm pelos

    grandes estdios de Hollywood, pioneiramente por Willis OBrien (1886-

    1962) no filme King Kong22, e depois por animadores como Ray

    Harryhausen (1920- ), de Jaso e os Argonautas23, e Phil Tippet (1951- ),

    da saga Guerra nas estrelas.

    Aos poucos a tcnica stopmotion deixou de ser utilizada em

    larga escala, mas continua sendo empregada em curtas-metragem,

    comerciais e em vrias sries de TV europias, exibidas por aqui na TV

    Cultura. Longas-metragem tambm so lanados esporadicamente, como

    O estranho mundo de Jack24 e A Noiva-Cadver25, produzidos por Tim

    Burton (1958- ), eA fuga das galinhas26 e Wallace & Gromit: a batalha do

    vegetais27, da Aardman, que de tempos em tempos reacendem o

    interesse pelo stopmotion.

    Foi esta a tcnica escolhida para criar a animao Uma

    Odissia de Natal. Outras informaes sobre o stopmotion, portanto, nos

    captulos a seguir.

    22 Idem, EUA, 1933, dir. Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack.Merian C. Coope23Jason and the Argonauts, EUA, 1963, dir. Don Chaffey24 The nightmare before Christmas, EUA, 1993, dir. Henry Selick25

    The corpse bride, EUA, 2005, dir. Tim Burton e Mike Johnson26Chiken run, ING, 2000, dir. Peter Lord e Nick Park27Wallace & Gromit: The curse of the were-habbit, ING, 2005, dir. Steve Box e Nick Park

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    PARTE II

    A INICIAO

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    CAPTULO 5

    APROXIMAO DA CAVERNAOCULTA

    O projeto

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    CAPTULO 5 APROXIMAO DA CAVERNA OCULTA: O PROJETO

    Para este projeto de concluso de curso, sempre se pretendeu

    criar uma animao que utilizasse, na construo de sua histria, o

    mesmo tipo de estrutura e personagens dos antigos mitos e contos de

    fadas. Paralelo a isso, porm, havia desde meados de outubro de 2005, o

    projeto simples e descompromissado da animao stopmotion

    protagonizada por um Papai Noel de brinquedo procura de sua amada.

    No incio de 2006, os dois projetos foram ento unidos, dando ao primeiro

    deles um enredo e personagens, e ao segundo uma benfica

    complexidade, culminando em Uma Odissia de Natal.

    A idia era criar uma animao muda, livre de limitaes de

    qualquer idioma28, que no entanto, passasse ao espectador muito mais

    lies e mensagens que uma produo banal, baseada na fala.

    Disposta a vencer este desafio, a equipe de Uma Odissia de

    Natal foi composta essencialmente por mim, responsvel pelo roteiro,

    direo e pela ps-produo, e por Carolina Soares, que respondeu pela

    produo, iluminao e direo de arte. Nenhum dos dois se restringiu s

    suas funes pr-estabelecidas, claro. Outros profissionais tambm

    participaram do projeto, criando os bonecos necessrios ou parte deles.

    Nesta juno de idias, uma alterao na tcnica de animao

    foi considerada. Mas o desenho 2D, apesar de ser uma tcnica belssima,

    foi logo descartado. O enorme tempo e trabalho que seriam empregados

    inviabilizariam a produo no perodo disponvel. As alternativas ficaram

    ento nas duas outras tcnicas mais habituais: o antigo stopmotion e onovo 3D digital.

    Apesar de ser to trabalhosa quanto o desenho animado, a

    animao 3D foi a primeira opo escolhida, pela sua maior valorizao

    no mercado atual e pelas possibilidades infinitas na criao de cenrios,

    modelagem dos personagens, movimentao dos mesmos e das

    28 Dentro do circuito comercial, algo j feito com xito pelos estdios Walt Disney, na

    dcada de 1930 em suas Silly Simphonies e depois nos clssicos Fantasia e Fantasia2000. Mais recentemente Genndy Tartakovsky, atravs do Cartoon Network, criou algoparecido: Samurai Jack.

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    cmeras. A impossibilidade de algum que a fizesse de maneira

    satisfatria, porm inviabilizou-a da mesma forma.

    O stopmotion foi tido ento como a melhor escolha, sem dvida,

    para fazer o que se pretendia: que tudo fosse extremamente realista,

    criando a sensao de que esta histria pode realmente existir, se

    passando no mundo real, numa casa real e comum, com bonecos idem.

    Pois afinal, como j discutido, assim um conto de fadas: pode acontecer

    em qualquer lugar, at mesmo na sua casa. Das trs tcnicas

    consideradas e a despeito de algumas opinies , o stopmotion

    tambm a de mais fcil aplicao e, desde que produzida com os devidos

    conhecimentos e ferramentas, resulta numa animao que no deve em

    nada s criadas de outro modo.

    Independente da tcnica empregada, dos outros detalhes e, ao

    mesmo tempo completamente condicionado a tudo isso, a meta era

    talvez acima de tudo contar uma boa histria.

    5.1 A histria

    No ms de dezembro, a Mame e o Papai Noel de brinquedo

    so retirados da caixa na qual permaneceram durante todo o ano,

    causando a ira do Marionete29 que v ser usurpado o seu lugar no criado-

    mudo. Este ano, porm, algo inesperado aconteceu: a Mame Noel est

    quebrada e foi novamente guardada na caixa! Agora, o Papai Noel

    precisar enfrentar todo tipo de perigos e armadilhas do Marionete para

    tentar chegar do outro lado do quarto e salvar sua amada.

    Como pode ser visto na premissa acima, Uma Odissia de

    Natal conta a jornada do pequeno e frgil Papai Noel de brinquedo em

    busca de sua companheira, afastada dele por um acaso do destino.

    29 Embora marionete seja uma palavra de gnero feminino, aqui ela empregada deforma masculina, por ser o nome prprio do personagem.

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    Alm do fascnio exercido pelos bonecos que se movem,

    pensam e sentem como qualquer ser humano30, esta animao, traz

    tambm toda a magia do Natal audiovisual.31 Para isso, a escolha foi de

    utilizar os conhecidos elementos natalinos como o pinheiro e os trajes de

    inverno da Mame e do Papai Noel, mesmo que estas sejam

    caractersticas provenientes do Natal do hemisfrio norte.

    A produo mistura tambm as diversas particularidades dos

    mitos e contos de fadas em uma nica histria. Fatos comuns e ao

    mesmo tempo grandiosos se unem para dar vida aventura do Papai

    Noel que, como Gilgamesh, Odisseu e tantos outros antes dele, precisa

    percorrer todo o mundo conhecido durante sua busca, passando por

    perigos e desafios inesperados.

    Em suma, Uma Odissia de Natal a histria de algum que

    luta por seus ideais.

    5.1.1 Mundo Comum

    Neste primeiro estgio da odissia, necessrio mostrar o

    mundo comum e montono que mais tarde ser contrastado com o

    perigoso mundo especial.

    Tudo est em seu devido lugar e a Mame e o Papai Noel

    esto juntos. Como em todo dia de So Nicolau, sero colocados sobre o

    criado-mudo, desalojando assim o Marionete, que considera o mvel

    como seu castelo. Este ano, porm, algo diferente ir acontecer.

    5.1.2 Chamado aventura

    Tudo o que mover a histria acontece aqui.

    30 Produes em que brinquedos ganham vida quando esto sozinhos existem h muitotempo. Ainda no incio do sculo passado, Arthur Melbourne Cooper produziu o pioneiroDreams of Toyland e Ladislaw Starevicz (1882-1965), animador do leste europeu regio em que at hoje o stopmotion muito querido , criou e popularizou a animaode bonecos, influenciando diversos cineastas como Tim Burton. Starevicz criouanimaes consideradas estranhas e grotescas, sendo a mais famosa O mascote. Nela,um boneco-cachorro atravessa o inferno e luta contra o prprio Diabo pela posse de umalaranja (!). Recentemente, os exemplos mais bem sucedidos de uma histria de

    brinquedos so Toy storye Toy story 2.31 Que muitas vezes difere bastante da nossa cultura tropical, mas que o que todos jse acostumaram a ver e pensar quando se fala nesta data.

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    A Mame Noel est quebrada e foi novamente guardada na

    caixa. Ao despertar, Papai Noel a v, do outro lado do quarto. Para um

    ser to diminuto, a distncia imensa e o armrio uma grande montanha,

    mas ser necessrio busc-la, custe o que custar.

    Enquanto isso, o arauto da mudana fez outra visita: o

    Marionete acorda e percebe que o Papai Noel usurpou seu lugar. Ele

    decide recuperar o trono.

    5.1.3 Recusa do chamado

    A falta da Mame Noel um fato de tal magnitude que no d

    margem a recusas. O Papai Noel estando disposto a se lanar aventura

    se torna, desta forma, um heri voluntrio como denomina Christopher

    Vogler32 ou um heri-buscador como define Vladimir Propp33.

    Inicialmente de maneira comedida, verdade, ele busca o melhor

    caminho e a melhor soluo.

    Ao mesmo tempo, quem tambm no tem dvidas quanto ao

    seu prprio chamado aventura o Marionete, que pretende fazer o

    Papai Noel pagar caro.

    5.1.4 Encontro com o mentor

    O mentor do Papai Noel, o que o d foras para seguir adiante,

    na verdade est dentro dele: o amor que ele sente pela Mame Noel.

    Simples assim.

    5.1.5 Travessia do primeiro limiar

    Como diz Vogler, heris e viles em conflito so como trensque avanam um de encontro ao outro, em rota de coliso.34 E neste

    momento que o heri e o vilo de Uma Odissia de Natalse encontram.

    O Marionete volta ao criado-mudo

    e empurra covardemente o Papai Noel em

    direo morte certa, ao Crocodilo guardio

    32

    Christopher Vogler in A jornada do escritor, p. 17533 Vladimir Propp in Morfologia do conto maravilhoso, p. 4034 Christopher Vogler in A jornada do escritor, p. 124 Fig. 18

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    do limiar. Como no fosso de um antigo castelo medieval, o feroz animal

    avana sobre o Papai Noel e o engole. O Marionete, sentindo-se

    vencedor comea a dormir.

    Mas o Papai Noel consegue bravamente sair de dentro do

    Crocodilo. E, embora saia no mesmo local onde entrou, a situao mudou

    e ele j est no mundo especial. Porm, ao cair da cama ele estar

    definitivamente no submundo, sem aparente possibilidade de volta.

    5.1.6 Testes, aliados e inimigos

    O Papai Noel est agora no estranho e apavorante mundo

    debaixo da cama, lar do lixo e dos excludos do bonito e claro mundo da

    superfcie. uma verdadeira descida terra dos mortos.

    Neste lugar nosso heri ir se defrontar com muitos desafios,

    sendo o principal deles seu prprio medo. Encontrar tambm as

    Bonecas Desvairadas, habitantes loucas do submundo.

    5.1.7 Aproximao da caverna oculta

    Ao se livrar das Bonecas Desvairadas o Papai Noel estar

    prximo do centro, lugar mais perigoso, do mundo especial. Ele ir se

    deparar com o que a enorme quantidade de teias j denunciava: a

    presena de muitas e terrificantes aranhas. Mas no final das contas, elas

    parecem no representar muito perigo.

    O que o Papai Noel no sabia que elas possuem uma me,

    descomunal e que parece no estar nada contente.

    5.1.8 - ProvaoNesta etapa de sua odissia, o Papai Noel enfrentar a mais

    poderosa fora do mundo especial: a Aranha-Me. Ela anda em sua

    direo, o heri cai e parece no haver escapatria. Mas, num completo

    anti-clmax, a Aranha se mostra na verdade bondosa, passa por ele sem

    lhe fazer mal algum e guia-o para fora do submundo.

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    Fig. 19 - Crise retardada em Uma Odissia de Natal. A provao junto ao

    clmax (ressurreio) aproxima a estrutura da trama Razo urea que, segundo

    alguns, produz os resultados mais agradveis da Histria da Arte.

    5.1.9 Recompensa

    Este um momento de celebrao. O Papai Noel sobreviveu

    morte e sai de baixo da cama. Ele agora amigo das aranhas, venceu o

    medo e descobriu que as aparncias enganam, afinal o aparentemente

    alegre Marionete na verdade um ser maligno e as arrepiantes aranhastm bom corao. Ele ganha ento sua recompensa: uma teia pela qual

    poder subir no armrio e finalmente resgatar a Mame Noel.

    5.1.10 Caminho de volta

    Aqui o Papai Noel passa pelo ltimo limiar, conseguindo subir

    no armrio e desejando voltar com a Mame Noel para o criado-mudo.

    Deste mvel, porm, o Marionete acorda e v que seu inimigo ainda est

    vivo.

    5.1.11 - Ressurreio

    o clmax da histria, o ltimo e mais perigoso encontro do

    heri com a morte. O Marionete tambm subiu no armrio e pretende

    acabar com o Papai Noel de uma vez por todas. Este, por sua vez, sabe

    que ser necessrio enfrentar o vilo.

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    Fig. 20

    O heri tenta primeiro a fora bruta, em vo. Age ento com

    habilidade e astcia, e o Marionete cego pelo dio , acaba caindo

    dentro de uma caixa, preso definitivamente. Foi o responsvel por suaprpria runa.

    5.1.12 Retorno com o elixir

    Tendo vencido o Marionete e os outros perigos, o Papai Noel

    volta ao criado-mudo. Tudo parece estar como antes... Mas no est.

    Dentro do heri h algo diferente.

    O Papai Noel aprendeu que existem seres malficos, queexistem as dificuldades, mas que, tendo coragem, fora de vontade e

    dedicao, at um ser pequeno e frgil como ele pode se tornar vitorioso.

    Fig. 21 Diagrama da jornada do heri segundo Christopher Vogler.

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    5.2 Os personagens

    Os personagens de Uma Odissia de Natal, como nos contos

    de fadas, tm nomes genricos, nomes que apenas explicitam suas

    caractersticas ou funes. Com exceo claro da Mame e do Papai

    Noel, figuras mitolgicas j existentes. Fica evidente, no entanto, que eles

    no so os personagens reais, apenas brinquedos/enfeites que os

    representam.

    Mais detalhes sobre eles, os outros personagens e os

    arqutipos que representam nos prximos itens.

    5.2.1 Papai Noel

    O Papai Noel de brinquedo, representante do arqutipo do

    Heri, teria todos os motivos do mundo para ser invejoso e rancoroso,

    afinal permanece onze longos meses enclausurado numa pequena caixa,

    no alto do armrio. Apesar disso nobre e de bom corao, e no ms de

    dezembro ganha seu merecido destaque, trazendo a alegria e o esprito

    do Natal para o quarto. Neste ano, todavia, para tentar resgatar sua

    amada, precisar se aventurar por um mundo completamente

    desconhecido e perigoso.

    Mesmo sendo um simples enfeite de Natal, o Papai Noel possui

    uma personalidade extremamente humana, que faz com que a platia se

    identifique com ele e sua causa.

    Sua expresso abobalhada e seu jeito de quem no sabe o que

    fazer o caracterizam tambm como um Heri Picaresco. Suas primeiras

    reaes so quase sempre hesitantes e fugidias, mas quando v que no

    h sada, ele enfrenta a situao, encontrando coragem e fora quenunca pensou ter. Ao final da odissia ter completa e merecida

    confiana em si mesmo.

    Antes disso, porm, e da incrvel distncia que ter de

    percorrer, o Papai Noel precisar enfrentar a ira do Marionete.

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    5.2.2 - Marionete

    Com sua aparncia de Pcaro, o Marionete na verdade a

    Sombra da histria. Embora seja um bobo da corte, acredita que um

    verdadeiro rei, maltratando os Brinquedos do Ba e governando o quarto

    com mo-de-ferro.

    Ver a chegada do Papai Noel como uma terrvel ameaa ao

    seu reinado e partir em busca de vingana. Para tal, poder contar com

    o auxlio de sua fora, do cordel que possui nos braos e que utiliza

    como ferramenta ou como arma , ou com o feroz Crocodilo, seu bichinho

    de estimao.

    5.2.3 Crocodilo

    Ao ser jogado no fosso pelo Marionete, nosso heri se

    defrontar com o mortal Crocodilo, animal que neste caso personifica o

    Guardio do limiar.

    Ajudante do vilo em seu intento de eliminar o Papai Noel, o

    Crocodilo ironicamente e involuntariamente , ir fazer um favor ao

    inimigo. Sendo engolido, o Papai Noel de certa forma se torna o prprio

    Guardio do limiar, atravessando a fronteira e, aps sair, consegue

    prosseguir em sua jornada sem que o Marionete saiba ou o importune.

    5.2.4 Bonecas Desvairadas

    Habitantes do ps-apocalptico mundo debaixo da cama, as

    Bonecas Desvairadas so completamente... Desvairadas.

    So tambm representaes do Pcaro, e trazem um alvio

    cmico entre as dramticas cenas onde o Papai Noel enfrenta o Crocodiloe a Aranha-Me.

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    Fig. 22 As Bonecas Desvairadas

    5.2.5 Aranha-MeApesar de no ferir ou ameaar o Papai Noel em momento

    algum, o heri (e a platia) a tm com um ser maligno. A Aranha-Me,

    contudo, personifica o arqutipo do Camaleo e se mostra dcil e

    prestativa.

    Mesmo morando no submundo, parece ter conhecimento do

    que se passa na superfcie, aparentando uma certa inimizade com o

    Marionete e apreo pelo Papai Noel. Presenteia-o inclusive com a teia,artefato especial que o levar at o alto do armrio. Pode ser considerada

    por isso, uma espcie de Mentor.

    Fig. 23 Aranha-Me

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    5.2.6 Mame Noel

    Gentil e bondosa, ela a inseparvel companheira do Papai

    Noel. Inseparvel at ter uma pequena parte de seu gorro quebrada e ser

    novamente guardada no alto do armrio, do outro lado do quarto.

    o Santo Graal, o motivo que impele o Papai Noel a seguir

    adiante.

    5.2.7 Mulher

    A Mulher representa o arqutipo do Anjo. Como uma deusa do

    Olimpo, manipula os demais personagens da histria como bem quer,

    alterando todo o status quo.

    a responsvel por separar o Papai da Mame Noel, mas

    tambm por consert-la.

    5.2.8 Brinquedos do Ba

    Os brinquedos do ba no existiam quando o roteiro foi escrito,

    mas possibilidades de incluso de bonecos secundrios foram sempre

    consideradas.

    Com eles a platia pode rir, chorar e torcer, o Marionete ganha

    algum em quem bater e, consequentemente, a vitria do Papai Noel se

    torna muito mais nobre, trazendo um benefcio para todo o quarto.

    Fig. 24 Brinquedos do Ba

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    5.3 O roteiro

    A simples histria do vindouro produto audiovisual no pode

    ainda ser chamada de roteiro. Para tal, deve utilizar-se algumas regras e

    convenes que facilitam o trabalho de quem o l, de toda a equipe e do

    prprio roteirista.

    Roteiros so altamente objetivos e descritivos. a histria

    contada em imagens (e dilogos, quando h), e deve-se escrever

    somente o que visto na tela, nada que fique subentendido, no

    expresso em aes ou palavras.

    Como padro de formatao de roteiro tem sido muito usado o

    master scenes, tanto em TV quanto em cinema. Criado em Hollywood,

    tambm chamado de standard format, spec scriptou ainda padro WGA

    (sigla em ingls para Sindicato dos Roteiristas Americanos). O master

    scenes foi a formatao utilizada na criao do roteiro de Uma Odissia

    de Natal, disponibilizado a seguir.

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    UMA ODISSIA DE NATAL

    FADE IN:

    1. INT. QUARTO DIA

    H no quarto, uma cama e um criado-mudo. Do ladooposto, um armrio e uma janela, e fixado no teto, umventilador. Todos os mveis so de madeira. A janela ea porta esto fechadas, deixando o ambiente numa levepenumbra.

    CMERA ANDA at o criado-mudo. Em cima dele, do ladoesquerdo, est sentada uma MARIONETE parecida com umcoringa ou um bobo da corte. Amarrado em cada mo, elapossui um CORDEL, e na outra extremidade deste cordel,

    um PEDAO DE MADEIRA. O cordel da mo direita estsolto, e o da mo esquerda, enrolado no respectivobrao. Ao lado desta marionete, h um CALENDRIO DEPAPEL em que cada folha marca apenas um dia. O diamarcado 5 de dezembro.

    Uma MULHER ENTRA e pra na frente do criado-mudo. Somde PAPEL SENDO RASGADO. A mulher sai da frente docriado-mudo e, poucos instantes depois, percebe-se quea janela foi aberta, iluminando o quarto. Com aclaridade, pode-se ver com mais nitidez que o

    calendrio marca agora 6 dezembro dia de SoNicolau.

    A Mulher, que nunca mostrada de rosto ou de corpointeiro, pega uma CAIXA VERDE que se encontra no altodo armrio, ao lado de uma pequena CAIXA VERMELHA e deoutras de vrios tamanhos e cores. Em seguida, pega amarionete e retira-o de cima do criado-mudo, colocando-o no cho.

    O Marionete olha bravo para a Mulher. No est contente

    com sua nova situao.

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    A Mulher abre a caixa verde que est em suas mos e vaicolocando seu contedo sobre o criado-mudo: uma pequenaRVORE DE NATAL e um PAPAI NOEL de cermica. Retira emseguida uma MAME NOEL tambm de cermica, que,entretanto, est quebrada. A parte de cima de seu gorro

    est faltando.

    Sobre o criado-mudo, perto do calendrio, a Mulhercoloca a caixa verde e retira desta a PARTE QUEBRADA dogorro. Com certa insistncia, ela tenta unir os doispedaos. No consegue e guarda a parte quebrada em umdos bolsos de sua cala. Guarda tambm a Mame Noel,novamente na caixa, e a caixa novamente em cima doarmrio. A Mulher SAI. O quarto fica em completosilncio, sem o menor movimento.

    2. INT. QUARTO DIA

    Em cima do criado-mudo, continua o esttico Papai Noelde cermica. Ele acorda, piscando os olhos algumasvezes e sacudindo a cabea para a direita e para aesquerda.Olha para os lados direito e esquerdo e no v a MameNoel. Olha para todos os lugares a sua volta, como seestivesse procurando-a. Olha ento para o outro lado doquarto, em cima do armrio.

    Papai Noel v a caixa, com a tampa ligeiramentelevantada e apenas a cabea da Mame Noel para fora.Ele se surpreende por v-la to longe e pisca algumasvezes, como que para ter certeza de que o que estvendo real. Mame Noel est triste e levanta seubrao, acenando para ele.

    Ao se certificar do problema, Papai Noel faz ummovimento com a cabea, como um sinal afirmativo dequem sabe o que deve ser feito.

    INSERT CHO DO QUARTO

    Olhando raivosamente para o Papai Noel, est oMarionete.Com sua mo direita ele segura o cordel que a movimentae comea a gir-lo. Em seguida, joga-o para o alto,prendendo o pedao de madeira na rvore de Natal.

    VOLTA CENA

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    O Papai Noel olha para todos os cantos, procurandoalguma maneira de chegar at o armrio. Atrs delesurge o Marionete, que subiu pelo cordel.

    O Marionete se aproxima do Papai Noel, sem que este operceba, e cutuca seu ombro. Papai Noel se vira e v oMarionete com um sorriso falso no rosto. Papai Noeltambm sorri. A face do Marionete ento se transformaradicalmente e, com dio, ele empurra violentamente oPapai Noel. Mame Noel, vendo tudo, se apavora.

    Papai Noel se desequilibra e, estando prestes a cair docriado-mudo, se segura num GALHO da rvore de Natal. Ogalho, no entanto, se quebra e Papai Noel acaba caindoem cima da cama. Ele se levanta atordoado pela queda,

    ainda com o galho na mo.

    Com um sorriso malvolo, o Marionete joga seu cordel emdireo cama, prendendo o pedao de madeira noTRAVESSEIRO. Ele puxa o cordel, e o travesseiro seeleva. L embaixo, tudo est escuro.

    Papai Noel olha apreensivo. O Marionete continua comseu sorriso malvolo. Mame Noel observa tudo e ri asunhas.

    De baixo do travesseiro sai um feroz CROCODILO depelcia, assustando o Papai Noel. O Crocodilo corre emsua direo. Mame Noel se apavora ainda mais.

    O Papai Noel tenta se defender com o galho, usando-ocomo uma espada. O Crocodilo, no se intimida, continuaavanando e, num rpido bote, engole de uma s vez oPapai Noel.

    A Mame Noel est boquiaberta, chocada, e comea achorar. O Marionete solta uma grande gargalhada. O

    Crocodilo fecha os olhos e passa a lngua nos beios,satisfeito com a refeio.

    O Marionete, ainda sorrindo, senta-se e aos poucosadormece. Mame Noel, chorando, volta totalmente paradentro da caixa. O quarto fica novamente em silncio,sem qualquer movimento.

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    3. INT. QUARTO/CAMA DIA

    O Crocodilo tira um cochilo aps a refeio. Derepente, sente algo estranho e faz cara de confuso.

    PLANO DETALHE OLHOS DO CROCODILOOlhos se arregalam.

    A boca do Crocodilo est agora completamente aberta e ogalho da rvore de Natal impede que ela se feche. PapaiNoel sai de dentro do Crocodilo, d alguns passos sobrea cama e se volta para ele.

    Furioso, o Crocodilo fecha a boca, quebrando o galho.

    Papai Noel d alguns passos para trs. O Crocodilosolta um grande urro, produzindo um vento to forte,que faz o Papai Noel ser jogado para fora da cama.

    INSERT CRIADO-MUDO

    Com todo o barulho vindo da cama, o Marionete fazmeno de acordar, mas logo adormece novamente.

    4. INT. QUARTO/DEBAIXO DA CAMA DIA

    Apesar de ser dia, o ambiente muito escuro. Hsapatos, caixas, sujeira e teias de aranha.

    Ainda meio tonto, o Papai Noel se levanta. Olha a suavolta, procurando saber onde est. V os simplesobjetos transformados pelo escuro em formas muitoassustadoras. Sente um arrepio de medo, mas mesmo assimcomea a caminhar, olhando para todos os lados. Ele vai

    ficando cada vez mais assombrado e anda cada vez maisrpido, at que bate de cara em alguma coisa.

    um CARRO ROSA, sem capota, extremamente velho edesgastado. Seus faris se acendem, iluminando o rostodo Papai Noel e cegando-o momentaneamente.

    No interior do carro esto duas BONECAS BARBIE,quebradas e com as roupas rasgadas. As duas olham parao Papai Noel, se entreolham, e olham para o Papai Noelnovamente, desta vez gargalhando como loucas. O MOTOR

    do carro ronca.

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    O carro avana rumo ao Papai Noel. Ele pula para olado, desviando, e comea a correr. O carro d meia-

    volta e investe novamente contra o Papai Noel. AsBonecas gargalham. Papai Noel continua correndo, atque nota a sua frente uma grande TEIA DE ARANHAimpedindo sua passagem. Ele pra de correr e se voltapara o carro. O carro tambm pra a sua frente.

    Papai Noel levanta os punhos em posio de ataque. AsBonecas, que continuavam gargalhando, vo aos poucos secalando e o pavor toma conta de seus rostos. Elas seentreolham e do um grande grito. A Boneca motoristavira o carro velozmente e sai em disparada pelo lado

    oposto ao do Papai Noel.

    CLOSE-UP PAPAI NOELPapai Noel surpreso. Um sorriso vai surgindo em seuslbios e ele parece se vangloriar. No demora muito e osorriso se esvai. Ele est confuso.

    ZOOM OUT revela que seu corpo est repleto de pequenasARANHAS. Ele entra em pnico e comea a se debater,tentando derrub-las. Ao cair no cho, as aranhas saemcorrendo.

    Quando consegue finalmente se livrar de todas asaranhas, Papai Noel levanta a cabea, que estavavoltada para baixo. Ele v olhos vermelhos apareceremna escurido. Estes olhos vo chegando cada vez maisperto. Surge ento uma enorme aranha, com cara de m, aARANHA-ME.

    Papai Noel se assusta e vira-se para correr. A teiaest a sua frente e o impede de passar. Ele empurra,mas a teia elstica e ele no consegue abrir caminho.

    Olha para trs e a Aranha-Me est cada vez mais perto,apesar de andar calmamente. Ele empurra mais,desesperado, at que finalmente a teia se rompe. Elecai para frente, rolando.

    Ainda no cho, o Papai Noel comea a se arrastar paratrs, tentando fugir. A Aranha-Me passa pela teia c