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Jade Laís de Sousa UMA NOVA ÓTICA DO SISTEMA CARCERÁRIO PAULISTA Centro Universitário Toledo Araçatuba 2016

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Jade Laís de Sousa

UMA NOVA ÓTICA DO SISTEMA CARCERÁRIO PAULISTA

Centro Universitário Toledo

Araçatuba

2016

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Jade Laís de Sousa

UMA NOVA ÓTICA DO SISTEMA CARCERÁRIO PAULISTA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como

requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em

Direito à Banca Examinadora do Centro Universitário

Toledo, sob a orientação do Prof. Ms. Thiago de Barros

Rocha.

Centro Universitário Toledo

Araçatuba

2016

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BANCA EXAMINADORA

_____________________________________

Prof. Thiago de Barros Rocha

_____________________________________

Prof. Jefferson Jorge da Silva

_____________________________________

Prof. Luiz Gustavo Boiam Pancotti

Araçatuba, 03 de outubro de 2016.

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Aos meus pais, Jorge e Marta, ao meu irmão

Breno e à minha avó Maria, dedico.

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AGRADECIMENTO

Primeiramente, agradeço a Deus, Senhor da minha vida, que me sustentou durante

toda essa trajetória e me permitiu chegar até aqui.

Aos meus pais, fonte de toda a inspiração para eu perseguir em busca de uma

graduação e melhor formação acadêmica e moral, visto que me ensinaram desde os

primórdios todos os valores enquanto pessoa e o quanto devo lutar em prol da concretização

de meus objetivos.

Ao meu irmão, Breno, embora pequeno, conseguiu admirar muito além de minha

capacidade, me encorajando a ser melhor que ontem e muito mais que amanhã.

A minha avó, Maria Aparecida, que permaneceu fiel a mim com suas orações e

trabalhos dispendidos, com constância, quando os estudos me impossibilitavam de realiza-los.

Ao meu namorado Richard Hideaki que compartilhou comigo todos os bons e maus

momentos de uma carreira em ascensão, até mesmo as ansiedades, desesperos e superações.

Ao meu orientador e mestre o qual admiro e quem prontamente me atendeu e

cooperou para a concretude dessa obra.

A todos que de alguma forma contribuíram para que eu chegasse até aqui, o meu

muito obrigada.

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"A justiça absoluta só pode emanar de uma

autoridade transcendente, só pode emanar de

Deus." (Hans Kelsen).

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RESUMO

Em face do aumento crescente e acelerado da grande população carcerária e,

consequentemente, dos Centros Penitenciários Comuns, eis que surgiu uma Nova Ótica do

Sistema Carcerário Paulista, os Centros de Ressocialização (CR’s), cuja proposta tem como

escopo ressocializar e integrar o indivíduo no plano social, como forma de diminuir o índice

da criminalidade, bem como o numerário carcerário. Os Centros de Ressocialização

representam uma inovação do Estado de São Paulo e tem obtido resultados satisfatórios que

merecem atenção do Poder Público e devem ser usados para os presos que iniciaram no crime.

Palavras-Chave: População Carcerária; Centros de Ressocialização; Ressocialização;

Integração.

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ABSTRACT

In the face of growing and fast increase of the large prison population and, consequently , the

Common Correctional Centres , behold, a New Optical 's Prison Paulista System, the

resocialization centers (CR 's) , whose proposal has the objective to re-socialize and integrate

the individual in social plan as a way to reduce the crime rate and the cash prison .The

resocialization centers represent an innovation in the State of São Paulo and has obtained

satisfactory results that deserve attention of the government and should be used for prisoners

who initiated the crime.

Keywords: Prison Population; Resocialization Centers; Resocialization; Integration.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10

I – DAS PENAS....................................................................................................................... 11

1.1 A Pena na cultura dos Povos Primitivos............................................................................. 12

1.2 Concepção Primitiva da Punição e Vingança de Sangue.................................................... 15

1.3 A Vingança Divina.............................................................................................................. 16

1.4 A Vingança Pública.............................................................................................................17

1.5 Período Humanitário........................................................................................................... 18

1.6 Finalidades da Pena............................................................................................................. 18

1.6.1 Teoria Absolutista ou Retribucionista.............................................................................. 20

1.6.2 Teorias Relativas ou Preventivas da Pena........................................................................ 21

1.6.2.1 A Prevenção Geral.........................................................................................................23

1.6.2.1.1 A Prevenção Geral Negativa...................................................................................... 23

1.6.3 A Prevenção Especial....................................................................................................... 24

II – CONSEQUÊNCIAS DO CÁRCERE ............................................................................ 26

2.1 Superlotação ....................................................................................................................... 26

2.2 Reincidência Carcerária ...................................................................................................... 29

2.3 Preso e Sociedade ............................................................................................................. 30

III – DO CENTRO DE RESSOCIALIZAÇÃO: A NOVA ÓTICA DO SISTEMA

CARCERÁRIO PAULISTA ................................................................................................. 33

3.1 Definição de Centro de Ressocialização ............................................................................ 33

3.2 Características do Centro de Ressocialização ............................................................... .....34

3.3 Da Assistência ............................................................................................................... .....34

3.3.1 Assistência Material ........................................................................................................ 36

3.3.2 Assistência à saúde ..................................................................................................... .....39

3.3.3 Assistência Jurídica ......................................................................................................... 40

3.3.4 Assistência Educacional ............................................................................................ ......41

3.3.5 Assistência Social ...................................................................................................... ......42

3.3.6 Assistência Religiosa ....................................................................................................... 44

3.7 Dos objetivos e funções do Centro de Ressocialização ............................................ ..........44

3.8 Do Labor ............................................................................................................................. 44

3.8.1 Remunerações fruto do labor .................................................................................. .........46

3.9 Outras Características do Centro de Ressocialização ......................................................... 47

3.9.1 Interação entre os presos e os profissionais ..................................................................... 48

3.9.2 Chamamento Nominal ..................................................................................................... 48

3.9.3 Dignidade da Pessoa Humana ......................................................................................... 48

3.10 Histórico do Centro de Ressocialização de Araçatuba/São Paulo ................................ ....50

3.11 Dos requisitos para inserção do preso ao Centro de Ressocialização .............................. 52

3.12 Dos Resultados obtidos através da Ressocialização ......................................................... 53

CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 54

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 56

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como escopo a abordagem da problemática vivida no atual

estágio da sociedade em contrapartida ao novo modelo ressocializador desenvolvido pelo

Estado de São Paulo. A metodologia utilizada é extraída de visitas “in loco”, de obras

doutrinárias, bem como, da análise jurisprudencial para se ter uma ampla visão acerca do

tema em tela.

O primeiro capítulo tratou das Penas desde a cultura dos Povos Primitivos, suas

evoluções em Vingança Divina, Vingança Pública, até o Período Humanitário, bem como as

finalidades da pena e suas teorias, ou seja, as teorias Absolutistas, Relativas e, por fim, suas

subdivisões, em Prevenção Geral, Prevenção Geral Negativa e, em Prevenção Especial.

Em seguida, no segundo capítulo, trouxe à tona os principais problemas que assolam a

população carcerária e refletem na sociedade como um todo, ou seja, a Superlotação

carcerária, a Reincidência decorrente da ausência de Políticas Públicas e trabalhos técnicos

desenvolvidos por profissionais habilitados e, por fim, a relação entre Preso e Sociedade, no

quesito reinserção social, uma das mais difíceis, após o período prisional.

Em última análise, no terceiro capítulo, tratou-se do tema propriamente dito por meio

de informações colhidas quando das sucessivas visitas ao Centro de Ressocialização de

Araçatuba - São Paulo, juntamente com o acervo de livros. A saber, neste capítulo foram

englobadas definições de Centro de Ressocialização, características, assistência e suas

espécies, dos objetivos e funções, dos trabalhos e suas remunerações, histórico do CR de

Araçatuba, requisitos de inserção de detentos à unidade e os resultados obtidos através dos

Grupos Operativos desenvolvidos nas Centros de Ressocialização.

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I - DAS PENAS

Para o estudo em questão, é preciso analisar suas origens, a fim de compreender como

surgiu tal realidade do mito punitivo nos grupos de indivíduos primitivos e suas evoluções ao

longo da história. Nesse sentido, faz-se necessário visualizar como se deu a substituição das

formas de castigo para um poder central, este que será o responsável por sua aplicação e

execução.

Afirma Alípio de Sousa Filho (2008, p.05):

Não podemos deixar de reconhecer a existência de uma relação entre o fenômeno da

aceitação dos castigos, tortura e penas de mortem, em diversas sociedades, e o

fenômeno, comum a todas essas sociedades, de produção de representações sociais

de culto à Ordem como natural, necessária e inevitável, de que nascem os mitos

legitimadores dos castigos que merecem todos aqueles que atentam contra o

instituto, o estabelecido.

Em outras palavras, esses castigos visam fomentar medo nos indivíduos de uma

sociedade, como forma de obstar que esses violem o que os ditames das normas sociais, ou,

até mesmo, descumpram as vontades dos deuses, daqueles que compõem o poder central e

demais autoridades. Cumpre também salientarmos para esse estudo sobre o mito de castigos

provenientes das culturas arcaicas, as diferenciações entre o homem arcaico e o atual, bem

como suas diversas percepções. No entendimento de João Bernardino Gonzaga (2008, p.07):

Enquanto o homem civilizado dispõe de grande massa de informações (ou pelo

menos tem meios de suspeitar a sua existência), que lhe dão nítida e tranquilizadora

compreensão da trama causal que governa os fenômenos naturais –, o primitivo vive

perdido entre mistérios e perigos efetivos ou imaginários, para os quais dispõe de

explicações racionais. Falta-lhe outrossim segurança, porque não tem consciência

das próprias forças. De conseguinte, sua formação de imagens se rege pela

efetividade; e, para satisfazer o instintivo anseio de explicações, o pensamento se

volta para o fantástico.

Segundo o autor, o homem civilizado, aquele que vive nos tempos atuais, tem perfeita

compreensão de que algum fato originou-se de algo casual e, se satisfaz com o mínimo nexo

entre sua causa e efeito. No tocante ao homem arcaico, também denominado de selvagem, não

o interessa tais motivações, pois seu instinto o leva a procurar outras causas, não explícitas.

Já dizia Beccaria sobre os homens primitivos (1974, p.14):

Os primeiros homens, até então em estado selvagem, foram forçados a se

agruparem. Constituídas algumas sociedades, de pronto se formaram outras, pela

necessidade surgida de se resistir às primeiras, e assim viveram esses bandos, como

haviam feito os indivíduos, em permanente estado de beligerância entre si. As leis

foram as condições que agruparam os homens, no início independentes e isolados, à

superfície da terra.

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Ainda, assim, preleciona Beccaria (1974, p.14):

Fatigados de viverem apenas em meio a temores e de encontrar inimigos em toda a

parte, cansados de uma liberdade cuja incerteza para usufruir do restante com mais

segurança. A soma dessas partes de liberdade, assim sacrificadas ao bem geral,

constituiu a soberania na nação; e o encarregado pelas leis como depositário dessas

liberdades e dos trabalhos da administração foi proclamado o soberano do povo.

A saber, no entendimento de Mariano Ruiz Funes (apud MARQUES 2008, p.08), as

penas devem almejar o fim justiça:

As penas devem inspirar-se em uma ideia de justiça, que corrija o intenso desejo

expiatório e anule a vingança. A justiça, ao conferir proporção razoável entre delito,

culpabilidade e pena, estabelece a melhor retificação de todo anseio vingativo. A

vingança visa ao passado. A justiça deve visar ao futuro.

Em breves palavras, é possível afirmar que os Centros de Ressocialização visam a

Justiça e, nesse raciocínio, a filosofia dele é a Justiça restaurativa, ou, até mesmo, integrativa,

auxiliando o indivíduo que errou a ser novamente inserido no contexto social, pois todo

aquele carecedor de erros é merecedor de novas oportunidades.

Nesse mesmo sentido, Oswaldo Henrique Duek Marques nos remete o seguinte

entendimento:

Atualmente, nas práticas penais, permanece uma demanda mítica de vingança contra

quem transgride normas consideradas imprescindíveis à ordem social, não obstante

os avanços teóricos e científicos atribuídos às funções das sanções penais,

alicerçadas em princípios constitucionais fundamentais e na dignidade da pessoa

humana. (2008, p.08)

O atual sistema penitenciário, em tempos modernos, não mudou sua visão, visto que

ainda tendem a aplicação da pena como medida de vingança e não de justiça. Nesse sentido,

as penitenciárias tem que se tornado escola do crime e não em um ambiente que, sobretudo,

valoriza a dignidade da pessoa humana e fomentam a ressocialização.

1.1. A pena na cultura dos Povos Primitivos

A pena na cultura dos povos primitivos era marcada por sanções drásticas, reprimindo

o mal com outro mal, representando um castigo ao delinquente que cometeu a infração penal.

Nesse sentido, a vontade divina prevalecia e havia mortes decorrentes do cometimento de

delitos. A saber, podemos definir como sendo pena, segundo sítio da internet (vide

referências):

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A sanção imposta pelo Estado ao criminoso, por meio da ação penal, com dupla

finalidade: de retribuição ao delito praticado e de prevenção a novos crimes. A pena

possui caráter geral negativo, que consiste no poder intimidativo que ela representa a

toda a sociedade, destinatária da norma penal; caráter geral positivo, que demonstra

a existência e a eficiência do Direito Penal; caráter especial negativo, que consiste

na intimidação do autor do delito para que este não volte a agir do mesmo modo,

recolhendo-o ao cárcere, quando necessário, a fim de evitar a prática de outros

delitos; e caráter especial positivo, que é a proposta de ressocialização do

condenado, para que ele retorne ao convívio social depois de cumprida a pena ou por

benefícios que antecipam a sua liberdade.

(Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/764/Pena> Acesso

em: 20-05-2016)

Em outras palavras, Fernando Galvão nos remete ao ensinamento de que pena

representa uma consequência de quem cometeu o delito, visto que se enquadra em algum dos

tipos penais pertencentes ao nosso ordenamento jurídico e, muito bem, a conceitua como:

(1995, p.21):

Uma consequência nociva que se agrega intencionalmente a uma norma jurídica,

para o caso de seu descumprimento, visando estabelecer a obrigatoriedade de sua

observância. Assim, a sanção apresenta-se como medida necessária à obtenção da

obediência à norma.

No entendimento de Claus Roxin:

Só pode ser castigado aquele comportamento que lesione direitos de outras pessoas e

que não seja simplesmente pecaminoso ou imoral. À conduta puramente interna,

puramente individual – seja pecaminosa, imoral, escandalosa ou diferente - , falta a

lesividade que pode legitimar a intervenção penal.

Disponível em: <http://www.idecrim.com.br/index.php/direito/13-direito-penal>

Acesso em: 18-06-2016)

A saber, nos afirma Jescheck (1981, p.21) que em não havendo a pena como medida

imprescindível, as normas do ordenamento jurídico não seriam encaradas como obrigatórias,

todavia como meras recomendações não coativas. No entendimento de Von Liszt e Beling

(apud BITENCOURT, 1997, p.27), o conceito clássico de delito:

Representado por um movimento corporal (ação) produzindo uma modificação no

mundo exterior (resultado). Essa estrutura simples, clara e também didática,

fundamentava-se num conceito de ação eminentemente naturalística, que vinculava

a conduta ao resultado através do nexo de causalidade.

Em outras palavras ensina César Roberto Bitencourt (1997, p.27):

O conceito clássico de delito foi produto do pensamento jurídico característico do

positivismo científico, que afasta completamente qualquer contribuição das

valorações filosóficas, psicológicas e sociológicas. Essa orientação, que pretendeu

resolver todos os problemas jurídicos nos limites exclusivos do direito positivo e de

sua interpretação, deu tratamento exageradamente formal ao comportamento

humano que seria definido como delituoso.

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Como visto, a pena possui conceito lato sensu e não stricto sensu. A saber, seu fim

essencial, é o caráter retributivo. Nesse sentido, afirma Feijoo Sánchez (apud BITENCOURT,

1997, p.132) “Concluir que a pena é necessariamente retributiva não permite adotar, por si só,

conclusão alguma sobre como deve ser entendido o sentido da pena estatal”.

Em sentido positivo Cesare Beccaria (1974, p.43) em sua obra “Dos delitos e das

penas” nos faz a seguinte ressalva, “os castigos têm por finalidade única obstar o culpado de

tornar-se futuramente prejudicial à sociedade e afastar os seus patrícios do caminho do

crime”, essa que se enquadra perfeitamente ao fim essencial alcançado ao longo dos anos de

trabalho do Centro de Ressocialização de Araçatuba/SP.

Possível extrairmos do fragmento que a ressocialização é a medida eficaz que

promove a recuperação do indivíduo e previne que esse se torne um delinquente

irrecuperável, a tal ponto de amedrontar a população como um todo dos possíveis males que o

mesmo poderia cometer. Ademais, convém enfatizar que os Centros Penitenciários

tradicionais, pautados em segurança máximas ou, até mesmo, aqueles que embora não sejam,

mas que não possuem a ressocialização como filosofia, ensinam os encarcerados a cometerem

condutas delituosas cada vez mais ofensivas aos bens jurídicos da sociedade. Adiante, índices

expressivos.

Já dizia Bitencourt em sua Obra Tratado de Direito Penal (2015, p.130) que “Pena e

Estado são conceitos que possuem ligação, bem como o desenvolvimento deste está

concatenado com pena”. Ainda cumpre salientar que o Estado se utiliza da pena como medida

de evitar um colapso social, tutelando bens jurídicos necessários.

Também leciona Bitencourt (2015, p.134):

O Estado, tendo como objetivo político a teoria do contrato social, reduz sua

atividade em matéria jurídico-penal à obrigação de evitar a luta entre os indivíduos

agrupados pela ideia do consenso social. O indivíduo que contrariava esse contrato

social era qualificado como traidor, uma vez que com sua atitude não cumpria o

compromisso de conservar a organização social, produto da liberdade natural e

originária. Passava a não ser considerado mais como parte desse conglomerado

social e sim como um rebelde cuja culpa podia ser retribuída com uma pena.

Vale compreender à medida que o Estado evolui, juntamente com este evoluirá o

direito penal e, consequentemente, seus institutos penalizadores, a saber, as penas, tema esse a

ser tratado com sua relevância jurídica no presente capítulo.

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1.2. Concepção Primitiva da Punição e a Vingança de Sangue

O homem primitivo era extremamente ligado à sua comunidade, clã ou tribo em razão

de um vínculo sanguíneo, do qual decorria a denominada vingança de sangue, que nas

palavras de Erich Fromm significa (apud MARQUES, 2008, p.10) “Um dever sagrado que

recai num membro de determinada família, de um clã ou tribo, que tem de matar um membro

de uma unidade correspondente, se um de seus companheiros tiver sido morto”.

Em outras palavras, significa dizer que se um integrante de um clã ou tribo for morto

por outrem, caberá ao grupo do clã assassinado se unir no pedido de satisfação ao homicida

por tal morte.

Ensina Oswaldo Henrique Duek Marques, em sua obra Fundamentos da pena (2008,

p.11):

A vingança de sangue, contudo, porquanto desvinculada de um poder central e sem

nenhum controle externo de sua extensão, tornava-se interminável e gerava guerras

infindáveis entre as famílias, em prejuízo da própria comunidade, que restava

enfraquecida, principalmente diante de guerras externas.

Gilberto Ferreira muito bem expôs a denominada vingança pública, como forma de

vingança propriamente dita, vigendo a lei do mais forte, em decorrência do mais fraco,

lembrando, inclusive do lema: “Olho por olho, dente por dente”, transgride os limites do

apenado, atingindo sua própria clã (1997, p.07):

É a fase mais primitiva da história da pena. A punição é imposta exclusivamente

como vingança. E não guarda qualquer medida com a pessoa do criminoso ou com o

crime cometido. Vale a lei do mais forte, ficando com a extensão e forma de

execução a cargo do ofendido. O delinquente tanto poderia ser morto, escravizado

ou banido. A pena ultrapassa de longe a pessoa do infrator para se concentrar em sua

família ou inteiramente em sua tribo, com a total dizimação desta.

Outrossim, pode-se afirmar que a vingança de sangue, a mais primitiva forma de

imposição de pena, perdurou até ser substituída pelas penas públicas. A propósito, ao longo

dos anos passou a haver certas limitações dos grupos.

Assim preleciona:

Com o progresso político dos povos, passou a haver uma limitação cada vez maior

da autonomia dos grupos e famílias e, por via de consequência, o afastamento

gradativo da vingança privada, como forma de reação punitiva. (...) como

consequência da transferência da vingança do particular para o poder central, ela

passou a ser aceita no contexto social e inserida nos sistemas punitivos.

(MARQUES, 2008, p.12)

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Vale ressaltar que tais limitações foram determinadas em razão da maior preservação

das comunidades e famílias, visto as constantes disputas por derramamento de sangue se

estendiam às posteriores gerações, fazendo dos conflitos intermináveis.

1.3. A Vingança Divina

Na antiguidade, época essa marcada pela vingança divina, vigia o Estado Teológico. O

próprio dicionário Aurélio (2013, p.734) conceitua teologia como “Estudo de questões

referentes ao conhecimento da divindade e de suas relações com os homens”.

Nesse sentido, a pena seria uma forma de castigo pautada em princípios religiosos,

buscando, a saber, justificativas também religiosas acerca de seus fundamentos, a fim de

atender aos anseios da divindade.

Conforme os ditames de Gilberto Ferreira (1997, p.8), o fundamento da pena na

antiguidade representa uma entidade superior que pune com o fim de purificar a alma do

delinquente, visando um fim maior que é paz na terra entre os homens, vejamos:

A pena que até então era aplicada ao sabor e à vontade do ofensor, ou de seu grupo,

como pura vingança pelo mal praticado, ou mesmo como um ato instintivo de

defesa, passa a ter como fundamento uma entidade superior, a divindidade – omnis

potestas a Deo. A punição, pois, existe para aplicar a ira divina e regenerar ou

purificar a alma do delinquente, para que, assim, a paz na Terra fosse mantida.

Importante trazer à tona como mera ilustração a forma como o Código de Manu

(século XI, a.C) impusera a aplicação de penas, com drásticas sanções ao indivíduo infrator,

decepando dedos das mãos, bem como dos pés e, em caso de reincidência, cortes da língua e

queima do corpo. Nas palavras de Goldkorn (apud MARQUES, 2008, p.23) “O sacrifício

aparecia como uma forma aparentemente inteligente de transferir a energia vingativa do

pecado para o objeto mágico, o qual era investido de mágica e simbolicamente do poder de

purgar os pecados da tribo”.

Segundo o entendimento de Maria Zélia de Alvarenga (apud MARQUES, 2008, p.24),

passou a haver a substituição do sacrifício humano pelo animal como forma de afastamento

da ira dos deuses e visando a catarse da comunidade “A substituição do sacrifício humano

pelo sacrifício animal simboliza um rito de passagem da dinâmica matriarcal para a patriarcal

e anuncia a transformação do padrão de consciência. O homem começa a negociar com a

divindade”. Ademais, deu-se origem a nova era, a conhecida vingança pública.

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1.4. A Vingança Pública

A punição, ainda nessa época da história continuava cruel e concentrada nas mãos de

um soberano que determinava as medidas sancionatórias.

Nesse sentido, nos ensina Gilberto Ferreira (1997, p.09):

Com efeito. As primeiras civilizações conheceram a pena de morte, que atingia não

só o infrator, mas seus parentes e os demais membros da tribo. Na China, há dois

mil anos a.C, o dono da casa poderia matar o ladrão que encontrasse furtando sua

residência.

A mesma pena de morte fora adotada em diversos outros países, a exemplo da Grécia

e de Roma, Inglaterra, entre outros, de acordo com as particularidades adotadas por cada um

deles. Diante do exposto no sítio do Idecrim:

O castigo era aplicado pelos sacerdotes, que em quase toda a antigüidade se

converteram em encarregados da justiça. Estes imprimam penas severas cruéis e

desumanas, visando especialmente a intimidação. Legislação típica desta fase é o

Código de Manu, mas esses princípios foram adotados na Babilônia, no Egito

(Cinco Livros), na China (Livro das Cinco Penas), na Pérsia (Avesta) e pelo povo de

Israel (Pentateuco).

(Disponível em: <http://www.idecrim.com.br/index.php/direito/13-direito-penal>

Acesso em: 17-06-2016)

A fim de melhor demonstrar a punição da remota era, interessante transcrever

fragmento da obra de Michel Foucault (1977, p.11):

Damiens fora condenado, a 02.03.1757, a pedir perdão publicamente diante da porta

principal da Igreja de Paris aonde devia ser levado e acompanhado numa carroça,

nu, de camisola, carregando uma tocha de cera de duas libras; em seguida, na dita

carroça, na praça de greve, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos

mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com

que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que

será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e

enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado

por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas,

e suas cinzas lançadas ao vento.

Foi de tal modo que se deu a execução do infrator, aliás, também foi necessário cortar

os nervos e esquartejar suas juntas com o apoio de seis cavalos.

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1.5. Período Humanitário

Nas palavras de Gilberto Ferreira (1997, p.12), interessante demonstrar as

considerações vividas no período humanitário:

O mundo assistia, calado, a uma verdadeira atrocidade. Aqui e acolá se inventavam

fórmulas, as mais cruéis possíveis, para a execução dos condenados. Uma vez

sentenciado, o homem deixa de ser humano. Passa a ser tratado como um animal. O

seu corpo é objeto de sevícias, as mais impressionantes. E tudo é feito não só para

afligir, senão também para humilhar. Não bastava expor o homem a dor física. Era

preciso que ele também se compadecesse moralmente. Mas o que impressiona

deveras é o fato de que o povo a tudo aplaudia.

Nesse sentido, frisa-se reforçar que o período humanitário da evolução histórica da

pena é marcado pelo iluminismo, ou seja, período esse que o homem se emancipa de uma

autoridade soberana, já dizia Greenwood (apud, FRAGOSO, 1995, p.39) “Iluminismo

significa a auto-emancipação do homem da simples autoridade, preconceito, convenção e

tradição, com insistência no livre pensamento sobre problemas que tais instâncias

consideravam”. A saber, passou a dar uma maior estabilidade ao Estado, no sentido de que a

aplicação da pena foi delimitada de maneira mais severa.

1.6. Finalidades da Pena

No tocante às finalidades da pena, leciona Fernando Galvão (1995, p.21):

No intuito de perceber quais sejam os fundamentos para que o Estado possua o

direito de aplicar a pena, cabe compreender, inicialmente a coexistência dos dois

aspectos mais importantes da questão: o primeiro deles diz respeito à razão que

impõe a punição de determinadas condutas, e o segundo refere-se ao fato de que

somente o Estado possui a faculdade de eleger as condutas criminosas e as penas

que se lhe apresentam como consequência.

Como visto, pena e Estado são conceitos que se encontram concatenados entre si. O

Estado dita a norma penal como forma de conter os anseios de uma sociedade em plena

evolução para que não se instale um caos social. Enquanto que o indivíduo fica limitado aos

ditamos do Estado e, ao infringir norma penal, será submetido a aplicação de uma pena, como

forma de reprimir o mal por este cometido. Tal fenômeno é denominado controle social.

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Conforme leciona Cesar Roberto Bitencourt (2015, p.130):

Convém registrar que a uma concepção de Estado corresponde uma de pena, e a

esta, uma de culpabilidade. Destaque-se a utilização que o Estado faz do Direito

Penal, isto é, da pena, para facilitar e regulamentar a convivência dos homens em

sociedade. Apesar de existirem outras formas de controle social – algumas mais

sutis e difíceis de limitar que o próprio Direito Penal -, o Estado utiliza a pena para

proteger de eventuais lesões determinados bens jurídicos, assim considerados, em

uma organização socioeconômica específica.

Ainda cumpre salientar que para Bitencourt, Estado, Pena e culpabilidade formam

conceitos também interligados:

Estado, pena e culpabilidade formam conceitos dinâmicos inter-relacionados, a tal

ponto que a uma determinada teoria de Estado corresponde uma teoria da pena, e

com base na função e finalidade que seja atribuída a esta, é possível deduzir um

específico conceito dogmático de culpabilidade. (2015, p.130)

No entendimento de Feijoo Sánchez (apud BITENCOURT, 2015, p.131) fim e função

da pena não serão entendidos como sinônimos, porém como institutos diversos e que caberá

reflexões:

O fim ou finalidade da pena está relacionado com os efeitos sociais buscados desde

a perspectiva jurídico-normativa de tipo axiológico, enquanto a função da pena está

relacionada com a análise descritiva dos efeitos sociais produzidos, inclusive quando

estes se distanciam das finalidades previamente postuladas para a pena.

Além do mais, insta salientar que a pena é utilizada pelo Estado como meio de

prevenção do crime e não somente como remediação de delito já cometido. A saber,

brilhantemente, nos ensina Cesare Beccaria (1974, p.92):

É preferível prevenir os delitos do que precisar puni-los; e todo legislador sábio

deve, antes de mais nada, procurar impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa

legislação não é mais do que a arte de propiciar aos homens a maior soma de bem-

estar possível e livrá-los de todos os pesares que se lhes possam causar, conforme o

cálculo de bens e dos males desta existência.

Desse modo, Beccaria propõe alternativa de como prevenir os crimes que, atualmente,

compõem elevados índices no Sistema brasileiro:

Desejais prevenir os crimes? Fazei leis simples e evidentes; e esteja o país inteiro

preparado a armar-se para defendê-las, sem que a minoria de que falamos se

preocupe sempre em destruí-las.

Que elas não favoreçam qualquer classe em especial; protejam de modo igual cada

membro da sociedade; tema-as o cidadão e trema apenas diante delas. O receio que

as leis inspiram é saudável, o receio que os homens inspiram é uma fonte nefasta de

delitos. (1974, p.93)

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A doutrina anseia justificar os fins da pena mediante adoção de três correntes

doutrinárias, a saber, a teoria absoluta ou retributiva, a relativa ou preventiva e, por fim, a

teoria mista ou unificadora da pena. Cabe-nos reflexão de cada uma delas, bem como menção

aos doutrinadores e justificações de adoção de determinada corrente.

1.6.1. Teoria Absolutista ou Retribucionista

A teoria absoluta ou, também denominada de retributiva da pena, nas palavras de

Bittencourt (2015, p.133):

Consiste em conceber a pena como um mal, um castigo, como retribuição ao mal

causado através do delito, de modo que sua imposição estaria justificada, não como

meio para o alcance de fins futuros, mas pelo valor axiológico intrínseco de punir o

fato passado: quia peccatum. Por isso também são conhecidas como teorias

retributivas.

Em outras palavras, significa dizer que tal teoria trata-se de uma forma de pagar um

mal com outro mal, ou seja, o crime cometido deve ser punido com uma pena respectiva,

conforme dita o Código Penal.

Nas palavras de Fernando Galvão (1995, p.25) “As teorias reparatórias pressupõem

que a dor causada pela pena seria capaz de destruir a verdadeira fonte do mal. Estas teorias

percebem o delito como um ato determinado por motivos imorais que poderiam ser

reparados”. Na mesma certeza de que tal teoria destruiria a verdadeira fonte do mal, assim

como leciona Fernando Galvão, entende o autor Anibal Bruno (1966, p.32), senão vejamos:

As teorias absolutas partem de uma exigência de justiça e encaminham-se para a

realização do justo na retribuição da pena. Retribuição justa do mal injusto que o

criminoso praticou e pela qual se processa a reintegração da ordem jurídica violada.

Se algum fim prático pode ser com isso alcançado, é considerado secundária, que

não deve de modo algum sobrepor-se e nem sequer equiparar-se àquele fim

essencial de justiça.

A pena tem como principal função fazer justiça para a teoria absolutista ou

retribucionista. A propósito, afirma o doutrinador Cezar Roberto Bitencourt (2015, p.134):

Segundo este esquema retribucionista, é atribuída à pena, exclusivamente, a difícil

incumbência de realizar a Justiça. A pena tem como fim fazer justiça, nada mais. A

culpa do autor deve ser compensada com a imposição de um mal, que é a pena, e o

fundamento da sanção estatal está no questionável livre arbítrio, entendido como a

capacidade de decisão do homem para distinguir entre o justo e o injusto.

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Ademais, alguns autores deixa claro o fim que se procura atingir com a imposição da

pena, dentre os quais:

O fim que se procura alcançar com a punição, como instrumento de combate ao

crime, seria por assim dizer, um epifenômeno, que se superpõe à pena, sem alterar-

lhe a natureza e o sentido. A insuficiência pelo menos das teorias absolutas, está

bem expressa por Welzel, quando diz que, se a pena se justifica moralmente só

como retribuição justa, por outro lado a função do Estado não é de defender a

manutenção da justiça no curso do mundo, independente do que seja necessário para

a sua própria existência como comunidade jurídica. O Estado não pune para que

exista, em geral, justiça no mundo, mas a fim de que haja uma ordem jurídica na

vida da comunidade (Welzel, 1956, p.189-190, apud BRUNO, 1966, p.33).

Em síntese, é possível concluirmos diante dos ensinamentos, que a teoria absolutista

ou retribucionista da pena tem o Estado como guardião da justiça e protetor dos direitos e

liberdades individuais dos indivíduos. Por tal motivo, essa teoria adota ideias liberais,

individuais e idealistas. Dentre os doutrinadores que adotam essa corrente, destaca-se Hegel e

Kant, grandiosos filósofos do direito, embora outros tenham adotado essa posição doutrinária.

Frisa-se, de passagem, que não são os únicos. Carrara, em seu programa de Direito Criminal,

denota em breves dizeres (BITENCOURT, 2015, p.134-135).

O fim primário da pena é o restabelecimento da ordem externa da sociedade. Nesse

sentido, “o delito agrava a sociedade ao violar suas leis e ofende a todos os cidadãos ao

diminuir neles o sentimento de segurança”. (BITENCOURT, 2015, p.139).

Enquanto Ferrajoli (apud BITENCOURT, 2015, p.142) entende que a teoria

absolutista ou retribucionista, embora muito utilizada, deixa de justificar o porquê deve-se

castigar e essa ausência de justificação introduz no sistema penal, um direito penal máximo,

extremista que impõe algo a ser cumprido, sem sopesar consequências.

1.6.2. Teorias Relativas ou Preventivas da Pena

Diversamente do exposto sobre a teoria absolutista ou retribucionista, a teoria relativa

ou preventiva, como o próprio nome diz, entende ser a pena uma medida preventiva ao

cometimento de condutas delituosas. Portanto, afirma Bitencourt (2015, p.142):

Se o castigo ao autor do delito se impõe, segundo a lógica das teorias absolutas,

somente porque delinquiu, nas teorias relativas a pena se impõe para que não volte a

delinquir. Ou seja, a pena deixa de ser concebida como um fim em si mesmo, sua

justificação deixa de estar baseada no fato passado, e passa a ser concebida como

meio para o alcance de fins futuros e a estar justificada pela sua necessidade: a

prevenção de delitos.

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Vale ressaltarmos que a teoria relativa também é denominada como teoria preventiva,

ou, até mesmo, utilitarista. Para Anibal Bruno (1966, p.34), também as considera como teoria

finalista e nos remete o seguinte ensinamento:

Para as teorias relativas ou finalistas, a razão de ser da pena está na necessidade de

segurança social, a que ela serve, como instrumento de prevenção do crime. Nela

está presente a justiça como critério regulador, a limitar as exigências da segurança

em relação ao criminoso. Mas, o que a justifica e lhe dá a sua orientação é o fim de

defesa da sociedade.

No mesmo sentido, ensina-nos Bitencourt (2015, p.142) “Para as relativas, essa

necessidade da pena não se baseia na ideia de realizar justiça, mas na finalidade, já referida,

de inibir, tanto quanto possível, a prática de novos fatos punitivos”.

Cumpre aqui explicitar o entendimento de dois filósofos do Direito que contribuíram e

encabeçam a teoria relativa ou preventiva. Assim esclarece Kant (apud BRUNO, 1966, p.34)

“Mesmo se uma sociedade voluntariamente se dissolve, o último assassino que se ache em

prisão deverá ser justiçado, a fim de que cada um receba a retribuição que reclama a sua

conduta”.

Em breves palavras, é possível se extrair como entendimento do escrito por Kant que,

ainda que não haja mais motivo para aplicação da pena, deve-se fazer justiça.

Enquanto que para Romagnosi (apud BRUNO, 1966, p.34) em contrapondo afirma

“Se depois do primeiro crime se tivesse a certeza moral de que não viria a ocorrer nenhum

outro, a sociedade não teria o direito de puni-lo”.

Possível entender que a pena perde a razão de ser, pois sua justificação, motivação ou,

sua finalidade em si também cessa, pois segundo tal corrente, a pena deveria prevenir o crime

e não remediá-lo. A saber, o fim de prevenção do crime é que legitima a pena.

Ainda cumpre destacarmos que a finalidade preventiva se subdivide em duas

vertentes, quais sejam, prevenção geral e prevenção especial. A princípio, vale-nos dizer que a

primeira diferenciação entre a prevenção geral e a prevenção especial é que a primeira tem

como destinatário o coletivo social, enquanto que a segunda tem como destinatário o próprio

delinquente. A saber, a natureza da prestação da pena também poderá ser positiva ou negativa.

Assim, teremos as modalidades de teoria da pena dessa espécie: a. prevenção geral

positiva; b. prevenção geral negativa; c. prevenção especial positiva e d. prevenção especial

negativa.

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1.6.2.1. A Prevenção Geral

Bitencourt (2015, p.143) leciona em sua obra a respeito da prevenção geral:

As teorias da prevenção geral têm como fim a prevenção de delitos incidindo sobre

os membros da coletividade social. Quanto ao modo de alcançar este fim, as teorias

da prevenção geral são classificadas atualmente em duas versões: de um lado, a

prevenção geral negativa ou intimidatória, que assume a função de dissuadir os

possíveis delinquentes da prática de delitos futuros através da ameaça da pena, ou

predicando com o exemplo do castigo eficaz; e, de outro lado, a prevenção geral

positiva que assume a função de reforçar a fidelidade dos cidadãos à ordem social a

que pertencem.

Nesse sentido, vale destacarmos as subdivisões da prevenção geral, como transcrito

acima, podem ser.

1.6.2.1.1. A Prevenção Geral Negativa

Segundo os ensinamentos de Bitencourt (2015, p.144), é possível entendermos que a

teoria da prevenção geral negativa sustenta que é por meio do Direito Penal que se soluciona a

questão da criminalidade. Nesse sentido, a cominação penal é o instrumento que se utiliza o

Estado para constranger os membros de uma comunidade, diante das ações consideradas

injustas, essas que se reagirá.

Na concepção de Feuerbach (apud BITENCOURT, 1997, p.144) “A pena é,

efetivamente, uma ameaça da lei aos cidadãos para que se abstenham de cometer delitos; é,

pois, uma “coação psicológica” com a qual se pretende evitar o fenômeno delitivo”.

Assim continua o raciocínio “Já não se observa somente a parte, muitas vezes cruel, da

execução da pena (que nesse caso serve somente para confirmar a ameaça), mas se antepõe à

sua execução a cominação penal. Presumia-se”.

A fim de trazer um breve conceito da teoria da prevenção geral negativa, explica-nos

Cezar Roberto Bitencourt (2015, p. 144-145):

A prevenção geral fundamenta-se, nesse momento, em duas ideias básicas: a ideia

da intimidação, ou da utilização do medo, e a ponderação da racionalidade do

homem. Essa teoria valeu-se dessas ideias fundamentais para não cair no terror e no

totalitarismo absoluto. Teve, necessariamente, de reconhecer, por um lado, a

capacidade racional absolutamente livre do homem – que é uma ficção como o livre

arbítrio -, e, por outro lado, um Estado absolutamente racional em seus objetivos,

que também é uma ficção.

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Em outras palavras, Bitencourt (2015, p. 144) esclarece que é possível o entendimento

que a ameaça de uma pena a um indivíduo é a motivação para o não cometimento de crime.

Todavia, esse medo de punição é insuficiente para o não cometimento de conduta delituosa.

Em síntese, cada delito já é, pelo só fato de existir, uma prova contra a eficácia da prevenção

geral.

Segundo Sauer (apud BITENCOURT, 1997, p.144) os operadores do direito têm

contribuído para aplicação de penas mais elevadas que a própria culpabilidade do autor do ato

delitivo. Outra importante censura à prevenção geral surge de sua exigência para legisladores

e magistrados de estabelecer e aplicar, respectivamente, penas muito elevadas que chegam,

inclusive, a superar a medida da culpabilidade do autor do delito.

Ademais, Feijoo Sánchez (apud BITENCOURT, 1997, p.145), em sua obra, faz

análise crítica da teoria da prevenção geral negativa, pois diz que tal teoria não se preocupa

com a verdade fim da pena que será sua legitimidade, mas sim em aplicar a lei ao infrator da

norma penal. A teoria da prevenção geral negativa apresenta como principal inconveniente o

fato de que somente se ocupa do cumprimento da legalidade mediante coação, sem levar em

consideração o problema da legitimidade.

Nesse mesmo sentido, Ferrajoli e Roxin (apud BITENCOURT, 1997, p.145)

defendem a teoria por eles adotada, dizendo “A prevenção geral não é capaz de outorgar

fundamento ao poder estatal de aplicar sanções jurídico-penais, nem pode estabelecer os

limites necessários para as consequências que essa atividade traz consigo”.

1.6.3. A Prevenção Especial

A lei penal traz intrínseco ao seu conceito a preservação do bem jurídico que, ora

violado, deve ser penalizado. Porém, sobretudo, o objetivo maior dela é impedir o

cometimento de novas práticas delituosas, trazendo à tona uma prevenção especial ou,

também denominado, prevenção individual. Em síntese, entende-se como o fim da pena evitar

o cometimento de futuros delitos.

Nas palavras de Fernando Galvão (1995, p.30-31) “O objetivo da prevenção é

perseguido com base na possibilidade de internalização da reprimenda, que intimida o

delinquente, bem como pela possibilidade de ressocialização desse indivíduo”.

A respeito da prevenção especial, o mesmo autor nos remete o seguinte entendimento:

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A noção de prevenção especial inicialmente foi elaborada no Iluminismo e, após um

período de descrédito, foi modernamente desenvolvida por Franz Von Liszt, na

Alemanha, com base na teoria da coação psicológica da norma jurídica de

Feuerbach, ganhando novo impulso com a recente reforma pena alemã. (GALVÃO,

1995, p.31)

Contemporaneamente, vale ressaltar que o indivíduo comete delitos com o fim de

alcançar mais rapidamente ascensão social e saciar os desejos carnais. Todavia, pode-se

contê-lo por meio de aplicação de penas, uma dessas medidas é a chamada prevenção

especial. Leciona Von Liszt (apud GALVÃO, 1995, p. 31):

A “ideia do fim” como ponto de apoio para o progresso do direito repressivo.

Considerando a ineficácia do Direito Penal diante da realidade de uma criminalidade

crescente, Liszt faz vincular a aplicação da pena às finalidades da política criminal

necessárias a advertir o delinquente ocasional, ressocializar o delinquente suscetível

de correção e neutralizar o delinquente habitual incorrigível.

A teoria da prevenção da pena tem como mérito o estabelecimento da função social da

pena, dispensando outras formas de castigos trazidos por institutos, aplicando-se a pena como

medida preventiva do crime, esta que se trata de uma prevenção especial.

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II - CONSEQUÊNCIAS DO CÁRCERE

2.1. Superpopulação

A realidade do Sistema Carcerário brasileiro é a superpopulação que aprisiona em suas

mais terríveis formas, violando a dignidade humana do indivíduo e sendo verdadeira escola

do crime para esses encarcerados.

Cumpre destacar os dizeres de Cervini, (2002, p. 48, apud, CHIQUEZI, 2009, p. 117):

Na prisão, o interno geralmente não aprende a viver em sociedade, pelo contrário,

continua, e ainda, aperfeiçoa sua carreira criminosa por meio do contato e das

relações com os outros delinquentes. Certamente a prisão muda o delinquente, quase

sempre para pior. Ali não lhe ensinam sobre valores positivos mas negativos para

uma vida livre na sociedade. Como assinala de forma aguda o norte-americano

Nimmer, o interno entra numa instituição como “graduado” e sai com um

“doutorado”.

Nas palavras de Foucault (apud SILVA, 2007, p.19), a prisão torna do indivíduo cada

vez mais irrecuperável, afirma que a prisão de alguma forma cola um rótulo naqueles que ali

passam, surgindo uma “[...] patologização do sujeito, apresentando à sociedade como portador

de um vírus imbatível, o vírus da delinquência”.

O Conselho Nacional de Justiça apresentou dados estatísticos sobre a população

carcerária brasileira, em 04 de junho de 2015:

A nova população carcerária brasileira é de 711.463 presos. Os números

apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a representantes dos tribunais

de Justiça brasileiros, nesta quarta-feira (4/6), levam em conta as 147.937 pessoas

em prisão domiciliar. Para realizar o levantamento inédito, o CNJ consultou os

juízes responsáveis pelo monitoramento do sistema carcerário dos 26 estados e do

Distrito Federal. De acordo com os dados anteriores do CNJ, que não

contabilizavam prisões domiciliares, em maio deste ano a população carcerária era

de 563.526.

Disponível em: <http://wagnerfrancesco.jusbrasil.com.br/noticias/129733348/cnj-

divulga-dados-sobre-nova-populacao-carceraria-brasileira> Acesso em: 10-07-2016)

Nas palavras de Guilherme Calmon, é preciso considerar neste número os presos que

cumprem pena em regime domiciliar:

Até hoje, a questão carcerária era discutida em referenciais estatísticos que

precisavam ser revistos. Temos de considerar o número de pessoas em prisão

domiciliar no cálculo da população carcerária”, afirmou o supervisor do

Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema

de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), conselheiro Guilherme

Calmon. A prisão domiciliar pode ser concedida pela Justiça a presos de qualquer

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um dos regimes de prisão – fechado, semiaberto e aberto. Para requerer o direito, a

pessoa pode estar cumprindo sentença ou aguardando julgamento, em prisão

provisória. Em geral, a prisão domiciliar é concedida a presos com problemas de

saúde que não podem ser tratados na prisão ou quando não há unidade prisional

própria para o cumprimento de determinado regime, como o semiaberto, por

exemplo. (Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/61762-cnj-divulga-

dados-sobre-nova-populacao-carceraria-brasileira> Acesso em: 18-07-2016)

Possível concluir que o aumento populacional dos Centros Penitenciários sofreu em

pouco período grandes índices. Nesse sentido, é preciso propor medidas que visem à

diminuição de tais números, como o incentivo ao estudo, ao trabalho e a condições adequadas

de saúde, dando aos iguais de forma desigual na medida de suas desigualdades, como já dizia

Rui Barbosa.

A pena não cumpre sua finalidade quando submete os encarcerados a precárias

condições, ou seja, como defendido no capítulo anterior, a pena não cumpre apenas a função

punitiva, mas primordialmente a finalidade restaurativa.

Como expresso na Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84), o estabelecimento penal

deverá ter lotação nos termos de sua capacidade e finalidade por este almejada:

Art. 85. O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e

finalidade. Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório,

aparelho sanitário e lavatório. Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular: a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e

condicionamento térmico adequado à existência humana; b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).

Todavia, não é cumprido o que se encontra positivado. Temos os centros

penitenciários comuns como locais fétidos e úmidos com exacerbado numerário carcerário e

desprovidos da função ressocializadora. Nesse sentido, possível destacar jurisprudência que

confirma a situação das penitenciárias e é a prova de que a triste realidade tem gerado e dado

ensejo a movimentos subversivos contra a ordem e a disciplina, bem como mortes.

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº

26079000183AgVte:estado do espírito santoAGVDO:MINISTÉRIO PÚBLICO

ESTADUALRELATOR:DES. CARLOS HENRIQUE RIOS DO

AMARALACÓRDAOCONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO

INTERNO. MANUTENÇAO DA SENTENÇA QUE RECONHECENDO QUE A

SITUAÇAO CALAMITOSA ORIGINADA COM A SUPERLOTAÇAO DA

CADEIA PÚBLICA DE ITAPEMIRIM ESTARIA PONDO EM RISCO A

SEGURANÇA PÚBLICA (MOTINS, REBELIÕES, FUGAS, CONDIÇÕES

SUBUMANAS DE ACOMODAÇAO, POSSIBILIDADE DE MORTES ENTRE

OS PRESOS, ENTRE OUTROS MOTIVOS) - DEFERIU AS MEDIDAS

LIMINARES CONSISTENTES NA ABSTENÇAO QUANTO AO

RECOLHIMENTO DE NOVOS PRESOS, TRANSFERÊNCIA DOS PRESOS

EXCEDENTES, IMEDIATA REFORMA E AMPLIAÇAO DA CADEIA

PÚBLICA, E IMEDIATA DESIGNAÇAO DO PESSOAL DA DELEGACIA

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PARA O EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES. SITUAÇAO OBSERVADA A

LONGA DATA. NECESSIDADE DE SALVAGUARDA DOS PRECEITOS E

DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS PRECONIZADOS NA CARTA MAGNA

(REsp 804648). DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (RESP 802435).

FUNDAMENTAÇAO SUFICIENTE À SOLUÇAO INTEGRAL DA

CONTROVÉRSIA POSTA. DECISAO NAO ILEGAL, ABUSIVA, OU

TERATOLÓGICA. RECURSO AO QUAL NEGA-SE PROVIMENTO. 1) A

decisão ora objurgada não se mostrou desarrazoada, muito menos "açodada", como

pretendeu fazer crer o agravante (fl. 21), haja vista o fato da situação estar sendo

observada a longas datas, donde restaram constatados vários infortúnios -fugas,

mortes, rebeliões, dor e sofrimento dos "seres humanos" que se encontram presos, e

de suas famílias (filhos, pais, irmãos, cônjuges, e tantos outros)-, dos quais não se

pode apartar, também, a insegurança gerada junto à população. 2) Não se trata de

uma questão de invasão do âmbito do poder discricionário da Administração

estadual (mérito do ato administrativo), nem de inobservância à separação dos

poderes, mas de salvaguarda dos preceitos e das garantias fundamentais

preconizados na Carga Magna (legalidade), principalmente em relação à vida, à

segurança, e à dignidade da pessoa humana (tanto dos presos, como da sociedade em

geral). 3) A concretização de tais preceitos, dada a sua relevância e urgência,

justifica, inclusive, a desconsideração de prévia oitiva do representante judicial do

Estado, face a possibilidade de graves danos decorrentes da demora, havendo,

inclusive, jurisprudência nesse sentido (REsp 439833). (TJ-ES - AGI: 26079000183 ES 026079000183, Relator: CARLOS HENRIQUE

RIOS DO AMARAL, Data de Julgamento: 27/11/2007, PRIMEIRA CÂMARA

CÍVEL, Data de Publicação: 19/02/2008). Disponível em:

<www.jurisbrasil.com.br/jurisprudencias> Acesso em: 01-07-2016.

Nesses centros, não há o que se busca como filosofia no Centro de Ressocialização, ou

seja, uma Justiça Restaurativa ou Integrativa.

A Justiça Restaurativa além de aplicar punições ao delinquente que praticou conduta

delituosa e deve ser punido como um meio de se evitar caos social, também recupera o

transgressor e o reintegra no plano social, o qual, em sua grande maioria, não volta a cometer

condutas delituosas, justiça essa que tem obtido muitos progressos e conquistas:

Em funcionamento há cerca de 10 anos no Brasil, a prática da Justiça Restaurativa

tem se expandido pelo país. Conhecida como uma técnica de solução de conflitos

que prima pela criatividade e sensibilidade na escuta das vítimas e dos ofensores, a

prática tem iniciativas cada vez mais diversificadas e já coleciona resultados

positivos.

(Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/62272-justica-restaurativa-o-

que-e-e-como-funciona> Acesso em: 01-07-2016).

Nessa visão, eis que surgiu a proposta dos Centros de Ressocialização no contexto

social da Justiça Restaurativa, esta que é objeto de estudo dessa obra e, conforme índices

apresentados tem ressocializado e recuperado indivíduos primários que cumpriram penas nos

Centros de Ressocialização, bem como participaram dos projetos sociais desenvolvidos nas

unidades. A saber, a finalidade precípua desses projetos é interiorizar aspectos morais no

indivíduo que foram perdidos no momento da prática de conduta delituosa.

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Tal Justiça tem marcado o século XXI, uma era na qual se tem visado a conciliação e

políticas preventivas do crime a fim de desafogar o Judiciário, a fim de se obter uma

sociedade livre, justa e solidária (Art. 3º, I, CF/1988), objetivos da República Federativa do

Brasil, minimizando o crime através de políticas sociais e incentivos em diversas áreas. Os

Estados estão adotando essa medida e tem apresentado índices satisfatórios:

Em São Paulo, a Justiça Restaurativa tem sido utilizada em dezenas de escolas

públicas e privadas, auxiliando na prevenção e no agravamento de conflitos. No Rio

Grande do Sul, juízes aplicam o método para auxiliar nas medidas socioeducativas

cumpridas por adolescentes em conflito com a lei, conseguindo recuperar para a

sociedade jovens que estavam cada vez mais entregues ao caminho do crime. No

Distrito Federal, o Programa Justiça Restaurativa é utilizado em crimes de pequeno

e médio potencial ofensivo, além dos casos de violência doméstica. Na Bahia e no

Maranhão, o método tem solucionado os crimes de pequeno potencial ofensivo, sem

a necessidade de prosseguir com processos judiciais. (Disponível em:

<http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/62272-justica-restaurativa-o-que-e-e-como-

funciona> Acesso em: 01-07-2016).

Entretanto, os Centros Penitenciários tradicionais não têm adotado essa política

preventiva, vez que o numerário carcerário impossibilita tais projetos já desenvolvidos pelos

Centros de Ressocialização.

2.2. Reincidência Carcerária

A reincidência é o segundo fator que pode ser alegado como causa da superlotação

ocasionada nos Centros Penitenciários. Ademais, a causa da não ressocialização decorre do

fato de medidas públicas que embora imperativas e positivadas em lei, não são aplicadas e,

nesse sentido, não promovem a eficiência do Sistema Penitenciário que continua sendo cada

vez mais precário e amedrontador.

Segundo preceitua o Art. 63 do Código Penal, possível definir a reincidência como

sendo o cometimento de nova prática delituosa depois de transitar em julgado o cometimento

de crime anterior “Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime,

depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado

por crime anterior. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”

Nas palavras de Luiz Flávio Gomes, o Brasil é o 16º país mais violento do Planeta.

Possível apurar isso quando se faz uma analogia com os demais países, conforme a tabela

abaixo apresenta:

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30

Fonte: Disponível em: <(http://institutoavantebrasil.com.br/brasil-reincidencia-de-ate-70/)> Acesso em: 10-07-

2016.

Isso nos leva a afirmar que a finalidade da pena mais uma vez não é cumprida e deixa

o Brasil muito aquém do regime prisional de outros países que são efetivos, pois visam um

fim ressocializador e integrativo.

Segundo Cezar Peluso (apud VASCONCELOS, 2015)., os índices de reincidência no

Brasil variam de 70%, todavia, o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do

Sistema Penitenciário apresenta que a taxa de reincidência encontra-se entre 70% a 80%,

aproximadamente

Segundo conclusões do próprio relatório “Hoje sabemos que a prisão não previne a

reincidência e que devemos caminhar para alternativas que permitam ao autor de um delito

assumir responsabilidades e fazer a devida reparação do dano eventualmente causado”

(Brasil, 2008b).

A reincidência gera no Sistema Penitenciário um aspecto ainda mais precário que

ocasiona a superlotação, rebeliões ou motins, movimentos subversivos à ordem e a disciplina,

mortes, agressões a detentos e aos próprios funcionários. Também é defendida por operadores

do direito como sendo a falência da pena privativa de liberdade.

2.3. Preso e Sociedade

Como se sabe, a maior dificuldade de um ex. detento é se reintegrar no campo social,

visto que nem sempre a acolhida pela população em geral é positiva. Este é o principal fator

que gera a reincidência, pois em razão de não conseguir se reintegrar socialmente, o detento

procura meios mais fáceis para financiar seus gastos, mediante o crime:

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A reincidência é causada muitas vezes pela falta de oportunidade do egresso de ser

inserido no convívio de todos, sendo que no mundo da criminalidade ele acha a

facilidade de ser aceito. Não há como negar que a ressocialização é, no seu aspecto

mais evidente, a preparação do infrator para voltar a ser sócio. Em outros termos,

visa preparar o ser humano banido para o regresso à sociedade. Há aqui talvez um

ponto de discordância, pois a pena não tem ressocializado, e os séculos são provas

disso. Como a pena é dessocializante, difícil torna ressocializar e reintegrar.

(Disponível:<https://psicologado.com/atuacao/psicologia-juridica/as-dificuldades-

na-reintegracao-do-ex-detento-na-sociedade> Acesso em: 12-07-2016).

Nos termos da Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal nº 7.210/1984, item

24, a cooperação da comunidade como um todo é indispensável para a reinserção do

indivíduo a sociedade “24. Nenhum programa destinado a enfrentar os problemas referentes

ao delito, ao delinquente e à pena se completaria sem o indispensável e contínuo apoio

comunitário”.

No Centro Penitenciário Comum, após o cumprimento de pena, o detento sai apenas

com suas vestimentas restantes e sem nenhum suporte material, moral e financeiro para tal

reinserção social. Todavia, no tocante ao Centro de Ressocialização isso não ocorre.

O Centro de Ressocialização se preocupa não somente com o momento em que o

ressocializando cumpre pena, mas com o futuro deste e, principalmente, seu ingresso no

mercado de trabalho e, de um modo geral, na comunidade da qual ele faz parte.

Como positivado na Lei de Execuções Penais, podemos considerar egresso aquele que

cumpriu definitivamente pena e encontra-se em liberdade, bem como o liberado

condicionalmente, durante o período de prova, assim dispõe o art. 26 “Considera-se egresso

para os efeitos desta Lei: I - o liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um) ano a contar da saída

do estabelecimento; II - o liberado condicional, durante o período de prova”.

A assistência ao egresso é dever do Estado que tem por objetivo prevenir o crime

orientando o retorno do indivíduo à sociedade. Nesse sentido, o Centro de Ressocialização

desenvolve Grupos Operativos com os ressocializandos, com o fim de devolver a eles os

valores perdidos desde o momento da prática do crime. Além de incentivar e oportunizar o

estudo e o trabalho seja na unidade ou fora dela. E, terminado o período de recolhimento na

unidade do CR, acompanham o egresso por 3 (três) meses averiguando sua conduta e a

esperada não reincidência.

Nesse sentido, é o que aponta os Relatórios Intergovernamentais promovidos pelo

Centro de Ressocialização de Araçatuba/SP, visto que acompanham os egressos por meio de

entrevistas de desligamentos, encaminhamentos à Coordenadoria de Reintegração Social e

Assistência (CAEF), a outros serviços e, por fim, contatos telefônicos, feito em Setembro de

2013 a Maio de 2014:

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Fonte: Disponível em: <www.sap.sp.gov.br> Acesso em: 12-07-2016.

Possível concluir a importância dos Grupos Operativos, bem como o acompanhamento

ao egresso. Essas junções de fatores promovem a reintegração social, nos termos do relatório

desenvolvido foi de aproximadamente 100% (cem por cento).

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III - DO CENTRO DE RESSOCIALIZAÇÃO: A NOVA ÓTICA DO

SISTEMA CARCERÁRIO PAULISTA

Fotografia 1: Centro de Ressocialização de Araçatuba

Fonte: Produzida pelo autor, especialmente para este trabalho (2016).

3.1. Definição de Centro de Ressocialização

O Centro de Ressocialização é uma Unidade Prisional pertencente ao Sistema

Penitenciário do Estado de São Paulo e consiste em uma iniciativa do Governo Paulista em

favorecer o retorno de indivíduos em situação prisional ao convívio em sociedade. A norma

que organiza a inserção do indivíduo ao Centro de Ressocialização é a Resolução nº 255 de

14 de setembro de 2009, editada pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP).

A saber, representam aproximadamente 1% (um por cento) do Sistema Penitenciário

Brasileiro, visto que o Estado de São Paulo contém 22 (vinte e duas), unidades prisionais, as

quais representam inovações do Governo Paulistas. O CR de Araçatuba, alvo dessa pesquisa

de campo, é o responsável por acolher 237 (duzentos e trinta e sete) detentos, no presente ano,

que cumprem penas restritivas de liberdade nos regimes fechado e semi-aberto. Vale ressaltar

que os Centros de Ressocialização também recebem os presos provisórios, cuja condenação

ainda é incerta. (Disponível em: <www.sap.sp.gov.br> Acesso em: 12-07-2016).

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3.2. Características do Centro de Ressocialização

Existem muitos aspectos que diferem um Sistema Penitenciário comum de um Centro

de Ressocialização e tais são os propulsores dos índices expressivos que promovem a

ressocialização.

Conforme dispõe a Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984),

deve o Estabelecimento Penal conter em suas dependências “Art. 83 - (...) “áreas e serviços

destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva”.

Tal dispositivo legal, nos permite melhor definições e explicitações jurídicas.

3.3. Da Assistência

É dever do Estado fornecer assistência aos detentos. Todavia, tendo em vista as

precariedades do Sistema Penitenciário como um todo, tem-se, consequentemente, uma

assistência defasada, o que compromete o índice de criminalidade, o qual tem sido cada vez

mais constante. Entretanto, ao se tratar de Centro de Ressocialização, embora com grandes

dificuldades, a assistência é realizada com muito êxito.

O objetivo da assistência ao reeducando, como positivado na LEP, é prevenir o crime

e orientar o retorno do indivíduo ao convívio em sociedade. Vale ressaltar que a assistência

também se estende em igualdade de condições aos egressos. Assim dispõe “Art. 10. A

assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar

o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso”.

No quesito repasses, para se concretizar a assistência aos detentos, o Governo do

Estado de São Paulo remetia à Secretaria de Administração Penitenciária verbas que eram

rateadas entre a própria Secretaria do Centro de Ressocialização e a ONG CRISEP, essa que

foi a gestora do Centro de Ressocialização de Araçatuba desde a sua instituição até o ano de

2014. Os repassem funcionavam da seguinte forma:

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Fonte: Disponível em: <www.sap.sp.gov.br> Acesso em: 12-07-2016.

A propósito, a ONG também era a responsável por regulamentar as atividades

desenvolvidas pelos profissionais técnicos que atuavam no Centro de Ressocialização de

Araçatuba. Todavia, esse convênio fora encerrado no ano de 2014. Diante do exposto, o

Estado passou a exercer sua função precípua no CR que havia sido delegada à ONG CRISEP

e os servidores da Secretaria de Administração Penitenciária passaram a atuar nas funções até

então exercidas pelos profissionais técnicos que compuseram a ONG. A saber, o Poder

Público tem o poder-dever de atuar nos Centros Penitenciários, proporcionando integral

assistência ao internado, aos egressos, sendo o garante desses indivíduos e os auxiliando para

o retorno ao convívio social. (Disponível em: <www.sap.sp.gov.br> Acesso em: 12-07-2016).

Dessa forma, o Centro de Ressocialização não busca somente a justiça retributiva ou

preventina, como nos sistemas penalistas clássicos, mas também a justiça restaurativa, pela

qual o infrator não somente cumpre sua pena segundo as normas do Direito Penal, mas

também busca amparo social para a solução dos problemas que o envolveram na prática da

conduta criminosa.

Nas palavras de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabrini (2014, p. 49):

Superada a fase histórica em que a pena era tida apenas como retribuição ou

prevenção criminal, passou-se a entender que sua finalidade precípua, na fase

executória, era a de reeducar o criminoso, que dera mostras de sua inadaptabilidade

social com a prática da infração penal.

Dessa forma, é relevante destacar ainda que:

Surgiram assim os sistemas penitenciários fundados na ideia de que a execução

penal deve promover a transformação do criminoso em não criminoso,

possibilitando-se métodos coativos para operar-se a mudança de suas atitudes e de

seu comportamento social.

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Como visto, a assistência acaba transcendendo a mera aplicação do positivado na Lei

de Execuções Penais, abarcando em seus fundamentos a finalidade reeducadora dos

ressocializandos, com base no respeito próprio e no sentimento de responsabilidade, por meio

de técnicas provindas das ciências antropológicas, psiquiátricas e sociológicas, o que deu

ensejo à conversão do modelo penitenciário que passou a ser denominado de tratamento

penitenciário.

Ainda nesse sentido, dispõe as Regras Mínimas da ONU para o tratamento de

prisioneiros, número 59 que a ressocialização é alcançada quando o sistema penitenciário

emprega todos os meios curativos, educativos, morais, espirituais e de outra natureza,

aplicando todas as formas de assistência que puder dispor.

59. Para alcançar esse propósito, o sistema penitenciário deve empregar, tratando de

aplicá-los conforme as necessidades do tratamento individual dos delinqüentes,

todos os meios curativos, educativos, morais, espirituais e de outra natureza, e todas

as formas de assistência de que pode dispor.

Nos ditames do art. 11 da Lei de Execuções Penais nº 7.210/84 a assistência é gênero e

se subdivide nas seguintes espécies, sendo a primeira Assistência Material, logo temos a

Assistência à saúde, seguida da Assistência Jurídica, por fim, a Assistência Educacional,

Assistência Social e 6. Assistência Religiosa.

3.3.1. Assistência Material

Nas palavras do Professor Renato Marcão (apud MIRABETE, 2014, p.12) e art. 12,

LEP “a assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de

alimentação, vestuário e instalações higiênicas”.

Acerca da alimentação de um Centro de Ressocialização, vale frisar que é

completamente diversa de uma penitenciária tradicional, a começar pela alimentação saudável

servida no Centro de Ressocialização. É relevante dizer que existe todo um trabalho

desenvolvido por nutricionistas que acompanham a rotineira alimentação dos

ressocializandos, bem como os exames laboratoriais que apontam ou não doenças decorrentes

de hábitos alimentares e as provenientes de outras causas e que requer certa atenção dos

profissionais. Nesse sentido, tal acompanhamento é de suma importância, visto que se têm nas

unidades dos CR’s hipertensos, cardíacos, dentre outros.

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Vale frisar o disposto nas Regras Mínimas da ONU, 20.1 “A administração fornecerá

a cada preso, em horas determinadas, uma alimentação de boa qualidade, bem preparada e

servida, cujo valor nutritivo seja suficiente para a manutenção da sua saúde e das suas forças”.

(Disponível em: www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/fpena/lex52.htm Acesso em: 01-08-2016)

Embora a alimentação seja direito do reeducando, cumpre-nos destacar, nas palavras

de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (2014, p. 54) “uma boa alimentação não vai

fazer feliz um homem que está na prisão, mas evita os motins e, por isso, a alimentação não

deve ser descuidada, mas, pelo contrário, escrupulosamente atendida”.

Em síntese, além de propriamente atender a um direito do ressocializando, com o fim

de preservar a dignidade da Pessoa Humana, respeitando a integridade física do indivíduo e,

proporcionando-lhe, também, a água potável para sua sobrevivência, conspira a evitar os

motins nos Centros de Ressocialização.

Fotografia 2: Centro de Ressocialização de Araçatuba

Fonte: Produzida pelo autor, especialmente para este trabalho (2016).

No tocante ao vestuário, nas condições apresentadas no regulamento interno do

estabelecimento prisional, deve estar em conformidade com os padrões climáticos, de forma a

assegurar o bem estar de todos os detentos. Aliás, também visa padronizar o uso de roupas de

todos os detentos, para que não haja quaisquer discriminações entre eles.

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A saber, dispõe a LEP que constituem direitos dos detentos a alimentação suficiente,

bem como o vestuário dos ressocializandos, assim dispõe “Art. 41 - Constituem direitos do

preso: I - alimentação suficiente e vestuário”;

Por fim, as instalações de um centro penitenciário devem estar em conformidade com

os padrões higiênicos suficientes para o cumprimento de pena do ressocializando. No que

desrespeita ao Centro de Ressocialização, em especial, o de Araçatuba, vislumbra-se o

completo atendimento ao disposto na Lei de Execuções Penais.

10. Todas os locais destinados aos presos, especialmente aqueles que se destinam ao

alojamento dos presos durante anoite, deverão satisfazer as exigências da higiene,

levando-se em conta o clima, especialmente no que concerne ao volume de ar,

espaço mínimo, iluminação, aquecimento e ventilação. 11. Em todos os locais onde

os presos devam viver ou trabalhar.

Ainda, dispõe o art. 13 da referida Lei - LEP - O estabelecimento disporá de

instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais

destinados à venda dos produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração.

Segundo Júlio F. Mirabete (2014, p.19) a regra do Art. 13 se justifica em razão da

“natural dificuldade de aquisição pelos presos e internados de objetos materiais, de consumo

ou de uso pessoal”. A fim de eliminar essa natural dificuldade na aquisição de objetos de

consumo ou uso pessoal, o Centro de Ressocialização estabeleceu em suas dependências o

denominado “pecúlio”, ou seja, um mini comércio realizado uma vez por mês, cuja finalidade

é suprir eventuais necessidades pessoais que tenham os ressocializandos, servindo-se,

inclusive, da remuneração fruto de seu labor para obtenção de tais necessidades.

Fotografia 3: Centro de Ressocialização de Araçatuba

Fonte: Produzida pelo autor, especialmente para este trabalho (2016).

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3.3.2. Assistência à Saúde

A ciência comprova que as doenças são decorrentes não somente de hábitos

alimentares ou geneticamente, mas também são consequências do meio em que vivemos.

Com os ressocializandos não é diferente, nas palavras de Mirabete (2014, p.56-57):

É conhecida, aliás, a ocorrência da psicose carcerária, constituída de sintomas,

síndromes e estados patológicos provocados ou desencadeados pela própria natureza

da situação carcerária da qual fazem parte: “atmosfera” opressiva, resultante da

interação de sentimentos e estados psicológicos negativos, como, por exemplo,

vingança, rancor, tristeza, desconfiança, aflição, medo etc., frustrações de ordens

diversas, como, por exemplo, alimentares, afetivas, sexuais, de trabalho etc., não

compensadas; más condições de higiene, alimentação, vestuário etc., que são

capazes de provocar ou desencadear não só doenças somáticas, mas também

perturbações e/ou doenças psíquicas e/ou psicossomáticas.

E, ainda, continua a prelecionar o doutrinador Mirabete:

Há doenças que podem ser provocadas ou desencadeadas pelas más condições de

higiene, alimentação, vestuário etc., como, por exemplo, as decorrentes de

alimentação inadequada qualitativa ou quantitativamente, da falta de atividade física,

da subnutrição ou desnutrição etc. Por fim, existe a possibilidade de doenças cujas

causas são independentes das condições carcerárias e as lesões provocadas por

acidentes do trabalho prisional ou comuns e pelas agressões sofridas pelo condenado

na prisão. (2014, p.58)

Em síntese, as doenças podem ser ocasionadas por causas naturais, como também pelo

ambiente em que o ressocializando se encontra. Mais especificamente, no caso do Centro de

Ressocialização de Araçatuba, temos o fiel acompanhamento dos detentos pelos profissionais

técnicos das áreas da saúde, bem como médicos, enfermeiros, nutricionistas e dentistas, a fim

de assegurar as condições necessárias para o cumprimento de pena com a adequada saúde do

indivíduo, visto que o ser não é pura e simplesmente um mero detento, todavia, alguém

carente de cuidados, em que pese tenha errado, anseia retornar ao convívio em sociedade.

Por essa razão, dispõe a Resolução nº 7 de 14 de abril de 2003:

Art. 1º. Por entender que uma boa atenção à saúde constitui um fator importante

para a valorização da cidadania, além de reduzir as tensões inerentes às condições

carcerárias, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária resolveu

recomendar adoção de um elenco mínimo de ações de saúde que deve ser

implantado nos sistemas penitenciários dos Estados. Grifos nossos.

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3.3.3. Assistência Jurídica

Nos termos da Constituição Federal, deverá o Estado prestar assistência jurídica

integral e gratuita aos que comprovarem não possuírem dos recursos cabíveis, sem o

comprometimento de suas necessidades vitais e de seus familiares. Todavia, tal comprovação

se dará mediante atestado de hipossuficiência a instruir os autos. Nesse sentido, art. 5º LXXIV

- o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência

de recursos;

Nesse sentido, também encontra-se positivado na Lei de Execuções Penais “Art. 15. A

assistência jurídica é destinada aos presos e aos internados sem recursos financeiros para

constituir advogado”.

Aos litigantes, em processos judiciais e administrativos, e aos acusados em geral, são

assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (Art. 5º,

LV, CF/88).

Preleciona Manoel Pedro Pimentel (apud MIRABETE, 2014, p.61):

Os três pilares básicos da disciplina em uma penitenciária, tão importantes quanto o

trabalho e o lazer são as visitas, a alimentação e a assistência judiciária. Destas três

exigências comumente encarecidas pelos sentenciados, a mais importante parece-

nos, é a assistência judiciária. Nenhum preso se conforma com o fato de estar preso

e, mesmo quando conformado esteja, anseia pela liberdade. Por isso, a falta de

perspectiva de liberdade ou a sufocante sensação de indefinida duração da pena são

motivos de inquietação, de intranquilidade, que sempre se refletem, de algum modo,

na disciplina. É importante que o preso sinta ao seu alcance a possibilidade de lançar

mão das medidas judiciais capazes de corrigir eventual excesso de pena, ou que

possa abreviar os dias de prisão. Grifos nossos.

É de suma importância ressaltar que o advogado é indispensável ao ordenamento

jurídico, visto que todos têm o direito à defesa técnica, com a garantia do contraditório e

ampla defesa, nos termos constitucionais.

No tocante ao Centro de Ressocialização, essa defesa era exercida por advogados

contratados por meio de convênio com a ONG CRISEP. Todavia, com a instituição da Lei nº

13.019 de 31 de Julho de 2014, ficou estabelecido que tal defesa técnica originalmente deverá

ser exercida pela Defensoria Pública, e, atualmente, assim o é. (Disponível em:

<www.sap.sp.gov.br> Acesso em: 12-07-2016)

O advogado tem como função precípua a contribuição para o adequado cumprimento

de pena, no que desrespeita à dosimetria, bem como não permitir os erros judiciários, prisões

sem fundado motivo legal e, por fim, preservar a disciplina no âmbito de um Centro

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Penitenciário. Ademais, cabe ao advogado a manutenção da prisão, por meio de remédios

jurídicos, como o Habeas Corpus e Revisões Criminais, quando presentes algumas das

hipóteses estabelecidas no Art. 621, CPP e, requerendo benefícios aos detentos.

Fotografia 4: Centro de Ressocialização de Araçatuba

Fonte: Produzida pelo autor, especialmente para este trabalho (2016).

3.3.4. Assistência Educacional

Nos termos da Lei de Execuções Penais “Art. 17. A assistência educacional

compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado”.

Acerca dos estudos, no momento do ingresso do ressocializando na unidade do Centro

de Ressocialização, os profissionais técnicos realizam uma avaliação pedagógica que medirá

o nível de conhecimento do detento. Por meio dessa avaliação, obtido o resultado

comprovando o grau de escolaridade do indivíduo, será este direcionado às turmas de ensino

para que prossigam os estudos do nível de aprendizagem em que se encontra, a fim de que

não sejam obstruídos.

Vale ressaltar que a unidade do Centro de Ressocialização atende aos ressocializandos

que se encontram no nível fundamental e médio. E, aos ressocializandos que cumprem pena

em regime semiaberto, tem-se a possibilidade do ensino profissionalizante.

A propósito, o CR contém em suas dependências salas de estudos e biblioteca com

grande acervo de livros para atender aos ressocializandos estudantes.

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É por meio dos estudos que novamente é feito o trabalho de reflexão sobre os

momentos da prática do crime e a demonstração de que o conhecimento levará o

ressocializando a se reintegrar socialmente.

Além dos valores sociais introduzidos através do ensino de qualidade, vislumbra-se

que esse incentivo aos estudos também proporciona ao indivíduo a possibilidade de remição

de penas, visto que a cada 12 (doze) horas estudadas, equivalerá a 1 (um) dia remido do total

da pena a cumprir, conforme dispõe a Lei de Execuções Penais “Art. 126. O condenado que

cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo,

parte do tempo de execução da pena”.

Fotografia 5: Centro de Ressocialização de Araçatuba

Fonte: Produzida pelo autor, especialmente para este trabalho (2016).

3.3.5. Assistência Social

Conforme disposto no Art. 22 da Lei de Execuções Penais “Art. 22. A assistência

social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à

liberdade”.

Define Simone Paré (apud MIRABETE, 2014, p.69) serviço social como sendo “A

arte de adaptar o homem à sociedade e a sociedade ao homem”.

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Nesse sentido, expõe, também, Mirabete (2014, p.69) “O Serviço Social, como arte,

consiste na aplicação dos conhecimentos, teoria e doutrinas que, subordinados a princípios,

constituem a Ciência do Serviço Social, para alcançar e, assim, obter bem-estar.”

Em outras palavras, é o serviço social o responsável por recuperar aspectos sociais do

indivíduo que se romperam no momento da prática da conduta delituosa. Por meio de sua

equipe, realiza-se um trabalho em conjunto com a família do próprio ressocializando, sanando

dificuldades, a fim de possibilitar o convívio novamente em sociedade, quando de sua

liberdade.

O Artigo 23 da LEP dispõe alguma das incumbências do Serviço Social, a saber:

conhecer os resultados dos diagnósticos e exames; relatar, por escrito, ao diretor do

estabelecimento, os problemas e as dificuldades enfrentados pelo assistido; acompanhar o

resultado das permissões de saídas e das saídas temporárias; promover a orientação do

assistido, na fase final do cumprimento da pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu

retorno à liberdade; providenciar a obtenção de documentos, dos benefícios da previdência

social e do seguro por acidente de trabalho; orientar e amparar, quando necessário, a família

do preso, do internado e da vítima.

Fotografia 6: Centro de Ressocialização de Araçatuba

Fonte: Produzida pelo autor, especialmente para este trabalho (2016).

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3.3.6. Assistência Religiosa

A religião tem obtido progressos na ressocialização do indivíduo, visto que tem

conseguido transformá-lo potencialmente. A propósito, o homem é um ser ético e possui

necessidades das quais ele mesmo conhece ou não.

Art. 24. A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e

aos internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no

estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa.

§ 1º No estabelecimento haverá local apropriado para os cultos religiosos.

§ 2º Nenhum preso ou internado poderá ser obrigado a participar de atividade

religiosa.

Embora haja políticas motivacionais no quesito religião, deve-se preservar a liberdade

dos cultos religiosos, garantindo-se a seus participantes o adequado local para tal exercício.

3.7. Dos objetivos e funções do Centro de Ressocialização

O objetivo principal do Centro de Ressocialização é oferecer orientação, apoio,

suporte profissional e educacional ao interno, ao mesmo tempo em que ele cumpre sua pena e

se reintegra no plano social. Vale frisar que a assistência também se estenderá ao egresso, em

consonância com a Lei de Execuções Penais nº 7.210/84 “art. 10. A assistência ao preso e ao

internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência

em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso”.

Assim, se extrai da norma que a assistência, como sendo dever do Estado, tem por

objetivo não permitir o trato discriminatório, a fim de resguardar a dignidade da pessoa

humana, essa que é princípio constitucional fundamento da República Federativa do Brasil

(Art. 1,º CF/88). Sendo assim, ao detento é resguardada sua integridade física, psíquica e

moral no cumprimento de sua pena.

3.8. Do Labor

No que tange as oportunidades de trabalho, o Centro de Ressocialização oferece

oportunidades de labor assalariado aos ressocializandos que cumprem penas restritivas de

liberdade na unidade, através de parcerias com empresas que atuam em sua grande parte, no

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setor metalúrgico. São exemplos de algumas empresas parceiras do Centro de Ressocialização

de Araçatuba/SP: Susilajes Indústrias e Comércio de Lajes Ltda – ME, Gasa Indústria de

Metais Ltda, JPN Souza Santos ME, Metalúrgica Shekinah Ltda, CR Lopes Embalagens ME,

Prefeitura Municipal de Araçatuba, dentre outras. Vale ressaltar que tais oportunidades de

trabalho estão disponíveis tanto aos que cumprem pena em regime semiaberto (trabalho

externo), quanto para os ressocializandos no regime inicial fechado (trabalho interno). Nesse

sentido, é relevante destacar que no próprio Centro de Ressocialização existe micro empresas

instaladas internamente, cujo principal objetivo é propiciar ao detento que cumpre pena em

regime fechado, o labor assalariado e, consequentemente, o benefício da remição de penas.

(Disponível em: <www.sap.sp.gov.br> Acesso em: 12-07-2016).

A propósito, o trabalho e a remuneração são direitos do detento, conforme dispõe o

art. 41, II, Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. E conforme disposição do art. 28 da

mencionada Lei, “o trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade

humana, terá finalidade educativa e produtiva”.

Nas palavras de Karl Marx “o trabalho é uma ação tipicamente humana. Através dele

o homem pode mudar e moldar a natureza e também a si próprio, ou seja, o homem cresce,

dignifica, transforma, edifica a cultura e a sociedade através do trabalho”.

No aspecto da ressocialização, como brilhantemente exposto, o labor exerce direta

influência no caráter do indivíduo. É por meio dele que os valores sociais rompidos no

momento da prática delituosa lhe são devolvidos. A filosofia do Centro de Ressocialização,

através de seus métodos utilizados para que o reeducando reflita sobre o momento do crime,

enaltece o trabalho com fundamento à conscientização de sua dignidade humana e dever

social, dando-lhes, dando-lhes oportunidades suficientes para retomarem ao mercado de

trabalho, resgatando sua autoestima e capacidade para que não mais necessitar da utilização

do crime a fim de render frutos da vida civil.

Em síntese, é por meio do trabalho que o reeducando terá benefícios, assim como a

remição de penas que consiste em propiciar o abatimento do montante da pena a cada dia

trabalhado ou estudado. Ou seja, a cada três dias trabalhados, desde que o reeducando tenha

boa conduta carcerária, será remido um dia de sua pena. Enquanto que no que desrespeita aos

estudos, a cada doze horas estudadas, respeitadas as mesmas exigências, será remido um dia

de sua pena. Nada mais é que um estímulo ao reeducando e o reconhecimento pelo seu

trabalho e estudo.

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Tal previsão encontra-se positivada na Lei de Execuções Penais nº 7.210/84:

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá

remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena. § 1

o A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:

I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de

ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de

requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias; II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho. Grifos nossos.

Fotografia7: Centro de Ressocialização de Araçatuba

Fonte: Produzida pelo autor, especialmente para este trabalho (2016).

3.8.1. Remunerações fruto do labor

No tocante à remuneração dos ressocializandos, firmado o contrato com as empresas

parceiras, conforme disposição da LEP, o valor atribuído às atividades laborativas

corresponderá ao previamente ajustado em tabela, não podendo ser inferior a ¾ (três quartos)

do salário mínimo.

Ademais, a remuneração deverá visar à indenização pelos danos decorrentes do crime,

quando estipulados judicialmente e não reparados, a assistência aos familiares, às pequenas

despesas pessoais e, sobretudo, ao ressarcimento ao Estado pelos gastos tidos na unidade

prisional com o enclausurado.

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Nesse sentindo dispõe:

Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo

ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo. § 1° O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender: a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados

judicialmente e não reparados por outros meios; b) à assistência à família; c) a pequenas despesas pessoais; d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do

condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas

letras anteriores.

Contudo, tal remuneração será repassada à Secretaria do CR, essa que, atualmente, é

gestora do CR de Araçatuba. Nesse mesmo sentido, essa se encarregará de depositar parte

dessas gratificações em conta poupança em nome do ressocializando, enquanto que outra

fração ficará a cargo dos dispêndios tidos com o reeducando na unidade, a exemplo, com a

comida, a luz, a água, dentre outros, em atendimento à alínea “d” do Art. 29, da LEP,

anteriormente citada. (Disponível em: <www.sap.sp.gov.br> Acesso em: 12-07-16).

O Centro de Ressocialização, também, tem total preocupação com os reeducandos

que, após o cumprimento de pena, não possuem recursos financeiros suficientes para se

reintegrarem à sociedade, principalmente nos casos em que residem em localidade diversa da

qual se encontra o Centro. É por essa razão que há o depósito de parte da remuneração dos

reeducandos em conta poupança, para que tenham recursos suficientes para se reintegrarem à

sociedade após o cumprimento de pena.

Em adendo, enquanto alguns dos ressocializandos laboram juntamente às empresas

parceiras dos Centros de Ressocialização, outros deles desenvolvem suas atividades no

próprio CR, contribuindo para com a cozinha, a horta, a lavanderia, o “comércio” e até

mesmo as atividades artesanais. Nesse sentido, como sendo direito do ressocializando a

remuneração, os ressocializandos que se servem desse serviço rateiam essas prestações, tendo

a unidade como gestora desses serviços e colaborações.

3.9. Outras Características do Centro de Ressocialização

Embora existam várias características marcantes no Centro de Ressocialização, cabe-

nos explicitar as principais que o distinguem de um Centro Penitenciário tradicional e são

verdadeiras propulsoras dos índices expressivos da ressocialização.

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3.9.1. Interação entre os presos e profissionais

Através da intensa interação entre o preso e o profissional, o interno fica sujeito a um

tratamento baseado no valor do respeito mútuo, ou seja, enquanto o funcionário respeita o

ressocializando, recebe dele o mesmo tratamento. Também se salienta a questão da igualdade,

pela qual todos os internos são tratados do mesmo modo, onde ninguém possui mais ou

menos direitos. Portanto, torna-se o Centro de Ressocialização um ambiente agradável tanto

para aqueles que lá cumprem sua pena quanto para as equipes que lá exercem sua profissão.

Aliás, não há registro de ameaças envolvendo funcionários e reeducandos.

Destaca-se também o comprometimento profissional, pessoal e social dos funcionários

que atuam no Centro de Ressocialização, já que deles se exige maior proximidade com o

interno reeducando. Entre as equipes há uma enorme interação e dependência, haja vista que

ninguém tem o poder de decidir sem discutir e dialogar com os demais profissionais.

3.9.2. Chamamento Nominal

Embora seja direito fundamental do indivíduo e encontra-se positivado na Lei de

Execuções Penais, grandes Centros Penitenciários, em razão da grande quantidade de detentos

e situações precárias que promovem o caos na população carcerária não cumprem com o

chamamento nominal.

Entretanto, vale ressaltar que no Centro de Ressocialização, os ressocializandos são

devidamente chamados pelo nome, o que torna da relação entre profissional e detento mais

agradável, sujeita a menos riscos ou, nas palavras do próprio diretor do Centro de

Ressocialização de Araçatuba: “é uma relação pautada em recíproco respeito entre

ressocializando e agente penitenciário, por tais motivos é que não temos registros de graves

ameaças”. “Art. 41 - Constituem direitos do preso: XI - chamamento nominal”. Assim como a

característica mencionada, vale ressaltar outras de grande relevância.

3.9.3. Dignidade da Pessoa Humana

Os Centros de Ressocialização tem como principal objetivo a assistência ao internado

visando sua reinserção social, após tratamento penitenciário. Nesse sentido, os CR’s buscam

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sobretudo, cumprir com o princípio constitucional orientador que é a dignidade da pessoa

humana.

Nas palavras de Chaves Camargo

Pessoa humana, pela condição natural de ser, com sua inteligência e possibilidade de

exercício de sua liberdade, se destaca na natureza e diferencia do ser irracional.

Estas características expressam um valor e fazem do homem não mais um mero

existir, pois este domínio sobre a própria vida, sua superação, é a raiz da dignidade

humana. Assim, toda pessoa humana, pelo simples fato de existir,

independentemente de sua situação social, traz na sua superioridade racional a

dignidade de todo ser. (Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br>

Acesso em: 22-07-2016):

Em conformidade com a jurisprudência atual, vejamos:

DECISÃO: ACORDAM os Senhores integrantes da Quinta Câmara Criminal do

Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em não

conhecer do recurso 1 e dar provimento ao recurso 2, nos termos do voto do Relator.

EMENTA: RECURSO DE AGRAVO (01) - MINISTÉRIO PÚBLICO DO

ESTADO DO PARANÁ - CONCESSÃO INICIAL DE CUMPRIMENTO DO

REGIME SEMIABERTO COM MONITORAÇÃO ELETRÔNICA -

INSURGÊNCIA - JUÍZO DE RETRAÇÃO QUE REVOGOU O BENEFÍCIO

CONCEDIDO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL DO AGENTE

MINISTERIAL - RECURSO NÃO CONHECIDO.RECURSO DE AGRAVO (02) -

REEDUCANDA - PEDIDO DE MANUTENÇÃO DA PRISÃO DOMICILIAR

COM MONITORAÇÃO ELETRÔNICA - ALTERAÇÃO SUPERVENIENTE DA

SITUAÇÃO EXECUTÓRIA DA RECORRENTE - REFORMA QUE SE IMPÕE -

MEDIDA VIÁVEL À SOLUÇÃO DA SUPERLOTAÇÃO DO SISTEMA

PENITENCIÁRIO - RESPEITO AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA - FUNÇÃO RESSOCIALIZADORA DA PENA - INSURGÊNCIA

RECURSAL QUE MERECE ACOLHIMENTO - SENTENÇA CASSADA -

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. A monitoração por equipamento

eletrônico afigura-se como medida instrumental viável e, sobretudo, adequada a

solucionar, pelo menos em parte, a complexa superlotação do sistema prisional na

atualidade, porque, além de diminuir os custos para manutenção do preso no

sistema, acelera o processo de ressocialização, diminuindo os efeitos negativos do

aprisionamento, principalmente nos casos em que o crime foi praticado sem

violência ou grave ameaça à pessoa. 2. No Estado Democrático de Direito, se o

mecanismo de criminalização encontra limites rígidos nos valores ou interesses

sociais constitucionalmente relevantes, também o processo executório deve seguir

essa lógica, vale dizer: se possível, como é no caso dos autos, deve haver a

instrumentalização de todos os outros meios diversos da privação da liberdade em

sentido estrito, entendida como a atribuição de sofrimento corporal, numa visão

extremamente limitada do que seja responsabilizar. (TJPR - 5ª C.Criminal - RA -

1357789-6 - Curitiba - Rel.: José Laurindo de Souza Netto - Unânime - - J.

03.12.2015)

(TJ-PR - EP: 13577896 PR 1357789-6 (Acórdão), Relator: José Laurindo de Souza

Netto, Data de Julgamento: 03/12/2015, 5ª Câmara Criminal, Data de Publicação:

DJ: 1724 21/01/2016). Disponível em: <www.jusbrasil.jus.com.br/jurisprudencias>

Acesso em: 22-07-2016)

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3.10. Histórico do Centro de Ressocialização de Araçatuba/São Paulo

Em meados de 1996, a Juíza Corregedora de Araçatuba, M.M Soraya da Rocha Melo,

convidou representantes do Centro de Direitos Humanos, da Ordem dos Advogados do Brasil

(OAB) e das igrejas para a formação do Conselho da Comunidade, conforme positivado na lei

de Execução Penal (nº 7.210/1984), conforme disposto em Relatório fornecido pela Unidade

do Centro de Ressocialização:

Art. 80. Haverá, em cada comarca, um Conselho da Comunidade composto, no

mínimo, por 1 (um) representante de associação comercial ou industrial, 1 (um)

advogado indicado pela Seção da Ordem dos Advogados do Brasil, 1 (um) Defensor

Público indicado pelo Defensor Público Geral e 1 (um) assistente social escolhido

pela Delegacia Seccional do Conselho Nacional de Assistentes Sociais. Parágrafo único. Na falta da representação prevista neste artigo, ficará a critério do

Juiz da execução a escolha dos integrantes do Conselho.

Formado o Conselho da Comunidade, seus integrantes passaram a vivenciar o Sistema

Carcerário como um todo, por meio de constantes visitas, cumprindo, a saber, o disposto na

Lei de Execuções Penais, no que tange à sua competência:

Art. 81. Incumbe ao Conselho da Comunidade: I - visitar, pelo menos mensalmente, os estabelecimentos penais existentes na

comarca; II - entrevistar presos; III - apresentar relatórios mensais ao Juiz da execução e ao Conselho Penitenciário; IV - diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência

ao preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento.

A situação encontrada no Sistema Penitenciário: superlotação, fugas contínuas,

rebeliões, dentre outros déficits, bem como, o modo pelo qual se encontravam os prédios onde

muitos cumpriam penas: construções antigas e defasadas, sistemas elétrico e hidráulico

precários, local fétido e úmido.

Conforme a Lei de Execuções Penais (art. 1º) é direito do detento que o cumprimento

de pena se dê em condições harmônicas para a integração social. Nesse sentido, ratifica a

Magna Carta de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes: XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

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No que tange aos direitos e garantias do detento, brilhantemente nos ensina Bonavides

(et al, 2009, p. 203):

O cumprimento da pena, por si só, já define o quantum de resposta à comunidade

pelo crime cometido deve o apenado sofrer, não valendo, com agregação a esse

cumprimento, outros que atentem contra a sua integridade física e moral, agravando,

ainda mais, seu status.

Com o intuito de preservar tais direitos e findar todas as precariedades do Sistema

Carcerário, propiciando dignidade aos que cumprem penas, o Conselho da Comunidade

apresentou as circunstâncias encontradas à juíza que tentou minimizar os problemas,

transferindo os detentos, cuidando dos feridos, doentes, além de diversas campanhas

desenvolvidas para arrecadação de colchões, roupas, entre outros zelos.

Em 1998 os Conselheiros começaram a ampliar suas visões a cerca do sistema

carcerário por meio de viagens. Nesse sentido, dirigiram-se à Bragança Paulista a fim de

conhecerem o trabalho desenvolvido por uma ONG denominada APAC, esta, por sua vez,

com seu método obtém méritos na ressocialização e serviu de parâmetro à institucionalização

dos CR’s, conforme dados expressivos e noticiados na extranet, vejamos:

O método de Associação de Proteção e Assistência a Condenados (Apac), criado em

1973 e presente em vários estados brasileiros e até no exterior, existe também em

Itaúna. O objetivo é humanizar as prisões, melhorando as condições dos presídios e

da vida dos encarcerados. A Apac foi uma das finalistas do Prêmio Innovare, uma

das premiações mais respeitadas da Justiça brasileira. "Nosso índice de reincidência

está em torno de 10%, enquanto no sistema convencional, o percentual é de 80%.

Disponível em: <http://g1.globo.com/mg/centro-oeste/noticia/2015/01/apac-se-

destaca-por-trabalho-de-assistencia-condenados-em-mg.html> Acesso em: 01-08-

2016

Inovados, a partir dessa visita, os Conselheiros tentaram trazer para Araçatuba o

brilhante projeto desenvolvido pelo Juiz de Execuções, M.M. Nagashita Furukawa, no qual

fora o idealizador dos CRs, posteriormente ao integrar a Secretaria de Administração

Penitenciária (SAP). Sobremodo, o CR passou a tomar forma e já deixara de ser apenas plano

com a propulsora criação da ONG CRISEP (Centro de Ressocialização e Inserção Social em

Estabelecimento Penal). (Disponível em: <www.sap.sp.gov.br> Acesso em: 12-07-2016).

A CRISEP, em convênio com a SAP, lutou para conseguir o prédio onde pudesse

instalar o CR. Outra grande repercussão. Em intensas buscas, descobriram que havia uma

região localizada em área urbana para as instalações da cadeia pública. Porém, de nada

agradou aos cidadãos da cidade que abominam com a ideia de ter um CR em área urbana. As

manifestações, inclusive, fizeram com que as obras fossem por duas vezes interrompida. Mas,

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como toda dificuldade, foram superadas. Enfim, no ano de 2000, o Decreto Estadual nº

45.271 incluiu o CR de Araçatuba entre os nove que foram criados no Estado de São Paulo à

época. E, em ano posterior, deu-se a inauguração do CR de Araçatuba, mais precisamente em

04 de Setembro de 2001.

Fonte: Disponível em: <www.sap.sp.gov.br> Acesso em: 12-07-2016.

3.11. Dos requisitos para a inserção do preso ao Centro de Ressocialização

Vale dispor dos requisitos para a inserção do preso ao Centro de Ressocialização.

Ademais, vale frisar que esses podem ser tanto de ordem objetiva, como de ordem subjetiva.

Os requisitos de ordem objetiva são:

Artigo 1º- para inclusão de presos provisórios, em Centros de Ressocialização, a

expectativa de pena (pena abstrata) não poderá ser superior a 10 anos, independente

do tipo de delito cometido.

Artigo 2º- para inclusão de presos condenados a penas privativas de liberdade, em

regime fechado, em Centros de Ressocialização, o tempo de pena não poderá ser

superior a 10 anos, independente do tipo de delito cometido.

Artigo 3º- para inclusão de presos condenados a penas privativas de liberdade, em

regime semi-aberto, em Centros de Ressocialização, o tempo restante de pena a

cumprir não poderá ser superior a 10 anos, independente do delito cometido.

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Dispõe o Art. 4º da referida Resolução da Secretaria de Administração Penitenciária

que, são necessários o preenchimento de mais outros requisitos de ordem subjetiva. A saber:

I- Ser primário e não estar respondendo a nenhum outro processo criminal;

II- Residir, comprovadamente, em local, cuja distância não seja superior a 200

quilômetros;

III- Não apresentar indícios de envolvimento com quadrilhas, bandos ou facções

criminosas;

IV- Submeter-se a triagem, a ser realizada por equipe técnica específica;

V- Não apresentar registro de falta disciplinar de natureza grave, se já tiver estado

sob a custódia de outro estabelecimento carcerário/penal;

Por fim, encontra-se positivado no Parágrafo Único do respectivo artigo que deverão

integrar a equipe de que trata o inciso IV deste artigo, pelo menos 1 assistente social, 1

psicólogo e 1 diretor de segurança e disciplina de qualquer um dos estabelecimentos penais

que integrem a Coordenadoria respectiva.

3.12. Dos resultados obtidos através da Ressocialização

Fonte: Disponível em: <www.sap.sp.gov.br> Acesso em: 12-07-2016.

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CONCLUSÃO

O presente trabalho monográfico abordou a problemática vivenciada no atual século,

no tocante ao aumento da população carcerária e investimentos em Centros Penitenciários.

Em face do exposto, propõe-se a Nova Ótica do Sistema Carcerário que vem sendo aplicada

pelo Estado de São Paulo, através dos Centros de Ressocialização, estes que representam uma

inovação do Estado Paulista.

A começar pelas Evoluções das Penas desde os séculos remotos até atuais, chega-se a

conclusão que o modelo desenvolvido pelos Centros de Ressocialização é eficaz, pois não se

aplica a pena somente como forma de sanção, mas ultrapassa os limites do razoável, a fim de

englobar primordialmente o seu aspecto retributivo, ou seja, os CR’s desenvolvem vários

momentos de reflexões sobre a prática delituosa como forma de interiorizar os valores

perdidos pelos ressocializandos quando do cometimento do crime, a fim de recuperá-lo e

inseri-lo novamente ao contexto social, diminuindo com isso a criminalidade e o investimento

em Centros Penitenciários.

Os Centros de Ressocialização têm recuperado indivíduos primários ou tecnicamente

primários que participaram dos Grupos Operativos desenvolvidos pelos profissionais da

unidade e se reintegraram no plano social, apresentando números expressivos de

ressocializados e egressos que, após a saída da unidade, realizados três contatos, não

incorreram em erros novamente, conforme gráfico anexo.

É relevante destacar que o regime de prisionalização desenvolvido pelos CR’s é para

aqueles que iniciaram na vida delituosa e ainda possuem chances de serem ressocializados.

Nesse ínterim, pode-se afirmar que através das visitas ao Centro, concluiu-se que tal regime é

somente para reeducandos que verdadeiramente erraram e almejam não mais incorrerem em

erros, além de se reintegrar no plano social.

Ademais, conforme exposto no presente trabalho, a finalidade da Pena em um Centro

Penitenciário Tradicional não é alcançada, vez que as mazelas apresentadas por esse

encarceramento, tais como a superlotação, a reincidência carcerária e o envolvimento entre o

detento e a sociedade têm se tornado cada vez mais intensa e irrecuperável, pois estes Centros

acabam por constituir a temida e denominada escola do crime, visto que o indivíduo que

cumpre pena acaba por sair mais criminoso que adentrou, conforme os embasamentos

jurídicos constantes no segundo capítulo.

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Já no Centro de Ressocialização como bem destacado, a finalidade da pena é

cumprida, em razão da preocupação que tem esse modelo Paulista em trabalhar com afinco

com esses ressocializandos, mediante a total assistência dos profissionais que objetivam a

ressocialização.

Dessa forma, a filosofia proposta pelos CR’s, além de muito eficiente, deveria ser

utilizada pelo Poder Público como forma de Política Pública que visa a Segurança Nacional, o

bem estar de todos e, sobretudo, a constituição de uma sociedade livre, justa e igualitária,

conforme Art. 3º, I da Constituição Federal, tratando os iguais de forma desigual na medida

de suas desigualdades.

Caso o Estado compreendesse as razões em investir na pessoa humana, a exemplo, na

saúde e na educação que é primordial à formação do indivíduo e constitui suas bases, teríamos

pessoas melhores, com valores inatos que talvez não pudessem ser facilmente corrompidos

por outros que o levariam a cometer conduta delituosa.

O crime surgiu como um meio mais célere para se obter algo que se deseja de maneira

mais facilmente, pois as desigualdades existentes na sociedade superam o razoável e se

tornam ainda mais gritantes, pois o conflito de interesses tem prevalecido sobre um povo,

onde o mais forte vence e ainda destrói o mais fraco.

É por tal razão que o Centro de Ressocialização não condena o indivíduo, além da

própria aplicação da pena a que ele faz jus, entretanto, respeita seus valores enquanto pessoa

humana, trabalha para que ele se sinta valorizado e reconheça sua importância na vida social

alcançando, assim, a ressocialização.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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