uma etnografia sobre drogas no ambiente escolar e conformação de grupos mediante seu uso
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Uma Etnografia Sobre Drogas No Ambiente Escolar e Conformação de Grupos Mediante Seu UsoTRANSCRIPT
Uma etnografia sobre drogas no ambiente escolar e conformação de
grupos mediante seu uso
Elaine Cristina Ferreira dos Santos
UNIVASF/Ciências Sociais
Introdução
Os debates a respeito do consumo de drogas entre os jovens é pauta
constante em todas as esferas sociais. Porém essas discussões são
comumente voltadas para uma simples prevenção, baseado em um ideal
proibicionista e abolicionista das drogas.
Contudo, outras perspectivas menos moralistas com vistas à
educação para a saúde e para que cada indivíduo seja autônomo para decidir
se deve ou o que deve usar, mas de modo consciente no sentido de minimizar
ao máximo os possíveis danos que o uso ou abuso das drogas pode acarretar,
se baseiam nos princípios da redução de danos (Marllat, 1999).
Problemática
O ambiente escolar é um espaço privilegiado para o pesquisador, pois é
um palco no qual é possível apreender os discursos carregados de significado
e sentidos de mundo elaborados pelos próprios adolescentes que são um dos
principais públicos-alvo dos discursos sobre o uso de drogas. As maneiras
mediante as quais esses jovens atores significam esta temática; a possível
produção de estigmas derivados dessas significações; os possíveis recursos
discursivos passíveis de influenciar suas concepções, bem como o papel da
escola na produção desse sistema simbólico-representacional foram objeto de
nossa investigação e análise recentes.
Resultados e discussões
Ao longo do período de setembro de 2014 a julho de 2015 foi realizada
observação participante, desenvolvida em conjunto com conversas informais,
junto ao corpo docente, discente e demais funcionários do Colégio Estadual
Rui Barbosa, no período da manhã. Nos primeiros dias de observação, as
atividades foram realizadas de segunda-feira a sexta-feira, quando buscamos
nos aproximar dos alunos.
Durante as conversas informais e/ou entrevistas os alunos falaram
acerca das suas experiências com drogas, como a escola tratava o tema, e
sobre os alunos que eram tidos com suspeitos de usarem alguma substância
psicoativa, como se dava uso, se era na escola ou fora dela, em grupo ou
individualmente. Os alunos também foram questionados sobre o que eles
acham da forma como a escola lidou como os casos em que algum aluno foi
pego usando ou era suspeito de usar alguma droga, dentro ou fora da escola.
A maioria dos alunos com quais conversamos ou que participaram da
entrevista gravada afirmaram que não concordam com atitude da escola em
expulsar os alunos suspeitos ou flagrados usando drogas dentro da instituição,
somente dois consideram a ação correto, dizendo “é melhor, porque assim não
influência os outros” (trecho do diário de campo)
Durante as entrevistas gravadas dois alunos admitiram ter feito uso de
maconha e um deles de outras drogas, como LSD, principalmente em festas
Raves. Segundo eles há um tipo de droga para cada ambiente, tem aquelas
podem ser usadas no dia-a-dia, como a maconha, e outras que se encaixam
mais em festas, como a anteriormente citada, por terem um efeito alucinógeno
mais forte. Os jovens entrevistados costumam hierarquizar os tipos de drogas
como aquelas que mais viciam –crack, cocaína- e as que menos viciam –
cigarro, maconha, álcool. Ambos os alunos que admitiram ter usado drogas
ilícitas disseram ter parado com consumo, um deles por acreditar que o
dinheiro usado para comprar drogas poderia ser mais bem utilizado em outras
coisas, mas disse que não se sentir prejudicado enquanto usava: “eu usava
maconha ano passado e tive um super desempenho, muito bom mesmo, no
colégio. Tirava notas boas, me dava bem...” (trecho da entrevista gravada) O
Segundo aluno disse ter parado por medo de viciar ou de chegar a usar outra
droga “pior”, pois conhecia pessoas que começaram com a maconha e hoje
usam cocaína. Para alguns entrevistados as amizades podem sim influenciar
aqueles com a “mente fraca”, eles admitiram ter amigos ou conhecidos que
usam, mas que evitam andar para não serem incentivados. Eles mostraram
uma preocupação com o que os demais iriam pensar, mesmo achando que não
seriam induzidos ao uso. Quando perguntados sobre o comportamento dos
alunos suspeitos de usarem drogas, eles afirmaram que são tranqüilos e que
só não gostavam de ir para sala de aula, passando o tempo de aula na
“rocinha”. Porém eles ainda afirmaram que a depender do tipo de droga, como
o crack e a cocaína, o comportamento muda bastante e prejudica os estudos.
No inicio do ano letivo de 2015 descobrimos, pela coordenadora do
colégio, a presença da equipe do Proerd, um programa pauta no proibicionisto
que é ministrado pela Polícia Militar em escolas públicas e particulares da
região, com alunos do fundamental e médio, mas que somente é executado
com os alunos do fundamental no Colégio Rui Barbosa. Após sermos
apresentadas a Soldado Patrícia, responsável pelas aulas na escola, fomos
convidas pra assistir as aulas do Proerd que aconteciam todas as quintas-
feiras, nos dois últimos horários. O tema central das aulas era o “abster-se”, a
todo o momento isso era colocado em foca, dando dicas de como se manter
afastado das “más-influências”. Em conversa informal com a SD. Patricia ela
mostrou-se descrente com relação à eficácia dessas palestras e chegou a dizer
“A turma era pra ter alunos de 11, 12 anos, mas tem de 16, 17. Eles já usaram
e sabem os resultados. Como lidar com eles?” (trecho do diário de campo).
Durante a última semana de pesquisa de campo, em conversa com o ex-
vice-diretor e atual diretor do Colégio, o mesmo mostrou está se preparando
para lidar com possíveis situações de envolvimento dos estudantes com
substancias psicoativas. Em parecia com o Telecorad, um projeto entre o
governo da Bahia e a UFBA, as instituições de ensino do estado estão sendo
convidados e incentivados a participarem de cursos, para que se formem
comissões dentro das escolas pra lidar com esses casos. Os cursos são
pautados, além da prevenção, na redução de danos, como uma forma de lidar
aqueles que já disseram “sim” as drogas.
METODOLOGIA
Este estudo foi realizado no espaço pertencente ao Colégio Estadual
Ruy Barbosa, situado em Juazeiro – Bahia, com estudantes do ensino médio
do turno matutino, domiciliados em bairros tanto centrais quanto marginais da
mesma cidade. Sendo uma pesquisa qualitativa e de caráter etnográfico, nesse
contexto foram empregadas a observação participante e as conversas
informais como ferramentas metodológicas principais na investigação do
público, considerando-se sua efetiva importância para o trabalho antropológico
e para o acesso às práticas dos sujeitos em questão e os significados a elas
atribuídos. Após cada ida a campo, foram confeccionados diários de campo,
ferramenta fundamental para o extração de informações não apreendidas pelo
diálogo, contendo nossas minuciosas observações. Ademais, a partir da
utilização de um roteiro semi-estruturado construído com base no contato com
os estudantes, foram realizadas conversas informais e entrevistas gravadas em
aparelhos digitais. Essas conversas foram categorizadas no software Nvivo-10,
no intento de se obter informações essenciais quanto a conformação de grupos
conforme as práticas de uso de substâncias psicoativas. Por fim, os dados
obtidos através dos métodos supracitados foram analisados e interpretados
mediante o referencial teórico que embasa o projeto de pesquisa e os
resultados foram sistematizados em um relatório etnográfico.
CONCLUSÕES
Alguns professores se mostraram curiosos quanto ao tema, mas
somente dois conversaram sobre ele informalmente conosco e outra somente
aceitou responder as perguntas em forma de questionários, que a mesma
respondeu em casa e nos entregou posteriormente. Os mesmos não sabiam o
que aconteceu aos alunos que eram pegos pela direção, pois o máximo que
eles faziam era informar sobre o comportamento dos estudantes em sala. A
relação entre professores, direção e alunos é bastante distante, mantendo
sempre uma relação hierárquica clara, não deixando espaço para aproximação
de nenhuma maneira por parte dos professores e direção para um convívio
mais amistoso com os alunos.
Os alunos que são vistos como usuários de alguma droga ilícita são
marginalizados tanto pela direção e professores quanto pelos demais alunos
que não fazem parte do seu grupo. Passando assim eles mesmo a se
enxergarem como tal, mesmo não vendo mal algum no fato de fazerem uso de
alguma substância psicoativa, sendo, dessa maneira, incoerentes em suas
respostas quanto ao motivo de desejarem parar com o uso em certos
momentos. Sendo assim, pode-se perceber que são motivados a deixarem o
uso de alguma substância não por considerarem como um mal em si, mas
como forma de se enquadrarem nos padrões tidos como normais. Quando
esse fato não é possível, os mesmos passam a formar grupos, reunindo neles
aqueles que também não são aceitos pelos demais. Ficando cada vez mais
afastados da escola e estabelecendo uma relação como professores e direção
mais e mais tensa, não por serem maus alunos, mas por não serem bem-
vistos.
Referencia bibliográfica:
MARLATT, G.A. Redução de danos: estratégias práticas para lidar com comportamentos de alto risco. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.