uma estrutura sinodal e colegial da igreja regional … · comunhão entre igrejas de uma região...
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UMA ESTRUTURA SINODAL E COLEGIAL DA IGREJA
REGIONAL AMAZÔNICA?
Carlos María Galli, 07/09/2019
CELAM – REPAM, Bogotá
Este ensaio é um grui para a reflexão e diálogo sobre a proposta de uma nova estrutura
episcopal – colegial e sinodal, em, desde e para a Igreja regional amazônica.
Apresento a questão no marco do próximo Sínodo (1); explico o fundamento a partir de
uma renovada eclesiologia da sinodalidade (2); assumo a tradição regional da Igreja
Latino-americana y caribenha contemporânea (3); imagino uma possível estrutura
permanente da Igreja amazônica (4). Dado o caráter sintético do texto, não desenvolverei
as questões técnicas prévias ou colaterais, nem utilizarei bibliografia eclesiológica ou
canônica. Apenas citarei alguns textos teológicos e do magistério recentes.
1. A questão: uma estrutura eclesial para o rosto amazônico da
Igreja?
1. Esta Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos nos interpela para encontrar
novos caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral na Amazônia. Com
esse horizonte, o Documento de Trabalho (Instrumentum Laboris) desenvolve o
capítulo: Igreja com rosto amazônico e missionário (IL 107-114). Neste marco,
sugiro olhar para a Igreja amazônica como “Igreja regional” e pensar sua possível
configuração “sinodal” e “colegial”. Explicitar a dimensão regional e a figura
sinodal pode ajudar a delinear o pano de fundo e a forma da “fisionomia da Igreja
amazônica” (IL 146).
2. Deus, em Cristo, se vincula aos homens particularizados pelas “culturas próprias
dos povos” (AG9) e a Igreja, Povo de Deus, se realiza concretamente em cada
“grande território sociocultural” (AG, 22b). Os povos e as culturas configuram as
Igrejas de um país e uma região. O componente geocultural de uma diocese ou de
um agrupamento interdiocesano de Igrejas marca o seu rosto próprio. O Concílio
Vaticano II afirmou o valor das diversidades culturais na Igreja (cf. SC 37-40; UR
1, 6; LG 13; AG 22; AA 19). A pluralidade de espaços culturais contribui para a
pluralidade de igrejas que “falam tal língua, são tributárias de uma hierarquia
cultural, de uma visão de mundo, de um passado histórico, de um substrato
humano determinado” (EM, 62). O encontro do único Povo de Deus com as
diferentes culturas gera “a variedade de igrejas locais” (LG 23) com suas
peculiaridades teológicas, litúrgicas, espirituais, pastorais e canônicas (LG 23d,
UR 4, AG 19) e cujo dinamismo “longe de ir contra a unidade, manifesta-a
melhor” (OE 2).
A Igreja assume as culturas locais, nacionais ou regionais quando “a abertura para
as riquezas da Igreja particular responde a uma sensibilidade especial do homem
contemporâneo” (EM 62). Neste processo vai se delineando novos rostos eclesiais
e itinerários pastorais comuns (IL 113-115).
3. As Conferências Gerais do Episcopado Latino-americano e Caribenho são signos
eloquentes de um processo sinodal e colegial que foi delineando, como diz
Aparecida, “o rosto latino-americano e caribenho de nossa Igreja” (DAp 100).
Os Sínodos que se realizaram nos continentes durante a preparação do Jubileu dos
anos 2000, foram feitos importantes para demarcar a figura própria da Igreja
Católica na escala continental na América, Europa, Ásia e Ocenaia (TMA 38; EiA
8).
4. Nosso caminhar regional está aberto a novas estruturas e processos, que podem
desenvolver-se em escala regional e continental, segundo as necessidades das
igrejas vizinhas y afins. Por exemplo, nas últimas décadas apostou-se no trabalho
em redes das dioceses de fronteiras de distintos países, incluindo a ação pastoral
social e ecológica (IL 129.f.2). Estamos chamados a pensar teológica, espiritual e
canonicamente novas dinâmicas de intercâmbio sinodal intra e inter-
continentais.
A novidade do Sínodo para a Amazônia nos convida a imaginar a fisionomia
da Igreja nesta comunidade regional e gerar uma formação nova,
inter/nacional, mas infra-continental.
2. O fundamento: a sinodalidade eclesial a nível regional
A sinodalidade eclesial
1. O Papa Francisco ensina uma renovada compreensão da sinodalidade. Em
2015, ao comemorar o 50º aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos
pelo motu próprio Apostolica Sollicitudo de São Paulo VI, afirmou: “o
caminho da sinodalidade é o caminho que Deus espera da Igreja no terceiro
milênio”. Esta expressão, dita na parresia do Espírito, aprofunda seu chamado
a uma conversão pastoral e missionária para comunicar a alegria do Evangelho
(EG 27). O Papa convoca a viver a sinodalidade nos distintos níveis da vida
na Igreja, ou seja, a nível local, regional e universal. Assim, inverte-se a ordem
de referência dada nas últimas décadas, que ia do universal para o particular.
No segundo âmbito regional situa instâncias sinodais intermediárias.
“o segundo nível é aquele das províncias e regiões
eclesiásticas, os conselhos particulares e, de modo
especial, das Conferências Episcopais. Devemos
refletir para que possamos realizar ainda mais,
através destes organismos, as instâncias
intermediárias da colegialidade, quem sabe
integrando e atualizando alguns aspectos da antiga
ordem eclesiástica. O desejo do Concílio de que tais
organismos contribuam para acrescentar o espírito
da colegialidade episcopal ainda não se realizou
plenamente. Estamos na metade do caminho, em
uma parte do caminho”.1
2. Em 2018 foi publicado o documento da Comissão Teológica Internacional
(CTI): A sinodalidade na vida e na missão da Igreja (Sin). 2 Tendo como ano
de fundo o magistério do Papa Francisco e o desenvolvimento recente da
eclesiologia católica, o documento apresenta a figura sinodal da Igreja (Sin
10). Entre todos os elementos que compõem a experiência e a noção da
sinodalidade, aqui somente destaco a correlação entre o caminho, a
sinodalidade e a missão do Povo de Deus.
“Sínodo é uma palavra antiga, muito venerada pela
Tradição da Igreja, cujo significado se associa com
os conteúdos mais profundos da Revelação.
Composta pela preposição σύν, e pelo substantivo
ὁδός, indica o caminho percorridos juntos pelos
membros do Povo de Deus. Remete, portanto, ao
Senhor Jesus que se apresenta a si mesmo como ‘o
caminho, a verdade e a vida’ (Jo, 14, 6) e ao fato de
que os cristãos, seus seguidores, em sua origem
foram chamados ‘os discípulos do caminho’ (cfr.At
9,2; 19, 9-23; 22,4; 24, 14-22)” (Sin 3)
3. A Igreja sinodal caminha no Espírito de Cristo rumo ao Reino de Deus
anunciando o Evangelho.
“Na Igreja, a sinodalidade se vive ao serviço da
missão. Ecclesia peregrinans natura sua
missionaria est (AG 2), ‘ela existe para evangelizar’
(EM 14). Todo o povo de Deus é sujeito do anúncio
do Evangelho. Nele, todo batizado é convocado
para ser protagonista da missão porque todos
somos discípulos missionários. A Igreja está
chamada a ativar com sinergia sinodal os
ministérios e carismas presentes em sua vida, para
discernir, em atitude de escuta da voz do Espírito,
os caminhos da Evangelização” (Sin 53)
O documento final da Assembleia do Sínodo dos Bispos sobre os jovens cita
muitas vezes, de forma explícita e implícita, a partir de seu número 18, o
ensino da Comissão Teológica Internacional. A primeira citação recorda que
“a aposta na ação de uma Igreja sinodal é o pressuposto indispensável para um
1 FRANCISCO. Discurso na Comemoração dos 50 anos da Instituição do Sínodo dos Bispos. (17 de outubro de 2015). 2 COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL. A sinodalidade na vida e na missão da Igreja. Brasília, Edições CNBB, Documentos da Igreja 48. 2018
novo impulso missionário que envolva todo Povo de Deus” (Sin 9). Aquela
Assembleia resume está eclesiologia pastoral nesta nova expressão: a
sinodalidade missionária da Igreja.3
... a nível regional
4. A instituição sinodal variou nos distintos tempos e lugares (Sin 30,35,93,100).
A sinodalidade se concretiza assumindo o componente socio-cultural das
igrejas locais (Sin 24,58,77). No marco da vocação sinodal do Povo de Deus,
o terceiro capítulo desenvolve sobre a concreta atuação da sinodalidade
considerando os sujeitos, estruturas, processos, níveis e atos sinodais.
“A dimensão sinodal da Igreja deve expressar-se
mediante a realização e o governo dos processos de
participação e de discernimento capazes de
manifestar o dinamismo de comunhão que inspira
todas as decisões eclesiais. A vida sinodal se
expressa em estruturas institucionais e em
processos que conduzem através de diferentes
etapas – preparação, celebração, recepção – a atos
sinodais nos quais a Igreja é convocada a seguir
vários níveis de atuação de sua sinodalidade
constitutiva (Sin 76).
5. Em consonância com a inovação de Francisco, o discurso teológico-canônico
começa no plano local, segue pelo regional e culmina no plano universal (Sin
71, 77, 85, 94). A sinodalidade na Igreja particular (Sin 77-84) segue a
comunhão entre Igrejas de uma região (Sin 85-93) e o conjunto da Igreja (Sin
94-102), recolhendo tradições e estruturas do Oriente e do Ocidente. Neste
contexto está localizada A sinodalidade das Igrejas particulares a nível
regional.
“O nível regional no exercício da sinodalidade é
aquele que se dá nos reagrupamentos das Igrejas
particulares presentes numa mesma região: uma
Província – como acontecia principalmente nos
primeiros séculos da Igreja – ou um país, um
Continente ou parte dele. Trata-se de
reagrupamentos ‘organicamente unidos. ‘em união
de fraterna caridade para promover o bem comum’,
movidos ‘pelo zelo amoroso pela missão universal’
(LG 23). As origens históricas comuns, a
homogeneidade cultural, a necessidade de fazer
frente aos desafios análogos na missão, se fazem
3 Cf. SÍNODO DOS BISPOS. Os jovens, a fé e o discernimento vocacional. Documento final da XV Assembleia Geral ordinária (3-28 de outubro 2018). Brasília, Edições CNBB 2018.
presente de forma original ao Povo de Deus nas
diversas culturas e nos diversos contextos. O
exercício da sinodalidade neste nível promove o
caminho comum das Igrejas particulares, reforça os
vínculos espirituais e institucionais, favorece o
intercâmbio de dons e sintoniza as opções pastorais
(NMI 29). Em particular, o discernimento sinodal
pode inspirar e alentar opções comuns para
‘procurar novos processos de evangelização da
cultura’ (EG 69) (Sin 85).
6. Os parágrafos seguintes recordam raízes históricas e formas atuais da
sinodalidade regional:
“Desde os primeiros séculos, tanto no Oriente como
no Ocidente, as Igrejas fundadas por um Apóstolo
ou por um de seus colaboradores, cumpriram uma
tarefa específica no âmbito de sua Província ou
Região, enquanto se bispo foi reconhecido
respectivamente como Metropolita ou Patriarca.
Isto favoreceu o nascimento de específicas
estruturas sinodais. Nelas, os Patriarcas,
Metropolitas e Bispos de cada Igreja são
expressamente chamados a promover a
sinodalidade,4 cujo compromisso aparece ainda
mais consistente mediante a maturidade da
consciência da colegialidade episcopal que deve
expressar-se também a nível regional” (Sin 86).
O documento apresenta algumas estruturas sinodais e colegiais da Igreja latina:
“Na Igreja Católica de rito latino são estruturas
sinodais a nível regional: os Concílios particulares
provinciais e gerais, as Conferências Episcopais e os
diversos reagrupamentos destas, também a nível
continental; na Igreja católica de rito orientar: o Sínodo
Patricarcal e o Sínodo Provincial, a Assembleia dos
Hierarcas de diversas Igrejas orientais sui iuris, 5 e o
Concílio dos Patriarcas católicos do Oriente. O Papa
Francisco definiu estas estruturas eclesiais como
instâncias intermediárias da colegialidade y recordou o
que disse o Vaticano II de “que estes organismos possam
4 “Este ofício de Cabeça, da Provínicia Eclesiástica, estável através dos séculos, é um sinal distintivo da sinodalidade da Igreja”. (FRANCISCO. Motu Próprio Mitis Iudex Dominus Iesus (15 de agosto de 2015). 5 A Igreja Latina é mencionada no canon 322 do CCEO. Se trata, então, de uma forma ampla de sinodalidade interritual.
contribuir para o crescimento do espírito de colegialidade
episcopal” (Sin 87).
7. A sinodalidade é a forma de caminhar em comunhão por parte de cada igreja
local e por parte de distintas agrupações de igrejas a nível nacional, regional,
continental. A sinodalidade se realiza, entre outras formas, no caminho
comum de igrejas locais que compartilham o locus em uma província ou em
uma região intra-nacional, ou em uma nação, ou em uma região internacional
de um continente, ou em um continente inteiro. A comunhão entre diversas
igrejas particulares potencializa em sua condição eclesial e sinodal de sujeitos
(Sin 55) de uma evangelização inserida em uma região geocultural
determinada. Esta configuração em níveis regionais e continentais requer o
desenvolvimento de uma teologia sistemática das igrejas locais a partir da
catolicidade do Povo de Deus (cf. IL 107,110).
3. A tradição: a configuração da Igreja Latino-americana e
Caribenha
1. Neste grande marco se localiza a sinodalidade das igrejas da América Latina
e do Caribe. A palavra portuguesa “caminhada” expressa o itinerário desta
Igreja regional.6 A sinodalidade Latino-americana marcou o rosto singular de
nossa Igreja e sua novidade histórica. Desde 1995 a Igreja da América Latina
consolidou sua figura regional. Reúne vinte e duas conferências episcopais
coordenadas pelo Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM) que em
2015 completou 60 anos. 7
“O CELAM é um organismo eclesial de fraterna
ajuda episcopal, cuja preocupação fundamental é
colaborar para a evangelização do Continente...
tem oferecido serviços muito importantes às
Conferências Episcopais e às nossas Igrejas
Particulares, entre os quais destacamos: as
Conferências Gerais, os Encontros Regionais, os
seminários de estudos em seus diversos organismos
e instituições. O resultado de todo esse esforço é
uma fraternidade sentida entre os bispos do
continente e uma reflexão teológica e uma
linguagem pastoral comum que favorece a
comunhão e o intercâmbio entre as Igrejas” (DAp
183).”
6 6 Cf. C. M. GALLI, “Synodalität in der Kirche Lateinamerikas”, Theologische Quartalschrift 196 (2016) 75-99; “A
sinodalidade latino-americana e o Papa Francisco”, en: A. BRIGHENTI; J. PASSOS (orgs.), Compéndio das Conferéncias
dos bispos da América Latina e Caribe, São Paulo, Paulinas, 2018, 191-213.
7 L. ORTIZ, “El CELAM como servicio de comunión a las Iglesias particulares”, Medellín 162 (2015) 309-213.
2. Esta Igreja é a única comunidade de igrejas em escala continental que fez uma
recepção situada, regional, colegial e criativa do Concílio Vaticano II. Este
processo começou na II Conferência Episcopal de Medellín (1968); seguiu, à
luz da exortação Evangelii nuntiandi de Paulo VI, na 3ª de Puebla (1979);
prosseguiu no horizonte de uma nova evangelização proposta por João Paulo
II na IV Assembleia celebrada em Santo Domingo (1992). Na V Conferência
de Aparecida (2007) essa tradição foi aprofundada e impulsionou um
movimento missionário continental permanente.
3. Desde 2013 vivemos um kairós singular porque o Bispo de Roma é filho de
uma Igreja do sul, latino-americana e argentina. O Espírito Santo “sopra onde
quer” (Jo 3,8) y soprou como “uma forte rajada de vento” (At 2,2). Desde
2012 emprego uma imagem criada pelo Cardeal Kasper: “sopra o vento do
sul”. 8 Francisco foi eleito quando as periferias do globo apareceram no
coração da “urbe”. Representa a chegada do sul no coração da Igreja e a voz
do sul global no mundo. A vitalidade sinodal que a Igreja é indissociável de
sua experiência latino-americana.
De 1968 a 2018 a Igreja da América Latina completou seu ingresso inicial e
progressivo na história mundial. Paulo VI foi o primeiro sucessos de Pedro
que visiou a América Latina; chegou a Colômbia em 22 de agosto de 1968.
Meio século depois, em 14 de outubro de 2018, Francisco, o primeiro Papa
latino-americano, canonizou a Paulo VI. Um veio de Roma a Bogotá; o outro
foi de Buenos Aires a Roma. O primeiro Papa latino-americano canonizou o
primeiro Papa que veio a América Latina.9
4. O Cardeal Jorge Bergoglio presidiu a Comissão de Redação e conduziu a
elaboração sinodal e colegial do Documento Conclusivo, citado vinte e seis
vezes em sua exortação Evangelii Gaudium. Ontem Bergoglio contribuiu com
a mensagem de Aparecida; hoje Aparecida ajuda o ministério petrino de
Francisco. O Papa toma linhas pastorais de Aparecida e as relança
criativamente em seu programa missionário. Com ele a dinâmica sinodal de
conversão pastoral impulsionada desde a periferia latino-americana faz seu
aporte a reforma missionária da Igreja inteira. Em 1950 Yves Congar afirmava
que muitas reformas provém das periferias e são confirmadas pelo centro. 10
5. A Igreja cresce no sul. Em 100 anos de inverteu a composição geo-cultural do
catolicismo. Em 1910, 70% dos batizados católicos vivia no Norte (65% na
Europa) e 30% no Sul (24% na América Latina). Em 2010 apenas 32% vivia
no Norte (24% na Europa, 8% na América do Norte) e 68% nos continentes
do sul: 39% na América Latina, 16% na África, 12% na Ásia e 1% na Oceania.
Dois de cada três católicos vivemos no sul. No século CC o catolicismo deu
8 Cf. W. KASPER, Chiesa Cattolica, Brescia, Queriniana, 2012, 46; cf. C. M. GALLI, “En la Iglesia está soplando el Viento
del Sur”, en: CELAM, Hacia una Nueva Evangelización, Bogotá, CELAM, 2012, 161-260. 9 Relato y pienso el proceso eclesial latinoamericano de este medio siglo en: C. M. GALLI, La alegría de evangelizar
en América Latina. De la Conferencia de Medellín a la canonización de Pablo VI. 1968-2018, Buenos Aires, Agape,
2018.
10 Cf. Y. CONGAR, Vraie et fausse réforme dans l’Église, Paris, Cerf, 1950, 277.
um giro ao contrário. As nomeações dos Cardeais representam esta realidade
poliédrica e periférica.
Depois de um primeiro milênio assinalado pelas igrejas orientais e um
segundo dirigido pela igreja ocidental se vislumbra um terceiro revitalizado
pelas igrejas do sul em uma catolicidade intercultural, presidida no amor pela
sede de Roma e animada por uma dinâmica poli-cêntrica. A “terceira” igreja
está no coração da casa de Deus. 11 No passo para o século XXI e com o novo
pontificado da Igreja católica volta a reconhecer o protagonismo das periferias
e os periféricos. Isso aprofunda a crise do eurocentrismo eclesial e requer
evitar a tentação do latino-americano-centrismo.
6. A Conferência de Aparecida se antecipou a imaginar novas formações
eclesiais regionais. Por isso, antes de falar das Conferências Episcopais, se
referiu a agrupações interdiocesanas.
“O Povo de Deus se constrói como uma comunhão
de Igrejas particulares e, através delas, como um
intercâmbio entre as culturas. Neste marco, os
bispos e as Igrejas locais expressão sua solicitude
por todas as Igrejas, especialmente pelas mais
próximas, reunidas nas províncias eclesiásticas, as
conferências regionais e outras formas de
associação interdiocesana no interior de cada
nação ou entre países de uma mesma Região ou
Continente. Estas variadas formas de comunhão
estimulam com vigor as ‘relações de irmandade
entre as dioceses e as paróquias’ e fomentam ‘uma
maior cooperação entre as igrejas irmãs” (DAp
182).
7. Com este pano de fundo eclesiológico, Aparecida chamou a colaborar com as
igrejas da Amazônia:
“Criar consciência nas Américas sobre a importância da Amazônia para toda
humanidade. Estabelecer, entre as igrejas locais de diversos países sul-
americanos, que estão na bacia amazônica, uma pastoral de conjunto com
prioridades diferenciadas para criar um modelo de desenvolvimento que
privilegie aos pobres e sirva ao bem comum” (DAp 475).
8. O Documento de Trabalho para o Sínodo aprofunda esta vinculação entre
igrejas da região e as chama para avançar pelo caminho da tríplice conversão
pastoral, ecológica e sinodal (IL 5). A conversão sinodal leva a assumir a
região como um âmbito na qual Deus convoca o seu Povo.
“Além disso, podemos dizer que a Amazônia – ou
outro espaço territorial indígena ou comunitário –
não é somente um ubi (espaço geográfico), mas que
11 Cf. W. BÜHLMANN, La tercera iglesia a las puertas, Madrid, Paulinas, 2ª, 1977, 157-196.
também é um quid, quer dizer, um lugar de sentido
para a fé ou a experiência de Deus na história. O
território é um lugar teológico desde onde se vive a
fé e é também uma fonte peculiar de revelação de
Deus” (IL 19).
4. A figura: uma estrutura sinodal para a Igreja regional amazônica
1. A sinodalidade configura a Igreja como Povo de Deus em marcha e assembleia
convocada pelo Senhor. O andar junto pelo caminho para realizar o projeto
do Reino de Deus e evangelizar aos povos inclusive o estar junto em
assembleias para celebrar ao Senhor ressuscitado e discernir o que o Espírito
diz às Igrejas. A comunhão no Espírito Santo (II Cor, 13, 13) é princípio da
vida sinodal. As assembleias, desde os sínodos diocesanos aos concílios
ecumênicos, são momentos privilegiados de um processo de discernimento
guiado pelo Espírito a serviço da Evangelização. A Igreja segue o ritmo da
vida: movimento e pausa, caminho e reunião, sinodalidade e sínodo. A CTI
cita palavras de Francisco na 70ª Assembleia Geral da Conferência Episcopal
Italiana.
“Caminhar juntos – ensina o Papa Fransico – é o
caminho constitutivo da Igreja: a figura que nos
permite interpretar a realidade com os olhos e o
coração de Deus; a condição para seguir ao Senhor
Jesus e ser servos da vida neste tempo ferido.
Respiração e passo sinodal revelam o que somos e
o dinamismo de comunhão que anima nossas
decisões” (Sin 120).
2. A CTI não se limita a expor a sinodalidade na Igreja, mas expõe a sinodalidade
da Igreja. Este neologismo não determina apenas um procedimento operativo
nem uma engenharia institucional, mas a específica forma de viver e atuar do
Povo de Deus que realiza e manifesta sua comunhão no caminhar juntos para
o Reindo de Deus, reunir-se em assembleias e participar na missão. A Igreja
é constitutivamente sinodal porque a sinodalidade expressa seu modus vivendi
et operandi (Sin 6, 30, 43).
O parágrafo 70 distingue três sentidos inter-relacionados da sinodalidade.
Antes disso, indica o estilo peculiar que qualifica o modo ordinário de viver e
atuar da Igreja. Em segundo lugar, inclui as estruturas e os processos que
expressam a comunhão sinodal a nível institucional. Por fim, integra a
realização de acontecimentos ou atos, chamados assembleias – de um sínodo
diocesano a um concílio ecumênico, nos quais a Igreja atua sinodalmente a
nível local, regional e universal (Sin 70).
3. Francisco, na Constituição Episcopalis Communio de 18 de setembro de 2018,
renovou a doutrina, o direito e a práxis do Sínodo dos Bispos. Compreende o
Sínodo a partir da teologia conciliar sobre o Povo de Deus, a colegialidade e
o primado; em uma Igreja toda sinodal; como um processo de escuta recíproca
da voz do Espírito; através de três fases sucessivas: preparação/consulta,
celebração/discernimento, atuação/recepção, pela participação de três sujeitos
diferenciados e unidos: Povo de Deus, Colégio Episcopal, Sucessor de Pedro;
escutando o sensus fidei fidelium pela consulta aos fiéis a partir dos
organismos sinodais das igrejas locais. 12
4. O Sínodo amazônico considera a porção do Povo de Deus inculturado na
Amazônia. O processo sinodal, aberto às interpelações de Deus, recorre três
fases sucessivas: preparação; celebração; atuação. Por isso o Instrumentum
Laboris diz: “Este processo tem que continuar durante e depois do Sínodo,
como um elemento central da futura vida da Igreja” (IL 3).
5. Neste amplo horizonte que inclui o estilo, as estruturas, o processo e a
assembleia sinodal se pode pensar uma estrutura episcopal – colegial e
sinodal – permanente da Igreja regional amazônica, na linha com a
proposta realizada no Instrumentum Laboris 129 f 3:
“Dadas as características próprias do território
amazônico, se sugere considerar a necessidade de
uma estrutura episcopal amazônica que leve a
cabo a aplicação do Sínodo”.
Esta proposição não é e nem pode ser uma entre outras, como está no
capítulo 4 da Parte III do Documento de Trabalho, mas uma linha macro-
pastoral que deve sustentar outras propostas.
6. O atual processo sinodal mostra a conveniência de criar uma estrutura
regional; a próxima assembleia do Sínodo pode discernir a melhor figura
desta sinodalidade amazônica. A experiência histórica, a eclesiologia
sinodal e o direito canônico apresentam duas figuras principais:
CONFERÊNCIA E CONSELHO. Ainda existem outras como associação,
federação e comissão.
5 A. Uma conferência episcopal regional?
“As Conferências Episcopais no âmbito de um país
ou de uma região são uma criação recente nascida
no contexto da afirmação dos Estados nacionais e
como tais foram valorizados pelo Concílio Vaticano
II (LG 23, SC 36-38) na perspectiva da eclesiologia
de comunhão. Manifestando a colegialidade
episcopal, tem como fim principal a cooperação
12 Cf. FRANCESCO, Costituzione Apostolica Episcopalis Communio sul Sinodo dei Vescovi, Cittá del Vaticano, 2018.
entre os bispos para o bem comum das Igrejas que
lhes foram confiadas, a serviço da missão nas
respectivas nacionais. Sua relevância eclesiológica
foi reivindicada pelo Papa Francisco, que convidou
a estudar suas atribuições também no âmbito
doutrinal (EG 32). Este aprofundamento deve se
realizar refletindo sobre a natureza eclesiológica
das Conferências Episcopais e a sua atuação em
uma vida sinodal mais articulada a nível regional.
Nesta perspectiva é necessário prestar atenção às
experiências que amadureceram nestes últimos
decênios, assim como também às tradições, a
teologia e ao direito das Igrejas orientais (OE 7)”
(Sin 89).
Para o Código de Direito Canônico, essas conferências podem ocorrer em uma nação ou
região.
“A Conferência Episcopal, instituição de caráter
permanente, é a assembleia de bispos de uma nação
ou território determinado, que exercem unidos
algumas funções pastorais a respeito dos fiéis de
seu território, para promover conforme a norma de
direito o maior bem que a Igreja proporciona aos
homens, sobretudo mediante formas e modos de
apostolado convenientemente acomodados às
peculiares circunstâncias de tempo e de lugar”
(CIC – 447).
A Sé Apostólica pode erigir conferências em regiões de dimensão maior ou menor a uma
nação.
“Como regra geral, a Conferência Episcopal
compreende os prelados de todas as Igrejas
particulares de uma mesma nação (CIC - 448§1).
Mas sim, a juízo da Sé Apostólica, tendo escutado
aos bispos diocesanos interessados, assim o
aconselham nas circunstancias das pessoas ou das
coisas, pode erigir-se uma Conferência Episcopal
para um território de extensão menor ou maior, de
modo que somente compreenda os bispos de
algumas Igrejas Particulares existentes em um
determinado território, ou bem aos prelados das
Igrejas Particulares de distintas nações;
correspondente a mesma Sede Apostólica dar
normas peculiares para cada uma dessas
Conferências” (CIC 2).
Uma Conferência episcopal regional pode promover processos de cooperação
colegial e sinodal entre Igrejas locais de 9 países e inculturadas no grande
território sociocultural amazônico.
6 B – Um Conselho episcopal regional?
“As mesmas razões que presidiram o nascimento
das Conferências Episcopais a nível nacional
contribuíram para a criação de Conselhos a nível
macro-regional e continental de diversas
Conferências Episcopais e, no caso das Igrejas
católicas de rito oriental, a criação da Assembleia
dos hierarcas das Igrejas sui iuris e do Conselho
dos Patriarcas das Igrejas católicas do Oriente.
Estas estruturas, prestando atenção ao desafio da
globalização, favorecem a inculturação do
Evangelho nos diversos contextos, e contribuem
para manifestar ‘a beleza deste rosto multiforme da
Igreja’, em sua unidade católica (NMI 40). Seu
significado eclesiológico e seu estatuto canônico se
aprofundam ulteriormente, atendendo ao fato de
que elas podem promover processos de
participação sinodal em ‘cada grande território
socio-cultural’ (AG 22), a partir das específicas
condições de vida e de cultura que conotam as
Igrejas particulares que formam parte destas
estruturas” (Sin 93).
Um conselho episcopal regional pode promover processos de participação e
linhas evangelizadoras comuns entre as Igrejas particulares dos 9 países do
grande território sociocultural amazônico.
7. Duas instituições episcopais? Diante da novidade que significaria combinar o
Conselho Episcopal Latino-americano e um Conselho Episcopal Amazônico,
assinalo que existem 2 antecedentes.
1) O primeir da América Latina: a compatibilidade existente entre a SEDAC
- Secretaria Episcopal da América Central, criada há 77 anos - e o CELAM
(1955).
2) O segundo caso, europeu. Desde 1980, existem duas figuras simultâneas
com objetivos e escopo diferentes: o Conselho das Conferências
Episcopais da Europa (CCEE, 1971, Sankt Gallen) e a Comissão das
Conferências Episcopais da União Europeia (COMECE, 1980, Bruxelas).
8. Pessoalmente, prefiro um Conselho, mas não me corresponde eleger uma
forma.
*Agrego que esta reflexão se limitou a estruturas episcopais colegiais que
podem ser causas para uma sinodalidade ampla com outras instituições
do Povo de Deus amazônico. De fato, a REPAM surgiu da convergência
entre CELAM, CLAR, CARITAS, etc.
9. Além da modalidade institucional, uma nova estrutura de comunhão e
discernimento colegial e sinodal deve estar aberta a novidade permanente
do Espírito.
“O discernimento comunitário implica a escuta
atenta e valente dos ‘gemidos do Espírito (Rom 8,
26) que abrem caminho através do grito, explícito
ou também mudo, que brota do Povo de Deus:
escuta de Deus até escutar com Ele o clamor do
Povo. Escuta do Povo, até respirar nele a vontade
de Deus que nos chama. Os discípulos de Cristo
devem ser ‘contemplativos da Palavra e também
contemplativos do Povo” (EG 154) (Sin 114).
Diaconato Feminino – Dom Erwin (persone probati) – não é possível pensar
em mulheres não ordenadas hoje. Isso não é Dogma.
Quem tem direito e como acessar o ministério ordenado?
Judite: escrever proposta sobre água.
Ima: terra, território.
Ministerialidade: ordenação de casados.
Antônio Almeida
Vantuir: diálogo inter religioso e ecumenismo.
Pe. Maurício: uma intervenção sobre missionariedade. Missão não são
atividades de visita.
Henriqueta: intervenção sobre exploração sexual e tráfico de pessoas.