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Globalização e espaço geográfico E ste capítulo pretende analisar como vem se constituindo a esfera das relações humanas no contexto da chamada globalização, obser- vando seu alcance e repercussão em diversos cenários, como os do trabalho, da produção econômica, das cidades e, claro, da vida cotidiana. Uma escala global de relações humanas Considere o esquema e a letra de música a seguir. A experiência do espaço e do tempo. 1500-1840 A melhor média de velocidade das carruagens e dos barcos a vela era de 16 km/h 1850-1930 As locomotivas a vapor alcançavam em média 100 km/h: os barcos a vapor, 57 km/h Anos 1950 ~ Aviões a propulsão: 480-640 krn/h Anos 1960 em Jatos de passageiros: 800-1.100 km/h HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992. p. 220.

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Page 1: Uma escala global de relações humanas · das relações humanas no contexto da chamada globalização, obser- ... De outro lado, a ideia de mun-do, o mundo de todos nós, o mundo

Globalização e espaço geográfico

Este capítulo pretende analisar como vem se constituindo a esferadas relações humanas no contexto da chamada globalização, obser-vando seu alcance e repercussão em diversos cenários, como os do

trabalho, da produção econômica, das cidades e, claro, da vida cotidiana.

Uma escala global de relações humanas

Considere o esquema e a letra de música a seguir.

Aexperiência do espaço e do tempo.

1500-1840

A melhor média de velocidade das carruagense dos barcos a vela era de 16 km/h

1850-1930

As locomotivas a vapor alcançavam em média100 km/h: os barcos a vapor, 57 km/h

Anos 1950

~Aviões a propulsão: 480-640 krn/h

Anos 1960emJatos de passageiros: 800-1.100 km/h

HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992. p. 220.

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;,i.l Ler letra de música li

ParabolicamaráGilberto Gil

Antes mundo era pequenoPorque Terra era grandeHoje mundo é muito grandePorque Terra é pequenaDo tamanho da antena parabolicamaráÊ, volta do mundo, camaráÊ, ê, mundo dá volta, camará

Antes longe era distantePerto, só quando davaQuando muito, ali defronteE o horizonte acabavaHoje lá trás dos montes, den de casa, camaráÊ, volta do mundo, camaráÊ, ê, mundo dá volta, camará

De jangada leva uma eternidadeDe saveiro leva uma encarnação

Pela onda luminosaLeva o tempo de um raioTempo que levava RosaPra aprumar o balaioQuando sentia que o balaio ia escorregarÊ, volta do mundo, camaráÊ, ê, mundo dá volta, camará

Esse tempo nunca passaNão é de ontem nem de hojeMora no som da cabaçaNem tá preso nem fogeNo instante que tange o berimbau, meu camaráÊ, volta do mundo, camaráÊ, ê, mundo dá volta, camará

De jangada leva uma eternidadeDe saveiro leva uma encarnaçãoDe avião, o tempo de uma saudade

Esse tempo não tem rédeaVem nas asas do ventoO momento da tragédiaChico, Ferreira e BentoSó souberam na hora do destino apresentarÊ, volta do mundo, camaráÊ, ê, mundo dá volta, camará

GIL, Gilberto, Parabolicamará, Rio de Janeiro: Warner Music, 1992, faixa 2,© GEGE EDIÇOES MUSICAIS LTOA (Brasil e América do Sul)/PRETA MUSIC (Resto domundo), Todos os direitos reseMldos.

Viver, Aprender Expandido - Volume 3

Converse com seus colegas sobre:

1. Quais "pistas" o esquema e a música trazempara compreender a globalização?

2. Existe algo em comum entre o que diz o es-quema e a letra da canção? Existe divergên-cia na visão de cada um?

3. Algo chamou sua atenção no título da can-ção de Gilberto Gil? O quê?

4. A partir do esquema e da música, quais ideiasestão em jogo? Prepare uma lista com algu-mas noções e processos que você observouem ambos.

5. Essasideias fazem algum sentido para você?Você está de acordo com elas?

Uma escala global de relaçõeshumanas

O esquema mostrado na abertura do capí-tulo foi elaborado pelo geógrafo norte-ameri-cano David Harvey, enquanto "Parabolicama-rá" é a letra de uma canção de Gilberto Gil,gravada em 1992. Note que o esquema mostraa evolução técnica dos sistemas de transpor-te, do século XVI até os dias de hoje. Nes-se percurso, aumentou a velocidade médiados meios de transporte à disposição (barcosa vela, trens a vapor, aviões etc.), ao mesmotempo que diminuiu o tempo gasto para per-correr as distâncias. O esquema de Harvey re-presenta um "encolhimento" do mundo.

Gilberto Gil também menciona processossimilares, como na passagem: "De jangadaleva uma eternidade / De saveiro leva uma en-carnação / De avião, o tempo de uma saudade[... ]". E mais: nos quatro primeiros versos, elediz que antes o mundo era pequeno porque aTerra era grande, ao passo que hoje o mundoficou muito maior, enquanto a Terra passou aser pequena.

Cada qual a seu modo, os autores abordamum dado central da globalização: as inova-ções tecnológicas nos sistemas de transportee de telecomunicação, permitindo percorrerdistâncias em menos tempo. O que não querdizer, obviamente, que todos os indivíduos,

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grupos sociais ou lugares tenham essa possi-bilidade técnica à sua disposição.

Indicamos até aqui algumas semelhanças.Seráque existem diferenças entre as visões apre-sentadas?Seriam elas importantes? Vejamos:

A legenda do esquema proposto por DavidHarvey assinala que vem ocorrendo um "ani-quilamento do espaço por meio do tempo".De sua parte, o texto da canção de Gilber-to Gil diz que "Hoje mundo é muito grande/ Porque Terra é pequena". Por que Terra emundo? Que relação é essa? Para GilbertoGil, o planeta (a Terra) ficou "menor" já quepode ser percorrido e apreendido com maiorfacilidade. De outro lado, a ideia de mun-do, o mundo de todos nós, o mundo comouma construção e uma possibilidade emi-nentemente humana, ficou "maior". Assim,enquanto para Harvey parece haver uma ten-dência ao desaparecimento do espaço, para omúsico brasileiro, ao afirmar que "hoje mun-do é muito grande", o que parece ocorrer éuma janela para a criação e a multiplicaçãode novos espaços e, portanto, maiores possi-bilidades para estabelecer interações sociais.Voltaremos a esses pontos mais adiante.

Globalização: enfoques e polêmicas

o termo globalização passou a ser usadocom maior frequência a partir da década de1980, especialmente em cursos de administra-ção e marketing de universidades norte-ame-ricanas, como Harvard e Stanford. Como taiscursos atendiam executivos e representantes degrupos empresariais, afirmava-se à época queera preciso criar um cenário favorável aos no-vos investimentos, dessa vez ultrapassando asfronteiras nacionais. Em outras palavras, essessegmentos pretendiam erguer um mundo cadavez mais "liberalizado" e "desregulamentado".

É preciso também assinalar que o temaainda provoca muitas polêmicas. Uma delasopõe, de um lado, aqueles que afirmam quenão há nada de novo na globalização ou mes-mo que sequer ela exista como algo próprio,já que se trataria apenas de uma nova fase deexpansão do modo de produção capitalista,em sua sanha eterna de explorar novos merca-

dos e obter lucros. Nesse grupo, alguns auto-res não hesitam em afirmar que a globalizaçãojá vem ocorrendo desde o século XVI, a partirda expansão marítimo-comercial com as gran-des navegações.

De outro lado, envolvendo tanto os críti-cos como os adeptos da globalização, estãoaqueles que pensam se tratar realmente dealgo novo, distinto de fases passadas. Algunsafirmam mesmo que já estamos vivendo ple-namente esse novo momento, em que todasas dimensões das relações sociais estariamvinculadas aos ditames da nova condição quese apresenta.

Por fim, vale notar que, entre os que achamque realmente existe um fenômeno novo aser compreendido, nem todos o denominamda mesma forma. Um exemplo: enquanto otermo "globalização" é corrente nas universi-dades, na mídia e nas palavras dos governan-tes dos Estados Unidos, intelectuais e mídiafranceses preferem denominar os novos even-tos de "mundialização". Em um outro sentidoainda, para o antropólogo brasileiro RenatoOrtiz, por exemplo, global ização refere-seaos eventos da esfera econômica, enquan-to mundialização vincula os eventos de or-dem cultural.

Uma escala global de relaçõeshumanas?

É importante ressaltar que, ao falar de glo-balização, estamos diante de um processo ex-tremamente complexo, mas também desiguale contraditório. Não seria possível apreender,nessas poucas linhas, toda a riqueza e diver-sidade envolvendo tanto os processos reais,concretos, como todas as ideias e concepçõesque existem a respeito do tema.

Partimos aqui da ideia de que existe umprocesso novo, que precisa ser compreendidoem suas diferentes faces.

Se existe verdadeiramente um processo deglobalização, quais são seus principais atores?Quais desafios e repercussões, positivas ou ne-gativas, ele traz? Como afeta a vida de milhõesde trabalhadores? Quais eventos, de fato, sedão em escala global? Ao falar de escala, es-

Capítulo 1 - Globalização e espaço geográfico

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tamos nos referindo à abrangência espacial deum determinado fenômeno.

Comecemos por assinalar alguns processosocorridos nos anos 1980 e 1990 que colabora-ram para aumentar a certeza de que era possí-vel a criação de espaços globais de relações:

• A queda do muro de Berlim, em 1989,símbolo do desmoronamento do chama-do socialismo real, que tinha a UniãoSoviética à frente. A partir daí, surge aperspectiva de se criarem novos merca-dos capital istas.

• O extraordinário desenvolvimento tec-nológico dos meios de transporte, co-municação e informação, permitindosuperar distâncias (pelo menos aquelasmedidas em quilômetros), romper isola-mentos geográficos e estabelecer novasinterações sociais.

• Valendo-nos da combinação dos avan-ços da informática e da microeletrôni-ca, temos o advento da rede mundialde computadores. Ela torna possível acomunicação instantânea e simultânea,em tempo real, entre indivíduos, grupose espaços situados em diferentes partesdo mundo. De um lado, isso traz fortesrepercussões culturais: diferentes gru-pos, povos e países passam a interagircom informações, gostos, valores e há-bitos vindos "de fora". Por outro lado,a informação passa a ser matéria-primabásica de empresas, Estados e organis-mos multilaterais. Uma empresa pode,por exemplo, enviar um novo comandoa uma de suas unidades produtivas uti-lizando esses meios e servindo-se de in-formações disponíveis sobre indicadoreseconômicos.

• A constituição de uma nova ordem eco-nômica, baseada em sistemasprodutivosflexíveis e adaptáveis. As unidades deprodução passam a ser mais enxutas e ba-seadas em tecnologias de ponta. Aumen-ta a produtividade, mas ao mesmo tempocresce o poder de decisão das empresasde transferir sedes de um país a outro ra-pidamente. Isso aumenta a possibilidadede uso de diferentes lugares para negó-cios e para a produção, o que permite a

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criação de novos espaços. Nesse caso,tais espaços passam a operar em funçãode uma lógica econômica global.

• Maior mobilidade geográfica e descen-tralização da produção econômica. Di-ferentemente do modo de operar clássi-co das empresas multinacionais, surgemas transnacionais. Tradicionalmente, aempresa multinacional instalava umafilial em outro país e passava a produ-zir para aquele e para outros mercadosnacionais. As transnacionais cada vezmais desvinculam-se de seu país de ori-gem e instalam suas unidades produtivasem diferentes pontos, passam a fabricare vender produtos para o planeta comoum todo. Portanto, como veremos adian-te, sua lógica operacional não fica maisrestrita aos interesses e às determ inaçõesde caráter nacional. Por isso, pode-se di-zer que sua ação transcende as frontei-ras nacionais.

• Criam-se blocos econômicos regionaispara proteger os mercados internos dospaíses-membros desses blocos, bem co-mo para colaborar para a sua inserçãona competitiva arena global, consideran-do-se, claro, as diferenças entre os paí-ses que compõem cada bloco e os inte-resses ou a força econômica de cada umdeles. Por exemplo, o Nafta (TratadoNorte-Americano de Livre-Comércio)pode servir para salvaguardar interessesprotecionistas norte-americanos, masnão tem facilitado a mobilidade dos tra-balhadores entre os três países-membrosdo bloco (Estados Unidos, Canadá e Mé-xico) - sobretudo dos mexicanos.

• A atuação do sistema financeiro mun-dial que, valendo-se das inovações nossistemas de comunicação e informação,cria o dinheiro que "nunca dorme". Éassim que um abalo financeiro em umdado mercado local provoca turbulên-cias no sistema como um todo. Diantede riscos, os investidores buscam ime-diatamente aplicações mais seguras, co-mo já veremos.

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Globalização: uma nova ordem?

No interior da aparente unanimidade,vozes discordantes afirmam que não há glo-balização alguma. Afinal, qual seria a sur-presa e a novidade diante do fato da forçamotriz do mundo moderno, o capitalismo,continuar seu destino expansionista pelomundo - apesar das fronteiras nacionais,que na verdade lhes opõe pouca resistên-cia? [... ]

Entretanto, há uma novidade, que está nosurgimento de uma poderosa esfera que se si-tua acima dos Estados nacionais, que é a esfe-ra global. Vejamos o exemplo de duas forçaseconômicas que a constituem:

a) O sistema financeiro especulativo. Operaem escala planetária e por ele circulam tri-lhões de dólares. Ele se instala em bolsasde valores de todo o mundo ou como em-préstimos a governos, mas nunca se teai-totieiize. Não é aplicado na produção, queexige território, e sua existência se dá numespaço eletrônico, que é seu suporte mate-rial, e é operado com instantaneidade e deforma simultânea;

b) As empresas transnacionais. O prefixotrans vem de transcendência, daquilo quetranscende, que está acima, além dos na-cionais. Empresa transnacional é aque-la empresa que não é de nacional algum.Como podem estar acima dos territóriosnacionais? Por exemplo, ocupando nes-ses países áreas especialmente preparadaspara recebê-Ias, que não seguem as mes-mas regras que valem para o restante doterritório nacional. No Brasil, prefeiturascedem terrenos e isentam empresas doIPTU, os governos estaduais eliminam to-tal ou parcialmente cobranças de ICMS e aesfera federal renegocia impostos e taxasde importação e exportação, numa verda-deira "guerra fiscal", nem sempre com re-torno econômico e social vantajoso para oslugares que vencem a disputa.

Assim, esses setores formam um pode-roso segmento da economia moderna, quese transnacionalizou e opera em escala pla-

netária. Ficou acima dos Estados nacionais.Não é americano, nem japonês e nem euro-peu. É global.

ADAPTADODE:OllVA, Jaime; GIANSANTI, Roberto. Espaço e modernidade:temas da Geografia do Brasil. São Paulo: Atual, 1999.

Responda agora às questões:

1. Para os autores, como se caracteriza a cha-mada esfera global?

2. Quais forças econômicas constituem a globa-lização, segundo os autores? Destaque o queessasforças econômicas têm em comum.

3. Com base nas informações acima, discutacom os colegas e elabore um glossário de ter-mos relacionados à globalização. Exemplos:Empresa transnacional - Sistema financeiroglobal - Fronteiras - Estadosnacionais - etc.

Vimos até aqui que a globalização atuaprioritariamente em diversas esferas da vidahumana, como a produção de bens, transpor-tes e comunicações, atividades financeiras,bem como no plano sociocultural.

Do ponto de vista geográfico, vale dizerque estamos diante de uma nova escala de re-lações humanas. Dessa forma, o global podeser entendido como o que não é nacional. Parao geógrafo Milton Santos, trata-se de compre-ender esse contexto de aceleração e instan-taneidade. Mas será que essa nova escala derelações humanas eliminou a produção de va-lores, de cultura ou de bens nos níveis localou nacional? Voltaremos a isso adiante.

Anote os termos que chamaram a aten-ção neste bloco e apresente seu significadono glossário. A seguir, vamos examinar commais detalhes o papel de alguns atores da es-fera global: trabalhadores, empresas transna-cionais, sistema financeiro e Estado nacional,cultura nacional e outras.

Empresas transnacionais

Observe e compare as fotos a seguir.Nessas fotos, vemos linhas de montagem

em diferentes momentos históricos da evolu-ção técnica dos processos produtivos. A segun-da foto mostra uma tendência contemporânea

Capítulo 1 - Globalização e espaço geográfico

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Linha de montagem de automóveis da indústria automobilística Ford no estadode São Paulo, 1983.

linha de montagem robotizada da japonesa Toyota no início dos anos 2000.

na ação dos grandes conglomerados econômi-cos: cada vez mais elas contam com sistemasinformatizados e a robotização de máquinas ecomandos operacionais. Embora isso esteja sedisseminando nos mais variados ramos empre-sariais - inclusive entre as empresas tipicamen-te nacionais -, as empresas transnacionais sãoas que mel hor se servem do novo sistema. Asmontadoras de automóveis são um caso exem-plar. Como vimos antes, as empresas procuramconstruir unidades produtivas menores e maisenxutas. Para se ter uma ideia, a unidade daVolkswagen Caminhões, em Resende (RJ),em-prega apenas algumas centenas de operários. Jávai longe o tempo em que as montadoras pos-suíam unidades com mais de 10 mil operáriose funcionários administrativos.

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Orientação para o trabalho

Tecnólogo em comércio exteriorHoje. a produção. distribuição e montagem de bens

e equipamentos se dá em escala global. em que as cor-porações instalam unidades produtivas em diferentespaíses e continentes e cada vez mais se afastam de suasorigens nacionais. Assim. no mundo globalizado. são.cada vez mais necessários profissionais que dominem asregras de funcionamento desse mercado. É o caso desseprofissional. que gerencia negócios e atividades de com-pra e venda com empresas estrangeiras ou governos deoutros países. Identificando necessidades da empresa.clientes ou fornecedores no exterior. analisa tendênciasde mercado. elabora projetos e estratégias de negóciose marketing e organiza procedimentos de importaçãoe exportação de produtos e serviços. É necessário tam-bém conhecer os sistemas de transportes e os funda-mentos do setor financeiro e de câmbio.

Formação escolar exigi da: Curso técnico (duração médiade 2 anos).

Área de atuação: O profissional dessa área pode atuar embancos. firmas de importação e exportação. no setor decomércio exterior de indústrias de grande e médio porte.em escritórios de despachos aduaneiros - encarregadosdos trâmites de envio. recebimento e conferência de mer-cadorias - e em empresas de Iogística internacional. Podecompletar sua formação em áreas como administração.economia e comércio exterior.

Por que essas empresas são chamadas detransnacionais? Aí está uma pista importante paracompreender a globalização. O prefixo "multi"quer dizer vários, e na palavra multinacional,"muitos nacionais". São empresas de uma dadaorigem nacional - norte-americana, japonesa,alemã ... - que instalavam filiais em outros países- outros "nacionais" -, adquirindo parte da na-cionalidade do país em que passava a atuar. Nocaso das transnacionais, o prefixo vem de "trans",daquilo que transcende. Assim, essasnovas em-presas operam acima ou apesar das realidadesnacionais. Então, a empresa transnacionalnão éde país algum, ela supera a origem nacional.

Como assinala o geógrafo. francês lacquesLévy, trata-se do fim do chamado jus sanguines,expressão que denota o compromisso ou origemnacional da empresa. Assim, a General Motors,norte-americana de origem, instala sua sede na

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Alemanha. Essaempresa se "deslocaliza" por-que é estratégico para ela criar empregos forados EstadosUnidos. Ela cria um circuito próprioque já não é mais nacional. O autor questionatambém se, no novo sistema, um Estado ou so-ciedade nacional pode tirar algum proveito dis-so. Ao contrário: é possível afirmar que essasempresas tiram partido ao máximo das vanta-gens de localização, pois trata-se de uma estra-tégia espacial. Em regra, elas buscam países quepossuem mercados consumidores promissores elugares dotados de infraestrutura com forte den-sidade técnica de comunicação e informação.

Aqui entra também o papel dos Estados na-cionais no processo de globalização, muitas ve-zes em posição subordinada. Parase instalar, astransnacionais recebem variados tipos de isen-ção fiscal, e até mesmo os terrenos onde serãoconstruídas as plantas industriais são doados.Vejamos o exemplo do Brasil, onde se instituiuuma verdadeira "guerra fiscal" entre os estados emunicípios para receber as novas empresas.

Cada empresa cria sua própria geografia edesenha seu próprio mapa-múndi, estabelecen-do uma rede de unidades produtivas que se co-municam e realizam a estratégia de produçãoe vendas. Importam para a empresa muito maisos pontos dessa rede do que as frações de ter-ritórios nacionais onde elas se instalam. Maisadiante examinaremos alguns efeitos perversosdessa lógica, sobretudo para os trabalhadores eregiões e países mais pobres.

Sobre os resultados da atuação dos conglo-merados econômicos, leia o texto a seguir, dopesquisador brasileiro Eduardo F. Matias, espe-cialista em direito internacional, para ter ideiada ordem de grandeza do faturamento de certosagentes econômicos.

Empresas transnacionais e perdado poder estatal

o poder econômico das transnacionaispode ser medido pelo tamanho que essasempresas alcançaram. Já na década de 1970,chamava-se a atenção para o fato de que o fa-turamento de algumas havia superado o PIB[Produto Interno Bruto] de vários países. Porexemplo, enquanto uma gigante como a Ge-neral Motors teve lucros de 1,3 bilhão de dó-

lares em 2004, países da África, como Maliou Mauritânia, apresentaram PIB que nãochega nem à metade desse valor. Hoje grandeparte do comércio não passa pelos Estados, eas transnacionais seriam as maiores respon-sáveis pelos intercâmbios mundiais. Toma-ram-se "competidoras do Estado-nação" [...]

Contudo, não é só a potência econômica queas levaram a ofuscar e submeter o poder dasnações. Essas empresas exercem um controlesem igual dos recursos, mão de obra e mercadosglobais. Além disso, elas costumam deter tec-nologias avançadas, muitas vezes inacessíveis aEstados menos desenvolvidos. Esses fatores so-mados fazem com que essas empresas ponhamem xeque o poder do Estado na condução dasatividades econômicas.

MATlAS, Eduardo F.A humanidade e suas fronteiras: do Estado soberano àsociedade global. São Paulo: Paz e Terra, 2005. p. 172-173.

A preponderância das empresas transnacio-nais, entretanto, não elimina o fato de que omovimento principal do comércio de bens einvestimentos produtivos diretos envolve ostrês grandes polos econômico-financeiros doplaneta. Neles estão situadas as nações maisdesenvolvidas.

Sistema financeiro global

Ao lado das empresas transnacionais e dosEstados nacionais, o sistema financeiro tambémé um ator importante do cenário global. Mascomo ele funciona?

Como mostra a foto a seguir, podemos afir-mar que o sistema financeiro opera em escalaglobal, 24 horas por dia. Em especial, a fatiadessesetor chamada de especulativa. Essatalvezseja a definição exata da essência do capital quecircula no sistema. A palavra "especular" vemde espelho, aquilo que se reproduz a partir desi mesmo.

Ele é chamado de especulativo porque seinstala em bolsas de valores de todo o mundoou como empréstimos a governos, mas nuncase territorializa. Ou seja, não é aplicado naprodução ou em outras atividades que exigemterritório. Sua existência se dá num espaço ele-trônico, que é seu suporte material, podendo seroperado com instantaneidade. Se ele nunca se

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