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DOCUMENTO INFORMATIVO DA OXFAM 210 RESUMO 18 DE JANEIRO DE 2016 www.oxfam.org Favela Tondo em Manila, Filipinas, 2014. Foto: Dewald Brand, Miran, para a Oxfam UMA ECONOMIA PARA O 1% Como privilégios e poderes exercidos sobre a economia geram situações de desigualdade extrema e como esse quadro pode ser revertido A crise da desigualdade global está chegando a novos extremos. O 1% mais rico da população mundial detém mais riquezas atualmente do que todo o resto do mundo junto. Poderes e privilégios estão sendo usados para distorcer o sistema econômico, aumentando a distância entre os mais ricos e o resto da população. Uma rede global de paraísos fiscais permite que os indivíduos mais ricos do mundo escondam 7,6 trilhões de dólares das autoridades fiscais. A luta contra a pobreza não será vencida enquanto a crise da desigualdade não for superada.

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DOCUMENTO INFORMATIVO DA OXFAM 210 RESUMO 18 DE JANEIRO DE 2016

www.oxfam.org

Favela Tondo em Manila, Filipinas, 2014. Foto: Dewald Brand, Miran, para a Oxfam

UMA ECONOMIA PARA O 1% Como privilégios e poderes exercidos sobre a economia geram situações de desigualdade extrema e como esse quadro pode ser revertido

A crise da desigualdade global está chegando a novos extremos.

O 1% mais rico da população mundial detém mais riquezas atualmente

do que todo o resto do mundo junto. Poderes e privilégios estão sendo

usados para distorcer o sistema econômico, aumentando a distância

entre os mais ricos e o resto da população. Uma rede global de

paraísos fiscais permite que os indivíduos mais ricos do mundo

escondam 7,6 trilhões de dólares das autoridades fiscais. A luta contra

a pobreza não será vencida enquanto a crise da desigualdade não for

superada.

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RESUMO: UMA ECONOMIA PARA O 1%

A distância entre ricos e pobres está chegando a novos extremos. O banco Credit Suisse revelou recentemente que o 1% mais rico da população

mundial atualmente acumula mais riquezas que todo o resto do mundo junto.1 Esse fenômeno foi observado um ano antes de uma previsão da Oxfam nesse sentido ter sido amplamente divulgada, às vésperas da realização do Fórum Econômico Mundial do ano passado. Ao mesmo tempo, a riqueza detida pela metade mais pobre da humanidade caiu em um trilhão de dólares nos últimos cinco anos. Essa é apenas a evidência mais recente de que vivemos hoje em um mundo caracterizado por níveis de desigualdade não registrados há mais de um século.

“Uma Economia para o 1%”2 analisa como isso aconteceu e por que, além de apresentar novas evidências alarmantes de uma crise de desigualdade que saiu do nosso controle.

A Oxfam calculou o seguinte:

Em 2015, apenas 62 indivíduos detinham a mesma riqueza que 3,6 bilhões de pessoas – a metade mais afetada pela pobreza da humanidade. Esse número representa uma queda em relação aos 388 indivíduos que se enquadravam nessa categoria há bem pouco tempo, em 2010.

A riqueza das 62 pessoas mais ricas do mundo aumentou em 45% nos cinco anos decorridos desde 2010 – o que representa um aumento de mais de meio trilhão de dólares (US$ 542 bilhões) nessa riqueza, que saltou para US$ 1,76 trilhão.

Ao mesmo tempo, a riqueza da metade mais pobre caiu em pouco mais de um trilhão de dólares no mesmo período – uma queda de 38%.

Desde a virada do século, a metade da população mundial mais afetada pela pobreza ficou com apenas 1% do aumento total da riqueza global, enquanto metade desse aumento beneficiou a camada mais rica de 1%da população.

O rendimento médio anual dos 10% da população mundial mais afetados pela pobreza no mundo aumentou menos de US$ 3 em quase um quarto de século. Sua renda diária aumentou menos de um centavo a cada ano.

A crescente desigualdade econômica é ruim para todos nós – ela mina o crescimento e a coesão social. No entanto, as consequências para as pessoas mais afetadas pela pobreza no mundo são particularmente graves.

Os apologistas do status quo afirmam que a preocupação com a desigualdade é alimentada pela “política da inveja”. Eles costumam citar a redução registrada no número de pessoas que vivem em situação de extrema pobreza como prova de que a desigualdade não constitui um problema de grandes dimensões. Essa afirmação é, no entanto, equivocada. Como uma organização estabelecida para combater a pobreza, a Oxfam acolhe inequivocamente os fantásticos avanços que ajudaram a reduzir pela metade o número de pessoas que vivem abaixo da linha de extrema pobreza entre 1990 e 2010. No entanto, se a desigualdade dentro dos países não tivesse aumentado no mesmo período, outros 200 milhões de pessoas teriam saído da pobreza. Esse número poderia ter chegado a 700 milhões se as pessoas em situação de pobreza tivessem sido mais beneficiadas pelo crescimento econômico do que os ricos.

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Uma criança olha o trânsito em Manila, Filipinas, 2014. Foto: Dewald Brand, Miran, para Oxfam

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Figura: Crescimento registrado na renda global para cada decil entre 1988 e

2011: 46% do aumento total beneficiaram os 10% do decil superior3

Não há como negar o fato de que os grandes vencedores da nossa economia global são os que estão no topo. Nosso sistema econômico é fortemente distorcido em seu favor, além de estar sendo, sem dúvida nenhuma, cada vez mais enviesado nesse sentido. Longe de escorrer aos poucos para baixo (como propalado na teoria do trickle down) e beneficiar os

mais necessitados, a renda e a riqueza estão sendo sugadas para cima a um ritmo alarmante. Uma vez lá em cima, um sistema cada vez mais complexo de paraísos fiscais e uma indústria de gestores dessa riqueza garantem que ela permaneça por lá, longe do alcance de cidadãos comuns e de seus governos. Segundo uma estimativa recente4, riquezas individuais

que somam US$ 7,6 trilhões – equivalentes a mais que o produto interno bruto (PIB) combinado do Reino Unido e da Alemanha – estão sendo mantidas offshore atualmente.

Figura: A riqueza dos 62 indivíduos mais ricos do mundo continua a crescer,

enquanto a da metade mais pobre da população mundial permanece

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Riqueza dos 50%mais pobres (embilhões de US$)

Riqueza das 62pessoas mais ricasdo mundo (segundoa revista Forbes, embilhões de US$)

US$ 7,6 trilhões

acumulados em

riquezas individuais –

mais do que o PIB

combinado do Reino

Unido e da Alemanha

– são mantidos

offshore atualmente.

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Essa crescente desigualdade econômica também acentua desigualdades existentes. O Fundo Monetário Internacional (FMI) observou recentemente que, em países caracterizados por uma maior desigualdade de renda, as lacunas entre homens e mulheres em termos de saúde, educação, participação no mercado de trabalho e representação em instituições como parlamentos também tendem a ser maiores.6

A instituição observou ainda

que a distância salarial entre os gêneros também é maior em sociedades mais desiguais. É interessante observar que 53 das 62 pessoas mais ricas do mundo são homens.

A Oxfam também demonstrou recentemente que embora as pessoas mais afetadas pela pobreza vivam em áreas mais vulneráveis a mudanças climáticas, a metade mais pobre da população mundial é responsável por apenas cerca de 10% de todas as emissões globais de gases do efeito estufa.7 Em todo o mundo, o impacto ambiental médio do 1% mais rico da

população mundial pode ser até 175 vezes mais intenso que o dos 10% mais pobres.

Em vez de estabelecer uma economia que promove prosperidade para todos, para gerações futuras e para o planeta, criamos uma economia que favorece 1% da população mundial. Como isso aconteceu e por quê?

Uma das principais tendências subjacentes dessa gigantesca concentração de riqueza e renda é o retorno crescente sobre capital em relação ao retorno sobre o trabalho. Em quase todos os países ricos e na maioria dos países em desenvolvimento, a parcela da renda nacional destinada aos trabalhadores vem diminuindo. Isso significa que os trabalhadores estão ficando com uma parcela cada vez menor dos ganhos resultantes do crescimento econômico. Por outro lado, os donos de capital têm visto o seu capital crescer consistentemente (por meio do pagamento de juros, dividendos ou lucros retidos) a uma taxa muito mais acelerada que a do crescimento das economias. A evasão fiscal por parte dos donos de capital e o fato de governos terem reduzido os impostos incidentes sobre ganhos decapital têm aumentado ainda mais esses retornos. Como Warren Buffettdeixou claro em uma de suas famosas afirmações, ele paga menos impostosdo que qualquer outra pessoa que trabalha no seu escritório – inclusive queseu faxineiro e sua secretária.

Trabalhadoras da indústria do vestuário em Mianmar viajam de volta para suas casas em Hlaing Thayar

após seu turno de trabalho na zona industrial de Yangon. Foto: Dr Kaung Thet/Oxfam

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No mundo do trabalho, a distância entre o trabalhador médio e os que estão no topo está se alargando rapidamente. Enquanto os salários de muitos trabalhadores se estagnaram, os salários recebidos pelos que estão no topo aumentaram vertiginosamente. A experiência da Oxfam com mulheres trabalhadoras em todo o mundo, de Mianmar ao Marrocos, revela que elas mal estão conseguindo sobreviver com os salários miseráveis que recebem. As mulheres constituem a maioria dos trabalhadores de mais baixa remuneração do mundo e estão concentradas nos empregos mais precários. Ao mesmo tempo, os salários de altos diretores de empresas aumentaram vertiginosamente. Os salários dos diretores executivos das maiores empresas norte-americanas aumentaram em mais da metade (54,3%) desde 2009, enquanto os dos trabalhadores permaneceram praticamente inalterados. O diretor executivo da maior empresa de informática da Índia ganha 416 vezes mais que um funcionário médio da mesma empresa. As mulheres ocupam apenas 24 dos cargos de direção executiva das empresas listadas na Fortune 500.

Figura: Nos Estados Unidos, os salários de diretores executivos estão

aumentando muito mais do que os salários dos trabalhadores médios8

Em diferentes setores da economia global, empresas e pessoas muitas vezes usam seu poder e posição para garantir ganhos econômicos para elas próprias. Mudanças ocorridas nas políticas econômicas nos últimos 30 anos – como as decorrentes da desregulação, da privatização, do sigilo financeiroe da globalização, especialmente do setor financeiro – potencializaram avelha capacidade dos ricos e poderosos de usar sua influência paraconcentrar ainda mais sua riqueza. Essa agenda política tem sidoessencialmente impulsionada pelo que George Soros descreveu como“fundamentalismo do mercado”. Esse fenômeno constitui, em grande parte,o cerne da crise de desigualdade dos nossos dias. Sua consequência é queas recompensas usufruídas por poucos não representam, em muitos casos,retornos eficientes ou justos.

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A rede de paraísos fiscais e de uma indústria de evasão fiscal que floresceu nas últimas décadas representa um exemplo inquestionável de um sistema econômico manipulado para favorecer os poderosos. Sua legitimidade intelectual tem sido endossada pela predominância global de uma visão fundamentalista de mercado, segundo a qual a baixa tributação de indivíduos e empresas ricos é necessária para estimular o crescimento econômico e representa, de alguma maneira, uma boa notícia para todos nós. O sistema é mantido por um grupo muito bem remunerado e engenhoso de profissionais dos setores bancário, jurídico, contábil e de investimentos industriais.

Os indivíduos e empresas mais ricos – os que deveriam pagar mais impostos – são justamente os que têm condições de recorrer a esses serviços e arquitetura global para evitar pagar o que devem. Essa é também uma situação que indiretamente induz governos de países fora de paraísos fiscais a reduzirem a tributação de empresas e ricos numa inexorável “corrida para baixo”.

À medida que impostos não são pagos em decorrência de uma evasão fiscal generalizada, orçamentos governamentais sofrem a pressão, a qual, por sua vez, leva a cortes em serviços públicos essenciais. Essa situação também torna governos cada vez mais dependentes de tributos indiretos, como do imposto sobre valor agregado, que recai desproporcionalmente sobre as pessoas mais afetadas pela pobreza. A evasão fiscal é um problema que está se agravando rapidamente.

A Oxfam analisou 200 empresas, entre as quais as maiores do mundo eas que são parceiras estratégicas do Fórum Econômico Mundial, everificou que nove de cada dez delas estão presentes em pelo menos umparaíso fiscal.

Em 2014, os investimentos de empresas nesses paraísos fiscais foramquase quatro vezes maiores do que em 2001.

Esse sistema global de evasão fiscal está drenando a vida de Estados de bem-estar social no mundo rico. Ele também priva países pobres de recursos necessários para combater a pobreza, colocar e manter crianças na escola e impedir que seus cidadãos faleçam em decorrência de doenças facilmente curáveis.

Quase um terço (30%) da riqueza dos africanos ricos – que totaliza US$ 500 bilhões – é mantido em paraísos fiscais offshore. Estima-se que essa prática

custe US$ 14 bilhões por ano em receitas fiscais perdidas para os países africanos. Esse valor é suficiente para oferecer serviços de saúde que poderiam salvar a vida de 4 milhões de crianças e empregar professores em número suficiente para que todas as crianças africanas pudessem frequentar uma escola.

A evasão fiscal foi corretamente descrita pela Ordem Mundial dos Advogados como um abuso de direitos humanos9 e pelo Presidente do

Banco Mundial como “uma forma de corrupção que prejudica pessoas afetadas pela pobreza”. A crise de desigualdade não poderá ser superada enquanto as lideranças mundiais não derem um fim à era dos paraísos fiscais de uma vez por todas.

Empresas que atuam nos setores do petróleo e gás e outras indústrias extrativistas estão usando seu poder econômico de muitas maneiras diferentes para garantir sua posição dominante no mercado. Isso implica custos econômicos enormes e lhes garante lucros muito maiores do que o valor que elas trazem para a economia. Elas fazem lobby para garantir subsídios governamentais – isenções fiscais – e evitar o surgimento de alternativas ecológicas. No Brasil e no México, povos indígenas são

Quase um terço (30%)

da riqueza de

africanos ricos – que

totaliza US$ 500

bilhões – é mantido

em paraísos fiscais.

Estima-se que essa

prática custe US$ 14

bilhões por ano em

receitas fiscais

perdidas para os

países africanos. Esse

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oferecer serviços de

saúde que poderiam

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milhões de crianças e

empregar professores

em número suficiente

para que todas as

crianças africanas

pudessem frequentar

uma escola.

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desproporcionalmente afetados pela destruição de suas terras tradicionais quando florestas são derrubadas para dar lugar a projetos de mineração ou de agricultura intensiva em grande escala. Quando empresas são privatizadas – como ocorreu na Rússia após a queda do comunismo, por exemplo – grandes fortunas são geradas da noite para o dia para um pequeno grupo de indivíduos.

O setor financeiro tem crescido mais rapidamente nas últimas décadas e é atualmente responsável por um de cada cinco bilionários. Nesse setor, a diferença entre salários e benefícios e o valor efetivamente agregado à economia é maior do que em qualquer outro. Um estudo realizado recentemente pela OCDE10 revelou que países com setores financeiros

inchados caracterizam-se por uma maior instabilidade econômica e uma desigualdade maior. Não há dúvida de que a crise das dívidas públicas provocada pela crise financeira, por resgates de bancos e pela subsequente adoção de políticas de austeridade tem afetado mais intensamente as pessoas pobres. O setor bancário permanece no cerne do sistema dos paraísos fiscais; a maioria da riqueza mantida offshore é gerida por apenas

50 grandes bancos.

No setor de vestuário, empresas usam constantemente sua posição dominante no mercado para continuar a pagar salários miseráveis. Entre 2001 e 2011, os salários pagos a trabalhadores do setor de vestuário na maioria dos 15 países que mais exportam artigos dessa categoria caíram em termos reais. A aceitabilidade do pagamento de salários mais baixos a mulheres tem sido descrita como um fator essencial para aumentar o lucro dessas empresas. O mundo voltou sua atenção para a situação dos trabalhadores em fábricas de vestuário em Bangladesh em abril de 2013, quando 1.134 trabalhadores morreram em decorrência do desabamento do complexo fabril de Rana Plaza. Pessoas estão perdendo suas vidas à medida que empresas se empenham em maximizar seus lucros, evitando adotar práticas necessárias de segurança. A despeito de toda a atenção e retórica, os interesses financeiros de curto prazo dos compradores ainda prevalecem nas atividades desse setor, como evidenciado pelo fato de continuarem sendo adotadas normas inadequadas contra incêndio e de segurança.

Figura: Os empregos e a produtividade do setor têxtil chinês aumentaram,

mas os salários reais se mantiveram no mesmo ritmo11

A desigualdade também é intensificada pelo poder das empresas em usar seus monopólios e propriedade intelectual para distorcer o mercado em seu favor, eliminando concorrentes e aumentando seus preços para as pessoas comuns. Empresas farmacêuticas gastaram mais de US$ 228 milhões em 2014 em atividades de lobby em Washington. Quando a Tailândia decidiu

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emitir uma licença compulsória para uma série de medicamentos essenciais – uma disposição que garante a governos a flexibilidade necessária paraproduzir medicamentos localmente a um preço bem mais baixo, sem anecessidade de obter a permissão do titular da respectiva patenteinternacional –, essas empresas pressionaram com sucesso o governo dosEstados Unidos para incluir a Tailândia em uma lista de países quepoderiam sofrer sanções comerciais.

Todos esses exemplos ilustram como e por que nosso sistema econômico atual – o da economia para o 1% – está falido. Ele está deixando de atender a maioria das pessoas, bem como o planeta. Não há dúvida de que estamos enfrentando uma crise de desigualdade – fato com o qual o FMI, a OCDE, o Papa e muitos outros concordam. No entanto, chegou a hora de fazermos algo para mudar essa situação. A desigualdade não é inevitável. O sistema atual não surgiu por acaso, ele é o resultado de escolhas políticas deliberadas, do fato de nossas lideranças estarem dando ouvidos ao 1% e aos que os apoiam em vez de agirem no interesse da maioria. Chegou a hora de rejeitar esse modelo econômico falido.

Nosso mundo não carece de riqueza. Simplesmente não faz sentido economicamente – e moralmente – permitir que tanta riqueza fique nas mãos de tão poucos. A Oxfam acredita que a humanidade pode fazer melhor do que isso, que temos o talento, a tecnologia e a imaginação para construir um mundo muito melhor. Temos a oportunidade de construir uma economia mais humana, na qual os interesses da maioria sejam colocados em primeiro lugar. Um mundo que ofereça trabalho decente para todos, no qual mulheres e homens sejam iguais, no qual os paraísos fiscais sejam algo a respeito do qual as pessoas apenas leiam em livros de história e no qual os mais ricos paguem uma fatia justa para apoiar uma sociedade que beneficie a todos.

A Oxfam está chamando as lideranças para que tomem medidas que demonstrem que elas estão do lado da maioria e que desejam, efetivamente, pôr fim à crise da desigualdade. Desde aumentos no salário mínimo a melhores medidas para regular as atividades do setor financeiro, há muito que os formuladores de políticas podem fazer para pôr fim à economia para o 1% e começar a construir uma economia humana que beneficie a todos. Eles podem:

Garantir o pagamento de um salário digno aos trabalhadores efechar a distância das bonificações dos executivos: aumentando osalário mínimo para que se torne um salário digno; garantindo atransparência na relação salário-lucro; e protegendo os direitos dostrabalhadores à sindicalização e à greve.

Promover a igualdade econômica das mulheres e seus direitos:oferecendo compensação pela prestação de cuidados não remunerados;eliminando a distância salarial entre os gêneros; promovendo direitosiguais de herança e de titularidade de terras para as mulheres; emelhorando a coleta de dados para avaliar como mulheres e meninas sãoafetadas por políticas econômicas.

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Controlar a influência de elites poderosas: estabelecendo registrosobrigatórios de atividades de lobby e normas mais robustas para conflitosde interesse; garantindo que informações de boa qualidade sobreprocessos administrativos e orçamentários sejam publicamente divulgadase facilmente acessíveis; reformando o ambiente regulatório, com ênfasena promoção da transparência governamental; separando empresas dofinanciamento de campanhas; e adotando medidas para fechar as “portasgiratórias” entre grandes empresas e o governo.

Mudar o sistema global de P&D e de fixação de preços paramedicamentos para que todos tenham acesso a medicamentosadequados e acessíveis: negociando um novo tratado global de P&D;aumentando investimentos em medicamentos, incluindo em medicamentegenéricos acessíveis; e excluindo normas de propriedade intelectual deacordos comerciais. O financiamento de P&D deve ser desvinculado dafixação de preços de medicamentos para romper os monopólios dasempresas e garantir um financiamento adequado para atividades de P&Dem torno de terapias necessárias e a acessibilidade dos produtosresultantes.

Dividir a carga tributária em bases justas: diminuindo o peso da cargatributária sobre o trabalho e o consumo e aumentando essa carga sobre ariqueza, o capital e a renda decorrente desses ativos; aumentando atransparência dos incentivos fiscais; e adotando impostos nacionais sobregrandes fortunas.

Adotar medidas progressistas em relação aos gastos públicos paracombater a desigualdade: priorizando políticas, práticas e gastos queaumentem o financiamento de sistemas públicos de saúde e educação nosentido de combater a pobreza e a desigualdade em nível nacional.Abrindo mão de promover reformas não comprovadas e impraticáveisbaseadas na lógica do mercado nos sistemas públicos de saúde eeducação e ampliando a prestação de serviços essenciais por parte dosetor público e não do privado.

Como uma questão prioritária, a Oxfam está chamando todas as lideranças mundiais para que cheguem a um acordo em torno de uma abordagem global para pôr fim à era dos paraísos fiscais.

As lideranças mundiais devem assumir um compromisso mais efetivo de pôr fim aos paraísos fiscais e a regimes tributários prejudiciais, inclusive regimes não preferenciais. Chegou a hora de pormos fim à “corrida para baixo” no sistema de tributação de empresas de um modo geral. Em última análise, todos os governos – incluindo os dos países em desenvolvimento em pé de igualdade – devem chegar a um acordo em torno da criação de um organismo fiscal global composto por representantes de todos os governos com o objetivo de garantir que os sistemas tributários nacionais não tenham implicações globais negativas.

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NOTAS

1 Banco Credit Suisse (2015) ‘Global Wealth Databook 2015’. Riqueza líquida total à taxa de câmbio constante (em bilhões de US$). http://publications.credit-suisse.com/tasks/render/file/index.cfm?fileid=C26E3824-E868-56E0- CCA04D4BB9B9ADD5

2 D. Hardoon, R. Fuentes-Nieva e S.Ayele (2016) “Uma Economia para o 1%: Como privilégios e poderes exercidos sobre a economia geram soluções de desigualdade extrema e como esse quadro pode ser revertido.”, Oxfam, http://oxf.am/Znis

3 Fonte: Cálculos da Oxfam baseados no banco de dados do Painel de Distribuição de Renda no Mundo de Lakner-Milanovic (LM-WPID) , base de dados de 2013. Criado por C. Lakner e B. Milanovic (2013) “Global Income Distribution: From the Fall of the erlin Wall to the Great Recession”, Banco

Mundial. Dados para 2011 fornecidos através de correspondência pessoal com B. Milanovic, Setembro de 2015.

4 G. Zucman (2014) ‘Taxing Across Borders: Tracking Personal Wealth and Corporate Profits’, Journal

of Economic Perspectives. http://gabriel-zucman.eu/files/Zucman2014JEP.pdf

5 Fonte: Cálculos da Oxfam baseados nos dados das fontes: a riqueza dos 50 por cento mais pobres, segundo o relatório Global Wealth Databook 2015 do Banco Credit Suisse; os dados sobre a riqueza

líquida dos 62 indivíduos mais ricos do mundo foram extraídos da lista anual de bilionários da Forbes.

6 C. Gonzales, S. Jain-Chandra, K. Kochhar, M. Newiak e T. Zeinullayev (2015) ‘Catalyst for Change: Empowering Women and Tackling Income Inequality’. FMI. http://www.imf.org/external/pubs/ft/sdn/2015/sdn1520.pdf

7 T. Gore (2015) ‘Extreme Carbon Inequality: Why the Paris climate deal must put the poorest, lowest emitting and most vulnerable people first’, Oxfam, http://oxf.am/Ze4e

8 Fonte: Extraído de L. Mishel e A.Davis (2015) “CEO Pay Has Grown 90 Times Faster than Typical

Worker Pay Since 1978”, EPI. http://www.wpi.org/publication/ceo-pay-has-grown-90-times-faster-than-typical-worker-pay-since-1978

9 M. Cohn (2013) ‘Tax Avoidance Seen as a Human Rights Violation’, Accounting Today.

http://www.accountingtoday.com/news/Tax-Avoidance-Human-Rights-Violation-68312-1.html

10 OCDE (2012) ‘OECD Employment Outlook 2012’, Publicação da OCDE. Capítulo 3, ‘Labour losing to capital: what explains the declining labour share?’. http://www.oecd.org/els/employmentoutlook-

previouseditions.htm

11 M-H. Lim (2014) ‘Globalization, Export-Led Growth and Inequality: The East Asian Story’, South Centre. http://www.southcentre.int/wp-content/uploads/2014/11/RP57_Globalisation-Export-led-

Growth-and-Inequality- rev_EN.pdf

13 www.oxfam.org

© Oxfam Internacional, Janeiro de 2016

Este documento foi redigido por Deborah Hardoon, Sophia Ayele e Ricardo Fuentes-Nieva. O resumo foi redigido por Max Lawson. A Oxfam gostaria de agradecer a Chris Hoy por ter revisado os cálculos que dão base aos principais resultados empíricos deste resumo e do documento final em si, a Branko Milanovic por ter fornecido os dados da LM-WPID de 2011 e a Branko Milanovic e Maro Lilla por seus comentários úteis sobre a metodologia da participação na renda global. Gostaríamos também de agradecer a Tony Shorrocks por ter fornecido os dados de origem do estudo do banco Credit Suisse sobre a riqueza global (Global Wealth Databook) de 2014 e informações importantes sobre a metodologia usada na elaboração do relatório do banco sobre a riqueza global (Credit Suisse Global Wealth Report). Os autores gostariam também de agradecer a Anna Coryndon por sua excelente orientação editorial e a Ana Arendar, Jaime Atienza e Katy Wright por terem nos ajudado a administrar o projeto. Recebemos contribuições de diversos membros da confederação Oxfam, como de Jon Slater, Francesca Rhodes, Rachel Wilshaw, Mohga Kamal Yanni, Uwe Gneiting, Alison Holder, Claire Godfrey e Susana Ruiz.

“Uma Economia para o 1%” faz parte de uma série de documentos elaborados para subsidiar debates públicos sobre questões relacionadas a políticas de desenvolvimento e humanitárias.

Para obter mais informações sobre as questões abordadas neste documento, favor enviar um e-mail para a Oxfam no Brasil: [email protected]

Esta publicação é protegida por direitos autorais, mas seu texto pode ser usado gratuitamente em ações de incidência, em campanhas e para fins educacionais e de pesquisa, desde que a fonte seja citada na íntegra. O titular dos direitos autorais solicita que todas essas utilizações sejam registradas para que seus impactos possam ser devidamente avaliados. Para cópias em quaisquer outras circunstâncias, reutilização em outras publicações, tradução ou adaptação, será necessário solicitar sua permissão e poderá ser cobrada uma taxa. E-mail [email protected]

As informações contidas nesta publicação estão corretas no momento da sua impressão.

Publicado pela Oxfam GB para a Oxfam Internacional sob o ISBN 978-1-78077-993-5 em janeiro de 2016. Oxfam GB, Oxfam House, John Smith Drive, Cowley, Oxford, OX4 2JY, UK.

OXFAM A Oxfam é uma confederação internacional de 20 organizações que trabalham em rede em mais de 90 países como parte de um movimento global em prol de mudanças necessárias e no intuito de construir um futuro livre da injustiça da pobreza. Favor entrar em contato com qualquer dessas organizações para obter informações adicionais ou visite o site www.oxfam.org Oxfam África do Sul – Observador Oxfam Alemanha (www.oxfam.de) Oxfam América (www.oxfamamerica.org) Oxfam Austrália (www.oxfam.org.au) Oxfam Brasil (www.oxfam.org.br) – Observador Oxfam na Bélgica (www.oxfamsol.be) Oxfam Canadá (www.oxfam.ca) Oxfam França (www.oxfamfrance.org) Oxfam GB (www.oxfam.org.uk) Oxfam Hong Kong (www.oxfam.org.hk) Oxfam Índia (www.oxfamindia.org) Oxfam Intermón (Espanha) (www.intermonoxfam.org) Oxfam Irlanda (www.oxfamireland.org) Oxfam Itália (www.oxfamitalia.org) Oxfam Japão (www.oxfam.jp) Oxfam México (www.oxfammexico.org) Oxfam Nova Zelândia (www.oxfam.org.nz) Oxfam Novib (Holanda) (www.oxfamnovib.nl) Oxfam Quebec (www.oxfam.qc.ca) IBIS – Dinamarca – Observador