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UNIVERSIDADE TIRADENTES UNIT DEPARTAMENTO DE PESQUISA E EXTENSÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS KELLEN JOSEPHINE MUNIZ DE LIMA UMA CACHOEIRA PARA XANGÔ: IMPACTOS DA URBANIZAÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA NA GRANDE ARACAJU ARACAJU-SE, BRASIL FEVEREIRO DE 2017

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UNIVERSIDADE TIRADENTES – UNIT

DEPARTAMENTO DE PESQUISA E EXTENSÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

KELLEN JOSEPHINE MUNIZ DE LIMA

UMA CACHOEIRA PARA XANGÔ: IMPACTOS DA

URBANIZAÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS COMUNIDADES

TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA NA GRANDE

ARACAJU

ARACAJU-SE, BRASIL

FEVEREIRO DE 2017

KELLEN JOSEPHINE MUNIZ DE LIMA

UMA CACHOEIRA PARA XANGÔ: IMPACTOS DA

URBANIZAÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS COMUNIDADES

TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA NA GRANDE

ARACAJU

Dissertação submetida ao Programa de Pós-

Graduação em Direito da Universidade

Tiradentes (UNIT) como parte dos requisitos

necessários para a obtenção do grau de Mestre

em Direito na área de concentração em Direitos

Humanos.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Carla Jeane

Helfemsteller Coelho Dornelles

ARACAJU-SE, BRASIL

FEVEREIRO DE 2017

UMA CACHOEIRA PARA XANGÔ: IMPACTOS DA URBANIZAÇÃO SOBRE

OS DIREITOS DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA NA

GRANDE ARACAJU

KELLEN JOSEPHINE MUNIZ DE LIMA

Aprovada por:

Prof.ª Dr.ª Carla Jeane Helfemsteller Coelho Dornelles

Orientadora

Prof. Dr. Clóvis Carvalho Britto

(Membro Externo da Banca)

Prof. Dr. Tagore Trajano de Almeida Silva

(Membro Interno da Banca)

Prof.ª Dr.ª Liziane Paixão Silva Oliveira

(Membro Suplente da Banca)

ARACAJU-SE, BRASIL

FEVEREIRO DE 2017

DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

EM DIREITO DA UNIVERSIDADE

TIRADENTES COMO PARTE DOS

REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A

OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE

EM DIREITO NA ÁREA DE

CONCENTRAÇÃO EM DIREITOS

HUMANOS.

SIB- Sistema Integrado de Bibliotecas

Lima, Kellen Josephine Muniz de

L732c Uma cachoeira para Xangô: impactos da urbanização sobre os direitos das

comunidades tradicionais de matriz africana na grande Aracaju / Kellen Josephine Muniz de Lima; orientação [de] Profª. Drª Carla Jeane Helfemsteller Coelho Dornelles

– Aracaju: UNIT, 2017.

229 f. il.: 30 cm

Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos) - Universidade Tiradentes, 2017.

Inclui bibliografia.

1. Religião afro-brasileira. 2.Urbanização. 3. Natureza. 4. Liberdade religiosa. 5.

Dignidade humana. I. Lima, Kellen Josephine Muniz de. II. Dornelles, Carla Jeane

Helfemsteller Coelho. (orient.). III. Universidade Tiradentes. VI. Título.

CDU: 342.725:299.6

AGÔ!

Pedir Agô nas religiões afro-brasileiras significa pedir licença e esse pedido se dirige

especialmente aos mais velhos, aos antepassados, como uma forma de respeito e de

reconhecimento da sabedoria acumulada ao longo dos anos de vida e experiência. Sendo assim,

peço Agô para, pelo menos nesse pequeno espaço, falar em primeira pessoa e sem preocupação

com as formalidades do universo acadêmico e científico.

Peço Agô para falar pouco sobre o caminho percorrido nessa jornada chamada pesquisa

de campo em que, a todo tempo, estive buscando e sendo buscada. Deveria falar sobre as

situações com as quais me deparei no campo mas peço Agô para silenciar. Possivelmente

receberei críticas e esse silenciamento talvez me custe um certo empobrecimento da narrativa

sobre o caminho percorrido enquanto pesquisadora. Dirão, talvez, que a riqueza do campo

precisa ser compartilhada com o leitor, as suas nuances, dores e belezas, seus sons, cores,

cheiros, impressões e sentimentos causados, angústias, infortúnios, surpresas, revelações,

alegrias, suas marcas deixadas. Sim, é verdade! Mas embora pesquisadora não deixei de ser

nativa, afrorreligiosa, e a partir do entre-lugar por mim ocupado o processo de espelhamento

foi inevitável.

Neste sentido, as dificuldades e peculiaridades do campo em muito dialogam com meu

íntimo espelhado em falas, gestos, sentimentos e principalmente silêncios dos entrevistados e

entrevistadas. Falar sobre isso não cabe nas linhas desse trabalho. Com a devida vênia, mas por

hora isso permanecerá apenas em minha memória. Ademais, muitas das dificuldades

encontradas no campo também se referem a própria lógica interna das religiões afro-brasileiras,

que estão pautadas no segredo1. E eu, enquanto nativa, não poderia desrespeitar qualquer das

leis que nos sustentam e nos ancoram. Opto por pagar o preço e manter o silêncio a fim de

preservar uma das nossas mais importantes leis, a lei do segredo!

Assim, opto por também sustentar o empobrecimento deste trabalho que carece de

fotografias e imagens dos terreiros investigados e de seus rituais religiosos que, por certo, em

1 Sobre a lei do segredo no candomblé Bastide (1971, p. 334) explica: “todos os etnógrafos que se interessam pela

vida dos candomblés são surpreendidos pela importância que aí desempenha o ‘segredo’ como arma de defesa

contra os brancos”; “Não se pode revelar os segredos de uma só vez; é preciso paciência e tempo [...] o segredo

tem uma força mística perigosa, como tudo o que lhe é atribuído e que é preciso neutralizar. Em suma, a lentidão

na divulgação dos conhecimentos secretos do candomblé é uma espécie de inoculação progressiva, de vacinação

de coisas cada vez mais fortes, para que o dom do segredo não se transforme em perigo, tanto para quem o ‘dá’

como para quem o ‘recebe’” (BASTIDE, 1971, p. 346). Rabelo (2015) explica que o processo de aprendizado no

candomblé se assemelha ao trabalho de juntar folhas, em virtude da fragmentação que se opera. Parte do

conhecimento religioso “é considerado secreto (fundamento) e mantido fora do alcance não só dos de fora, mas

também daqueles, de dentro, que se situam na base da hierarquia religiosa” (RABELO, 2015, p. 238).

muito enriqueceriam visualmente o resultado final. Entretanto, o curto tempo do mestrado,

especialmente do campo, não permitiu uma maior inserção e convivência nos terreiros

pesquisados a fim de que eu pudesse romper algumas barreiras naturalmente impostas “aos de

fora”. Por isso, ainda em respeito à essa mesma lei do segredo, não me senti confortável para

fazer qualquer registro fotográfico, ainda que autorizado por alguns entrevistados. Orixá

sustentou os caminhos por mim percorridos no campo desde o primeiro passo até o último, e

em respeito a Orixá optei por preservar seus espaços sagrados e cultos. Ademais, a internet está

repleta de imagens que podem satisfazer a curiosidade ou expectativas dos que tiverem

necessidade de “ver”. A mim, enquanto nativa e a partir do entre-lugar que ocupo, a única opção

ética possível foi pelo respeito ao segredo!

Peço Agô para agradecer e reverenciar a força de Orixá que me sustenta de pé, que me

impulsiona, que me fortalece e que é a minha própria vida. Se talvez eu ainda não saiba QUEM

SOU, sei muito bem DE QUEM SOU: SOU DE ORIXÁ! Kawô Kabiecile! Odô iá! Okê Arô!

Peço Agô para agradecer e reverenciar a força de Jurema e de São Miguel Arcanjo,

professores, curadores e alimento da minha alma!

Peço Agô para agradecer aos mentores que me amparam: Laroyê Exu! Adorei as almas!

Okê Caboclo! Oni Beijada! Optchá!

Peço Agô para agradecer aos deste mundo que iluminam meu caminho e aquecem meu

coração: pais biológicos, pais espirituais, esposo, filhos de quatro patas, amigos, irmãos.

Peço Agô para agradecer aos que abriram as portas de seus barracões para me receber,

e que entre tantos afazeres e obrigações típicas da vida religiosa, reservaram um tempo para

refletir e responder às questões por mim propostas. Fui acolhida do primeiro ao último terreiro,

fui acolhida por cada um dos Orixás, Inquices, Voduns, Guardiões, Protetores e Mentores de

cada terreiro por onde passei. Os relatos e histórias ouvidas não foram apenas registradas,

transcritas e tabuladas, mas foram sentidas e reverberaram em mim provocando uma série de

angústias e inquietações. São muitas as carências, são muitos os silenciamentos, são muitas as

desesperanças, mas uma força é maior do que todos os desencantos, a FÉ! E dessa Fé emerge a

alegria, a felicidade e a plenitude de viver em Orixá e para Orixá! Por isso o nome desse povo

é Resistência!

Peço Agô para agradecer a Prof.ª Dr.ª Carla Jeane Helfemsteller Coelho Dornelles,

orientadora deste trabalho, ao Prof. Dr. Ilzver de Matos Oliveira, demais professores e

professoras do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unit, ao professor Clóvis Carvalho

Britto da UFS, além de todas e todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a

conclusão desse ciclo.

RESUMO

A sacralização da natureza constitui um dos principais elementos dos cultos religiosos afro-

brasileiros. Os ambientes naturais são considerados domínios dos deuses africanos e o uso de

ervas e plantas também é indispensável nas liturgias. Pesquisas realizadas e sistematizadas

como dados secundários demonstraram que em decorrência da urbanização o acesso às folhas

e ambientes naturais sagrados tem se tornado cada vez mais difícil. Neste sentido, diante da

inexistência de estudos específicos sobre esse fenômeno em Sergipe, especialmente na Grande

Aracaju, demonstrando a relevância da coleta de dados a nível local, o presente trabalho teve

por objetivo principal identificar e analisar os impactos da urbanização sobre o uso/conservação

dos territórios sacralizados pelas comunidades tradicionais de matriz africana na Grande

Aracaju, bem como seus desdobramentos no direito à liberdade religiosa da população

investigada. A pesquisa foi do tipo qualitativa, de abordagem naturalista e objetivo exploratório;

utilizou como procedimento a pesquisa de campo e a entrevista semiestruturada como técnica

de coleta de dados. Para a fundamentação teórica também se utilizou de levantamento

documental e bibliográfico. Adotou-se como base de amostragem da população investigada as

informações reunidas pelo “Projeto “Ododuwá – A Parte Feminina da Criação”. O tamanho da

amostra foi definido através de cálculo com base na fórmula proposta por Barbetta (2002) e

extraída do todo por meio de uma amostragem aleatória simples. O trabalho está dividido em

quatro capítulos: o primeiro apresenta noções gerais sobre as religiões afro-brasileiras; o

segundo trata da importância do espaço “mato” e do uso das folhas nas liturgias discutindo as

modificações impostas a partir da urbanização; o terceiro aborda o uso de ambientes naturais

sagrados e impactos da urbanização na conservação e continuidade de acesso a esses ambientes;

o quarto apresenta as elaborações a partir dos resultados obtidos na pesquisa de campo,

especialmente a discussão sobre a ocorrência de violações ao direito de liberdade religiosa e

dignidade humana da população investigada e as possibilidades de transformação dessa

realidade a partir das formulações teóricas de Boaventura de Sousa Santos. Constatou-se que

em decorrência da urbanização na Grande Aracaju direitos das comunidades tradicionais de

matriz africana estão sendo violados, especialmente o direito ao amplo exercício da liberdade

religiosa, posto que passam a enfrentar sérias dificuldades para manutenção de suas práticas

tradicionais que dependem do uso de espécies vegetais e ambientes naturais preservados. Neste

cenário, se fortalece o risco de descaracterização de saberes e práticas tradicionais,

configurando uma violação ao direito de culto que atinge a dignidade humana dos

afrorreligiosos. Os resultados apontam a necessidade de abertura de um canal de diálogo com

o poder público objetivando a efetiva construção de uma política pública de proteção, a exemplo

da criação de um espaço que reúna as condições necessárias à garantia do amplo exercício da

liberdade de culto das comunidades tradicionais de matriz africana, o que foi apontado nos

resultados da pesquisa como principal solução para a superação das dificuldades enfrentadas na

utilização de ambientes naturais para fins religiosos em Sergipe.

Palavras-chave: Religiões afro-brasileiras; Urbanização; Natureza; Liberdade Religiosa;

Dignidade Humana.

ABSTRACT

One of the elements in the Afro-Brazilian cults is the nature sacralization. Natural environments

are considered the African gods domains and the use of herbs and plants is also indispensable

in liturgies. Researches that were done and systematized as secondary data has shown that

access to sacred natural leaves and environments has become increasingly difficult as a result

of urbanization. In this sense, considering the lack of specific studies about that phenomenon

in Sergipe, especially in Greater Aracaju, demonstrating the relevance of local data collection,

the main objective of this study was to identify and analyze the impacts of urbanization on the

use / conservation of the territories consecrated by the traditional African-based communities

in Greater Aracaju, as well as their unfolding of the right to religious freedom of the researched

population. The research was of the qualitative type, in the Naturalist approach and Exploratory

Objective. The semistructured interview as data collection technique had used as field research

procedure. For the theoretical basis, we also used documentary and bibliographic research. The

information collected by the "Ododuwá Project - The Feminine Part of Creation" was taken as

the sampling base of the investigated population. The sample size was defined by calculation

based on the formula proposed by Barbetta (2002) and extracted entirely by means of a "simple

random sampling.The work is divided into four chapters: the first presents general notions about

Afro-Brazilian religions; the second deals with the importance of the space "bush" and the use

of the leaves in the liturgies, discussing the modifications imposed from the urbanization; the

third addresses the use of sacred natural environments and impacts of urbanization on the

conservation and continuity of access to those environments; the fourth presents the

elaborations from the results obtained in the field research, especially the discussion about the

occurrence of violations to the right of religious freedom and human dignity of the researched

population and the possibilities of transformation of this reality from the theoretical

formulations of Boaventura de Sousa Saints. It was verified that as a result of the urbanization

in Great Aracaju, rights of the traditional communities of African matrix are being violated,

especially the right to the ample exercise of religious freedom, since they face serious

difficulties to maintain their traditional practices that depend on the use of plant species and

preserved natural environments. In this scenario, the risk of decharacterization of traditional

knowledge and practices is strengthened, configuring a violation of the cult right that affects

the human dignity of afro-religious. The results point out the need to open a channel for dialogue

with the public authorities, aiming at the effective construction of a public policy of protection,

such as the creation of a space that meets the necessary conditions to guarantee the widespread

exercise of the freedom of cults from the traditional communities of African matrix, which was

pointed out in the results of the research as the main solution to overcome the difficulties faced

in the use of natural environments for religious purposes in Sergipe.

Keywords: Afro-Brazilian Religions; Urbanization; Nature; Religious Freedom; Human

Dignity.

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico1 – Grau de satisfação com o local onde o terreiro se encontra ...................................58

Gráfico 2 – Motivos de satisfação com o local ........................................................................59

Gráfico 3 – Motivos de insatisfação com o local .....................................................................59

Gráfico 4 – Presença de “espaço mato” nos terreiros investigados .........................................75

Gráfico 5 – Caracterização dos terreiros que informaram ter “espaço mato”...........................75

Gráfico 6 – Grau de satisfação com o espaço interno do terreiro reservado às ervas/plantas..76

Gráfico 7 – Motivos para inexistência de “espaço mato” nos terreiros investigados ..............77

Gráfico 8 – Inexistência de “espaço mato” e dificuldades .......................................................86

Gráfico 9 – Dificuldades decorrentes da inexistência de “espaço mato”..................................87

Gráfico 10 – Fontes externas de ervas e plantas litúrgicas para os terreiros ............................88

Gráfico 11 – Urbanização no entorno dos terreiros investigados ............................................99

Gráfico 12 – Urbanização e dificuldades internas .................................................................100

Gráfico 13 – Dificuldades decorrentes da urbanização ..........................................................100

Gráfico 14 – Motivos que modificam a continuidade de uso de ambientes naturais .............157

Gráfico 15 – Dificuldades encontradas pelos terreiros na utilização de ambientes naturais..168

Gráfico 16 – Principais dificuldades e/ou impedimentos ......................................................168

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Diferenças entre “espaço mato” e “espaço cultivado”...........................................82

Quadro 2 – Uso de territórios externos pelos terreiros investigados .....................................134

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Análise das respostas fornecidas à pergunta 7, bloco IV........................................61

Tabela 2 – Análise das respostas fornecidas à pergunta 8, bloco IV........................................78

Tabela 3 – Análise das respostas fornecidas às perguntas 9 e 10, bloco IV.............................89

Tabela 4 – Análise das respostas fornecidas às perguntas 11 e 12, bloco IV ........................102

Tabela 5 – Análise das respostas fornecidas às perguntas 1, 2, 3 e 8, bloco V ......................122

Tabela 6 – Análise das respostas fornecidas às perguntas 4 e 5, bloco V...............................149

Tabela 7 – Análise das respostas fornecidas às perguntas 6 e 7, bloco V ..............................170

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12

CAPÍTULO I .......................................................................................................................... 23

1 RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS: ENTRE O ÒRUN E O ÀIYÉ ................................ 23

1.1 Òrùn: Elementos Estruturantes e Cosmovisão ............................................................ 28

1.2 Àiyé - O Terreiro ......................................................................................................... 40

CAPÍTULO II ......................................................................................................................... 52

2 KÓ SÍ EWÉ, KÓ SÍ ÒRÌSÀ– A IMPORTÂNCIA DAS FOLHAS E DO “ESPAÇO

MATO” ................................................................................................................................. 52

2.1 Presença e Conservação do “espaço mato” nos terreiros investigados ....................... 57

CAPÍTULO III ..................................................................................................................... 117

3 TERRITÓRIOS EXTERNOS: TERRITÓRIOS DE AXÉ! ............................................. 117

3.1 Em busca dos territórios de Axé em Sergipe ............................................................ 121

CAPÍTULO IV ...................................................................................................................... 189

4 ELABORAÇÕES SOBRE OS RESULTADOS: IMPACTOS SOBRE A LIBERDADE

RELIGIOSA E DIGNIDADE HUMANA DA POPULAÇÃO INVESTIGADA .............. 189

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 209

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 212

REFERÊNCIAS DAS ENTREVISTAS ............................................................................. 222

ANEXOS ............................................................................................................................... 223

ANEXO 1: Termo de consentimento livre e esclarecido.................................................... 223

ANEXO 2: Roteiro de entrevista semiestruturada .............................................................. 226

12

INTRODUÇÃO

O presente trabalho não tem a pretensão de ser um tratado sobre as religiões afro-

brasileiras (ou de matriz africana), por este motivo não contém uma revisão bibliográfica

exaustiva sobre as inúmeras obras que se debruçaram sobre esse universo religioso, em suas

mais diversas nuances. Apenas serão apresentadas algumas noções sobre seus elementos

estruturantes e visão de mundo2 (cosmovisão), a partir de alguns autores clássicos, a fim de que

o leitor possa melhor compreender o objeto de estudo desta dissertação, que consiste em analisar

e discutir os desdobramentos da urbanização nos direitos dos “povos e comunidades

tradicionais de matriz africana”3 da Grande Aracaju4.

O interesse por esse tema surgiu por volta de 2011 quando, enquanto afrorreligiosa

integrante de um determinado terreiro em Aracaju, surgiu a necessidade de buscar uma

cachoeira que reunisse algumas características específicas para realização de uma oferenda a

Xangô. A cachoeira de Macambira/SE costumava ser utilizada para esse fim há alguns anos,

contudo, já não oferecia as mesmas condições favoráveis, pois passou a ser muito procurada

para fins de turismo e lazer, impondo algumas dificuldades ao seu uso religioso.

Na época se cogitou realizar a oferenda em uma das cachoeiras da Serra de Itabaiana,

entretanto, essa possibilidade foi descartada por se tratar de um Parque Nacional. Outras

cachoeiras também foram indicadas, a exemplo das localizadas nos municípios de Nossa

Senhora de Lourdes, Areia Branca, Lagarto e Pirambu, entretanto, todas foram descartadas pelo

mesmo motivo: eram muito requisitadas como espaços turísticos e de lazer. O fato é que aquela

determinada oferenda já não vinha sendo feita há alguns anos e, até minha saída do terreiro em

2013, continuou sem ser realizada.

Desse episódio nasceu o interesse em investigar se outros terreiros estavam tendo as

mesmas dificuldades para realização de práticas religiosas em ambientes naturais. Mas, naquela

época essa problemática ainda não estava bem formulada de modo que a percepção quanto à

existência de um entrelaçamento com o processo de urbanização só foi amadurecida quando da

elaboração do projeto de pesquisa, já em 2014.

2 Geertz explica que a visão de mundo de um povo “é o quadro que elabora das coisas como elas são, na simples

realidade, seu conceito de natureza, de si mesmo, da sociedade” (GEERTZ, 1978, p. 144). 3 “[...] grupos que se organizam a partir dos valores civilizatórios e da cosmovisão trazidos para o país por

africanos para cá transladados durante o sistema escravista, o que possibilitou um contínuo civilizatório africano

no Brasil, constituindo territórios próprios caracterizados pela vivência comunitária, pelo acolhimento e pela

prestação de serviços à comunidade” (BRASIL, 2013, p.12). 4 Constituída por Aracaju, Nossa Senhora do Socorro e São Cristóvão.

13

O universo das religiões afro-brasileiras é recheado de símbolos5 estranhos ao mundo

judaico-cristão-ocidental. Portanto, somente a partir de um mínimo entendimento sobre as

lógicas inseridas neste modus de vida dessas religiões é que se torna possível compreender a

construção interna do que, para seus nativos, representa a salvaguarda dos seus direitos

religiosos e o quanto essa defesa está diretamente entrelaçada à proteção de ambientes naturais

e da dignidade humana.

As religiões afro-brasileiras foram criadas a partir da reunião de diversos elementos dos

cultos de origem africana trazidos para o Brasil pelos negros escravizados. Herdaram dessa raiz

uma forte integração do homem com a natureza, apresentando diversos rituais que utilizam a

paisagem natural como local de culto, a exemplo de matas, cachoeiras, rios, pois são nesses

ambientes que reside a força das divindades cultuadas no panteão africano.

Estruturalmente, os terreiros costumavam ser constituídos por um espaço “urbano” –

local onde acontecem as atividades litúrgicas e que, eventualmente, também serve de moradia

para membros da comunidade religiosa – e um espaço “mato”, onde se encontram árvores

consagrados aos orixás, ervas e plantas sagradas indispensáveis ao culto. Contudo,

especialmente em razão da intensificação dos processos de urbanização nas cidades, vem se

observando um contínuo processo de estrangulamento dos terreiros do que decorre um impacto

direto na preservação do citado espaço “mato”.

Além disso, devido à forte relação mantida entre o culto e a natureza, visto que é nela

que se encontram os domínios das divindades africanas, alguns rituais de relevância central

ocorrem em ambientes naturais considerados sagrados pelos religiosos e que se encontram em

espaços fora dos limites internos dos terreiros. A literatura (SILVA, 1995; DUARTE, 1998;

BARROS, 2011; RÊGO, 2006; MOUTINHO DA COSTA, 2011) tem apontado que, também

em decorrência do avanço da urbanização, o uso ritualístico desses ambientes naturais pelas

comunidades tradicionais de matriz africana tem sofrido restrições, trazendo dificuldades para

os religiosos que vão desde a necessidade de buscar espaços em locais cada vez mais distantes

até passar a realizar dentro dos próprios terreiros rituais que, tradicionalmente, eram realizados

na natureza, o que configura uma descaracterização do culto, por razões que serão apresentadas

e analisadas ao longo do trabalho ora apresentado.

Todo esse panorama tem levado a uma gradativa subtração dos afrorreligiosos de seu

meio ambiente sagrado. Tal cenário é preocupante pois representa uma violação ao exercício

5 Segundo Geertz, os símbolos funcionam como um vínculo entre algo, ou objeto, e uma concepção. Neste sentido,

o símbolo é “algo que é usado para qualquer objeto, ato, acontecimento, qualidade ou relação que serve como

vínculo a uma concepção – a concepção é o significado do símbolo” (GEERTZ, 1978, p. 105).

14

do direito à liberdade religiosa das comunidades tradicionais de matriz africana, problemática

essa que emerge como desdobramento do adensamento urbano.

Ao reunir informações sobre essa problemática, foi possível constatar a inexistência de

dados sobre a preservação de “espaços matos” nos terreiros da Grande Aracaju, bem como

sobre os territórios externos que são utilizados nas liturgias afrorreligiosas, o que tornava

impossível mensurar o impacto da urbanização para as religiões afro-brasileiras em Sergipe.

Entretanto, pesquisas realizadas e sistematizadas como dados secundários neste estudo

demonstraram que o processo de urbanização tem trazido impactos negativos sobre os direitos

religiosos das comunidades tradicionais de matriz africana como um todo, desde a extinção de

algumas de liturgias à imposição de difíceis adaptações nas suas práticas ritualísticas (SILVA,

1995; DUARTE, 1998; BARROS, 2011; RÊGO, 2006; OLIVEIRA; OLIVEIRA; BARTHOLO

JR., 2010; MOUTINHO DA COSTA, 2011).

Decorre daí a relevância do presente trabalho em coletar dados capazes de mensurar os

impactos decorrentes da urbanização para as comunidades afrorreligiosas na Grande Aracaju.

Trata-se, pois, de uma abordagem original no campo do Direito, especialmente em razão do

silêncio que ainda reina com relação às intersecções entre direitos humanos e liberdade religiosa

das comunidades afro-brasileiras, o que sugere uma perspectiva multidisciplinar do trabalho. O

estudo ganha maior relevância ao apresentar uma pesquisa de campo, evidenciando a

problemática em um estudo de caso e abordagem ainda inédita na Grande Aracaju.

O trabalho foi desenvolvido a partir do seguinte problema: Como o processo de

urbanização na Grande Aracaju tem impactado na preservação e uso religioso de territórios

tidos como sagrados para as comunidades tradicionais de matriz africana?

A partir desse problema foram formulados os objetivos a serem buscados. O objetivo

geral da pesquisa consistiu em identificar e analisar os impactos da urbanização sobre o

uso/conservação dos territórios sacralizados pelas comunidades tradicionais de matriz

africana na Grande Aracaju, bem como seus desdobramentos no direito à liberdade

religiosa da população investigada. Para alcançar o objetivo geral foram definidos os

seguintes objetivos específicos:

1. Identificar se, em decorrência da urbanização, tem ocorrido um “estrangulamento” dos

terreiros a ponto de comprometer a presença e conservação dos “espaços mato”, demonstrando

a relação interdependente entre a perda do espaço interno e externo;

2. Identificar o uso de territórios externos pelos terreiros investigados e possíveis dificuldades

e adaptações decorrentes do processo de urbanização no uso desses territórios.

15

Aqui é importante esclarecer que, após a qualificação, foram feitos alguns ajustes nos

objetivos inicialmente propostos. Isso porque se identificou a necessidade de melhor destacar a

contribuição e a originalidade que a pesquisa propõe, que consiste no tratamento dessa temática

no campo do direito, de modo que a questão da dignidade humana e da liberdade religiosa

pudessem ganhar evidência. Percebeu-se, também, que o terceiro objetivo específico proposto

na qualificação, qual seja, “analisar as políticas públicas implantadas no Rio de Janeiro

(“Espaço Sagrado”), a fim de inferir se podem servir como modelo de proteção dos territórios

afrorreligiosos na Grande Aracaju”, na verdade constituiria uma outra pesquisa, razão pela qual

optamos por abrir mão desse objetivo abordando esse aspecto como consequência das

considerações finais após a pesquisa de campo.

Para alcançar os objetivos definidos se utiliza da pesquisa Naturalista, por meio de

Pesquisa de Campo, buscando identificar os impactos da urbanização na subtração de espaços

litúrgicos afrorreligiosos na Grande Aracaju. É importante esclarecer que foi eleita uma

amostragem apenas de terreiros localizados na Grande Aracaju (Aracaju, São Cristóvão e Nossa

Senhora do Socorro).

Adotou-se como referencial da população total as informações levantadas pelo “Projeto

“Ododuwá – A Parte Feminina da Criação”, desenvolvido a partir de uma parceria entre o

Fórum Sergipano das Religiões de Matriz Africana, Secretaria de Estado da Inclusão,

Assistência e Desenvolvimento Social do Estado de Sergipe e Secretaria Especial de Políticas

de Promoção da Igualdade Racial do Governo Federal, reunidas no catálogo “Religiões de

Matriz Africana do Estado de Sergipe”. Por sua vez, chegou-se ao tamanho da amostra em

número de 18 (dezoito) terreiros a partir do cálculo com base na fórmula proposta por Barbetta

(2002) para cálculo do tamanho mínimo da amostra.

Após definido, dentro da população total, o número de terreiros a serem investigados, a

amostra foi extraída do todo por meio de uma “amostragem aleatória simples”. Do sorteio

realizado para composição da “amostragem aleatória simples” resultaram 18 (dezoito) terreiros,

dos quais, 16 (dezesseis) aceitaram participar da pesquisa. Insta esclarecer que, apesar de na

primeira fase de coleta de dados do campo ter sido possível manter contato com os 16

(dezesseis) participantes da amostra, quando da fase de imersão na pesquisa de campo não foi

possível realizar as entrevistas com 3 (três) deles, de modo que a amostra final foi reduzida a

13 (treze) terreiros.

O instrumento de coleta de dados utilizado na pesquisa de campo foi a entrevista

semiestruturada com membros ocupantes de cargos hierárquicos em cada terreiro. Além da

pesquisa de campo também foram realizadas pesquisas bibliográfica e documental, com o

16

objetivo de fundamentar através de livros, artigos, outros estudos, políticas públicas e legislação

nacional.

O referencial teórico divide-se em quatro capítulos de desenvolvimento. O primeiro

capítulo apresentará noções gerais sobre as religiões de matriz africana, seus elementos

estruturantes e cosmovisão. O segundo capítulo trará a configuração estrutural dos terreiros

demonstrando a importância da preservação do “espaço mato” com especial foco na presença

e conservação desses espaços nos terreiros investigados; apresentará a resposta ao objetivo

primeiro específico com base na análise e discussão dos dados obtidos na pesquisa de campo.

O terceiro capítulo tratará sobre os territórios de Axé, ou seja, os espaços sagrados presentes

na natureza que guardam íntima relação com as divindades do panteão africano, demonstrando

a importância da preservação desses territórios sagrados como forma de proteção do direito à

liberdade religiosa das comunidades tradicionais de matriz africana em Sergipe; apresentará a

resposta ao segundo objetivo específico com base na análise e discussão dos dados obtidos na

pesquisa de campo. O quarto capítulo trará as elaborações que emergiram a partir dos

resultados da pesquisa de campo, especialmente a discussão sobre a ocorrência de violações ao

direito de liberdade religiosa e dignidade humana da população investigada e as possibilidades

de transformação dessa realidade a partir das formulações teóricas de Boaventura de Sousa

Santos, respondendo ao objetivo principal da pesquisa.

Cabe ainda, uma ponderação importante quanto à grafia das palavras de origem iorubá

presentes neste trabalho. Com todo respeito à referida língua mãe, mas optamos por grafar a

maioria das palavras religiosas de origem iorubá de acordo com suas adaptações para a língua

portuguesa como uma forma de reforçar que o presente estudo não tratou de religiões africanas,

ou do chamado culto tradicional iorubá, mas sim das religiões afro-brasileiras, que resultaram

da fusão entre elementos dos cultos africanos e adaptações tipicamente brasileiras.

Quanto aos procedimentos metodológicos trata-se de pesquisa de abordagem naturalista

e objetivo exploratório. Seus procedimentos foram: pesquisa bibliográfica, documental e de

campo.

A pesquisa naturalista “não envolve manipulação de variáveis, nem tratamento

experimental; é o estudo do fenômeno em seu acontecer natural” (ANDRÉ, 1995, p. 17).

Os desafios que concerne tal opção epistemológica são conhecidos na comunidade

acadêmica. Sobre isto, André (1995) tem nos apresentado uma reconstrução conceitual que

caracteriza o período atual de transição paradigmática que ocorre também no âmbito das

pesquisas nas ciências humanas. Neste, a autora problematiza a fragilidade do termo pesquisa

qualitativa apontando as reconstruções que a história deste fenômeno tem realizado:

17

Se num determinado momento foi até interessante utilizar o termo qualitativo para

identificar uma perspectiva de conhecimento que se contrapunha ao positivismo, esse

momento parece estar superado. Esse momento foi justamente o final do século XIX,

quando surge o enfoque qualitativo em oposição ao quantitativo. (...) Esse debate teve

um importante papel porque permitiu pôr em questão o valor da orientação positivista

no trabalho científico e fez emergirem questões de natureza filosófica e

epistemológica – como o critério de verdade no trabalho científico, a relevância dos

resultados da pesquisa, a questão do objetivismo x realismo etc. – que foram, sem

dúvida, importantes para a evolução da pesquisa nas ciências sociais e, em

decorrência, na área da educação (ANDRÉ, 1995, p.25).

Com suas elaborações André (1995, p. 24) supera uma possível visão reducionista do

termo “pesquisa quantitativa” identificada enquanto uma pesquisa positivista de ciência,

demonstrando que há uma inter-relação entre as abordagens quantitativa e qualitativa que

inclusive podem ser utilizadas conjuntamente e uma pesquisa qualitativa que é, por sua vez,

definida considerando aspectos mais complexos. Neste sentido a autora adverte que “associar

quantificação com positivismo é perder de vista que quantidade e qualidade estão intimamente

relacionadas”. Faz-se necessário ultrapassar a dicotomia: qualitativo x quantitativo,

considerando seu caráter de complementaridade, visto que:

É muito mais interessante e ético dizer que “30% dos entrevistados consideraram a

proposta autoritária” do que afirmar genericamente que “alguns professores

consideraram a proposta autoritária”. Deixa o estudo de ser qualitativo porque

reportou números? É evidente que não. No caso, o número ajuda a explicitar a

dimensão qualitativa. (ANDRÉ, 1995, p. 24).

Outro elemento a ser destacado na obra de André (1995, p. 24), se refere à

problematização quanto à utilização ampla e genérica do termo pesquisa qualitativa ao que é

sugerido o emprego dos termos quantitativo e qualitativo “para diferenciar técnicas de coleta

ou, até melhor, para designar o tipo de dado obtido”. Para determinar o tipo de pesquisa

realizada, a autora propõe que se utilizem denominações mais precisas: histórica, descritiva,

participante, etnográfica, fenomenológica, etc. Sua proposição desloca a centralidade do debate

para a questão metodológica como tema a ser aprofundado, considerando o entendimento de

que qualidade e quantidade estão intimamente relacionadas (FREITAS, 2004; COELHO,

2011).

Estas compreensões demonstram o tencionamento e o redimensionamento das questões

em torno das quais se problematizam os processos de investigação. O questionamento acerca

dos pressupostos epistemológicos e dos procedimentos metodológicos que sustentam a

pesquisa, antecede a distinção entre pesquisas quantitativas e qualitativas.

18

[...] as discussões hoje devem se centrar em questões mais consistentes como: a

natureza do conhecimento científico e sua função social; o processo de produção e o

uso desse conhecimento; critérios para a avaliação do trabalho científico; critérios

para seleção e apresentação de dados qualitativos; métodos e procedimentos de análise

de dados, entre outros (ANDRÉ, 1995, p.16).

Neste sentido, assume-se a necessidade de se buscar um novo paradigma que dê

sustentação à busca de respostas às questões fundamentais com que se depara o/a pesquisador/a

no enfrentamento do cotidiano, tais como:

O que caracteriza um trabalho científico? O que diferencia o conhecimento científico

de outros tipos de conhecimento? Quais os critérios para se julgar uma boa pesquisa?

O que se pode considerar como válido e confiável na pesquisa? Como deve ser tratada

a problemática da generalização? Qual o papel da teoria na pesquisa? Como articular

o micro e o macrossocial? Como trabalhar a subjetividade na pesquisa? Quais as

formas mais apropriadas de análise dos dados qualitativos? (ANDRÉ, 1995, p.25).

De acordo com Gil (2005), as Pesquisas Exploratórias são aquelas que têm por objetivo

explicitar e proporcionar maior entendimento de um determinado problema. Nelas o

pesquisador procura um maior conhecimento sobre o tema em estudo Trata-se de uma pesquisa

que pretende descrever características de um fenômeno (TRIVINOS, 1987). Vergara (2000)

explica que a Pesquisa exploratória é realizada em áreas ainda pouco exploradas. Por ser uma

pesquisa naturalista caracterizada de acordo com explicações acima, não exige a formulação de

hipóteses.

A pesquisa qualitativa não se preocupa com representatividade numérica, mas com o

aprofundamento da compreensão de um determinado grupo social. Preocupa-se com aspectos

da realidade que não podem ser quantificados, trabalha com o universo de significados,

motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, centrando-se na compreensão e explicação da

dinâmica das relações sociais (SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009).

Kant de Lima e Lupetti Batista (2010) destacam a relevância da realização de pesquisas

empíricas para a compreensão do Direito e de suas instituições e a necessidade de se começar

a pensar o Direito a partir de outra perspectiva que não as que vêm sendo tradicionalmente

utilizadas pelo campo dogmático, o que justifica a escolha por este tipo de pesquisa. Assim

pronunciam os autores:

Logo, estudar Direito, suas práticas, instituições e tradições, sob uma perspectiva

empírica é o que permitirá perceber, como inúmeras pesquisas já apontaram que o

Direito que se pratica está muito distante do Direito que se idealiza. Olhar para a

realidade vai possibilitar ver em que medida essa distância se verifica e, a partir disso,

sem negar nem criminalizar as eventuais discrepâncias, engendrar, pelo contrário, o

19

que é necessário fazer para alterar o rumo desses caminhos tão dissonantes [...].

(KANT DE LIMA; LUPETTI BATISTA, 2010, p. 22).

O instrumento de coleta de dados utilizado na pesquisa qualitativa de campo foi,

portanto, a entrevista semiestruturada, visto que constitui uma técnica alternativa para coleta de

dados não documentados sobre determinado tema, como se pretende obter no presente caso. É

uma técnica de interação social em que uma das partes busca obter dados, e a outra se apresenta

como fonte de informação. Nesse tipo de entrevista, o pesquisador organiza um roteiro de

questões sobre o tema, mas permite que o entrevistado fale livremente sobre assuntos que vão

surgindo como desdobramentos do tema principal (GERHARDT et al., 2009). Esse método

possibilita uma maior flexibilidade e respostas mais amplas, o que poderia ser limitado caso

fosse eleito o questionário, mesmo que este instrumento utilizasse perguntas abertas.

A população investigada é constituída por dirigentes e responsáveis pelas liturgias e

administração dos terreiros, ou seja, ocupantes de cargos hierárquicos. Diante disso, os critérios

de inclusão para a escolha dos membros entrevistados foram: 1) pertencer a religiões afro-

brasileiras; 2) ter conhecimento das circunstâncias que se pretende investigar; 3) ter

disponibilidade de tempo para participar da pesquisa; 4) ter interesse em participar da pesquisa;

5) ocupar cargo hierárquico no terreiro. Os critérios de exclusão foram: 1) todos aqueles que

não aceitarem fazer parte da pesquisa, 2) todos aqueles que não possuíam tempo disponível

para fazer parte da pesquisa; 3) os que não contemplaram os critérios de inclusão.

A pesquisa de campo foi desenvolvida junto a 13 (treze) terreiros de Aracaju, São

Cristóvão e Nossa Senhora do Socorro, e buscou identificar os impactos da urbanização na

subtração de espaços litúrgicos afrorreligiosos na Grande Aracaju.

É importante esclarecer que foi eleita uma amostragem apenas de terreiros localizados

na Grande Aracaju (Aracaju, São Cristóvão e Nossa Senhora do Socorro) por se acreditar que

essa região é a que vem sofrendo maior impacto decorrente do intenso processo de urbanização.

Adotou-se como base de amostragem da população as informações levantadas pelo “Projeto

“Ododuwá – A Parte Feminina da Criação”, desenvolvido a partir de uma parceria entre o

Fórum Sergipano das Religiões de Matriz Africana, Secretaria de Estado da Inclusão,

Assistência e Desenvolvimento Social do Estado de Sergipe e Secretaria Especial de Políticas

de Promoção da Igualdade Racial do Governo Federal, reunidas no catálogo “Religiões de

Matriz Africana do Estado de Sergipe”, que apresentou informações sobre o que o projeto

considerou como sendo as 32 (trinta e duas) principais casas de religiosidade de matriz africana

existentes em Sergipe, sendo 22 (vinte e duas) as situadas na Grande Aracaju.

20

Por sua vez, chegou-se, inicialmente, ao tamanho da amostra em número de 18 (dezoito)

terreiros a partir do cálculo com base na fórmula proposta por Barbetta (2002) para cálculo do

tamanho mínimo da amostra. Considerando o tamanho da população igual a 22 (vinte e dois)

terreiros e o erro amostral tolerável de 10% (0,10), tem-se que:

𝑛0 =1

𝐸02

e

𝑛 =𝑁 ∗ 𝑛0𝑁 + 𝑛0

Onde:

N = tamanho da população

E0 = erro amostral tolerável

n0 = primeira aproximação do tamanho da amostra

n = tamanho da amostra

𝑛0 =1

(0,10)2= 100

𝑛 =22 ∗ 100

22 + 100≅ 18

Neste sentido, após definido o número de terreiros a serem investigados, qual seja, 18

(dezoito), a amostra foi extraída do todo por meio de uma “amostragem aleatória simples”, que

consiste em fazer uma lista da população e sortear os elementos que farão parte da amostra.

Desta forma, cada subgrupo da população tem a mesma chance de ser incluída na amostra

(BARBETTA, 2002; RICHARDSON, 2012). Do sorteio realizado para composição da

“amostragem aleatória simples” resultaram os seguintes: Ilê Axé Obé Fará (Aracaju), Abaçá

Ogum Marinho (Aracaju), Abaçá Ogum de Ronda (Aracaju), Ilê Axé Acorônirê (Aracaju),

Centro Nossa Senhora da Conceição (Aracaju), Ilê Axé Dematáni Sahara (Aracaju), Centro

Santo Antonio (Nossa Sra. do Socorro), Congregação Social e Espírita São Lázaro (Aracaju),

Ilê Axé Ajussun Salêbeuá (Aracaju), Abaçá São Jorge (Aracaju), Ilê Axé Oloia Tassitaôô

21

(Aracaju), Abaça Mameto Oxum (Aracaju), Abaçá Oxossi Kacileci (Aracaju), Centro Espírita

de Umbanda Paraíso dos Orixás (Nossa Sra. do Socorro), Ilê Axé Oyá Bagan Yanganga (Nossa

Sra. do Socorro), Abaça Ilê Ogum Tambalajô (Nossa Sra. do Socorro), Ilê Axé Odé Talecy

(Nossa Sra. do Socorro), Ilê Axé Obá Abaça Odé Bamirê (São Cristóvão).

Entretanto, convém esclarecer que, dentre a amostra dos 18 (dezoito) terreiros acima

apontados, o Abaça Ilê Ogum Tambalajô optou por não participar da pesquisa; e o Centro Nossa

Senhora da Conceição está sem realizar atividades. Portanto, a amostra inicial foi reduzida em

número de 02 (dois), sendo colhidas as anuências de 16 (dezesseis). Todavia, quando da fase

de imersão no campo não foi possível realizar as entrevistas em 3 (três) terreiros: Abaçá Ogum

Marinho: em razão da idade avançada e frágil saúde da dirigente espiritual; Congregação Social

e Espírita São Lázaro e Ilê Axé Ajussun Salêbeuá: por não ter conseguido manter contato

pessoal nem telefônico com dirigentes dos terreiros. Por esse motivo a amostra final foi

reduzida a 13 (treze) terreiros.

As entrevistas foram gravadas, transcritas e tabuladas por meio da codificação,

classificação e interpretação, tendo como base as referências teóricas utilizadas. A partir daí as

variáveis numéricas e resultados serão apresentados por meio de tabelas e gráficos discutidos

nos capítulos de desenvolvimento. É importante frisar que as transcrições das entrevistas foram

feitas respeitando as expressões orais de cada entrevistado sem qualquer tipo de interferência

da pesquisadora com vistas ao cumprimento de normas de gramática.

Sobre a análise dos dados na pesquisa qualitativa Gil (2008) explica que depende muito

da capacidade e do estilo do pesquisador, pois não existem regras rígidas de análise, fórmulas

predefinidas ou uma única maneira de fazê-la. Nesse processo, é importante a criatividade e

interpretação do pesquisador, cabendo a ele, muitas vezes, desenvolver a sua própria

metodologia (GIL, 2008).

A metodologia da pesquisa foi definida a partir de levantamento bibliográfico preliminar

sobre os marcos conceituais e teóricos dessa pesquisa, quais sejam: religiões de matriz africana,

espaço mato, territórios sagrados, urbanização, liberdade religiosa, direitos humanos.

É importante ressaltar que a pesquisa de campo somente teve início após aprovação do

Comitê de Ética em Pesquisa. Ressaltamos que o trabalho executado está de acordo com as

diretrizes e normas regulamentadoras da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde,

que fala sobre pesquisas envolvendo seres humanos, ficando revogadas as Resoluções CNS

nº196/96, 303/2000 e 404/2008.

Mantem-se o anonimato e sigilo das informações adquiridas através da elaboração de

um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), assinado individualmente por cada

22

um dos sujeitos participantes desta investigação, garantindo-lhes o direito de anonimato

(motivo pelo qual são identificados neste trabalho por meio de pseudônimos), bem como foi

garantido o direito de se retirarem desta investigação em qualquer fase do processo. Os

pseudônimos utilizados para identificação dos entrevistados foram escolhidos a partir do

próprio universo religioso afro-brasileiro, entre divindades do panteão africano e santos

católicos inseridos nesse universo por meio do sincretismo.

Finalizadas as etapas preliminares e aprovado o projeto pelo Comitê de Ética em

Pesquisa – CEP, foi realizado o primeiro contato com o campo e, após a explicação acerca da

pesquisa e da coleta de assinaturas do termo de consentimento livre e esclarecido, foram

aplicadas as entrevistas semiestruturadas. A coleta de dados teve início em meados de junho de

2016 e perdurou até final de outubro de 2016. Nessa etapa, os dados foram gravados e anotados

e posteriormente tabulados no computador. Após a tabulação foi feita análise dos dados, tendo

como base a pesquisa bibliográfica preliminar.

Ademais, os sujeitos participantes foram esclarecidos quanto à existência de risco de

danos psicológicos decorrentes de sua participação, ainda que ínfimos, tendo em vista que as

perguntas referentes as dificuldades que enfrentam para manter suas práticas religiosas

poderiam desestabilizá-los emocionalmente. Esse foi, também, um dos motivos que levou a se

optar pela aplicação da entrevista semiestruturada, pois desse modo a pesquisadora teve maior

liberdade e flexibilidade para escolher a melhor forma de abordar as questões, e, inclusive, optar

por não dar continuidade à entrevista quando percebesse que poderia efetivamente gerar danos

psicológicos a algum dos sujeitos, minimizando, assim, os riscos da pesquisa.

Espera-se que as informações coletadas a partir desse estudo possam vir a subsidiar a

construção de políticas públicas voltadas à proteção e sustentabilidade dos territórios sagrados

das religiões afro-brasileiras, fomentando, assim, a promoção dos direitos humanos das

comunidades tradicionais de matriz africana em Sergipe.

23

CAPÍTULO I

1 RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS: ENTRE O ÒRUN6 E O ÀIYÉ7

“Eles extraem esse sentimento de orgulho da fé real que

conservaram em relação ao poder de seus Orixás e

Voduns que para eles, nos momentos penosos, são o

amparo mais seguro contra a angústia e as humilhações e

que, nos momentos de alegria, lhes proporcionam o

sentimento exaltado do gênio de sua própria raça. [...]

Durante as cerimônias, o corpo dos adeptos é visitado

pelos Deuses e, quando estes partem, permanecem em

seus filhos reflexos que os engrandecem e enobrecem. De

empregadas domésticas e lavadeiras humilhadas, de

carregadores e operários mal pagos, eles se tornam filhos

e filhas de Deuses, respeitados, admirados, cortejados

[...].” (VERGER, 2012, p. 24).

As religiões afro-brasileiras, ou de matriz africana, nasceram no Brasil e foram

engendradas a partir da reelaboração de elementos provenientes dos cultos e ritos africanos,

conhecidos como cultos de nação8; são, portanto, filhas dos cultos africanos. Compartilham

com estes uma série de similaridades mas também apresentam um outro tanto de distinções

fruto das reelaborações que foram necessárias para reconstruir, em terra brasileira, uma

realidade fragmentada pela diáspora, preservando, entretanto, sua matriz fundadora (SODRÉ,

2002). São portanto, africanas em sua origem mas brasileiras em sua organização, daí mesmo

a nomenclatura afro-brasileiras (BERKENBROCK, 1998).

De maneira simplista, é possível dizer que as religiões afro-brasileiras são resultado de

uma estratégia de resistência e sobrevivência utilizada pelos negros africanos trazidos para o

Brasil na condição de escravos (RÊGO, 2006). Impedidos de cultuar as divindades do panteão

africano, submetidos não apenas ao trabalho escravo mas também aos valores culturais e

6 Refere-se ao mundo dos deuses, “é o espaço sobrenatural, o outro mundo [...] é um mundo paralelo ao mundo

real que coexiste com todos os conteúdos deste” (SANTOS, 1976, p. 53-54). 7 Refere-se ao mundo dos vivos, “compreende o universo físico concreto e a vida de todos os seres naturais que o

habitam” (SANTOS, 1976, p. 53). 8 Verger (1981), falando sobre o sistema de crenças e cultos tradicionais na África explica que lá cada divindade

estava relacionada a uma cidade ou a uma nação inteira formando uma infinidade de cultos regionais e nacionais,

por isso a terminologia “cultos de nação”. Braga (1988) explica que, em solo brasileiro, a palavra ‘nação’ passou

a ser empregada para distinguir as casas de candomblé através de sua origem e da tradição religiosa a que

pertencem. Prandi (1991) explica que o termo nação serve para identificar a etnia originária a que se vincula

determinada modalidade de rito. Para uma melhor análise do conceito de ‘nação’ ver: LIMA, Vivaldo da Costa. A

família de santo nos candomblés jeje-nagôs da Bahia. Salvador: Corrupio, 2003.

24

religiosos europeus, os africanos trazidos para o Brasil fizeram uso do sincretismo9 para que

pudessem dar continuidade ao culto de suas divindades ancestrais, ainda que de maneira velada.

Nesse sentido, diversos autores clássicos apontam que da necessidade de esconder dos

senhores e da Igreja Católica suas verdadeiras crenças, surgiu uma série de associações entre as

divindades africanas e os santos católicos (a partir de características similares encontradas em

ambos), o chamado sincretismo10, promovendo um processo de modificações no sistema de

crenças e organização dos cultos tradicionais africanos que resultou em sua versão brasileira:

as religiões afro-brasileiras (CARNEIRO, 1967; SANTOS, 1976; VERGER, 1981; BRAGA,

1988; PRANDI, 1991; BASTIDE, 2001; RODRIGUES, 2006). O resultado desse processo,

diria Bastide (1971, p. 361), foi que “a máscara colonial ficou pregada no deus negro, mesmo

onde não existe identificação entre um e outro”.

Entretanto, para além da estratégia de preservação do culto africano, alguns autores

também sinalizam um outro papel desempenhado pelo sincretismo: o de preenchimento de

lacunas. Bastide (1971, p. 380) afirma que “o sincretismo aparece para preencher as lacunas da

memória coletiva”. Segato (2005) explica que o sincretismo parece ter servido para satisfazer

uma necessidade relacionada ao caráter fragmentário da mitologia trazida pelos negros

africanos. Segundo ela, quando a mitologia falhava em alguma nuance descritiva das

características de determinada divindade africana, era comum as pessoas recorrerem ao

sincretismo católico para preencher as lacunas na construção da imagem daquela divindade.

Desse modo, “o sincretismo católico completou a mitologia [africana], empobrecida pelas

pressões da escravidão, com imagens extraídas de uma fonte alternativa”, consistindo em uma

forma de apropriação11 (SEGATO, 2005, p. 142).

Verger (2012) também chega a sinalizar uma interpretação similar quando afirma que o

que antes era apenas uma estratégia de disfarce, tempos depois se modificou. O que teria

iniciado apenas como uma justaposição de símbolos religiosos, mantidas as distinções de cada

9 Em que pese o termo “sincretismo” seja atualmente problematizado pela academia que indica como mais

adequado o termo “hibridismo”, optamos por não adentrar nessa problematização neste trabalho e utilizar a palavra

sincretismo por essa, ao nosso ver, ter um alcance maior no sentido de conseguir remeter o leitor, ainda que leigo

no assunto, diretamente ao universo de significados religiosos, tal a popularidade que o termo alcançou. 10 Mesmo no período pós-abolição o sincretismo entre as divindades africanas e os santos católicos permaneceu:

se inicialmente serviu para escapar dos castigos dos senhores, no período pós-colonial funcionou como subterfúgio

para escapar das perseguições policiais (CARNEIRO, 1967). Para maior aprofundamento sobre o sincretismo afro-

brasileiro ver: BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuições a uma sociologia das

interpretações de civilizações. São Paulo: Pioneira, 1971. v. 2. p. 359-392. 11 Neste mesmo sentido, Mota (1975): “[...] O sincretismo não representa, assim sem mais, concessão de escravos

a senhores ou de senhores a escravos, disfarce de negro amedrontado. Ao contrário, constitui apropriação, legítima

e justa, dos bens do opressor pelo oprimido. O céu é do condor, os santos são de todos nós” (MOTA, 1975, p.

198).

25

universo simbólico (católico e africano), teria posteriormente cedido lugar a uma verdadeira

fusão12. As novas gerações passaram a considerar santo e orixá como um só, “que apenas o

nome muda, mas que, de acordo com o lugar ou momento, é bom dirigir-se a ele em latim ou

em uma língua da África” (VERGER, 2012, p. 24).

Sodré (2002), por sua vez, rejeita tanto a ideia de sincretismo quanto a de fusão. O autor

fala de uma certa estratégia de sedução13 utilizada pelos negros comparada à evocatio romana,

mecanismo utilizado pelo Império Romano em suas conquistas e que permitia uma assimilação

interna dos deuses de seus adversários vencidos (ao invés da rejeição ou destruição desses cultos

locais). Assim, Sodré (2002) explica que os negros fizeram uso de mecanismo similar ao

associarem deuses do panteão africano a santos católicos, construção feita a partir da

identificação de símbolos e funções semelhantes14, mas que “é clara a noção de lugar próprio,

do território específico de cada um. ‘Lugar de santo é na igreja; lugar de orixá é no terreiro’,

sentenciavam os antigos nas comunidades [...]” (SODRÉ, 2002, p. 62).

Convém esclarecer, a esta altura, que não temos a intenção de exaurir a discussão teórica

sobre o lugar ocupado pelo sincretismo (ou hibridismo, ou justaposições, ou apropriações) na

formação das religiões afro-brasileiras, até porque esse não é o objetivo do presente trabalho.

A proposta deste capítulo, como já explicado, é apenas fornecer ao leitor um certo panorama

geral sobre o universo das religiões afro-brasileiras, o que inevitavelmente passa pelo elemento

do que ficou popularmente conhecido como sincretismo religioso.

O fato é que, fazendo uso de estratégias de disfarce, os negros africanos cantavam,

dançavam e cultuavam suas divindades nos dias de descanso, entretanto, quando questionados

pelos senhores sobre o sentido do que cantavam respondiam que estavam louvando aos santos

católicos, é o que se vê nessa passagem de Verger (2012):

Quando o senhor passava ao lado de um grupo no qual eram cantados a força e o poder

vingador de Sạngo, o trovão, ou de Ọya, divindade das tempestades e do rio Níger, ou

de Ọbatala, divindade da criação, e quando ele perguntava o significado daquelas

cantigas, respondiam-lhe sem falta: ‘Yoyo, adoramos à nossa maneira e em nossa

língua São Jerônimo, Santa Bárbara ou o Senhor do Bonfim’. É que cada divindade

africana havia sido assimilada aos santos e virgens da religião católica. Foi assim que,

ao abrigo de um aparente sincretismo, as antigas tradições mantiveram-se através do

tempo”. (VERGER, 2012, p. 23-24).

12 Por esse motivo Nina Rodrigues via o sincretismo como um processo dinâmico e progressivo, constituído por

etapas ou fases (ROGRIGUES, 2006). 13 Segundo Sodré (2002, p. 62): “Ao associarem alguns de seus deuses, os orixás, com santos, da religião católica,

os negros não sincretizavam coisa alguma, mas respeitavam (como procediam em relação aos deuses das diversas

etnias) e seduziam as diferenças graças à analogia de símbolos e funções [...]”. 14 Foi através desse processo de identificação de semelhanças que se pôde, por exemplo, correlacionar o Senhor

do Bonfim a Oxalá, uma vez que o princípio da criação está presente em ambas as entidades (SODRÉ, 2002).

26

Os batuques, como eram chamadas essas reuniões realizadas pelos negros nos dias de

descanso para cantar e louvar os deuses africanos (RODRIGUES, 1945), portanto, diferente do

que fora intencionado pelo Governo15, tiveram como consequência direta a manutenção e

sobrevivência dos cultos às divindades africanas, pois, embora já batizados em solo brasileiro,

os negros africanos permaneceram fieis às suas crenças de origem16. Assim, apesar de

escamoteadas pelo sincretismo, “suas cantigas e suas danças, que aos olhos dos senhores

pareciam simples distrações de negros nostálgicos, eram, na realidade, reuniões nas quais eles

evocavam os Deuses da África” (VERGER, 2012, p. 23).

Os cultos de matriz africana receberam variadas denominações17 nas diferentes regiões

do Brasil, a exemplo de Xangô18 em Pernambuco e Alagoas; Tambor de Mina19 no Maranhão;

Batuque20 no Rio Grande do Sul e Amazônia. No Rio de Janeiro e São Paulo eram conhecidos

como Macumba21, já na Bahia receberam a denominação genérica de Candomblé22 (VERGER,

15 “[...] O Governo, porém, olha os batuques como para um ato que obriga os negros, insensível e maquinalmente,

de oito em oito dias, a renovar as ideias de aversão recíproca que lhes eram naturais desde que nasceram, e que

todavia se vão apagando pouco a pouco com a desgraça comum; ideias que podem considerar-se como o garante

mais poderoso da segurança das grandes cidades do Brasil, pois que se uma vez as diferentes nações da África se

esqueceram totalmente da raiva com que a natureza as desuniu, então os de Agomés vierem a ser irmãos com os

Nagôs, os Gêges com os Haussas, os Tapas com os Sentys, e assim os demais; grandíssimo e inevitável perigo

deste então assombrará e desolará o Brasil. E quem duvidará que a desgraça tem o poder de fraternizar os

desgraçados? Ora, pois, proibir o único ato de desunião entre os negros vem a ser o mesmo que promover o

Governo indiretamente a união entre eles, do que não posso ver senão terríveis consequências.” (RODRIGUES,

1945, p. 253). 16 Carneiro (1967) concorda com Nina Rodrigues quando este considerava uma ilusão a catequese dos negros

africanos. Assim, informa que “a sociedade brasileira não conseguiu desafricanizar o negro, no referente às suas

crenças religiosas, enquanto teve foros oficiais a religião católica, como o fez no referente à língua, à vestimenta,

aos costumes em geral”. (CARNEIRO, 1967, p. 35). 17 Sobre as origens de cada uma das denominações citadas ver: CARNEIRO, Edison de Sousa. Candomblés da

Bahia. Ilustrações de Carybé e Kantor. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1967. (Coleção Brasileira de Ouro), p. 19-21. 18 Sobre os xangôs no Nordeste ver: GONÇALVES, Fernandes. Xangôs do Nordeste: investigação sobre os cultos

negro-fetichistas do Recife. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1937. 19 Sobre o Tambor de Mina e influência daomeana no Maranhão ver: BASTIDE, Roger. As religiões africanas

no Brasil: contribuições a uma sociologia das interpretações de civilizações. São Paulo: Pioneira, 1971. v. 2. p.

256-266. 20 Sobre o batuque ver: CORRÊA, Norton F. O Batuque do Rio Grande do Sul: antropologia de uma religião

afro-rio-grandense. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1992; BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil:

contribuições a uma sociologia das interpretações de civilizações. São Paulo: Pioneira, 1971. v. 2. p. 287-298. 21 “No Rio de Janeiro as ‘nações’ fundiram-se umas nas outras, deixando-se também penetrar profundamente por

influências exteriores, ameríndias, católicas, espíritas, dando nascimento a uma religião essencialmente sincrética,

a macumba” (BASTIDE, 2001, p. 30). Carneiro (1967) informa que posteriormente o termo genérico macumba

teria sido substituído por Umbanda. Sobre a macumba no Rio de Janeiro ver: RIO, João do. As religiões no Rio.

Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. (Sabor literário); Sobre as origens da Umbanda ver: GIUMBELLI, Emerson.

Zélio de Moraes e as origens da umbanda no Rio de Janeiro. In: SILVA, Vagner Gonçalves da (org.). Caminhos

da alma: memória afro-brasileira. São Paulo: Summus, 2002. p. 183-217. 22 “Termo que primitivamente significava dança e instrumento de música e, por extensão, passou a designar a

própria cerimônia religiosa dos negros” (RAMOS, 1943, p. 359); “Candomblé é o nome dado na Bahia às

cerimônias africanas. Ele representa, para seus adeptos, as tradições dos antepassados vindos de um país distante,

fora de alcance e quase fabuloso. Trata-se de tradições mantidas com tenacidade e que lhes deram a força de

continuar sendo eles mesmos, apesar dos preconceitos e do desprezo de que eram objeto suas religiões [...]”

(VERGER, 2012, p. 24). Sobre a origem da palavra candomblé ver também: CARNEIRO, Edison de Sousa.

27

2012, p. 23). Inseridas nesse universo de herança africana também estão a Umbanda23, os

Catimbós24, a Pajelança25 e as Encantarias26.

Quanto às várias denominações que os cultos de matriz africana recebiam pelo Brasil

afora, Carneiro (1967) entendia não se tratar apenas de diferentes nomenclaturas regionais, mas

de verdadeiros cultos distintos entre si. Veja-se neste sentido:

À meia-noite, numa cerimônia de macumba carioca ou paulista, todos os crentes são

possuídos por Exu – uma prática que constitui um verdadeiro absurdo para os

fregueses dos candomblés da Bahia. O tocador de atabaque de qualquer ponto do país

ficará surpreendido e atrapalhado ao encontrar esse instrumento montado sobre um

cavalete, horizontalmente, com um couro de cada lado, no Maranhão. Que o pessoal

das macumbas no Rio de Janeiro se apresente uniformizado, e não com vestimentas

características de cada divindade, não pode ser entendido por quem frequenta os

candomblés da Bahia, os xangôs do Recife ou os batuques de Porto Alegre. E, vendo

dançar o babaçuê do Pará com lenços (espadas) e cigarros de tauari, os crentes de

outros Estados certamente franzirão o sobrolho. Se tais coisas normalmente

acontecem, não será porque esses cultos são diversos entre si? (CARNEIRO, 1967, p.

14).

Entretanto, mesmo sinalizando a existência de distinções nos elementos e estrutura dos

cultos, Carneiro (1967) também aponta algumas características que lhes são comuns, formando

uma espécie de núcleo duro dos cultos de matriz africana, independente da denominação que

recebam. São elas: a possessão pela divindade (se dá através de médiuns que servem de

instrumento para a manifestação da divindade); o caráter pessoal da divindade27 (cada divindade

que se manifesta através de seu respectivo médium é única e somente pode se manifestar através

dele); o oráculo (Ifá é o instrumento adivinhatório através do qual as divindades fornecem

respostas) e o mensageiro (Exu é o intermediário que leva às divindades os pedidos dos

homens). Essas características comuns demonstram a existência de uma unidade, ou seja, de

Candomblés da Bahia. Ilustrações de Carybé e Kantor. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1967. (Coleção Brasileira de

Ouro), p. 19-20. 23 Existe uma divergência no que se refere a Umbanda: alguns autores entendem se tratar de uma religião afro-

brasileira, ou seja, que possui origem africana, assim como o candomblé; outros entendem ser uma religião

exclusivamente brasileira, possuindo apenas alguns elementos africanos. Sobre essa discussão ver: GIUMBELLI,

Emerson. Presença na recusa: a África dos pioneiros umbandistas. Revista Esboços, v. 17, n. 23, p. 107-117, 2010. 24 Sobre o Catimbó ver: CASCUDO, Luís da Câmara. Meleagro: pesquisa do catimbó e notas da magia branca no

Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1978; BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuições a uma

sociologia das interpretações de civilizações. São Paulo: Pioneira, 1971. v. 2. p. 243-256. 25 Sobre a Pajelança ver: BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuições a uma sociologia das

interpretações de civilizações. São Paulo: Pioneira, 1971. v. 2. p. 243-256. 26 Sobre Encantarias ver: PRANDI, Reginaldo. Encantaria brasileira: o livro dos Mestres, Caboclos e

Encantados. Rio de Janeiro: Pallas, 2004. 27 Verger (1981) explica que existe uma diferença entre o orixá na África e no Brasil, pois enquanto na África toda

a coletividade de uma determinada cidade ou nação cultuava apenas um orixá [por isso a terminologia ‘cultos de

nação’], formando, portanto, uma série de cultos regionais e nacionais, no Brasil “o orixá assumiu um caráter

individual, ligado ao destino do escravo, agora separado de seu grupo familiar originário” (VERGER, 1981, p.

33).

28

uma certa uniformidade nos cultos, muito embora a diversidade das formas assumidas em cada

região (CARNEIRO, 1967).

De todo modo, o que se pode afirmar é que o universo das religiões afro-brasileiras

atualmente é composto por uma infinidade de credos, alguns com características e influências

bastante regionais, e outros revestidos de um caráter mais universal contribuindo para o recente

fenômeno da transnacionalização28 dessas religiões, que se tornaram produto de exportação

sendo hoje encontradas em países como Argentina, Uruguai, Portugal e Inglaterra (PRANDI,

2007).

O que se pode notar é que o processo de formação e conformação das religiões afro-

brasileiras foi conduzido a partir de uma séria de mudanças e apropriações que lhes garantem,

dentre outros aspectos, um caráter dinâmico. Como aponta Prandi (2007), fazendo uso de

processos sincréticos os cultos africanos se mesclaram aos santos católicos gestando, assim, as

religiões afro-brasileiras. Depois, no período pós-abolição, essas religiões passaram a adotar

valores cristãos e continuaram fazendo uso do sincretismo para escapar da perseguição policial

e conseguir inserção na sociedade geral. Desse processo teria nascido a Umbanda, religião de

caráter menos étnico e mais universal; e posteriormente, após o reconhecimento do direito à

liberdade religiosa de forma ampla no Brasil, partiu em viagem à África buscando sua origem

perdida, iniciando um processo de reafirmação de identidade e de reconhecimento enquanto

religião autônoma e não dependente do catolicismo, o que se deu a partir de dois pilares – a

africanização e dessincretização (PRANDI, 2007).

1.1 Òrùn: Elementos Estruturantes e Cosmovisão

Para uma melhor compreensão das lógicas internas inseridas no universo das religiões

afro-brasileiras é importante conhecer alguns elementos fundamentais que estruturam seus

cultos e sua cosmovisão. Não é pretensão deste trabalho, todavia, fazer crer que exista uma

uniformidade ou homogeneidade nessa dupla construção (de elementos estruturantes e

cosmovisão), pois em realidade não existe, até porque foram múltiplas as etnias africanas

trazidas para o Brasil e que emprestaram suas diversas visões de mundo (ou cosmovisões) para

a formação das religiões afro-brasileiras.

28 Sobre esse tema ver: ORO, Ari Pedro. As religiões afro-brasileiras no Cone Sul. Cadernos de Antropologia,

nº 10. Porto Alegre, UFRGS, 1993; PORDEUS, Ismael. Lisboa de caso com a umbanda. Revista USP, São Paulo,

nº 31, p. 90-103, 1996.

29

Assim, cada culto, ou melhor, cada casa religiosa contém em si uma lógica própria,

única, que recebe influências das mais diversas ordens (físicas e metafísicas, regionais ou locais,

religiosas ou profanas) formando um ethos29 diferenciado. Entretanto, é possível indicar certos

elementos e certas visões/concepções de mundo que lhes são comuns, e é isso que será

apresentado nesta seção.

As divindades comumente cultuadas nas religiões afro-brasileiras são denominadas

Orixás, Inquices ou Voduns, a depender do lugar de origem30 (ou nação) do culto. Grosso modo

é possível dizer que os Orixás são cultuados pelas nações de origem Sudanesa31, os Inquices

nas de origem Banto32 e os Voduns de origem Fon33. Entretanto, desde Nina Rodrigues,

precursor dos estudos afro-brasileiros, os pesquisadores têm indicado uma prevalência dos

cultos de origem sudanesa sobre os demais, sinalizando que o modelo estrutural fornecido pelos

nagôs34 (ou iorubás) teria sobressaído por ser o que melhor conservou a “pureza”35 africana.

29 Geertz explica que “o ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético

e sua disposição, é a sua atitude subjacente em relação a ele mesmo e ao seu mundo que a vida reflete” (GEERTZ,

1978, p. 143) 30 Rodrigues (2010) e Ramos (1947) destacam a origem para as religiões afro-brasileiras a partir de três grupos

étnicos: os bantos, os sudaneses e os malês. Carneiro (1967) faz remissão a uma classificação por grupos

linguísticos, apontando dois grandes grupos: sudaneses (os da Guiné e da Costa da Mina) e bantos (de Angola e

Congo). Bastide (2001), falando especificamente sobre os candomblés da Bahia, informa que estes podem ser de

‘nações’ diversas, portanto, de tradições diferentes; “angola, congo, jeje (isto é, euê), nagô (termo com que os

franceses designavam todos os negros de fala iorubá, da Costa dos Escravos), queto, ijexá. É possível distinguir

essas nações uma das outras pela maneira de tocar o tambor (seja com a mão, seja com varetas), pela música, pelo

idioma dos cânticos, pelas vestes litúrgicas, algumas vezes pelos nomes das divindades, e enfim, por certos traços

do ritual” (BASTIDE, 2001, p. 29). 31 Carneiro (1967) explica que os sudaneses se subdividem em várias nações (keto, ijêxá, alaketo, muçurumim,

etc.) e em designações como nagô, yorubá, ilú-ijêxá, etc. Sobre os sudaneses, Barros (2011) aponta que os jêjes

vieram da região do antigo Daomé, atual Golfo do Benin e que os nagôs eram constituídos por diversos grupos

étnicos (Egba, Egbado, Ijesa, Sábé, Ijebu, Òyó), mas principalmente os Ketu – originários das regiões da atual

Nigéria e do Golfo do Benin. Santos (1976) explica que “nagô” era o nome genérico através do qual eram

conhecidos no Brasil os grupos étnicos provenientes do Sul e do Centro do Daomé e do Sudeste da Nigéria, de

uma região que se convencionou chamar Yoru baland. Na Nigéria eram chamados de Yorubá [de Yoru baland],

em Cuba de Lucumí, e no Brasil ficaram conhecidos como nagô, termo usado para designar coletivamente todos

esses grupos que falavam uma mesma língua, apenas com variantes de dialetos. 32 Carneiro (1967) explica que de Angola e do Congo vieram para o Brasil grupos de língua banto, conhecidos

pelos nomes “caçanjes, benguelas, rebolos, cambindas, muxicongos” (CARNEIRO, 1967, p. 16). 33 Os Fon ficaram conhecidos pela denominação genérica de jêjes ou minas, pertenciam aos povos de língua Ewe.

Os jêjes eram povos oriundos da região do antigo Daomé, atual Golfo do Benin (RODRIGUES, 2010; BARROS,

2011). 34 Neste sentido: “[...] a mítica ioruba absorveu, no Brasil, todas as outras espécies religiosas” (RAMOS, 1947, p.

137); “[...] O modelo nagô foi aceito em toda parte, uma vez organizado o culto” (CARNEIRO, 1967, p. 17); “O

prestígio dos ‘nagôs’ impôs-se, pois, finalmente em toda parte. E esse prestígio se deve ao fato de conservarem

com maior fidelidade a religião ancestral, tal como havia sido trazida para as costas americanas [...] sem corromper

e falsificar nada desta tradição [...]” (BASTIDE, 1971, p. 275). Verger (2012) também informa que, em virtude da

considerável predominância numérica dos nagôs em relação aos bantos, a influência cultural e religiosa desse

grupo foi mais forte de modo que o modelo de culto dos nagôs melhor conservou seu caráter africano, exercendo

influência também sobre os cultos das outras nações. 35 Sobre “pureza nagô” ver a crítica feita por DANTAS, Beatriz Góis em Vovó Nagô e Papai Branco: usos e

abusos da África no Brasil, Rio de Janeiro: Graal, 1988.

30

A partir da apresentação dessa classificação dos modelos de culto, cabe a abertura de

um parêntese: se por um lado esse trabalho não tem a pretensão de concordar ou discordar da

teoria relativa à suposta “pureza nagô”, pois adentrar nessa discussão nada acrescenta ao

entendimento que se pretende fornecer com a construção desse capítulo. Para a persecução dos

objetivos propostos neste trabalho foi feita a opção de não demarcar as distinções existentes

entre os modelos de culto (de origem sudanesa, banto ou fon), uma vez que, de fato, é possível

notar nos modelos fornecidos pelos bantos e pelos fon, ora mais, ora menos, a influência

religiosa sudanesa (nagô/iorubá). Por esse motivo, em razão da predominância do modelo de

culto nagô/iorubá no Brasil (o que também se verifica em Sergipe), quando nos referirmos às

divindades do panteão afro-brasileira, faremos uso genérico da denominação “orixá”. Do

mesmo modo, passaremos também a adotar a denominação “candomblé”36, mantendo a

indistinção entre as nações de culto, por ser a terminologia predominante em Sergipe.

Segundo Verger (2012) a definição de Orixá é complexa: por um lado representa uma

força da natureza e por outro representa um ser humano divinizado, que quando vivo soube

estabelecer uma ligação íntima com essa força da natureza de modo a “assentá-la, domesticá-

la, criar entre ela e ele um laço de interdependência, através do qual atraía sobre ele e os seus a

ação benéfica e protetora dessa força e direcionava seu poder destrutivo para seus inimigos”

(VERGER, 2012, p. 37). Bastide (2001) apresenta explicação semelhante, mas traça uma

distinção entre o que os orixás representavam na África e o que passaram a representar no

Brasil:

Na África, os orixás são deuses de clãs; são considerados como antepassados que

outrora viveram na terra e que foram divinizados depois da morte. Mas ao mesmo

tempo constituem forças da natureza, fazem chover, reinam sobre a água doce, ou

representam uma atividade sociológica bem determinada, a caça, a metalurgia; não

são, pois, adorados apenas pelos descendentes, membros do clã, mas ainda por todos

que necessitam de seu apoio – camponeses que desejam boas colheitas, pescadores,

ferreiros. [...] Quando passamos da África para o Brasil, os clãs africanos desaparecem

na confusão das misturadas etnias [...] A escravidão destrói a sociedade tribal, o

regime das grandes fazendas mistura raças e clãs. Os orixás conservam, sim seus mitos

de antepassados divinizados, mas não são mais deuses de clãs; são deuses de

confrarias religiosas especializadas. Perdem, pois, seus caracteres de chefes de

linhagens; aparecem daí por diante unicamente como personificações da tempestade,

da guerra, do vento, do arco-íris, etc. São personificações das diversas forças da

natureza, dirigem-nas do alto. Do céu em que habitam. Do céu de que formam a corte

real (BASTIDE, 2001, p. 154).

36 Neste trabalho quando nos referimos genericamente a “candomblé” estamos fazendo sob a perspectiva de Verger

(1962) que pontua: “o Candomblé [...] é uma afirmação de união e concórdia, pois nele também as religiões se

mesclaram, e, como no corpo mestiço de seus fiéis, os Orixás nagôs, os Voduns jejes se confundiram e se uniram

com os santos católicos para serem adorados com o mesmo fervor” (VERGER, 1962, p.12).

31

Vê-se, portanto, que o culto ao orixá contém uma dupla construção – culto à força da

natureza e culto ao ancestral divinizado – que se unem formando um todo (VERGER, 2012).

Ambas as partes, entretanto, evidenciam a condição de imaterialidade37 do orixá, ou seja, de

elemento integrante do mundo sobrenatural, metafísico. Sendo assim, este só pode se manifestar

no mundo dos vivos por intermédio de um ser humano que apresente certas condições que

permitam a chamada possessão. São os chamados filhos e filhas de santo (iyaworiṣa ou iyawo),

escolhidos para lhe servir de médium (VERGER, 2012).

Por meio da possessão, momento em que o orixá toma o corpo do seu filho ou filha para

lhe servir de veículo de manifestação, os mundos dos deuses e dos homens se tocam e se fundem

em um ato de comunhão38. O filho (ou filha) já não é apenas um protegido do orixá, mas é

parte dele, comunga de sua origem mítica e divina e dele carrega qualidades e defeitos

(PRANDI, 1991).

Para seus adeptos, mais do que uma religião, o candomblé constitui uma coletividade

familiar-espiritual em que a vida social e a vida religiosa se integram. Daí as expressões “família

de santo”39, “povo de santo” ou “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”40,

utilizadas para denominar pessoas que compartilham crenças, práticas rituais e visões de mundo

próprias das religiões afro-brasileiras, incluindo o candomblé. São pessoas que partilham de

uma herança comum que contém “[...] um sistema de concepções herdadas, expressas em

formas simbólicas, por meio das quais os homens se comunicam, perpetuam e desenvolvem seu

conhecimento e suas atividades em relação à vida” (GEERTZ, 1978, p. 103).

Não só o sentimento religioso une a família ou povo de santo, mas também o sentido

social, político e identitário que foi construído a partir de uma trajetória de lutas e resistência

37 Sodré (2002, p. 80) se refere aos orixás como “princípios cósmicos”. Justamente por essa condição de

imaterialidade é que a representação dos orixás, segundo Carneiro (1967), se dá de forma indireta, ou seja “[...] o

que verdadeiramente as representa são a sua morada favorita – pedras, conchas, pedaços de ferro, frutos e árvores

– ou, secundariamente, as suas insígnias. A única representação direta das divindades se dá quando os crentes, por

elas possuídos, lhes servem de instrumento” (CARNEIRO, 1967, p. 23). 38 “[...] Assim se realiza a comunhão dos seres humanos com os deuses e com os ancestrais. Não se trata de uma

vaga comunhão espiritual, simbólica e remota, como no catolicismo, nem de uma simples ligação passageira e

acidental com os mortos, como no espiritismo. Os dois mundos se confundem no candomblé. Os deuses e os

mortos se misturam com os vivos, ouvem as suas queixas, aconselham, concedem graças, resolvem as suas

desavenças e dão remédio para as duas dores e consolo para os seus infortúnios. O mundo celeste não está distante,

nem superior, e o crente pode conversar diretamente com os deuses e aproveitar da sua beneficência. Eis a razão

do extraordinário vigor do candomblé [...]” (CARNEIRO, 1967, p. 39). 39 Sobre “família de santo” e estrutura social do candomblé ver: LIMA, Vivaldo da Costa. A família de santo nos

candomblés jeje-nagôs da Bahia. 2. ed. Salvador: Corrupio, 2003. 40 “[...] grupos que se organizam a partir dos valores civilizatórios e da cosmovisão trazidos para o país por

africanos para cá transladados durante o sistema escravista, o que possibilitou um contínuo civilizatório africano

no Brasil, constituindo territórios próprios caracterizados pela vivência comunitária, pelo acolhimento e pela

prestação de serviços à comunidade” (BRASIL, 2013, p.12).

32

(PRANDI, 2001). O que se vê é o fortalecimento de identidades e de laços de solidariedade41

que são edificados em torno do sentimento de pertencimento, formando comunidades guardiãs

do legado de uma memória coletiva: a memória mítico-religiosa africana.

Essas comunidades religiosas possuem uma visão de mundo comum, regras específicas

de convivência e de organização social e sua lógica interna de manutenção e transmissão de

poder e saber. A autoridade moral e espiritual máxima pertence ao pai ou mãe de santo42, que

se submete apenas à autoridade dos orixás. Na prática, porém, existe uma certa distribuição

dessa autoridade de acordo com critérios pautados principalmente pela antiguidade dos

membros (não necessariamente se trata de idade nos moldes convencionais, mas de idade no

santo, ou seja, o tempo de iniciação religiosa), formando uma espécie de cadeia hierárquica43

(CARNEIRO, 1967; BASTIDE, 2001; VERGER, 2012).

Toda essa estrutura interna, seja de autoridade, de hierarquias, de organização das

relações (religiosas e/ou sociais), está fincada em elementos que formam o que se pode chamar

de cosmovisão dessas comunidades, ou seja, sua visão de mundo, os valores e princípios que

regem suas relações internas e externas. Nesse sentido, o que podemos chamar de cosmovisão

religiosa de matriz africana, ou cosmovisão religiosa afro-brasileira, carrega muito da herança

mítica, social, cultural e religiosa africana, portanto, para compreender os valores que

estruturam as lógicas internas dessas comunidades religiosas é preciso compreender um pouco

da cosmovisão africana que foi trazida para o Brasil pelos negros na diáspora.

A cosmovisão africana44 está carregada de princípios dentre os quais destacamos a

integração, a ancestralidade e a diversidade. Esses princípios acompanharam os negros

41 Bastide (1971) aponta quais são as principais funções exercidas pelo candomblé: “garantir a segurança dos

indivíduos, por sua estreita solidariedade a um grupo de assistência mútua e por sua identificação com os deuses;

permitir simultaneamente a satisfação dos desejos pessoais de prestígio e de melhora da posição social, ligando-a

à posição mística; enfim, assegurar a satisfação das necessidades estéticas ou recreativas da multidão, pela música,

pelo canto, pela dança” (BASTIDE, 1971, p. 308). 42 Outras denominações comuns são: babalorixá ou iyalorixá, zelador ou zeladora, sacerdote ou sacerdotisa. 43 Pais e mães de santo são assistidos por alguns membros da comunidade religiosa, sendo eles: “um pai ou mãe

pequenos [babá kêkêre e iyá kêkêre], seus substitutos em caso de necessidade, pelo alagbe, responsável pelos

atabaques, pelo aṣogun, encarregado dos sacrifícios, e pelos ogan, dignitários escolhidos entre os simpatizantes

dos Oriṣa. Os ogan são encarregados da proteção do terreiro e são materialmente responsáveis por seu bom

andamento” (VERGER, 2012, p. 24-25). 44 “Alojada no útero da ancestralidade está a cosmovisão africana, isto é, sua epistemologia própria que, por ser

absolutamente singular e absolutamente contemporânea, partilha seus regimes de signos com todo o mundo,

enviesando sistemas totalitários, contorcendo esquemas lineares, tumultuando imaginários de pureza, afirmando

multiplicidade dentro da identidade. Fruto do agora, a ancestralidade ressignifica o tempo do ontem. Experiência

do passado ela atualiza o presente e desdenha do futuro, pois não há futuro no mundo da experiência. A cosmovisão

africana é, então, a epistemologia dessa ontologia que é a ancestralidade. De uma epistemologia marcadamente

antirracista para uma ontologia da diversidade. De uma epistemologia da inclusão para uma ontologia da

heterogeneidade. De uma forma cultural abrangente para um regime de signos específico. De uma semiótica

abrangente para uma forma cultural de organizar experiências singulares” (OLIVEIRA, 2012, p. 40).

33

africanos na diáspora, que preservaram em sua memória os mitos45 e os rituais de suas tradições

e, através deles, chegaram ao Brasil sustentados e preservados principalmente pela fé e

religiosidade. Na cosmovisão africana a religiosidade ultrapassa a dimensão restrita à esfera

sagrada e invade todas as esferas do cotidiano de modo a sacralizar a vida (OLIVEIRA, 2012).

Por força dessa herança, as religiões afro-brasileiras percebem e leem o mundo de forma

integrada, pois acreditam que tudo está em tudo de forma complementar (sagrado e profano,

homem e natureza, moderno e primitivo, ciência e tradição, individual e coletivo). O passado e

o presente se fundem em uma concepção circular do tempo em que a influência da herança

deixada pelos ancestrais é marcante.

Trata-se, pois, de uma visão de mundo fundada em mitos e que tem na oralidade46 e na

memória47 importantes formas de preservação das tradições e transmissão de saberes. Os

princípios da diversidade, da integração, da harmonia com a natureza, da senioridade, do senso

comunitário, constituem elementos organizadores das comunidades tradicionais de matriz

africana, como é o caso das comunidades religiosas (OLIVEIRA, 2012).

Bastide (2001) descreve os candomblés como “verdadeiras sociedades de socorro

mútuo, de auxílio fraterno, que mantêm o espírito comunitário africano” (BASTIDE, 2001, p.

63). A força desses laços comunitários, dessa solidariedade, sinaliza que as divindades africanas

não possuem apenas um significado religioso, mas que elas emanam também um “suporte

simbólico” (SODRÉ, 2002, p. 58) de grande relevância para a continuidade daquele

determinado grupo. Neste sentido, cultuar as divindades africanas “implica aderir a um sistema

de pensamento, uma ‘filosofia’, capaz de responder a questões essenciais sobre o sentido da

existência do grupo” (SODRÉ, 2002, p. 58).

A comunhão sempre constituiu, portanto, um valor inerente à cosmovisão religiosa de

matriz africana, ancorada na solidariedade e na integração. Esse espírito comunitário decorre,

45

Barros (1993) explica que os mitos são histórias usadas constantemente pelo grupo para ‘reviver a sua história’,

transmitir os conhecimentos aos mais novos e transferir padrões de comportamento. Prandi (2001) informa que os

mitos “falam de grandes acontecimentos, atos heróicos, descobertas e toda sorte de eventos dos quais a vida

presente seria a continuação” (PRANDI, 2001, p. 48-49). Para Bastide (1971, p. 335) “o mito retrata os

acontecimentos de um passado misterioso, representa a estrutura de uma determinada sociedade, reflete a

organização das linhagens, a formação da autoridade, as regras da vida comunitária”. 46 A transmissão do conhecimento e do saber no candomblé se dá pela tradição oral. Santos (1976) explica que a

oralidade, no candomblé, é o principal mecanismo no processo de transmissão do saber, pois o saber religioso dos

mais velhos é transmitido para os mais novos pela comunicação oral. A autora explica, ainda, que a linguagem

oral vai muito além da fala e também está associada aos gestos e expressões corporais, elementos rituais não-

verbais, a exemplo das danças sagradas. Esse aprendizado, portanto, se estabelece primordialmente a partir da

convivência entre os mais velhos e os mais novos, do que também decorre a importância do princípio da

senioridade, que será abordado mais adiante. 47 Para Pollak (1989, p. 10), “a memória consiste em uma operação coletiva dos acontecimentos e das

interpretações do passado que se quer salvaguardar, através de tentativas de definição e reforço de sentimentos de

pertencimento [...]”.

34

por um lado, possivelmente da própria luta histórica que os negros precisaram travar pela

sobrevivência individual, grupal, cultural e religiosa; e por outro lado, do forte sentido de

integração que permeia toda a visão de mundo inerente à religiosidade de matriz africana. Nessa

visão integral do universo não existem elementos isolados, tudo se comunica e se complementa

formando uma grande teia de interações em que todas as partes são mutuamente necessárias

para formação do todo: o princípio da inclusão é o regente dessa grande orquestra (OLIVEIRA,

2006).

O princípio da senioridade (respeito aos mais velhos) e a valorização da ancestralidade

também constituem uma das pedras fundamentais dessa visão de mundo. Mas aqui não se trata

de uma senioridade em termos biológicos, mas sim de uma senioridade espiritual, ou seja, de

antiguidade iniciática (“idade de santo”). Em outras palavras, o tempo de iniciação religiosa

que é levado em consideração. Esse princípio também decorre da valorização dos que primeiro

chegaram ao lugar habitado pelo grupo (SODRÉ, 2002).

Na hierarquia religiosa, a senioridade norteia toda a estrutura social das comunidades

tradicionais de matriz africana (LIMA, 2003) e está na base do processo de transmissão do

saber, que segue dos mais velhos para os mais novos. Essa transmissão de saber, como já visto,

se dá principalmente pela oralidade, ou seja, por meio de ensinamentos que fazem uso de uma

linguagem não-escrita, mas que não está restrita à fala, compreendendo também elementos

rituais não-verbais, como é o caso das danças sagradas (CASTILLO, 2010).

Por meio da tradição oral, os mais velhos transmitem aos mais jovens não apenas o seu

saber, mas também o seu “axé”, pois a palavra vai além da sua dimensão meramente linguística

e está carregada de força vital (CASTILLO, 2010). O axé também é um princípio base da

cosmovisão religiosa de matriz africana; ele é a força que “assegura a existência dinâmica, que

permite o acontecer e o devir. Sem axé, a existência estaria paralisada, desprovida de toda

possibilidade de realização. É o princípio que torna possível o processo vital” (SANTOS, 1976,

p. 39). Neste sentido, o saber religioso e o axé são transmitidos/compartilhados pelos mais

velhos aos mais novos, pela comunicação oral, em uma cadeia que fortalece laços de identidade,

solidariedade e alimenta a força vital dinâmica do grupo.

Já a valorização da ancestralidade, por sua vez, torna possível a preservação da

identidade48 do grupo, uma vez que fornece elementos sobre quem somos e de onde viemos,

implicando em um processo de conhecimento e reconhecimento de histórias e trajetórias.

48 Woodward (2012) explica que a identidade é marcada por meio de símbolos que demarcam as particularidades

dos indivíduos, ou seja, os traços que os diferenciam uns dos outros. Em outras palavras, a identidade é marcada

pela diferença.

35

Assim, “pensar no processo de formação identitária sem a referência à ancestralidade é como

pensar em uma árvore sem raiz” (GUIMARÃES, 2014, p. 277).

Essa formação identitária remete aos modos de existência ou de representação que

definem o grupo através de alguns atributos selecionados no seu complexo cultural (língua,

religião, arte, sistemas políticos, economia, visão do mundo), de sua história, de seus traços

psicológicos, etc., entendidos como mais significativos do que outros e que o diferenciam de

demais grupos ou comunidades, religiões, nações, etnias, etc. (MUNANGA, 2012). Em se

tratando das comunidades religiosas de matriz africana, preservar essa identidade coletiva é

garantir o direito à preservação das tradições, dos saberes, da memória, enfim, da identidade

étnica49 dessas comunidades.

A valorização das tradições é uma das estratégias utilizadas pelas religiões afro-

brasileiras para proteger essa formação identitária do grupo, e, consequentemente, preservar a

comunidade religiosa. Isso não significa dizer, entretanto, que a manutenção dessas tradições

faz desse sistema religioso algo engessado, visto que quando é preciso, em nome do bem-estar

coletivo (que consiste em um objetivo maior), modificações e adaptações são inseridas. Existe,

portanto, dinamismo e não estagnação (OLIVEIRA, 2006).

Embora o tempo dos ancestrais (dos antepassados) remeta a um tempo passado, isso não

se dá no sentido de algo que ficou para trás, ultrapassado. A cosmovisão religiosa de matriz

africana está assentada em uma concepção de tempo cíclico50, em que “se acredita que a vida é

uma eterna repetição do que já aconteceu num passado remoto narrado pelo mito” (PRANDI,

2001, p. 43). Portanto, é no passado, revivido pelos mitos, que se encontram as respostas para

as dificuldades do tempo presente, pois é nele que reside a sabedoria dos ancestrais

(OLIVEIRA, 2012).

Na escala ocidental do tempo “os acontecimentos são enfileirados uns após outros, em

sequencias que permitem organizá-los como anteriores e posteriores, uns como causa e outros

como consequência [...] que conhecemos como história” (PRANDI, 2001, p. 48). Essa

concepção, entretanto, não se verifica na cosmovisão africana que concebe o tempo como uma

“composição dos eventos que já aconteceram ou que estão para acontecer imediatamente [...],

49 Cada ser humano guarda uma relação muito forte com o grupo étnico a que pertence, com suas tradições, valores

e cosmovisão. A essa relação de pertencimento dá-se o nome de “identidade étnica”, direito intimamente ligado à

liberdade cultural, parte vital do desenvolvimento humano (PNUD, 2004). 50 Prandi explica que a lógica do tempo cíclico segue a do tempo da natureza e da memória “que não se perde, mas

se repõe. O tempo da história, em contrapartida, é o tempo irreversível, um tempo que não se liga nem à eternidade,

nem ao eterno retorno. O tempo do mito e o tempo da memória descrevem um mesmo movimento de reposição:

sai do presente, vai para o passado e volta ao presente – não há futuro” (PRANDI, 2001 p. 49).

36

passado imediato está intimamente ligado ao presente, do qual é parte [...] o futuro nada é que

a continuação daquilo que já começou a acontecer no presente” (PRANDI, 2001, p. 48).

Em consonância com essa concepção não linear do tempo, Boaventura de Sousa Santos

(2007), ao erigir as bases da sua “sociologia das ausências”51, elenca cinco lógicas ou modos de

produção de ausências (ou não-existências): monocultura do saber e do rigor do saber;

monocultura do tempo linear; lógica da classificação social; lógica da escala dominante; lógica

produtivista. Essas cinco monoculturas produziram um amplo conjunto de populações, formas

de ser, de viver e de saber tidos como ignorantes ou inferiores (SANTOS, 2007, p. 30).

A monocultura do tempo linear, especificamente, consiste na ideia de que “a história

tem um sentido, uma direção, [...] inclui o conceito de progresso, modernização,

desenvolvimento e, agora, globalização”. Dela decorre a concepção de que existem sociedades

que são primitivas e selvagens e outras modernas e civilizadas (SANTOS, 2007, p. 29). Para

Santos (2007), entretanto, é importante permitir que cada forma de sociabilidade tenha sua

própria concepção de temporalidade, como é o caso das comunidades fundadas nessa

cosmovisão ancestral africana.

A diversidade, por sua vez, que também constitui um dos princípios norteadores da

cosmovisão africana, está diretamente relacionada ao princípio da integração. Por se tratar de

uma visão de mundo inclusiva, dela decorre a aceitação do que é diferente. Ela resulta,

sobretudo, da própria natureza plural e multifacetada do continente africano, em que diferenças

étnicas e culturais convivem e se alimentam mutuamente a partir da diferença (OLIVEIRA,

2012).

Dentro da lógica da diversidade não cabem dicotomias entre bem-mal52, certo-errado,

céu-inferno, sagrado-profano, masculino-feminino. Essas classificações engessam a realidade

e limitam a pluralidade das representações humanas, fazendo com que inúmeras experiências e

possibilidades sejam perdidas pelo simples fato de não se encaixarem dentro dessas

perspectivas engessadas (OLIVEIRA, 2012).

51 “A Sociologia das Ausências é um procedimento transgressivo, uma sociologia insurgente para tentar mostrar

que o que não existe é produzido ativamente como não-existente, como uma alternativa não-crível, como uma

alternativa descartável, invisível à realidade hegemônica do mundo” (SANTOS, 2007, p. 28-29). Essa teoria será

aprofundada no terceiro capítulo desse trabalho. 52

Verger (2012) faz um alerta quanto ao perigo em dualizar bem e mal, pecado e salvação, dentre outros conceitos

de origem judaico-cristã, quando se trata da intepretação das premissas religiosas de origem africana. O autor

aponta: “Ao abordar o estudo dessas religiões, é necessário abstrair certos postulados: bem e mal, que

correspondem exatamente a nosso conceito de bem e de mal, pecado original, divina providência, e substituí-los

pelos conceitos de eficácia, força, luta pela existência em que tudo se ganha, se merece, se conquista [...]”

(VERGER, 2012, p. 16).

37

É o princípio da diversidade que faz das religiões afro-brasileiras espaços plurais, de

inclusão e acolhimento das diferenças, em que se operam a lógica do reconhecimento da

alteridade através do respeito às diversidades, onde há espaço para todos não importando

posição social, pertencimento étnico-racial53, ideologia política, orientação ou identidade

sexual, idade, escolaridade, etc. Sobre esse aspecto Prandi (1996, p. 42) afirma que “O

candomblé não discrimina o bandido, o adúltero, o travesti e todo tipo de rejeitado social [...]

O candomblé se preocupa sobretudo com aspectos concretos da vida: doença, dor, desemprego,

deslealdade, falta de dinheiro, comida e abrigo”.

As mais diversas ressignificações pelas quais as religiões afro-brasileiras passaram,

muitas vezes como forma de adaptação necessária para continuidade e sobrevivência, também

foram possíveis em razão dessa capacidade de abraçar a diversidade. A própria construção do

candomblé, originado a partir do hibridismo de diferentes estruturas litúrgicas africanas, revela

formas de adaptação que os negros escravizados encontraram para preservar suas religiosidades

ante às diversas perseguições que lhes foram impostas.

A cosmovisão religiosa de matriz africana implica também em uma relação estreita com

a natureza, pois é na natureza que estão as divindades africanas e muitas vezes esses signos

representam a mesma coisa (a divindade é a própria natureza: são as matas, rios, lagos,

cachoeiras, etc.), portanto, é impossível falar em religiosidade de matriz africana sem sua

integração e interdependência com a natureza.

A cosmovisão religiosa de matriz africana não percebe o homem separado da natureza,

mas sim como elemento integrado e integrante desta. Trata-se do que Pelizzoli (2002) chama

de postura holístico-revolucionária, que consiste em uma perspectiva filosófica de mundo que

remete à ideia de Unidade, de ser Um com o Todo. Nesse aspecto de Unidade a relação

homem/natureza se dá numa base espiritual, simbólica, de interação com o sagrado, de interação

com a natureza através de um viés sagrado. O que o autor chama de relação “eco-sistêmica”

com a natureza (PELIZZOLI, 2002, p. 27).

Trata-se de uma maneira própria de viver na sociedade que privilegia a relação homem-

natureza, por meio de uma perspectiva biocêntrica pautada em um compromisso com o

reconhecimento de uma inter-relação, com a consciência de que “a vida está no centro e os seres

humanos situam-se como seres vivos tão importantes como todas as formas de vida existentes.

53 Sobre essa tendência a abraçar a diversidade Bastide (2001) destacou que “[...] A religião do candomblé, embora

africana, não é religião só de negros. Penetram no culto não somente mulatos, mas também brancos e até

estrangeiros. É preciso dissociar completamente religião e cor de pele. É possível ser africano, sem ser negro [...]”

(BASTIDE, 2001, p. 25).

38

Daí uma valorização a tudo o que tem vida” (COELHO, 2011, p. 156). Para Oliveira (2006) a

religiosidade de matriz africana está impregnada por uma visão de mundo que constitui

[...] uma forma cultural ecosófica pois não compreende a natureza como um elemento

passivo. Ao contrário, ela não reifica a separação binária homem-natureza ou

natureza-cultura. O homem é natureza. Forma com ela um elo indissociável. Há aqui

um holismo filosófico com consequências políticas. E este é o ponto “chave”, o

motivo no qual reside a resistência da cosmovisão africana num espaço onde os

valores cristãos/capitalistas privilegiam a instrumentalização da natureza e sua

consequente exploração, onde a ênfase cultural recai sobre o extraordinário e não

sobre o ordinário, sobre o pós-morte, o pecado, a culpa, a moral e não sobre o

imanente, a liberdade, o prazer e a ética. Nas comunidades de Candomblé as

organizações se dão a partir de experiências religiosas de caráter mágico, o irracional

é racionalizado, sendo passível de ser controlado e transformado. (OLIVEIRA, 2006,

p. 61).

Essa forma peculiar de ler, interpretar e se posicionar no mundo se contrapõe ao modelo

civilizatório hegemônico alicerçado na racionalidade, na noção de progresso material e

desenvolvimento econômico nos moldes da modernidade científica e industrial. A cosmovisão

religiosa de matriz africana é sistêmica, integrativa e pautada na interdependência de todas as

coisas (OLIVEIRA, 2006), ela é pautada por uma relação de integração homem-natureza que

se dá “numa base espiritual, simbólica, de interação com o sagrado, interação com a natureza

via caráter do sagrado” (PELIZZOLI, 2002, p. 27).

A sacralização da natureza, portanto, constitui um dos fundamentos centrais das

religiões afro-brasileiras, o espaço sagrado54 não se delimita ao templo, existem outros locais

considerados sítios naturais sagrados (sobre os quais trataremos melhor no capítulo 3) com os

quais são mantidas estreitas relações de afetividade e pertencimento. Falando sobre o

candomblé, por exemplo, Bastide (2001, p. 82) cita que “[...] Os cultos de Iemanjá e de Oxum,

deusas da água salgada e da água doce, reclamam principalmente oferendas atiradas na margem

ou de uma barca em alto-mar [...]”.

A cosmovisão religiosa afro-brasileira, além de constituir um patrimônio mítico-cultural

africano que se reconstruiu no Brasil, representa também um sistema de valores e princípios

que fortalecem os laços de solidariedade, o senso de coletividade, promovendo o bem-estar e a

harmonia social, acolhendo a diversidade e as pluralidades, cultivando valores de integração,

54

Eliade (1992) explica que existem distinções e rupturas qualitativas entre o espaço sagrado e o espaço não-

sagrado que são perceptíveis ao homem religioso. Para esse homem religioso o espaço sagrado é “significativo” e

implica uma “hierofania, uma irrupção do sagrado que tem como resultado destacar um território do meio cósmico

que o envolve e o torna qualitativamente diferente” (ELIADE, 1992, p. 25-30).

39

respeito, tolerância, que inspiram novos paradigmas de inclusão e de proteção da dignidade

humana que não estão engessados e limitados pela razão ocidental55.

Para além do desencantamento produzido por essa razão ocidental moderna, que tem no

capitalismo neoliberal seu modelo hegemônico, existem outras experiências de resistência que

funcionam como “linhas de fuga que potencializam a criação de outros regimes semióticos”

(OLIVEIRA, 2012, p. 42-43). O modelo sociocultural fornecido a partir da visão de mundo das

religiões de matriz africana representa uma dessas “linhas de fuga” capaz de promover justiça

social, emancipação humana e preservação do ecossistema planetário a partir de uma visão de

mundo holística/sistêmica.

As religiões afro-brasileiras, portanto, fornecem um modelo sociocultural contra

hegemônico em meio à cultura capitalista predominante, por meio de outro sistema cognitivo

que não está refém das teias do modelo racionalista-científico ocidental, que fragmenta o ser

humano e os saberes, ou do capitalismo neoliberal, que faz pouco caso dos interesses coletivos

em detrimento do individualismo exacerbado.

A partir desse modelo contra hegemônico emerge uma outra concepção de dignidade

humana. Essa outra concepção dialoga com a proposta da teoria crítica dos direitos humanos,

que formula seu constructo justamente a partir da constatação de que são diversas as formas de

concepção cultural sobre dignidade da pessoa humana, motivo pelo qual propõe uma nova

formulação de direitos humanos56 que operem a partir de valores locais, mas que tenham

alcance global (SANTOS, 2006; FLORES, 2010). Esses valores locais são os princípios

norteadores das lógicas internas a partir das quais os nativos regulam seus modos de vida. No

presente caso, são os princípios que formam a cosmovisão religiosa de matriz africana.

Portanto, dos valores locais fornecidos por essa cosmovisão resulta uma concepção de

dignidade humana que não subsiste se pensada de forma dissociada de categorias como

memória, pertencimento, resistência, sacralidade. Nessa construção, a ideia de identidade está

ligada ao território; pensar em memória é pensar em memória coletiva e subterrânea; pensar em

resistência é pensar em uma luta constante por sobrevivências; pensar em sacralidade é pensar

em uma história de perseguição e estigmatização de uma religião tida como subalterna.

Pensar em todas essas categorias indissociáveis da concepção de dignidade humana que

emerge da visão de mundo que norteia as religiões afro-brasileiras é, sob essa ótica, pensar em

55 Oliveira (2012, p. 42) caracteriza a razão ocidental como “pragmática, instrumentalista, calculista, árida, numa

palavra, desencantada”. 56 Douzinas (2010) enuncia que os direitos humanos são uma subcategoria dos direitos que protegem importantes

bens jurídicos, como a vida e a liberdade, e que são conferidos às pessoas por causa de sua humanidade,

independente de filiação ao estado, nação ou comunidade.

40

uma história de silenciamentos, produção de ausências57 e violação de direitos. Como alerta

Boaventura de Sousa Santos (2002), a insistência na adoção de um modelo único e autoritário

de direitos humanos traz como consequência a produção de uma série de ausências.

1.2 Àiyé - O Terreiro

Como vimos, a cosmovisão religiosa afro-brasileira constitui um patrimônio58 mítico-

cultural que foi reconstruído pelos negros africanos em solo brasileiro. A preservação desse

patrimônio foi possível através do terreiro, que representa historicamente uma forma de

resistência cultural e de coesão social (BARROS; TEIXEIRA, 2000).

O terreiro aparece como a base físico-cultural de um patrimônio simbólico (a

religiosidade africana) através do qual o negro africano teve a possibilidade de se

“reterritorializar”, ainda que de forma condensada. Se na África cada região ou “nação”

cultuava apenas um orixá (que na maioria das vezes se acreditava ter uma relação de

ancestralidade com a dinastia do clã), no Brasil, entretanto, os clãs foram desfeitos e as diversas

etnias misturadas; os orixás, portanto, também foram reunidos sob uma devoção condensada,

um culto único que abarca os orixás de todos os clãs fragmentados pela diáspora. Cria-se um

novo espaço mítico “responsável pela continuidade da cosmologia africana no exílio”.

(SODRÉ, 2002, p. 59).

O espaço do terreiro é, portanto, também um espaço mítico que remete à criação do

mundo. Neste sentido, uma passagem de Bastide (2001) sobre essa reprodução de uma narrativa

mítica de criação do mundo que se opera no espaço do terreiro tem profundo valor simbólico:

[...] Quando nele dançam os orixás, por intermédio do corpo das filhas-de-santo

possuídas, o aposento [o salão principal] se torna a própria imagem do mundo. O solo

é a terra [Odudua], o teto é o céu [Obatalá]; entre as duas divindades, os orixás imitam

com sua mímica a vida dos elementos da natureza, a tempestade que se desencadeia

(Iansã), o ziguezague do relâmpago (Xangô), o murmúrio dos regatos (Oxum), as

vagas do oceano (Iemanjá), e também as ações dos homens que vivem no mundo – os

caçadores (Oxóssi), ferreiros (Ogum), ou a passagem das doenças epidêmicas

(Omolu); o salão de dança é então o microcosmo, ou também o mundo reconstituído

em sua realidade mística, que é sua verdadeira realidade [...] (BASTIDE, 2001, p. 88).

57 Trataremos detidamente sobre a teoria de Boaventura de Sousa Santos sobre produção de ausências no terceiro

capítulo desse trabalho. 58 Sodré (2002, p. 52) se refere a patrimônio como “uma metáfora para o legado de uma memória coletiva, de algo

culturalmente comum a um grupo”.

41

Pode-se dizer que o terreiro corresponde (ou pretende corresponder) a uma África em

miniatura, funcionando como “um verdadeiro microcosmo59 da terra ancestral” (BASTIDE,

2001, p. 76). Entendimento semelhante é partilhado por Sodré (2002) ao destacar que, mesmo

quando se trata de um terreiro de espaço físico reduzido que não comporta essa divisão

tradicional, ali se organiza a simbologia de um Cosmos: “é uma África qualitativa que se faz

presente, condensada, reterritorializada [...]instaura-se aí por meio da palavra mítica (a narração

ritualística das origens e do futuro), um ‘lugar sagrado’ [...]” (SODRÉ, 2002, p. 55).

Retratado por Sodré (2002) como a principal forma social negro-brasileira60, o terreiro

consiste na própria organização da comunidade litúrgica (ou egbé), em cujo espaço se preserva

e se reproduz a cosmovisão de matriz africana, e onde são construídas identidades religiosas

segundo um modelo mítico (BARROS, 2011; SODRÉ, 2002). Através dos terreiros os diversos

grupos étnicos da diáspora conseguiram conservar um profundo sentido de comunidade.

O primeiro terreiro de candomblé no Brasil teria sido o Iyá Omi Àse Ayra Intilé,

instalado inicialmente próximo a Igreja da Barroquinha em Salvador/BA, sendo posteriormente

transferido e se estabelecido definitivamente na Av. Vasco da Gama, com o nome atual de Ilé

Iyá Naso, também conhecido como Casa Branca do Engenho Velho. Estudiosos como Carneiro

(1967), Santos (1976), Bastide (1971), Verger (1981) e Sodré (2002) apontam a senioridade da

Casa Branca e informam que sua fundação remonta, mais ou menos, o ano de 1830.

As religiões afro-brasileiras nasceram urbanas, ou no máximo suburbana, com poucos

terreiros encontrados nas zonas rurais, como aponta Carneiro (1967) quando se refere ao

candomblé como “fenômeno de cidade”. Entretanto, entre o final do século XIX e início do

século XX, intensificaram-se as regras de segregação territorial no Brasil por meio de uma série

de políticas urbanas higienistas61, que consistiram em intervenções no espaço urbano cujo mote

oficial era o controle dos processos de transmissão das doenças infectocontagiosas através do

saneamento. A incorporação de práticas higienistas às políticas urbanas teve início em Paris e

funcionou como modelo urbanístico que passou a ser adotado por outras cidades do mundo, a

exemplo de Londres e Berlim, chegando às cidades brasileiras dentre as quais Rio de Janeiro e

59 Por meio de algumas cerimônias particulares a força (ou axé) das divindades africanas é fixada nesse

microcosmo (BASTIDE, 2001). 60 “[...] o terreiro afigura-se como a forma social negro-brasileira por excelência, porque além da diversidade

existencial e cultural que engendra, é um lugar originário de força ou potência social para uma etnia que

experimenta a cidadania em condições desiguais. Através do terreiro e de sua originalidade diante do espaço

europeu, obtêm-se traços fortes da subjetividade histórica das classes subalternas no Brasil” (SODRÉ, 2002, p.

20). 61 Sodré (2002) descreve essas políticas como fruto de “discursos produzidos no quadro de uma ideologia médico-

higienista, motor das grandes transformações urbanísticas da época, geradora de um saber adequado às demandas

de saúde do novo ambiente industrial-capitalista que havia triunfado na Europa e ganhava os Estados Unidos”

(SODRÉ, 2002, p. 40).

42

São Paulo foram as primeiras62, seguidas por Santos, Recife, Porto Alegre, Salvador e outras

(ROLNIK, 1989; GUIMARÃES, 2001; CUNHA JR., 2007; RAMOS, 2007).

Entretanto, no Brasil as políticas higienistas assumiram a feição de missão civilizatória63

se revelando como um projeto de extermínio de tudo que se acreditava ser responsável pelas

mazelas sociais e contrário ao modelo de civilização europeu64. Dentro desse projeto, pois, a

presença de populações afrodescendentes (dentro das quais estavam incluídas as comunidades

de terreiro) nos centros urbanos era insustentável65 (ROLNIK, 1989; CUNHA JR., 2007;

RAMOS, 2007).

Por meio de políticas higienistas, justificadas pela necessidade de melhoramentos

urbanos, foi feita a remoção das populações africanas e afrodescendentes dos centros urbanos

para instalá-las em áreas periféricas distantes, carentes de políticas urbanísticas, o que impôs

uma série de dificuldades a essas populações (MARQUES, 1994; SODRÉ, 2002; CUNHA JR.,

2007; RAMOS, 2007). O que se viu foi “[...]uma política segregacionista dos espaços no Brasil,

sem, entretanto terem esta denominação, naquela época, estas práticas afetaram

significativamente as maiorias afrodescendentes consolidadas no meio urbano [...]” (CUNHA

JR., 2007, p. 66).

Essas áreas periféricas, que então se tornaram verdadeiros territórios negros, passaram

então por contínuos processos de estigmatização através de sucessivas “representações sociais

construídas de modo a desmoralizar os afrodescendentes e seus modos de vida”, evidenciando

uma segregação urbanística e social (RAMOS, 2007, p. 112).

62 “De forma mais ou menos intensa, as duas cidades viveram, na virada do século, uma transformação profunda

que repercutiu, em um primeiro momento, no crescimento populacional e no aumento da densidade demográfica,

mas que significou, também, um embranquecimento e uma intensa redefinição territorial. Essa reestruturação

vinha adaptar a cidade senhorial-escravista aos padrões da cidade capitalista, onde terra é mercadoria e o poder é

medido por acumulação de riqueza. A face urbana desse processo é uma espécie de projeto de “limpeza” da cidade,

baseado na construção de um modelo urbanístico e de sua imposição através da intervenção de um poder municipal

recém-criado. Um dos principais alvos de intervenção foram, nas duas cidades, justamente os territórios negros

[...]” (ROLNIK, 1989, p. 34). 63 “Em paralelo a um discurso das teorias higienistas e eugênicas, havia também o discurso ‘civilizatório’:

modernização, normatização, moralização dos costumes, combatendo os péssimos hábitos da população aos quais

se associavam às ideias de pobreza, insalubridade, promiscuidade, imoralidade, subversão, associados, sobretudo,

aos hábitos da população negra” (RAMOS, 2007, p. 116). 64 “[...] Desafricanizar as cidades, isto é, desmontar esses territórios negros apagando os traços afro-brasileiros na

cidade, era fundamental para intensificar o poder das aparências europeias, trazendo uma nova imagem de cidade

para a República” (RAMOS, 2007, p. 112). 65 Nesse período o Brasil já vinha recebendo grande volume de imigrantes europeus com o intuito de suprir uma

suposta carência de mão-de-obra que sucedeu o pós-abolição mas, principalmente, esses imigrantes eram atraídos

por generosas políticas brasileiras que, motivadas pelas teorias científicas raciais que se fortaleciam na época,

buscavam, sobretudo, o embranquecimento da população brasileira (ROLNIK, 1989). Sobre essas questões ver

também: RAMOS, Maria Estela R. Origens da segregação espacial da população afrodescendente em cidades

brasileiras. In: CUNHA JR., Henrique e RAMOS, Maria Estela R. (Orgs.). Espaço urbano e afrodescendência:

estudos da espacialidade negra urbana para o debate de políticas públicas. Fortaleza: Edições UFC, 2007. p. 97-

120;

43

Aqui cabe ressaltar que, nesse contexto, as religiões dos africanos e afrodescendentes

eram tidas como práticas primitivas de feitiçaria66 (MAGGIE, 1992; RIO, 2006) não

condizentes com o modelo de civilização europeu que se estava construindo por meio das

políticas urbanas higienistas. Assim, se estabeleceu uma violenta perseguição ao culto67,

consubstanciada pela repressão policial da época, que também é apontada como elemento que

interferiu no processo de deslocamento dos terreiros, pressionando pais e mães de santo, antes

estabelecidos nos centros das cidades68, a irem para regiões cada vez mais afastadas onde o

toque dos atabaques não pudessem ser escutados, de modo a se tornarem “invisíveis”,

provocando um isolamento das comunidades afrorreligiosas (BARROS; NAPOLEÃO, 2011).

Aliado a isso, as modestas condições financeiras da comunidade religiosa no período

pós-abolicionista também colaboraram para a instalação nas regiões mais periféricas, onde as

terras eram mais baratas, conforme aponta Pierson (1971). Silva (1995), em pesquisa realizada

em São Paulo na década de 90, também aponta que inicialmente havia um forte predomínio das

casas de candomblé na periferia da cidade e explica que um dos motivos da referida segregação

territorial era justamente o baixo poder aquisitivo das populações que constituíam a maioria

absoluta dos fiéis.

Depoimento colhido por meio de entrevista semiestruturada em um dos terreiros

investigados na pesquisa de campo realizada neste trabalho evidenciou que, na Grande Aracaju,

o elemento financeiro ainda exerce forte influência na continuidade desse padrão de ocupação

66 Para maior aprofundamento ver: MAGGIE, Yvonne. Medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil.

Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992; RIO, João do. As religiões no Rio. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.

(Sabor literário). 67 Sobre o desrespeito à liberdade de culto das religiões de origem africana merecem destaque dois trechos

encontrados, respectivamente, nas obras de Edson Carneiro e Nina Rodrigues: “Nenhuma das liberdades civis tem

sido tão impunemente desrespeitada, no Brasil, como a liberdade de culto. O texto constitucional não tem clareza,

embora seja claro como o dia o princípio democrático que lhe serve de base – e qualquer beleguim da polícia se

acha com o direito de intervir numa cerimônia religiosa para semear o terror entre os crentes. Esta violência já se

tornou um hábito, sem que contra ela se eleve sequer uma voz de protesto [...] Esse desrespeito a uma liberdade

tão elementar atinge apenas as religiões chamadas inferiores. E, quanto mais inferiores, mais perseguidas [...]”

CARNEIRO (1964, p. 185); “Absolutamente elas [as práticas religiosas dos negros] não são um crime, e não

justificam as agressões brutais da polícia, de que são vítimas. O texto da nossa Constituição política é claro e

terminante. A todos os habitantes deste país, ela garante plena liberdade de consciência e de culto. O Código Penal

da República qualifica os crimes de violência contra a liberdade de cultos e marca-lhes a penalidade. Em que

direito se baseia, pois, a constante intervenção da polícia na abusiva violação dos templos ou terreiros africanos,

na destruição dos seus ídolos e imagens, na prisão, sem formalidades legais, dos pais de terreiro e diretores de

candomblés?” (RODRIGUES, 2010, p. 272). 68

Neste sentido Bastide (2001) e Carneiro (1967): “Existiam outrora candomblés em pleno centro da cidade. [...]

Mas em geral agrupam-se longe do centro, nos vales umbrosos, suspensos nos flancos das colinas ou entre as dunas

marinas, escondidos pelas árvores, pelos renques de bananeiras, abrigando-se sob os coqueiros. [...] Cercam a

cidade como uma coroa mística [...]”. (BASTIDE, 2001, p. 30); “Os candomblés situam-se, a bem dizer, no meio

do mato, nos arrabaldes e subúrbios mais afastados da Cidade” (CARNEIRO, 1967, p. 43).

44

dos terreiros em áreas mais periféricas69, onde os valores dos imóveis (para locação ou

aquisição) costumam ser mais acessíveis. O referido terreiro iniciou suas atividades em 2010 e

está localizado no bairro industrial em um imóvel alugado que possui espaço consideravelmente

pequeno para a realização das atividades religiosas. Questionada se quando da escolha do

imóvel para locação chegou a encontrar outros com espaço mais amplo, a entrevistada forneceu

a seguinte resposta:

Foi possível até encontrar mas os valores eram exorbitantes que fugia a nossa

realidade. Aí aqui foi o espaço que mais condizia com o que o terreiro ia exigir de

área, de espaço, e aí a gente conseguiu esse espaço aqui depois de muito caminhar,

uns seis meses a procura e a gente conseguiu aqui, conversou com a dona da casa,

explicou a situação a ela que a gente ia fazer aqui e ela aceitou. Porque também é

difícil as pessoas ter imóvel alugado e aceitar porque ainda há muita discriminação

né, achar que a gente vai fazer rituais satânicos, enfim e muita gente tem preconceito

e não deixa você alugar uma casa e fazer um terreiro de candomblé. (LEGBARA,

2016, informação verbal70).

A fala de outro entrevistado também faz referência aos valores dos imóveis como um

elemento que limita a escolha do local onde o terreiro é instalado. Vejamos:

Eu gostaria de ter mais espaço, mais terreno para ter vários elementos que eu poderia

usar mais dentro da religião, como um poço, ervas também, isso é muito importante,

folha é vida. Aqui tenho algumas mas geralmente a gente tem que ir no mato para

buscar ou a gente tem que comprar. Eu tenho vontade de ter uma chácara no futuro.

Mas tem a questão financeira que hoje em dia é tudo muito caro. (OGUM, 2016,

informação verbal71).

Vê-se, pois, que tanto o preconceito social ainda existente quanto o aspecto financeiro

continuam interferindo diretamente na manutenção de um mesmo padrão de ocupação dos

terreiros, que vem se reproduzindo desde o século XIX.

Tratando especificamente sobre como se deu esse processo em Aracaju/SE, Souza Filho

(2013) cita o Código de Posturas Municipal, datado de 1856, que, influenciado pelas tendências

urbanísticas europeias e norte-americanas, delimitava um perímetro dentro do chamado

“quadrado da cidade” (região central) onde as edificações deveriam seguir rigorosamente as

69 Sobre espaços urbanos denominados de periferias, Cunha Jr. (2007, p. 76-77) explica que “[...] são espaços

urbanos segregados, áreas de concentração de desigualdades sociais [...] São áreas marcadas pela ausência de

políticas públicas específicas e direcionadas para a decisão autônoma dos moradores destas áreas. São áreas de

comunicações restritas com as demais áreas urbanas. As restrições são determinadas pelos meios de transporte,

pela localização e pelas barreiras simbólicas [...]”. 70 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.). 71 Entrevista concedida por OGUM. Entrevista 13. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (00:25:35 min.).

45

exigências aprovadas pela Resolução Provincial n. 458, de 1856. Segundo o autor, assim como

o Códigos de Postura de São Paulo, em Aracaju também se utilizou das políticas higienistas

para promover a segregação territorial da população negra.

Souza Filho (2013) cita um exemplo de local que no início do século XX teria sido

favorável à instalação de terreiros: a região hoje conhecida como bairro Siqueira Campos era

distante do centro de Aracaju (então ocupado pelas elites e funcionários públicos, já como

resultado das políticas higienistas de segregação territorial), era praticamente desabitado, o que

mantinha os terreiros “invisíveis” e “livres” das denúncias de vizinhos e, consequentemente,

das perseguições policiais. Essa caracterização do bairro Siqueira Campos é corroborada pelo

depoimento da entrevistada de pseudônimo São Jorge, que forneceu a seguinte informação:

Nós já moramos na rua de Vitória Torta, perto da rodoviária velha do centro; depois

moramos ali no Siqueira Campos, na rua de Goiás e na rua de Paraná. O candomblé

era muito perseguido não podia ficar em ruas que tinha vizinho, nós tínhamos sempre

que separar para ficar no lugar que eles achavam que não incomodava eles. (SÃO

JORGE, 2016, informação verbal72).

Entretanto, essa condição favorável do bairro só perdurou enquanto este ainda era uma

região tida como periférica, condição que se modificou com o processo de metropolização de

Aracaju, que se intensificou a partir da década de 197073, vindo a se tornar importante centro

comercial (SOUZA FILHO, 2013).

Neste sentido, a população negra, e consequentemente os terreiros, que no início do

século XX já haviam sido deslocados do perímetro central de Aracaju para áreas periféricas da

cidade, em razão das políticas urbanísticas de segregação, a partir do processo de

metropolização na década de 70 sofreram novo deslocamento, agora de regiões que até então

eram periféricas (como o bairro Siqueira Campos) mas que passaram a ser inseridas nos planos

de expansão da capital, para as chamadas franjas da periferia, regiões que perpetuam a lógica

da exclusão74 mantendo a população sem acesso à políticas públicas essenciais, como

transporte, energia elétrica e saneamento básico (SOUZA FILHO, 2013).

72 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 73 “A partir dos anos 1970, [a urbanização] alcança novo patamar, tanto do ponto de vista quantitativo, quanto do

ponto de vista qualitativo. [...] tivemos, primeiro, uma urbanização aglomerada, com o aumento do número – e da

população respectiva – dos núcleos com mais de 20 mil habitantes e, em seguida, uma urbanização concentrada,

com a multiplicação de cidades de tamanho intermédio, para alcançarmos, depois, o estágio da metropolização,

com o aumento considerável do número de cidades milionárias e de grandes cidades médias (em torno do meio

milhão de habitantes)” (SANTOS, 2009, p. 77). 74 “[...]nota-se que a expulsão espacial se deu de forma drástica e histórica, expulsando as populações negras e

pobres dos centros urbanos, e que atualmente, desencadeia em ‘manchas’ de segregação urbanística nas cidades

[...] Politicamente é uma estratégia relegar os territórios negros das políticas públicas, de modo a enfraquecer a

46

Essa realidade foi observada na pesquisa de campo realizada neste trabalho, em que 03

(três) dos 13 (treze) terreiros investigados passaram por mais de um processo de deslocamento,

sendo que todos se deram entre regiões tidas como periféricas. Foram os casos dos terreiros

hoje estabelecidos no Povoado Pai André - Nossa Senhora do Socorro, no Bairro América -

zona oeste de Aracaju e no Bairro Eduardo Gomes – São Cristóvão.

Em entrevistas realizadas com Bagan, São Jorge e Xangô, quando questionados sobre o

início das atividades de seus respectivos terreiros e sobre as características dos locais onde estão

instalados, forneceram as seguintes respostas:

Comecei na Piabeta, em 1995 mas a casa estava em proposta de compra e eu não

consegui concluir a compra, tive que devolver e sair da casa. Depois fui para o Santos

Dumont, também casa de aluguel, fiquei lá uns 3 anos começando a fazer meus

trabalhos, as consultas, algumas iniciações de bori...Aí depois eu desci, para aquela

rua professor Maria Marx, para uma casa maior onde tinha um barracão. E de lá fui

para a Soledade e da Soledade vim parar aqui. Quando eu vim para cá não tinha

energia na rua, a gente usava gambiarra que vinha lá de cima da pista, depois foi que

ligaram a energia, a água. A água foi aquele programa “luz para todos e água para

todos”. Só que aí botaram água mas não botaram o nome de ninguém, saíram botando

as águas até em terreno baldio sabe? E aí ficou assim a coisa a migué (sic) [...] Nós

não temos saneamento básico, a festa mesmo que demos agora, a feijoada de Ogum

tivemos problema de muita gente voltar lá de cima porque os carros atolaram, não deu

para descer porque estava chovendo muito e isso eu me sinto prejudicada. Perco

também muitos clientes que ficam de vim fazer consulta mas quando sabe que é aqui

desiste de vim porque acha que é um local violento e não tem policiamento e a questão

da lama né, que você mesmo já se atolou aqui né! [...] Mas é um lugar que eu sei que

os vizinhos jamais vão chegar pra fazer abaixo-assinado pra me tirar daqui, porque eu

não incomodo ninguém, né? (BAGAN, 2016, informação verbal75).

Nós já moramos na rua de Vitória Torta, perto da rodoviária velha do centro; depois

moramos ali no Siqueira Campos, na rua de Goiás e na rua de Paraná. O candomblé

era muito perseguido não podia ficar em ruas que tinha vizinho, nós tínhamos sempre

que separar para ficar no lugar que eles achavam que não incomodava eles; era

perseguido demais pela polícia e pela Igreja católica também; os padres perseguiam

muito a gente mais até que a polícia[...] Aqui no Bairro América já tem 62 anos;

quando viemos para cá aqui só tinha a penitenciária, não tinha água nem luz, nem

igreja, nem mercado, era tudo mato. A energia foi puxada da penitenciária até aqui.

Não tinha a Igreja São Judas Tadeu, tempos depois foi que começou a construção.

Então o Abaçá tem uma relação muito boa com a comunidade por conta desse tempo

que tem aqui, as pessoas que foram chegando já sabiam e por isso tem uma relação

muito boa da comunidade e o Abaçá, graças a Deus! [...] Eles estão muito

acostumados e a gente também procura não fazer muito barulho, durante o ano todo

aqui só tem três festas justamente por isso [...] (SÃO JORGE, 2016, informação

verbal76).

Começou na rua Rio Grande do Sul, no Siqueira Campos, em 1951. Depois passou

para a rua Rio de Janeiro, depois foi para o Rio de Janeiro e aí veio para cá, desde

consciência política de seus moradores em lutar pelo direito ao espaço urbano digno e aos seus territórios

construídos socialmente” (RAMOS, 2007, p. 118-119). 75 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 76 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.).

47

1979. Quando o terreiro foi fundado aqui era um lugar ainda sem habitação, não tinha

muitos vizinhos, tinha um sítio na frente, outro sítio do lado, atrás uns terrenos baldios

e o G. Barbosa, que é uma coisa que sempre teve, mas não tinha vizinhos. Aí com essa

urbanização cresceu bastante [...]. Quando meu avô chegou no Rio o barracão também

era em um lugar com pouca habitação ao redor, quando ficou tudo muito povoado ele

veio embora para cá e aqui era pouco habitado. Aí agora a coisa tá habitada de novo.

(XANGÔ, 2016, informação verbal77).

É possível observar que os três relatos apresentam características em comum:

deslocamentos entre bairros periféricos; baixo índice inicial de habitação nos bairros onde se

estabeleceram; preocupação com a relação com os vizinhos; ausência de estrutura básica nos

locais ocupados. Outras entrevistas realizadas também forneceram informações que corroboram

esse padrão de ocupação inicial em regiões sem estrutura local e pouco habitadas (portanto,

“livre” de problemas com vizinhos). Vejamos:

Quando a minha comprou aqui era tudo sítio. Minha mãe, bem antes dela comprar,

ela falou que aqui era aldeia de índio. Mas eu não lembro porque era muito pequena,

ela comprou e aqui era tudo aberto, tudo muito bom, era uma outra época. (OYÁ,

2016, informação verbal78).

Aqui tinha as casas mas a rua ainda não tinha planagem certa, ainda era barro mas isso

não incomodou não. Depois foi que evoluiu. (OXÓSSI, 2016, informação verbal79).

Aqui tinha uma estradinha de barro, cerquinhas de macambira e sítio que era do finado

Mário Valois, não tinha essas indústrias que a gente vê hoje, não tinha isso. (IBEJIS,

2016, informação verbal80).

Aqui era um conjunto bem rústico que era considerado de origem de mutirão, só tinha

loteamentos e os terrenos para as pessoas construírem e nós adquirimos dois espaços

residenciais onde nós criamos o nosso terreiro [...] Na época que eu vim pra cá aqui

era um bairro isolado de tudo, de pessoas muito humildes sem condições, pra você ter

uma ideia o ônibus saia de manhã, chegava meio dia, saia uma hora e voltava cinco

horas da tarde. (SAHARA, 2016, informação verbal81).

Eu sou mais velho aqui do que esses vizinhos. Tinha umas casinhas aqui com frente,

com fundo pra maré, e que foi crescendo, foi rendendo, foi fazendo casa. Isso aqui

tudo era viveiro, salina, bem por aqui mesmo. Mas o povo foi aterrando, foi fazendo

e hoje tá esse lugar grande, mas não era não. (SANTO ANTONIO, 2016, informação

verbal82).

Quando eu cheguei aqui para construir o terreiro, porque esse terreiro aqui foi

construído ao longo do tempo, eram pouquíssimas casas. Ninguém queria vim morar

77 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 78 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 79 Entrevista concedida por OXÓSSI. Entrevista 5. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:51:32 min.). 80 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.). 81 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.). 82 Entrevista concedida por SANTO ANTONIO. Entrevista 9. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine

Muniz de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:41:02 min.).

48

aqui, quando chovia alagava, não entrava carro, só existia uma avenida principal que

era essa que você veio, o acesso aqui interno era para arregaçar a calça porque se

atolava quando chovia, esse tipo de coisa. E mesmo na estação seca persistiam as

poças d’água por conta até da umidade, porque aqui é próximo ao oceano, aqui por

trás tem o Rio do Sal, isso favorece também a evaporação das águas e com isso

chegam as nuvens constantemente aqui, aí alaga. (ODÉ, 2016, informação verbal83).

Vê-se, pois, que esse modelo de ocupação urbana periférica, descrito pelos estudiosos

desde Carneiro (1967) e Bastide (1977), também se reproduziu na Grande Aracaju. Dos 13

(treze) terreiros investigados encontramos a seguinte ocupação espacial: 5 (cinco) estabelecidos

na região da Grande Aracaju (1 em São Cristóvão e 4 em Nossa Senhora do Socorro), dos quais

3 (três) estão localizados em povoados da zona rural de Nossa Senhora do Socorro; dos 8 (oito)

estabelecidos em Aracaju nenhum está localizado na zona sul84 da capital. Os bairros onde estão

os 8 (oito) terreiros pesquisados em Aracaju são: Industrial, Palestina, Bugio III, Novo Paraíso,

América, Santa Maria e Jabotiana.

Portanto, desde o final do século XIX e início do século XX, vem se desenhando nas

cidades brasileiras uma forte segregação urbana que deu origem a processos de favelização e

criação de “territórios negros”85 construídos a partir de uma história de exclusão e

estigmatização que promoveu uma verdadeira “limpeza” étnico-social nos centros urbanos.

Esses territórios são maciçamente habitados pela população negra e estão nas zonas periféricas

das cidades, regiões carentes de atuação do poder público (sem saneamento básico, redes de

atendimento nas áreas de saúde e educação, com transporte público deficiente), onde os

princípios mínimos de cidadania e de uma vida digna são desrespeitados. E, como visto, é

nesses territórios que uma parcela predominante dos terreiros é encontrada.

Entretanto, apesar dessa segregação territorial ter se iniciado com as políticas urbanas

higienistas do início do século XX, não se trata de um projeto acabado, mas sim de um processo

ainda em construção nos dias atuais, o que confere aos terreiros uma situação de instabilidade

e insegurança, pois se veem constantemente a mercê da necessidade de uma nova “migração”,

determinada pelo avanço da cidade em decorrência do acelerado processo de adensamento

urbano.

83 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.). 84 Bairros: Aeroporto, Atalaia, Farolândia, Coroa do Meio, São Conrado, Inácio Barbosa, Jardins, Luzia, Grageru,

Salgado Filho, 13 de Julho, São José, Pereira Lobo e Suissa. 85 Ao falar sobre territórios negros, Rolnik (1989) afirma se tratar de uma construção de singularidade e elaboração

de um repertório comum à partir de uma história de exclusão que tem início na senzala passando pelo terreiro e

quilombos urbanos. São territórios postos à margem social e que, portanto, confinam a comunidade à posição

estigmatizada de marginal.

49

Sobre esse fenômeno, Silva (1995, p. 171) destaca que “[...] terreiros fundados em

décadas anteriores na região periférica da cidade, hoje foram alcançados pelo progresso advindo

da urbanização, obrigando-os a novas redes de vizinhança e novos comportamentos [...]”.

Assim, vai se verificando um fenômeno de estrangulamento dos terreiros, que vão sendo

engolidos pela cidade que avança em sua direção. E, a cada vez que a cidade lhes alcança são

impelidos a um novo processo migratório para áreas cada vez mais afastadas ou a adaptações

para sobrevivência do culto, pois a condição de “invisibilidade” que lhes foi socialmente

imposta desde o pós-abolição ainda permanece como uma exigência (OLIVEIRA; OLIVEIRA;

BARTHOLO JR., 2010).

O que se vê, portanto, é que muito embora tenha nascido como um “fenômeno de

cidade”86, o crescimento urbano parece atuar como agente violador da liberdade religiosa das

comunidades-terreiro. É o que retrata a seguinte fala:

[...]Toda casa de candomblé quando é iniciada procura se afastar da urbanização, pra

não incomodar e pra não ser incomodado, mas é difícil porque depois vai chegando o

progresso e não tem mais como não incomodar nem ser incomodado[...] (SÃO

JORGE, 2016, informação verbal87).

Em uma das entrevistas realizadas durante a pesquisa de campo foi possível colher um

depoimento que demarca essa tensão existente entre o processo de urbanização e a presença de

terreiros em espaços urbanos. O entrevistado Xangô, quando questionado se a urbanização

trouxe algum tipo de dificuldade para o terreiro, forneceu a seguinte resposta:

Sim; com essa urbanização cresceu bastante, então hoje a gente não está cercado de

tudo aquilo que a gente precisava não. Junto com a quantidade de gente vem a

quantidade de opiniões e aumenta a quantidade de preconceito ou de não

conhecimento do que é o candomblé. Então alguns vizinhos ficam dizendo que nós

somos coisa do demônio, quando na verdade o demônio não faz parte de nada nosso.

Outros vizinhos são de outras religiões e acabam se incomodando com o barulho dos

nossos atabaques, e aí acaba incomodando o vizinho novamente. Mas aí no fim-de-

semana o som deles pode extrapolar todos os decibéis do mundo que não atrapalha.

Então assim, com a quantidade de gente vem o aumento da intolerância, é sempre

assim. O ser humano é sempre um sistema complexo de você compreender. A pessoa

chegou e já existia aquele candomblé ali mas cada um se sente sempre muito dono,

muito dentro da razão. E a falta de conhecimento do que é o candomblé faz as pessoas

também quererem acabar. (XANGÔ, 2016, informação verbal88).

86 Classificação feita por Carneiro (1967). 87 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 88 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.).

50

Essa é uma sinalização de que, pelo menos na Grande Aracaju, o processo de

urbanização, direta ou indiretamente, de alguma forma afeta a rotina de (pelo menos) uma

parcela das comunidades-terreiro trazendo dificuldades. Por hora, entretanto, não adentraremos

nessa discussão, pois os resultados da pesquisa de campo sobre os impactos decorrentes da

urbanização (se existentes ou não e de que forma afetam essas comunidades) serão apresentados

e discutidos profundamente mais adiante.

Quanto à sua estrutura organizacional89, o modelo tradicional de terreiro compreende

basicamente dois espaços que Santos (1976) classifica como “urbano” e “mato”. No espaço

“urbano” do terreiro se encontram as edificações de uso público e privado; a exemplo do peji

(correspondente ao altar), barracão (salão onde acontecem as cerimônias públicas), os

assentamentos dos orixás (espécies de casinholas ou pequenos quartos onde são mantidos os

elementos de culto dos orixás), além de quartos e outros ambientes que servem para moradia

pessoas do terreiro.

Já o espaço “mato” não possui edificações, nele são encontradas árvores consagradas

aos orixás, variedade de ervas que podem ser coletadas para uso ritualístico (mas que não são

cultivadas pela ação do homem) e muitas vezes uma fonte90. Esse espaço equivale a uma

tentativa de representação da floresta africana “cortado por árvores, arbustos e toda a sorte de

ervas e constitui um reservatório natural onde são recolhidos os ingredientes vegetais

indispensáveis a toda a prática litúrgica” (SANTOS, 1976, p. 33-34).

Silva (1995), entretanto, ressalta que são poucos os terreiros que ainda conseguem

manter essa estrutura usualmente encontrada nos modelos tradicionais do início do século XX,

contemplados com grandes espaços internos, daí a denominação de “roças”, e sobre os quais os

etnógrafos como Rodrigues, Ramos, Carneiro, Verger, Bastide e outros se debruçaram. O autor

informa que hoje os terreiros foram alcançados pelo perímetro urbano das cidades o que lhes

impõe uma série de adaptações e novos comportamentos.

No capítulo seguinte abordaremos a importância do “espaço mato” para as liturgias

internas dos terreiros e faremos a análise dos resultados relativos ao primeiro objetivo

específico da pesquisa, que consiste em identificar se, em decorrência da urbanização, tem

89 Para maior aprofundamento ver Carneiro (1967, p. 45-56); Silva (1995, p. 167-182); Sodré (2002, p. 54-55);

Verger (2012, p. 24-25). 90 A existência de fontes naturais de água dentro dos limites do terreiro era valorizada, pois além de sua utilização

nos afazeres domésticos rotineiros, as águas também são consideradas moradia para algumas divindades, e,

portanto, utilizadas para muitas atividades litúrgicas, incluindo aí a realização dos banhos ritualísticos, o preparo

da alimentação e das comidas votivas (ofertadas às divindades). Neste sentido, importante destacar o ritual de

abertura dos ciclos de festas dos candomblés da nação ketu – as “Águas de Oxalá”, em que os adeptos percorrem

o espaço compreendido entre a Fonte de Oxum, que deve estar dentro do terreiro ou nas suas cercanias, e o

assentamento de Oxalá, transportando água dentro de uma quartinha até este local (RÊGO, 2006, p. 73).

51

ocorrido um “estrangulamento” dos terreiros a ponto de comprometer a presença e conservação

dos “espaços mato”, demonstrando a relação interdependente entre a perda do espaço interno e

externo.

52

CAPÍTULO II

2 KÓ SÍ EWÉ, KÓ SÍ ÒRÌSÀ91– A IMPORTÂNCIA DAS FOLHAS E DO “ESPAÇO

MATO”

“[...]Salvem as folhas brasileiras

Oh salvem as folhas pra mim

Se me der a folha certa

E eu cantar como aprendi

Vou livrar a Terra inteira

De tudo que é ruim[...]”

(VELLOSO, 2009).

Como visto no primeiro capítulo, uma soma de fatores contribuiu para a solidificação

de um padrão de instalação inicial dos terreiros em áreas afastadas dos centros urbanos. Esses

fatores foram: as políticas higienistas do final do séc. XIX e início do séc. XX; a perseguição

policial aos cultos afro-brasileiros; as modestas condições financeiras dos fiéis no período pós-

abolicionista, o que colaborou para a busca por terras mais baratas nas regiões periféricas.

Por outro lado, se essa soma de fatores contribuiu para a instalação dos terreiros em

áreas isoladas, Barros e Napoleão (2011) também apontam que esse fenômeno teria

proporcionado uma reaproximação com a natureza, pois os terreiros agora instalados em regiões

mais distantes das zonas urbanas estariam em ambientes mais favorável devido a riqueza natural

e maior variedade de espécies vegetais para uso ritualístico.

Vimos que o Axé é a força vital, a força dinâmica de realização sem a qual não existe

vida (SANTOS, 1976; BASTIDE, 2001). É a força que tem origem nas próprias divindades e

que é distribuída através de diversos elementos fixadores e revitalizadores do Axé, sendo os

principais as folhas (ervas e plantas sagradas) e o sangue92 (SANTOS, 1976). Daí se dizer que

“sem folha não há orixá”, pois nenhum ritual sagrado, dentro ou fora dos terreiros, se dá sem a

presença do elemento vegetal. A importância das folhas sagradas para as religiões afro-

brasileiras foi apontada por diversos estudiosos, a exemplo de Carneiro (1967), Santos (1976),

Verger (1981), Bastide (2001) e Barros (2011).

91 Trata-se de um ditado que significa “sem folha não há orixá” (BARROS, 2011, p. 24). 92 Santos (1976) explica que existem três categorias de “sangue” portadores de axé: o vermelho, o branco e o preto.

Essas três categorias sempre estão presentes nos reinos animal, vegetal e mineral, por isso os elementos desses três

reinos são indispensáveis às liturgias. Vejamos: “O àse é contido numa grande variedade de elementos

representativos do reino animal, vegetal e mineral, quer sejam da água (doce e salgada), que da terra, da floresta,

do ‘mato’ ou do espaço ‘urbano’[...]” (SANTOS, 1976, p. 41). Para aprofundamento neste assunto ver: SANTOS,

Juana Elbein dos. Os Nàgô e a morte: Pàdè, Àsèsè e o culto Égun na Bahia. Traduzido pela Universidade Federal

da Bahia. Petrópolis: Vozes, 1976.

53

Cada tipo de folha, ou seja, cada espécie vegetal, apresenta características e qualidades

propiciatórias específicas que, quando misturadas entre si, dão origem a unguentos, chás,

banhos rituais, preparados medicinais com propriedades curativas diversas (SANTOS, 1976).

Também são utilizadas na preparação dos alimentos rituais, oferendas, na decoração e

sacralização dos terreiros, estando presente em diversos rituais “[...]ocupando, nesta

constelação de símbolos, ora uma posição dominante, primordial, ora um lugar mais discreto,

porém de importância inconteste na trama simbólica” (BARROS, 2011, p. 8).

Silva (1995) explica que o conhecedor das propriedades mágicas de cada folha é capaz

de obter combinações que podem potencializar ou enfraquecer certos atributos dos orixás com

os quais cada folha se relaciona, modificando, consequentemente, características de seus

respectivos filhos, sendo possível obter curas ou até mesmo provocar a morte. Segundo Bastide

(2001, p. 126) é nas folhas que reside o “segredo do candomblé”. O conhecimento sobre os

segredos de cada folha, segundo a mitologia dos orixás, pertencia exclusivamente a Ossaim,

porém, após uma intervenção de Xangô, Ossaim teria repartido parte deste conhecimento dando

uma folha para cada orixá93.

Disso tudo decorre a importância do chamado espaço “mato” na constituição interna dos

terreiros, local reservados às espécies vegetais e árvores sagradas que, segundo Santos (1976),

equivaleria à floresta africana. A referida autora oferece importante definição sobre as

características do espaço “mato”, o que faz a partir da descrição do espaço existente em um dos

terreiros matriciais de Salvador/BA, o Ilê Axé Opô Afonjá:

93 “Ossaim, filho de Nanã e irmão de Oxumarê, Euá e Obaluaê, era o senhor das folhas, da ciência e das ervas, o

orixá que conhece o segredo da cura e o mistério da vida. Todos os orixás recorriam a Ossaim para curar qualquer

moléstia, qualquer mal do corpo. Todos dependiam de Ossaim na luta contra a doença. Todos iam à casa de Ossaim

oferecer seus sacrifícios. Em troca Ossaim lhes dava preparados mágicos: banhos, chás, infusões, pomadas, abô,

beberagens. Curava as dores, as feridas, os sangramentos; as disenterias, os inchaços, as fraturas; curava as pestes,

febres, órgãos corrompidos; limpava a pele purulenta e o sangue pisado; livrava o corpo de todos os males. Um

dia Xangô, que era o deus da justiça, julgou que todos os orixás deveriam compartilhar o poder de Ossaim,

conhecendo os segredos das ervas e o dom da cura. Xangô sentenciou que Ossaim dividisse suas folhas com os

outros orixás. Mas Ossaim negou-se a dividir suas folhas com os outros orixás. Xangô então ordenou que Iansã

soltasse o vento e trouxesse ao seu palácio todas as folhas das matas de Ossaim para que fossem distribuídas aos

orixás. Iansã fez o que Xangô determinara. Gerou um furacão que derrubou as folhas das plantas e as arrastou pelo

ar em direção ao palácio de Xangô. Ossaim percebeu o que estava acontecendo e gritou: ‘Euê uassá! As folhas

funcionam!’. Ossaim ordenou às folhas que voltassem às suas matas e as folhas obedeceram às ordens de Ossaim.

Quase todas as folhas retornaram para Ossaim. As que já estavam em poder de Xangô perderam o axé, perderam

o poder de cura. O orixá-rei, que era um orixá justo, admitiu a vitória de Ossaim. Entendeu que o poder das folhas

devia ser exclusivo de Ossaim e que assim devia permanecer através dos séculos. Ossaim, contudo, deu uma folha

para cada orixá, deu uma euê para cada um deles. Cada folha com seus axés e seus ofós, que são cantigas de

encantamento, sem as quais as folhas não funcionam. Ossaim distribuiu as folhas aos orixás para que eles não mais

o invejassem. Eles também podiam realizar as proezas com as ervas, mas os segredos mais profundos ele guardou

para si. Ossaim não conta seus segredos para ninguém, Ossaim nem mesmo fala. Fala por ele seu criado Aroni. Os

orixás ficaram gratos a Ossaim e sempre o reverenciam quando suam as folhas”. (PRANDI, 2001, p. 153-154).

54

O espaço ‘mato’ cobre quase dois terços do ‘terreiro’. É cortado por árvores, arbustos

e toda sorte de ervas e constitui um reservatório natural onde são recolhidos os

ingredientes vegetais indispensáveis a toda prática litúrgica. É um espaço perigoso,

muito pouco frequentado pela população urbana do ‘terreiro’. Os sacerdotes de

Òsanyìn, òrìsa patrono da vegetação e, em geral, os sacerdotes pertencentes ao grupo

dos òrìsas caçadores – Ògún e Òsòsì – realizam os ritos que devem ser executados no

‘mato’. De modo geral, o ‘mato’ é sagrado” (SANTOS, 1976, p. 34).

Apesar de não usar a denominação espaço “mato”, cunhada posteriormente por Santos

(1976), Carneiro (1967) destaca a presença e importância das árvores sagradas normalmente

encontradas nos arredores dos barracões (espaço destinado às festas públicas), dentre as quais

destaca especialmente a gameleira branca. Bastide (2001) aponta que todo o terreiro funciona

como uma África em miniatura e destaca a tentativa de reprodução da floresta africana dentro

dos limites do terreiro, onde se encontram importantes elementos vegetais sagrados. Sodré

(2002) já se refere especificamente ao espaço “mato” e o descreve como sendo formado pela

vegetação onde se encontram as espécies e árvores sagradas que constituem morada das

divindades africanas. Barros (2011), por sua vez, indica que o espaço “mato” é uma tentativa

simbólica de reconstrução da floresta africana dentro do terreiro, proporcionando a manutenção

de uma memória em que a integração com a natureza é indissociável. Entretanto, o autor traz

uma abordagem diferenciado ao destacar que muitas vezes esse “mato” não se restringe apenas

ao espaço interno do terreiro.

É importante destacar que as árvores sacralizadas presentes no espaço “mato” recebem

um culto especial pois se entende que elas servem de morada para os deuses e ancestrais e, em

alguns casos, são consideradas representação do próprio orixá, como é o caso do Irôko. Durante

as festividades seus troncos são envolvidos por laços de tecido e a elas são destinadas oferendas

(CARNEIRO, 1967; BARROS, 2011). Interessante caso é relatado por Silva (1995) que

descreve um culto rendido ao tronco de uma árvore colocado em um determinado terreiro de

São Paulo em substituição à árvore sagrada:

[...]Na falta de espaço para a mata sagrada vê-se ali um tronco colocado verticalmente

sobre o chão de cimento representando a árvore sagrada. Nele, cada membro do

terreiro deverá, no dia de finados, amarrar um pano branco durante um ritual que tem

por finalidade consolidar a ligação dos filhos entre si e com o axé da casa, propiciando

beneficamente mais um ano. É significativo que, na impossibilidade de se ter uma

árvore à qual se pudesse associar às folhas, galhos, tronco e raízes o crescimento da

vida do terreiro, este simbolismo continue presente (metonimicamente) apenas em um

tronco (sem folhas ou raízes), colocado sobre o chão de cimento (infértil portanto).

(SILVA, 1995, p. 173).

Ainda sobre as características do chamado espaço “mato”, Santos (1976, p. 34)

informa que, diferente do espaço ‘urbano’, que não guarda mistérios ou perigos pois está

55

submetido ao controle do ser humano, o espaço “mato’ é “[...]selvagem, fértil, incontrolável e

habitado por espíritos e entidades sobrenaturais[...]”. Bastide (2001, p. 127) também faz

semelhante oposição entre o que ele chama de “mundo da cultura” e “mundo selvagem” e

ressalta que as plantas domesticadas, cultivadas, não apresentam valor litúrgico algum, pois,

segundo ele, Ossaim, senhor das ervas e das plantas, “não se aventura nos lugares em que o

homem disciplinou a natureza”.

Divergindo, entretanto, dessa caracterização, Barros (2011, p. 16) pontua que no

espaço “mato” acham-se presentes tanto “espécies selvagens quanto domesticadas, ambas

transplantados para este território mítico, indispensável à crença dos orixás e ancestrais”

(BARROS, 2011, p. 16). A diferença na abordagem feita pelo autor talvez decorra da

constatação quanto as adaptações impostas em consequência da aceleração do processo de

urbanização das cidades, que tornou cada vez mais difícil para os terreiros a manutenção de

amplos espaços internos com vegetação “intocada”.

O adensamento urbano passa a impor aos terreiros dificuldades para a manutenção de

suas tradições e realização de seus rituais. Regiões antes pouco povoadas e de grande riqueza

natural se modificaram com o tempo dando espaço a construções urbanas, transformando

completamente os ambientes. Assim, vai se verificando um fenômeno de estrangulamento dos

terreiros, que vão sendo engolidos pela cidade que avança em sua direção. Barros (2011) aponta

que os terreiros de Salvador surgidos no século XIX, que então eram periféricos, hoje estão

dentro do perímetro urbano da cidade dificultando a manutenção dos espaços originais94. Santos

(1995, p. 171) também destaca que “[...] em alguns casos aqueles aspectos que caracterizam os

espaços urbanos, como sua transformação acelerada, exiguidade e valorização imobiliária,

acabam mesmo dificultando a sobrevivência dos terreiros no contexto urbano [...]”.

Silva (1995), em pesquisa realizada em São Paulo na década de 90, constatou que já

naquela época poucos terreiros conseguiam manter os grandes espaços internos usualmente

encontrados nos modelos tradicionais do início do século XX, que também eram conhecidos

como “roças”. Mattoso (1992 apud RÊGO, 2006, p. 37), no livro Bahia Século XIX: uma

Província do Império, denunciou a impossibilidade de inúmeros terreiros da cidade de Salvador

possuírem uma dupla estrutura interna, “espaço mato” e “espaço urbano”, identificada por

etnógrafos a exemplo de Carneiro (1967), Santos (1976), Verger (1981) e Bastide (2001), pois

94 Santos (1995) traz um exemplo da dificuldade enfrentada pelos terreiros, mesmo os mais antigos, em conseguir

manter seus espaços originais frente às investidas da urbanização: “[...]Em Salvador, a decisão da Prefeitura de

construir uma passarela para pedestres no espaço do Terreiro de Oxumarê, próximo ao centro da cidade, previa o

derrubamento da árvore sagrada, Irocô. Com a mobilização popular pela preservação da vegetação sagrada do

terreiro, a passarela foi construída fora dos limites deste [...]” (SILVA, 1995, p. 171).

56

se encontravam instalados em casas situadas no centro da cidade. A autora assinala que, nesses

casos, os terreiros urbanos possuíam um “mato” nos espaços verdes aos arredores, o que

configurava um “espaço mato externo”.

De modo semelhante Barros (2011), apesar de destacar a importância de todo terreiro

possuir um espaço mato onde se possa colher os elementos vegetais indispensáveis ao culto,

também pontua que quase sempre esse espaço “mato” ultrapassa os limites internos do terreiro

“alcançando reservas naturais ainda não tocadas pela urbanização, espalhando-se pela cidade

como um todo, onde algumas espécies recebem um culto especial, onde quer que estejam”

(BARROS, 2011, p. 16).

Além do espaço “mato”, Barros (1993) também faz referência a existência do que ele

chama de “espaço cultivado”. Nesse, diferente do que aconteceria no “mato”, onde as plantas e

ervas são apenas coletadas, predominam plantas que necessitam de cultivo, portanto,

dependentes da ação humana. Enquanto o espaço “mato” está sob a influência do orixá Òsányìn

– dono das folhas, o espaço “cultivado” tem proteção do orixá Oko – senhor da agricultura.

Santos (1995) também faz referência a presença desse espaço “cultivado” nos terreiros de São

Paulo, por ele investigados na década de 90:

Nos terreiros inseridos na metrópole torna-se, assim, muito comum, ver-se plantadas

numa pequena área de terra no quintal algumas espécies vegetais mais utilizadas.

Quando isto não é possível por falta de espaço, o que é frequente, a comunidade

encarrega-se de plantar em vasos e jardineiras as espécies mais fáceis de serem

cuidadas [...] Também é muito comum que a comunidade encarregue alguns de seus

membros que residem em áreas com alguma vegetação de prover o terreiro com as

folhas de uso mais frequente, como as de bananeira (utilizadas nos acassás oferecidos

nos ebós) que muitas vezes são guardadas na geladeira para garantir seu uso futuro”

(SILVA, 1995, p. 212).

Se em outros tempos até mesmo o cultivo das plantas era um impedimento ao seu uso

litúrgico, pois dessa forma as folhas não estavam sob a influência de Ossaim e, portanto, não

apresentavam as propriedades indispensáveis ao culto, hoje, em razão das dificuldades que os

terreiros encontram em manter um espaço “mato” ou mesmo espaço “cultivado”, foram

necessárias adaptações para sobrevivência do culto, a exemplo da utilização litúrgica de “folhas

secas” (desidratadas), facilmente encontradas nos mercados e lojas de artigos religiosos,

embora a recomendação seja de que as folhas utilizadas nas liturgias devem preferencialmente

ser frescas, estado em que melhor conservam seu Axé (SILVA, 1995).

Neste sentido, as reconfigurações espaciais decorrentes do avanço das sociedades

urbanas impõem às religiões afro-brasileiras a necessidade de buscar alternativas para

sobrevivência diante de um cenário em que a carência de folhas sagradas e de espaços verdes é

57

cada vez mais acentuada. Para tanto, as comunidades de terreiro passam a elaborar diversas

estratégias, seja se deslocando para regiões cada vez mais distantes dos centros urbanos ou,

quando isso não é possível, buscando os poucos pontos ainda não alcançados pelas

transformações decorrentes do processo de urbanização ou, ainda, promovendo uma série de

ressignificações mesmo nos espaços urbanos. Sobre esse fenômeno Silva (1995) traz

interessante relato:

[...]Praças arborizadas, jardins, bambuzais, ou até mesmo postes da rede de

iluminação pública podem, também, representar na cidade a ‘floresta’ necessária ao

culto das divindades. Ibeji, por exemplo, relacionado com as divindades infantis

poderá ser louvado ao pé de uma árvore no pátio da Biblioteca Monteiro Lobato, no

centro da cidade, muito frequentado por crianças [...] Em Diadema, ao lado de uma

agência bancária, um bambuzal cresce numa pequena praça. Lá, como me relatou Pai

Cássio, são frequentes os ebós para Iansã. Sei do caso de uma moça que teve que fazer

um ebó no qual deveria perder-se na mata e colocar a oferenda na sétima árvore. Como

para uma pessoa que vive na metrópole perder-se na mata é algo impensável, a solução

encontrada pela mãe-de-santo foi bastante significativa: a moça perdeu-se na cidade,

contou sete postes e ali depositou sua oferenda. (SILVA, 1995, p. 218).

Se, por um lado, a tradição ensina que as folhas sagradas não devem ser cultivadas,

mas apenas coletadas cumprindo uma série de regras e preceitos, pois o Axé de Ossaim só está

presente nas folhas que crescem livremente longe da ação do homem, por outro lado, a

manutenção dessas tradições encontra sérios obstáculos em meio urbano impondo aos

religiosos a constante necessidade de reelaborar suas tradições:

Primeiro cultivou-se a planta no ‘espaço-mato’ do terreiro. Quando até mesmo este

espaço viu-se restrito ou inexistente no conjunto arquitetônico dos terreiros, não

restaram muitas alternativas a não ser recorrer ao comércio das ervas para garantir o

fornecimento [...] As lojas representam, nesse sentido, uma intermediação entre a

natureza e a cidade [...] a loja é mesmo o ‘mato’ ou a ‘reserva natural instituída’ na

cidade para o culto dos deuses. (SILVA, 1995, p. 215).

2.1 Presença e Conservação do “espaço mato” nos terreiros investigados

Uma vez contextualizada a problemática a partir de referenciais teóricos que tratam

deste assunto, passamos agora a tratar da pesquisa de campo realizada.

Inicialmente a população amostra consistia em 16 (dezesseis) terreiros, entretanto, pelos

motivos já apresentados na introdução, efetivamente só foram realizadas entrevistas e colhidos

dados em 13 (treze) terreiros: 4 (quatro) localizados no município de Nossa Senhora do Socorro;

1 (um) localizado no município de São Cristóvão; 8 (oito) localizados em Aracaju.

58

As perguntas constantes no roteiro de entrevista foram organizadas em blocos da

seguinte forma: I a III – perguntas de caracterização dos entrevistados; IV – perguntas de

caracterização do terreiro; V – perguntas relativas a utilização de espaços externos.

Neste capítulo serão analisadas e discutidas as respostas fornecidas pelos entrevistados

às perguntas do bloco IV, que tratam sobre a caracterização dos terreiros e dialogam com o

primeiro objetivo específico deste trabalho, que consiste em identificar se tem ocorrido um

“estrangulamento” dos terreiros da Grande Aracaju, em decorrência da urbanização, a

ponto de comprometer a presença e conservação dos “espaços mato”. Dentre as 12 (doze)

perguntas constantes no bloco IV, as perguntas de nº. 1 a 6 são meramente descritivas e dizem

respeito à localização e data de inauguração do terreiro, quantidade de filhos de santo e média

de frequentadores da casa. As perguntas de caráter exploratório têm início a partir da n. 7,

portanto, é a partir dela que iniciaremos a análise e discussão.

Neste sentido, sobre a caracterização e condições dos terreiros, foi apresentada a

seguinte pergunta aos entrevistados:

→ BLOCO IV, PERGUNTA 7 - No seu entendimento, o terreiro se encontra em local

apropriado (que apresente condições favoráveis para o desenvolvimento dos ritos e

liturgias)?

Os resultados foram: 5 (cinco) entrevistados responderam “sim, o terreiro se encontra

em local apropriado”; 4 (quatro) entrevistados responderam “não, o terreiro não se

encontra em local apropriado”; 4 (quatro) entrevistados responderam “em parte”. Vejamos

o gráfico em percentuais:

Gráfico 1 – Grau de satisfação com o local onde o terreiro se encontra

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

38%

31%

31%

No seu entendimento, o terreiro se encontra em local apropriado?

SIM

NÃO

EM PARTE

59

Dentre os entrevistados que responderam “sim, o terreiro se encontra em local

apropriado” e “em parte”, os motivos de satisfação apontados foram: 1. Ausência de

problemas com vizinhos (6 entrevistados); 2. Presença de natureza preservada no entorno

ou nas proximidades do terreiro (2 entrevistados); 3. Área interna satisfatória que permite

ter elementos vegetais importantes para as atividades (1 entrevistado).

Gráfico 2 – Motivos de satisfação com o local

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

Já dentre os entrevistados que responderam “não, o terreiro não se encontra em local

apropriado” e “em parte”, os motivos de insatisfação apontados foram: 1. Espaço interno

do terreiro insuficiente ou crescimento urbano no entorno (6 entrevistados); 2. Presença

de representantes de religiões evangélicas no entorno (3 entrevistados); 3. Descaso do

poder público (1 entrevistado)

Gráfico 3 – Motivos de insatisfação com o local

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

67%

22%

11%

Motivos de SATISFAÇÃO

Ausência deproblemas comvizinhos

Presença denatureza noentorno

Área internasatisfatória

10%

60%

30%

Motivos de INSATISFAÇÃO

Descaso do PoderPúblico

Espaço internoinsuficiente ouestrangulamento

Presença derepresentantes dereligiões evangélicas

60

Abaixo segue tabela contendo os resultados integrais obtidos a partir da pergunta n. 7,

organizados da seguinte forma: identificação dos terreiros; respostas fornecidas pelos

entrevistados; síntese das respostas; compreensão da pesquisadora a partir da resposta

fornecida.

61

Tabela 1 – Análise das respostas fornecidas à pergunta 7, bloco IV.

No seu entendimento, o terreiro se encontra em local apropriado (que apresente condições favoráveis para o desenvolvimento dos ritos e

liturgias)? Se não, como seria esse local ideal?

IDENTIFICAÇÃO DO TERREIRO RESPOSTA FORNECIDA PELO(A) ENTREVISTADO(A) SÍNTESE DA RESPOSTA COMPREENSÃO A PARTIR DA RESPOSTA

1. Bagan

Localização: Pai André, Nossa Sra. do

Socorro

Início das atividades: 1995

Sim; Está em um local favorável porque estamos próximos a

natureza aqui é rural então os vizinhos não se sentem muito

incomodados, e ao mesmo tempo não está apropriado porque nós

não temos saneamento básico, a festa mesmo que demos agora, a

feijoada de Ogum tivemos problema de muita gente voltar lá de

cima porque os carros atolaram, não deu para descer porque estava

chovendo muito e isso eu me sinto prejudicada. Perco também

muitos clientes que fica de vim fazer consulta mas quando sabe que

é aqui desiste de vim porque acha que é um local violento e não tem

policiamento e a questão da lama né, que você mesmo já se atolou

aqui né! E o prefeito não dá nenhuma atenção para a gente, é muito

ruim isso. Já fui a secretaria de obras várias vezes, conheço Thiago

da secretaria de obra, Fábio Henrique nem se fala [...] E ele teve

aqui na época de campanha dele, na época de campanha da mulher

dele, dizendo que a gente ia ficar tranquilo, que ia passar, que ia

melhorar, que ia fazer que ia acontecer e até hoje tá desse jeito. [...]

Mas fora isso eu acho o lugar ideal porque quem chegar aqui, se

vier uma Universal aqui pro lado ela vem sabendo que eu já estou

aqui há 11 anos, então ela vem pra me provocar, ela vai ter o que

ela procurar ela vai achar, então eu não vou sair daqui, esse espaço

é meu, é meu espaço sagrado, então ela vá procurar outro lugar não

venha ‘praqui’ pro meu lado, entendeu? Mas é um lugar que eu sei

que os vizinhos jamais vai chegar pra fazer abaixo-assinado pra me

tirar daqui, porque eu não incomodo ninguém, né? Procuro me dar

bem com a comunidade, procuro ajudar a comunidade quando tenho

condições, [...] então eu procuro fazer uma boa vizinhança com a

comunidade. E eu acho que a religião ela tem que se entrosar com

Está em um local favorável porque

estamos próximos a natureza aqui é

rural então os vizinhos não se sentem

muito incomodados, e ao mesmo

tempo não está apropriado porque nós

não temos saneamento básico. Perco

também muitos clientes porque acha

que é um local violento e não tem

policiamento e a questão da lama né.

A entrevistada, por um lado, se mostra

satisfeita com o local por ser um ambiente

rural que ainda preserva a natureza em suas

proximidades, como também em razão de ser

um local em que ela acredita que os vizinhos não

se sentem incomodados com sua presença. Por

outro lado, a fala da entrevistada também

denuncia o abandono do local pelo poder

público. A insatisfação é marcante quanto às

condições de vida precária a que a comunidade

está exposta, em razão da falta de saneamento

básico, violência e pavimentação, condições

típicas que se reproduzem nas chamadas

periferias urbanas onde vive grande parcela da

população negra e carente. Portanto, a fala da

entrevistada demonstra que a lógica de

segregação territorial que teve início com as

políticas higienistas persiste ainda nos

tempos atuais.

Outros dois aspectos merecem destaque: a

relação com vizinhos e a presença de igrejas

evangélicas nas proximidades. Quanto ao

primeiro ponto a entrevistada afirma não ter

problemas porque não incomoda ninguém e

mantém uma relação amigável com a

comunidade local. Quanto ao segundo ponto,

percebe-se uma nítida tensão com o segmento

62

a comunidade entendeu? Cada um respeitando, tem uma pessoa

aqui que é pastor que a gente se dá muito bem, entendeu? [...] ele

me respeitando e eu respeitando ele, entendeu? E eu acho que a

gente pode conviver com todo mundo se respeitando, não vou

aceitar é vim provocação na minha porta, aí eu não vou aceitar, mas

do contrário. Os vizinhos acho que aqui é um lugar que não tem

diversão nenhuma que quando tem festa aqui vem todo mundo pra

porta.

evangélico que é visto como uma ameaça na

seguinte fala: “se vier uma Universal aqui pro

lado ela vem sabendo que eu já estou aqui há 11

anos, então ela vem pra me provocar, ela vai

ter o que ela procurar ela vai achar, então eu

não vou sair daqui, esse espaço é meu, é meu

espaço sagrado, então ela vá procurar outro

lugar não venha ‘praqui’ pro meu lado,

entendeu?”. Entretanto, mais adiante uma outra

fala parece querer amenizar um pouco essa

animosidade: “Cada um respeitando, tem uma

pessoa aqui que é pastor que a gente se dá

muito bem, entendeu? [...] ele me respeitando e

eu respeitando ele, entendeu?”.

2. Legbara

Localização: Aracaju – Bairro

Industrial

Início das atividades: 2010

Em parte sim, os terreiros de candomblé exigem uma área verde

expressivamente extensiva e se fosse o ideal não estaria, mas para a

necessidade sim; Seria aquilo que pede muito a nossa tradição que

é a utilização da terra, das ervas, então é um espaço que você possa

cultuar, criar, que é da nossa tradição criar os animais, ter as ervas

medicinais, ter as ervas sagradas da gente, e o espaço ele as vezes

não permite isso né.

Em parte sim, os terreiros de

candomblé exigem uma área verde

expressivamente extensiva e se fosse

o ideal não estaria, mas para a

necessidade sim.

Apesar de inicialmente responder “em parte

sim”, todo o restante da fala da entrevistada

sinaliza para uma resposta negativa. A

insatisfação se dá em virtude de o espaço

interno do terreiro, por ser reduzido, não

apresentar as condições ideais para

manutenção do que ela chama de “nossa

tradição”, que consiste em criar animais,

cultivar as ervas, o que demanda uma área verde

maior. Assim, infere-se de sua fala a

importância de um local com espaço interno

que possibilite a plena manutenção dessa

tradição, ou seja, a importância do chamado

“espaço mato” descrito por autores como

Santos (1976), Bastide (2001) e Barros (1993;

2011).

3. Oxum

Localização: Aracaju – Bairro Palestina

Início das atividades: 1990

Sim; Diz que o local quem faz é a pessoa, meu vizinho é evangélico,

minha vizinha de cá é católica, comerciante de bar, e eu não tenho

nada a reclamar, eles também não reclamam nada de mim, graças a

Sim. Diz que o local quem faz é a

pessoa, meu vizinho é evangélico,

minha vizinha de cá é católica,

A entrevistada revela satisfação com o local

onde se encontra o terreiro pois não tem

problemas com os vizinhos, demonstrando um

63

Deus nunca se queixaram! Porque eu respeito muito pra ser

respeitada, vou dar um exemplo simples: existe um final de semana

no ano que eu incomodo porque nós temos aqui uma festa cigana

que o movimento começa na sexta-feira, aí o sábado à noite, o

domingo pelo dia, aí onde é que vai haver o incômodo? No sábado

à noite toda, os festejos, mas normalmente isso acontece por aí todo

final de semana, aqui é só uma vez no ano com a festa da cigana

que eu ultrapasso as horas, mas do contrário as dez horas da noite,

se for sessão de direito ou sessão de esquerda, eu finalizo.

comerciante de bar, e eu não tenho

nada a reclamar, eles também não

reclamam nada de mim.

certo alívio como se vê nessa fala: “graças a

Deus nunca se queixaram!”. Entretanto,

infere-se de sua fala que existe um acordo de

boa convivência que sustenta a relação e tem

em sua base o cumprimento de horário para

encerramento das atividades religiosas

semanais, o que não ultrapassa as 22h: “as dez

horas da noite, se for sessão de direito ou

sessão de esquerda, eu finalizo”.

4. Oyá Localização: Aracaju – Bairro

Industrial

Início das atividades: 1963

Não; Porque quando a minha comprou aqui era tudo sítio, era tudo

indústria mas essa parte toda aqui era sítio, então naquela época a

gente tinha lugar pra plantar ervas, que a gente precisa muito de

ervas, tinha minante aqui no fundo, então tudo que a gente queria

tinha, terra pra trabalhar, terreiro pra trabalhar, natureza entendeu?

Mas o progresso avançou para o lado de cá então foi diminuindo,

foram fazendo desmatando, construindo e isso ficou ruim pra gente,

então a casa é própria mas eu não sou dona da casa do vizinho,

entendeu? Agora pra plantar uma erva, ter lugar pra cavar um poço,

essas coisas que hoje a gente já não pode, não tem esse espaço.

Não. Porque quando a minha comprou

aqui era tudo sítio. Agora para plantar

uma erva, ter lugar pra cavar um poço,

não tem esse espaço.

A fala da entrevistada é simbólica pois

estabelece um comparativo entre as condições

do espaço do terreiro (e seu entorno) quando do

início das atividades e a condição presente, com

o avanço do processo de urbanização,

sinalizando para um descontentamento

decorrente do estrangulamento ocasionado

pelo que a entrevistada chama de avanço do

progresso, como se denota da seguinte fala:

“Mas o progresso avançou para o lado de cá

então foi diminuindo, foram fazendo

desmatando, construindo e isso ficou ruim pra

gente”. Em decorrência desse avanço a

entrevistada deixou de dispor do “espaço

mato”, como se vê nessa fala: “Agora pra

plantar uma erva, ter lugar pra cavar um poço,

essas coisas que hoje a gente já não pode, não

tem esse espaço”.

5. Oxossi Localização: Aracaju – Bairro Bugio III

Início das atividades: Por volta de

1980

Sim, porque aqui a comunidade e meus vizinhos é uma família,

ninguém me incomoda, eu que incomodo por causa dos atabaques,

mas ninguém me incomoda. Estou em um lugar muito bom. Meus

Orixás e Deus, primeiramente, foi quem me deu a estrela e eu não

posso reclamar.

Está; ninguém me incomoda, eu que

incomodo por causa dos atabaques.

Mais uma vez a qualidade da relação com os

vizinhos aparece como crucial na rotina do

terreiro. Se infere, a partir da fala da

entrevistada, que a ausência de conflitos com

vizinhos é apontada como a causa para a

satisfação com o local onde o terreiro se

64

encontra. Por outro lado, vê-se uma

preocupação com a possível perturbação

causada pelo som dos atabaques, demonstrando

certa fragilidade nessa relação com os vizinhos.

6. Ibejis Localização: Aracaju – Bairro Novo

Paraíso

Início das atividades: Por volta de

1996

Não; Porque veja bem, aqui eu acho muito pequeno pra o meu jeito.

Aqui eu não tenho onde eu plante uma erva que são as ervas que a

gente precisa pra o dia-a-dia, pra fazer alguma coisa pro Santo não

tem lugar, é muito pouco aqui. O ideal seria que tivesse um espaço

maior aonde eu plantasse. Mas mediante, assim, eu já numa idade

dessa tão cansada, eu não quero mais comprar nem sair pra outro

lugar grande, que eu até tenho outro centro aqui em Socorro, no

Oiteiros, é maior do que esse aqui, tem ervas todas plantadas, só que

eu só estou lá as vezes final de semana mas é pertinho, 20 minutos.

Lá tem tudo, tem rio, os verdes tudo que a gente precisa. Aqui se

torna mais difícil porque a gente levanta uma obrigação e tem que

ir nos matos levar, tem uma obrigação de rio aí tem que procurar

um rio pra ir levar e lá já é perto de tudo. Mas é um lugar muito

parado tem muito crente e dá muito combate assim, falam muito,

resumindo, não tem um centro de candomblé só tem o meu que eu

fiz lá agora. É assim, eu tô dentro de uma bola de neve com eles ao

redor entendeu? Eles têm preconceito, não chamam nem pelo meu

nome é “ói a nêga macumbeira!”.

Não; Aqui eu não tenho onde eu

plante uma erva que a gente precisa

pra o dia-a-dia. O ideal seria que

tivesse um espaço maior aonde eu

plantasse. Eu até tenho outro centro

aqui em Socorro, no Oiteiros, é maior

do que esse aqui, tem ervas todas

plantadas. Mas é um lugar muito

parado tem muito crente e dá muito

combate assim. Eles têm preconceito,

não chamam nem pelo meu nome é

“ói a nêga macumbeira!”.

O descontentamento da entrevistada se deve ao

espaço interno reduzido do seu terreiro, que

não possibilita o cultivo das ervas de uso

rotineiro: é a ausência do “espaço mato”.

Infere-se de sua fala, portanto, a importância de

um local com espaço interno que possibilite o

plantio das ervas fundamentais para suas

práticas religiosas.

Por outro lado, a entrevistada informa que até

tem outro terreiro no município de Socorro

que apresenta condições mais favoráveis (“Lá

tem tudo, tem rio, os verdes tudo que a gente

precisa.”) mas que lá ela é vítima de

preconceito dos vizinhos evangélicos, o que se

vê nas seguintes falas: “tem muito crente e dá

muito combate”; “Eles têm preconceito, não

chamam nem pelo meu nome é “ói a nêga

macumbeira!”.

7. São Jorge

Localização: Aracaju – Bairro América

Início das atividades: 1901

Tá sim, tá ótimo; Por ter uma relação boa com a comunidade eles

estão muito acostumados e a gente também procura não fazer muito

barulho, durante o ano todo aqui só tem três festas justamente por

isso, a gente já tem um calendário do Abaçá São Jorge e eles

conhecem, eles participam, comem as comidas dos Orixás e aí a

gente não se sente tanto incomodado por conta dessa relação que já

tem com os vizinhos, com a própria comunidade.

Tá ótimo; Por ter uma relação boa

com a comunidade eles estão

acostumados e a gente também

procura não fazer muito barulho.

Mais um depoimento em que a qualidade da

relação com os vizinhos aparece como crucial

na “aceitação” do terreiro. Se infere, a partir da

fala da entrevistada, que a ausência de conflitos

com vizinhos é apontada como a causa para a

satisfação com o local onde o terreiro se

encontra. Vê-se uma preocupação com a

possível perturbação causada pelo som dos

atabaques, o que permeia de tal modo a vida do

terreiro que chega a ser apontado como a razão

65

de se manter um calendário enxuto, como se

vê nessa fala: “a gente também procura não

fazer muito barulho, durante o ano todo aqui

só tem três festas justamente por isso”.

8. Sahara Localização: Aracaju – Bairro Santa

Maria

Início das atividades: 1993

Veja bem, a nossa casa já dispôs de mais probabilidade de

extensão pra gente fazer os nossos cultos, por exemplo, quando

nós viemos morar aqui nós tínhamos uma imensidão de ervas acima

aqui no nosso acervo do Morro do Avião, hoje já foram devastadas.

Nós contávamos com vários elementos naturais que eram

favoráveis ao nosso culto, nos arredores, porque nós tínhamos mata

com folhas e espécies em abundância, nós tínhamos rios com águas

puras e nós tínhamos também espaços sem ter a especulação urbana,

e tínhamos também áreas que estavam nativas, com estradas

rústicas, com caminhos rústicos, com toda a essência natural que a

gente precisa para poder manter o culto. Hoje, no momento, a

nossa casa ainda nos deixa acomodados em algumas situações por

questões de ervas, questões ainda de alguns lugares que a gente tem

acesso que ainda continuam semi-originais e a questão também

imobiliária que nos deixou meio assim encurralados. Mas temos

algumas áreas ainda que podemos usufruir para os nossos cultos.

Quando nós viemos morar aqui nós

contávamos com vários elementos

naturais que eram favoráveis ao nosso

culto, tínhamos mata, rios com águas

puras e espaços sem ter a especulação

urbana. Hoje, temos algumas áreas

ainda que podemos usufruir para os

nossos cultos.

O depoimento do entrevistado sinaliza que a

condição do terreiro ainda é parcialmente

cômoda, entretanto, aponta para uma condição

pretérita mais favorável que hoje está se

modificando em razão do que ele chama de

“especulação urbana”, apontada como

responsável pela devastação do Morro do

Avião, importante espaço de área verde

existente nas proximidades do terreiro e que lhe

serve de “espaço mato” fora dos limites

internos do terreiro.

66

9. Santo Antonio

Localização: Povoado São Brás –

Nossa Senhora do Socorro

Início das atividades: Entre 1985 e

1987

Está ótimo aqui. Eu sei que tem pessoas que não gostam, porque a

gente não obrigado a gostar de tudo que o outro gosta, mas se

conforma comigo, porque eu respeito muito. Dia de sessão eu só

toco até meia noite porque eu vejo que o povo tem a necessidade de

dormir para amanhã ir trabalhar, então o importante é isso. Eu nunca

tive problema aqui.

Está ótimo aqui; tem pessoas que não

gostam mas se conforma comigo,

porque eu respeito muito. Dia de

sessão eu só toco até meia noite.

Apesar de estar satisfeito e considerar o local

apropriado, a relação com os vizinhos aparece

mais uma vez como ponto de tensão na

“aceitação” do terreiro, como se vê nessa fala:

“Eu sei que tem pessoas que não gostam,

porque a gente não obrigado a gostar de tudo

que o outro gosta, mas se conforma comigo”.

Vê-se uma preocupação com a possível

perturbação causada pelo som dos atabaques,

do que decorre um acordo de boa convivência

que sustenta a relação e tem em sua base o

cumprimento de horário para encerramento das

atividades religiosas semanais, veja-se: “Dia de

sessão eu só toco até meia noite porque eu vejo

que o povo tem a necessidade de dormir para

amanhã ir trabalhar, então o importante é

isso”.

10. Xangô Localização: São Cristóvão – Bairro

Eduardo Gomes

Início das atividades: 1951

Atualmente não. Quando o terreiro foi fundado aqui era um lugar

ainda sem habitação, não tinha muitos vizinhos, tinha um sítio na

frente, outro sítio do lado, atrás uns terrenos baldios e o G. Barbosa,

que é uma coisa que sempre teve, mas não tinha vizinhos. Aí com

essa urbanização cresceu bastante, então hoje a gente não está

cercado de tudo aquilo que a gente precisava não. O ideal seria com

máximo de natureza possível, presença de rio, presença de matas,

enfim, o máximo de natureza possível. Quando meu avô chegou no

Rio o barracão também era em um lugar com pouca habitação ao

redor, quando ficou tudo muito povoado ele veio embora para cá e

aqui era pouco habitado. Aí agora a coisa tá habitada de novo,

enfim, por isso que a gente tenta manter a natureza viva aqui dentro,

aí vamos ver se mais para a frente a gente vai precisar mudar ou

não. Espero que não, porque é uma casa fundada tradicional mas,

enfim!

Atualmente não; com essa

urbanização cresceu bastante, então

hoje a gente não está cercado de tudo

aquilo que a gente precisava. O ideal

seria com máximo de natureza

possível.

A urbanização é apontada pelo entrevistado

como causa da condição atual desfavorável do

terreiro, veja-se: “com essa urbanização

cresceu bastante, então hoje a gente não está

cercado de tudo aquilo que a gente precisava

não”. Sua fala estabelece um comparativo entre

as condições do terreiro (e seu entorno) quando

do início das atividades e a condição presente

desfavorável, sinalizando para um processo de

estrangulamento ocasionado pela

urbanização que deixou o terreiro longe de

estar em um local considerado apropriado pelo

entrevistado. Em sua concepção o ideal seria

um local “com máximo de natureza possível”.

Também se infere uma preocupação com a

possível necessidade de mudança futura

67

devido às condições desfavoráveis do local

(“vamos ver se mais para a frente a gente vai

precisar mudar ou não. Espero que não, porque

é uma casa fundada tradicional mas, enfim!”).

11. Odé

Localização: Povoado Jardim Piabeta,

Nossa Senhora do Socorro – Zona Rural

Início das atividades: 1993

Ele já foi, mas de acordo com a evolução do povoado, hoje em dia,

existiu uma tendência a formação de pequenas igrejas evangélicas

no entorno e isso desfavoreceu a frequência das pessoas em vir

assistir as festas. Então, aqui tinha gente que ficava, digamos assim

há uns oito ou dez anos atrás, ficavam empilhadas aí na frente,

empurra-empurra, para poder assistir, e como o passar do tempo,

aqui na Piabeta, existiram formações de vários núcleos pequenos,

até casas mesmo abrindo igrejas evangélicas. Mas eu, por manter

uma política da boa vizinhança com a comunidade, aí eles não me

atingem. [...] Mas hoje quando se dá festas aqui pouquíssimas

pessoas vem assistir, pessoas da comunidade, vem de Aracaju, aqui

enche de carro de Aracaju mas não do povoado em si.

Ele já foi, mas de acordo com a

evolução do povoado, hoje em dia,

existiu uma tendência a formação de

pequenas igrejas evangélicas no

entorno e isso desfavoreceu a

frequência das pessoas. Mas eu, por

manter uma política da boa vizinhança

com a comunidade, aí eles não me

atingem.

Quando o entrevistado responde que “ele já

foi”, está claro que “não é mais”, portanto,

temos uma resposta negativa à pergunta. Em

outras palavras: o depoimento aponta para uma

condição pretérita mais favorável que se

modificou a partir do que o entrevistado chama

de “evolução do povoado”, que podemos

entender como o crescimento urbano da região.

Junto com esse crescimento é apontado um

aumento da presença evangélica no entorno

do terreiro (também apontado em outras

entrevistas) o que traz consequências

negativas, nesse caso o entrevistado afirma que

“isso desfavoreceu a frequência das pessoas

em vir assistir as festas”.

12. Conceição Localização: Povoado Guajará, Nossa

Senhora do Socorro

Início das atividades: Década de 1960

Sim; são seis alqueires e meio de terra só desenvolvido para terreiro,

nós não temos outra atividade, inclusive pensamos em desenvolver

para auto sustentação do terreiro. Nós temos fruteiras diversas

dentro do espaço do terreiro, temos tipos de mangas diversas, temos

jaqueiras, temos jenipapeiro, vários tipos de frutas lá dentro. Em

volta de cada mangueira eu fiz uma mandala e plantei espada de

Ogum, em outra área eu tenho alevante plantado, manjericão.

Sim, são seis alqueires e meio de terra

só desenvolvido para terreiro.

A entrevistada está satisfeita com o local onde

o terreiro se encontra em razão da grande

extensão da área que lhe permite ter elementos

vegetais importantes para o bom

desenvolvimento de suas atividades.

68

13. Ogum Localização: Aracaju – Bairro

Jabotiana

Início das atividades: 2010

De uma certa forma sim; Eu gostaria de ter mais espaço, mais

terreno para ter vários elementos que eu poderia usar mais dentro

da religião, como um poço, ervas também, isso é muito importante,

folha é vida. Aqui tenho algumas mas geralmente a gente tem que

ir no mato para buscar ou a gente tem que comprar. Eu tenho

vontade de ter uma chácara no futuro, mas tem a questão financeira

que hoje em dia é tudo muito caro.

De uma certa forma sim, eu gostaria

de ter mais espaço para ter elementos

que eu poderia usar, como um poço e

ervas.

A resposta do entrevistado sinaliza para uma

insatisfação quanto ao espaço reduzido que

não lhe permite ter elementos importantes,

como o poço e as ervas. Ele deixa claro que o

ideal seria um local com um espaço maior, coisa

que ele não tem condições de custear no

momento, o que se infere a partir da fala “eu

tenho vontade de ter uma chácara no futuro,

mas tem a questão financeira que hoje em dia

é tudo muito caro.”

Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir das informações verbais fornecidas pelos entrevistados.

69

Portanto, a partir da análise dos dados apresentados na tabela 1 chegamos a algumas

conclusões:

1. Existe um equilíbrio entre a quantidade de entrevistados satisfeitos, insatisfeitos e

parcialmente satisfeitos com o local em que os terreiros se encontram, consoante

demonstrado no gráfico n. 1;

2. A ausência de problemas com vizinhos é o principal fator de satisfação com o local

em que o terreiro se encontra, seguido da presença de natureza no entorno do terreiro;

3. O espaço interno inadequado ou insuficiente/crescimento urbano no entorno é o

principal fator de insatisfação, seguido do crescimento da presença de denominações

evangélicas nas proximidades dos terreiros;

4. O descaso do poder público, representado pelas condições de vida precária a que a

comunidade está exposta, também aparece como fator de insatisfação com o local.

Quanto aos fatores de satisfação a qualidade da relação com os vizinhos aparece

como elemento crucial. As falas de muitos dos entrevistados revelam que a satisfação com o

local onde se encontra o terreiro está diretamente relacionada com a ausência de conflitos com

os vizinhos, o que é apontado como motivo de grande alívio, veja-se as seguintes falas:

“Procuro me dar bem com a comunidade, procuro ajudar a comunidade quando tenho

condições, [...] então eu procuro fazer uma boa vizinhança com a comunidade” (BAGAN, 2016,

informação verbal95); “[...] meu vizinho é evangélico, minha vizinha de cá é católica,

comerciante de bar, e eu não tenho nada a reclamar, eles também não reclamam nada de mim,

graças a Deus nunca se queixaram!” (OXUM, 2016, informação verbal96).

Entretanto, a partir de algumas falas também se infere que existe uma espécie de acordo

de boa convivência que sustenta a relação terreiro-vizinhança e interfere na “aceitação” do

terreiro no local como se vê nessas falas: “Eu sei que tem pessoas que não gostam, porque a

gente não obrigado a gostar de tudo que o outro gosta, mas se conforma comigo” (SANTO

ANTONIO, 2016, informação verbal97); “Mas eu, por manter uma política da boa vizinhança

com a comunidade, aí eles não me atingem” (ODÉ, 2016, informação verbal98). Esse acordo

95 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 96 Entrevista concedida por OXUM. Entrevista 3. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:27 min.). 97 Entrevista concedida por SANTO ANTONIO. Entrevista 9. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine

Muniz de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:41:02 min.). 98 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.).

70

tem em sua base o cumprimento de horários para encerramento das atividades religiosas

semanais, veja-se: “Dia de sessão eu só toco até meia noite porque eu vejo que o povo tem a

necessidade de dormir para amanhã ir trabalhar, então o importante é isso” (SANTO

ANTONIO, 2016, informação verbal99); “as dez horas da noite, se for sessão de direito ou

sessão de esquerda, eu finalizo” (OXUM, 2016, informação verbal100).

Trata-se, portanto, de uma relação frágil que parece estar sob constante tensão, o que

se extrai das falas de alguns entrevistados que deixam transparecer certa preocupação com o

possível incômodo causado pelo som dos atabaques: “Mas é um lugar que eu sei que os vizinhos

jamais vai chegar pra fazer abaixo-assinado pra me tirar daqui, porque eu não incomodo

ninguém, né?” (BAGAN, 2016, informação verbal101); “aqui a comunidade e meus vizinhos é

uma família, ninguém me incomoda, eu que incomodo por causa dos atabaques, mas ninguém

me incomoda” (OXÓSSI, 2016, informação verbal102). Essa preocupação permeia de tal modo

a rotina dos terreiros que chega a ser apontada como a razão de se manter um calendário de

festividades enxuto, como se vê nessa fala: “Por ter uma relação boa com a comunidade eles

estão muito acostumados e a gente também procura não fazer muito barulho, durante o ano todo

aqui só tem três festas justamente por isso” (SÃO JORGE, 2016, informação verbal103).

A partir das respostas dos entrevistados se depreende uma forte preocupação com as

queixas dos vizinhos em razão do som produzido pelos toques de atabaques. Ocorre que hoje,

devido ao adensamento urbano104, terreiros que se instalaram inicialmente em regiões

periféricas onde a vizinhança era bastante reduzida, foram engolidos pelo crescimento

populacional e avanço das cidades em suas direções. Como apontam Barros (2011) e Silva

(1995), os terreiros hoje foram alcançados pelo perímetro urbano e se veem obrigados a

reformular seus comportamentos e práticas religiosas em função das novas redes de vizinhança.

Os terreiros urbanos, desde o pós-abolição até os dias atuais, são muitas vezes vistos

como um incômodo para a sociedade (OLIVEIRA; OLIVEIRA; BARTHOLO JR., 2010, p.

99 Entrevista concedida por SANTO ANTONIO. Entrevista 9. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine

Muniz de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:41:02 min.). 100 Entrevista concedida por OXUM. Entrevista 3. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:27 min.). 101 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 102 Entrevista concedida por OXÓSSI. Entrevista 5. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:51:32 min.).

103 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.).

104 “Entre 1940 e 1980, dá-se verdadeira inversão quanto ao lugar de residência da população brasileira. Há meio

século atrás (1940), a taxa de urbanização era de 26,35%, em 1980 alcança 68,86%. Nesses quarenta anos, triplica

a população total do Brasil, ao passo que a população urbana se multiplica por sete vezes e meia [...]” (SANTOS,

2009, p. 31).

71

34). Consoante apontado também por Souza Filho (2013), os terreiros precisam permanecer

“invisíveis” para ficarem “livres” das queixas de vizinhos.

Entretanto, existe uma contraparte nessa relação: se por um lado os vizinhos se queixam

do incômodo provocado pelo som dos atabaques, por outro os terreiros também se sentem

incomodados pela restrição de sua liberdade de expressão. A perseguição histórica sofrida pelos

terreiros aliada às políticas higienistas (que desembocaram na segregação do território urbano),

provocou o deslocamento dos terreiros para áreas cada vez mais afastadas dos centros urbanos,

a fim de permanecerem invisíveis e livres de perseguições. Todavia, essas áreas foram,

gradativamente, sendo alcançadas pelo fenômeno de expansão das cidades, fomentando essa

relação em que terreiros e vizinhos estão sob constante tensão (OLIVEIRA; OLIVEIRA;

BARTHOLO JR., 2010).

O outro motivo de satisfação apontado foi a presença de natureza no entorno ou nas

proximidades do terreiro, como se denota das seguintes falas: “Está em um local favorável

porque estamos próximos a natureza” (BAGAN, 2016, informação verbal105); “Hoje, no

momento, a nossa casa ainda nos deixa acomodados em algumas situações por questões de

ervas, questões ainda de alguns lugares que a gente tem acesso que ainda continuam semi-

originais [...] temos algumas áreas ainda que podemos usufruir para os nossos cultos”

(SAHARA, 2016, informação verbal106). Por outro lado, a ausência de natureza nos arredores

dos terreiros, ou seja, o estrangulamento decorrente do crescimento urbano nos entornos é

apontado como principal motivo de insatisfação, aliado ao espaço interno inadequado ou

insuficiente. Trata-se, portanto, de duas faces de um mesmo fator.

Conforme já pontuamos neste capítulo, os elementos da natureza ocupam posição de

extrema importância na cosmovisão religiosa de matriz africana. A relação direta com a

natureza é essencial em seus cultos. Sendo assim, consoante apontado por Mattoso (1992 apud

RÊGO, 2006) e Barros (2011) a impossibilidade de muitos terreiros urbanos possuírem um

espaço “mato” em seus limites internos os levou a manter um “espaço mato” nos espaços verdes

aos arredores, ou seja, nos entornos dos terreiros. Trata-se, portanto, de uma adaptação que

emerge a partir do espaço interno reduzido de muitos terreiros.

Essa característica dos terreiros urbanos com reduzido espaço interno foi constatada

in locu na pesquisa de campo. Alguns entrevistados expuseram o descontentamento com essa

105 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 106 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.).

72

condição apontando a importância de ter um local com espaço interno que possibilite a plena

manutenção de suas tradições, como se vê nas seguintes falas: “Seria aquilo que pede muito a

nossa tradição que é a utilização da terra, das ervas, então é um espaço que você possa cultuar,

criar, que é da nossa tradição criar os animais, ter as ervas medicinais, ter as ervas sagradas

[...]”(LEGBARA, 2016, informação verbal107); “Aqui eu não tenho onde eu plante uma erva

que são as ervas que a gente precisa pra o dia-a-dia, pra fazer alguma coisa pro Santo não tem

lugar, é muito pouco aqui. O ideal seria que tivesse um espaço maior aonde eu plantasse”

(IBEJIS, 2016, informação verbal108); “[...]Agora pra plantar uma erva, ter lugar pra cavar um

poço, essas coisas que hoje a gente já não pode, não tem esse espaço” (OYÁ, 2016, informação

verbal109); “Eu gostaria de ter mais espaço, mais terreno para ter vários elementos que eu

poderia usar mais dentro da religião, como um poço, ervas também, isso é muito importante,

folha é vida” (OGUM, 2016, informação verbal110).

O descontentamento com o processo de urbanização no entorno dos terreiros

também está presente em algumas falas que fornecem um comparativo entre uma condição

pretérita mais favorável e a condição presente desfavorável, decorrente do avanço do processo

de urbanização: “Mas o progresso avançou para o lado de cá então foi diminuindo, foram

fazendo, desmatando, construindo e isso ficou ruim pra gente [...]” (OYÁ, 2016, informação

verbal111); “Nós contávamos com vários elementos naturais que eram favoráveis ao nosso culto,

nos arredores, [...] nós tínhamos também espaços sem ter a especulação urbana” (SAHARA,

2016, informação verbal112); “com essa urbanização cresceu bastante, então hoje a gente não

está cercado de tudo aquilo que a gente precisava não. O ideal seria com máximo de natureza

possível [...]” (XANGÔ, 2016, informação verbal113).

Vê-se que a urbanização é apontada por alguns entrevistados como responsável

pela perda de áreas verdes no entorno dos terreiros e, consequentemente, pela atual

condição desfavorável do entorno que já não oferece mais as áreas verdes que oferecia anos

107 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.). 108 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.). 109 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 110 Entrevista concedida por OGUM. Entrevista 13. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (00:25:35 min.). 111 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 112 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.). 113 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.).

73

atrás, impossibilitando a manutenção de um “espaço mato” nos arredores. Portanto, os dados

coletados indicam que com o processo de urbanização os terreiros perdem importantes

espaços externos, passando a ter dificuldades no seu dia-a-dia.

Não bastassem as adaptações que foram originalmente necessárias para sobrevivência e

preservação da religiosidade africana em solo brasileiro, o que já foi visto no primeiro capítulo,

as novas restrições impostas pela urbanização demandam das comunidades de terreiro

constantes readaptações dos espaços como nova forma de sobrevivência e manutenção de suas

tradições (OLIVEIRA; OLIVEIRA; BARTHOLO JR., 2010). Nesse sentido é possível afirmar

que “A vida urbana alcançou as roças de candomblé, gerando a necessidade de ações pontuais

para salvaguardar a manutenção das áreas verdes dos terreiros” (OLIVEIRA; OLIVEIRA;

BARTHOLO JR., 2010, p. 35).

O crescimento de adeptos de religiões evangélicas nas proximidades dos terreiros

aparece como segundo fator de insatisfação com o local onde o terreiro se encontra. Percebe-

se, a partir de algumas falas, uma nítida tensão com o segmento evangélico que é visto como

uma ameaça ou como elemento não favorável ao terreiro, vejamos: “[...] se vier uma Universal

aqui pro lado ela vem sabendo que eu já estou aqui há 11 anos, então ela vem pra me provocar,

o que ela procurar ela vai achar, eu não vou sair daqui, esse espaço é meu espaço sagrado [...]”

(BAGAN, 2016, informação verbal114); “[...] é um lugar muito parado tem muito crente e dá

muito combate [...] É assim, eu tô dentro de uma bola de neve com eles ao redor entendeu? Eles

têm preconceito, não chamam nem pelo meu nome é “ói a nêga macumbeira!” (IBEJIS, 2016,

informação verbal115); “[...]de acordo com a evolução do povoado, hoje em dia, existiu uma

tendência a formação de pequenas igrejas evangélicas no entorno e isso desfavoreceu a

frequência das pessoas em vir assistir as festas” (ODÉ, 2016, informação verbal116).

Também se constatou a insatisfação com às condições de vida precária a que a

comunidade está exposta, em razão da falta de saneamento básico, de pavimentação e elevados

índices de violência, condições típicas que se reproduzem nas chamadas periferias urbanas

onde vive grande parcela da população negra e carente, veja-se: “[...]não temos saneamento

básico [...]. Perco muitos clientes que ficam de vim fazer consulta e desiste porque acha que é

um local violento e não tem policiamento [...] E o prefeito não dá nenhuma atenção para a

114 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 115 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.). 116 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.).

74

gente.” (BAGAN, 2016, informação verbal117). A fala da entrevistada denuncia o abandono do

local pelo poder público e demonstra que a lógica de segregação territorial da população

pobre e negra, que teve início com as políticas higienistas, persiste ainda nos tempos

atuais.

Sobre esse fenômeno Santos (2009) explica que a pobreza não é apenas resultado de

um modelo socioeconômico mas também do modelo de urbanização adotado pelas cidades

brasileiras. Para o autor “[...]incapaz de resolver o problema da habitação [o poder público]

empurra a maioria da população para as periferias; e empobrece ainda mais os mais pobres,

forçados a [...] comprar caro serviços essenciais que o poder público não é capaz de oferecer”

(SANTOS, 2009, p. 123). Neste mesmo sentido, Cunha Jr. (2007) denuncia que a persistência

da pobreza dos afrodescendentes no meio urbano é uma consequência das políticas públicas

para os espaços urbanos de maioria afrodescendente:

Um problema nestas áreas de maioria afrodescendente é que elas como estão, e pela

falta de uma intervenção adequada, permanecem como áreas de persistência da

pobreza das coletividades afrodescendentes. A pobreza também é não uma

generalidade universal. Esta tem uma construção específica para cada espaço

geográfico e para cada população. A produção da pobreza e da desigualdade social é

construída sobre uma base de dominação e de estagnação social [...]. (CUNHA JR.,

2007, p. 69).

Quanto à estrutura espacial interna dos terreiros investigados, especialmente sobre a

presença e conservação de espaço “mato”, foi apresentada a seguinte pergunta aos

entrevistados:

→ BLOCO IV, PERGUNTA 8 - O terreiro possui espaço mato? Se não, por quê?

Os resultados foram: 8 (oito) entrevistados responderam “sim, o terreiro possui espaço

mato”; 5 (cinco) entrevistados responderam “não, o terreiro não possui espaço mato”.

117 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.).

75

Gráfico 4 – Presença de “espaço mato” nos terreiros investigados

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Dos 8 (oito) que responderam “sim, o terreiro possui espaço mato”, observamos as

seguintes condições: 3 (três) estão em área rural; 2 (dois) são terreiros urbanos mas que

possuem amplo espaço interno (em comparação aos demais); 3 (três) são terreiros urbanos

mas com pequeno ou médio espaço interno.

Gráfico 5 – Caracterização dos terreiros que informaram ter “espaço mato”

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Dentro do grupo composto pelos entrevistados que responderam “sim”, convém

destacar que, por meio da observação, a pesquisadora pôde constatar que nenhum dispõe de

“espaço mato” nos moldes descritos pela literatura, como apontado por Santos (1976),

Bastide (2001) e Sodré (2002), quando definem o espaço “mato” como sendo o local onde se

tenta reproduzir, dentro do terreiro, a floresta africana, onde se encontram as espécies vegetais

e árvores sagradas indispensáveis ao culto e que não foram cultivadas pela ação do homem.

62%

38%

O terreiro possui "espaço mato"?

SIM

NÃO

62%

38%

Caracterização dos Terreiros que responderam "sim"

Terreiros em área ruralou em área urbanamas com amploespaço interno

Terreiros urbanos mascom pequeno oumédio espaço interno

76

Na verdade, o que se verificou em todos os terreiros que responderam “sim” foi a

existência de espaços com as características do que Barros (1993) classifica como “espaço

cultivado”, local onde são cultivadas espécies vegetais de uso ritualístico. Apenas 01 (um)

terreiro tem o que poderia ser considerado um misto entre espaço “mato” e “espaço cultivado”.

Ainda dentro do grupo que respondeu “sim, o terreiro possui espaço mato”, mas que

na verdade se observou a existência de algo mais próximo a um “espaço cultivado”, é possível

estabelecer uma subdivisão entre os que possuem um “espaço cultivado propriamente dito”

(5 terreiros) e os que possuem um “espaço cultivado adaptado” em razão do pequeno espaço

interno (3 terreiros). Ademais, ainda no grupo que respondeu “sim”, 2 (dois) revelaram

insatisfação em virtude dos espaços que possuem serem reduzidos ou adaptados e 1 (um)

revelou insatisfação em razão da má qualidade do solo, não oferecendo condições satisfatórias

para o cultivo das ervas. Portanto, verifica-se mais uma subdivisão entre satisfeitos e

insatisfeitos com o espaço que possuem. Vejamos mais um gráfico ilustrativo:

Gráfico 6 – Grau de satisfação com o espaço interno do terreiro reservado às ervas/plantas

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Dentre os 5 (cinco) entrevistados que responderam “não, o terreiro não possui espaço

mato”, todos são terreiros urbanos com espaço interno reduzido. Os motivos apontados

para a ausência do espaço mato no terreiro foram: 1. Espaço interno insuficiente (3

entrevistados); 2. Má qualidade do solo (1 entrevistado). Convém destacar, entretanto, que

2 (dois) complementaram suas respostas informando que possuem sítios em municípios do

interior do estado que suprem essa ausência do “espaço mato” na área interna do terreiro.

Nota-se que quando o entrevistado cita a má qualidade do solo como fator de

impedimento para a manutenção do espaço “mato” no terreiro parece que o que ele tem em

62%

38%

Grau de satisfação com o espaço interno destinado ao cultivo de ervas e plantas

litúrgicas

SATISFEITOS

INSATISFEITOS

77

mente é, na verdade, o que Barros (1993) chama de “espaço cultivado”, visto que a qualidade

do solo está ligada diretamente à possibilidade do cultivo de plantas.

Gráfico 7 – Motivos para inexistência de “espaço mato” nos terreiros investigados

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Vê-se que os motivos apontados para justificar a ausência de espaço mato nos terreiros

são os mesmos apontados pelos entrevistados que, apesar de terem respondido possuir espaço

mato, estão insatisfeitos com o tamanho reduzido ou com a má qualidade do solo,

predominando o “espaço interno insuficiente” como fator principal (tanto da ausência de espaço

mato quanto da insatisfação com o espaço mato).

Abaixo segue tabela contendo os resultados integrais obtidos a partir da pergunta n. 8:

50%

17%

33%

Motivos para inexistência de espaço mato nos terreiros

ESPAÇO INTERNOINSUFICIENTE

MÁ QUALIDADE DOSOLO

POSSUEM SÍTIOS NOINTERIOR

78

Tabela 2 – Análise das respostas fornecidas à pergunta 8, bloco IV.

O terreiro possui espaço mato? Se não, por quê?

IDENTIFICAÇÃO DO TERREIRO RESPOSTA FORNECIDA PELO(A) ENTREVISTADO(A) SÍNTESE DA RESPOSTA COMPREENSÃO A PARTIR DA RESPOSTA

1. Bagan

Localização: Povoado Pai André,

Nossa Sra. do Socorro

Início das atividades: 1995

Sim; ainda não tá melhor porque a terra aqui não é muito boa e esses

benditos caramujos destrói tudo sabe? Aí a gente está

providenciando isso aqui [apontou para pneus reciclados] aí

estamos procurando terra para encher pra poder plantar aqui as

ervas medicinais e até mesmo uma pequena hortazinha pra gente

mesmo, pra uso próprio entendeu? A gente providenciou isso aí, vai

encher de terra pra poder plantar.

Sim, mas a condição da terra não é

ideal para o plantio

Mesmo dispondo de espaço interno no terreiro,

a entrevistada demonstra insatisfação pois

não consegue fazer bom uso desse espaço

devido à má qualidade da terra para o cultivo das

ervas/plantas, o que demanda adaptações.

Apesar de ter respondido “sim”, na verdade,

não se verifica a existência de um “espaço

mato” – com as características descritas por

autores como Santos (1976), Bastide (2001) e

Barros (1993; 2011). O que se está buscando

criar é o que Barros (1993) classificou como

“espaço cultivado”.

2. Legbara

Localização: Aracaju – Bairro

Industrial

Início das atividades: 2010

Ele até possui, mas em uma extensão bem restrita. A gente não

consegue área maior, em uma consulta a SEPPIR me disse que os

terreiros de candomblé têm por lei um direito por ser uma área de

preservação ambiental e também de marinha. Nós procuramos e a

resposta da Procuradoria foi que não existia isso. Então acho que

falta aí uma política pública de ação afirmativa para as matrizes

africanas, uma vez que isso é de muito tempo que a gente é retirado

do território e quando você vem para um outro território, que você

é escravizado, mesmo quando acaba essa escravidão, também não é

devolvido esse território pra você e aí dificulta toda essa tradição

que a gente vem mantendo com muita dificuldade mas vem

mantendo, então falta o poder público reconhecer os povos de

matriz africana e dar minimamente as condições de sobrevivência a

essa população.

Possui mas em espaço reduzindo que

não oferece condições ideais. Falta

uma política pública que ofereça

minimamente as condições de

sobrevivência para os terreiros.

Por dispor de um espaço pequeno para as

ervas/plantas dentro do terreiro, a entrevistada

demonstra insatisfação e desapontamento com

o poder público que, no seu ver, não reconhece

a importância da tradição que, com dificuldade,

é mantida pelas comunidades-terreiro. A

entrevistada sinaliza um entendimento quanto à

trajetória histórica de desterritorialização dos

povos de matriz africana no Brasil.

Do mesmo modo que o caso anterior, não se

verifica a existência de um “espaço mato”,

mas sim de um pequeno “espaço cultivado”

que foi observado quando da visita ao

terreiro.

3. Oxum

Localização: Aracaju – Bairro Palestina

Início das atividades: 1990

Sim; tem um espaço lá no teto para as ervas miúdas, as graúdas eu

vou pegar na mata.

Sim, mas é um espaço adaptado para

ervas miúdas.

Apesar de responder “sim”, na verdade a

entrevistada não dispõe de “espaço mato”. Ela

usou uma estratégia de adaptação para suprir

parte de sua demanda mantendo um “espaço

cultivado adaptado”.

79

4. Oyá

Localização: Aracaju – Bairro

Industrial

Início das atividades: 1963

Não; porque hoje aqui virou uma cidade, com pessoas que são da

religião e outras que não são que também pra gente não é tão bom.

Eu procuro me dar bem com todo mundo, não tenho problema

particularmente graças a Deus! Mas de qualquer maneira, queira ou

não, existe o constrangimento de você não estar à vontade. Quando

a minha comprou aqui era tudo sítio, era tudo indústria mas essa

parte toda aqui era sítio, então naquela época a gente tinha lugar pra

plantar ervas, que a gente precisa muito de ervas. Tinha minante

aqui no fundo, então tudo que a gente queria tinha, terra pra

trabalhar, terreiro pra trabalhar, natureza entendeu? Mas o

progresso avançou para o lado de cá então foi diminuindo, foram

desmatando, construindo e isso ficou ruim pra gente, então a casa é

própria mas eu não sou dona da casa do vizinho, entendeu? Agora

pra plantar uma erva eu não tenho espaço. O ideal seria ter espaço

plantar as ervas, ter lugar pra cavar um poço, essas coisas que hoje

a gente já não pode, não tem esse espaço.

Não; com o crescimento da cidade não

tem mais espaço para plantas as ervas.

Trata-se de um caso clássico de perda de

“espaço mato” devido ao crescimento da

cidade no entorno do terreiro. Entretanto, pela

fala da entrevistada infere-se que esse “espaço

mato” existente outrora, antes do avanço do

progresso por ela citado, na verdade não se

encontrava no espaço interno do terreiro, mas

ultrapassava os limites de seus muros

alcançando os espaços verdes dos arredores,

como é relatado por Barros (2011) e Mattoso

(1992). Veja-se que a entrevistada também cita

a existência pretérita de um “minante” nos

fundos do terreiro, o que corrobora a afirmativa

de Rêgo (2006) no sentido de que a presença de

uma fonte no espaço interno (ou nas

proximidades) do terreiro era valorizada pela

comunidade.

Atualmente não se dispõe sequer de um

“espaço cultivado”.

5. Oxóssi

Localização: Aracaju – Bairro Bugio III

Início das atividades: Por volta de

1980

Não; temos um sítio em Areia Branca e em Rio das Pedras que a

gente planta lá e usa aqui.

Não, mas temos um sítio que a gente

planta lá e usa aqui.

Apesar de não dispor de um “espaço mato” nos

limites internos do terreiro, a entrevistada

dispõe do que se poderia classificar como

“espaço cultivado externo”, ou seja, um local

onde as ervas/plantas são cultivadas para

suprir a necessidade do terreiro, mas que está

fora de seus limites internos, nos moldes

descritos por Barros (2011).

6. Ibejis Localização: Aracaju – Bairro Novo

Paraíso

Início das atividades: Por volta de

1996

Não; Porque não tem espaço para plantar. Aqui eu não tenho onde

eu plante uma erva que são as ervas que a gente precisa pra o dia-a-

dia, pra fazer alguma coisa pro Santo não tem lugar, é muito pouco

aqui. O ideal seria que tivesse um espaço maior aonde eu plantasse.

Mas mediante, assim, eu já numa idade dessa tão cansada, eu não

quero mais comprar nem sair pra outro lugar grande, que eu até

tenho outro centro aqui em Socorro, no Oiteiros, é maior do que

esse aqui, tem as ervas todas plantadas, só que eu só estou lá as

vezes final de semana mas é pertinho, 20 minutos. Tem tudo, tem

rio, os verdes tudo que a gente precisa.

Não tem espaço para plantar nesse

terreiro, mas tenho outro em Socorro

que é maior e tem as ervas todas

plantadas

De forma idêntica ao caso anterior, apesar de

não dispor de um “espaço mato”, a

entrevistada dispõe de um “espaço cultivado

externo”.

80

7. São Jorge

Localização: Aracaju – Bairro América

Início das atividades: 1901

Sim. Plantamos as ervas para banhos, chás, para os próprios rituais

do candomblé, e diversas ervas medicinais a gente cultiva aqui no

nosso próprio terreiro.

Sim, a gente cultiva aqui no nosso

próprio terreiro.

Não se trata de um “espaço mato”, mas sim de

um “espaço cultivado”.

8. Sahara

Localização: Aracaju – Bairro Santa

Maria

Início das atividades: 1993

Atualmente dentro do espaço do terreiro a área de cultivo de ervas

é muito pouca, a nossa saída atualmente está sendo nossos jardins

elevados, nossos jardins suspensos em cima da nossa laje. Temos

uma área aqui no espaço do terreiro mas eu considero pequena,

daí a necessidade da gente ter criado um espaço de jardim suspenso

para poder mantermos o cultivo de algumas ervas necessárias

dentro da casa. [Além disso] aqui em cima logo próximo, ainda tem

uma reserva de mata de tradição africana muito boa [...].

Temos uma área aqui no terreiro mas

considero pequena, nossa saída são

jardins suspensos em cima da laje. E

aqui em cima logo próximo ainda tem

uma reserva de mata.

O entrevistado não dispõe de “espaço mato”. Ele usou uma estratégia de adaptação para

manter um “espaço cultivado” na parte interna

do terreiro e demonstra insatisfação em razão

desse espaço ser reduzido. Além disso, a

reserva de mata que existe nas proximidades

do terreiro também cumpre a função de

fornecedor das ervas/plantas servindo como

um “espaço mato externo” que se estende

além dos limites internos do terreiro,

fenômeno identificado por Barros (2011) e

Mattoso (1992).

9. Santo Antonio Localização: Povoado São Brás –

Nossa Senhora do Socorro

Início das atividades: Entre 1985 e

1987

Não; porque a terra aqui é salgada, aqui é maré. Eu me sentava ali

na porta com os pés dentro d’água, depois fui organizando, botando

aterro, aterrando, cimentei tudo mas o solo é salgado.

Não, porque a terra aqui é salgada. A qualidade precária do solo torna inviável a

existência tanto de “espaço mato” quanto de

“espaço cultivado”.

10. Xangô

Localização: São Cristóvão – Bairro

Eduardo Gomes

Início das atividades: 1951

Sim, a gente faz o máximo para preservar. Sim. Apesar de não mencionar em sua resposta,

quando da visita ao terreiro, em conversa

informal, foi mencionado que grande parte das

ervas/plantas existentes no espaço interno foram

plantadas, ou seja, cultivadas através da ação do

homem. Portanto, trata-se de um “espaço

cultivado”.

11. Odé

Localização: Povoado Jardim Piabeta,

Nossa Senhora do Socorro – Zona Rural

Início das atividades: 1993

Tenho. As ervas que eu preciso do manejo no dia-a-dia para

trabalhos, para banhos eu tenho aqui, porque eu já fiz questão de

quando ir montando ir buscando já aos arredores daqui para ter

dentro do próprio terreiro.

As ervas do dia-a-dia tenho aqui

dentro do próprio terreiro.

O entrevistado, em sua resposta, informa que foi

“buscando nos arredores” as ervas necessárias

para ter dentro do terreiro. Portanto, trata-se de

mais um caso de “espaço cultivado”.

12. Conceição Localização: Povoado Guajará, Nossa

Senhora do Socorro

Início das atividades: Década de 1960

Sim. Nós temos fruteiras diversas dentro do espaço do terreiro,

temos tipos de mangas diversas, temos jaqueiras, temos jenipapeiro,

vários tipos de frutas lá dentro. Em volta de cada mangueira eu fiz

Sim. A entrevistada, em sua resposta, informa que

dentro do terreiro existem diversas fruteiras e

que plantou uma série de ervas. Portanto, quanto

às ervas plantadas (espada Ogum, alevante e

manjericão) se trata de um “espaço cultivado”,

mas quanto às fruteiras a resposta não nos

81

uma mandala e plantei espada de Ogum, em outra área eu tenho

alevante plantado, manjericão.

permite inferir se foram plantadas. É possível

que se trate de um misto entre “espaço mato” e “espaço cultivado”.

13. Ogum Localização: Aracaju – Bairro

Jabotiana

Início das atividades: 2010

Não; justamente por estar em uma área urbana onde os lotes de casa

são muito pequenos. Eu não tenho como ter uma grande quantidade

de folhas que eu uso no dia a dia o terreiro.

Não; por estar em uma área urbana

onde os lotes de casa são muito

pequenos.

A fala do entrevistado indica que o espaço

reduzido dos imóveis urbanos é a causa da

inexistência de espaço mato (e também espaço

cultivado) no terreiro.

Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir das informações verbais fornecidas pelos entrevistados.

82

A partir da análise dos dados apresentados na Tabela 2 chegamos a algumas conclusões:

1. Quanto aos entrevistados que afirmaram possuir espaço “mato” interno nos terreiros

predominam duas características: ou estão localizados em área rural ou são terreiros

urbanos com amplo espaço interno;

2. Observou-se que os entrevistados que afirmaram possuir espaço “mato” interno na

verdade possuem espaços cultivados, nos moldes descritos por Barros (1993). Apenas

01 (um) terreiro apresentou características mistas (espaço mato + espaço cultivado);

3. Mesmo entre os entrevistados que afirmaram possuir espaço “mato” uma parcela se

mostra insatisfeita em virtude dos espaços que possuem serem reduzidos ou

adaptados, ou em razão da má qualidade do solo, não oferecendo condições favoráveis

para o cultivo interno das ervas;

4. Quanto aos que afirmaram não possuir espaço “mato” todos são terreiros urbanos e o

espaço interno insuficiente é o principal motivo apontado para a ausência do

referido espaço;

5. Alguns terreiros que não possuem espaço “mato” (ou espaço cultivado), entretanto,

possuem sítios que suprem essa ausência, o que seria uma espécie de espaço cultivado

externo, ou seja, um local onde as ervas/plantas são cultivadas para suprir a

necessidade do terreiro, mas que está fora de seus limites internos, nos moldes

descritos por Barros (2011) e Silva (1995).

Para melhor compreensão segue abaixo um quadro comparativo entre as características

do espaço “mato” e do “espaço cultivado”:

Quadro 1 – Diferenças entre “espaço mato” e “espaço cultivado”

ESPAÇO MATO ESPAÇO CULTIVADO

Não possui edificações; Não possui edificações;

Presença de árvores consagradas aos orixás

QUE NÃO FORAM/SÃO CULTIVADAS

PELA AÇÃO DO HOMEM;

Presença de árvores consagradas aos orixás

QUE FORAM/SÃO CULTIVADAS PELA

AÇÃO DO HOMEM;

Presença de ervas que podem ser coletadas

para uso ritualístico QUE NÃO

FORAM/SÃO CULTIVADAS PELA

AÇÃO DO HOMEM;

Presença de ervas que podem ser coletadas

para uso ritualístico QUE FORAM/SÃO

CULTIVADAS PELA AÇÃO DO

HOMEM;

As plantas e ervas são apenas coletadas,

portanto, NÃO dependentes da ação humana;

Predominam plantas e ervas que necessitam

de cultivo, portanto, dependentes da ação

humana;

Está sob a influência do orixá Òsányìn – dono

das folhas.

Está sob a influência do orixá Oko – senhor

da agricultura.

Referências: BASTIDE (2001); BARROS (1993; 2011); VERGER (1981).

83

Como visto, Carneiro (1967), Santos (1976), Verger (1981), Bastide (2001) e Barros

(2011) são alguns dos autores que enfatizam a importância das ervas nos cultos de origem

africana, portanto, nas religiões afro-brasileiras. Tamanha a importância das ervas nos cultos

de origem africana que muitos autores citam a existência de um sacerdote que se ocupava

exclusivamente deste elemento, o Babalossaim (VERGER, 1981; BASTIDE, 2001; BARROS,

1993, 2011). Conforme ilustrado na tabela acima, o Orixá Òsányìn ou Ossaim é o Senhor (ou

dono) das folhas, é ele quem rege os ambientes onde são encontradas ervas/plantas que não

foram cultivadas pela ação do homem e, também, preside todos os rituais em que o uso das

ervas é indispensável (BASTIDE, 2001). Por isso, o sacerdote responsável pelo manejo das

folhas e, consequentemente, pelo culto de Òsányìn ou Ossaim, recebia o nome de Babalossaim

(BASTIDE, 2001). A ele cabia o conhecimento indispensável das virtudes e funções de cada

erva sagrada, o “segredo do candomblé” (BASTIDE, 2001, p. 126).

Decorre daí a importância do espaço “mato” nos terreiros, pois é nele que, a priori,

devem ser colhidas as folhas que serão utilizadas nos rituais de iniciação, no batismo dos

tambores, nas oferendas dos Orixás, nos banhos de purificação, até mesmo na limpeza do

espaço físico do terreiro: em tudo as ervas estão presentes. Trata-se de um elemento

primordial118, portanto, indissociável dos cultos religiosos afro-brasileiros.

Ademais, Verger (1981) e Bastide (2001) esclarecem que as ervas/plantas domésticas

ou cultivadas não apresentam o mesmo valor que aquelas encontradas dispersas na

natureza, o que reforça ainda mais a importância do espaço “mato”. Segundo Bastide (2001)

as mesmas plantas encontradas no mato se forem colhidas no quintal ou jardim de casa não

possuem valor litúrgico algum. Em suas palavras: “É preciso ir buscá-las no mato mesmo [...]

Ossaim não se aventura nos lugares em que o homem cultivou a terra e construiu casas, nos

lugares em que disciplinou a natureza. É o deus do mato, e não das plantas cultivadas”

(BASTIDE, 2001, p. 127). Verger (1981, p. 122) faz semelhante ressalva indicando que as

plantas devem crescer livremente e “[...] aquelas cultivadas em jardins devem ser desprezadas,

pois Ossaim vive na floresta [...]”.

É possível afirmar, pois, que proteger o direito à liberdade religiosa das comunidades-

terreiro passa, diretamente, pela garantia de acesso aos elementos vegetais indispensáveis aos

cultos. Neste sentido, além da proteção à liberdade religiosa, garantida de forma ampla

118 Discorrendo sobre a importância das ervas, Bastide (2001) chega a mencionar que a razão de já não se ver mais

a presença de certos Orixás nos terreiros, como Xangô de Ouro por exemplo, é porque já não se encontram mais

as ervas propiciatórias deste Orixá, ou seja, “as ervas que lhes permitiam encarnar nas cabeças dos fiéis”

(BASTIDE, 2001, p. 126).

84

enquanto direito fundamental pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, VI, VII e

VIII (BRASIL, 1988), o Estatuto da Igualdade Racial (lei nº 12.288/2010) traz importante

proteção específica ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana119,

compreendendo a proteção aos seus locais de culto e as suas liturgias. Eis a importância da

investigação sobre a presença de “espaço mato” nos terreiros da grande Aracaju nos objetivos

específicos do presente estudo.

Os resultados colhidos demonstraram que nos terreiros pesquisados inexiste espaço

“mato” nos moldes descritos pela literatura. O que encontramos foram: espaços cultivados

(4 terreiros); misto entre espaço mato e espaço cultivado (1 terreiro); espaços cultivados

adaptados (3 terreiros); espaços cultivados externos (2 terreiros). Sobre esses resultados

algumas pontuações são necessárias, vejamos.

Como visto no primeiro capítulo, em que pese o candomblé tenha nascido como um

“fenômeno de cidade”, ou seja, é uma religião urbana, como aponta Carneiro (1967), viu-se que

no final do século XIX intensificaram-se as políticas urbanas higienistas que provocaram um

movimento de migração forçada das populações africanas e afrodescendentes dos centros

urbanos para regiões periféricas mais afastadas (MARQUES, 1994; SODRÉ, 2002; CUNHA

JR., 2007; RAMOS, 2007).

Assim, as comunidades de terreiro também foram removidas das regiões centrais onde

estavam estabelecidas e foram obrigados a buscar novos espaços em regiões mais periféricas.

Além disso, a forte perseguição ao culto característica da época também é apontada como outro

elemento que interferiu nesse processo de deslocamento, pressionando pais e mães de santo a

transferir seus terreiros para locais cada vez mais afastados dos centros urbanos, onde o toque

dos atabaques não fossem ouvidos, de modo a se tornarem “invisíveis”, provocando um

isolamento das comunidades afrorreligiosas (BARROS; NAPOLEÃO, 2011).

Esse fenômeno deu origem a muitas roças de candomblé (terreiros de grande extensão

territorial semelhante a sítios) instaladas em áreas de natureza ainda preservada, favorecendo

119 “Art. 24. O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana

compreende: I - a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção,

por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins; II - a celebração de festividades e cerimônias de acordo com

preceitos das respectivas religiões; III - a fundação e a manutenção, por iniciativa privada, de instituições beneficentes

ligadas às respectivas convicções religiosas; IV - a produção, a comercialização, a aquisição e o uso de artigos e materiais

religiosos adequados aos costumes e às práticas fundadas na respectiva religiosidade, ressalvadas as condutas vedadas

por legislação específica; V - a produção e a divulgação de publicações relacionadas ao exercício e à difusão das religiões

de matriz africana; VI - a coleta de contribuições financeiras de pessoas naturais e jurídicas de natureza privada para a

manutenção das atividades religiosas e sociais das respectivas religiões; VII - o acesso aos órgãos e aos meios de

comunicação para divulgação das respectivas religiões; VIII - a comunicação ao Ministério Público para abertura de

ação penal em face de atitudes e práticas de intolerância religiosa nos meios de comunicação e em quaisquer outros

locais” (BRASIL, 2010).

85

uma reaproximação do homem com a natureza. Os terreiros então instalados em regiões mais

distantes das zonas urbanas teriam passado a dispor de uma maior variedade de espécies

vegetais para uso ritualístico, favorecendo a manutenção do espaço “mato” interno e no entorno,

conforme apontam Barros e Napoleão (2011).

É justamente pautada no modelo de organização espacial desse tipo de terreiro que

Santos (1976) define, pela primeira vez, a divisão clássica entre espaço “mato” e espaço urbano.

Foi a partir de etnografias que tiveram como objeto de estudo terreiros com o modelo de roças,

como a Casa Branca do Engenho Velho, Gantois e Ilê Axé Opó Afonjá (consideradas pela

literatura predominante como as três casas mães do candomblé baiano), que autores clássicos

como Nina Rodrigues, Edson Carneiro, Roger Bastide e Juana Elbein dos Santos (e tantos

outros que seguiram os seus passos), a partir da observação, forneceram as características e

funções do que se convencionou chamar de espaço “mato”.

Entretanto, convém ressaltar que esse modelo não foi reproduzido em todo o Brasil. Em

Aracaju, por exemplo, poucos foram os terreiros que originalmente conseguiram se estabelecer

em áreas semelhantes a roças, ou seja, de grande extensão. Podemos citar como exceções o

extinto terreiro de Maria José das Areias120 (já falecida) e o Abaçá São Jorge, fundado pela

célebre Nanã de Aracaju. Mesmo assim, anos após sua fundação, o Abaçá São Jorge sofreu uma

considerável redução de sua área após ceder parte de seu terreno original para construção de

uma escola municipal (DANTAS, 2002; SOUZA FILHO, 2013).

Neste sentido, dentre os terreiros investigados em nossa pesquisa de campo,

excetuando aqueles situados em áreas rurais, o espaço interno reduzido é uma

característica predominante, o que acreditamos ser a justificativa para a inexistência de

espaço “mato” nos moldes descritos pela literatura, sendo encontrado apenas espaços

cultivados em alguns.

É fato que a manutenção de espaços amplos está cada vez mais difícil em função do

grande crescimento populacional e consequente avanço das cidades às regiões mais periféricas.

Barros (2011) aponta que os terreiros de Salvador surgidos no século XIX, então periféricos,

120 “[...] terreiro da minha avó Maria José das Areias, que era ali no Castelo Branco, que inclusive a COMAF

depois foi comprando, comprando e inclusive foi essa empresa que terminou de fechar o terreiro, comprou o resto

do terreiro só ficando a área da casa dos netos de minha avó, que não quiseram levar adiante o terreiro. Ali era um

espaço enorme, enorme, com o terreiro no meio, que antigamente era assim: uma casa grande e o formato de casas

pequenas, as senzalas, em volta, como uma roça mesmo. E lá eles tinham as ervas porque ali a região das Areias

era uma região de cajueiros onde muitas das folhas que são utilizadas nos terreiros. Tinha muito naquela região o

São Gonçalinho, aroeira, alevante, aquela região todinha ali era rodeada de cajueiros e tinha toda essa folhagem,

todas essas plantas que eram utilizadas dentro do terreiro para banhos, para unguentos, para chás, tudo eles tinham

ali, quer dizer, a área também era grande [...]”. (CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen

Josephine Muniz de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.)).

86

hoje já se encontram dentro do perímetro urbano da cidade, o que vem provocando sérios

conflitos na manutenção dos espaços originais. Esse fenômeno também se reproduz na Grande

Aracaju.

Sobre os impactos e desdobramentos da ausência (ou insuficiência) de “espaço mato”

nos terreiros investigados foram apresentadas as seguintes perguntas aos entrevistados:

→ BLOCO IV, PERGUNTA 9 - A ausência de espaço mato na área interna do terreiro (ou

a presença em tamanho reduzido) traz dificuldades para as liturgias? Quais?

PERGUNTA 10 – Como o terreiro supre a necessidade de ervas e plantas para as liturgias?

Os resultados para a primeira parte da pergunta n. 9 (A ausência de espaço mato na

área interna do terreiro, ou a presença em tamanho reduzido, traz dificuldades para as

liturgias?) foram os seguintes: 3 (três) entrevistados responderam “sim”; 4 (quatro)

entrevistados responderam “não”; 1 (um) entrevistado respondeu “as vezes”; 5 (cinco)

respostas ficaram prejudicadas porque os entrevistados, na pergunta n. 8, responderam que

possuem espaço “mato”. Vejamos em gráfico:

Gráfico 8 – Inexistência de “espaço mato” e dificuldades

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Dentre os que responderam “sim” e “as vezes” as principais dificuldades apontadas

como resposta à segunda parte da pergunta n. 9 (Quais dificuldades?) foram: 1. O aspecto

financeiro: custos com deslocamento até espaços verdes ainda preservados ou com

aquisição de ervas no mercado (3 entrevistados); 2. A perda de tempo com o deslocamento

para espaços verdes ainda preservados no interior de Sergipe (3 entrevistados); 3. A

23%

31%8%

38%

A inexistência de espaço mato na área interna do terreiro (ou a presença em tamanho reduzido) traz dificuldades?

SIM

NÃO

AS VEZES

RESPOSTAPREJUDICADA

87

degradação dos espaços verdes nas proximidades dos terreiros (2 entrevistados); 4. A

“quebra da essência” em razão de ter que comprar ervas sem saber se foram observados

os cuidados necessários quando da colheita (1 entrevistado). Vejamos em gráfico ilustrativo:

Gráfico 9 – Dificuldades decorrentes da inexistência de espaço “mato”

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Quanto à pergunta n. 10 (Como o terreiro supre a necessidade de ervas e plantas para

as liturgias?) é importante destacar que TODOS indicaram alguma forma externa de suprir a

demanda de ervas e plantas, mesmo os entrevistados que na pergunta n. 8 responderam ter

espaço “mato” nos terreiros e os que na pergunta n. 9 responderam não ter dificuldades com a

ausência (ou insuficiência) de espaço “mato” interno no terreiro. Em outras palavras: mesmo

os que internamente possuem espaços onde cultivam ervas/plantas de uso litúrgico

precisam suprir parte da demanda buscando alternativas externas.

Neste sentido, as fontes externas apontadas para suprir a necessidade de ervas e plantas

para as liturgias foram: 1. O mercado (9 entrevistados); 2. Áreas verdes preservados no

interior de Sergipe (6 entrevistados); 3. Áreas verdes preservados no entorno do terreiro

(5 entrevistados); 4. Sítios ou quintais de pessoas ligadas ao terreiro onde são cultivadas

ervas/plantas (4 entrevistados).

34%

33%

22%

11%

Quais dificuldades?

CUSTOS

PERDA DE TEMPO

AUSÊNCIA DEESPAÇO VERDE NOENTORNO

88

Gráfico 10 – Fontes externas de ervas e plantas litúrgicas para os terreiros

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Abaixo segue tabela contendo os resultados integrais obtidos a partir das perguntas n. 9

e 10.

37%

25%

21%

17%

Fontes externas de ervas/plantas

MERCADO

INTERIOR DESERGIPE

ENTORNO DOTERREIRO

SÍTIOS E/OUQUINTAIS

89

Tabela 3 – Análise das respostas fornecidas às perguntas 9 e 10, bloco IV.

PERGUNTA 9: A não existência de espaço mato na área interna do terreiro (ou a existência em tamanho reduzido) traz dificuldades para as liturgias? Quais?

PERGUNTA 10: Como o terreiro supre a sua necessidade de ervas e plantas para as liturgias?

IDENTIFICAÇÃO DO TERREIRO RESPOSTA FORNECIDA PELO(A) ENTREVISTADO(A) SÍNTESE DA RESPOSTA COMPREENSÃO A PARTIR DA RESPOSTA

1. Bagan

Localização: Povoado Pai André,

Nossa Sra. do Socorro

Início das atividades: 1995

Pergunta 9: resposta prejudicada porque a entrevistada informou

que tem espaço mato.

Pergunta 10: Algumas eu tenho no quintal e outras os meninos vão

buscar aqui nas matas na beirada do rio que é bem próximo também,

eles vão buscar. Que também não tem como você ter todas elas

dentro de um espaço só ne?! Mas eu não compro ervas, eu vou

buscar.

Algumas eu tenho no quintal e outras

os meninos vão buscar nas matas que

é bem próximo.

Mesmo tendo respondido que existe “espaço

mato” no terreiro, este não supre a necessidade

de ervas/plantas litúrgicas. Entretanto, apesar de

não suprir essa necessidade, infere-se, a partir da

fala da entrevista, que isso não chega lhe trazer

dificuldades pois, em razão de o terreiro estar

localizado em uma zona rural, o entorno

cumpre essa função de fornecedor das

ervas/plantas servindo como um “espaço

mato externo” que se estende além dos limites

internos do terreiro, fenômeno identificado

por Barros (2011) e Mattoso (1992).

Um ponto que merece destaque é a afirmação

da entrevistada de que não compra ervas.

Acredita-se que isso se dê em razão da

necessidade de observar certos procedimentos e

cuidados quando da coleta de ervas litúrgicas, a

fim de preservar o seu axé, ou seja, sua força

vital, o que se torna impossível quando as

ervas/plantas são compradas. Esses cuidados

foram apontados por Bastide (2001) e Barros

(2011).

2. Legbara

Localização: Aracaju – Bairro

Industrial

Início das atividades: 2010

Pergunta 9: Sim, traz um pouco de dificuldade porque você vai

também demandar uma questão financeira maior, porque você vai

ter que buscar aí tem a questão de você ter o deslocamento, porque

se você tivesse já tudo no próprio ambiente o custo seria menos e o

tempo também você ganharia, traz uma dificuldade.

Pergunta 10: A gente vai buscar ainda onde tem preservado os rios,

as matas, a gente vai buscar assim, pro lado de São Cristóvão, pelos

caminhos que vão para o interior que dá acesso. Chega a precisar

comprar porque muitas ervas começam a desaparecer, como você

vai devastando então também vai acabando a existência de algumas

ervas que a gente podia ter ali a mão, vamos dizer assim. Então aí

Traz um pouco de dificuldade porque

se você tivesse já tudo no próprio

ambiente o custo seria menos e o

tempo também você ganharia.

A gente vai buscar ainda onde tem

preservado os rios, as matas. Chega a

precisar comprar.

Temos uma resposta afirmativa quanto as

dificuldades decorrentes da inexistência de

um “espaço mato” em dimensões adequadas (lembrando que na pergunta n. 8 a entrevistada

informou que o terreiro possui “espaço mato”

mas em tamanho reduzido).

Alguns pontos destacam-se na fala:

1. O aspecto financeiro, decorrente dos custos

com “ter que buscar” as ervas, o que envolve a

despesa com deslocamento até os espaços

verdes de natureza ainda preservada (o interior

de Sergipe) e despesa com aquisição no

mercado;

90

você tem que buscar no mercado, tem que comprar porque as vezes

não encontra mais. Chega a no mercado não encontrar algumas

ervas, até nem existir mais pelo menos aqui a nível de Sergipe. Por

causa da urbanização; porque no lugar de terra você vai colocando

asfalto, cimento, construções enfim, então você vai também

acabando um pouco do que a área verde pede.

2. Perda de tempo com o deslocamento para

buscar as ervas;

3. A urbanização como elemento que interfere

diretamente na degradação dos espaços

verdes.

O interior de Sergipe aparece na fala como

reduto de natureza preservada onde é

possível buscar as ervas/plantas necessárias.

3. Oxum Localização: Aracaju – Bairro Palestina

Início das atividades: 1990

Pergunta 9: Não traz dificuldade porque hoje o mercado é bem

servido de todas as ervas que você precisa. Fica mais dispendioso

porque não tenho né, aí tem que ir buscar, gasto tempo, gasto

gasolina, mas...

Pergunta 10: Quando não quero ou não encontro no mercado eu

vou buscar dentro da mata, geralmente eu vou em Areia Branca,

Itabaiana... É distante mas sempre tem alguém com carro para poder

levar.

Não traz dificuldade porque o

mercado é bem servido e também vou

buscar na mata. Fica mais

dispendioso, gasto tempo, gasto

gasolina, mas...

Apesar de responder que não tem

dificuldades, a entrevistada se contradiz pois

aponta descontentamento com o gasto

financeiro e de tempo para suprir a necessidade

de ervas/plantas, seja comprando no mercado ou

tendo que se deslocar para buscar em

municípios do interior e Sergipe.

O interior de Sergipe também aparece na fala

como reduto de natureza preservada onde é

possível buscar as ervas/plantas necessárias.

4. Oyá

Localização: Aracaju – Bairro

Industrial

Início das atividades: 1963

Pergunta 9: Muitas dificuldades, porque ervas a gente planta e

quando a gente vai usar tem horário que você vai colher, tem a

maneira que você vai colher, tem a pessoa indicada. E nesse caso a

gente é obrigado a comprar a erva sem saber de que jeito foi colhida.

Prejudica, não é bom, quebra um pouco da essência da gente.

Pergunta 10: Comprando no mercado. E pessoas amigas que as

vezes tem sítio e a gente vai lá. Itabaiana tem um espaço, uma

reserva, que lá tem sítio, tem perna de rio lá dentro, então quando

eu preciso de uma coisa bem séria que preciso de um espaço da

natureza eu vou lá, que lá tem muitas qualidades de ervas.

Muitas dificuldades porque a gente é

obrigada a comprar a erva sem saber

de que jeito foi colhida e isso quebra

um pouco da essência.

Comprando no mercado, pegando em

sítios de amigos ou em na reserva de

Itabaiana.

Destaca-se da fala uma preocupação com o que

a entrevistada chama de “quebra da

essência”, em razão de ter que comprar ervas

no mercado sem saber se foram observados os

cuidados necessários quando da colheita. Assim

como na resposta da entrevistada 1, acredita-se

que aqui também se esteja referindo aos

procedimentos e cuidados que o Babalossaim

precisa ter quando vai colher as ervas litúrgicas,

a fim de preservar o seu axé, ou seja, sua força

vital. Esses cuidados foram apontados por

Bastide (2001) e Barros (2011).

Sítios e o interior de Sergipe também

aparecem como alternativas onde é possível

buscar essas ervas/plantas.

5. Oxóssi

Localização: Aracaju – Bairro Bugio III

Início das atividades: Por volta de

1980

Pergunta 9: Não.

Pergunta 10: Temos um sítio que a gente planta lá e uso aqui.

Tenho um filho de santo que aqui mesmo também tem e fica aqui

mesmo no Bugio. Minha filha de santo e minha irmã tem as ervas

também aqui próximo e a gente pega na casa delas. E o resto que

não tiver a gente compra no mercado.

Não traz dificuldade; temos um sítio

que a gente planta lá e usa aqui. E o

resto que não tiver compra no

mercado.

Acredita-se que a entrevistada afirma não ter

dificuldades porque, na verdade, apesar de não

dispor de um “espaço mato” dentro do terreiro,

ela dispõe do que se poderia classificar como

“espaços cultivados externo”, ou seja, locais

onde as ervas/plantas são cultivadas para

suprir a necessidade do terreiro, mas que

estão fora de seus limites internos, nos moldes

91

descritos por Barros (2011). Além disso, o

mercado também supre parte da demanda.

6. Ibejis Localização: Aracaju – Bairro Novo

Paraíso

Início das atividades: Por volta de

1996

Pergunta 9: Sim, porque tenho que buscar as ervas no sítio ou

comprar no mercado.

Pergunta 10: Eu trago do sítio e o que não tem lá eu compro no

mercado.

Sim. Eu trago do sítio e o que não tem

lá eu compro no mercado.

A situação aqui é semelhante a anterior, a

diferença reside no fato de que aqui a

entrevistada aponta a existência de

dificuldade, mesmo contando com um

“espaço cultivado externo”, ou seja, um sítio

que supre parcialmente sua necessidade de

ervas/plantas. Apesar de não aparecer

explicitamente em sua fala, é provável que a

dificuldade apontada decorra das mesmas

questões abordadas nas falas dos outros

entrevistados: 1. O aspecto financeiro, em

razão dos custos com deslocamento para o sítio

e aquisição no mercado; 2. A “perda” de tempo

com os deslocamentos para o interior do estado.

7. São Jorge

Localização: Aracaju – Bairro América

Início das atividades: 1901

Pergunta 9: resposta prejudicada porque a entrevistada informou

que tem espaço mato.

Pergunta 10: Aqui no mercado tem uma mulher que já vende. E

tem momentos que determinadas ervas ou plantas medicinais que

no mercado não tem, que até as próprias vendedoras desconhecem

pra que é e o que é. Aí vamos buscar ali onde vai para o Eduardo

Gomes, na [rodovia] João Bebe Água, ali que tem o rio Poxim, tem

muitas plantas medicinais, muitas ervas e tem muita coisa que a

gente pega lá pra cultivar dentro da religião.

No mercado e na [rodovia] João Bebe

Água, próximo ao rio Poxim.

Mesmo tendo respondido que existe “espaço

mato” no terreiro, este não supre a necessidade

de ervas/plantas litúrgicas, sendo

eventualmente necessário recorrer ao

mercado ou a espaços verdes preservados. Entretanto, isso não aparece na fala como uma

dificuldade. O interior de Sergipe também aparece na fala

como reduto de natureza preservada onde é

possível buscar as ervas/plantas necessárias.

8. Sahara

Localização: Aracaju – Bairro Santa

Maria

Início das atividades: 1993

Pergunta 9: No momento não porque a gente tenta sempre se

adequar ao momento que estamos vivendo. Então não traz

dificuldade porque a gente tem sempre um segundo plano e sempre

a gente não deixa faltar, mesmo que não tenha aqui dentro do espaço

do terreiro a gente procura cultivar fora, na casa de um filho nosso

que esteja aqui por perto que possa nos dar um subsídio.

Pergunta 10: Com estratégias de adaptações. Exemplo disso: nós

conseguimos agora várias mudas de uma planta chamada

dendezeiro e quase todos os filhos de santo meu, que tem casas

Não traz dificuldade porque a gente

tem sempre um segundo plano.

Estratégias de adaptações, buscando

na mata e recorrendo ao mercado.

A inexistência de um “espaço mato” em

tamanho adequado dentro do terreiro levou a

criação de uma série de estratégias de

adaptação para suprir sua necessidade de

ervas/plantas. Em decorrência disso, pode-se

dizer que o terreiro criou uma série de

“espaços cultivados externos”, ou seja, além

dos limites internos do terreiro (nas casas de

filhos), minimizando os impactos decorrentes

da ausência do “espaço mato”.

Além disso, também se recorre à mata do

entorno e ao mercado.

92

próprias e que tem terreno, estão plantando nos seus quintais esse

dendezeiro para que a gente possa ter. Uma outra erva necessária

que a gente precisa dentro da casa de candomblé para o nosso culto

é a bananeira, por causa da folha dela que nos ajuda a fazer o acaçá,

alguns filhos de santo da casa já tem também essa planta, essa

árvore, dentro do seu espaço para que possa servir ao terreiro. Então

a gente consegue ter algumas logísticas de ervas em espaços

particulares de pessoas pertencentes a nossa casa para manter o

nosso culto. Também buscando na mata, aqui em cima logo

próximo, ainda tem uma reserva de mata de tradição africana muito

boa [o entrevistado se refere ao Morro do Avião que fica no entorno

do terreiro], e algumas vezes recorrendo ao mercado.

9. Santo Antonio

Localização: Povoado São Brás –

Nossa Senhora do Socorro

Início das atividades: Entre 1985 e

1987

Pergunta 9: Às vezes dificulta, às vezes a gente quer um pau, uma

rama que por aqui não tem, que a gente podia trazer um pé e plantar

né? Mas não tem.

Pergunta 10: Vou procurar no mato e muita coisa compra no

mercado. A gente já tem ideia de onde tem, essa semana mesmo eu

precisei de um mato que por aqui não tem e eu fui buscar no interior

de Itaporanga. A gente vai procurar onde tem, vai se informar e aí

encontra. A gente anda por tudo que é lugar que tem mato.

Às vezes dificulta. Vou procurar no

mato e muita coisa compra no

mercado.

As dificuldades apontadas estão relacionadas

ao fato de o entrevistado não dispor de ervas

nas proximidades do terreiro (“as vezes a

gente quer um pau, uma rama que por aqui

não tem”) e, em razão disso, demandar uma

peregrinação (“A gente anda por tudo que é

lugar que tem mato”), como ele mesmo diz.

O interior de Sergipe também aparece na fala

como reduto de natureza preservada onde é

possível buscar as ervas/plantas necessárias. O

mercado também é apontado como fonte

fornecedora de ervas.

10. Xangô

Localização: São Cristóvão – Bairro

Eduardo Gomes

Início das atividades: 1951

Pergunta 9: resposta prejudicada porque o entrevistado informou

que tem espaço mato.

Pergunta 10: A gente tem as básicas, as fundamentais para o

funcionamento, mas quando você precisa de algo a mais a gente tem

que ir pra rua buscar. Tem uma mata aqui no bairro, no final de

linha, que normalmente a gente vai buscar. Quando não, indo para

Itabaiana tem muita diversidade também por ali e normalmente

onde tem água natural, cachoeira. Onde tiver uma cachoeira vai ter

sempre alguém do candomblé procurando uma erva.

A gente tem as básicas mas quando

precisa de algo a mais a gente tem que

ir pra rua buscar. Tem uma mata aqui

no bairro e indo para Itabaiana tem

muita diversidade.

Mesmo tendo respondido que existe “espaço

mato” no terreiro, este não supre a necessidade

de ervas/plantas litúrgicas, sendo necessário

recorrer a espaços verdes preservados no

entorno do terreiro (espaço mato externo) e

no interior de Sergipe, que mais uma vez

aparece na fala como reduto de natureza

preservada onde é possível buscar as

ervas/plantas necessárias.

11. Odé

Localização: Povoado Jardim Piabeta,

Nossa Senhora do Socorro – Zona Rural

Início das atividades: 1993

Pergunta 9: resposta prejudicada porque o entrevistado informou

que tem espaço mato.

Nós cultivamos plantas rústicas que

suportam sol, as demais são

compradas no mercado.

Mesmo tendo respondido que existe “espaço

mato” no terreiro, este não supre a necessidade

93

Pergunta 10: No mercado. Nós chamamos de ervas frias, são ervas

cultivadas à sombra com duas regas diárias, com pouco

sombreamento, a exemplo do manjericão, do patchouli, da água de

alevante, da folha da costa, são folhas que nós utilizamos nos rituais

do candomblé que dentro de um clima como esse aqui nós já

tentamos o cultivo e não conseguimos [...]. Elas caem no comércio

do mercado e a frequência sergipana, de um modo geral, dos pais

de santo e do pessoal de umbanda também só compra no mercado

porque não tem acesso para cultivar em casa. Nós cultivamos

plantas rústicas que suportam sol.

de ervas/plantas litúrgicas, sendo necessário

recorrer ao mercado.

12. Conceição Localização: Povoado Guajará, Nossa

Senhora do Socorro

Início das atividades: Década de 1960

Pergunta 9: resposta prejudicada porque o entrevistado informou

que tem espaço mato.

Pergunta 10: Tem uma mata lá que é bem próxima do rio. Não é

mata fechada, mas é mata que a gente ia tirar essas folhas, muitas

folhas nossas que a gente não precisava comprar nem tirar de outro

lugar, nós tirávamos de lá. Por exemplo, dendezeiro eu não tinha lá

em casa mas eu plantei um dendezeiro, plantei três aliás, que um

sobreviveu. Então eu não tinha em casa, eu plantei. Eu pedi para o

menino trazer também bambuzal, quem é de Iansã, mas pelo que eu

tinha visto o bambuzal não pegou porque ele fica em área mais

úmida e onde eu plantei foi em cima, na parte de cima do terreiro e

eu devia ter plantado na parte de baixo que é mais úmida.

Tem uma mata lá que a gente ia,

muitas folhas nossas que a gente não

precisava comprar nem tirar de outro

lugar, nós tirávamos de lá.

Mesmo tendo respondido que existe “espaço

mato” no terreiro, este não supre a necessidade

de ervas/plantas litúrgicas. Entretanto, apesar de

não suprir essa necessidade, infere-se, a partir da

fala da entrevista, que isso não chega lhe trazer

dificuldades pois, em razão de o terreiro estar

localizado em uma zona rural, o entorno

cumpre essa função de fornecedor das

ervas/plantas servindo como um “espaço

mato externo” que se estende além dos limites

internos do terreiro, fenômeno identificado

por Barros (2011) e Mattoso (1992).

13. Ogum Localização: Aracaju – Bairro

Jabotiana

Início das atividades: 2010

Pergunta 9: Não, de forma nenhuma.

Pergunta 10: Eu vou buscar na mata [o entrevistado se refere a

mata que fica no Aloque, na Jabotiana, mesmo bairro do terreiro],

quando não tem a gente vai comprar no mercado.

Não dificulta. Vou buscar na mata ou

compro no mercado.

Mais uma vez o entorno do terreiro cumpre a

função de fornecedor das ervas/plantas

servindo como um “espaço mato externo”

que se estende além dos limites internos do

terreiro, fenômeno identificado por Barros

(2011) e Mattoso (1992). Além disso, o

mercado também supre parte da demanda

interna.

Entretanto, em que pese o entrevistado tenha

respondido que a ausência de espaço mato no

terreiro não traz dificuldades, não podemos

perder de vista que na resposta do quesito 7

ele demonstrou descontentamento em razão

do espaço interno reduzido, que não lhe

permite ter as ervas necessárias ao manejo

94

diário. Portanto, fazendo uma análise

conjunta das respostas fornecidas, vemos que

elas se complementam, e que, apesar de

responder não ter dificuldades, na visão do

entrevistado o cenário ideal remete a um

espaço interno maior que possibilite a

existência de um espaço mato ou de um

espaço cultivado.

Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir das informações verbais fornecidas pelos entrevistados.

95

A partir da análise dos dados apresentados na Tabela 3 chegamos a algumas conclusões:

1. O mercado municipal de Aracaju aparece como principal fonte externa para

suprimento de ervas e plantas utilizadas nos terreiros pesquisados;

2. Áreas verdes preservadas no interior de Sergipe aparecem como importante fonte de

ervas e plantas utilizadas nos terreiros, demonstrando a busca por espaços externos que,

ao longo do tempo, vão se consolidando como territórios sagrados externos;

3. Os custos com a aquisição de ervas no mercado e com deslocamento para o interior,

aliado a perda de tempo com esse deslocamento, aparecem como principais

dificuldades decorrentes da ausência do espaço “mato” nos terreiros;

4. Algumas áreas ainda preservadas no entorno dos terreiros funcionam como espaço

“mato” externo suprindo parte da demanda de ervas/plantas;

5. A utilização de estratégias de adaptação constitui uma alternativa para suprir as

necessidades de alguns terreiros (sítios e quintais).

O dado mais relevante que emerge a partir das informações constantes na Tabela 3 é

que TODOS os entrevistados indicaram alguma forma externa de suprir a demanda de

ervas e plantas, ou seja, mesmo os terreiros com espaço “mato” interno (na verdade espaço

cultivado, como já analisado na Tabela 2) precisam suprir parte da demanda de

ervas/plantas de uso litúrgico buscando fora dos terreiros. E nessa busca externa o mercado

municipal e o interior de Sergipe despontam como principais fornecedores, do que

decorrem algumas dificuldades que foram apontadas pelos entrevistados.

As despesas com deslocamento até o interior e com aquisição de ervas no mercado,

além da perda de tempo com esse deslocamento, são dificuldades apontadas nas seguintes falas:

“Traz um pouco de dificuldade porque você vai demandar uma questão financeira maior,

porque você vai ter que buscar aí tem a questão de ter o deslocamento, porque se você tivesse

já tudo no próprio ambiente o custo seria menos e o tempo também você ganharia” (LEGBARA,

2016, informação verbal121); “Fica mais dispendioso porque não tenho né, aí tem que ir buscar,

121 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.).

96

gasto tempo, gasto gasolina, mas...” (OXUM, 2016, informação verbal122); “Sim, porque tenho

que buscar as ervas no sítio ou comprar no mercado” (IBEJIS, 2016, informação verbal123).

Sobre essa realidade Barros (2011) e Silva (1995) apontam que, em função do avanço

da urbanização, os religiosos precisam elaborar estratégias de adaptação para suprir a carência

de folhas sagradas e espaços verdes que antes estavam à disposição nos arredores dos terreiros,

mas hoje se tornam cada vez mais escassos nas cidades. Assim, na busca por espécies vegetais

indispensáveis às suas práticas religiosas, se veem obrigados a se deslocar para regiões cada

vez mais distantes dos limites das cidades, o que onera consideravelmente a vida material dos

adeptos com os custos de deslocamento. Mesmo quando não precisam se deslocar (ou não

possuem condições de arcar com os custos deste deslocamento) e recorrem ao comércio para

suprir suas demandas, também resulta daí uma oneração financeira.

Outra dificuldade apontada é a “quebra da essência”, que se relaciona diretamente com

a necessidade de aquisição de ervas no mercado sem saber se foram observados os cuidados

necessários quando da colheita. Esse problema aparece na seguinte fala:

Muitas dificuldades, porque ervas a gente planta e quando a gente vai usar tem horário

que você vai colher, tem a maneira que você vai colher, tem a pessoa indicada. E nesse

caso a gente é obrigado a comprar a erva sem saber de que jeito foi colhida. Prejudica,

não é bom, quebra um pouco da essência da gente (OYÁ, 2016, informação verbal124).

Destaca-se a partir da fala uma preocupação com o que a entrevistada chama de

“quebra da essência”, em razão de ter que comprar ervas no mercado sem saber se foram

observados os cuidados necessários quando da colheita. Essa preocupação decorre da

necessidade de observar certos procedimentos e cuidados que o Babalossaim precisa ter quando

vai colher as ervas litúrgicas, a fim de preservar o seu axé, ou seja, sua força vital (VERGER,

1981; BASTIDE, 2001; BARROS, 2011), o que se torna impossível quando as ervas/plantas

são compradas.

Sobre os cuidados que devem preceder a coleta das ervas/plantas de uso litúrgico

Verger (1981, p. 123) pontua que “[...] Quando vão colher as plantas para seus trabalhos, devem

fazê-lo em estado de pureza, abstendo-se de relações sexuais na noite precedente, e indo à

122 Entrevista concedida por OXUM. Entrevista 3. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:27 min.). 123 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.). 124 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.).

97

floresta durante à madrugada sem dirigir palavra a ninguém [...]”. Parte desses procedimentos

especiais também é descrita por Bastide (2001):

[...] o babalossaim penetra no reino de Ossaim mastigando um obi (e talvez também

pimenta). Chegando ao seu domínio, volta-se sucessivamente para cada um dos quatro

pontos cardeais e cospe nestas quatro direções o obi mastigado. Delimita, assim, de

certo modo, o espaço sagrado em que vai evoluir. Penetrando no mato, começa a

cantar e não deixará de cantar enquanto não tiver saído; mesmo ao cortar um ramo de

árvore ou cipó, ao arrancar ervas ou desenterrar uma planta, não pode interromper o

canto [...]” (BASTIDE, 2001, p. 127-128).

Vê-se, portanto, o porquê da preocupação da entrevistada com o que ela chama de

“quebra da essência” pois, de fato, ao comprar as ervas no mercado é impossível ter algum tipo

de controle quanto aos cuidados que devem (ou pelo menos deveriam) ser observados quando

da coleta.

Esse parece ser o mesmo motivo pelo qual outra entrevistada afirma: “[...] não tem como

você ter todas elas dentro de um espaço só ne?! Mas eu não compro ervas, eu vou buscar”

(BAGAN, 2016, informação verbal125). Em sintonia com esse depoimento Bastide (2001)

aponta que “É preciso ir buscá-las no mato mesmo [...] Ossaim não se aventura nos lugares em

que o homem cultivou a terra e construiu casas, nos lugares em que disciplinou a natureza. [...]”

(BASTIDE, 2001, p. 127).

Entretanto, Barros (2011) alerta que, tanto em razão da facilidade de aquisição das

ervas/plantas diretamente nos mercados quanto em função da crescente urbanização das

cidades, esse ritual de coleta tem sido cada vez menos observado nos dias atuais do que

decorre uma descaracterização do culto. E dentre os terreiros pesquisados isso parece ser

uma realidade, pois: dos 13 (treze) entrevistados somente 2 (dois) fizeram referência a essa

particularidade; 9 (nove) entrevistados apontaram o mercado como principal fonte externa para

suprir a necessidade de ervas/plantas.

O interior de Sergipe também é apontado por 6 (seis) entrevistados como

importante fonte externa de ervas e plantas utilizadas nos terreiros, o que demonstra uma

busca por áreas verdes preservadas que, ao longo do tempo, vão se consolidando como

territórios sagrados externos. Isso decorre do crescimento acelerado das cidades que torna as

áreas verdes cada vez mais escassas nos centros urbanos, provocando uma peregrinação das

comunidades de terreiro em busca dessas áreas ainda preservados no interior do Estado.

125 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.).

98

Apesar da crescente urbanização, 5 (cinco) entrevistados indicaram que áreas verdes

remanescentes no entorno dos terreiros funcionam como fonte externa de fornecimento de

ervas e plantas utilizadas nos terreiros. Essas áreas cumprem o papel de espaço “mato”

externo, ou seja, que se estende além dos limites internos do terreiro, fornecendo algumas ervas

e plantas de uso litúrgico, fenômeno identificado por Mattoso (1992) e Barros (2011). Neste

sentido, “[...] a reelaboração da floresta africana ultrapassa as fronteiras do terreiro, atingindo

os terrenos baldios, parques e jardins, onde os adeptos buscam espécies tão indispensáveis à

manutenção de sua visão de mundo” (BARROS, 2011, p. 23).

Vejamos algumas falas que corroboram essa função: “[...]os meninos vão buscar aqui

nas matas na beirada do rio que é bem próximo também [...]” (BAGAN, 2016, informação

verbal126); “[...]buscando na mata aqui em cima logo próximo, ainda tem uma reserva de mata

de tradição africana muito boa [...]” (SAHARA, 2016, informação verbal127); “[...]Tem uma

mata aqui no bairro, no final de linha, que normalmente a gente vai buscar [...]” (XANGÔ,

2016, informação verbal128); “Tem uma mata lá que é bem próxima do rio. Não é mata fechada,

mas é mata que a gente ia tirar essas folhas, muitas folhas nossas que a gente não precisava

comprar nem tirar de outro lugar, nós tirávamos de lá [...]” (CONCEIÇÃO, 2016, informação

verbal129); “Eu vou buscar na mata [o entrevistado se refere a mata que fica no Aloque, na

Jabotiana, mesmo bairro do terreiro]” (OGUM, 2016, informação verbal130).

Além do mercado, do interior de Sergipe e de áreas no entorno dos terreiros, 4 (quatro)

entrevistados também indicaram que usam sítios e quintais para suprir a demanda de ervas e

plantas. Eles funcionam como “espaços cultivados externos”, ou seja, locais onde as

ervas/plantas são cultivadas para suprir a necessidade do terreiro, mas que estão fora de

seus limites internos. Diferem do espaço “mato” externo porque neste as ervas/plantas não

foram cultivadas pela ação do homem.

Como aponta Barros (2011) os terreiros com amplos espaços internos que possibilitem

a manutenção de espaço “mato” são cada vez mais escassos, o que decorre do avanço das

cidades às regiões mais periféricas, onde normalmente esses terreiros estão localizados. E

126 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 127 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.). 128 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 129 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz

de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.). 130 Entrevista concedida por OGUM. Entrevista 13. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (00:25:35 min.).

99

mesmo a manutenção de áreas verdes no entorno dos terreiros tem se tornado difícil também

em função desse fenômeno. Neste sentido, os “espaços cultivados externos” emergem como

estratégias de adaptação que auxiliam no fornecimento das ervas e plantas de uso ritualístico

indispensável.

Como se vê TODOS os entrevistados indicaram fontes externas utilizadas para

suprir a demanda dos terreiros por ervas e plantas. Os dados constantes na Tabela 3

indicam, inclusive, que alguns se valem de mais de uma fonte externa, sendo o mercado

municipal e o interior de Sergipe suas principais fontes fornecedoras.

Sobre os possíveis impactos internos decorrentes da urbanização no entorno dos

terreiros foram apresentadas as seguintes perguntas aos entrevistados:

→ BLOCO IV, PERGUNTA 11 - Quando da inauguração da casa a região de entorno já

era urbanizada?

PERGUNTA 12 – Se a resposta ao item anterior for não: A urbanização trouxe algum tipo

de dificuldade para a ritualística interna? Poderia citar um exemplo?

Os resultados da pergunta n. 11 foram os seguintes: 2 (dois) entrevistados responderam

“sim”; 11 (onze) entrevistados responderam “não”. Vejamos em gráfico:

Gráfico 11 – Urbanização no entorno dos terreiros investigados

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Quanto à primeira parte da pergunta n. 12 (A urbanização trouxe algum tipo de

dificuldade para a ritualística interna?) os resultados foram os seguintes: 6 (seis) entrevistados

responderam “sim”; 5 (cinco) entrevistados responderam “não”; 2 (duas) respostas ficaram

15%

85%

Quando da inauguração da casa a região de entorno já era urbanizada?

SIM

NÃO

100

prejudicadas porque os terreiros foram inaugurados em regiões já urbanizadas. Vejamos em

gráfico:

Gráfico 12 – Urbanização e dificuldades internas

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Quanto à segunda parte da pergunta n. 12 (Poderia citar um exemplo?) as

principais dificuldades citadas pelos entrevistados que responderam “sim” foram: 1.

Problemas com vizinhos (6 entrevistados); 2. Perda de espaço no entorno (3

entrevistados); 3. Aumento da violência (2 entrevistados). Vejamos em gráfico:

Gráfico 13 – Dificuldades decorrentes da urbanização

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

46%

39%

15%

A urbanização trouxe algum tipo de dificuldade para a ritualística interna?

SIM

NÃO

RESPOSTAPREJUDICADA

55%27%

18%

Principais dificuldades apontadas como desdobramento da urbanização

PROBLEMAS COMVIZINHOS

PERDA DE ESPAÇONO ENTORNO

AUMENTO DAVIOLÊNCIA

101

Dentre os que responderam “não”, semelhante ao que vimos na análise da pergunta

n.7, o bom relacionamento com vizinhos foi apontado como o principal motivo para a

ausência de dificuldades em decorrência da urbanização.

Abaixo segue tabela contendo os resultados integrais obtidos a partir das perguntas n.

11 e 12.

102

Tabela 4 – Análise das respostas fornecidas às perguntas 11 e 12, bloco IV.

PERGUNTA 11: Quando da inauguração da casa a região de entorno já era urbanizada?

PERGUNTA 12: Se a resposta ao item anterior for não: A urbanização trouxe algum tipo de dificuldade para a ritualística interna? Poderia citar um exemplo?

IDENTIFICAÇÃO DO TERREIRO RESPOSTA FORNECIDA PELO(A) ENTREVISTADO(A) SÍNTESE DA RESPOSTA COMPREENSÃO A PARTIR DA RESPOSTA

1. Bagan

Localização: Povoado Pai André,

Nossa Sra. do Socorro

Início das atividades: 1995

Pergunta 11: Era muito menos povoado. Quando eu vim praqui

(sic) não tinha energia na rua, a gente usava gambiarra que vinha lá

de cima da pista, depois foi que ligaram a energia, a água [...]

Pergunta 12: Está trazendo; Assalto, a insegurança, porque com

isso infelizmente o progresso traz a insegurança né! E assim, antes

quando era mais deserto, que as pessoas tinham mais medo a gente

ficava na rua até duas, três horas da manhã conversando os vizinhos

olhando a lua e hoje a gente não tem muita segurança pra ficar,

porque veio muita gente pra cá, tem muita é... pega uma topic de

São Cristóvão pra cá assalta a topic desce aqui, corre pra cá porque

aqui tem várias saídas pro Eduardo Gomes, pro Parque dos Faróis,

tem o rio né, desce praqui (sic). Pegam de lá pra cá assalta, descem

aqui né, e aí isso tá nos trazendo problemas né, as pessoas ficam

com medo de vim né, e até a gente mesmo né [...] E aí o povo acha

que é daqui, entendeu? E fora os daqui mesmo que tem umas

coisinhas aí que acaba atraindo os outros pra cá né.

Era muito menos povoado.

Está trazendo assalto, a insegurança,

porque infelizmente o progresso traz a

insegurança

O entorno não era urbanizado e a

urbanização trouxe dificuldade.

A violência é apontada pela entrevistada como

o maior problema trazido pelo avanço da

urbanização.

2. Legbara

Localização: Aracaju – Bairro

Industrial

Início das atividades: 2010

Pergunta 11: Sim.

Pergunta 12: pergunta prejudicada devido a resposta anterior.

Sim. A região já era urbanizada quando da

inauguração do terreiro.

3. Oxum Localização: Aracaju – Bairro Palestina

Início das atividades: 1990

Pergunta 11: Não, eu sou pioneira aqui nessa rua, eu cheguei aqui

com 3 anos de idade e nessa rua mesmo só tinha a nossa casa.

Pergunta 12: Não trouxe dificuldade, porque o ambiente e a boa

convivência quem faz somos nós. Quem chegou já me encontrou.

Por exemplo, essa família aqui toda evangélica, o chefe de família

lá é meu amigo, a gente sentava e conversava, falava sobre religião

porque eu tenho, não sei se é uma virtude ou defeito, mas se você

está falando a palavra de Deus, seja em qualquer língua ou em

qualquer religião eu curvo minha cabeça para ouvir, jamais abro a

minha boca para desfazer de religião nenhuma, entendeu? Porque

Deus não está na religião, ele está nos seus bons atos, no seu bom

coração.

Não, eu sou pioneira aqui nessa rua.

Não trouxe dificuldade. O entorno não era urbanizado mas a

urbanização não trouxe dificuldade.

A entrevistada aponta a convivência cordial

com vizinhos e a existência de um respeito

mútuo como elemento apaziguador, pois “quem chegou já me encontrou”. Quando a

entrevistada fala “quem chegou já me

encontrou” parece estar sinalizando que, por

esse motivo, os vizinhos não podem reclamar,

afinal tinham a opção de buscar moradia em

outro local caso se incomodassem com a

existência do terreiro. Se optaram por ficar

não teriam do que reclamar e por esse motivo

a convivência é pacífica. É preciso relembrar, entretanto, que a resposta

da entrevistada à pergunta n. 7 sinaliza a

103

existência de um acordo de boa convivência

que sustenta essa relação com os vizinhos e tem

em sua base o cumprimento de horários para

encerramento das atividades religiosas

semanais.

4. Oyá

Localização: Aracaju – Bairro

Industrial

Início das atividades: 1963

Pergunta 11: Não, era tudo sítio. Minha mãe, bem antes dela

comprar, ela falou que aqui era aldeia de índio. Mas eu não lembro

porque era muito pequena, ela comprou e aqui era tudo aberto, tudo

muito bom, era uma outra época.

Pergunta 12: O progresso avançou para o lado de cá então foram

fazendo, desmatando, construindo e isso ficou ruim pra gente,

então a casa é própria mas eu não sou dona da casa do vizinho,

entendeu? Agora pra plantar uma erva eu não tenho espaço.

Também trouxe a comunidade. Casa de Candomblé deve ser um

pouco recuada porque, hoje eu nem sei como dizer, tá tudo assim

muito difícil por conta das mistificações, a gente vive no meio de

mistificação de religião e a gente acaba tendo dificuldade. Graças a

Deus eu não tenho dificuldade porque eu procuro tirar tudo de letra,

mas assim, se eu não fizesse tanto assim por viver bem eu teria “n”

problemas com a comunidade. São pessoas evangélicas, tem muita

gente evangélica por aqui, que na época, os mais antigos do tempo

de minha mãe não eram evangélicos, mas a segunda e terceiras

gerações são de religiões diferentes e isso traz pra gente uma certa

dificuldade. Mesmo assim eu ainda consigo quebrar um pouco

desse estigma... a gente aqui tem um trabalho social e faz palestras

[...] A gente também distribui cesta básica, então com isso a gente

acaba quebrando um pouco do estigma, e acaba tendo eles um

pouco. Mas a gente sente aquele pouco de críticas e a gente finge

que não entendeu. Teve um determinado episódio há uns 15 anos

atrás, eles falavam que o atabaque incomodava e convidaram para

fazer um abaixo-assinado mas eu nem sabia. Tem um rapaz que é

da polícia do choque e mora aqui bem próximo, a mãe dele mora aí,

aí ele me encontrou e disse “vizinha olhe, o pessoal de lá com frente

me chamou pra fazer um abaixo-assinado contra a senhora, que

disse que é negócio de Xangô, que esse negócio incomoda.”

Não, era tudo sítio.

O progresso avançou para o lado de cá

e isso ficou ruim pra gente. Também

trouxe a comunidade. Graças a Deus

eu não tenho dificuldade mas se eu

não fizesse tanto assim por viver bem

eu teria “n” problemas com a

comunidade. Tem muita gente

evangélica por aqui e isso traz pra

gente uma certa dificuldade. A gente

sente aquele pouco de críticas e finge

que não entendeu.

O entorno não era urbanizado e a

urbanização trouxe dificuldade.

A entrevistada afirma que “o progresso

avançou [...] e isso ficou ruim pra gente”

porque ela não tem mais espaço para plantar

ervas. Portanto, a urbanização trouxe

dificuldades pois diminuiu o espaço que ela

tinha disponível.

A entrevistada também aponta a chegada de

vizinhos como uma dificuldade decorrente da

urbanização, devido as mistificações que são

feitas em torno do candomblé, o que acaba lhe

trazendo dificuldade. Entretanto, ela consegue

contornar parcialmente essa situação, o que se

nota em duas de suas falas: “eu não tenho

dificuldade porque eu procuro tirar tudo de

letra, mas assim, se eu não fizesse tanto assim

por viver bem eu teria ‘n’ problemas com a

comunidade”; e mais adiante: “mas a gente

sente aquele pouco de críticas e a gente finge

que não entendeu”. Portanto, a entrevistada faz um esforço no

sentido de fingir não entender as críticas que

recebe em razão do que ela chama em um

momento de “mistificações” e em outro de

“estigma”, o que parece ser o que possibilita

uma convivência cordial, aliado ao trabalho

social desenvolvido pelo terreiro, como se vê

nessa fala: “a gente aqui tem um trabalho

social e faz palestras [...] A gente também

distribui cesta básica, então com isso a gente

acaba quebrando um pouco do estigma, e

acaba tendo eles um pouco.” Por outro lado, a grande quantidade de vizinhos

evangélicos parece estar na base dessa relação

tensa, o que se verifica na seguinte fala: “São

pessoas evangélicas, tem muita gente

evangélica por aqui, que na época, os mais

104

antigos do tempo de minha mãe não eram

evangélicos, mas a segunda e terceiras

gerações são de religiões diferentes e isso traz

pra gente uma certa dificuldade.”.

5. Oxóssi

Localização: Aracaju – Bairro Bugio III

Início das atividades: Por volta de

1980

Pergunta 11: Não; tinha as casas mas a rua ainda não tinha

planagem certa, ainda era barro mas isso não incomodou não.

Depois foi que evoluiu.

Pergunta 12: Ficou melhor agora. Porque todo começo é difícil e

depois a gente começa a evoluir, mas eu não tenho do que reclamar.

Não.

Ficou melhor agora. O entorno não era urbanizado mas a

urbanização não trouxe dificuldade.

A fala da entrevistada sinaliza que, para ela, a

urbanização está associada a evolução local, o

que é visto como algo positivo.

6. Ibejis Localização: Aracaju – Bairro Novo

Paraíso

Início das atividades: Por volta de

1996

Pergunta 11: Não; tinha uma estradinha de barro, cerquinhas de

macambira e um sítio que era do finado Mário Valois, não tinha

essas indústrias que nóis (sic) vê hoje, não tinha isso. Meu primeiro

casamento foi aqui nessa rua e eu já tenho uma filha com 52 anos,

a mais velha, e tive meus filhos todos aqui. Daqui eu só saio pra

minha última morada.

Pergunta 12: Trouxe o preconceito, só que eu não baixo a cabeça.

Senti muitas humilhações aqui de vizinhos que ligavam pra cá e

chamavam de “nêga safada, deixe de fazer macumba, vocês só

vivem de macumba”. Mas hoje isso acabou, essas pessoas que

faziam isso só vive um filho dela casado hoje. Foi muito preconceito

quando começaram a crescer a comunidade por aqui, hoje não. Mas

ainda tem pessoas que não dá um bom dia por causa da minha

religião. Quando eu dou minhas festas aqui eu sempre me preparo

porque muito vizinhos não aceitam o toque dos atabaques, muitos

reclamam. Então toda vez que eu vou fazer uma festa eu faço um

ofício pra o coronel ou comandante, quem for, aí ele já passa o rádio

e manda pra polícia comunitária, a polícia fica por aqui, fala comigo

como é que está, se está tudo bem, tal e tal. Hoje a gente é muito,

assim, discriminado entendeu? Aí eu já prego isso porque aí de

qualquer maneira eu tô coberta. Eu sou quase fundadora dessa rua

e quase ninguém me dá um bom dia por causa disso aqui, por causa

do candomblé.

Não; tinha uma estradinha de barro,

cerquinhas de macambira e um sítio.

Trouxe o preconceito.

O entorno não era urbanizado e a

urbanização trouxe dificuldade.

O preconceito é apontado pela entrevistada

como a dificuldade resultante da urbanização

como se vê na seguinte fala: “Senti muitas

humilhações aqui de vizinhos que ligavam pra

cá e chamavam de “nêga safada, deixe de fazer

macumba, vocês só vivem de macumba”. Entretanto, a priori ela relaciona esse

preconceito a um momento passado, já

superado, como se vê nessa fala: “Foi muito

preconceito quando começaram a crescer a

comunidade por aqui, hoje não”. Todavia,

complementando essa informação a própria

entrevistada sinaliza que não se trata de algo

superado, mas que o preconceito dos vizinhos

ainda persiste, veja-se: “Mas ainda tem pessoas

que não dá um bom dia por causa da minha

religião”; “Eu sou quase fundadora dessa rua e

quase ninguém me dá um bom dia por causa

disso aqui, por causa do candomblé.”

Outro ponto que merece destaque é a

preocupação da entrevistada em sempre

comunicar a autoridade policial sobre a

realização de suas festas religiosas, a fim de

evitar problemas com vizinhos (“Quando eu

dou minhas festas aqui eu sempre me preparo

porque muito vizinhos não aceitam o toque dos

atabaques, muitos reclamam. Então toda vez

que eu vou fazer uma festa eu faço um ofício

pra o coronel ou comandante [...]Aí eu já

prego isso porque aí de qualquer maneira eu tô

coberta”).

105

7. São Jorge

Localização: Aracaju – Bairro América

Início das atividades: 1901

Pergunta 11: Não; quando viemos para cá aqui só tinha a

penitenciária, não tinha água nem luz, nem igreja, nem mercado, era

tudo mato. A energia foi puxada da penitenciária até aqui. Não tinha

a Igreja São Judas Tadeu, tempos depois foi que começou a

construção. Então o Abaçá São Jorge tem uma relação muito boa

com a comunidade por conta desse tempo que tem aqui, as pessoas

que foram chegando já sabiam e por isso tem uma relação muito

boa da comunidade e o Abaçá São Jorge, graças a Deus!

Pergunta 12: Não; [...] Violência tá geral né?! Mas aqui faz até

ponto de táxi, toda vez que tem festa aqui o pessoal faz ponto de

táxi na porta. Com essa lei do silêncio a gente tenta não incomodar

muito, mas fora isso dá para se conviver com a comunidade e a

comunidade com o terreiro. Pra você ver, essa rua aqui era Equador

antigamente e botaram o nome Rua Mãe Nanã, o nome da minha

mãe, em homenagem a ela.

Não, quando viemos para cá aqui só

tinha a penitenciária. As pessoas que

foram chegando já sabiam e por isso

tem uma relação muito boa da

comunidade e o Abaçá São Jorge.

Com essa lei do silêncio a gente tenta

não incomodar muito, mas fora isso dá

para se conviver com a comunidade e

a comunidade com o terreiro.

O entorno não era urbanizado mas a

urbanização não trouxe dificuldade.

Três pontos na fala da entrevistada merecem

destaque:

1. “as pessoas que foram chegando já sabiam e

por isso tem uma relação muito boa da

comunidade e o Abaçá São Jorge”: a

precedência do terreiro na comunidade aparece

como justificativa da boa convivência;

2. “Violência tá geral né?! Mas aqui faz até

ponto de táxi”: apesar de a entrevistada

relacionar a violência com a urbanização, sua

fala indica que isso não lhe traz dificuldades;

3. “Com essa lei do silêncio a gente tenta não

incomodar muito, mas fora isso dá para se

conviver com a comunidade e a comunidade

com o terreiro”: o elemento sonoro aparece aqui

como uma dificuldade velada, pois quando a

entrevistada pontua que “tenta não incomodar

muito” extrai-se das entrelinhas uma afirmação

de que existe um incômodo sonoro, mas que se

tenta fazer mínimo. E quando na mesma fala a

entrevistada pontua que “fora isso dá para se

conviver com a comunidade”, infere-se que ela

está indicando esse incômodo sonoro como um

ponto de tensão com a comunidade, ainda que

mínimo. Assim, em que pese a convivência

entre terreiro e vizinhos seja classificada pela

entrevistada como muito boa, nota-se um ponto

de tensão (ainda que aparentemente mínimo)

relacionado à necessidade de adequação do

culto aos limites sonoros permitidos em áreas

urbanas, portanto, um desdobramento da

urbanização.

8. Sahara

Localização: Aracaju – Bairro Santa

Maria

Início das atividades: 1993

Pergunta 11: Não; aqui era um conjunto bem rústico que era

considerado de origem de mutirão, só tinha loteamentos e os

terrenos para as pessoas construírem [...]. Naquela época, a parte de

cima da mata, que é do Morro do Avião, era bem rústico e bem

fechado, acima do morro nós tínhamos uma extensão muito grande

de Mata Atlântica [...]. Hoje a especulação imobiliária além de ter

destruído grande parte da mata, acabou com algumas situações

rústicas da gente [...] Na época que eu vim pra cá aqui era um bairro

isolado de tudo, de pessoas muito humildes sem condições, pra você

Não; na época que eu vim pra cá aqui

era um bairro isolado de tudo.

Sim, de uma certa forma sim. Houve

toda uma mudança de paradigmas, de

costumes, de pessoas também que

vieram e que tinham preconceitos com

a religião, que se chateia com nossos

toques. Com a urbanização e o

crescimento do bairro houve um

O entorno não era urbanizado e a

urbanização trouxe dificuldade.

O entrevistado aponta o aumento do

preconceito como dificuldade trazida pela

urbanização, o que se vê na seguinte fala:

“houve toda uma mudança de paradigmas, de

costumes, de pessoas também que vieram e que

tinham preconceitos com a religião”.

106

ter uma ideia o ônibus saia de manhã, chegava meio dia, saia uma

hora e voltava cinco horas da tarde.

Pergunta 12: Sim, de uma certa forma sim. Porque assim, houve

toda uma mudança de paradigmas, de costumes, de pessoas também

que vieram e que tinham preconceitos com a religião, que se chateia

com nossos toques, apesar de que eu não tenho problemas até hoje

aqui em casa com vizinhos mas, infelizmente, com a urbanização e

o crescimento do bairro houve um aumento excessivo de igrejas

evangélicas e isso está nos causando alguns transtornos, porque as

vezes algum médium passa paramentado e eles tiram alguns tipos

de conversas preconceituosas que nos traz alguns danos. Com

relação aos vizinhos aqui na nossa casa não temos problemas

porque são vizinhos quase da mesma época que nós chegamos,

compreendem o nosso trabalho, são pessoas que participam das

atividades da casa, mas aos arredores da nossa rua existem outros

tipos de pessoas que chegaram, que aderiram ao culto evangélico e

que se tornou pra gente um problema. A casa não interfere, a gente

procura ter um nível de amizade com todo mundo, mas a gente sente

que existem alguns problemas. Exemplo: nosso morro, hoje em dia,

está servindo de palco pra eles fazerem culto lá em cima. Desde que

nós viemos para cá sempre nós utilizamos o nosso morro como

subsídio de forma religiosa para nós e hoje nós temos que procurar

nos policiarmos porque as vezes a gente vai adentrar pra colher uma

erva aí a gente serve de chacota, “tá arriando macumba, tá fazendo

macumba, tá amarrado em nome do Senhor!”, essas coisas. Então

são coisas que de uma certa forma prejudica nossa liturgia porque a

gente termina perdendo a concentração da colheita das ervas para

as nossas infusões em favor da nossa defesa, não no sentido de que

a gente vá responde-los, mas termina tirando uma certa

concentração da gente. Então, é uma forma de invasão? É, porque

invadiram um sagrado que a gente tinha natural [...]. Mas pra eles,

eles acham que é uma afronta, mas antes deles adentrarem a

subirem, descobrirem o momento de paz que existe dentro do Morro

do Avião, a nossa casa já utilizava. Pra você ter uma ideia, até toque

pra caboclo nós já fizemos dentro dessa mata, hoje nós não fazemos

mais. Então houve uma perda de espaço sim!

aumento excessivo de igrejas

evangélicas e isso está nos causando

alguns transtornos. Existem outros

tipos de pessoas que chegaram, que

aderiram ao culto evangélico e que se

tornou pra gente um problema.

Com a urbanização também houve um aumento

de igrejas evangélicas na comunidade, o que é

apontado pelo entrevistado como causa de

transtornos exemplificados nas seguintes falas:

“as vezes algum médium passa paramentado e

eles tiram alguns tipos de conversas

preconceituosas que nos traz alguns danos”;

“aos arredores da nossa rua existem outros

tipos de pessoas que chegaram, que aderiram

ao culto evangélico e que se tornou pra gente

um problema”; “Desde que nós viemos para cá

sempre nós utilizamos o nosso morro como

subsídio de forma religiosa para nós e hoje nós

temos que procurar nos policiarmos porque as

vezes a gente vai adentrar pra colher uma erva

aí a gente serve de chacota, “tá arriando

macumba, tá fazendo macumba, tá amarrado

em nome do Senhor!”, essas coisas”.

A perda de espaço no Morro do Avião (ao qual

o entrevistado se refere como “nosso morro”),

também é apontada como um

desdobramento do crescimento da

comunidade evangélica no bairro, como se vê

nessa fala: “invadiram um sagrado que a gente

tinha natural [...]. Mas pra eles, eles acham que

é uma afronta, mas antes deles adentrarem a

subirem, descobrirem o momento de paz que

existe dentro do Morro do Avião, a nossa casa

já utilizava. Pra você ter uma ideia, até toque

pra caboclo nós já fizemos dentro dessa mata,

hoje nós não fazemos mais. Então houve uma

perda de espaço sim!”.

O incômodo de vizinhos com os toques dos

atabaques também é um problema decorrente do

crescimento da comunidade, denunciado nessa

fala “pessoas também que vieram e que tinham

preconceitos com a religião, que se chateia

com nossos toques”.

9. Santo Antonio Localização: Povoado São Brás –

Nossa Senhora do Socorro

Início das atividades: Entre 1985 e

1987

Pergunta 11: Não; esses vizinhos já tinha mas eu sou o mais velho

aqui do que esses vizinhos. Tinha umas casinhas aqui com frente,

com fundo pra maré, e que foi crescendo, foi rendendo, foi fazendo

casa. Isso aqui tudo era viveiro, salina, bem por aqui mesmo. Mas

Não; esses vizinhos já tinha mas eu

sou o mais velho aqui do que esses

vizinhos. Eu vivo aqui sem problema,

problema meu aqui é a minha doença,

só! O resto tá tudo bem!

O entorno não era urbanizado mas a

urbanização não trouxe dificuldade.

Apesar do saudosismo marcante na fala do

entrevistado, que se refere de forma recorrente a

“antigamente” como se fosse um tempo melhor

107

o povo foi aterrando, foi fazendo e hoje tá esse lugar grande, mas

não era não.

Pergunta 12: Não; a dificuldade hoje é que o tempo não tá que nem

era antigamente. O povo de antigamente era mais pacato e hoje todo

mundo é sabido, todo mundo quer fazer as coisas, as vezes sem

condições mas quer meter a cara, e antigamente não era assim.

Antigamente pobre era pobre, rico era rico e hoje não é mais assim.

Se sair na rua você não sabe quem é rico e quem é pobre. E

antigamente a pessoa tinha prazer em dizer “eu sou pobre” e hoje

não. Hoje quando a gente se arruma pra ir pra festa ninguém sabe

quem é o rico nem quem é o pobre. Eu vivo aqui sem problema,

problema meu aqui é a minha doença, só! O resto tá tudo bem!

do que é hoje, a urbanização não é apontada

como um problema.

10. Xangô

Localização: São Cristóvão – Bairro

Eduardo Gomes

Início das atividades: 1951

Pergunta 11: Não; Quando o terreiro foi fundado aqui era um lugar

ainda sem habitação, não tinha muitos vizinhos, tinha um sítio na

frente, outro sítio do lado, atrás uns terrenos baldios e o G. Barbosa,

que é uma coisa que sempre teve, mas não tinha vizinhos.

Pergunta 12: Sim, com essa urbanização cresceu bastante, então

hoje a gente não está cercado de tudo aquilo que a gente precisava

não. Junto com a quantidade de gente vem a quantidade de opiniões

e aumenta a quantidade de preconceito ou de não conhecimento do

que é o candomblé. Então alguns vizinhos ficam dizendo que nós

somos coisa do demônio, quando na verdade o demônio não faz

parte de nada nosso. Outros vizinhos são de outras religiões e

acabam se incomodando com o barulho dos nossos atabaques, e aí

acaba incomodando o vizinho novamente. Mas aí fim de semana o

som deles pode extrapolar todos os decibéis do mundo que não

atrapalha. Então assim, com a quantidade de gente vem o aumento

da intolerância, é sempre assim. O ser humano é sempre um sistema

complexo de você compreender. A pessoa chegou e já existia aquele

candomblé ali mas cada um se sente sempre muito dono, muito

dentro da razão. E a falta de conhecimento do que é o candomblé

faz as pessoas também quererem acabar.

Não, quando o terreiro foi fundado

aqui era um lugar ainda sem

habitação.

Com essa urbanização hoje a gente

não está cercado de tudo aquilo que a

gente precisava. Junto com a

quantidade de gente aumenta a

quantidade de preconceito. Outros

vizinhos são de outras religiões e

acabam se incomodando com o

barulho dos nossos atabaques.

O entorno não era urbanizado e a

urbanização trouxe dificuldade.

Três aspectos se destacam na fala do

entrevistado como dificuldades decorrentes da

urbanização:

1. “com essa urbanização cresceu bastante,

então hoje a gente não está cercado de tudo

aquilo que a gente precisava”: devido ao

crescimento da comunidade no entorno do

terreiro as áreas verdes inicialmente

predominantes deixaram de existir, o que

impactou negativamente na oferta de

ervas/plantas que o terreiro tinha em suas

proximidades.

2. “com a quantidade de gente vem o aumento

da intolerância”: A intolerância religiosa é

apontada como dificuldade resultante da

urbanização, ou seja, desdobramento negativo

do crescimento da vizinhança no entorno do

terreiro como se extrai da seguinte fala: “alguns

vizinhos ficam dizendo que nós somos coisa do

demônio”.

3. “Outros vizinhos são de outras religiões e

acabam se incomodando com o barulho dos

nossos atabaques”: a necessidade de adequação

do culto aos limites sonoros permitidos em áreas

urbanas, para não perturbar o sossego dos

vizinhos, é apontada como uma dificuldade

decorrente da urbanização. Em contrapartida, o

entrevistado denuncia que a recíproca não é

verdadeira, pois “fim de semana o som deles

108

pode extrapolar todos os decibéis do mundo

que não atrapalha”, o que denota uma

desigualdade no tratamento dispensado.

Ademais, nesse caso a precedência do terreiro

no local não aparece como elemento

apaziguador, pois segundo o entrevistado “A

pessoa chegou e já existia aquele candomblé

ali mas cada um se sente sempre muito dono,

muito dentro da razão”.

11. Odé Localização: Povoado Jardim Piabeta,

Nossa Senhora do Socorro

Início das atividades: 1993

Pergunta 11: Não, houve muita modificação. Quando eu cheguei

aqui para construir o terreiro, porque esse terreiro aqui foi

construído ao longo do tempo, eram pouquíssimas casas, ninguém

queria vim morar aqui, quando chovia alagava, não entrava carro,

só existia uma avenida principal que era essa que você veio, o

acesso aqui interno era para arregaçar a calça porque se atolava

quando chovia, esse tipo de coisa. [...]

Pergunta 12: Não, eu tenho a política da boa vizinhança e sou

amigo de todo mundo aqui, os evangélicos falam comigo sem

problemas. Eu tenho uma rotina de toques de atabaques para não

incomodar a vizinhança, isso desde 1993 que eu nunca toquei de

madrugada. Os meus candomblés eles começam quatro da tarde e

vão até sete e meia/oito horas da noite, justamente para não

incomodar nem a quem quer assistir o jornal nacional. Foi uma

determinação minha porque eu sei que é um povoado e que as

pessoas tem o costume de se recolherem cedo para dormir, a maioria

da comunidade são de pedreiros que trabalham o dia inteiro que se

cansam, esse tipo de coisa. Então eu já me vi dentro da ética de não

perturbar porque eu acho que o maior conflito das pessoas de um

modo geral do candomblé é conflitar, bater de frente com a questão

de horário. E a questão do culto aos Orixás não existe determinação

de horário, existe determinação de boa vontade, então não convém

você incomodar o vizinho com o toque, a mesma coisa que você

colocar um arrocha, um paredão e incomodar o seu vizinho. Então

tem que ter uma moderação e eles me elogiam aqui por isso e tem

vários candomblés aqui na Piabeta que eles não respeitam, eles

começam uma festa nove e meia/dez horas da noite e amanhecem o

dia. Então aquele vizinho ali que não é obrigado a ser da mesma

religião ele quer dormir, ele quer assistir a televisão dele ou ele quer

estudar e, de repente, aquele toque atrapalha.

Não, houve muita modificação.

Eu tenho a política da boa vizinhança

e sou amigo de todo mundo aqui. Eu

tenho uma rotina de toques de

atabaques para não incomodar a

vizinhança.

O entorno não era urbanizado mas a

urbanização não trouxe dificuldade.

O entrevistado informa que mantém um bom

relacionamento com toda vizinhança, inclusive

com os evangélicos. Infere-se da fala do

entrevistado que sua política de boa

vizinhança tem por base uma rotina de cultos

cujos toques de atabaques não ultrapassam

as oito horas da noite, justamente para evitar o

que ele acredita ser o principal ponto de conflito

entre os terreiros e a vizinhança, como se vê

nessa fala: “eu acho que o maior conflito das

pessoas de um modo geral do candomblé é

conflitar, bater de frente com a questão de

horário”, e mais adiante: “aquele vizinho ali

que não é obrigado a ser da mesma religião ele

quer dormir, ele quer assistir a televisão dele

ou ele quer estudar e, de repente, aquele toque

atrapalha”.

Vê-se, portanto, que apesar de responder que a

urbanização não trouxe dificuldades, o

crescimento da comunidade no entorno do

terreiro demandou adaptações a fim de

possibilitar o “bem viver” com os vizinhos.

12. Conceição Localização: Povoado Guajará, Nossa

Senhora do Socorro

Início das atividades: Década de 1960

Pergunta 11: Não, era mato. Não tinha energia elétrica, era no

candeeiro, logo depois ele [se referindo ao pai] colocou lampião de

gás. Tinha uns três a quatro senhores com ele que compraram

terreno por perto, e quando um saía lá de baixo do Guajará [...] aí

O entorno não era urbanizado e a

urbanização trouxe dificuldade.

109

um vinha de candeeiro aí ele lá de cima, como o terreiro tem uma

parte alta, via aquela luzinha vindo pela estrada. Aí quando Sr.

Sergipe, como era conhecido ele, dizia “Seu Oliveira...” - o nome

do meu pai – “Tô chegando!”, aí ele de cá [se referindo ao pai]

botava o candeeiro na porta aí respondia “Pode vim meu amigo,

pode chegar!”, ele descia para pegar Sr. Sergipe lá na porteira, lá

embaixo, e vinham ficavam até certas horas conversando, depois se

despedia e ia embora. E não era tão perigoso quanto é hoje, ele vinha

no meio do mato com aquela luzinha até chegar lá.

Pergunta 12: Trouxe; uma delas foi a colocação da lixeira lá atrás

na Palestina, que eu acho que foi o que deu vazão a vinda das

pessoas de lá para cá, pelo lado do mato, porque era tudo mata.

Então eu acho que as pessoas que vieram para essa lixeira foram os

primeiros a se assenhorar, a entrar, a roubar fio para tirar cobre [...].

Chegou a violência, o roubo, infelizmente a perseguição por esse

lado chegou. Lá era sítio, a gente era isolado de tudo não tinha

vizinho não tinha nada, os vizinhos que tinham eram poucos e até

conviviam dentro do terreiro. Os vizinhos antigos criaram seus

filhos lá dentro do terreiro, nós ajudamos muitas mães, foi por isso

que a creche nasceu lá no terreiro. Agora hoje eu me preocupo,

porque tá chegando mais vizinhos, mais casas, já fizeram “minha

casa minha vida”, e isso está me preocupando. Por que você sabe

que quando o terreiro está só e chegou naquela localidade não está

atrapalhando ninguém né?! Foi chegando um ali, outro aqui, outro

aculá. Mas quando a população já vai chegando pra o entorno do

terreiro geralmente tem aqueles que se incomodam, não sabem a

história do terreiro e se incomodam né?! Aí tem os toques de

atabaques, tem as obrigações então geralmente as pessoas se

incomodam. Mas o convívio com os vizinhos antigos sempre foi

harmonioso. Principalmente nas obrigações do caruru, em

setembro, vinha gente que eu nunca vi na vida, gente a cavalo, de

bicicleta, a pé, enchia mesmo em torno do terreiro e dentro do

espaço.

Dois aspectos se destacam na fala do

entrevistado como dificuldades decorrentes da

urbanização:

1. Violência, que a entrevistada aponta como

resultado da colocação de uma lixeira nas

proximidades;

2. Aumento de vizinhos que se incomodam

com os toques dos atabaques, do que decorre a

necessidade de adequação do culto para não

perturbar o sossego desses vizinhos;

13. Ogum Localização: Aracaju – Bairro

Jabotiana

Início das atividades: 2010

Pergunta 11: Sim;

Pergunta 12: pergunta prejudicada devido a resposta anterior.

Sim. A região já era urbanizada quando da

inauguração do terreiro.

Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir das informações verbais fornecidas pelos entrevistados.

110

A partir da análise dos dados apresentados na Tabela 4 chegamos a algumas conclusões:

1. Encontramos na Grande Aracaju uma reprodução do padrão de ocupação

sedimentado desde o século XIX, qual seja, os terreiros se estabelecem inicialmente

em regiões mais periféricas, fora do perímetro urbano;

2. As principais dificuldades que os terreiros enfrentam em decorrência da urbanização

são os problemas com vizinhos, a perda de espaço no entorno e a violência;

3. Como um efeito espelho, se por um lado os problemas com vizinhos aparecem como

principal dificuldade decorrente da urbanização, o bom relacionamento com estes é

apontado como principal motivo para a ausência de dificuldades.

Como se vê, dentre os 13 (treze) terreiros pesquisados 11 (onze) se estabeleceram em

regiões que estavam fora do perímetro urbano da Grande Aracaju, em áreas que

inicialmente apresentavam baixo índice populacional, seguindo o padrão de ocupação que se

estabeleceu desde o século XIX pelos motivos que já elucidamos neste capítulo (políticas

higienistas + modestas condições financeiras + fuga da forte perseguição ao culto). Vale

destacar que todos esses terreiros possuem, no mínimo, 20 (vinte) anos de atividades.

Somente 2 (dois) terreiros, justamente os mais novos dentre os pesquisados (ambos

inaugurados em 2010), se instalaram em regiões já urbanizadas desde a inauguração. Portanto,

a ocupação populacional e a configuração urbana da cidade quando esses dois terreiros foram

inaugurados era muito diferente do cenário existente quando, por exemplo, o terceiro terreiro

mais novo foi inaugurado em 1996, e quando da inauguração do terreiro mais antigo, em 1901.

Entretanto, em função do grande crescimento populacional e avanço das cidades em

direção às regiões mais periféricas, fenômeno citado por Barros (2011) e Rêgo (2006), esses 11

(onze) terreiros hoje já foram engolidos pelo perímetro urbano da Grande Aracaju.

Mesmo os entrevistados que ainda se encontram em zonas tidas como rurais citaram essa

modificação ocorrida na região de entorno. E como consequência dessa reconfiguração os

terreiros passaram a enfrentar algumas dificuldades em suas ritualísticas internas, sendo os

problemas com vizinhos, a perda de espaço no entorno e a violência as principais.

Dentre os 13 (treze) entrevistados 6 (seis) relataram ter algum tipo (ou mais de um)

de problema com vizinhos, o que aparece como desdobramento do crescimento

populacional nas proximidades do terreiro. Dentre esses “problemas com vizinhos” foram

listadas as seguintes situações: 1. Reclamações de perturbação do sossego (5 entrevistados);

2. Aumento do preconceito (4 entrevistados); 3. Tensão com a população adepta de

111

segmentos evangélicos (2 entrevistados). Dos 6 (seis) entrevistados que apontaram

dificuldades com vizinhos 4 (quatro) relataram mais de um tipo de problema dentre os listados

acima, o que sinaliza um entrelaçamento.

O preconceito, por exemplo, aparece como um elemento que interfere nas reclamações

por perturbação do sossego, pois quando a aludida perturbação parte de outras fontes (que não

o terreiro) parece não gerar incômodo, o que denota uma desigualdade no tratamento. É o que

denunciam as seguintes falas:

[...] Outros vizinhos são de outras religiões e acabam se incomodando com o barulho

dos nossos atabaques, e aí acaba incomodando o vizinho novamente. Mas aí fim de

semana o som deles pode extrapolar todos os decibéis do mundo que não atrapalha.

Então assim, com a quantidade de gente vem o aumento da intolerância, é sempre

assim [...]. (XANGÔ, 2016, informação verbal131).

[...] Mas a gente sente aquele pouco de críticas e a gente finge que não entendeu. Teve

um determinado episódio há uns 15 anos atrás, eles [os vizinhos] falavam que o

atabaque incomodava e convidaram para fazer um abaixo-assinado mas eu nem sabia.

Tem um rapaz que é da polícia do choque e mora aqui bem próximo, a mãe dele mora

aí, aí ele me encontrou e disse “vizinha olhe, o pessoal de lá com frente me chamou

para fazer um abaixo-assinado contra a senhora, que disse que é negócio de Xangô,

que esse negócio incomoda.” (OYÁ, 2016, informação verbal132).

[...] Quando eu dou minhas festas aqui eu sempre me preparo porque muito vizinhos

não aceitam o toque dos atabaques, muitos reclamam. Então, toda vez que eu vou

fazer uma festa eu faço um ofício para o coronel ou comandante, quem for, aí ele já

passa o rádio e manda para polícia comunitária, a polícia fica por aqui, fala comigo

como é que está, se está tudo bem, tal e tal. Hoje a gente é muito, assim, discriminado

entendeu? Aí eu já prego isso porque aí de qualquer maneira eu tô coberta. Eu sou

quase fundadora dessa rua e quase ninguém me dá um bom dia por causa disso aqui,

por causa do candomblé. (IBEJIS, 2016, informação verbal133).

[...] Porque assim, houve toda uma mudança de paradigmas, de costumes, de pessoas

também que vieram e que tinham preconceitos com a religião, que se chateia com

nossos toques [...] (SAHARA, 2016, informação verbal134).

Neste sentido, a necessidade de adequação do culto aos limites sonoros permitidos

em áreas urbanas, para não perturbar o sossego dos vizinhos, é apontada como uma dificuldade

decorrente da urbanização. Vejamos mais algumas falas: “[...] Com essa lei do silêncio a

gente tenta não incomodar muito, mas fora isso dá para se conviver com a comunidade e a

131 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 132 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 133 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.). 134 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.).

112

comunidade com o terreiro” (SÃO JORGE, 2016, informação verbal135); “[...]quando a

população já vai chegando pra o entorno do terreiro geralmente tem aqueles que se incomodam

[...]Aí tem os toques de atabaques, tem as obrigações então geralmente as pessoas se

incomodam” (CONCEIÇÃO, 2016, informação verbal136).

Por sua vez, o aumento do preconceito que advém do crescimento da vizinhança no

entorno do terreiro também está imbricado nessa relação, como se extrai das seguintes falas

exemplificativas: “[...]com a quantidade de gente vem o aumento da intolerância [...]alguns

vizinhos ficam dizendo que nós somos coisa do demônio” (XANGÔ, 2016, informação

verbal137); “Senti muitas humilhações aqui de vizinhos que ligavam pra cá e chamavam de

“nêga safada, deixe de fazer macumba, vocês só vivem de macumba” (IBEJIS, 2016,

informação verbal138).

Como se viu na análise da pergunta n. 7, a partir da Tabela 1, aqui também se depreende

uma forte consciência dos entrevistados quanto aos “incômodos” causados pela presença de

terreiros em áreas urbanas, o que vem desde o pós-abolição, período em que, para sobreviver,

os terreiros precisaram se tornar “invisíveis” em razão da perseguição sofrida e das políticas

higienistas, que desembocaram na segregação do território urbano e no consequente

deslocamento dos terreiros para áreas cada vez mais afastadas dos centros urbanos.

Todavia, conforme já abordamos, essas áreas foram, gradativamente, sendo alcançadas

pelo fenômeno de expansão das cidades, provocando essa relação em que terreiros e vizinhos

estão sob constante tensão. Hoje, mesmo as regiões mais afastadas dos perímetros urbanos, em

sua maioria, já foram alcançadas pelo crescimento populacional o que tem trazido impactos

negativos para os terreiros em razão das dificuldades de convivência de uma forma geral.

Mas se de um lado esses vizinhos reclamam principalmente do incômodo sonoro, do

outro os terreiros também se sentem sufocados e tolhidos especialmente quanto à sua liberdade

de culto. Neste sentido, é possível afirmar que o processo de urbanização restringe a

liberdade de culto das religiões de matrizes africanas (OLIVEIRA; OLIVEIRA;

BARTHOLO JR., 2010).

135 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 136 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz

de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.). 137 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 138 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.).

113

A perda de espaço no entorno dos terreiros é outra dificuldade apontada por 3 (três)

entrevistados como desdobramento da urbanização. Devido ao crescimento da comunidade nas

proximidades dos terreiros as áreas verdes inicialmente predominantes deixaram de existir, o

que impactou negativamente na oferta de ervas/plantas no entorno. Isso aparece nas seguintes

falas: “O progresso avançou para o lado de cá então foram fazendo, desmatando, construindo e

isso ficou ruim pra gente, então a casa é própria mas eu não sou dona da casa do vizinho,

entendeu?” (OYÁ, 2016, informação verbal139); “com essa urbanização cresceu bastante, então

hoje a gente não está cercado de tudo aquilo que a gente precisava” (XANGÔ, 2016, informação

verbal140).

Portanto, considerando que muitas vezes essas áreas verdes remanescentes no entorno

dos terreiros funcionam como fonte externa de espécies vegetais importantes para as liturgias,

cumprindo o importante papel de espaço “mato” externo, conforme analisamos na Tabela 3

(perguntas 9 e 10), temos que a urbanização é percebida como um elemento que impacta

negativamente na preservação desses ambientes.

O crescimento da população adepta de segmentos evangélicos na comunidade é mais

um ponto que se entrelaça com perda de espaço no entorno, do que decorre uma relação de

tensão com o terreiro. A perda de espaço no Morro do Avião (situado no bairro Santa Maria) é

apontada por um dos entrevistados como um desdobramento do crescimento da comunidade

evangélica no bairro, como se vê nessa fala:

[...] aos arredores da nossa rua existem outros tipos de pessoas que chegaram, que

aderiram ao culto evangélico e que se tornou pra gente um problema. A casa não

interfere, a gente procura ter um nível de amizade com todo mundo, mas a gente sente

que existem alguns problemas. Exemplo: nosso morro hoje em dia está servindo de

palco pra eles fazerem culto lá em cima. Desde que nós viemos para cá sempre nós

utilizamos o nosso morro como subsídio de forma religiosa para nós e hoje nós temos

que procurar nos policiarmos porque as vezes a gente vai adentrar pra colher uma erva

aí a gente serve de chacota, “tá arriando macumba, tá fazendo macumba, tá amarrado

em nome do Senhor!”, essas coisas. Então são coisas que de uma certa forma prejudica

nossa liturgia porque a gente termina perdendo a concentração da colheita das ervas

para as nossas infusões em favor da nossa defesa, não no sentido de que a gente vá

responde-los, mas termina tirando uma certa concentração da gente. Então, é uma

forma de invasão? É, porque invadiram um sagrado que a gente tinha natural [...]. Mas

pra eles, eles acham que é uma afronta, mas antes deles adentrarem a subirem,

descobrirem o momento de paz que existe dentro do Morro do Avião, a nossa casa já

utilizava. Pra você ter uma ideia, até toque pra caboclo nós já fizemos dentro dessa

139 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 140 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.).

114

mata, hoje nós não fazemos mais. Então houve uma perda de espaço sim! (SAHARA,

2016, informação verbal141).

A relação de tensão decorrente do aumento da população adepta de religiões evangélicas

na comunidade também aparece em outras falas: “[...]tem muito crente e dá muito combate [...]

Eles têm preconceito, não chamam nem pelo meu nome é “ói a nêga macumbeira!” (IBEJIS,

2016, informação verbal142); “[...]tem muita gente evangélica por aqui, que na época, os mais

antigos do tempo de minha mãe não eram evangélicos, mas a segunda e terceiras gerações são

de religiões diferentes e isso traz pra gente uma certa dificuldade” (OYÁ, 2016, informação

verbal143).

Portanto, enquanto a Tabela 1 (que analisou as respostas da pergunta n. 7) demonstra

que o crescimento da presença evangélica nas proximidades dos terreiros aparece como fator

de insatisfação com o local onde o terreiro se encontra, a Tabela 4 corrobora esse resultado

demonstrando que esse crescimento evangélico também aparece como dificuldade

decorrente da urbanização, do que decorre uma relação tensa que é vista como uma ameaça

ou como elemento não favorável ao terreiro.

O aumento da violência também é uma dificuldade decorrente da urbanização apontada

por 2 (duas) entrevistadas: “[...]E assim, antes quando era mais deserto, que as pessoas tinham

mais medo a gente ficava na rua até duas, três horas da manhã conversando, os vizinhos olhando

a lua e hoje a gente não tem muita segurança pra ficar, porque veio muita gente pra cá [...]”

(BAGAN, 2016, informação verbal144); [...]Chegou a violência, o roubo, infelizmente a

perseguição por esse lado chegou.” (CONCEIÇÃO, 2016, informação verbal145).

Das respostas obtidas é perceptível que o crescimento urbano nas proximidades dos

terreiros demandou destes uma série de adaptações a fim de possibilitar a convivência com

vizinhos. É o que se viu em falas trazidas na Tabela 1, relativas a pergunta n. 7, e que também

se repetiram nas seguintes respostas da pergunta 12: “[...]Com essa lei do silêncio a gente tenta

não incomodar muito, mas fora isso dá para se conviver com a comunidade e a comunidade

141 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.). 142 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.). 143 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 144 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 145 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz

de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.).

115

com o terreiro [...]” (SÃO JORGE, 2016, informação verbal146); “[...]Eu tenho uma rotina de

toques de atabaques para não incomodar a vizinhança[...]porque eu sei que é um povoado e que

as pessoas tem o costume de se recolherem cedo para dormir[...]” (ODÉ, 2016, informação

verbal147).

Assim, infere-se a partir das falas que houve uma necessidade de adequação do culto

aos limites sonoros permitidos em áreas urbanas, a fim de possibilitar o “bem viver” com os

vizinhos, o que é um desdobramento da urbanização. Esse aspecto também ficou muito evidente

quando analisamos a pergunta n. 7, cujas respostas estão na Tabela 1.

Como vimos, muitos entrevistados relataram problemas com vizinhos ao ponto de o

convívio com a vizinhança ser apontado como a principal dificuldade decorrente da

urbanização. Entretanto, o bom relacionamento também é apontado como principal motivo

para a ausência de dificuldades, como se vê nessas falas: “Não trouxe dificuldade, porque o

ambiente e a boa convivência quem faz somos nós. Quem chegou já me encontrou. Por

exemplo, essa família aqui toda evangélica, o chefe de família lá é meu amigo[...] (OXUM,

2016, informação verbal148); “[...]o Abaçá tem uma relação muito boa com a comunidade por

conta desse tempo que tem aqui, as pessoas que foram chegando já sabiam e por isso tem uma

relação muito boa da comunidade e o Abaçá, graças a Deus!” (SÃO JORGE, 2016, informação

verbal149); “[...]eu tenho a política da boa vizinhança e sou amigo de todo mundo aqui, os

evangélicos falam comigo sem problemas. Eu tenho uma rotina de toques de atabaques para

não incomodar a vizinhança[...]” (ODÉ, 2016, informação verbal150).

Neste sentido, como também foi apontado nas respostas da pergunta n. 7 (ver análise da

Tabela 1), se infere que existe uma espécie de acordo de boa convivência que interfere na

“aceitação” do terreiro no local. E esse acordo tem em sua base o cumprimento de horários

para encerramento das atividades religiosas semanais. Em outras palavras, foram feitas

adaptações nas rotinas dos terreiros a fim de tornar possível a relação com a vizinhança, que

se tornou mais intensa em decorrência da expansão do processo de crescimento urbano.

146 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 147 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.). 148 Entrevista concedida por OXUM. Entrevista 3. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:27 min.). 149 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 150 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.).

116

Neste capítulo foram analisadas e discutidas as respostas fornecidas pelos entrevistados

às perguntas do bloco IV, com o intuito de responder o primeiro objetivo específico deste

trabalho, que consiste em identificar se tem ocorrido um “estrangulamento” dos terreiros

da Grande Aracaju, em decorrência da urbanização, a ponto de comprometer a presença

e conservação dos “espaços mato”.

Os dados colhidos demonstraram que nos terreiros pesquisados inexiste espaço

“mato” interno nos moldes descritos pela literatura. O que encontramos foram: espaços

cultivados (4 terreiros); misto entre espaço mato e espaço cultivado (1 terreiro); espaços

cultivados adaptados (3 terreiros); espaços cultivados externos (2 terreiros); espaço mato

externo (5 terreiros).

Como resultados do primeiro objetivo específico chegamos às seguintes conclusões:

1. Dentre os terreiros investigados predominam as seguintes características: se

instalaram em áreas originalmente não urbanizadas; mas já “nasceram” com

espaço interno reduzido e sem espaço “mato” (nos moldes descritos pela

literatura);

2. A inexistência de espaço “mato” nos moldes descritos pela literatura é apontada

como consequência do espaço interno reduzido que predomina nos terreiros

investigados;

3. A urbanização não provocou um estrangulamento nos espaços internos dos

terreiros investigados;

4. O impacto da urbanização é sentido especialmente na perda das áreas verdes

remanescentes no entorno dos terreiros, que cumprem o papel de espaço

“mato” externo;

5. A perda das áreas verdes nos arredores dos terreiros em decorrência da

urbanização, aliado ao espaço interno reduzido, demandam uma série de

adaptações dos terreiros e constituem as principais causas de insatisfação com o

local onde se encontram;

6. Os problemas com vizinhos constituem a principal dificuldade decorrente da

urbanização.

117

CAPÍTULO III

3 TERRITÓRIOS EXTERNOS: TERRITÓRIOS DE AXÉ!

Uma estrada aberta, o vento batendo e mato do lado é a

morada de Ogum, pode parar ali que Ogum vai lhe ouvir.

Quando você passa pra dentro do mato é morada de

Ossain e de Oxóssi, eles vão te ouvir. O vento batendo

em você é Iansã fazendo fluir qualquer coisa de bom e

tirando tudo de negativo. Então tudo que tiver natureza

tem Orixá. Orixá é natureza! (XANGÔ, 2016,

informação verbal151).

Como se viu, a relação de integração entre homem-natureza-sagrado não se dá apenas

dentro do espaço do terreiro, mas extrapola os seus limites internos alcançando espaços outros

que, por apresentarem certas condições especiais, também são sacralizados. É o que Bastide

(2001, p. 82) aponta quando cita os cultos de Iemanjá e Oxum em Salvador, nos quais os fiéis

entregam oferendas nas praias e rios, entretanto, o autor alerta que “[...] não é qualquer ponto

da praia que pode ser utilizado para essas manifestações; há lugares privilegiados, como o

Dique, Montserrat, a praia do Rio Vermelho, etc.”.

Vê-se, pois, que no culto às suas divindades a comunidade afrorreligiosa recorre a

espaços naturais impregnados de certas condições especiais que fazem deles sagrados. Esses

espaços152, aos olhos da comunidade religiosa, vão muito além de locais para o simples lazer

ou para fugir da rotina estressante dos afazeres diários, constituem verdadeiros sítios naturais

sagrados:

[...] um sítio natural sagrado pode ser um sítio com significado espiritual ou simbólico,

e pode ser utilizado com fins religiosos, ou com objetivos contemplativos,

comemorativos ou de meditação, que os separam dos outros espaços que não tem valor

metafísico. (SCHAFF, 2001, apud CORRÊA et. al., 2013, p. 10).

Rios, montanhas, rochas, praias, cachoeiras, matas, ou qualquer outro espaço natural

que, na visão de mundo de uma determinada comunidade religiosa, étnica ou tradicional,

possuem significados especiais atribuídos por este grupo, podem ser considerados sítios

151 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 152 Segundo conceito de Milton Santos (1997, p. 51) o espaço “é formado por um conjunto indissociável, solidário

e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como um

quadro único no qual a história se dá.” Por sua vez, o espaço, de acordo com Sodré (2002) se traduz como o

resultado da morada, que não se define como um mero efeito de fazer comunitário, mas como algo que indica a

própria identidade do grupo, e o que dá identidade ao grupo são as marcas que ele imprime na terra, nas árvores,

nos rios. Tudo isso concorre para fixar o ordenamento simbólico da comunidade.

118

naturais sagrados. Portanto, um ambiente natural é considerado sagrado quando constitui um

lugar venerado e reservado para as expressões culturais (inclusive religiosas) de comunidades

locais tradicionais (FERNANDES-PINTO; IRVING, 2015).

Para os fiéis das religiões afro-brasileiras suas divindades estão presentes nas praias, nas

matas, rios, cachoeiras, etc., o que confere a esses espaços a qualidade de sagrados. Na lição de

Rosendahl (1996, p. 64) “[...] para o homem religioso a natureza não é exclusivamente natural,

está sempre carregada de um valor sagrado”.

Em razão da utilização reiterada desses ambientes sagrados pelos religiosos ocorre uma

“apropriação” simbólica, de tal modo que esses espaços se tornam verdadeiros territórios para

essa comunidade, pois se apresentam como fruto da apropriação (afetiva ou efetiva) do espaço

a partir de uma identidade social (RÊGO, 2006; ROSENDAHL, 1996).

Para Diegues e Arruda (2000, p. 24) o território constitui espaço de reprodução das

relações econômicas e sociais, além de “locus das representações e do imaginário mitológico

das sociedades”. Para Haesbaert (2004), território tem a ver com poder, não apenas na

tradicional acepção de dominação, mas também o poder no sentido de apropriação cultural-

simbólica.

A territorialidade, por sua vez, constitui um sentimento de pertencimento da

comunidade com o território que perpassa pela construção da identidade social e é edificada

internamente pelo grupo em uma relação espaço/tempo (HAESBAERT, 2004). Ela está

relacionada à forma como as pessoas utilizam e significam o espaço. Segundo Sodré (2002, p.

14) a territorialidade se define “[...] como força de apropriação exclusiva do espaço (resultante

de um ordenamento simbólico) capaz de engendrar regimes de relacionamentos, relações de

proximidade e distância”.

Portanto, as comunidades religiosas afro-brasileiras vão, ao longo do tempo,

ressignificando determinados espaços naturais em função do uso sagrado que lhes é dado. Neste

sentido, praias, lagoas, matas, rios, pedreiras, cachoeiras adquirem um significado peculiar para

as comunidades de terreiro que vão se apropriando desses ambientes naturais de modo a

sacraliza-los e integrá-los em suas territorialidades.

Assim, como visto, o território sagrado afrorreligioso é constituído pelo espaço interno

– o terreiro – mas também por ambientes externos que são sacralizados em razão de

determinadas qualidades especiais que fazem desses locais “a verificação terrestre de mitos, a

fonte de poderes cósmicos” (BONNEMAISON, 2002, p. 123).

É assim que se estabelece a divisão entre os territórios internos, ou o que Rêgo (2006)

chama de territórios contínuos (composto pelo terreiro), e os territórios externos, ou territórios

119

descontínuos (RÊGO, 2006), constituídos pelos ambientes externos, considerados sítios

sagrados pelo uso ritualístico e simbólico que lhes é atribuído.

Todos esses fatores demonstram a impossibilidade de delimitação rígida, estratificada

do que compõe a espacialidade das comunidades de terreiro. Como indica Sodré (2002):

Deste modo, embora o terreiro possa ser um conjunto apreendido por critérios

geotopográficos (lugar físico delimitado para o culto), não se deve, entretanto, ser

entendido como um espaço técnico, suscetível de demarcações euclidianas. Isto

porque ele não se confina no espaço visível, funcionando na prática como um

“entrelugar” – uma zona de interseção entre o invisível (orum) e o visível (aiê) –

habitado por princípios cósmicos (orixás) e representações de ancestralidade à espera

de seus “cavalos”, isto é, de corpos que lhes sirvam de suportes concretos. O espaço

sagrado negro-brasileiro é algo que refaz constantemente os esquemas ocidentais de

percepção do espaço, os esquemas habituais de ver e ouvir. Ele fende, assim, o sentido

fixo que a ordem industrialista pretende atribuir aos lugares e, aproveitando-se das

fissuras, dos interstícios, infiltra-se. Há um jogo sutil de espaços-lugares na

movimentação do terreiro. (SODRÉ,2002, p. 80-81).

A relação que as comunidades de terreiro vão construindo com esses territórios, a partir

da apropriação (efetiva e simbólica) que se dá pelo seu uso reiterado, faz deles lugares de

afetividade, de pertencimento e de identidade religiosa. Essa identidade religiosa, por sua vez,

está diretamente relacionada a uma construção que remete à história e à memória coletiva dessas

comunidades (GIL, 2001).

Para Pollak (1989, p. 10), “a memória consiste em uma operação coletiva dos

acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar, através de tentativas

de definição e reforço de sentimentos de pertencimento [...]”. Ela consiste, pois, em um trabalho

de reconstrução narrativa seletiva do passado pautada em critérios de inclusão e exclusão

acionados por quem revive a memória, “ressignificando as noções de tempo e espaço e

selecionando o que vai e o que não vai ser dito” (GOMES, 1996, p. 21).

Halbwachs (2004) pontua que a memória coletiva funciona como importante fator

agregador de identidades e sentimentos de pertencimento mantendo a coesão social, cultural e

identitária a partir de uma adesão afetiva ao grupo. No mesmo sentido, Pollak (1989) destaca

que ao definir o que é comum a um grupo e o que o diferencia dos outros, a memória coletiva

fundamenta e reforça os sentimentos de pertencimento e os limites socioculturais. E se por um

lado nenhum grupo social tem sua imortalidade assegurada, por outro, sua memória coletiva

pode sobreviver e ter continuidade através de mitos que se alimentam de referências culturais,

literárias ou religiosas (POLLAK, 1989).

Na lição de Halbwachs (2004), toda memória coletiva se desenvolve em um espaço.

Portanto, o terreiro e os territórios externos constituem espaços físicos que funcionam como

120

ancoradores de uma memória coletiva que engloba sentimentos de pertencimento e identidade,

promovendo a coesão social da comunidade afetiva em questão. Nesses locais (e partir deles)

são acionadas referências simbólicas imateriais como os mitos, que são revividos e transmitidos

oralmente dentro da comunidade, o que faz deles lugares de memória e territórios míticos153.

Faria e Santos (2008, p. 23) denominam esses espaços sagrados como “territórios da

fé”, locais “onde suas oferendas são entregues, onde realizam seus cultos, onde o simbólico

abre caminho para a manifestação do sagrado”. Segundo os autores, conservar os “territórios

da fé” é imprescindível como forma de assegurar a perpetuação das manifestações religiosas

necessárias à coerência do grupo religioso (FARIA; SANTOS, 2008, p. 25).

Neste trabalho optamos por denominar esses territórios externos como territórios de

Axé. Conforme apresentado no primeiro capítulo, Axé é a força vital, é a forma que “assegura

a existência dinâmica, que permite o acontecer e o devir. Sem axé a existência não seria

possível” (SANTOS, 1976, p. 39). Portanto, uma vez que a força (ou Axé) das divindades do

panteão africano estão nos domínios da natureza, entendemos por bem denominar esses

territórios externos, sacralizados pelas comunidades de terreiro em razão do uso religioso que

fazem deles, como territórios de Axé por estarem impregnados do Axé (força vital) dos deuses

africanos.

Entretanto, como consequência da aceleração do processo de urbanização das cidades,

as religiões afro-brasileiras passam a encontrar uma série de dificuldades para a realização de

seus cultos. Como se viu nos resultados e discussões apresentadas no segundo capítulo, o

impacto da urbanização é sentido especialmente na perda das áreas verdes remanescentes

no entorno dos terreiros, que cumprem o papel de espaço mato externo, o que demanda

uma série de adaptações dos terreiros para manutenção de suas práticas tradicionais.

Em decorrência do crescimento desordenado das cidades, o que torna cada vez mais

difícil a preservação de áreas naturais nos centros urbanos, os territórios de Axé se restringem

a poucos locais que ainda conseguem preservar e apresentar características naturais e, portanto,

passíveis de manifestação do sagrado (RÊGO, 2006), o que leva a uma preocupação com a

perda dos espaços ritualísticos e redução da vivência religiosa aos limites internos dos terreiros.

Neste sentido:

[...] Os terreiros cada vez mais se encolhem nas suas limitações de espaços físicos.

Muitos até se reservam o direito de reduzir seus rituais, eliminando algumas

“obrigações” que deveriam ser realizadas às margens de rios, lagos, nascentes, etc.

Significa dizer que a manifestação da religião afro-brasileira tradicional está

153 Barros (2011) pontua que esses territórios míticos talvez sejam “o melhor exemplo de originalidade que a

diáspora produziu, possibilitando a continuidade da memória afrodescendente [...]” (BARROS, 2011, p. 16).

121

encolhendo. Encolhendo para os muros dos próprios terreiros. E isto não é bom. Não

é bom porque nós sabemos que nossa religião não se enquadra apenas aos rituais nos

espaços do terreiro. (DUARTE, 1998, p.20).

Portanto, proteger o direito de liberdade de culto das religiões afro-brasileiras está

diretamente relacionado com a preservação de seus territórios de Axé e com a garantia da

continuidade de utilização destes a partir da apropriação simbólica que lhes foi atribuída. Disso

decorre a importância da investigação sobre o uso e preservação dos territórios de Axé em

Sergipe.

3.1 Em busca dos territórios de Axé em Sergipe

Nesta sessão serão analisadas e discutidas as respostas fornecidas pelos entrevistados às

perguntas do bloco V, que tratam sobre a utilização de espaços naturais externos e dialogam

com o segundo objetivo específico deste trabalho, que consiste em identificar o uso de

territórios externos (territórios de Axé) em Sergipe e possíveis dificuldades decorrentes

do processo de urbanização no uso desses territórios.

Neste sentido, sobre o uso de espaços naturais externos pelos terreiros investigados

foram apresentadas as seguintes perguntas aos entrevistados:

→ BLOCO V, PERGUNTA 1 - Em seus ritos e liturgias o terreiro faz uso de algum

espaço/ambiente natural fora dos limites do terreiro?

PERGUNTA 2 – Quais os espaços/ambientes naturais que normalmente são mais utilizados

pelo seu terreiro e onde ficam localizados?

PERGUNTA 3 – Dentro da região da Grande Aracaju (que inclui Barra dos Coqueiros, São

Cristóvão e Nossa Sra. do Socorro) existe algum espaço/ambiente natural que seja utilizado

pelo seu terreiro? Qual?

PERGUNTA 8 – Você tem conhecimento sobre a existência de algum (ou alguns)

espaço(s)/ambiente(s) natural(is) em Sergipe cujo uso em liturgias seja comum por diversos

terreiros?

Abaixo segue tabela contendo os resultados integrais obtidos a partir das perguntas n. 1,

2, 3 e 8, constantes no Bloco V:

122

Tabela 5 – Análise das respostas fornecidas às perguntas 1, 2, 3 e 8, bloco V.

PERGUNTA 1: Em seus ritos e liturgias o terreiro faz uso de algum espaço/ambiente natural fora dos limites do terreiro?

PERGUNTA 2: Quais os espaços/ambientes naturais que normalmente são mais utilizados pelo seu terreiro e onde ficam localizados?

PERGUNTA 3: Dentro da região da Grande Aracaju (que inclui Barra dos Coqueiros, São Cristóvão e Nossa Sra. do Socorro) existe algum espaço/ambiente natural que

seja utilizado pelo seu terreiro? Qual(is)?

PERGUNTA 8: Você tem conhecimento sobre a existência de algum (ou alguns) espaço(s)/ambiente(s) natural(is) em Sergipe cujo uso em liturgias seja comum por diversos

terreiros?

IDENTIFICAÇÃO RESPOSTA FORNECIDA PELO(A) ENTREVISTADO(A) SÍNTESE DA RESPOSTA COMPREENSÃO A PARTIR DA RESPOSTA

1. Bagan Localização: Pai André, Nossa Sra. do

Socorro

Início das atividades: 1995

Pergunta 1: Sim;

Pergunta 2: rio, estradas (de chão), matas; ficam aqui mesmo no

Pai André. A cachoeira de Macambira, sempre que tem a

necessidade a gente vai até lá também.

Pergunta 3: A praia em Aracaju.

Pergunta 8: A cachoeira de Itabaiana; o poço das moças; essa de

Macambira; a praia também né, as pessoas vão muito levar

presentes, fazer ebós na praia; e as matas né. Aqui na João Bebe

Água tem um espaçozinho também que é com água corrente e tem

muitas matas, mas as pessoas já estão até deixando mais de ir lá

fazer as coisas porque já tava poluindo muito, tá muito poluído, e

assim, o povo tem que se reciclar sabe? Tem que se educar.

Sim;

Rio, estradas (de chão), matas aqui

mesmo no Pai André, a cachoeira de

Macambira;

Dentro da grande Aracaju a praia;

A cachoeira de Itabaiana, a de

Macambira, a praia e aqui na João

Bebe Água as pessoas vão muito.

Pontos relevantes na fala:

1. Além do interior de Sergipe, a região

próxima ao terreiro também aparece

como território externo utilizado no

culto.;

2. Problemas com a poluição em alguns

ambientes naturais levando à

diminuição do uso desses espaços.

A fala “o povo tem que se reciclar” parece

sugerir que, neste caso, a queixa em relação a

poluição é direcionada a outros afrorreligiosos

que se utilizam inadequadamente do ambiente

natural.

2. Legbara

Localização: Bairro Industrial, Aracaju

Início das atividades: 2010

Pergunta 1: Sim;

Pergunta 2: as matas, os rios, a praia, cachoeira; Cachoeira na Serra

de Itabaiana, rios também por esse ambiente aí, e São Cristóvão

ainda tem um rio que pode usar um pouco. Porque aqui tinha aquele

rio perto da Universidade Federal mas aquele espaço ali já não tem

mais condição de uso. Acho que até uns dez anos ainda dava para

usar, depois fechou, parece que o cara fechou uma parte e ficou

difícil de entrar, aí passou a utilizar o outro lado contrário, mas aí

também ficou muito sujo, muito esgoto descendo no rio, o rio se

tornou um verdadeiro canal ali.

Pergunta 3: Aqui só se for o parque da cidade, a mata, que ainda

tem algumas ervas que tem lá, tem alguns espaços que dá pra ser

utilizado, pouco mas as vezes. E praia mais vezes.

Pergunta 8: Só ser for a Serra de Itabaiana. É, eu acho que é porque

como são poucos os espaços, então se todos precisam da água, da

terra, da natureza, da cachoeira, aí aquele se torna o espaço que a

maioria encontra. Quando você tem uma condição maior você pode

buscar outros mais distantes, cada vez mais distante, mas quando

você não tem você vai onde alcança mais rápido. Mas que seja

Sim;

Matas, rios, praia, cachoeira na Serra

de Itabaiana; um rio em São

Cristóvão.

Aqui em Aracaju só se for o parque da

cidade e praia;

A Serra de Itabaiana; lá se torna o que

a maioria encontra.

A fala da entrevista confirma o uso de ambientes

naturais e mais uma vez o interior de Sergipe é

apontado como território externo.

Novamente a poluição é apontada como

dificuldade na utilização desses ambientes

naturais levando, inclusive, a impossibilitar a

continuidade de uso de um espaço que

costumava ser utilizado anos atrás, veja-se a

seguinte fala: “tinha aquele rio perto da

Universidade Federal mas aquele espaço ali já

não tem mais condição de uso. Acho que até uns

dez anos ainda dava para usar, depois fechou

[...]também ficou muito sujo, muito esgoto

descendo no rio, o rio se tornou um verdadeiro

canal ali.”

Outros dois pontos que se destacam na fala: 1. a

afirmação de que são poucos os espaços em

Sergipe que reúnem, no mesmo ambiente,

elementos favoráveis às liturgias; 2. uma queixa

123

determinado assim, aquele local é o local x que todo mundo vai ali

e a gente sabe que tá ali tal, tal, tal, acho que não. Já se pensou até

de a gente ter e ir buscar, teve até uma conversa com o governo de

um Espaço Sagrado, por entender a necessidade da manutenção

desses espaços da natureza que é importante para nós de matriz

africana, mas até agora a gente não avança na discussão. A gente

conversou com o governo, o governo diz que estava fazendo um

local que seria um jardim botânico e podia ver se adaptava esse local

pra também ser um espaço que as matrizes africanas utilizassem

para manutenção da sua liturgia, mas não avança. Sempre é uma

conversa que vai e para o caminho. Como tem em outros estados,

tem no Rio, tem em outros lugares e funciona muito bem no Rio de

Janeiro e os terreiros mantem aquela área ali preservada porque é

nossa tradição preservar a natureza, mas aqui as conversas não

avançam.

quanto a dificuldade de descolamento para

locais mais distantes.

Também merece destaque um elemento novo

que aparece nessa fala: o que a entrevistada

chama de “Espaço Sagrado”, que seria “um

espaço que as matrizes africanas utilizassem

para manutenção da sua liturgia”. A

entrevistada aponta que já houveram tratativas

com o governo “por entender a necessidade da

manutenção desses espaços da natureza que é

importante para nós de matriz africana, mas até

agora a gente não avança na discussão”. Ela

ressalta a tradição da religião em preservar a

natureza e demonstra conhecimento quanto a

existência dessa iniciativa em outros estados,

inclusive no Rio de Janeiro, onde pontua que

funciona muito bem. Por outro lado, demonstra

descrença quanto a implementação de um

espaço semelhante em Sergipe. Veja-se:

“funciona muito bem no Rio de Janeiro e os

terreiros mantem aquela área ali preservada

porque é nossa tradição preservar a natureza,

mas aqui as conversas não avançam.”

3. Oxum

Localização: Palestina, Aracaju

Início das atividades: 1990

Pergunta 1: Sim;

Pergunta 2: as matas, os rios, o mar, cachoeiras, tudo faz parte do

reino dos Orixás. Deus criou o mar, aí colocou, digamos assim, Mãe

Iemanjá para tomar conta do mar, mas pra você chegar até o mar

tem a praia, aí vem o Ogum Beira Mar, que fica tomando conta da

praia. Você vai no rio, geralmente onde tem cachoeira tem matas,

aí você encontra o Orixá das matas que é Oxóssi. Nas águas do rio

você encontra a mãe do ouro, a mãe da procriação porque sem água

doce não tem vida, a Oxum. Mata eu vou em Areia Branca,

Itabaiana, já fui pra uma mata muito bonita em Macambira; rio

costumo usar Itabaiana Areia Branca; cachoeira de Itabaiana e

Macambira; praia em Aracaju.

Pergunta 3: Praia em Aracaju;

Pergunta 8: Os locais que eu vou. Não sou a única não!

Sim;

Matas, rios, mar, cachoeiras. Mata em

Areia Branca e Itabaiana; rio em

Itabaiana e Areia Branca; cachoeira

em Itabaiana e Macambira.

Em Aracaju a praia.

A entrevistada destaca a relação direta existente

entre os Orixás e a natureza, motivo pelo qual o

uso de ambientes naturais é importante. Mais

uma vez o interior de Sergipe é apontado como

território externo utilizado nas liturgias.

4. Oyá

Localização: Bairro Industrial, Aracaju

Início das atividades: 1963

Pergunta 1: Sim;

Pergunta 2: matas, rios, praias, estrada de chão, cachoeira. Na

Serra de Itabaiana, Itaporanga, São Cristóvão, Estância. A gente vai

por aí a fora, onde estiver melhor a gente se mete.

Pergunta 3: Tem a prainha aqui (no bairro industrial) mas não é o

lugar adequado, porque as vezes a gente vai fazer uma limpeza de

Sim;

Matas, rios, praias, estrada de chão,

cachoeira. Serra de Itabaiana,

Itaporanga, São Cristóvão, Estância.

Em Aracaju a prainha do bairro

industrial; a praia; o parque da cidade.

Pontos relevantes na fala:

1. Afirmação quanto ao uso de

ambientes naturais sendo o interior de

Sergipe apontado como território

externo;

124

corpo e a água está poluída, e pra fazer tem que ser em um lugar

que água esteja pura, porque senão você resolve um problema e

arranja outro; a praia em Aracaju; tem o parque da cidade mas a

gente não tem acesso assim...porque é proibido. A não ser que você

tenha um bom conhecimento e que conversando eles liberem, mas

geralmente pra levar alguma coisa lá assim, pra meter a cara assim,

barra [se referindo a polícia].

Pergunta 8: Não sei. Porque a religião afrodescendente é uma

religião pobre, então pra eles se deslocar daqui pro interior são

custos, a distância dificulta. Nem todo mundo da religião tem uma

situação equilibrada, uns tem situação estável e outros passam

muito aperto.

A religião afrodescendente é uma

religião pobre, para se deslocar daqui

pro interior são custos, a distância

dificulta.

2. Problemas com a poluição em alguns

ambientes naturais tornando o uso

inadequado;

3. Proibição de acesso a determinados

espaços preservados, como o parque

da cidade;

4. Dificuldades com o deslocamento pra

o interior, o que envolve custos.

5. Oxóssi

Localização: Bugio, Aracaju

Início das atividades: Por volta de

1980

Pergunta 1: Sim;

Pergunta 2: mata, pedreira, rio, cachoeira, praia. Lá na região de

Areia Branca, próximo ao sítio. Já fizemos também em Macambira.

Pergunta 3: Praia de Atalaia;

Pergunta 8: a cachoeira de Areia Branca, lá você vai e encontra

muitas oferendas; a de Macambira; em São Cristóvão, na João Bebe

Água, ali tem muitas matas. A praia também.

Sim;

Mata, pedreira, rio, cachoeira, praia.

Em Areia Branca, Macambira.

Praia de atalaia em Aracaju.

Cachoeiras de Areia Branca e

Macambira; matas na João Bebe Água

(São Cristóvão).

O interior de Sergipe aparece como território

externo utilizado nas liturgias.

6. Ibejis

Localização: Novo Paraíso, Aracaju

Quantidade de filhos: 8 (em média)

Início das atividades: Por volta de

1996

Pergunta 1: Sim;

Pergunta 2: mata, pedra, rio, cachoeira, praia. Eu vou lá num lugar

chamado Chico Mendes, depois da penitenciária de Areia Branca,

que tem pedras e água corrente. O rio lá da João Bebe Água. Praia

eu vou na Atalaia nova que é melhor do que a Atalaia, é mais calmo,

tem menos movimento. Mata eu vou ali perto da Universidade

Federal, no fundo da empresa Progresso.

Pergunta 3: Praia de Atalaia Nova; João Bebe Água (rio); Próximo

na Universidade Federal (mato).

Pergunta 8: Em São Cristóvão, na João Bebe Água. Mas é um

espaço que eu ainda acho meio sujo, porque muitos não tem aquela

franqueza de juntar um mutirão e limparem, joga lá e deixa lá, e as

vezes é muito sujo.

Sim;

Mata, pedreira, rio, cachoeira, praia.

Num lugar chamado Chico Mendes,

em Areia Branca; no rio da João Bebe

Água; praia Atalaia Nova; ali perto da

Universidade Federal.

Em São Cristóvão, na João Bebe

Água. Mas é um espaço que eu ainda

acho meio sujo.

Pontos relevantes na fala:

1. Uso de ambientes naturais sendo o

interior de Sergipe apontado como

território externo;

2. Problemas com a poluição em alguns

ambientes naturais.

A fala “muitos não têm aquela franqueza de

juntar um mutirão e limparem, joga lá e deixa

lá” parece sugerir que a queixa em relação a

poluição é direcionada a outros afrorreligiosos

que se utilizam inadequadamente do ambiente

natural.

7. São Jorge

Localização: Bairro América, Aracaju

Início das atividades: 1901

Pergunta 1: Sim;

Pergunta 2: mais cachoeira, em Macambira e tem uma em Areia

Branca, na Ribeira. E praia aqui tem muito, aqui mesmo na Atalaia.

Também utiliza mata pra arriar as obrigações, as comidas secas que

a gente chama, [...] a gente coloca sempre nas matas porque sabe

que não vai agredir a natureza, [...] hoje a gente já tem esse cuidado

que antigamente não tinha não.

Pergunta 3: Praia de Atalaia, Sarney e Barra dos Coqueiros; depois

do Eduardo Gomes tem uma ponte que divide já São Cristóvão do

Eduardo Gomes, ali na João Bebe Água. Acho que todos vão pra lá

porque lá é mato, é sossegado e é correnteza, então se é uma limpeza

Sim;

Cachoeira, praia, mata. Cachoeira em

Macambira e Areia Branca; praia em

Aracaju.

Praia de Atalaia, Sarney e Barra dos

Coqueiros.

Em São Cristóvão, na João Bebe

Água, usam muito porque tem água

corrente e tem a mata, então é um

lugar ideal

Pontos relevantes na fala:

1. Uso de ambientes naturais sendo o

interior de Sergipe apontado como

território externo;

2. A tomada de consciência quanto ao

cuidado em não agredir a natureza,

coisa que “antigamente não tinha

não”. Sinaliza que houve uma

mudança na relação do terreiro com os

espaços naturais no sentido de passar

a preservá-los. Essa fala demonstra

125

espiritual tudo que é de ruim vai junto, a água vai levando,

justamente por causa do rio.

Pergunta 8: em São Cristóvão, na João Bebe Água usam muito

porque tem água corrente e tem a mata, então é um lugar ideal pra

se fazer qualquer tipo de obrigação, de limpeza espiritual, de tudo,

é o lugar mais frequentado por pessoal de candomblé. Não é longe

e é menos perigoso, por enquanto.

que, apesar da imbricada relação entre

as divindades africanas e a natureza,

sendo ela um objeto de culto

fundamental nas religiões afro-

brasileiras, ao que parece não existia

uma preocupação em manter uma

relação sustentável entre o terreiro e a

natureza. Essa preocupação com a

não-agressão à natureza por meio de

uma relação mais sustentável parece

ter sido aprendida.

A proximidade de Aracaju, aliada ao baixo

índice de violência, são destacados como causas

da grande frequência de pessoas da religião na

mata e rio localizados na Rodovia João Bebe

Água (em São Cristóvão) é. Veja-se a fala: “Não

é longe e é menos perigoso, por enquanto!”.

8. Sahara

Localização: Santa Maria, Aracaju

Início das atividades: 1993

Pergunta 1: Sim;

Pergunta 2: a gente precisar ter o elemento terra que são as matas,

a gente precisa utilizar das águas e pra isso nós temos praia aqui

próximo, rios ainda né, e essas áreas são necessárias para o nosso

dia-a-dia do culto aos Orixás. Candomblé não existe sem folha,

candomblé não existe sem água. Atualmente se a gente precisa de

água doce a gente vai para o rio Pitanga lá nas margens de São

Cristóvão, na João Bebe Água, ou então a gente vai para o rio da

Prata lá no loteamento Chico Mendes, acima de Areia Branca, ou

então, também temos outra vertente de água limpa, boa, sem ser o

Poço das Moças mas por trás da Serra de Itabaiana. E elementos de

água salgada a gente utiliza a praia de Aruanda, a praia do

Mosqueiro, praia do Rôbalo. De mata a gente utiliza aqui, tem locais

ainda no morro [do avião] que ainda são preservadas, são locais de

mata fechada que dá pra gente arriar nossas oferendas, e se for uma

exigência muito maior de um Orixá que peça uma coisa mais

fechada ainda, a gente também procura lá às margens do rio Pitanga,

nas margens da João Bebe Água, ou então também tem mata

fechada lá para o lado de Pirambu, a gente coloca naquela área.

Temos também a cachoeira de Macambira, que a gente pode ver,

dependendo da necessidade, e também nessa parte desse rio lá do

lado da Serra, em período de chuva, tem uma cachoeira de água

abundante também. Também no loteamento do rio da Prata, ali

perto do Chico Mendes, tem quedas d’água muito boas também.

Pergunta 3: Praias de Aracaju, Rio Pitanga (São Cristóvão), Morro

do Avião. Tem acima da lixeira também que é São Cristóvão, é uma

Sim;

Matas, praia, rios, cachoeira. Se a

gente precisa de água doce vai para o

rio Pitanga lá nas margens de São

Cristóvão, na João Bebe Água ou o rio

da Prata lá no loteamento Chico

Mendes, acima de Areia Branca ou o

Poço das Moças mas por trás da Serra

de Itabaiana; água salgada a gente

utiliza a praia de Aruanda, a praia do

Mosqueiro, praia do Rôbalo; mata a

gente utiliza aqui no morro [do avião]

ou lá para o lado de Pirambu; a

cachoeira de Macambira e também lá

do lado da Serra.

A praia de Atalaia e o rio Pitanga que

um espaço natural que várias casas de

candomblé da capital vão se utilizar.

A fala do entrevistado aponta a importância dos

elementos naturais para o culto aos Orixás:

“Candomblé não existe sem folha, candomblé

não existe sem água.” E mais uma vez o interior

de Sergipe é apontado como território externo.

Mais uma vez se vê referência a criação de um

espaço preservado para utilização dos

afrorreligiosos como o modelo existente no Rio

de Janeiro. O entrevistado também menciona

tratativas com o poder público que não

avançaram no sentido de viabilizar o que ele

chama de parque ecológico de axé, que seria

uma reserva de mata protegida, tombada pelo

município de São Cristóvão. Veja-se: “Só que

isso ficou no papel e não foi mais adiante. Hoje

em dia eu acho necessário termos uma união e

tentarmos transformar ali o rio Pitanga em um

Eco Parque Axé. Seria uma forma de pensar no

futuro”. Ele informa que também que essa

proposta também foi dialogada na Câmara de

Vereadores e na Assembleia Legislativa de

Aracaju com relação ao Parque da Cidade:

“[...]eu me lembro que nos anos 2000/2001 a

gente já citou essa situação e perdemos naquela

época com a bancada evangélica”. Em outra

fala é perceptível uma descrença e consciência

126

mata fechada também que nós temos lá e pode ser utilizada ali perto

do Vale do Amanhecer, ali por cima tem umas matas fechadas boas,

tem reservas de rios também, nascentes, que as vezes a gente utiliza

sim.

Pergunta 8: A praia de Atalaia na época das festas das Iabás; nós

temos também o rio Pitanga que um espaço natural que várias casas

de candomblé da capital vão se utilizar daquele espaço. Existe uma

intenção da prefeitura de São Cristóvão de tombar aquilo ali como

patrimônio porque é mata Atlântica também. Nós já entramos com

um pedido na época de Dr. Lauro Rocha, isso eu me lembro, de

transformar ali num parque ecológico de axé, que seria uma reserva

de mata protegida, tombada pelo município, para utilização dos

afrorreligiosos como existe em Niterói, como existe no Rio de

Janeiro que existem parques eco-axés onde as pessoas vão para lá

para fazer seus trabalhos. Existe uma pessoa na frente a quem se

paga uma certa quantia para ter acesso, uma taxa de utilização, e

você tem o rio, tem a mata, e tem uma pessoa responsável para sair

limpando a área. Então isso já foi um projeto muito grande, na época

de Dr. Lauro Rocha da gente fazer um tombamento daquela área do

rio Pitanga, de ser um parque eco-axé. Só que isso ficou no papel e

não foi mais adiante. Hoje em dia eu acho necessário termos uma

união e tentarmos transformar ali o rio Pitanga em um Eco Parque

Axé. Seria uma forma de pensar no futuro porque a gente teria uma

água corrente de boa qualidade, uma mata com espécies nativas e

espaços bons para arriar nossos trabalhos. É claro que vai precisar

de uma adequação, teríamos que ter uma guarita para uma pessoa

tomar conta porque naquela área do rio Pitanga existe muito roubo

de areia lavada, a gente encontra muito caminhão de pessoas tirando

a areia do leito do rio para comercializar, então seria uma forma de

proteger até o ambiente. Já se foi tocado nesse assunto várias vezes

com a prefeitura de São Cristóvão e nenhum retorno foi dado. Aqui

ainda tem aquela questão que pensam “porque eu tenho que fazer

um parque pros macumbeiros?” E no Rio de Janeiro isso se superou

até porque o culto afro lá é muito importante, eles têm uma outra

visão. Já no nosso Estado existe uma questão de barreira de

preconceito mesmo. Então uma política pública de preservação de

espaços públicos naturais para utilização dos afrorreligiosos seria

excelente, mas infelizmente a gente conta com muito preconceito

em cima disso. Isso já foi citado na Assembleia Legislativa, na

Câmara de Vereadores aqui de Aracaju, porque a gente pensou

também no Parque da Cidade em ter uma área reservada para os

afrorreligiosos, isso eu me lembro que nos anos 2000/2001 a gente

já citou essa situação e perdemos naquela época com a bancada

quanto a existência do preconceito contra a

religião: “Já se foi tocado nesse assunto várias

vezes com a prefeitura de São Cristóvão e

nenhum retorno foi dado. Aqui ainda tem aquela

questão que pensam “porque eu tenho que fazer

um parque pros macumbeiros?”

127

evangélica, foi quando conseguimos que Déda também valorizasse

os terreiros e que isentasse do IPTU, isso a gente conseguiu, mas a

questão da reserva nunca [...].

9. Santo Antonio

Localização: São Brás, Nossa Senhora

do Socorro

Início das atividades: Entre 1985 e

1987

Pergunta 1: Sim;

Pergunta 2: A festa de dezembro é uma festa das águas e a gente

faz na praia, na Atalaia, na Barra. Tem a festa de caboclo que é da

mata, a gente faz em Santo Amaro porque é onde tem mata aqui

perto, eu vou lá pra dentro da mata mesmo e lá a gente faz uma festa

de um dia todo.

Pergunta 3: A praia de Atalaia e da Barra dos Coqueiros e as vezes

eu vou pra algum mato aqui por perto.

Pergunta 8: Mais cachoeira, aonde tiver cachoeira aqui o povo vai.

Sim;

Praia, mata, cachoeira. Praia, na

Atalaia, na Barra; em Santo Amaro é

onde tem mata aqui perto.

Aonde tiver cachoeira o povo vai.

O interior de Sergipe aparece como território

externo utilizado nas liturgias. E o quesito

“distância/proximidade” também aparece como

elemento que influencia na escolha dos

ambientes utilizados.

10. Xangô

Localização: Eduardo Gomes, São

Cristóvão

Início das atividades: 1951

Pergunta 1: É impossível você tirar do candomblecista um banho

de mar, uma limpeza, e não tem como você trazer para dentro de

casa, por mais que você vá lá com uma garrafinha de dois litros e

pegue uma água e alguém te olhe pegando e diga “macumbeiro!”,

mas você não consegue trazer o mar pra dentro de casa. Ali Iemanjá,

deusa do mar, ela está fazendo a limpeza natural, a onda vem e leva

o que te tiver de ruim e você está se fortalecendo no mar. A mesma

coisa acontece dentro do rio, a mesma coisa acontece nas matas.

Então é impossível não ter que ir a natureza fazer alguma coisa.

Pergunta 2: Cachoeira, rio e onde tiver a natureza. Uma estrada

aberta, o vento batendo e mato do lado é a morada de Ogum, pode

parar ali que Ogum vai lhe ouvir. Quando você passa pra dentro do

mato é morada de Ossain e de Oxóssi, eles vão te ouvir. O vento

batendo em você é Iansã fazendo fluir qualquer coisa de bom e

tirando tudo de negativo. Então tudo que tiver natureza tem Orixá.

Orixá é natureza.

Pergunta 3: Praia de Atalaia, já no finalzinho onde é pouco

habitado e onde encontra o rio com o mar, lá no fundo; rio,

normalmente é usado o da Areia Branca, no Mosqueiro, porém, ali

é água salgada não é um rio de água doce, rio de água doce acaba

sendo uma grande dificuldade mas hoje a gente ainda tem um

passando aqui no final de linha do nosso bairro [em São Cristóvão],

então a gente costuma usar esse. Também é usado o rio ali da ponte

que separa Aracaju de São Cristóvão, ali na UFS.

Pergunta 8: É sazonal; por exemplo, dia oito de dezembro tá todo

mundo na praia, dia dois de fevereiro tá todo mundo na praia. Então

um lugar que tomo mundo vai seria a praia, sem sombra de dúvidas.

É impossível não ter que ir a natureza

fazer alguma coisa.

Cachoeira, rio, estrada aberta, mato e

onde tiver a natureza: Orixá é

natureza.

Praia de Atalaia; rio em Areia Branca,

no Mosqueiro, em São Cristóvão e ali

na UFS.

Um lugar que tomo mundo vai seria a

praia.

O entrevistado destaca a relação direta existente

entre os Orixás e a natureza, motivo pelo qual o

uso de ambientes naturais é importante: “Então

tudo que tiver natureza tem Orixá. Orixá é

natureza”.

Mais uma vez o interior de Sergipe é apontado

como território externo utilizado nas liturgias.

Destaque para o seguinte trechos da fala que

denuncia a existência do preconceito contra a

religião: “[...]por mais que você vá lá com uma

garrafinha de dois litros e pegue uma água e

alguém te olhe pegando e diga “macumbeiro!”,

mas você não consegue trazer o mar pra dentro

de casa [...]”.

11. Odé

Localização: Piabeta, Nossa Senhora

do Socorro

Início das atividades: 1993

Pergunta 1: Sim, como hoje pela manhã que eu viajei para o

povoado Quissamã para fazer as oferendas porque aqui no espaço

urbano não comporta mais, então você tem que se deslocar. Lá na

natureza é onde moram os Orixás, então lá tem rio, lá tem uma mata,

Sim; No espaço urbano não comporta

mais, você tem que se deslocar. Na

natureza é onde moram os Orixás.

O entrevistado destaca a relação direta existente

entre os Orixás e a natureza, motivo pelo qual o

uso de ambientes naturais é importante: “Lá na

natureza é onde moram os Orixás”.

128

tem pouco aglomerado humano então ali você vai de manhãzinha

cedo, oferece o que tem que oferecer e volta para sua casa em paz.

Pergunta 2: Rios, matas, praias, cachoeiras, encruzilhadas. O

grande problema está nas encruzilhadas porque elas são em um

ambiente urbano e muitas vezes os rituais requerem não

encruzilhadas desertas, mas encruzilhadas movimentadas. [...] É

esse o grande problema que é onde nós nos confrontamos com a

polícia, que alguns passam fazendo de conta que não veem mas tem

muitos que gostam de abordar e se você conversar vai preso. Eu já

fui abordado mas graças a Deus liberaram, fui com minha cara, rezei

muito, fiz muita manobra espiritual do candomblé para ele relevar

aquilo. Mas as vezes é na hora mesmo, você está colocando a

oferenda na encruzilhada, que é um espaço urbano, aí passa um

carro de polícia aí para, dá a volta, aí atrapalha a concentração,

atrapalha os pedidos que você está fazendo para aquela pessoa e aí

é um grande problema. Sem falar os marginais que passam de moto

e as vezes param para poder assaltar. A violência é um problema

também.

Pergunta 3: Em São Cristóvão tem o que nós chamamos de Rio da

Macumba, que fica logo após o conjunto Luís Alves, após o posto

da polícia rodoviária, na Rodovia João Bebe Água, que por sinal

está bastante poluído por conta da frequência e a proximidade com

a metrópole; a Praia da Costa, na Barra dos Coqueiros; o cemitério

da Barra dos Coqueiros.

Pergunta 8: Areia Branca é um lugar propício, bem utilizado e sem

medo, sem violência. O Rio da Macumba, na João Bebe Água,

muitos terreiros usam pela proximidade da capital, é bem

procurado, é só chegar lá e tirar foto que você vê tem muitas

oferendas que fazem. Cachoeira frequentada é a cachoeira de

Macambira, se for de manhãzinha cedo, tem que sair daqui umas

três e meia da manhã para chegar lá, fazer sua oferenda com o dia

clareando e vim embora porque depois já começa a encher de gente

e muitos ficam com chacota.

Rios, matas, praias, cachoeiras,

encruzilhadas. O problema está nas

encruzilhadas porque elas são em um

ambiente urbano. É onde nós nos

confrontamos com a polícia. A

violência é um problema também.

Em São Cristóvão tem o rio da

macumba, na rodovia João Bebe

Água, está bastante poluído; Praia da

Costa, Barra dos Coqueiros.

Areia Branca é um lugar propício, sem

medo, sem violência. O Rio da

Macumba, na João Bebe Água, muitos

terreiros usam pela proximidade da

capital. Cachoeira frequentada é a de

Macambira de manhãzinha cedo,

depois já começa a encher de gente e

muitos ficam com chacota.

O espaço urbano é apontado como local onde

não se encontra mais a presença da natureza e de

grande aglomerado humano, por isso a

necessidade de deslocamento para o interior de

Sergipe que é apontado como território externo:

“hoje pela manhã que eu viajei para o povoado

Quissamã para fazer as oferendas porque aqui

no espaço urbano não comporta mais, então

você tem que se deslocar”.

Um elemento novo que aparece na fala desse

entrevistado é o problema com o uso das

encruzilhadas urbanas, chegando a citar

confronto com a polícia: “O grande problema

está nas encruzilhadas porque elas são em um

ambiente urbano [...] É esse o grande problema

que é onde nós nos confrontamos com a polícia,

que alguns passam fazendo de conta que não

veem mas tem muitos que gostam de abordar e

se você conversar vai preso”. O outro elemento

que se soma a dificuldade de uso das

encruzilhadas urbanas é a violência: “Sem falar

os marginais que passam de moto e as vezes

param para poder assaltar. A violência é um

problema também”.

A poluição também é apontada na fala e

sinalizada como uma denúncia contra os

religiosos que fazem uso inadequado do

ambiente natural: “Em São Cristóvão tem o que

nós chamamos de Rio da Macumba [...] que por

sinal está bastante poluído por conta da

frequência e a proximidade com a metrópole”.

A denúncia do preconceito também aparece na

fala do entrevistado quando explica que para

usar a cachoeira de macambira “só se for de

manhãzinha cedo, tem que sair daqui umas três

e meia da manhã para chegar lá, fazer sua

oferenda com o dia clareando e vim embora

porque depois já começa a encher de gente e

muitos ficam com chacota”.

12. Conceição

Localização: Guajará, Nossa Senhora

do Socorro

Pergunta 1: Com certeza;

Pergunta 2: O morro e a mata fechada lá mesmo próximo ao

terreiro; tinha um rio próximo mas que foi fechado, o rapaz cercou

Com certeza.

O morro e a mata fechada lá mesmo

próximo ao terreiro; próximo da

Além do interior de Sergipe, o a região próxima

do terreiro (morro e mata) também aparece

como território externo utilizado no culto.

129

Início das atividades: Década de 1960 e não deixa ninguém entrar, colocou até guarda armado se alguém

entrasse no rio dele. Agora eu saio e venho aqui próximo da

Universidade Federal de Sergipe, tem aquele rio do lado que

também já fecharam uma boa parte, fizeram muro mesmo, aí você

vai mais além um pouco da estrada, aí tem uma descida por dentro

do mato e você chega até a beira do rio. Eu costumo ir para lá.

Quando não eu também vou ali em São Cristóvão, na João Bebe

Água, tem uma descida também só que hoje está super perigoso.

Quando a gente precisa ir à noite para levar obrigação a gente tá

sempre vendo o povo se movimentar lá por baixo, os cigarros

acesos, aquela coisa toda que se você não vai com muita gente faz

medo hoje. Antes a gente ia levar, ia com uma, duas, três pessoas e

não fazia medo, descia e ia até lá na beirada do rio e entregava a

obrigação. Agora hoje eu tô usando diversos acessos que a gente

pode ter. Eu tô indo aqui no bairro industrial, quando tem alguma

obrigação mais leve, pequena, que pode ser levada ali e que as

pessoas podem ver, que não vão mexer, a gente vai lá e entrega;

Cachoeira tem uma que é dentro de uma fazenda e que a gente tem

que pedir ao dono da fazenda para poder entrar, ele deixa. Serra de

Itabaiana mesmo também, como hoje é proibido também né entrar,

porque o povo também faz as coisas sem pensar, hoje você tem que

preservar, eu já venho falando isso até em nome do CENARAB pra

gente preservar, pra ter cuidado, ver como acende suas velas porque

tem gente que entra quer acender mas não quer saber. É mata mas

tem que ter cuidado porque pode ser que aquele montinho venha a

ser a última que a gente tem na mão. Eu sempre falei sobre essa

questão da gente olhar e preservar. Então hoje são poucos os

espaços que a gente tem. É tanto que de vez em quando a gente

recebe a imprensa na porta pra perguntar “Por que tal obrigação tá

em tal lugar?! Por que foi colocada perto dos prédios? Por que foi

colocada na rotatória do distrito industrial?”. A gente não tem mais

lugar! Esses lugares todos foram tomados né?! E tem construções,

tem avenidas, tem ruas importantes. Ali perto da AABB não tinha

aqueles prédios ali na AABB, era mata, você entrava ali naquela

estrada do lado você ia até longe para entregar obrigação, entendeu?

Hoje você praticamente não pode aí o pessoal já está reclamando

porque os prédios surgiram, você tem um pouquinho de mata aqui

nesse local, mas adiante tem outro pedacinho, ou você entrega aqui

na frente ou entrega depois dos prédios. Geralmente o povo para

não ir muito longe na escuridão, quando vai a noite, entrega ali

naquele pedaço. E as pessoas já estão reclamando, querem saber por

que aquela obrigação foi colocada ali, se não tem outro lugar,

entendeu?! Muita questão já foi levantada sobre isso.

Universidade Federal de Sergipe, tem

aquele rio do lado que também já

fecharam uma boa parte; também vou

ali em São Cristóvão, na João Bebe

Água só que hoje está super perigoso;

aqui no bairro industrial, quando tem

alguma obrigação mais leve, pequena.

Cachoeira tem uma que é dentro de

uma fazenda e que a gente tem que

pedir; Serra de Itabaiana hoje é

proibido também né entrar.

Praia eu uso aqui mesmo, de Atalaia;

vou lá para a Barra também. E ali em

São Cristóvão, no rio da João Bebe

Água.

Hoje são poucos os espaços que a

gente tem. Esses lugares todos foram

tomados né?!

Destaque para alguns locais cujo o uso se tornou

mais difícil devido às restrições de acesso:

“tinha um rio próximo mas que foi fechado, o

rapaz cercou e não deixa ninguém entrar,

colocou até guarda armado”; “Cachoeira tem

uma que é dentro de uma fazenda e que a gente

tem que pedir ao dono da fazenda para poder

entrar”; “Serra de Itabaiana mesmo também,

como hoje é proibido também né entrar”.

A violência também é apontada como elemento

que interfere no uso de alguns ambientes

naturais: “[...]eu também vou ali em São

Cristóvão, na João Bebe Água, tem uma descida

também só que hoje está super perigoso.”

A falta de zelo com a preservação do meio

ambiente mais uma vez é apontada como um

problema interno, ou seja, da própria

comunidade religiosa: “[...]o povo também faz

as coisas sem pensar, hoje você tem que

preservar [...]ver como acende suas velas

porque tem gente que entra quer acender mas

não quer saber”.

A fala da entrevistada também denuncia um

processo de desterritorialização decorrente da

urbanização, ou seja, a perda de um território

que outrora foi apropriado pela comunidade por

meio do uso litúrgico que lhe foi dado,

demandando desta comunidade uma série de

adaptações e deslocamentos: “A gente não tem

mais lugar! Esses lugares todos foram tomados

né?! E tem construções, tem avenidas, tem ruas

importantes!”. Ademais, a fala também mostra

que as religiões afro-brasileiras se relacionam de

uma forma muito peculiar com o espaço

público, especialmente as encruzilhadas

urbanas, o que não se vê em outras religiões.

Outro ponto da fala que merece destaque traz a

denúncia do preconceito contra a religião:

“[...]E lá também [se referindo a Barra dos

Coqueiros] eu acho que as pessoas não se

importam tanto, pelo contrário, chega gente até

para pedir “peça por mim, faça um pedido por

mim aí nas suas obrigações”. As pessoas não se

130

Praia eu uso aqui mesmo, de Atalaia. Eu faço minhas obrigações,

arreio minha obrigação de final de ano, faço a minha mesa e levo

aqui. Mas quando não há condições e que eu tenho oportunidade eu

vou lá para a Barra também. E lá também eu acho que as pessoas

não se importam tanto, pelo contrário, chega gente até para pedir

“peça por mim, faça um pedido por mim aí nas suas obrigações”.

As pessoas não se importam tanto com a presença da gente, pelo

contrário, se aproximam, muitos até cantam com a gente, bate

palma, vai acompanhando os pontos, entendeu?! Mas infelizmente

aqui [se referindo a Aracaju] as coisas estão mais difíceis.

Pergunta 3: Ver resposta anterior.

Pergunta 8: Aqui próximo da Universidade Federal de Sergipe, tem

aquele rio do lado que também já fecharam uma boa parte, fizeram

muro mesmo, aí você vai mais além um pouco da estrada, aí tem

uma descida por dentro do mato e você chega até a beira do rio. E

ali em São Cristóvão, no rio da João Bebe Água.

importam tanto com a presença da gente[...]

Mas infelizmente aqui [se referindo a Aracaju]

as coisas estão mais difíceis.”

13. Ogum

Localização: Jabotiana, Aracaju

Início das atividades: 2010

Pergunta 1: Sempre;

Pergunta 2: A praia de aruanda; rio em São Cristóvão na Rod. João

Bebe Água; uma pedreira em Estância ou na Serra de Itabaiana;

matas aqui na região do Aloque.

Pergunta 3: A praia.

Pergunta 8: O rio da João Bebe Água, lá você encontra milhares de

oferendas, resquícios do que foi ofertado. Ali seria um ambiente

perfeito para a gente que tem casa de santo, se fosse um lugar tipo

pela prefeitura ou por algum órgão municipal, que separasse aquele

espaço para a gente, uma espécie de santuário, seria perfeito. Acho

que seria muito legal mas não acho possível justamente pelo

preconceito, até dentro dos órgãos públicos existe o preconceito.

Existe a bancada evangélica hoje em dia que acaba interferindo de

uma certa forma. Seria interessante ter um ambiente para a gente da

religião, mas o mais interessante seria a gente poder usar qualquer

ambiente. Seria bom tendo também um pouquinho de educação das

pessoas para saberem lidar com outras, em relação ao convívio e em

relação ao meio ambiente também, porque tem coisas que você não

precisa colocar no meio ambiente, como por exemplo um vidro,

garrafa, vai servir para que? Se você é de uma religião que está

cultuando a natureza você vai e polui a natureza, não é

complicado?!

Sempre.

A praia de Aruanda; rio em São

Cristóvão na Rod. João Bebe Água;

uma pedreira em Estância ou na Serra

de Itabaiana; matas aqui na região do

Aloque.

No rio da João Bebe Água você

encontra milhares de oferendas. Ali

seria um ambiente perfeito para a

gente que tem casa de santo, se

separasse aquele espaço para a gente,

uma espécie de santuário.

Além do interior de Sergipe, aqui a região

próxima ao terreiro (bairro Aloque) também

aparece como território externo utilizado no

culto.

Mais uma vez se vê referência a criação de um

espaço preservado para utilização dos

afrorreligiosos, que aqui o entrevistado aponta o

rio Pitanga, na Rodovia João Bebe Água (São

Cristóvão), como sendo um local ideal para a

implantação do que ele chama de santuário: “Ali

seria um ambiente perfeito para a gente que tem

casa de santo, se fosse um lugar tipo pela

prefeitura ou por algum órgão municipal, que

separasse aquele espaço para a gente, uma

espécie de santuário, seria perfeito.”

Entretanto, assim como nas falas anteriores,

também é perceptível a descrença e consciência

quanto a existência do preconceito contra a

religião: “Acho que seria muito legal mas não

acho possível justamente pelo preconceito, até

dentro dos órgãos públicos existe o preconceito.

Existe a bancada evangélica hoje em dia que

acaba interferindo de uma certa forma.”

Por outro lado, a falta de educação ambiental

também é apontada como um obstáculo interno,

ou seja, como uma dificuldade a ser superada

pela própria comunidade religiosa. É simbólica

131

a seguinte fala: “Se você é de uma religião que

está cultuando a natureza você vai e polui a

natureza, não é complicado?!, pois sinaliza que,

apesar da imbricada relação entre as divindades

africanas e a natureza, sendo ela um objeto de

culto fundamental nas religiões afro-brasileiras,

ao que parece não existe ainda uma preocupação

generalizada em manter uma relação sustentável

entre terreiro e natureza.

Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir das informações verbais fornecidas pelos entrevistados.

132

A partir da análise dos dados apresentados na Tabela 5 chegamos aos seguintes

resultados:

1. TODOS entrevistados fazem uso de ambientes naturais externos, ou seja, fora dos

terreiros;

2. Os ambientes naturais externos mais utilizados são: matas, rios, praias, cachoeiras;

3. TODOS indicaram ambientes naturais do interior de Sergipe como territórios de

Axé; e 3 (três) entrevistados indicaram também ambientes naturais nas proximidades

do terreiro;

4. Os principais territórios de Axé indicados na Grande Aracaju foram: praias

(Atalaia, Aruanda, Rôbalo, Mosqueiro, Praia da Costa, Atalaia Nova); rio Pitanga

(localizado na Rodovia Joao Bebe Água/São Cristóvão); rio Poxim (nas proximidades

da Universidade Federal de Sergipe); parque da Cidade; prainha do bairro Industrial;

5. Os principais territórios de Axé indicados fora da Grande Aracaju foram: cachoeira

da Serra de Itabaiana; cachoeira de Macambira; mata e rio em Areia Branca;

6. O ambiente natural indicado pela maioria dos entrevistados como sendo o de maior

uso foi o rio Pitanga, localizado na Rodovia João Bebe Água/São Cristóvão (8

entrevistados). Seguiram: praia em Aracaju (5 entrevistados); cachoeira de Macambira

(4 entrevistados); Serra de Itabaiana (3 entrevistados)

Como visto no primeiro capítulo, a cosmovisão religiosa de matriz africana implica em

uma relação íntima com a natureza, visto que é nela que estão as divindades africanas (nas

matas, rios, lagos, cachoeiras, etc.), sendo impossível desassociá-las da interdependência com

os elementos naturais. O espaço sagrado não se delimita ao terreiro, existem outros locais que

são sacralizados e com os quais são mantidas estreitas relações de afetividade, pertencimento e

memória (OLIVEIRA, 2006; 2012).

E é em função dessa interdependência entre as religiões afro-brasileiras e a natureza que,

dentro de uma relação tempo/espaço, se formam as territorialidades das comunidades de terreiro

por meio de processos que envolvem apropriações simbólicas e ressiginificações de elementos

e ambientes naturais que guardam estreita ligação com as divindades cultuadas. A partir desses

processos se consolidam o que neste trabalho denominamos de territórios de Axé.

Esse é o motivo pelo qual TODOS os entrevistados responderam que utilizam

ambientes naturais externos em suas liturgias, sendo as matas, rios, praias e cachoeiras

apontados como de uso mais frequente. Neste sentido destacamos as seguintes falas: “as

matas, os rios, o mar, cachoeiras, tudo faz parte do reino dos Orixás” (OXUM, 2016, informação

133

verbal154); “essas áreas são necessárias para o nosso dia-a-dia do culto aos Orixás. Candomblé

não existe sem folha, candomblé não existe sem água” (SAHARA, 2016, informação verbal155);

“Quando você passa pra dentro do mato é morada de Ossain e de Oxóssi[...]O vento batendo

em você é Iansã [...] Então tudo que tiver natureza tem Orixá. Orixá é natureza.” (XANGÔ,

2016, informação verbal156); “Lá na natureza é onde moram os Orixás” (ODÉ, 2016,

informação verbal157).

Assim como nos resultados relativos à investigação do espaço “mato” o interior de

Sergipe foi sinalizado como importante fonte de ervas e plantas litúrgicas, aqui ele

também é apontado por TODOS como importante território de Axé. Os entrevistados

indicaram as cachoeiras da Serra de Itabaiana e de Macambira, além da mata e rio em

Areia Branca, como os principais territórios de Axé fora da Grande Aracaju. Como

esclarecido no capítulo anterior, isso é consequência do processo de urbanização que torna as

áreas verdes cada vez mais escassas nos centros urbanos, provocando uma peregrinação das

comunidades de terreiro em busca de áreas ainda preservados no interior do Estado, com vistas

à manutenção de suas práticas tradicionais.

Por outro lado, apesar da intensa urbanização que se observa na Grande Aracaju,

os resultados mostram a presença de alguns ambientes ainda preservados e que são

utilizados pelas comunidades afrorreligiosas, inclusive 3 (três) entrevistados informaram ter

acesso à mata, rio e morro nas proximidades de seus terreiros. Os principais territórios de Axé

indicados na Grande Aracaju foram: praias (Atalaia, Aruanda, Rôbalo, Mosqueiro, Praia da

Costa, Atalaia Nova); rio Pitanga (localizado na Rodovia Joao Bebe Água/São Cristóvão); rio

próximo a Universidade Federal de Sergipe; parque da Cidade; prainha do bairro

Industrial. O rio Pitanga foi indicado pela maioria dos entrevistados (8 no total) como o

ambiente natural mais utilizado pelos afrorreligiosos em Sergipe.

Abaixo um quadro apresentando um resumo dos resultados quanto ao uso de territórios

externos pelos terreiros investigados:

154 Entrevista concedida por OXUM. Entrevista 3. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:27 min.). 155 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.). 156 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 157 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.).

134

Quadro 2 – Uso de territórios externos pelos terreiros investigados.

Ambientes naturais externos mais utilizados: Matas, rios, praias, cachoeiras

Principais territórios de Axé utilizados na

Grande Aracaju:

Praias (Aracaju e Barra dos Coqueiros); Rio

Pitanga (São Cristóvão); Rio Poxim (nas

proximidades da Universidade Federal de

Sergipe); Parque da Cidade (bairro

industrial); Prainha do bairro Industrial;

Principais territórios de Axé utilizados fora

da Grande Aracaju:

Cachoeira da Serra de Itabaiana; Cachoeira

de Macambira; mata e rio em Areia Branca

Ambiente natural indicado pela maioria dos

entrevistados como sendo o de maior uso:

Rio Pitanga, localizado na Rodovia João

Bebe Água/São Cristóvão

Fonte: Elaborado pela pesquisadora a partir das informações verbais fornecidas pelos

entrevistados.

Outros elementos importantes, que não estavam previstos no roteiro de perguntas,

emergiram nas respostas dos entrevistados sendo relevante aponta-los e discuti-los. Foram eles:

1. Problemas com a poluição;

2. Poucos espaços disponíveis para uso (desdobramento da urbanização;

desterritorialização; adaptações);

3. Distância e dificuldades com deslocamento;

4. Problemas com o uso de encruzilhadas urbanas para fins religiosos.

5. Proibição de acesso a alguns ambientes naturais (a exemplo do parque da cidade e

Serra de Itabaiana);

6. Preconceito com a religião;

7. Reivindicação de criação de um espaço reservado para as liturgias afrorreligiosas (nos

moldes do que existe no Rio de Janeiro);

8. Descrença quanto à criação de um espaço reservado em Sergipe.

A poluição em alguns ambientes naturais foi um problema apontado por 8 (oito)

entrevistados como fator que leva à diminuição do uso desses espaços para fins religiosos.

Algumas falas sinalizam que essa poluição é consequência do processo de urbanização:

“[...]tinha aquele rio perto da Universidade Federal mas aquele espaço ali já não tem mais

condição de uso. Acho que até uns dez anos ainda dava para usar[...]ficou muito sujo, muito

135

esgoto descendo no rio.” (LEGBARA, 2016, informação verbal158); “Tem a prainha aqui mas

não é o lugar adequado, porque as vezes a gente vai fazer uma limpeza de corpo e a água está

poluída, e pra fazer tem que ser em um lugar que água esteja pura, porque senão você resolve

um problema e arranja outro” (OYÁ, 2016, informação verbal159).

Entretanto, apesar da imbricada relação entre as divindades africanas e a natureza, sendo

ela um objeto de culto fundamental nas religiões afro-brasileiras, para nossa surpresa,

algumas falas dos entrevistados sinalizaram que ainda não existe uma preocupação

generalizada em manter uma relação sustentável entre religião e natureza. A falta de

consciência ambiental é apontada como um obstáculo interno, ou seja, como uma

dificuldade a ser superada pela própria comunidade religiosa.

Neste sentido, algumas falas merecem destaque: “[...]Aqui na João Bebe Água tem um

espaçozinho também que é com água corrente e tem muitas matas, mas as pessoas já estão até

deixando mais de ir lá fazer as coisas porque já tá muito poluído[...]o povo tem que se

reciclar[...]” (BAGAN, 2016, informação verbal160); “[...]muitos não têm aquela franqueza de

juntar um mutirão e limparem, joga lá e deixa lá[...]” (IBEJIS, 2016, informação verbal161);

“[...]a gente coloca sempre nas matas porque sabe que não vai agredir a natureza, [...] hoje a

gente já tem esse cuidado que antigamente não tinha não[...]” (SÃO JORGE, 2016, informação

verbal162); “[...]o povo também faz as coisas sem pensar, hoje você tem que preservar [...]ver

como acende suas velas porque tem gente que entra quer acender mas não quer saber[...]”

(CONCEIÇÃO, 2016, informação verbal163); “[...]Se você é de uma religião que está cultuando

a natureza você vai e polui a natureza, não é complicado?![...]” (OGUM, 2016, informação

verbal164).

O elemento “distância/proximidade” também aparece como fator que influencia na

escolha dos ambientes naturais utilizados. Alguns entrevistados informam que são poucos

espaços encontrados em Sergipe que reúnem, no mesmo ambiente, elementos favoráveis às

158 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.). 159 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 160 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 161 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.). 162 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 163 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz

de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.). 164 Entrevista concedida por OGUM. Entrevista 13. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (00:25:35 min.).

136

liturgias (a exemplo de mata, rio, cachoeira, etc.). O espaço urbano é apontado como local de

grande aglomerado humano e onde não se encontra mais a presença da natureza, por isso,

também, a necessidade de deslocamento para o interior.

Disso decorrem queixas em relação a dificuldade de descolamento para locais mais

distantes, o que envolve custos financeiros. A proximidade de Aracaju é destacada como fator

que influencia diretamente no grande fluxo de religiosos na mata e rio localizados na Rodovia

João Bebe Água (em São Cristóvão), por exemplo. Algumas falas são elucidativas: “[...]são

poucos os espaços[...]Quando você tem uma condição maior você pode buscar outros mais

distantes, cada vez mais distante, mas quando você não tem você vai onde alcança mais

rápido[...]” (LEGBARA, 2016, informação verbal165); “[...]na João Bebe Água usam muito

porque tem água corrente e tem a mata [...]é o lugar mais frequentado por pessoal de candomblé.

Não é longe e é menos perigoso, por enquanto[...]” (SÃO JORGE, 2016, informação verbal166);

“[...]Tem a festa de caboclo que é da mata, a gente faz em Santo Amaro porque é onde tem mata

aqui perto[...]” (SANTO ANTONIO, 2016, informação verbal167); “[...]viajei para o povoado

Quissamã para fazer as oferendas porque aqui no espaço urbano não comporta mais, então você

tem que se deslocar [...]” (ODÉ, 2016, informação verbal168).

A escassez de áreas verdes próximas aos terreiros obriga os religiosos a se deslocarem

para cada vez mais longe em busca de locais apropriados para seus rituais. Na medida que

avança a urbanização e a cidade cresce, as áreas verdes de acesso público, utilizadas para

oferendas, se tornam cada vez mais escassas pois sedem lugar à construção de empreendimentos

imobiliários ou, em outros casos, o acesso a esses locais se torna proibido. Sobre esse aspecto

alguns entrevistados citaram como exemplo o Parque da Cidade, o Rio Poxim (nas

proximidades da Universidade Federal de Sergipe) e a Serra de Itabaiana:

[...]tem o parque da cidade mas a gente não tem acesso assim...porque é proibido. A

não ser que você tenha um bom conhecimento e que conversando eles liberem, mas

geralmente pra levar alguma coisa lá assim, pra meter a cara assim, barra [se referindo

a polícia]. (OYÁ, 2016, informação verbal169).

165 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.). 166 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 167 Entrevista concedida por SANTO ANTONIO. Entrevista 9. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine

Muniz de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:41:02 min.). 168 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.). 169 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.).

137

[...]tinha um rio próximo mas que foi fechado, o rapaz cercou e não deixa ninguém

entrar, colocou até guarda armado se alguém entrasse no rio dele. Agora eu saio e

venho aqui próximo da Universidade Federal de Sergipe, tem aquele rio do lado que

também já fecharam uma boa parte, fizeram muro mesmo. [...]Cachoeira tem uma que

é dentro de uma fazenda e que a gente tem que pedir ao dono da fazenda para poder

entrar, ele deixa. Serra de Itabaiana mesmo também, como hoje é proibido também né

entrar! [...]. (CONCEIÇÃO, 2016, informação verbal170).

Tudo isso impacta negativamente na rotina das comunidades de terreiros que passam a

ter dificuldades em realizar seus cultos, em razão dos deslocamentos que envolvem custos

financeiros nem sempre possíveis de serem arcados pela comunidade como se denota da

seguinte fala: “[...]a religião afrodescendente é uma religião pobre, então pra eles se deslocar

daqui pro interior são custos, a distância dificulta!” (OYÁ, 2016, informação verbal171). Assim,

o direito à liberdade de culto dessa comunidade passa a sofrer uma violação direta.

Sobre esse aspecto ganha destaque a fala da entrevistada Conceição (2016), que

denuncia um processo de desterritorialização decorrente da urbanização, ou seja, a perda

de um território que outrora foi apropriado pela comunidade por meio do uso religioso que lhe

foi dado, o que hoje demanda desta comunidade uma série de adaptações e deslocamentos.

Vejamos:

Então hoje são poucos os espaços que a gente tem. É tanto que de vez em quando a

gente recebe a imprensa na porta pra perguntar “por que tal obrigação tá em tal lugar?!

Por que foi colocada perto dos prédios? Por que foi colocada na rotatória do distrito

industrial?”. A gente não tem mais lugar! Esses lugares todos foram tomados né?! E

tem construções, tem avenidas, tem ruas importantes. Ali perto da AABB não tinha

aqueles prédios, era mata, você entrava ali naquela estrada do lado você ia até longe

para entregar obrigação, entendeu? Hoje você praticamente não pode, aí o pessoal já

está reclamando porque os prédios surgiram, você tem um pouquinho de mata aqui

nesse local, mas adiante tem outro pedacinho, ou você entrega aqui na frente ou

entrega depois dos prédios. Geralmente o povo, para não ir muito longe na escuridão,

quando vai a noite, entrega ali naquele pedaço. E as pessoas já estão reclamando,

querem saber por que aquela obrigação foi colocada ali. Se não tem outro lugar,

entendeu?! Muita questão já foi levantada sobre isso. (CONCEIÇÃO, 2016,

informação verbal172).

Ademais, essa fala também demonstra que as religiões afro-brasileiras se relacionam

de uma forma muito peculiar com o espaço público, especialmente as encruzilhadas

urbanas, o que não se vê em outras religiões. As encruzilhadas também constituem ambientes

naturais e estão sob o domínio do Orixá Exu173, por esse motivo são espaços incorporados à

170 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz

de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.). 171 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 172 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz

de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.). 173 Prandi (2001) apresenta o mito que explica como Exu se tornou o dono das encruzilhadas e a consequente

importância da realização de oferendas rituais nos cruzamentos de rua: “Exu não tinha riqueza, não tinha fazenda,

138

territorialidade dos afrorreligiosos. E a posição ocupada pelas encruzilhadas nessa cartografia

simbólica do sagrado está diretamente relacionado à importância de Exu nos cultos afro-

brasileiros, orixá que “come primeiro”, pois em qualquer ritualística em que sejam realizadas

oferendas rituais aos orixás, é Exu que recebe a primeira oferenda conhecida como Padê de

Exu, assim descrito por Carneiro (1967):

[...]No chão, haverá uma garrafa de azeite de dendê, um prato de farofa, talvez um

copo de água ou cachaça. Vai-se fazer o despacho (padê) de Êxu, o homem da rua,

um espírito que, como criado dos ôrixás, pode fazer o mal e o bem, indiferentemente,

dependendo da vontade do invocante. Aqui, entretanto, a cerimônia tem o sentido de

lhe pedir licença para realizar a festa, que poderia perturbar, se quisesse, pelo fato de

não haver sido homenageado. Êxu depois do despacho consegue a boa vontade dos

ôrixás para o sucesso da festa. Os atabaques começam a tocar, enquanto as filhas mais

velhas, dagã ou sidagã, especialmente designadas para êsse fim, dançando em tôrno

da comida sagrada, tira ora um pouco do azeite, ora um pouco de farofa, ora um pouco

de água, e vai jogá-los fora, à entrada da casa, para que o homem da rua possa recebê-

los. (CARNEIRO, 1967, p. 69).

Vê-se, pois, a importância simbólica das encruzilhadas nas ritualísticas afro-brasileiras

e é neste ponto que emerge outro elemento colhido a partir das respostas de alguns

entrevistados: a dificuldade enfrentada pela comunidade com o uso de encruzilhadas

urbanas para fins religiosos.

As oferendas encontradas nas encruzilhadas urbanas, comumente chamadas de

despachos174, estão relacionadas com um importante fundamento das religiões afro-brasileiras:

o sacrifício ritual de animais (ou abate religioso, ou ainda, sacralização de animais). Esse

não tinha rio, não tinha profissão, nem artes, nem missão. Exu vagabundeava pelo mundo sem paradeiro. Então

um dia, Exu passou a ir à casa de Oxalá. Ia à casa de Oxalá todos os dias. Na casa de Oxalá, Exu se distraía, vendo

o velho fabricando os seres humanos. Muitos e muitos também vinham visitar Oxalá, mas ali ficavam pouco,

quatro dias, oito dias, e nada aprendiam. Traziam oferendas, viam o velhor orixá, apreciavam sua obra e partiam.

Exu ficou na casa de Oxalá dezesseis anos. Exu prestava muita atenção na modelagem e aprendeu como Oxalá

fabricava as mãos, os pés, a boca, os olhos, o pênis dos homens, as mãos, os pés, a boca, os olhos, a vagina das

mulheres. Durante dezesseis anos ali ficou ajudando o velho orixá. Exu não perguntava. Exu observava. Exu

prestava atenção. Exu aprendeu tudo. Um dia Oxalá disse a Exu para ir postar-se na encruzilhada onde passavam

os que vinham à sua casa. Para ficar ali e não deixar passar quem não trouxesse uma oferenda a Oxalá. Cada vez

mais havia mais humanos para Oxalá fazer. Oxalá não queria perder tempo recolhendo os presentes que todos lhe

ofereciam. Oxalá nem tinha tempo para as visitas. Exu tinha aprendido tudo e agora podia ajudar a Oxalá. Exu

coletava os ebós para Oxalá. Exu recebia as oferendas e as entregava a Oxalá. Exu fazia bem o seu trabalho e

Oxalá decidiu recompensá-lo. Assim, quem viesse à casa de Oxalá teria que pagar também alguma coisa e Exu.

Quem estivesse voltando da casa de Oxalá também pagaria alguma coisa a Exu. Exu mantinha-se sempre a postos

guardando a casa de Oxalá. Armado de um ogó, poderoso porrete, afastava os indesejáveis e punia quem tentasse

burlar sua vigilância. Exu trabalhava demais e fez ali sua casa, ali na encruzilhada. Ganhou uma rendosa profissão,

ganhou seu lugar, sua casa. Exu ficou rico e poderoso. Ninguém pode mais passar pela encruzilhada sem pagar

alguma coisa a Exu.” (PRANDI, 2001, p. 40-41). 174 Carneiro (1967) explica que o despacho, também conhecido como èbó, consiste em um “sacrifício de animais

aos orixás. Em geral consiste numa gamela com farofa de azeite de dendê, um galo, uma caveira de bode, moedas

de cobre ou de níquel, pedaços de pano vermelho, velas, uma boneca de pano...Muito comum nas encruzilhadas

ou ao pé da gameleira branca (pé de Lôko). O despacho é quase sempre preparado sem intenções ofensivas”

(CARNEIRO, 1967, p. 182).

139

fundamento está alicerçado em uma atmosfera de segredo acessível apenas a alguns membros

internos, e cujo aprendizado é transmitido oralmente dos mais velhos para os mais novos175.

Por meio dos saberes presentes no fazer do sacrifício ritual, os mais velhos, guardiões da

memória176, revivem os mitos de seus ancestrais, reforçam sentimentos de identidade,

pertencimento e afetividade, e cuidam da preservação e transmissão das memórias por ele

acionadas. Portanto, além de lugar de memória, o sacrifício ritual afrorreligioso é uma marca

identitária do sistema alimentar, ou seja, da cozinha votiva de terreiro, o que faz dele não apenas

um fundamento religioso, mas uma referência cultural e um saber-fazer177.

Dentre os rituais que compõem a oferenda de comida para as divindades do panteão

africano (a exemplo do acarajé) encontramos, não raramente, o sacrifício religioso de animais,

importante componente desse sistema culinário que agrega técnicas relacionadas às tradições

africanas, formando um conjunto de saberes e práticas culturais coletivas que são transmitidos

oralmente dos mais velhos para os mais jovens, segundo uma hierarquia religiosa:

Há sentido e função em cada ingrediente, e há significados nas quantidades, nos

procedimentos, nos atos das oferendas, nos horários especiais e dias próprios, no som

de cânticos, de toques de atabaque, agogô, cabaça e adjá ou do paô – bater palmas

seguindo ritmos específicos. (LODY, p. 29)

Assim como, por exemplo, o ofício das baianas de acarajé178 aciona todo um sistema

simbólico diretamente relacionado à memória da sua comunidade de pertencimento (no caso,

as religiões afro-brasileiras), o que dá suporte histórico e cultural a esse marcador identitário da

175 Rabelo (2015) explica que o processo de aprendizado no candomblé se assemelha ao trabalho de juntar folhas,

em virtude da fragmentação que se opera. Parte do conhecimento religioso “é considerado secreto (fundamento) e

mantido fora do alcance não só dos de fora, mas também daqueles, de dentro, que se situam na base da hierarquia

religiosa” (RABELO, 2015, p. 238). 176 “A guarda de uma memória comum é fator essencial na formação e manutenção de grupos (de tamanhos e tipos

variados), bem como é elemento base de sua transformação. Por isso, não pode sofrer mudanças abruptas ou

arbitrárias, sob o risco de desintegrar referenciais fundadores e ameaçar a própria manutenção da identidade do

grupo. Esta dimensão da memória, que lhe dá limites e demanda reelaboração permanente, vincula-se a um

fenômeno que a literatura especializada chama de “trabalho de enquadramento da memória”. Por conseguinte, o

enquadramento e a guarda da memória comum se retroalimentam, estando ligados à presença de uma figura

especial - porque singular no grupo e porque especializada -, que se reconhece e é reconhecida como o guardião

da memória. O guardião ou o mediador, como também é chamado, tem como função primordial ser um “narrador

privilegiado” da história do grupo a que pertence e sobre o qual está autorizado a falar.” (GOMES, 1996, p. 21). 177 Rabelo (2015) traz uma breve descrição de uma das muitas nuances presentes nesse saber-fazer. Trata-se do

que a autora chama de composição em camadas: “a arrumação dos materiais usados nas oferendas segue um modo

de composição similar. As partes dos bichos sacrificados destinadas aos orixás são depositadas em um alguidar e

parcialmente recobertas seja com uma espessa camada de penas, seja com materiais como milho branco, arroz, ou

feijão, também ofertados. Em alguns casos flores são “plantadas” sobre a base de grãos cozidos.” (RABELO, 2015,

p. 243). 178 Em 2007 o IPHAN publicou o Dossiê relativo ao registro do ofício das baianas de acarajé como patrimônio

cultural do Brasil, no Livro dos Saberes. Para saber mais ver: BRASIL. Ministério da Cultura. Ofício das baianas

de acarajé. Brasília, DF: IPHAN, 2007.

140

culinária de terreiro, também o sacrifício ritual aciona, entre os membros do grupo de

pertencimento, esse mesmo universo mítico-simbólico o que faz dele um lugar de memória.

Entretanto, se por um lado o ofício das baianas de acarajé, aqui utilizado como elemento

de comparação, constitui um lugar de memória enaltecido e preservado que alcançou o patamar

de patrimônio cultural imaterial em detrimento de tantas outras referências identitárias da

religiosidade afro-brasileira, o sacrifício religioso de animais parece passar longe de ser tomado

como uma referência cultural.

Neste contexto, entender as diferenças simbólicas existentes entre o ofício do acarajé e

fundamento do sacrifício ritual passa pelos tipos de ressonâncias externas provocadas por

ambos. Se de um lado temos uma ressonância externa positiva do acarajé: comida típica erigida

a símbolo nacional (assim como vemos com a feijoada), a ressonância externa provocada pelo

sacrifício ritual parece remeter ao que Maggie (1992) chamou de “medo do feitiço”. A autora

ressalta que esse medo se formou a partir das impressões provocadas pelos despachos

normalmente depositados nas encruzilhadas, cujas imagens povoam o imaginário popular

dando origem a uma espécie de “medo infantil” que “ninguém esquece [...] ao ver vela, galinha

preta, pele de cobra seca, alguidar com farofa, panos vermelhos e pretos, garrafas de cachaça

na esquina de casa” (MAGGIE, 1992, p. 21).

Maggie (1992) destaca que a crença na magia179 é algo compartilhado por pessoas de

todas as classes no Brasil e que sobrevive desde os tempos da Colônia. Acredita-se que feitiços

podem trazer malefícios mas também sorte, prejuízo ou sucesso financeiro, união ou separação

de casais, cura de doenças ou morte prematura, dentre outras fatalidades ou conquistas inerentes

à trajetória humana (DORNELLES; OLIVEIRA; DE LIMA, 2016).

Mas, sobretudo, o medo dos possíveis malefícios causados por feitiços trouxe graves

consequências para as religiões afro-brasileiras: na República deu origem a mecanismos

reguladores de combate aos chamados feiticeiros, a partir do Código Penal de 1890180; na

179 Durkheim (2003) estabelece uma distinção entre magia e religião segundo a qual o elemento crucial de distinção

entre ambas está relacionado ao caráter público que se encontra na religião mas não se encontra na magia. Enquanto

a magia se reserva a espaços mais privados, se esconde do público e não tem a função de promover a unidade e a

identidade entre os membros de um grupo, a religião tem um caráter público que está consubstanciado pela igreja,

definida por pelo autor como “[...] uma sociedade cujos membros estão unidos por se representarem de uma mesma

maneira o mundo sagrado e por traduzirem essa representação comum em práticas comuns” (DURKHEIM, 2003,

p. 28). 180 O Código Penal de 1890 instituiu três artigos que criminalizavam a prática ilegal da medicina (artigo 156), a

prática da magia (artigo 157) e o curandeirismo (artigo 158). Transcrevemos aqui o artigo 157 por guardar maior

relação com a temática ora explorada: “Art. 157 – Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs

e cartomancias para despertar sentimentos de ódio e amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim

para fascinar e subjugar a credulidade pública. Penas – prisão celular por um a seis meses e multa de 100$ a

500$000. [...]” (BRASIL, 1890).

141

atualidade continua alimentando o preconceito e os estigmas181 que acompanham os religiosos

e suas liturgias desde o pós-abolição, especialmente o sacrifício religioso de animais

(DORNELLES; OLIVEIRA; DE LIMA, 2016). A seguinte fala parece refletir essa realidade:

O grande problema está nas encruzilhadas porque elas são em um ambiente urbano e

muitas vezes os rituais requerem não encruzilhadas desertas, mas encruzilhadas

movimentadas. [...] É esse o grande problema que é onde nós nos confrontamos com

a polícia, que alguns passam fazendo de conta que não veem mas tem muitos que

gostam de abordar e se você conversar vai preso. Eu já fui abordado mas graças a

Deus liberaram, fui com minha cara, rezei muito, fiz muita manobra espiritual do

candomblé para ele relevar aquilo. Mas as vezes é na hora mesmo, você está

colocando a oferenda na encruzilhada, que é um espaço urbano, aí passa um carro de

polícia aí para, dá a volta, aí atrapalha a concentração, atrapalha os pedidos que você

está fazendo para aquela pessoa e aí é um grande problema. (ODÉ, 2016, informação

verbal182).

Neste sentido, para além do processo de urbanização que avança indiscriminadamente

trazendo dificuldades no que se refere a utilização das encruzilhadas urbanas pela comunidade

afrorreligiosa, e neste sentido é elucidativa a fala da entrevistada Conceição (2016): “[...]A

gente não tem mais lugar! Esses lugares todos foram tomados né?! E tem construções, tem

avenidas, tem ruas importantes[...]”; nota-se a existência de um outro aspecto que norteia essa

relação complexa: é o “medo do feitiço”. E este fator está intrinsicamente relacionado com o

preconceito histórico e o estigma que marca as religiões afro-brasileiras ainda nos dias

atuais.

A partir do chamado “medo do feitiço”, especialmente da crença na capacidade dos

feiticeiros produzirem malefícios diversos pelo uso da magia, foram alicerçados critérios de

discriminação que ainda acompanham as religiões afro-brasileiras, suas liturgias e seus fiéis

(DORNELLES; OLIVEIRA; DE LIMA, 2016). A alcunha de macumbeiro, originalmente

utilizada como sinônimo de feiticeiro, hoje é dirigida indiscriminadamente aos afrorreligiosos

como um estigma (GIUMBELLI, 2002).

Essa espécie de herança histórica que ainda persegue a comunidade afrorreligiosa é

denunciada nas falas de alguns entrevistados: “[...]Aqui ainda tem aquela questão que pensam

‘porque eu tenho que fazer um parque pros macumbeiros?’ [...]no nosso Estado existe uma

181 Maggie (1992) aponta que, de 1890 a 1940, o Código Penal proporcionou discussões sobre o que era prática

religiosa e o que era prática de magia, sobre quem era religioso e quem era feiticeiro, como uma forma de

desqualificar crenças e cultos tidos como de negros e pobres, em outras palavras, as religiões afro-brasileiras

(DORNELLES; OLIVEIRA; DE LIMA, 2016). 182 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.).

142

questão de barreira de preconceito mesmo[...]” (SAHARA, 2016, informação verbal183); “[...]

por mais que você vá lá com uma garrafinha de dois litros e pegue uma água e alguém te olhe

pegando e diga “macumbeiro!”, mas você não consegue trazer o mar pra dentro de casa[...]”

(XANGÔ, 2016, informação verbal184); “[...]Cachoeira frequentada é a cachoeira de

Macambira, se for de manhãzinha cedo [...] porque depois já começa a encher de gente e muitos

ficam com chacota[...]” (ODÉ, 2016, informação verbal185); “[...]As pessoas não se importam

tanto com a presença da gente [...]muitos até cantam com a gente, bate palma, vai

acompanhando os pontos, entendeu?!. Mas infelizmente aqui [em Aracaju] as coisas estão mais

difíceis[...]” (CONCEIÇÃO, 2016, informação verbal186); “[...]Acho que seria muito legal mas

não acho possível justamente pelo preconceito, até dentro dos órgãos públicos existe o

preconceito[...]” (OGUM, 2016, informação verbal187).

Vê-se, portanto, que “a liberdade religiosa no Brasil foi sendo construída num cenário

em que se distinguiam quais religiões teriam direito à proteção legal e quais eram práticas

consideradas antissociais, devendo ser perseguidas” (MIRANDA, 2010, p. 129). A construção

do discurso que colocou os cultos afro-brasileiros como práticas primitivas e associados à

feitiçaria teve início ainda nos tempos de Colônia mas se consolidou de tal forma que ainda está

presente no imaginário social (MAGGIE, 1992). Disso decorre uma maior intolerância com

relação às manifestações da religiosidade afro-brasileira que carregam até hoje o estigma do

preconceito e da segregação racial praticada contra os negros (GIUMBELLI, 2002).

Outro elemento que emergiu a partir das respostas analisadas na Tabela 5 foi a existência

de reivindicação de criação de um espaço reservado para as liturgias afrorreligiosas, cujo

modelo citado pelos entrevistados faz referência ao Espaço Sagrado existente no Rio de Janeiro.

Em contrapartida, essa reivindicação é acompanhada de uma descrença quanto à

concretização desta iniciativa em Sergipe (que, por sua vez, se entrelaça com o preconceito

sofrido pela religião). Vejamos trechos das entrevistas que abordam essa tríade (reivindicação-

descrença-preconceito):

183 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.). 184 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 185 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.). 186 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz

de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.). 187 Entrevista concedida por OGUM. Entrevista 13. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (00:25:35 min.).

143

[...] teve até uma conversa com o governo de um Espaço Sagrado, por entender a

necessidade da manutenção desses espaços da natureza que é importante para nós de

matriz africana, mas até agora a gente não avança na discussão. A gente conversou

com o governo, o governo diz que estava fazendo um local que seria um jardim

botânico e podia ver se adaptava esse local pra também ser um espaço que as matrizes

africanas utilizassem para manutenção da sua liturgia, mas não avança. Sempre é uma

conversa que vai e para o caminho. Como tem em outros estados, tem no Rio, tem em

outros lugares e funciona muito bem no Rio de Janeiro e os terreiros mantem aquela

área ali preservada porque é nossa tradição preservar a natureza, mas aqui as conversas

não avançam. (LEGBARA, 2016, informação verbal188).

Existe uma intenção da prefeitura de São Cristóvão de tombar aquilo ali como

patrimônio porque é mata Atlântica também. Nós já entramos com um pedido na

época de Dr. Lauro Rocha, isso eu me lembro, de transformar ali num parque

ecológico de axé, que seria uma reserva de mata protegida, tombada pelo município,

para utilização dos afrorreligiosos como existe em Niterói, como existe no Rio de

Janeiro que existem parques eco-axés onde as pessoas vão para lá para fazer seus

trabalhos. Existe uma pessoa na frente a quem se paga uma certa quantia para ter

acesso, uma taxa de utilização, e você tem o rio, tem a mata, e tem uma pessoa

responsável para sair limpando a área. Então isso já foi um projeto muito grande, na

época de Dr. Lauro Rocha da gente fazer um tombamento daquela área do rio Pitanga,

de ser um parque eco-axé. Só que isso ficou no papel e não foi mais adiante. Hoje em

dia eu acho necessário termos uma união e tentarmos transformar ali o rio Pitanga em

um Eco Parque Axé. Seria uma forma de pensar no futuro porque a gente teria uma

água corrente de boa qualidade, uma mata com espécies nativas e espaços bons para

arriar nossos trabalhos. [...] Já se foi tocado nesse assunto várias vezes com a

prefeitura de São Cristóvão e nenhum retorno foi dado. Aqui ainda tem aquela questão

que pensam “porque eu tenho que fazer um parque pros macumbeiros?” E no Rio de

Janeiro isso se superou até porque o culto afro lá é muito importante, eles têm uma

outra visão. Já no nosso Estado existe uma questão de barreira de preconceito mesmo.

Então uma política pública de preservação de espaços públicos naturais para utilização

dos afrorreligiosos seria excelente, mas infelizmente a gente conta com muito

preconceito em cima disso. Isso já foi citado na Assembleia Legislativa, na Câmara

de Vereadores aqui de Aracaju, porque a gente pensou também no Parque da Cidade

em ter uma área reservada para os afrorreligiosos, isso eu me lembro que nos anos

2000/2001 a gente já citou essa situação e perdemos naquela época com a bancada

evangélica, foi quando conseguimos que Déda também valorizasse os terreiros e que

isentasse do IPTU, isso a gente conseguiu, mas a questão da reserva nunca.

(SAHARA, 2016, informação verbal189).

[...]Ali seria um ambiente perfeito para a gente que tem casa de santo, se fosse um

lugar tipo pela prefeitura ou por algum órgão municipal, que separasse aquele espaço

para a gente, uma espécie de santuário, seria perfeito. Acho que seria muito legal mas

não acho possível justamente pelo preconceito, até dentro dos órgãos públicos existe

o preconceito. Existe a bancada evangélica hoje em dia que acaba interferindo de uma

certa forma. Seria interessante ter um ambiente para a gente da religião, mas o mais

interessante seria a gente poder usar qualquer ambiente[...]. (OGUM, 2016,

informação verbal190).

O “Projeto Espaço Sagrado”, citado como modelo por alguns entrevistados, se

consolidou em 2012 e possibilitou a criação de um espaço específico para rituais afrorreligiosos

188 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.). 189 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.). 190 Entrevista concedida por OGUM. Entrevista 13. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (00:25:35 min.).

144

no Parque Nacional da Floresta da Tijuca191, no Rio de Janeiro. Em 2014 o projeto se expandiu

para dois outros locais, a Cachoeira Sagrada do Rio da Prata e o Espaço Pretos Forros e

Covanca.

O Programa Ambiente em Ação192 é fruto de iniciativa da Superintendência de

Educação Ambiental da Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro em parceria com

a Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ, e possui como objetivo principal “apoiar a

construção coletiva da sustentabilidade ambiental através da articulação, fortalecimento e

implementação de políticas públicas voltadas para questões sociais, culturais e ambientais”

(CORRÊA et. al., 2013, p. 3).

A linha de ação voltada para o público afrorreligioso é desenvolvida pelo projeto Elos

da Diversidade193, e foi criada com o objetivo de enfrentar e buscar soluções para o conflito194

envolvendo o uso público religioso de áreas naturais protegidas por lei, como é o caso do Parque

Nacional da Tijuca. Trata-se de um processo coletivo de construção de políticas públicas aptas

a garantir e proteger a diversidade ambiental e cultural em unidades de conservação, “com foco

na criação de um Espaço Sagrado coletivamente pensado e gerido e legalmente instituído, que

atenda às necessidades e demandas da conservação da natureza e de seu público religioso

191 O referido projeto é fruto de oito anos de conversas com representantes das religiões afro-brasileiras, que

levaram à criação do Decálogo das Oferendas, texto voltado para a educação ambiental e religiosa, tendo em vista

o risco ambiental que oferendas podem causar, devido ao uso de elementos como velas, carcaças de animais,

garrafas de vidro e potes de barro, potencialmente incendiários ou poluidores (NITAHARA, 2014). O Decálogo

das Oferendas foi escrito por integrantes da ONG Defensores da Terra e o templo Ilê Omi Oju Arô, e “pontua os

cuidados que devem ser tomados na escolha do local para a realização da oferenda, os ‘5 R’s das oferendas: reduzir,

reaproveitar, reciclar, responsabilizar e recolher’, o uso de materiais biodegradáveis nas oferendas, e ainda pontos

polêmicos entre os próprios religiosos como o uso, ou não, de velas e o tempo mínimo que a oferenda precisa ficar

na natureza (BONIOLO, 2015, p. 6). 192 O Programa atua em três linhas de ação voltadas para grupos sociais discriminados e em situação de maior

vulnerabilidade social e ambiental, como os moradores de comunidades de favelas cariocas, os adeptos das

religiões afro-brasileiras e o público LGBT, “buscando enfrentar os conflitos, discriminações, preconceitos e

injustiças sociais e ambientais históricas vivenciadas por eles” (CORRÊA et. al., 2013, p. 4). 193 “O Elos da Diversidade pode ser entendido como uma política pública que tinha três metas: a construção da

infraestrutura do Espaço Sagrado, a regulamentação do seu uso por meio de regras construídas em conjunto com

os religiosos e atividades de educação ambiental, que consistiam em oficinas com a finalidade de discutir a

reformulação das práticas religiosas e incentivar o uso de elementos biodegradáveis, situando os grupos religiosos

dentro de um contexto mais amplo dos discursos ambientalistas de preservação da natureza. Além do mais, podia

ser entendido como um grupo formado por religiosos de matriz afro-brasileira (umbanda e candomblé), por

professores acadêmicos, por uma equipe de apoio administrativa e de eventos e, ainda, por funcionários da

SEAM/SEA. Um conjunto de dez religiosos “mais velhos” – considerados pelos membros do Elos, os mais

tradicionais da cidade, tanto do candomblé como da umbanda, chamados de Guardiões do Sagrado e da Natureza

– finalizava a lista dos integrantes” (BONIOLO, 2015, p. 7). 194 Boniolo (2015) esclarece que o projeto de construção de um espaço sagrado destinado ao uso religioso da

comunidade de matriz afro-brasileira surgiu como desdobramento dos impedimentos por parte dos funcionários

do Parque Nacional da Tijuca quanto ao uso do espaço público da floresta por parte dos religiosos. Neste sentido,

“representantes de ONGs, professores acadêmicos, religiosos de matriz afrobrasileira e funcionários do Parque

passaram a discutir a temática da oferenda com o objetivo de encontrar maneiras de garantir que os direitos

constitucionais dos religiosos fossem assegurados, e que, ao mesmo tempo, os direitos de proteção do Parque

fossem mantidos” (BONIOLO, 2015, p. 4-5).

145

usuário” (CORRÊA et. al., 2013, p. 4). Busca-se, com essa iniciativa, “resgatar a sacralidade

da natureza e fortalecer os elos entre os conhecimentos tradicionais e científico, como meios

para a sustentabilidade social e ecológica” (CORRÊA et. al., 2013, p. 4).

Através do Projeto Espaço Sagrado foi urbanizado um local conhecido como Curva do

S195, no Alto da Boa Vista, para transformá-lo oficialmente em um espaço para a realização de

oferendas religiosas (NITAHARA, 2014). O local escolhido já era um espaço tradicionalmente

utilizado pelas religiões afro-brasileiras em suas liturgias, configurando-se, assim, como um

sítio natural sagrado para essa comunidade.

A discussão em torno dos sítios naturais sagrados vem ganhando visibilidade na

literatura internacional, bem como em eventos promovidos pela Organização das Nações

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a União Internacional para a

Conservação da Natureza (IUCN). Fernandes Pinto e Irving (2015) destacam a importância de

ações para o mapeamento e a salvaguarda de sítios naturais sagrados, o que também é destaque

nos fóruns internacionais sobre políticas públicas, demonstrando o reconhecimento

internacional dos direitos dos povos tradicionais e da importância dos seus conhecimentos para

a conservação da biodiversidade e biocultura (FERNANDES-PINTO; IRVING, 2015).

Fernandes Pinto e Irving (2015) realizaram levantamento bibliográfico em que foram

identificados 60 (sessenta) lugares no território nacional em que “elementos naturais são

imbuídos de sacralidade por determinados grupos sociais e que, portanto, correspondem aos

denominados sítios naturais sagrados no Brasil”196, havendo predominância de lugares sagrados

para o catolicismo e as religiões de matriz africana (FERNANDES-PINTO; IRVING, 2015, p.

398).

195 Boniolo (2015) explica que “a Curva do S não foi a primeira opção dos atores dessas discussões, mas acabou

sendo escolhido por abrigar os elementos naturais indispensáveis aos rituais religiosos, como pedra, água, árvores

e, principalmente, pela privacidade. Ainda que às margens de uma avenida, o lugar fica protegido do olhar de

quem passa pela estrada. [...] O lugar, já frequentado pelos religiosos, ganharia uma infraestrutura que permitiria

aos frequentadores mais “conforto” e “dignidade”. [...] O projeto consistia/consiste em reformular o interior da

Curva do S para melhorar as condições das práticas rituais. Desde o primeiro croqui até a maquete apresentada em

2013, foram planejados banheiros, telefone público, composteira, vestiários, bancos, construção de rampas para

facilitar o acesso de deficientes físicos e idosos, coleta regular de lixo e um espaço em que pudesse ser realizado

cerimônias, eventos e até oficinais de reformulação das oferendas” (BONIOLO, 2015, p. 5). 196 “Esses sítios - representados por cavernas, montanhas, cachoeiras, matas, formações rochosas, cursos de água,

lagoas, dunas e árvores - estão distribuídos em 14 estados brasileiros, destacando-se os do Rio de Janeiro, Bahia e

Minas Gerais” (FERNANDES-PINTO; IRVING, 2015, p. 398). Corrêa et. al (2013) destaca, contudo, que “o

reconhecimento de áreas sagradas no Brasil caminha a passos lentos. Desde que o país assinou a convenção para

salvaguarda do patrimônio imaterial, em 2003, apenas uma área foi reconhecida oficialmente como sagrada, a

Cachoeira do Iauaretê do Rio Uaupés, na região do Alto Rio Negro, no estado do Amazonas. Para o pensamento

preservacionista brasileiro, o uso religioso da natureza não é um dos objetivos da conservação, que não veem com

bons olhos a presença de religiosos no interior das unidades” (CORRÊA et. al., 2013, p. 12).

146

O referido estudo, sustentado pela literatura internacional, demonstra que existe uma

tendência mundial no sentido de que muitos desses sítios naturais sagrados tenham sido

incorporados a áreas oficialmente designadas como de conservação e proteção da natureza.

Também sinaliza para o fato de que a relação entre os povos tradicionais que mantém laços

culturais e religiosos com os sítios naturais sagrados e a gestão das áreas protegidas no Brasil

tem sido atravessada por conflitos relacionados ao direito de acesso e uso desses espaços

naturais (FERNANDES-PINTO, IRVING, 2015, p. 402).

Para um melhor enfrentamento e solução desses conflitos a parceria entre os usuários

religiosos das unidades de conservação e a administração pública é vista como fundamental

(SERPA, 1996 apud FERNANDES-PINTO, IRVING, 2015, p. 402). Neste sentido, o projeto

“Espaço Sagrado” constitui uma iniciativa emblemática no Brasil que merece destaque pela

complexidade197 envolvida e pelo objetivo de favorecer "o diálogo entre os saberes religiosos e

o conhecimento científico que, por caminhos e olhares diferentes, cuidam e protegem a

natureza" (CORRÊA et al., 2013, p. 4).

Todo o processo de implantação do “Espaço Sagrado” foi calcado na parceria entre a

comunidade afrorreligiosa (usuários tradicionais do parque), pesquisadores, acadêmicos,

ambientalistas e representantes da administração pública. Buscou-se compatibilizar a

necessidade da proteção ambiental com o respeito pela diversidade das expressões

culturais/religiosas tradicionalmente construídas nas áreas protegidas, consolidando a

instituição de um espaço sagrado fruto do planejamento e gestão participativa (CORRÊA et al.,

2013).

O resultado concreto dessa iniciativa foi a implantação, em 2012, do Espaço Sagrado da

Curva do S (no Parque Nacional da Tijuca), e em 2014 a expansão do projeto para dois outros

locais, a Cachoeira Sagrada do Rio da Prata (em Campo Grande/RJ) e o Espaço Pretos Forros

e Covanca (em Jacarepaguá/RJ). Os Espaços Sagrados da Curva do S e da Cachoeira do Rio

Prata são destinados aos cultos e liturgias das religiões de matriz africana, enquanto o Espaço

Sagrado de Jacarepaguá é destinado para a prática religiosa evangélica (FERNANDES-PINTO,

IRVING, 2015).

197 O Parque Nacional da Tijuca, também conhecido como Floresta da Tijuca, está situado no centro urbano do

Rio de Janeiro inserido em uma região de grande visitação turística. O local tem grande importância histórica,

arqueológica, artística e cultural, além de ser utilizado pelos afrorreligiosos como sítio natural sagrado (para

realização de cultos e liturgias) desde o período colonial, do que resulta uma profunda complexidade para a sua

gestão e harmonização de tantas formas concorrentes e distintas de uso (MOUTINHO DA COSTA, 2008;

FERNANDES-PINTO; IRVING, 2015).

147

O exemplo do Parque Nacional da Tijuca sinaliza para a possibilidade de uma gestão

participativa198 de sítios naturais sagrados em áreas de conservação ambiental, capaz de

conciliar os interesses da comunidade afrorreligiosa aos objetivos de conservação da natureza

(FERNANDES PINTO; IRVING, 2015). Esse projeto pioneiro demonstra a possibilidade do

diálogo e harmonização de interesses na busca tanto da proteção ambiental quanto cultural.

A experiência consubstanciada no projeto “Espaço Sagrado” demonstra, também, a

“importância de se levar em consideração no fluxo do processo de planejamento aqueles que

estão mais próximos às ações resultantes das políticas, ou seja, vêem o processo de baixo para

cima (bottom up199) [...]” (OLIVEIRA, 2006, p. 278-279). Trata-se de um bom exemplo do

quanto os processos participativos podem ter um efetivo potencial de emancipação e mudança

de comportamentos, possibilitando a aprendizagem coletiva e fortalecendo o processo

democrático e a cidadania, de modo que “a participação viabiliza uma ‘humanização’ das

políticas sociais, colocando os próprios atores no centro do processo” (MARQUES, 2009, p.

67). Portanto, a participação dos atores sociais diretamente interessados na criação das diretrizes

das políticas públicas das quais serão destinatários representa um aprofundamento do processo

democrático200 (OLIVEIRA, 2006).

Entretanto, é bom ressaltar que não basta uma gestão participativa para se garantir o

sucesso da política pública. Neste sentido, Rodrigues (2013), tratando sobre o modelo dos ciclos

das políticas públicas, esclarece que estas são “concebidas como um processo, composto por

um conjunto de atividades [...] que visam atender às demandas e interesses da sociedade”.

Dentre essas atividades ou estágios que compõem os ciclos das políticas públicas, a autora

198

Sobre gestão participativa em Unidades de Conservação, Coelho (2010) pontua que ela “[...] engloba ações de:

Planejamento e monitoramento participativos que são realizadas com todos os atores envolvidos desde o início

do processo de forma coletiva reconhecendo a diversidade de saberes; Educação ambiental uma vez que o

processo de gestão desencadeia produção de novos conhecimentos, posicionamento político e conscientização que

capacita a criação de alternativas aos problemas enfrentados até a tomada de decisões coletivas e partilha de

responsabilidades; Fiscalização que, ao proporcionar socialização de informações e esclarecimentos, possibilita

mudanças de atitudes, bem como intervenções diretas relacionadas às ações criminosas praticadas no bioma”

(COELHO, 2010, p. 109). 199

Os defensores do sistema de participação popular bottom up sustentam que os atores sociais conhecem de perto

a realidade e quais os melhores caminhos para alcançar o resultado almejado, e que essa modalidade de

participação popular torna o processo mais democrático (OLIVEIRA, 2006, p. 279). 200 O processo democrático, diferente do que o senso comum supõe, não diz respeito a um regime de convívio

harmonioso, ao contrário, está diretamente relacionado a existência de conflitos sociais. Oliveira (2010), citando

o pensamento de Claude Lefort, pontua que para o autor “a democracia não é um regime que traz consigo a solução

para o problema da convivência humana, colocando ‘o povo’ no poder e instituindo assim a ‘boa sociedade’”

(OLIVEIRA, 2010, p. 23-24). Portanto, para Lefort, “a democracia, sob pena de perder-se, não pode ser realizada!”,

devendo permanecer no “nível simbólico”, sendo impossível realiza-la sem divisões e conflitos sociais, fora de um

“regime de fissuras” (OLIVEIRA, 2010, p. 24).

148

destaca: “preparação da decisão política201, agenda setting202, formulação203, implementação204,

monitoramento205 e avaliação206” (RODRIGUES, 2013, p. 47). A observância dessas atividades

facilita que a implementação da política pública efetivamente venha a atender às demandas e

interesses sociais para os quais foi engendrada, assegurando, assim, a promoção da justiça social

e a consolidação do processo democrático (RODRIGUES, 2013).

Sobre espaços naturais externos que deixaram de ser utilizados pelos terreiros

investigados foram apresentadas as seguintes perguntas aos entrevistados:

→ BLOCO V, PERGUNTA 4 - Sabe informar se existe algum espaço/ambiente natural que

outrora era utilizado de forma habitual pelo terreiro mas que hoje esse uso não é mais

possível? Qual ou Quais?

PERGUNTA 5 – Sabe informar por que o uso não é mais possível?

Abaixo segue tabela contendo os resultados integrais obtidos a partir das perguntas n. 4

e 5, constantes no Bloco V:

201 É nessa etapa que ocorre o processo decisório para escolher quais problemas serão incluídos na agenda governamental,

portanto, refere-se à “formação da questão a ser resolvida” pelo governo (RODRIGUES, 2013, p. 47). 202 Esse estágio “diz respeito à formação da agenda. [...] o problema [...] adquire o status de ‘problema público’ – e as

decisões sobre esse problema resultarão, efetivamente, no desenho de políticas ou programas que deverão ser

implementados (na etapa seguinte)” (RODRIGUES, 2013, p. 48). 203 Nesse estágio “a discussão passa a girar em torno do desenvolvimento de cursos de ações aceitáveis e pertinentes

para lidar com determinado problema público. Nesse momento, o governo traduz a questão que entrou na agenda pública

em política (isto é, desenha o programa/política e apresenta a proposta para solucionar tal questão), definindo seus

objetivos e marcos jurídico, administrativo e financeiro [...]” (RODRIGUES, 2013, p. 50). 204 “Significa, em termos gerais, a aplicação da política pela máquina burocrática do governo. Essa etapa refere-se

também ao estágio de planejamento administrativo e de recursos humanos do processo político. [...] Trata-se, portanto,

do momento de preparação para colocar as ações de governo em prática. [...] Os resultados dessa etapa do processo [...]

constituem-se no impacto do programa ou política implementada” (RODRIGUES, 2013, p. 51). 205 Esse estágio é fruto da “necessidade de realizar uma avaliação pontual (monitoramento) das ações de governo

referentes ao impacto da implementação. Durante o monitoramento abre-se a possibilidade de corrigir os rumos da

implementação, não só para que o desempenho das ações seja maximizado, mas também para que estes levem em conta

se a relação meios-fins está adequada e se as metas previamente propostas têm, de fato, efetividade” (RODRIGUES,

2013, p. 51). 206 “[...] a atividade de avaliação de resultados da política/programa concentra-se nos efeitos gerados, além de oferecer

subsídios que possibilitem perceber em que medida as metas foram, de fato, atingidas (ou não) e de orientar a tomada

de decisões sobre o futuro dessas ações. A avaliação consiste, portanto, numa análise a posteriori dos efeitos produzidos

pelas políticas públicas” (RODRIGUES, 2013, p. 52).

149

Tabela 6 – Análise das respostas fornecidas às perguntas 4 e 5, bloco V.

PERGUNTA 4: Sabe informar se existe algum espaço/ambiente natural que outrora era utilizado de forma habitual pelo terreiro mas que hoje esse uso não é mais possível?

Qual ou Quais?

PERGUNTA 5: Sabe informar por que o uso não é mais possível?

IDENTIFICAÇÃO RESPOSTA FORNECIDA PELO(A) ENTREVISTADO(A) SÍNTESE DA RESPOSTA COMPREENSÃO A PARTIR DA RESPOSTA

1. Bagan Localização: Pai André, Nossa Sra. do

Socorro

Início das atividades: 1995

Pergunta 4: As encruzilhadas da cidade.

Pergunta 5: Por vários motivos né, por ter consciência mesmo da

preservação dos espaços, não é nem isso que eu quero dizer, é que

não tem necessidade da gente tá levando pras encruzilhadas garrafa

de vidro, agridais, pra tá poluindo. Então a gente pode levar as

folhas da mamona, fazer umas cestinhas no jornal e levar, mas aí

teve a questão também da poluição de dizer que tá poluindo a

cidade, que teve também um ato aí há pouco tempo, um tempo aí

desses atrás de que botaram uma cabeça de boi, não sei quantos

bodes, não sei quantas garrafas de cachaça na encruzilhada e isso

repercutiu muito mal para a gente, pra religião, porque é um

desperdício né? Você pegar sete bodes, não sei quantas galinha né,

a cabeça de boi, mocotó e botar na rua pra estragar, porque o Orixá

ele quer a oferenda mas aquela carne pode dar pra comunidade

comer, então a gente tem essa consciência de que não precisa fazer

esse desperdício. E as garrafas de botar a cachaça, que tem a

entidade realmente que tem que receber as oferendas deles na rua,

e a gente chegou a uma conclusão que antigamente não existia

vidro, não existia garrafa e era feita essas oferendas e de que forma?

Com as coisas naturais, que era as cabaças então a gente chega a

conclusão que o Exu vai receber a oferenda da mesma forma, se

você não tiver a cabaça você leva a garrafa, você despeja e traz a

garrafa de volta pro lixo, pra não deixar lá, pra não poluir e não

denegrir mais ainda a nossa religião. Eu acho também que a questão

é de consciência sabe? Os direitos humanos fala muito sobre isso,

sobre a questão da poluição né e eu moro num lugar que você vê

que ele é abençoado pelos orixás mas nem todo mundo mora nesses

lugares, tem pessoas que moram no Augusto Franco que tem sua

casa no Augusto Franco, e aí tem que ter essa consciência de vai

levar seus ebós se não tiver outro jeito, que tem que ir pra rua, tem

que ir pra encruzilhada, que não vá botar na porta de ninguém pra

depois as pessoas não tá difamando, chutando, varrendo e xingando

né, que bote em algum espaço que não incomode ninguém porque

o Orixá vai aceitar da mesma forma. É que tudo é questão de

consciência também, tem coisas que a gente tem que fazer, como

As encruzilhadas da cidade; É que não

tem necessidade da gente tá levando

pras encruzilhadas garrafa de vidro,

agridais, pra tá poluindo. Tem que ter

essa consciência de vai levar seus

ebós se não tiver outro jeito, que tem

que ir pra rua, tem que ir pra

encruzilhada, que não vá botar na

porta de ninguém pra depois as

pessoas não tá difamando, chutando,

varrendo e xingando né, que bote em

algum espaço que não incomode

ninguém porque o Orixá vai aceitar da

mesma forma.

Assim como em algumas respostas apresentadas

na Tabela 4, aqui também se destaca a relação

diferenciada da religião com o espaço público,

especialmente as encruzilhadas urbanas.

Se por um lado a entrevistada reforça a

necessidade de utilização das encruzilhadas

urbanas quando afirma que “tem a entidade

realmente que tem que receber as oferendas

deles na rua”, por outro ela aponta duas razões

para uma mudança na utilização desses espaços:

1. Para evitar a poluição do espaço urbano: “não

tem necessidade da gente tá levando pras

encruzilhadas garrafa de vidro, agridais, pra tá

poluindo”;

2. A imagem negativa associada à religião em

razão dos ebós deixados nas encruzilhadas:

“botaram uma cabeça de boi, não sei quantos

bodes, não sei quantas garrafas de cachaça na

encruzilhada e isso repercutiu muito mal para a

gente, pra religião”; “que não vá botar na

porta de ninguém pra depois as pessoas não tá

difamando, chutando, varrendo e xingando né,

que bote em algum espaço que não incomode

ninguém”

150

tem que fazer um agradozinho na porta de uma igreja, fazer um

agradozinho na porta de um banco, entendeu? A gente faz mas não

precisa levar materiais que não vai se decompor ali, a gente pode

usar folhas que não vai ter problemas depois, que o tempo come e

não vai ter problemas depois.

2. Legbara

Localização: Bairro Industrial, Aracaju

Início das atividades: 2010

Pergunta 4: Não tenho conhecimento, até porque acho que nunca

teve um lugar específico dos terreiros, sempre são variedades de

lugares. Onde a gente encontra o melhor espaço aí ali é utilizado. A

não ser que seja um braço de rio que tem ali em São Cristóvão que

ali era muito utilizado, a gente ia, mas que hoje ele não tem

condições.

Pergunta 5: tanto pela criminalidade que é um local que se tornou

muito perigoso, tanto pela poluição também do rio, nesse pedacinho

desse rio aí, que ele se divide em uma ponte de um lado a outro, e o

lado de cá já não utiliza mais de forma nenhuma, o outro do lado de

lá é que muitos terreiros iam usar lá aquele espaço, a gente pouco

usa lá enquanto terreiro, não lembro o tempo que eu fui. Mas eu

lembro que era muito utilizado, mas não sei hoje como é que tá.

Termina que os esgotos desembocam nos rios e aí traz a morte do

rio.

Não tenho conhecimento. A não ser

que seja um braço de rio que tem ali

em São Cristóvão que ali era muito

utilizado, a gente ia, mas que hoje ele

não tem condições, tanto pela

criminalidade como pela poluição.

A violência e a poluição são indicados como

fatores que impedem a continuidade de uso de

ambientes naturais que, tempos atrás, eram

usados para fins litúrgicos. Por sua vez, a

entrevistada parece sinalizar que tanto a

violência quanto a poluição são desdobramentos

da urbanização, visto que suas falas fazem

referência a processos de mudança, ou seja, de

uma situação que já foi favorável mas que se

modificou. Vejamos: “[...]pela criminalidade

que é um local que se tornou muito perigoso,

tanto pela poluição também do rio [...]Mas eu

lembro que era muito utilizado, mas não sei hoje

como é que tá. Termina que os esgotos

desembocam nos rios e aí traz a morte do rio.”

3. Oxum

Localização: Palestina, Aracaju

Início das atividades: 1990

Pergunta 4: Eu prefiro sempre a parte mais calma porque aqui em

Aracaju o que encontra? Hoje, por exemplo, pra você despachar um

ebó fica difícil, porque chega ali naquela encruzilhada ali arreia,

existem aqueles que respeitam aqueles que tem medo, e aqueles

também que não respeitam e nem tem medo, chega lá chuta, cospe,

xinga, não está prejudicando a ninguém está prejudicando a si

mesmo, mas eu não gosto que faça. Então eu prefiro botar no carro

e ir levar onde eu sei que vai ser mexido por pássaros, animais.

Pergunta 5: Em Aracaju o espaço acabou pra isso, por causa do

crescimento da cidade. Mas não tenho nada contra o progresso, eu

acho que cada um vai buscar seus meios, o progresso é maravilhoso.

A nossa cidade evoluiu, se urbanizou.

Hoje, por exemplo, pra você

despachar um ebó fica difícil. Em

Aracaju o espaço acabou pra isso, por

causa do crescimento da cidade. A

nossa cidade evoluiu, se urbanizou.

Mais uma vez a dificuldade de uso das

encruzilhadas urbanas é apontado: “Hoje, por

exemplo, pra você despachar um ebó fica difícil,

porque chega ali naquela encruzilhada ali

arreia, existem aqueles que respeitam aqueles

que tem medo, e aqueles também que não

respeitam e nem tem medo, chega lá chuta,

cospe, xinga [...]”. O crescimento da cidade é

apontado como causa da ausência de espaços em

Aracaju: “Em Aracaju o espaço acabou pra

isso, por causa do crescimento da cidade”.

Apesar desse cenário a entrevista acha positivo

o que ela chama de progresso e evolução: “A

nossa cidade evoluiu, se urbanizou.”

4. Oyá

Localização: Bairro Industrial, Aracaju

Início das atividades: 1963

Pergunta 4: O próprio parque da cidade. Eu sei que teve uma

menina que foi pegar umas folhas e na hora que ela pegou a folha e

foi saindo, mas já tem um tempo bom, aí perguntaram a ela onde foi

que ela achou. Ela disse “eu precisei e fui tirar”. Aí ele disse “isso

aqui é um local de preservação, a senhora não pode meter a mão e

tirar. Eu poderia até deter a senhora”. Aí ela disse “por conta de

umas folhas?” Ele disse “por conta de umas folhas”. Aí ela chegou

aqui e disse “minha mãe eu quase fui presa por causa de umas

folhas”. Aí eu disse “olhe minha filha, lugares preservados a gente

O próprio parque da cidade; Depois

que passou a ser posto da polícia tudo

ficou difícil. Foi bom por um lado mas

para o outro lado da gente acabou

prejudicando. Antes tinha ali pela

Cabrita, em São Cristóvão, tinha um

lugar que eu não sei o nome. Eu sei

que era dentro do mato, que eu fui

muito, eles faziam festas dentro do

A restrição no acesso ao parque da cidade em

decorrência do policiamento é apontada como

fator que levou a entrevistada a deixar de utilizar

esse espaço preservado em suas liturgias

evitando, assim, passar constrangimento com

uma possível abordagem policial que, segundo

relata, teria ocorrido com uma pessoa de seu

conhecimento.

151

não entra sem autorização”. Expliquei para ela né! Prefiro não tentar

pra não passar constrangimento.

Pergunta 5: Depois que passou a ser posto da polícia tudo ficou

difícil. Porque eles estão certos em tomar conta, porque a

criminalidade aí estava muito, os usuários iam pra aí, roubavam as

pessoas que visitavam, aí eles fazem essa cobertura. Foi bom por

um lado mas para o outro lado da gente acabou prejudicando.

Porque ali é um local ideal, tem umas matas maravilhosas

entendeu?! Eu até sempre falo, se eu fosse uma autoridade eu

colocaria numa mata dessa, porque já existe no Rio de Janeiro, tem

em Salvador, tem em São Paulo, eu já cansei de fazer isso lá. Lá no

Rio de Janeiro a gente faz assim no meio da praça, todo mundo

passa pra lá e pra cá, os policiais até guarda a gente. Aqui em

Aracaju eles ainda tem um pouco dessa resistência, mas eu tenho

certeza que isso vai acabar. Eu falo Rio e São Paulo porque foi um

espaço que eu já usei, que eu tenho filhos lá. E em Salvador tem as

grandes matas, mata São Joaquim e muito espaço. Porque assim

também, pra você pegar um trabalho e botar em qualquer lugar

como o povo bota aqui, lá também você não pode fazer isso porque

existe lugar específico. Se você quer arriar alguma coisa no mar,

então você vai e coloca a vontade, ninguém vai te incomodar. Mas

aqui a gente não tem essa prioridade e também o pessoal de Aracaju

ainda não tem esse tipo de formação educacional de também

preservar os espaços. Você vai colocar um trabalho, hoje a gente

não pode pegar um oberó, que é uma vasilha de barro que a gente

coloca, e simplesmente botar uma galinha inteira lá, não precisa

isso. Hoje pra quem tem um entendimento e uma vida educacional

de religiosidade, a gente sabe que o barro vai levar muito tempo

para que o meio ambiente consuma e você pegando uma folha você

pode colocar em um local que não vai danificar o meio ambiente e

a folha, aquele alimento que você botou ali, vai enriquecendo a terra

e a folha também com o tempo vai se desfazendo. Existe essa falta

de informação de algumas pessoas da religião e existe também a

falta de entendimento das pessoas da lei, que também não dá esse

tipo de espaço. Antes tinha ali pela Cabrita, em São Cristóvão, tinha

um lugar que eu não sei o nome. Eu sei que era dentro do mato, que

eu fui muito, eles faziam festas dentro do mato, fazia aquelas

cabanas de palha com folha e tudo, e a gente saia e tinha uma perna

de rio que todo mundo tomava banho ali, fazia as limpezas de corpo

e tudo. Mas eu acredito que hoje já não se faz, povoaram tudo.

Dificulta porque, vamos supor, essa parte do rio mesmo passava por

dentro de uma fazenda e pegava outra parte que não era da fazenda,

que era solto, aí essa parte que não tinha dono passou a ter dono, e

mato, fazia aquelas cabanas de palha

com folha e tudo, e a gente saia e tinha

uma perna de rio que todo mundo

tomava banho ali, fazia as limpezas de

corpo e tudo. Mas eu acredito que hoje

já não se faz, povoaram tudo.

Mais uma vez o Rio de Janeiro é citado como

modelo a ser seguido em Sergipe em termos de

garantia de acesso a determinados ambientes

naturais necessários aos cultos religiosos, o que

por outro lado, é apontado como solução para a

colocação de oferendas em “qualquer lugar”:

‘Porque assim também, pra você pegar um

trabalho e botar em qualquer lugar como o povo

bota aqui, lá também você não pode fazer isso

porque existe lugar específico”. A entrevistada

responsabiliza as “pessoas da lei” e “as próprias

leis” pela ausência de um espaço reservado em

Sergipe e, consequentemente, pelas dificuldades

decorrentes disso: “[...]existe também a falta de

entendimento das pessoas da lei, que também

não dá esse tipo de espaço”; “[...]E as próprias

leis não tomam conta, não se preocupam com

isso, não tem interesse, então torna esse tipo de

dificuldade pra gente.”

A entrevistada também aponta a falta de

formação educacional religiosa para

preservação dos ambientes naturais como um

problema a ser superado: “Hoje pra quem tem

um entendimento e uma vida educacional de

religiosidade, a gente sabe que o barro vai levar

muito tempo para que o meio ambiente consuma

e você pegando uma folha você pode colocar em

um local que não vai danificar o meio ambiente

e a folha, aquele alimento que você botou ali,

vai enriquecendo a terra e a folha também com

o tempo vai se desfazendo.”

O povoamento de lugares antes inabitados,

consequência do adensamento urbano, também

é apontado como fator de modificação na

utilização dos ambientes naturais: “Antes tinha

ali pela Cabrita, em São Cristóvão, tinha um

lugar que eu não sei o nome. Eu sei que era

dentro do mato, que eu fui muito, eles faziam

festas dentro do mato, fazia aquelas cabanas de

palha com folha e tudo, e a gente saia e tinha

uma perna de rio que todo mundo tomava banho

ali, fazia as limpezas de corpo e tudo. Mas eu

152

acaba tirando esse espaço. E as próprias leis não tomam conta, não

se preocupam com isso, não tem interesse, então torna esse tipo de

dificuldade pra gente.

acredito que hoje já não se faz, povoaram

tudo”.

5. Oxóssi

Localização: Bugio, Aracaju

Início das atividades: Por volta de

1980

Pergunta 4: No início a gente ia com mais frequência para o interior

e hoje já não vai mais tanto, ali em Areia Branca que sempre a gente

ia e em Macambira. As vezes os filhos diziam “mãe tem ali”, mas

era muito longe aí eu dizia “não, vamos fazer aqui mesmo”.

Pergunta 5: Porque as vezes não temos precisão de ir, fazemos aqui

dentro do Abaçá mesmo, e dentro do sítio. No meu sítio mesmo tem

rio e é aquela coisa assim, que as vezes não há precisão. E a fé é

onde você estiver, o importante que Deus primeiramente quer a fé,

que você tenha, e os Orixás também. Só de se locomover da nossa

residência para o interior a gente já vai preocupadíssima né?! Por

causa do trânsito, por causa das coisas que acontecem, da violência,

e não tem precisão da gente ir. Muitas pessoas usam diariamente

mas eu não uso. Porque antigamente a gente poderia viver tranquila

e hoje não pode mais viver, de maneira nenhuma, por mais que a

gente tenha fé em Deus mas as coisas acontecem. Hoje faz medo

tudo, você começar um aniversário, uma festa de candomblé,

qualquer coisa você tem que ter medo porque a violência está

demais [...].

Ali em Areia Branca que sempre a

gente ia e em Macambira; Porque as

vezes não temos precisão de ir. Hoje

faz medo tudo, qualquer coisa você

tem que ter medo porque a violência

está demais.

A entrevistada incialmente informa que reduziu

sua frequência ao interior (Areia Branca e

Macambira) por não haver necessidade, pois,

segundo aponta, as liturgias que seriam feitas

nesses locais podem ser realizadas no próprio

Abaçá (terreiro) ou no sítio de sua propriedade,

isso porque o importante seria a fé. Entretanto,

mais adiante a entrevistada ressalta os perigos

da vida atual, decorrentes da violência que “está

demais”.

Infere-se, portanto, a partir da fala da entrevista,

que a violência é o real motivo para a redução

da frequência ao interior: “Só de se locomover

da nossa residência para o interior a gente já

vai preocupadíssima né?! Por causa do

trânsito, por causa das coisas que acontecem,

da violência”.

6. Ibejis

Localização: Novo Paraíso, Aracaju

Quantidade de filhos: 8 (em média)

Início das atividades: Por volta de

1996

Pergunta 4: A gente tem vários. Veja bem, daqui mais uns dois

anos ou três a gente já não tem mais onde botar os trabalhos. Tá

evoluindo demais, é muito prédio, aí já tem que procurar outro

lugar. Antigamente na caixa d’água ali tudo era mato, a gente

entrava ali e podia fazer qualquer tipo de trabalho. Agora você veja

a diferença de ir nessa caixa d’água da rua de Paraíba e ir lá.

Antigamente ia aqui mesmo. A gente vai sempre mudando e

procurando mais longe. Aí hoje a gente já vai lá no caminho da

Cabrita, sempre mais pra frente. Por exemplo, tem trabalhos que a

gente tem que fazer na porta do cemitério e nóis não faz aqui porque

é proibido, pra você fazer uma limpeza na porta do cemitério tem

que ser um horário muito tarde da noite, muito oculto. Aí pra onde

eu vou? Lá pra perto da bica, perto do Quissamã que tem um

cemitério. Antigamente era menos casas, não tinha esse movimento

todo, aí conseguia, agora hoje não.

Pergunta 5: por causa do crescimento e a tendência é a gente ficar

sem ter uma dependência onde a gente faça isso.

Tá evoluindo demais, é muito prédio,

aí já tem que procurar outro lugar.

Antigamente na caixa d’água ali tudo

era mato, a gente entrava ali e podia

fazer qualquer tipo de trabalho. Antigamente era menos casas, não

tinha esse movimento todo, aí

conseguia, agora hoje não.

O crescimento da cidade é apontado como causa

que impossibilita a continuidade de acesso a

espaços utilizados anteriormente, provocando

uma constante necessidade de deslocamento em

busca de lugares cada vez mais distantes: “Tá

evoluindo demais, é muito prédio, aí já tem que

procurar outro lugar [...]Antigamente ia aqui

mesmo. A gente vai sempre mudando e

procurando mais longe”.

Um elemento novo apontado pela entrevistada é

a proibição de acesso aos cemitérios de Aracaju

o que a obriga a se deslocar para o interior:

“[...]tem trabalhos que a gente tem que fazer na

porta do cemitério e nóis não faz aqui porque é

proibido, pra você fazer uma limpeza na porta

do cemitério tem que ser um horário muito tarde

da noite, muito oculto. Aí pra onde eu vou? Lá

pra perto da bica, perto do Quissamã que tem

um cemitério.”

7. São Jorge

Localização: Bairro América, Aracaju

Início das atividades: 1901

Pergunta 4: Ali onde é o Santa Lúcia, por ali tudo era mato e a

gente fazia candomblé ali e hoje não pode. Lá no Aloque também,

ali ainda tem muito mat, uma mata boa [...] hoje faz até medo com

Onde é o Santa Lúcia, por ali tudo era

mato e a gente fazia candomblé ali e

hoje não pode. As festas de caboclo

O avanço da civilização é apontado como causa

principal que levou o terreiro a deixar de utilizar

alguns ambientes naturais.

153

tanto marginal, tanta violência, faz até medo a gente ir, tem que ir

com dois, três carros. As festas de caboclo eram feitas na mata e

hoje a gente faz no nosso centro porque não tem mais onde fazer,

mas esses rituais é na mata. Outra coisa que a gente deixou de ir é

na praia de Atalaia, a gente passava o dia todo lá pra levar oferenda

pra Oxum, pra Iemanjá, então a gente passava o dia, fazia o toque

do candomblé depois que começou a habitar a gente passou pra

noite, aí ia uma horinha a noite e fazia os rituais, tinha muitos

terreiros e hoje você não vê mais isso porque tá muito habitado e a

gente não tem mais espaço, o sagrado virou profano e aí não teve

mais como ir.[...] não é como a gente fazia antes que a gente tocava,

fazia o candomblé todo, passava o dia todo, agora a gente vai e faz

mais rápido pra não ter muita gente olhando.

Pergunta 5: porque a civilização foi chegando e a gente foi saindo.

eram feitas na mata e hoje a gente faz

no nosso centro porque não tem mais

onde fazer. Outra coisa que a gente

deixou de ir é na praia de Atalaia, tá

muito habitado e a gente não tem mais

espaço, o sagrado virou profano. A

civilização foi chegando e a gente foi

saindo.

A entrevistada informa que tempos atrás fazia

festas de caboclo dentro da mata que existia

onde hoje é o conjunto Santa Lúcia, mas que

hoje realiza essa ritualística dentro do próprio

terreiro porque não dispõe mais do espaço

necessário, do que se depreende uma

descaracterização do culto em função de

adaptações impostas pela modificação do

ambiente natural em decorrência da

urbanização: “As festas de caboclo eram feitas

na mata e hoje a gente faz no nosso centro

porque não tem mais onde fazer, mas esses

rituais é na mata!”; “Outra coisa que a gente

deixou de ir é na praia de Atalaia, a gente

passava o dia todo lá pra levar oferenda pra

Oxum, pra Iemanjá[...] tinha muitos terreiros e

hoje você não vê mais isso porque tá muito

habitado e a gente não tem mais espaço, o

sagrado virou profano e aí não teve mais como

ir.[...] não é como a gente fazia antes que a

gente tocava, fazia o candomblé todo, passava

o dia todo, agora a gente vai e faz mais rápido

pra não ter muita gente olhando”.

Segundo aponta a entrevista o espaço sagrado

foi profanado “porque a civilização foi

chegando e a gente foi saindo”

8. Sahara

Localização: Santa Maria, Aracaju

Início das atividades: 1993

Pergunta 4: O Parque da Cidade e a Serra de Itabaiana, lá no Poço

das Moças. Elas eram muito utilizadas antigamente, hoje que estão

restritos. O Parque da Cidade foi o nosso berço mãe das ervas

tradicionais. Os meus antepassados, meus avós de santo, utilizavam

muito daquela reserva de mata ali pra poder buscar ervas pros

Orixás, pras camas de folha, pra fazer infusões, aquela área ainda é

muito rica de ervas. Mas eu, devido a localidade, não dá pra me

servir dela, fica distante. Mas existem ervas que lá tem e que aqui

eu não tenho, então num momento de uma necessidade eu posso até

ir lá colher. O Poço das Moças não era reserva, as pessoas faziam

suas festas de Candomblé lá pra caboclos, entendeu? Aquela parte

que dá acesso ao Poço das Moças hoje em dia é monitorada pelo

IPHAN e tem sempre um fiscal do IBAMA lá. Tem uma área

também muito boa que o pessoal fazia muito toré de caboclo ali em

Pedra Branca, que hoje em dia é onde é a Fafen. Ali era uma mata

O Parque da Cidade e a Serra de

Itabaiana eram muito utilizadas

antigamente, hoje que estão restritos.

O Parque da Cidade por causa da

distância e o Poço das Moças porque

virou reserva.

Assim como citados em algumas respostas

constantes na Tabela 4, aqui a distância e

restrição de acesso também são apontados pelo

entrevistado como fatores que modificam a

utilização dos ambientes naturais.

Merece destaque o relato de caso envolvendo a

proibição de acesso a Serra de Itabaina em que

fiscal do IBAMA teria agido de forma

inadequado quando da intervenção para impedir

o acesso à reserva: “Mas esse caso da Serra de

Itabaiana eu estava ao lado e escutei, foi

quando eu intervi com o fiscal do IBAMA, eu

disse que não era assim, o senhor explica que a

legislação não deixa e tal mas o senhor não

pejore. Mas foi aí quando ele disse “não que

minha fé...”, eu disse “sim, a sua fé é uma coisa

154

fechada que se utilizada para os cultos, vários terreiros iam fazer

obrigações de caboclo ali.

Pergunta 5: O Parque da Cidade por causa da distância e o Poço

das Moças porque virou reserva. O que acontece é que as vezes a

informação de como dizer que você não pode utilizar aquele espaço

é passada de forma errônea. Por exemplo, eu concordo quando um

fiscal diz que a gente não pode arriar certas obrigações no Poço das

Moças, devido que é um Parque que ele é tombado, um patrimônio

cultural, histórico e natural da União, eu concordo. Agora que a

forma que ele passe não seja pejorativa, discriminatória, que muitas

das vezes é “não, aqui não é pra fazer macumba não, aqui é

protegido pelo governo”, então aí é uma forma pejorativa. Tá

dizendo, tá incutindo que você tá indo lá fazer o mal, tá utilizando

do espaço natural pra poder desgraçar alguém, então ele não foi feliz

numa intervenção como essa. Eu acredito que ele podia dizer “não,

o espaço aqui é tombado, vocês não podem no momento arriar suas

oferendas, seu culto por conta que não está dentro da legislação”,

mas ele não tá menosprezando nem a mim, nem a meus Orixás nem

a minha religião. A conduta como ele se dirige que é mais

prejudicial do que se tivesse arriado o negócio. [...] Eu já

acompanhei algumas pessoas que sofreram isso e ajudei pra ir pra

um outro ambiente por eu ter um vasto conhecimento nesse sentido.

Eu sou de Oxóssi, entendo muito de mato. Então eu fiquei sabendo

de casos mas eu não acompanhei não. Mas esse caso da Serra de

Itabaiana eu estava ao lado e escutei, foi quando eu intervi com o

fiscal do IBAMA, eu disse que não era assim, o senhor explica que

a legislação não deixa e tal mas o senhor não pejore. Mas foi aí

quando ele disse “não que minha fé...”, eu disse “sim, a sua fé é uma

coisa e a nossa é outra”. Esse aí eu acompanhei. Era até uma

oferenda pra Oxum, uma coisa simples, era uma comida com flores

que ia se arriar lá. E a criatura que ia fazer essa oferenda sonhou

entregando no Poço das Moças, aí ela ia entregar essas flores, é

claro que a gente ia tirar o plástico, e a comida lá. Mas aí a gente

conseguimos ir pro outro lado, lá no Chico Mendes, onde tem uma

queda d’água linda e tem uma parte que parece a saia da Oxum

tomando banho, eu levei e ficou maravilhosa, Oxum agradeceu!

e a nossa é outra”.” O entrevistado ressalta que,

apesar de concordar com certas restrições no

acesso à reserva, deve-se observar a necessidade

de uma abordagem adequada e não-

preconceituosa por parte dos ficais do IBAMA,

agentes públicos. Neste sentido:“Agora que a

forma que ele passe não seja pejorativa,

discriminatória, que muitas das vezes é “não,

aqui não é pra fazer macumba não, aqui é

protegido pelo governo”, então aí é uma forma

pejorativa. Tá dizendo, tá incutindo que você tá

indo lá fazer o mal, tá utilizando do espaço

natural pra poder desgraçar alguém, então ele

não foi feliz numa intervenção como essa. Eu

acredito que ele podia dizer “não, o espaço aqui

é tombado, vocês não podem no momento arriar

suas oferendas, seu culto por conta que não está

dentro da legislação”, mas ele não tá

menosprezando nem a mim, nem a meus Orixás

nem a minha religião. A conduta como ele se

dirige que é mais prejudicial do que se tivesse

arriado o negócio.”

9. Santo Antonio

Localização: São Brás, Nossa Senhora

do Socorro

Início das atividades: Entre 1985 e

1987

Pergunta 4: A mata em Santo Amaro.

Pergunta 5: Já tá com dois anos que eu não vou pra mata por causa

da minha doença.

A mata em Santo Amaro; por causa da

minha doença.

A saúde debilitada do entrevistado é apontada

como único motivo que o levou a deixar de

utilizar a mata costumeira.

10. Xangô Pergunta 4: Era muito comum o pessoal do candomblé ir ali para

aquela área atrás da rodoviária nova, onde hoje tem os Fóruns, era

Era muito comum o pessoal do

candomblé ir ali para aquela área atrás

Pontos que se destacam na fala do entrevistado:

155

Localização: Eduardo Gomes, São

Cristóvão

Início das atividades: 1951

muito comum ir ali porque tinha uma natureza boa, inclusive tinha

um rio ali que já não existe mais, então era muito comum ir ali. Ali

foi um lugar que realmente muita gente usava e que deixou de usar,

embora nós não usássemos muito porque aprendemos com nosso

pai que não era bom colocar as obrigações, as oferendas para o olho

de qualquer um ver, então a gente sempre tenta colocar o mais

dentro da natureza possível. E tem esse rio da João Bebe Água, era

o que mais íamos e hoje a gente também não vai, por causa da

violência.

Pergunta 5: O rio da João Bebe Água por causa da violência. [...]

A gente ia entregar o presente de Oxum em um lugar chamado

Pomonga, uma ilha chamada Pomonga lá para o lado da Atalaia

Nova, ia de barquinho, de tótótó. Há anos atrás ninguém habitava a

ilha, esse ano a gente foi levar e tinha um monte de gente fazendo

churrasco no lugar, aproveitando para se divertir[...]. Mas assim, é

inevitável que os ambientes naturais comecem a ser mais

procurados, a demora é alguém ir, porque quando você vai o dono

do barco que te levou ele já sai e diz “olha, tem um lugar muito

legal”. Isso aconteceu com a cachoeira de Macambira, isso

aconteceu com a Serra de Itabaiana, isso aconteceu com o Pomonga,

isso aconteceu com a pedreira de Itaporanga, então isso aconteceu

com alguns lugares. Mas é normal que isso aconteça.

Provavelmente vamos procurar outro lugar. Não que a gente não

goste de socializar, mas porque as pessoas não têm conhecimento e

a falta do conhecimento assusta, aquilo que você não conhece você

normalmente tem medo porque você não sabe do que se trata. Então

a gente pode estar ali tocando nosso atabaque nos divertindo e o

pessoal achar que a gente está fazendo uma bruxaria, ou algo que

está amaldiçoando a ilha, que a ilha vai sucumbir, sei lá, na mente

do ser humano pode passar um zilhão de coisas né! Então, é melhor

a gente se resguardar, é mais seguro ou passar a ir mais cedo, se a

gente ia oito horas da manhã agora tenta ir cinco. É uma adaptação

necessária.

da rodoviária nova porque tinha uma

natureza boa, inclusive tinha um rio

ali que já não existe mais. O rio da

João Bebe Água era o que mais íamos

e hoje a gente também não vai, por

causa da violência. A gente ia entregar

o presente de Oxum em uma ilha

chamada Pomonga que ninguém

habitava, esse ano a gente foi levar e

tinha um monte de gente fazendo

churrasco. É inevitável que os

ambientes naturais comecem a ser

mais procurados. Provavelmente

vamos procurar outro lugar.

1. A mudança no cenário que outrora era

propício e que hoje, pelo avanço da

urbanização, não permite mais o

mesmo uso litúrgico:“Era muito

comum o pessoal do candomblé ir ali

para aquela área atrás da rodoviária

nova, onde hoje tem os Fóruns, era

muito comum ir ali porque tinha uma

natureza boa, inclusive tinha um rio

ali que já não existe mais, então era

muito comum ir ali. Ali foi um lugar

que realmente muita gente usava e

que deixou de usar”;

2. A violência como elemento que

modifica/impossibilita o uso de

alguns ambientes naturais;

3. A constante necessidade de

deslocamento em busca de novos

lugares propícios ao uso religioso: “A

gente ia entregar o presente de Oxum

em um lugar chamado Pomonga [...].

Há anos atrás ninguém habitava a

ilha, esse ano a gente foi levar e tinha

um monte de gente fazendo churrasco

no lugar, aproveitando para se

divertir[...]. Mas assim, é inevitável

que os ambientes naturais comecem a

ser mais procurados, a demora é

alguém ir[...]Isso aconteceu com a

cachoeira de Macambira, isso

aconteceu com a Serra de Itabaiana,

isso aconteceu com o Pomonga, isso

aconteceu com a pedreira de

Itaporanga, então isso aconteceu com

alguns lugares. Mas é normal que isso

aconteça. Provavelmente vamos

procurar outro lugar.

4. A necessidade de adaptações para

“resguardar” a religião e evitar o

preconceito: “Então a gente pode

estar ali tocando nosso atabaque nos

divertindo e o pessoal achar que a

gente está fazendo uma bruxaria, ou

156

algo que está amaldiçoando a ilha,

que a ilha vai sucumbir, sei lá, na

mente do ser humano pode passar um

zilhão de coisas né! Então, é melhor a

gente se resguardar, é mais seguro ou

passar a ir mais cedo, se a gente ia

oito horas da manhã agora tenta ir

cinco. É uma adaptação necessária.”

11. Odé

Localização: Piabeta, Nossa Senhora

do Socorro

Início das atividades: 1993

Pergunta 4: A Serra de Itabaiana.

Pergunta 5: Marginalidade. Pais de santo amigos meus saíram de

lá corridos, com revólver e tudo, por isso que eu não vou mais.

Serra de Itabaiana; Marginalidade. A violência é apontada como elemento que

provoca mudanças no uso de alguns ambientes

naturais.

12. Conceição

Localização: Guajará, Nossa Senhora

do Socorro

Início das atividades: Década de 1960

Pergunta 4: Nós temos aqui a Jabotiana, é outro rio que tá ali

também imprensado. Vou citar outro, indo ali para o Fórum, o

macumbódromo famoso.

Pergunta 5: Ali na Jabotiana por conta dos marginais que ficam

detrás dos prédios, e naquelas poucas paisagens que existem de

verde, e por conta também de fecharem o rio. Você sabe que

fecharam o rio ali também né?! Era aberto. Obrigações de meu pai,

por exemplo, foram arriadas ali. Era rio aberto, a gente entrava e

hoje você não entra; Indo ali para o Fórum, o macumbódromo, ali

era fechado de mata de um lado e do outro, depois abriram aquela

instituição bem em frente a rotatória, aí depois abriram outro mais

adiante, mas o matagal continuava. E agora tá abrindo tudo

praticamente. Ali tudo era cheio de alguidar, trabalhos diversos,

porque ali tinha mata e hoje praticamente não tem.

Nós temos aqui a Jabotiana e indo ali

para o Fórum, o macumbódromo

famoso; na Jabotiana por conta dos

marginais e por conta também de

fecharem o rio. Indo ali para o Fórum,

o macumbódromo, ali era fechado de

mata e agora tá abrindo tudo

praticamente.

A violência é apontada como elemento que

provoca mudanças no uso de alguns ambientes

naturais.

Além disso, a mudança no cenário que outrora

era propício (por ser uma mata) e que hoje, pelo

avanço da urbanização, não permite mais o

mesmo uso litúrgico.

13. Ogum

Localização: Jabotiana, Aracaju

Início das atividades: 2010

Pergunta 4: Eu continuo indo nos mesmos lugares.

Pergunta 5: Prejudicado em razão da resposta anterior.

Continuo indo nos mesmos lugares. O entrevistado mantém o acesso aos mesmos

lugares.

Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir das informações verbais fornecidas pelos entrevistados.

157

A partir da análise dos dados apresentados na Tabela 6 chegamos aos seguintes

resultados:

1. Os ambientes naturais indicados que outrora eram utilizados de forma habitual

mas que hoje esse uso não é mais possível foram: encruzilhadas urbanas, Parque

da Cidade, entorno do terreiro, mata e rio no bairro Jabotiana (Santa Lúcia e

Aloque), praia de Atalaia, Serra de Itabaiana, região do centro administrativo

(nas proximidades da rodoviária nova e do Fórum Gumersindo Bessa);

2. Os principais motivos indicados para a impossibilidade de uso atualmente foram:

violência (6 entrevistados); perda de espaço em razão do crescimento urbano (5

entrevistados); restrição/proibição de acesso ao local (2 entrevistados); poluição

(1 entrevistado); distância (1 entrevistado); saúde (1 entrevistado); sobreposição

territorial (1 entrevistado). Vejamos em gráfico:

Gráfico 14 – Motivos que modificam a continuidade de uso de ambientes naturais

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Como se vê, a violência foi apontada como principal motivo que modifica ou

impossibilita a continuidade de uso de ambientes naturais que, tempos atrás, eram usados para

fins litúrgicos. Sobre esse aspecto destacam-se os seguintes relatos: “[...]tanto pela

criminalidade que é um local que se tornou muito perigoso, tanto pela poluição também do rio

35%

29%

12%

6%6%

6% 6%

Motivos da impossibilidade atual de uso de ambientes cujo uso no passado era possível

Violência

Crescimento Urbano

Restrição/Proibição deacesso

Poluição

Distância

Saúde

Sobreposição

158

[...] (LEGBARA, 2016, informação verbal207); “[...]Só de se locomover da nossa residência

para o interior a gente já vai preocupadíssima né?! Por causa do trânsito, por causa das coisas

que acontecem, da violência [...]” (OXÓSSI, 2016, informação verbal208); “[...]Lá no Aloque

também, ali ainda tem muito mato[...] hoje faz até medo com tanto marginal, tanta violência,

faz até medo a gente ir, tem que ir com dois, três carros [...]” (SÃO JORGE, 2016, informação

verbal209); “[...]E tem esse rio da João Bebe Água, era o que mais íamos e hoje a gente também

não vai, por causa da violência [...]” (XANGÔ, 2016, informação verbal210); “[...]Pais de santo

amigos meus saíram de lá corridos, com revólver e tudo, por isso que eu não vou mais[...]”

(ODÉ, 2016, informação verbal211); “[...]Ali na Jabotiana por conta dos marginais que ficam

detrás dos prédios, e naquelas poucas paisagens que existem de verde[...]” (CONCEIÇÃO,

2016, informação verbal212).

O segundo motivo principal apontado pelos entrevistados foi a perda de espaço em

razão do crescimento urbano. Assim como na Tabela anterior, aqui também se destaca a

relação diferenciada da religião com o espaço público, especialmente as encruzilhadas

urbanas. As respostas de alguns entrevistados indicam que atualmente os religiosos enfrentam

dificuldades quanto ao uso desses espaços públicos, também considerados como um ambiente

natural que está sob o domínio de um orixá (no caso, Exu).

A fala da entrevistada de pseudônimo Bagan, por exemplo, ao mesmo tempo que reforça

a necessidade de utilização das encruzilhadas urbanas quando afirma que “[...]tem a entidade

realmente que tem que receber as oferendas deles na rua[...]” (BAGAN, 2016, informação

verbal213), por outro aponta duas razões para uma mudança na utilização desses espaços, quais

sejam: 1. Para evitar a poluição do espaço urbano, o que se denota a partir da seguinte fala:

“[...]não tem necessidade da gente tá levando pras encruzilhadas garrafa de vidro, agridais, pra

tá poluindo[...]” (BAGAN, 2016, informação verbal214); 2. A necessidade de evitar alimentar

207 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.). 208 Entrevista concedida por OXÓSSI. Entrevista 5. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:51:32 min.). 209 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 210 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 211 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.). 212 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz

de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.). 213 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 214 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.).

159

uma imagem negativa associada à religião em razão dos despachos (ebós) deixados nas

encruzilhadas: “[...]botaram uma cabeça de boi, não sei quantos bodes, não sei quantas garrafas

de cachaça na encruzilhada e isso repercutiu muito mal para a gente, pra religião[...]” (BAGAN,

2016, informação verbal215).

Outro aspecto que se destaca nessa relação entre a religião e o uso de encruzilhadas

urbanas é uma certa busca por invisibilidade, por parte dos religiosos, a fim de evitar

incômodos e reprovações de um modo geral. Vejamos duas falas que transparecem essa

preocupação: “[...]que não vá botar na porta de ninguém pra depois as pessoas não tá difamando,

chutando, varrendo e xingando né, que bote em algum espaço que não incomode ninguém[...]”

(BAGAN, 2016, informação verbal216); “[...]despachar um ebó fica difícil, porque chega ali

naquela encruzilhada ali arreia, existem aqueles que respeitam aqueles que tem medo, e aqueles

também que não respeitam e nem tem medo, chega lá chuta, cospe, xinga[...]” (OXUM, 2016,

informação verbal217). Nessa segunda fala, inclusive, se denota uma certa referência àquilo que

Maggie (1992) chamou de “medo do feitiço” que permeia a construção (e manutenção) do

estereótipo negativo associado a essas práticas religiosas desde os tempos da Colônia,

consoante discutido a partir das respostas da Tabela 4.

O crescimento de Aracaju também emerge como causa dessa dificuldade uma vez

que, em razão da urbanização, fica cada vez mais difícil encontrar encruzilhadas urbanas que

ofereçam condições satisfatórias para o uso religioso, especialmente a condição de

invisibilidade. Como destaca uma das entrevistadas: “[...]Em Aracaju o espaço acabou pra isso,

por causa do crescimento da cidade[...]” (OXUM, 2016, informação verbal218). Apesar desse

cenário, a entrevistada acha positivo o que ela chama de progresso e evolução: “[...]A nossa

cidade evoluiu, se urbanizou[...]” (OXUM, 2016, informação verbal219).

Esse mesmo crescimento urbano também é apontado como fator de impacto negativo

na continuidade do uso de espaços outrora existentes no entorno dos terreiros, provocando

uma constante necessidade de deslocamento em busca de lugares cada vez mais distantes. A

seguinte fala retrata bem essa problemática:

215 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 216 Entrevista concedida por BAGAN. Entrevista 1. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:46:16 min.). 217 Entrevista concedida por OXUM. Entrevista 3. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:27 min.). 218 Entrevista concedida por OXUM. Entrevista 3. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:27 min.). 219 Entrevista concedida por OXUM. Entrevista 3. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:27 min.).

160

Veja bem, daqui mais uns dois anos ou três a gente já não tem mais onde botar os

trabalhos. Tá evoluindo demais, é muito prédio, aí já tem que procurar outro lugar.

Antigamente na caixa d’água ali tudo era mato, a gente entrava ali e podia fazer

qualquer tipo de trabalho. Agora você veja a diferença de ir nessa caixa d’água da rua

de Paraíba e ir lá. Antigamente ia aqui mesmo [se referindo ao entorno do terreiro]. A

gente vai sempre mudando e procurando mais longe. Aí hoje a gente já vai lá no

caminho da Cabrita, sempre mais pra frente. (IBEJIS, 2016, informação verbal220).

O crescimento urbano (e consequente povoamento de lugares antes inabitados)

também foi a causa apontada para a modificação ou extinção de práticas religiosas outrora

realizadas em regiões onde existiam mata e rio, a exemplo do Bairro Jabotiana (conjunto Santa

Lúcia), da Cabrita (em São Cristóvão) e na área onde hoje fica o centro administrativo (nas

proximidades da rodoviária nova e do Fórum Gumersindo Bessa). Uma das falas dá conta, por

exemplo, de festas de caboclo que eram realizadas dentro da mata que existia no bairro

Jabotiana, mas que hoje essa ritualística é feita dentro do próprio terreiro porque já não se dispõe

mais do espaço necessário. Vejamos:

[...]As festas de caboclo eram feitas na mata e hoje a gente faz no nosso centro porque

não tem mais onde fazer, mas esses rituais é na mata! [...] (SÃO JORGE, 2016,

informação verbal221).

[...]Antes tinha ali pela Cabrita, em São Cristóvão, tinha um lugar que eu não sei o

nome. Eu sei que era dentro do mato, que eu fui muito, eles faziam festas dentro do

mato, fazia aquelas cabanas de palha com folha e tudo, e a gente saia e tinha uma

perna de rio que todo mundo tomava banho ali, fazia as limpezas de corpo e tudo. Mas

eu acredito que hoje já não se faz, povoaram tudo[...] (OYÁ, 2016, informação

verbal222).

[...]Era muito comum o pessoal do candomblé ir ali para aquela área atrás da

rodoviária nova, onde hoje tem os Fóruns, era muito comum ir ali porque tinha uma

natureza boa, inclusive tinha um rio ali que já não existe mais, então era muito comum

ir ali. Ali foi um lugar que realmente muita gente usava e que deixou de usar[...]

(XANGÔ, 2016, informação verbal223).

[...]Indo ali para o Fórum, o macumbódromo, ali era fechado de mata de um lado e do

outro, depois abriram aquela instituição bem em frente a rotatória, aí depois abriram

outro mais adiante, mas o matagal continuava. E agora tá abrindo tudo praticamente.

Ali tudo era cheio de alguidar, trabalhos diversos, porque ali tinha mata e hoje

praticamente não tem[...] (CONCEIÇÃO, 2016, informação verbal224).

220 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.). 221 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 222 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 223 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 224 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz

de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.).

161

Relato semelhante também é feito quanto às práticas festivas que eram realizadas na

praia de Atalaia, em que o crescimento da ocupação populacional na região trouxe um impacto

negativo, uma vez que interfere diretamente na condição de privacidade da prática religiosa:

[...]Outra coisa que a gente deixou de ir é na praia de Atalaia, a gente passava o dia

todo lá pra levar oferenda pra Oxum, pra Iemanjá, então a gente passava o dia, fazia

o toque do candomblé. Depois que começou a habitar a gente passou pra noite, aí ia

uma horinha a noite e fazia os rituais, tinha muitos terreiros e hoje você não vê mais

isso porque tá muito habitado e a gente não tem mais espaço, o sagrado virou profano

e aí não teve mais como ir.[...] não é como a gente fazia antes que a gente tocava, fazia

o candomblé todo, passava o dia todo, agora a gente vai e faz mais rápido pra não ter

muita gente olhando. Porque a civilização foi chegando e a gente foi saindo[...]. (SÃO

JORGE, 2016, informação verbal225).

Quando a entrevistada informa que hoje realiza dentro do terreiro uma ritualística que

deveria ser feita na mata, coisa que tempos atrás ela conseguia fazer mas que já não consegue

mais, depreende-se daí, uma descaracterização do culto em função de adaptações impostas

por fatores exógenos: a urbanização empreende modificações nos ambientes naturais que

eram utilizados costumeiramente ao ponto de tornar impossível (ou muito difícil) a

realização de práticas religiosas nesses ambientes. Trata-se, portanto, de uma restrição ao

direito de culto que atinge a dignidade humana dessas pessoas que está intimamente ligada à fé

que professam e ao sentimento religioso que lhes é inerente.

A teoria crítica dos direitos humanos formula seu constructo a partir da constatação de

que são diversas as formas de concepção cultural acerca da dignidade da pessoa humana. Assim,

contesta de forma veemente a teoria clássica que opera a partir de uma falsa premissa (qual seja,

a existência de um modelo universalmente válido de dignidade humana), propondo uma

construção com base no diálogo entre as culturas objetivando uma nova formulação de direitos

humanos que operem a partir de valores locais, mas que tenham alcance global (SANTOS,

2006; FLORES, 2010).

O novo paradigma de sociedades multiculturais226 exige a reconstrução da concepção

hegemônica de direitos humanos que se opera hoje (sob o manto ilusório da universalidade), a

225 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 226 Stuart Hall (2003) esclarece que o termo multiculturalismo “refere-se às estratégias e políticas adotadas para

governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais. É

usualmente utilizado no singular, significando a filosofia específica ou a doutrina que sustenta as estratégias

multiculturais. ‘Multicultural’, entretanto, é, por definição, plural. Existem muitos tipos de sociedade multicultural

[...]. Entretanto, todos possuem uma característica em comum. São, por definição, culturalmente heterogêneos.

Eles se distinguem neste sentido do Estado-nação ‘moderno’, constitucional liberal, do Ocidente, que se afirma

sobre o pressuposto (geralmente tácito) da homogeneidade cultural organizada em torno de valores universais,

seculares e individualistas liberais” (HALL, 2003, p. 52).

162

partir da utilização de fórmulas e técnicas que possibilitem construir tantas e quantas novas

concepções forem necessárias para se garantir uma efetiva proteção da dignidade dos mais

diversos indivíduos. Neste ponto, sobre a construção de um diálogo intercultural, destacam-se

os pensamentos dos teóricos Joaquín Herrera Flores e Boaventura de Sousa Santos.

Sobre esse diálogo intercultural que permite a adoção de concepções diversas de

dignidade da pessoa humana, construídas a partir de valores locais, Flores (2010) propõe um

universalismo de confluência, que se opera tendo o universal como ponto de chegada e não de

partida, o que somente será possível “depois (não antes) de um processo conflitivo, discursivo

de diálogo ou de confrontação” que alcance um “entrecruzamento, e não uma mera

superposição de propostas” (FLORES, 2002, p. 21).

Flores (2010) pontua que os direitos humanos constituem um produto cultural. Sendo

assim, surgem como “respostas simbólicas” (FLORES, 2010, p. 41) a uma determinada

cosmovisão, num contexto histórico específico de relações sociais, morais e político-

econômicas. Como produto cultural, pois, os direitos humanos não podem ser considerados em

si mesmos como uma construção autônoma227 processada à margem das tradições culturais em

que foram concebidos. Ao contrário, como “respostas simbólicas” que são, condicionam e são

condicionados pelo universo de relações em que se inserem.

Portanto, é preciso questionar que papel os direitos humanos têm efetivamente cumprido

quando está em pauta a proteção da dignidade humana de um grupo religioso que

historicamente vem sendo perseguido e sendo vítima de uma série de investidas de dominação

e extirpação de suas práticas religiosas tradicionais. Uma vez que esse grupo resistiu às mais

diversas tentativas de subjugação, passaram a sofrer, então, um contínuo processo de produção

de não-existência228. Os saberes tradicionais produzidos por essa comunidade não-existente,

foram desqualificados como ignorância pelas formas hegemônicas de racionalidade

ocidental229.

227 “Nada, nem a justiça, nem a dignidade e muito menos os direitos humanos procedem de essências imutáveis ou

metafísicas que se situem além da ação humana para construir espaços onde desenvolver as lutas pela dignidade

humana. [...] inevitavelmente teremos de decifrar o contexto de relações – a trama densa de relações que definem

o sujeito – que lhe dão origem e sentido, sobretudo se queremos fugir da tentação de “imputar” a toda a humanidade

o que não é senão produto de uma forma cultural de ver e estar no mundo” (FLORES, 2010, p. 41-42). 228 Ocorre quando uma dada entidade - neste caso a comunidade religiosa como um todo - é desqualificada e

tornada invisível, ininteligível ou descartável (SANTOS, 2002). 229 “A razão ocidental - pragmática, instrumentalista, calculista, árida, numa palavra, desencantada - matou o

mistério e desencantou seu mundo. Mas além desse mundo desencantado, há outros que co-habitam o tempo-

espaço da realidade que mantiveram seu movimento, sua ginga, seu compasso. Produzidos pelo encantamento,

encantamento produzem” (OLIVEIRA, 2012, p. 42-43).

163

Sobre esse aspecto, Santos (2006) afirma que os direitos humanos têm se apresentado

como uma “resposta fraca”230 às questões apresentadas pela pós-modernidade, razão pela qual

propõe critérios que poderiam transformá-los em resposta forte através de um diálogo

intercultural sobre a dignidade humana. Assim, ao transformarem-se numa resposta forte, será

possível a construção dessa almejada concepção contra-hegemônica231 e mestiça232 de direitos

humanos que se organiza como uma “constelação de sentidos locais, mutuamente inteligíveis”

e que está apto a garantir a efetiva proteção das mais diversas concepções de dignidade humana

(SANTOS, 2006, p. 447).

Essa posição ocupada pelos direitos humanos enquanto “resposta fraca” às questões

apresentadas pela pós-modernidade, que é denunciada por Santos (2006), parece estar alinhada

com a inquietação levantada por uma das entrevistadas. Ao reivindicar a necessidade de criação

de um espaço natural reservado para atender as necessidades e especificidades dos cultos

religiosos de matriz africana em Sergipe, ela também afirma que “[...]falta entendimento das

pessoas da lei que também não dá esse tipo de espaço[...]” e que “as próprias leis não tomam

conta, não se preocupam com isso, não tem interesse, então torna esse tipo de dificuldade pra

gente” (OYÁ, 2016, informação verbal233).

Assim como em algumas respostas apresentadas na Tabela 4, a reivindicação pela

reserva de um espaço, nos moldes do Espaço Sagrado existente no Rio de Janeiro, também

aparece aqui, e dessa vez está associada a uma denúncia quanto a ausência de interesse e

efetividade da lei na preservação dos interesses e direitos da comunidade afrorreligosa em

Sergipe. Essa denúncia está intimamente ligada a necessidade de proteção da dignidade humana

das pessoas que comungam desse mesmo sentimento de identidade e pertencimento religioso

230 “[...] parece cada vez mais evidente que o nosso tempo não é um tempo de respostas fortes. É antes um tempo

de perguntas fortes e de respostas fracas. Serão os direitos humanos afinal uma resposta fraca para alguma

interrogação forte que eles simultaneamente revelam e ocultam? [...] a discrepância entre a força das perguntas e

a fraqueza das respostas parece ser comum. E resulta da multiplicação em tempos recentes das zonas de contacto

entre culturas, economias, sistemas sociais e políticos, formas de vida diferentes em resultado do que chamamos

vulgarmente globalização” (SANTOS, 2002a, 2006a apud SANTOS, 2007, p. 24). 231 “[...] enquanto forem concebidos como direitos humanos universais, os direitos humanos tenderão a operar

como localismo globalizado e, portanto, uma forma de globalização hegemônica. Para poderem operar como forma

de cosmopolitismo insurgente, como globalização contra-hegemônica, os direitos humanos têm de ser

reconceptualizados como interculturais” (SANTOS, 2006, p. 441-442). Para uma melhor compreensão do assunto

ver: SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma concepção intercultural dos direitos humanos. In: A Gramática

do Tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006. p. 433-470. 232 “Ao envolverem-se em revisões recíprocas, ambas as tradições atuam como culturas hóspedes e culturas

anfitriãs. Estes são os passos necessários ao exercício complexo da tradução intercultural ou da hermenêutica

diatópica. O resultado é a reivindicação de uma concepção híbrida da dignidade humana e, por isso também uma

concepção mestiça dos direitos humanos” (SANTOS, 2006, p. 453-454). 233 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.).

164

que tem como alicerce uma cosmovisão pautada no culto e sacralização de elementos da

natureza.

Portanto, a proteção do direito de liberdade de culto e dos locais de culto dessa

religiosidade passa diretamente pela garantia do acesso a esses elementos da natureza. Assim,

é preciso que a lei saia da posição de “não ter interesse”, denunciada pela entrevistada, e assuma

a posição de proteção efetivação dos direitos dessa comunidade.

A restrição/proibição de acesso foi outro motivo apontado pelos entrevistados que

modifica ou impossibilita a continuidade de uso de ambientes naturais que, tempos atrás, eram

usados para fins litúrgicos. O Parque da Cidade e o Poço das Moças (na Serra de Itabaiana)

foram apontados como ambientes naturais que passaram a ter o acesso para fins religiosos

impedido ou restrito por agentes públicos. Vejamos os casos relatados:

[...]Eu sei que teve uma menina que foi pegar umas folhas e na hora que ela pegou a

folha e foi saindo, mas já tem um tempo bom, aí perguntaram a ela onde foi que ela

achou. Ela disse “eu precisei e fui tirar”. Aí ele disse “isso aqui é um local de

preservação, a senhora não pode meter a mão e tirar. Eu poderia até deter a senhora”.

Aí ela disse “por conta de umas folhas?” Ele disse “por conta de umas folhas”. Aí ela

chegou aqui e disse “minha mãe eu quase fui presa por causa de umas folhas”. Aí eu

disse “olhe minha filha, lugares preservados a gente não entra sem autorização”.

Expliquei para ela né! Prefiro não tentar pra não passar constrangimento. Depois que

passou a ser posto da polícia tudo ficou difícil. Porque eles estão certos em tomar

conta, porque a criminalidade aí estava muito, os usuários iam pra aí, roubavam as

pessoas que visitavam, aí eles fazem essa cobertura. Foi bom por um lado mas para o

outro lado da gente acabou prejudicando. Porque ali é um local ideal, tem umas matas

maravilhosas entendeu?! [...]. (OYÁ, 2016, informação verbal234).

[...]O que acontece é que as vezes a informação de como dizer que você não pode

utilizar aquele espaço é passada de forma errônea. Por exemplo, eu concordo quando

um fiscal diz que a gente não pode arriar certas obrigações no Poço das Moças, devido

que é um Parque que ele é tombado, um patrimônio cultural, histórico e natural da

União, eu concordo. Agora que a forma que ele passe não seja pejorativa,

discriminatória, que muitas das vezes é “não, aqui não é pra fazer macumba não, aqui

é protegido pelo governo”, então aí é uma forma pejorativa. Tá dizendo, tá incutindo

que você tá indo lá fazer o mal, tá utilizando do espaço natural pra poder desgraçar

alguém, então ele não foi feliz numa intervenção como essa. Eu acredito que ele podia

dizer “não, o espaço aqui é tombado, vocês não podem no momento arriar suas

oferendas, seu culto, por conta que não está dentro da legislação”, mas ele não tá

menosprezando nem a mim, nem a meus Orixás nem a minha religião. A conduta

como ele se dirige que é mais prejudicial do que se tivesse arriado o negócio. [...] Eu

já acompanhei algumas pessoas que sofreram isso e ajudei pra ir pra um outro

ambiente por eu ter um vasto conhecimento nesse sentido. Eu sou de Oxóssi, entendo

muito de mato. Então eu fiquei sabendo de casos mas eu não acompanhei não. Mas

esse caso da Serra de Itabaiana eu estava ao lado e escutei, foi quando eu intervi com

234 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.).

165

o fiscal do IBAMA, eu disse que não era assim, o senhor explica que a legislação não

deixa e tal mas o senhor não pejore. Mas foi aí quando ele disse “não que minha fé...”,

eu disse “sim, a sua fé é uma coisa e a nossa é outra”. Esse aí eu acompanhei. Era até

uma oferenda pra Oxum, uma coisa simples, era uma comida com flores que ia se

arriar lá [...]. (SAHARA, 2016, informação verbal235).

A restrição no acesso ao Parque da Cidade em decorrência do policiamento é apontada

como fator que levou a entrevistada a deixar de utilizar esse espaço preservado em suas liturgias

evitando, assim, passar constrangimento com uma possível abordagem policial que, segundo

relata, teria ocorrido com uma pessoa de seu conhecimento. No segundo relato, o entrevistado

ressalta que, apesar de concordar com certas restrições no acesso à reserva da Serra de Itabaiana,

é preciso observar a necessidade de uma abordagem adequada e não-preconceituosa por parte

dos fiscais do IBAMA na qualidade de agentes públicos, o que não aconteceu no caso descrito.

É certo que os agentes públicos, enquanto investidos em suas funções, não podem e não

devem exteriorizar qualquer tipo de convicção ou preferência religiosa, pois, agindo assim

estar-se-ia ferindo o princípio da laicidade estatal consagrado na Constituição Federal de 1988.

Em razão desse princípio, o Estado, e consequentemente os agentes públicos, fica impedido de

favorecer qualquer religião específica, devendo tratar de forma isonômica todas as crenças. Em

outras palavras: não se trata de um Estado Ateu mas de um Estado religiosamente neutro, que

não privilegia uma religião em detrimento de outras, o que possibilita o respeito à diversidade

e à liberdade religiosa, de crença e de consciência. A democracia, portanto, é fortalecida no

Estado laico.

Outros fatores apontados pelos entrevistados que modificam ou impossibilitam a

continuidade de uso de ambientes naturais que, tempos atrás, eram usados para fins litúrgicos

foram: poluição, distância e sobreposição territorial. Sobre poluição e distância já discutimos

na Tabela 4, portanto nos deteremos a sobreposição territorial que emergiu como um

elemento novo.

Sobre esse aspecto, Faria e Santos (2008) destacam a multiplicidade de territórios

existentes no espaço urbano. Uma vez que ele (o espaço urbano) é o local onde variados grupos

(sociais, políticos, étnicos, religiosos, etc.) reproduzem suas práticas e compartilham

identidades das mais variadas, o que leva a formação de territórios múltiplos, os autores

explicam que muitas vezes esses territórios múltiplos se sobrepõe e, eventualmente, conflitos

são gerados devido a disputa pelo uso, ou seja, pela apropriação desses territórios.

235 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.).

166

No caso das comunidades religiosas, como se viu, a formação desse território se dá pela

construção e reprodução de uma identidade religiosa a partir do uso de um determinado espaço

que julgam sagrado: o chamado espaço sagrado (FARIA; SANTOS, 2008). E no caso específico

das religiões afro-brasileiras, além do espaço sagrado interno constituído pelo terreiro, essa

sacralidade se estende além dos muros e tem continuidade em ambientes que guardam

determinadas características especiais que fazem deles domínios das divindades africanas.

Como se viu no primeiro capítulo, os ambientes naturais são a “morada” dessas divindades,

motivo pelo qual a sacralização da natureza é um dos fundamentos dessas religiões.

Formam-se, assim, os sítios sagrados que “podem ser interpretados como sendo

territórios desses grupos na medida em que os consideramos como agentes modeladores do

espaço, que exercem em maior ou menor grau poder sobre este” (FARIA; SANTOS, 2008, p.

14).

Neste trabalho, conforme já esclarecido, chamamos esses territórios de territórios de

Axé, uma vez que a força (ou Axé) das divindades do panteão africano estão nesses espaços da

natureza que são sacralizados pelas comunidades de terreiro em razão do uso religioso que

fazem deles. É, pois, somente nesses territórios que muitas das práticas religiosas afro-

brasileiras podem ser reproduzidas, a exemplo de limpezas espirituais em rios e a entrega de

oferendas em cachoeira, pedreiras, na mata, praias, etc.

Assim, a sobreposição territorial se dá a partir da reivindicação de formas

incompatíveis de uso de um mesmo território por grupos diferentes, ou seja, a partir de uma

disputa pelo uso de um mesmo território a partir de apropriações simbólicas distintas

(HAESBAERT, 2004; FARIA; SANTOS, 2008). É o que se vê no caso descrito pelo

entrevistado Xangô:

[...]A gente ia entregar o presente de Oxum em um lugar chamado Pomonga, uma ilha

chamada Pomonga lá para o lado da Atalaia Nova, ia de barquinho, de tótótó. Há anos

atrás ninguém habitava a ilha, esse ano a gente foi levar e tinha um monte de gente

fazendo churrasco no lugar, aproveitando para se divertir[...] Mas assim, é inevitável

que os ambientes naturais comecem a ser mais procurados, a demora é alguém ir,

porque quando você vai o dono do barco que te levou ele já sai e diz “olha, tem um

lugar muito legal”. Isso aconteceu com a cachoeira de Macambira, isso aconteceu com

a Serra de Itabaiana, isso aconteceu com o Pomonga, isso aconteceu com a pedreira

de Itaporanga, então isso aconteceu com alguns lugares. Mas é normal que isso

aconteça. Provavelmente vamos procurar outro lugar. Não que a gente não goste de

socializar, mas porque as pessoas não têm conhecimento e a falta do conhecimento

assusta, aquilo que você não conhece você normalmente tem medo porque você não

sabe do que se trata. Então a gente pode estar ali tocando nosso atabaque nos

divertindo e o pessoal achar que a gente está fazendo uma bruxaria, ou algo que está

amaldiçoando a ilha, que a ilha vai sucumbir, sei lá, na mente do ser humano pode

passar um zilhão de coisas né! Então, é melhor a gente se resguardar, é mais seguro

167

ou passar a ir mais cedo, se a gente ia oito horas da manhã agora tenta ir cinco. É uma

adaptação necessária [...]. (XANGÔ, 2016, informação verbal236).

A partir dessa fala, se denota uma disputa entre grupos (religioso e social) pelo uso de

um mesmo território, entretanto, por meio de apropriações distintas. Percebe-se, pois, uma

sobreposição de territórios, pois há, nesse caso, interesses distintos sendo disputados como a

prática religiosa e o uso do lazer, que muitas vezes são incompatíveis. Ora, as práticas religiosas

requerem certa tranquilidade e até mesmo invisibilidade para preservação do sagrado, o que

muitas vezes acaba sendo inconciliável com atividades de lazer sendo realizadas no mesmo

ambiente.

Por outro lado, também é comum que os grupos que utilizam esses ambientes naturais

para diversão e lazer não aceitem as práticas dos grupos afrorreligiosos nesses locais, o que se

depreende da própria fala transcrita acima em que o entrevistado ressalta a necessidade de se

resguardar e cita como exemplo adaptações nos horários de ida a esses locais. Esse cuidado

também foi citado por outro entrevistado na seguinte fala extraída da Tabela 5: “[...]Cachoeira

frequentada é a cachoeira de Macambira, se for de manhãzinha cedo, tem que sair daqui umas

três e meia da manhã para chegar lá, fazer sua oferenda com o dia clareando e vim embora

porque depois já começa a encher de gente e muitos ficam com chacota[...]” (ODÉ, 2016,

informação verbal237).

Como se vê, nos casos acima citados os religiosos optam por fazer adaptações em seus

horários para que o uso do território sagrado, imprescindível à sua vivência religiosa, ocorra em

momento distinto do costumeiramente utilizado pelos grupos sociais que buscam esses

ambientes para lazer e diversão. Busca-se, com esses ajustes, evitar um conflito direto em razão

dessa sobreposição territorial.

Sobre possíveis dificuldades dos terreiros investigados no uso de espaços naturais

externos foram apresentadas as seguintes perguntas aos entrevistados:

→ BLOCO V, PERGUNTA 6 - Atualmente o terreiro encontra algum tipo de dificuldade

ou impedimento na utilização de espaços/ambientes naturais nas liturgias? Que tipo de

dificuldade ou impedimento?

PERGUNTA 7 – De que modo você acredita que seria possível transpor essa dificuldade ou

impedimento?

236 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 237 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.).

168

Sobre a pergunta n. 6 os resultados foram os seguintes: 10 (dez) entrevistados

encontram dificuldade ou precisam fazer algum tipo de adaptação; 3 (três) entrevistados

não encontram dificuldade. Vejamos em gráfico:

Gráfico 15 – Dificuldades encontradas pelos terreiros na utilização de ambientes naturais

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Ainda sobre a pergunta n. 6 as principais dificuldades ou impedimentos citados foram:

1. Crescimento da cidade (4 entrevistados); 2. Violência (3 entrevistados); 3. Distância e

deslocamento (2 entrevistados); 4. Restrição de acesso (2 entrevistados):

Gráfico 16 – Principais dificuldades e/ou impedimentos

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

77%

23%

Atualmente o terreiro encontra algum tipo de dificuldade ou impedimento na utilização de

ambientes naturais nas liturgias?

Encontra dificuldade ouprecisa fazer algum tipode adaptação

Não encontra dificuldade

39%

29%

20%

12%

Principais dificuldades ou impedimentos

Crescimento dacidade

Violência

Distância edeslocamento

Restrição de acesso

169

Sobre a pergunta n. 7 a principal solução apontada para transpor as dificuldades ou

impedimentos na utilização de espaços/ambientes naturais foi a criação de um espaço

reservado para as liturgias afrorreligiosas, nos moldes do Espaço Sagrado existente no Rio

de Janeiro.

Abaixo segue tabela contendo os resultados integrais obtidos a partir das perguntas n. 6

e 7, constantes no Bloco V:

170

Tabela 7 – Análise das respostas fornecidas às perguntas 6 e 7, bloco V.

PERGUNTA 6: Atualmente o terreiro encontra algum tipo de dificuldade ou impedimento na utilização de espaços/ambientes naturais nas liturgias? Que tipo de dificuldade

ou impedimento?

PERGUNTA 7: De que modo você acredita que seria possível transpor essa dificuldade ou impedimento?

IDENTIFICAÇÃO RESPOSTA FORNECIDA PELO(A) ENTREVISTADO(A) SÍNTESE DA RESPOSTA COMPREENSÃO A PARTIR DA RESPOSTA

1. Bagan Localização: Pai André, Nossa Sra. do

Socorro

Início das atividades: 1995

Pergunta 6: Eu não posso falar só por mim né, eu tenho que saber

que eu tenho meus irmãos que tem as dificuldades né, e tem sim.

Tem a questão, eu já passei uma vez de... eu morava no Santos

Dumont ia levar um ebó na pedreira e aí o carro da polícia nos parou

né, parou, perguntou mas quando me viu a caráter deixou passar, e

quando a gente foi pra um certo lugar pra arriar os vizinhos de

próximo, que a gente ia subindo a pedreira, gritou “epa, aí não!” Só

que aí você tem que também ter posição sabe, aqui não por que? Eu

não tô na sua porta, eu tô indo pra um espaço da natureza que é meu,

é seu é de todos! E aí, como também eu tava levando comida numa

gamela, que gamela é pau, é madeira se desfaz né com o tempo, aí

eu fui e fiz minha oferenda, mas tem pessoas que você vai botar

uma vela na rua e a pessoa quer proibir sabe, faz aquele enxame e

não quer permitir.

Pergunta 7: Fazendo as adaptações pensando primeiro no meio

ambiente, pensando em conviver em harmonia com a população

também né, ter essa consciência né de você mora em lugares

urbanos que não tem muito essa beleza que eu tenho aqui com a

natureza, então eles tem que tentar fazer as coisas de uma forma que

não venha a agredir nem a natureza nem a população.

Eu não posso falar só por mim, eu

tenho que saber que eu tenho meus

irmãos que tem as dificuldades né.

Tem pessoas que você vai botar uma

vela na rua e a pessoa quer proibir.

Tem que tentar fazer as coisas de uma

forma que não venha a agredir nem a

natureza nem a população.

A fala da entrevistada aponta dificuldades em

relação ao uso do espaço público em algumas

de suas práticas religiosas, pois costuma

enfrentar resistência por parte de pessoas que

residem nas proximidades do local onde a

prática será realizada, ainda que se trate de um

espaço da natureza: “[...]quando a gente foi pra

um certo lugar pra arriar os vizinhos de

próximo, que a gente ia subindo a pedreira,

gritou “epa, aí não!” Só que aí você tem que

também ter posição sabe, aqui não por que? Eu

não tô na sua porta, eu tô indo pra um espaço

da natureza que é meu, é seu é de todos!;

“[...]tem pessoas que você vai botar uma vela

na rua e a pessoa quer proibir sabe, faz aquele

enxame e não quer permitir.”

A entrevistada acredita que uma forma de

transpor essa dificuldade é através do uso

consciente do ambiente natural e do espaço

público, de modo a não agredir a natureza e não

causar incômodos a população.

2. Legbara

Localização: Bairro Industrial, Aracaju

Início das atividades: 2010

Pergunta 6: A dificuldade é só os deslocamentos mesmo e a

distância. Tem que ver cada vez mais longe né, você vai

encontrando cada vez a mata se afastando e a cidade vai crescendo,

vai se formando um concreto imenso e aí deixa de estar existindo

tanto como antes. Então você tem que ir cada vez buscar mais

distante. Quando é toda destituída a escravidão que os negros abrem

seus terreiros eles primeiro são lançados bem distante da sociedade,

aí a gente utiliza os espaços que são as matas, a gente vai lá pra

dentro fazer os quilombos e tem toda aquela área verde e aí é

possível você desenvolver todo o seu ritual. Aí a cidade começa a

crescer e invade esses ambientes que já foram colocados para nós

como ambientes que não eram muito bem vistos pela sociedade, era

distante, aí ela sente a necessidade de crescer e vai invadindo, e aí

A dificuldade é só os deslocamentos

mesmo e a distância. Você vai

encontrando cada vez a mata se

afastando e a cidade vai crescendo. Eu

acho que a política pública ela vem

também como uma forma de

reparação aos povos tradicionais, de

reparação por todo o dano que essa

própria sociedade causou tirando você

da terra, tirando você do seu seio e

colocando em um espaço sem

nenhuma garantia.

Mais uma vez a distância e consequente

necessidade de deslocamento para ambientes

naturais cada vez mais distantes são apontadas

como dificuldades. O crescimento da cidade a

partir do avanço de um processo de

urbanização também é apontado como

dificuldade: “[...]Tem que ver cada vez mais

longe né, você vai encontrando cada vez a mata

se afastando e a cidade vai crescendo, vai se

formando um concreto imenso e aí deixa de

estar existindo tanto como antes. [...]. Quando é

toda destituída a escravidão que os negros

abrem seus terreiros eles primeiro são lançados

171

cada vez mais vai nos achatando, porque a cidade cresce, você vai

ficando muito mais apertado no seu ambiente que você precisa da

natureza, ela vai deixando de existir e dificultando cada vez mais a

tradição e a manutenção dessa tradição. É lógico que ela [a religião]

não acaba porque não se acaba uma cultura, uma tradição, ela

sempre tem a sua forma de renascer e de reviver mas que ela [se

referindo a urbanização] traz dificuldade com certeza traz.

Pergunta 7: Se os povos de matriz africana tivessem o mesmo

acesso que as outras religiões têm, no que se refere a espaço. Porque

você vê uma igreja qualquer quando chega em um bairro ela tem

todo um aparato do governo para se instalar ali, diz que em cima até

de leis sobre isso, então o povo de matriz africana também teria que

ser atendido dessa forma, de manter a sua tradição respeitando o seu

espaço, respeitando porque nós temos a natureza como principal pra

nossa vida e pra manutenção da nossa tradição a gente precisa da

utilização dessa natureza, então tinha que ter espaços cedidos para

os terreiros, espaços que contemplassem toda a diversidade da

natureza. Eu acho que a política pública ela vem também como uma

forma de reparação aos povos tradicionais, de reparação por todo o

dano que essa própria sociedade causou tirando você da terra,

tirando você do seu seio e colocando em um espaço sem nenhuma

garantia. Então o Estado deve isso ao povo brasileiro e

especialmente ao povo de matriz africana, ele tem que ser reparado

e a forma de reparar é através das políticas públicas, de ações

afirmativas.

bem distante da sociedade, aí a gente utiliza os

espaços que são as matas[...]tem toda aquela

área verde e aí é possível você desenvolver todo

o seu ritual. Aí a cidade começa a crescer e

invade esses ambientes que já foram colocados

para nós como ambientes que não eram muito

bem vistos pela sociedade, era distante, aí ela

sente a necessidade de crescer e vai invadindo,

e aí cada vez mais vai nos achatando, porque a

cidade cresce, você vai ficando muito mais

apertado no seu ambiente que você precisa da

natureza, ela vai deixando de existir e

dificultando cada vez mais a tradição e a

manutenção dessa tradição [...].”

A entrevistada também denuncia uma falta de

isonomia no tratamento que o poder público

dispensa às religiões de matriz africana e as

demais religiões: “[...]Se os povos de matriz

africana tivessem o mesmo acesso que as outras

religiões têm, no que se refere a espaço. Porque

você vê uma igreja qualquer quando chega em

um bairro ela tem todo um aparato do governo

para se instalar ali, diz que em cima até de leis

sobre isso, então o povo de matriz africana

também teria que ser atendido dessa forma

[...]”.

A entrevistada aponta como solução a reserva

de espaços naturais destinados às práticas

religiosas tradicionais das comunidades de

terreiro. E quando da resposta da pergunta n. 9,

a entrevistada citou o “Espaço Sagrado”, projeto

implementado no Rio de Janeiro, como um

modelo a ser seguido em Sergipe.

Segundo a entrevistada, é dever do Estado

adotar e promover políticas públicas e ações

afirmativas de reparação aos povos

tradicionais de terreiro garantindo o acesso

aos espaços naturais vitais para a

manutenção de suas tradições religiosas:

“[...] pra manutenção da nossa tradição a gente

precisa da utilização dessa natureza, então

tinha que ter espaços cedidos para os terreiros,

espaços que contemplassem toda a diversidade

172

da natureza. Eu acho que a política pública ela

vem também como uma forma de reparação aos

povos tradicionais [...]o Estado deve isso ao

povo brasileiro e especialmente ao povo de

matriz africana, ele tem que ser reparado e a

forma de reparar é através das políticas

públicas, de ações afirmativas.”

3. Oxum

Localização: Palestina, Aracaju

Início das atividades: 1990

Pergunta 6: Não

Pergunta 7: Para mim nada dificulta ou incomoda. Graças a Deus

que a nossa cidade está progredindo e espero em Deus que o

progresso venha maior.

Para mim nada dificulta ou incomoda. Em que pese a entrevistada tenha respondido

não ter dificuldades, é importante ressaltar que a

mesma apontou ter dificuldades quanto ao

uso das encruzilhadas urbanas na resposta da

pergunta n. 4.

4. Oyá

Localização: Bairro Industrial, Aracaju

Início das atividades: 1963

Pergunta 6: Não. Já que o parque da cidade eu prefiro não criar o

problema, então eu entro no carro e saio andando por aí, quando eu

vejo um lugar, um mato que está a vontade que eu olho que não tem

cerca, então eu sei que não é preservado, aí eu vou lá e faço o que

tenho que fazer, mas muito rápido porque sofre o risco de acontecer

alguma coisa, porque ali você não conhece. Por que dentro dos

matos de repente você se bate com um viciado aí é difícil. Você vai

resolver uma situação e se bate com outra. Dificulta porque se você

vai em um lugar onde você pode ficar à vontade, você faz seu

trabalho de boa, mas se você vai em um local que você não conhece

então você tem que fazer meio assim, na carreira, com aquele

sentimento de que de repente pode aparecer alguém, você não sabe

o que vai aparecer, aí a gente tem que sair de casa com duas, três ou

quatro pessoas pra que alguém fique observando enquanto alguém

tá ali. E medo de represálias né? Por que o espaço não é seu.

Pergunta 7: Se a própria lei governamental, os governantes, eles

tivessem preocupação com o pessoal afrodescendente, tendo em

vista que a religião ela tem muito anos, a religião do candomblé ela

vem se estendendo de muito tempo e ela cresceu, expandiu. Então

quando eu entrei pra religião do candomblé, que eu era menina, eu

lembro que tinha muita perseguição naquela época, hoje já não tem

a perseguição mas tem quem não liga, que não se incomoda com

nada. Então se eles tivessem essa preocupação de preservar a

cultura, criaria um espaço, mesmo que fosse vigiado, porque a gente

não vai confiar em gente, pra não destruir, colocar uma vigilância

pra ninguém destruir e os afrodescendentes que necessitassem

poderiam usar o espaço, mesmo que pagando uma taxa. Mas teria

um espaço como é nos outros lugares. E também, o pessoal

afrodescendente passar, talvez, por uma capacitação para eles se

adequarem também a um certo tipo de educação. Porquê da maneira

Dificulta porque se você vai em um

lugar onde você pode ficar à vontade,

você faz seu trabalho de boa, mas se

você vai em um local que você não

conhece então você tem que fazer

meio assim, na carreira, com aquele

sentimento de que de repente pode

aparecer alguém. Se os governantes,

tivessem preocupação com o pessoal

afrodescendente criaria um espaço e

os afrodescendentes que

necessitassem poderiam usar o

espaço, mesmo que pagando uma

taxa. E também, o pessoal

afrodescendente passar por uma

educação ambiental.

A entrevistada inicia sua resposta afirmando não

ter dificuldades, entretanto, mais adiante ela se

contradiz e informa que não poder realizar

suas práticas religiosas em um lugar que

possa ficar à vontade, traz dificuldades:

“Dificulta porque se você vai em um lugar onde

você pode ficar à vontade, você faz seu trabalho

de boa, mas se você vai em um local que você

não conhece então você tem que fazer meio

assim, na carreira, com aquele sentimento de

que de repente pode aparecer alguém, você não

sabe o que vai aparecer, aí a gente tem que sair

de casa com duas, três ou quatro pessoas pra

que alguém fique observando enquanto alguém

tá ali. E medo de represálias né? Por que o

espaço não é seu!”

Infere-se, portanto, que um sentimento de

angústia acompanha a entrevistada quando é

preciso ir a locais desconhecidos para realizar

suas práticas religiosas. Essa angústia vem do

medo de represálias por parte de um eventual

proprietário do espaço e também de possível

violência: “[...]Por que dentro dos matos de

repente você se bate com um viciado aí é

difícil[...]”; “[...]E medo de represálias né? Por

que o espaço não é seu.”.

Como solução para essa dificuldade a

entrevistada indica a criação de um espaço

reservado para essas tradições religiosas que

precisam ser realizadas em ambientes

173

que eles sofrem intolerância eles também acabam sendo intolerantes

quando eles destroem o meio ambiente. Vai botar um perfume no

mar e joga o vidro lá dentro, o Orixá não vai pegar um vidro pra

botar na cabeça! O que serve não é o líquido? Então despeja o

líquido, porque quando eu for fazer minha oferenda eu despejo o

líquido na água, vou fazendo minha saudação e o vaso vem de volta

pra botar na lixeira. Então eles também precisam de uma adequação,

uma educação ambiental. Eu acho que existe a falha das duas partes.

naturais. Quando da resposta à pergunta n. 5 a

entrevistada cita o exemplo do Rio de Janeiro

como modelo possível de ser seguido em

Sergipe. Mais uma vez a entrevistada denuncia

o descaso do poder público e das leis em

relação aos direitos religiosos da população

afrodescendente, o que também se verificou na

resposta da pergunta n. 5.

Por outro lado, a entrevistada aponta a

necessidade de uma tomada de consciência

ambiental da própria população afrorreligiosa

para fins de preservação do meio ambiente. Esse

aspecto também emergiu em algumas respostas

discutidas na Tabela 4.

5. Oxóssi

Localização: Bugio, Aracaju

Início das atividades: Por volta de

1980

Pergunta 6: Não.

Pergunta 7: Pergunta prejudicada porque a entrevista respondeu

que não tem dificuldades.

Não. Não tem dificuldade.

6. Ibejis

Localização: Novo Paraíso, Aracaju

Quantidade de filhos: 8 (em média)

Início das atividades: Por volta de

1996

Pergunta 6: Não, porque eu já me habituei com aquilo de levar,

mas que faz falta faz. Seria melhor tendo do que a gente se deslocar.

Pra você ter uma ideia, essa região aqui toda do Novo Paraíso era

horta de verduras, era tanque de água, era pé de coqueiro, pé de

mangueira, hoje é uma cidade. Não tem condições de eu fazer um

trabalho e chegar ali na esquina arriar porque é na frente de uma

casa. Cada vez tem que ir pra mais longe.

Pergunta 7: A gente ter um canto só pra gente, que a gente cuidasse

e que a gente se utilizasse daqui. Uma roça bem cuidada com muitas

ervas que tudo fosse feito ali e que tivesse obrigação de cuidar. Hoje

teria uma semana minha de limpar, amanhã uma semana sua, e não

deixar aquilo acabar. Agora eu acho muito difícil isso hoje

acontecer. Quem mora aqui mesmo na cidade, quase no centro, não

tem espaço.

Seria melhor tendo do que a gente se

deslocar. A gente ter um canto só pra

gente, que a gente cuidasse e que a

gente se utilizasse daqui.

Apesar de inicialmente responder que não tem

dificuldade, a entrevistada complementa sua

resposta afirmando que “seria melhor tendo do

que a gente se descolar”, de onde se infere que

a necessidade de deslocamento é uma

dificuldade e que seria melhor se existissem

locais próximos para serem usados.

O crescimento da cidade também é apontado

como dificuldade: [...]Pra você ter uma ideia,

essa região aqui toda do Novo Paraíso era

horta de verduras, era tanque de água, era pé

de coqueiro, pé de mangueira, hoje é uma

cidade. Não tem condições de eu fazer um

trabalho e chegar ali na esquina arriar porque

é na frente de uma casa. Cada vez tem que ir pra

mais longe[...].

Na opinião da entrevistada uma solução seria

ter um espaço reservado para uso dos

afrorreligiosos e que também fosse por eles

cuidado e preservado, visto que quem mora no

centro urbano de Aracaju não tem espaço para realizar suas práticas religiosas que

dependem de ambientes naturais. Entretanto,

assim como em respostas anteriores fornecidas

por outros entrevistados, aqui também se

174

verifica descrença da entrevistada quanto a

concretização de algo neste sentido.

7. São Jorge

Localização: Bairro América, Aracaju

Início das atividades: 1901

Pergunta 6: Dificuldade não; não vai explorar como explorava de

passar dia, noite lá, não faz mais isso por conta da violência. Vai lá

faz a obrigação e vem embora. Tem em Itabaiana também a

Cachoeira que nunca mais foi, agora parece que tá proibido fazer

obrigação lá. Ali no Poço das Moças, que a gente ia, não sobe mais,

antigamente acampava naquilo ali tudo e virou reserva agora.

Depois que passou a ser reserva nunca mais fomos.

Toda casa de candomblé quando é iniciada ela procura se afastar da

urbanização, pra não incomodar e pra não ser incomodado, mas é

difícil porque depois vai chegando o progresso e não tem como mais

ter esse sossego, não incomodar nem ser incomodado. O jeito é

fazer tudo dentro do seu terreiro, daqui mais uns 10, 15 anos você

não tem outra opção, você vai ter que fazer tudo dentro do terreiro

como a gente já tá começando a se adaptar. A gente tem nossas

ervas, nosso espaço é muito grande, a festa dos caboclos a gente já

tá começando a fazer aqui mas a gente tem essa vantagem de que

nosso espaço é grande e quem não tem um espaço grande, como é

que vai fazer? Quem não tem essa estrutura como é que vai ficar,

vai deixar de fazer? Não pode! Já tem terreiro que já faz isso porque

não tem outra opção, faz todos os seus rituais dentro do terreiro, tem

que se adequar, não tem pra onde correr. É muito ruim; os Orixás

entendem que não tem outra opção mas não é bom pro terreiro

perder essa energia da mata, de água, de tudo.

Pergunta 7: Ainda não é um problema mas a gente sabe que no

futuro vai ser, ainda dá pra se levar, por enquanto dá. A civilização

tá chegando e não tem nem como evitar, porque você vê os

manguezais sendo tudo aterrado pra construir prédio, imagine

outros lugares que a gente precisa e aí vai acontecer o mesmo. É

inevitável.

Dificuldade não. Ainda não é um

problema mas a gente sabe que no

futuro vai ser. A civilização tá

chegando e não tem nem como evitar.

A entrevistada informa que não chega a ter

dificuldades, porém indica algumas restrições

que passou a ter em decorrência da violência e

da proibição de acesso a um ambiente natural

que costumava ir mas que virou reserva.

O crescimento da cidade também aparece

como dificuldade que impõe adaptações

prejudiciais à religião: Toda casa de

candomblé quando é iniciada ela procura se

afastar da urbanização, pra não incomodar e

pra não ser incomodado, mas é difícil porque

depois vai chegando o progresso e não tem

como mais ter esse sossego, não incomodar nem

ser incomodado. O jeito é fazer tudo dentro do

seu terreiro, daqui mais uns 10, 15 anos você

não tem outra opção, você vai ter que fazer tudo

dentro do terreiro como a gente já tá

começando a se adaptar [...]Já tem terreiro que

já faz isso porque não tem outra opção, faz

todos os seus rituais dentro do terreiro, tem que

se adequar, não tem pra onde correr. É muito

ruim; os Orixás entendem que não tem outra

opção mas não é bom pro terreiro perder essa

energia da mata, de água, de tudo”.

Na entrevistada não indicou uma solução para o

problema.

8. Sahara

Localização: Santa Maria, Aracaju

Início das atividades: 1993

Pergunta 6: Vai depender de como eu me bater com alguém, mas

Graças a Deus, até o momento nenhum dos lugares que eu fui

depositar oferenda minha tive problemas. Ao longo dos anos a

religião vem tentando se adaptar para continuar sua sobrevivência,

nós sabemos que antigamente a gente tocava de uma forma mais

aberta, sem precisar de determinadas circunstâncias dentro do nosso

terreiro [...] E nós vemos ao longo da história do candomblé, desde

a abolição dos escravos, que os nossos antepassados vem tentando

se adequar para poder manter vivo o culto aos Orixás. Então a gente

vive de adequações o tempo todo. Exemplo disso: nós tínhamos o

costume de fazer nossa ritualística de matança a começar pelas três

horas da manhã. Hoje em dia, para não termos um problema com

Até o momento nenhum dos lugares

que eu fui depositar oferenda minha

tive problemas. Ao longo dos anos a

religião vem tentando se adaptar para

continuar sua sobrevivência

O entrevistado informa que até o momento não

tem dificuldades mas que adaptações foram e

ainda são necessárias para sobrevivência da

religião. Uma das adaptações citadas como

exemplo foi a mudança nos horários de

ritualísticas internas, para evitar problemas

com vizinhos em relação a queixas de

perturbação sonora (aspecto que também foi

discutido no Capítulo 2 quando tratamos sobre

as dificuldades dos terreiros em suas liturgias

internas). Se por um lado essas

adequações/adaptações são apontadas como

175

vizinhança, nós nos adequamos a começar nossas matanças de cinco

horas, cinco e meia em diante, para não atrapalhar o momento de

descanso e de sono dos vizinhos. Não são todos, mas sempre tem

alguém que acha que é incômodo o som dos nossos cantos, nossa

liturgia. Mas de uma certa forma foi uma adequação porque os

nossos antepassados começavam toda liturgia as três horas da

manhã, para quando o sol estivesse saindo nós já estávamos

agradecendo aos Orixás por aquele ritual. Hoje nós tivemos que

adequar, infelizmente o sol levanta e a gente ainda continua a fazer.

A cada dia que passa você vai se tornando mais flexível e as pessoas

se acham no direito de dizer que aquilo não tinha valor. Então o

valor da nossa religião está dentro da nossa tradição, se a gente

perde a tradição a gente também está perdendo valor.

Pergunta 7: Com certas adequações que a gente poderia fazer e se

nós tivéssemos o apoio do poder público. Por exemplo: nós temos

aqui a praticamente cem metros do litoral uma mata Atlântica, e por

que ela não ser preservada? Por que ela não ser transformada em

um local de preservação ou de um parque para que a sociedade

pudesse conhecer, porque daqui há uns cinco ou seis anos nossas

crianças não vão ter conhecimento do que seria uma mata Atlântica,

e nós temos aqui a trezentos metros da praia uma mata Atlântica

rica de várias espécies de vegetais, de vida [...] e hoje vejo espécies

de árvores em extinção sendo derrubadas aí em cima. Então o que

eu vejo é que, por exemplo, culturalmente falando a gente tinha uma

reserva natural aqui que poderia servir para educação, para o

conhecimento, para a cultura própria da nossa capital, que nós

vamos virar uma cidade sem ter certas coisas, a questão da

arborização é muito precária. Você chega ali em Salvador e anda

por Salvador, por mais que a cidade seja uma metrópole mas você

vê dentro da própria cidade várias reservas de matas preservadas,

cercadas e que os afrorreligiosos tem acesso. Você chega ali em

Itapoã e você vê a lagoa do Abaeté é preservada. Nós temos uma

lagoa aqui próxima do terreno do aeroporto que está sendo liberada

para especulação financeira para fazer condomínio, uma lagoa que

tem uma nascente, ela não seca e já tiraram todas as árvores do lado

dela que daqui alguns dias vai virar um condomínio fechado com

uma lagoa para ter patinhos para os filhos olharem. [...] Mas eu

cheguei aqui essa lagoa era um local de lazer que as famílias iam

para lá, quem não ia para a praia ia andando para a lagoa, tinha

várias árvores ao redor e hoje em dia estou encontrando carros-pipas

tirando a água dela mas a lagoa não está sendo preservada, a lagoa

não está sendo resgatada. Por que? Se você passar o olho hoje você

vai ver que está tendo uma especulação imobiliária, aquilo ali vai

necessárias à sobrevivência da religião, por

outro o entrevistado demonstra que isso é

preocupante para a tradição pois representa uma

“perda de valores”: “[...]A cada dia que passa

você vai se tornando mais flexível e as pessoas

se acham no direito de dizer que aquilo não

tinha valor. Então o valor da nossa religião está

dentro da nossa tradição, se a gente perde a

tradição a gente também está perdendo valor.”

Como solução para as dificuldades o

entrevistado aponta iniciativas do poder público

no sentido de, por exemplo, transformar a faixa

de Mata Atlântica existente no Morro do Avião

(bairro Santa Maria) em uma área de

preservação ambiental que os afrorreligiosos

pudessem ter acesso garantido. Vejamos:

“[...]Por exemplo: nós temos aqui a

praticamente cem metros do litoral uma mata

Atlântica, e por que ela não ser preservada?[...]

Você chega ali em Salvador e anda por

Salvador, por mais que a cidade seja uma

metrópole mas você vê dentro da própria cidade

várias reservas de matas preservadas, cercadas

e que os afrorreligiosos tem acesso. [...]É um

ambiente natural e de utilização afro? É [...]”.

Entretanto, o entrevistado aponta a especulação

imobiliária como um fator de impacto

negativo que impede a concretização de um

projeto como esse: “[...]Então o que a gente vê

é a especulação imobiliária tirando a

oportunidade de termos uma reserva natural

dentro da própria cidade porque não se está

sabendo dar valor, a importância necessária.

176

virar condomínio fechado, e por que se é da União? [...] Essa lagoa

dava uma vazão que levava para o braço do canal Santa Maria então

ela era uma nascente, não era somente uma lagoa, era uma nascente

e hoje ela perdeu essa posição porque passaram uma estrada entre a

parte do berço que levava água para o canal, aterrando cada vez

mais as laterais e por aí. É um ambiente natural e de utilização afro?

É. Então o que a gente vê é a especulação imobiliária tirando a

oportunidade de termos uma reserva natural dentro da própria

cidade porque não se está sabendo dar valor, a importância

necessária.

9. Santo Antonio

Localização: São Brás, Nossa Senhora

do Socorro

Início das atividades: Entre 1985 e

1987

Pergunta 6: Não. Tudo pra mim é fácil.

Pergunta 7: Pergunta prejudicada porque o entrevistado respondeu

não ter dificuldades.

Não. Tudo pra mim é fácil. O entrevistado não tem dificuldades.

10. Xangô

Localização: Eduardo Gomes, São

Cristóvão

Início das atividades: 1951

Pergunta 6: Com certeza. Horário, você tem que saber muito bem

que horário que você vai tocar para você não incomodar os outros e

também não ser incomodado, então normalmente isso tem que ser

feito na madrugada, três e meia/quatro da manhã pra você poder

fazer. Tomar um banho no mar em paz, por exemplo, tem que ser

cedo, antes que alguém chegue e que comente algo de preconceito

ou de racismo, seja lá como for. E a violência que é algo que assola

não só a comunidade do candomblé mas toda a sociedade, você

pode ir de repente com seu carro, com suas coisas fazer uma

determinada oferenda e quando terminar seu carro não está mais,

mas isso é o mesmo risco que você corre ao ir ao shopping por

exemplo, então você pode perder o celular e a gente também, você

pode perder o carro e a gente também. Então violência é algo

comum a todos, eu não vou dizer que é uma infelicidade ou um mal

que aflige só a gente do candomblé não, violência é um mal comum

a todos.

Pergunta 7: Esse rio que utilizamos do final de linha por exemplo,

daqui pro final do ano a gente não consegue mais usar porque já vai

estar habitado. O que a gente vai ter que fazer? Ir para mais longe,

ter que procurar mais longe. Se esse rio virasse uma área de

preservação espiritual, por exemplo...o Rio de Janeiro possui isso,

tem cachoeira que são administradas por federações que tomam

conta, que limpam, que zelam, que mantém, então você vai lá e faz

os seus trabalhos com segurança e sem problema algum, e sem

agredir a natureza. No Rio de Janeiro tem isso, inclusive eu faço

parte de uma federação lá. Como seria? É muito simples, é delimitar

o espaço e botar alguém para cuidar. O que seria botar alguém para

cuidar? Alguém que se encarregue de, se se algum irmão esquecer

Com certeza. Você tem que saber

muito bem que horário que você vai

tocar para não incomodar. Tomar um

banho no mar em paz tem que ser

cedo, antes que alguém chegue e que

comente algo de preconceito ou de

racismo. E a violência que é algo

comum a todos.

Se esse rio do final de linha, por

exemplo, virasse uma área de

preservação espiritual, o Rio de

Janeiro possui isso.

O entrevistado cita algumas adaptações do

culto e de suas práticas religiosas como uma

dificuldade. E, neste sentido, mais uma vez a

questão do horário de toques para não

incomodar vizinhos é citada. Além disso, a

adaptação de horário para algumas práticas

externas simples (como um banho de mar) a fim

de evitar ser alvo de preconceito ou racismo.

A violência é citada como uma dificuldade mas

que não atinge apenas a religião, e sim como um

mal que assola a todos.

A ocupação populacional nas proximidades

de ambientes naturais que constituem

importantes territórios externos também é

apontada como dificuldade que tende a se

agravar com o tempo, tendo como consequência

a necessidade de deslocamento para locais cada

vez mais distantes: “[...]Esse rio que utilizamos

do final de linha por exemplo, daqui pro final do

ano a gente não consegue mais usar porque já

vai estar habitado. O que a gente vai ter que

fazer? Ir para mais longe, ter que procurar mais

longe[...]”.

Como solução o entrevistado também indica a

criação de um espaço reservado nos moldes

do que existe no Rio de Janeiro. Entretanto,

assim como em outras respostas constantes na

Tabela 4, aqui também se verifica descrença do

177

- vamos pensar que esquece e que não faz de propósito – garrafa,

plástico, alguma coisa, alguém que se encarregue de recolher, de

dar o devido destino e alguém que pegue essas oferendas e faça a

natureza usar do jeito ideal. No Rio, por exemplo, tem vários

buracos, eles vão e colocam a oferenda e deixam a céu aberto por

três dias e depois fecham e a terra faz o papel dela. Então assim,

seria assim, era possível o governo fazer isso? Era, mas infelizmente

eu não boto muita fé que o governo vá fazer nada por nós não.

Talvez falte gente competente para isso, talvez aqueles que falam

muito de Deus são pouco espiritualizados também, não tem Deus

no coração de verdade, porque se você não respeita o outro você

não tem Deus no coração, se você não entende ou pelo menos não

busca aceitar a prática do outro, desde que não seja uma prática

destrutiva, você também não tem Deus no coração. Então assim,

fala-se muito de Deus mas invoca-se muito o diabo por aí. Então,

falta gente competente para fazer isso acontecer...melhorou muito

hoje, hoje temos o pessoal do movimento negro, as OSIP’s, hoje

tem um pessoal tentando lutar pelos direitos da igualdade racial,

mas acho que vai muito além disso. Então...hoje não, mas espero

que mais lá na frente tenha gente competente para lidar com isso

tudo. [...]Não é que eu não bote fé, mas não a curto prazo, tipo um

ou dois anos não. Mas quem sabe um trabalho bem feito daqui a

cinco, seis, dez anos dê um fruto, mas daqui para lá também vamos

ter que ver o que é que vai sobrar né? O que é que vai sobrar? Por

exemplo, área próximo a rio normalmente é área pertencente a

marinha, não pode se construir mas você vê um monte de

construção, Aracaju é uma cidade construída em cima do rio,

teoricamente seria uma área de preservação. A parte mais luxuosa

de Aracaju, a treze de julho, é do lado do mangue, embaixo passa

mangue. Então assim, o que é que vai sobrar? Enfim, é uma

realidade dura mas é uma realidade que você tem que abrir os olhos

e enxergar como tem que ser enxergado também. Mas o que é que

vai sobrar por exemplo? Entende? Você dá uma volta no meu bairro

e aqui você vai encontrar oito a dez casas de axé. Você dá uma volta

em São Cristóvão se você não encontrar umas 100 casas amém! Aí

você veja, 100 casas de axé, cada uma cuidando de cinquenta

pessoas, por exemplo, fazendo uma média por casa, você tem cinco

mil pessoas, é uma demanda razoável.

entrevistado em relação a concretização de uma

ação dessa natureza por parte do poder público,

pois em sua opinião falta gente competente e

alteridade em relação a diversidade religiosa:

“[...]Então, falta gente competente para fazer

isso acontecer [...]”; “[...]se você não respeita

o outro você não tem Deus no coração, se você

não entende ou pelo menos não busca aceitar a

prática do outro, desde que não seja uma

prática destrutiva, você também não tem Deus

no coração[...].”

O entrevistado chega a acreditar na

possibilidade de concretização desse tipo de

projeto a longo prazo, entretanto, faz um alerta

sobre “o que é que vai sobrar?”, o que

demonstra preocupação com as consequências

do avanço da urbanização nos próximos cinco a

dez anos.

11. Odé

Localização: Piabeta, Nossa Senhora

do Socorro

Início das atividades: 1993

Pergunta 6: Para mim é só a violência. Inclusive eu digo a você

que quando antigamente eu vinha para aqui e ficava sozinho e

conseguia dormir aqui sozinho e hoje em dia eu sou incapaz de

dormir aqui, por conta do crack, o crack invadiu a região e aqui você

só pode ficar de portas abertas até sete horas da noite, caso contrário

Para mim é só a violência. Eu já fui até

em uma audiência com o secretário de

segurança pública e fui ignorado.

Apesar de informar que apenas a violência traz

dificuldades, o entrevistado, quando da resposta

à pergunta n. 2, citou dificuldades com o uso de

encruzilhadas urbanas em algumas práticas

178

você tem que estar muito bem trancado e eu me considero incapaz

de dormir aqui como eu já dormi outrora.

Pergunta 7: No momento não porque eu já fui até em uma

audiência com o secretário de segurança pública e fui ignorado. É

um problema generalizado que não tange somente a pessoas do

culto afro-brasileiro, tange à sociedade de um modo geral.

religiosas, o que foi apontado como

desdobramento da urbanização.

O entrevistado não vê uma solução para o

problema da violência.

12. Conceição

Localização: Guajará, Nossa Senhora

do Socorro

Início das atividades: Década de 1960

Pergunta 6: Tá difícil, quando tem tá cercado de arame [se

referindo a matas]; rio também, espero que não cerquem nem façam

nada no rio aqui da prainha do bairro industrial que é o que está

aberto. Cachoeira tem que fazer o pedido para ir ou ir para a

cachoeira ali de Itabaiana que tem que pedir também autorização

para entrar, que antes era aberto e agora tem que pedir autorização.

Para alguns é dificuldade. Se você tem conhecimento você

consegue, eu tenho uma filha que tem conhecimento e se a gente

pedir através dela a gente consegue, mas e os outros? Eu não penso

só em mim, e os outros como é que ficam? Tem que ser para todos

os terreiros.

Pergunta 7: Desde Gama [se referindo ao ex-prefeito], de lá para

cá houveram reuniões para saber o que é que a gente queria para a

questão dos terreiros dentro dos projetos da cidade. Existe muita

ajuda para a igreja católica e menos ajuda para os candomblés. Um

outro ponto que a gente viu, que está lá nos papéis, se não jogaram

fora, se não queimaram, se não deram fim, que a gente dialogou foi

a questão de ter um espaço público para que os terreiros pudessem

colocar as suas obrigações, um santuário, e nesse espaço público

tivesse rio, mata, tivesse as chamadas encruzilhadas naturais, aí nós

não veríamos nas ruas os despachos. Aqui em Aracaju hoje eu acho

difícil, seria mais para o interior agora. Em uma área mais para o

interior onde a gente pudesse preservar, que a secretaria do meio

ambiente estivesse com a gente, existisse uma direção própria junto

com os órgãos públicos que não viesse nos massacrar, mas viesse

conviver harmonicamente com a gente e que desse conta de tudo

que está acontecendo naquele pedacinho de chão. Você vê, Gama

foi há quantos anos atrás? De lá para cá quantos anos se passaram?

[...] Agora a gente tem preocupação que esse local seja realmente

bem dirigido e bem acompanhado, com uma diretoria nossa, sob

supervisão nossa entendeu? Nossa que eu falo é do candomblé. Por

que poderia alguém entrar, poderia alguém usufruir, levar alguma

coisa para lá que não fosse da nossa religião. Então tem que ter uma

diretoria, uma supervisão, secretaria do meio ambiente, alguma

coisa nesse sentido de organização para não deixar acontecer o que

eu chamaria de o óbvio, que viesse a negativar o nosso espaço. [...]

Se você for observar o que nós estamos vendo hoje na televisão, na

Tá difícil, quando tem tá cercado de

arame. Cachoeira tem que pedir

autorização para entrar. Para alguns é

dificuldade.

A restrição de acesso a alguns ambientes

naturais, a exemplo de matas, rios e cachoeiras,

seja por estarem em propriedades particulares

ou por ser reserva ambiental (como a cachoeira

de Itabaiana), é citada como dificuldade.

Mais uma vez se verifica uma denúncia quanto

a falta de tratamento isonômico do poder

público em relação às diferentes religiões.

A entrevistada também aponta como solução a

criação de um espaço reservado para os

terreiros e informa que esse diálogo já foi

estabelecido com o poder público anos atrás:

“[...]ter um espaço público para que os

terreiros pudessem colocar as suas obrigações,

um santuário, e nesse espaço público tivesse rio,

mata, tivesse as chamadas encruzilhadas

naturais, aí nós não veríamos nas ruas os

despachos. Aqui em Aracaju hoje eu acho

difícil, seria mais para o interior agora. Em uma

área mais para o interior onde a gente pudesse

preservar, que a secretaria do meio ambiente

estivesse com a gente, existisse uma direção

própria junto com os órgãos públicos que não

viesse nos massacrar, mas viesse conviver

harmonicamente com a gente [...]”.

Entretanto, assim como em outras respostas,

aqui também se verifica descrença do

entrevistado em relação a concretização de uma

ação dessa natureza por parte do poder público:

“[...]você acha que um político desse vai ter

consciência de formar um lugar desse para os

candomblecistas, para os umbandistas? Eles

ligados as Igrejas Universais porque tem muita

gente, porque arrebanha muita gente, é voto que

não acaba mais que o que está interessando a

eles é isso, você acha que vai ter uma

preocupação, por mais que a gente fosse lá

179

política atual, você acha que um político desse vai ter consciência

de formar um lugar desse para os candomblecistas, para os

umbandistas? Eles ligados as Igrejas Universais porque tem muita

gente, porque arrebanha muita gente, é voto que não acaba mais que

o que está interessando a eles é isso, você acha que vai ter uma

preocupação, por mais que a gente fosse lá dialogar com eles? Eu

não acho! Eu não vejo como fazer isso. Agora vi uma preocupação

dessa a nível nacional, São Paulo colocou essa questão, Rio de

Janeiro já tem. Olhe, na época ainda se dialogava até no Rio de

Janeiro e o Rio de Janeiro já tem! O Rio de Janeiro ainda não tinha,

se dialogava em ter. Eu acho que hoje eles não têm essa

preocupação nem esse interesse e ainda mais tendo no pé as Igrejas

Universais. Eu torço até que possa acontecer, porque tem meus

filhos de santo, eu gostaria, mas aqui em Aracaju, Sergipe,

conhecendo os nossos políticos como eu conheço, eu não acredito,

por aqui não! Podemos até tentar, crer, ter fé, quem sabe não seja

para mim hoje mais seja para esses filhos que estão aí chegando e

vão brigar por esses espaços.

dialogar com eles? Eu não acho [...]Aqui em

Aracaju, Sergipe, conhecendo os nossos

políticos como eu conheço, eu não acredito, por

aqui não! [...]”.

13. Ogum

Localização: Jabotiana, Aracaju

Início das atividades: 2010

Pergunta 6: Não. Geralmente quando a gente deixa de fazer alguma

coisa é por conta da violência, então você não tem como ir em

determinados lugares que pode te trazer algum mal, que hoje em dia

é tudo muito perigoso. Então você não pode ir em uma praia tarde

da noite, você tem que ir sempre cedo em um horário que não tenha

muita gente mas que tenha gente próximo. A violência e o

preconceito nos levam a fazer alguns ajustes, eu mesmo procuro não

me expor tanto justamente por conta disso, ou expor o candomblé

de uma forma mais aceitável. Geralmente quando eu sofro algum

tipo de preconceito eu acabo conversando com a pessoa, procurando

fazer com que ela entenda de uma certa forma a religião, porque eu

acho que as pessoas passam muito uma coisa macabra da

religião[...].

Pergunta 7: Pergunta prejudicada porque o entrevistado disse não

ter dificuldade.

Não. Geralmente quando a gente

deixa de fazer alguma coisa é por

conta da violência. A violência e o

preconceito nos levam a fazer alguns

ajustes.

O entrevistado informa que não tem

dificuldades mas cita alguns ajustes

necessários em razão da violência e do

preconceito.

Fonte: Elaborada pela pesquisadora a partir das informações verbais fornecidas pelos entrevistados.

180

A partir da análise dos dados apresentados na Tabela 7 destacam-se os seguintes

resultados:

1. Apenas 3 (três) entrevistados não encontram dificuldade ou impedimento na

utilização de ambientes naturais em suas liturgias, enquanto 10 (dez) entrevistados

encontram dificuldades ou precisam fazer algum tipo de adaptação;

2. As principais dificuldades ou impedimentos citados foram: 1. Crescimento da

cidade (4 entrevistados); 2. Violência (3 entrevistados); 3. Distância e

deslocamento (2 entrevistados); 4. Restrição de acesso (2 entrevistados);

3. Dentre os que informaram que não tem dificuldades mas precisam fazer algum

tipo de adaptação para a sobrevivência da religião, a urbanização foi apontada

como fator de imposição dessas adaptações;

4. Assim como já havia emergido a partir dos dados constantes na Tabela 5, a criação

de um espaço reservado para as liturgias afrorreligiosas agora aparece não só

como reivindicação, mas como principal solução apontada para a superação das

dificuldades na utilização de ambientes naturais para fins religiosos;

5. Outros elementos importantes que emergiram nas respostas dos entrevistados

foram: 1. A falta de isonomia no tratamento que o poder público dedica às religiões

afro-brasileiras e às demais; 2. Descrença quanto à criação de um espaço reservado

em Sergipe.

Vê-se, a partir dos resultados, que 77% (setenta e sete por cento) dos entrevistados

enfrentam algum tipo de dificuldade na utilização dos ambientes naturais em suas liturgias

ou precisam fazer algum tipo de adaptação para sobrevivência do culto. O crescimento da

cidade (e seus desdobramentos) é a principal dificuldade, sendo possível inferir, a partir dos

resultados, que o processo de urbanização tem um impacto negativo sobre os cultos e

práticas afrorreligiosas.

A religião, de modo amplo, tem suas características diretamente submetidas às intensas

transformações decorrentes da urbanização (FARIA; SANTOS, 2008). Não é diferente com as

religiões afro-brasileiras que, ao que se infere a partir dos resultados da pesquisa, estão

constantemente envolvidas em embates para manutenção dos locais de reprodução de suas

práticas tradicionais, ou seja, em uma luta para conservação dos seus territórios de Axé.

Assim como a indica a literatura (SILVA, 1995; RÊGO, 2006; OLIVEIRA; OLIVEIRA;

BARTHOLO JR., 2010; BARROS, 2011; SOUZA FILHO, 2013), como consequência da

aceleração do processo de urbanização das cidades os terreiros passam a encontrar dificuldades

181

para a realização de seus rituais, levando a um contínuo processo de subtração de seus espaços

litúrgicos. Regiões antes pouco povoadas e de grande riqueza natural se modificaram com o

tempo, dando espaço a construções urbanas. Assim, vai se verificando um fenômeno de

estrangulamento dos terreiros e de perda de seus territórios de Axé que vão sendo subtraídos

pela cidade que avança em sua direção. É o que demonstra a fala da entrevistada:

[...] Quando é toda destituída a escravidão que os negros abrem seus terreiros eles

primeiro são lançados bem distante da sociedade, aí a gente utiliza os espaços que são

as matas, a gente vai lá pra dentro fazer os quilombos e tem toda aquela área verde e

aí é possível você desenvolver todo o seu ritual. Aí a cidade começa a crescer e invade

esses ambientes que já foram colocados para nós como ambientes que não eram muito

bem vistos pela sociedade, era distante, aí ela sente a necessidade de crescer e vai

invadindo, e aí cada vez mais vai nos achatando, porque a cidade cresce, você vai

ficando muito mais apertado no seu ambiente que você precisa da natureza, ela vai

deixando de existir e dificultando cada vez mais a tradição e a manutenção dessa

tradição [...]. (LEGBARA, 2016, informação verbal238).

Ainda no segundo capítulo, quando da discussão dos resultados apresentados na Tabela

1, a urbanização havia sido apontada por alguns entrevistados como responsável pela atual

condição desfavorável do entorno dos terreiros, que já não oferece mais as áreas verdes que

oferecia anos atrás.

Para além do impacto negativo nas áreas próximas aos terreiros, o crescimento da

cidade também aparece como principal dificuldade no que se refere à utilização de

ambientes naturais essenciais às suas liturgias, ou seja, seus territórios de Axé. Portanto,

os dados coletados indicam que com o processo de urbanização os terreiros perdem espaços

internos e externos o que demanda uma constante necessidade de deslocamento para

lugares cada vez mais distantes, o que também é apontado pelos entrevistados como uma

dificuldade. Vê-se, pois, um emaranhado de condições limitantes que se entrelaçam. É o que

demonstram os depoimentos abaixo:

[...]Tem que ver cada vez mais longe né, você vai encontrando cada vez a mata se

afastando e a cidade vai crescendo, vai se formando um concreto imenso e aí deixa de

estar existindo tanto como antes [...]. (LEGBARA, 2016, informação verbal239).

[...]Para você ter uma ideia, essa região aqui toda do Novo Paraíso era horta de

verduras, era tanque de água, era pé de coqueiro, pé de mangueira, hoje é uma cidade.

Não tem condições de eu fazer um trabalho e chegar ali na esquina arriar porque é na

238 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.). 239 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.).

182

frente de uma casa. Cada vez tem que ir pra mais longe [...] (IBEJIS, 2016, informação

verbal240).

[...]Toda casa de candomblé quando é iniciada ela procura se afastar da urbanização,

pra não incomodar e pra não ser incomodado, mas é difícil porque depois vai chegando

o progresso e não tem como mais ter esse sossego, não incomodar nem ser

incomodado. O jeito é fazer tudo dentro do seu terreiro, daqui mais uns 10, 15 anos

você não tem outra opção, você vai ter que fazer tudo dentro do terreiro como a gente

já tá começando a se adaptar [...] (SÃO JORGE, 2016, informação verbal241).

[...]Esse rio que utilizamos do final de linha por exemplo, daqui pro final do ano a

gente não consegue mais usar porque já vai estar habitado. O que a gente vai ter que

fazer? Ir para mais longe, ter que procurar mais longe[...] (XANGÔ, 2016, informação

verbal242).

As novas restrições impostas pela urbanização demandam das comunidades de terreiro

constantes readaptações como forma de sobrevivência e manutenção de suas tradições

(OLIVEIRA; OLIVEIRA; BARTHOLO JR., 2010). Algumas dessas adaptações citadas pelos

entrevistados foram: adequação dos horários de toque para não incomodar vizinhos;

ritualísticas que passaram a ser feitas dentro do terreiro e eram feitas em ambientes

naturais; adequação dos horários de ida aos ambientes naturais para fugir de violência e

preconceito. E as falas de alguns entrevistados indicam que essas adaptações, em que pese

necessárias, são tidas como um preocupante fator de descaracterização do culto e perda das

tradições:

[...]A gente tem nossas ervas, nosso espaço é muito grande, a festa dos caboclos a

gente já tá começando a fazer aqui mas a gente tem essa vantagem de que nosso espaço

é grande e quem não tem um espaço grande, como é que vai fazer? Quem não tem

essa estrutura como é que vai ficar, vai deixar de fazer? Não pode! Já tem terreiro que

já faz isso porque não tem outra opção, faz todos os seus rituais dentro do terreiro,

tem que se adequar, não tem pra onde correr. É muito ruim; os Orixás entendem que

não tem outra opção mas não é bom pro terreiro perder essa energia da mata, de água,

de tudo [...]. (SÃO JORGE, 2016, informação verbal243).

[...]A cada dia que passa você vai se tornando mais flexível e as pessoas se acham no

direito de dizer que aquilo não tinha valor. Então o valor da nossa religião está dentro

da nossa tradição, se a gente perde a tradição a gente também está perdendo valor [...]

(SAHARA, 2016, informação verbal244).

240 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.). 241 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz

de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 242 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 243 Entrevista concedida por SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz

de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.). 244 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.).

183

[...]Horário, você tem que saber muito bem que horário que você vai tocar para você

não incomodar os outros e também não ser incomodado, então normalmente isso tem

que ser feito na madrugada, três e meia/quatro da manhã pra você poder fazer. Tomar

um banho no mar em paz, por exemplo, tem que ser cedo, antes que alguém chegue e

que comente algo de preconceito ou de racismo, seja lá como for [...] (XANGÔ, 2016,

informação verbal245).

A primeira fala acima transcrita demonstra uma preocupação com uma tendência que

já vem sendo observada pela literatura. É que devido ao crescimento desordenado das cidades

fica cada vez mais difícil a manutenção de áreas naturais que preservem características passíveis

de manifestação do sagrado (SILVA, 1995; RÊGO, 2006; BARROS, 2011). Disso decorre,

portanto, a perda dos espaços ritualísticos e consequente redução da vivência religiosa aos

limites internos dos terreiros, trazendo um prejuízo para a tradição religiosa. Como bem

observado por Duarte (1998, p. 20): “[...]a manifestação da religião afro-brasileira tradicional

está encolhendo. Encolhendo para os muros dos próprios terreiros. E isto não é bom. Não é bom

porque nós sabemos que nossa religião não se enquadra apenas aos rituais nos espaços do

terreiro”.

Consoante emergiu na discussão dos resultados apresentados na Tabela 6, aqui também

se verifica uma restrição ao direito de culto que atinge a dignidade humana dessas pessoas que

está intimamente ligada à fé que professam e ao sentimento religioso que lhes é inerente, o que

demanda uma ação pontual do poder público no sentido de garantir a efetiva proteção desse

direito que está sendo violado (OLIVEIRA; OLIVEIRA; BARTHOLO JR., 2010).

E questionados sobre como superar as dificuldades apontadas na utilização de ambientes

naturais para fins religiosos, os entrevistados indicaram a criação de um espaço reservado

para as liturgias afrorreligiosas como principal solução. Entretanto, assim como já discutido

a partir dos dados constantes na Tabela 5, essa reivindicação aqui também aparece

acompanhada de descrença quanto à concretização desse projeto em Sergipe.

Neste sentido cabe destacar que as falas de alguns entrevistados denunciam a falta de

isonomia no tratamento que o poder público dedica às religiões afro-brasileiras, o que é

elaborado a partir da comparação com o tratamento recebido pelas igrejas. Vejamos: “[...]uma

igreja qualquer quando chega em um bairro ela tem todo um aparato do governo para se instalar

ali, diz que em cima até de leis sobre isso, então o povo de matriz africana também teria que ser

atendido dessa forma [...]” (LEGBARA, 2016, informação verbal246); “[...]Existe muita ajuda

245 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 246 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.).

184

para a igreja católica e menos ajuda para os candomblés [...]” (CONCEIÇÃO, 2016, informação

verbal247).

A consciência sobre essa falta de isonomia possivelmente é mais um elemento que

fortalece essa descrença perceptível na fala de alguns entrevistados quanto à adoção de medidas

concretas (como políticas públicas e ações afirmativas) para garantia dos direitos que estão

sendo violados. Vejamos algumas falas:

[...]Se os povos de matriz africana tivessem o mesmo acesso que as outras religiões

têm, no que se refere a espaço. Porque você vê uma igreja qualquer quando chega em

um bairro ela tem todo um aparato do governo para se instalar ali, diz que em cima

até de leis sobre isso, então o povo de matriz africana também teria que ser atendido

dessa forma, de manter a sua tradição respeitando o seu espaço, respeitando porque

nós temos a natureza como principal pra nossa vida e pra manutenção da nossa

tradição a gente precisa da utilização dessa natureza, então tinha que ter espaços

cedidos para os terreiros, espaços que contemplassem toda a diversidade da natureza.

Eu acho que a política pública ela vem também como uma forma de reparação aos

povos tradicionais, de reparação por todo o dano que essa própria sociedade causou

tirando você da terra, tirando você do seu seio e colocando em um espaço sem

nenhuma garantia. Então o Estado deve isso ao povo brasileiro e especialmente ao

povo de matriz africana, ele tem que ser reparado e a forma de reparar é através das

políticas públicas, de ações afirmativas [...]. (LEGBARA, 2016, informação

verbal248).

[...]Se a própria lei governamental, os governantes, eles tivessem preocupação com o

pessoal afrodescendente, tendo em vista que a religião ela tem muito anos, a religião

do candomblé ela vem se estendendo de muito tempo e ela cresceu, expandiu. Então

quando eu entrei pra religião do candomblé, que eu era menina, eu lembro que tinha

muita perseguição naquela época, hoje já não tem a perseguição mas tem quem não

liga, que não se incomoda com nada. Então se eles tivessem essa preocupação de

preservar a cultura, criaria um espaço, mesmo que fosse vigiado, porque a gente não

vai confiar em gente, pra não destruir, colocar uma vigilância pra ninguém destruir e

os afrodescendentes que necessitassem poderiam usar o espaço, mesmo que pagando

uma taxa. Mas teria um espaço como é nos outros lugares [...]. (OYÁ, 2016,

informação verbal249).

[...]A gente ter um canto só pra gente, que a gente cuidasse e que a gente se utilizasse

daqui. Uma roça bem cuidada com muitas ervas que tudo fosse feito ali e que tivesse

obrigação de cuidar. Hoje teria uma semana minha de limpar, amanhã uma semana

sua, e não deixar aquilo acabar. Agora eu acho muito difícil isso hoje acontecer[...].

(IBEJIS, 2016, informação verbal250).

[...]Se esse rio virasse uma área de preservação espiritual, por exemplo...o Rio de

Janeiro possui isso, tem cachoeira que são administradas por federações que tomam

conta, que limpam, que zelam, que mantém, então você vai lá e faz os seus trabalhos

com segurança e sem problema algum, e sem agredir a natureza [...]Então assim, era

possível o governo fazer isso? Era, mas infelizmente eu não boto muita fé que o

247 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz

de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.). 248 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.). 249 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 250 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.).

185

governo vá fazer nada por nós não. Talvez falte gente competente para isso, talvez

aqueles que falam muito de Deus são pouco espiritualizados também, não tem Deus

no coração de verdade, porque se você não respeita o outro você não tem Deus no

coração, se você não entende ou pelo menos não busca aceitar a prática do outro, desde

que não seja uma prática destrutiva, você também não tem Deus no coração[...].

(XANGÔ, 2016, informação verbal251).

[...]Desde Gama, de lá para cá houveram reuniões para saber o que é que a gente queria

para a questão dos terreiros dentro dos projetos da cidade [...] Um ponto que a gente

viu, que está lá nos papéis, se não jogaram fora, se não queimaram, se não deram fim,

que a gente dialogou foi a questão de ter um espaço público para que os terreiros

pudessem colocar as suas obrigações, um santuário, e nesse espaço público tivesse

rio, mata, tivesse as chamadas encruzilhadas naturais, aí nós não veríamos nas ruas os

despachos. Aqui em Aracaju hoje eu acho difícil, seria mais para o interior agora. Em

uma área mais para o interior onde a gente pudesse preservar, que a secretaria do meio

ambiente estivesse com a gente, existisse uma direção própria junto com os órgãos

públicos que não viesse nos massacrar, mas viesse conviver harmonicamente com a

gente e que desse conta de tudo que está acontecendo naquele pedacinho de chão.

Você vê, Gama foi há quantos anos atrás? De lá para cá quantos anos se passaram?

[...] você acha que um político desse vai ter consciência de formar um lugar desse para

os candomblecistas, para os umbandistas? Eles ligados as Igrejas Universais porque

tem muita gente, porque arrebanha muita gente, é voto que não acaba mais que o que

está interessando a eles é isso, você acha que vai ter uma preocupação, por mais que

a gente fosse lá dialogar com eles? Eu não acho! Eu não vejo como fazer isso. Agora

vi uma preocupação dessa a nível nacional, São Paulo colocou essa questão, Rio de

Janeiro já tem. Olhe, na época ainda se dialogava até no Rio de Janeiro e o Rio de

Janeiro já tem! [...]Aqui em Aracaju, Sergipe, conhecendo os nossos políticos como

eu conheço, eu não acredito, por aqui não! [...]. (CONCEIÇÃO, 2016, informação

verbal252).

Vê-se que mais uma vez o exemplo do Rio de Janeiro é apontado como modelo a ser

seguido. Consoante discutido a partir dos resultados constantes na Tabela 5, o projeto Espaço

Sagrado do Rio de Janeiro é pioneiro por estar alicerçado em uma gestão participativa que busca

conciliar os interesses da comunidade afrorreligiosa local aos objetivos de conservação da

natureza, demonstrando a possibilidade do diálogo e harmonização de interesses na busca tanto

da proteção ambiental quanto religiosa (FERNANDES PINTO; IRVING, 2015).

E esse projeto surgiu justamente de uma demanda da comunidade afrorreligiosa que

passou a sofrer restrições de acesso às áreas da Unidade de Conservação do Parque Nacional

da Tijuca em decorrência de políticas públicas de proteção ambiental, o que inseriu este

episódio no documento intitulado “Mapa de conflitos causados por racismo ambiental no

Brasil”, definindo a proibição imposta pelo IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e

dos Recursos Naturais Renováveis, no Rio de Janeiro, quanto à realização de rituais religiosos

afro-brasileiros no espaço do Parque como sendo um caso de racismo ambiental (RIBEIRO;

251 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 252 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz

de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.).

186

PACHECO, 2007, p. 139). Restrições de acesso também foram apontadas como dificuldade

por 2 (dois) entrevistados que citaram os exemplos do Parque da Cidade e da reserva da

Serra de Itabaiana em Sergipe.

Herculano e Pacheco (2006, p. 25) conceituam racismo ambiental como sendo

“injustiças sociais e ambientais que recaem de forma desproporcional sobre etnias

vulnerabilizadas”. Pacheco (2006, p. 323), por sua vez, ressalta que “o racismo ambiental não

se configura apenas por meio de ações que tenham uma intenção racista, mas igualmente por

meio de ações que tenham impacto racial, não obstante a intenção que lhes tenha dado origem”.

Segundo Bullard (2005), ocorre racismo ambiental quando políticas têm impacto negativo sobre

pessoas, grupos ou comunidades por motivos de raça ou cor, ainda que involuntariamente.

Povos e comunidades consideradas tradicionais253 não raras vezes são vítimas de

injustiças ambientais254 e de políticas de conservação ambiental que instituem unidades de

conservação em áreas de uso tradicional, do que decorre um impacto direto para essas

comunidades (MOUTINHO DA COSTA, 2011). Foi isso que aconteceu no caso do Parque

Nacional da Floresta da Tijuca, em que a utilização desse espaço pelas comunidades religiosas

afro-brasileiras é registrada desde o século XVII, mas que em 2007 passaram a ter o acesso ao

Parque restrito ou impedido pelos fiscais do IBAMA. (MOUTINHO DA COSTA, 2011).

Semelhante problemática foi relatada por um dos entrevistados quanto ao acesso à reserva da

Serra de Itabaiana, na região conhecida como Poço das Moças.

Neste sentido, a transformação de áreas como a Floresta da Tijuca255e a Serra de

Itabaiana em unidades de conservação ambiental256, em que pese sua importância enquanto

253 Assim definidas pelo Decreto nº 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, que institui a Política Nacional de

Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. 254 Segundo Moutinho da Costa (2011), a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) conceitua injustiça

ambiental como sendo “o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social,

destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos raciais

discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis”

(MOUTINHO DA COSTA, 2011, p. 108). 255 Moutinho da Costa (2008) destaca que o caso emblemático do Parque Nacional da Tijuca demonstra que “os

Povos e Comunidades de Terreiro têm sido impactados pela instituição de áreas protegidas ao longo dos últimos

141 anos, fato que vêm afetando e atingindo o modo de organização e de vida destas populações e comunidades

tradicionais, suas identidades culturais e as relações tradicionais que estabeleceram com seus territórios de origem,

pertencimento e identidade, entrando para a lista dos Povos Atingidos Por Unidades de Conservação, junto com

pescadores, quilombolas, indígenas, entre outros” (MOUTINHO DA COSTA, 2008). 256 O modelo de área de conservação adotado com predominância mundial é o Parque Nacional, que tem como

finalidade a preservação dos espaços naturais intocáveis, idealizados como grandes e extensas áreas naturais sem

população que possuíssem paisagens de extrema beleza contemplativa, capazes de servir como espaço para

recreação ou busca de refúgio e tranquilidade (MOUTINHO DA COSTA, 2011, p. 109). O Brasil segue a tendência

mundial de criar áreas naturais preservadas legalmente instituídas, entre as quais se destacam as Unidades de

Conservação da Natureza, cujo principal marco legal foi estabelecido no ano 2000, com a criação do Sistema

Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), através da Lei 9.985/2000. Nesse sistema, coexistem

Unidades de Proteção Integral (como os Parques e Reservas Biológicas), onde apenas é permitido o uso indireto

187

política ambiental preservacionista, algumas vezes acaba por afetar a vida de comunidades

tradicionais que ao longo de suas trajetórias históricas construíram relações de pertencimento,

identidade e memória com esses espaços (SILVA, 2008; MOUTINHO DA COSTA, 2011). No

caso específico da Floresta da Tijuca, a criação do “Espaço Sagrado” emergiu como importante

política pública que conseguiu harmonizar duas pautas importantes: a preservação ambiental e

a proteção dos direitos culturais e religiosos de comunidades que dependem do acesso a seus

territórios naturais sagrados para continuar reproduzindo suas práticas tradicionais.

Como se viu em relatos de alguns entrevistados, a restrição de acesso ao Parque da

Cidade para fins religiosos foi apontada como fator que levou o espaço a deixar de ser utilizar.

Do mesmo modo, o Poço das Moças, na Serra de Itabaiana, local que costumava ser utilizado

pela comunidade afrorreligiosa sergipana em suas liturgias, também passou a ter o acesso

restrito por ter se tornado área de reserva ambiental. E nesse caso, para além da restrição de

acesso, foi relatada a ocorrência de abordagem inadequada e preconceituosa por parte dos ficais

do IBAMA na qualidade de agentes públicos.

No caso do Rio de Janeiro, somente após onze anos de tratativas entre os representantes

das comunidades afrorreligiosas e o poder público se concretizou a criação do “Espaço

Sagrado”, especialmente destinado ao uso dessa comunidade (MOUTINHO DA COSTA,

2011). Ao que se vê a importância e o alcance desse projeto é tamanho que o levou a ser

indicado como modelo inúmeras vezes nas falas dos entrevistados. Entretanto, embora os

entrevistados apontem a necessidade de criação de um espaço semelhante em Sergipe, essa

reivindicação vem acompanhada de um sentimento de descrença que tem em sua base a

consciência de que ainda sobrevive um preconceito histórico que acompanha às práticas

religiosas de matriz africana.

Neste capítulo foram analisadas e discutidas as respostas fornecidas pelos entrevistados

às perguntas do bloco V, com o intuito de responder o segundo objetivo específico deste

trabalho, que consiste em identificar o uso de territórios afrorreligiosos externos na Grande

Aracaju e possíveis dificuldades decorrentes do processo de urbanização no uso desses

territórios.

Como resultados do segundo objetivo específico chegamos às seguintes conclusões:

1. TODOS entrevistados fazem uso de ambientes naturais externos, ou seja, fora dos

terreiros e os mais utilizados são: matas, rios, praias, cachoeiras;

dos recursos naturais, e Unidades de Uso Sustentável (como as Reservas Extrativistas), onde o uso direto é

permitido segundo regras preestabelecidas (MOUTINHO DA COSTA, 2011, p. 110).

188

2. Os principais territórios de Axé na Grande Aracaju são: praias; rio Pitanga; rio

Poxim; Parque da Cidade; Prainha do bairro Industrial;

3. Os principais territórios de Axé fora da Grande Aracaju são: cachoeira da Serra de

Itabaiana; cachoeira de Macambira; mata e rio em Areia Branca;

4. O ambiente natural mais utilizado pela comunidade afrorreligiosa é o rio Pitanga;

5. Os ambientes naturais que outrora eram utilizados de forma habitual mas que hoje

esse uso não é mais possível são: encruzilhadas urbanas, Parque da Cidade, entorno

do terreiro, mata e rio no bairro Jabotiana, praia de Atalaia, Serra de Itabaiana,

região do centro administrativo de Aracaju;

6. Principais motivos para a impossibilidade de uso desses ambientes que outrora eram

utilizados que que hoje não são mais: violência; perda de espaço em razão do

crescimento urbano; restrição/proibição de acesso ao local; poluição; distância;

sobreposição territorial;

7. Apenas 3 (três) entrevistados não encontram dificuldade ou impedimento na

utilização de ambientes naturais em suas liturgias, enquanto 10 (dez) entrevistados

encontram dificuldades ou precisam fazer algum tipo de adaptação;

8. As principais dificuldades na utilização de ambientes naturais são: 1. Crescimento

da cidade; 2. Violência; 3. Distância e deslocamento; 4. Restrição de acesso;

9. Dentre os que informaram que não tem dificuldades mas precisam fazer algum tipo

de adaptação para a sobrevivência da religião, a urbanização foi apontada como

fator de imposição dessas adaptações;

10. A criação de um espaço reservado para as liturgias afrorreligiosas foi apontada

como principal solução para a superação das dificuldades na utilização de ambientes

naturais para fins religiosos.

189

CAPÍTULO IV

4 ELABORAÇÕES SOBRE OS RESULTADOS: IMPACTOS SOBRE A LIBERDADE

RELIGIOSA E DIGNIDADE HUMANA DA POPULAÇÃO INVESTIGADA

A fim de alcançar o objetivo geral da pesquisa, qual seja, identificar e analisar os

impactos da urbanização sobre o uso/conservação dos territórios sacralizados pelas

comunidades tradicionais de matriz africana na Grande Aracaju, bem como seus

desdobramentos no direito à liberdade religiosa da população investigada, foi necessário

primeiro responder os seguintes objetivos secundários:

1. Identificar se, em decorrência da urbanização, tem ocorrido um

“estrangulamento” dos terreiros investigados a ponto de comprometer a presença

e conservação dos “espaços mato”, demonstrando a relação interdependente

entre a perda do espaço interno e externo;

2. Identificar o uso de territórios externos pelos terreiros investigados e possíveis

dificuldades e adaptações decorrentes do processo de urbanização no uso desses

territórios.

Como resultados da pesquisa de campo ao primeiro objetivo secundário verificou-se

que: 1. Nos terreiros pesquisados inexiste espaço mato interno nos moldes descritos pela

literatura; 2. A urbanização não provocou um estrangulamento nos espaços internos dos

terreiros investigados porque a característica predominante é de terreiros que já

“nasceram” com espaço interno reduzido e sem espaço “mato” nos moldes descritos pela

literatura; 3. O impacto da urbanização é sentido especialmente na perda das áreas verdes

remanescentes no entorno dos terreiros, que cumprem o papel de espaço “mato” externo;

4. A perda das áreas verdes nos arredores dos terreiros em decorrência da urbanização,

aliado ao espaço interno reduzido, demandam uma série de adaptações dos terreiros e

constituem as principais causas de insatisfação com o local onde se encontram.

O processo de urbanização da Grande Aracaju se, por um lado, não provocou o

estrangulamento nos espaços internos dos terreiros investigados, por outro provocou perdas no

que a literatura chama de “espaço mato externo”, ou seja, que se estende além dos limites

internos do terreiro, fornecendo algumas ervas e plantas de uso litúrgico, fenômeno identificado

por Mattoso (1992) e Barros (2011).

190

Conforme demonstrado na discussão do segundo capítulo, os terreiros investigados

apresentam como características predominantes o fato de terem se instalado em áreas

originalmente não urbanizadas e de já terem “nascido” com espaço interno reduzido,

principal motivo apontado pelos entrevistados para a ausência de espaço “mato” (nos

moldes descritos pela literatura) na área interna dos terreiros. Em razão dessa dupla

característica predominante nos terreiros investigados é que as áreas do entorno passaram a

cumprir o papel de espaço “mato” externo, suprindo parte da demanda interna dos terreiros por

ervas e plantas de uso litúrgico.

Por terem se instalado inicialmente em áreas predominantemente não urbanizadas,

conforme se constatou na pesquisa de campo, o que está intimamente ligado às políticas

higienistas de segregação territorial, à necessidade de fugir das perseguições policiais aos cultos

afro-brasileiros e às modestas condições financeiras dos afrorreligiosos, é que, como aponta

Barros (2011), muitos terreiros tinham à disposição nos arredores uma variedade de elementos

naturais importantes ao culto, a exemplo de matas, rios, pedreiras e até cachoeiras.

Entretanto, conforme demonstraram os resultados da pesquisa, o avanço do processo de

urbanização na Grande Aracaju trouxe como principal impacto a perda das áreas verdes

remanescentes no entorno dos terreiros, que cumprem o papel de espaço mato externo, o

que foi apontado como condição desfavorável. A urbanização é apontada por alguns

entrevistados como responsável pela atual condição desfavorável do entorno que já não oferece

mais as áreas verdes que oferecia anos atrás, impossibilitando a manutenção de um espaço

“mato” nos arredores. Portanto, os dados coletados indicam que com o processo de urbanização

os terreiros perdem espaços externos, passando a ter dificuldade no seu dia-a-dia.

Em razão da ausência de espaço “mato” interno aliado à perda dessas áreas de entorno

que cumpriam a função de espaço mato externo, os terreiros investigados passam a ter que

buscar alternativas para suprir a demanda interna de espécies vegetais e nessa busca enfrentam

uma série de dificuldades, tais como: 1. O aspecto financeiro: custos com deslocamento até

espaços verdes ainda preservados ou com aquisição de ervas no mercado; 2. A perda de

tempo com o deslocamento para espaços verdes ainda preservados no interior de Sergipe;

3. A “quebra da essência” em razão de ter que comprar ervas sem saber se foram

observados os cuidados necessários quando da colheita.

E mesmo os terreiros que de alguma forma conseguem manter internamente algumas

ervas e plantas cultivadas, precisam recorrer às alternativas externas para suprir a demanda, no

que o mercado e áreas verdes preservadas no interior de Sergipe despontam como principais

191

fontes, o que explica as dificuldades apontadas acima, visto que tanto a aquisição no mercado

quanto a busca em áreas do interior do Estado demandam gastos e perda de tempo.

Quanto à preocupação com a “quebra da essência”, conforme explicitado no segundo

capítulo, essa emerge da necessidade de observar certos procedimentos e cuidados no momento

de colher as ervas litúrgicas, com o objetivo de preservar sua força vital (VERGER, 1981;

BASTIDE, 2001; BARROS, 2011), o que se torna impossível quando as ervas/plantas são

compradas. Entretanto, Barros (2011) alerta que, tanto em razão da facilidade de aquisição das

ervas/plantas diretamente nos mercados quanto em função da crescente urbanização das

cidades, esse ritual de coleta está sendo cada vez menos observado nos dias atuais do que

decorre uma descaracterização do culto.

Carneiro (1967), Santos (1976), Verger (1981), Bastide (2001) e Barros (2011)

enfatizam a importância das ervas nas religiões afro-brasileiras. Elas estão presentes na rotina

diária dos terreiros sendo utilizadas em banhos, chás, unguentos, etc. Por isso a importância do

espaço “mato”, pois é nele que são colhidas as folhas que serão utilizadas nos rituais de

iniciação, no batismo dos tambores, nas oferendas dos Orixás, nos banhos de purificação, até

mesmo na limpeza do espaço físico do terreiro: em tudo as ervas estão presentes. Trata-se de

um elemento indissociável dos cultos religiosos afro-brasileiros.

Ademais, Verger (1981), Bastide (2001) e Barros (2011) esclarecem que as

ervas/plantas domésticas ou cultivadas não apresentam o mesmo valor que aquelas

encontradas dispersas na natureza, o que reforça ainda mais a importância do espaço

“mato”. Segundo Bastide (2001) as mesmas plantas encontradas no mato se forem colhidas no

quintal ou jardim de casa não possuem valor litúrgico algum. Verger (1981, p. 122) faz

semelhante ressalva indicando que as plantas devem crescer livremente e “[...] aquelas

cultivadas em jardins devem ser desprezadas, pois Ossaim vive na floresta [...]”.

Portanto, em que pese a urbanização não tenha trazido um impacto direto quanto à

presença de espaço “mato” interno nos terreiros investigados, visto que a característica

predominante encontrada no campo foi a de ausência espaço “mato” nos moldes descritos pela

literatura, a pesquisa demonstrou que a urbanização trouxe um impacto negativo na

preservação do que a literatura chama de “espaço mato externo”, pois em razão dela as

áreas verdes antes existentes nos arredores dos terreiros deixaram de existir para dar

lugar a casas, prédios, ruas, etc.

A urbanização, portanto, avançou em direção às regiões onde os terreiros estão

estabelecidos de modo a engoli-los. E desse processo decorre que, dentre os terreiros

investigados, a principal dificuldade apontada em decorrência da urbanização é a

192

convivência com vizinhos. As respostas demonstraram que o crescimento urbano nas

proximidades dos terreiros impõe uma série de adaptações a fim de possibilitar uma melhor

relação.

Neste sentido, como também foi apontado nas respostas da pergunta n. 7 (ver análise da

Tabela 1), se infere que existe uma espécie de acordo de boa convivência que interfere na

“aceitação” do terreiro no local. E esse acordo tem em sua base o cumprimento de horários

para encerramento das atividades religiosas semanais. Em outras palavras, foram feitas

adaptações nas rotinas dos terreiros a fim de tornar possível a relação com a vizinhança, que

se tornou mais intensa em decorrência da expansão do processo de crescimento urbano.

Como resultados da pesquisa de campo ao segundo objetivo secundário constatou-se

que: 1. Todos os terreiros investigados fazem uso de territórios externos em suas liturgias

e os mais utilizados são: matas, rios, praias, cachoeiras; 2. O processo de urbanização na

Grande Aracaju tem levado os terreiros a buscar espaços naturais cada vez mais

afastados; 3. O avanço da urbanização é a principal dificuldade enfrentada pelos terreiros

quanto ao uso de territórios externos; 4. A urbanização funciona como fator de imposição

de adaptações necessárias à sobrevivência do culto religioso; 5. A criação de um espaço

reservado para as liturgias afrorreligiosas foi apontada como principal solução para a

superação das dificuldades na utilização de ambientes naturais para fins religiosos.

Portanto, é possível responder ao segundo objetivo específico com o seguinte

enunciado: 100% (cem por cento) dos terreiros investigados utilizam territórios externos

em suas práticas religiosas, dos quais 77% (setenta e sete por cento) ou enfrentam algum

tipo de dificuldade na utilização desses territórios ou precisam fazer algum tipo de

adaptação para sobrevivência do culto. E o crescimento da cidade (e seus

desdobramentos) é a principal dificuldade apontada quanto ao uso dos territórios

externos, sendo possível inferir, a partir dos resultados, que o processo de urbanização na

Grande Aracaju tem um impacto negativo sobre os direitos religiosos da população

investigada.

Assim, como resposta ao objetivo principal, qual seja, identificar e analisar os

impactos da urbanização sobre o uso/conservação dos territórios sacralizados pelas

comunidades tradicionais de matriz africana na Grande Aracaju, bem como seus

desdobramentos no direito à liberdade religiosa da população investigada, os resultados

demonstraram os seguintes impactos principais:

193

1. Perda de áreas verdes remanescentes no entorno dos terreiros, que cumpriam o

papel de espaço mato externo, sendo esse o principal motivo de insatisfação com o

local onde os terreiros se encontram atualmente;

2. Dificuldades na continuidade de utilização de ambientes naturais que eram

facilmente utilizados tempos atrás;

3. Necessidade de buscar áreas naturais em locais cada vez mais afastadas dos

terreiros, o que é apontado como dificuldade pois envolve custos com deslocamento

e perda de tempo;

4. Imposição de adaptações que, por vezes, descaracterizam aspectos tradicionais da

religião mas que são necessárias para sobrevivência do culto religioso;

Constatou-se que em decorrência da urbanização na Grande Aracaju direitos da

população investigada estão sendo violados, especialmente o direito ao amplo exercício da

liberdade religiosa. Passemos a análise dessas violações.

Como se viu, um dos resultados da pesquisa demonstrou que em decorrência da

urbanização áreas verdes que existiam no entorno ou nas proximidades dos terreiros deixaram

de existir. Essas áreas cumpriam o importante papel de espaço “mato” externo suprindo parte

da demanda interna dos terreiros por ervas e plantas de uso litúrgico. Por sua vez, a subtração

dessas áreas verdes antes existentes no entorno e proximidades tem como desdobramento a

necessidade de os terreiros buscarem áreas verdes em regiões cada vez mais distantes,

provocando uma verdadeira peregrinação das comunidades de terreiro que passam a ter duas

opções: adquirir as ervas no mercado ou se deslocar para o interior em busca de áreas ainda

preservadas.

Por esse motivo, o mercado e o interior de Sergipe foram apontados na pesquisa como

as principais fontes fornecedoras das ervas e plantas utilizadas pelos terreiros. Entretanto, várias

dificuldades emergem a partir desse cenário e foram apontadas pelos entrevistados, dentre elas:

os custos com a aquisição das ervas no mercado e/ou com deslocamento para o interior, a perda

de tempo envolvida.

Outro resultado da pesquisa demonstrou que embora 100% (cem por cento) dos

terreiros investigados utilizem territórios externos (que aqui chamamos de territórios de

Axé) em suas práticas religiosas, 77% (setenta e sete por cento) enfrentam algum tipo de

dificuldade na utilização desses territórios ou precisam fazer algum tipo de adaptação

para sobrevivência do culto. E o crescimento da cidade (e seus desdobramentos) é a

principal dificuldade apontada quanto ao uso dos territórios de Axé.

194

Consoante se viu no terceiro capítulo, as divindades cultuadas nas religiões afro-

brasileiras estão presentes na natureza, motivo pelo qual muitos de seus cultos precisam ser

realizadas em ambientes naturais como praias, matas, rios, cachoeiras, etc., o que confere a

esses espaços a qualidade de sagrados dentro dessa cosmovisão religiosa. Como apontou um

dos entrevistados “[...]essas áreas são necessárias para o nosso dia-a-dia do culto aos Orixás.

Candomblé não existe sem folha, candomblé não existe sem água [...] (SAHARA, 2016,

informação verbal257).

Portanto, uma vez que os resultados da pesquisa demonstram que a urbanização age

como fator de impacto negativo na utilização e preservação desses espaços vitais ao culto

afrorreligiosos na Grande Aracaju, verifica-se que está ocorrendo uma violação ao direito de

liberdade religiosa da população investigada. Isso porque quando os religiosos deixam de ter

acesso às espécies vegetais e a ambientes naturais indispensáveis às suas liturgias, ou que

passam a ter que fazer uma série de adaptações que, por vezes, descaracterizam aspectos

tradicionais da religião, mas que são necessárias para sobrevivência do culto religioso em

função de condições desfavoráveis impostas pela urbanização, eles estão sendo violados em sua

essência. Se os religiosos não têm mais como colher as ervas e plantas sagradas para seu dia-a-

dia ou não tem mais como realizar um ritual religioso em uma mata, um rio ou uma cachoeira,

eles estão sendo privados da influência de suas divindades e, consequentemente, do exercício

amplo de seus direitos religiosos.

A liberdade religiosa pode ser entendida como o direito que todos têm, indistintamente,

de adorar a seu Deus (ou Divindades) de acordo com seus dogmas e seu culto, se assim o quiser

(SORIANO, 2002). Trata-se de direito fundamental assim como o direito à vida, liberdade,

privacidade, etc., pois todos têm a dignidade humana como sustentáculo (SARMENTO, 2010).

A Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, VI, prescreve que "é inviolável a

liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e

garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias". O inciso VIII do

mesmo artigo elenca que "ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou

de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos

imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei" (BRASIL, 1988).

Desta prescrição constitucional decorre que muitos são os direitos que emergem como

desdobramentos dos direitos de liberdade religiosa e de consciência, os quais destacam-se: a

liberdade do indivíduo de ter crença religiosa ou não; de professar a sua fé religiosa, caso a

257 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.).

195

tenha; de trocar de religião quando quiser; de não ser perseguido nem ofendido em razão de

suas escolhas religiosas; a liberdade dos familiares de decidirem pela educação religiosa, ou

não, de seus descendentes; a garantia de que esta educação religiosa não se choque com suas

convicções, mas que as respeite (SILVA NETO, 2008).

A proteção aos locais de cultos e liturgias também está inserida no conteúdo

constitucional de proteção à liberdade religiosa. Neste aspecto protegem-se as diversas formas

de expressões e manifestações religiosas. Weingartner Neto (2007) exemplifica como formas

de culto a prática de uma oração, meditação, jejum, leitura de livros sagrados, procissões ou

sacrifícios rituais de animais. Deve-se estar atento, entretanto, a necessidade de não ofender à

incolumidade física ou ferir à dignidade da pessoa humana (SILVA NETO, 2008).

O Estatuto da Igualdade Racial (lei nº 12.288/2010), em seus artigos 23º ao 26º,

estabelece proteção específica ao direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre

exercício dos cultos religiosos de matriz africana, compreendendo, em seu artigo 24258, a

proteção aos seus locais de culto e as suas liturgias.

Vê-se, portanto, que a proteção do direito à liberdade religiosa da população investigada

compreende também a proteção de suas liturgias e de seus locais de culto. Neste sentido, se em

decorrência de fatores externos sobre os quais essa população não tem controle mas que em

função deles sofre um impacto direto (como é o caso da urbanização), a ponto de comprometer

o acesso aos elementos vegetais e ambientes naturais indispensáveis às suas práticas religiosas,

é possível afirmar que estamos diante de uma violação do direito amplo à liberdade religiosa

dessa população.

Mas para além da constatação de que a urbanização atua como agente violador quando,

por exemplo, modifica o ambiente natural de modo a subtrair as áreas verdes que existiam nas

proximidades dos terreiros e que cumpriam o importante papel de espaço mato externo, é

preciso analisar o que está na base desse processo de urbanização.

258 “Art. 24. O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana

compreende: I - a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção,

por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins; II - a celebração de festividades e cerimônias de acordo com

preceitos das respectivas religiões; III - a fundação e a manutenção, por iniciativa privada, de instituições beneficentes

ligadas às respectivas convicções religiosas; IV - a produção, a comercialização, a aquisição e o uso de artigos e materiais

religiosos adequados aos costumes e às práticas fundadas na respectiva religiosidade, ressalvadas as condutas vedadas

por legislação específica; V - a produção e a divulgação de publicações relacionadas ao exercício e à difusão das religiões

de matriz africana; VI - a coleta de contribuições financeiras de pessoas naturais e jurídicas de natureza privada para a

manutenção das atividades religiosas e sociais das respectivas religiões; VII - o acesso aos órgãos e aos meios de

comunicação para divulgação das respectivas religiões; VIII - a comunicação ao Ministério Público para abertura de

ação penal em face de atitudes e práticas de intolerância religiosa nos meios de comunicação e em quaisquer outros

locais” (BRASIL, 2010).

196

Como se viu, em razão da forte ligação que as religiões de matriz africana sempre

possuíram com elementos da natureza, muitas de suas liturgias precisam ser realizadas em

ambientes naturais, ou seja, nos domínios das divindades do panteão africano, pois a vivência

religiosa dessas pessoas não se limita apenas aos terreiros. Por esse motivo a sacralização da

natureza constitui um dos fundamentos centrais das religiões de matriz africana (DUARTE,

1998; RISÉRIO, 2004).

Para o saber científico-moderno, entretanto, a natureza constitui um objeto de estudo e

manejo dissociado de qualquer integração com o homem (DIEGUES, 2001). Trata-se de uma

visão fragmentária que carrega consigo “o distanciamento do homem com o seu aspecto

orgânico, consegue sufocar culturas mais harmônicas e adaptadas, de modos de vida mais

sustentáveis [produzindo um] processo de desencantamento do mundo, de desespiritualização”

(PELIZZOLI, 2002, p. 27).

Oliveira (2006) pontua que enquanto os valores capitalistas instrumentalizam a natureza

e fazem dela objeto de exploração econômico, a cosmovisão presente nas religiões de matriz

africana está impregnada por uma concepção de mundo que o autor chama de “ecosófica”, posto

que sua percepção do universo e da vida é integrada e sistêmica, pautada na ideia de que tudo

está em tudo e, por isso mesmo, o ser humano não é visto de forma dissociada da natureza mas

sim como parte integrante dela (OLIVEIRA, 2006, p. 61).

Essa forma diferenciada de se posicionar no mundo e de interagir com ele se contrapõe

ao modelo civilizatório hegemônico que está calcado na racionalidade, na noção de progresso

material e desenvolvimento econômico nos moldes da modernidade científica e industrial

(PELIZZOLI, 2002). Portanto, constitui uma forma de resistência às monoculturas ou modos

de produção de ausências teorizadas por Santos (2007).

A “Crítica à Razão Indolente” erigida por Santos (2007) ataca o modelo hegemônico de

racionalidade ocidental que se considera única e a que ele chama de razão indolente ou

preguiçosa, pois não se exercita o suficiente para ver a riqueza de saberes que existem no mundo

e, portanto, não percebe que “a compreensão do mundo é muito mais ampla que a compreensão

ocidental do mundo” (SANTOS, 2007, p. 20). Neste sentido, a razão indolente apresenta uma

197

dupla característica: contrai o presente (que o autor chama de “razão metonímica”259) e expande

o futuro (“razão proléptica”260).

Como alternativa a esse modelo de racionalidade, Santos (2007) propõe o que ele

denomina “razão cosmopolita”, que busca a ampliação do mundo a partir da dilatação do

presente, o que se torna possível por meio do que ele denomina “sociologia das ausências”, e a

contração do futuro através do que ele denomina “sociologia das emergências”, com o objetivo

de criar espaço-tempo necessário para valorizar a experiência e evitar o desperdício.

A “sociologia das ausências” pretende demonstrar que o que não existe é produzido

ativamente em sua não-existência261, em sua invisibilidade, o que leva a contração do presente

e o desperdício de experiências a partir da subtração de múltiplas possibilidades produzidas

como não existentes (ou ausentes). Assim, o objetivo deste procedimento sociológico é

transformar experiências produzidas como ausentes em presentes a fim de que passem a ser

consideradas alternativas às experiências hegemônicas (SANTOS, 2007).

Mas como são produzidas essas ausências? Santos (2007) elenca cinco modos de

produção de ausências (ou não-existências): monocultura do saber e do rigor do saber;

monocultura do tempo linear; monocultura da naturalização das diferenças; monocultura da

escala dominante; monocultura do produtivismo capitalista. Essas cinco monoculturas

produziram um amplo conjunto de populações, formas de ser, de viver e de saber tidos como

ignorantes ou inferiores (SANTOS, 2007).

Sobre o aspecto ora discutido nos interessa especialmente a monocultura do

produtivismo capitalista que, segundo o autor, consiste na “ideia de que o crescimento

econômico e a produtividade mensurada em um ciclo de produção determinam a produtividade

do trabalho humano ou da natureza, e tudo o mais não conta”. Em outras palavras, é improdutivo

tudo aquilo que não se encaixa nos parâmetros do modelo produtivista capitalista (SANTOS,

259 “Metonimia é uma figura da teoria literária e da retórica que significa tomar a parte pelo todo. E essa é uma

racionalidade que facilmente toma a parte pelo todo, porque tem um conceito de totalidade feito de partes

homogêneas, e nada do que fica fora dessa totalidade interessa.” A razão metonímica, portanto, está impregnada

de uma ideia de totalidade reducionista, que contrai o presente ao deixar de fora muita realidade que ela não

considera relevante e que, assim, se desperdiça. Essa razão se baseia na ideia de “simetria dicotômica”, um

conhecimento dicotômico: homem/mulher, norte/sul, cultura/natureza, branco/negro. São dicotomias que parecem

simétricas mas que escondem diferenças e hierarquias. A racionalidade oriental, por sua vez, é mais complexa, na

fala do autor: “é muito mais global, mais holístico, é totalidade, não é dicotômico.” (SANTOS, 2007, p. 26-27). 260 “Prolepse é uma figura literária bastante encontrada em romances, nos quais o narrador sugere claramente a

ideia de que conhece bem o fim mas não vai contá-lo. É conhecer no presente a história futura. Nossa razão

ocidental é muito proléptica, no sentido de que já sabemos qual é o futuro: o progresso, o desenvolvimento do que

temos. É mais crescimento econômico, é um tempo ideal linear que de alguma maneira permite uma coisa

espantosa: o futuro é infinito. A meu ver, expande demais o futuro.” (SANTOS, 2007, p. 27). 261 “Há produção de não-existência sempre que uma dada entidade é desqualificada e tornada invisível, ininteligível

ou descartável de um modo irreversível” (SANTOS, 2002, p. 246).

198

2007, p. 32). E é aqui que se encontra a base de uma lógica desenvolvimentista insustentável

que se tornou predominante e que produz esse processo de urbanização desordenado que extirpa

os resquícios de natureza existentes nos centros urbanos em nome do que se convencionou

chamar de progresso e crescimento econômico.

A denúncia dos males produzidos por essa lógica do produtivismo capitalista está

presente na lição de Dussel (2007, p. 65) ao pontuar que a modernidade transformou a natureza

em um “objeto explorável com vistas a aumentar o lucro do capital”262, o que tem levado ao

esgotamento dos recursos naturais e destruição ecológica do planeta e, consequentemente,

impõe ao capitalismo o “seu primeiro limite absoluto: a morte da vida em sua totalidade pelo

uso indiscriminado de uma tecnologia antiecológica constituída a partir do único critério da

‘gestão’ quântica do sistema-mundo na modernidade: o aumento da taxa de lucro” (DUSSEL,

2007, p. 66).

Mas é importante destacar que a concepção da natureza como um “objeto explorável”,

criado para o benefício do homem, tem suas origens no cristianismo que coloca o homem como

ser superior em relação ao resto da criação por ser ele “imagem e semelhança de Deus”

(UNGER, 2000, p. 87), e foi a partir dessa concepção que se abriu o caminho para “a postura

utilitarista e reificadora que vê no planeta unicamente uma fonte de matéria-prima para os

interesses humanos” (UNGER, 2000, p. 87).

Neste sentido, a razão ocidental capitalista desencantou263 o mundo e transformou o

homem em um refém da ilusão de domínio provocada por esse modelo de racionalidade

pragmática (OLIVEIRA, 2012) ou indolente (SANTOS, 2007). Essa ilusão perpassa pelo

entendimento de que o homem é capaz de dominar o mundo e todas as formas de vida, o que

retira da natureza a sua qualidade de manifestação do sagrado transformando-a tão somente

nesse “objeto explorável” (UNGER, 2000).

262 “Pela primeira vez a natureza se transforma puramente em objeto para o homem, em coisa puramente útil; cessa

de ser reconhecida como poder para si” (DUSSEL, 2007, p. 65). 263 É de Max Weber a autoria do conceito “desencantamento do mundo” que está diretamente interligado com os

conceitos “racionalização” e “secularização”. Para melhor compreensão ver sua obra: A ética protestante e o

“espírito” do capitalismo.

Ainda sobre o “desencantamento” e “reencantamento” do mundo Unger (2000, p. 56) assim pontua: “É preciso

dizer, quando falamos em desencantamento do mundo, que desencantamento é, na verdade, o desencantamento do

nosso olhar. Porque a Natureza permanece com seus encantos e com o seu valor, independentemente do que os

seres humanos possam pensar ou não pensar a respeito. É o nosso olhar que, se desencantando, se torna mais

opaco, mais restrito.Então, reencantar o mundo (expressão que estou usando inspirada no título do livro The

Reenchantment of the World, de Morris Berman, e que por sua vez se inspirou na expressão de Weber: o

desencantamento do mundo) é, na verdade, reencantar o nosso olhar. O reencantamento do mundo significa

redescobrirmos aquilo que nos constitui, reencantar o mundo é poder novamente ter uma vivência da realidade que

não se reduza à reificação” (UNGER, 2000, p. 56).

199

Contudo, a cosmovisão religiosa de matriz africana está impregnada por um

conhecimento que se contrapõe à monocultura do produtivismo capitalista na medida em que

tem em uma de suas bases a compreensão de que a natureza não constitui esse objeto a ser

explorado pelo ser humano e, indo mais além, a sacraliza por meio de uma visão “ecosófica”

que se materializa a partir de uma série de práticas religiosas que prestam reverência e devoção

a elementos naturais.

Essa visão de mundo está em sintonia com um movimento de tomada de consciência

ambiental que teve início a partir da década de 70 em resposta à crise desse modelo de

civilização moderna/capitalista. Esse movimento conduziu a uma percepção de que é urgente

superar os paradigmas do sistema capitalista e do modelo de racionalidade pragmática/indolente

erigido pela modernidade ocidental (UNGER, 2000).

Falando sobre sociedade de risco264, Beck (2010) pontua que vivemos uma época em

que os progressos tecnológicos e científicos da modernidade, postos à serviço do capitalismo

desenfreado, colocou a sobrevivência de toda a humanidade em risco, o que torna os conflitos

ecológicos “suficientemente fundados, moralmente e socialmente”, de modo que o quadro é

“também de uma crise dos direitos fundamentais, uma crise reprimida e atenuada pela

prosperidade, cujos efeitos a longo prazo, que fragilizam a sociedade, não podem ser

subestimados” (BECK, 2010, p. 240-241)

Também neste sentido, Leonardo Boff (1996) lembra que:

Ecologia não é um luxo dos ricos nem uma preocupação apenas dos grupos

ambientalistas ou dos Verdes com seus respectivos partidos. A questão ecológica

remete a um novo nível da consciência mundial: a importância da Terra como um

todo, o bem comum como bem das pessoas, das sociedades e do conjunto dos seres

da natureza, o risco apocalíptico que pesa sobre todo o criado. O ser humano pode ser

anjo da guarda bem como satã da Terra. A terra sangra, especialmente em seu ser mais

singular, o oprimido, o marginalizado e o excluído, pois todos esses compõem as

grandes maiorias do planeta. A partir deles devemos pensar o equilíbrio universal e a

nova ordem ecológica mundial. (BOFF, 1996, p. 35).

Mas é preciso pontuar que para além do desencantamento produzido pela razão

ocidental/indolente, que tem no capitalismo seu modelo hegemônico, existem outras

experiências de resistência que, embora produzidas ativamente como não existentes por um dos

cinco modos de produção de ausências (SANTOS, 2007), funcionam como o que Oliveira

(2012, p. 42) chama de “linhas de fuga que potencializam a criação de outros regimes

semióticos”. O modelo sociocultural das religiões de matriz africana representa uma dessas

264 “A sociedade de risco designa uma época em que os aspectos negativos do progresso determinam cada vez

mais a natureza das controvérsias que animam a sociedade” (BECK, 2010, p. 229)

200

“linhas de fuga” capaz de produzir encantamento e preservação do ecossistema planetário a

partir de uma visão de mundo holística/sistêmica (OLIVEIRA, 2012, p. 42-43).

A cosmovisão religiosa de matriz africana, por ser sistêmica, enxerga a interligação

existente entre as partes e o todo que conduz ao que Pelizzoli (2002) chama de “uma grande

rede evolutiva e interdependente [...] onde não há elemento isolado, onde ‘cada um vive pelo

outro, para o outro e com o outro’; eis que o ser humano seria então um nó de relações voltadas

para todas as direções” (PELIZZOLI, 2002, p. 41). Produzido por uma sabedoria ancestral, esse

encantamento renasce, portanto, a partir da recuperação de uma visão transcendente entre

homem e natureza, que possibilita o reconhecimento desta enquanto manifestação do sagrado

o que, no entender de Unger (2000, p. 90) constitui “o cerne da tarefa ecológica”.

As religiões afro-brasileiras, assim, podem fornecer um outro sistema cognitivo que não

está refém das teias da razão indolente, que fragmenta o ser humano e os saberes, ou do

capitalismo neoliberal, que faz pouco caso dos interesses coletivos em detrimento do

individualismo exacerbado. Este sistema alternativo não representa apenas um retorno à

natureza enquanto manifestação do sagrado, mas representa um modelo social inclusivo que

promove o respeito à diversidade, com o objetivo de promover o bem-estar de todos e de cada

um (OLIVEIRA, 2006).

Porém, não se pode fechar os olhos para o fato de que a cosmovisão de uma religião que

sofreu um processo histórico de perseguição, marginalização e invisibilidade efetivamente

encontra uma forte resistência para florescer como modelo contra hegemônico em meio à

cultura capitalista predominante. Para operar essa construção intercultural e contra hegemônica,

Santos (2006) propõe levar a cabo o que chama de hermenêutica diatópica, uma técnica que

visa ampliar a consciência acerca das mútuas incompletudes através de um diálogo que se

desenvolve “com um pé numa cultura e outro, noutra” (SANTOS, 2006, p. 448).

Portanto, ao menos em tese, a cosmovisão de uma determinada religião pode, através da

hermenêutica diatópica, fornecer elementos capazes de produzir encantamento e promover

justiça social, emancipação humana e preservação do ecossistema planetário a partir de uma

visão de mundo holística/sistêmica. Entretanto, efetivamente seria possível, através da

hermenêutica diatópica, tornar existentes experiências que foram perseguidas, marginalizadas

e transformadas em ausentes por meio de todo um histórico de massacre cultural?

É esse o caso das comunidades religiosas de matriz africana que, por séculos, foram

perseguidas e passaram por uma série de investidas de dominação e extirpação de suas práticas

religiosas tradicionais. Uma vez que resistiram às mais diversas tentativas de subjugação,

passaram a sofrer, então, um contínuo processo de produção de ausências. Os saberes

201

tradicionais produzidos por essa comunidade não-existente foram desqualificados como

ignorância pelas formas hegemônicas de racionalidade ocidental. E como destaca Santos

(2007), a produção social dessas ausências (ou não-existências) tem como consequência a

subtração do mundo e, portanto, o desperdício da experiência.

Em que pese a hermenêutica diatópica sinalize um caminho possível, a sua simples

utilização não garante, entretanto, que seu caráter emancipatório será efetivamente alcançado

(SANTOS, 2006, p. 458). Ela depende de um trabalho de colaboração mútua entre as culturas

que, para se processar, exige uma produção de conhecimento coletiva, participativa, interativa

e intersubjetiva, diferente da forma de produção engendrada a partir do modelo de racionalidade

ocidental (SANTOS, 2006, p. 454). Essa outra forma de produção de conhecimento consiste

em um projeto de ampliação do mundo e dilatação do presente, sobre o qual repousa a proposta

da razão cosmopolita (SANTOS, 2007).

Portanto, enquanto essa não-existência produzida ativamente em torno desses outros

conhecimentos e concepções de mundo que operam com eficácia em contextos e práticas sociais

declaradas não-existentes, a exemplo do que ocorre com as comunidades religiosas de matriz

africana, não for revertida em existências, essas comunidades continuarão sendo reféns dessa

lógica desenvolvimentista excludente que tem maior impacto sobre grupos e populações

que historicamente vêm sofrendo maiores violações em seus direitos: a população pobre e

a população negra, universo no qual as comunidades tradicionais de matriz africana estão

inseridas. Até que isso aconteça continuará havendo o desperdício de experiências a partir da

subtração dessas múltiplas possibilidades produzidas intencionalmente como não existentes (ou

ausentes).

Em muitas falas os entrevistados apontaram a necessidade de fazer adaptações para

sobrevivência de muitas de suas práticas. Os resultados demonstraram a ocorrência de

adaptações internas, ou seja, que ocorrem dentro do terreiro, especialmente vistas na

predominância dos “espaços cultivados” que emergem como adaptação diante da ausência de

espaço interno suficiente para manutenção de um espaço “mato” ou, ainda, em razão da perda

do espaço “mato” externo outrora existente. E adaptações externas, como quando determinada

entrevistada aponta, por exemplo, que atualmente não realiza mais uma ritualística que deveria

ser feita na mata, coisa que tempos atrás ela conseguia fazer. E dentre as adaptações uma está

na base do que os resultados apontaram como sendo a maior dificuldade que a população

investigada enfrenta em decorrência da urbanização: os problemas com vizinhos. É a adaptação

quanto aos horários e a frequência dos toques de atabaques buscando evitar reclamações por

perturbação do sossego.

202

Ocorre que em meio a tantas adaptações impostas por fatores exógenos se fortalece um

risco de descaracterização de saberes e práticas tradicionais que se consolidaram ao longo

de décadas e que se somam dando sentido ao culto. Quando em função da urbanização, que

empreende modificações nos ambientes naturais que eram utilizados costumeiramente pela

comunidade, a continuidade de práticas religiosas tradicionais que dependem desses ambientes

específicos passa a ser comprometida, temos uma violação ao direito de culto que atinge a

dignidade humana dessa população que está intimamente ligada à fé e ao sentimento

religioso.

Neste ponto importa refletir sobre que constructo de dignidade humana estamos falando.

A teoria crítica dos direitos humanos se assenta sobre a assertiva de que são muitas as formas

de concepção cultural sobre dignidade da pessoa humana, e por essa razão propõe uma nova

formulação de direitos humanos que possam efetivamente atender a essa miscelânea de

concepções, rompendo com o conceito universalista proposto pela teoria clássica. Essas

diversas concepções de dignidade humana devem operar a partir de valores locais, ou seja, dos

princípios norteadores das lógicas internas a partir das quais os nativos regulam seus modos de

vida (SANTOS, 2006; FLORES, 2010).

Trazendo para o caso concreto, dos valores locais fornecidos pelos princípios que

formam a cosmovisão das comunidades tradicionais de matriz africana resulta uma concepção

de dignidade humana que não subsiste se pensada de forma dissociada da religiosidade que lhes

é inerente. Trata-se, pois, de uma concepção de dignidade humana não secularizada265 que nasce

a partir de uma cosmovisão religiosa que não comunga dos dogmas e lógicas inerentes às

religiões cristãs hegemônicas266 no Brasil.

Esse constructo de dignidade humana está intimamente ligado à questão territorial, pois

essa religiosidade se expressa nos territórios que as comunidades tradicionais de matriz africana

265 O termo secularização inicialmente “tinha o sentido jurídico de transmissão forçada dos bens da Igreja à

autoridade do Estado secular” (HABERMAS, 2010, p. 138), representando, assim, uma separação entre ambos

(poder clerical e poder estatal). A partir do processo de secularismo erigiram-se os valores e parâmetros modernos

da sociedade, tais como a racionalização, progresso e cientificidade. Todas as esferas da vida pública libertaram-

se das amarras da religião, sendo-lhe reservado apenas o espaço privado, a vida íntima e pessoal do fiel. Como

resultado, teria ocorrido o declínio da influência da Igreja na sociedade e, também, na conduta direta dos

indivíduos, aumentando significativamente os espaços de liberdades (HABERMAS, 2010). 266 Sobre este ponto, especialmente em se tratando dos países colonizados como o Brasil, ou mesmo os europeus

semiperiféricos, a exemplo de Portugal e Espanha, é importante destacar que a religião católica (hegemônica),

sempre permaneceu forte e assim é até os dias atuais. Afinal, quantos feriados religiosos (católicos) temos no

Brasil? O que falar sobre a referência a Deus no preâmbulo da Constituição Federal de 1988? Ou sobre a presença

comum de crucifixos nos órgãos públicos em todas as esferas de Poder? A imunidade tributária para templos

religiosos? Todos esses elementos demonstram que o processo de secularização não foi homogêneo, mas

apresentou nuances e cores distintas em diferentes países, regiões do mundo e períodos históricos, como destaca

Santos (2007).

203

leem como sagrados, ou seja, espaços onde a presença do divino é marcante e que, por isso

mesmo, são lugares impregnados de condições especiais às quais devem ser prestadas

reverências. Esses territórios, para as religiões de matriz africana, são compostos pelo terreiro

(território interno) e pelos ambientes naturais que constituem as moradas das divindades

(territórios externos ou, na nossa denominação, territórios do Axé).

Assim, de acordo com as formulações propostas pela teoria crítica dos direitos humanos,

especialmente a partir do pensamento de Boaventura de Sousa Santos, é fundamental que haja

o reconhecimento de quantas concepções forem necessárias para se garantir uma efetiva

proteção da dignidade dos mais diversos indivíduos, e não a partir da manutenção de um

conceito único e universal de dignidade humana que opera como agente produtor de uma série

de ausências e, consequentemente, de desperdício de uma rica pluralidade de experiências

(SANTOS, 2002; 2007). Trata-se de uma “reivindicação de uma concepção híbrida da

dignidade humana e, por isso também uma concepção mestiça dos direitos humanos”

(SANTOS, 2006, p. 453-454).

Portanto, trazendo mais uma vez para o caso concreto, implica dizer que garantir a

efetiva proteção da dignidade humana da população investigada passa pelo necessário

reconhecimento dessa concepção de dignidade não secularizada que lhes é peculiar. Entretanto,

Santos (2006) indaga sobre quais as verdadeiras possibilidades que existem de reconhecimento

dessa “concepção híbrida de dignidade humana” quando a uma das culturas presentes foi

imposta uma conformação de valores e concepções de mundo nos moldes de outra cultura

dominante?

Uma vez que as religiões afro-brasileiras resistiram às mais diversas tentativas de

subjugação, passaram a sofrer, então, um contínuo processo de produção de não-existência.

Neste sentido, os saberes tradicionais produzidos por essas religiões foram desqualificados

como ignorância pelas formas hegemônicas de racionalidade ocidental267.

E como dito, a produção social dessas ausências (ou não-existências) tem como

consequência a subtração do mundo e, portanto, o desperdício da experiência. A sociologia das

ausências se presta a identificar o âmbito dessa subtração a fim de libertar essas experiências

produzidas como ausentes e, por essa via, torna-las presentes. Assim, uma vez libertas da

condição de ausentes e transformadas em presentes, elas podem ser consideradas alternativas

267 “A razão ocidental - pragmática, instrumentalista, calculista, árida, numa palavra, desencantada - matou o

mistério e desencantou seu mundo. Mas além desse mundo desencantado, há outros que co-habitam o tempo-

espaço da realidade que mantiveram seu movimento, sua ginga, seu compasso. Produzidos pelo encantamento,

encantamento produzem” (OLIVEIRA, 2012, p. 42-43).

204

às experiências hegemônicas (SANTOS, 2002). No presente caso trata-se, pois, de tornar

presente a concepção de dignidade humana peculiar às comunidades tradicionais de matriz

africana.

O pleno exercício da liberdade religiosa das comunidades de terreiro, ou comunidades

tradicionais de matriz africana, depende, portanto, da garantia de acesso e da preservação de

seus territórios onde seus cultos e liturgias são realizadas. Negar, dificultar ou restringir o acesso

a seus territórios sagrados, que também são lugares de memória coletiva (como visto no terceiro

capítulo), além de violar o direito amplo ao exercício da liberdade religiosa também fere a

dignidade humana dessas pessoas.

Vê-se que garantir o pleno exercício da liberdade religiosa dessa população, o que

constitui obrigação do Estado, passa por uma série de desdobramentos complexos que

envolvem, por exemplo, romper com o paradigma dessa lógica desenvolvimentista

insustentável que fomenta o avanço desenfreado da urbanização. Passa pela garantia de acesso

e preservação dos territórios de Axé e, portanto, pela preservação do meio ambiente, pois sem

natureza não existe culto às divindades do panteão africano; passa pela compreensão de que

existe uma lógica diferenciada nas relações que essa população mantém com o espaço público

(veja-se, por exemplo, os resultados apresentados no capítulo 3 sobre o uso de encruzilhadas

urbanas), isso porque as religiões afro-brasileiras atribuem significados especiais e próprios a

determinados lugares que somente “os de dentro” (ou nativos) compreendem.

Neste ponto, podemos correlacionar a sociologia das ausências com a invisibilidade das

demandas das comunidades tradicionais de matriz africana quanto ao processo de subtração

territorial que sofrem paulatinamente. Como pontua Santos (2007), a produção de não-

existência se dá quando uma dada entidade (neste caso a comunidade afrorreligiosa como um

todo) é desqualificada e tornada invisível, ininteligível ou descartável. É o que os resultados

demonstram acontecer, posto que as demandas e violações de direitos sofridas por esta

comunidade permanecem invisíveis (ou ignoradas) aos olhos do poder público.

E aqui emerge a importância desse trabalho: tornar visível demandas que o poder

público ou desconhece ou ainda não se sensibilizou o suficiente para atender. Como se

demonstrou com os resultados da pesquisa, existe uma lógica diferenciada na relação que os

afrorreligiosos mantém com espaços públicos (urbanos ou naturais) a partir da qual emergem

demandas que não são compartilhadas por nenhuma outra comunidade religiosa. E cabe ao

Estado envidar esforços no sentido de prover essas demandas posto que, se assim não for, estará

ocorrendo a violação de direitos e ferindo a dignidade humana desses religiosos.

205

A consciência da falta de sensibilidade (ou interesse) do poder público em atender as

demandas da população investigada é perceptível na fala de uma das entrevistadas quando se

refere a necessidade de criação de um espaço natural reservado para atender as especificidades

dos cultos religiosos de matriz africana em Sergipe. Ela afirma que “[...]falta entendimento das

pessoas da lei que também não dá esse tipo de espaço[...]” e que “[...]as próprias leis não tomam

conta, não se preocupam com isso, não tem interesse, então torna esse tipo de dificuldade pra

gente[...]” (OYÁ, 2016, informação verbal268). Vemos uma denúncia quanto a ausência de

interesse “da lei” na proteção dos direitos da comunidade afrorreligiosa em Sergipe. Essa

denúncia está intimamente ligada a necessidade de proteção da dignidade humana das pessoas

que comungam desse mesmo sentimento de identidade e pertencimento religioso que tem como

alicerce uma cosmovisão pautada no culto e sacralização de elementos da natureza.

Uma vez que a proteção do direito de liberdade de culto e dos locais de culto das

religiões afro-brasileiras passa diretamente pela garantia do acesso aos elementos da natureza,

é preciso que “a lei” (como se refere a entrevistada) saia da posição de “não ter interesse” e

assuma a posição de efetiva proteção dos direitos da população investigada.

Viu-se que a criação de um espaço reservado para as liturgias afrorreligiosas em

Sergipe foi apontada pelos entrevistados como principal solução para a superação das

dificuldades enfrentadas na utilização de ambientes naturais para fins religiosos. Trata-se de

importante iniciativa para a proteção do direito à liberdade religiosa das comunidades

tradicionais de matriz africana em Sergipe.

E essa demanda, inclusive, já foi levada ao conhecimento do poder público mas sem

êxito, como informaram alguns entrevistados: “[...] teve até uma conversa com o governo de

um Espaço Sagrado, por entender a necessidade da manutenção desses espaços da natureza que

é importante para nós de matriz africana, mas até agora a gente não avança na discussão[...]”

(LEGBARA, 2016, informação verbal269); “[...]isso já foi um projeto muito grande, na época

de Dr. Lauro Rocha da gente fazer um tombamento daquela área do rio Pitanga, de ser um

parque eco-axé. Só que isso ficou no papel e não foi mais adiante[...]” (SAHARA, 2016,

informação verbal270); “[...]Desde Gama houveram reuniões para saber o que é que a gente

queria para a questão dos terreiros [...]a gente dialogou a questão de ter um espaço público para

268 Entrevista concedida por OYÁ. Entrevista 4. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:43:40 min.). 269 Entrevista concedida por LEGBARA. Entrevista 2. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:26:42 min.). 270 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.).

206

colocar as obrigações[...]De lá para cá quantos anos se passaram?[...]” (CONCEIÇÃO, 2016,

informação verbal271).

O que se viu nos resultados, entretanto, é que essa reivindicação (pela criação de um

espaço reservado) é acompanhada por dois elementos: 1. Descrença quanto à existência de

interesse por parte do poder público em atender as demandas da comunidade; 2.

Denúncia quanto a falta de isonomia no tratamento que o poder público dispensa às

religiões de matriz africana. E na base dessas questões está um fator que, a priori, não foi

objeto de investigação direta por meio das perguntas constantes do roteiro de entrevista

semiestruturada, mas que emergiu fortemente nos resultados da pesquisa: trata-se do

preconceito histórico que ainda acompanha as religiões afro-brasileiras.

O chamado “medo do feitiço” (MAGGIE, 1992) está relacionado com o preconceito

histórico e o estigma que marca as religiões afro-brasileiras desde o pós-abolição e que fez

nascer a caça aos chamados feiticeiros/macumbeiros (operadores de magia maléfica

vulgarmente associados aos adeptos das religiões de matriz africana) que sobrevive ainda nos

dias atuais. Consoante aponta Maggie (1992), o código penal brasileiro fomentou discussões

sobre quem era religioso e quem era feiticeiro, como uma forma de desqualificar crenças e

cultos tidos como de negros e pobres, em outras palavras, as religiões afro-brasileiras.

Em que pese nenhum dos entrevistados tenha sido perguntado diretamente sobre o

preconceito, visto que a investigação dessa problemática não constituiu objetivo direto da

pesquisa, esse elemento emergiu fortemente no campo em falas de muitos entrevistados que

apontaram a persistência do estigma que acompanha a religião. Vejamos: “[...]Aqui ainda tem

aquela questão que pensam ‘porque eu tenho que fazer um parque pros macumbeiros?’ [...]no

nosso Estado existe uma questão de barreira de preconceito mesmo[...]” (SAHARA, 2016,

informação verbal272); “[...] por mais que você vá lá com uma garrafinha de dois litros e pegue

uma água e alguém te olhe pegando e diga “macumbeiro!”, mas você não consegue trazer o

mar pra dentro de casa[...]” (XANGÔ, 2016, informação verbal273); “[...]Cachoeira frequentada

é a cachoeira de Macambira, se for de manhãzinha cedo [...] porque depois já começa a encher

de gente e muitos ficam com chacota[...]” (ODÉ, 2016, informação verbal274); “[...]Acho que

271 Entrevista concedida por CONCEIÇÃO. Entrevista 12. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz

de Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (1:41:10 min.). 272 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.). 273 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 274 Entrevista concedida por ODÉ. Entrevista 11. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:27:59 min.).

207

seria muito legal mas não acho possível justamente pelo preconceito, até dentro dos órgãos

públicos existe o preconceito[...]” (OGUM, 2016, informação verbal275).

O preconceito também foi citado como uma dificuldade atrelada ao crescimento da

população em torno dos terreiros investigados, fenômeno decorrente da urbanização, do que

emergem tensões nas relações com vizinhos e a necessidade de adaptar o culto para não

incomodar. As seguintes falas retratam esse problema: “[...]Outros vizinhos são de outras

religiões e acabam se incomodando com o barulho dos nossos atabaques[...]Mas aí fim de

semana o som deles pode extrapolar todos os decibéis do mundo que não atrapalha[...]ficam

dizendo que nós somos coisa do demônio” (XANGÔ, 2016, informação verbal276); “[...]Senti

muitas humilhações aqui de vizinhos que ligavam pra cá e chamavam de ‘nêga safada, deixe de

fazer macumba, vocês só vivem de macumba’[...]” (IBEJIS, 2016, informação verbal277); “[...]

Porque assim, houve toda uma mudança de paradigmas, de costumes, de pessoas também que

vieram e que tinham preconceitos com a religião, que se chateia com nossos toques

[...]”(SAHARA, 2016, informação verbal278).

Ademais, o preconceito também foi apontado por um dos entrevistados que citou a

abordagem inadequada e preconceituosa por parte de ficais do IBAMA que controlam o acesso

à reserva da Serra de Itabaiana, especificamente ao Poço das Moças. Segundo relatado, o fiscal

teria se utilizado de suas crenças e convicções religiosas particulares para justificar a restrição

de acesso à reserva ambiental o, que fere o princípio da impessoalidade insculpido na

Constituição Federal.

Denota-se que a construção do discurso que colocou os cultos de matriz africana como

práticas primitivas, atávicas, associados à feitiçaria teve início ainda nos tempos de Colônia

mas se consolidou de tal forma que ainda está presente no imaginário social (MAGGIE, 1992).

Disso decorre uma maior intolerância com relação às manifestações da religiosidade afro-

brasileira que carregam até hoje o estigma do preconceito e da segregação racial praticada

contra os negros (GIUMBELLI, 2002).

O que se vê, portanto, é uma insegurança, um receio, uma perda de espontaneidade por

parte da população investigada quando eles estão constantemente se preocupando se vão ou não

275 Entrevista concedida por OGUM. Entrevista 13. [out. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo m4a (00:25:35 min.). 276 Entrevista concedida por XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.). 277 Entrevista concedida por IBEJIS. Entrevista 6. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:42:59 min.). 278 Entrevista concedida por SAHARA. Entrevista 8. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de

Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:58:42 min.).

208

incomodar, se vão ou não sofrer algum tipo de preconceito, se continuarão tendo acesso aos

territórios sagrados tão necessários à sua vivência religiosa. Além disso, percebe-se um

descrédito no poder público que culmina em uma falta de esperança, um desânimo que

configura um problema pois quando a pessoa se sente vencida ela não se mobiliza para lutar

por seus direitos, logo, a cidadania é enfraquecida nesse cenário.

Espera-se, com os resultados do presente trabalho, dar visibilidade às violações de

direitos que as comunidades de terreiro da Grande Aracaju estão sofrendo em decorrência dos

impactos da urbanização, violações essas que atingem diretamente a dignidade humana dos

religiosos. Neste ponto, compete ao Estado encontrar soluções para as demandas da população

investigada não permitindo que direitos continuem a ser violados.

Nesse sentido, diante da constatação dos impactos negativos decorrentes da urbanização

e com vistas a preservar o acesso das comunidades de terreiro da Grande Aracaju às espécies

vegetais e aos ambientes naturais imprescindíveis ao culto religioso, recomenda-se a construção

de um diálogo entre o poder público e representantes da população investigada com vistas a

discutir a viabilidade de adoção em Sergipe de um projeto semelhante ao “Espaço Sagrado”

existente no Rio de Janeiro, e que inclusive foi indicado pelos entrevistados como modelo ideal

a ser seguido.

209

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve por objeto investigar os impactos da urbanização sobre a

presença e conservação do “espaço mato” nos terreiros da Grande Aracaju, bem como sobre o

uso e preservação dos chamados territórios de Axé, ambientes naturais sacralizados pelas

comunidades tradicionais de matriz africana em razão do uso religioso que fazem desses

espaços.

Viu-se a importância tanto do espaço “mato” quanto dos territórios de Axé para essas

comunidades tradicionais, o que decorre do papel central que as espécies vegetais e elementos

da natureza como um todo ocupam nas religiões afro-brasileiras, visto que o Axé (força vital)

de suas divindades se encontra justamente nos domínios naturais. Em razão disso, muitos dos

cultos e práticas religiosas dependem do uso das ervas e plantas sagradas e precisam ser

realizadas na natureza. Disso decorre que a sacralização da natureza constitui um dos

fundamentos das religiões afro-brasileiras.

Entretanto, terreiros que outrora estavam instalados em regiões afastadas dos centros

urbanos e que dispunham de áreas verdes ainda preservadas nas suas proximidades, hoje foram

engolidos pelo avanço do processo de urbanização, o que afetou sobremaneira a paisagem

natural que existia nos arredores dos terreiros trazendo sérias complicações, a exemplo da perda

do chamado espaço “mato” externo, dificuldades decorrentes da convivência com vizinhos,

necessidade de deslocamentos para locais cada vez mais distantes em busca de espécies vegetais

e espaços naturais imprescindíveis ao culto, adaptações diversas para fins de sobrevivência da

religião frente às novas configurações impostas pela urbanização.

Neste sentido, a pesquisa realizada buscou investigar como o processo de urbanização

na Grande Aracaju tem impactado na preservação e uso religioso de territórios tidos como

sagrados para as comunidades tradicionais de matriz africana. A partir desse problema foi

proposto como objetivo geral identificar e analisar os impactos da urbanização sobre o

uso/conservação dos territórios sacralizados pelas comunidades tradicionais de matriz africana

na Grande Aracaju, bem como seus desdobramentos no direito à liberdade religiosa da

população investigada.

A partir dos dados coletados no campo constatou-se que o processo de urbanização da

Grande Aracaju não provocou o estrangulamento nos espaços internos dos terreiros

investigados, mas promoveu perdas no que a literatura chama de espaço “mato” externo, ou

seja, que se estende além dos limites internos do terreiro, fornecendo algumas ervas e plantas

de uso litúrgico, fenômeno identificado por Mattoso (1992) e Barros (2011).

210

Outro resultado obtido demonstra que em razão dos desdobramentos da urbanização os

terreiros investigados passaram a enfrentar uma série de dificuldades, tais como: custos com

deslocamento até espaços verdes ainda preservados no interior de Sergipe ou com aquisição de

ervas no mercado; perda de tempo com esse deslocamento; “quebra da essência” em razão de

ter que comprar ervas sem saber se foram observados os cuidados necessários quando da

colheita; tensões com vizinhos que implicam em adaptações quanto aos horários dos toques de

atabaques e ajustes nos calendários festivos.

Quanto ao uso e preservação dos territórios externos, aqui denominados territórios de

Axé, constituídos por ambientes naturais onde são realizadas importantes liturgias, foi apontado

como resultado que 77% (setenta e sete por cento) dos terreiros investigados ou enfrentam

algum tipo de dificuldade na utilização desses territórios ou precisam fazer algum tipo de

adaptação para sobrevivência do culto. Sobre este ponto, a urbanização e desdobramentos

decorrentes desta foram apontadas como principal dificuldade, demonstrando que o processo

de urbanização na Grande Aracaju tem um impacto negativo sobre os direitos religiosos da

população investigada, pois impõe adaptações que descaracterizam aspectos tradicionais da

religião.

Constatou-se que em decorrência da urbanização na Grande Aracaju direitos das

comunidades tradicionais de matriz africana estão sendo violados, especialmente o direito ao

amplo exercício da liberdade religiosa, posto que passam a enfrentar sérias dificuldades para

manutenção de suas práticas tradicionais que dependem do uso de espécies vegetais e ambientes

naturais preservados para reprodução. Quando deixam de ter acesso a esses elementos eles estão

sendo privados da influência de suas divindades e, consequentemente, do exercício amplo de

seus direitos religiosos. Nesse cenário se fortalece o risco de descaracterização de saberes e

práticas tradicionais que se consolidaram ao longo de décadas e que dão sentido ao culto,

configurando uma violação ao direito de culto que atinge a dignidade humana dessa população

que está intimamente ligada à fé e ao sentimento religioso.

Na base desse processo de urbanização está uma lógica desenvolvimentista

insustentável que se tornou hegemônica e em função da qual se promoveu a transformação da

natureza em objeto explorável em nome do que se convencionou chamar de progresso e

crescimento econômico. E essa lógica desenvolvimentista excludente tem maior impacto sobre

grupos e populações que historicamente vêm sofrendo maiores violações em seus direitos: a

população pobre e a população negra, universo no qual as comunidades tradicionais de matriz

africana estão inseridas.

211

Vê-se que garantir o pleno exercício da liberdade religiosa dessa população, o que

constitui obrigação do Estado, passa pela preservação de seus territórios onde seus cultos e

liturgias são realizadas e que também são lugares de memória coletiva. Entretanto, o que se vê

é a invisibilidade dessa demanda do que decorre a importância desse trabalho em tornar visível

reinvindicações que o poder público ou desconhece ou ainda não se sensibilizou o suficiente

para atender, mas sobre as quais deve envidar esforços no sentido de garantir a proteção dos

direitos religiosos e da dignidade humana desses indivíduos.

A criação, pelo poder público, de um espaço reservado para as liturgias das comunidades

tradicionais de matriz africana em Sergipe, a exemplo do que já existe no Rio de Janeiro, emerge

na pesquisa como principal solução para a superação das dificuldades enfrentadas na utilização

de ambientes naturais para fins religiosos. Todavia, esse elemento aparece acompanhado por

uma descrença muito forte da comunidade quanto à existência de interesse do poder público em

atender essa demanda em razão do preconceito histórico que ainda acompanha as religiões afro-

brasileiras. Esse elemento emergiu fortemente no campo em falas de muitos entrevistados que

apontaram a persistência do estigma que acompanha a religião ainda nos dias atuais.

Nesse sentido, diante da constatação dos impactos negativos decorrentes da urbanização

e com vistas a preservar o acesso das comunidades de terreiro da Grande Aracaju às espécies

vegetais e aos ambientes naturais imprescindíveis ao culto religioso, recomenda-se a construção

de um diálogo entre o poder público e representantes da população investigada com vistas a

discutir a viabilidade de adoção em Sergipe de um projeto semelhante ao “Espaço Sagrado”

existente no Rio de Janeiro, e que inclusive foi indicado pelos entrevistados como modelo ideal

a ser seguido.

Sugere-se, a partir dos resultados ora apresentados, o aprofundamento da temática aqui

discutida através de novas pesquisas que se proponham, por exemplo, a melhor conhecer o

projeto “Espaço Sagrado”, implantado pela Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de

Janeiro, ou mesmo outras iniciativas semelhantes em outros Estados, a fim de identificar se

podem servir como um modelo positivo voltado a proteção e sustentabilidade dos territórios de

Axé em Sergipe.

212

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Lima. Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:41:02 min.).

SÃO JORGE. Entrevista 7. [jun. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:31:50 min.).

XANGÔ. Entrevista 10. [jul. 2016]. Entrevistadora: Kellen Josephine Muniz de Lima.

Aracaju, 2016. 1 arquivo wav (00:47:07 min.).

223

ANEXOS

ANEXO 1: Termo de consentimento livre e esclarecido

UNIVERSIDADE TIRADENTES – UNIT

DIRETORIA DE PESQUISA EXTENSÃO – DPE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – PPGD

MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu, __________________________________________________________, abaixo

assinado, autorizo a SOCIEDADE DE EDUCAÇÃO TIRADENTES S/S LTDA – SET –

CAMPUS ARACAJU – FAROLANDIA, por intermédio do(a) aluno(a) KELLEN

JOSEPHINE MUNIZ DE LIMA, devidamente assistido(a) pela sua orientadora Professora

Doutora CARLA JEANE HELFEMSTELLER COELHO DOENELLES, a desenvolver a

pesquisa abaixo descrita, declarando, por meio deste termo, que concordei em ser

entrevistado(a) e /ou participar da pesquisa.

1-Título da pesquisa: TERRITÓRIOS DO AXÉ: OS CAMINHOS DO POVO DE SANTO

EM ARACAJU NA LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA DO SAGRADO EM MEIO URBANO.

2-Objetivos Primários e secundários: O objetivo primário da pesquisa consiste em identificar

e analisar os impactos do processo de urbanização sobre o uso/conservação dos territórios

afrorreligiosos na Grande Aracaju, bem como os seus desdobramentos no âmbito litúrgico, com

vistas a apontar possíveis políticas públicas voltadas à proteção e sustentabilidade desses

territórios. Os objetivos secundários são: Identificar se, em decorrência da urbanização, tem

ocorrido um “estrangulamento” dos terreiros pesquisados a ponto de comprometer a presença

e conservação dos “espaços mato”, demonstrando a relação interdependente entre a perda do

espaço interno e externo analisando estas perdas com relação aos impactos da urbanização;

Identificar a existência e uso de territórios afrorreligiosos externos na Grande Aracaju;

Identificar possíveis dificuldades e adaptações, decorrentes do processo de urbanização, quanto

ao uso dos territórios afrorreligiosos na Grande Aracaju; Analisar as políticas públicas

implantadas no Rio de Janeiro (“Espaço Sagrado”), a fim de inferir se podem servir como

modelo de proteção dos territórios afrorreligiosos na Grande Aracaju.

3-Descrição de procedimentos: Trata-se de uma Pesquisa de abordagem Naturalista, de

Natureza Aplicada, e Objetivo Exploratório. Seus Procedimentos serão: Bibliográfico,

Documental e Pesquisa de Campo de Tipo Etnográfica. Os instrumentos de coleta de dados

utilizados na pesquisa de campo serão a observação, entrevista semiestruturada a ser gravada a

partir da assinatura desta autorização, e as fotografias. A pesquisa de campo buscará identificar

os impactos da urbanização na subtração de espaços litúrgicos afrorreligiosos na Grande

Aracaju e será desenvolvida junto a 16 (dezesseis) Terreiros e Casas de Axé Aracaju, São

Cristóvão e Nossa Senhora do Socorro. A população investigada será constituída por dirigentes

e responsáveis pela liturgia e administração dos terreiros, ou seja, ocupantes de cargos

hierárquicos. Diante disso, o critério de inclusão para a escolha dos membros que serão

entrevistados em cada terreiro consiste no fato de pertencerem a religiões de matriz africana,

ter conhecimento das circunstâncias que se pretende investigar, ter disponibilidade de tempo e

interesse em participar da pesquisa, bem como também levará em consideração a ocupação de

cargo hierárquico no terreiro, não se fazendo, entretanto, distinção entre Umbanda e

224

Candomblé. Os critérios de exclusão são: 1) todos aqueles que não aceitarem fazer parte da

pesquisa, 2) todos aqueles que não possuam tempo disponível para fazer parte da pesquisa; 3)

os que não contemplam os critérios de inclusão.

4-Justificativa para a realização da pesquisa: A pesquisa mostra-se relevante por buscar

dados que permitam mensurar os impactos decorrentes da urbanização para a subtração dos

espaços naturais que são utilizados nas liturgias afrorreligiosas na Grande Aracaju, o que

possibilitará a construção de políticas públicas voltadas à proteção e sustentabilidade destes

territórios sagrados, fomentando, assim, a promoção dos direitos humanos das comunidades

tradicionais de matriz africana em Sergipe.

5-Desconfortos e riscos esperados: Quanto aos riscos que essa pesquisa pode oferecer aos

sujeitos de pesquisa pode-se dizer que existe risco de danos psicológicos, ainda que ínfimos,

tendo em vista que as perguntas referentes as dificuldades que enfrentam para manter suas

práticas religiosas podem desestabilizar emocionalmente os sujeitos de pesquisa. Esse foi,

também, um dos motivos que levou a se optar pela aplicação da entrevista semiestruturada, pois

desse modo a pesquisadora tem maior liberdade e flexibilidade para escolher a melhor forma

de abordar a questão, e, inclusive, optar por não dar continuidade à entrevista quando perceber

que pode gerar danos psicológicos a algum dos sujeitos, minimizando, assim, os riscos da

pesquisa.

Fui devidamente informado dos riscos acima descritos e de qualquer risco não descrito,

não previsível, porém que possa ocorrer em decorrência da pesquisa será de inteira

responsabilidade dos pesquisadores.

6-Benefícios esperados: Sistematização de dados e informações capazes de demonstrar quais

os impactos decorrentes da urbanização na subtração dos espaços naturais que são utilizados

nas liturgias afrorreligiosas na Grande Aracaju. No confronto entre as informações obtidas com

o estudo de caso realizado sobre o projeto “Espaço Sagrado”, implantado no Rio de Janeiro,

pretende-se também demonstrar se o referido projeto pode servir como um modelo positivo de

política pública voltada a proteção e sustentabilidade dos espaços litúrgicos afrorreligiosos na

Grande Aracaju, fomentando, assim, a promoção dos direitos humanos das comunidades

tradicionais de matriz africana em Sergipe.

7-Informações: Os participantes têm a garantia que receberão respostas a qualquer pergunta e

esclarecimento de qualquer dúvida quanto aos assuntos relacionados à pesquisa. Também os

pesquisadores supracitados assumem o compromisso de proporcionar informações atualizadas

obtidas durante a realização do estudo.

8-Retirada do consentimento: O voluntário tem a liberdade de retirar seu consentimento a

qualquer momento e deixar de participar do estudo, não acarretando nenhum dano ao

voluntário.

9-Aspecto Legal: Elaborado de acordo com as diretrizes e normas regulamentadas de pesquisa

envolvendo seres humanos atende à Resolução CNS nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do

Conselho Nacional de Saúde do Ministério de Saúde - Brasília – DF.

10-Confiabilidade: Os voluntários terão direito à privacidade. A identidade (nomes e

sobrenomes) do participante não será divulgada. Porém os voluntários assinarão o termo de

consentimento para que os resultados obtidos possam ser apresentados em congressos e

publicações, assim como autorizam o uso das imagens fotográficas coletadas exclusivamente

para fins de ilustração dos resultados desta pesquisa em publicações e banners a ela

relacionados.

11-Quanto à indenização: Não há danos previsíveis decorrentes da pesquisa, mesmo assim

fica prevista indenização, caso se faça necessário.

12-Os participantes receberão uma via deste Termo assinada por todos os envolvidos

(participantes e pesquisadores).

13-Dados do pesquisador responsável:

225

Nome: KELLEN JOSEPHINE MUNIZ DE LIMA e CARLA JEANE HELFEMSTELLER

COELHO DORNELLES.

Endereço profissional/telefone/e-mail: Programa de Pós-Graduação em Direito, Av. Murilo

Dantas, 300, Bloco D – Farolândia – CEP 49.032-490, Aracaju/SE. Telefone (79) 98876-4466;

e-mail: [email protected] e [email protected].

ATENÇÃO: A participação em qualquer tipo de pesquisa é voluntária. Em casos de

dúvida quanto aos seus direitos, entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da

Universidade Tiradentes.

CEP/Unit - DPE

Av. Murilo Dantas, 300 bloco F – Farolândia – CEP 49032-490, Aracaju-SE.

Telefone: (79) 32182206 – e-mail: [email protected].

Aracaju, _____de _____de 2016.

_____________________________________________________

ASSINATURA DO VOLUNTÁRIO

_____________________________________________________

ASSINATURA DO PESQUISADOR RESPONSÁVEL

226

ANEXO 2: Roteiro de entrevista semiestruturada

Bom dia/boa tarde/boa noite. Meu nome é Kellen Josephine Muniz de Lima, sou estudante de

Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes – UNIT SE - e estou

desenvolvendo um trabalho de pesquisa sob orientação da Profa. Dra. Carla Jeane Helfemsteller

Coelho Dornelles, com o objetivo de identificar a configuração das territorialidades do Povo de

Santo em Sergipe – quanto a presença de “espaço mato” nos terreiros e quanto ao uso de espaços

naturais externos – com vistas a apontar políticas públicas voltadas à proteção e sustentabilidade

destes espaços sagrados. O(a) sr(a) poderia colaborar respondendo algumas questões?

Agradeço desde já sua colaboração.

I - LOCAL DE NASCIMENTO E DE MORADIA

1. Cidade onde nasceu: 2. Cidade onde mora:

II - CARACTERIZAÇÃO DO ENTREVISTADO

1. IDADE. Qual a sua idade (anos)? [ ]

2. Gênero?

o Masculino

o Feminino

o Outro

3. COR Qual a sua cor ou raça (leia as opções e marque apenas uma resposta)?

o Parda

o Branca

o Preta

o Amarela o Indígena

4. CIVI. Qual o seu estado civil (leia as opções e marque apenas uma resposta)? o Solteiro(a)

o Casado(a)

o Separado(a)

o Divorciado(a)

o Viúvo(a)

o União estável

5. RELI. Qual a sua religião afro-brasileira?

o a. Candomblé.

o b. Umbanda

o c. Nagô

o d. Outra:___________________________________________________

227

6.TEMPO. Quanto tempo possui na religião afro (anos)? [______]

7. CARGO. Ocupa algum cargo na religião?

o Sim. Especificar: _____________________________________

o Não

o Não sabe/Nenhuma resposta

III - CARACTERIZAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA

1. ESCO. Qual o seu nível de escolaridade?

o Analfabeto

o 4ª série do 1° grau (Primário)

o De 5ª a 8ª série do 1° grau (Ginasial)

o 2° grau completo (Colegial)

o 2º grau incompleto (Colegial) o Superior incompleto o Superior completo

o Pós-graduação/Especialização

o Mestrado

o Doutorado

2. REND. O sr. (sra.) poderia me dizer em qual faixa de renda, aproximadamente, encontra-se

a renda total de sua família no último mês, somando-se todas as fontes (como salários, hora

extras, renda de aluguéis, de todos que moram na casa, etc)?

o Até 2 SM (até R$1.576,00)

o + de 2 a 5 SM (+ de R$1.576,00 a R$ 3.940,00)

o + de 5 a 10 SM (+ de R$ 3.940,00 a R$ 7.880,00)

o + de 10 a 20 SM (+ de R$ 7.880,00 a R$ 15.760,00)

o Acima de 20 SM (acima de R$ 15.760,00)

o Não sabe/Nenhuma resposta

IV – CARACTERIZAÇÃO DO TERREIRO DO QUAL FAZ PARTE

1. Em que município fica localizado o terreiro (Casa de Axé) do qual faz parte? E qual o

bairro? Resposta:

2. Trata-se de área urbana ou rural? Resposta:

3. Em média qual o número de filhos da casa? Resposta:

4. Em média qual o número de frequentadores? Resposta:

5. Sabe informar o ano quem o terreiro iniciou suas atividades? Resposta:

6. Há quantos anos o terreiro se encontra no imóvel em que atualmente está instalado?

Resposta:

228

7. No seu entender, o terreiro se encontra em local apropriado (que apresente condições

favoráveis para o desenvolvimento dos ritos e liturgias)? Se não, como seria esse local ideal?

Resposta:

8. O terreiro possui espaço mato? Se não, por quê? Resposta:

9. A não existência de espaço mato na área interna do terreiro traz dificuldades para as

liturgias? Quais? Resposta:

10. Diante da não existência de espaço mato, como o terreiro supre a sua necessidade de ervas

e plantas para as liturgias? Resposta:

11. Quando da inauguração da casa a região de entorno já era urbanizada? Resposta:

12. Se a resposta ao item anterior for não: A urbanização trouxe algum tipo de dificuldade

para a ritualística interna? Poderia citar um exemplo? Resposta:

V – UTILIZAÇÃO DE ESPAÇOS NATURAIS EXTERNOS

1. Em seus ritos e liturgias o terreiro faz uso de algum espaço/ambiente natural fora dos

limites do terreiro? Resposta:

2. Quais os espaços/ambientes naturais que normalmente são mais utilizados pelo seu terreiro

e onde ficam localizados? Resposta:

3. Dentro da região da Grande Aracaju (que inclui Barra dos Coqueiros, São Cristóvão e

Nossa Sra. do Socorro) existe algum espaço/ambiente natural que seja utilizado pelo seu

terreiro? Qual? Resposta:

4. Sabe informar se existe algum espaço/ambiente natural que outrora era utilizado de forma

habitual pelo terreiro mas que hoje esse uso não é mais possível? Qual ou Quais? Resposta:

5. Sabe informar porque o uso não é mais possível? Resposta:

6. Atualmente o terreiro encontra algum tipo de dificuldade ou impedimento na utilização de

espaços/ambientes naturais nas liturgias? Que tipo de dificuldade ou impedimento? Resposta:

7. De que modo você acredita que seria possível ultrapassar essa dificuldade ou impedimento?

Resposta:

8. Você tem conhecimento sobre a existência de algum (ou alguns) espaço(s)/ambiente(s)

natural(is) em Sergipe cujo uso em liturgias seja comum por diversos terreiros? Resposta:

Agradecemos muito por sua atenção!!

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ENTREVISTADO:

ENDEREÇO:

TELEFONE: