uma breve história dos furos abertos manualmente no níger · áreas rurais consiste em fornecer...

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Nesta brochura descreve-se a história das técnicas de abertura manual de furos e de elevação de água, introduzidas no Níger nos últimos 30 anos e agora solidamente nas mãos de empresas locais, agricultores e utentes domésticos de água. Nesta brochura incluem-se também recomendações sobre o futuro destas técnicas. Uma Breve História dos Furos Abertos Manualmente no Níger Apenas o Começo Série sobre Abastecimento de Água Rural Outubro 2006 Apontamentos

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Nesta brochura descreve-se a história das técnicas de abertura manual de furos e de elevação de água, introduzidas no Níger nos últimos 30 anos e agora solidamente nas mãos de empresas locais, agricultores e utentes domésticos de água. Nesta brochura incluem-se também recomendações sobre o futuro destas técnicas.

Uma Breve História dos Furos Abertos Manualmente no NígerApenas o Começo

Série sobre Abastecimento de Água Rural

Outubro 2006

Apontamentos

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Resumo AnalíticoEsta brochura espelha a evolução da tecnologia de abertura de furos e de elevação de água no Níger, país onde predomina a falta de água. Descreve uma série de técnicas que foram introduzidas nos últimos 30 anos, sobretudo no sul do Níger. Traça o papel das organizações não governamentais como pioneiras da tecnologia e apoiantes do crescimento de um ambiente de negócios local, destinado a aumentar o acesso às tecnologias relevantes. A pesquisa aponta para a necessidade de investimento nas fases iniciais – para desenvolver e testar as tecnologias dentro de localidades específi cas, treinar os perfuradores independentes e os fabricantes de bombas e apoiar criteriosamente o desenvolvimento de um mercado para o sector privado.

Introdução

A história dos furos abertos manualmente no Níger assemelha-se a um longo rio com muitos afl uentes e que atravessa um vasto território. Graças à dedicação e empenho das organizações não governamentais (ONGs) ao longo de 30 anos, a escavação manual de furos está hoje em dia fi rmemente implantada entre os empresários locais, em várias partes do país e as bombas fabricadas localmente permitiram que os agricultores utilizassem mais água nos seus campos e que os camponeses extraíssem água em pontos mais próximos das suas casas.

O período desde a introdução de furos abertos manualmente e das bombas a pedal até ao presente parece muito longo, na actual noção de

desenvolvimento de um projecto. Mas são as palavras de Souradji Hassan, um ferreiro que fabrica bombas de pedal há cerca de sete anos, que me fi zeram dar a este documento o nome de ‘Apenas o começo – Uma História da Abertura Manual de Furos no Níger’. Quando lhe fi zeram perguntas sobre a sua experiência com a tecnologia e os planos para o futuro, ele observou “Ainda é o princípio” e começou a contar a sua experiência dos 20 anos de construção de carroças de bois no Níger.

Esta brochura baseia-se na pesquisa efectuada pelo autor numa jornada de 3 500 km, em que entrevistou mais de 60 participantes (agricultores e horticultores, fabricantes de bombas pedestrais e de corda, escavadores manuais, empreiteiros de perfuração convencional e ainda o Governo, ONGs e representantes dos doadores).

O documento oferece uma percepção clara desta história notável e mostra o evidente potencial de uma maior popularização das tecnologias de baixo custo, de escavação manual e de elevação de água, no Níger e noutros países. A pesquisa é parte de uma iniciativa da Rural Water Supply Network (RWSN) destinada a aumentar a relação custo/efi cácia da oferta de abertura de furos de água em toda a África Subsaariana.

Fontes de Água no Níger

Na maior parte do Níger, como em muitas outras partes da África Ocidental, os poços abertos manualmente são usados há muitas gerações como fontes de abastecimento de água. Tradicionalmente, estas fontes de água não eram revestidas nem sustentadas por madeira.

Mapa do Níger

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Uma Breve História dos Furos Abertos Manualmente no Níger

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1 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2005. Relatório do Desenvolvimento Humano.2 Mamane, B. 2003. Les inégalités d’accès à l’eau potable, l’eau productive et à l’assainissement, la place et l’implication du citoyen dans les prises de décisions. Rapport du Niger. Publicado por Green Cross International, ALMAE & WSSCC.3 As estimativas dos fundos do governo, para atenderem à meta de uma cobertura de 65% até 2009, são USD 23 milhões (2006) e USD 86,8 milhões ao ano (2007-2009). (AGRIFOR Consult. Appui a la Finalisation des Plans d’action des Programmes et du Plan Rural. Rapport d’étape de la mission. 9 novembre 2005. Niamey.)

Os projectos de desenvolvimento introduziram os poços ‘modernos’ que são revestidos com aros de cimento ou tijolos com argamassa, para aumentar a segurança e a qualidade da água. O Governo do Níger estima que, para além de inúmeros poços tradicionais, a população rural (78% da população total1) benefi cia de fontes modernas que compreendem cerca de 13 000 poços revestidos com cimento, 7 000 furos mecânicos equipados com bombas manuais e vários sistemas de abastecimento de água canalizada de pequena escala2. O Governo assume que cada fonte moderna abastece 250 utentes.

O Governo calculou em 2004 uma média de cobertura de abastecimento de água rural na ordem de 59%. Não existe um número ofi cial para a taxa de operacionalidade das bombas manuais,

mas vários intervenientes, em ONGs e no Governo, indicam que, em algumas áreas, apenas 20% das bombas manuais estão em funcionamento. Logo, é possível que mais de metade da população rural do Níger ainda dependa de fontes tradicionais de água. A verba anual destinada ao fi nanciamento do abastecimento de água rural está orçada em USD 41 milhões, para o período de 2006 a 2009 (num total de USD 164 milhões). Trata-se de apenas 54% dos fundos necessários para atingir a meta de 65% de cobertura3 em 2009.

A política governamental para as áreas rurais consiste em fornecer um ponto de água moderno por cada 250 pessoas. A manutenção fi ca à responsabilidade dos utentes, e a cada região deve-se dar uma abordagem particular quando se trata da sustentabilidade da bomba. Tem

sido problemático o acesso às peças sobressalentes para a manutenção e reparação de bombas.

Fustigada regularmente pela seca e pela fome, a maioria da população do Níger depende de uma agricultura irrigada pela chuva. A irrigação de pequena escala, praticada numa escala reduzida, principalmente no sul do Níger, oferece alguma segurança contra a fome. Alguns dos hortelãos, que tradicionalmente utilizavam cabaceiros e baldes de couro para regar as suas culturas, estão agora a empregar técnicas avançadas de elevação de água (Caixa 1).

Captação de Água Subterrânea

A captação de lençóis de água subterrânea, através de poços abertos manualmente, compreende quatro

Poço escavado à mão pelo método tradicional revestido a madeira

Tirando água num poço revestido a cimento

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fases: escavação, revestimento do poço, limpeza e desenvolvimento do poço e instalação de um mecanismo para elevação da água.

A perfuração manual (Caixa 2) envolve a abertura de um furo com um diâmetro pequeno por uma escavadora de solo cilíndrica ou helicoidal. Este método permite penetrar certas areias, silte e algumas formações argilosas. A perfuração por percussão manual, que pode penetrar formações duras, foi praticada em muitas partes do mundo antes de ser substituída por uma tecnologia mecanizada. Esta consiste em levantar e, em seguida, deixar cair uma ferramenta de corte pesada com vista a romper o solo e, em seguida, remover as partículas de rochas com um balde.

Existem vários tipos de mecanismos para elevar a água. Na década de 70, foram introduzidos baldes melhorados (também conhecidos por bombas de balde do Zimbabwe), feitos de um metal ou de PVC, com uma presilha na parte de cima e uma válvula de batimento em baixo, que serviam para elevar água dos poços escavados manualmente. Estes ainda continuam a ser utilizados em muitos poços no Níger, embora alguns tenham sido substituídos por bombas de pedal, fabricadas localmente (bombas de sucção accionadas pelo pé ou pela mão ou bombas de sucção/pressão), conforme se mostra na Caixa 1, ou ainda por motobombas.

A manutenção das bombas pedestrais, conforme explica Kabiru Yahaya, um agricultor dos arredores de Matameye, pode ser feita pelos próprios utilizadores ou nas ofi cinas locais.

A partir de 2005, a bomba de corda, que pode elevar água de uma profundidade de 20 metros (em comparação com o limite de 7 metros para a bomba de pedal), tem sido fabricada localmente e promovida no Níger.

Caixa 2. Equipa de perfuração manual em Golom, Sul do Níger

É impressionante quando se observa uma escavação manual, a velocidade com que se cava a terra, se desata o tubo da broca e se despejam as partículas do solo do buraco escavado. Sob o sol escaldante, Mamoudou Hamza e Cheibou Danjoumey e sua equipe mastigam amêndoas de cola, enquanto terminam um poço para Abdul Kamu em Golom. Os elementos da equipe têm técnicas diferentes para penetrar os diversos tipos de solo e areias. O que mais impressiona é quando eles sobem ao cimo do tubo de resvestimento fazendo-o descer para o furo usando o seu peso (direita). Quando o poço estiver escavado até a profundidade desejada, insere-se o fi ltro cortado localmente, seguido do tubo de revestimento. Desenvolve-se o furo com o auxílio de uma bomba de pedal. Apesar da total ausência de sombra, a equipa não se deixa desanimar pelo sol nem pelo calor e vai escavar o seu segundo poço do dia.

Caixa 1. Cabaceiros e bombas de pedal – mudanças nas práticas

de irrigação.

Sabiou Boubou (esquerda) utiliza a sua cabaça para tirar água do poço. Puxa do poço aberto manualmente o recipiente ligeiramente arredondado e, com um movimento rápido, despeja-o no reservatório de barro que está atrás dele. A cabaça oscila e solta a água no pequeno canal que corre para a sua horta. A posição é sempre perfeita e o ritmo hipnótico. Contudo, Sabiou, um dos últimos agricultores que ainda utiliza cabaça, disse que gostaria de ter uma bomba de pedal (direita).

Manzo Kanta Adam, um vizinho presentemente nos seus 60 anos, explicou que os terrenos cobertos de produtos hortícolas era um pequeno lago que existia e foi diminuindo com os anos e acabou por desaparecer completamente. Em criança, Manzo e os seus vizinhos, iam buscar água ao lago para os seus cultivos de cana-de-açúcar, tomate e especiarias. À medida que a água secava, os agricultores perseguiam-na, cavando poços que eram revestidos com madeira e, mais tarde com cimento. As bombas a pedal foram introduzidas há vários anos. Manzo é um dos muitos proprietários de bombas de pedal naquela zona. Orgulha-se de ter feito a manutenção da bomba desde que a comprou, ou fazendo-a ele próprio ou levando-a aos artesãos locais.

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O caminho desde a experiência ao aperfeiçoamento

Richard Koegel da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) já estava envolvido na escavação manual desde os princípios da década 60. Yahaya Abdu, em Balleyara, a norte de Niamey4, tomou conhecimento da escavação manual através de um voluntário americano do Peace Corps, nos anos 70. O poço de Yahaya, cavado a pequena profundidade e um dos sete abertos na altura, abasteceu-o de água para beber e para fi ns agrícolas durante quase 30 anos.

O trabalho do Peace Corps foi continuado, no fi m da década de 80, por uma iniciativa de Lutheran World Relief (LWR) destinada a introduzir a escavação manual, primeiro na zona oriental do Níger, no distrito de Magaria e, depois, na região sul, nos distritos de Foulan Koira, Birni N’Konni e Balleyara.

Em colaboração com os poceiros e fabricantes locais, Jon Naugle de LWR foi o pioneiro do trabalho destinado a melhorar e promover a tecnologia. Em 1996, em consequência do trabalho de promoção da LWR e de outras organizações, o número de poços escavados manualmente no sul do Níger tinha atingido cerca de 3 5005.

Três projectos principais levaram à adopção da tecnologia de abertura manual de furos por parte das empresas e agricultores do Níger:

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4 Niamey é a capital do Níger5 “Hand Augered Garden Wells” de Jon Naugle, Lutheran World Relief. 19966 Não se conhece o nome completo.7 FCFA = Franco da Comunidade Financeira de África/Franco da África Ocidental. USD = 500 FCFA8 Não se conhece o nome completo. Perfuraçao manual no Níger

Ibrahim6 é o presidente da associação de perfuradores e de fabricantes de bombas em Madaoua. Começou a trabalhar com o Projecto Tarka Valley, há 15 anos, a que se seguiu um período no governo, nas funções de controlo e supervisão de obras. Quando terminou estas funções (há 7 anos), comprou o seu próprio equipamento de perfuração manual. Ibrahim possui actualmente oito conjuntos de equipamento de perfuração a funcionar e atribui o valor de cerca de FCFA7 200 000 a cada um (USD 400). O equipamento inclui uma bomba a motor para o desenvolvimento e limpeza de furos e um atrelado.

Hamadou8 era um lavrador mas foi treinado como perfurador no âmbito do Projecto Tarka Valley. A maior parte do seu trabalho tem sido na sua própria aldeia. Embora haja uma enorme procura, acha que não tem capital sufi ciente para expandir o seu negócio de perfuração.

Madayana Moudi, esteve envolvido no Projecto Tarka Valley, tem actualmente quatro equipes de perfuração manual (duas em Gaya, duas em Djoundiou) e tenciona começar com a quinta equipe. Ele também constrói redes de irrigação, conserta bombas e administra uma pequena garagem. Durante o Projecto Tarka Valley, perfurou cerca de 25 furos e mais de 500, posteriormente. Diz que, actualmente, quatro em cada cinco pessoas preferem furos manuais ao poço. Também abriu seis poços de água potável equipados com cabaças, instalados directamente nas casas das pessoas.

Caixa 3. Perfi s de três perfuradores manuais do Níger

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desde a década de 90. O Presidente da Associação de Perfuradores e Bombas Mecânicas em Madaoua explicou: O mercado arrancou verdadeiramente em 2000... agora as pessoas compreendem o que é a perfuração ... os agricultores chegam com dinheiro para bombas e furos…existe imenso trabalho [na estação seca]…é difícil saber quantos [furos] perfurámos hoje”. (Na Caixa 3 descreve-se o que aconteceu a três perfuradores do Projecto Tarka Valley.)

(ii) O Projecto Piloto da Irrigação Privada (PPIP I) foi um projecto fi nanciado pelo Banco Mundial, que começou em 1997 e terminou m 2001, e funcionava nas quatro regiões de Tillaberi, Dosso,

Mulher utilizando bomba de pedal accionada manualmente em Karra

(i) O Projecto Basse Vallée de la Tarka (também conhecido por Tarka Valley Project), que funcionou na região de Madaoua entre 1992 e 1997, foi fi nanciado pela União Europeia.

Este Projecto permitiu que a prática de escavação manual de furos se enraizasse em partes da região de Madaoua. O director do Projecto da Irrigação Privada II em Maradi afi rma: “Quando cheguei em Novembro de 1991, havia 91 furos abertos à mão nos distritos de Madaoua e de Bouza (ambos no Vale de Tarka)...em Dezembro de 1997, existiam mais de 2 600 furos abertos”. Estes furos foram abertos para os agricultores por empresas locais.

O projecto inspirou-se nas actividades de irrigação de pequena escala já existentes. Tradicionalmente, os numerosos horticultores comerciais tinham utilizado cabaças para tirar a água dos poços a céu aberto mas, quando se deram conta que podiam regar as suas hortas mais efi cazmente, os furos escavados manualmente e as bombas pedestrais popularizaram-se. Com lençóis de água apenas entre dois a seis metros abaixo da superfície do solo, as condições eram favoráveis e o Vale do Tarka é actualmente conhecido pela exportação de cebolas para os países vizinhos.

Em Madaoua, as técnicas de perfuração do solo não mudaram

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Maradi e Zinder (mas não no Vale do Tarka). Como parte do projecto, uma ONG americana, chamada Enterprise Works/VITA (EWV) foi responsável pela implementação da componente da irrigação manual – desenvolvimento e promoção de furos manuais e das bombas pedrestais. A equipa EWV era chefi ada por Jon Naugle, que antes pertencia a LWR. O PPIP I formou 14 artífi ces no fabrico da bomba de pedal – 12 ainda estavam a funcionar no fi m de 2005.

(iii) O Projecto da Irrigação Privada (PIP II), um projecto que se seguiu ao PPIP I, começou em 2002 e ainda está em curso, abrangendo todas as oito regiões do Níger. Este projecto, inicialmente um programa de desenvolvimento que prestava apoio à implementação, subsidia os agricultores na construção de furos manuais ou poços escavados à mão e na compra de bombas a motor ou de pedal. Também presta apoio aos fabricantes de bombas de pedal.

Criação de capacidade nos ferreiros tradicionais

O fundamento para a adopção da tecnologia de perfuração manual e de bombas de pedal foi estabelecido por vários projectos independentes que criavam competências em trabalhos de metal e ajudou a lançar ofi cinas na zona rural do Níger. Este facto contribuiu consideravelmente na actual manufactura de equipamento de perfuração e de bombas.

Comercialização

Da metodologia de um projecto até ao envolvimento do sector privado

Os primeiros furos abertos manualmente foram introduzidos por projectos sem

propósitos de comercializar a tecnologia. Uma viragem no sentido de se envolver o sector privado, sem quaisquer subsídios, começou quando EWV forneceu equipamento a crédito aos perfuradores, dando-lhes um adiantamento de FCFA 50 000 (USD 100) para a construção de cada um dos primeiros 20 furos de demonstração. Com o tempo, os perfuradores

Caixa 4. Furos manuais de água potável

Madayana Moudi (um perfurador manual) deu de presente um furo (esquerda) ao seu amigo Mahamoud Maddou, um director de escola na aldeia Kago, Djoundiou. O furo está situado junto à vedação no quintal traseiro de Mahamoud. À primeira vista, parece óbvio que o cano saliente de PVC instalado benefi ciaria com a protecção de um pequeno resguardo de cimento e uma drenagem melhor. Contudo, este furo e o balde (de cabaça) não foram fornecidos por um projecto fi nanciado por doadores, mas inteiramente pagos pelo próprio perfurador, um empresário que está a tentar desbravar novos mercados.

Em seguida, mais duas pessoas da aldeia Kago pagaram para terem furos manuais nos seus quintais. Ninguém mais, entre os cerca de 300 habitantes da aldeia, utiliza os poços revestidos com cimento (direita) para água potável – agora, as pessoas fazem fi la nos três furos manuais existentes.

Actualmente, a maior parte das pessoas vão defecar fora da aldeia, no mato. Contudo, Mahamoud construiu uma latrina nas traseiras de sua casa, a cerca de 50 metros do poço perfurado manualmente. É irónico que as elites e os ricos, com maior probabilidade de investirem num poço perfurado nas suas casas, são também os mesmos com maior probabilidade de construírem uma latrina de fossa. A questão da contaminação entre o poço e a latrina continua a ser uma pergunta sem resposta mas uma questão da maior importância.

Entretanto, o empresário de perfuração, Madayana está optimista no que toca a abrir novos mercados noutras aldeias que queiram ter furos de água potável.

amortizaram o custo das suas ferramentas e tornaram-se inteiramente comerciais.

As bombas de pedal eram fabricadas nas ofi cinas locais. Os fabricantes começaram por vender bombas ao projecto para fi ns de demonstração e, mais tarde, passaram a vendê-las directamente aos utilizadores. Os

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fabricantes aprenderam a responder à procura e defi niram-se os preços dos seus produtos.

Estabelecimento de mercados

Foi um grande desafi o comercializar produtos que eram desconhecidos pelos agricultores. A introdução das bombas de pedal foi através dos agricultores que já estavam a vender os seus produtos hortícolas irrigados. Para interessá-los, EWV devia instalar e demonstrar uma bomba de pedal num poço escavado manualmente existente e, depois de utilizar a bomba durante uma ou duas semanas o lavrador obviamnte fi caria com ela. Encontraria um método menos cansativo do que o tradicional sistema de cabaça ou Cegonha. Depois o agricultor seria informado sobre o lugar onde podia comprar as bombas e a que preço. Desta forma estabeleceu-se desde cedo, um elo de ligação entre os agricultores e os fabricantes de bombas e, gradualmente, aumentou a procura por parte dos vizinhos. A rádio e a televisão foram também usados para divulgação.

“É realmente importante fazer uma demonstração da tecnologia ao agricultor…[inicialmente] é preciso identifi car os que estão interessados e levar a tecnologia até eles. As pessoas devem ser sensibilizadas pelos outros aldeãos [porque] os que vivem nas aldeias são mais confi ados... É preciso funcionar ao ritmo da aldeia. No princípio, é importante encontrar pessoas que sejam corajosas. Depois [outras] pessoas vêem como é utilizada a tecnologia. Para que as pessoas compreendam algo de novo, deve-se ter muita paciência.”

Mohaman Sani, fabricante de bombas pedestrais e de corda, Maradi.

Foram instaladas bombas de pedal quer em poços, quer em furos manuais o que expandiu o mercado. Por seu turno, a existência de bombas encorajou o investimento em furos manuais . Tanto os perfuradores de furos como os fabricantes de bombas estavam localizados na área que serviam. Com o tempo, apareceu uma bomba de pedal mais pequena, mais barata e mais leve que contribuiu para a generalização do seu uso. Actualmente, existem quatro

Transportando equipamento de perfuração manual numa carroça de bois

modelos de bombas de pedal, incluindo uma versão operada manualmente. Esta foi especifi camente concebida para mulheres a quem, por razões culturais, não é permitido colocarem-se em cima de uma bomba accionada pelos pés.

Durante o PIP II registou-se um aumento considerável da procura de serviços dos perfuradores e construtores de bombas. Introduziram-se subsídios para ultrapassar os constrangimentos impostos pela falta de capital entre os perfuradores, fabricantes e agricultores. Para terem direito aos subsídios, os agricultores têm de preparar propostas. Tal levou ao aparecimento de agentes para os assistirem nesta tarefa. Um fabricante queixava-se disto, dizendo “Não são os verdadeiros hortelãos que estão a benefi ciar [do PIP II], mas antes as pessoas que sabem como preparar uma proposta.”

Nem todas as bombas de pedal são vendidas através do Projecto PIP II. Os fabricantes locais consolidaram os seus mercados de várias formas, oferecendo por exemplo a possibilidade de os agricultores pagarem em duas prestações, recompensando

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os agricultores por convencerem os vizinhos a comprar e levando bombas para os campos para fi ns de demonstração. Estão a ser explorados novos mercados pelos próprios perfuradores com a abertura de furos para uso doméstico (Caixa 4). A aldeia Tunfafi , perto de Madaoua, é um caso excepcional , onde cada casa tem actualmente um furo manual.

Preços

No Níger, um poço perfurado manualmente e equipado com uma bomba de pedal custa entre USD 120 e USD 460. Estes custos incluem o serviço de perfuração manual, que cobrem a mão-de-obra, transporte e materiais de fi ltragem e tubagem que custam entre USD 50 e USD 300 (Quadro 1). Os preços variam de acordo com a profundidade, diâmetro, distância e materiais utilizados. O facto de os perfuradores terem tendência a

trabalharem localmente signifi ca que os seus custos de transporte permanecem baixos e que provavelmente estão familiarizados com as condições do local.

As taxas de sucesso da perfuração são variáveis: um perfurador no Vale do Tarka mencionou uma taxa de sucesso de 70 a 80%, enquanto uma brigada em Golom referia 89%. É frequente serem os próprios agricultores a seleccionarem os locais dos furos e a arcarem com os custos de furos negativos.

Os preços aplicados pelos perfuradores são minimamente afectados por factores que variam de um local para outro. Em Golom, os preços aumentaram em virtude de as pessoas terem confi ado na tecnologia e estarem preparadas para pagar mais. Em contrapartida, em Tibiri, os preços foram forçados a baixar, aparentemente por causa de uma maior concorrência.

O custo da perfuração manual corresponde a cerca de 15% a 20% do total do preço da escavação manual (para uma profundidade idêntica). Embora a perfuração manual possa penetrar mais profundamente no lençol de água não é necessariamente a melhor opção, uma vez que os poços oferecem melhor capacidade de armazenamento de água e são melhores para os locais com aquíferos de baixa produtividade. Em 1997 (durante o PPIP I) EWV negociou com os fabricantes os preços de venda das bombas de pedal. Os preços fi xados e largamente publicitados permitiram uma considerável margem (lucro mais despesas gerais) para o fabricante, o que tornou a bomba de pedal um dos artigos mais lucrativos. Estes preços permaneceram inalterados desde 1997, em parte por causa das margens relativamente altas, mas também pelo facto de a moeda do Níger estar vinculada ao Euro, não sofrendo

*FCFA = Franco da Comunidade Financeira de África/Franco da África Ocidental. USD1 = 500 FCFA

Quadro 1. Preços da perfuração manual e das bombas de pedal

Artigo Detalhes Preço de Venda (FCFA) Preço (USD)*

Poço perfurado manualmente (110mm) Golom (12m) 80 000 160

Golom (9m) 50 000 100

Poço perfurado manualmente (140mm) Madaoua (12m) 150 000 300

Poço perfurado manualmente (110mm) Tibiri 50 000 100

Matameye 60 000 120

Poço perfurado manualmente (50mm) Tibiri 25 000 50

Bombas de pedal (podem ser instaladas num diâmetro de 50mm)

‘Bangladesh’ pequena 35 000 70

‘Bangladesh’ grande 60 000 120

Accionada manualmente 80 000 160

Bomba de corda (presentemente, pode ser instalada num diâmetro de 110 mm)

Bomba de corda incluindo

70 000 a 80 000 140 a 160

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portanto de uma infl ação elevada. Contudo, uma reclamação comum dos fabricantes é que a introdução dos agentes intermediários do PIP II reduziu as suas margens, apesar de o PIP II continuar a pagar o mesmo preço.

Vendas

Actualmente, no Níger, existem mais de 12 fabricantes de bombas de pedal e dezenas de equipas de perfuração manual. Com base nas observações, dados e entrevistas, o autor estima que existam mais de 5 000 furos manuais em uso e um número semelhante de bombas de pedal, e um grande número de utentes. A Figura 1 apresenta dados recolhidos por EWV durante o PPIP I, bem como informações do estudo RWSN sobre 14 empresas nos fi nais de 2005. Em média perfuravam 19 furos por ano (numa faixa de 0 a 221). Em média, houve um acréscimo do número de furos perfurados anualmente, com um pico situado em 177% em 2000. As vendas tiveram uma queda de 28% entre 2003 e 2004. Relativamente a empresas individuais, houve casos em

que não se fez uma única venda num determinado ano. Uma empresa teve um aumento substancial nas vendas, entre 2002 e 2004, por causa do aumento da procura gerada pelo PIP II.

Os compradores de bombas de pedal incluem, ao mesmo tempo, projectos e os próprios agricultores. Adamou Fall, que começou a fabricar bombas em 1997 em Niamey, estima que 80% das 1 000 bombas que ele vendeu foram para clientes individuais e o restante para projectos. Explicou que as pessoas que compram as bombas “não são nem ricos nem pobres, normalmente não têm muita terra e vendem os seus produtos agrícolas”. Em contrapartida, Ango Kommandawa em Tibiri reivindica que 70% da sua clientela são agentes do PIP II, 20% são perfuradores e 10% são camponeses.

Souradji Hassan, um fabricante de Zinder, vende mais bombas através do PIP II do que a clientes particulares. O estudo RWSN concluiu que os artesãos e os perfuradores obtinham lucros fi nanceiros signifi cativos com a

venda de bombas de pedal e de furos abertos. Garba Maygizo, um fabricante de bombas de pedal em Gaya, disse que construiu três casas com o dinheiro que ganhou durante o PPIP I. Momoudou Hamza (de Golom)explicou que, actualmente, o seu modo de vida assenta na perfuração manual. Em consequência, consegue sustentar três mulheres e comprou uma motocicleta.

Problemas de fi nanciamento

Durante o PPIP I, os fabricantes, perfuradores e hortelãos não dispunham de capital, e os fabricantes só faziam as bombas por encomenda, exigindo um pagamento adiantado ao agricultor. À medida que aumentava a confi ança nos produtos e nos fabricantes, subia também o depósito pago pelos agricultores – no início pagavam 15% (de USD 70), e agora pagam 85%. O PIP II oferece aos agricultores subsídios de 90% do custo do poço e da bomba, desde que a sua proposta seja aprovada. O PIP II também proporciona doações, que vão até USD 12 mil, para os artesãos poderem melhorar o seu equipamento, comprar tornos mecânicos e outras máquinas.

Um fabricante de Tibiri referiu que um aspecto negativo do esquema de subsídios é que encoraja as pessoas a comprar bombas a motor, mesmo quando não é a tecnologia mais adequada. Ele acredita que este facto provocou uma queda nas vendas de bombas de pedal, embora considere que se trata de um fenómeno passageiro, “…[quando terminar o PIP II] as pessoas vão provavelmente abandonar as motobombas quando elas avariarem.” Em Karra, Mintu Garba e os seus companheiros hortelãos preferem a bomba de pedal:“Bombas

Figura 1: Vendas anuais de furos manuais positivos de 14 perfuradores

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a motor precisam de combustível e não são viáveis para lotes pequenos,” acrescenta.

Fabricantes e Perfuradores Manuais: Variações sobre o mesmo tema

O nível de escolaridade dos nove fabricantes, entrevistados para o estudo, varia consideravelmente. Mahaman Sani Rabo concluiu o Liceu (ensino secundário) com uma especialização em metalurgia. No entanto, nem Maman Dan Chitou nem Souradji Hassan frequentaram a escola. Souradji começou a trabalhar como soldador, comprando talvez o equipamento ao seu patrão. Adamou Fall e Maiga Shafagan tinham trabalhado com LWR a partir dos anos 80. Ango Koumandawa, Mounkaila Oumarou e Aboubakar Salifou melhoraram os seus conhecimentos em trabalhos com metal nos projectos de desenvolvimento9 que aperfeiçoaram as competências dos artesãos tradicionais, dando origem aos primeiros trabalhadores de metais altamente qualifi cados do Níger, e contribuindo grandemente para o conjunto de qualifi cações da actual indústria de bombas de pedal.

Um factor comum aos fabricantes de bombas de pedal é a diversidade da sua produção que inclui camas de metal, portas, arados, atrelados e gradeamentos. Alguns têm equipamento de perfuração próprio, mais uma ou duas equipas de perfuração.

Quando perguntados o que é que faz com que o negócio de bombas de pedal seja de sucesso as suas respostas foram:• É preciso ter coragem e

motivação e todo o equipamento necessário.

• Respeitar o compromisso. “Não pensar apenas no dinheiro.”

• Efectuar trabalho de alta qualidade num nível satisfatório.

• Consertar rapidamente as bombas devolvidas para se criar confi ança na companhia e no produto.

Mintu Garba é a presidente do grupo de mulheres hortelãs em Karra, perto de Birni. As suas hortas são um oásis verde o ano inteiro, contrastando com uma paisagem árida durante a maior parte do ano. Cebolas, alfaces, papaias e abóboras encontram-se entre os produtos hortícolas que as mulheres cultivam para consumo doméstico assim como para venda. Mintu contou-me que trata da sua horta há 30 anos. O cultivo das hortas era uma actividade tradicionalmente reservada às mulheres idosas mas, cada vez mais, um maior número de mulheres tem os seus terrenos cultivados com produtos hortícolas.

As hortas estão repletas de furos manuais e equipados com bombas de pedal, que as mulheres utilizam para regar os seus campos. Os proprietários destas terras preferem beber esta água do que a do poço próximo, revestido a cimento, porque é muito mais límpida. Mintu e as outras mulheres são um exemplo de pessoas que utilizam furos manuais e bombas de irrigação tanto para fi ns produtivos como domésticos.

Caixa 5. Os múltiplos usos da água em Karra

Mintu Garba (direita) e companheiras nas suas hortas em Karra

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9 Por exemplo pelo CDARMA (Centre de développement de l’artisanat rural et du machinisme agricole), BIT (Bureau international du travail), CECI (Canadian Centre for International Studies and Cooperation) e CARE

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Embora os artesãos entrevistados tenham afi rmado que tinham feito boas vendas de bombas de pedal , queixaram-se, contudo, que não tinham dinheiro sufi ciente para reinvestir nos seus negócios. Ibrahim Mamadou de EWV acha que a falta de reinvestimento está mais relacionada com as prioridades de cada um: “As pessoas preferem frequentemente investir em vacas do que no seu negócio de fabricante.” Afi rma que a manutenção recebe pouca prioridade, com uma tendência para se “esperar até que as coisas deixem completamente de funcionar”. A má gestão dos negócios pode ser um constrangimento para o seu desenvolvimento

Os perfuradores manuais entrevistados eram ou poceiros ou trabalharam em projectos de perfuração manual e mais tarde estabeleceram-se como uma empresa (ver Caixa 3); alguns estão também envolvidos no fabrico de bombas de pedal. Como acontece com os fabricantes, os perfuradores não dependem exclusivamente desta actividade para a sua subsistência; muitos deles também são agricultores. Os proprietários de equipamento de perfuração normalmente contratam trabalhadores para fazer a perfuração a quem pagam um salário diário de USD 4 a USD 5, ou então um preço por poço perfurado. Poucos empresários praticam a sua actividade longe da sua localidade principal, a não ser que a encomenda tenha sido feita pelo PIP II. A queixa mais frequente é de que o abastecimento local de PVC para revestimento dos furos é insufi ciente.

Garantia de Qualidade

Nos primeiros dias do PPIP I, EWV concentrou-se em assegurar a

qualidade da perfuração, bombas e uso de bombas, com vista a criar confi ança e a responder às necessidades dos utentes. Os fabricantes e perfuradores foram cuidadosamente seleccionados, levando em conta a motivação, empenho e fi abilidade. Os fabricantes receberam formação nas suas próprias ofi cinas. As bombas que não tivessem o desempenho pretendido no terreno seriam devolvidas ao fabricante para serem reparadas à sua própria custa. Os fabricantes receberam treinamento regular e de acompanhamento (incluindo verifi cações no local).

Os perfuradores normalmente eram da zona onde trabalhavam, pelo que estavam sob pressão dos seus conterrâneos para produzirem um trabalho de alta qualidade. Eram penalizados se os seus furos não tivessem a qualidade pretendida. Quando o PIP II, que tem sido criticado por dar ênfase à concorrência baseada no preço, trouxe perfuradores de outras

áreas, eles eram olhados por alguns como alguém que não assumia a responsabilidade social adequada junto dos seus clientes. Os ofi ciais do projecto e frabicantes visitavam regularmente os agricultores para verifi car se eles estavam a utilizar devidamente a bomba. Os ofi ciais acertavam a forma como a tubagem era ligada ao dispositivo de saída, a lubrifi cação do couro e a acção do pedal. Com o tempo, os agricultores mais experientes passaram a mentores dos seus vizinhos.

É difícil manter a qualidade dos produtos e serviços uma vez que a tecnologia já ultrapassou a fase piloto. No entanto, a Associação de Perfuradores e de Fabricantes de Bombas em Madaoua alega que, apesar da falta de mecanismos formais de verifi cação de qualidade, não existem problemas sérios de qualidade na perfuração. Dizem que as pessoas da área têm uma ideia clara quanto à qualidade aceitável e sabem quais

Ango Koumandawa na sua oficina em Tibiri

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Cortando o tubo de revestimento no local

são os perfuradores competentes para realizarem o trabalho (estas afi mações não podem ser verifi cadas nem contrastadas pelo estudo da RWSN).

Os problemas de qualidade associados com as bombas de pedal, são a utilização de um material de calibragem pouco espesso para o cilindro, fraca qualidade das pranchas de madeira e soldadura incorrecta. Kabirou Yahaha, um agricultor das proximidades de Matameye, acha que as bombas produzidas actualmente não são tão boas como as que se faziam no tempo do PPIP I. Diz que, apesar de as bombas custarem o mesmo, desgastam-se mais depressa do que antes. Os fabricantes de bombas, por seu turno, queixam-se da forma como os agricultores utilizam as bombas.

Uma outra reclamação regular está relacionada com os agentes que ajudam os agricultores a candidatarem-se aos subsídios. Acusam-nos de baixarem os preços dos furos para níveis pouco realistas. Mounkaila Oumarou, um perfurador e fabricante de bombas em Birni N’gaoure afi rma que “USD 30 a USD 40 por um poço é muito pouco…o perigo é que o mau trabalho a ser feito a esse preço vá arruinar o mercado para todos.” Ango Koumandawa, em Tibiri, defi niu um preço abaixo do qual não faz a perfuração. Em consequência, não fez uma única perfuração durante um ano inteiro. Em Novembro de 2005, o PIP II esteve a discutir as questões da concorrência baseada no preço e o papel dos agentes.

Riscos: Qualidade da Água e Recursos Hídricos

Em todo o país existe um grande número de poços tradicionais que captam água subterrânea a pouca

profundidade. O nível freático nos vales, onde se efectua a maior parte da agricultura, tende a ser alto. Os intervenientes ao nível do Governo, organizações não-governamentais e organizações doadores, tentam distinguir água potável (para consumo humano) e ou para irrigação e animais. Os aldeãos não fazem tal distinção e os agricultores utilizam os seus poços de irrigação como fontes de água para beber. Algumas pessoas preferem beber água de um poço tubular de ´irrigação` do que de um poço cavado manualmente, revestido a cimento, enquanto alguns agricultores chegam até mesmo a carregar para casa água dos poços de irrigação. Muitos intervenientes manifestam a sua preocupação no que concerne à qualidade e quantidade da água para beber e à sustentabilidade de água para fi ns agrícolas, proveniente de fontes de água subterrânea de pouca profundidade.

Vários profi ssionais acreditam que os depósitos arenosos superfi ciais, onde

se encontra a maior parte das águas subterrâneas de pouca profundidade no Níger, contêm água não fi ltrada e pouco limpa. Alguns consideram que esta água é relativamente melhor do que a água de superfície em termos de contaminação fecal. Há uma preocupação sobre o uso de adubos e pesticidas, combinado com solos com elevadas taxas de infi ltração, signifi ca que a água subterrânea de pouca profundidade está poluída pelos produtos químicos. O tratamento da água para consumo familiar pode ser uma solução para algumas destas preocupações, mas estes problemas não podem ser simplesmente ignorados. À medida que novos mercados de furos manuais estão a ser explorados pelos próprios perfuradores, esta preocupação é um factor importante a ter em conta.

Tem sido feito muito pouco trabalho sistemático para se verifi car ou substanciar as preocupações sobre a qualidade da água. O Governo considera que muitos dos poços

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de água de superfície são fontes de água ´modernas.̀ Esses poços podem fornecer quantidades signifi cativas de água mas isso não resolve a questão da qualidade da água. Por outro lado, um porta-voz do Departamento Hidráulico do Governo Local, comenta que o “[Governo] pede às pessoas que não bebam a água das hortas, pondo à sua disposição furos profundos.” É óbvio que há contradição.

Uma outra preocupação é o uso excessivo da água subterrânea. Milhares de furos perfurados manualmente estão a ser utilizados para irrigação. Embora o vale do Tarka seja reabastecido pelas chuvas anuais, o mero número de pessoas que praticam irrigação de pequena escala só por si já é uma preocupação, com a agravante de algumas zonas da área, como Tesaou, já estarem a registar uma queda dos lençóis de água. Felizmente que a capacidade de sucção das bombas utilizadas é auto-limitadora. O Governo, PIP II e PNUD estão todos a monitorar os níveis da água. São necessários dados fi áveis e muita pesquisa para se analisar os riscos associados com a qualidade da água e os recursos hídricos.

Conclusões

Resultados da investigação

Esta breve investigção mostrou que os furos manuais, equipados com mecanismos de elevação de água de baixo custo, são uma fonte de água viável, tanto para fi ns domésticos como agrícolas, em certas partes do Níger. Apesar de pobres, milhares de lares quiseram e conseguiram pagar para a construção de um destes furos e de dispositivos simples para elevação da água, destinada aos seus campos e casas. Yahaya Abdu (Balleyara) bebendo água do seu poço de ‘irrigação’

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As conclusões apontam para a necessidade de os países investirem nas fases iniciais de desenvolvimento e teste das tecnologias, em localidades específi cas, capacitando os perfuradores e fabricantes de bombas independentes, e apoiando o desenvolvimento do mercado. No Níger, o sector privado, na forma de empresas locais introduzindo e desenvolvendo tecnologias de abastecimento de água, proporcionou uma força motriz para o crescimento económico do país. As componentes fundamentais para o efeito foram o empenho das empresas, incentivos sufi cientes, e adequado apoio externo para o desenvolvimento, melhoria e demonstração do potencial de mercado das tecnologias.

Recomendações e rumo a seguir

A história dos furos manuais no Níger demonstra que uma vez sufi cientemente comprovadas, as qualifi cações dos perfuradores e fabricantes de bombas, pode-se catalisar o processo de desenvolvimento do mercado. Para desenvolver o mercado, foi importante ser capaz de oferecer uma escolha entre poços escavados e furos manuais e de uma gama de dispositivos para captação.

Há um potencial considerável para as tecnologias de perfuração manual que possam penetrar formações mais duras e alcançar profundidades maiores, assim como para as correspondentes tecnologias de elevação de água. A perfuração por percussão manual e bombas de corda podia proporcionar água a inúmeras pequenas comunidades no Níger, que actualmente não estão incluídas nos planos do governo. Estas tecnologias

também podiam benefi ciar outros países na África Subsaariana.

As organizações governamentais e doadores são encorajadas a investirem no desenvolvimento de tecnologias que possam ser produzidas e comercializadas localmente. Um processo gradual é requerido, onde as necessidades são compreendidas e onde está criada a capacidade local. Mas a questão de se prestar apoio sob a forma de crédito ou de subsídios precisa de ser cuidadosamente considerada, para se evitar a criação de mercados artifi ciais ´impulsionados pelo projecto.̀

Tirando água de um poço revestido a cimento.

Por último, as preocupações respeitantes à qualidade da água e aos recursos hídricos precisam de ser cuidadosamente pesquisadas, tendo em consideração que é frequente as pessoas utilizarem a mesma fonte de água para beber e para regar os campos. O potencial de contaminação dos lençóis de água subterrânea de pouca profundidade, pelos excrementos, adubos e pesticidas, tem de ser cuidadosamente examinado. Se se utilizarem mais bombas a motor, deve-se estudar o perigo de exploração excessiva de água e de esgotamento dos recursos hídricos de pouca profundidade.

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Outras publicações nesta série

O Programa de Água e Saneamento é uma parceria internacional destinada a melhorar as políticas, práticas e capacidades do sector da água e saneamento com vista a servir as populações pobres.

A Rede de Conhecimento Global sobre água rural é uma rede de conhecimento global destinada a promover práticas sólidas no abastecimento de água rural.

Outubro de 2006

World BankHill Park BuildingUpper Hill RoadPO Box 30577NairobiKenya

Phone: +254 20 322-6306Fax: +254 20 322-6386E-mail: [email protected]: www.wsp.org

RWSN SecretariatSKAT Foundation, Vadianstrasse 42CH-9000 St. GallenSwitzerland

Phone: +41 71 288 5454Fax: +41 71 288 5455Email: [email protected]: www.rwsn.ch

Autor: Kerstin Danert

Colegas revisores: Richard Carter, Sally Sutton, Alan MacDonald, Patrick Okuni, Othniel Habila e Jon Naugle.

Preparado sob a orientação de Joseph Narkevic e Piers Cross (WSP-Africa)

Direcção da tradução para o Português de Luís Macário (WSP-África)

Editor: Mindy StanfordCréditos fotográfi cos: Kerstin Danert

Contactos: Kerstin Danert [[email protected]]Erich Baumann [[email protected]]

Ten-step Guide Towards Cost-effective Boreholes: Case Study of Drilling Costs in Ethiopia. Richard Carter. 2006

Who is Going to Drill the African Boreholes? Entrepreneurs in the Rural Water Supply Sub-sector. Andy Robinson. 2006

Investigating Options for Self-help Water Supply: from Field Research to Pilot Interventions in Uganda. Richard Carter. 2006

Spare Parts Supplies for Handpumps in Africa: Success Factors for Sustainability. Anthony Oyo. 2006

Self Supply: A Fresh Approach to Water for Rural Populations. Sally Sutton. 2004*

Solutions for Reducing Borehole Costs in Rural Africa. Peter Ball. 2004*

*Disponível também em Português e Francês

Acerca do Autor

A Dra. Kerstin Danert é uma investigadora e consultora com vasta experiência em gestão de água. Efectuou uma ampla investigação sobre água e saneamento rural bem como irrigação de pequena escala na África Subsariana, incluindo Uganda, Etiópia e Níger. A Dra. Danert é a coordenadora do tema emblemático da RWSN sobre furos efi cazes em função do custo.