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UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE USABILIDADE TÉCNICA E UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA METADISCIPLINAR COLABORATIVA APOIADA POR RECURSOS DA WEB Tecnologias, currículo, avaliação e pesquisa. Ecivaldo de Souza Matos Universidade de São Paulo [email protected] Stela Conceição Bertholo Piconez Universidade de São Paulo [email protected] RESUMO Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa de natureza qualitativa que investiga como as tecnologias computacionais para educação, por meio dos pressupostos de Interação Humano-Computador (IHC), contribuem para o desenvolvimento de uma proposta pedagógica metadisciplinar apoiada por recursos da web em um curso de pós-graduação. A usabilidade é uma categoria de avaliação de IHC que tem na facilidade de uso dos sistemas interativos um pressuposto fundamental de qualidade de interação. Um dos desafios da usabilidade é o de dar suporte ao usuário na criação de um sistema para obtenção de significados. Esta investigação foi conduzida em ambiente natural por meio de uma pesquisa-participante focalizada no conceito de usabilidade técnica percebida do recurso fórum de um ambiente virtual de aprendizagem. Um dos principais resultados encontrados foi a relevância atribuída pelos sujeitos da pesquisa à interação dialética entre a proposta pedagógica e o uso adequado dos recursos tecnológicos, conferindo ou não o estatuto de usabilidade técnica aos mesmos. O alcance dos objetivos pedagógicos acompanhados durante todo processo confirmaram que transformações na proposta pedagógica ocorrem em função das necessidades e dificuldades dos estudantes, em vez de propriamente das funções e/ou critérios de usabilidade do recurso tecnológico utilizado. Por outro lado, conhecer o conteúdo tecnológico dos recursos e promover uma interação dialética com os conteúdos pedagógicos e específicos podem conferir intencionalidade educativa e contribuir tanto com o processo de ensino quanto com o processo de aprendizagem dos usuários. PALAVRAS-CHAVE: Usabilidade técnica, Proposta pedagógica metadisciplinar, Ambiente virtual de aprendizagem, Interação dialética.

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UMA ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE USABILIDADE

TÉCNICA E UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA

METADISCIPLINAR COLABORATIVA APOIADA POR

RECURSOS DA WEB

Tecnologias, currículo, avaliação e pesquisa.

Ecivaldo de Souza Matos Universidade de São Paulo

[email protected]

Stela Conceição Bertholo Piconez Universidade de São Paulo

[email protected]

RESUMO

Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa de natureza qualitativa que

investiga como as tecnologias computacionais para educação, por meio dos

pressupostos de Interação Humano-Computador (IHC), contribuem para o

desenvolvimento de uma proposta pedagógica metadisciplinar apoiada por

recursos da web em um curso de pós-graduação. A usabilidade é uma

categoria de avaliação de IHC que tem na facilidade de uso dos sistemas

interativos um pressuposto fundamental de qualidade de interação. Um dos

desafios da usabilidade é o de dar suporte ao usuário na criação de um

sistema para obtenção de significados. Esta investigação foi conduzida em

ambiente natural por meio de uma pesquisa-participante focalizada no

conceito de usabilidade técnica percebida do recurso fórum de um ambiente

virtual de aprendizagem. Um dos principais resultados encontrados foi a

relevância atribuída pelos sujeitos da pesquisa à interação dialética entre a

proposta pedagógica e o uso adequado dos recursos tecnológicos, conferindo

ou não o estatuto de usabilidade técnica aos mesmos. O alcance dos objetivos

pedagógicos acompanhados durante todo processo confirmaram que

transformações na proposta pedagógica ocorrem em função das necessidades

e dificuldades dos estudantes, em vez de propriamente das funções e/ou

critérios de usabilidade do recurso tecnológico utilizado. Por outro lado,

conhecer o conteúdo tecnológico dos recursos e promover uma interação

dialética com os conteúdos pedagógicos e específicos podem conferir

intencionalidade educativa e contribuir tanto com o processo de ensino

quanto com o processo de aprendizagem dos usuários.

PALAVRAS-CHAVE: Usabilidade técnica, Proposta pedagógica

metadisciplinar, Ambiente virtual de aprendizagem, Interação dialética.

1 INTRODUÇÃO

A necessidade de articulação interdisciplinar entre os aspectos técnicos,

tecnológicos e pedagógicos; a ausência de fundamentação filosófico-pedagógica mais

sólida por parte das pesquisas de natureza técnica (no desenvolvimento ou no uso de

softwares); a difusão de novas tecnologias para educação e suas redefinições e

aperfeiçoamentos por parte dos sujeitos que as usam; bem como os novos espaços de

potencialização da comunicação e, consequentemente, novos espaços para aprender,

ensinar, produzir, coproduzir e compartilhar foram elementos problematizadores

fundamentais para a concepção e o desenvolvimento desta pesquisa.

Para Almeida (2007a) os recursos tecnológicos efetivamente contribuem com as

atividades escolares se durante e após a formação desses educadores tal cultura é

desenvolvida nas escolas. A autora ainda defende que a incorporação de uma tecnologia

aos processos educacionais deve considerar a compreensão da forma como essa

tecnologia é constituída, das suas potencialidades e das suas limitações nas formas de

interação e de significação. Isto requer que tanto professores como os estudantes se

apropriem do domínio da tecnologia, desenvolvendo práticas pedagógicas ao mesmo

tempo em que interagem com o restante do grupo de colegas e professores

formadores/tutores (ALMEIDA, 2007b).

Em relação aos estudantes, Kenski (2006) recomenda que sujeitos em formação

precisam orientar a si próprios a aprender através de intercâmbios virtuais e/ou

presenciais com pessoas de diferentes culturas, idiomas e realidades sociais. Neste

mesmo sentido, Castells (2006) argumenta sobre a multiplicidade de caminhos, espaços

e fluxos apoiados por diferentes componentes midiáticos. Não é preciso apenas

“aprender” a utilizar as ferramentas (“aprender fazendo” ou “aprender pelo erro”), mas

saber as melhores formas de utilizá-las, incorporando-as ao universo pessoal de

conhecimento, de habilidades e de significação, desdobrando suas possibilidades

(KENSKI, 2007).

Neste contexto, Piconez (2010) e Piconez & Nakashima (2011) reafirmam a

importância de se distinguir entre as abordagens e restrições de uma tecnologia o que é

inerente à usabilidade da tecnologia e o que é imposto externamente pelos

conhecimentos prévios dos usuários. Identificam ainda que sempre oferecemos

abordagens tecnológicas com nossos próprios conhecimentos e usos que fazemos delas,

muitas vezes, conseguindo avaliar a adequação ou inadequação do seu uso. Portanto, é

essencial para conhecimento dos professores e equipes de produção que haja sempre

conhecimentos construídos na aplicação criativa dos usos que podemos fazer das

tecnologias. Para ilustrar citam, por exemplo, que um conjunto de slides, como

ferramenta de apresentação, pode ser usado como mídia para criatividade artística;

assim, como um fórum, recurso de comunicação pode ser usado para desenvolver a

escrita colaborativa, ampliar as habilidades de argumentação e a escrita hipertextual.

Tais considerações reforçam as razões pelas quais uma disciplina sobre o uso

pedagógico de recursos da web utilize-se desses mesmos recursos no ato pedagógico, de

modo metadisciplinar (MORIN, 2001), com objetivo de desenvolvimento

metacognitivo dos estudantes. É sempre relevante oferecer aos estudantes possibilidades

de autoregulação das próprias aprendizagens.

Isso também reforça as razões pelas quais as ferramentas tecnológicas devem ser

construídas em harmoniosa integração entre suas habilidades técnica e pedagógica. Esta

integração deve estar sempre atenta à consistência educacional do contexto (concepção

de mundo, de escola, de aprendizagem, de ensino, de avaliação) onde o ambiente

educacional a ser utilizado se beneficia com suportes digitais.

As mídias computacionais baseadas em tecnologias digitais quando incorporadas

na educação podem contribuir para a construção de conhecimentos dos estudantes. As

possibilidades de apropriação/transformação/geração de conhecimento das mídias

computacionais pelos seus sujeitos-usuários são características que não podem ser

desconsideradas frente aos novos modos de aprender e de ensinar, como identificado

por Babin & Kouloumdjian (1989) há mais de duas décadas.

A educação já pressupõe por si só um processo em que ensino e aprendizagem

interagem. Tal processo constitui-se primordialmente pela mediação entre sujeito(s) e

objeto(s): o sujeito que aprende e algo que se deseja aprender. Esse objeto, a partir de

inferências semióticas, deverá ter seu significado cultural redimensionado, produzindo

mudanças no sistema de significação do sujeito.

No campo da Interação Humano-Computador (IHC) há diversas categorias de

natureza interdisciplinar, sendo a interação uma das suas principais. Para avaliar

interação destacamos o conceito de usabilidade.

A usabilidade é uma característica de um programa de computador (software

interativo) que considera a intuitividade, a aprendizagem e o desempenho do sujeito

usuário experiente (JORDAN, 1998), como um dos principais aspectos de medição da

qualidade e da aceitabilidade de um programa, aqui chamado de sistemas

computacionais interativos.

Um destes desafios encontra-se na interface do provimento de materiais

tecnologicamente sofisticados e os avanços teórico-metodológicos da educação em seus

aspectos pedagógicos específicos para uso e apoio das tecnologias computacionais

interativasi. Portanto, parece coerente investigar aspectos da interação humano-

computador em seu movimento dialético que deve ocorrer em propostas de ensino-

aprendizagem e processos de avaliação apoiados pelos ambientes virtuais de

aprendizagem (AVA).

Dada que as tecnologias computacionais de apoio à educação estão presentes no

nosso cotidiano, este artigo apresenta alguns dos resultados de uma pesquisa de natureza

qualitativa que visa analisar como as tecnologias computacionais de apoio à educação,

contribuem para o desenvolvimento de uma proposta pedagógica, sob a ótica de seus

usuários finais, sujeitos praticantes e protagonistas do ato educativo.

2 METODOLOGIA

Por meio de uma abordagem participante, dados foram coletados durante um semestre-

letivo. Isto permitiu compreender possibilidades e desafios de articulação entre os

conhecimentos didático-pedagógicos (interação humana) e de usabilidade técnica

(computador).

O delineamento metodológico desta pesquisa se deu com o objetivo de

investigar aspectos qualitativos que subsidiassem uma interpretação da importância da

usabilidade técnica na relação entre o humano e computador na manipulação de

recursos de sistemas interativos de apoio à educação. A perspectiva participante

permitiu compreender possibilidades e desafios de articulação entre os conhecimentos

didático-pedagógicos (interação humana) e de usabilidade técnica (computador).

Durante um semestre-letivo, os pesquisadores participaram do ambiente de

pesquisa, interagindo com os sujeitos pesquisados. Para isso, acompanhou todo o

transcorrer de um curso de pós-graduação (EDM5053), observando os 15 sujeitos-

participantes direta (aulas presenciais) ou indiretamente (registros no AVA) nas

discussões propostas pela temática da disciplina. O AVA utilizado foi o Moodle que

forneceu os registros que serviram de base para as análises a serem efetivadas em

consonância com os objetivos pretendidos.

Os dados foram coletados utilizando três procedimentos metodológicos:

observação-participante, questionários, grupo focal com registro de áudio.

Houve dois questionários. O primeiro, chamado Questionário de Fluência

Digital (QFD), procurou buscou reconhecer a fluência digital de cada participante,

inclusive seus conhecimentos sobre usabilidade. O segundo, intitulado Questionário de

Avaliação de Usabilidade Técnica (QUT) buscou indicadores de usabilidade técnica de

um recurso utilizado (fórum do Moodle) a partir da percepção e avaliação dos

estudantes.

O grupo focal foi aplicado ao final do curso e filmado para permitir leituras mais

detalhadas, como mecanismo de análise que utilizou abordagem híbrida na triangulação

dos dados coletados sobre os impactos dos recursos tecnológicos utilizados (e sua

usabilidade) no aprendizado. Neste momento eles puderam expor percepções que não

expuseram anteriormente em outros espaços dedicados às atividades do curso.

2.1 Ambiente de investigação

A disciplina utilizada na pesquisa contou com 15 estudantes efetivos oriundos de

diversas áreas de conhecimento, como das engenharias; ciências da saúde e ciências

humanas.

A escolha desta disciplina se deu pela natureza metadisciplinar da sua proposta,

constituindo-se em um espaço de discussão teórico-crítica sobre o uso da tecnologia na

educação e, além disso, por utilizar um AVA para metadiscussão sobre as suas

potencialidades pedagógicas, o que configurou total sintonia com os objetivos desta

pesquisa.

As discussões pautaram-se, em sua grande parte, sobre os aspectos de educação

presencial e não presencial apoiada pela internet. A disciplina foi realizada

presencialmente, tendo algumas de suas atividades dentro de uma proposta de simulação

de virtualidade. Ao total foram 12 encontros, sendo 11 presenciais e apenas um a

distância. Textos teóricos, teses e dissertações com pesquisas relacionadas a ambientes

virtuais de aprendizagem foram o foco dos estudos. Sob a perspectiva de estudo situado,

foram desenvolvidas atividades com algumas ferramentas do AVA, propiciando uma

discussão mais sólida sobre os benefícios pedagógicos de cada uma delas. Foram então

escolhidas para estas atividades colaborativas as ferramentas fórum, wiki e chat do

ambiente virtual de aprendizagem (AVA) utilizado: o Moodle.

Um dos grandes diferenciais deste curso, além de discutir de modo abrangente a

temática que integra Educação & Tecnologias é que ele se pauta em uma abordagem

educacional no qual a mediação pedagógica foi elemento chave para construção coletiva

de conhecimento. Não houve intenção em promover virtualização de espaços nem

elementos tradicionais de ensino. Todavia, esses elementos não foram marginalizados

em detrimento de novas formas de ensino precisamente invocadas pela tecnologia.

Foram realizados seminários, atividades de leitura extraclasse, entre outras, assim como

em qualquer classe tradicional de ensino superior. A diferença reside na oferta dos

recursos computacionais midiáticos tanto para apoiar as aulas presenciais quanto para

realização das atividades em grupo ou individuais com incentivo à pesquisa na web.

3 COLETA E ANÁLISE PRELIMINAR DE DADOS

QUALITATIVOS

O conjunto de sujeitos desta pesquisa foi composto pela docente responsável pela

disciplina e seus 15 estudantes matriculados. Perfizeram o conjunto de estudantes, sete

doutorandos, cinco mestrandos, dois mestres e um graduado. Destes, sete atuam na área

de ciências humanas, três na área de ciências sociais, três na área de engenharia e dois

na área de saúde.

Durante todo o segundo semestre letivo do ano de 2010, participamos do

ambiente de pesquisa, interagindo com os sujeitos pesquisados, acompanhando todo o

transcorrer da disciplina sem promover qualquer tipo de intervenção. Uma base de

dados pode ser colhida com as observações e entrevistas em aula; com os registros dos

diálogos em fóruns e chats e com a transcrição detalhada da filmagem do grupo focal.

No início do curso foi aplicado o QFD. Este questionário buscou reconhecer a

fluência digital de cada participante, sem objetivos de mensurar nem classificar os

sujeitos. Sua finalidade foi somente oferecer subsídios para análise mais contextualizada

das respostas aplicadas aos questionários de avaliação de usabilidade técnica, a partir do

reconhecimento de alguns conhecimentos prévios dos participantes sobre perfil e uso da

tecnologia.

Dividido em três partes (Identificação, Fluência Digital e Usabilidade de

Materiais Digitais de Aprendizagem), o QFD indicou que metade dos sujeitos

estudantes já possuíam o grau de mestre ou doutor e, em sua maioria, demonstraram ter

fluência digital suficiente para compreender as questões sobre usabilidade que lhes

seriam feitas, ou seja, seriam capazes de realizar tarefas cotidianas do trato com as

tecnologias computacionais interativas, tais como realizar buscas na internet por meio

de motores de busca, participar de projetos colaborativos online.

Entretanto, quando questionados sobre o conhecimento (mesmo que pouco

apurado) sobre usabilidade técnica e pedagógica, a maioria respondeu nunca ter “ouvido

falar” sobre esses dois conceitos. Isto poderia refletir na avaliação de usabilidade

técnica ao final da pesquisa, sendo, portanto, um importante objeto de análise.

Figura 1 – Word cloud sobre os desafios do uso de recursos da web em sala de aula

Ainda no âmbito do QFD, quando questionados sobre os desafios no uso de

recursos da web em sala de aula, os estudantes expuseram mais frequentemente a

necessidade de focalização do estudante nos aspectos pedagógicos dos cursos diante da

sedução causada pela web, a estabilidade de conexão e demais quesitos técnicos e

conhecimento do melhor uso das TDIC por parte dos professores, conforme Figura 1.

Alguns destes elementos estão fundamentalmente na fronteira entre o técnico e o

pedagógico.

Do total de 15 estudantes, 11 responderam que já utilizaram algum ambiente

virtual de aprendizagem antes, tendo participado de fóruns. Alguns dos ambientes

citados foram o Blackboard©, Learningspace©, AulaNet©, Teleduc, Tidia-AE©. Esta é

uma informação de muita importância para as próximas análises, uma vez que a

usabilidade percebida por um usuário conhecedor dos recursos básicos de um software

pode ser diferente de um usuário que nunca teve contato com o software.

Ao final do curso, em conjunto com questionários de avaliação de usabilidade

pedagógica, auto-avaliação, avaliação do curso, avaliação dos temas e leituras tratadas,

avaliação das atividades presenciais e a distância, desempenho docente e desempenho

do ambiente virtual Moodle foram aplicados um questionário de avaliação de

usabilidade técnica (QUT). Em todas as questões do conjunto de questionários

utilizamos a escala Likert (1-5), exceto nas questões abertas.

O QUT contou com 34 questões organizadas em seis seções mais duas questões

introdutórias. Esta divisão foi baseada essencialmente no ISONORM 9241/10

(PRUMPER, 1993; MEDEIROS, 1999). Houve também uma livre adequação das

heurísticas de usabilidade de Nielsen & Molich (1990), dos critérios ergonômicos de

Bastien & Scapin (1997) e da taxonomia de usabilidade de Presman (2004). As

questões versaram sobre “aprendizado da interface”, “gestão de erros”, “consistência,

adaptabilidade e legibilidade”, “controlabilidade e individualização”, “adequação à

tarefa” e “adequação aos objetivos”.

Ao final do acompanhamento da disciplina, no último encontro fora aplicado o

QUT e uma entrevista coletiva semi-estruturara. Neste artigo, consideraremos apenas os

resultados obtidos por meio dos QFD e QUD.

Do total de 15 participantes, oito afirmaram já ter utilizado o fórum da

plataforma Moodle. Analiticamente isto significa que o nosso conjunto de sujeitos é

composto em sua maioria por pessoas que já conhecem o recurso foco da avaliação.

Ainda assim, todos tiveram contato com esse recurso durante o curso, uma vez que a

docente responsável utilizou-se dele para provocar interações online e presenciais entre

os participantes.

Em sua maioria, os sujeitos responderam que é fácil aprender a manipular a

interface do recurso Fórum, uma vez que em quase todos os quesitos a média ficou

acima de 3.5 na escala de Likert (1-5) e, além disso, nenhum sujeito individualmente

registrou resposta com grau inferior a este valor. A categoria “gestão de erros” também

recebeu a mesma média, todavia, a quantidade de manipulações deste recurso pelos

sujeitos não foi capaz de gerar erros capazes de desestabilizar o software.

Diferentemente das duas primeiras, a categoria “consistência, adaptabilidade e

legibilidade” apresentou pequenas distorções. Questionados sobre a flexibilização,

legibilidade e compreensão dos mecanismos de interação, bem como a compatibilidade

entre significado e funcionalidade destes mecanismos, os sujeitos responderam

favoravelmente, todavia, com grau de aceitação menor que as duas primeiras categorias.

Na questão relativa à facilidade de compreensão dos termos utilizados, houve uma

diferença relativamente grande entre as resposta de alguns sujeitos, enquanto alguns

apontavam um baixo grau (1 ou 2), outros indicavam um grau de pertinência maior (3

ou 4).

As duas últimas categorias analisadas foram “adequação à tarefa” e “adequação

aos objetivos”, contendo questões que procuravam apreciar a percepção dos sujeitos

quanto à adequação da interface do fórum aos objetivos pedagógicos que eles possuíam

ao utilizar esta ferramenta. As respostas a estas categorias indicaram que de acordo com

a percepção desses sujeitos, a adequação da usabilidade do fórum aos seus objetivos de

aprendizagem, de modo que todas as questões apresentaram grau maior que quatro na

escala de Likert (1-5).

Costumeiramente no campo da Ciência da Computação, o sujeito que procura

interatividade por meio dos sistemas computacionais interativos é chamado de usuário.

Esse usuário, por sua vez, possui objetivos de “interação” que tecnicamente se encerram

no manuseio dos signos de interface. Todavia os sujeitos podem ser percebidos como

alguém que tem objetivos que vão além da interatividade, são sujeitos que carregam

consigo objetivos contextualizados que no âmbito desta pesquisa foram objetivos

pedagógicos.

Nesse sentido, a adequação à tarefa refere-se à conformidade do recurso

tecnológico aos passos de manipulação da interface dada. Por exemplo, segue abaixo

um dos posts do estudante JRRii a um dos fóruns implementados pela proposta

pedagógica da disciplina:

NSPiii

e colegas

Fazendo a leitura do texto “Aprender e ensinar: Significados e Mediações” de

Óscar Conceição de Souza, doutor em psicologia pela universidade de Madrid,

pude refletir frente a sua questão colocada e gostaria de fazer algumas

considerações.

Souza cita que o “aprender” constitui uma atividade muito próxima da

experiência de qualquer ser humano, e que os profissionais envolvidos no

ensino necessitam saber como exercer este munus, portanto ensinar

intencionalmente necessita da motivação dos intervenientes, dos conteúdos

propostos, dos códigos e das concepções utilizadas. As pesquisas de Mitra

refletem o que Souza aborda e segundo outro autor, Bruner toda criança

denota uma forte motivação em aprender e interagir, mas que o domínio exige

iniciação e instrução e é nesse momento em que o papel da escola e do

professor é fundamental. Souza ainda cita David Ausubel, onde o conceito da

aprendizagem significativa é abordada voltando a questão da “motivação”

como ponto desencadeador para o aprender, ativar o desejo de experimentar ,

manter a atividade de exploração e direcionar essa exploração exige

orientação que cabe ao professor, que ao meu ver possui uma participação

inquestionável.

O objetivo de JRR foi contra-argumentar sobre uma colocação de sua colega,

sendo, portanto, um objetivo pedagógico. Para atingir este objetivo, JRR traçou, mesmo

que inconscientemente, tarefas de natureza tecnológica (interativas) a serem realizadas:

procurar o post da colega cujo argumento gostaria de objetar, clicar no “botão”

responder, digitar seu texto contra-argumentativo, revisar o texto colocando algumas

marcas de formatação disponíveis, clicar no botão “enviar mensagem ao fórum”.

Os critérios de adequação à tarefa neste caso verificariam apenas se JRR

conseguiu realizar todas as tarefas de natureza tecnológica acima descritas, sem, no

entanto, considerar se os objetivos pedagógicos foram ou não atingidos. Evidentemente,

para que os objetivos pedagógicos sejam atingidos usando o meio tecnológico, seria

necessário que tal meio seja adequado às tarefas. Todavia, o sujeito pode atingir seus

objetivos sem, necessariamente, fazer uso dos recursos tecnológicos previamente

programados. Por exemplo, JRR poderia contra-argumentar sua colega pessoalmente ou

utilizando-se de uma carta ou de um telefonema.

Questões de respostas abertas sobre a usabilidade técnica do Fórum finalizaram

o QUT. Nestas os sujeitos puderam expressar suas considerações sobre a usabilidade

técnica do fórum de forma textual livre:

• Sujeito 11: “– Creio que a usabilidade técnica do fórum é adequada.”

1 Em virtude de a metodologia de coleta utilizada optou-se por não identificar os sujeitos respondentes nas

questões abertas. A transcrição de suas falas tem o mero objetivo de revelar respostas e opiniões dadas

por diferentes sujeitos.

• Sujeito 2: “– Do ponto de vista técnico creio que o fórum cumpre a sua

função como ferramenta de um ambiente virtual de aprendizagem.”

• Sujeito 3: “– Ferramenta de fácil manipulação.”

Alguns dos respondentes indicaram problemas de usabilidade tais como:

• Sujeito 4: “– Acho a forma como o fórum é indentado um pouco confusa.

Já participei de outros fóruns e não havia essa indentação, não tão acentuada [...].”

• Sujeito 5: “– Eu não consegui arrumar o excesso de espaço que deixei no

texto postado [...].”

Contudo, também apareceram comentários comentando dificuldades de cunho

técnico:

• Sujeito A: “– Sem dúvida a principal dificuldade é de usabilidade

técnica, tanto na estrutura quanto na organização. Evidentemente que o aperfeiçoamento

pode ajudar, mas creio que a disponibilidade e a „abertura‟ às novas possibilidades já

resolvem muitos problemas [...].”

• Sujeito B: “– [Uma dificuldade é] o professor passar a primeira barreira

que é o domínio técnico da ferramenta para que possa em seguida pensar nas

possibilidades pedagógicas. Muitos professores não se sentem confortáveis com

ambientes virtuais por não dominá-lo tecnicamente e desistem de seguir em frente.”

As análises dos dados coletados no recurso computacional interativo (fórum)

integraram movimento dialético entre aspectos relacionados à proposta didático-

pedagógica com critérios de usabilidade técnica.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Até o momento foi possível levantar alguns aspectos sobre a relevância da usabilidade

técnica no alcance dos objetivos pedagógicos, implementados a partir da proposta

pedagógica metadisciplinar com apoio de um recurso computacional interativo.

A capacidade de avaliação da usabilidade percebida pelos estudantes trouxe

indicadores para os caminhos interpretativos para além da simples verificação da

capacidade interacionista da plataforma tecnológica.

A partir dos dados apresentados, foi possível concluir que a usabilidade técnica é

importante para a manipulação dos signos de interação, logo, para o pleno uso do

software. Todavia, parece não ser suficiente para a obtenção dos resultados pedagógicos

de um curso, sendo necessário haver uma proposta pedagógica adequada e

contextualizada, que se coaduna com qualidade intrínseca de uso pedagógico, possível

de ser analisado sob a perspectiva da usabilidade pedagógica.

Conforme relatos dos próprios sujeitos da pesquisa, o recurso foi plenamente

utilizado e seus objetivos pedagógicos atingidos. De acordo com os dados apresentados

por meio dos questionários, isto evidencia que houve uma usabilidade técnica percebida

suficiente para os objetivos traçados. Tal fato não significa necessariamente que o

recurso intrinsecamente possui boa usabilidade técnica segundo os padrões tradicionais,

mas que na visão dos seus usuários o recurso está suficientemente adequado para

alcance dos seus objetivos, bem como das expectativas de aprendizagem e

intencionalidade educativa dos recursos tecnológicos do curso.

Conclusões mais efetivas poderão ser tomadas por meio do relacionamento entre

os resultados dos questionários apresentados com os relatos coletados nos períodos de

observação, bem como nos registros de interação devidamente armazenados no AVA e

no grupo focal, próximos passos desta pesquisa, analisando dialeticamente a interação

como uma categoria da IHC e da Educação.

i Consideramos Tecnologias Computacionais Interativas um conjunto de soluções tecnológicas de base

computacional que levam o usuário a “interagir” com periféricos de computador de alguma forma,

recebendo informações personalizadas e/ou adaptadas ao seu contexto de uso.

ii Omissão para preservação de identidade.

iii Idem.

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AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o apoio da Fundação Ford por meio do seu Programa

Internacional de Bolsas de Pós-Graduação (IFP).