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YURI CAMELO RIBEIRO UMA ANÁLISE ESTRUTURAL DA CESSÃO DE CRÉDITOS Fortaleza 2015

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YURI CAMELO RIBEIRO

UMA ANÁLISE ESTRUTURAL DA CESSÃO DE CRÉDITOS

Fortaleza

2015

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YURI CAMELO RIBEIRO

UMA ANÁLISE ESTRUTURAL DA CESSÃO DE CRÉDITOS Monografia apresentada ao curso de Direito da Faculdade 7 de Setembro, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Professor orientador: Dr. Bruno Leonardo Câmara Carrá.

Fortaleza

2015

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A Deus e aos meus pais, Marco e Antônia, por tudo nesta vida.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Marco Aurélio Schramm Ribeiro e Antônia Camelo Maciel,

meus maiores exemplos, em todos os aspectos.

À Kamilla Alcântara, por toda a compreensão e apoio, que provavelmente

fluem de uma fonte inesgotável.

Ao meu primo, Iago Ribeiro, a quem devo minha primeira amizade.

Aos amigos Sidney Melo e Michael Junior, pela demonstração diária do

que significa possuir amigos.

Ao amigo que comigo divide as alegrias e aflições da academia, Rafael

Vieira.

Ao professor Bruno Carrá, agradeço por tudo que me ensinou, guardo

tudo, não só em termos acadêmicos, mas para a vida, inclusive as discussões mais

intensas. Obrigado pela confiança que deposita em mim.

À professora Maria Vital, pela maestria com que exerce a coordenação do

curso de Direito e pelos conselhos sempre prudentes.

Ao professor Nelson Campos, a quem devo minha primeira monitoria, e

que mesmo em um curto espaço de tempo, marcou muito minha trajetória.

Ao professor Marcelo Siqueira, por ter aberto meus olhos ao estudo do

Direito das Obrigações.

Ao professor Daniel Miranda, por ter me apresentado a obra de Pontes de

Miranda.

Ao professor Fillipe Augusto dos Santos Nascimento, por ter sido o melhor

chefe que já tive.

Ao professor Paulo Carvalho, por me ensinar a pensar fora da caixa.

Aos professores Marcel Edvar Simões e Rodrigo Xavier Leonardo, cujas

palavras serviram e continuam a servir de grande inspiração.

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Dubium sapientiae initium. (René Descartes)

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RESUMO

O presente trabalho possui como objetivo realizar uma análise dogmático-estrutural da cessão de crédito. Para tanto, em um primeiro momento, faz-se um estudo histórico sobre a causa no Direito Privado, buscando-se esclarecer o conceito da expressão e a sua relevância para o tráfico jurídico-negocial. Em seguida, realiza-se uma análise comparada dos diferentes sistemas de transmissão da titularidade, com ênfase no sistema franco-italiano, no sistema alemão e no brasileiro. Com o conceito de causa estabelecido, torna-se possível compreender a abstratividade ou a causalidade ínsita a tais sistemas. Sobreleva, em tal momento, para o sistema brasileiro, a teoria da separação relativa entre os planos obrigacional e real, desenvolvida por Clóvis Veríssimo do Couto e Silva, que, entretanto, não se encontra imune a críticas. Posteriormente, faz-se um estudo sobre a teoria geral da relação jurídica, com foco nos trabalhos desenvolvidos por Marcos Bernardes de Mello, José de Oliveira Ascensão, Giuseppe Lumia, Alcides Tomasetti Jr. e Rafael Vanzella. O desenvolvimento dos três últimos autores é fundamental para o momento seguinte do trabalho, no qual se passa a uma investigação dos aspectos dos contratos de disposição. Suas características são investigadas e elencadas para que, então, seja possível delinear seu conceito e sua natureza jurídica. Por fim, torna-se possível a análise estrutural, sob um enfoque dogmático, da cessão de créditos, ressaltando-se sua importância na circulação e produção de riquezas, além da necessidade de ser tida como um processo complexo. Palavras-chave: Cessão de créditos. Contrato de disposição. Relação jurídica.

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ABSTRACT

The objective of this word is to conduct a dogmatic structural credit assignment analysis. To do so, at first, it is done a historical study on the meanings of the term cause in private law, seeking to enlighten the concept of that expression and its relevance to the legal negotiating traffic. After that, a comparative analisys of different property transmission systems is made, with emphasis on the French, Italian, German and Brazilian systems. Then, it becomes possible to understand the abstractness or causality inherent to such systems. Outweights, in this moment, in the Brazilian system, the theory of relative separation between the obligational and real plans, developed by Clovis Veríssimo do Couto e Silva, which, however, is not immune to criticism. Subsequently, a study on the general theory of legal relation is done, focusing on work developed by Marcos Bernardes de Mello, José de Oliveira Ascensão, Giuseppe Lumia, Alcides Tomasetti Jr. and Rafael Vanzella. The conceptions of the last three authors are essential for understanding the next item of the work, in which the aspects of the executor contracts are made. Its characteristics are investigated and listed, so it is possible to outline its concept and legal nature. Finally, it becomes possible the structural analysis, under a dogmatic approach, to the credit assignment, highlighthing its importance in the circulation and production of wealth, focusing on the need to that institute be seen as a complex process. Keywords: Executory contracts. Cession of credits. Juridic relation.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................ 11

1 O PROBLEMA DA CAUSA NO DIREITO PRIVADO............................ 13

1.1 Do Direito Romano aos pós-glosadores................................................ 13

1.2 No Direito moderno............................................................................... 18

1.2.1 Doutrina francesa ou subjetivista.......................................................... 19

1.2.2 Doutrina italiana ou objetivista.............................................................. 20

1.3 A concepção contemporânea a partir da crítica da noção de causa

da obrigação........................................................................................

22

2 SISTEMAS DE TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO JURÍDICA................... 25

2.1 A unicidade franco-italiana................................................................... 25

2.2 A abstração alemã................................................................................ 28

2.3 O sistema do Direito Patrimonial Privado brasileiro.............................. 32

2.3.1 A concepção de Clóvis Veríssimo do Couto e Silva............................. 32

2.3.2 A concepção de Pontes de Miranda.................................................... 37

3 TEORIA GERAL DA RELAÇÃO JURÍDICA......................................... 39

3.1 Da esfera jurídica................................................................................. 39

3.2 Da relação jurídica................................................................................ 41

3.2.1 Conforme concepção de Marcos Bernardes de Mello........................... 41

3.2.1.1 Situação jurídica básica........................................................................ 41

3.2.1.2 Situações jurídicas simples ou unissubjetivas...................................... 42

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3.2.1.3 Situações jurídicas complexas ou intersubjetivas unilaterais................ 43

3.2.1.4 Relação jurídica..................................................................................... 44

3.2.2 Conforme concepção de José de Oliveira Ascensão........................... 47

3.2.3 Interlúdio............................................................................................... 49

3.2.4 Conforme concepção de Giuseppe Lumia (com contribuições de

Alcides Tomasetti Jr. e Rafael Vanzella).............................................

50

4 ASPECTOS GERAIS DO CONTRATO DE DISPOSIÇÃO.................. 55

4.1 Contratos obrigacionais e contratos de disposição.............................. 55

4.2 Características, conceito e natureza jurídica dos contratos de

disposição............................................................................................

56

4.2.1 Características..................................................................................... 56

4.2.1.1 Categoria jurídica que articula os problemas regulados pelo regime

de numerus clausus.............................................................................

56

4.2.1.1.1 Conceito de direito real e direito de crédito.......................................... 57

4.2.1.1.2 Fundamento do numerus clausus dos direitos reais e dos contratos

de disposição........................................................................................

62

4.2.1.1.3 O princípio da separação do direito das obrigações do direito das

coisas...................................................................................................

67

4.2.1.1.4 Considerações..................................................................................... 69

4.2.1.2 Regulador do poder de dispor.............................................................. 70

4.2.2 Conceito e natureza jurídica................................................................. 73

5 DA CESSÃO DE CRÉDITOS................................................................ 75

5.1 Estrutura, existência e natureza jurídica............................................... 77

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5.2 Requisitos de validade......................................................................... 81

5.2.1 Objeto................................................................................................... 82

5.2.2 Capacidade (e legitimidade) das partes................................................. 83

5.2.3 Forma................................................................................................... 84

5.3 Fatores de eficácia................................................................................ 85

5.4 Figuras especiais ligadas à cessão de créditos..................................... 88

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 91

REFERÊNCIAS....................................................................................................... 93

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INTRODUÇÃO

A circulação de riquezas sempre foi tema apto a ensejar a ação

regulatória do Direito. Desde os romanos até os dias atuais. Entrementes, sabe-se

que os usos e costumes de cada época e local originam normas diferentes.

Em certos momentos, a propriedade imobiliária é o bem mais importante

de determinada sociedade, enquanto em outros, assumem relevância os direitos

creditícios. Ambos são objetos do Direito Patrimonial Privado; isso significa que

antes das diferenças que os peculiarizam, deve ser entendido que existe uma

disciplina comum a regrá-los.

A circulação de riquezas pode ser entendida como um efeito da

transmissão de titularidades e cabe ao Direito Patrimonial Privado tratar sobre o

tráfico jurídico-negocial. Relevante, por conseguinte, descobrir-se que, em dias

atuais, a transmissão de titularidades é fenômeno apto não só a fazer circular bens,

mas também a produzí-los.

O presente trabalho visa, assim, oferecer uma visão complementar sobre

o fenômeno da circulação de riquezas mediante a transmissão de titularidades sob

um enfoque analítico-dogmático. O objetivo específico, aqui, é demonstrar que uma

análise jurídica correta e técnica sobre a questão é imprenscindível para se entender

como circulam os bens patrimonais atualmente.

Apesar da forte carga de lógica jurídica e dogmática proposta, não se

esquece aqui do efeito prático. Busca-se, pois, atestar a imprescindibilidade de tal

análise dogmática, utilizando-se das figuras da relação jurídica e dos contratos de

disposição para que se possa demonstrar como afetam um instituto específico e

que, por excelência, serve à circulação de riquezas, qual seja, a cessão de créditos.

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1 O PROBLEMA DA CAUSA NO DIREITO PRIVADO

O termo “causa” no Direito Privado não é unívoco. Longe disto, pois a

causa pode ser tida como um dos temas a suscitar mais divergência nesse ramo do

Direito, sobretudo em sua vertente patrimonial. Causa do negócio jurídico, causa da

obrigação e causa do contrato são exemplos de maneiras como a expressão pode

ser encontrada. Todavia nem sempre os autores especificam em que sentido a

utilizam.

O presente capítulo, visa, portanto, esclarecer, ainda que de maneira

sucinta, certas questões atinentes ao problema a partir de uma perspectiva histórico-

comparada. Ainda que despiciendo seja, cumpre consignar que o tema é essencial

para a compreensão do restante do trabalho.

1.1 DO DIREITO ROMANO AOS PÓS-GLOSADORES

A divisão dos direitos patrimoniais1 em direitos de crédito e direitos reais

assume extrema importância para a Ciência Jurídica. Os romanos sistematizaram e

diferenciaram esses direitos com muita clareza e exatidão, pois não apenas

estabeleceram as diferenças entre as suas características, mas também definiram

os modos de sua constituição e as ações tendentes a protegê-los (PETIT, 1994).

Dessa forma, segundo o Direito Romano, na situação em que entre duas

pessoas determinadas, um sujeito, possuindo o direito de exigir do outro que preste

algo em seu favor, dirige sua vontade àquele que não o tem, configura-se a

manifestação do que os romanos chamaram de obligationes. Todavia, quando a

vontade é apontada a uma coisa, com a finalidade de impedir que qualquer outra

pessoa intervenha com sua própria vontade no referido objeto, evidencia-se um

direito real (MAYNZ, 1891).

A propriedade sempre foi considerada o direito real por excelência,

existindo de forma plena quando não há qualquer outro direito real limitando-a,

1 Os romanos também tratavam sobre direitos de personalidade, que, no entanto, não se

configuram como merecedores de uma análise mais detalhada no presente estudo. Sobre tais direitos, Maynz (1891 p. 382) leciona que “Les droits peuvente se rapporter ou à l’homme même auquel ils appartiennent, à sa personnalité, ou bien à un objet quelconque vers lequel sa volonté se dirige. On peut donner à la première catégorie le nom de droits personnels, et à la seconde, le nom de droits patrimoniaux.”.

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sendo sua característica principal o poder de excluir de qualquer ingerência alheia a

vontade do titular (CHAMOUN, 1957).

Os romanos classificavam as coisas em mancipi, aquelas consideradas

possuidoras de maior importância e valor econômico para a sociedade agrícola da

Roma antiga, como as servidões de passagem e aqueduto e as ferramentas de

cultivo e de transporte, e nec mancipi, em que se subsumiam todas as outras coisas

que não as primeiras, como o dinheiro e os móveis2.

Os bens mancipi, por sua maior importância econômica, necessitavam,

para que se efetuasse sua transferência, além do consentimento das partes em

alienar, de um negócio formal específico denominado de mancipatio3. Para que esta

produzisse seus efeitos não havia a necessidade de ser válida a relação jurídica que

lhe dera causa, como a compra e venda ou a doação, pois a propriedade adquiria-se

independentemente daquela. Portanto, a mancipatio podia ser considerada, como se

denomina atualmente, um negócio jurídico abstrato (KASER, 1999).

As coisas nec mancipi eram transmitidas de maneira não formal, através

da traditio4, que se constituía na simples entrega da coisa, pelo dono, ao adquirente,

em que aquele possuía a vontade de transferir e este a intenção de adquirir, em

2 Importa frisar que essa classificação foi perdendo, paulatinamente, sua importância, desde

que a “economia romana, despindo suas roupagens agrárias, perdeu os seus alicerces na família para girar em torno do indivíduo, desde que começou a estiolar-se a diferença entre solo itálico e solo provincial, foi desaparecendo a razão de ser da distinção entre res mancipi e res nec mancipi, até que Justiniano a aboliu completamente” (CHAMOUN, 1957, p.219). Ademais, “já no decurso do período clássico e principalmente depois do entrosamento do ius honorarium no ius civile, que reconhecia a validade da transferência de uma res mancipi sem a forma solene, a distinção perdera a importância prática. A ela se lhe ia substituindo a classificação de res mobiles e res immobiles, que os romanos haviam conhecido sòmente em determinadas relações” (CORREIA; SCIASIA, 1949 p. 41).

3 O ritual arcaico da mancipatio exigia “a presença de cinco testemunhas pelo menos, que

têm de ser cidadãos romanos, maiores e convocados para o acto; além disso, intervém um ‘portador da balança’ (libripens). Na presença do alienante e das pessoas já mencionadas, o adquirente agarra com a mão a pessoa ou coisa a adquirir […] e pronuncia a fórmula: hunc ego hominem […] ex iure Quiritum meum esse aio isque mihi emptus esto hoc aere aeneaque libra. O adquirente declara que, segundo o ius civile […], o objecto lhe pertence e que deve ser considerado como comprado por ele com este cobre e com esta balança de cobre. Ao mesmo tempo que pronuncia a fórmula, o adquirente bate na balança com uma pequena moeda de cobre (nummus unus) ou com um pedaço de cobre não amoedado (raudusculum), que entrega ao alienante pretii loco” (KASER, 1999, p. 64).

4 Antes da unificação dos bens realizada por Justiniano, servia para “transferir a propriedade

quiritária das res nec mancipi, a propriedade pretoriana das res mancipi, a propriedade peregrina entre os peregrinos e a propriedade provincial dos imóveis provinciais (CHAMOUN, 1957, p. 255). Cumpre frisar que era um modo de aquisição da propriedade decorrente do jus gentium.

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decorrência de uma causa legitima a transferir o domínio. Aplicava-se,

indistintamente, a bens móveis e imóveis.

A traditio era composta por três elementos5, a vontade de alienar e

adquirir, ou elemento subjetivo; a cessão da posse, ou elemento objetivo; e uma

causa jurídica, ou justa causa.

Como ensina Petit (1994), a intenção de alienar e adquirir é um elemento

essencial, sem o qual a tradição não é hábil a transferir a propriedade. Consiste,

simplesmente, como já exposto acima, na vontade do tradens de alienar a

propriedade e na vontade do accipiens de adquiri-la.

A transferência era denominada de real (traditio corporalis) quando ocorria

a entrega do próprio objeto. Porém, se o que se entregava tratava-se de um símbolo

da res, a tradição era chamada de fictícia (traditio ficta). Essa poderia ser longa

manu, quando necessária a simples indicação da coisa, independentemente de um

ato material, e brevi manu, nas situações em que o accipiens já possuía a coisa

(TABOSA, 2003).

Segundo Justo (2006), a iusta causa traditionis pode ser conceituada

como a relação jurídica entre o tradens e o accipiens que o ordenamento reconhece

idônea para justificar a transferência do dominium.

Cumpre frisar que na situação em que o negócio jurídico se cumpre com a

traditio, a justa causa traditionis configura-se como o próprio negócio jurídico, a

exemplo do que ocorre em um contrato de compra e venda. Todavia, quando a

traditio é realizada para cumprir uma obrigação cujo objeto é a transferência de

propriedade de uma coisa, como uma promessa de doação, a justa causa traditionis

apresenta-se como a solutio, ou seja, a prestação para o cumprimento dessa

obrigação (JUSTO, 2006).

Kaser (1999) leciona que durante o período clássico, a traditio6 é causal7,

pois pressupõe uma relação de atribuição válida, como a causa emptionis, donandi,

5 Seguindo a linha de pensamento de Petit (1994, p. 207) não se citou, como condições

necessárias à tradição, a qualidade de proprietário e a capacidade para alienar do tradens, pois “no tienen nada de particular, y se imponen para todos los modos de adquirir”.

6 “A teoria atual da causa, como fundamento ou base do ato jurídico, é o resultado da

generalização de regras isoladas do direito romano, atinentes à traditio.” (SILVA, 2006, p. 44).

7 “Por isso, se a traditio se realizasse julgando o tradens que cumpria uma obligatio que, na

verdade, não existia, a traditio - porque iusta causa é a solutio e não essa obrigação - seria válida e operaria a transferência da propriedade para o accipiens. Apenas o alienante

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dotis, solvendi, credendi. Contudo, durante o período justinianeu, não resta claro se

a aquisição da propriedade continua a depender de uma causa válida, parecendo ao

autor prevalecer a doutrina abstracta, de forma que a vontade de transferir a

propriedade era suficiente para tanto.8

Leciona Justo (2010) que, com o decorrer do tempo, a traditio foi se

inutilizando, de forma que começou daí a base inicial para o princípio da

consensualidade, segundo o qual a propriedade é transferível mediante simples

acordo contratual. Esse princípio informa vários sistemas modernos de transferência

da propriedade, como o Francês e o Italiano.

Dessa forma, percebe-se que os romanos desenvolveram o entendimento

de causa como fundamento da atribuição patrimonial, ao estabelecerem a justa

causa traditionis como requisito da traditio.

No que se refere à causa do negócio jurídico, os romanistas discordam,

inclusive, se aquela constitui um elemento essencial deste. Moreira Alves (2012)

considera que a causa não se configura como elemento essencial, posto que

representa apenas o próprio conteúdo do negócio. Contudo, sob outro ponto de

vista, Justo (2006) dispõe que a causa é elemento essencial e especial dos negócios

jurídicos causais, capaz de diferenciá-los dos negócios jurídicos abstratos, pois

enquanto naqueles a causa é condição de existência, nos últimos a forma a substitui

ou com ela se identifica.

Martínez e Ennes (2009) explicam que o elemento causa parte da

consideração de que um ordenamento jurídico atribui efeitos jurídicos às

manifestacões de vontade dos particulares, ordenando-as e esquematizando-as em

tipos determinados, pois reconhece que alguns fins são socialmente úteis e

merecedores de proteção. Essa concepção é de enorme influência para uma fase do

poderia demandar o adquirente com uma actio in personam (a condictio indebiti), por ter enriquecido o seu património [sic]. Exigia-se, no entanto, a scientia do accipiens, requisito que afastava a transferência da propriedade se o adquirente soubesse que a res não lhe era devida” (JUSTO, 2006, p. 104).

8 Moreira Alves (2012, p. 322) informa que sempre houve, entre os romanistas, um dissenso

quanto ao significado do conceito de iusta causa. Segundo a corrente mais tradicional, aquela seria justamente o negócio jurídico precedente à tradição. Entretanto, de acordo com outros doutrinadores, sobretudo os alemães, a iusta causa seria mera intenção sinalagmática de alienar e adquirir o bem. Não fazendo qualquer distinção entre os períodos clássico e pós-clássico, Petit (1994, p. 208) afirma que “la justa causa no es indispensable para que la tradición transfira la propiedad. Sólo es el hecho que revela la intención de las partes, y la prueba de haber tenido la voluntad de enajenar y de adquirir, que es lo único que separa la tradición traslativa de propriedade, de la nuda traditio”.

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Direito moderno, em que se considera a causa como a função econômico-social do

negócio jurídico.

Portanto, apesar de o Direito Romano não ter elaborado qualquer

sistematização ou conceituação explicíta sobre o que é a causa9, contribuiu para a

sua concepção como fim ou função do negócio jurídico mediante o desenvolvimento

da teoria das condictiones.10

Kaser (1999, p. 271-272) define a condictio como uma “actio in personam

de direito estrito sobre certam pecuniam dari ou aliam certam rem dari, cuja itentio é

redigida de forma abstracta”.11

Destarte, se alguém recebe uma coisa, sem causa idônea para tanto, e

torna-se proprietário, caberia a condictio, posto que se baseia na retenção

injustificada de valores patrimoniais alheios. Logo, “quem atribui algo a outrem,

costuma acordar com ele o fim para que faz a entrega, e este fim - desde que seja

reconhecido pelo direito - justifica que o adquirente possa ficar com o que recebeu”

(KASER, 1999, p. 273). Todavia, se esse fim não se alcançou, o beneficiário não

poderá ficar com o que obteve.12

Os clássicos passaram a reconhecer alguns fatos típicos da retenção sem

causa de coisa alheia que poderiam ser demandados com a condictio específica. A

denominada condictio causa data, causa non secuta ou condictio ob rem contribuiu

para a teoria moderna da causa, em que é considerada a função do negócio jurídico

(SILVA, 2006). Essa condictio referia-se à vinculação à prestação de um acordo,

9Segundo C. M. Bianca (1992, p. 420), “é apenna il caso de ricordare che la nozione della

causa quale elemento costitutivo del contratto é estranea all’esperienza romana”. 10“Ainsi, avec la théorie des condictiones la notion de but s’est introduite dans la technique

juridique romaine.” (CAPITANT, 1923, p. 87). 11[…] a condictio no direito romano clássico não se vinculava, de nenhum modo, ao

enriquecimento sem causa, mas referia-se à possibilidade de exigir-se certa res ou certa pecunia, e isso somente na datio (SILVA, 2006, p. 44). Não obstante, Kaser (1999, p. 271) afirma que “as pretensões modernas por enriquecimento sem causa inspiraram-se no modelo destas condictiones, mas distinguem-se delas por não reclamarem, como as actuais pretensões, apenas o valor ainda existente no património da pessoa enriquecida, mas o valor que na altura recebeu […]”.

12A causa cuja ausência justifica a condictio deve distinguir-se com rigor da causa traditionis

na transmissão. A condictio é aplicável quando a causa é suficiente para justificar a aquisição da propriedade, mas não a retenção da coisa (p. ex., quando uma coisa foi transmitida turpis causa). Prescidindo destes casos, a condictio é aplicável, sobretudo em casos de um ter sem causa jurídica, em que o adquirente se tornou dono em virtude de uma disposição ‘abstracta’ (p. ex., mancipatio, in iure cessio), ou por ter gasto o dinheiro recebido ou o ter misturado com o seu próprio, ou por usucapião da coisa (KASER, 1999, p. 273-274).

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feito pelas partes, de que quem recebesse a coisa fizesse ou omitisse algo no futuro.

De forma que, se a parte não procedesse com essa conduta, ocorreria a falha do fim

pactuado, e o signatário não teria causa para continuar com o que recebera. Assim,

nesses casos, a expressão ob rem tem a significação de fim. Todavia, as

expressões res e causa passaram a ser usadas de forma indistinta, o que levou à

vinculação de causa à ideia de finalidade.

Em seguida, os canonistas, afastando o formalismo romano, passaram a

considerar que a obrigação nascida de um simples acordo de vontades era um dever

de consciência, pois o devedor que não cumpria com seu compromisso era culpado.

Ripert e Boulanger (1963a, p. 183) lecionam que “era menester averiguar si esse

compromiso era fundado. La respuesta no podía ser dada sino recurriendo al

análisis de la voluntad”. Portanto, fazia-se necessário verificar se as razões para

obrigar-se eram suficientes para que o devedor tivesse em sua consciência a

necessidade de respeitar o acordo firmado. Percebe-se, dessa forma, que a causa,

nesse momento, era analisada sob uma perspectiva subjetiva, o que foi muito

importante para os contratos sinalagmáticos, pois estabeleceu-se a noção de que,

nos contratos assim classificados, a razão da vontade para obrigar-se reside no fato

de a outra parte também se encontrar obrigada a prover uma prestação correlativa

(RIPERT; BOULANGER, 1963a).

Todavia, os pós-glossadores, sob maior influência do Direito Romano, não

compartilhavam o pensamento aqui exposto, pois para eles somente o acordo de

vontades não fundamentava a obrigação, mas sim, a causa. Consideravam que a

causa era “la finalidade que en el espíritu de quien se obliga, el contrato debía

permitir alcanzar” (RIPERT; BOULANGER, 1963a, p. 184). Por tal motivo, era

denominada de causa finalis. Portanto, é possível perceber a tentativa de um retorno

dialético à noção de causa finalidade.

1.2 NO DIREITO MODERNO

O Direito moderno reestruturou a teoria da causa, como leciona Clóvis

Veríssimo do Couto e Silva (2006, p. 48): o “direito moderno reelaborou a teoria da

causa, com os dados do direito romano e medieval. Daí surgiram duas linhas de

pensamento ou duas correntes (objetiva e subjetiva)”.

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19

1.2.1 Doutrina francesa ou subjetivista

A doutrina francesa passou a estruturar a teoria da causa sob a corrente

subjetiva, sobretudo por intermédio de Domat. Isso se deu por conta de o Código de

Napoleão trazer a causa como requisito do contrato, em seus artigos 1.131, 1.132 e

1.133, mas não proceder a sua conceituação.

Surgiram, àquela época, duas teorias distintas. Uma referindo-se à causa

do Código Civil ou causa intrínseca, que é abstrata e faz parte do contrato, e a outra

discorrendo sobre a causa impulsiva e determinante, móvel individual, que

permanece extrínseco ao contrato (JOSSERAND, 1950).

A causa como móvel intrínseco e abstrato, decorrente da teoria

desenvolvida por Planiol e sistematizada por Domat, relaciona-se ao surgimento da

obrigação e busca responder por que foi formado tal vínculo jurídico. Contudo, como

observa Josserand (1950), um sujeito pode possuir vários móveis, devendo,

portanto, considerar-se como móvel imediato aquele que é decisivo e constitui a

causa de sua obrigação, sendo sempre o mesmo para cada tipo de contrato13.

Enxerga-se a causa como fundamento da obrigação, não do contrato, pois se

encontra em relação direta e imediata com aquela, sendo sua causa próxima.

Ademais, configura-se como um elemento constitutivo do contrato, sendo, por tal

motivo, intrínseca e específica. Disso decorre que, de acordo com o art. 1.131 do

Código de Napoleão, caso a obrigação decorrente de um contrato esteja desprovida

de causa, o contrato será inexistente e não produzirá qualquer efeito.

A teoria da causa como móvel individual trata sobre os motivos. Dessa

forma, defende que os móveis concretos não se configuram como elemento

constitutivo do contrato, posto que lhe são extrínsecos, além de não serem

específicos, mas sim, individuais, resultantes da vontade, podendo, por tal motivo,

existirem vários ao mesmo momento. Caberia ao juiz averiguar o móvel fim.

13A teoria de Domat é composta por três ideias essenciais: “1 En los contratos

sinalagmáticos, la obligación de cada una de las dos partes tiene por causa el compromisso contraído por la otra. Las dos obligaciones se sostienen mutuamente y sirven, como dice Domat, de ‘fundamento’ la una de la otra; 2 En los contratos reales, como en el préstamo, donde no hay más que una obligación, esa obligación nace con la entrega de la cosa. Es la prestación hecha lo que ‘forma’ la obligación y constituye su ‘fundamento’ o su ‘causa’; 3 En los contratos gratuitos, en los que no hay reciprocidade de obligaciones ni prestación anterior, la ‘causa’ de la obligación del donante no puede ser buscada más que en los motivos de la intención liberal, es decir en la razón dominante que ha llevado al autor de la donación a consentirla.” (RIPERT; BOULANGER, 1963, p. 185).

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Classicamente esses móveis são desprovidos de conteúdo jurídico, contudo a

jurisprudência francesa à época desenvolveu a infame teoria da causa impulsiva e

determinante, onde “los móviles individuales, exteriores al acto, han de tomarse en

consideración y deciden de la validez o de la nulidad de dicho acto, por lo han

determinado, porque han dado a la voluntad de su autor el impulso de donde ha

surgido” (JOSSERAND, 1950 p. 109). Assim, caso o juiz verificasse que esses

móveis eram ilícitos, o contrato seria declarado nulo, apesar de não haver qualquer

vício na causa intrínseca.

Portanto, verifica-se que a doutrina francesa passou a considerar os

motivos do contrato, quando determinantes a sua existência, como passíveis de

exercer influência no mundo jurídico.

1.2.2 Doutrina italiana ou objetivista

A doutrina italiana enxerga a teoria da causa de outra forma. Sob uma

perspectiva mais próxima do direito romano, trata-na de forma mais objetiva.

Inicialmente, faz-se necessário dissertar sobre a causa do negócio jurídico.

Messineo (1971) entende que o ordenamento jurídico outorga, a cada negócio, uma

função econômica e social típica, consistente em meio hábil de modificação de

determinada situação, de forma a possibilitar a obtenção de resultados jurídicos

lícitos em relação às necessidades decorrentes do convívio social. Portanto, nessa

função se encontra a causa, em sentido objetivo, do negócio, servindo como forma

de individualizar determinado negócio frente a outros.

Contudo esse conceito não se revela suficiente, pois em vez de identificar

a causa como elemento do negócio, acaba tratando de todo o negócio jurídico, ou

seja, de seu conteúdo por inteiro e do principal efeito que dele decorre. Dessarte,

nessa situação, a causa é uma noção concreta e funcional do conteúdo de um

negócio, não podendo faltar, pois, caso contrário, não existe o próprio negócio.

Dessa conclusão decorre a possibilidade de o conceito de causa vir a ser aplicável a

qualquer classe de negócio jurídico, inclusive aos de família. Desse modo, percebe-

se que essa definição de causa não agrega um conceito juridicamente tipificado de

determinado negócio jurídico como tratado pelo Direito Positivo, pois não apresenta

nada que não esteja implícito no próprio conceito do negócio (MESSINEO, 1971).

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Também é possível tratar a causa do negócio como o “resultado jurídico

objetivo que - al sujeto - le es posible conseguir valiéndose del determinado negocio”

(MESSINEO, 1971, p. 370). Contudo, a única diferença desse conceito para o

anterior reside na perspectiva, pois naquele se vê o negócio como um todo,

enquanto neste se foca o resultado, inclusive diverso para cada parte, que podem

obter ao utilizar-se de determinado negócio.

Nos dois conceitos expostos evidencia-se a razão de o participante ter

emitido sua declaração de vontade. Ademais, não se poderia falar em causa ilícita,

pois a causa seria sempre estabelecida pela lei. Dessa forma, o conceito correto de

causa do negócio reside na identificação daquela com a finalidade deste, pois uma

das partes realiza o negócio para obter da outra determinado efeito que satisfaça

seu próprio interesse e, geralmente, vice-versa. Prevalece uma concepção

teleológica de causa do negócio como meio apto a realizar um fim (MESSINEO,

1971).

Assim, obter a finalidade desejada é a razão de ser do negócio jurídico,

ou seja, sua causa. Mas diferentemente da concepção francesa, essa razão de ser é

elemento objetivo, é típica e constante, não variando conforme o sujeito. Essa

característica é essencial para distinguir a causa do mero motivo, elemento

subjetivo.

Portanto, cada negócio possui função e finalidade típica, constituindo

cada finalidade um diferente negócio, agindo como diferenciadora de cada tipo

negocial. O Código Italiano de 1942 adotou esse conceito de causa do negócio

jurídico. Dessa forma, contribui a doutrina italiana para a refutação das críticas

proferidas por aqueles que a julgam inútil, por confundi-la com um conceito subjetivo.

O objetivo contratual pactuado pela vontade das partes só pode se dar

conforme os termos fixados pela causa, ou seja, em respeito ao ordenamento

jurídico, que passa a agir como forma de limitar a autonomia da vontade.

Em tal sentido, salutar é a lição de Cesare Massimo Bianca (1992, p.

420), pois o autor define que “s`intende, allora, l`autonoma considerazione che la

legge riserva alla causa. Il riferimento alla causa impone di intedere l`atto di

autonomia privata nella sua realtá de strumento di finaltá pratiche”.

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1.3 A CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA A PARTIR DA CRÍTICA DA NOÇÃO DE

CAUSA DA OBRIGAÇÃO

Questão diferente envolve causa da obrigação. Segundo Messineo (1952,

p. 116), a causa da obrigação “no es el fin económico-social perseguido con el

contrato (causa obligandi), sino la razón de ser o el fundamento jurídico del deber de

cumplimiento (causa debendi)”. Portanto, a causa da obrigação é averiguada em

momento posterior ao nascimento do negócio jurídico de atribuição patrimonial,

sendo, para o credor, o título justificativo que lastreia o seu direito à prestação,

enquanto para o devedor, constitui a própria razão de ser do cumprimento

(MESSINEO, 1952).

Todavia, já à data de 1948, Messineo (1952) advertiu que o próprio

legislador italiano, com o novo Diploma Civil, não parecia possuir o interesse de

deixar sobreviver a noção de causa da obrigação. Clóvis Veríssimo do Couto e Silva

(1997, p. 68), ao analisar o assunto, reitera essa concepção, justificando que “a

expressão ‘causa da obrigação’ gera uma concepção mecânica do contrato e vai

perdendo a sua razão de ser [...]”.

Pontes de Miranda (1954, p. 78), criticando a noção de causa como causa

da obrigação, explica que “a causa é a função, que o sistema jurídico reconhece a

determinado tipo de ato jurídico, função que o situa no mundo jurídico, traçando-lhe

e precisando-lhe a eficácia. A causa fixa, na vida jurídica, o ato”. Emenda, afirmando

que a causa refere-se à atribuição, pois para cada tipo de atribuição há uma causa e

seria “êrro só se pensar em tipos de contratos [...]. A causa só diz respeito à

atribuição, e a atribuição é a mesma, na compra-e-venda, na troca, na locação e na

transação”.

Em um contrato bilateral deve-se superar o entendimento de que as

obrigações devam ser consideradas como a causa de uma em relação às outras.

Clóvis Veríssimo do Couto e Silva (1997, p. 68) afirma que “o fim de uma das partes,

enquanto intenção, ordena-se em relação à outra para engendrar o meio ou o

negócio jurídico”.

Nesse sentido, há que se falar no sinalagma, decorrente do princípio da

sub-rogação, que pode ser genético, quando da formação do contrato, ou funcional,

quando de sua execução ou fase dinâmica.

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O art. 1.092 do Código Civil de 1916 tratou bem sobre o sinalagma

funcional ao estabelecer a exceção non adimpleti contractus ou non rite adimpleti

contratus, pois a “reciprocidade de prestações é da essencia dos contractos

bilateraes” (BEVILAQUA, 1958, p. 258). Ademais, esse conceito explica a

possibilidade de “extinção da dívida em virtude do exercício do direito de resolução”

(PONTES DE MIRANDA, 2012c, p. 414).

Clóvis Veríssimo do Couto e Silva (1997) explica que no art. 1.092 do

Código Civil de 1916 seria possível visualizar três regras distintas, o princípio da

copontualidade nos contratos bilaterais14, o princípio da pretensão à segurança da

primeira prestação, quando um dos contratantes a tem que executar primeiramente,

além da resolução por inadimplemento, em qualquer caso de sinalagmaticidade15.

Todavia, caso as obrigações sejam enxergadas somente como a causa

uma da outra, existirá uma concepção mecânica do sinalagma. Considera-se, pois,

que nos contratos bilaterais existe uma ordem interna, dinâmica e, por vezes,

variável, que dá azo à dependência das obrigações entre si, lastreada por um fim

pretendido pelos contratantes, em uma relação comutativa que assegura o

pactuado, deixando o contrato de ser encarado apenas sob uma perspectiva parcial,

para ser encarado como um todo (SILVA, 1997).

Portanto, as relações jurídicas obrigacionais devem ser enxergadas como

um processo dinâmico16. Ademais, a causa deve ser tida como a razão justificativa

do contrato, restando superada a noção atomística, privilegiando-se uma concepção

unitária, de maneira que a causa da atribuição patrimonial será a causa do contrato17

(BIANCA, 1992).

14“Corresponde ao tempo da execução das obrigações; elas são executadas

simultaneamente quando não se convenciona o contrário” (SILVA, 1997, p. 69). 15Os dois últimos “dizem respeito à segurança das partes contratantes, que se exprime

através da relação comutativa” (SILVA, 1997, p. 69). 16Na doutrina pátria, coube a Clóvis Veríssimo do Couto e Silva cunhar a noção de

obrigação como processo, particularizando a teoria geral da relação jurídica ao campo do direito das obrigações.

17Em contraposição, Tullio Ascarelli rompe com tal noção. Para o autor, causa do contrato e causa da atribuição são coexistentes e conexas, mas desvinculadas. Segundo ele, o “problema da causa do negócio deve […] ser mantido distinto daquele da causa das atribuições patrimoniais, apesar da conexão” (1999, p. 96). Dessarte, considera a causa como a finalidade prática do contrato, diferentemente da causa da atribuição, que seria uma razão objetiva lícita justificadora da aquisição de um direito subjetivo. Arremata, afirmando que “pode falar-se em abstração e causalidade até com referência a negócios jurídicos que não importam em atribuição patrimonial e a respeito dos quais não se poderia falar em abstração ou causalidade da atribuição patrimonial” (p. 100).

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2 SISTEMAS DE TRANSMISSÃO DA TITULARIDADE

Após a definição dos conceitos atinentes à causa no Direito Privado e a

realização de uma análise dos aspectos gerais do negócio jurídico de disposição,

torna-se possível compreender, com maior clareza, os diversos sistemas jurídicos de

transmissão das posições jurídicas patrimoniais em direito comparado.

2.1 A UNICIDADE FRANCO-ITALIANA

Conforme lição de Pontes de Miranda (2012b, p. 382), “no sistema jurídico

francês […], o acôrdo, sózinho, tem eficácia real: não se precisa da entrega, do

tradere”. O próprio negócio jurídico obrigacional, no caso, o contrato de compra e

venda, possui eficácia translativa. O autor complementa, afirmando que “no direito

francês […] confundiram-se o contrato de compra-e-venda e o acôrdo de

transmissão: subentende-se acordada a transmissão quando se perfaz o contrato de

compra-e-venda” (MIRANDA, 2012d, p. 140)

O conceito de acordo de transmissão é necessário ao entendimento do

sistema alemão e do sistema brasileiro de transmissão de propriedade e será

oportunamente delimitado quando de suas análises no presente trabalho. Por ora,

faz-se necessário apenas analisar a origem e as peculiaridades do sistema franco-

italiano de transmissão do domínio.

Como já explicitado, no Direito Romano, para que ocorresse a efetiva

transmissão da propriedade, fazia-se necessária a ocorrência da traditio ou da

mancipatio, a depender da natureza da coisa, pois o contrato possuía o condão de

apenas criar a obrigação. Todavia, Ripert e Boulanger (1963b, p. 195) já citavam

que por conta de circunstâncias práticas, os romanos buscaram agilizar o processo

de transferência de propriedade. Nesse momento, surgiram vários exemplos de

transmissão sem tradição real, como a traditio longa manu, traditio breve manu ou

por constituto posesorio.

Os autores afirmam que a antiga prática não inventou nada de novo,

servindo-se tão somente dos vários procedimentos de que o Direito Romano

dispunha para transmitir a propriedade sem a necessidade de um ato real (RIPERT;

BOULANGER, 1963b).

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Dessarte, o princípio romano passou a subsistir em estado meramente

teórico, pois a tradição, juridicamente, era considerada necessária para transmitir a

propriedade, mas faticamente não possuía mais lugar, de forma que foi

“reemplazada por clausulas del contrato que equivalían a la constitución posesoria

[…] más sencillamente por la cláusula llamada de ‘desaisine-saisine’” (RIPERT;

BOULANGER, 1963b, p. 196).

Assim, alguns dos principais pensadores sobre o assunto, como Grotius e

Puffendorf, concluíram que “si la tradición, acto material, era necesaria para

transmitir la posesión, que es un hecho, la propriedade, que es una cualidade

puramente moral, podía […] pasar de una persona a otra por [...] convenio”

(RIPERT; BOULANGER, 1963b, p. 197).

Logo, o antigo princípio romano quedou diante da prática francesa, que foi

positivada, como regra geral, no artigo 1.13818 do Código de Napoleão.

Tal Código, “seguindo de perto a influência dos autores jusnaturalistas,

teria adotado o consenso, nas figuras contratuais adequadas, como o meio por

excelência para a transmissão da propriedade [...]” (LEONARDO, 2014, p. 261).

Ripert e Boulanger (1963b, p. 210) entendem que essa positivação gerou

grande progresso técnico, porquanto consubstanciou a mais pura afirmação de um

princípio tão caro ao direito obrigacional, a autonomia da vontade, de maneira que

“la voluntad se ha desprendido de las formas que hasta entonces la oprímian”.

O enorme sucesso19 do Code Civil de 1804 gerou replicação do sistema

de transmissão da propriedade por mero consenso em vários países ocidentais.

Apesar disto, o Código Civil francês contribuiu menos para a romanística do que o

Código Civil alemão, pois baseou-se mais nos costumes da época, de maneira que

tentou estabelecer uma tradição própria e mais condizente com as características da

sociedade que tendia a regulamentar. Wieacker (1993) cita como exemplo da

influência do jursracionalismo justamente a transmissão dos bens móveis por meio

do simples consenso.

18Art. 1.138. L'obligation de livrer la chose est parfaite par le seul consentement des parties

contractantes. Elle rend le créancier propriétaire et met la chose à ses risques dès l'instant où elle a dû être livrée, encore que la tradition n'en ait point été faite, à moins que le débiteur ne soit en demeure de la livrer; auquel cas la chose reste aux risques de ce dernier.

19Franz Wieacker (1993) afirma que a história da sua promulgação, vinculada ao espírito da Revolução Francesa, e um sistema e uma estrutura conceitual precisa, rígida e clara foram, dentre outros, os motivos do sucesso do Código.

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Diante disso, torna-se possível compreender melhor o motivo de o Código

Civil italiano valer-se do consensualismo. Wieacker (1993) explica que o Codice

Civile de 1865 foi elaborado sobre a base do Código Civil francês, de maneira que

aquele também surgiu em um momento de revolução, pois à época ocorria, na Itália,

o movimento de unificação nacional. Apesar disso, a civilística italiana evoluiu em

sentido diferente ao aproximar-se de uma interpretação histórico-romanística, sob

influência da pandectística alemã. Com o Código Civil italiano de 1942, essa

orientação dogmática consolidou-se, sem, todavia, perder-se o vínculo com a

tradição legislativa da unificação nacional.

O autor arremata afirmando:

Então, a ligação do direito civil italiano com a família jurídica francesa é garantida pela comunidade latina e pela consciência política da Revolução Francesa, que se tornou também na primeira revolucão italiana; a sua ligação com a família alemã é mantida pela influência, sempre forte, da ciência pandectística do séc. XIX (WIEACKER, 1993, p. 395).

Dessarte, é possível perceber que o Direito italiano conservou certas

características da civilística racionalista francesa, como o efeito translativo do

consenso. Bem assim dispõe o artigo 1.376 do Codice Civile de 194220.

São pertinentes as considerações de Enzo Roppo (1988, p. 214) sobre o

assunto ao afirmar que o princípio positivado no artigo referido relaciona-se

justamente com “a tendência própria do jusnaturalismo e do iluminismo jurídico de

exaltar o papel da vontade como fonte e força criadora de qualquer efeito jurídico”.

Apesar de o Direito alemão, mediante a pandectística, também

supervalorizar a vontade, fato que se demonstra sobretudo com a criação e

sistematização do negócio jurídico, decidiu-se por não adotar o princípio da

consensualidade, de maneira que prevaleceu a tradição romana e do Direito

germânico comum da necessidade de um ato (ou atos) posterior(es) ao negócio

obrigacional para a efetiva transmissão da titularidade.

20Art. 1.376. Contrato con effeti reali. Nei contratti che hanno per oggetto il trsferimento della

proprietá di una cosa determinata, la costituzione o il trasferimento di un diritto reale ovvero il transferimento de un altro diritto, la proprietá o il diritto si trasmeottono e si acquistano per effetto del consenso delle parti legittimamente manifestato.

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2.2 A ABSTRAÇÃO ALEMÃ

O Direito alemão estabeleceu uma concepção mais enxuta de causa,

vinculando os conceitos da iusta causa traditionis e da condictio ob causam por meio

“da função objetiva do negócio jurídico, o que ensejou a ligação do ato jurídico

antecedente ao subseqüente” (SILVA, 2006, p. 48). Essa forma de teorização da

causa do negócio jurídico assume grande importância na distinção entre negócios

jurídicos causais e abstratos para aquele Direito, de forma que é muito maior a

incidência desses últimos no sistema alemão, diferentemente de no sistema franco-

italiano, por exemplo. Explica tal fato, sobretudo, a existência do princípio da

abstração entre o negócio obrigacional e o negócio de disposição.

A teoria alemã do negócio jurídico (Rechtsgesfäftslehre) difere da

brasileira, apesar de ser a grande fonte de sua inspiração. No momento, convém

analisar o sistema de classificação dos negócios como elaborado pelos tedescos. O

primeiro critério a ser abordado é extremamente importante, posto que se refere ao

próprio conteúdo da relação jurídica que advém do negócio, que pode ser

obrigacional, real ou de família (DÍAZ, 2015).

Ainda conforme o conteúdo da relação jurídica o negócio pode ser não

patrimonial ou patrimonial, não tendo como fim somente a produção do efeito jurídico

que imediatamente objetiva, diferentemente do que ocorre em uma relação jurídica

de direito de família, por exemplo, na qual “se adopta un niño solo para tenerle como

hijo, se casa uno para constituir la relación matrimonial” (ENNECCERUS; KIPP;

WOLFF, 1943a, p. 77).

Portanto os negócios jurídicos patrimoniais, além de buscarem produzir

seus efeitos imediatos, visam “dar vida mediatamente, al través de ellos, a otras

consecuencias jurídicas que, conforme al ordenamiento jurídico, pueden alcansarze

mediante aquéllos” (ENNECCERUS; KIPP; WOLFF, 1943a, p. 77).

Ademais, caso possuam uma atribuição, configurarão um negócio

atribucional (Zuwendungsgeschäft). Conforme o Direito tedesco, atribuição seria

qualquer enriquecimento do patrimônio de outra pessoa (DÍAZ, 2015).

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Nem toda atribuição necessitará de uma causa21, logo, em tal sentido,

essa pode ser considerada como a “intención dirigida a la consecuencia jurídica

mediata de un negocio de enriquecimento” (ENNECCERUS; KIPP; WOLFF, 1943a,

p. 77).

Em outros termos, pode-se dizer que é a vontade de um dos sujeitos

dirigida à consequência jurídica de enriquecer o patrimônio do outro22, que não se

baseia em meros motivos factuais, pois visa estabelecer efeito jurídico, constituindo

a vontade o próprio fundamento desse efeito (ENNECCERUS; KIPP; WOLFF,

1943a).

Todavia, para que esse efeito mediato se produza, faz-se necessário

celebrar um convenio de fin ou convenio causal, consistente em acordo de vontade

entre as partes concordando com a emanação da consequência jurídica buscada, ou

seja, sobre o fim do negócio atribucional (Zweck).

Logo, torna-se possível compreender que o negócio jurídico atribucional é

aquele em que “una de las partes del negocio atribuye algo a la otra; o también, que

ambas partes se realicen recíprocamente una atribución” (DÍAZ, 2015, p. 52).

A relação do chamado convênio causal com o negócio jurídico produtor

do enriquecimento será o fator determinante sobre a causalidade ou abstração do

negócio atribucional. Se o convênio integrar o próprio conteúdo do negócio, o que é

a regra, já que é realizado para obter-se o fim que o próprio possibilita, o negócio

jurídico atribucional será causal, de forma que, se o convênio causal portar algum

vício23, o negócio será nulo. Entretanto, quando o convenio de fin não fizer parte do

conteúdo do negócio será abstrato, e bastará a declaração de enriquecimento do

patrimônio de outrem sem a causa para que esteja completo o conteúdo negocial.

21“Usualmente se distinguen la causa donandi (el negocio debe producir un enriquecimiento

gratuito), la causa credendi (debe obligar a otro a una prestación), la causa solvendi (debe extinguir una deuda; pero son posibles también otras causas, por ejemplo, la causa novandi, la dotis constituendae, condicionis implendae” (ENNECCERUS; KIPP; WOLFF, 1943a, p. 78).

22“Por ejemplo, se transmite una cosa para cumplir una obligación o para procurar un enriquecimiento gratuito a quien la recibe; se promete una prestación (por ejemplo, de una cantidade) para obligar de este modo al otro a una contraprestación (por ejemplo, suministro de la mercancía)” (ENNECCERUS; KIPP; WOLFF, 1943a, p. 77).

23“Si el convenio causal es impossible, inmoral o ilícito o si las partes no se han puesto de acuerdo sobre la causa, el negocio causal es nulo, por ejemplo, la promesa de una cantidad por razones inmorales o la promesa de una cantidad que el promitente se propone dar en mutuo y la otra parte considera donacion” (ENNECCERUS; KIPP; WOLFF, 1943a, p. 78).

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Assim o negócio jurídico atribucional abstrato possui como característica a

separação do próprio convênio causal (ENNECCERUS; KIPP; WOLFF, 1943a, p.

78).

Dessarte, no sistema tedesco, via de regra os negócios abstratos são

dispositivos que geram enriquecimento a favor de outrem, como a transmissão de

propriedade e os contratos referentes ao estabelecimento, modificação ou extinção

de direitos reais, todavia, alguns negócios obrigacionais também podem ser

desvinculados de sua causa, como a promessa abstrata de dívida e alguns negócios

cambiais. Assim, como já afirmado, esses negócios serão válidos e operarão seus

efeitos patrimoniais ainda que a causa seja ilícita, por exemplo, restando, para

efeitos de reparação, a ação de enriquecimento sem causa.

A abstração do negócio jurídico de disposição resulta de previsões

expressas no Código Civil alemão (BGB), como as do § 92924, por exemplo, que não

erige a causa como requisito da tradição, mas tão somente o acordo e a entrega,

além da existência de regras sobre o enriquecimento sem causa, “cuya misión

capital es la de contrapesar mediante obligaciones una atribución patrimonial cuyo

efecto se ha consumado eficazmente” (ENNECCERUS; KIPP; WOLFF, 1943a, p.

80).

Todavia, cumpre deixar claro que os negócios jurídicos abstratos integram

uma classificação de negócios jurídicos distinta daquela da qual fazem parte os

negócios de disposição. A primeira classificação decorre da distinção entre negócios

jurídicos pessoais e patrimoniais. Estes podem subdividir-se em negócio que contém

uma atribuição patrimonial (Zuwendungsgeschäft) ou não. Possuindo atribuição

patrimonial, o negócio poderá, enfim, ser classificado como causal ou abstrato.

Como já frisado, a diferença entre ambos reside na existência ou não de uma causa

a justificar a atribuição patrimonial (DÍAZ, 2015).

24§ 929 Einigung und Übergabe. Zur Übertragung des Eigentums an einer beweglichen

Sache ist erforderlich, dass der Eigentümer die Sache dem Erwerber übergibt und beide darüber einig sind, dass das Eigentum übergehen soll. Ist der Erwerber im Besitz der Sache, so genügt die Einigung über den Übergang des Eigentums. [§ 929 Para la transmisión de la propriedade de una cosa mueble se requiere que el propietario la entregue al adquirente y que ambos estén de acuerdo en que la propriedad debe transmitirse. Si el adquirente está en posesión de la cosa, basta el acuerdo sobre la transmisión de la propieda”] (ENNECERUS; KIPP; WOLFF, 1943b, p. 389).

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31

Ademais, a classificação de negócios em abstratos ou causais é

intimamente ligada ao princípio da abstração, que “se refiere a la independencia de

la eficacia de los efectos entre ambos negocios” (DÍAZ, 2015, p. 53).

No que se refere à classificação dos negócios jurídicos de disposição, faz

referência à finalidade buscada pelo negócio, integrando-a, além daquele, os

negócios obrigacionais e os de aquisição.

Essa questão é decorrência do princípio da separação (Trennungsprinzip)

entre obrigação e disposição. Conforme Díaz (2015, p. 53), “el princípio de

separación establece que en el tráfico jurídico el negocio obligacional queda

separado de su ejecución o cumplimiento real, o sea, de la disposición”25.

Os negócios jurídicos de disposição mais importantes são aqueles que

visam transmitir um direito, possuindo, portanto, caráter de atribuição patrimonial26,

do qual emana eficácia erga omnes.

Contudo, como já explanado, essa espécie de negócio jurídico possui

como regra caráter abstrato, sendo a atribuição, por conseguinte, abstrata também,

não necessitando de qualquer fundamento jurídico (causa como atribuição

patrimonial) para que produza regularmente seus efeitos (TUHR, 1934).

Segundo Larenz (1978), o direito privado tedesco divide a transferência

da propriedade, como regra, em dois negócios jurídicos, mas no caso de compra e

venda, em três: a) o negócio jurídico obrigacional, que no exemplo tratado é um

negócio de compra e venda, em que os contratantes se obrigam, reciprocamente,

um a transferir a propriedade, e outro a pagar o preço; b) o negócio jurídico de

disposição, do vendedor sobre a propriedade de seu bem, que se efetua por meio de

um contrato com caráter real, denominado de acordo de transmissão, que visa

cumprir a obrigação constituída pelo contrato de compra e venda; e c) o negócio

jurídico de disposição do comprador, por meio do qual este cumpre sua obrigação de

pagar o preço, quando transfere a propriedade sobre a moeda física ao vendedor.

Assim, o sistema de transmissão da titularidade no Direito alemão é

abstrativista, pois o negócio de disposição não necessita de um fim causal

(abstração de seu conteúdo), nem possui sua eficácia condicionada à do negócio

obrigacional (dita como abstração externa).

25“La palabra clave en el principio de separación es desprendimiento, mientras que la

palabra clave en el principio de abstracción es independencia.” (DÍAZ, 2015, p. 54). 26“[…] su efecto jurídico es una modificación de la competencia sobre el respectivo derecho,

y con ello una modificación en la atribuición de bienes jurídicos” (LARENZ, 1978, p. 437).

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32

2.3 O SISTEMA DO DIREITO PATRIMONIAL PRIVADO BRASILEIRO

Após a análise comparada de outros sistemas de transmissão da

titularidade, torna-se possível compreender de melhor maneira o sistema brasileiro.

2.3.1 A concepção de Clóvis Veríssimo do Couto e Silva

De acordo com Clóvis Veríssimo do Couto e Silva, o sistema brasileiro é

fundamentalmente causalista27, diferindo do alemão por adotar uma separação

relativa entre os planos obrigacional e real, enquanto o último é informado por uma

separação absoluta entre aqueles. Interessante que à época da publicação de “A

obrigação como processo”, o Código Civil vigente ainda era o de 1916, que não se

utilizava da expressão negócio jurídico, como o referido autor informa. Todavia, o

Código Civil de 2002 positivou a doutrina do negócio jurídico, mas continuou a não

adotar o termo “negócio jurídico de disposição” expressamente.

Para o autor, o motivo disso reside no fato de que, para o Direito

brasileiro, a “declaração de vontade que dá conteúdo ao negócio dispositivo

(somente naqueles que visam adimplir uma obrigação) pode ser considerada co-

declarada no negócio obrigacional antecedente” (SILVA, 2006, p. 52). Portanto, não

se faz necessário outro acordo de vontades sobre a transmissão, pois “na vontade

de criar obrigações insere-se naturalmente a vontade de adimplir o prometido” (p.

52).

Por essa razão, o autor considera que o negócio de disposição, no

sistema brasileiro de transmissão da titularidade, deve ser considerado como causal,

já que não é declarado em momento posterior, não se desvinculando do negócio

jurídico obrigacional, levando-se em conta, portanto, que a causa deste afeta aquele,

devido a tal concomitância, restando, assim, o negócio jurídico dispositivo conectado

ao negócio jurídico obrigacional.

Clóvis Veríssimo do Couto e Silva fundamenta sua teoria, inicialmente,

nos arts. 622 e 933 do Código Civil de 1916:

Art. 622. Feita por quem não seja proprietário, a tradição não alheia a propriedade. Mas, se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante,

27Desde já ressalte-se que os títulos de crédito constituem exceção a tal regra.

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adquirir, depois, o domínio, considera-se revalidada a transferência, e operado o efeito da tradição, desde o momento do seu ato.

Parágrafo único. Também não transfere o domínio a tradição, quando tiver por título um ato nulo.

[...]

Art. 933. Só valerá o pagamento, que importar em transmissão da propriedade, quando feito por quem possa alienar o objeto, em que ele consistiu.

Parágrafo único. Se, porém, se der em pagamento coisafungível, não se poderá mais reclamar do credor, que, de boa- fé, a recebeu e consumiu, ainda que o solvente não tivesse o direito de alheá-la.

O direito de alhear não é nada mais que o poder de dispor, que, via de

regra, é inerente ao proprietário, como no Direito alemão. Todavia, como Clóvis

Veríssimo do Couto e Silva (2006, p. 56) já frisava, na falta do poder de disposição,

não “se trata […] de invalidade, mas sim de ineficácia” do pagamento que abranger

transmissão de propriedade. Diante disso, o Código Civil de 2002 adotou tal

entendimento, conforme se depreende da redação do seu art. 307:

Art. 307. Só terá eficácia o pagamento que importar transmissão da propriedade, quando feito por quem possa alienar o objeto em que ele consistiu.

Parágrafo único. Se se der em pagamento coisa fungível, não se poderá mais reclamar do credor que, de boa-fé, a recebeu e consumiu, ainda que o solvente não tivesse o direito de aliená-la.

Assim, faz-se presente mais um argumento que comprova a existência,

no ordenamento jurídico brasileiro, do negócio jurídico de disposição, pois este

possui um requisito especial (poder de disposição) para ser eficaz, além da simples

capacidade, que, como já afirmado, é inerente a todo tipo de negócio jurídico e

refere-se ao plano da validade.

Clóvis Veríssimo do Couto e Silva criticou o art. 622 do Código Civil de

1916, pois transmitia erroneamente a concepção de que a tradição era o próprio

negócio dispositivo. Contudo, como assinalado, a tradição, nos mesmos moldes do

Direito germânico, é um ato-fato, um ato de execução material que independe da

vontade do tradens. Enquanto o ato de disposição é um negócio jurídico, cuja

efetivação exige a manifestação de vontade, que é codeclarada no momento de

constituição do negócio obrigatório para que, juntamente com outros requisitos,

possa produzir seus efeitos.

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Ademais, como se sabe, apenas os negócios jurídicos são

condicionáveis, de forma que se a “disposição fosse ato-fato […] não se lhe poderia

condicionar[, resultando n]a impossibilidade de realizar-se venda com reserva de

domínio” (SILVA, 2006, p. 56).

O sistema brasileiro de transmissão da propriedade, segundo o autor,

possui, apesar de relativa, uma separação entre os planos obrigacional e real; logo,

o contrato de compra e venda não pode ser tratado como no sistema franco-italiano,

em que há unicidade entre planos, de maneira que o contrato formado já opera a

transmissão de propriedade, tampouco ser alvo único dos efeitos obrigacionais e

reais, desprezando-se assim o negócio dispositivo integrador, e ignorando-se a

diferença entre os direitos reais e pessoais e o momento da formação e extinção das

obrigações.

Caso se tratasse da última maneira, retornar-se-ia ao Direito comum

alemão e à traditio do Direito Romano, reduzindo-se a transmissão da propriedade

somente ao titulus e ao modus adquirendi, desprezando-se a existência do negócio

jurídico de disposição entre esses (SILVA, 2006).

Para Clóvis Veríssimo do Couto e Silva, há argumentos bastante sólidos e

convincentes quanto à existência da separação relativa entre os planos obrigacional

e real no sistema brasileiro de transmissão da propriedade, o que reforça a

necessidade de tratamento dogmático sobre a questão.

Um dos argumentos elencados por Couto e Silva (2006, p. 57), bastante

lógico, refere-se ao momento em que se desenvolvem as obrigações genéricas e

alternativas. Essas são definidas no plano obrigacional, logo, caso o negócio jurídico

de disposição não fosse autônomo e estivesse integrado na compra e venda, seria

eficaz, portanto, completo, antes mesmo do momento do adimplemento, o que

causaria contradição, pois ter-se-ia que cumprir a obrigação ainda sem se saber o

objeto da prestação de dar. Uma alternativa seria considerar o contrato de compra e

venda ineficaz no que tange ao adimplemento, por não se ter ainda determinado

esse objeto; contudo, o contrato já teria constituído uma obrigação de dar, o que é

um efeito daquele. Logo, haveria uma inegável contradição, caso se considerasse

que o negócio de disposição integra o próprio contrato de compra e venda. Ademais,

se assim fosse, ter-se-ia que considerar como requisito do contrato de compra e

venda o poder de disposição, que no Direito brasileiro não é requisito para nenhum

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negócio jurídico obrigacional, mas sim para o adimplemento, plano em que se situa o

negócio jurídico de disposição.

Outro argumento forte reside nas diferenças entre tradição e negócio de

disposição. Como já frisado, o ato-fato é incondicionável, o que impediria a venda

com cláusula de reserva do domínio. Ademais, a tradição não permite a

representação, pois não é negócio jurídico. Como se sabe, o pagamento pode ser

feito ou recebido por representantes. Por fim, o negócio dispositivo pode, por si só,

transmitir a propriedade por meio do constituto possessorio, por exemplo. Portanto,

não se necessita obrigatoriamente da tradição para transferir a propriedade,

tampouco o contrato de compra e venda possui o condão de estabelecer disposição

sobre ela, como no exemplo citado, já que não é seu requisito o poder de

disposição, pois, caso contrário, restaria nulo um contrato de compra e venda feito

pelo non domino, o que não ocorre. Como concluiu Clóvis (2006), se a compra e

venda não possui como requisito o poder de disposição, mas sim o negócio

dispositivo, e o pagamento realiza-se no plano do direito das coisas, o

condicionamento não vai atingir o contrato, que se encontrará perfeito e acabado,

estabelecendo o dever, mas sim o adimplemento; e se a tradição não é passível de

condicionamento, faz-se necessário admitir a existência de um meio termo entre o

negócio jurídico obrigacional e o ato-fato, sendo aquele justamente o negócio

jurídico de disposição.

O negócio jurídico de disposição existente no Direito brasileiro, conforme

demonstrado, é um negócio jurídico causal ao negócio jurídico obrigacional. Dessa

forma, o citado parágrafo único do art. 622 já dispunha que não transfere o domínio

a tradição (rectius negócio jurídico de disposição) quando tiver por título um ato nulo.

Portanto, resta claro que a regra no sistema pátrio de transmissão de propriedade é

a causalidade entre o ato obrigacional e o dispositivo, de forma que os vícios

daquele influirão neste.

Reside em tal característica sua principal diferença do sistema alemão,

em que há a abstração, e mesmo que o título, v.g., um contrato de compra e venda,

seja nulo, caso o negócio jurídico dispositivo seja válido e eficaz, a propriedade

considerar-se-á transferida, restando para o prejudicado apenas a ação de

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enriquecimento sem causa, que, por conseguinte, faz muito mais sentido e é bem

mais utilizada naquele Direito.28

Por fim, também por influência de Clóvis Veríssimo do Couto e Silva, o

art. 622 do CC/16 também sofreu alterações. Atualmente, a questão é tratada no art.

1.268 do CC/2002, que assim dispõe:

Art. 1268. Feita por quem não seja proprietário, a tradição não aliena a propriedade, exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono.

1. Se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante adquirir depois a propriedade, considera-se realizada a transferência desde o momento em que ocorreu a tradição.

2. Não transfere a propriedade a tradição, quando tiver por título um negócio jurídico nulo.

Dessa forma, é possível perceber que o art. 1.268 trata sobre a alienação

de coisa oferecida ao público ao adquirente de boa-fé. Tal previsão se faz

necessária em decorrência da atual sociedade de consumo em massa, pois cada

vez mais as pessoas contraem obrigações sem conhecer a outra parte.

Couto e Silva já discorria, em 1967, sobre essa realidade. Afirmava que a

determinação do objeto ocorria necessariamente durante o plano obrigacional,

porquanto requisito de eficácia do negócio jurídico dispositivo, de forma que ela se

“realiza no plano obrigacional e constitui fase do desenvolvimento do vínculo em

direção ao adimplemento. Mas o adimplemento, como tal, não pertence à construção

da obrigação, pois é o ato que a extingue” (2006, p. 60).

Todavia, é possível que o sujeito do vínculo obrigacional seja determinado

após o adimplemento, pois “em nossos dias, realizam-se muitos negócios jurídicos

28Fisher (2013) rememora que essa é a regra. Como não poderia deixar de ser, existem

exceções ao princípio da abstração: 1) O negócio jurídico dispositivo pode sujeitar-se à validade do negócio jurídico obrigacional. Nesse caso, impõe-se uma condição resolutiva ao negócio jurídico dispositivo. Apesar de essa possibilidade só caber em caso de bens móveis, não deve ser confundida com a venda com cláusula com reserva de domínio, em que o negócio jurídico dispositivo fica sujeito à condição suspensiva do pagamento integral do preço; 2) quando o mesmo defeito anula tanto o negócio jurídico obrigacional quanto o negócio jurídico dispositivo, o que ocorre nos casos de: a) incapacidade dos sujeitos (Par. 105, BGB); b) engodo fraudulento ou ameaça ilegal (Par. 123, BGB); c) usura (Par. 138, II, BGB); 3) na situação em que as partes concordam que o negócio jurídico obrigacional e o negócio jurídico dispositivo serão um negócio único (Geschäftseinheit), o que é possível, de acordo com o Par. 139 do BGB. Portanto, nesses casos, não caberia a ação de enriquecimento sem causa, mas sim a própria devolução da coisa.

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em que é totalmente desconhecido o credor, sem que haja, em princípio, qualquer

interesse em determiná-lo” (SILVA, 2006, p. 60).

À época, o principal exemplo restava na venda mecânica, realizada em

máquinas cujos credores são desconhecidos e vice-versa. Todavia, a máquina

aparenta ser o credor, de forma que colocar o dinheiro nesta se equipara ao ato de

pagar a pessoa física daquele.

Outro caso mais atual seria o de vendas on-line. Existem sítios virtuais

que funcionam apenas como vitrine para que diversos vendedores possam expor

suas mercadorias. Um sujeito que se cadastra e expõe uma mercadoria como sua

em um sítio virtual, para que todos possam ver, sem sombra de dúvidas afigura-se

como dono. Portanto, o adquirente de boa-fé passará a ter o domínio sobre a

propriedade, caso aquele vendedor não seja realmente o dono.

Entretanto atualmente tal concepção não está imune à críticas. Como já

tratado neste trabalho, o princípio da separação não se confunde com o da

abstração. O Direito Civil brasileiro adota sim o princípio da separação entre os

negócios jurídicos obrigacionais e os de transmissão, todavia não é necessário

qualificá-la como “relativa”, pois a questão da causalidade entre o negócio jurídico

obrigacional e o de disposição, além da necessidade ou não de este possuir um fim

causal, resta adstrita ao princípio da separação. Portanto, basta afirmar que aqui

não há princípio da abstração, sendo o sistema brasileiro de transmissão da

titularidade puramente causalista.

Ademais, o autor fundamenta sua tese apenas na transmissão da

propriedade, todavia a característica da causalidade ou abstratividade é ínsita a todo

o sistema de transmissão da titularidade (= “propriedade” em sentido amplíssimo).

Rodrigo Xavier Leonardo (2014, p. 268), ao discorrer sobre se tal tese também

aplica-se à cessão de créditos, afirma que “Ainda que se adote a corporeidade do

objeto como um componente fundamental do plano do direito das coisas, o que não

ocorre em relação aos créditos, o fato é que o mesmo tema se repropõe.”.

2.3.2 A concepção de Pontes de Miranda

Impende ressaltar que Pontes de Miranda sempre concebeu o sistema

brasileiro como abstrativista. Ao tratar sobre a transferência dos bens imóveis, o

autor descreve três suportes fácticos distintos - o do negócio jurídico causal, o do

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acordo de transferência e o ato transcritivo. O primeiro origina o negócio jurídico

consensual, o segundo um negócio jurídico abstrato, e o terceiro é parte do negócio

jurídico de disposição.

A partir daí o autor passa a traçar as relações existentes entre os três,

explicitando, justamente, que o negócio jurídico causal não depende dos outros dois.

Afirma que o primeiro pode ser condicional ou a termo, mas o acordo de transmissão

não, posto que a transmissão não pode ser condicionada ou ter sobre si termo.

Ademais, caso registre o negócio causal, terá efeito apenas de constituir uma

escritura pública.

Entende ainda que se faz necessário impugnar o acordo de transferência

ou a própria transcrição para impedir a transferência. Todavia, caso o negócio

consensual já contenha o acordo de transferência, houve, simultaneamente, a

assunção da obrigação de prestar a coisa e o próprio acordo, mas este não deixará

de ser abstrato e independente do negócio causal.

Ainda atinge a conclusão de que a efetiva transcrição é que provê a

chamada eficácia real ao acordo de transmissão e, por isso, possuirá eficácia ex

nunc. Todavia, caso aquela seja realizada sem o acordo de transferência,

sobrevindo este, não haverá necessidade de nova transcrição (PONTES DE

MIRANDA, 1955).

Portanto, para Pontes de Miranda, não necessariamente o ato de

disposição será codeclarado ao assumir a obrigação, justamente por constituírem

suportes fácticos diferentes, o que favoreceria, para o autor, a abstração do sistema

patrimonial privado brasileiro.

No final das contas, a abstratividade ou causalidade de um sistema acaba

sendo uma decisão política atinente ao favorecimento ou não da facilidade de

circulação do tráfico jurídico-econômico.

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3 TEORIA GERAL DA RELAÇÃO JURÍDICA

A teoria geral do Direito Privado continua baseada em três principais

construções conceituais da escola pandectística, quais sejam, a teoria da pessoa em

sentido jurídico, a teoria do negócio jurídico e a teoria da relação jurídica. Esta última

consiste em um dos temas mais aptos a gerar discordância quanto ao que significa,

seu conceito, sua estrutura, entre outros aspectos. Todavia, é tema necessário ao

entendimento do presente trabalho, e passa a ser analisado neste momento.

3.1 DA ESFERA JURÍDICA

Para a exata compreensão da questio, faz-se necessário, antes de tudo,

explicitar o conceito de esfera jurídica. A expressão refere-se à noção de conjunto de

direitos que tocam a determinado sujeito.

Marcos Bernardes de Mello (2011, p. 90) apresenta a seguinte definição:

[Esfera jurídica consiste n]Os bens da vida que tocam a determinado

sujeito de direito, consubstanciados no conjunto das situações jurídicas (lato sensu) em que esteja inserido, portanto a totalidade dos direitos, pretensões, ações e exceções, bem assim os deveres e obrigações, que, especificamente, lhe dizem respeito, tenham ou não mensuração econômica, e as qualificações individuais relativas ao status das pessoas, inclusive certos direitos públicos que não se subjetivam, constituem sua esfera jurídica.

De maneira mais sucinta, Marcel Edvar Simões (2011, p. 71) conceitua

esfera jurídica como o “complexo de posições jurídicas subjetivas […] de que é titular

determinada pessoa pela atribuição que faz o ordenamento jurídico pelo simples fato

desta [sic] pessoa ser pessoa”.

A partir dos conceitos apresentados, torna-se fácil notar a amplitude da

expressão, resultando errôneo considerar-se como integrante da esfera jurídica de

alguém apenas o seu patrimônio.

O patrimônio limita-se aos direitos com conteúdo estritamente econômico,

enquanto a esfera jurídica abrange bens da vida com conteúdo meramente moral ou

espiritual29 (MELLO, 2011).

29Marcos Bernardes de Mello (2011) cita como exemplos a liberdade de religião, bem como

o direito de permanecer em praça pública ou dirigir-se à praia.

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De acordo com Marcel Edvar Simões (2011, p. 71), o “patrimônio se

revela como um setor da esfera jurídica […]. Consiste no conjunto de posições

jurídicas subjetivas […] suscetíveis de valoração econômica e expressão

pecuniária”.

Segundo Marcos Bernardes de Mello (2011), convém conceber os

diferentes objetos de direito em círculos concêntricos, de maneira que o menor deles

representa as coisas materiais, enquanto o que imediatamente o engloba refere-se

também aos bens imateriais. Por conseguinte, o terceiro círculo que engloba os dois

anteriores consubstancia os direitos de crédito, ou seja, uma parte do patrimônio

ativo; e, por fim, o último e maior círculo consistiria em situações jurídicas simples e

em direitos sem estimação econômica.

Interessante a concepção do referido autor, todavia, crê-se que deva ser

compreendida como exemplificativa, pois não necessariamente os direitos

englobarão os outros, de maneira preestabelecida, conforme a ordem aqui

elencada30.

Entende-se, assim, que o conceito de esfera jurídica tem como elementos

essenciais a referência a sujeito de direito específico, bem como à universalidade de

bens da vida que o tocam (MELLO, 2011).

Por fim, cumpre frisar que todo esse complexo de posições jurídicas

subjetivas encontra-se protegido, conforme o princípio da incolumidade das esferas

jurídicas alheias. É a forma dogmática de se tratar a máxima segundo a qual

ninguém pode interferir na esfera jurídica de outrem sem o seu consentimento ou

autorização legal. Por isso o próprio conceito de esfera jurídica deve ser concebido

da maneira mais ampla possível, caso contrário direitos, em um primeiro momento

insuscetíveis de valoração econômica, como a imagem, estariam excluídos de

efetiva proteção jurídica. Isso posto, configura grave imprecisão terminológica excluir

tais direitos do conceito de esfera jurídica (MELLO, 2011).

30“O que é importante é conceber os direitos pessoais como um círculo restrito, dentro dos

direitos não patrimoniais. Nem todos os direitos não patrimoniais são pessoais.” (ASCENSÃO, 2010, p. 20).

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3.2 DA RELAÇÃO JURÍDICA

Inicia-se a análise da questão atinente à relação jurídica em si conforme a

concepção de diferentes autores.

3.2.1 Conforme concepção de Marcos Bernardes de Mello

A expressão “situação jurídica” pode ser utilizada conforme duas

acepções. A primeira (sentido lato) refere-se a qualquer consequência emanada de

um fato jurídico. A segunda (sentido estrito) diz respeito à categoria eficacial

específica na qual ainda não se formou relação jurídica (MELLO, 2011).

No presente momento, utilizar-se-á o sentido estrito como regra, de

maneira que o sentido lato, quando empregado, será expressamente referido. A

correta compreensão do conceito de situação jurídica é indispensável para se

entender o que se denomina de relação jurídica.

Há diversas espécies de situações jurídicas (lato). Conforme classificação

adotada por Marcos Bernardes de Mello, tem-se:

3.2.1.1 Situação jurídica básica

Apesar de o Direito ser essencialmente intersubjetivo, é possível

identificar categorias eficaciais que não constituem relações jurídicas. O primeiro

caso consiste justamente na situação jurídica básica.

Conforme rememora Marcos Bernardes de Mello (2011, p. 100), “em

geral, a eficácia jurídica específica atribuída ao fato jurídico é irradiada de imediato e

de um só jato”.

Contudo, existem situações nas quais a eficácia própria e final do fato

jurídico nunca é irradiada, seja por conta da sua própria natureza, de vício que

atenta contra sua formação ou ainda não se encontra capaz de produzi-la. Exemplos

são o testamento, enquanto ainda vive o testador, os negócios jurídicos nulos aos

quais a lei não atribui eficácia putativa ou os negócios jurídicos celebrados sob

condição suspensiva que ainda não fora implementada (MELLO, 2011).

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Como afirmado, os referidos fatos jurídicos estão sujeitos à ineficácia

total31 de seus efeitos finais, o que não impede a produção de outros efeitos que

lhes são próprios, apesar de não finais. Aí está a eficácia de conteúdo mínimo.

No caso do testamento enquanto vivo o testador, por exemplo, a eficácia

mínima é percebida mediante a vinculabilidade gerada por aquele, pois caso não

haja a revogação conforme a forma prevista em lei ou a ocorrência de caducidade, o

espólio ficará sujeito às disposições testamentárias.

Portanto, as denominadas situações jurídicas básicas caracterizam-se por

constituírem a única e mínima eficácia produzida pelo fato jurídico ou a própria base

eficacial sobre a qual é desenvolvida a eficácia final e própria do fato jurídico

(MELLO, 2011).

3.2.1.2 Situações jurídicas simples ou unissubjetivas

Nesta espécie de categoria eficacial, os efeitos do fato jurídico limitam-se

apenas a uma esfera jurídica e o seu conteúdo restringe-se a atribuir ao seu titular

uma qualidade ou qualificação no plano jurídico.

Não prejudica tal classificação a possibilidade de impor, perante terceiros,

a qualificação ou qualidade decorrente do fato jurídico gerador de situação jurídica

simples. O critério da presente categoria “tem por fundamento, tão somente, a

característica de sua referibilidade, direta e imediata, a uma única esfera jurídica”

(MELLO, 2011 p. 105).

Entende-se a qualidade, no mundo jurídico, como uma situação jurídica

atribuída a algum sujeito de direito e protegida por direito subjetivo. Como exemplo,

têm-se a capacidade jurídica e a personalidade de direito, pois a quem a lei as

atribui, há direito a ser pessoa e a ser juridicamente capaz.

31Marcos Bernardes de Mello (2011) realiza precisa distinção entre os diferentes modos de

ineficácia. No que se refere à produção dos efeitos próprios e finais de determinado fato jurídico, aquela pode ser total, caso estes não se produzam. O que não significa, todavia, ineficácia absoluta, considerando-se que os fatos jurídicos, mesmo em tais situações, ainda ingressam no mundo jurídico, produzindo seus efeitos mínimos e próprios, apesar de não finais. Há, aí, ineficácia parcial. Quando o fato jurídico não gera qualquer efeito, há na verdade sua inexistência, constituindo-se a hipótese de ineficácia absoluta. Difere da situação na qual o fato jurídico não produz seus efeitos somente em relação a algum ou alguns sujeitos de direito, em que há ineficácia relativa.

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A qualificação, todavia, não constitui direito subjetivo, pois é

compreendida tão somente como estado fático (ser solteiro ou louco) ou jurídico (ser

casado ou ser menor) que integra a composição de outros suportes fácticos. O ser

solteiro, por exemplo, integra a qualificação do suporte fáctico do matrimônio, como

elemento complementar referente à própria validade, pois caso fosse casado, não

poderia casar-se, sendo inválido o casamento. Apesar disso, as qualificações são

asseguradas por pretensão ao seu reconhecimento, e caso sejam indevidamente

negadas, aquele pode ser imposto por meio da respectiva ação de direito material

que exsurge (MELLO, 2011, p. 105-108).

Marcos Bernardes de Mello elenca como elementos caracterizantes da

situação jurídica unissubjetiva, a já citada referibilidade a uma única esfera jurídica, a

oponibilidade erga omnes e a impositividade por via judicial (MELLO, 2011, p. 107-

109).

As principais espécies de situação jurídica unissubjetiva são as

capacidades, sendo entendida a jurídica como uma capacidade geral e pressuposta

às outras capacidades, tidas como específicas (e.g. capacidade de agir e

capacidade processual).

3.2.1.3 Situações jurídicas complexas ou intersubjetivas unilaterais

Nesta categoria eficacial também não há a referibilidade a mais de uma

esfera jurídica. Diferencia-se da anterior por possuir, como pressuposto necessário

de existência, a intersubjetividade necessária.

A compreensão torna-se possível mediante a análise de seus exemplos,

que se consubstanciam sobretudo em certos negócios jurídicos unilaterais, como a

oferta, seja revogável ou irrevogável, seja ao público ou não.

No caso de oferta revogável, o ofertante expõe sua esfera jurídica a uma

situação de vinculabilidade. Quando a oferta é irrevogável, ocorre, desde já, a

vinculação do ofertante a sua proposta.

A vinculabilidade sempre é uma situação complexa unilateral, enquanto a

vinculação, por certas vezes, pode tão somente integrar o conteúdo de uma relação

jurídica, como de “direito expectativo decorrente de negócio jurídico enquanto

pendente condição suspensiva” (MELLO, 2011, p. 183).

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A intersubjetividade reside na necessidade de a oferta ser dirigida ao

alter. Apesar disso, seus efeitos jurídicos limitam-se a apenas uma esfera jurídica,

não chegando a constituir, por si só, uma relação jurídica.

Interessa ressaltar que o destinatário da oferta não possui qualquer dever

de aceitá-la, não se encontrando, assim, a ela vinculado. Todavia, exsurge para ele

direito formativo gerador, pois caso a aceite, e sendo a oferta irrevogável, obrigará o

ofertante a seguir sua proposta, sendo gerada a respectiva relação jurídica.

Assim, no caso da oferta, podem existir duas situações jurídicas

intersubjetivas unilaterais diferentes - a vinculação ou vinculabilidade do ofertante e

o direito formativo gerador do destinatário (MELLO, 2011, p. 184).

3.2.1.4 Relação jurídica

O próprio vocábulo “relação” pressupõe a existência de algo com o que se

possa relacionar. Nada se relaciona sozinho. Portanto, é lógico afirmar que uma

relação jurídica envolve a intersubjetividade entre duas ou mais esferas jurídicas

diferentes.

Constitui relação jurídica “toda relação intersubjetiva sobre a qual a norma

jurídica incidiu, juridicizando-a, bem como aquela que nasce, já dentro do mundo do

direito, como decorrência de fato jurídico” (MELLO, 2011, p. 188).

A relação jurídica material é estruturada de maneira a integrar:

a) sujeito ativo e sujeito passivo;

b) objeto;

c) conteúdo:

c.1) no polo ativo: direito, pretensão, ação e exceção; e

c.2) no polo passivo: dever, obrigação, situação de acionado e situação

de excetuado.

A estrutura da relação jurídica, abstratamente considerada, permite

entrever os quatro princípios que a regem, três essenciais e um eventual.

O primeiro princípio essencial é o da intersubjetividade32. Significa que as

relações jurídicas necessitam de no mínimo dois sujeitos de direitos para que

32José de Oliveira Ascensão (2010) também entende como necessária a intersubjetividade

para haver relação jurídica. Todavia, paradoxalmente, afirma ser possível a existência de direitos sem sujeito. Para tanto, cita o exemplo da sucessão no Direito português,

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possam existir. Podem ocorrer entre dois sujeitos determinados ou determináveis, ou

entre um sujeito determinado/determinável e o alter, a depender do direito e da

pretensão33 (MELLO, 2011).

O princípio da essencialidade do objeto é o segundo. Os bens da vida,

como regra, podem integrar o suporte fáctico de fatos jurídicos. São insitos ao plano

fáctico. Mas quando são juricizados e passam a integrar a esfera jurídica de um

sujeito de direito, tornam-se objeto de direito34. Assim, “o bem da vida sobre que

recaem direitos e deveres que sejam conteúdo da relação jurídica é objeto da

relação jurídica” (MELLO, 2011, p. 197).

O último princípio essencial consiste na correspectividade de direitos e

deveres. Diz respeito ao conteúdo eficacial das relações jurídicas, de forma que,

para haver relação jurídica, deve haver necessariamente no mínimo um direito

correlato ao seu respectivo dever (MELLO, 2011, p. 199).

Em uma relação jurídica obrigacional, e.g., o credor (sujeito ativo) não

pode possuir direito de crédito sem haver o correspectivo dever de débito do

devedor (sujeito passivo).

O quarto princípio, esse não essencial, é o da coextensão de direito,

pretensão e ação. Também refere-se ao conteúdo da relação jurídica. Encontrava-se

positivado no art. 75 do Código Civil de 1916 (sem correspondente no atual), o qual

justificando que os sucessores só adquirem o direito do sucessor com a aceitação, enquanto a titularidade deste extinguiu-se com a morte. Nesse hiato, os direitos deixados pelo de cujus não se encontrariam na titularidade de ninguém. Todavia, também afirma que os sucessores, ao declararem sua aceitação, são tidos, retroativamente, como titulares desde a abertura da sucessão Ocorre que segundo uma lógica ponteana, tal constatação não é possível, pois ao declararem a situação, há apenas uma confirmação de situação já existente. A eficácia seria ex tunc por justamente decorrer de situação cuja natureza é declaratória e não constitutiva.

33Caso não haja dois sujeitos de direito, não haverá relação jurídica, mas tão somente situação jurídica. Marcos Bernardes de Mello rememora que é preciso distingui-las das hipóteses em que se enxerga somente um sujeito, seja o ativo (como nas relações jurídicas envolvendo direito de propriedade ou direitos de personalidade) ou seja o passivo (nos títulos ao portador e na herança jacente e vacante), pois nesses casos há apenas a indeterminação e não a inexistência do outro sujeito. Assim, não há relação jurídica entre pessoa e coisa, pessoa e lugar, coisa e coisa, ou da pessoa consigo mesma e relação sem sujeito (2011). É lógico concluir que somente o sujeito existente pode ser qualificado, seja como determinável ou indeterminável.

34Marcos Bernardes de Mello rechaça a orientação doutrinária segundo a qual as coisas seriam objetos mediatos das relações jurídicas, enquanto os direitos e as obrigações seriam objetos imediatos, sob o fundamento de que os deveres integram o conteúdo da relação, que recaem justamente sobre coisas, corpóreas ou incorpóreas, e sobre atos humanos, comissivos ou omissivos, que constituem os objetos da relação jurídica (2011).

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dispunha que a todo direito corresponde uma ação, que o assegura. Não tratava

sobre a ação de Direito Processual, mas sim sobre a ação de Direito Material35.

Marcos Bernardes de Mello (2011) afirma que o antigo Código não tratou

sobre a pretensão pelo motivo de, a sua época, o conceito ainda não se encontrar

devidamente delimitado.

Como não é essencial, sofre exceções, de forma que existem direitos sem

pretensão e ação (e.g. obrigações naturais) e ação sem direito (e. g. habeas corpus

em favor de terceiro).

Por fim, cumpre analisar os componentes do conteúdo da relação jurídica

de Direito Material. Como já elencado, no polo ativo da relação jurídica há o direito, a

pretensão, a ação e, eventualmente, a exceção. No polo passivo há correlato dever,

obrigação, situação de acionado e eventual situação de excetuado.

Marcos Bernardes de Mello oferece exemplo para explicar de maneira

sucinta a diferença entre direito, pretensão e ação: Em uma relação jurídica irradiada

de um contrato de empréstimo, Aurélio emprestou R$ 10.000,00 a César em 10 de

maio, com vencimento para 10 de julho. Ademais, pactuou-se que o sujeito passivo

teria prazo de tolerância de 5 dias, após o vencimento, para pactuar o vencimento,

de forma que não incidiria em mora no respectivo período. Assim, entre 10 de maio e

9 de julho, há o direito de crédito e o seu correspectivo dever (débito). A partir do

vencimento, em 10 de julho, exsurge a pretensão em favor do credor, que pode

exigir a obrigação decorrente do dever do sujeito passivo. A pretensão representa,

portanto, o grau de exigibilidade do direito. Apesar de possuir pretensão, por conta

do pacto de non petendo que dura até o dia 15, o credor ainda não pode impor que o

devedor lhe pague. A impositividade do direito encontra-se presente na ação, que

somente exsurge caso o devedor não cumpra sua obrigação (MELLO, 2011).

Há a exceção36 quando o sujeito passivo da relação jurídica possui direito

que opõe-se a direito, pretensão ou ação do sujeito ativo, de forma a encobrir seus

efeitos. Pode ser suspensiva (e.g. exceção de contrato não cumprido), pois não

encobre definitivamente a pretensão e a ação, mas somente suspende a

exigibilidade e a impositividade, ou pode ser peremptória (e.g. exceção de

35Em regra, a ação de Direito Material constitui o objeto da ação de Direito Processual, ou

seja, a res in iudicio deducta. A última visa efetivar a primeira (MELLO, 2011). 36Marcos Bernardes de Mello elenca a exceção no polo ativo por considerar que seu

exercício decorre de uma atividade e nunca de uma passividade, apesar de reconhecer que é exercida pelo sujeito passivo (2011).

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prescrição), encobrindo (nunca excluindo) terminativamente a pretensão e a ação

(MELLO, 2011).

3.2.2 Conforme concepção de José de Oliveira Ascensão

Para o autor português, situação jurídica também é categoria amplíssima,

na qual está inserta a de relação jurídica. Ademais, também entende ser possível

compreender a noção mediante dois sentidos. De acordo com o sentido amplo,

situação jurídica seria todo resultado da aplicação da norma jurídica, de maneira que

não abrangeria tão somente situações subjetivas. Não utiliza tal sentido, restringindo

a expressão ao seu sentido estrito, no qual situação jurídica refere-se somente a

sujeitos (ASCENSÃO, 2010).

O autor classifica as situações jurídicas sob a ótica de diferentes critérios

entre:

I - simples ou complexas;

II - compostas ou coletivas;

III - unissubjetivas ou plurissubjetivas;

IV - ativas ou passivas.

Elenca, ainda, outras classificações, todavia, para os presentes fins,

interessam somente as aqui expostas.

As situações complexas são o resultado da junção de várias situações

jurídicas simples (e.g. a posição do devedor). Aquelas podem ser decompostas em

situação mais elementar, enquanto estas já não o podem mais (ASCENSÃO, 2010).

Somente as situações jurídicas complexas podem ser compostas ou

coletivas. Quando as várias situações simples integrantes da situação complexa

perdem a sua autonomia, há a situação jurídica composta (e.g. direito subjetivo).

Não ocorrendo tal perda, configura-se uma situação jurídica coletiva (e.g.

universalidades de direito) (ASCENSÃO, 2010).

Quanto aos sujeitos, as situações jurídicas podem ser unissubjetivas ou

plurissubjetivas. Nas primeiras, há a posição de somente um sujeito. Nas segundas,

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existem situações jurídicas pertecentes a mais de um sujeito. Estas são as relações

jurídicas. Aquelas são chamadas de posição jurídica37 (ASCENSÃO, 2010).

Por fim, as situações jurídicas podem ser ativas ou passivas. O critério é

útil quando se trata de posições jurídicas; todavia, ao se enfrentar relações jurídicas,

percebe-se que, em sua maioria, há um “equilíbrio de posições, em que os vários

sujeitos são simultaneamente ativos e passivos” (ASCENSÃO, 2010, p. 18).

Infere-se que os critérios apresentados relacionam-se de maneira que a

própria relação jurídica (situação jurídica plurissubjetiva), por exemplo, pode ser

simples ou complexa. Aquela ocorre quando seu conteúdo limita-se a uma única

posição de poder ou dever, enquanto esta tem seu conteúdo composto por diversas

posições de poder e dever.

Assim, a relação jurídica é composta de posições jurídicas, que podem

ser ativas ou passivas, conforme coloquem o sujeito em posição de vantagem ou

desvantagem, respectivamente (ASCENSÃO, 2010).

São modalidades de posições jurídicas ativas:

I - poderes elementares (faculdades), que podem ser de quatro ordens:

I.a) Faculdade, ou poder de gozo;

I.b) Pretensão, ou poder creditício;

I.c) Poder potestativo ou potesta;

I.d) Posição ativa contraposta ao ônus.

II - poderes genéricos;

III - direitos subjetivos;

IV - poderes funcionais;

V - interesses juridicamente protegidos.

São modalidades de posições jurídicas passivas:

I – complexas:

I.a) deveres genéricos;

I.b) obrigações;

I.c) sujeições:

37“A terminologia é convencional. Podemos falar todavia de posição jurídica, aproveitando a

orientação dominante na doutrina italiana, para designar toda a situação jurídica, simples ou complexa, que caiba a um único sujeito” (ASCENSÃO, 2010, p. 17). O autor também refere-se às situações jurídicas unilaterais como posições jurídicas. “Toda a situação jurídica de uma pessoa pode ser designada posição jurídica, por oposição às relações jurídicas. E é ainda por si uma situação jurídica, dada a grande latitude desta noção” (p. 47).

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I.d) deveres funcionais

II – simples:

II.a) débitos (positivos ou negativos);

II.b) sujeições;

II.c) ônus.

3.2.3 Interlúdio

Com a apresentação de teorias sobre situações e relações jurídicas,

conforme o entendimento de dois diferentes autores, pretendeu-se demonstrar a

dificuldade de tratamento do tema pela doutrina jurídica neolatina. Mesmo em

sistemas jurídicos de origem comum, a questão está longe de ser unívoca.

Ainda que o presente trabalho realizasse o hercúleo esforço de

estabelecer-se como uma “enciclopédia da teoria geral da relação jurídica”, de

maneira a elencar todas as teorias mais destacadas, não se atingiria nível

satisfatório sobre o problema.

Cada teoria possui seus méritos e seus deméritos. Marcos Bernardes de

Mello, por exemplo, peca ao limitar sua classificação de situação jurídica (lato) à

referibilidade ou não de uma ou mais situações jurídicas, enquanto José de Oliveira

Ascensão acaba por classificar demais, estabelecendo os mais diferentes critérios, o

que acaba por gerar, paradoxalmente, uma imprecisão, tornando difícil de entender

o fenômeno globalmente. Apesar disto, é extremamente útil sua construção de

posição jurídica.

Criticar, todavia, é tarefa fácil e esse não é o objetivo que se busca. Crê-

se, portanto, que com as teorias elencadas, torna-se possível obter uma mínima

noção conceitual da questio. Para o prosseguimento do estudo, torna-se necessário

definir conceitos, pactuando-se tal sentido com o receptor da mensagem. Todavia,

não seria justo jogar-lhes os conceitos na face sem uma mínima problematização do

tema.

Assim, para os fins do presente trabalho, utilizar-se-á a construção teórica

de relação jurídica idealizada por Giuseppe Lumia com contribuições de Alcides

Tomasetti Jr e Rafael Vanzella.

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3.2.4 Conforme concepção de Giuseppe Lumia (com contribuições de Alcides

Tomasetti Jr. e Rafael Vanzella)

Relações jurídicas são intersubjetivas, reguladas por normas jurídicas e

regidas pelos conceitos de alteridade, exterioridade, bilateralidade e reciprocidade

(LUMIA, 1981).

A alteridade indica a intersubjetividade própria do direito, enquanto a

exterioridade exprime a noção de ser alheio à regulação do direito fatos psiquícos

meramente internos e comportamentos que têm nas coisas pontos exclusivos de

referências. A bilateralidade e a reciprocidade indicam que das relações jurídicas

exsurgem poderes (lato) e deveres (lato) correlativos e em sentido duplo, ou seja,

que ao poder de um sujeito corresponde o dever de outro (bilateralidade), de forma

que um não pode atuar de certa maneira diante do outro sem com isso acabar por

legitimá-lo, em condições iguais, a atuar de modo análogo em face do primeiro

(reciprocidade, que acaba por exprimir a noção de igualdade formal entre os sujeitos

da relação jurídica) (LUMIA, 1981).

A relação jurídica é estruturada de forma a considerar os “sujeitos entre

os quais a relação se instaura; a posição que corresponde a tais sujeitos na relação,

e o objeto a propósito do qual a relação se estabelece” (LUMIA, 1981, p. 3).

Nesse momento, cumpre distinguir os conceitos de partes, sujeitos e

pessoas, categorias diferentes muitas vezes tratadas de maneira idêntica.

Cada parte (lado, polo ou centro de interesses) da relação jurídica pode

ser composta por vários sujeitos de direito, que não necessariamente serão

pessoas. Os sujeitos titulares de interesses idênticos integrarão o mesmo polo. Cada

sujeito recebe a denominação técnica de “figurante”. Por conta disso, as partes

podem ser unifigurativas (simples) ou multifigurativas (complexas) (TOMASETTI

JUNIOR, 2011).

Geralmente as pessoas, físicas ou jurídicas, são os figurantes. Todavia,

não somente essas são consideradas sujeitos de direito38 pelo ordenamento jurídico.

Rememora Alcides Tomasetti Junior (2011, p. 757) que sujeito de direito “é todo

ente, seja ou não pessoa, que o ordenamento jurídico admita ser titular das posições

jurídicas ativas e passivas que estão no conteúdo das relações jurídicas”.

38São exemplos o nascituro, a massa falida, o condomínio, a sociedade em cota de

participação.

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A parte, como centro de interesses, também deve ser considerada em seu

sentido substancial, podendo ser composta de apenas um interesse (parte

objetivamente simples) ou de vários interesses (parte objetivamente complexa).

Todavia, também pode haver parte em sentido formal, como nos casos de

representação direta, na qual o representado é parte em sentido substancial e o

representante é parte em sentido formal, pois os efeitos jurídicos da relação são

imputados ao primeiro (TOMASETTI JUNIOR, 2011).

A polarização de cada uma das partes na relação jurídica define a

posição jurídica de cada uma, o que implica que do polo passivo defluem posições

jurídicas subjetivas passivas (necessidades jurídicas comportamentais), enquanto do

polo ativo defluem posições jurídicas subjetivas ativas (possibilidades jurídicas de

impor determinados comportamentos a outro) (LUMIA, 1981).

Para que se torne possível definir cada posição jurídica subjetiva

elementar, faz-se necessário tratar sobre as normas de comportamento (ou

primárias) e as normas de competência (ou secundárias). Aquelas têm por objeto

condutas, enquanto estas possuem como objeto outras normas (LUMIA, 1981).

Posições jurídicas subjetivas diferentes surgirão a depender da espécie

de norma constante na sua base.

Quando uma conduta é prescrita para um sujeito como decorrência de

uma norma de comportamento e tem em vista a consecução do interesse de outro

sujeito, tem-se que aquele possui um dever de comportamento (posição jurídica

subjetiva passiva) para com o segundo, de forma que este, correlativamente, possui

uma pretensão (posição jurídica subjetiva ativa) em face do primeiro, ou seja, pode

exigir o comportamento devido do sujeito integrante do polo passivo (LUMIA, 1981).

O conceito de pretensão é extremamente essencial ao Direito. Ressalta-

se que não se confunde com a noção de interese, que se entende como a

propensão à realização de uma necessidade. A pretensão é tida como exigência de

subordinação do interesse de outrem ao próprio (SIMÕES, 2011).

Por negação, obtém-se o segundo par de posições jurídicas subjetivas

decorrentes de normas primárias. Ora, caso falte pretensão (posição jurídica

subjetiva passiva) a um sujeito, de modo que não possa exigir de outrem a

realização de determinado comportamento, ele próprio detém a faculdade (posição

jurídica subjetiva ativa) de, conforme sua vontade, praticá-lo ou não (LUMIA, 1981).

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Assim, a segunda posição jurídica subjetiva elementar ativa consiste na

faculdade, que se caracteriza por seu cunho fático pujante e exprime a noção de

liberdade para fazer ou não fazer o que por bem entender, só podendo ser exercida,

todavia, em situação na qual não houver pretensão de outro sujeito (SIMÕES, 2011).

Das posições jurídicas subjetivas elementares ativas derivadas de normas

secundárias (reguladoras de outras normas) surgem o poder formativo, a imunidade,

a sujeição e a falta de poder. Essa segunda categoria de posições jurídicas

subjetivas elementares não acarreta, diretamente, a regulação do comportamento,

mas sim de outras situações jurídicas.

O poder formativo (chamado por Pontes de Miranda de direito formativo)

consiste no poder, marcadamente jurídico, de afetar a esfera jurídica de outro

sujeito. Difere da pretensão de modificar o plano estritamente jurídico e não o

comportamental. Assim, se a vontade de um sujeito é vinculante para outro sujeito,

pois aquele pode “ditar normas”, ou seja, “criar, modificar, extinguir ou transferir

situações jurídicas em que se encontra o segundo, diz-se que este último está

sujeito a um poder formativo do primeiro” (LUMIA, 1981, p. 9).

Outra vez, por negação do par ora exposto, obtém-se outro par. Se um

sujeito não tem poder formativo sobre outro, significa que este está imune a um ter

que suportar de poder formativo. Logo, a imunidade é posição jurídica subjetiva

elementar ativa exercida na ausência de poder formativo, esta entendida como

posição jurídica subjetiva elementar passiva correlata àquele.

São oito as posições jurídicas subjetivas elementares. Quatro decorrentes

de normas primárias (duas passivas e duas ativas) e quatro decorrentes de normas

secundárias (duas passivas e duas ativas), de maneira a formar o conteúdo da

relação jurídica.

Caso essas posições elementares se combinem, podem formar posições

jurídicas subjetivas complexas, a exemplo do direito subjetivo. Representa este um

complexo unitário de posições jurídicas subjetivas ativas elementares (pretensão,

faculdade, poder formativo, imunidade) que se encontra sob a titularidade de um

sujeito determinado em relação a um determinado objeto (LUMIA, 1981).

Todavia, há uma questão longe de ser pacífica no que foi exposto:

consiste o poder formativo em posição jurídica elementar inserta no direito subjetivo

ou deveria ser considerado poder externo ao direito, objeto do poder?

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Para responder a tal questão, necessário se faz tratar sobre o conceito de

titularidade, que corresponderia justamente à ideia de pertinência de uma posição

jurídica subjetiva patrimonial, obrigacional ou real, a um sujeito de direito com

exclusividade.

Logo, titularidade significa um metapoder, pois ter um bem econômico

também significa ter um direito subjetivo patrimonial sobre esse bem de maneira

exclusiva. Assim, v.g., o titular de uma posição jurídica subjetiva patrimonial

complexa, como o crédito (obrigacional) ou domínio (real), possui tanto pretensões a

sujeitos passivos totais, contrapostas a um dever desses de abstenção, quanto

poder de dispor sobre tal posição, contraposto a uma sujeição do sujeito passivo

total. Há, pois, uma dissociação entre os direitos subjetivos patrimoniais e os

poderes que sobre eles atuam, razão pela qual não é possível compreender o poder

de dispor como parte do conteúdo de um direito subjetivo39, mas sim como um

metapoder, regulado justamente por normas jurídicas secundárias e integrante da

titularidade (VANZELLA, 2012).

A titularidade seria um metapoder proveniente de normas jurídicas

secundárias, que garantiriam ao titular o poder de dispor e a imunidade contra a

disposição. No que se refere ao objeto, configura-se como o “termo de referência

externo da relação jurídica” (LUMIA, 1981, p. 3).

Em uma relação jurídica obrigacional, o direito subjetivo é o crédito,

enquanto o débito corresponde ao dever jurídico (= posição jurídica subjetiva

passiva complexa), e o devedor se obriga (em sentido estrito, significando dever

comportamental) a realizar a prestação (= objeto de primeira ordem) pretendida pelo

credor. Concomitantemente, o titular desse direito subjetivo de crédito (= objeto de

segunda ordem) possui o poder de dispor sobre ele, tão quanto a imunidade à

disposição, justamente pelo fato de os sujeitos passivos totais (= possíveis

adquirentes) encontrarem-se sob sujeição a tal poder e ausentes de poder formativo

sobre tal direito. Ademais, todos os sujeitos de uma ordem jurídica possuem o dever

de não interferir sem autorização no direito subjetivo de outrem, ou seja, normas

comportamentais referentes à titularidade, a um objeto de direito de segunda ordem.

39 Exemplifica a situação a metáfora da pedra, proposta por Thon e P. Oertmann: “A força

para arremessar uma pedra por uma trajetória adiante não é conferida pela própria pedra, sendo, antes, anterior a ela; tem-se a força para arremessar uma pedra independentemente de ter a pedra na mão.” (VANZELLA, 2012, p. 88)

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Por fim, resta tratar sobre as situações jurídicas (v.g. herdeiro, condômino,

empresário) que funcionam como designadoras de posições ou atividades

decorrentes de posições jurídicas subjetivas, tendo em vista as funções orientantes

ou que devam orientar os sujeitos correspondentes em sua busca pela realização de

algum interesse situacional (LUMIA, 1981).

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4 ASPECTOS GERAIS DO CONTRATO DE DISPOSIÇÃO

Muitas vezes negligenciado pela doutrina nacional, o contrato de

disposição constitui-se como elemento essencial para a devida compreensão do

fenômeno de transmissão da titularidade de direitos subjetivos patrimoniais.

O presente estudo não possui a pretensão de realizar uma análise

minuciosa e detalhada do tema, pois, de maneira muito sincera, não se configura

como espaço adequado para tanto, considerando-se que tal proposta, no Brasil,

originou uma tese de doutorado, “O contrato e os direitos reais”, de Rafael Vanzella.

O objetivo, portanto, é de apresentar aspectos gerais do instituto, de

forma a possibilitar o entendimento de questões a serem postas neste trabalho.

4.1 CONTRATOS OBRIGACIONAIS E CONTRATOS DE DISPOSIÇÃO

Contrato é o “acordo entre duas ou mais partes formalmente iguais

mediante o qual escolhem o seu tipo, configuram relações jurídicas patrimoniais e

instauram uma regulação jurídico-negocial e autônomo-privada” (VANZELLA, 2012,

p. 104).

O ordenamento jurídico adota como técnica essencial, em diferenciação

de sua própria reação a operações econômicas e socialmente contratuais que não

se enquadram em tipos contratuais previamente dispostos, a utilização de um

regime de numerus apertus ou numerus clausus (VANZELLA, 2012).

Na primeira hipótese, em um regime de tipicidade legal aberta, caso

ocorra uma manifestação atípica de autonomia contratual, não necessariamente os

contratos atípicos serão prejudicados em sua existência. Significa que poderão ser

tidos como contratos em gênero ou serem jurisprudencialmente tipificados como um

dos contratos em espécie normativamente previstos. Na segunda hipótese, os

contratos atípicos necessariamente não serão considerados existentes como

contratos, pois não há um tipo contratual em gênero (VANZELLA, 2012).

Assim, no “direito positivo, apenas os contratos obrigacionais submetem-

se a um regime, em tese, de tipicidade legal aberta; os contratos de disposição

submetem-se a um regime de tipicidade legal fechada” (VANZELLA, 2012, p. 55).

E a referida autonomia contratual é representada em três dimensões da

capacidade de exercício: a) o poder de decidir pela participação ou não participação

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em um ou ambos os lados de uma relação jurídica patrimonial; b) o poder de decidir

por um tipo contratual, ou seja, pelos essentialia negotii (estrutura), que possibilitam

ao acordo existir no plano jurídico, e consequentemente pelo conteúdo legal

(naturalia negotii cogentes), que atribui ao acordo sua conformação jurídica mais

básica; e c) o poder de decidir pelos accidentalia negotii (conteúdo derivado da

vontade), pela confecção ou não das outras normas jurídicas contratuais, que

podem decorrer de derrogação de conteúdo legal disponível ou de inexação de

cláusulas contratuais típicas ou atípicas (VANZELLA, 2012).

As duas últimas dimensões variam, em extensão e intensidade, a

depender das citadas classes de contratos do Direito Positivo. No tipo do contrato

obrigacional, a autonomia contratual é identificada por essentialia negotii gerais,

naturalia negotii predominantemente não cogentes e accidentalia negotii permitidos

de maneira ampla, enquanto no tipo do contrato de disposição, é enxergada por

meio de essentialia negotii especiais, naturalia negotii predominantemente cogentes

e accidentalia negotii permitidos de maneira excepcional (VANZELLA, 2012).

O ordenamento jurídico utiliza-se de figuras contratuais de tipo vinculativo

e fixo ao tratar dos contratos de disposição justamente por conta de suas funções de

transmitir posições jurídicas subjetivas patrimoniais e de regular o próprio poder de

dispor sobre essas, como se poderá verificar na sequência.

4.2 CARACTERÍSTICAS, CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DOS CONTRATOS

DE DISPOSIÇÃO

Geralmente o caminho é inverso: primeiro o conceito é apresentado e

seus aspectos são dissecados, de forma a se obter a natureza jurídica e os

principais caracteres do instituto. Todavia, nesse caso, optou-se por, inicialmente,

analisar as características mais importantes do contrato de disposição e a partir daí

construir sua conceituação e consequente natureza jurídica.

4.2.1 Características

Neste momento serão analisadas, de maneira direta, as características

mais importantes para que se torne possível entender o que é o contrato de

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disposição. As característas mais importantes desses contratos são: atuarem como

a categoria jurídica que artigula os problemas regulados pelo regime de numerus

clausus e funcionarem como reguladores do poder de dispor.

Outras características não tão determinantes, como o regime típico de

publicidade, serão tratadas de maneira lateral em outros tópicos do presente estudo.

4.2.1.1 Categoria jurídica que articula os problemas regulados pelo regime de

numerus clausus

Uma afirmação de tal monta pode causar espanto em um primeiro

momento, pois significa que não somente os direitos subjetivos patrimoniais reais

articulam os problemas regulados pelo regime de numerus clausus, mas sim a

categoria do contrato de disposição.

4.2.1.1.1 Conceito de direito real e direito de crédito

Para comprovar tal afirmativa, necessário se faz delimitar o conceito de

direito real. A summa divisio das posições jurídicas subjetivas patrimoniais

estabelece a dicotomia entre direitos subjetivos obrigacionais e direitos subjetivos

reais como modelos sociais de intitulamento dos bens econômicos.

A corrente doutrinária das teorias subjetivistas ou personalistas dos

direitos subjetivos reais explica que cada uma das posições jurídicas subjetivas

patrimoniais referidas decorre da estrutura diferenciada das relações jurídicas que

lhes são subjacentes. Na hipótese de posição jurídica subjetiva obrigacional, a

relação jurídica correspondente possuirá caráter relativo (= ambos os polos

determinados ou determináveis), enquanto em uma posição jurídica real, a relação

jurídica possuiria caráter absoluto (= um dos polos indeterminado). A partir daí

retirar-se-ia o caráter absoluto dos direitos subjetivos reais, de forma que seriam

dotados de pretensões reais, imunidades contra disposição e contra execuções

judiciais (VANZELLA, 2012).

Todavia, os três atributos citados não se manifestam somente em

posições jurídicas subjetivas reais, mas sim em todas as figuras de direitos

subjetivos patrimoniais, inclusive nos créditos, afinal todo direito subjetivo é

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“limitação à esfera jurídica de todos os outros sujeitos de direito; da mesma maneira

que o proprietário que usar, fruir e dispor com exclusividade sua coisa, o credor quer

receber com exclusividade a sua prestação” (VANZELLA, 2012, p. 62).

Assim, o critério da exclusividade como forma de caracterizar os direitos

subjetivos reais não é suficiente, considerando-se que informa muito pouco sobre a

espécie das posições jurídicas subjetivas patrimoniais, pois, como afirmado, não

somente o titular de um direito subjetivo real tem interesse em que lhe seja provido,

com exclusividade, determinado bem da vida. Este possui como interesse a res,

enquanto um credor possui como interesse a prestação do devedor (VANZELLA,

2012).

Logo, o foco deve ser alterado da relação dos titulares das posições

jurídicas patrimoniais com terceiros para a relação daqueles com o objeto de

primeira ordem destas.

Remete-se à clássica distinção entre objetos de direito de primeira e de

segunda ordem. Aqueles, de maneira tradicional, são definidos como os objetos

materiais e imateriais “sobre los que es posible un derecho de dominio o de

utilización con eficacia frente a terceros” (LARENZ, 1978, p. 370). No que se refere

aos objetos de direito de segunda ordem, podem ser entendidos como objetos de

disposição, ou seja, os direitos e relações jurídicas (LARENZ, 1978).

Karl Larenz (1978, p. 370) usa como exemplo “la cosa que se halla en

propriedade de alguien es un objeto de derecho de primer orden, y la propriedad

existente sobre la misma, en cuando objeto de disposición, un objeto de derecho de

segundo orden”.

Assim, os direitos subjetivos patrimoniais possuem como objeto imediato

(= de primeira ordem) coisas ou prestações, de forma que o assenhoreamento das

primeiras é regulado por meio da atribuição de direitos subjetivos reais, enquanto o

das segundas o é por direitos subjetivos obrigacionais. Prestações são,

residualmente, o que não se encontra definido como coisa. Coisas são os objetos

corpóreos, incorpóreos e os direitos sobre direitos (e.g. hipoteca de superfície,

penhor de créditos, usufruto de empresa). Outrossim, os próprios direitos subjetivos

patrimoniais serão sempre objetos de direito de segunda ordem, ou seja, de uma

titularidade, configurando-se como objeto do poder de dispor e do dever geral de

abstenção, esse decorrente do princípio da incolumidade das esferas jurídicas

(VANZELLA, 2012).

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Ao focar a relação da posição jurídica subjetiva patrimonial com seu

objeto de primeira ordem, o critério da exclusividade passa a delinear-se de maneira

adequada a descrever os direitos subjetivos reais, pois as atitudes dos seus próprios

titulares possibilitam-lhes obter utilidades da coisa, diferentemente dos direitos

subjetivos obrigacionais, os quais dependem da atitude do devedor para terem suas

utilidades obtidas. Assim, os direitos subjetivos reais independeriam de uma relação

com outrem a quem o direito pertenceria com exclusividade; entretanto, os créditos

também põem seus titulares de maneira independente para com a coisa.

Portanto, a noção mais adequada é a de imediatidade, de forma que os

créditos podem ser tidos como “técnicas jurídicas de intitulação do assenhoreamento

imediato de prestações; direitos subjetivos reais […] técnicas jurídicas de intitulação

do assenhoreamento imediato de coisas” (VANZELLA, 2012, p. 66).

A contrario sensu, significa que direitos subjetivos obrigacionais podem

intitular mediatamente assenhoreamento de coisas (e.g. obrigações de dar),

enquanto os direitos subjetivos reais podem intitular mediatamente o

assenhoreamento de prestações (e.g. em variadas hipóteses de servidão).

Ademais, os direitos subjetivos reais não são os únicos a possuírem

pretensões exercíveis frente ao sujeito passivo total, pois a atribuição de créditos

também impõe a terceiros um dever comportamental geral de abstenção,

considerando que se trata de um direito subjetivo, e “onde quer que a regra jurídica

crie direitos, do lado passivo, por parte de todos, ou de alguém, está o alterum non

laedere” (MIRANDA, 2012a).

Assim, mesmo o crédito sendo um direito relativo, a atribuição de um

direito subjetivo a alguém é sempre absoluta. O que aduz à percepção de que a

diferença entre as “pretensões reais e as pretensões obrigacionais não está naquilo

que uma tem e a outra deixa de ter, mas sim no que ambas têm, e uma tenha,

talvez, mais do que outra” (VANZELLA, 2012, p. 68).

Significa que somente o devedor pode descumprir uma obrigação, ou

seja, ser sujeito do suporte fáctico de atos ilícitos relativos. Todavia, não significa

que terceiros não possam causar lesão a um direito de crédito e que esse não possa

ser objeto de suporte fáctico de atos ilícitos absolutos (VANZELLA, 2012).

Também significa que qualquer um pode causar dano a um direito

subjetivo real, todavia, desse ilícito absoluto surgem pretensões de caráter relativo,

como a de sequela (art. 1.228, caput, do Código Civil de 2002).

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Dessa maneira, é possível falar sobre um caráter dúplice dos direitos

subjetivos patrimoniais, de maneira que as pretensões reais (posições jurídicas

subjetivas ativas elementares do direito subjetivo real) são primariamente absolutas

e secundariamente relativas, enquanto as pretensões obrigacionais (posições

jurídicas subjetivas ativas elementares do direito de crédito) são primariamente

relativas e secundariamente absolutas (VANZELLA, 2012).

A imunidade contra disposição é uma posição jurídica subjetiva ativa

elementar definida por normas de competência e frequentemente associada a um

direito subjetivo real. Significa que o titular de tal direito é imune à eficácia real

irradiada de quaisquer títulos que não tenham sido outorgados pelo próprio titular do

direito subjetivo real (ou por alguém com legitimação), que não tenham sido

originariamente adquiridos e não precedam, caso exista ordem de constituição, o do

titular do direito real (VANZELLA, 2012).

Tal imunidade corresponde justamente à falta do pleno poder formativo de

dispor, ou seja, quem não é titular do direito subjetivo real não pode operar uma

disposição translativa ou constitutiva desse, significando que não poderá celebrar

contrato de disposição eficaz, pois o pleno poder formativo de dispor é requisito para

sua eficácia.

Assim, “se o que não pode alienar aliena, o efeito real (da transmissão)

falta. Pode haver contrato consensual (rectius obrigacional) válido e eficaz; mas o

ato (rectius contrato) de disposição é ineficaz” (MIRANDA,1955, p. 15).

Nesse sentido, vale a máxima romana nemo plus iurius transferre potest

quam habt ipse (Ulpiano, L. 54, D., de diversis regulis iuris antiqui, 50, 17), de forma

que o sucessor não pode receber mais direito do que possuía o sucedido40.

Passou-se a sustentar, então, que os direitos subjetivos reais teriam em

seu conteúdo a presença da posição jurídica subjetiva elementar ativa de imunidade

40Rememora-se que, no Direito Romano, o credor pignoratício poderia alienar o objeto do

penhor e pagar a si próprio. Lição que advém de Ulpiano (L. 46, D., de adquirendo rerum dominio, XLI, 1): “Non est novum, ut qui dominium non habeat, alii dominium praebeat: nam et creditor pignus vendendo causam dominii praestat, quam ipse non habuit” (CORRAL, 1897, p. 314); (L. 20, D., XLI, 1) “Traditio nihil amplius transfere debet vel potest ad eum, qui accipit, quam est apud eum, qui tradit. Si igitur quis dominium in fundo habuit, id tradendo transfert; si non habuit, ad eum, qui accipit, nihil transfert" (p. 306); L. 20, § 1, D., XLI, 1) “Quoties autem dominium transfertur, ad eum, qui accipit, tale transfertur, quale fuit apud eum, qui tradit; si servus fuit fundus, cum servitutibus transit, si liber, uti fuit;” (p. 306). Essa possibilidade não constitui um direito, mas sim um poder, de forma que não há exceção à referida máxima romana.

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contra disposição e a consequente presença da correlata posição jurídica subjetiva

elementar passiva da falta do poder de dispor, enquanto os direitos de crédito teriam

em seu conteúdo a ausência da posição jurídica subjetiva elementar ativa da

imunidade contra disposição e a ausência da posição jurídica subjetiva elementar

passiva da falta do poder de dispor, o que garantiria maior estabilidade aos direitos

subjetivos reais (VANZELLA, 2012).

Tal afirmação não faz sentido, pois caso fizesse, significaria concluir que

qualquer pessoa poderia dispor eficazmente de um crédito, inclusive o devedor,

independentemente de declaração jurídico-negocial do credor. Assim, a imunidade

contra disposição exsurge em ambos os direitos subjetivos patrimoniais no que se

refere ao assenhoreamento imediato dos objetos de primeira ordem de cada um e a

estabilidade dos direitos subjetivos reais encontra-se na imunidade contra a

disposição de posições jurídicossubjetivas sobre coisas, enquanto a estabilidade dos

créditos resta na imunidade contra disposição de posições jurídicossubjetivas sobre

prestações (VANZELLA, 2012).

Por fim, cumpre tratar sobre a imunidade contra execuções judiciais.

Ressalta-se que essa característica também atribuída, geralmente, somente aos

direitos subjetivos reais, é consequência da característica anterior, e pelos mesmos

motivos não se restringe somente aos direitos subjetivos reais.

Como observa Pontes de Miranda (2012a, p. 398), “os direitos

intransmissíveis também são inconstringíveis […], pôsto que a lei possa abrir

exceção ao princípio de paralelismo da transferibilidade e da constringibilidade”.

Assim, como os créditos também são imunes à disposição, também o são

contra execução judicial, de maneira que o titular daqueles estará sempre imune à

constrição de sua própria posição jurídicossubjetiva patrimonial (VANZELLA, 2012).

Ante o exposto, percebe-se que o caráter tríplice da absolutidade

(pretensões a sujeitos passivos totais, imunidades contra disposição e imunidades

contra execuções judiciais) encontra-se presente em todos os direitos subjetivos

patrimoniais, motivo pelo qual não há diferença entre as posições jurídicas subjetivas

patrimoniais sob o ponto de vista da relação de seus titulares com terceiros,

justamente por conta da situação jurídica da titularidade, pois são titulares de um

direito frente a todos os outros, seja esse real ou de crédito (VANZELLA, 2012).

Portanto, para os fins do presente trabalho:

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Os direitos subjetivos reais são definidos como técnicas jurídicas de intitulacão do assenhoreamento imediato de coisas, tuteladas por pretensões primariamente absolutas e por imunidades contra disposição e contra execuções judiciais de posições jurídicas subjetivas patrimoniais sobre coisas; os créditos, como técnicas jurídicas de intitulação do assenhoreamento imediato de prestações, tuteladas por pretensões primariamente relativas e por imunidades contra disposição e contra execuções judiciais de posições jurídicas subjetivas patrimoniais sobre prestações. (VANZELLA, 2012, p. 81).

Logo, todo titular de um direito subjetivo patrimonial é titular do poder de

dispor sobre esse e é titular de uma imunidade perante terceiros para com aquele.

4.2.1.1.2 Fundamento do numerus clausus dos direitos reais e dos contratos de

disposição

Apesar de a Revolução Francesa ter decretado o fim político do modelo

feudal de propriedade, consubstanciado na figura do duplo domínio, coube aos

pandectistas decretar a morte jurídica daquele, sobretudo ao elaborarem um

conceito abstrato de propriedade (propriedade como poder uno e total diferente de

todos os demais poderes que daquele decorrem).

Referido conceito tornou mais palpável a possibilidade de constituição de

direitos reais limitados e a facilitação da circulabilidade da propriedade, o que

significa o reconhecimento de que os proprietários possuem o poder de determinar,

mediante suas declarações jurídiconegociais, não “apenas um meu e um teu

dinâmicos (poder de dispor translativo), mas, sobretudo, a medida em que isso é

meu e aquilo é teu, e se isso pode ser meu e aquilo pode ser teu (poder de dispor

constitutivo)” (VANZELLA, 2012, p. 145-146).

Todavia, caso os proprietários pudessem exercer tal poder de dispor

constitutivo conforme seu bel-prazer, haveria o risco de instaurar-se uma ordem

descentralizada de atribuição dos bens econômicos, o que poderia causar tanto

desuniformidade quanto não atributibilidade, criando-se uma propriedade fora do

comércio. Nisso reside o paradoxo do poder de dispor (VANZELLA, 2012).

E a genialidade dos criadores do sistema das pandectas da ciência alemã

do Direito comum não somente os fez perceber tal problema, mas também propor

soluções, de maneira que abstrair os poderes do proprietário regula o paradoxo

supracitado, pois retira a competência daquele para regulamentar o poder de dispor

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constitutivo, ao mesmo tempo em que reconhece o princípio da disponibilidade das

posições jurídicas subjetivas patrimoniais. Assim, a competência para regular os

direitos subjetivos reais limitados foi atribuída ao legislador, ou seja, para regular o

poder de dispor, definindo de maneira exclusiva o objeto e o modo do tráfico,

predispondo legalmente os tipos vinculativos e fixos dos contratos de disposição

constitutiva daqueles direitos (VANZELLA, 2012).

Logo, o numerus clausus dos direitos reais funciona como instrumento

para a promoção do tráfico jurídico e econômico. Mas não somente isso, pois

também garante a liberdade do proprietário e dos potenciais proprietários ao

assegurar a irrestringibilidade do poder de dispor e a intangibilidade do poder de

adquirir, ou seja, serve à liberdade social do tráfico.

Como a propriedade é um direito subjetivo privado, deve guardar

observância ao princípio da individualidade dos direitos subjetivos privados. Como

rememora Pontes de Miranda (2012a, p. 286), “é princípio da teoria geral do direito,

vindo do conceito mesmo de direito, que duas pessoas, separadamente, não podem

ter o ‘mesmo’ direito41”.

Com o poder de dispor junto à posição jurídica subjetiva ativa do

proprietário, tal princípio poderia restar desviado. Como conciliar tal risco com a

necessidade de manutenção da liberdade do proprietário de manifestar sua vontade

sobre seu direito? Pois o proprietário pode dispor do que é seu como bem entender

e outro não pode dispor de tal coisa contra a vontade do primeiro, sendo estes os

aspectos positivo e negativo da propriedade. Reconhecer o poder de dispor do

proprietário significa que este pode alterar uma ordem de atribuição preestabelecida,

mas não somente isso, pois também significa que o titular do poder de dispor tem o

poder de dizer “quem tem e em que medida pode exercer o poder de dispor, quem é

e em que medida é proprietário” (VANZELLA, 2012, p. 161).

A solução, aparentemente simples, foi estabelecer que aquilo que não

está proibido pela lei consequentemente está permitido, estabelecendo-se o princípio

41Excelente exemplo é dado por Miranda (2012a, p. 286). “A regra jurídica tem tanto com

isso como tem com a identidade da página 100 do exemplar dêste livro, que o leitor está lendo, a máquina de impressão que baixou quatro mil vêzes sôbre as fôlhas de papel. A página de papel foi o suporte fáctico; a chapa molhada de tinta é a regra jurídica; o contacto é a incidência; a página impressa é o fato jurídico, que há de ser necessàriamente algum fato que interesse às relações humanas. A página 100 tem a sua individualidade, quer se cogite dela como a página 100 dentre as quatro mil páginas 100 que foram impressas, quer dela se cogite como a página 100 dentre as páginas dêste exemplar.”.

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da liberdade privada de disposição, qualidade do próprio poder de dispor. Isso

significa que o titular de uma posição jurídica subjetiva patrimonial pode exercer, de

forma autônoma, o poder de dispor sobre essa posição, a não ser que a lei o

impeça, em determinadas situações, retirando sua legitimidade de exercício do

poder de dispor. Daí pode-se concluir, também, que o titular do poder de dispor não

pode transformá-lo em não poder de dispor conforme sua própria vontade, restringi-

lo, subordinando a decisão de sua eficácia a mais de uma esfera jurídica. Que são,

pois, os direitos subjetivos reais limitados? Justamente restrições ao poder de

dispor. Como são criados? Por meio de contratos de disposição constitutiva

previamente fixados pela lei. Logo, somente mediante esses, o proprietário pode

restringir seu poder de dispor. A irrestringibilidade do poder de dispor é um princípio

geral do direito patrimonial privado que se concretiza no direito das coisas mediante

o numerus clausus dos direitos reais. E tal regime, além de limitar a autonomia nos

contratos de disposição, acaba por promovê-la nos contratos obrigacionais, pois

torna irrelevante a posição jurídica subjetiva do proprietário para que sejam eficazes

(VANZELLA, 2012).

O poder de adquirir consiste em posição jurídica subjetiva ativa capaz de

possibilitar um poder de aumentar o ativo patrimonial por meio de declarações

jurídiconegociais, ou seja, da potencialidade “de se tornar titular de direitos

subjetivos patrimoniais constituídos jurídico-negocialmente” (VANZELLA, 2012, p.

170).

Tal poder é regido pelo princípio da liberdade privada de aquisição (art. 5º,

caput, CF/1988), de forma que também só pode ser limitado pela lei (casos de falta

de legitimação, v.g., art. 497 do Código Civil de 2002, ou de falta de legitimidade,

v.g., art. 166, VII do mesmo Diploma). E tal poder de adquirir é regulado pelo

exercício do poder de dispor. Não somente do adquirente imediato, mas de todo um

contingente indeterminado de sujeitos, de todos os potenciais adquirentes que,

obviamente, não participam do processo de formação dos contratos de disposição

(meio mais comum de exercício do poder de dispor). Nesse sentido, o exercício do

poder de dispor atinge a liberdade privada de aquisição, significando heteronomia

privada, pois interfere na esfera jurídica de terceiros. Logo, o regime de tipicidade

vinculativa e fixa dos contratos de disposição expressa o regime de lei ao qual é

submetido o poder de aquisição, tendo em vista que é regulado pelo poder de

dispor, exercido por intermédio daqueles contratos (VANZELLA, 2012).

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Os contratos de disposição tornam-se existentes a partir do consenso

entre a declaração jurídiconegocial de dispor e a declaração jurídiconegocial de

adquirir, manifestações dos respectivos poderes de dispor e de adquirir.

Impedimentos ao poder de dispor significam, simetricamente, frustrações ao fim do

poder de adquirir e vice-versa, pois caso assim ocorra, o contrato de disposição será

ineficaz. Em uma transmissão translativa, v.g., a regulação do poder de adquirir é

verificada ao se determinar um novo centro de interesses ao qual aquele poder deve

ser direcionado para que os consequentes contratos de disposição sejam eficazes.

E em uma transmissão constitutiva? Os elementos do poder de adquirir podem ser

negocialmente modificados de diversas maneiras. Uma delas é a definição

autônomo privada de sujeitos que não possam adquirir determinada posição jurídica

patrimonial, ou seja, retira a legitimação para sua aquisição (e.g. cláusula xenófoba,

art. 16, II da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976), todavia não há impedimento

para que eles negociem a retirada de tal restrição com o titular original da posição

(por isso esse ainda permanece com uma mínima titularidade do direito subjetivo

patrimonial), o que acabaria por eficacizar posteriormente o contrato de disposição.

Também pode haver a definição autônomoprivada de res extra commercium (e.g.

pactum de non cedendo, art. 286 do CC/02). O modo de aquisição também pode ser

autonomamente definido, seja mediante a formação da vontade no contrato de

disposição subsequente (e.g. art. 36 da Lei nº 6.404/1976) ou dos fatores de sua

eficácia (e.g. direitos reais limitados) (VANZELLA, 2012).

Caso os contratos de disposição não fossem regulados em numerus

clausus, as partes poderiam alterar o poder de dispor e, consequentemente, o poder

de adquirir conforme seu bel-prazer. Logo, o numerus clausus dos contratos de

disposição (e consequentemente dos direitos reais) preserva a intangibilidade do

poder de dispor ao predeterminar modelos jurídiconegociais de adquirir vinculativos

e fixos, e caso a vontade das partes não se enquadre em um desses, haverá apenas

eficácia obrigacional.

Isso posto, é possível perceber que o regime de numerus clausus

estabelece um equilíbrio na tensão existente entre autonomia privada e regulação

jurídiconegocial das relações jurídicoabsolutas (manifestada mediante a categoria

jurídica da titularidade), pois reserva exclusivamente à lei a regulação de tais

relações. E esse regime encontra-se intimamente relacionado com a transmissão

constitutiva de direitos subjetivos patrimoniais, pois ao se estabelecer um direito

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subjetivo real limitado, evidencia-se a multiplicação de titulares de uma mesma

propriedade, consequentemente, de posições jurídicas subjetivas passivas

absolutas. Ademais, o sujeito passivo total deve ser encarado como os potenciais

adquirentes, existindo o numerus clausus porque qualquer pessoa tem o legítimo

poder de adquirir qualquer posição jurídica subjetiva patrimonial disponível e não

porque os direitos subjetivos reais podem ser violados por qualquer um. Em

verdade, as principais posições jurídicas subjetivas passivas que se multiplicam são

as sujeições e as ausências de poder dos potenciais adquirentes, opostas ao poder

de dispor e às imunidades dos titulares, o que causa uma reconfiguração

heterônoma do poder de adquirir daqueles, visto que não participam do negócio

jurídico de disposição constitutiva. Logo, o fim prático desejado mediante o

estabelecimento de um direito subjetivo real é impedir, de maneira total ou parcial, a

aquisição de um mesmo direito subjetivo patrimonial por um adquirente

subsequente, pois qualquer futuro adquirente terá que negociar com ao menos mais

de um titular para adquirir a plenitude de um mesmo direito subjetivo patrimonial, e

justamente por conta de tal potencial, o estabelecimento daqueles direitos (e de

todos os contratos de disposição, sobretudo os constitutivos) é regulado por lei,

mediante tipos vinculativos e fixos (VANZELLA, 2012).

O referido impedimento à aquisição será atingido caso a declaração

jurídiconegocial se enquadre em um dos tipos do contrato de disposição,

independentemente da eficiência dos agentes privados em conhecer ou não fatos

que impeçam sua aquisição, pois é o conhecimento do direito que importa. O foco

não deve ser a boa-fé subjetiva dos terceiros-adquirentes de boa-fé. Assim, para

alcançar tal objetivo, o adquirente deve contratar com o titular para, então, tornar-se

titular, e justamente em razão de esse fato afetar o poder de adquirir de potenciais

adquirentes, há um numerus clausus dos tipos de titularidades que se resolve no

numerus clausus dos contratos que modificam a titularidade, ou seja, dos contratos

de disposição. Dessa feita, mesmo que o terceiro-adquirente conheça declarações

jurídiconegociais reguladoras do poder de dispor que não se enquadrem nos tipos

fixos e vinculantes do contrato de disposição, irradiadoras somente de efeito

obrigacional, adquirirá a titularidade do direito transmitido, pois não existe contrato

de disposição anterior, mas tão somente contrato obrigacional, que não possui o

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condão de impedir uma disposição42. Pelo fato de esse contrato obrigacional criar

uma obrigação de não fazer (crédito à abstenção de alienação), caso ocorra,

resultará em crédito à indenização, além de nas possíveis penas convencionais

estabelecidas43 (VANZELLA, 2012).

Assim, ante todo o exposto, é possível concluir que não somente os

direitos subjetivos reais possuem o poder de afetar o poder de adquirir de terceiros,

mas todos os contratos de disposição, sobretudo os constitutivos. E esses contratos

regulam a titularidade de direitos, sendo totalmente irrelevante, para a existência de

imunidades contra disposição e execução judicial, a espécie de direito subjetivo

patrimonial que regulam. Da mesma forma que uma servidão afeta o poder de

adquirir de terceiros, assim também o faz um pacto de non cedendo. Por conta

disso, surge o paradoxo do poder de dispor, no qual o titular de um direito pode

regulá-lo, de forma autônoma, a ponto de atingir terceiros-potenciais-adquirentes,

exercendo uma heteronomia contratual, mas não a pode exercer de forma a

descaracterizar o próprio conceito de titularidade, e para solucionar tal situação,

impõe-se o regime de numerus clausus aos contratos de disposição.

4.2.1.1.3 O princípio da separação do direito das obrigações do direito das coisas

O numerus clausus dos direitos reais (dos contratos de disposição)

funciona como forma de assegurar tal princípio, garantindo que os efeitos contratuais

meramente obrigacionais não adentrarão no campo dos efeitos contratuais reais,

pois o legislador quis fazer impossível a transformação de acordos bilaterais em

posições jurídicas eficazes perante terceiros. Tal princípio estabelece uma conexão

entre efeitos contratuais reais e definição de titularidade ao determinar as fronteiras

dessa, atuando de forma a impedir que os agentes privados prejudiquem a

autonomia do direito das coisas, que afetem os tipos legais de titularidade (eficácia

real) predispostos pelo ordenamento jurídico (VANZELLA, 2012).

Por razões já especificadas, tal princípio não diz respeito às posições

jurídicas patrimoniais em si, em posições obrigacionais ou reais, mas sim aos

42§ 137 Rechtsgeschäftliches Verfügungsverbot. Die Befugnis zur Verfügung über ein

veräußerliches Recht kann nicht durch Rechtsgeschäft ausgeschlossen oder beschränkt werden. Em livre tradução, significa que o poder de dispor sobre um direito alienável não pode ser limitado ou excluído por outro negócio jurídico.

43Contra o adquirente, o prejudicado poderá demandar com base no § 826 do BGB.

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contratos que as regulam: os contratos obrigacionais e os contratos de disposição,

dois negócios jurídicos absolutamente inconfundíveis.

Sob o ângulo dogmático, referido princípio explica três quesitos que a

teoria do titulus e modus de aquisição não consegue explicitar de maneira

satisfatória, quais sejam a qual fato jurídico inexa-se uma condição em hipótese

exemplificativa de venda com reserva de domínio; qual fato jurídico é suscetível à

respectiva prática de representação; e qual seria o modo de aquisição de

propriedade em hipóteses de tradição ficta. A resposta a tais questões44 leva à

conclusão de um negócio jurídico existente entre o titulus e o modus, ou seja, ao

reconhecimento de um contrato de disposição (no caso de transmissão translativa

do direito subjetivo real da propriedade, na espécie de acordo de transmissão).

Percebe-se que a transmissão das posições jurídicas subjetivas patrimoniais não se

vincula a um modo de aquisição virtualmente necessário para sua eficácia, mas

depende, sobretudo, da categoria do negócio jurídico (obrigacional ou de disposição)

(VANZELLA, 2012).

Diante de toda a diferenciação entre tais categorias, iniciando-se a partir

da distinção entre negócios obrigacionais e negócios de direito das coisas, tornou-se

necessário o descobrimento de um elo perdido, pois o pensamento jurídico entende

que não somente a propriedade material poderia ser coisa, mas também outros

objetos, como créditos, admitindo-se que fossem realizados (sentido jurídico) a

depender de sua situação jurídica, pois “créditos são direitos subjetivos obrigacionais

quando observados na perspectiva da relação jurídica, mas são realizados quando

tomados […] como objetos da titularidade” (VANZELLA, 2012, p. 235), ou

compreende que o chamado direito subjetivo real não esgota o fenômeno da eficácia

contratual real, pois todos os direitos subjetivos possuem uma realidade atrelada à

alteração de sua titularidade. Como já foi tratado, há evidências das duas

tendências, e a “elaboração de uma categoria geral, que apanha também os

contratos de direitos das coisas, é uma das respostas para esse “elo perdido”: o

contrato de disposição” (VANZELLA, 2012, p. 235-236).

O contrato de disposição trata sobre todas as modalidades de alteração

plena ou modificação gravosa da titularidade de direitos subjetivos patrimoniais,

pouco importando se são obrigacionais ou reais, de forma que tal modificação

44Ver subitem 3.1.

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gravosa e tal alteração plena da titularidade é que se devem denominar de eficácia

real. Logo, os contratos de direito das coisas são uma espécie de contrato de

disposição, enquanto também existem no direito obrigacional (v.g. cessão de

créditos, pacto de non cedendo, cessão de quotas societárias e restrição de sua

cedibilidade). Portanto, as diferenças que as espécies de relações jurídicas

patrimoniais vão ocasionar são duas: a) primeiro, diferentes fatores de eficácia para

os contratos de disposição, pois quando esse regula o poder de dispor sobre

créditos há, desde o início, na relação jurídica obrigacional subjacente, um sujeito

determinado, e por isso necessita o contrato de disposição, para ser eficaz, da

participação de tal sujeito determinado (v.g. a renúncia do crédito depende do

assentimento do devedor [art. 385 CC/02] e da notificação do devedor na cessão de

crédito para que possa ser perante ele eficaz [art. 290 CC/02]), enquanto nas

relações jurídicas reais, por não haver tal sujeito determinado, a eficácia do contrato

de disposição não depende da participação de ninguém; b) a delimitação de uma

zona na qual a qualidade pessoal de um sujeito de direito é normalmente relevante

em um esquema entre as partes, como nos contratos obrigacionais, e de outra zona

na qual tal qualidade é excepcionalmente relevante em face de terceiros, como nos

contratos de disposição (VANZELLA, 2012).

Infere-se, pois, que o objetivo do princípio da separação é, sobretudo,

separar a eficácia dos contratos de disposição da eficácia dos contratos

obrigacionais.

4.2.1.1.4 Considerações

Ante todo o exposto, não faz sentido continuar a afirmar que o numerus

clausus é assunto atinente tão somente ao direito das coisas, pois toda alteração

plena de titularidade, sobretudo sua modificação gravosa, possui o condão de afetar

o poder de adquirir de terceiros. Por razões históricas, tal característica restou

associada à alteração da propriedade e principalmente à constituição de direitos

subjetivos reais limitados. Contudo, restou demonstrado que tal pensamento é falho,

de forma que a mesma alteração ou modificação gravosa também atua sobre

direitos de créditos, produzindo os mesmos efeitos. E a categoria jurídica apta a

regular tal situação de transmissão e modificação da titularidade e a consequente

regulação do poder de dispor e de adquirir é o contrato de disposição, sendo-lhe

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ínsito o regime do numerus clausus, pois funciona como a solução do paradoxo do

poder de dispor, garantindo a segurança do tráfico jurídico-econômico.

4.2.1.2 Regulador do poder de dispor

Como já tratado, o poder de dispor constitui um poder formativo, um

metapoder integrante da titularidade e um dos fatores de eficácia dos contratos de

disposição, ou seja, da declaração jurídiconegocial de dispor e da aquisição

contratual derivada, por isso veicula a chamada heteronomia privada.

Nesse contexto, há de se indagar: como ocorre a aquisição de direitos?

A aquisição de um direito pode ser originária ou derivada.

Na primeira, não há alusão a qualquer outra pessoa e o suporte fático do

fato jurídico de que nasce tal direito não tem ligação com outro direito, sendo

composto apenas de fatos do mundo. Assim, o direito é novo, e caso existisse antes,

como de alguém, pouco importa, já que não é de tal titular que ele advém (e.g. o

dono das matérias na comistão). Por ser o direito novo, logicamente não é o mesmo

que o anterior, caso existisse, ou não havia outro de que proveio ou, ainda, não

constituiu-se a partir de elementos de outro direito. As relações jurídicas creditórias

sempre criam novos direitos, oportunizando aquisição originária. O usucapiente, v.g.,

não tem nada com o proprietário anterior, pois o que causa sua aquisição originária

é o suporte fático suficiente, adquirindo, por si só, a propriedade. Além disso, não é

da usucapião que decorre a perda da propriedade do proprietário anterior, pois não

é o novo direito que suplanta o precedente. O objeto desse apenas desapareceu, de

maneira que o seu suporte fático desfez-se (PONTES DE MIRANDA, 2012a).

Na aquisição derivada o suporte fático é composto de fatos do mundo e

fatos jurídicos, de forma que este constitui o cerne daquele, havendo, pois, relação

causal entre a nova relação jurídica e a anterior. Ocorre de pessoa a pessoa,

suscitando, como regra, a sucessão, translativa ou constitutiva. Na primeira, uma

pessoa substitui a outra na relação jurídica, enquanto na segunda passa-se a

outrem elemento de seu direito. Assim, em uma aquisição derivada translativa, o

sucessor adquire o mesmo direito do sucedido, que imediatamente o perde,

enquanto em uma aquisição derivada constitutiva, ocorre a passagem de direito

retirado do direito do sucedido (PONTES DE MIRANDA, 2012a).

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A aquisição de direitos subjetivos patrimoniais significa, portanto,

acréscimo de posição jurídica subjetiva patrimonial na esfera jurídica do sujeito de

direito. Via de regra, de maneira correlata à tal aquisição há o consequente

agravamento do ativo patrimonial ou do passivo patrimonial. Os acréscimos

patrimoniais, quando realizados por meio de contrato, chamam-se de atribuições

patrimoniais e aquele será obrigacional quando o acréscimo patrimonial em favor de

um sujeito (= credor) significar um aumento do passivo patrimonial (= obrigação) do

outro (= devedor), ou será de disposição, quando ao acréscimo em relação a um

sujeito (= adquirente) corresponde uma diminuição do passivo patrimonial (=

transmissão) de outro sujeito (= disponente) (VANZELLA, 2012).

No primeiro caso, há aquisição originária contratual, enquanto no segundo

há aquisição derivada contratual.

Tal “agravamento patrimonial não concerne […] apenas a quem o

experimenta, [pois] na ordem jurídica da circulação econômica, todos os sujeitos de

direito são […] potenciais credores e sucessores uns dos outros” (VANZELLA, 2012,

p. 258).

Existem, pois, dois momentos jurídicos distintos quando se trata da

transmissão de direitos subjetivos, o obrigacional45 e o de disposição46. No momento

obrigacional, o sujeito privado pode “vender (= prometer alienar) um determinado

direito subjetivo patrimonial quantas vezes quiser para diferentes compradores.”

(VANZELLA, 2012). Frisa-se que o contrato obrigacional, nesses casos, restará

incólume, não lhes sendo aplicada a sanção da nulidade.47 Seu objeto é uma

aquisição contratual originária.

O objeto do contrato de disposição é a sucessão (= transmissão), logo,

uma aquisição contratual derivada, podendo regular, pois, uma transmissão

translativa ou uma transmissão constitutiva.

45Os credores “submetem-se à regra da irrelevância da precedência ou ausência de

prioridade: os contratos obrigacionais não implicam uma restrição ao poder de se obrigar, e nem de nenhum outro poder sobre o patrimônio do devedor […]” (VANZELLA, 2012, p. 258).

46Impera “a regra de supremacia da precedência ou prioridade: os contratos de disposição implicam uma restrição ao poder de dispor, [e] os direitos subjetivos patrimoniais a que se referem são […] modificados, e todos os […] posteriores encontram um impedimento nos anteriores” (VANZELLA, 2012, p. 258).

47No Direito brasileiro, tal conclusão extrai-se de interpretação a contrario sensu do artigo 166, VII, segunda parte, do Código Civil de 2002, além de ter como sanção, em vez de nulidade, a indenização pela impossibilidade da prestação por culpa do devedor, conforme dispõe o art. 399 do Código Civil de 2002 (VANZELLA, 2012).

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Na primeira o “titular do direito muda sem que mude o direito” (PONTES

DE MIRANDA, 1955, p. 31). Nesse sentido, a perda do direito por um gera a

aquisição do direito por outro. E o que causa tal aquisição é justamente o necessário

ato de disposição de quem perde seu direito. Observe-se que a relação jurídica não

será a mesma, pois alteram-se os sujeitos. Apenas o direito não resta alterado.

Na segunda hipótese, haverá a situação anômala de perda da

individualidade do direito subjetivo, pois esse não é completamente transferido.

Logo, “a soma dos conteúdos do direito que fica e do direito que passa a outrem é

igual ao conteúdo do direito que havia; […] não há alienação […] exatamente porque

há cerne de direito que mantém o nôvo […] como ‘agarrado’ ao […] que fica”

(PONTES DE MIRANDA, 1955, p. 36-37).

Assim, apesar da íntima relação, os direitos constituinte e constituído são

independentes, devendo este ser, sempre, menor que o primeiro48.

Com efeito, haverá a multiplicação da titularidade sobre o mesmo direito,

pois mais de um sujeito deterá um titulo de precedência sobre a mesma posição

jurídica subjetiva patrimonial, considerando-se que o titular do direito constituinte é

imune à disposição do direito constituído e vice-versa. Dessa maneira, o poder de

dispor da parte transmitente sobre o direito constituído é regulado pela própria

transmissão.

Então, “transmitir contratualmente uma posição jurídica subjetiva

patrimonial é regular contratualmente o poder de dispor sobre ela” (VANZELLA,

2012, p. 266).

A lógica funciona como maneira de regular o próprio poder de dispor, pois

a causa de sua extinção, total ou parcial, na esfera jurídica do sucedido, é a mesma

do nascimento do mesmo poder, no todo ou em parte, na esfera jurídica do

sucessor. Assim, a “disposição contratual translativa regula a permissão de dispor

(Verfügendürfen), enquanto a transmissão contratual constitutiva regula a

possibilidade de dispor (Verfügenkönnen)” (VANZELLA, 2012. p. 266-267).

O contrato de disposição translativa informa o novo titular exclusivo,

enquanto o contrato de disposição constitutiva regula em face de quem a disposição

48Somando-se as duas noções, concluí-se pela possibilidade de os próprios direitos

constituídos constituirem outros direitos, também menores. Surge, daí, o que Pontes de Miranda (1955) chama de graus em linha sagital, inconfundíveis com os graus em irradiação, observados por meio de direitos constituídos sobre o mesmo objeto pelo proprietário (primeiro e segundo penhores, por exemplo).

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não é eficaz. Logo, a “metáfora do direito constituído é de que o sucessor também

pode dispor ou, pelo menos, está imune contra a disposição, e é por isso que se diz

que ele […] se tornou titular. Eis a eficácia real” (VANZELLA, 2012, p. 267).

Tal fenômeno que é regulado pelo numerus clausus.49 E disso surge uma

estabilidade, uma segurança, pondo na prática a máxima de que o sucessor tem, no

máximo, o direito que tinha o sucedido.50

4.2.2 Conceito e natureza jurídica

Diante de tudo que foi apresentado, torna-se possível definir o contrato de

disposição em três sentidos, que se inter-relacionam.

Em um primeiro sentido, restrito e histórico, o contrato de disposição seria

o contrato de direito das coisas. Tal ponto de vista é útil para acentuar que a

irradiação de efeitos provenientes da eficácia real foram transladadas para outros

espaços do Direito Positivo. Em um segundo sentido, amplo, contrato de disposição

significa contrato de disposição contratual, translativa ou constitutiva, de direitos

subjetivos patrimoniais preexistentes, o que acarreta a perda, total ou parcial, de tais

direitos pelo sucedido, sem significar, todavia, sua extinção, produzindo, por

conseguinte, sua aquisição derivada, total ou parcial, pelo sucessor. Em um terceiro

sentindo, técnico e estrito, contrato de disposição deve ser entendido como o

negócio jurídico bilateral predisposto pela ordem jurídica apto a regular, de maneira

autônomoprivada, a titularidade (VANZELLA, 2012).

A natureza jurídica do contrato de disposição é translatícia, podendo

veicular tanto uma posição jurídica subjetiva patrimonial de crédito, como uma

posição jurídica subjetiva patrimonial real. No primeiro caso, será regulado por

normas atinentes ao direito obrigacional (v.g. cessão de créditos e convenção de

incedibilidade). Na segunda hipótese, será regulado por normas referentes aos

49Em princípio, todos os créditos são cedíveis, todavia, as partes podem regular o poder de

dispor sobre eles também mediante contrato de disposição constitutiva. São exemplos o pactum de non cedendo e as cláusulas de contratos societários que restringem a cedibilidade das participações societárias (VANZELLA, 2012).

50Rafael Vanzella (2012) arremata a questão, afirmando que a técnica do contrato obrigacional será mais adequada caso os interesses econômicosociais do agente recaíam sobre comportamentos de uma pessoa determinada e/ou na solvibilidade do seu patrimônio. Por outro lado, a técnica do contrato de disposição será mais eficiente quando os interesses do agente se direcionarem a um direito subjetivo patrimonial determinado e/ou para comportamentos próprios de quem cumpra suas ordens sobre tal direito).

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direitos reais (v.g. acordo de transmissão da propriedade e acordo de constituição de

direito subjetivo real limitado). Logicamente, trata-se do objeto de primeiro grau que

veicula, pois seu objeto de segundo grau será a titularidade e sempre produzirá os

efeitos decorrentes de sua alteração, qual seja, efeito real, independentemente do

direito veiculado. A diferença, portanto, em tal critério, residirá nas características da

relação jurídica subjacente, que constituirão diferentes fatores de eficácia em relação

ao contrato de disposição, caso seja aquela obrigacional ou real, como a necessária

participação ou não de um sujeito determinado ou determinável para que possa

irradiar seus efeitos.

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5 DA CESSÃO DE CRÉDITOS

A cessão de créditos, enquanto modalidade de transmissão das

obrigações, foi a primeira a ser consagrada legislativamente, mediante o Code Civil

de 1804.

Todavia, nem sempre a transmissão das obrigações foi reconhecida como

algo possível. Os romanos eram totalmente avessos a essa possibilidade, por conta

da sua concepção de obrigação como uma ideia de vínculo de estrita pessoalidade

(FARIA, 1990).

Antonio Fernández de Buján (2012) salienta que a primeira demonstração

do surgimento, entre os romanos, da noção de obrigação como vinculum iuris,

decorreu das consequências da composição, voluntária ou legal, entre o sujeito ativo

e passivo da atividade delitiva penal. Em seguida, passou a derivar da exigência

legal de acordo entre eles. No âmbito dos atos lícitos, a progressividade da noção de

obrigação girou em torno das figuras do nexum, dos garantes procesales e da

sponsio. A primeira (que literalmente significava nexo) era um negócio jurídico formal

que implicava ampla responsabilidade do devedor, que não se limitava somente ao

seu patrimônio até o advento da Lei Poetelia Papiria. A partir desse momento, tal

negócio caiu em desuso, até desaparecer no período referente ao final da

República. A sponsio consistia em um negócio formal, mediante o qual uma das

partes, o sponsor, comprometia-se, por meio de sua palavra, a realizar perante o

sujeito ativo da relação obrigacional uma prestação. Caso o sponsor descumprisse

sua palavra, a prestação poderia ser exigida por meio da legis actio per iudicis

arbitrive postulationem. Com o decorrer do tempo, o conceito da obligatio estendeu-

se a todas aquelas prestações surgidas no âmbito dos contractus e dos demais atos

lícitos geradores de deveres jurídicos com o conteúdo de dare, facere, praestere e

oportere.

Assim, por conta do caráter estritamente pessoal da obrigação primitiva,

essa era tida como um “vinculum iuris contraído de forma exclusiva entre un

acreedor y un deudor, excluía la possibilidad de ceder el credito a una tercera

persona, sin consentimiento del deudor [...]” (BUJÁN, 2012, p. 577).

A relação entre credor e devedor, no pensamento jurídico romano, era tão

pessoal que “no cabía la posibilidad de cambiar a uno u otro de estos sujetos,

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dejando existente la relación obligatoria, en el sentido de transmitir a otros la facultad

de exigir una determinada conducta [...]” (VOLTERRA, 1986, p. 583).

Todavia, tal fator não impediu os romanos de desenvolveram meios

indiretos para conseguirem obter os efeitos práticos da transmissão obrigacional,

como a delegatio e a cognitio ou procurario in rem suam.

A delegatio podia ser realizada por meio da transscriptio a persona in

personam ou por meio da estipulação novatória. A pedido do credor, o devedor se

obrigava, na mesma forma da stipulatio, em relação com pessoa indicada por

aquele, a realizar a prestação a que se encontrava obrigado (= delegatio crediti).

Dessa forma, a primeira obrigação entre o credor e o devedor originário restava

extinta, transformando-se, pois, na segunda obrigação, decorrente de tal pacto.

Como afirmado, não se tratava de transmissão propriamente dita, considerando-se

que a obrigação não era mais a mesma. As diferentes consequências a serem

emanadas das diferentes obrigações comprovavam tal assertiva, v.g., as garantias

da primeira obrigação extinguiam-se juntamente com essa, não se reconstituindo

ipso iure por conta da stipulatio (VOLTERRA, 1986).

Por meio da cognitio ou procuratio in rem suam o credor nomeava terceiro

como seu cognitor ou procurator com o objetivo de que atuasse em juízo contra o

devedor, para que obtivesse a prestação devida. Por meio da litis contestatio

formava-se uma nova relação obrigacional entre devedor e novo credor, ao mesmo

tempo em que aquela extinguia a relação obrigacional originária (= novatio

necessaria). Em tal hipótese, diferentemente da estipulação novatória, não

necessariamente haveria a extinção das garantias da obrigação, além de a “cessão

do crédito” poder ocorrer sem a participação do devedor originário (VOLTERRA,

1986).

Apesar de tais vantagens, o “cedente” ainda conservava a posição de

credor. Ademais, enquanto não concluída a litis contestatio, o outorgante poderia

revogar o mandato e extinguir o crédito.

Diante disso, durante o Direito Imperial, a partir de Antonino Pio, passa-se

a oferecer ao “cessionário” uma melhor posição, pois há a concessão, para esse, de

uma actio utilis, praticável independentemente de representação processual

(KASER, 1999).

Assim, com o decorrer do tempo, a própria concepção de obrigação foi

sendo moldada conforme os ditames e interesses de cada sociedade. Atualmente,

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não pode ser mais enxergada de modo estático, mas sim de forma dinâmica, como

um processo apto a gerar riquezas, o que estimula o estudo dos seus meios de

transmissão, entre os quais, a cessão de créditos.

5.1 ESTRUTURA, EXISTÊNCIA E NATUREZA JURÍDICA

Precisões terminológicas precisam ser feitas, considerando-se que a

expressão cessão de créditos pode ser compreendida conforme vários sentidos, pois

alguém pode utilizá-la para designar o contrato obrigacional que faz surgir o dever

de ceder o crédito, ou o contrato de disposição, que efetivamente transfere o crédito,

ou o processo como um todo, incluindo ambos os contratos, ou ainda para referir-se

ao efeito da cessão, tratando-a como sinônimo de transmissão.

A cessão de crédito como processo (contrato obrigacional + contrato de

disposição) deve ser entendida como cessão em sentido lato.

Sob o ponto de vista estrutural, portanto, a cessão de crédito “consiste na

concatenação de dois negócios jurídicos, dois contratos, cada qual passível de

análise estrutural própria” (SIMÕES, 2011, p. 17).

Desde já, é possível perceber que vários passos precisam ser dados para

a ocorrência dessa cessão em sentido lato. O objetivo final de uma cessão de

créditos é, logicamente, a transferência de tal crédito, o que vai ocorrer mediante o

contrato de disposição translativo de cessão de crédito.

Logo, em um primeiro momento há o contrato obrigacional51

estabelecendo a obrigação de transferir o crédito, mais especificamente, de dar o

crédito52. Sua eficácia é vinculativa. Tal contrato pode ser, v.g., uma compra e venda

ou doação. Ocorre entre o cedente e o cessionário, ou, mais propriamente, vendedor

e comprador, doador e donatário, credor e devedor.

51Não se nega que o crédito a ser transferido pode decorrer de outro fato jurídico, v.g.,

promessa de recompensa. (HAICAL, 2013). Todavia, escolheu-se utilizar o contrato como paradigma, por configurar o negócio jurídico por excelência da regulação do tráfico jurídicoeconômico, além do fato de tal utilização manter a coerência do termo, que foi dominantemente utilizado neste trabalho, sobretudo por conta da diferenciação dos contratos obrigacionais e dos contratos de disposição com base na obra de Rafael Vanzella (que também opta por tal utilização).

52“A função do contrato-base é permitir a vinculação das partes nos termos por ela desejados, gerando deveres prestacionais dentre os quais, necessariamente, se encontrará a promessa de transferir o crédito” (SIMÕES, 2011, p. 19).

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Esse contrato obrigacional, também denominável de negócio basal, vai

fixar o regime jurídico a ser aplicado na totalidade da operação (v.g. onerosidade ou

gratuidade), logo, de acordo com Marcel Edvar Simões (2011, p. 18), os “caracteres

típicos, as notas conceituais, a disciplina legal e os princípios aplicáveis próprios do

contrato-base é que se deverão ser examinados a fim de se obter o colorido próprio

da operação concreta”.

Infelizmente, o Código Civil de 2002 não traz disposição expressa quanto

ao regime jurídico aplicável, como o faz seu confrade português53. Cabe à doutrina

elaborar tal possibilidade ou não, de forma que neste trabalho segue-se a primeira

opção. Tal posição, inclusive, é totalmente coerente com a assertiva de que o

sistema brasileiro é causalista.

Em um segundo momento, há o contrato de disposição translativa de

cessão de crédito, tipificado no art. 286 do Código Civil de 2002, que visa justamente

adimplir a obrigação assumida no primeiro contrato, a de transferir aquele crédito,

logo, sua eficácia é, obviamente, translativa. Ocorre entre o cedente e o cessionário,

ou mais propriamente, nesse momento, entre o dispoente e o adquirente. Ademais,

pode-se afirmar que ainda se faz necessária a participação do cedido, de alguma

forma, para que tal contrato seja eficaz perante ele (= notificação).

A natureza jurídica do contrato de disposição de cessão de crédito é

obrigacional, considerando-se que transfere direito subjetivo de crédito ou

pretensões, ações, exceções creditícias. Como visto, tal fator não prejudica o caráter

de absolutidade ínsito à toda transmissão de direito subjetivo, de titularidade, pois a

classificação em direito de crédito ou direito real considera o objeto de primeiro grau,

o que acarreta mudanças nos fatores de eficácia da relação jurídica subjacente a

tais direitos (relação obrigacional = participação do outrem

determinado/determinável). Um contrato de disposição pode ter natureza real ou

obrigacional, a depender do direito que veícula. Mas continua sendo de disposição,

pois acarreta mudanças na titularidade, enquanto um contrato estritamente

obrigacional não tem tal condão. Não necessariamente tal diferença ocorre somente

por conta da posição topográfica no Código (cessão de créditos no livro das

obrigações), pois existem contratos de disposição que importam em deveres

comportamentais (de natureza obrigacional) também no livro do Direito das Coisas.

53Artigo 578. Regime aplicável. 1 - Os requisitos e efeitos da cessão entre as partes

definem-se em função do negócio que lhe serve de base.

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Ademais, nada impede que de tal contrato de disposição exsurjam direitos

e deveres obrigacionais secundários e laterais, destinados a atender à satisfação do

crédito transferido ao cessionário (HAICAL, 2013).

Não há um “tipo geral” da cessão de crédito, no qual a vontade das partes

pode se adequar caso não se encaixe nas disposições dos arts. 286 ao 298. Caso

as declarações jurídiconegociais das partes não se encaixem em tais tipos legais

vinculativos e fixos, o contrato de disposição pode nem existir (v.g. crédito incedível

por convenção entre credor e terceiro) e tais acordos terão eficácia meramente

obrigacional. Todavia, ainda há algum espaço de liberdade para as partes

exercerem sua autonomia, e.g., arts. 287 e 296.

Apesar de a margem de modificação dos tipos vinculativos e fixos do

contrato de disposição ser muito pequena, todas aquelas que visem diminuir a

eficácia de uma restrição ao poder de dispor são admissíveis, pois, como visto, o

ordenamento jurídico é refratário à regulação autônomoprivada de tal poder

(modificações ao tipo do contrato de disposição constitutiva do pactum de non

cedendo constituem exceção à tal diretriz, ou se respeita o tipo do artigo 286 ou a

convenção entre o credor e o devedor de, e.g., estabelecer uma forma especial para

a cessão, produzirá efeitos meramente obrigacionais, não prejudicando o

cessionário) (VANZELLA, 2012).

Como no presente trabalho adota-se a posição de que o sistema

brasileiro de transmissão da titularidade é essencialmente causal, a questão em

relação à cessão de crédito lato não poderia deixar de ser diferente, já que não

constitui exceção.

O contrato de disposição translativa da cessão de crédito é causal ao

contrato obrigacional subjacente. Os arts. 294 e 295 do Código Civil de 2002

fundamentam bem tal afirmação.

De acordo com o primeiro, o devedor pode opor ao cessionário as

exceções e objeções que possuía contra o cedente, como a nulidade do contrato

obrigacional subjacente (v.g. ilicitude dos motivos, art. 166, III, do Código Civil), ou a

sua anulabilidade54. De acordo com o segundo artigo referido, há que se pesquisar

54Gustavo Haical (2013, p. 24) ainda trata sobre a possibilidade de o devedor objetar a “anulabilidade

da própria cessão”. Caso o autor esteja se referindo ao contrato de disposição translativo de

cessão de crédito, tal questão não diz respeito a sua causalidade ou abstração em relação ao contrato obrigacional, mas ao contrato de disposição ter ou não cumprido com os requisitos de validade.

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sobre a onerosidade ou gratuidade do contrato obrigacional para se saber qual será

a responsabilidade do cedente no que tange à existência do crédito (HAICAL, 2013).

A cessão de um crédito não modifica o seu conteúdo, mas sim a relação

jurídica, que tem seus figurantes alterados. Logo, quem “fala de sucessão alude à

derivatividade, à causação, à aquisição de direito à custa de outrem e não de outro

direito” (PONTES DE MIRANDA, 1958, p. 268).

Ademais, não pode ser confundida com a cessão de posição contratual. A

cessão de créditos lato transfere o direito subjetivo de crédito (= posição jurídica

subjetiva ativa complexa), logo, transfere, via de regra, as pretensões (com a

correspectiva ação de Direito Material), faculdades, poderes formativos e

imunidades. Em uma cessão de posição contratual o figurante transfere, prima facie,

tanto seu direito subjetivo quanto seu dever jurídico, duas posições jurídicas

subjetivas complexas, a primeira ativa, como visto, e a segunda passiva.55

De acordo com o esquema proposto por Marcel Edvar Simões (2011),

considera-se como núcleo essencial da cessão de créditos os dois contratos

expostos. Outros elementos completantes ou suplementares podem ser agregados

sob o aspecto de fatores de eficácia, como, v.g., tradição do título, notificação do

cedido, registro.

Portanto, para existir, necessários apenas os dois primeiros contratos e,

via de regra, para ser eficaz perante o cedente e o cessionário também. Ambos

precisam respeitar os requisitos de validade.

Todavia, em alguns casos, para que a eficácia plena da cessão entre o

cedente e o cessionário ocorra, apresenta-se como necessário o ato-fato de

tradição-entrega do título do crédito cedido, como nos títulos de crédito, caso em que

pode ser posta como elemento completante. Em outros casos, tal tradição é

necessária para que a cessão possa ser eficaz perante terceiros, caso em que será

considerada como elemento suplementar.

A quarta etapa consiste na prática do ato jurídico stricto sensu enunciativo

de notificação do devedor-cedido. É suplementar pela sua inobservância não

55Carlos Alberto da Mota Pinto (1985, p. 185) defende a teoria unitária, de forma que a

cessão da posição contratual não consistiria apenas em uma fusão das figuras da cessão de crédito e da assunção de dívidas (= teoria da decomposição), mas sim em que o objeto daquela cessão contratual seria a relação contratual, “entidade dogmática diversa duma simples soma ou conglomerado de créditos e débitos, consistindo numa unitária relação da vida que sucessivamente se pode desentranhar em vários vínculos e faculdades”.

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acarretar inexistência ou ineficácia total do contrato de disposição translativo da

cessão de créditos, mas sim por torná-lo ineficaz em relação ao cedido, já que seu

assentimento não é fator de eficácia. Configura um procedimento típico de

publicidade, fator de eficácia tão ínsito aos contratos de disposição.

A quinta etapa, também suplementar, consiste no assentimento do

cedente para registro, enquanto a sexta e última etapa (suplementar) diz respeito ao

ato jurídico de Direito Público do registro, o que possibilita a irradiação de eficácia

perante terceiros (= potenciais adquirentes que têm seu poder de adquirir afetado

pela disposição).

Qual a utilidade da distinção entre tais etapas? A resposta é simples: a

atribuição das consequências corretas. Caso o contrato-basal obrigacional seja

existente, válido e eficaz, mas o contrato de disposição não exista, seja inválido ou

seja firmado entre o cedente e o cessionário, aquele restará incólume, continuando a

irradiar sua eficácia obrigacional, além de possibilitar o surgimento de outras

pretensões e deveres obrigacionais, como indenização por inadimplemento ou por

descumprimento de deveres laterais, em violação à boa-fé objetiva. Na hipótese de o

contrato obrigacional ser inválido, o contrato de disposição também necessariamente

o será. Caso os dois existam, sejam válidos e eficazes entre o cedente e o

cessionário, mas o devedor-cedido não houver sido notificado, haverá ineficácia

relativa perante esse. E se o ato de registro público não houver sido realizado,

haverá ineficácia relativa perante terceiros.

Ademais, o art. 286 do Código Civil de 2002 também traz o tipo legal de

outro contrato de disposição, qual seja, a convenção de incedibilidade ou o pactum

de non cedendo, que regula uma disposição constitutiva realizada entre o credor e o

devedor.

5.2 REQUISITOS DE VALIDADE

Tanto o contrato obrigacional quanto o contrato de disposição translativa

de cessão de créditos atravessam o plano da validade, considerando-se que ambos

são, antes de tudo, negócios jurídicos bilaterais. Os atos componentes das outras

etapas da cessão de créditos também encaram o plano da validade, com exceção

do ato-fato da tradição entrega.

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Logo, a primeira necessidade que se impõe é o respeito aos requisitos do

art. 104 do Código Civil de 2002: agentes capazes, objeto lícito, possível,

determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.

5.2.1 Objeto

O objeto imediato da relação jurídica obrigacional é a prestação de

transferir o crédito, enquanto o objeto do contrato de disposição translativo é a

transferência do crédito (= transferência da titularidade do direito subjetivo de

crédito).

Como o sistema jurídico patrimonial privado brasileiro adota o princípio da

livre disponibilidade, a regra é que tal titularidade seja cedível. Indaga-se, pois: o

crédito futuro também é cedível? Antes: que são os créditos futuros?

Apesar de aparentemente óbvio, são os créditos ainda não existentes na

esfera jurídica patrimonial do cedente. Diferem-se dos créditos a termo inicial ou

condição suspensiva, que já existem e sobre os quais não paira qualquer dúvida

quanto a sua cedibilidade (HAICAL, 2013).

A principal polêmica sobre tal cedibilidade ou não reside na questão do

momento da translação do crédito e duas principais teorias, opostas, buscam

explicar o fenômeno: a teoria da transmissão (Durchgangstheorie) e a teoria da

imediação (Unmittelbarkeitstheorie).

Segundo a primeira, o crédito, no momento em que passa a existir,

constitui-se na figura do cedente e então é transmitido ao adquirente. De acordo

com a segunda, o crédito futuro cedido surge imediatamente na figura do

cessionário (PINTO, 1985).

Logo, de acordo com a primeira teoria, é possível sim a cessão de

créditos futuros com a devida observância do requisito de serem determináveis, pois

“apenas exige que se haja caracterizado o que se cede, isto é, que ao nascer o

crédito, se saiba, ao certo, qual será o crédito cedido” (PONTES DE MIRANDA,

1958, p. 275).

Como ocorre uma aquisição derivada, o devedor “poderá opor ao

cessionário todas as exceções e objeções existentes contra o cedente até o

momento em que o crédito foi constituído” (HAICAL, 2013, p. 28).

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E em caso de falência do cedente de créditos futuros, a operação se

concretizará? Marcel Edvar Simões afirma que não (2011), com o que se concorda,

pois de acordo com a teoria da transmissão, o crédito se forma primeiramente no

patrimônio do cedente e a declaração da situação de insolvência limita o seu poder

de dispor, cabendo, pois, ao administrador da massa, decidir sobre o destino de tal

cessão.

O art. 287 do Código Civil de 2002 trata sobre a regra de que um crédito,

na cessão, deve abranger todos os seus acessórios. Logo, o “crédito não pode vir a

enfraquecer pela cessão com a extinção das garantias, privilégios ou direitos a ele

vinculados” (HAICAL, 2013, p. 30-31).

Podem ser tidos como acessórios do crédito cedido os direitos de garantia

do crédito, além dos juros e das penas convencionais. Os poderes formativos não

podem ser tido como acessórios56, pois a depender da concepção, devem ser

considerados como conteúdo de tal direito ou como meta poder que atuam sobre

ele. Do mesmo modo os direitos e deveres laterais não devem ser encarados como

acessórios, pois também constituem conteúdo do direito subjetivo de crédito.

As indisponibilidades legais são exceções ao princípio da disponibilidade

das posiçoes jurídicas subjetivas patrimoniais, estabelecendo o abstratamente

indisponível. Há, nesses casos, uma ausência do poder de dispor, e como a posição

jurídica patrimonial é indisponível, a consequência será a nulidade do contrato

obrigacional e do contrato de disposição por impossibilidade do objeto (art. 166, II,

do CC/02) (VANZELLA, 2012).

Tal hipótese se afigura na primeira parte do art. 286 do CC/02, já que o

credor não pode ceder o seu crédito se a isso se opuser a natureza da obrigação ou

a lei. A lei se opõe, v.g., à cessão de créditos alimentares (art. 1.707 do CC/02), e

por isso haverá nulidade em tal hipótese. A consequência será diferente em caso de

incedibilidade convencional (v. 5.3).

5.2.2 Capacidade (e legitimidade) das partes

56Gustavo Haical sustenta o contrário (2013).

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Ambos os contratos precisam ter figurantes capazes, podendo padecer de

nulidade caso sejam absolutamente incapazes, ou de anulabilidade, caso sejam

apenas relativamente incapazes.

Todavia, existem limites legais (= falta de legitimidade) ao exercício dos

poderes de dispor, de se obrigar e de se adquirir, que configuram questão alheia à

falta ou não de capacidade (VANZELLA, 2012).

São exemplos, no que tange a tal quesito, a venda de ascendente a

descendente sem assentimento dos outros descendentes e do cônjuge do vendedor

(art. 496 do CC/02), além da doação de cônjuge adúltero ao seu cúmplice (art. 550

do CC/02) (SIMÕES, 2011).

Na primeira hipótese, v.g., os ascendentes não possuem legitimidade

para se obrigar a alienar e de dispor, por meio de transmissão onerosa, sobre seus

direitos subjetivos patrimoniais a um de seus descendentes, salvo assentimento dos

demais descendentes e de seu cônjuge. Como o negócio jurídico entre ascendente

e descendente é bilateral, o poder de adquirir desses também é limitado

(VANZELLA, 2012).

Tais limites legais são exceções ao princípio do não impedimento legal do

poder de dispor, estabelecendo o que é concretamente indisponível. A consequência

do desrespeito a tal proibição é a invalidade do contrato de disposição, na espécie

de nulidade (residualmente, art. 166, VII, do CC/02) ou de anulabilidade, a depender

do caso (VANZELLA, 2012).

Crê-se, todavia, que é inteiramente válido o contrato de disposição

translativa de cessão de crédito entre descendentes e ascendentes, em cuja base

esteja um contrato obrigacional gratuito. Não há, aí, qualquer limitação ao poder de

dispor ou mesmo ausência desse, já que a lei não torna indisponível a posição

jurídica subjetiva patrimonial do ascendente de maneira prévia e abstrata, como faz

com os créditos de caráter alimentar.

.

5.2.3 Forma

O contrato de disposição translativa de cessão de crédito não está sujeito

a qualquer forma em especial. Caso o contrato-base obrigacional, ex hypothesi,

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necessite de forma específica e essa não seja respeitada, a nulidade deste se

comunicará em relação àquele. Todavia, se desconhece tal necessidade.57

Logo, não haverá nulidade em relação ao contrato de disposição de

cessão de créditos oralmente concluído, bem como na hipótese de ter sido realizado

tacitamente ou por fatos concludentes (PONTES DE MIRANDA, 1958).

Outras formalidades, como a notificação do devedor-cedido ou a

celebração por meio escrito, não versam propriamente sobre requisitos de validade,

mas sim sobre fatores de eficácia.

5.3 FATORES DE EFICÁCIA

Em tal plano residem as maiores diferenças entre os contratos

obrigacionais e os contratos de disposição. O contrato-base obrigacional pode ser

existente, válido e eficaz sem que o contrato dispositivo de cessão de crédito o seja,

justamente por causa dos efeitos de transmissão da titularidade que esse último

produz.

Reitera-se que o cedente necessariamente deve ser titular do poder de

dispor, mas nem sempre será o titular do direito de crédito a ser transmitido. Em

regra, “e não sempre, o poder de dispor compete ao titular do direito. Às vezes, em

virtude de negócio jurídico, surge em outrem que o titular do direito o poder de

dispor” (PONTES DE MIRANDA, 2012a, p. 390-391).

Ademais, os contratos de disposição, translativa ou constitutiva, são

“ineficazes sem a observância de um procedimento típico [de publicidade], o qual se

constitui, assim, como fator de eficácia, simples ou relativa, desses mesmos

contratos” (VANZELLA, 2012, p. 207).

Portanto, todos os procedimentos de publicidade do contrato de

disposição, translativa ou constitutiva (= convenção de incedibilidade), de cessão de

créditos devem ser vistos como fatores de eficácia. Grave erro é afirmar que dizem

respeito à forma, como requisitos de validade.

O motivo de o contrato ser de disposição é justamente o seu objeto, que

consiste em alteração da titularidade de um direito subjetivo patrimonial, e não

57Gustavo Haical (2013) fala da necessidade da outorga do cônjuge nas cessões de direitos

reais de garantia. Como o autor mesmo coloca, trata-se de cessão de um direito real e não de crédito, por isso não se aplica a essa modalidade de cessão.

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porque foi alvo de publicidade. Entende-se, pois, que “a publicidade não é elemento

de existência do contrato de disposição; é fator de eficácia: integra o suporte fático

[...]” (VANZELLA, 2012, p. 208).

Justamente por isso um contrato de disposição translativa de cessão de

crédito é plenamente eficaz entre o cedente e o cessionário. Implica transmissão de

titularidade, sobre a qual ambos já acordaram, por isso não necessita de qualquer

publicidade para que seja eficaz entre eles ou do assentimento de ninguém

(diferentemente da assunção de dívida quanto a esse último aspecto).

Portanto, com a conclusão do contrato de disposição, a transferência do

direito subjetivo de crédito ao cessionário acontece de maneira imediata (o art. 293

do CC/02 corrobora esse entendimento, que é majoritário). Há o imediato

adimplemento do contrato obrigacional, pois cumpriu-se sua obrigação principal.

Por conta disso, “o cedente, perante o cessionário, somente terá em sua

esfera jurídica deveres secundários, laterais e ônus, por exemplo, os advindos do

art. 295 do Código Civil” (HAICAL, 2013, p. 57).

Logo, desde tal momento, o cessionário tem plena legitimidade para

ingressar com ação de cobrança ou ação executiva contra o devedor-cedido58,

enquanto o cedente deixa de possuir tal legitimidade (HAICAL, 2013).

Será relativamente ineficaz o contrato de disposição translativa de cessão

de créditos em relação ao devedor que não tenha sido notificado ou que não tenha

declarado ciência (art. 290 do CC/02).

A notificação ao devedor tem o objetivo de proteger o cessionário e o

devedor no que tange à eficácia do pagamento, e não de tornar eficaz a transmissão

do crédito, que já ocorrera (HAICAL, 2013).

Protege o cessionário pela razão de o devedor-cedido não poder mais

pagar o cedente de modo eficaz após ter sido notificado (art. 292 do CC/02).

Protege o devedor diante de várias hipóteses, v.g., se o devedor não

notificado oferecer o pagamento e o cedente recusar, haverá mora creditoris quanto

ao cessionário, e se o pagamento for realizado por terceiro ao cedente, será ineficaz,

já que a notificação importa ao devedor e não ao terceiro (HAICAL, 2013).

58“Destarte, não pode ser considerado ato ilícito o ato praticado pelo cessionário de

inscrever o devedor ainda não notificado da cessão nos órgãos de proteção ao crédito” (HAICAL, 2013, p. 82).

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O cedente e o cessionário possuem legitimidade ativa para notificar o

devedor, todavia esse último, para tanto, deve apresentar o documento da cessão

para que a notificação seja eficaz. O devedor é o legitimado passivo a receber tal

notificação, que no caso de sua incapacidade, deverá ser dirigida ao representante

legal. Em caso de solidariedade passiva, a notificação deve ser dirigida a todos os

devedores solidários, pois se um não notificado pagar o cedente, esse pagamento

será eficaz. Por fim, caso o devedor declare ao cedente ou ao cessionário ser ciente

da cessão, essa será eficaz perante ele, mesmo sem ter sido notificado (HAICAL,

2013).

O procedimento típico de publicidade para a eficácia perante terceiros

encontra-se disposto no art. 288 do CC/02. Para tanto, o instrumento da transmissão

de crédito deverá ser público ou particular, esse último revestido das solenidades

previstas no § 1º do art. 654 do CC/02. No último caso, também deve haver o

registro, conforme preceitua o art. 221 do CC/02.

Como afirmado, o art. 286 também apresenta o tipo específico de outro

contrato de disposição, dessa vez constitutiva, o pactum de non cedendo ou

convenção de incedibilidade.

Por seu intermédio, o “devedor adquire, derivada e constitutivamente um

‘pedaço do crédito’, que fora originalmente adquirido pelo credor [...]” (VANZELLA,

2012, p. 268).

Logo, o devedor que busca impedir a eficácia de uma cessão de créditos

deve, por escrito, estipular tal convenção no instrumento do contrato obrigacional.

Trata-se de fator de eficácia do contrato de disposição constitutiva do pactum de non

cedendo. Ademais, nessa hipótese, a boa-fé do cessionário não é suficiente para

que adquira o crédito.(VANZELLA, 2012).

Há, pois, restrição jurídiconegocial ao poder de dispor, o que constitui

exceção ao princípio da sua irrestringibilidade, consequentemente, definição

autônomoprivada de falta de legitimação. Caso o credor realize contrato de

disposição em arrepio à tal convenção, a consequência será a ineficácia relativa

daquele, considerando-se que tal restrição pode ser distratada ou resilida a qualquer

momento59 (a partir de uma interpretação extensiva do art. 1.268, § 1º, infere-se que

59“Sempre que não se dividiu o conteúdo do direito, mas apenas se lhe retirou elemento, isto

é, se sòmente ocorreu, com ABC, tirar-se-lhe B, ou C, ou BC, e não fracionar-se ABC, dá-se a consolidação. Entre os seus elementos, o direito tem atração, é elástico; donde o

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qualquer direito subjetivo patrimonial pode tornar-se novamente disponível).

Ademais, a ineficácia é relativa, pois caso fosse absoluta, na hipótese de o credor

ceder seu crédito mais uma vez, não seria a primeira cessão que se tornaria eficaz,

mas sim aquela que o devedor, conforme sua livre vontade, determinasse, sem

qualquer respeito à regra da prioridade, que não pode ser derrogada pelas partes,

em observância à segurança do tráfico jurídico. Logo, com o fim da eficácia do

pactum de non cedendo, há a pleni-eficacização da primeira cessão, que prefere

todas as outras porventura celebradas, ocorrendo, assim, a pós-eficacização

(VANZELLA, 2012).

Os contratos obrigacionais contrários à tal clausulação não

necessariamente serão afetados, significando que podem continuar existentes,

válidos e eficazes, todavia, como já tratado, não produzem efeitos reais. Da mesma

forma o são aqueles assim declarados por vontade das partes ou por

incompatibilidade entre essa e os tipos legais dos contratos de disposição (=

contratos de disposição inexistentes) e que busquem estabelecer restrições

obrigacionais ao poder de dispor, como a obrigação de não alienar (= não fazer).

5.4 FIGURAS ESPECIAIS LIGADAS À CESSÃO DE CRÉDITOS

Duas figuras especiais ligadas à cessão de créditos (em sentido lato)

merecem análise destacada, quais sejam, a cessão de créditos em garantia e o

factoring.

A primeira figura pode ser dividada em cessão de créditos (atuais) em

garantia e em cessão de créditos futuros com fins de garantia, considerando-se que

essa última envolve créditos futuros, a serem constituídos na esfera jurídica do

cedente em face de terceiros, que possuem o objetivo de garantir um débito do

cedente para com o cessionário. Caso o cedente cumpra a obrigação que deve ao

cessionário antes de tais créditos se constituirem, quando assim o fizerem,

permanecerão no patrimônio do primeiro. Entretanto, caso aquela não seja

cumprida, os créditos se formarão no patrimônio do cedente e serão

princípio de elasticidade dos direitos, que não é peculiar ao direito de propriedade, e sim princípio interior do todo de elementos que fazem o direito. Uma vez que se lhe tira elemento, e não parte, o direito mantém a sua expansibilidade automática: extinto o direito constituído, retoma-se-lhe o elemento pela elasticidade do direito.” (PONTES DE MIRANDA, 2012a, p. 106).

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automaticamente transferidos ao do cessionário, para que possa cobrá-los dos

devedores. Essa modalidade encontra larga utilização no campo da atividade de

financiamento à exportação, de maneira que a instituição financeira, ao conceder um

financiamento ao exportador, recebe dele, em troca, títulos emitidos por ele próprio

(export notes), que dizem respeito a créditos futuros em face de um comprador

estrangeiro (SIMÕES, 2011).

O factoring também funciona como uma operação apta ao financiamento

de empresas. Consiste em um contrato que envolve a cessão onerosa de um

conjunto de créditos futuros com desconto em seu valor, a envolver, de maneira

contínua, prestações de serviços. No Direito pátrio, a cessão de créditos reside no

núcleo de tal operação e não o instituto da sub-rogação convencional por vontade do

credor, considerando-se que o deslocamento patrimonial da casa faturizadora para o

faturizado não se trata de adimplemento, mas sim de preço relativo à compra de

créditos. Ademais, a faturizadora não se encontra limitada a exercer os direitos e

ações do credor no limite da soma que tiver desembolsado (conforme o art. 350 do

CC/02) (SIMÕES, 2011).

Diante de tais figuras, é possível perceber que a operação da cessão de

crédito, em sentido lato, deixou de ser apenas uma transmissora de riquezas para

tornar-se também uma produtora de riquezas.

Um problema que pode exsurgir de tal situação refere-se ao

financiamento de pequenos e médios empresários titulares de créditos incedíveis.

Por conta de tal clausulação, eles se encontram com possibilidades limitadas,

sobretudo no que se refere ao factoring e na estipulação de contratos acessórios de

reforço de garantia, como penhor, já que a restrição de seu poder de dispor afeta

sua possibilidade de celebrar contrato tanto de disposição translativa como

constitutiva.

Por isso fez bem o legislador alemão ao estabelecer, em seu reformado

Código Comercial (HGB), no § 354 a S. 160, a ausência de eficácia real do pactum

60Handelsgesetzbuch. § 354a (1) Ist die Abtretung einter Geldforderung durch Vereinbarung

mit Dem Schuldner gemäss § 399 des Bürgerlichen Gesetzbuchs ausgeschlossen un ist das Recshtsgeschäft, das diese Forderung begründet hat, für beide Teile ein Handelgeschäft, oder ist der Schuldner eine juristische Person des öffentlichen Rechts oder ein öffentlich-rechtliches Sondervermögen, so ist die Abtretung gleichwohl wirksam. Der Schuldner kann jedoch mi befreiender Wirkung an den bisherigen Gläubiger leisten. Abweichende Vereinbarungen sind unwirksam.

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de non cedendo quando os créditos limitados por esse originam-se de contratos

empresariais (VANZELLA, 2012).

Privilegia-se a noção de transmissão de riquezas como produção de

riquezas, de maneira que a lei encontra-se simétrica com a faceta contemporânea

da obrigação, pois essa deve ser vista como um processo complexo, bem como os

seus mecanismos de transmissão.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A distinção entre obrigação e disposição ainda é pouco tratada pela

doutrina no âmbito do Direito Privado Patrimonial pátrio. Muitos podem achar

despicienda tal diferenciação, todavia é essencial à compreensão desse ramo do

Direito, que vem sofrendo cada vez mais com a falta de tecnicidade e a ausência de

tratamento preciso e dogmático.

Atualmente há uma supervalorização do prático, de maneira que se chega

a esquecer da teoria, do que é prévio à própria prática e aos seus efeitos. Deveria

haver um equilíbrio entre as duas vertentes, pois um belíssimo fundamento

dogmático sem qualquer aplicação prática não é útil, enquanto uma concepção

estritamente prática, sem uma forte teoria estruturante por trás, é facilmente

derrubada e refutada.

Criptoargumentos também devem ser evitados. O que não se encontra

conforme o mainstream muitas vezes é visto com pouca vontade.

Este trabalho buscou realizar uma análise dogmática do Direito

Patrimonial Privado, focando a relação entre contratos obrigacionais e contratos de

disposição, elecando como utilidade prática de tal distinção a cessão de créditos.

Buscou-se demonstrar, pois, que um estudo marcadamente dogmático não é inútil.

Se a tentativa será bem recebida ou não, cumpre ao futuro afirmar.

Todavia, o presente graduando em Direito já encontra-se satisfeito, com a sensação

de dever com o estudo jurídico realizado, de não tratar, pois, apenas sobre o “óbvio”

que não deveria ser óbvio.

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REFERÊNCIAS

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