uma anÁlise da produÇÃo acadÊmica sobre afetividade na...
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AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO ACADÊMICA
Viviane Aparecida Ferreira Favareto Cacheffo1
1. Introdução
Este texto apresenta resultados parciais de pesquisa2 em desenvolvimento, em
nível de mestrado, a qual se originou de uma inquietação pessoal incitada pela
professora Dra. Ana Archangelo, após breves apontamentos em relação a sua tese de
doutorado3 na disciplina “Pesquisa em educação” do 2º ano do curso de Pedagogia4 na
qual deveríamos escolher uma temática que nos interessasse para a elaboração de um
projeto de pesquisa. Motivada por desvendar os sentimentos e emoções presentes na
vida profissional docente e suas relações com as crianças, elaborei, para fins de
avaliação da disciplina citada, o projeto de pesquisa: “A afetividade na formação da
personalidade infantil”.
Assim, desde a graduação essa temática se fez presente nos meus estudos,
embora em alguns momentos tenha sido necessário mantê-la adormecida em
decorrência de outras pesquisas5 que participei no período de graduação, as quais
contribuíram para o aprofundamento em questões relativas ao trabalho docente
desenvolvido na educação infantil e possibilitaram a formulação do projeto de pesquisa
aqui proposto. Dessa forma, com o ingresso no mestrado optei por retornar aos estudos
sobre afetividade, pois o interesse por essa temática nunca deixou de existir, apenas
esteve latente quando foi necessário ao meu desenvolvimento pessoal e profissional
participar de outros projetos de pesquisa.
A relevância dessa pesquisa de mestrado se insere na pouca expressividade de
estudos nessa área, constatação essa baseada no mapeamento preliminar realizado nas
1 Pedagoga e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação – Faculdade de Ciências e Tecnologia – Universidade Estadual Paulista – UNESP, câmpus de Presidente Prudente.2 Pesquisa financiada pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).3 O amor e o ódio na vida do professor: passado e presente na busca de elos perdidos. Unicamp – 1999.4 Curso de graduação da Faculdade de Ciências e Tecnologia – Unesp – câmpus de Presidente Prudente. 5 Durante o 3º e 4º anos da graduação fui bolsista PIBIC pesquisando sobre a temática: Trabalho docente na Educação Infantil – teoria e práticas.
bases de dados digitais dos Programas de Pós-Graduação em Educação qualificados
pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). O
mapeamento foi realizado com base nos estudos publicados entre os anos de 1996 a
2010, sendo a data inicial definida com base na publicação da LDB 9394/96, que
institui a educação infantil como primeira etapa da educação básica.
Foram encontradas 61 produções acadêmicas, sendo 53 dissertações e 08 teses
que abordam a temática afetividade em todos os níveis de ensino, sendo que a maior
parte dessas aborda a influência da afetividade no processo de ensino-aprendizagem.
Entretanto como o foco da pesquisa aqui proposta se refere à educação infantil, cabe
ressaltar que apenas 06 pesquisas tratam dessa etapa educacional, sendo 01 tese e 05
dissertações.
O mapeamento bibliográfico também possibilitou a elaboração das seguintes
questões desse projeto de pesquisa: o que versam os estudos sobre afetividade na
educação infantil estudados pela academia científica? Como a concepção de afetividade
influencia na prática de educadoras que atuam com crianças entre zero e três anos de
idade? Qual a concepção de creche, criança e desenvolvimento infantil que permeia a
prática dessas educadoras?
Cabe ressaltar que o conceito de afetividade utilizado nesta pesquisa tem como
base a teoria de Henri Wallon, médico, filósofo, francês, que viveu 83 anos, e tinha
como principal objetivo em seus estudos decifrar o homem em suas dimensões afetivas,
motoras e cognitivas. Para isso, atribuiu um papel importante à emoção e sobre ela
elaborou uma teoria psicogenética, utilizou-se do materialismo histórico dialético como
método para investigá-las, e entre a tese e a antítese, optou pela síntese, pois numa visão
de conjunto, tematizou a questão da emoção, mas não a colocou em detrimento da
cognição, ao contrário, demonstrou a relação complementar existentes entre elas.
Para obter maior compreensão sobre as crianças, Henri Wallon, além dos dados
fornecidos pela psicologia genética, utilizou-se de informações da neurologia,
psicopatologia, antropologia e psicologia animal. Segundo Almeida (1994) a
psicogenética walloniana compreende o ser humano em sua completude integrando os
domínios motor, afetivo e cognitivo.
Wallon (1995) aponta que no desenvolvimento infantil estão presentes os
domínios funcionais entre os quais se dividirá o estudo das etapas que a criança
percorre, sendo estes: os da afetividade, do ato motor, do conhecimento e constituição
da pessoa.
Descreve que a afetividade é expressa pelas emoções e possui função
essencialmente plástica; que a mesma constitui-se de origem postural e possui o tono
muscular como substância fundamental (WALLON, 1971, p.150).
Na teoria walloniana podem ser encontradas três características das emoções,
sendo elas: a plasticidade, que envolve a expressão corpórea, a regressividade, que é a
capacidade de reduzir a atividade cognitiva e a contagiosidade, que é o poder de
contaminar o outro. Entretanto, a emoção tem como característica fundamental a
contagiosidade.
Ainda segundo o autor, um dos mecanismos eficientes que reduzem as
manifestações orgânicas da emoção é a representação, sendo esta uma forma de reduzir
uma crise emocional. Existem algumas técnicas de representação, que podem ser
utilizadas pelos educadores que proporcionam uma redução da crise emocional, sendo
estas: a dramatização, o desenho e o relato oral.
O movimento é outro domínio funcional que a criança percorrerá em seu
desenvolvimento. Para Wallon (1979, p.73-74)
O movimento contém em si próprio em potência, pela sua natureza, as diferentes direções que a atividade psíquica poderá tomar. Ele é essencialmente deslocação no espaço, e reveste-se de três formas cada uma das quais tem sua importância na evolução psicológica da criança. Pode ser passivo ou exógeno, isto é, estar sob a dependência de forças exteriores [...] A segunda forma de movimento deve-se às deslocações autógenas ou ativas [...] Finalmente, a terceira é a deslocação dos segmentos corporais ou das suas frações uns em relação aos outros. Trata-se de reações posturais [...] Estas três espécies de movimentos implicam-se mais ou menos entre si; condicionam-se mutuamente [...]
Portanto, desde o nascimento a criança interage com os adultos pelos
movimentos e pela afetividade e posteriormente pela linguagem que é a expressão do
pensamento.
O desenvolvimento da criança na abordagem psicogenética walloniana é
marcado por rupturas, retrocessos e reviravoltas, a passagem de um estágio para outro
pode constituir-se em uma reformulação que pode promover crises e afetar a conduta da
criança. Esse desenvolvimento de forma descontínua permite a instalação de conflitos
na vida da criança, sendo estes propulsores e dinamogênicos. Para Galvão (1996) os
conflitos podem ser de origem exógena: desencontros entre as ações das crianças e o
ambiente estruturado pelo adulto, ou endógena: efeitos da maturação nervosa.
Ainda em relação ao desenvolvimento infantil, no primeiro ano de vida da
criança o que predomina são as emoções, instrumento de interação entre a criança e o
meio. Esse estágio é denominado na teoria walloniana de impulsivo emocional. O
estágio seqüente, ou seja, sensório-motor e projetivo vai até o terceiro ano e caracteriza-
se pela exploração do mundo físico, manipulação de objetos, desenvolvimento da
linguagem e da função simbólica, tendo como predomínio as relações cognitivas.
O terceiro estágio, personalismo, compreende a formação da personalidade,
construção da consciência de si através das interações sociais e da troca afetiva.
A afetividade do personalismo já é diferente, pois incorpora os recursos intelectuais (notadamente a linguagem) desenvolvidos ao longo do estágio sensório-motor e projetivo. É uma afetividade simbólica, que se exprime por palavras e idéias e que por esta via pode ser nutrida. A troca afetiva, a partir desta integração pode se dar à distância, deixa de ser indispensável a presença física das pessoas. (GALVÃO, 1996, p.45)
A criança antes dos três anos de idade encontra-se num estado de sociabilidade
sincrética. O adjetivo sincrético é utilizado para designar misturas, confusões; a
personalidade da criança mistura-se com a dos outros. Por isso que “a construção do eu
corporal é condição para a construção do eu psíquico, tarefa central no estágio
personalista” (GALVÃO, 1996, p.51). Entretanto, é comum que as crianças quando
estão construindo seu eu corporal, e conseqüentemente seu eu psíquico, tenham o desejo
de serem as únicas proprietárias das coisas e buscam com a posse do objeto assegurar a
posse de sua própria personalidade.
No estágio personalista, quando a formação do eu, está praticamente garantida, a
criança empenha-se para obter admiração dos outros e tem necessidade de admirar a si
própria e de ser aprovada, demonstrando assim que a criança não mistura mais a sua
personalidade com a de outros. Nesse estágio o educador tem papel fundamental, pois
tendo o conhecimento teórico, ele poderá auxiliá-la através de seus atos na constituição
da personalidade.
A teoria psicogenética walloniana ainda ressalta mais dois estágios do
desenvolvimento humano, sendo eles: categorial que compreende dos seis anos até por
volta dos 12 anos. Nele ocorrem avanços na área da inteligência que são resultantes da
maturidade da função simbólica e é o período em que as crianças se interessam pelas
coisas, pelo conhecimento e pelas formas de relações. E outro estágio caracteriza-se
como adolescência e acontece junto com a crise da puberdade que se dá na definição da
personalidade, com predominância da afetividade.
A sucessão dos estágios de desenvolvimento na teoria walloniana é regulada por
três leis. A primeira lei diz respeito à alternância funcional e pode ser centrípeta, ou
seja, o movimento se dá rumo ao conhecimento de si, e centrífuga, isto é, para o
conhecimento do mundo exterior. A segunda lei corresponde à predominância
funcional, ocorre quando em cada estágio é uma forma de atividade que predomina, ora
a cognição, ora a afetividade, e isso não faz com que os demais deixem de estarem
presentes. A terceira lei refere-se à integração funcional, indica a hierarquização dos
estágios e suas relações que não são suprimidas pelas anteriores, mas subordinadas para
integração progressiva.
Portanto, a teoria walloniana permite a compreensão do ser humano em sua
integralidade. Seus estágios são delimitados pelas conquistas psíquicas dos indivíduos e
são regulados por leis funcionais. Assim, afetividade, motricidade e cognição são
pensadas como elementos fundamentais para o desenvolvimento infantil e são
indissociáveis. Dessa forma, pensando na criança da educação infantil, defendemos que
é papel do educador conhecer e estimular o seu desenvolvimento. Haja vista que “a
excelência de sua função está na diversidade de papéis e grupos que proporciona a
criança” (ALMEIDA, 1997, p.240).
Como buscamos compreender a afetividade na educação infantil, torna-se
necessário ressaltar que consideramos ser função desta etapa de ensino cuidar e educar.
Entendemos que cuidar refere-se “(...) as atividades ligadas à proteção e apoio
necessárias ao cotidiano de qualquer criança: alimentar, lavar, trocar, curar, proteger,
consolar, enfim, ‘cuidar’, todas fazendo parte integrante do que chamamos de ‘educar’”.
(CAMPOS, 1994, p. 35)
Para Montenegro (2001) cuidar implica emoção, é uma dimensão da afetividade
no que concerne à prática profissional do educador infantil. Para tanto, é necessário que
o mesmo tenha habilidades e técnicas para lidar com as relações interpessoais, destarte
cuidar e educar são aspectos indissociáveis e são fundamentais para o desenvolvimento
da criança.
Portanto, a educação infantil, primeira etapa da educação básica que compreende
em sua especificidade cuidar e educar divide-se em dois níveis: creche e pré-escola. Em
relação ao surgimento das creches, inicialmente sua função estava vinculada ao cuidar e
ao caráter assistencialista que segundo Kuhlmann (1998) era entendido por duas
vertentes principais, a retirada de crianças pobres das ruas e a manutenção de padrões
diferenciados de atendimento. Esse autor destaca ainda que o assistencialismo trouxe
consigo uma proposta pedagógica preconceituosa e discriminatória.
Assim como a creche estava vinculada ao cuidar, a pré-escola referia-se ao
educar, porém:
Quando se vislumbra de forma positiva o trabalho desenvolvido nos dois níveis da educação infantil ou aquele que deveria ser realizado, em que a creche representa um ambiente rico em relações afetivas e a pré-escola, em atividades programadas respaldadas nos conhecimentos advindos de uma melhor formação de seus profissionais, tem-se a impressão de que a creche necessita de mais pré-escola e a pré-escola, de mais creche. É nesse sentido que entendo a manutenção das palavras educar e cuidar como expressões das funções de dois níveis da educação infantil, creche e pré-escola. O cuidado, ao se manter como uma função, cumpre também o objetivo de remarcar a especificidade desse nível de educação básica, que o diferencia dos outros dois, os ensinos fundamental e médio. (MONTENEGRO, 2001, p. 42)
Cerisara (1999, p.16) ressalta ser papel das instituições de educação infantil
delinear suas especificidades tendo por objetivo assumir um caráter intencional no
planejamento e sistematização de atividades de modo a respeitar o desenvolvimento
infantil, sem meramente reproduzir práticas familiares, escolares ou hospitalares.
Desta forma, “a formação dos profissionais de Educação Infantil deve incluir o
conhecimento técnico e o desenvolvimento por eles de habilidades para realizar
atividades variadas, particularmente as expressivas [...]” (OLIVEIRA, 1994, p 65). Cabe
ainda ao educador infantil estruturar a rotina da criança para garantir a qualidade do
trabalho pedagógico e lhe proporcionar segurança.
Conforme Bassedas (1999) a rotina da educação infantil deve ser constituída por
momentos livres; curtos; momentos de jogos motores e de motricidade global; de
atividades dirigidas; tranqüilos e momentos individualizados.
O educador infantil deve conhecer o desenvolvimento da criança para que possa
respeitar suas especificidades, promover sua autonomia e auxiliar através da mediação
na formação da personalidade e da sociabilidade, já que por ser um profissional que atua
juntamente com a criança pequena, cabe a ele promover relações afetivas e sociais
diferenciadas das familiares. Portanto, o educador infantil deve compreender a
afetividade como elemento intrínseco ao cuidar e educar.
Destarte, a partir do exposto, tem-se por objetivo investigar a concepção de
afetividade presente na prática das educadoras infantis em relação à criança de zero a
três anos, analisar os estudos que versam sobre afetividade na educação infantil
elaborados pela comunidade científica, bem como compreender se as concepções
teóricas de criança, creche e desenvolvimento infantil presente no projeto político
pedagógico e/ou plano de aula e/ou semanário permeiam a prática das educadoras,
tendo por hipótese que a afetividade será vinculada ao cuidar e a cognição ao educar,
isto é, pensados de maneira dissociada.
2. Estratégias metodológicas:
A pesquisa apóia-se na abordagem qualitativa com nuances etnográfica. A opção
pelo estudo do tipo etnográfico objetiva compreender a cultura da afetividade na
educação infantil e sua presença nas práticas das educadoras que atuam com as crianças
pequenas (0-3 anos) e será desenvolvida em uma instituição de educação infantil da
cidade de Presidente Prudente/SP.
Erickson (1989) apud André (1995, p. 104) ressalta que a etnografia “[...] deve
se centrar na descrição dos sistemas de significados culturais dos sujeitos estudados, o
que vai muito além das descrições de situações, ambientes, pessoas ou da mera
reprodução das suas falas e de seus depoimentos”.
André (1999) aponta que algumas características da pesquisa qualitativa do tipo
etnográfico são:
[...] primeiramente, um contato direto e prolongado do pesquisador com a situação e as pessoas ou grupos selecionados. Evidentemente deve ficar claro, desde o inicio da pesquisa, o grau de envolvimento ou de participação do pesquisador na situação pesquisada. [...] outro requisito da pesquisa do tipo etnográfico é a obtenção de uma grande quantidade de dados descritivos [...] (p. 38).
Desta forma, tendo como método de investigação a abordagem qualitativa do
tipo etnográfica, a pesquisa será desenvolvida seguindo as seguintes etapas:
A primeira etapa que está em desenvolvimento, consiste em pesquisa
bibliográfica realizada por meio de leitura e fichamento de livros, teses e dissertações
defendidas em programas de pós-graduação em Educação recomendados pela Capes
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) que versam sobre a
temática afetividade, tendo por objetivo elaborar uma fundamentação teórica e constatar
o que abordam os estudos realizados, no que concerne à afetividade na primeira etapa
da educação básica, ou seja, a educação infantil.
Após o aprofundamento teórico que será permitido pela pesquisa bibliográfica,
iniciaremos a coleta de dados para obter maior clareza sobre as concepções de
afetividade, criança, creche e desenvolvimento infantil dos educadores presente no
projeto político pedagógico e/ou planos de ensino e/ou semanário, fase esta que se
caracteriza como análise documental que segundo Caulley (1981) referenciado por
Ludke e André (1986, p. 38) tem por objetivo buscar e identificar informações em
documentos a partir de hipóteses e interesses, assim “[...] os documentos são usados no
sentido de contextualizar o fenômeno, explicitar suas vinculações mais profundas e
completar as informações coletadas através de outras fontes” (ANDRÉ, 1995, p.28).
Concomitantemente com a análise documental ocorrerá a coleta de dados in loco
através da observação que possibilitará um contato pessoal e estreito do pesquisador
com o que será estudado. Segundo Ludke e André (1986, p.26) a “[...] observação direta
permite também que o observador chegue mais perto da ‘perspectiva dos sujeitos’”.
Para Wallon (1979, p.15) “[...] é a observação que permite colocar problemas, mas são
os problemas colocados que tornam possível a observação”. Bogdan e Biklen (1994)
ressaltam que o conteúdo das observações deve envolver tanto aspectos descritivos
quanto reflexivos, tais como: a descrição dos sujeitos, reconstrução dos diálogos,
descrição dos locais, eventos e atividades.
Outra técnica, a entrevista semi-estruturada, proporcionará uma relação de
interação e reciprocidade entre pesquisador e sujeito pesquisado devido seu caráter
flexível. Isso nos permitirá aprofundar nossas primeiras constatações sobre a concepção
de afetividade na prática dos educadores infantis.
Para André (2008) o pesquisador é o instrumento principal na coleta e análise
dos dados e o fato de ser uma pessoa, permite a interação ativa na modificação ou não
das técnicas norteadoras da pesquisa. Portanto, o pesquisador deve preocupar-se em
retratar a visão pessoal de cada participante da pesquisa sem ter a pretensão de
modificar o ambiente. Silva (2003, p.35) aponta que “[...] o etnógrafo torna-se, queira-o
ou não, parte integrante da rede de relações que pretende investigar”. Ainda segundo
esse autor, cabe ao pesquisador “[...] redobrar a vigilância sobre a sua possível
influência sobre os interesses que pretende entender e, portanto, sobre as interpretações
que delas constrói”.
Logo após as entrevistas, será iniciado o processo de transcrição das mesmas.
Segundo Szymanski, Almeida e Prandini (2002, p.65):
O processo de transcrição de entrevista é também um momento de análise, quando realizado pelo próprio pesquisador. Ao transcrever, revive-se a cena da entrevista e aspectos da interação são relembrados. Cada encontro com a fala do entrevistado é um novo momento de reviver e refletir.
Nessa etapa será realizado o que Bardin (2004, p. 90) chama de leitura
“flutuante”, o que consiste “[...] em estabelecer contato com os documentos a analisar e
em conhecer o texto, deixando-se invadir por impressões e orientações”.
Posteriormente a leitura e identificação de tendências, será iniciado o processo
de categorização dos dados.
A categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia) com os critérios previamente definidos. As categorias são rubricas ou classes, que reúnem um grupo de elementos (...) sob um título genérico, agrupamento esse efetuado em razão dos caracteres comuns destes elementos. (BARDIN, 2004, p. 111)
Cabe destacar que as seqüências destacadas acima, bem como os instrumentos
elencados para realização da pesquisa podem ser modificados, portanto, possuem
caráter flexível. Nesse sentido, o uso da metodologia e das técnicas citadas, pretende
alcançar o objetivo de investigar as concepções de afetividade, creche, criança e
desenvolvimento infantil dos educadores que atuam com crianças pequenas (0 a 3 anos).
3. Afetividade na educação infantil: algumas considerações sobre o que revelam as
produções acadêmicas
Até o momento, foi realizado, como parte da pesquisa bibliográfica, um
mapeamento das teses e dissertações sobre afetividade na educação infantil nos
Programas de Pós-Graduação em Educação reconhecidos e recomendados pela Capes.
Foram encontradas 61 produções acadêmicas, sendo 53 dissertações e 08 teses
que abordam a temática afetividade em todos os níveis de ensino, sendo constatado que
a influência da afetividade no processo de ensino-aprendizagem foi um dos aspectos
mais investigados. Entretanto como o foco da pesquisa aqui proposta se refere à
educação infantil, cabe ressaltar que apenas 06 pesquisas tratam dessa etapa
educacional, sendo 01 tese e 05 dissertações.
Tassoni (2000) analisou as interações entre professores e alunos com idade
média de 06 anos tendo por objetivo identificar os aspectos afetivos presentes no
processo de apropriação da linguagem escrita e constatou a influência da mediação
afetiva dos professores para determinar a natureza da relação aluno – escrita. Dando
continuidade aos seus estudos Tassoni (2008) buscou identificar a afetividade na
dinâmica da sala de aula em quatro diferentes momentos do processo de escolarização,
na educação infantil, no ensino fundamental (4ª série), ensino fundamental (8ª série) e
no ensino médio (3º ano) discutindo e identificando as diferentes manifestações da
afetividade no processo de ensino-aprendizagem. Em relação à educação infantil, a
autora aponta a percepção das crianças no que se refere à expressão corporal da
afetividade nas professoras.
Alessandrini (1997) objetivou comparar o desenvolvimento afetivo das crianças
em idades pré-escolares de classes de período integral e parcial, sendo os dados
coletados analisados com base na teoria e concepções piagetianas. A autora realiza
apontamentos sobre a predominância do caráter assistencialista nas turmas de período
integral e aponta a sobreposição do caráter pedagógico nas turmas que freqüentam o
período parcial. Ressalta ainda a importância da avaliação/reflexão por parte das
docentes no que tange as suas práticas pedagógicas.
Raniro (2008) em seu estudo sobre o ambiente musical e suas implicações nos
processos educativos e afetivos entre pais e crianças de 08 meses a 24 meses, observou
as relações afetivas estimuladas nas aulas de música e constatou que a solidariedade, o
respeito mútuo e a construção de laços afetivos como o carinho e o olhar foram
promovidos.
Sawaya (2009) buscou compreender e analisar o papel do brincar e da
afetividade na prática pedagógica de professores de educação infantil, observando as
diferentes interações: criança–professor, criança–criança e criança–funcionários.
Tematizou ainda o caráter teórico-prático da formação dos professores que atuam na
primeira etapa da educação básica e através dos dados coletados ressaltou que o
trabalho pedagógico na educação infantil deve ser pensado de tal forma que integre o
brincar e a afetividade sem fragmentação.
Rodrigues (2008) investigou as manifestações afetivo/emocionais presentes nas
interações criança–criança na faixa etária entre 16 e 26 meses no ambiente da creche
para apontar possíveis direções no que se refere à estruturação de ambiente que
promova o desenvolvimento infantil. Cabe ressaltar que os dados foram analisados
tendo com aporte teórico a ênfase na perspectiva walloniana.
A partir da relação das produções científicas aqui apresentadas é possível
considerar, ainda que não de forma conclusiva, que as pesquisas sobre afetividade na
educação infantil ainda são inexpressiva em relação aos outros níveis de ensino. Embora
em andamento, a pesquisa aqui modestamente elucidada, poderá contribuir para as
reflexões sobre as implicações da afetividade no desenvolvimento infantil e a
necessidade de formação adequada dos educadores que atuam nessa etapa de ensino no
que se refere ao respeito das especificidades infantis.
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