um sistema de numeração aplicado a grafos a eventos

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Revista de CiênCia & teCnologia v.16, n. 32, p. 69-84 69 Um Sistema de Numeração Aplicado a Grafos a Eventos A Numbering System Applied to Event Graphs J OSÉ CARLOS MAGOSSI Universidade Estadual de Campinas [email protected] RESUMO O objetivo deste artigo é exibir um sistema de numeração para grafos a eventos. Para tal apresenta-se duas aplicações do sistema de numeração. Uma em aritmética, para clarear o sistema de numeração, e outra em sistemas dinâmicos a eventos discretos. Esse sistema considera as ex- pressões obtidas a partir de um alfabeto, as quais, também conhecidas como strings, associam-se a números inteiros. Para cada alfabeto fornecido, cada expressão corresponde de modo único, a um número inteiro positivo. Para exemplificar esse sistema de numeração, a primeira aplicação é em aritmética. Expõe-se uma aritmética que não utiliza o símbolo zero e a compara com o sistema decimal de numeração utilizado no ensino fundamental. Nessa aritmética há um símbolo diferen- te, o zero quadrado. Uma das consequências desse sistema é que os zeros quadrados à esquerda de um número mudam o valor do número que está sendo representado. A segunda aplicação, objetivo principal deste texto, consiste em utilizar esse sistema de numeração para representar sistemas dinâmicos a eventos discretos modelados via grafos a eventos. Como consequência, estima-se que propriedades de grafos a eventos possam ser analisadas via teoria de números, haja vista que cada expressão, que, por sua vez, determina um grafo a eventos de uma classe particular, está associada a um único número inteiro. Palavras-chave GRAFOS, EVENTOS; SISTEMAS DINÂMICOS; REDES DE PETRI. ABSTRACT The objective of this paper is to show a numbering system directed to event graphs. To do so, we show two applications of this numbering system, the first one in arithmetic, to clarify the numbering system, and the other one in discrete event dynamic systems. This num- bering system takes expressions from an alphabet. These expressions, also known as strings, are associated with integers. For each given alphabet, each expression can be put in unique cor- respondence with a positive integer. To illustrate this numbering system, the first application is in arithmetic. We show an arithmetic without the traditional zero symbols and compare it with the decimal numbering system used in elementary school. A different symbol is introduced, the square zero. One of the consequences of this system is that leading square zeros change the number being represented. The second application – the main objective in this paper – consists in using this numbering system to represent discrete event dynamic systems modeled by event graphs. As a consequence of this we hope that the properties of event graphs can be analyzed through the number theory since each expression, which determines a particular event graph, is associated to a single integer. Keywords GRAPH; EVENT; DYNAMIC SYSTEMS; PETRI NET.

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Page 1: Um Sistema de Numeração Aplicado a Grafos a Eventos

Revista de CiênCia & teCnologia • v.16, n. 32, p. 69-84 69

Um Sistema de Numeração Aplicado a Grafos a Eventos

A Numbering System Applied to Event Graphs

José Carlos MagossiUniversidade Estadual de Campinas

[email protected]

Resumo O objetivo deste artigo é exibir um sistema de numeração para grafos a eventos. Para tal apresenta-se duas aplicações do sistema de numeração. Uma em aritmética, para clarear o sistema de numeração, e outra em sistemas dinâmicos a eventos discretos. Esse sistema considera as ex-pressões obtidas a partir de um alfabeto, as quais, também conhecidas como strings, associam-se a números inteiros. Para cada alfabeto fornecido, cada expressão corresponde de modo único, a um número inteiro positivo. Para exemplificar esse sistema de numeração, a primeira aplicação é em aritmética. Expõe-se uma aritmética que não utiliza o símbolo zero e a compara com o sistema decimal de numeração utilizado no ensino fundamental. Nessa aritmética há um símbolo diferen-te, o zero quadrado. Uma das consequências desse sistema é que os zeros quadrados à esquerda de um número mudam o valor do número que está sendo representado. A segunda aplicação, objetivo principal deste texto, consiste em utilizar esse sistema de numeração para representar sistemas dinâmicos a eventos discretos modelados via grafos a eventos. Como consequência, estima-se que propriedades de grafos a eventos possam ser analisadas via teoria de números, haja vista que cada expressão, que, por sua vez, determina um grafo a eventos de uma classe particular, está associada a um único número inteiro.Palavras-chave grafos, eventos; sistemas dinâmicos; redes de Petri.

AbstRAct The objective of this paper is to show a numbering system directed to event graphs. To do so, we show two applications of this numbering system, the first one in arithmetic, to clarify the numbering system, and the other one in discrete event dynamic systems. This num-bering system takes expressions from an alphabet. These expressions, also known as strings, are associated with integers. For each given alphabet, each expression can be put in unique cor-respondence with a positive integer. To illustrate this numbering system, the first application is in arithmetic. We show an arithmetic without the traditional zero symbols and compare it with the decimal numbering system used in elementary school. A different symbol is introduced, the square zero. One of the consequences of this system is that leading square zeros change the number being represented. The second application – the main objective in this paper – consists in using this numbering system to represent discrete event dynamic systems modeled by event graphs. As a consequence of this we hope that the properties of event graphs can be analyzed through the number theory since each expression, which determines a particular event graph, is associated to a single integer.Keywords graPh; event; dynamic systems; Petri net.

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INTRODUÇÃO

A era da informática nos trouxe uma forte relação entre sistemas de numeração e seqüências de símbolos, as expressões, ou strings, como são denominadas pelos profissionais da área de informática. Essa relação ocorre, pois em um computador, o que se vê na tela é diferente daquilo que se processa dentro do equipamento. Os dígitos que se observam numa tela são representações de processos que ocorrem na parte eletrônica do computador, os quais representam strings de e . Desse modo, aprender a lidar com sequências de símbolos que representam números, que por sua vez representam sequências de 0’s e 1’s, é extremamente importante para pesquisas na área de informática, sejam elas relacionadas aos limites dos computadores, ao desenvolvimento de softwares, circuitos eletrônicos ou à Teoria da Computação.

Uma expressão (ou string) é uma sequência finita de símbolos obtida a partir de um alfabeto. Por exemplo, se é um alfabeto, então

são exemplos de expressões obtidas a partir do alfabeto . A relação entre expressões e números facilita a tradução destas para os sistemas de

numeração utilizados na parte eletrônica dos computadores. Dentro de um computador, uma expressão, grosso modo, é traduzida em números e , o que por sua vez caracteriza toda a parte dos circuitos eletrônicos associados ao funcionamento dos computadores. Estabelecer correspondências biunívocas entre expressões (a partir de um alfabeto qualquer) e números é importante seja para a área de informática, seja para a área da engenharia, haja vista que trabalhar com números torna-se, em muitos casos, mais fácil do que se trabalhar com expressões. Além disso, as propriedades da teoria dos números podem ser utilizadas na maioria das vezes.

O objetivo principal contido neste texto é o de exibir um sistema de numeração posicional que se adapte à enumeração de grafos a eventos. Para atingir tal objetivo, duas aplicações associadas a esse sistema de numeração são expostas. Uma em aritmética e outra em sistemas dinâmicos a eventos discretos. A primeira tem o objetivo de familiarizar1 o leitor com o processo de enumeração, a segunda, mostrar que grafos a eventos podem ser enumerados de modo unívoco.

Na primeira aplicação mostra-se como eliminar o símbolo zero na aritmética tradicional que se aprende nos cursos do ensino fundamental. Utiliza-se um símbolo diferente, o zero quadrado □. A eliminação do símbolo tradicional elimina também a característica dos zeros não significativos à esquerda de um número qualquer. Os zeros quadrados à esquerda mudam o valor do número que está sendo representado. O zero quadrado se assemelha ao número , mas não admite zeros não significativos. Para o zero tradicional, , já para o zero quadrado, esses valores são diferentes:

. Na segunda aplicação estabelece-se um sistema de numeração para classes de grafos

a eventos. Associa-se a cada grafo a eventos uma expressão (string) obtida a partir de um alfabeto previamente definido, que por sua vez associa-se a um e um único número inteiro.

Como motivação para a elucidação do sistema de numeração exposto neste texto, um exemplo associado à

aritmética tradicional será exibido. Mostra-se que, a partir dos fundamentos das relações entre números e expressões, é possível elaborar uma aritmética que não utiliza o símbolo e mesmo assim se pode somar, subtrair, multiplicar e dividir.

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Estima-se que é possível analisar propriedades de grafos a eventos via Teoria de Números. Não se pretende neste texto expor provas de unicidade e existência do sistema de numeração associado a grafos a eventos, nem analisar as propriedades deles a partir do sistema exposto.

DESENVOLVIMENTO

Uma maneira de associar expressões a números pode ser feita do seguinte modo: Seja um alfabeto finito e seja uma expressão obtida a partir dos símbolos do alfabeto . Um número inteiro associado à expressão é produzido da seguinte forma:

Nesse sistema de numeração os valores , que multiplicarão (a base do sistema de numeração) representam a posição dos elementos na definição do alfabeto e não simplesmente o seu valor. Nesse sistema é possível trabalhar com quaisquer alfabetos, independente do símbolo utilizado. Para mais detalhes sobre esse sistema de numeração consultar Davis et al, capítulo 5, (1983).

Exemplo 1: Qual é o número inteiro associado à expressão obtida a partir do alfabeto ?

O alfabeto consiste de . Logo, o valor de é . Esse número será a base do sistema de numeração que fornecerá o número inteiro . A expressão

é . Segue-se que: e então . e então . e então .

Assim,

Portanto, a expressão corresponde ao número inteiro .

A ordem dos elementos contidos no conjunto que define o alfabeto é significativa. Fica ao leitor mostrar que a expressão corresponde ao número inteiro , se for considerado o alfabeto . De modo análogo, a expressão está associada ao número , se for considerado o alfabeto , e está associado ao número se considerarmos o alfabeto . Observa-se que a posição (a ordem) dos elementos no conjunto que define o alfabeto é mais importante que a "cara" dos componentes do alfabeto. Desse modo, não existem zeros não significativos como ocorre num sistema tradicional que se aprende nos cursos elementares. Por exemplo, num sistema tradicional, . Já, nessa nova aritmética, .

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PRIMEIRA APLICAÇÃO: ARITMÉTICA

A seguir, expõe-se uma aritmética que não contém zeros não significativos, ou seja, os zeros à esquerda de um número alteram o seu valor. Esse exemplo mostra que é possível se ter uma aritmética sem o símbolo tradicional zero.

Exemplo 2: Seja o alfabeto . Qual é o número que

corresponde à expressão ? O alfabeto consiste de

.

É importante ressaltar que, nesse alfabeto, , , , , , , , , e . Desse modo, o valor de é . Esse número

será a base do sistema de numeração que fornecerá o número inteiro . A expressão .

e então . e então . e então . e então .

Assim,

. Portanto, a expressão corresponde ao número inteiro , na base 10 tradicional.

Por procedimentos análogos obtém-se:

corresponde ao número inteiro corresponde ao número inteiro corresponde ao número inteiro corresponde ao número inteiro

A potenciação pode ser definida da seguinte forma:

(n-1) vezes

Nota-se que: . 99 99

Segue-se que a raiz quadrada de é dada por pois × é igual a . Ou seja, = =

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O processo inverso, de encontrar a expressão no alfabeto a partir de um número inteiro na base 10 tradicional, é explicado por meio de exemplos. O objetivo é encontrar os valores dos índices . Como o alfabeto é de base , deve-se, então, tomar o número inteiro e ir dividi-lo sucessivamente, guardando os restos. O primeiro resto da divisão de por será o valor , o segundo resto na divisão do

quociente de por será o valor , o terceiro resto na divisão de por 10 será , e assim sucessivamente.

Um detalhe importante neste processo, que difere dos processos tradicionais da aritmética elementar, é que o resto em uma divisão por , em um alfabeto

, deve ser maior ou igual a e menor ou igual a (na aritmética tradicional, que se aprende nos cursos elementares,

numa divisão por , o resto varia de até ). Nessa aritmética, o resto não pode ser , os índices associados aos símbolos do alfabeto variam de até . O resto será, para qualquer alfabeto finito , maior ou igual a 1 e menor ou igual a . Note que é a base do sistema de numeração. Uma expressão sem elementos (uma expressão vazia) pode ser representada pelo símbolo ε.

Exemplo 3: Qual é a expressão do alfabeto que corresponde ao número inteiro ?

Os índices , e são, respectivamente, e . Assim, a expressão . Portanto, a expressão que foi utilizada para obter é

.

Exemplo 4: Qual é a expressão do alfabeto que corresponde ao número inteiro ?

207 10 10

10 20

1 7

i0 i1 i2

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74 jul./dez. • 2009

Os índices , e são, respectivamente, e Assim, a expressão . Portanto, a expressão que foi utilizada para obter

é .

O leitor pode utilizar esse processo para obter a expressão do exemplo 1, a partir do número inteiro . Na divisão de 9 por 2, obtém-se resto e quociente 4; na divisão de por , obtém-se o resto e quociente 1; na divisão de por , obtém-se resto e quociente 0. Desse modo, a expressão a ser obtida é

, pois no alfabeto se tem que e Não se deve esquecer que, no exemplo 1, as divisões por 2 devem ter resto maior ou igual a 1 e menor ou igual a 2, não podem ter resto zero.

Tabelas para soma e produto com o zero quadrado, com as expressões do alfabeto

são apresentadas a seguir:

Tabela 1: Adição com zero quadrado

3700 10 10

10 9 369

36 6

10

3 10 0 i0

i1 i2 i3

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Tabela 2: Multiplicação com zero quadrado

As tabelas acima não utilizam o símbolo tradicional . As outras operações podem ser efetuadas de modo análogo ao que se faz numa aritmética elementar, inclusive com "vai um".

Exemplos de operações aritméticas básicas no alfabeto E com o zero quadrado (à esquerda) e o correspondente na notação do zero tradicional (à direita) são expostos na sequência.

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□4□ 34□ □□□□

SEGUNDA APLICAÇÃO: GRAFOS A EVENTOS Nesta seção, o objetivo é associar números inteiros a grafos a eventos, de tal forma que a cada um destes corresponda um e um único número inteiro, a partir do sistema de numeração exposto anteriormente. Associa-se a cada classe de grafos a eventos um alfabeto, o qual vai gerar strings associadas a eles. Cada string, pelo modo de construção, determina um único grafo a eventos. Por outro lado, a cada número inteiro fornecido é possível determinar se a ele corresponde ou não um grafo a eventos. Como consequência desta abordagem espera-se utilizar (não neste texto) a teoria de números inteiros para demonstrar propriedades acerca de grafos a eventos e, por consequência, redes de Petri. No que se segue, uma descrição de como se dá a correspondência entre grafos a eventos e números inteiros positivos é exposta, bem como uma breve exposição sobre grafos a eventos2.

GRAFOS A EVENTOS

Os grafos a eventos parametrizados constituem uma classe particular de redes de Petri. As redes de Petri, desenvolvidas por Carl Adam Petri em 1962, são de grande utilidade tanto na solução de problemas práticos como teóricos. Elas são muito utilizadas na modelagem de sistemas dinâmicos a eventos discretos3. Na literatura, exposições sobre redes de Petri podem ser encontradas em textos como Murata (1989) e Peterson (1981). Ultimamente, o desenvolvimento associado às redes de Petri tem crescido muito, haja vista as aplicações que esses modelos têm tido em diversos campos do conhecimento, tais como informática, matemática, ciência da computação, engenharia, etc. Na literatura, exposições sobre grafos a eventos podem ser encontrados em Cohen et al, (1989) e Baccelli et al, (1992).

Um grafo a eventos parametrizado é uma estrutura matemática que contém cinco componentes, a saber: um conjunto de lugares4, um conjunto de transições (associadas aos eventos), um conjunto de arcos, uma marcação inicial e uma temporização. Em grafos a

2 Não se pretende neste texto fazer uma exposição sobre modelagem de sistemas dinâmicos a eventos discretos via grafos a eventos. 3 Para um estudo sobre redes de Petri e sistemas dinâmicos a eventos discretos consultar Cassandras e Lafortune (1999). 4 Os lugares são utilizados para representar o estado do sistema e as condições que habilitam as ocorrências dos eventos (um evento é uma ação específica, por exemplo, um botão foi apertado, um computador quebrou, etc.)

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eventos temporizados, as ocorrências de eventos estão associadas aos disparos das transições.

Seja, por exemplo, uma transição . Nessa transição há lugares de entrada de e lugares de saída de . O disparo5 de uma transição poderá ocorrer desde que as informações contidas nos lugares de entrada dessa transição sejam satisfeitas. Desse modo a transição estará apta a disparar. As condições contidas nos lugares de saída dessa transição serão afetadas com o disparo da transição. Um grafo a eventos é constituído por lugares, transições e as relações entre eles.

A Figura 1 mostra uma típica representação gráfica de um grafo a eventos temporizado com dois lugares (p1 e p2) e três transições (t1, t2 e t3).

Figura 1: Grafo a eventos

A t1 é chamada de transição de entrada do grafo a eventos e também transição de

entrada do lugar p1; a transição de saída do grafo é representada por t3, que é a transição de saída do lugar p2. A t2 é a transição de saída do lugar p1 e de entrada do lugar p2. Os arcos estabelecem relações entre lugares e transições. Por exemplo, para que a transição esteja habilitada a disparar, as informações contidas no lugar devem ser satisfeitas. Em geral, a ação representada por uma transição está associada às informações contidas no lugar (ou lugares) de entrada dessa transição. Por outro lado, as informações contidas no lugar p2 serão alteradas assim que ocorrer o disparo da transição t2. As marcações no lugar p1 representam a condição de habilitação da transição t2, simbolizada pela ficha , e o tempo de espera gasto antes da habilitação da transição t2, simbolizado pelas duas barras e . Essas marcações são parametrizações, formalmente representadas como pares de números inteiros (n, t), em que n representa a condição de habilitação (fichas) e t o tempo de espera (barras). O grafo a eventos acima pode, por exemplo, representar uma fila em uma loja de eletrodomésticos. O comprador fica na fila para pagar o produto comprado ( , onde aguarda duas unidades de tempo, e após o pagamento dirige-se à seção de pacotes para pegar o produto já embrulhado, aguardando, então, uma unidade de tempo.

5 O disparo de uma transição representa a ocorrência do evento (de mesmo nome da transição) associado à transição.

t1

p1

t2

p2

t3

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A definição formal de um grafo a eventos é dada a seguir.

Definição 1: Um grafo a eventos parametrizado é uma quíntupla <P, T, A, w, X >, de tal forma que:

P é um conjunto finito de lugares;

T é um conjunto finito de transições;

A é um conjunto de arcos, o qual é um subconjunto de (P T) (T P);

w é uma função peso, w: A {1};

X é uma parametrização. X: P N N.

Em grafos a eventos, diferentemente de redes de Petri, a função peso é uma função constante igual a 1 e, para cada lugar no grafo, existe um único arco chegando e um único arco saindo. Para mais detalhes, consultar Cohen et al. (1989).

O deslocamento de fichas no grafo a eventos caracteriza o sistema dinâmico (a

eventos discretos). Seja o grafo a eventos da Figura 1. Em relação à transição t2 se tem: Grafo A Grafo B Grafo C

Figura 2: Processo dinâmico em um grafo a eventos

Na Figura 2, o processo dinâmico associado à transição t2 do grafo a eventos é

exposto. No grafo A, a transição t2 está habilitada a disparar, pois contém ao menos uma ficha no lugar de entrada da transição. Após aguardar duas unidades de tempo, o disparo pode ocorrer. Ao ocorrer o disparo da transição, uma ficha do lugar p1 é transportada para o lugar p2, como exposto no grafo B. Ainda a transição t2 está habilitada, pois contém uma ficha. Novamente, após a espera de duas unidades de tempo, a transição está apta a disparar. Após o disparo, uma ficha do lugar p1 é consumida e alocada no lugar p2, conforme mostra o grafo C. Procedimentos análogos podem ser obtidos para a transição t3. A união dos disparos de todas as transições de um grafo a eventos caracteriza seu movimento, seu dinamismo.

t1 t1 t1

p1

t2

p2

t3

p1

t2

p2

t3

p1

t2

p2

t3

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Um grafo a eventos é uma ferramenta que se adapta à modelagem de sistemas dinâmicos a eventos discretos.

UM SISTEMA DE NUMERAÇÃO PARA GRAFOS A EVENTOS

A seguir exibe-se o modo como se associa expressões obtidas a partir de um alfabeto

com grafos a eventos e números inteiros às expressões que determinam um grafo a eventos. O objetivo é associar a uma determinada classe de grafos a eventos, uma expressão

escrita a partir de um alfabeto que determina essa classe. Por exemplo, seja um alfabeto nessa ordem, o qual representa uma classe de grafos a eventos

caracterizados por terem duas transições (t0 e t1), um lugar (p1), duas fichas (g1 e g2), uma temporização (d1) e o símbolo para representar a quantidade nula de fichas ou barras, quando necessário. O índice inferior 1 na letra F indica o número de lugares.

Desse modo, qualquer sequência obtida a partir do alfabeto acima determina um número inteiro, conforme exposto anteriormente.

Exemplo 5: Qual é o número inteiro associado ao grafo a eventos da Figura 3?

Figura 3: Grafo a eventos do exemplo 5

As expressões simples associadas a grafos a eventos são quádruplas do tipo em que:

representa a transição de entrada, representa a quantidade de fichas contidas no lugar que conecta a .

O valor numérico é determinado na definição do alfabeto. representa a quantidade de barras contidas no lugar que conecta a .

O valor numérico é determinado na definição do alfabeto. representa a transição de saída do lugar que conecta a .

A expressão simples representa o grafo a eventos do exemplo 5.

De um modo geral, para o alfabeto , as quádruplas de quatro símbolos representam

cada grafo a eventos que tenha um lugar, duas transições, duas fichas (no máximo) e uma barra (no máximo).

O alfabeto consiste de . Logo, o valor de é . Esse número será a base do sistema de numeração que fornecerá o número

t1

t0

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inteiro . O símbolo é utilizado para representar a quantidade nula de fichas ou barras. A expressão associada ao grafo da Figura 3 é:

. Segue-se que:

e então . e então . e então . e então .

Assim,

Portanto, a expressão corresponde ao número inteiro , consequentemente, o grafo da Figura 3 está associado ao número .

Exemplo 6: Qual é o grafo a eventos associado ao número , cujo alfabeto seja ?

Para encontrar o grafo a eventos que está associado ao número e cujo alfabeto

seja procede-se como exposto nos exemplos 3 e 4 desse artigo. A base desse sistema de numeração é , logo se deve dividir o número por e guardar o resto, dividir o quociente por e guardar o resto, e assim sucessivamente, como exposto na seqüência.

, neste caso, . , neste caso, . , neste caso . , neste caso

Os índices , e são, respectivamente, e . Assim, a expressão

. Portanto, a expressão que foi utilizada para obter é que, por sua vez corresponde ao grafo a eventos da Figura 4.

Figura 4: Grafo a eventos do exemplo 6

É possível definir classes de grafos a eventos de acordo com a quantidade de transições, lugares, fichas e barras presentes. Essas quantidades variam conforme a

t1

t0

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necessidade de modelagem de problemas advindos de sistemas dinâmicos a eventos discretos. Propriedades dessas classes podem ser avaliadas (não neste texto) por meio de teoremas da Teoria de Números.

As expressões compostas, conforme a Figura 5, associadas a grafos a eventos são do tipo:

Em que:

Cada é uma quádrupla do tipo ou seja, uma expressão simples;

representa a quantidade de lugares cujas transições de saída são transições de entrada em ;

e ; Se então a expressão composta é uma expressão simples.

Figura 5: Grafo a eventos para expressões compostas Para grafos a eventos do tipo exposto na Figura 6, cujo alfabeto seja

, a expressão associada é , em que e .

Figura 6: Grafo a eventos de uma expressão composta

Os símbolos e não representam o “ou” e “e” da lógica clássica, mas sim operadores associados à rede que determina um grafo a eventos. Não são necessários pares de

p1

tj

tn t1

...

t2

p2 pn

( ) ( )

t2

t1 t0

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parênteses, pois assume-se que o operador tem prioridade sobre o operador nas expressões que determinam o grafo a eventos.

Um grafo a eventos que contém expressões simples e compostas é representado por

em que cada expressão e representa o número de 's (número de lugares do grafo a eventos). Para grafos a eventos com apenas expressões simples, tem-se que

Para cada grafo a eventos com, no mínimo, uma expressão composta tem-se que

Exemplo 7: Qual é a expressão que está associada ao grafo a eventos da Figura 7, cujo alfabeto seja

Figura 7: Grafo a eventos do exemplo 7

Esse grafo a eventos contém expressões simples e compostas, a saber: é a expressão composta para a transição ; é a expressão simples entre as transições e ; é a expressão simples entre as transições e .

Portanto, a expressão associada é Cada expressão simples e composta tem um número inteiro associado obtido pelo processo exposto anteriormente. Para que um grafo a eventos que contém expressões simples

t0

t1

t2

t3

p1

p3

p4

p2

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e compostas possa ter um e um único número inteiro associado, é necessário que o número associado ao grafo a eventos seja da forma

em que é o r-ésimo número primo6 e cada é o número associado a cada expressão

(simples ou composta) obtida no grafo a eventos. Neste caso, o ponto "." é a multiplicação,

Exemplo 8: Qual é o número associado ao grafo a eventos da Figura 7?

Os números associados às expressões do grafo a eventos da Figura 7 são: A expressão está associada ao número A expressão está associada ao número A expressão está associada ao número

Para que o grafo a eventos determine um e um único número inteiro, o número associado a ele será da forma:

Como cada número inteiro tem uma única representação em sua decomposição em

fatores primos, cada grafo a eventos corresponde a um e um único número inteiro.

CONCLUSÃO

Mostrou-se um sistema de numeração de expressões 7 (strings) utilizado para enumerar grafos a eventos a partir de um alfabeto finito qualquer. Como ilustração desse sistema apresentou-se uma aplicação em aritmética. Nessa aplicação estabelece-se que é possível se ter uma aritmética sem o símbolo , a qual impede os zeros não significativos. Desse modo, abre-se espaço, com esse sistema de numeração, para desenvolvimentos em álgebras de expressões, trabalhos em criptografia, Teoria da Computação, ou setores acadêmicos que se valem da utilização de cálculos com expressões.

Na segunda aplicação mostrou-se como estabelecer uma correspondência entre grafos a eventos e números inteiros. Esta se dá a partir da associação de grafos a eventos com expressões obtidas de um alfabeto previamente estabelecido, que se associam a números inteiros. Para uma unicidade na decomposição, utiliza-se de números primos na construção 6 Ou seja, 1=2, 2=3, 3=5, .... 7 Existem outras maneiras de se estabelecer um sistema de numeração semelhante ao que foi feito neste texto. Os excelentes livros de Davis (1983), Cutland (1980) e Rogers (1967) são próprios para demonstrações da unicidade da representação exposta neste texto e também para outras investigações sobre sistemas de numerações.

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dos números que se associam a um grafo a eventos. Assim, o sistema de numeração posicional exposto é adaptado a traduzir grafos a eventos em números inteiros. A partir dessa associação, é possível definir classes de grafos a eventos de acordo com as necessidades relativas à quantidade de transições, lugares, fichas e barras. Como consequência dessa associação, torna-se possível investigar, sob a ótica da Teoria de Números, propriedades de grafos a eventos, obtidas como modelos de sistemas dinâmicos a eventos discretos.

REFERÊNCIAS BACCELLI, F.L., COHEN, G., OLSDER, G. J., QUADRAT, J. P.. Synchronization and Linearity - An Algebra for Discrete Event Systems. New York: John Wiley and Sons, 1992.

CASSANDRAS, C. G., LAFORTUNE, S. Introduction to Discrete Event Systems. Boston: Kluwer Academic Press, 1999.

COHEN, G. , MOLER, P., QUADRAT, J.P., VIOT, M.. Algebraic tools for performance evaluation of discrete systems. Proceedings of IEEE, 77, pp. 39-58, 1989.

CUTLAND, N.J. Computability - An Introduction to Recursive Function Theory, Cambridge: Cambridge University Press, 1980.

DAVIS, M. D., SIGAL, R., WEYUKER, E.J.. Computability, Complexity, and Languages - Fundamentals of Theoretical Computer Science. New York: Morgan Kaufmann-Academic Press, 1983.

MURATA,T. Petri Nets: Properties, analysis and applications. Proceedings of the IEEE, 77,pp.541-580, 1989.

PETERSON, J.L. Petri Net Theory and the Modeling of Systems, New Jersey: Prentice-Hall, 1981.

ROGERS, H. Theory of Recursive Functions and Effective Computability, New York: McGraw-Hill, 1967.

Dados do autor JOSÉ CARLOS MAGOSSI

Doutor em Engenharia Elétrica (Unicamp), professor da Faculdade de Tecnologia (Unicamp).

Recebido: 19/8/09

Aprovado: 23/11/09