um outro olhar sobre a loucura (reportagem)

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 Um outro olhar sobre a loucura  A o som de pandeiros, cho- calhos, tambores e notas do violão, vozes entoam a velha música: “Você é luz, é raio, estrela e luar”. O som vem de uma das salas da casa em tom salmão, rodeada de árvores, localizada em uma passagem que não se distingue entre rua ou calçada. Os motoristas di cilmente notam essa pequena entrada, ao longo da rua Delminda Silveira, no bairro Agronômica, em Florianópolis, próxima à residência ocial do governador.  A casa ta mbé m serv e de esp aço para diversas atividades, como o- cinas de teatro, aulas de capoeira, cerâmica e mosaico. Nota-se que não é uma residência qualquer. Neste local, funciona há 11 anos o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), uma unidade de saúde nanciada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que atende pessoas com transtornos mentais. Os CAPS são pequenos ambulatórios locali- zados nos bairros, com uma equipe formada por enfermeiros, psiquia- tras, psicólogos e assistentes sociais que oferecem tratamento contínuo e especializado. Os usuários – como são chamadas as pessoas que fre- qüentam os CAPS – passam o dia no local e depois retornam para casa.  A criação dos CAPS faz parte de uma nova política pública para a Saúde Mental, em que são imple- mentadas novas unidades de saúde, as quais substituem os hospitais psiquiátricos no cuidado dos doen- tes mentais. As unidades são inter- ligadas por uma “Rede de Atenção Psicossocial”. A rede consiste em oferecer residências terapêuticas – casas para pacientes crônicos ou que precisem de atenção 24 horas por dia – centros de convivências e aten- dimento em postos de saúde e em hospitais gerais. O marco legal dessa política foi a aprovação da Lei Federal da Re- forma Psiquiátrica (Lei 10.216) em 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtor- nos mentais e redireciona a assistên- cia em saúde mental, privilegiando o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária. Com a edição da lei, o governo federal iniciou uma substituição progressiva dos leitos em hospitais psiquiátricos pela Rede de Atenção Psicossocial. Na prática, a política retira os inter- nos do connamento em institui- ções e os coloca em locais onde po- dem ter mais autonomia e convívio social, como os CAPS. Reforma  No Estado, esse proces- so de mudança começou em 2004. O número de leitos em hospitais psiquiátricos diminuiu de 954 para 760, de acordo com dados da Co- ordenação de Saúde Mental da Se- cretaria de Estado da Saúde (SES). Uma das instituições que sofreu essa redução foi o hospital público Colônia Santana, em São José, mu- nicípio localizado a vinte quilôme- tros da capital. Em 2003, os leitos permanentes no hospital eram 500, número que foi reduzido a 320 em 2005. O Colônia Santana está localiza- do numa área isolada, entre algumas casas, postos de gasolina e muitas ár- vores. Em frente à entrada principal, há um pequeno chfariz, rodeado de bancos brancos e desbotados. A toda hora, transitam médicos e pa- cientes curiosos, que cumprimen- tam e conversam com os visitantes desconhecidos. Há seis meses, um grupo inter- no de trabalho foi criado dentro do Instituto de Psiquiatria de Santa Ca- tarina (IPQ), que coordena o Hos- pital Colônia Santana. A equipe, formada por prossionais das áreas de medicina, psicologia, enferma- gem e assistência social, vai analisar cada caso dos 320 internos e decidir quais podem receber alta. O Hospital Colônia Santana foi o primeiro grande empreendimen- to destinado a doentes mentais em Santa Catarina, estabelecido no nal de 1941. Inaugurado inicialmente com 300 leitos, chegou a compor- tar mais de dois mil em 1971. Hoje, além dos 320 leitos para pacientes permanentes (ou crônicos), o hospi- tal destina mais 160 para pacientes “agudos”, aqueles internados em momentos de crise e que perma- necem no hospital por cerca de três semanas. Os pacientes que moram no hospital dividem pequenas casas com capacidade para cinco pessoas. “Esses pacientes poderiam continu- ar tratamento fora, do ponto de vis- ta médico, mas não têm para onde voltar, muitos não têm família”, lamenta o psiquiatra Géder Grohs, que trabalha no hospital há mais de dez anos. Luta Antimanicomial  Instituições como Colônia Santana são alvos de críticas de movimentos que lutam pela Reforma Psiquiátrica, como o Movimento Nacional de Luta Anti- manicomial, que reivindica a trans- formação dos serviços psiquiátricos.  As pr imei ras ma nife stações da Luta  Ant iman icom ial oco rre ram nos anos 70 e trouxeram à tona questões relativas à exclusão da loucura na sociedade. O Movimento foi con- solidado em 1987, data que remete ao II Congresso Nacional do Movi- mento dos Trabalhadores em Saúde Mental, realizado na cidade de Bau- ru (SP). Nesse momento deniu- se o lema “por uma sociedade sem manicômios”. O Movimento de Luta Antimanicomial espalhou-se no Brasil através de núcleos muni- cipais e estaduais. Em Florianópolis, surgiu nos meados dos anos 90. “A grande crítica do movimento não é somente aos hospitais psiqui- átricos, mas ao poder do médico so- bre o paciente. O sujeito é tratado como objeto, como se ele não fosse capaz de pensar”, explica a psicólo- ga Fernanda Nicolazzi, membro do núcleo de Florianópolis. “A partir do momento em que a pessoa é in- ternada no hospital, ela é rotulada.  A pe ssoa pas sa a se in stit ucio nal iza r, como se pertencesse àquele ambien- te, sente-se diferente de todo mun- do”.  A esc rito ra Ze ila* t em um lho de 49 anos, portador de esquizofre- nia há 30. Durante o percurso da doença, o lho teve que ser interna- do 12 vezes. Zeila nota que, de certa forma, o lho sentia-se à vontade nos hospitais. “Lá ele tinha liberda- de de conversar. Hoje, é difícil ele chegar numa roda de pessoas e falar alguma coisa, ele sabe que fala coisas impróprias mesmo sem querer”. Zeila e o lho, Nelson*, vivem  jun tos em Gua ratu ba, cid ade do litoral paranaense. Nelson já foi in- ternado tanto em hospitais públicos quanto em clínicas particulares do Paraná. A necessidade da internação ocorria nos momentos de surto, em que cava muito violento, como na ocasião em que agrediu um dos seus familiares. “A família não tem como controlar o doente em momentos de surto. Na hora da crise eles não têm discernimento”, diz Zelia. Os psiquiatras estão autorizados por lei a recomendar internamento compulsório numa unidade psiqui- átrica. O psiquiatra Grohs explica que a internação é necessária quan- do o paciente representa risco físico ou moral para terceiros ou para si próprio. Zeila concorda com o psi- quiatra: “Os manicômios não são um sonho dourado, mas às vezes são necessários”. O período máximo que Nelson cou internado foi de 40 dias. Zeila critica a falta de terapia ocupacional nos locais em que ele esteve. “As pessoas cam jogadas lá”. No Hospital Colônia Santana, por outro lado, são realizadas di- versas atividades de terapia ocupa- cional, como as ocinas de corte e costura, voltadas principalmente aos pacientes crônicos. “Os pacientes agudos chegam numa fase muito conturbada, então não têm condi- ções de participar das atividades”, explica Grohs. 12 DEZEMBRO - 07 [saúde] Hospitais psiquiátricos com cara de Centro de Recuperação mudam o perfil do chamado “manicômio” “A crítica não é só aos hospitais mas também aos médicos. O sujeito é tratado como objeto, como se não fosse capaz de pensar” Fernanda Nicolazzi - Psicóloga Participantes se divertem na oficina de música do CAPS ANA CAROLINA DALL’AGNOL ANA CAROLINA DALL’AGNOL O Hospital Colônia Santana, localizado em São José, foi a primeira instituição psiquiátrica de Santa Catarina - a inauguração ocorreu em 1941

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Reportagem publicada em dezembro/2007 no jornal-laboratório Zero, do curso de Jornalismo da UFSC.

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Page 1: Um outro olhar sobre a loucura (reportagem)

5/13/2018 Um outro olhar sobre a loucura (reportagem) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/um-outro-olhar-sobre-a-loucura-reportagem 1/3

 

Um outro olhar sobre a loucura

 A o som de pandeiros, cho-calhos, tambores e notasdo violão, vozes entoam a

velha música: “Você é luz, é raio,estrela e luar”. O som vem de umadas salas da casa em tom salmão,rodeada de árvores, localizada emuma passagem que não se distingueentre rua ou calçada. Os motoristasdifcilmente notam essa pequenaentrada, ao longo da rua DelmindaSilveira, no bairro Agronômica, emFlorianópolis, próxima à residênciaofcial do governador.

 A casa também serve de espaçopara diversas atividades, como of-cinas de teatro, aulas de capoeira,cerâmica e mosaico. Nota-se quenão é uma residência qualquer.Neste local, unciona há 11 anoso Centro de Atenção Psicossocial(CAPS), uma unidade de saúdefnanciada pelo Sistema Único deSaúde (SUS), que atende pessoascom transtornos mentais. Os CAPSsão pequenos ambulatórios locali-zados nos bairros, com uma equipeormada por enermeiros, psiquia-tras, psicólogos e assistentes sociaisque oerecem tratamento contínuoe especializado. Os usuários – comosão chamadas as pessoas que re-qüentam os CAPS – passam o dia

no local e depois retornam para casa.  A criação dos CAPS az partede uma nova política pública paraa Saúde Mental, em que são imple-mentadas novas unidades de saúde,as quais substituem os hospitaispsiquiátricos no cuidado dos doen-tes mentais. As unidades são inter-ligadas por uma “Rede de AtençãoPsicossocial”. A rede consiste emoerecer residências terapêuticas –casas para pacientes crônicos ou queprecisem de atenção 24 horas pordia – centros de convivências e aten-dimento em postos de saúde e emhospitais gerais.

O marco legal dessa política oia aprovação da Lei Federal da Re-orma Psiquiátrica (Lei 10.216) em

2001, que dispõe sobre a proteção eos direitos das pessoas com transtor-nos mentais e redireciona a assistên-cia em saúde mental, privilegiandoo oerecimento de tratamento emserviços de base comunitária. Coma edição da lei, o governo ederaliniciou uma substituição progressivados leitos em hospitais psiquiátricospela Rede de Atenção Psicossocial.Na prática, a política retira os inter-nos do confnamento em institui-ções e os coloca em locais onde po-dem ter mais autonomia e convíviosocial, como os CAPS.

Reforma  No Estado, esse proces-so de mudança começou em 2004.O número de leitos em hospitaispsiquiátricos diminuiu de 954 para760, de acordo com dados da Co-

ordenação de Saúde Mental da Se-cretaria de Estado da Saúde (SES).Uma das instituições que soreuessa redução oi o hospital públicoColônia Santana, em São José, mu-nicípio localizado a vinte quilôme-tros da capital. Em 2003, os leitospermanentes no hospital eram 500,número que oi reduzido a 320 em2005.

O Colônia Santana está localiza-do numa área isolada, entre algumascasas, postos de gasolina e muitas ár-vores. Em rente à entrada principal,há um pequeno chariz, rodeado

de bancos brancos e desbotados. A toda hora, transitam médicos e pa-cientes curiosos, que cumprimen-tam e conversam com os visitantesdesconhecidos.

Há seis meses, um grupo inter-no de trabalho oi criado dentro doInstituto de Psiquiatria de Santa Ca-tarina (IPQ), que coordena o Hos-pital Colônia Santana. A equipe,ormada por profssionais das áreasde medicina, psicologia, enerma-gem e assistência social, vai analisarcada caso dos 320 internos e decidirquais podem receber alta.

O Hospital Colônia Santana oio primeiro grande empreendimen-to destinado a doentes mentais emSanta Catarina, estabelecido no fnalde 1941. Inaugurado inicialmentecom 300 leitos, chegou a compor-

tar mais de dois mil em 1971. Hoje,além dos 320 leitos para pacientespermanentes (ou crônicos), o hospi-tal destina mais 160 para pacientes“agudos”, aqueles internados emmomentos de crise e que perma-necem no hospital por cerca de trêssemanas. Os pacientes que moramno hospital dividem pequenas casascom capacidade para cinco pessoas.“Esses pacientes poderiam continu-ar tratamento ora, do ponto de vis-ta médico, mas não têm para ondevoltar, muitos não têm amília”,lamenta o psiquiatra Géder Grohs,

que trabalha no hospital há mais dedez anos.Luta Antimanicomial Instituiçõescomo Colônia Santana são alvos decríticas de movimentos que lutampela Reorma Psiquiátrica, como oMovimento Nacional de Luta Anti-manicomial, que reivindica a trans-ormação dos serviços psiquiátricos. As primeiras maniestações da Luta  Antimanicomial ocorreram nosanos 70 e trouxeram à tona questõesrelativas à exclusão da loucura nasociedade. O Movimento oi con-solidado em 1987, data que remeteao II Congresso Nacional do Movi-mento dos Trabalhadores em SaúdeMental, realizado na cidade de Bau-ru (SP). Nesse momento defniu-se o lema “por uma sociedade semmanicômios”. O Movimento deLuta Antimanicomial espalhou-seno Brasil através de núcleos muni-cipais e estaduais. Em Florianópolis,surgiu nos meados dos anos 90.

“A grande crítica do movimentonão é somente aos hospitais psiqui-átricos, mas ao poder do médico so-bre o paciente. O sujeito é tratadocomo objeto, como se ele não ossecapaz de pensar”, explica a psicólo-ga Fernanda Nicolazzi, membro donúcleo de Florianópolis. “A partir

do momento em que a pessoa é in-ternada no hospital, ela é rotulada. A pessoa passa a se institucionalizar,como se pertencesse àquele ambien-te, sente-se dierente de todo mun-do”.

 A escritora Zeila* tem um flhode 49 anos, portador de esquizore-nia há 30. Durante o percurso dadoença, o flho teve que ser interna-do 12 vezes. Zeila nota que, de certaorma, o flho sentia-se à vontadenos hospitais. “Lá ele tinha liberda-de de conversar. Hoje, é diícil elechegar numa roda de pessoas e alaralguma coisa, ele sabe que ala coisasimpróprias mesmo sem querer”.

Zeila e o flho, Nelson*, vivem  juntos em Guaratuba, cidade do

litoral paranaense. Nelson já oi in-ternado tanto em hospitais públicosquanto em clínicas particulares doParaná. A necessidade da internaçãoocorria nos momentos de surto, emque fcava muito violento, como naocasião em que agrediu um dos seusamiliares. “A amília não tem comocontrolar o doente em momentosde surto. Na hora da crise eles nãotêm discernimento”, diz Zelia.

Os psiquiatras estão autorizadospor lei a recomendar internamentocompulsório numa unidade psiqui-átrica. O psiquiatra Grohs explicaque a internação é necessária quan-do o paciente representa risco ísicoou moral para terceiros ou para sipróprio. Zeila concorda com o psi-quiatra: “Os manicômios não sãoum sonho dourado, mas às vezes

são necessários”. O período máximoque Nelson fcou internado oi de 40dias. Zeila critica a alta de terapiaocupacional nos locais em que eleesteve. “As pessoas fcam jogadas lá”.

No Hospital Colônia Santana,por outro lado, são realizadas di-versas atividades de terapia ocupa-cional, como as ofcinas de corte ecostura, voltadas principalmente aospacientes crônicos. “Os pacientesagudos chegam numa ase muitoconturbada, então não têm condi-ções de participar das atividades”,explica Grohs.

12 DEZEMBRO - 07

[saúde]

Hospitais psiquiátricos com cara de Centro de Recuperação mudam o perfil do chamado “manicômio”

“A crítica não ésó aos hospitaismas também aosmédicos. O sujeitoé tratado comoobjeto, como senão fosse capaz de

pensar”Fernanda Nicolazzi - Psicóloga

Participantes se divertem na oficina de música do CAPS

ANA CAROLINA DALL’AGNOL

ANA CAROLINA DALL’AGNOL

O Hospital Colônia Santana, localizado em São José, foi a primeira instituição psiquiátrica de Santa Catarina - a inauguração ocorreu em 1941

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5/13/2018 Um outro olhar sobre a loucura (reportagem) - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/um-outro-olhar-sobre-a-loucura-reportagem 2/3

 

Opsiquiatra Grohs alerta:“É importante educar opaciente e a amília em

relação à doença, para entendera gravidade do problema, tomarconhecimento dos tratamentospossíveis e poder negociar com opróprio paciente as alternativaspara o seu tratamento”, diz o psi-quiatra. Para ele, o tratamento ide-al envolve uso da medicação aliadoà terapia ocupacional e às terapiasem grupo ou individuais – práticasundamentais para a ressocializa-ção do paciente.

De acordo com o coordenadordo CAPS de Florianópolis, FelipeBrognoli, promover a reinserçãona sociedade é o principal objetivodo Centro de Atenção Psicossocial.Ele afrma ainda que a intenção éampliar a “capacidade de depen-dência dos usuários”, o que podesoar contraditório, até que o con-

ceito seja esclarecido: “Ampliar adependência signifca ter contatoscom um maior número de pessoas,além da amília”.

  Aumentar o número de con-tatos pode parecer uma tareaimpossível para alguém que temdifculdades até de sair de casa,principalmente sem a companhiade outra pessoa. André Luiz So-breira, “carioca da gema” (comoele mesmo se defne) de 34 anos,com suas brincadeiras e risadasconstantes, não parece alguém quese encaixa nessa situação. Andrétem síndrome do pânico e não vainem ao shopping sozinho. Mesmoassim, conquistou sua “depen-dência”. Freqüentador assíduo doCAPS há 10 anos, “conhece todomundo aqui”, como revela um dosseus colegas.

No momento em que Andréimita o apresentador Sílvio Santosou a voz rouca do presidente Lula,sua vocação para representar é logo

percebida. O interesse pela músi-ca também é evidente: ele sabe onome de todas as canções da modae conhece todas as bandas e canto-res, desde Skank à Justin Timber-lake. Foi atento às suas habilidadesque André escolheu participar dasofcinas de música, capoeira e te-atro.

Dessa orma, dando atençãoaos desejos e preerências, os usu-ários do CAPS escolhem as ativi-dades das quais querem partici-par. Juntamente com uma equipemultiprofssional – ormada porpsicólogos, psiquiatras, enermei-ra, socióloga, arte-educadora, as-sistente social – o usuário elabora

o seu Projeto Terapêutico, em quesão defnidas as ofcinas das quaisará parte. O projeto é revisadomensalmente entre técnicos e pa-cientes, para a análise de resultadose de possíveismudanças.

O CAPS tem uma média deatendimento de 50 pessoas por dia.Os pacientes em geral são encami-nhados de outros serviços de saú-de, muitas vezes quando recebemalta das internações. “Aqui não seaz diagnóstico. Quem entra aquisão as pessoas que apresentam di-fculdades permanentes, de ordempsicossocial, e que têm suas vidasprejudicadas por isso”, esclareceBrognoli.

Existem cinco categorias die-rentes de Centro de Atenção Psi-cossocial, que mudam conorme onúmero de habitantes de cada mu-nicípio e também de acordo com aproposta de tratamento. O CAPS Ié para municípios com populaçãoentre 20 mil e 70 mil habitantes, oCAPS II é para 70 a 200 mil, já oCAPS III é para cidades com maisde 200 mil habitantes. O CAPS ié destinado para o atendimento decrianças e o CAPS ad para crian-ças e adolescentes com problemasdecorrentes do uso de substânciaspsicoativas.

Em Santa Catarina, já oramimplantados 55 CAPS. Florianó-

polis possui três: um CAPS i, umCAPS ad e um CAPS II, apesar dea população da capital ser de cercade 400 mil habitantes. Para Brog-noli, seria necessária a instalação deum CAPS III, pois nessa categoriahá leitos para internação e o un-cionamento é de 24 horas todosos dias, ao contrários dos outrosCAPS, que uncionam apenas desegunda a sexta-eira. “Falta estru-tura em Florianópolis”, reclama.

*Os sobrenomes não foram divulgados 

 para manter a privacidade dos entrevis-

tados 

13 DEZEMBRO - 07

Por Ana Carolina Dall’Agnol e

Ingrid Cristina dos Santos

A descoberta dos medicamentos para transtornosmentais ocorreu nos anos 50, sendo que, no Brasil, ouso dessas substâncias começou somente nos anos 70.“Antes não havia um tratamento específco”, afrmaGrohs. A decisão em utilizar um psicoármaco (comose denominam os medicamentos utilizados para otratamento de desordens ou enermidades mentais)depende do diagnóstico que o paciente apresenta.Para desordens como esquizorenia, transtorno bipo-lar, depressões graves e controle de ataques de pâni-co, os medicamentos são o tratamento preerencial.

A dosagem do medicamento é estabelecida pelomédico, que vai adequando as doses de acordo com areação do organismo do indivíduo. Como explica Grohs,se o paciente apresentar muitos eeitos colaterais, é ne-cessário diminuir a dosagem ou trocar o remédio, atéque se encontre um equilíbrio. O psiquiatra aponta queas vantagens de um tratamento continuado estão na pos-

sibilidade de diminuir os surtos: “Quanto mais surtos,mais seqüelas e maior a difculdade de recuperação.”

Para Zeila os medicamentos oram importantes notratamento de seu flho. “Quando ele parava a medi-cação, surtava. Só os remédios controlam os surtos”.Porém, nem sempre era ácil convencer Nelson a to-mar os remédios. “Tínhamos que colocar escondido nosuco.” Hoje o flho de Zeila aceita o tratamento, mas fcadesconfado com mudanças. Mesmo com o surgimentode remédios com menos eeitos colaterais, ele preeremanter a mesma medicação e não aceita nem genérico.

O uso de medicamentos envolve polêmicas. FernandaNicolazzi compara os psicoármacos a uma “camisa deorça química”. “A pessoa fca contida”. Para ela, o maiorproblema está no uso que considera indiscriminado des-sas substâncias. Ela completa que os pacientes não têmdireito de escolha sobre o tratamento que desejam azernos hospitais. “A psiquiatria tradicional cala a boca.”

O psiquiatra Grohs explica que, no momen-to em que o paciente está em crise, seu trata-

mento é discutido com a amília. “Quando recu-pera a capacidade de autodeterminação, então é

possível discutir com ele”. Grohs afrma categorica-mente: “O que causa a perda de autonomia é a doença”.

Mas sobre uma questão as opiniões entram em con-senso, tanto de Nicolazzi, quanto de Grohs: o uso é ne-cessário. “O uso deve ser racional, com cautela e combons uncionários que possam acompanhar”, afrmaela, que reconhece que não existe outra orma de li-dar com a situação. Brognoli também é a avor da uti-lização controlada de medicamentos: “É um instru-mento importante. A crítica que azemos é em relaçãoao uso abusivo e disciplinar, para controlar a pessoa”.

O proessor Tadeu Lemos, especialista em dependên-cia química do Departamento de Farmacologia da Univer-sidade Federal de Santa Catarina (UFSC), afrma que opaciente pode ter qualidade de vida se a doença or trata-da corretamente. Quanto aos eeitos colaterais, ele ex-plica que podem ser mais intensos do que em doenças queaetam outras partes do corpo, pois a estrutura do cére-

bro é mais complexa que a dos outros órgãos. “Que medi-camento não traz eeito colateral?”, argumenta Lemos.

ANA CAROLINA DALL’AGNOL

CAPS pretende reinserir pacientes na sociedade

Remédios: Vilões ou mocinhos?

André aprendeu a ser “dependente”, mas nesse caso a dependência é positiva, pois significa mais contato com amigos e familiares

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