um olhar sobre a trabalhadora rural: representações do ... · como já nos é dito em formação...

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1 Um olhar sobre a trabalhadora rural: Representações do imaginário construído sobre a figura da camponesa Tuanny Aparecida de Souza 1 Introdução: Diante da complexidade da expressão cultura política, e das exigências metodológicas para que determinado fenômeno político com aspectos culturais bem definidos sejam enquadrados e então caracterizados dentro do conceito, exigências com a quais eu concordo visto que o conceito não deva ser banalizado, o presente texto aborda um dos aspectos, importante aspecto, que contribui para a construção das chamadas culturas políticas, me refiro ao imaginário construído sobre determinada figura, às representações e a todo o significado político que a elas pode ser atribuído. Por cultura política considero aqui o conceito formulado por Serge Berstein: Os historiadores entendem por cultura política um grupo de representações, portadoras de normas e valores, que constituem a identidade de grandes famílias políticas e que vão muito além da noção reducionista de partido político. Pode-se concebê-la como uma visão global do mundo e de sua evolução, do lugar que ai ocupa o homem e, também da própria natureza dos problemas relativos ao poder, visão que é partilhada por um grupo importante da sociedade de um dado país e num dado momento de sua história.(2009) Uma cultura política sai da subjetividade e ganha concretude quando o imaginário político se torna mais real condensado em figuras reais, em imagens, em hinos, em bandeiras, em comemorações, dentre estas imagens que compõem o imaginário cultural do político ao longo da história está a mulher, a Revolução Francesa, por exemplo, se apropria da imagem da mulher para personificar um dos ideais da revolução em especial a liberdade, o significado dessa personificação tornou-se tão concreto que a França presenteou os Estados Unidos com a Estátua da Liberdade, figura de uma mulher, fazendo referência ao modelo de República implantado naquele país, que foi espelhado na Revolução Francesa. Mas esse foi só um 1 Pós-graduanda em Histórias e Culturas Políticas pela UFMG, e-mail: [email protected].

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Um olhar sobre a trabalhadora rural: Representações do imaginário construído sobre a

figura da camponesa

Tuanny Aparecida de Souza1

Introdução:

Diante da complexidade da expressão cultura política, e das exigências metodológicas

para que determinado fenômeno político com aspectos culturais bem definidos sejam

enquadrados e então caracterizados dentro do conceito, exigências com a quais eu concordo

visto que o conceito não deva ser banalizado, o presente texto aborda um dos aspectos,

importante aspecto, que contribui para a construção das chamadas culturas políticas, me refiro

ao imaginário construído sobre determinada figura, às representações e a todo o significado

político que a elas pode ser atribuído. Por cultura política considero aqui o conceito formulado

por Serge Berstein:

Os historiadores entendem por cultura política um grupo de representações, portadoras de normas e valores, que constituem a identidade de grandes famílias políticas e que vão muito além da noção reducionista de partido político. Pode-se concebê-la como uma visão global do mundo e de sua evolução, do lugar que ai ocupa o homem e, também da própria natureza dos problemas relativos ao poder, visão que é partilhada por um grupo importante da sociedade de um dado país e num dado momento de sua história.(2009)

Uma cultura política sai da subjetividade e ganha concretude quando o imaginário

político se torna mais real condensado em figuras reais, em imagens, em hinos, em bandeiras,

em comemorações, dentre estas imagens que compõem o imaginário cultural do político ao

longo da história está a mulher, a Revolução Francesa, por exemplo, se apropria da imagem

da mulher para personificar um dos ideais da revolução em especial a liberdade, o significado

dessa personificação tornou-se tão concreto que a França presenteou os Estados Unidos com a

Estátua da Liberdade, figura de uma mulher, fazendo referência ao modelo de República

implantado naquele país, que foi espelhado na Revolução Francesa. Mas esse foi só um

1 Pós-graduanda em Histórias e Culturas Políticas pela UFMG, e-mail: [email protected].

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exemplo de um momento histórico em que uma mulher se tornou referência para a construção

do imaginário e das representações feitas a cerca de um modelo político, ou aspecto cultural

do político. (BURKE, 2004)

O exemplo francês é bom o suficiente para explicar como o imaginário pode ser

moldado a partir de determinado ícone e ganhar uma linguagem própria, por meio desta

construção as pessoas olham de forma diferente para o monumento, dando a ele todo o

sentido com o qual ele está carregado, porém esse exemplo não dá conta do caso Brasileiro

como já nos é dito em Formação das Almas por José Murilo de Carvalho, aqui assim como a

República não foi personificada na imagem da mulher, a própria figura da mulher não foi tão

utilizada, ou associada a nenhum movimento político de forma muito expressiva, na

dissertação de mestrado recentemente defendida por Paula Elise Soares na UFMG, as

representações a cerca da figura do camponês sob o olhar do partido comunista, de artistas, e

de jornais nos dão uma dimensão de como foram construídas as representações do camponês,

mas a mulher, a camponesa não tem um papel de destaque em nenhum momento do

movimento, um exemplo que pode ser mencionado como uma apropriação da mulher como

um modelo é o caso do partido comunista em que Leocádia Prestes e Olga, têm um destaque e

são vistas como exemplo, (TAVARES, 2009), contudo jamais se esquece da essencial virtude

da mulher, uma boa esposa e boa mãe, a tradição comunista “possuía um código moral rígido,

particularmente no referente a questão sexual e familiar” (MOTTA, 1997) bem como as

tradições de direita que tendem a enxergar na mulher virtudes relacionadas ao cuidado do lar

e da família. Hoje tem havido um esforço pelo resgate dos momentos em que a imagem da

mulher tenha tido maior destaque, mas o fato é que pesquisas revelam que foram poucas as

vezes em que um movimento político se apropriou da imagem da mulher no Brasil para

representar algum ideal, no caso do meio rural, a presença da camponesa se torna ainda mais

inexpressiva em se tratando de movimento político ou participação na vida política.

Quando se propõe a discutir o lugar da mulher, no nosso caso, o da camponesa e a

representação feita desta personagem, nos deparamos com duas importantes questões: o

gênero e a defesa da existência de uma cultura política feminista, mas é importante ressaltar

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que o trabalho não tem esse propósito como foco central, antes se quer dar enfoque para as

representações e o imaginário construído em torno da mulher e do ideal de mulher sob a ótica

de alguns dos movimentos políticos e sociais no campo, em alguns momentos no entanto é

importante passar por discussões que nos aproximam dessas questões para ressaltar como tem

sido estabelecido o lugar da mulher na história e como esse lugar influencia na formação do

imaginário sobre o perfil da mesma e consequentemente influencia também nas

representações feitas desse personagem e agente histórico. Iniciamos com um exemplo de

representação da camponesa utilizada pela Federação dos trabalhadores em agricultura de

Minas Gerais (FETAEMG) representando o movimento sindical rural do estado, trata-se de

uma fotografia, e seguimos com representações da camponesa feitas pelo MST (movimento

dos trabalhadores sem terra), por ultimo consideramos o monumento Russo: Operário e

camponesa, erguido pelo partido comunista, referência para os movimentos de esquerda, tanto

urbanos como rurais, e é praticamente uma convocação à luta, independente do gênero e da

classe trabalhadora a que o sujeito pertencesse.

As representações tecidas sobre o papel político da mulher no campo

Para maior compreensão do imaginário construído em volta de determinada figura é

necessário observar o interesse e o esforço empreendido por quem se apropria de tal imagem,

como definição do conceito de imaginário considero aqui o que nos diz Laplantine e

Trindade, “o imaginário faz parte da representação como tradução mental de uma realidade

exterior percebida, mas apenas ocupa uma fração do campo de representação, a medida que

ultrapassa um processo mental que vai além da representação intelectual ou cognitiva”(1997),

portanto podemos entende-lo não como a realidade mas aquilo que percebemos mediante a

ideias e informações que antecedem e transcendem a própria imagem. Outro conceito

recorrente no texto é o de representação, e esse termo, segundo Falcon, pode ser entendido de

maneiras distintas, uma história vista como conhecimento real sendo assim uma construção

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real do passado, ou um discurso construído sobre a história, a segunda definição é a que

utilizo, ou seja, encaro a representação como um discurso sobre a realidade histórica.

Partindo desses dois conceitos principais se torna mais fácil a análise das diferentes

formas de representação da camponesa. Além disso, temos dimensão da utilização dessa

imagem como discurso, esse discurso pode servir a fins políticos, sociais e econômicos, os

exemplos escolhidos nesse trabalho são referentes ao campo político, e as imagens2 foram

escolhidas de forma a elucidar o mais claramente possível como se dá a construção do

imaginário e das representações referentes à mulher do campo, portanto nada impediria que

fossem analisadas outras imagens desde que elas estivessem ligadas a um contexto político

que se apropria da sua imagem com o objetivo de construir uma representação do ideal de

mulher que se quer alcançar dentro do movimento político, ou mesmo o perfil de mulher com

a qual o movimento pretende contribuir de alguma forma, seja social, econômica ou

politicamente.

Entre as imagens de camponesa que nos vêm à mente toda vez que como cidadãos

comuns pensamos no termo, está aquela de mulher simples, com um vestido gasto pelo tempo

e pelo uso e um lencinho no cabelo3, realmente essa é a imagem corriqueira de mulher rural

com a qual nos deparamos, em cartazes de propaganda, filmes de época, e no caso em analise

numa revista comemorativa pelos trinta anos de fundação da Federação dos trabalhadores em

agricultura de Minas Gerais (foto 1) e Cartaz de divulgação da Festa estadual das sementes no

Rio de Janeiro, promovida pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, MST (foto 2).

Estas imagens são utilizadas principalmente quando o objetivo é transmitir uma noção de

mulher bucólica, tranquila, honesta, trabalhadora, sofrida, sem instrução, esposa dedicada,

com muitos filhos e principalmente mostrar que a camponesa tem de fato uma ligação com a

terra, um vinculo, quem olha para imagem é tentado a acreditar no direito natural à terra e ao

cultivo, bem como na ausência da existência de traços do mundo liberal, capitalista e

2 Ver anexo

3 Ver foto 1 e 2 em anexo

5

tecnológico, no cotidiano dos personagens, a modernidade e o sistema político econômico

atuam sobre a imagem somente se pensamos nesse sistema como organismo opressor.

Esse tipo de representação da camponesa dá a ela o lugar de indefesa e sem qualquer

tipo de vaidade, a felicidade aparece estampada num sorriso tímido que revela a satisfação

dela no trato com a terra, ou seja, o que se quer é única e exclusivamente o direito de produzir

livre da exploração do mercado, além do movimento sindical, frequentemente o MST também

se apropria dessa imagem quando o objetivo é denunciar a exploração sofrida pelos grandes

latifundiários que alimentam o movimento de expropriação dos trabalhadores e trabalhadoras

que vivem da agricultura familiar de subsistência em pequenas propriedades, nestes casos

mostrar a face frágil, porém resistente e satisfeita diante da lida com o solo das camponesas se

faz necessário como meio de apelo, pela não exploração e expropriação dos trabalhadores e

trabalhadoras que vivem do campo.

Se formos além da representação perceberemos que a participação da mulher na

agricultura se dá de forma efetiva e presente muitas vezes não apenas nos trabalhos braçais,

conforme nos é mostrado na obra “Sociologia Rural: Uma análise da vida rural

contemporânea” de Alvin L. Bertrand escrita no ano de 1973, vemos que há um

posicionamento cada vez mais influente da mulher diante das decisões referentes à produção

agrícola, além disso, constata-se a influência das inovações tecnológicas na sociedade rural e

suas implicações na família do campo, o que mostra que o capitalismo e a tecnologia ganham

cada vez mais espaço neste meio. Sabemos que a participação feminina em sindicatos, em

trabalhos antes desempenhados apenas por homens, na política tem evidenciado mudanças,

mas num quadro geral a forma mais comum de relação entre as mulheres do campo e a

política bem como nas relações familiares ainda é a de submissão. Isso pode se exemplificado

em depoimentos de mulheres e jovens rapazes de assentamentos rurais, a fala seguinte é de

um rapaz de um assentamento rural do estado do Ceará, numa entrevista cedida para a obra

‘companheiras de luta ou “coordenadoras de panela”? As relações de gênero nos

assentamentos rurais’:

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Eu acho que homem é mais liberto, desde pequeno já trabalhava com os pais da gente, a gente já sai, tem a liberdade mais novo, certo? A mulher é mais difícil ser liberta mais nova. Os pais nunca deixam sair com outras companhias. O homem não, o homem já sai, o povo não fica falando né, homem deixa pra lá. Eu acho que isso é mais liberdade, eu acho que nós tem mais que a mulher. (Grupo Focal Misto de Jovens, CE), (2000).

A narrativa de uma mulher confirma a idéia de submissão e menor liberdade delas em

relação ao homem, após ser perguntada se pudesse nascer de novo o que ela seria, uma

mulher responde:

A mulher não pode nada nessa sociedade, e se ela começa a quere ter esse poder , ela é mal vista. Eu percebi isso na família enquanto criança, adolescente, ai eu nem tinha nome, era ‘a negrinha doida’. Meus irmãos poderiam ir a uma festa, eu não poderia porque eu era uma mulher, né? Casada, continua a mesma coisa, eu falei assim, ‘ eu vou casar pra eu poder me livrar desses irmãos meu, muito chato, né’. E ai foi pior, né, que ai o marido, ai que queria controlar muito mais. Então, é essas diferenças, daí o poder do homem. (Grupo Focal Misto, MT), (2000).

As duas narrativas são de regiões diferentes do país e, no entanto a realidade vivenciada

é a mesma, e o ponto de vista de ambos os gêneros, feminino e masculino revelam a

manutenção da sociedade conservadora que se mantém e perpetua o paradigma da não

participação da mulher, por exemplo, na vida política, o emprego do termo conservador se

fundamenta no conceito de conservadorismo de Mannheim onde o conservantismo nada mais

é do que agir tradicionalmente muitas vezes consciente de estar agindo assim, e negar tudo o

que é novo, há um apego ao que é antigo inclusive e principalmente ao comportamento

antigo, relacionando as falas às representações feitas nas primeiras imagens é possível notar

como é importante o ato de reforçar o papel da mulher como mãe de família e esposa

dedicada, e satisfeita com a vida que leva, com as relações familiares e com a participação no

trabalho doméstico e agrícola ao mesmo tempo, não estou aqui dizendo que em momento

algum se quer nestas representações feitas da camponesa dizer que ela não deva ter

participação política, acontece que essa também não é a intenção da foto. O enquadramento

quer nos mostrar como essas camponesas vivem felizes desde que tenham seu “pedacinho de

chão”. É importante ressaltar que nas duas imagens escolhidas os meios aos quais elas estão

vinculadas optaram por não enquadrar uma agricultura tecnológica, uma mulher moderna, há

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uma opção clara por manter uma imagem de camponesa ligada a terra, vivendo de meios de

produção baseados na subsistência e na agricultura familiar, esse tipo de relação de trabalho

em que mulheres se submetem a condições ilegais de trabalho também são estudadas por

Verena Martinez- Alier, em um trabalho onde ela estuda as mulheres que vivem em cidades,

mas tem origem no campo e se sustentam com o trabalho no campo, não possuindo terras elas

se vêem obrigadas a irem para o trabalho como bóia-fria em um caminhão de turma.

Abordo aqui algumas realidades diferentes e variadas em que vivem mulheres

camponesas, o motivo é a necessidade de ressaltar a heterogeneidade entre a classe

camponesa, sendo muito difícil, portanto dizer de um único modelo de camponesa, ou mesmo

da construção de uma única representação desse personagem, além de ser uma classe com

aspectos e características variadas, também encontramos uma diversidade de influências

políticas, visto que se por um lado ainda existe um ranço de conservadorismo nas relações de

famílias rurais, também temos uma influencia grande de culturas políticas de esquerda nos

movimento de luta pela terra e por maior qualidade de vida. O MST, por exemplo, é um

movimento considerado radical e nada vinculado à corrente política conservadora e muito

influenciado pelos partidos políticos de esquerda.

Ao falarmos em agricultura familiar e em como esse meio de produção é responsável

por maior parte da produção de alimentos do país, é necessário considerar que em regiões

onde as pequenas propriedades são maioria em detrimento aos latifúndios a camponesa tem

uma imagem com uma diferença significativa de regiões onde prevalece o latifúndio, nesse

contexto as relações trabalhistas se transformam e ai como nos revela um estudo do IBGE de

1989, a camponesa se transforma em bóia-fria4, e a representação com a mulher sorrindo

timidamente começa a fazer sentido, quão importante é a terra para uma trabalhadora que não

4 Termo utilizado para nomear a trabalhadora ou o trabalhador rural, que não possui terras vive de prestação de

serviço, o nome faz referencia ao fato dos trabalhadores (as), levarem suas marmitas de casa e no momento da refeição ela já estarem frias.

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a possui e que ainda assim vive dela, daí a utilização desse tipo de imagem em cartazes de

campanha, por exemplo, do MST.

Mas se ao contrario do que vimos anteriormente, o objetivo da imagem é transmitir um

ideal de camponesa corajosa, destemida, revolucionária que vai a luta, então é bastante

comum vermos uma representação dessa mulher com os cabelos soltos, roupas mais

masculinizadas, ferramentas rurais em punho e uma importante observação é a cabeça mais

erguida em relação aos demais exemplos5, por que o que se quer dizer ou mostrar através da

imagem é que ela não deve ser submissa ao sistema opressor no qual ela está inserida, essa

imagem é mais comum em representações de camponesas feitas por partidos de culturas

políticas de esquerda, um exemplo famoso desse tipo de representação é o que pode ser visto

na Rússia, um monumento esculpido com a camponesa lutando bravamente ao lado do

operário, o monumento data de 1937, a intenção ali é expressa no monumento é muito clara,

pretende exemplificar à força que as camponesas deveriam somar para os esforços do governo

comunista e para a manutenção do regime, em um de seus textos Lênin discute sobre a

desigualdade entre homem e mulher no campo, e a necessidade de sanar esse problema

através do regime socialista.

A operária e a camponesa são oprimidas pelo capital, e mesmo nas repúblicas burguesas mais democráticas, elas não dispõe de direitos iguais aos dos homens, pois que a lei não lhe concede essa igualdade; e mais – o que é essencial – elas vivem na “escravidão do lar”, continuam sendo “escravas domésticas”, sofrendo o julgo do trabalho mais mesquinho, mais sombrio, mais pesado, mais bestializador, o trabalho da cozinha e, em geral, do lar individual e familiar. (1921)

Outro exemplo de construção de uma imagem forte e corajosa da mulher mais recente é

a estampa da bandeira do MST,6 existe uma semelhança nítida entre a informação que se quer

transmitir no monumento russo e o que se quer transmitir através da bandeira do MST a

diferença é que a camponesa está ao lado de outro camponês e não mais ao lado de um

operário, mas observem que as roupas se assemelham mais às masculinas, os cabelos soltos, 5 Ver foto 3 e 4 em anexo

6 Ver foto 4 em anexo

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uma face mais séria e cabeça erguida se repetem nas duas imagens, por mais que o contexto

histórico não seja o mesmo, a necessidade de convocar a mulher camponesa para a luta e de

fazer crer que a participação dela é indispensável, tanto para um quanto para o outro

movimento faz com que o segundo movimento se aproprie da construção de representação de

camponesa do primeiro com o intuito de transformar o imaginário político que vê uma mulher

frágil e muito distante das discussões e dos valores políticos, em um imaginário coletivo que

enxerga na mulher o poder de combate tão eficaz contra o sistema quanto o masculino.

É importante ressaltar que analiso duas imagens oriundas do MST nesse trabalho e que

nos revelam duas representações diferentes de camponesa, o que não quer dizer que o

movimento esteja se contradizendo, ou sendo incoerente em algum aspecto, ocorre que as

representações feitas de uma figura têm sempre um objetivo por traz, tem sempre uma razão

de ser, afinal elas contribuem significativamente para construção do imaginário coletivo,

portanto em momentos e ocasiões distintos emerge a necessidade da utilização de

representações diferentes de uma mesma figura, no caso da camponesa, sempre muito simples

ligada a terra e à produção de alimentos, preocupada com o lar e com a família, mas no

momento em que seu meio é atingido, e seus direitos são afetados, as imagens construídas

tendem a evidenciar uma mulher distinta, destemida que está sempre disposta a defender os

ideais que continuam vinculados a terra. De forma bem simplista podemos dizer que enquanto

é conveniente manter a imagem da mulher virtuosa, simples, recatada, tolhida de liberdade

isso é feito, mas se o momento histórico pede, exige maior participação feminina é comum

serem formuladas novas representações da camponesa que atendem a essa necessidade, nesse

contexto nos são apresentadas as imagens das mulheres corajosas e que não medem esforços

na luta junto aos homens, não que uma imagem seja sozinha capaz de manipular

completamente, mas o fato inegável é que ela exerce sem dúvida uma influência considerável

na construção dos diversos pontos de vista a cerca da cena e do recorte que ela representa pra

quem a vê, principalmente se estes olhos não forem críticos o suficiente para compreender a

mensagem que a imagem quer transmitir.

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Considerações Finais:

Através da analise de possíveis representações utilizadas por movimentos de grupos

rurais, os principais, que são o sindicato e o MST, percebemos como o imaginário é

construído apoiado em representações que variam de acordo com a necessidade que o

movimento tem de difundir suas bandeiras políticas e ideais de luta.

Nos momentos em que o movimento necessita mostrar a sua face familiar seu caráter

“maternal” que cuida dos interesses da classe que defende, a figura da mulher aparece com o

ar bucólico, jan os momentos de conclamar para a luta, chamar a classe para fortalecer o

movimento, a representação da mulher se transforma em uma figura destemida e disposta a

tudo por aquilo que a classe acredita e defende.

Acredito que de alguma forma o trabalho possa ter contribuído para a compreensão de

como as lideranças políticas e sociais, organizam e pensam formas de “conquista” através de

imagens cunhadas com intenção de transformar o imaginário coletivo dos grupos que lideram

ou que buscam liderar; além dos exemplos mencionados aqui, sindicatos e Movimento sem

Terra, também observamos essa pratica em partidos políticos e instituições em geral.

Por fim vimos como a figura da camponesa desempenha um papel junto a esses grupos

ainda que não tenha uma imagem com poder de difusão tão grande quanto a personificação da

liberdade Francesa.

Bibliografia:

BERSTEIN, Serge. Culturas políticas e historiografia. In: AZEVEDO, Cecília;

ROLLEMBERG, Denise; BICALHO, Maria Fernanda; KNAUSS, Paulo; QUADRAT,

11

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BURKE, Peter. Testemunha ocular, história e imagem, São Paulo: EDUSC, 2004.

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São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

FALCON, Francisco J. Calazans. História e Representação. In: CARDOSO, Ciro Flamarion

e MALERBA, Jurandir (orgs.). Representações: contribuição a um debate interdisciplinar.

Campinas: Papirus editora, 2000.

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LAPLANTINE, François, TRINDADE, Liana. O que é imaginário. São Paulo: Brasiliense,

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LENIN. O socialismo e emancipação da mulher. Ed vitória, 1956.

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Capital e trabalho no campo. São Paulo: Ed Hucitec, 1977.

MOTTA, Rodrigo Patto Sá. O PCB e a Moral Comunista. In: Locus: revista de história, Juiz

de Fora, vol. 3, nº1, 1997.

RUA, Maria das Graças; ABRAMOVAY, Miriam. Companheiras de luta ou “coordenadoras

de panela”? As relações de gênero nos assentamentos rurais. Brasília: Unesco, 2000.

TAVARES, Betzaida Mata Machado. Mulheres exemplares: uma análise do modelo

comunista feminino a partir das trajetórias de Elisa Branco e Leocádia prestes. In MOTTA,

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Rodrigo Patto Sá. (org). Culturas Políticas na história: Novos Estudos. Belo Horizonte:

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Revista:

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Sites:

http://darussia.blogspot.com/2009/11/monumento-ao-operario-e-camponesa-volta.html, acesso em 18 de janeiro de 2012.

http://www.mst.org.br/bandeira-do-mst acesso em 19 de janeiro de 2012.

http://www.mst.org.br/taxonomy/term/334, acesso em 19 de janeiro de 2012.

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Anexos:

Foto 1

Foto de camponesas trabalhando. 7

Foto 2

7 Fonte: 30 anos de luta FETAEMG 1968 1998. (Revista comemorativa pelos 30 anos da FETAEMG), Minas

Gerais, 1998.

14

Cartaz de divulgação da Festa estadual das sementes no Rio de Janeiro, promovida pelo

Movimento dos trabalhadores sem terra (MST).8

Foto 3

8 Disponível em http://www.mst.org.br/taxonomy/term/334, acesso em 19 de janeiro de 2012.

15

“Operário e Camponesa de Kolkhoz”, monumento esculpido por Vera Mukhina em

1937.9

Foto 4

9 Fotografia disponível em http://darussia.blogspot.com/2009/11/monumento-ao-operario-e-camponesa-volta.html, acesso em 18 de janeiro de 2012.

16

Bandeira do Movimento dos trabalhadores sem terra - MST10

10 Imagem disponível em http://www.mst.org.br/bandeira-do-mst acesso em 19 de janeiro de 2012.