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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
2023
UM OLHAR GEOGRÁFICO EM CORUMBAÍBA (GO): A TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL AGROINDUSTRIAL LÁCTEO, AS
MUDANÇAS ESPACIAIS E OS NOVOS SUJEITOS DA RELAÇÃO CAPITAL/TRABALHO
JANÃINE DANIELA PIMENTEL LINO CARNEIRO1
Resumo: No presente artigo serão apresentados aspectos referentes à territorialização do capital agroindustrial lácteo em Corumbaíba (GO), as mudanças espaciais oriundas desse processo, com ênfase para os novos sujeitos da relação capital/trabalho e os efeitos sobre as relações sociais de trabalho nas propriedades rurais. Os procedimentos metodológicos foram agrupados em: pesquisa teórica; pesquisa documental; e pesquisa de campo, realizadas concomitantemente. No que se refere aos trabalhadores rurais observou-se que na pecuária tradicional e nas mpresas rurais o capital agroindustrial lácteo promoveu a subordinação real do trabalho e nas propriedades camponesas, a subordinação formal do trabalho. Com isso, altera as relações sociais de trabalho, intensificando os níveis de exploração do trabalho assalariado, por meio de intensas jornadas de trabalhos e pelo limitado acesso aos direitos trabalhistas.
Palavras-chave: territorialização; capital agroindustrial lácteo; relações sociais de trabalho.
Abstract: In this article are presented aspects related to the territorial capital in the dairy agribusiness Corumbaíba (GO), the spatial changes resulting from this process, with emphasis on the new subjects of the capital / labor relation and the effects on social relations work on farms. The methodological procedures were grouped into: theoretical research; documentary research; and field research, carried out concurrently. With regard to rural workers it was observed that in traditional farming and rural businesses the dairy agribusiness capital promoted the real subordination of labor and the peasant property, the formal subordination of labor. With that change the social relations of work, increasing levels of exploitation of wage labor through intense days of work and the limited access to labor rights.
Key-words: territorial; dairy agribusiness capital; social relations of work.
1 – Introdução
O conflito capital/trabalho gera um contexto de diferentes territorialidades em
disputa que merecem ser investigadas. Estas conferem ao espaço novas formas de
organização que lhe são específicas e locais, ao mesmo tempo, em que são gerais e
universais. “A territorialização é, em última análise, resultado de lutas políticas e
decisões políticas tomadas no contexto de condições tecnológicas e político-
econômicas determinadas.” (HARVEY, 2000, p. 108).
O movimento de acumulação e expansão geográfica do capital está pautado
1 - Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA)
da Universidade Federal de Goiás/UFG. E-mail de contato: [email protected]
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na reorganização espacial e no desenvolvimento geográfico desigual, podendo ser
entendidos como fundamentais para o capitalismo se manter, enquanto sistema
econômico-político na contemporaneidade. Sob a lógica da necessidade extrema da
produção de mercadorias e do lucro, o capital se territorializa nos mais diversos
espaços, reinventando a organização política, social e econômica, as relações
socioambientais e o trabalho (HARVEY, 2000), preconizando a expropriação de
milhões de pessoas do acesso às condições mínimas de existência, sobretudo, da
terra.
Em Goiás, nota-se um constante reordenamento espacial incentivado pela
presença marcante de ações privadas e estatais no sentido de promover o
desenvolvimento econômico regional, ou seja, ampliar os índices de
produção/produtividade, as projeções da balança comercial, as exportações, o
Produto Interno Bruto (PIB), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e outros
índices capazes de inserir o estado no mercado globalizado. Para Pelá; Mendonça
(2010) o Cerrado goiano se encontra numa encruzilhada de tempos, constituindo-se
num mosaico de territórios em disputa, onde estão as estratégias hegemônicas do
capital e as (Re)Existências. Além disso, é preciso considerar que o capitalismo para
sua existência, desenvolvimento e expansão necessita estar cercado por formas não
capitalistas de produção (LUXEMBURGO, 1983).
As reflexões ora apresentadas são desdobramentos da pesquisa
desenvolvida no curso de Mestrado em Geografia, desenvolvida no Programa de
Pós-graduação da Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão e que tem
continuidade no curso de Doutorado no Programa de Pós-graduação do Instituto de
Estudos Socioambientais (IESA/UFG).
Empiricamente, as primeiras impressões sobre as transformações
socioespaciais em Corumbaíba (GO) estão presentes nos discursos das lideranças
políticas locais que concebem a instalação da agroindústria laticinista, Italac
Alimentos, como sinônimo de desenvolvimento e fonte de riquezas para o Município.
Mesmo o olhar empírico, um pouco mais atento, consegue apreender a contradição
e os conflitos inerentes ao processo de territorialização do capital. Todavia, é
necessária uma investigação científica para desvelar as tramas que compõem o
espaço geográfico em Corumbaíba (GO), a partir da relação capital x trabalho.
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No presente artigo, serão apresentados aspectos referentes à
territorialização do capital agroindustrial lácteo em Corumbaíba (GO), as mudanças
espaciais oriundas desse processo, com ênfase para os novos sujeitos da relação
capital/trabalho e os efeitos da territorialização do capital agroindustrial lácteo sobre
as relações sociais de trabalho nas propriedades rurais.
Os procedimentos metodológicos foram agrupados em três etapas
principais: a pesquisa teórica; pesquisa documental; e pesquisa de campo,
realizadas concomitantemente e de acordo com as ações inerentes a cada uma das
etapas. As entrevistas foram realizadas de forma semi dirigida, sendo entrevistados
cinco proprietários e cinco trabalhadores rurais que atuam nas empresas rurais, seis
camponeses produtores de leite e seis pecuaristas que atuam no setor lácteo no
intuito de conhecer a dinâmica territorial das propriedades e as relações de trabalho
estabelecidas entre esses sujeitos.
2 - O capital agroindustrial lácteo no campo em Corumbaíba (GO) Os rearranjos espaciais em Corumbaíba (GO) influenciados pela
territorialização da Italac Alimentos desde 1996, devem ser compreendidos tendo
em vista s totalidade entre os aspectos e da universalidade e das particularidades,
conforme evidencia Harvey (2000). E também, considerando o espaço em constante
construção, produto das múltiplas relações, conforme enfatiza Massey (2008).
A indústria promove desenvolvimento econômico e, em parte, social,
entretanto, conforme ressalta Gomez (2003) não há desenvolvimento capaz de
promover o fim das contradições e da opressão inerente ao capital. O autor afirma
que a concepção de que o desenvolvimento supera ou mesmo ameniza os conflitos
sociais está relacionada a um construto ideológico.
Nesse aspecto, promove mudanças no espaço geográfico e constrói novas
territorialidades a partir de relações sociais contraditórias e conflituosas, pois
ocorrem a partir da relação capital x trabalho, ou seja, também consiste num espaço
contraditório (CARLOS, 2008). Tais mudanças podem ser evidenciadas na análise
da dinâmica populacional com implicações no comércio e na prestação de serviços,
no crescimento da malha urbana e, por conseguinte, no setor imobiliário. Além disso,
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por meio da relação campo-cidade. Ambos constituem territórios do capital e do
trabalho, mediados pela ação do Estado.
Em específico, sobre a atividade o capital agroindustrial, a partir das
exigências de especialização na atividade por meio da inserção de novas
tecnologias reproduz a lógica territorial do capital agroindustrial. Em algumas
propriedades, se territorializa e impõe a lógica capitalista no processo produtivo, em
outras, encontra resistência. Para Santos; Silveira (2003) esse mosaico de territórios
compõe a nova Geografia do Brasil, “[...] fundados em formas regionais de viver e de
fazer convivendo com os novos padrões de comportamento e de gosto, típicos da
globalização.” (SANTOS; SILVEIRA, 2003, p. 103).
Por um lado, tem-se o território hegemonizado pelas relações capitalistas de
produção, nas empresas rurais, pois a produção é especializada, voltada para o
mercado e com relações de trabalho assalariado. Por outro lado, tem-se o território
camponês, cuja produção de leite, mesmo comercializada, não é especializada, pois
está associada a outras atividades. Além disso, nestas propriedades predominam as
relações de trabalho familiar e não assalariado. Em ambas as propriedades, o
capital agroindustrial se reproduz por meio da apropriação da renda da terra. Assim,
ocorre de formas específicas para os pecuaristas tradicionais, nas empresas rurais e
nas propriedades camponesas, pois se dá a partir da lógica de reprodução desigual
e contraditória do capital.
3 - O capital agroindustrial lácteo e as relações sociais de trabalho na produção leiteira em Corumbaíba (GO)
Nas empresas rurais do setor lácteo e nas propriedades dos pecuaristas em
Corumbaíba (GO) os trabalhadores são assalariados. De acordo com Santos (1978),
nesse caso evidencia-se o modo de produção especificamente capitalista, que
corresponde à fase da submissão real do trabalho ao capital, pois se desenvolvem
relações sociais de produção entre os proprietários do capital e os donos da força de
trabalho, ou melhor, acontece a produção de mais valia relativa. Nesse aspecto,
essas propriedades se diferem das unidades de produção camponesas, uma vez
que a força de trabalho predominante é a familiar.
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Todas as empresas rurais utilizam mão de obra assalariada. A função
desses trabalhadores envolve o trabalho com a ordenha e o manejo do gado leiteiro,
e também de corte nas propriedades que praticam este tipo de pecuária. No período
de fabricação de silagem todas as propriedades contratam trabalhadores
temporários, a depender da demanda. Na Fazenda Santa Bárbara tem-se também
um trabalhador contratado para a fabricação das rações. Vale destacar que nas
fazendas Bocaina, São Jerônimo e Bom Jardim os proprietários também trabalham
diariamente na ordenha e no manejo do gado. Portanto, são dezessete
trabalhadores assalariados constantes e cerca de vinte contratados apenas para a
fabricação de silagem. A limpeza dos pastos, a construção de instalações, a
construção de cercas e a manutenção dos equipamentos são realizadas por outros
trabalhadores contratados exclusivamente para realizar estas atividades.
Nas propriedades dos pecuaristas também são contratados trabalhadores
assalariados, predominantemente, sendo responsáveis pela ordenha e pelo manejo
do gado leiteiro, contudo sua principal função nas propriedades é o manejo do gado
de corte, uma vez que esta é a principal atividade econômica desenvolvida nas
propriedades. Assim, além do manejo do gado, os trabalhadores também são
incumbidos de reparos em cercas. Para a manutenção das pastagens e instalações
são contratados trabalhadores temporários especificamente para isso.
Nas propriedades camponesas a força de trabalho utilizada na produção
leiteira é familiar. O manejo do gado leiteiro é de responsabilidade do camponês,
que contrata mão de obra temporária para ajudá-lo na confecção de silagem, na
construção de cercas e na manutenção de pastagens, quando necessário. O
trabalho fundante na manutenção da propriedade é familiar. Na Fazenda Moeda
estão o camponês e dois filhos, já a mulher trabalha como professora na cidade.
Nas fazendas Arrependidos I e II e Nossa Senhora Aparecida trabalham o
camponês e o filho, enquanto nas fazendas Gabiroba e Ouro Verde, o camponês
vive e trabalha sozinho na propriedade.
A partir da pesquisa empírica, entende-se que as empresas rurais têm o
maior número de trabalhadores assalariados diretos envolvidos na produção leiteira,
sendo 13 no total. A pecuária tradicional emprega 08 trabalhadores e as unidades
camponesas também 02. Nestas últimas predominam o trabalho familiar, mas em
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33,3% (02 propriedades) são empregados trabalhadores assalariados constantes.
Nas empresas rurais, os trabalhadores assalariados são responsáveis pelo manejo
do gado leiteiro e de corte, bem como, pelas demais atividades relacionadas à
produção leiteira – plantio de lavouras e fabricação de silagem. Na pecuária
tradicional, os trabalhadores assalariados são responsáveis pelo manejo do gado
leiteiro, contudo, o trabalho com o gado de corte é maior, pois esta é a principal
atividade econômica desenvolvida nas propriedades. Nas propriedades
camponesas, os trabalhadores assalariados realizam o manejo do gado e demais
atividades em parceria com os camponeses.
No que se refere à faixa etária dos trabalhadores que atuam na pecuária
leiteira em Corumbaíba (GO) observa-se os seguintes aspectos: nas empresas
rurais 77% têm entre 42 e 55 anos. Já na pecuária tradicional 75% dos
trabalhadores têm idade entre 42 e 55 anos. Entende-se que as empresas rurais
empregam trabalhadores de diferentes idades, ou seja, entre 18 e 55 anos. Já a
pecuária tradicional, emprega trabalhadores mais velhos, ou seja, entre 42 e 55
anos, enquanto os mais jovens, com idade entre 18 e 21 anos, são filhos dos
trabalhadores mais velhos e que também vivem na propriedade. Nas propriedades
camponesas, os trabalhadores têm entre 30 e 40 anos de idade.
A respeito do estado civil e do local de moradia dos trabalhadores rurais que
atuam na produção leiteira em Corumbaíba (GO) nota-se que na maioria são
casados e vivem no campo com suas famílias. As casas destinadas à moradia dos
trabalhadores, tanto nas empresas rurais quanto nas propriedades de pecuária
leiteira tradicional, são próximas à casa dos proprietários e dos currais. Todas são
de alvenaria e têm energia elétrica. Os trabalhadores casados e com filhos, em
ambas as propriedades, dizem que preferem viver no campo com suas famílias,
conforme a declaração de um deles:
[...] Eu gosto da roça. É mais fácil criar os filhos, hoje tem muito problema com as drogas e bebidas [...] Na roça tem mais jeito de trabalhar [...] Na cidade, as coisas é mais difícil, ainda mais pra quem não tem estudo como eu [...] Na roça é bom um pouco por causa do custo de vida. Agente não paga aluguel, água e energia e ainda tem o leite para as crianças. Ah! E ainda pode fazer quintal, plantar horta, criar galinha. Aqui só não pode criar porco que o patrão não gosta (PESQUISA DE CAMPO, 2013).
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Ao argumentarem sobre a opção de viver no campo, os trabalhadores
evidenciam a sua condição de pobreza, uma vez que, na cidade não teriam
condições de sustentar a família, com as despesas com aluguel, alimentação,
fornecimento de energia elétrica e saneamento básico (rede de esgoto e água
tratada). Demonstram também, a dificuldade de encontrar um emprego formal na
cidade, diante da baixa escolaridade e da pouca qualificação profissional que
receberam para atuar nas atividades especificamente urbanas. Todos os
trabalhadores entrevistados afirmaram ser de famílias de trabalhadores rurais e com
a família aprenderam a lida da roça, por isso sempre trabalharam e viveram no
campo.
Sobre o nível de escolaridade dos trabalhadores rurais que atuam na
atividade leiteira em Corumbaíba (GO) a maior parte tem o Ensino Fundamental
incompleto. Os trabalhadores aprenderam o ofício de vaqueiros, lidando como o
gado e demais tarefas da fazenda, tanto com técnicas tradicionais quanto modernas
– no caso dos trabalhadores das empresas rurais – com sua família e com os
próprios patrões. Segundo eles, nunca participaram de cursos de qualificação em
Corumbaíba (GO). Como exceção, têm-se os dois trabalhadores da empresa rural,
Fazenda Toca do Leite, que fizeram cursos de qualificação para lidar com as
inovações tecnológicas, sobretudo, manuseio da ordenha mecânica, manejo
especializado do gado e inseminação artificial. Os cursos foram realizados em
Piracanjuba (GO).
A renda dos trabalhadores entrevistados, na pecuária tradicional e nas
empresas rurais varia entre 1,5 e 3,0 salários mínimos.2 Em 40% das empresas
rurais ocorre a contratação de mulheres para a ordenha. A renda dessas
trabalhadoras é de 1 salário mínimo. Essa diferenciação, segundo as trabalhadoras,
ocorre porque elas trabalham apenas na ordenha de manhã e à tarde, enquanto os
homens trabalham também no manejo do gado e em outras atividades na
propriedade, por isso têm salários maiores. Entende-se que a contratação das
mulheres é uma das estratégias dos empregadores para manter a família no campo,
pois estas também desejam ter renda própria e, caso não tivessem emprego no
2Este valor refere-se ao salário mínimo de R$ 622,00, vigente no ano de 2012.
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campo, migrariam para a cidade para trabalhar e ter renda. Dessa forma, o
empregador garante mão de obra mais barata, pois o salário da mulher, para a
família trabalhadora, contraditoriamente, é visto apenas como renda complementar.
Após a ordenha, ela é responsável pela limpeza do estabelecimento.
O tempo de permanência dos trabalhadores nas empresas rurais e nas
propriedades de pecuária tradicional em Corumbaíba (GO) varia entre 04 meses e
15 anos. No que se refere aos trabalhadores que atuam nas propriedades
camponesas observa-se que o tempo de permanência nos empregos é maior do que
nas demais propriedades – 1 ano e 4 meses, e 3 anos. A maior parte dos
trabalhadores que atuam nas empresas rurais e na pecuária tradicional, estão a
menos de 1 ano nas propriedades. Por um lado, isso revela a busca constante dos
trabalhadores por empregos melhores – casas melhores para residirem com suas
famílias, facilidade de acesso às cidades, jornada menor e menos intensa de
trabalho, folgas semanais e demais vantagens que possam melhorar a suas
condições de trabalho e de vida – por outro lado, isso dificulta a formalização dos
trabalhadores, pois com menos de 1 ano de trabalho não possuem registro na
Carteira de Trabalho, portanto deixam de receber benefícios que são seus por
direito, tais como, férias, décimo terceiro salário e seguro desemprego. Para o
presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de
Corumbaíba (GO) o trabalho informal predomina na bacia leiteira de Corumbaíba,
sendo poucos trabalhadores que possuem registro na Carteira de Trabalho
(PESQUISA DE CAMPO, 2012).
Os trabalhadores atribuem a constante rotatividade de empregos à jornada
de trabalho intensa e extensa que promove a sua exaustão. Sobre a jornada de
trabalho identificou-se na pesquisa de campo que os trabalhadores, nas empresas
rurais e na pecuária tradicional, cumprem diariamente, de 09 a 10 horas por dia,
sendo: 30,70% dos trabalhadores, 9 h/dia e 69,20%, 10 h/dia. Em ambas as
propriedades, a sua jornada de trabalho é extensa se comparada aos trabalhadores
da cidade com carteira assinada, pois estes trabalham por 8 horas diárias. Outro
quesito ressaltado pelos trabalhadores são os direitos trabalhistas, uma vez que a
maior parte deles não tem folga semanal, carteira assinada, férias e décimo terceiro
salário garantidos. (PESQUISA DE CAMPO, 2013).
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Ademais, os entrevistados revelam que o trabalho no campo exige muito
esforço físico, o que lhes causa cansaço. Como isso, sobretudo os mais jovens
migram para a cidade, em períodos curtos, em que ficam desempregados ou tentam
outros empregos, conforme mostra o depoimento:
Eu tô aqui mais minha mulher tem quatro meses [...] nós dois tira o leite, só nós dois. Tá dando certo [...] Eu antes de vim pra cá tava em Corumbaíba, trabalhei uns dias fiquei à toa, depois trabalhei no moto táxi, trabalhei uns mês na Italac, mas lá não dei conta não [..] a gente volto pra roça, aqui ela também trabalha, lá era só eu, tava mais difícil [...](PESQUISA DE CAMPO, 2013).
Diante das dificuldades encontradas pelos trabalhadores para cumprir a
jornada de trabalho a eles imposta é possível compreender porque muitos
trabalhadores têm deixado o campo em busca de melhores condições de trabalho e
de vida. Um dos trabalhadores disse:
Eu tô mudando pra cidade mais minha mulher. Meu filho com a família dele também vai. Eu tô cansado mesmo. Já faz uns trinta anos que só trabalho como tirador de leite [...] é mexendo com essas vacas a vida inteira. É um trabalho muito cansativo. Eu quero ir pra cidade, quero ter os mesmos direitos que os trabalhadores de lá. Quero me aposentar [...] (PESQUISA DE CAMPO, 2013).
No entanto, diante da baixa escolaridade, das dificuldades encontradas na
cidade, das condições de moradia no campo e do vínculo que esses trabalhadores
têm com o trabalho no campo, os trabalhadores retornam para a função de vaqueiro.
Eles têm clareza da jornada extensa e intensa e da condição de exploração da sua
força de trabalho, como nos depoimentos abaixo:
Tirar leite é bom, mas é muito cansativo [...] É um cativeiro. É contínuo demais. Quase não tem folga. Aqui a gente tira só um fim de semana por mês. [...] cinco horas da manhã já chego no curral para buscar as vacas, tira o leite até as nove. Daí, “mexe” com trator, olha o gado. À tarde a gente tira leite de novo até as seis horas. Só depois de terminado todo o serviço é que agente vai pra dentro, lá pelas sete horas. Só tem uma hora de almoço [...](PESQUISA DE CAMPO, 2013).
A fala dos trabalhadores evidencia as condições de trabalho nas empresas
rurais, na pecuária leiteira tradicional e nas propriedades camponesas. Observa-se
que a introdução de inovações tecnológicas reestrutura o processo produtivo,
inclusive as relações sociais de trabalho, contudo, não significou, para estes
trabalhadores, a melhoria efetiva das condições de trabalho. Pelo contrário, reforçam
a exploração dos trabalhadores e a produção de mais valia, pois a exploração do
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trabalho é indispensável para a produção do lucro e a reprodução do capital. Nas
propriedades camponesas, embora a lógica produtiva seja diferenciada das demais
categorias de propriedades, o trabalho assalariado constante tornou-se necessário,
devido às especificidades das unidades camponesas, pois numa propriedade, a
camponesa ficou viúva e precisa de ajuda com o manejo do gado e na realização de
tarefas que exigem maior esforço físico, na outra o camponês, com 53 anos, tem
problemas de saúde com o impedem de realizar a ordenha manual e as atividades
que demandam maior esforço físico, na propriedade (PESQUISA DE CAMPO,
2013).
Para os trabalhadores das empresas rurais, a modernização da produção
modificou o trabalho e a sua vida no campo, conforme diz uma das entrevistadas:
“[...] a vida no campo ficou mais fácil [...] já trabalhei muito capinando na enxada,
agora não preciso mais disso (risos)” (PESQUISA DE CAMPO, 2013). Se, a
utilização da tecnologia, como a ordenha mecanizada, diminuiu o tempo de trabalho
e o esforço físico despendido na ordenha manual, também trouxe novas atividades
laborais, tais como, a higienização dos animais antes da ordenha, a aplicação
constante de medicamentos nas vacas para evitar doenças e contaminação do leite,
a limpeza diária das instalações, alimentação adequada para o gado, dentre outros
aspectos. Essas novas demandas laborais são reconhecidas pelos trabalhadores,
conforme demonstra a seguinte declaração:
Tem gente que pensa que a ordenha não dá trabalho. É bobeira! [...] dá trabalho sim e muito. Só que é diferente. Mesmo com todo trabalho eu ainda prefiro a ordenha, por que já tirei muito leite agachado no barro e na chuva. Isso é triste! Mas a gente trabalha o dia inteiro do mesmo jeito. [...] Na verdade a ordenha é melhor porque exige menos esforço físico na “tiração” do leite, mas tem outros trabalhos, em que lavar curral, passar remédio nas vacas, separar ração, separar bezerro de vaca [...] Dá muito trabalho [...](PESQUISA DE CAMPO, 2013).
Quando questionados se gostariam de voltar à forma tradicional de ordenha
a resposta de um dos trabalhadores demonstra a recusa da ordenha manual:
Vô nada, “chape”! [...] é ruim demais né [...] tirava leite na mão [...] rapaz do céu, vai sofrê pra lá [...] era um tanto de leite [...] A ordenha é melhor. Na mão é mais sofrido. O tempo é o mesmo, a diferença é que a ordenha não desgasta muito a gente, cansa menos (PESQUISA DE CAMPO, 2013).
A mecanização da produção leiteira também contribuiu para a diminuição da
oferta de trabalho no campo, pois de acordo com um dos trabalhadores sem a
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mecanização eram necessários cinco trabalhadores para a ordenha e agora é
preciso apenas dois trabalhadores para o serviço. O mesmo ocorreu com as demais
atividades no campo, tais como a limpeza dos pastos, o plantio e cuidado com as
lavouras e a construção de cercas, por exemplo, uma vez que a limpeza das
pastagens, nestas propriedades é feita com o trator-roçadeira, as lavouras são
cultivadas plantadas e colhidas com tratores e colheitadeiras, e as cercas são
construídas com as furadeiras mecanizadas (PESQUISA DE CAMPO, 2013).
A pesquisa de campo evidencia que a presença dos trabalhadores, mesmo
com a mecanização, é fundamental na produção leiteira, tanto no manejo do gado e
na ordenha, quanto na manutenção das propriedades de um modo geral.
Dessa forma, o capital agroindustrial lácteo se territorializa no campo em
Corumbaíba (GO), promove mudanças nas relações sociais de trabalho nas
propriedades especializadas na produção leiteira, na pecuária leiteira tradicional e
nas propriedades camponesas, contudo não significa melhoria nas condições de
trabalho.
4 - CONSIDERAÇÕES
No dizer de Silva (2004) cabe aos geógrafos compreender o espaço a partir
das suas dimensões físicas e humanas, assim como, na sua micro e macro
reprodução socioespacial. Ao “fazer Geografia” o geógrafo comprometido com a
compreensão crítica da realidade, deve ter uma visão ainda que sintética desse
conjunto relacional, a fim de oferecer uma visão completa e mais abrangente na sua
interpretação do objeto estudado, isto é, dos processos e relações que aí se
realizam. Certamente, estará presente o conhecimento captado das inter-relações
socioambientais, socioeconômico ou sociopolítico, no processo de análise e
decodificação da paisagem.
Com isso, identificou-se a heterogeneidade do setor laticinista, uma vez que
o nível de especialização na atividade e de modernização da produção identificados
nas empresas rurais apresentou especificidades. As diferenças também fazem parte
das propriedades dos pecuaristas e até mesmo das propriedades camponesas, por
apresentarem especificidades no processo produtivo, nas relações sociais de
trabalho e na relação com os laticínios. No que se refere aos trabalhadores rurais
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observou-se que na pecuária tradicional e nas empresas rurais o capital
agroindustrial lácteo promoveu a subordinação real do trabalho e nas propriedades
camponesas, a subordinação formal do trabalho. Com isso, altera as relações
sociais de trabalho, intensificando os níveis de exploração do trabalho assalariado,
por meio de intensas jornadas de trabalhos e pelo limitado acesso aos direitos
trabalhistas.
Referências
CARLOS, Ana Fani Alessandri. A (re)produção do espaço urbano. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2008. CHAVEIRO, Eguimar; CALAÇA, Manoel. A abordagem territorial do Cerrado: pontos para uma discussão. In: ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, 21., 2012, Uberlândia. Anais... Uberlândia: UFU, 2012. FERNANDES, Bernardo Mançano. Sobre a tipologia dos territórios. 2009. Disponível em: <http://www4.fct.unesp.br/nera/publicacoes.php> Acesso em: 18 de jul. de 2011. ______. Mesa Redonda: O campo no Brasil: Movimentos Sociais, Conflitos e Reforma Agrária. In: ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, 2012. Uberlândia (MG): UFU, 2012. GOIÁS. Superintendência de Estatística, Pesquisa e Informação. Secretaria de Gestão e Planejamento. Perfil dos municípios goianos. Disponível em: <http://www.sefaz.go.gov.br/sepin>. Acesso em: 15 de jun. de 2012. GOMÉZ, Jorge Montenegro. Crítica ao conceito de desenvolvimento. 2002. Disponível em: <GOhttp://www4.fct.unesp.br/ceget/PEGADA31/jorgev3n1out2002.pdf>. Acesso em: 21 de abr. de 2013. HARVEY, David. A condição pós-moderna. 18. ed. São Paulo: Loyola, 2009. ______. Espaços da esperança. São Paulo: Loyola, 2000. IBGE. Cidades. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?>. Acesso em: 10 de jun. de 2012. MASSEY, Doreen. Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. MENDONÇA, Marcelo Rodrigues. A urdidura espacial do capital e do trabalho no
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