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A D IVERSIDADE DA G EOGRAFIA B RASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 2023 UM OLHAR GEOGRÁFICO EM CORUMBAÍBA (GO): A TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL AGROINDUSTRIAL LÁCTEO, AS MUDANÇAS ESPACIAIS E OS NOVOS SUJEITOS DA RELAÇÃO CAPITAL/TRABALHO JANÃINE DANIELA PIMENTEL LINO CARNEIRO 1 Resumo: No presente artigo serão apresentados aspectos referentes à territorialização do capital agroindustrial lácteo em Corumbaíba (GO), as mudanças espaciais oriundas desse processo, com ênfase para os novos sujeitos da relação capital/trabalho e os efeitos sobre as relações sociais de trabalho nas propriedades rurais. Os procedimentos metodológicos foram agrupados em: pesquisa teórica; pesquisa documental; e pesquisa de campo, realizadas concomitantemente. No que se refere aos trabalhadores rurais observou-se que na pecuária tradicional e nas mpresas rurais o capital agroindustrial lácteo promoveu a subordinação real do trabalho e nas propriedades camponesas, a subordinação formal do trabalho. Com isso, altera as relações sociais de trabalho, intensificando os níveis de exploração do trabalho assalariado, por meio de intensas jornadas de trabalhos e pelo limitado acesso aos direitos trabalhistas. Palavras-chave: territorialização; capital agroindustrial lácteo; relações sociais de trabalho. Abstract: In this article are presented aspects related to the territorial capital in the dairy agribusiness Corumbaíba (GO), the spatial changes resulting from this process, with emphasis on the new subjects of the capital / labor relation and the effects on social relations work on farms. The methodological procedures were grouped into: theoretical research; documentary research; and field research, carried out concurrently. With regard to rural workers it was observed that in traditional farming and rural businesses the dairy agribusiness capital promoted the real subordination of labor and the peasant property, the formal subordination of labor. With that change the social relations of work, increasing levels of exploitation of wage labor through intense days of work and the limited access to labor rights. Key-words: territorial; dairy agribusiness capital; social relations of work. 1 Introdução O conflito capital/trabalho gera um contexto de diferentes territorialidades em disputa que merecem ser investigadas. Estas conferem ao espaço novas formas de organização que lhe são específicas e locais, ao mesmo tempo, em que são gerais e universais. “A territorialização é, em última análise, resultado de lutas políticas e decisões políticas tomadas no contexto de condições tecnológicas e político- econômicas determinadas.” (HARVEY, 2000, p. 108). O movimento de acumulação e expansão geográfica do capital está pautado 1 - Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA) da Universidade Federal de Goiás/UFG. E-mail de contato: [email protected]

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

2023

UM OLHAR GEOGRÁFICO EM CORUMBAÍBA (GO): A TERRITORIALIZAÇÃO DO CAPITAL AGROINDUSTRIAL LÁCTEO, AS

MUDANÇAS ESPACIAIS E OS NOVOS SUJEITOS DA RELAÇÃO CAPITAL/TRABALHO

JANÃINE DANIELA PIMENTEL LINO CARNEIRO1

Resumo: No presente artigo serão apresentados aspectos referentes à territorialização do capital agroindustrial lácteo em Corumbaíba (GO), as mudanças espaciais oriundas desse processo, com ênfase para os novos sujeitos da relação capital/trabalho e os efeitos sobre as relações sociais de trabalho nas propriedades rurais. Os procedimentos metodológicos foram agrupados em: pesquisa teórica; pesquisa documental; e pesquisa de campo, realizadas concomitantemente. No que se refere aos trabalhadores rurais observou-se que na pecuária tradicional e nas mpresas rurais o capital agroindustrial lácteo promoveu a subordinação real do trabalho e nas propriedades camponesas, a subordinação formal do trabalho. Com isso, altera as relações sociais de trabalho, intensificando os níveis de exploração do trabalho assalariado, por meio de intensas jornadas de trabalhos e pelo limitado acesso aos direitos trabalhistas.

Palavras-chave: territorialização; capital agroindustrial lácteo; relações sociais de trabalho.

Abstract: In this article are presented aspects related to the territorial capital in the dairy agribusiness Corumbaíba (GO), the spatial changes resulting from this process, with emphasis on the new subjects of the capital / labor relation and the effects on social relations work on farms. The methodological procedures were grouped into: theoretical research; documentary research; and field research, carried out concurrently. With regard to rural workers it was observed that in traditional farming and rural businesses the dairy agribusiness capital promoted the real subordination of labor and the peasant property, the formal subordination of labor. With that change the social relations of work, increasing levels of exploitation of wage labor through intense days of work and the limited access to labor rights.

Key-words: territorial; dairy agribusiness capital; social relations of work.

1 – Introdução

O conflito capital/trabalho gera um contexto de diferentes territorialidades em

disputa que merecem ser investigadas. Estas conferem ao espaço novas formas de

organização que lhe são específicas e locais, ao mesmo tempo, em que são gerais e

universais. “A territorialização é, em última análise, resultado de lutas políticas e

decisões políticas tomadas no contexto de condições tecnológicas e político-

econômicas determinadas.” (HARVEY, 2000, p. 108).

O movimento de acumulação e expansão geográfica do capital está pautado

1 - Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA)

da Universidade Federal de Goiás/UFG. E-mail de contato: [email protected]

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na reorganização espacial e no desenvolvimento geográfico desigual, podendo ser

entendidos como fundamentais para o capitalismo se manter, enquanto sistema

econômico-político na contemporaneidade. Sob a lógica da necessidade extrema da

produção de mercadorias e do lucro, o capital se territorializa nos mais diversos

espaços, reinventando a organização política, social e econômica, as relações

socioambientais e o trabalho (HARVEY, 2000), preconizando a expropriação de

milhões de pessoas do acesso às condições mínimas de existência, sobretudo, da

terra.

Em Goiás, nota-se um constante reordenamento espacial incentivado pela

presença marcante de ações privadas e estatais no sentido de promover o

desenvolvimento econômico regional, ou seja, ampliar os índices de

produção/produtividade, as projeções da balança comercial, as exportações, o

Produto Interno Bruto (PIB), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e outros

índices capazes de inserir o estado no mercado globalizado. Para Pelá; Mendonça

(2010) o Cerrado goiano se encontra numa encruzilhada de tempos, constituindo-se

num mosaico de territórios em disputa, onde estão as estratégias hegemônicas do

capital e as (Re)Existências. Além disso, é preciso considerar que o capitalismo para

sua existência, desenvolvimento e expansão necessita estar cercado por formas não

capitalistas de produção (LUXEMBURGO, 1983).

As reflexões ora apresentadas são desdobramentos da pesquisa

desenvolvida no curso de Mestrado em Geografia, desenvolvida no Programa de

Pós-graduação da Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão e que tem

continuidade no curso de Doutorado no Programa de Pós-graduação do Instituto de

Estudos Socioambientais (IESA/UFG).

Empiricamente, as primeiras impressões sobre as transformações

socioespaciais em Corumbaíba (GO) estão presentes nos discursos das lideranças

políticas locais que concebem a instalação da agroindústria laticinista, Italac

Alimentos, como sinônimo de desenvolvimento e fonte de riquezas para o Município.

Mesmo o olhar empírico, um pouco mais atento, consegue apreender a contradição

e os conflitos inerentes ao processo de territorialização do capital. Todavia, é

necessária uma investigação científica para desvelar as tramas que compõem o

espaço geográfico em Corumbaíba (GO), a partir da relação capital x trabalho.

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No presente artigo, serão apresentados aspectos referentes à

territorialização do capital agroindustrial lácteo em Corumbaíba (GO), as mudanças

espaciais oriundas desse processo, com ênfase para os novos sujeitos da relação

capital/trabalho e os efeitos da territorialização do capital agroindustrial lácteo sobre

as relações sociais de trabalho nas propriedades rurais.

Os procedimentos metodológicos foram agrupados em três etapas

principais: a pesquisa teórica; pesquisa documental; e pesquisa de campo,

realizadas concomitantemente e de acordo com as ações inerentes a cada uma das

etapas. As entrevistas foram realizadas de forma semi dirigida, sendo entrevistados

cinco proprietários e cinco trabalhadores rurais que atuam nas empresas rurais, seis

camponeses produtores de leite e seis pecuaristas que atuam no setor lácteo no

intuito de conhecer a dinâmica territorial das propriedades e as relações de trabalho

estabelecidas entre esses sujeitos.

2 - O capital agroindustrial lácteo no campo em Corumbaíba (GO) Os rearranjos espaciais em Corumbaíba (GO) influenciados pela

territorialização da Italac Alimentos desde 1996, devem ser compreendidos tendo

em vista s totalidade entre os aspectos e da universalidade e das particularidades,

conforme evidencia Harvey (2000). E também, considerando o espaço em constante

construção, produto das múltiplas relações, conforme enfatiza Massey (2008).

A indústria promove desenvolvimento econômico e, em parte, social,

entretanto, conforme ressalta Gomez (2003) não há desenvolvimento capaz de

promover o fim das contradições e da opressão inerente ao capital. O autor afirma

que a concepção de que o desenvolvimento supera ou mesmo ameniza os conflitos

sociais está relacionada a um construto ideológico.

Nesse aspecto, promove mudanças no espaço geográfico e constrói novas

territorialidades a partir de relações sociais contraditórias e conflituosas, pois

ocorrem a partir da relação capital x trabalho, ou seja, também consiste num espaço

contraditório (CARLOS, 2008). Tais mudanças podem ser evidenciadas na análise

da dinâmica populacional com implicações no comércio e na prestação de serviços,

no crescimento da malha urbana e, por conseguinte, no setor imobiliário. Além disso,

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por meio da relação campo-cidade. Ambos constituem territórios do capital e do

trabalho, mediados pela ação do Estado.

Em específico, sobre a atividade o capital agroindustrial, a partir das

exigências de especialização na atividade por meio da inserção de novas

tecnologias reproduz a lógica territorial do capital agroindustrial. Em algumas

propriedades, se territorializa e impõe a lógica capitalista no processo produtivo, em

outras, encontra resistência. Para Santos; Silveira (2003) esse mosaico de territórios

compõe a nova Geografia do Brasil, “[...] fundados em formas regionais de viver e de

fazer convivendo com os novos padrões de comportamento e de gosto, típicos da

globalização.” (SANTOS; SILVEIRA, 2003, p. 103).

Por um lado, tem-se o território hegemonizado pelas relações capitalistas de

produção, nas empresas rurais, pois a produção é especializada, voltada para o

mercado e com relações de trabalho assalariado. Por outro lado, tem-se o território

camponês, cuja produção de leite, mesmo comercializada, não é especializada, pois

está associada a outras atividades. Além disso, nestas propriedades predominam as

relações de trabalho familiar e não assalariado. Em ambas as propriedades, o

capital agroindustrial se reproduz por meio da apropriação da renda da terra. Assim,

ocorre de formas específicas para os pecuaristas tradicionais, nas empresas rurais e

nas propriedades camponesas, pois se dá a partir da lógica de reprodução desigual

e contraditória do capital.

3 - O capital agroindustrial lácteo e as relações sociais de trabalho na produção leiteira em Corumbaíba (GO)

Nas empresas rurais do setor lácteo e nas propriedades dos pecuaristas em

Corumbaíba (GO) os trabalhadores são assalariados. De acordo com Santos (1978),

nesse caso evidencia-se o modo de produção especificamente capitalista, que

corresponde à fase da submissão real do trabalho ao capital, pois se desenvolvem

relações sociais de produção entre os proprietários do capital e os donos da força de

trabalho, ou melhor, acontece a produção de mais valia relativa. Nesse aspecto,

essas propriedades se diferem das unidades de produção camponesas, uma vez

que a força de trabalho predominante é a familiar.

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Todas as empresas rurais utilizam mão de obra assalariada. A função

desses trabalhadores envolve o trabalho com a ordenha e o manejo do gado leiteiro,

e também de corte nas propriedades que praticam este tipo de pecuária. No período

de fabricação de silagem todas as propriedades contratam trabalhadores

temporários, a depender da demanda. Na Fazenda Santa Bárbara tem-se também

um trabalhador contratado para a fabricação das rações. Vale destacar que nas

fazendas Bocaina, São Jerônimo e Bom Jardim os proprietários também trabalham

diariamente na ordenha e no manejo do gado. Portanto, são dezessete

trabalhadores assalariados constantes e cerca de vinte contratados apenas para a

fabricação de silagem. A limpeza dos pastos, a construção de instalações, a

construção de cercas e a manutenção dos equipamentos são realizadas por outros

trabalhadores contratados exclusivamente para realizar estas atividades.

Nas propriedades dos pecuaristas também são contratados trabalhadores

assalariados, predominantemente, sendo responsáveis pela ordenha e pelo manejo

do gado leiteiro, contudo sua principal função nas propriedades é o manejo do gado

de corte, uma vez que esta é a principal atividade econômica desenvolvida nas

propriedades. Assim, além do manejo do gado, os trabalhadores também são

incumbidos de reparos em cercas. Para a manutenção das pastagens e instalações

são contratados trabalhadores temporários especificamente para isso.

Nas propriedades camponesas a força de trabalho utilizada na produção

leiteira é familiar. O manejo do gado leiteiro é de responsabilidade do camponês,

que contrata mão de obra temporária para ajudá-lo na confecção de silagem, na

construção de cercas e na manutenção de pastagens, quando necessário. O

trabalho fundante na manutenção da propriedade é familiar. Na Fazenda Moeda

estão o camponês e dois filhos, já a mulher trabalha como professora na cidade.

Nas fazendas Arrependidos I e II e Nossa Senhora Aparecida trabalham o

camponês e o filho, enquanto nas fazendas Gabiroba e Ouro Verde, o camponês

vive e trabalha sozinho na propriedade.

A partir da pesquisa empírica, entende-se que as empresas rurais têm o

maior número de trabalhadores assalariados diretos envolvidos na produção leiteira,

sendo 13 no total. A pecuária tradicional emprega 08 trabalhadores e as unidades

camponesas também 02. Nestas últimas predominam o trabalho familiar, mas em

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33,3% (02 propriedades) são empregados trabalhadores assalariados constantes.

Nas empresas rurais, os trabalhadores assalariados são responsáveis pelo manejo

do gado leiteiro e de corte, bem como, pelas demais atividades relacionadas à

produção leiteira – plantio de lavouras e fabricação de silagem. Na pecuária

tradicional, os trabalhadores assalariados são responsáveis pelo manejo do gado

leiteiro, contudo, o trabalho com o gado de corte é maior, pois esta é a principal

atividade econômica desenvolvida nas propriedades. Nas propriedades

camponesas, os trabalhadores assalariados realizam o manejo do gado e demais

atividades em parceria com os camponeses.

No que se refere à faixa etária dos trabalhadores que atuam na pecuária

leiteira em Corumbaíba (GO) observa-se os seguintes aspectos: nas empresas

rurais 77% têm entre 42 e 55 anos. Já na pecuária tradicional 75% dos

trabalhadores têm idade entre 42 e 55 anos. Entende-se que as empresas rurais

empregam trabalhadores de diferentes idades, ou seja, entre 18 e 55 anos. Já a

pecuária tradicional, emprega trabalhadores mais velhos, ou seja, entre 42 e 55

anos, enquanto os mais jovens, com idade entre 18 e 21 anos, são filhos dos

trabalhadores mais velhos e que também vivem na propriedade. Nas propriedades

camponesas, os trabalhadores têm entre 30 e 40 anos de idade.

A respeito do estado civil e do local de moradia dos trabalhadores rurais que

atuam na produção leiteira em Corumbaíba (GO) nota-se que na maioria são

casados e vivem no campo com suas famílias. As casas destinadas à moradia dos

trabalhadores, tanto nas empresas rurais quanto nas propriedades de pecuária

leiteira tradicional, são próximas à casa dos proprietários e dos currais. Todas são

de alvenaria e têm energia elétrica. Os trabalhadores casados e com filhos, em

ambas as propriedades, dizem que preferem viver no campo com suas famílias,

conforme a declaração de um deles:

[...] Eu gosto da roça. É mais fácil criar os filhos, hoje tem muito problema com as drogas e bebidas [...] Na roça tem mais jeito de trabalhar [...] Na cidade, as coisas é mais difícil, ainda mais pra quem não tem estudo como eu [...] Na roça é bom um pouco por causa do custo de vida. Agente não paga aluguel, água e energia e ainda tem o leite para as crianças. Ah! E ainda pode fazer quintal, plantar horta, criar galinha. Aqui só não pode criar porco que o patrão não gosta (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

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Ao argumentarem sobre a opção de viver no campo, os trabalhadores

evidenciam a sua condição de pobreza, uma vez que, na cidade não teriam

condições de sustentar a família, com as despesas com aluguel, alimentação,

fornecimento de energia elétrica e saneamento básico (rede de esgoto e água

tratada). Demonstram também, a dificuldade de encontrar um emprego formal na

cidade, diante da baixa escolaridade e da pouca qualificação profissional que

receberam para atuar nas atividades especificamente urbanas. Todos os

trabalhadores entrevistados afirmaram ser de famílias de trabalhadores rurais e com

a família aprenderam a lida da roça, por isso sempre trabalharam e viveram no

campo.

Sobre o nível de escolaridade dos trabalhadores rurais que atuam na

atividade leiteira em Corumbaíba (GO) a maior parte tem o Ensino Fundamental

incompleto. Os trabalhadores aprenderam o ofício de vaqueiros, lidando como o

gado e demais tarefas da fazenda, tanto com técnicas tradicionais quanto modernas

– no caso dos trabalhadores das empresas rurais – com sua família e com os

próprios patrões. Segundo eles, nunca participaram de cursos de qualificação em

Corumbaíba (GO). Como exceção, têm-se os dois trabalhadores da empresa rural,

Fazenda Toca do Leite, que fizeram cursos de qualificação para lidar com as

inovações tecnológicas, sobretudo, manuseio da ordenha mecânica, manejo

especializado do gado e inseminação artificial. Os cursos foram realizados em

Piracanjuba (GO).

A renda dos trabalhadores entrevistados, na pecuária tradicional e nas

empresas rurais varia entre 1,5 e 3,0 salários mínimos.2 Em 40% das empresas

rurais ocorre a contratação de mulheres para a ordenha. A renda dessas

trabalhadoras é de 1 salário mínimo. Essa diferenciação, segundo as trabalhadoras,

ocorre porque elas trabalham apenas na ordenha de manhã e à tarde, enquanto os

homens trabalham também no manejo do gado e em outras atividades na

propriedade, por isso têm salários maiores. Entende-se que a contratação das

mulheres é uma das estratégias dos empregadores para manter a família no campo,

pois estas também desejam ter renda própria e, caso não tivessem emprego no

2Este valor refere-se ao salário mínimo de R$ 622,00, vigente no ano de 2012.

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campo, migrariam para a cidade para trabalhar e ter renda. Dessa forma, o

empregador garante mão de obra mais barata, pois o salário da mulher, para a

família trabalhadora, contraditoriamente, é visto apenas como renda complementar.

Após a ordenha, ela é responsável pela limpeza do estabelecimento.

O tempo de permanência dos trabalhadores nas empresas rurais e nas

propriedades de pecuária tradicional em Corumbaíba (GO) varia entre 04 meses e

15 anos. No que se refere aos trabalhadores que atuam nas propriedades

camponesas observa-se que o tempo de permanência nos empregos é maior do que

nas demais propriedades – 1 ano e 4 meses, e 3 anos. A maior parte dos

trabalhadores que atuam nas empresas rurais e na pecuária tradicional, estão a

menos de 1 ano nas propriedades. Por um lado, isso revela a busca constante dos

trabalhadores por empregos melhores – casas melhores para residirem com suas

famílias, facilidade de acesso às cidades, jornada menor e menos intensa de

trabalho, folgas semanais e demais vantagens que possam melhorar a suas

condições de trabalho e de vida – por outro lado, isso dificulta a formalização dos

trabalhadores, pois com menos de 1 ano de trabalho não possuem registro na

Carteira de Trabalho, portanto deixam de receber benefícios que são seus por

direito, tais como, férias, décimo terceiro salário e seguro desemprego. Para o

presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de

Corumbaíba (GO) o trabalho informal predomina na bacia leiteira de Corumbaíba,

sendo poucos trabalhadores que possuem registro na Carteira de Trabalho

(PESQUISA DE CAMPO, 2012).

Os trabalhadores atribuem a constante rotatividade de empregos à jornada

de trabalho intensa e extensa que promove a sua exaustão. Sobre a jornada de

trabalho identificou-se na pesquisa de campo que os trabalhadores, nas empresas

rurais e na pecuária tradicional, cumprem diariamente, de 09 a 10 horas por dia,

sendo: 30,70% dos trabalhadores, 9 h/dia e 69,20%, 10 h/dia. Em ambas as

propriedades, a sua jornada de trabalho é extensa se comparada aos trabalhadores

da cidade com carteira assinada, pois estes trabalham por 8 horas diárias. Outro

quesito ressaltado pelos trabalhadores são os direitos trabalhistas, uma vez que a

maior parte deles não tem folga semanal, carteira assinada, férias e décimo terceiro

salário garantidos. (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

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Ademais, os entrevistados revelam que o trabalho no campo exige muito

esforço físico, o que lhes causa cansaço. Como isso, sobretudo os mais jovens

migram para a cidade, em períodos curtos, em que ficam desempregados ou tentam

outros empregos, conforme mostra o depoimento:

Eu tô aqui mais minha mulher tem quatro meses [...] nós dois tira o leite, só nós dois. Tá dando certo [...] Eu antes de vim pra cá tava em Corumbaíba, trabalhei uns dias fiquei à toa, depois trabalhei no moto táxi, trabalhei uns mês na Italac, mas lá não dei conta não [..] a gente volto pra roça, aqui ela também trabalha, lá era só eu, tava mais difícil [...](PESQUISA DE CAMPO, 2013).

Diante das dificuldades encontradas pelos trabalhadores para cumprir a

jornada de trabalho a eles imposta é possível compreender porque muitos

trabalhadores têm deixado o campo em busca de melhores condições de trabalho e

de vida. Um dos trabalhadores disse:

Eu tô mudando pra cidade mais minha mulher. Meu filho com a família dele também vai. Eu tô cansado mesmo. Já faz uns trinta anos que só trabalho como tirador de leite [...] é mexendo com essas vacas a vida inteira. É um trabalho muito cansativo. Eu quero ir pra cidade, quero ter os mesmos direitos que os trabalhadores de lá. Quero me aposentar [...] (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

No entanto, diante da baixa escolaridade, das dificuldades encontradas na

cidade, das condições de moradia no campo e do vínculo que esses trabalhadores

têm com o trabalho no campo, os trabalhadores retornam para a função de vaqueiro.

Eles têm clareza da jornada extensa e intensa e da condição de exploração da sua

força de trabalho, como nos depoimentos abaixo:

Tirar leite é bom, mas é muito cansativo [...] É um cativeiro. É contínuo demais. Quase não tem folga. Aqui a gente tira só um fim de semana por mês. [...] cinco horas da manhã já chego no curral para buscar as vacas, tira o leite até as nove. Daí, “mexe” com trator, olha o gado. À tarde a gente tira leite de novo até as seis horas. Só depois de terminado todo o serviço é que agente vai pra dentro, lá pelas sete horas. Só tem uma hora de almoço [...](PESQUISA DE CAMPO, 2013).

A fala dos trabalhadores evidencia as condições de trabalho nas empresas

rurais, na pecuária leiteira tradicional e nas propriedades camponesas. Observa-se

que a introdução de inovações tecnológicas reestrutura o processo produtivo,

inclusive as relações sociais de trabalho, contudo, não significou, para estes

trabalhadores, a melhoria efetiva das condições de trabalho. Pelo contrário, reforçam

a exploração dos trabalhadores e a produção de mais valia, pois a exploração do

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trabalho é indispensável para a produção do lucro e a reprodução do capital. Nas

propriedades camponesas, embora a lógica produtiva seja diferenciada das demais

categorias de propriedades, o trabalho assalariado constante tornou-se necessário,

devido às especificidades das unidades camponesas, pois numa propriedade, a

camponesa ficou viúva e precisa de ajuda com o manejo do gado e na realização de

tarefas que exigem maior esforço físico, na outra o camponês, com 53 anos, tem

problemas de saúde com o impedem de realizar a ordenha manual e as atividades

que demandam maior esforço físico, na propriedade (PESQUISA DE CAMPO,

2013).

Para os trabalhadores das empresas rurais, a modernização da produção

modificou o trabalho e a sua vida no campo, conforme diz uma das entrevistadas:

“[...] a vida no campo ficou mais fácil [...] já trabalhei muito capinando na enxada,

agora não preciso mais disso (risos)” (PESQUISA DE CAMPO, 2013). Se, a

utilização da tecnologia, como a ordenha mecanizada, diminuiu o tempo de trabalho

e o esforço físico despendido na ordenha manual, também trouxe novas atividades

laborais, tais como, a higienização dos animais antes da ordenha, a aplicação

constante de medicamentos nas vacas para evitar doenças e contaminação do leite,

a limpeza diária das instalações, alimentação adequada para o gado, dentre outros

aspectos. Essas novas demandas laborais são reconhecidas pelos trabalhadores,

conforme demonstra a seguinte declaração:

Tem gente que pensa que a ordenha não dá trabalho. É bobeira! [...] dá trabalho sim e muito. Só que é diferente. Mesmo com todo trabalho eu ainda prefiro a ordenha, por que já tirei muito leite agachado no barro e na chuva. Isso é triste! Mas a gente trabalha o dia inteiro do mesmo jeito. [...] Na verdade a ordenha é melhor porque exige menos esforço físico na “tiração” do leite, mas tem outros trabalhos, em que lavar curral, passar remédio nas vacas, separar ração, separar bezerro de vaca [...] Dá muito trabalho [...](PESQUISA DE CAMPO, 2013).

Quando questionados se gostariam de voltar à forma tradicional de ordenha

a resposta de um dos trabalhadores demonstra a recusa da ordenha manual:

Vô nada, “chape”! [...] é ruim demais né [...] tirava leite na mão [...] rapaz do céu, vai sofrê pra lá [...] era um tanto de leite [...] A ordenha é melhor. Na mão é mais sofrido. O tempo é o mesmo, a diferença é que a ordenha não desgasta muito a gente, cansa menos (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

A mecanização da produção leiteira também contribuiu para a diminuição da

oferta de trabalho no campo, pois de acordo com um dos trabalhadores sem a

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mecanização eram necessários cinco trabalhadores para a ordenha e agora é

preciso apenas dois trabalhadores para o serviço. O mesmo ocorreu com as demais

atividades no campo, tais como a limpeza dos pastos, o plantio e cuidado com as

lavouras e a construção de cercas, por exemplo, uma vez que a limpeza das

pastagens, nestas propriedades é feita com o trator-roçadeira, as lavouras são

cultivadas plantadas e colhidas com tratores e colheitadeiras, e as cercas são

construídas com as furadeiras mecanizadas (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

A pesquisa de campo evidencia que a presença dos trabalhadores, mesmo

com a mecanização, é fundamental na produção leiteira, tanto no manejo do gado e

na ordenha, quanto na manutenção das propriedades de um modo geral.

Dessa forma, o capital agroindustrial lácteo se territorializa no campo em

Corumbaíba (GO), promove mudanças nas relações sociais de trabalho nas

propriedades especializadas na produção leiteira, na pecuária leiteira tradicional e

nas propriedades camponesas, contudo não significa melhoria nas condições de

trabalho.

4 - CONSIDERAÇÕES

No dizer de Silva (2004) cabe aos geógrafos compreender o espaço a partir

das suas dimensões físicas e humanas, assim como, na sua micro e macro

reprodução socioespacial. Ao “fazer Geografia” o geógrafo comprometido com a

compreensão crítica da realidade, deve ter uma visão ainda que sintética desse

conjunto relacional, a fim de oferecer uma visão completa e mais abrangente na sua

interpretação do objeto estudado, isto é, dos processos e relações que aí se

realizam. Certamente, estará presente o conhecimento captado das inter-relações

socioambientais, socioeconômico ou sociopolítico, no processo de análise e

decodificação da paisagem.

Com isso, identificou-se a heterogeneidade do setor laticinista, uma vez que

o nível de especialização na atividade e de modernização da produção identificados

nas empresas rurais apresentou especificidades. As diferenças também fazem parte

das propriedades dos pecuaristas e até mesmo das propriedades camponesas, por

apresentarem especificidades no processo produtivo, nas relações sociais de

trabalho e na relação com os laticínios. No que se refere aos trabalhadores rurais

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observou-se que na pecuária tradicional e nas empresas rurais o capital

agroindustrial lácteo promoveu a subordinação real do trabalho e nas propriedades

camponesas, a subordinação formal do trabalho. Com isso, altera as relações

sociais de trabalho, intensificando os níveis de exploração do trabalho assalariado,

por meio de intensas jornadas de trabalhos e pelo limitado acesso aos direitos

trabalhistas.

Referências

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