um novo desafio para o docente de engenharia de produção

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XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006 1 ENEGEP 2006 ABEPRO Um novo desafio para o docente de engenharia de produção: a teoria, o design e a construção de objetos de aprendizagem Teobaldo Rivas (EESC/USP) [email protected] Edson Walmir Cazarini (EESC/USP) [email protected] Resumo Este artigo situa a importância dos objetos de aprendizagem, em formato digital e suportado pelas novas tecnologias no processo de ensino e aprendizagem, refletindo sobre a emergência do uso destes recursos pelos professores de disciplinas em cursos de Engenharia de Produção, nas modalidades presencial e virtual. Discute aspectos relevantes sobre este instrumental teórico-prático mediante a análise da evolução das pesquisas nesta área, bem como analisa a implicação destes objetos na configuração de ambientes de aprendizagem, inseridos em estruturas mais complexas como cursos, programas, disciplinas, currículos, etc. Os fundamentos teóricos relacionados aos objetos de aprendizagem ressaltam a importância do desenvolvimento de uma nova teoria fundamentada na contextualização social, cultural, histórica e institucional. Essa abordagem pressupõe a compreensão de que a prática da docência pelo professor de Engenharia de Produção, exige um novo perfil profissional que incorpore às competências tradicionais (capacidade de pesquisa e de ensino) outras novas, como autodomínio das TIC´s, habilidades no desenvolvimento em equipe e na direção de projetos, familiaridade com um amplo campo de métodos pedagógicos e habilidades de assessoramento. Palavras-chave: Ensino de Engenharia; Objetos de Aprendizagem; Educação Virtual. 1. Introdução O contexto educacional atual, no qual a docência está sendo praticada, vem sofrendo transformações sem precedentes, sobretudo com o advento da adoção de tecnologias emergentes como suporte aos processos de ensino e aprendizagem. Com a efetiva introdução dessas tecnologias no processo educativo, muitas outras variáveis necessitam ser consideradas, pois o recurso tecnológico passa a ser um elemento chave para o desenvolvimento de inúmeras possibilidades na execução de novas práticas educacionais, tanto na modalidade de ensino presencial, quanto virtual. O objetivo deste artigo é analisar os fundamentos teóricos relacionados aos objetos de aprendizagem e ressaltar a importância destes no desenvolvimento de uma nova teoria fundamentada na contextualização social, cultural, histórica e institucional, como um recurso educacional voltado para o professor de Engenharia de Produção. No decorrer do texto discute-se aspectos relevantes sobre este instrumental teórico-prático mediante a análise da evolução das pesquisas nesta área, bem como analisa-se a implicação destes objetos na configuração de ambientes de aprendizagem, inseridos em estruturas mais complexas como cursos, programas, disciplinas e currículo. 2. A formação de professores para a engenharia de produção e os desafios das tecnologias da informação e comunicação – TIC A sociedade contemporânea tem sofrido alterações no campo social, político, científico e tecnológico, afetando profundamente o comportamento das pessoas e as relações sociais. A

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Artigo publicado nos anais da Associação Brasileira de Engenharia de Produção - 2001

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XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006

1 ENEGEP 2006 ABEPRO

Um novo desafio para o docente de engenhar ia de produção: a teor ia, o design e a construção de objetos de aprendizagem

Teobaldo Rivas (EESC/USP) [email protected] Edson Walmir Cazar ini (EESC/USP) cazar [email protected]

Resumo

Este artigo situa a importância dos objetos de aprendizagem, em formato digital e suportado pelas novas tecnologias no processo de ensino e aprendizagem, refletindo sobre a emergência do uso destes recursos pelos professores de disciplinas em cursos de Engenharia de Produção, nas modalidades presencial e virtual. Discute aspectos relevantes sobre este instrumental teórico-prático mediante a análise da evolução das pesquisas nesta área, bem como analisa a implicação destes objetos na configuração de ambientes de aprendizagem, inseridos em estruturas mais complexas como cursos, programas, disciplinas, currículos, etc. Os fundamentos teóricos relacionados aos objetos de aprendizagem ressaltam a importância do desenvolvimento de uma nova teoria fundamentada na contextualização social, cultural, histórica e institucional. Essa abordagem pressupõe a compreensão de que a prática da docência pelo professor de Engenharia de Produção, exige um novo perfil profissional que incorpore às competências tradicionais (capacidade de pesquisa e de ensino) outras novas, como autodomínio das TIC´s, habilidades no desenvolvimento em equipe e na direção de projetos, familiaridade com um amplo campo de métodos pedagógicos e habilidades de assessoramento. Palavras-chave: Ensino de Engenharia; Objetos de Aprendizagem; Educação Virtual.

1. Introdução

O contexto educacional atual, no qual a docência está sendo praticada, vem sofrendo transformações sem precedentes, sobretudo com o advento da adoção de tecnologias emergentes como suporte aos processos de ensino e aprendizagem. Com a efetiva introdução dessas tecnologias no processo educativo, muitas outras variáveis necessitam ser consideradas, pois o recurso tecnológico passa a ser um elemento chave para o desenvolvimento de inúmeras possibilidades na execução de novas práticas educacionais, tanto na modalidade de ensino presencial, quanto virtual.

O objetivo deste artigo é analisar os fundamentos teóricos relacionados aos objetos de aprendizagem e ressaltar a importância destes no desenvolvimento de uma nova teoria fundamentada na contextualização social, cultural, histórica e institucional, como um recurso educacional voltado para o professor de Engenharia de Produção. No decorrer do texto discute-se aspectos relevantes sobre este instrumental teórico-prático mediante a análise da evolução das pesquisas nesta área, bem como analisa-se a implicação destes objetos na configuração de ambientes de aprendizagem, inseridos em estruturas mais complexas como cursos, programas, disciplinas e currículo.

2. A formação de professores para a engenhar ia de produção e os desafios das tecnologias da informação e comunicação – TIC

A sociedade contemporânea tem sofrido alterações no campo social, político, científico e tecnológico, afetando profundamente o comportamento das pessoas e as relações sociais. A

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incorporação das novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) na sociedade e, principalmente, na educação, resulta numa aceleração de processos já existentes, embora elas também introduzam inovações transcendentais na maneira de experimentar a realidade, no uso da linguagem, nas formas de ler e escrever e na comunicação em geral, bem como na construção de subjetividades. Mesmo neste contexto, tanto o papel dos sujeitos como emissores e receptores, assim como a qualidade do conteúdo, ainda continuam sendo os elementos centrais do processo educativo. Em oposição à alguns mitos estabelecidos sobre a influência da tecnologia na educação, os novos meios tecnológicos não são capazes de determinar formas de educação e pensamento, possuindo apenas um papel condicionante. Esta discussão sobre o caráter condicionante ou determinante da tecnologia é discutida por LÉVY (1999, p. 25) que salienta que “uma técnica é produzida dentro de uma cultura, e uma sociedade encontra-se condicionada por suas técnicas. E digo condicionada, não determinada. Essa diferença é fundamental. (...) Dizer que a técnica condiciona significa dizer que abre algumas possibilidades, que algumas opções culturais e sociais não poderiam ser pensadas a sério sem sua presença”.

Assim, as tecnologias não só difundem cultura de massas e fontes de emissão de conhecimento, mas também influenciam a vida dos sujeitos envolvidos já que seus efeitos são produzidos em sujeitos singulares, passíveis de capacitação. Como afirma SACRISTÁN (2002, p. 66), “não devemos cair no encantamento ingênuo de dar por certo que o progresso técnico trás necessariamente o humano e o social (o mundo da cultura e o da educação)” . Temos de pensar, primeiramente, qual projeto de sujeito, de cultura e de sociedade que haverá de servir como contexto normativo para sua utilização. É preciso enfatizar que a disponibilidade física dos recursos tecnológicos e de comunicação, no meio educacional, por si mesma, não traz nenhuma garantia para a ocorrência de transformações significativas na educação, já que depende, fundamentalmente, do trabalho docente e é neste que se apóia as transformações educacionais. Assim, é impossível pensar a incoporação das TIC na educação sem a prévia apropriação e domínio das mesmas por parte do professor. É por esta razão que é necessário um outro tipo de formação do professor, que contemple essas novas demandas sociais e tecnológicas, tendo em vista alguns vetores que incidem sobre a sociedade, analisados por Pretto & Pinto (2006) tais como:

a) As novas formas de organização do trabalho e da produção baseadas em equipes e na geração de conhecimento (Drucker, 1999);

b) O avanço na automação da produção; c) A obsolescência das competências pessoais e profissionais, as novas relações sociais com

o saber desenvolvidas no ciberespaço, as novas tecnologias da inteligência e inteligência coletiva (Lévy,1999);

d) As competências estratégicas da era da informação (Castells, 1999).

Tendo em vista os vetores, acima citados evidencia-se que o profissional de engenharia da produção para permanecer competitivo terá que estar em contínua aprendizagem em virtude das mudanças de paradigmas tanto nos modelos de gestão das corporações como nos modelos de produção industrial. Por outro lado, a empresa para continuar sendo competitiva e, sobretudo atuar ativamente no seu segmento de mercado terá que estar gerando e gerindo o seu conhecimento agregado, através de seu capital intelectual, que são todas as suas equipes de trabalho a partir de diretrizes estratégicas previamente definidas. A universidade tem a função de formar profissionais competentes e que sejam desafiados também em relação às demandas dinâmicas do mercado buscando estabelecer a integração com a empresa, através do uso de modelo pedagógicos suportados pelas tecnologias da informação e comunicação –

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TIC. O engenheiro de produção não só terá que desenvolver competências relacionados à sua área, mas também aplicar os seus conhecimentos e habilidades, dentro de uma postura colaborativa e cooperativa, fazendo com que a aprendizagem aconteça em um verdadeiro ambiente distribuído e virtual de aprendizagem, que busca a constante integração entre universidade e empresa.

Este desafio tem colocado em dificuldades não só as empresas, mas também as universidades, e, por conseqüência a formação de seus professores. A este respeito, LIBÂNEO (1998, p. 10) indica os referenciais de formação deste profissional:“o novo professor precisaria, no mínimo, de uma cultura geral mais ampliada, capacidade de aprender a aprender, competência para saber agir na sala de aula, habilidades comunicativas, domínio da linguagem informacional, saber usar meios de comunicação e articular as aulas com as mídias e multimídias” .

Nesta nova realidade, qual é o papel do professor frente a estas demandas? Como refletir e entender a passagem da estabilidade e quietude da palavra impressa, materializada na permanência do texto, à rapidez e instabilidade das palavras na tela, cuja imagem de tipo de conhecimento e de subjetividade corresponde com uma ou outra situação? Estes novos meios nos fazem pensar a respeito das complexas realidades do mundo da natureza, do mundo social e do cultural, bem como, nas questões ligadas à formação de professores para a educação superior, tanto no que se refere à formação inicial, como a sua formação continuada e sua relação com o mundo das tecnologias. Assumindo que um professor para a educação superior necessita de uma formação aprofundada nos conteúdos de sua área de atuação, que tenha uma formação em investigação científica e também em didática, emerge como complexa a tarefa de sua preparação e constante atualização.

Com a efetiva introdução das tecnologias no processo educativo, muitas outras variáveis necessitam ser consideradas, pois os recursos tecnológicos passam a ser componentes-chave para o desenvolvimento de inúmeras possibilidades de execução de novas práticas educacionais, tanto na modalidade de ensino presencial, quanto virtual. Neste contexto, os objetos de aprendizagem se apresentam como relevantes no conjunto destes recursos.

3. Os objetos de aprendizagem como recursos educacionais

A tecnologia caracteriza-se como um agente de mudança, de forma que a maioria das inovações tecnológicas possa resultar em uma mudança revolucionária de paradigma. A rede mundial de computadores – a Internet – é uma dessas inovações. Após influenciar a forma como as pessoas se comunicam e fazem negócios, a Internet também vem influenciando, significativamente, a forma como as pessoas aprendem. Conseqüentemente, a maior mudança deve estar também associada à forma como os recursos educacionais serão projetados, desenvolvidos e integrados para serem disponibilizados aos estudantes. Tal cenário tem motivado a elaboração de pesquisas relacionadas à tecnologia educacional no sentido de desenvolver estudos de novas formas de utilização das TIC´s como um suporte efetivo ao processo de ensino e aprendizagem, sobretudo em ambientes virtuais.

Na última década do século XX, a utilização destes recursos, mesmo que de forma primária, permitiu um acesso efetivo a conteúdos educacionais, a partir de qualquer lugar e a qualquer hora “anywhere anytime” consolidando, em um primeiro momento, a aplicação, mesmo que embrionária, destas tecnologias aos processos educacionais. Entretanto, já existem diversos enfoques apresentados por pesquisadores em tecnologia educacional, sendo que a maioria compartilha um enfoque comum de que a composição das partes das disciplinas e/ou cursos virtuais deve ser pequena, digital e reutilizável, para que efetivamente possa ser um recurso educacional. Vários autores, diferentemente, nomeiam estes recursos educacionais como:

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componentes de software educacional; conteúdos de objetos compartilháveis (ADL, 2001); objetos de conhecimento (Merril, 1983); objetos educacionais (Sphorer, 2001) e objetos de aprendizagem (LTSC/IEEE,2000). Estes recursos educacionais são chamados, genericamente, de “objetos de aprendizagem”, de acordo com a terminologia adotada pelo Learning Technology Standards Committee (LTSC) of the Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE,2000), e são conceituados como “uma entidade, digital ou não digital, que pode ser usada e reutilizada ou referenciada durante um processo de suporte tecnológico ao ensino e aprendizagem. Exemplos de tecnologia de suporte ao processo de ensino e aprendizagem inclui sistemas de treinamento baseados em computador, ambientes de aprendizagem interativa, sistemas instrucionais assistidos por computadores inteligentes, sistemas de educação a distância e ambientes de aprendizagem colaborativa. Além disso, os objetos de aprendizagem incluem conteúdos de aplicações multimídia, conteúdos instrucionais, objetivos de aprendizagem, ferramentas de software e software instrucional, pessoas, organizações ou eventos.

Wiley (2002) propôs uma definição mais específica pois, segundo ele, a definição anterior corresponderia, basicamente, a todo o conjunto de coisas existentes no universo, não sendo assim uma definição devidamente apropriada para o contexto educacional. De acordo com este autor objeto de aprendizagem é “qualquer recurso digital que pode ser reutilizado para dar suporte a um processo de aprendizagem” . Entretanto, existe uma necessidade premente de novas estruturas teóricas para o desenvolvimento e o adequado uso destes recursos. Há um consenso entre os pesquisadores da área, de que os enfoques atuais para a utilização de objetos de aprendizagem são descontextualizados e isolados, tendo falhado, sobremaneira, no sentido de oferecer um efetivo resultado educacional como fruto da aplicação de tais objetos, isto é, a busca de um nível elevado de qualidade dos ambientes de aprendizagem que suportam tais processos como um todo.

Enquanto os pesquisadores em TIC, educação e psicologia têm se engajado para o desenvolvimento de estratégias de ensino e aprendizagem considerando este novo contexto, poucos métodos foram propostos para a criação de uma teoria de design e uso de objetos de aprendizagem que pudessem criar uma composição concreta, para se conseguir resultados de qualidade, no que se refere aos objetivos de aprendizagem necessários para a formação de competências. Tais objetivos devem contemplar à transferência de conhecimento, o desenvolvimento de novas habilidades e a formação de novas atitudes (Rivas, 1998). Para a consecução de cada um destes objetivos, seria necessário um conjunto de objetos de aprendizagem, dispostos, contextualizados e devidamente formatados em uma seqüência específica, suportado por diferentes ferramentas tecnológicas, encapsulados em um ambiente integrador, que possibilite fazer com que os estudantes de Engenharia de Produção adquiram a competência na elaboração de projetos, implantação, operação, melhoria e manutenção de sistemas produtivos integrados de bens e serviços, envolvendo homens, materiais, tecnologia, informação e energia. Compete, ainda, ao Engenheiro de Produção especificar, prever e avaliar os resultados obtidos destes sistemas para a sociedade e o meio ambiente, recorrendo a conhecimentos especializados da matemática, física, ciências humanas e sociais, conjuntamente com os princípios e métodos de análise e projeto da engenharia. (ABEPRO, 2006). Para este conjunto de competências e habilidades atribuídas ao Engenheiro de Produção, o uso deste recurso (objeto de aprendizagem) no ensino contribui significativamente para o alcance de tais competências.

Os objetos de aprendizagem representam novas formas hibridas de uso das tecnologias digitais em ambientes virtuais de aprendizagem. Nesse sentido, surge a necessidade de formulação de novas teorias que orientem os processo de design e uso articulado desses

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objetos. Para este fim destaca-e a contribuição de Nelson (1998), que efetuou uma revisão e síntese dos métodos existentes para a formulação de uma teoria a partir dos estudos de Patterson (1977); Reigeluth (1983); Richey, (1986); Snelbecker, (1974); e Snow (1971). Da experiência de estudos de caso, o autor criou treze passos para o processo de construção de uma teoria para o ensino e aprendizagem em ambientes virtuais, que são os seguintes: 1. Definição da proposta da teoria; 2. Seleção do paradigma para a teoria; 3. Determinação do domínio específico, situação, ou escopo da teoria; 4. Identificação do processo ótimo para o modelo da teoria; 5. Desenvolvimento de critérios gerais para os objetivos, métodos e condições; 6. Desenvolvimento dos objetivos da teoria; 7. Desenvolvimento de métodos para a teoria; 8. Identificação das condições para a teoria; 9. Criação de uma variável taxonômica para a teoria; 10. Finalização do protótipo da teoria; 11. Formalização da pesquisa do protótipo da teoria; 12. Finalização dos objetivos, métodos e condições; e 13. Descrição da teoria. Todas essas contribuições estabelecem um referencial inicial para a teorização da inserção dos objetos de aprendizagem no processo educativo, necessitando uma reflexão e adequação nos diferentes contextos sociais em que se inserem, bem como a discriminação de seu uso dentro de uma justificativa pertinente ao processo de ensino e aprendizagem desenvolvido, assumindo assim, o seu papel enquanto recurso educacional.

4. A dispar idade entre os diferentes enfoques e usos dados ao conceito de objetos de aprendizagem e as pesquisas atuais sobre o ensino e aprendizagem

Existe uma diversidade de nomenclaturas, de formas e utilizações para referenciar objetos de aprendizagem. Quando comparados os diferentes métodos propostos para a utilização destes objetos, percebe-se que há uma surpreendentemente similaridade, pois todos esses métodos são baseados nos mesmos referenciais teóricos da década de 80 e anterior, incluindo Mager (1983), Bloom (1976), Merril (1983), Clark (1989), e outros autores, que desenvolveram os seus trabalhos sob o paradigma instrucional cognitivista e behaviorista.

Enquanto as propostas, até então discutidas, se harmonizam com as pesquisas de educação das décadas de 1970 e 1980, seria esperado que as concepções atuais sobre objetos de aprendizagem utilizassem, como referencial teórico metodológico, os atuais paradigmas que servem de base para as pesquisas educacionais. No entanto, tal fato não é geralmente observado, e os modelos utilizados não respondem às reais necessidades educacionais, porque são construídos tendo como eixo uma outra concepção de educação e sociedade. A seguir, pontua-se três das principais inconsistências dos atuais enfoques:

a) A opção por uma aprendizagem descontextualizada em contraposição à contextualização desejada, normalmente, é apresentada no processo de desenvolvimento de um curso em ambiente virtual. Os objetos de aprendizagem são movimentados para a sua descontextualização e tal fato é verdadeiro por ser inversamente proporcional o relacionamento entre o tamanho do objeto de aprendizagem e o seu potencial para reutilização, ou seja, quanto maior for o objeto, menor será a probabilidade de ser reutilizado. Os pesquisadores Dr. Mimi Recher e Andrew Gibbons (Wiley, Recker & Gibbons, 2000) procuraram demonstrar que o uso de um objeto de aprendizagem é melhor descrito como se a “contextualização” fosse o seu sinônimo, ou seja, o uso de um objeto de aprendizagem por si só já deveria ser contextualizado. Isto significa que um desenvolvedor de cursos virtuais ao “usar” um objeto de aprendizagem está, na verdade, colocando o objeto dentro de um contexto instrucional. O relacionamento entre o contexto interno do objeto de aprendizagem e o contexto externo, no qual ele está sendo colocado, determina se o objeto deve ou não “caber” dentro daquele contexto, pois, quanto menos específico for o contexto interno do objeto, maior será a probabilidade de aderência deste

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objeto ao contexto instrucional no qual está sendo inserido. Por outro lado, quanto mais específico for o objeto de aprendizagem, menor será a probabilidade de aderência deste objeto ao contexto instrucional, ou seja, menor será a probabilidade de reutilização. Por exemplo, nesta perspectiva, a imagem de uma molécula tem muito mais probabilidade de ser utilizada em diferentes contextos instrucionais quando comparada a uma lição completa, que aborda conceitos relacionados à unificação molecular. Assim, buscando sempre maximizar a reutilização dos objetos de aprendizagem, os desenvolvedores promovem a descontextualização do objeto em contradição aos referenciais estabelecidos pelas teorias modernas de ensino e aprendizagem que atribuem maior ênfase à preeminência do contexto na aprendizagem, usando a linguagem como “contexto social” (Vigotsky, 1984); “cultural, histórico e institucional” (Wertsch, 1981), e “situacional” (Lave & Wenger, 1990; Jonassen, 1991). Se o propósito alvo de qualquer processo de ensino e aprendizagem é a contextualização do social, do histórico, do cultural e do institucional, esta contextualização deveria também ser considerada e privilegiada no design de um curso de qualidade. O simples alinhamento e/ou seqüenciamento dos recursos educacionais descontextualizados é incapaz de produzir um contexto significativo para a aprendizagem;

b) A não identificação do objeto de aprendizagem enquanto instrumento de intermediação é geralmente concebido e disposto equivocadamente como “grandes pedaços de conteúdos” ou “contêineres de informação”. Todavia, outras estratégias de ensino e aprendizagem, tais como: cenários baseados em casos (Schank, Berman, & Macpherson, 1999), ou o aprendizado baseado na resolução de problemas (Albanese & Mitchell, 1993) têm sido cada vez mais empregadas, baseando-se em perspectivas teóricas que legitimam a importância da aprendizagem contextualizada. Quando o aprendizado é compreendido no contexto da solução de um problema, os objetos de aprendizagem e outros recursos, concebidos anteriormente como “cápsulas” que transferem o conhecimento estático que foi extraído de especialistas, passam a ser os responsáveis pela intermediação das ações executadas pelos estudantes (Wertsch, 1981), como, por exemplo, os cartões de Vygotsky (1984) e a interpretação das tarefas coloridas de Leontiev (1983). O aspecto instrumental dos objetos de aprendizagem, em outras palavras, é a maneira como um objeto de aprendizagem faz a intermediação para a execução de atividades para a solução de problemas. Ao invés de estudar os objetos de aprendizagem fora do contexto, a unidade de análise da pesquisa deve focar no uso atual dos objetos dentro do contexto da aprendizagem. Wertsch (1981) lembra que somente sendo parte da ação, o significado da intermediação passa a vir ao encontro da representação do seu papel;

c) A automação dos objetos de aprendizagem tem motivado muitos pesquisadores a investigarem o tema, (Martinez, 2001; Hoddings, 2000; LTSC/IEEE, 2000; ADL, 2001), na busca de ter um design instrucional de baixo custo. A conseqüência desta automação é similar ao modelo de instrução baseado em computador da década de 70, centrada num enfoque isolacionista, representando uma disparidade com as modernas teorias de ensino e aprendizagem que dão ênfase à importância da colaboração (Nelson, 1998), aprendizagem cooperativa (Johnson & Johnson, 1997); (Slavin, 1990), comunidades de aprendizagem (Brown, 1994) negociação social (Driscoll, 1994), entre outras.Atualmente, os modelos propostos que orientam o design dos objetos de aprendizagem ainda estão baseados em teorias de aprendizagem de cunho tecnicista e behaviorista, as quais já estão superadas. As modernas teorias levam em consideração o contexto numa perspectiva social, cultural, histórico e institucional, demandando pesquisas para o desenvolvimento de modelos de referência que atendam as novas exigências educacionais para a formação do Engenheiro de Produção.

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5. Considerações finais

Compete à Universidade criar situações significativas de aprendizagem através das quais o estudante possa desenvolver competências cognitivas superiores, competências comunicativas, éticas, estéticas e de organização coletiva, de modo a ser capaz de exercer a crítica, a criação e a educação continuada como condição necessária para a profissionalidade do Engenheiro de Produção. Para tanto o professor formador deve dominar, não só os conteúdos, mas os processos de planejamento, design , produção, distribuição e divulgação dos conhecimento em ambientes virtuais de aprendizagem, numa perspectiva coletiva e reflexiva. Os objetos de aprendizagem, concretamente, representados por sons, desenhos, animações, vídeos, imagens, símbolos, diagramas, documentos, fotos, textos e atividades, nutridos de uma intencionalidade pedagógica, contituem-se em componentes essenciais para uma prática docente inovadora e de qualidade, alinhadas com as exigências de competitividade ao mundo do trabalho e que consideram a ética, a humanização das relações, o respeito ao meio ambiente e uso equilibrado das tecnologias como indicadores de uma educação para a cidadania.

A participação na vida social, política e produtiva exige conhecimentos e atitudes que abrangem todas as áreas do conhecimento, de uma forma transdiciplinar. Essa realiadade de relações sociais e produtivas, exige novas formas de seleção e organização de conteúdos e metodologias que superem a concepção enciclopedista e academicista dos currículos, seja de formação inicial ou continuada.

Essa abordagem nos leva a compreender que a prática da docência pelo professor de Engenharia de Produção, pressupõe o domínio de diferentes linguagens, o desenvolvimento do racicícionio lógico e da capacidade de usar conhecimentos científicos, tecnológicos e sócio-históricos, possibilitando a construção de identidades autônomas, intelectuais e eticamente capazes de continuar aprendendo ao longo da vida.

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