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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES CURSO DE LICENCIATURA EM DANÇA JANIELLE ALINE DE LIMA GOMES UM NOVO CAMINHAR: O HIP HOP NA EDUCAÇÃO PELA DANÇA DOS ALUNOS DA CASA DO MENOR TRABALHADOR (CMT) Natal/RN 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES

CURSO DE LICENCIATURA EM DANÇA

JANIELLE ALINE DE LIMA GOMES

UM NOVO CAMINHAR: O HIP HOP NA EDUCAÇÃO PELA

DANÇA DOS ALUNOS DA CASA DO MENOR

TRABALHADOR (CMT)

Natal/RN

2013

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JANIELLE ALINE DE LIMA GOMES

UM NOVO CAMINHAR: O HIP HOP NA EDUCAÇÃO PELA

DANÇA DOS ALUNOS DA CASA DO MENOR

TRABALHADOR (CMT)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Licenciatura em Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciada em Dança.

Orientador: Profº Dr. Marcilio de Souza Vieira

Nata/RN

2013

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JANIELLE ALINE DE LIMA GOMES

UM NOVO CAMINHAR: O HIP HOP NA EDUCAÇÃO PELA

DANÇA DOS ALUNOS DA CASA DO MENOR

TRABALHADOR (CMT)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Licenciatura em Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciada em Dança.

Aprovado em___/___/___

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________ Dr. Marcilio de Souza Vieira (Orientador)

______________________________________________________________ Prof. Dra. Larissa Kelly de Oliveira Marques Tibúrcio (Membro)

______________________________________________________________ Prof. Esp. Arthur Garcez (Membro)

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Dedico este trabalho aos meus pais, José Gomes e Adriana, exemplos de

dignidade e de persistência na luta por aquilo que é preciso.

Ao meu filho Yuri, razão pela qual eu não desisti de continuar lutando pelos

meus objetivos.

E aos meus irmãos, Janaina, Jefferson e Jonas, por serem tão especiais para

mim.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus, por ter me conduzido a este caminho,

guiando meus passos para que eu jamais me perdesse ou desistisse, sendo o farol

que ilumina e me mostra aquilo que realmente vale a pena perseguir. E nos

momentos em que me distanciei d’Ele, agradeço por ter continuado me iluminando

mesmo assim. A Ele toda honra e toda glória.

A São Jorge, meu guerreiro, por ter sido modelo de resistência e coragem, me

ensinando a ser forte diante os tantos “dragões” que ousaram tentar me fazer

desistir.

Aos meus pais, José Gomes, pelo apoio em todos os momentos durante essa

trajetória e em toda a minha vida e a minha mãe, Adriana, por ter me amparado no

momento mais importante da minha vida, me ensinando o real sentido da

maternidade, me mostrando com sabedoria o que precisa realmente ser valorizado.

Eu nunca poderei retribuir o tanto que vocês já fizeram por mim...

Ao meu pequeno, meu filhote, meu amor, Yuri. Pela ressignificação que

causou em minha vida, chegando no momento certo, sendo meu grande

companheiro, me fazendo reconhecer a verdadeira felicidade, dando um sentido

coerente em minha existência. Você é o que me faz querer sempre o melhor para

nós dois, pois a minha felicidade depende do seu sorriso, da sua alegria que eu

admiro muito.

Ao meu orientador Marcilio Vieira pelas conversas que possibilitaram minha

reflexão a respeito da minha pesquisa e aos professores que fizeram parte da minha

banca examinadora, Arthur Garcez e Larissa Marques, pela disponibilidade para me

ouvir e dar suas opiniões tão importantes para o meu progresso acadêmico.

Ao Grupo de Dança da UFRN e a todos que fizeram e fazem parte deste

grupo, pelos ensinamentos que me fizeram enxergar o verdadeiro propósito da

dança, pelos momentos compartilhados e pela amizade conservada entre todos.

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As meninas, Ariane, Samara, Sabrina, Janielly e Rayssa, que mesmo não

continuando com a gente no curso tem um significado muito grande para mim, pelos

momentos maravilhosos e descontraídos, onde foi difícil manter o foco para a

realização das atividades, mas que serviu para reconhecermos o quanto não é feliz

aquele que não se mantém perto dos amigos.

De um modo bem especial, agradeço a Ariane, pelas conversas que me

iluminaram nos momentos em que me pareciam ser os mais confusos. Agradeço

pelas mensagens de motivação, pelos abraços aconchegantes e pelo exemplo de

pessoa que ela é para mim.

Ao meu grande amigo, Fabiano Fidelis (Binho), pelo prazer de desfrutar de

uma amizade tão verdadeira mesmo que ele esteja a quilômetros de distância, por

me ouvir, me apoiar, me incentivar, provando que quando se é amigo de verdade

não há distância que atrapalhe.

A Sílvia Rodrigues, por ter me invadido com a sua presença admirável, me

fazendo viver momentos maravilhosos ao apreciar a sua essência positiva e

verdadeira, mostrando sempre que “menos é mais” e se isso for verdadeiro, já é o

bastante.

.

Ao meu amigo Panda, pelo abrigo, cuidado e carinho a mim destinado. Pela

companhia e pelas reflexões obtidas durante as nossas conversas, me fazendo

descobrir o quanto eu sou especial por ter amigos que me amam.

Ao Professor e amigo Beto Rocha, pelas conversas que me encorajaram diante dos

obstáculos existentes, me mostrando o quanto é maravilhoso fazer o que se gosta.

Aos alunos da Casa do Menor Trabalhador, pela confiança em mim depositada,

pelas conversas nas horas vagas, pelo incentivo e pelo exemplo de solidariedade e

perseverança que será sempre reconhecido por mim.

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A todos os profissionais que contribuíram para o início da minha formação nas

artes cênicas, em especial Geilza Franco (Tia Ziza) e Emilia, pela oportunidade que

me foi dada de poder conhecer esse caminho e não querer desistir dele.

Enfim, a todos os amigos e familiares que contribuíram de alguma maneira

para que eu pudesse estar realizando essa conquista.

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“Não existem pessoas de sucesso e pessoas fracassadas. O que existem são pessoas que lutam pelos seus sonhos ou desistem deles”.

Augusto Cury

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RESUMO

A cultura Hip Hop foi difundida em todo o mundo e a influência latina é muito significativa em todo trabalho e, em sentido de 'mão dupla', também é influenciada em uma releitura permanente que se adapta e se transforma de acordo com as características de cada local. Pensando nessa dança e nas possibilidades educativas desta para a área da educação, a Escola Estadual Casa do Menor Trabalhador, no ano de 2005, começou a inserir esta dança com o intuito de divulgar a dança de Rua em Natal e de inserir nas práticas de dança dinâmicas que tornassem perceptíveis um sentido para a construção pessoal desses alunos, fazendo com que cada um deles assuma um papel cidadão e correspondam de maneira positiva a essas práticas fazendo dessas um reflexo para a construção de caráter. Para a temática ora discutida objetivamos: Compreender como o ensino do Hip Hop atua na educação dos alunos do CMT e suas contribuições para a formação cidadã bem como perceber o significado das sensações causadas pela prática desse estilo de dança fazendo com que cada aluno busque levar esse conhecimento não só como uma ferramenta para a construção de uma visão de corpo cênico, mas também como uma reflexão para o seu convívio com a sociedade através dessa cultura que está também inserida no movimento Hip Hop. Como abordagem metodológica foi realizada uma pesquisa de campo com abordagem descritiva qualitativa que tem como objetivo a descrição de um determinado fenômeno. Justifica-se ainda pela carência da temática no ambiente acadêmico como uma possibilidade de dança, bem como busca atender aos anseios da pesquisadora que teve a experiência de Grupo de Dança de Rua por um ano e ainda permanecer na perspectiva de pesquisar mais sobre esse estilo. O Hip Hop para esses alunos não é só um estilo de dança, ele é um estilo de vida. Pelas sensações causadas durante as aulas de dança, revela-se a certeza de que essa cultura age na vida de cada aluno como um incentivo para a sua autoafirmação, e também como uma reflexão de que na vida os ensinamentos oferecidos contribuem para a construção da personalidade.

Palavras-chave: Dança. Hip Hop. Aprendizagem/Acolhimento.

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ABSTRACT

The Hip Hop culture was spread all over the world and the Latin influence has a wide

importance inside the movement, showing that it can adapt according to each local

culture, in a ‘two-way street’ approach. Thinking about this dance style and its

educational possibilities, the “Escola Estadual Casa do Menor Trabalhador”, started

offering hip hop dance classes in 2005, aiming not only to propagate the Street

Dance in Natal but also to improve the personal development of the students, making

each one of them aware of their civil responsibility through dance. Having said that,

the objectives of the work can be defined: to understand how teaching Hip Hop can

influence the education and civil awareness of CMT students and also to understand

the meaning of the feelings that come with the practise of this dance style, making

each student use this tool not just to construct a vision of the body in the stage, but

also to live in society. The methodology consisted in a field research with a

qualitative approach that aims to describe a certain phenomenon. The research is

justified by the lack of academic publications related to the theme as well as the

quest of the researcher, who had one year experience in a Street Dance Group, to

understand more about the movement. The Hip Hop for the se students it is not only

a style of dance, it is a style of life. Through the sensations that come out from a

dance class, it can be noted that this culture acts in each student’s life as an

incentive to self-assertion and also as a reflexion that in life the offered knowledge

contribute to the building of the personality.

Keywords: Dance. Hip Hop. Learning/ reception.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

CONSTRUINDO UM PENSAMENTO EM DANÇA NA CMT .................................... 14

O HIP HOP E A EDUCAÇÃO DOS ALUNOS DA CMT: UM NOVO CAMINHO A

SEGUIR..................................................................................................................... 21

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 28

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 28

ANEXOS ................................................................................................................... 30

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INTRODUÇÃO

O hip-hop não é a perfeição, como alguns credos religiosos. Essa cultura é a cópia fidedigna da sociedade na qual ela se encontra inserida e isso tem aspectos positivos e negativos. A cultura hip-hop, repito, é uma alternativa para se chegar à mudança, seja ela qual for, mas depende da consciência de cada um (Portal Viva Favela Hip-hop brasileiro em revista, Def Yuri 21/05/2001).

A citação introdutória nos faz refletir sobre a cultura do Hip Hop e as

possibilidades que este gênero de dança/música pode incutir em jovens de bairros

periféricos que tem na filosofia do gênero como uma válvula de escape. Com esse

pensamento refletimos ainda como essa dança ocorreu na Escola Estadual Casa do

Menor Trabalhador, em Natal e como ela influenciou a vida de tantos alunos da

referida escola.

Para os alunos desta escola, o Hip Hop vem a proporcionar oportunidades

para a evolução de pensamento, fazendo com que os alunos pratiquem não só a

técnica, mas sigam os ensinamentos oferecidos por essa cultura, dando abertura à

reflexão de como essa dança pode influenciar na percepção de cada um em relação

ao seu comportamento e como pode desenvolver um pensamento positivo através

da melhoria da conduta de cada um, atribuindo a uma visão mais participativa na

sociedade. Para tentar compreender tal dança em tal espaço escolar se faz

necessário compreender um pouco da história desse gênero musical que também se

faz dança.

Existem várias vertentes que explicam como o Hip Hop se originou até a sua

chegada ao Brasil. Uma delas é que este termo está inserido nos estilos que

compõem o Street Dance (Dança de Rua), que surgiu dos guetos, na década de

1970, onde as pessoas se expressavam por meio desta dança em sinal de protesto

pela violência que se passava naquela época.

Outros estudiosos do tema argumentam que uma das primeiras

manifestações do Hip Hop pela vertente da dança de rua (street dance) surgiram por

volta de 1929, época de grande crise econômica nos Estados Unidos. Músicos e

dançarinos que trabalhavam em cabarés haviam perdido seus empregos e foram

para as ruas fazer seus shows. Acredita-se que também se deu origem na Segunda

Guerra do Vietnã, e nessa dança as suas movimentações eram consideradas uma

alusão aos soldados que voltavam “quebrados” da guerra ou sendo uma crítica

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social às máquinas que substituíam os homens naquela época. (COLOMBERO,

2011).

O Hip Hop (que significa literalmente saltar movimentando os quadris) é

considerado uma espécie de cultura e/ou movimento formado pelos seguintes

elementos: O RAP1, o DJ, o MC, o Graffiti2 e o Break. Para muitos é um estilo de

vida, com linguagem própria.

Posteriormente, a cultura Hip Hop foi difundida em todo o mundo e a

influência latina é muito significativa em todo trabalho e, em sentido de 'mão dupla',

também é influenciada em uma releitura permanente que se adapta e se transforma

de acordo com as características de cada local.

Pensando nessa dança e nas possibilidades educativas desta para a área da

educação, a Escola Estadual Casa do Menor Trabalhador, no ano de 2005,

começou a inserir esta dança com o intuito de divulgar a dança de Rua em Natal e

de inserir nas práticas de dança dinâmicas que tornassem perceptíveis um sentido

para a construção pessoal desses alunos, fazendo com que cada um deles assuma

um papel cidadão e correspondam de maneira positiva a essas práticas fazendo

dessas um reflexo para a construção de caráter.

Nesse estudo foi abordada a realidade desses alunos em que o ensino do Hip

Hop para esses jovens pode mudar a maneira de como eles enxergam a sociedade

e como eles podem contribuir para uma boa relação com a mesma, pois o próprio

movimento Hip Hop convive com essa questão no seu dia-a-dia, procurando

questionar os signos consumidos desordenadamente no cotidiano e, ao mesmo

tempo, aproveitar-se desses elementos para construir seu estilo e suas ações

(STOPPA, 2005).

O estudo possibilitou fazer algumas aproximações com a temática encontrada

no Diretório de Pesquisa do CNPq como, por exemplo, no Grupo Multiculturalismo e

1 O RAP - Rhythm and Poetry (ritmo e poesia) é a expressão musical-verbal da cultura. Tem sua

origem na Jamaica, por volta de 1960, onde a população dos guetos, com poucas opções de lazer, ia para as ruas e ouvia músicas em sound systems (sistemas de som). Enquanto as músicas tocavam, uma espécie de mestre de cerimônia (MC) discursava sobre as carências da população, os problemas econômicos e a violência nas favelas. Na década de 70, muitos jamaicanos migraram da ilha do Caribe para países americanos, dentre eles os Estados Unidos. Nos guetos de Nova York, o MC Kool Herc foi um dos principais responsáveis pela divulgação desse novo estilo de fazer música. 2 O Graffiti representa a arte plástica, expressa por desenhos coloridos feitos por grafiteiros nas ruas

das cidades espalhadas pelo mundo e, o Break dance - literalmente significa dançar com movimentos quebrados - forma a base da dança de rua nos moldes atuais. Ex. Filme Wild Stile.

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Educação, na pesquisa de mesmo nome, cuja autora é Monica Guimaraes Teixeira

do Amaral, que faz relação com o tema abordado no artigo.

Além do citado grupo, encontramos ainda trabalhos na área de música que

perpassa a temática abordada: Funk Proibido do grupo de pesquisa Música,

tecnologia e sociedade da Escola de Música da UFMG e Ciências Humanas a

exemplo da linha de pesquisa Práticas de apropriação da cultura Hip-Hop na cidade

de Salvador-BA que tem como objetivo investigar por que e como a(s) identidade(s)

dos jovens hip-hoppers se formam localmente; compreender as estratégias

utilizadas pelos jovens hip-hoppers na apropriação da cultura hip-hop; analisar e

discutir a dialética do local e global tendo como referencial a cultura hip-hop;

entender como os jovens hip-hoppers representam o lugar através das músicas.

Na produção artística, os grupos de Hip Hop que mais se destacam na

atualidade são: Dança de Rua no Brasil em São Paulo - SP, com a direção de

Marcelo Cirino, um dos percussores da Dança de Rua no Brasil, o COMRUA –

Companhia de Dança, de Niterói- RJ e no RN, destaca-se o Grupo de Dança de Rua

BR – Natal-RN, como um dos grupos mais reconhecidos na cidade, por trazer o Hip

Hop com a sua essência, construindo um pensamento reflexivo acerca do lema

específico dessa filosofia: a igualdade e a solidariedade.

Para a temática ora discutida objetivamos: Compreender como o ensino do

Hip Hop atua na educação dos alunos do CMT e suas contribuições para a formação

cidadã bem como perceber o significado das sensações causadas pela prática

desse estilo de dança fazendo com que cada aluno busque levar esse conhecimento

não só como uma ferramenta para a construção de uma visão de corpo cênico, mas

também como uma reflexão para o seu convívio com a sociedade através dessa

cultura que está também inserida no movimento Hip Hop.

Como abordagem metodológica foi realizada uma pesquisa de campo com

abordagem descritiva qualitativa que tem como objetivo a descrição de um

determinado fenômeno. Pela pesquisa qualitativa descritiva fatos são observados,

registrados, analisados, classificados e interpretados, sem a interferência do

pesquisador (DEMO, 2001). Para a pesquisa foi feita uma entrevista estruturada,

buscando compreender a intensidade dessa dança na vida dos alunos envolvidos,

assim como depoimentos de um grupo específico de alunos, em que cada um pode

relatar o resultado positivo dessas aulas no seu desenvolvimento como crítico e

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social. A pesquisa foi realizada durante a permanência da pesquisadora no período

dos estágios Supervisionados Obrigatórios I, II e III na referida escola, sendo que a

mesma só ganhou ênfase no período do estágio III.

Tendo em vista que o ensino do Hip Hop não é somente o ensino da técnica,

e essa cultura não pode ser vista como algo que seja marginalizado, essa pesquisa

tem a importância de mostrar o quanto o ensino do Hip Hop pode provocar

mudanças e melhoras no contexto social dos alunos, especificamente nos alunos da

CMT, refletindo esse estilo de Dança.

Justifica-se ainda pela carência da temática no ambiente acadêmico como

uma possibilidade de dança, bem como busca atender aos anseios da pesquisadora

que teve a experiência de Grupo de Dança de Rua por um ano e ainda permanecer

na perspectiva de pesquisar mais sobre esse estilo. Esta dança entrou na vida da

pesquisadora por volta do ano de 2006, pelo acesso a divulgação do Hip Hop pela

mídia, o que causou curiosidade em relação à prática desse estilo, considerando

principalmente a sensação de prazer ao refletir essa técnica corporalmente e

perceber a atitude impregnada nos dançarinos. O que mais prevalecia na busca

dessa cultura eram os ensinamentos que visavam a construção de confiança e

aceitação de si mesmo, a qualidade nas movimentações e a atitude tão presente no

estilo americano de se dançar o Hip Hop, o que era conhecido pela pesquisadora

naquele tempo, Essas características serviram de expectativa para o conhecimento

dessa cultura e a ânsia de poder absorver esse essa técnica corporalmente.

CONSTRUINDO UM PENSAMENTO EM DANÇA NA CMT

Esta instituição abriga menores carentes em Natal tendo como principal

objetivo resgatar os jovens mais necessitados das ruas, oferecendo atividades

complementares em tempo integral, em busca do favorecimento da cidadania,

promovendo a este aluno a construção de uma melhoria no comportamento para

com a sociedade.

O pressuposto para a criação do grupo de Dança na CMT foi o projeto

Fazendo Arte, criado em 2005 pelo Professor Beto Rocha3, com o intuito de

3 Dançarino de Hip Hop desde 1988, Professor desde 1990, Coreógrafo, Diretor dos grupos Novos

Movimentos - RJ, Get up and Dance, Gênese e Novos Movimentos – RN, atualmente do Grupo

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transpassar ao público toda a produção cultural realizada na escola, visando a

oportunidade de inserir os alunos no âmbito cultural local, viabilizando essa cultura

na comunidade externa.

Esse Projeto, foi elaborado com o intuito de divulgar a Dança de Rua e a

partir dessa função, surgiu à possibilidade concretizada de criação do grupo de

Dança na escola, no ano de 2011, com a proposta de trabalhar variados estilos de

dança e com essa prática, estimular o convívio mais próximo do grupo de alunos.

Vale salientar que essas atividades são de extrema importância para o

desenvolvimento da escola, pois a prática cidadã se inicia respectivamente na

escola, onde os alunos aprendem a conviver uns com os outros, conhecendo e

respeitando as diversas atuações culturais, enriquecendo o seu pensamento em

relação à troca de experiências e adquirindo novas possibilidades de conhecimento.

Dessa forma é de suma relevância a realização desse trabalho, “pois o mesmo irá

contribuir para afirmar a importância da dança como elemento de recuperação de

crianças e adolescentes em situação de risco, bem como a atuação da mesma como

agente integrador do indivíduo na sociedade” (RODRIGUES, 2006, p. 1).

Na escola, as atividades de Dança4 são realizadas todas segundas e quartas

pela manhã e a tarde, onde os alunos fazem as atividades no turno oposto do

horário das aulas formais. A aula é realizada com todos os alunos do 6º ao 9º Ano,

todos eles juntos em uma sala que também funciona como cantinho da leitura,

chegando a ser pequena pelo fato de abrigar todas essas turmas de uma só vez,

mas que ao mesmo tempo adquire um significado muito bom por eles já

compreenderem o valor de se relacionarem com pessoas de idades diferentes.

Analisando o ensino da dança, especificamente o Hip Hop, nas turmas do 6º

ao 9º Ano do turno vespertino da CMT, percebe-se que essa cultura está inserida

tanto nas aulas de dança, como na cultura e na filosofia agregada à vida de cada

aluno, influenciando na sua forma de comportamento. Contribui para esse

pensamento a seguinte definição:

Dança de Rua BR (2005). Produtor, Iluminador e DJ. Professor de Educação Física, especialista em Treinamento Desportivo e Atividade Física para Grupos Especiais. 4 As aulas são ministradas pelo Professor Beto Rocha, que atua como professor de Educação Física

e como professor de dança, dando aula de Hip Hop, danças regionais e dança de Salão. Ensaiando coreografias que são apresentadas nas datas comemorativas da escola e no Espetáculo de fim de ano.

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“Quando o adolescente e o jovem se expressam em formas de movimento, mediante um trabalho teórico-prático que envolva o grupo, ocorre uma transformação. Essa práxis promove a aceitação de si mesmo e maior receptividade nos relacionamentos com os outros, pois ela faz procurar, conhecer e criar novos modos de movimento para que o relacionamento aconteça. Assim, o Movimento e a Dança no ensino atuam como instrumentos de efetivação social” (RENGEL, 2004, p. 7).

O professor busca, a cada aula, levar a esses alunos o reconhecimento dos

mesmos na sociedade, tornando a convivência entre eles um aprendizado para a

própria vida. Nesses encontros, essas realidades são compartilhadas e se

assemelham em histórias de vida. A maioria já se prepara para a busca do primeiro

emprego, por questão de sobrevivência e como uma forma de contribuição nas

despesas familiares, buscando sempre uma melhoria nas suas condições, o melhor

para si próprio e para sua família, onde alguns deles passam por momentos

delicados, em que muitas vezes são eles próprios a fontes de sustento e desse

equilíbrio familiar.

Percebemos que a técnica do Hip Hop envolve os alunos e causam uma

euforia permanente durante os ensaios, pois o estilo de dança faz com que cada

aluno se identifique de alguma maneira com essa técnica. Por se tratar de alunos

pré-adolescentes, a busca do aprendizado dessa técnica é muito grande, pois

alguns visam como uma forma de estar ligado ao que há de “mais moderno” na

sociedade, pelo desejo de aceitação em uma determinada turma, pelo fato de o Hip

Hop ser “[...] um estilo de vida marcado pelas roupas esportivas, pela linguagem

verbal, e pela utilização dos produtos de consumo da indústria cultural” (RECKZIEL;

STIGGER, 2005, p. 61), tornando-se necessária para a busca da desenvoltura não

só na cena, mas na sua vida pessoal, visto que mesmo o jovem buscando essa

aceitação, “[...] a capacidade de transformação [...] de acordo com o grupo ou

ambiente não significa conflito de personalidade, mas competência de adaptação

aos diversos contextos onde estiver inserido mesmo que temporária ou

transitoriamente” (MARTINS, 2005, p. 11).

Muitos destes alunos consideram que a partir do momento em que começam

a fazer as aulas, se tornam pessoas mais extrovertidas, menos agressivas, mais

presentes nas rodas de amizade, dando sugestões, criticando, construindo

argumentos, o que torna verdadeiro o pensamento de que a cultura Hip Hop age

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também na personalidade de um indivíduo, pois como pontifica Martins (2005, p. 11)

“[...] os princípios ideológicos transmitidos por ela são incorporados pelos praticantes

e passam a reger o comportamento dos jovens dentro e fora do grupo”.

A afirmativa acima coaduna com o pensamento de Lara e Oliveira (2008),

quando pontifica que a dança, a exemplo do Hip Hop, pode-se constituir numa rica

experiência corporal, possibilitando compreender o contexto em que estamos

inseridos e buscando sustentar uma formação que seja capaz de transformar os

sujeitos, sendo o mais importante nesse interesse que o Hip Hop seja considerado

uma possibilidade de transferência de informação durante o gesto, onde cada aluno,

por meio da dança, demonstre essas informações como um sentido daquilo que

cada um sente quando se está dançando, o que na filosofia do Hip Hop essa

possibilidade é bastante considerável. Com esse pensamento, segundo Alves (2007,

p. 2), percebemos o quanto a movimentação corporal se classifica na junção do

físico e psíquico de cada indivíduo, pois refletem na tentativa de cada um dar voz as

atitudes que pulsam no corpo. Quando se dança, exprimimos aquilo que estamos

sentindo no momento.

De acordo com Nanni (citado por Rodrigues, 2006, p. 2) a dança deve ter como base as leis que regem a mecânica corporal; deve ser uma expressão global do corpo, onde a emoção, sensibilidade e criatividade se tornam o foco central, ou seja, se convertem em uma expressão máxima ensejando ao homem a possibilidade de se autor realizar e de se autoconhecer exercida de forma contextual pelos que a exprimem. Dessa forma, a Dança, não é mais privilégio de uma classe, se torna uma forma de desenvolvimento e aprimoramento do homem, possibilitando enveredar para os caminhos de sua autorrealização.

O professor nesse processo e em particular nas aulas do Hip Hop da CMT é

um mediador entre essa diferença de fazer e saber o Hip Hop. Com as suas aulas,

todos os alunos aprendem a ser mais tolerantes, compartilhando de seus

conhecimentos com as outras pessoas. A parceria é algo muito preservado nas

aulas e o professor sempre coloca essa parceria em jogo nas atividades realizadas

durante as aulas, como por exemplo, nas coreografias de Charme, estilo de caráter

romântico com movimentos harmoniosos, que se resulta da mescla de variados

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estilos que constituíram o movimento Black nos anos 705, geralmente dançado por

casais, é perceptível a atenção dedicada principalmente à parceria, ao respeito que

cada um tem com o outro. Esse ritmo pode ser um incentivo para melhorar a

convivência com as pessoas que estão próximas a cada um, sendo trabalhado de

uma maneira pela qual se transmite o incentivo à interação desses alunos, sendo

refletido na maneira também pela qual se possa intervir dentro e fora da sala de aula

e da escola, pois “[...] o charme produz uma estética pautada em comportamentos

que valorizam a amizade, o companheirismo, a camaradagem, o amor” (MARTINS,

2005, p.15).

Dando uma ênfase na análise das movimentações do Hip Hop, observando

essa técnica especificamente pelo estudo de Laban6 (1978), os movimentos

existentes nessa dança se classificam assim no grupo dos quatro fatores de

movimento, sendo esses os fatores e suas denominadas qualidades: fator peso:

elemento fundamental para a realização das movimentações onde são identificadas

forças opostas, com algumas partes do corpo fazendo uma resistência à força da

gravidade e muitos dos movimentos de chão são realizados com o uso dos apoios,

como por exemplo, o Foot Work7; fator tempo, onde se destaca o esforço súbito, em

que movimentações são executadas por muitas vezes seguindo o ritmo da música,

existindo muitas variações no ritmo, predominando sempre com as batidas mais

aceleradas, assim exigindo um aumento no esforço físico em sua realização, pelos

movimentos seguirem sempre essas batidas; fator espaço: onde as movimentações

passam pelos três níveis do movimento, alternando constantemente, como

identificado, por exemplo, na dança Lockin’g8; fator fluência, onde alguns

movimentos são executados com muita complexidade, existindo muitas quebras,

contratempos. É considerável que esses fatores sejam uma provável justificativa de

complexidade para as movimentações do Hip Hop e seja exigida uma grande

dedicação e entendimento para se adquirir essa precisão de maneira mais ativa.

5 Movimento negro, surgido na América na década de 60, servindo de grande influência para a

música na década de 70. Esse movimento foi de grande importância para a cultura negra ser reconhecida e expandida no mundo. 6Rudolf Von Laban (1879-1958). Dançarino, coreógrafo, considerado como o maior teórico da dança do século

XX e como o "pai da dança-teatro". Dedicou sua vida ao estudo e sistematização linguagem do movimento em seus diversos aspectos: criação, notação, apreciação e educação. 7 Trabalho com os pés – sapateado feito no chão, onde os braços sustentam o corpo.

8 Essa dança é caracterizada pela intensa ação dos braços, mãos e dedos que trabalham em vários planos num

gesto de apontar (ALVES, 2001, p. 31).

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Essa denominação pode se tornar um desafio para esses alunos, que por

muitas vezes alguns deles não tem ainda a agilidade para aprender essas

movimentações e desistem com facilidade de experimentar os movimentos criados

para as coreografias. Percebe-se que alguns alunos até ficam de fora das

apresentações por não terem tempo de, como eles próprios dizem, “decorar” a

coreografia, o que pode de alguma maneira, fazer com que eles fiquem

desestimulados a tentarem levar adiante as outras atividades que considerem como

algo difícil, permitindo que o seu desenvolvimento nessas outras atividades sofra

algum bloqueio, sendo essa maneira levada até por questões pessoais, por eles

considerarem que o fato de não aprenderem a técnica do Hip Hop com facilidade,

pode refletir no seu fracasso para outros tipos de desafios existentes no decorrer da

vida.

Porém, o que faz com que esses alunos se sintam estimulados a buscar essa

prática durante as aulas pode ser o fato de o professor dar a liberdade de criação

para o grupo, onde em alguns encontros o professor faz com que eles participem da

criação, dando a possibilidade de buscarem movimentações que respeitam os

limites de seu próprio corpo, pois segundo Rengel (2004, p. 5), “Se o aluno for

ensinado a respeitar as diferenças existentes nos corpos, ele também “aceitará” seu

corpo, com a sua própria peculiaridade e individualidade”.

O pensamento anterior faz uma com a consideração de que o aluno, ao criar

o seu próprio movimento e inserir nas coreografias criadas pelo grupo, estimula o

seu campo de imaginação, onde ele perceberá que o movimento adequado não

precisa ser o movimento padrão do que é ditado na cultura Hip Hop, mas que na

verdade o que faz sentido é a maneira de como o seu movimento pode se apropriar

das características do estilo e o que esse movimento pode expressar

verdadeiramente para cada um.

Entretanto, a consideração de limite corporal é algo que deve ser trabalhado

de maneira que não defina até onde o corpo pode ir, pois a partir do momento em

que é dado um desafio para esses alunos, cada um deles conseguirá ultrapassar as

barreiras do “eu não posso fazer”, buscando uma mudança na própria maneira de se

perceber, mudando alguns pensamentos em relação as suas competências se

sentindo capaz de dançar o estilo abordado com precisão, aprimorando-se com o

tempo nos movimentos e praticando essa relação de respeito consigo mesmo.

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Cumpre frisar que nas aulas de Hip Hop é a atitude desenvolvida nos

dançarinos de Hip Hop que fazem com que esses alunos busquem essa técnica.

Essa “atitude” é refletida na consciência corporal adquirida com os treinos, na

virtuosidade e precisão dos movimentos, fazendo com que essa maneira de se

dançar seja capaz de mover esses alunos, que com o tempo vão adquirindo

confiança nas práticas e tornando seus corpos enriquecidos com esses registros,

adquirindo uma presença ao se dançar.

Acrescenta-se que essa atitude também reflete principalmente na maneira de

vida desses alunos, onde passa a ser reflexão para que eles se disponham a outras

possibilidades que contribuam na sua maneira de enxergar a sociedade em que está

inserido e enfrentar os obstáculos existentes no decorrer de sua trajetória de vida.

A maneira como esses alunos levam a cultura Hip Hop no seu dia a dia,

utilizando os seus ensinamentos para a sua vida junto com a sociedade, faz com

que eles colham algo bom para a sua convivência social. Essa cultura por muitas

vezes é mal vista, pelo fato de o Hip Hop ter a fama de uma cultura marginalizada,

devido à estética desse estilo, onde é introduzida uma imagem competitiva devido

às batalhas existentes, onde cada um se mostra autossuficiente, provocando a

pessoa considerada sua rival, fazendo com que esse rival se sinta diminuído com

essa presença ameaçadora que o outro pretende convencê-lo disso.

Nessa perspectiva o Hip Hop acarreta/acarretou mudanças na vida desses

alunos e tais mudanças são observadas no espaço escolar. A respeito dessas

mudanças, destacamos um trecho da fala do MV Bill9 quando relata que:

Da minha adolescência, carrego marcas que, se não fosse o rap, talvez não tivessem se cicatrizado e eu não estaria aqui falando com vocês. Muitas coisas eu devo a Deus, a minha mãe e ao rap. A partir do momento em que o rap me deu a oportunidade de reabilitação ser uma pessoa normal, trabalhar, fazer algo pela comunidade, passei a pregar o rap como se prega o evangelho [...]. Não posso dizer qual foi o benefício que o rap trouxe para a população, posso dizer o que trouxe para mim. Ele me mudou, me deu uma perspectiva que eu não tinha. Acredito que, sendo passado com seriedade, como foi passado para mim, outras pessoas também podem mudar (MV Bill, revista Democracia Viva, nov. 2000/fev. 2001).

9 Alex Pereira Barbosa, nascido no Rio de Janeiro no dia 3 de janeiro de 1974. Rapper, escritor, ator,

cineasta e ativista brasileiro.

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Visto que o Hip Hop ainda sofre alguns preconceitos por algumas pessoas

que não conhecem toda a história e a intenção dessa dança e ainda o consideram

como uma prática de incentivo à violência e a competição, a maneira como esse

gênero é incluso na CMT busca mostrar o contrário do que muitos pensam. Nas

aulas, algumas coreografias que são estruturadas com movimentações relacionadas

à estética de uma batalha, como o Krumping10, onde os dançarinos mantém o

contato físico com movimentos rápidos e agressivos, que remetem a uma cena de

luta, os alunos percebem que, nessas movimentações não existe uma possibilidade

de incentivo a violência, mas que possa contribuir para a reflexão de que essa

representação estimula a aceitação de si mesmo e a autoconfiança a ponto de fazer

acreditar que todos possam se colocar acima de qualquer situação de dificuldade,

superando obstáculos propostos e se mantendo firmes nas adversidades que a vida

pode oferecer a qualquer instante.

A partir da dança a escola CMT possibilita a esses alunos uma vivência

técnica e estética com o Hip Hop além de torná-los através da dança citada,

cidadãos melhores, como ficou registrado em nossas conversas com os alunos do

grupo de dança.

O HIP HOP E A EDUCAÇÃO DOS ALUNOS DA CMT: UM NOVO CAMINHO A

SEGUIR

Refletindo o contexto das atividades desenvolvidas nas aulas de Hip Hop na

CMT, compreende-se um grande significado de como essa metodologia pode ser

importante para um pressuposto de sociabilidade e interação com os ambientes que

exijam uma credibilidade, onde se determina uma postura adequada que os façam

ser aceitos e bem vistos, pois querendo ou não, o mundo ainda é um campo

competitivo, onde cada um tem que saber como agir para se garantir, isso é visto

como uma questão de sobrevivência. Vincula-se à esse pensamento as palavras de

Reckziegel e Stigger (2005, p. 66), quando defendem que os jovens buscam

transmitir uma mensagem pessoal com a cultura Hip Hop na ânsia de amenizar essa

exclusão social e lutar contras as privações que a sociedade oferece, pois ao

10

Estilo que surgiu em 1992 tendo como seu primeiro representante Thomas Johnson. É também conhecido como a dança do palhaço, por ser marcado por movimentos livres e expressivos e utilizar-se de pinturas faciais. É apresentado geralmente em competições.

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mesmo tempo em que ela dá algo, ela também tira, no caso, as possibilidades, e

para isso, exige-se confiança e atitude para que essa sobrevivência seja garantida.

As entrevistas com esses alunos possibilitaram uma ampla visão de

entendimento na forma de como esses jovens compreendem a filosofia do Hip Hop e

qual a contribuição dessa prática para a aquisição da cidadania, onde alguns deles

muitas vezes se impossibilitam de se enxergarem como cidadãos, devido às

dificuldades que são postas no decorrer do ciclo da vida de cada um, correndo o

risco de utilizar-se de outros meios, como as drogas e o crime, como tentativa de

escapar dos problemas e esta ação acaba distanciando do compromisso positivo

com a vida, levando-os a anular-se ainda mais da capacidade em adquirir

responsabilidades para agir de maneira justa no decorrer da existência e acabar por

perder a consideração de amigos e familiares, sendo excluídos diante as

responsabilidades que são postas na vida de cada um, causando uma reprovação

no meio em que poderiam ser bem vistos e aceitos.

Levando esse conhecimento como exemplo de influência para a construção

de uma possível forma de viver bem e melhor, onde cada um possa edificar em suas

vidas uma visão de aceitação não somente a si mesmo, mas também ao meio em

que se vive, compreende-se ilimitadas as lições do Hip Hop para encontrar possíveis

maneiras de aprender a conviver com as diversidades e adaptar-se ao mundo,

acreditando que esse aprender e conviver possam ser colaboradores para o seu

desenvolvimento como cidadãos e como dançantes, representantes dessa cultura

em seu bairro, em sua comunidade escolar, pois “[...] na dança que representa o hip

hop há variações de histórias e estilos, mas o sentimento que embala os passos tão

diferentes são sempre os mesmos. Sentimentos de protesto, de prazer, de iniciativa,

vontade de progredir” (MOTTA, BALBINO, 2006, p. 70).

Percebe-se que a prática do Hip Hop com esses alunos possibilitou uma

mudança de vida em todos os sentidos. Mudanças essas que vão desde a melhoria

nas condições físicas, devido à carga horária de atividade em sala de aula, onde

eles, com essa prática corporal, passaram a ter mais resistência, mais equilíbrio,

coordenação motora mais aguçada, entre outros fatores que contribuíram para uma

qualidade de vida mais saudável, como também as mudanças de comportamento,

que facilitaram a maneira de se relacionar com as outras pessoas, como o caso de

alguns se considerarem antes das aulas como pessoas mais agressivas, sem

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paciência, introvertidas e hoje podem dizer que se tornaram pessoas mais

extrovertidas, com a autoestima mais elevada, mais seguros de si.

Essa agressividade é por muitas vezes vista de uma maneira que pode ser

definida como algo positivo, onde nas aulas de dança, ela é refletida como um fator

que venha a contribuir de alguma forma para a realização das atividades com mais

intensidade, sendo assim uma maneira de descarregar as tensões acumuladas

durante o dia a dia, causando uma sensação de prazer quando se exige uma

intensidade na maneira como que pode ser realizada. Apesar de essa afirmação

obter um entendimento sobre algo que contenha demasiada negatividade,

compreende-se essa especificação de agressividade como algo positivo em um dos

depoimentos, em que o aluno descreveu o dia em que percebeu esse sentido:

“Tipo assim, eu ‘tava’ muito estressado com as coisas de casa e tinha brigado com minha namorada. Acabei soltando tudo na dança, chegando até quase no meu limite. E depois que me distraí dançando, eu me senti aliviado, bem melhor depois daquilo. A sensação é ótima”.

A partir dessa fala, percebe-se que a visão de autoafirmação, de competência

e de segurança no que está sendo feito se torna maior. Essa reflexão, pensando na

técnica do Hip Hop pode ser contribuinte para a definição da maneira como os B-

boys11 enfrentam seus adversários nas batalhas, onde cada um tem em mente o

desejo de se sobressair nessa disputa, buscando dar sempre o melhor de si. E já

que essa dança é vinculada ao pensamento de protesto, é uma forma de colocar

para fora tudo aquilo que atrapalha e que de alguma maneira sufoca aquele que

pratica a dança, causando assim uma sensação de liberdade.

Percebemos o quanto o ensinamento do Hip Hop possibilita aos alunos uma

percepção de si mesmo em meio aos seus comportamentos, a partir do momento

em que relacionam aos acontecimentos no dia a dia com o que acontece em muitas

vezes na maneira como praticamos a dança, o que foi percebido em nossas

sensações quando o nosso objetivo nas aulas era conseguir executar as

coreografias no ritmo certo e mostrar a atitude tão preservada nesse estilo de dança.

Diante essa dificuldade, pudemos refletir ao final das aulas que essa relação entre

coreografia e vida real se traduz na postura que devemos tomar diante essas

11

B-Boy (Break Boy) ou B-Girl (Break girl) é o nome dado aos que praticam o Breakdance.

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dificuldades, enfrentando-as, nos corrigindo e nos adequado à maneira mais correta

de executá-la. Esta reflexão é percebida na fala de um dos alunos, quando ele faz

uma comparação entre a própria vida e a maneira de se dançar quando afirma que

“a nossa vida é como uma coreografia. Por mais que seja difícil, estamos sempre

batalhando para que tudo dê certo”.

Em alguns depoimentos se destaca uma necessidade desses alunos em

encontrar nas aulas, algo que faça com que eles possam se distrair dos

acontecimentos conflituosos, dentro de casa, já que alguns não têm uma boa

convivência com a família e também os pensamentos negativos e reutilizem esses

pensamentos como algo que estimule a prática do que se prova contrário a essa

percepção de negatividade, ajudando a se manter mais centrados e certos do que

fazer para resolver esses problemas. Ou até como uma tentativa de esquecer por

alguns momentos a sensação de abandono que alguns deles vivenciam, pois ao ser

questionado a uma das alunas se a sua família costumava prestigiar as suas

apresentações, no mesmo instante a aluna mostrou uma resposta carregada de

tristeza, ao responder que sua mãe não gosta que ela dance e também nunca a viu

dançando, por “não se importar muito com isso” como ela mesma respondeu.

O que complementa esses pensamentos é a reflexão que um aluno faz diante

da permanência no ambiente em que se fazem as aulas, refletindo sobre o tempo

em que se torna proveitoso para ele.

“Aqui dentro eu me sinto melhor do que na minha própria casa. Percebo que aqui sou mais bem visto, posso ser como eu quero e me sinto capaz de saber enfrentar os meus problemas e realizar as minhas obrigações.”

O tempo dedicado às aulas de Hip Hop é considerado pelos alunos como algo

bem aproveitado, onde eles não definem como perda de tempo, pois consideram

que se não estivessem nas aulas, poderiam estar utilizando seu tempo para outras

coisas desnecessárias para a construção de uma vida saudável, como as drogas e

as brigas nas ruas, como mencionado por um aluno.

Outro fator importante para a formação do aluno visto nas aulas de dança é a

maneira como o aluno passa a ser reconhecido desde o momento em que se

encontra dentro da sala de aula até o momento que se externa do âmbito escolar.

Essa formação disponibilizada, onde a cada aula é ensinado que o compromisso

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com as responsabilidades que lhe são confiadas, deve ser considerado, desde as

pequenas atitudes, como o momento de se organizar em grupo para construir

sequências de uma coreografia, até o momento de ajudar a organizar um evento na

escola, onde cada um recebe uma responsabilidade, faz com que o aluno se torne

mais participativo, passando a ganhar voz dentro da escola, expondo as suas ideias,

interagindo com os outros alunos e com a escola, passando a reconhecer as

determinações existentes para a sua formação e com isso, busca ser um

contribuinte para desempenhar um papel colaborativo na sociedade.

Uma maneira muito positiva de mostrar ao aluno o seu desenvolvimento nas

aulas é o momento em que o Professor se disponibiliza a mostrar os vídeos das

apresentações que os alunos fazem nos eventos externos que são convidados para

participar, gravados pelo próprio professor. Nesse momento, que vai desde um

momento de descontração e confraternização até um momento reflexivo, cada um

se percebe em cena, passando a investigar maneiras de como melhorar aquilo que

mais precisa. O aluno percebe a si mesmo, mas também o grupo, com um olhar

voltado para o trabalho em equipe, considerando o que eles podem melhorar para

as próximas apresentações, percebendo a importância dessas apresentações para

que eles sintam-se realizados, reconhecendo o valor de cada um no grupo, desde a

organização das coreografias até a criação do próprio figurino. Percebe-se nesta

ação o quanto eles sentem orgulho do grupo, que busca sempre um espaço de

reconhecimento e sempre dá o melhor de si nas apresentações e o quanto eles

buscam continuar sempre com essa união que faz com que os resultados das

apresentações se reflitam nessa união tão prezada dentro do grupo, comovendo as

pessoas que o acompanham e até aqueles que fazem parte desse processo, como

os próprios alunos. Essa emoção transparece na fala de um aluno quando ele diz:

“Eu me emociono toda vez que vejo o grupo dançando. Às vezes até não gosto de assistir, porque eu sempre choro. Eu gosto de todo mundo aqui. Por que eu não gosto de comparação. Eu quero sempre ver todo mundo sem esse negócio de um ser mais do que o outro. ‘Pra’ mim todo mundo aqui é igual”.

A competitividade é algo que não é identificada no grupo, mesmo que nessa

fase da adolescência seja comum esse tipo de comportamento. Os alunos buscam

sempre perceber que a melhor coisa a se fazer é buscar inspiração diante daqueles

alunos que sejam mais experientes e fazer com que esses sejam um modelo,

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servindo de influência para a busca de desenvolvimento de cada um. E o professor

busca perceber sempre o que se passa diante dos acontecimentos dentro da sala e

da escola e fazer com que esses alunos entendam que as oportunidades são para

todos e que ambos devem se respeitar.

Essa satisfação do grupo em perceber o quanto eles conseguem mostrar a

mensagem de união reflete na alegria de quando eles assistem aos vídeos e no

quanto se sentem especiais por saberem que são capazes de levar o seu

aprendizado para o público externo, mostrando o verdadeiro sentido do Hip Hop.

Quanto à diversidade, os alunos aprendem a perceber o outro com a

convivência em grupo e aprendem que “a sociedade [...] vem se tornando cada vez

mais heterogênea, complexa e diferenciada” (HESRCHMANN, 2000, citado por

MORAES e PRATES 2008, p. 3) e que a diferença, seja de raça, gênero, classe

social precisa ser respeitada, pois como assevera Macedo (2002, p. 56) “essa

diversidade também favorece a articulação de diferentes formas de luta por direitos,

fazendo da cidade também um espaço social de construção de cidadania”. O que de

fato, alguns deles ainda não entendem a importância dessa compreensão

completamente, porém, isso deve ser respeitado, pois a maneira como esse aluno

enxerga alguns acontecimentos ao seu redor deve-se ao modo como essa pessoa

foi educada dentro de casa. A cultura seguida pela sua família na criação desta é

algo a ser modificado na medida em que o tempo for passando, sendo que isso só é

permitido pela disponibilidade dele próprio, até pelo fato de se manter o respeito a

sua identidade e suas particularidades.

Ainda refletindo sobre diferenças, a questão de gênero, mesmo havendo

algumas incompreensões, não deixa de ser significativa a quantidade de alunos que

não tem preconceito sobre esse assunto. O fato é que a maioria dos alunos convive

muito bem com essa realidade, principalmente quando se trata de

homossexualidade, já que na escola é reconhecida uma quantidade significativa de

meninos que já assumiram sua condição sexual desde cedo. Durante as

observações durante as aulas, não foram identificadas, em nenhuma das vezes, as

famosas piadas de mau gosto referentes a esse assunto e nenhum tipo de agressão

aos alunos. É necessário reforçar que todas as atividades na dança são realizadas

por todos os alunos e as coreografias não são divididas entre “coreografia de

meninos e coreografia de meninas”. Os meninos dançam as coreografias mais

femininas e não se importam se isso vai comprometer algo na visão dos outros

sobre a sua orientação sexual, devido ao que algumas pessoas, infelizmente, ainda

podem falar algo que julgue essa atitude. Mas isso passa longe de acontecer, já que

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a própria direção da escola busca não aderir a regras que visam bloquear ou julgar a

liberdade de expressão dos alunos, buscando sempre fazer a reflexão necessária

diante a esse assunto no âmbito escolar. A importância dessa visão e discussão

sobre gênero se concretiza na fala de Macedo (2002, p. 58) quando afirma que:

A tarefa a que nos propomos [...] é a de buscar entender como gênero, ao construir uma teia de relações sociais, nos permite lançar um olhar interessado e comprometido sobre os processos sociais construídos e constituintes dos sujeitos sociais no contexto urbano.

Essa reflexão nos faz compreender o quanto o modo de como esse assunto é

abordado na escola pode refletir na maneira de vida de cada um, pois a busca pela

sociabilização se inicia com uma base de conhecimentos éticos, necessários para o

respeito e a valorização do ser humano.

Nesta empreitada, percebemos ainda que a grande maioria dos participantes

se informa, se agrega, experimenta, cria laços que duram o tempo desta idade da

vida; no grupo há grande circulação e constantes entradas e saídas como acontece

com outras organizações de jovens, convivendo assim na irmandade, buscando

sempre o melhor para o grupo, para o bem estar de todos, pois “[...] através da

dança são desenvolvidas ações que estimulam e possibilitam a expressão, o

autoconhecimento e o conhecimento das outras pessoas, a disciplina, o espírito de

grupo, as trocas culturais, de forma a construir uma nova ordem sociocultural, em

que as crianças e adolescentes atendidas sejam respeitadas no seu processo de

desenvolvimento” (RODRIGUES, 2006, p. 2).

Portanto, é possível compreender o quanto as aulas de Dança nessa turma

da CMT são capazes de fazer os alunos refletirem o quanto a prática do Hip Hop,

pode e deve ser vista de maneira reflexiva para a sua convivência no contexto

social, sendo assim contribuinte para a formação do aluno, que se torna capaz de se

adequar ao meio em que vive, procurando melhorar a sua convivência com as

outras pessoas, aprendendo a ser ele mesmo capaz de se relacionar com os outros,

respeitando os seus limites, buscando uma adequação e uma aceitação de si e dos

outros, externando esse ensinamento e se tornando o próprio autor de sua própria

personalidade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ensino do hip Hop em suas várias vertentes possibilitou um trabalho

corporal com os alunos da CMT, em que essas atividades contribuíram/contribuem

para a boa formação dos alunos, fazendo com que eles percebam em si mesmos as

mudanças adquiridas a partir do contato com essa dança, mudanças essas que

além do desenvolvimento corporal conquistado em sala de aula, também

perceberam a mudança de comportamento, em que esses alunos passaram a se

interessar mais nos estudos, e nas atividades de monitoramento existentes dentro

da escola, que proporcionou uma melhor convivência com os alunos no mesmo

ambiente.

Portanto, o ensino do Hip Hop na CMT, considerando a sua intervenção para

a formação de cada aluno, é carregado de afirmações para estes, trazendo um

grande sentido à vida de cada um, que a cada dia buscam em suas vidas um

significado para que continuem sempre lutando pelos seus ideais, fazendo com que

cada luta diária seja um recomeço, afirmando a sua vontade de fazer parte da

sociedade e contribuir para o desenvolvimento da mesma.

A cada dia esse ensinamento repercute em suas vidas como uma mensagem

de motivação, fazendo com que esses alunos percebam o quanto eles podem ser

capazes de fazer das suas vidas um caminho trilhado pela positividade e pela

dedicação às coisas que valem a pena.

O Hip Hop para esses alunos não é só um estilo de dança, ele é um estilo de

vida. Pelas sensações causadas durante as aulas de dança, revela-se a certeza de

que essa cultura age na vida de cada aluno como um incentivo para a sua

autoafirmação, e também como uma reflexão de que na vida os ensinamentos

oferecidos contribuem para a construção da personalidade.

Os alunos compartilham os conhecimentos dando sua contribuição para a

sociedade, visando sempre a união, a colaboração, a irmandade, buscando assim

um novo caminho a seguir.

REFERÊNCIAS

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no duplo movimento de ver e sentir. 2007.

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ANEXOS

Entrevista com um grupo determinado de alunos, sobre os conhecimentos do Hip

Hop e suas contribuições para a formação social de cada um.

Entrevistado 1

O que é o Hip Hop pra você?

O Hip Hop é cultura. Com o Hip Hop, você interage com as pessoas, ganha

mais expressão.

Como você começou a dançar o Hip Hop?

Há 3 anos. Eu era tímido, queria aprender o Hip Hop pelo que falavam dele,

mas tinha medo de errar. Beto quem me chamou.

Quais as diferenças em você que foram percebidas?

Consegui desestressar mais. O Hip Hop contribui para o bom humor. Eu me

sinto bem com meu corpo. Consegui ter mais soltura com a dança.

O que a sua família pensa a respeito?

Eu tenho mais intimidade com a minha mãe. Ela aprova. Se me faz bem, ela

fica feliz.

Você ensina o Hip Hop? Como?

Só a parte teórica. Eu percebo a filosofia do Hip Hop e ensino. Pra técnica me

sinto um pouco inseguro. Falta mais aprofundamento na técnica.

O que você entende por filosofia de vida do Hip Hop?

A filosofia do Hip Hop ajuda a ter mais confiança em si mesmo O

companheirismo é sempre preservado. A Direção falava da dança. Falava do

trabalho do Professor, mas hoje ele é bem visto na escola.

Entrevistado 2

O que é o Hip Hop pra você?

O Hip Hop é uma maneira de se expressar e esquecer os problemas.

Como você começou a dançar o Hip Hop?

No 6ª Ano, com o Professor Thiago, em 2011.

Quais as diferenças em você que foram percebidas?

Page 32: UM NOVO CAMINHAR: O HIP HOP NA EDUCAÇÃO PELA DANÇA DOS ... · compõem o Street Dance (Dança de Rua), que surgiu dos guetos, na década de 1970, onde as pessoas se expressavam

Eu me expresso melhor, tenho mais amigos, sou mais alegre. Antes eu não

era assim.

O que a sua família pensa a respeito?

A minha família aceita.

Você ensina o Hip Hop? Como?

Ensino para a minha família.

O que você entende por filosofia de vida do Hip Hop?

É tudo o que o Professor ensina, é o incentivo que ele dá. Eu melhorei

minhas notas por causa disso.

Entrevistado 3

O que é o Hip Hop pra você?

O Hip Hop livra as tensões. Quando danço, eu coloco todos os sentimentos

para fora, me deixo levar pela dança.

Como você começou a dançar o Hip Hop?

Em 2012. Um amigo meu me convidou pra fazer parte do BR.

Quais as diferenças em você que foram percebidas?

Eu não tinha agilidade nos movimentos de chão. Agora eu tenho. E a minha

maneira de falar mudou muito, pois eu era muito agressivo.

O que a sua família pensa a respeito?

A minha família apoia. A minha mãe gosta que eu dance.

Você ensina o Hip Hop? Como?

Dou aula de dança na CMT. Eu compartilho meus ensinamentos. Não vejo a

dança como competição.

O que você entende por filosofia de vida do Hip Hop?

O Hip Hop incentiva e muito.

Entrevistado 4

O que é o Hip Hop pra você?

Ele mostra como saber conviver com as pessoas.

Como você começou a dançar o Hip Hop?

Em 2012. Eu achava bonito, mas tinha vergonha.

Quais as diferenças em você que foram percebidas?

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O meu corpo ganhou mais músculos. Na cena faltava coragem, mas agora

tenho mais presença. Passei a ser menos estressada.

O que a sua família pensa a respeito?

Toda a minha família apoia e me incentiva muito.

Você ensina o Hip Hop? Como?

Eu ensino para os amigos. Sempre compartilho o que aprendo.

O que você entende por filosofia de vida do Hip Hop?

Aprendo a não julgar as pessoas, a respeitar.

Entrevistado 5

O que é o Hip Hop pra você?

É uma forma de expressão. Quando eu danço, meus problemas

desaparecem.

Como você começou a dançar o Hip Hop?

Ano passado (2012), com a turma do CMT. Uma amiga me chamou.

Quais as diferenças em você que foram percebidas?

O Hip Hop ajuda a pensar mais na maneira de comportamento. Eu me

considero uma dançarina agora.

O que a sua família pensa a respeito?

A minha família apoia. E incentiva, às vezes.

Você ensina o Hip Hop? Como?

Se alguém pedir, eu ensino.

O que você entende por filosofia de vida do Hip Hop?

O Hip Hop contribui na maneira de pensar.

Entrevistado 6

O que é o Hip Hop pra você?

O Hip Hop me ensinou várias coisa na minha vida: Educação, controle, o jeito

de ser. Eu me tornei mais espontâneo, tenho mais oportunidade de conhecer

as pessoas.

Como você começou a dançar o Hip Hop?

Há três anos (2010). Foi por ambição. Queria muito pegar as coreografias.

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Quais as diferenças em você que foram percebidas?

Fisicamente ganhei mais resistência. Comecei a me soltar mais, ganhei

presença de bailarino. O corpo sempre muda. Na minha vida, ganhei mais

controle nas emoções, passei a me perceber de outra maneira. Antes eu tinha

uma relação muito estourada com a minha família, muito tensa, mas ainda

não tenho uma boa convivência com a minha mãe.

O que a sua família pensa a respeito?

A minha mãe não quer que eu dance. Ela só se interessa se tem alguma

coisa relacionada a dinheiro.

Você ensina o Hip Hop? Como?

Sim. Sou monitor de escola e ensino a parte da educação, da cidadania.

Alguns alunos ainda não tem o conhecimento sobre o significado do Hip Hop.

O que você entende por filosofia de vida do Hip Hop?

Eu aprendo mais aqui do que no BR. Lá eu senti um pouco de preconceito.

Eles não compartilham os ensinamentos do Hip Hop.

Entrevistado 7

O que é o Hip Hop pra você?

Tudo no Hip Hop reflete no modo de agir. É uma maneira de mudas as

coisas.

Como você começou a dançar o Hip Hop?

2009 ou 2010. Sempre tive interesse de participar e na primeira oportunidade

caí dentro.

Quais as diferenças em você que foram percebidas?

Eu passei a sair mais e me relacionar mais com as pessoas. Antes eu não

queria saber do mundo lá fora. Percebi que melhorei minha postura e ganhei

mais resistência física.

O que a sua família pensa a respeito?

A minha família apoia a minha participação nas aulas.

Você ensina o Hip Hop? Como?

Uma diretora de uma escola me convidou pra dar aula.

O que você entende por filosofia de vida do Hip Hop?

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A vida é comparada a uma coreografia. Por mais que seja difícil, estamos

batalhando pra que tudo dê certo.

Entrevistado 8

O que é o Hip Hop pra você?

Quase tudo. Ele ajuda na maneira de pensar as atitudes. Quase tudo o que

fazemos reflete no Hip Hop. O Hip Hop contribui para a noção de estilo.

Como você começou a dançar o Hip Hop?

Foi no 6º Ano, na aula de educação física. Eu quis entrar e achei legal.

Quais as diferenças em você que foram percebidas?

Várias coisas. A atitude, a maneira como me relaciono com minha família.

Antes eu brigava muito com os meus irmãos. Fisicamente, percebo que estou

mais solto nos movimentos e ganhei mais resistência.

O que a sua família pensa a respeito?

Eles permitem, não tem nada contra. Quando dá tempo, eles me assistem.

Você ensina o Hip Hop? Como?

Eu dou opinião. Só ensaio mesmo.

O que você entende por filosofia de vida do Hip Hop?

Acho surpreendente o incentivo do professor e a relação dele com o grupo.