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Trabalho de Conclusão de Curso em Artes visuais, Juliana Gontijo

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Juliana Gontijo Moreira

Um lugar para um Jardim

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS ESCOLA DE BELAS ARTES

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

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Um lugar para um Jardim

Trabalho de Conclusão de Curso apresentada à Disciplina Trabalho de Conclusão de Curso da Escola de Belas Artes, Habilitação em Pintura, da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Artes Visuais.

Área de concentração: Artes Plásticas

Professor da disciplina: Mário Azevedo

Professor Co-orientador: Roberto Bethônico

Belo Horizonte

2011

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a meus professores e orientadores

que foram indispensáveis na conclusão

deste trabalho, assim como a meus amigos

com os quais me formei a cada conversa e

discussão e em especial à minha família e

meu companheiro Paulo Cabral.

Conselho (Fernando Pessoa)

Cerca de grandes muros quem te sonhas.

Depois, onde é visível o jardim

Através do portão de grade dada,

Põe quantas flores são as mais risonhas,

Para que te conheçam só assim.

Onde ninguém o vir não ponhas nada.

Faze canteiros como os que os outros têm,

Onde os olhares possam entrever

O teu jardim como lho vais mostrar.

Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,

Deixa as flores que vêm do chão crescer

E deixa as ervas naturais medrar.

Faze de ti um duplo ser guardado;

E que ninguém, que veja e fite, possa

Saber mais que um jardim de quem tu és -

Um jardim ostensivo e reservado,

Por trás do qual a flor nativa roça

A erva tão pobre que nem tu a vês...

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SUMÁRIO

LISTA DE IMAGENS

.................................................11

RESUMO

.................................................13

APRESENTAÇÃO

.................................................15

CAPITULO I: Jardins: uma construção de paisagem na

arte contemporânea.

.................................................19

CAPITULO II: A “dialética do trabalho no jardim”

.................................................39

CAPITULO III: Jardim de mesa

.................................................43

CAPITULO IV: Pedras

.................................................47

CONSIDERAÇÕES FINAIS

.................................................51

REFERÊNCIAS

.................................................53

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UM LUGAR PARA UM JARDIM

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LISTA DE IMAGENS

FIGURA 1: Juliana Gontijo - Composição Masculina, (André Rocha,

parte 4 de 6) – 2009 - óleo sobre tela – 70x50cm.

FIGURA 2: Juliana Gontijo - Sem título – 2009 - óleo sobre tela -

140x110cm. Trabalho executado durante o atelier coletivo no Centro

Cultural da UFMG.

FIGURA 3: Experimento com meia-calça, terra e alpiste.

FIGURA 4: Albrecht Dürer - “A turfa" – 1503 - aquarela e guache s/

papel - 41x32 cm.

FIGURA 5: John Constable – “Seascape Study with Rain Cloud” – 1827

-22,2 x 31,1cm.

FIGURA 6: Cristina Canale – 1998 – “À Noite” – técnica mista sobre

tela – 190x275cm.

FIGURA 7: Tatiana Blass – 2009 – “Briga” - Acrílica sobre papel –

25,3x35,5cm.

FIGURA 8: Janaína Tschäpe –Sem data- Floresta da Mina - Aquarela

sobre papel - 250.2 x 152.4 cm, (Díptico).

FIGURA 9: Juliana Gontijo – “Jardim de Taiobas – 2010 – óleo sobre

tela – 150x200cm.

FIGURA 10: Juliana Gontijo – “Jardim de pedras” – 2009 – óleo

sobre tela – 20x20cm.

FIGURA 11: Arnatt - Self-Burial (Television Interference Project)

– 1969 – nine photographies on board – 46,7x46,7cm

FIGURA 12: Juliana Gontijo – 2010 – “Há um mar sobre meu corpo” –

Fotografia – 30x45cm.

FIGURA 13: Juliana Gontijo – (detalhe) “Projeções para jardins de

pedras” – 2011 – fotocolagem – 30x45cm.

FIGURA 14 e 15: Sara Ramo – 2008 - “Nova Atlentida” – colagens

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fotográficas em site especific.

FIGURA 16: Joacélio Batista – 2006 - “Lejos” – Vídeo –2”.

FIGURA 17: Juliana Gontijo - “Sobre Viver” (estudos) – grafite

sobre papel – 21x29,7cm.

FIGURA 18: Juliana Gontijo – “Poda” – 2011 – Fotografia –

45x110cm.

FIGURA 19, 20, 21, 22, 23: Juliana Gontijo – 2010 – “Jardim de

mesa” – ação/instalação.

figura 24: Juliana Gontijo – 2008 - Paisagem – óleo sobre tela –

20x30cm

FIGURA 25 e 26: Juliana Gontijo – 2011 – “Projeções para jardins

de pedras” – instalação (pedras, terra, mesa, fotografias) –

200x60x200cm.

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UM LUGAR PARA UM JARDIM

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RESUMO

Palavras-chave:

jardim, arte contemporânea, paisagem, sociedade.

Este Trabalho de Conclusão de curso busca abordar temas

recorrentes sobre a paisagem na arte contemporânea e apresentar

questões sobre trabalho artístico de Juliana Gontijo concentrando-

se em refletir sobre uma concepção de paisagem como recorte da

realidade e construção de memórias, ficções e utopias.

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Apresentação:

Quando criança me lembro de ir sempre à casa de minha avó,

Amarildes, desde sempre chamada de Lídia. De manhã, nós tomavamos

café na mesa com toalha de rendas, depois íamos ao jardim molhar

as plantas, colher algumas rosas brancas ficando sentadas na

varanda por alguns minutos. Da época da poda, guardo a lembrança

do chão repleto de folhas e aquele cheiro de mato novo. Minha avó

dizia: cortar as folhas da lateral pra crescer em altura ou cortar

as folhas do topo para que a planta alargasse. Ainda dizia: se não

podar a roseira, ela não dá rosas. Me fascinava aquela lida diária

com as pequenas coisas, desde o zelo ao colocar a mesa de café

para receber quem quer que viesse - e mesmo se não fosse ninguem -

a mesa ainda, estaria arrumada, até a delicadeza empregada ao

cultivo das plantas.

Durante meus primeiros anos de formação na Escola de Belas

Artes da UFMG depositava grande interesse nas discussões sobre

representação, indivíduo, retrato. Na maioria das vezes pintava a

partir de fotografias tiradas por mim, já usadas por colegas em

outras pinturas, fotografias encontradas ao acaso e até mesmo

fotos produzidas exclusivamente para a pintura. (Fig.1) Durante

seis meses participei de um atelier coletivo no Centro Cultural da

UFMG e acredito que, a partir daí, minhas aspiraçoes de trabalhos

e reflexões se relacionando com o espaço surgiram com mais força.

Tratar do indivíduo em si e de suas questões apenas, já não faziam

mais sentido sem que o trabalho pensasse o espaço no qual esse

indivíduo habita e como ele modifica e transforma esse espaço.

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FIGURA 1:Juliana Gontijo - Composição Masculina, (André Rocha, parte 4 de 6) – 2009 - óleo

sobre tela – 70x50cm.

Algum tempo se passou desde então e no ano de 2009 Vovó Lídia

faleceu enquanto dormia. A partir daí me deparei com uma situação

comovente e instigante: a casa abandonada. Nenhum dos filhos de

minha avó teve coragem de entrar em sua casa e retirar as coisas

do lugar. Essa função acabou caindo sobre mim, muito devido à

minha curiosidade e muito também à minha saudade. Com o tempo fui

transformando sua casa em meu atelier e as imagens do quintal, da

roseira, dos móveis, das plantas que crescem se não arrancarmos,

foram habitando meu imaginário e minhas criações de maneira cada

vez mais forte.

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UM LUGAR PARA UM JARDIM

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FIGURA 2: Juliana Gontijo - Sem título – 2009 - óleo sobre tela - 140x110cm. Trabalho

realizado durante o atelier coletivo no Centro Cultural da UFMG.

Para mim o reencontro com aquele jardim se deu no dia em que,

dentro de uma meia calça velha de minha avó, coloquei terra e

alpiste e deixei num canto de meu quarto, sabendo o que

aconteceria. Ao mesmo tempo, esperava o momento mágico em que os

brotos alcançariam a superfície e, aquilo que a princípio parecia

uma pedra marrom, se tornasse uma moita.

Depois de alguns dias veio o prenúncio da transformação:

finos fiapos verdes se erguiam em direção ao céu. A cada novo dia,

a antiga forma arredondada se perdia em meio a imensidão das

gramíneas, até que a meia se rompeu e a estrutura que segurarava a

terra já não era feita de tecido, mas sim de raízes.

As primeiras reflexões vindas desse reencontro apontavam para

o universo do abandono e da força inerente a tudo o que é vivo, à

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constante transformação dos seres e da paisagem em que habitam e

transformam a todo tempo.

FIGURA 3: experimento com meia-calça, terra e alpiste.

Ao longo desse Trabalho de Conclusão de Curso tentarei

apontar os caminhos e pontos de interesse da pesquisa que venho

desenvolvendo desde o primeiro semestre de 2010, abordando alguns

pontos que considero de maior relevância nos meus trabalhos e

exercícios artísticos. Fazendo uma explanação sobre diferentes

abordagens do tema Paisagem, proponho algumas idéias e visões

sobre a paisagem na arte contemporânea e em especial em meu

trabalho.

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UM LUGAR PARA UM JARDIM

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Capítulo I: Jardins: uma construção de paisagem na arte contemporânea.

“O planeta passaria a sonhar com jardins, viveria do fantasma das obras de arte, das hortus conclusus, se já não soubesse da ameaça que paira sobre sua sobrevivência?” (SCHELLING, Filosofia da arte, 2001, p.195)

- -

A expressão paisagem na arte surge do francês paysage,

supostamente estabelecida por Robert Estienne em 1549, associada

ao gênero da pintura. Nesse momento, essa palavra trazia consigo a

noção de um certo tipo de pintura, mas não necessariamente

denotadora de um lugar. No mesmo século XVI, aparece na Holanda o

termo landschap, que originalmente referia-se à um recorte feito

pelo olhar do observador que mirava uma região ou cenário e

posteriormente, com sua tradução para o inglês, “Landscape”,

tornou-se uma referência para pinturas que retratassem a terra.

É importante ainda apontar as referências à paisagem nos

registros de expedicionários e viajantes. Como Albrecht Dürer, que

retratavam vistas e locais de maneira panorâmica ou construíam a

paisagem através de seus elementos de fauna e flora.

A partir do século XVII, a pintura de paisagem passa, através

da perspectiva, a questionar o espaço real. A sua determinação de

paisagem torna-se um consenso tradicional em glossários e

dicionários como “um espaço territorial determinado pelo olhar, o

que aparece e o que pode ser visto numa extensão ou espaço”1

1 (WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens sígnicas : uma reflexão sobre as artes

visuais contemporâneas - Salvador : EDUFBA, 2010.p.67).

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FIGURA 4: Albrecht Dürer - “A turfa", 1503, aquarela e guache spapel, 41x32 cm.

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UM LUGAR PARA UM JARDIM

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Para autores como Schelling, a questão da paisagem na pintura

toma diversas frentes e, entre elas, a de que a natureza existe

anteriormente ao homem ou a qualquer pensamento que se possa

elaborar sobre ela. O olhar do poeta e do artista é anterior à

obra de arte e deve-se levar em conta não só a paisagem

representada mas também todo o silêncio que liga esses dois. Para

Schelling2 toda pintura de paisagem é subjetiva, pois qualquer

paisagem só é realidade nos olhos daqueles que a contemplam.

figura 5: John Constable – “Seascape Study with Rain Cloud” – 1827 -22,2 x 31,1cm.

Caminhando mais à frente nesse histórico da paisagem,

encontramos Jonhn Constable, um dos pintores mais importantes do

Romantismo, que, por vezes, ainda é relacionado ao realismo

sentimental e coloca em questão o tempo e a pintura de paisagem.

Para Constable, a sedução da paisagem se faz no tempo presente e a

2 SCHELLIN, F. W. J. Filosofia da arte. Tradução Mário Suzuki. São Paulo: Edusp, 2001.

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cada segundo dispensado à sua contemplação. Inquietava-se com a

impossibilidade de retratação do tempo num espaço físico como a

tela e via como única meneira de apreensão da paisagem

contemplada, manter-se diante dela, tomando para si a posição de

espectador do tempo para além do espaço.

O tempo como plano de fundo da paisagem; o tempo em que tudo

muda ou permanece; o tempo entre um espaço e outro; o tempo entre

um olhar e outro; tempo de apreensão. O tempo é sempre onde a vida

faz sentido. Para muitos filósofos (como por exemplo Parmênides,

Zenão de Eléia, Platão e Kant), o tempo é uma das vias do homem

perceber a realidade, esses filósofos elaboraram conceitos sobre

uma metafísica do tempo, na qual o ele só existe para o ser humano

e não por si só, ele é apenas mais uma tentativa de organização do

universo perceptível. Esse tema é também discutido por

Schopenhauer em seu livro “Metafísica do Belo” no qual coloca

Platão e Kant aliados à uma conformação do tempo que não possuiria

uma ontologia, um ser em sí. Já Deleuze em seu ensaio “Sobre

quatro fórmulas poéticas que poderiam resumir a filosofia

kantiana”3, separa essa noção de tempo concebida por Sócrates e

Platão daquela concebida de Kant:

“ Cardo, em latim, indica a subordinação do tempo aos

pontos cardeais por onde passam os movimentos

periódicos que ele mede. Enquanto o tempo permanece nos

eixos, ele está subordinado ao movimento: ele é a

medida do movimento, intervalo ou número. É assim no

caso da filosofia antiga.[…] O tempo não mais se refere

ao movimento que ele mede, mas o movimento se refere ao

tempo que o condiciona.”

Na arte, o tempo é um tema recorrente a qualquer época que se

queira analisar. Na arte contemporânea - a partir de uma certa

3 Critique et Clinique. Paris: Minuit, 1993. [ed. Bras.: Crítica e Clínica, trad. Peter Pál Pelbart.] São Paulo, Editora 34, 1997.

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ótica na qual penso a paisagem e o tempo - gostaria de iniciar

meus apontamentos a partir dos empreendimentos técnicos utilizados

por artistas que considero exemplares, dividindo-os em: pintura,

fotografia, vídeo e performance.

Pintura:

A pintura de paisagem parte da contemplação de um espaço, da

memória de um lugar especifico ou da colagem de memórias distintas

que se confundem em uma imagem mental. O artista vê-se diante da

paisagem entre os termos postos anteriormente e trabalha a

superfície bidimensional na intenção de representar aspectos

passíveis de observação e registro: o lugar, a atmosfera

sentimental, a passagem do tempo, as luzes, as sombras, as curvas,

etc. Entre a observação do artista e a pintura existem vários

agentes de interferência, como a luz incidente, a natureza da

referência à que se propõe (no caso de se pintar observando

fotografias, in locu ou baseando-se numa imagem mental), as cores

que cercam os dois sujeitos e um outro denominado tempo. Entre uma

pincelada e outra, o trabalho se transforma, tranformando também a

imagem da paisagem que se contempla (que se tem como referência).

Como exemplo, podemos dizer que, a cada pincelada, um aspecto da

referência torna-se mais visível ou invisível. O entendimento que

se tem sobre o que se vê, com o passar do tempo, torna-se cada vez

mais claro e a mente começa a criar seus métodos de compreensão e

representação.

“No verão de 1972 estava em Florença temporariamente, e num fim de semana fiz uma viagem às montanhas com alguns colegas. Saímos de carro e na campina toscana, com árvore de cipreste, os bosques de azeitona e as casas antigas, havia harmonia. O sol estava a se pôr, mas seus raios de luz ainda continuavam iluminando a campina obliquamente; as sombras ficavam cada vez mais longas, e podia-se perceber a aproximação do anoitecer embora fosse realmente ainda dia.[…] Ficamos aí, com a

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própria consciência, olhando este espetáculo dramático, e repentinamente um de nós disse: “É uma pena você não poder mais pintar hoje em dia”. Isso tinha sido uma palavra chave que eu tinha ouvido desde quando comecei a tentar ser pintor. E então respondi: “Por que não? Você pode fazer tudo”. Depois disso compreendi que o que inicialmente tinha sido um pedaço de provocação era realmente verdadeiro. Por que eu não posso pintar um ocaso?” (Hermann Albert, em Wanner, Paisagens Sígnicas, 2001 p.175)

No livro “Após o fim da arte”, Arthur Danto, em meados dos

anos 60, propunha idéias sobre o fim da arte e sobre as formas da

arte após o fim da arte. A partir dos seus textos, muitas

interpretações distorcidas anunciaram que não mais se poderia

pintar, gravar ou esculpir; que as novas dinâmicas de produção

artísticas propostas a partir modernismo (assemblage, fotografia,

colagem, ready-made, performance, bodyart, etc.) seriam os novos

modos de produzir a arte nova. Para o autor4, a proposição de uma

“morte da arte” significava a quebra da representação. O objeto de

arte não seria mais produzido na intenção de somente representar o

mundo e suas coisas. Hal Foster, em seu texto “This funeral is

from the wrong corpse”5, aponta para o perigo da má interpretação

da idéia de morte da arte e propõe alguns novos parametros para se

analisar a arte contemporânea (arte espectral, traumatica, etc.).

Na verdade, o que eles vem dizendo é que a morte da arte significa

que a arte não poderia mais ser produzida como no passado. A arte

de nosso tempo necessita de novas proposições e questionamentos

que caminhem junto com os paradigmas humanos e sociais desse novo

mundo, que tendo passado por grandes revoluções e traumas, se

encontra num momento de questionamento e transformação cultural.

O ato de pintar na arte contemporânea caracteriza-se, mais do

que pelo representar anterior ao modernismo, pela natureza do

4 DANTO, Arthur. After the end of art: contemporary and a pale of history. Princeton: Priceton University Press, 1997. 5 FOSTER, Hal. The return of real: The avant-garde at the end of century. Cambrige: The MIT Press, 1997.

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UM LUGAR PARA UM JARDIM

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material ou pelo movimento do corpo, além de vários outros

paradigmas e direções. A pintura contemporânea, a meu ver, alcança

a utopia6 e mostra algo que uma fotografia, carregada de realidade,

não poderia mostrar. A utopia mostra sempre aos olhos aquilo que

as mãos nunca poderiam tocar.

FIGURA 6: Cristina Canale – 1998 – “À Noite” – técnica mista sobre tela – 190x275cm.

Na obra “À Noite”, Cristina Canale utiliza-se de formas

opacas e orgânicas, cores sólidas e de uma certa pespectiva que

constrói uma divisão de planos para mostrar uma paisagem vista a

noite. A inventividade proposta em sua pintura traz ao primeiro

plano da cena um elemento claro (branco), que lembra a forma de

um animal ou uma planta mas que não se pode distinguir ao certo.

6 Utopia: A palavra utopia tem seus radicais nas palavras gregas ou (não)+ topos (lugar) e remete a um não-lugar, ou aquele lugar que só pode existir na teoria ou na imaginação. Thomas Moore forjou essa expressão, em seu livro “A Utopia”, designando uma ilha ideal.

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Ao fundo, mostra um caminho com algumas pedras, que aos meus

olhos, leva ao fim da cena, num ambiente que sujere pouca luz.

FIGURA 7: Tatiana Blass – Briga - 2009 – Acrílica sobre papel – 25,3x35,5cm.

Nas pinturas de Tatiana Blass, sempre muito silenciosas,

verifica-se a representação do espaço por meio de uma estruturação

dos ângulos. Na maioria das vezes as cenas são mostradas entre

quatro paredes, apresentando uma imagem que questiona a paisagem

estabelecida em ambientes internos, fechados: quarto, sala,

teatro, pavilhões e limites imaginários.

Já na obra de Janaína Tschäpe, a paisagem apresentada parte

de uma lembrança onírica, nos remetendo à construções que surgem

da memória, sonhos, fantasias ou utopias. Nas imagens de Janaína,

as cores são vibrantes e a vegetação é construída através de

pequenos elementos - formas orgânicas – abstratos conjugados entre

sí.

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UM LUGAR PARA UM JARDIM

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FIGURA 8: Janaína Tschäpe - Floresta da Mina - Aquarela sobre papel - 250.2 x 152.4

cm_Díptico

No meu trabalho em pintura busco representar uma paisagem

formada em minha imaginação, sempre habitada por plantas simples

como por exemplo a taioba, ou indecifráveis, muitas vezes também

essas paisagens são jardins onde não existem plantas, os “jardins

de pedras”.

Na obra “Jardim de taiobas”, através da consistência da tinta

- muito dissolvida - represento um ambiente úmido que é reforado

pelos poucos planos da composição, pretendo aludir a uma situação

de neblina que, descolore a vegetação e tampa o céu. Nos círculos

vistos nas pedras – que têm como função fazer a transição das

áreas de luz para as áreas de sombra - encontro uma poética do

tempo. O movimento das sombras que é movido pelos movimentos da

terra e do sol durante o dia e as estações do ano. As taiobas

pretas são apresentadas em contra-luz, determinando que, nesse

caso, o detalhamento da imagem não é possível.

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FIGURA 9: Juliana Gontijo – “Jardim de Taiobas – 2010 – óleo sobre tela – 150x200cm.

FIGURA 10: Juliana Gontijo – “Jardim de pedras” – 2009 – óleo sobre tela – 20x20cm.

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UM LUGAR PARA UM JARDIM

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Fotografia:

A fotografia assume muitos dilemas, rancores e dúvidas em sua

história. A princípio, a morte da arte e a crise da representação,

estão relacionadas ao surgimento da fotografia. Depois, ela é,

(assim como qualquer outro tipo de reprodução) um recorte da

realidade; assim sendo, não se mostrará imparcial ao registrar as

situações. Ao mesmo tempo, a fotografia possui uma imensa

capacidade de enganar os olhos - como na pintura, com o trompe-

l'oeil, que através de variadas técnicas tornava a imagem uma

armadilha para os olhos - fazendo com que se acredite na simulação

posta.

A fotografia é a captura de informações do mundo, num certo

instante, transfiguradas e transpostas para um material (o papel

fotográfico ou o receptor digital) que as tornam estáticas, nesse

caso, ela traz à obra o tempo simulado no qual o artista pode

querer enganar e até enganar os olhares que as cercam, ou

utilizar-se da noção de simulacro7 para criticar ou elaborar

conceituações diversas, entre elas, a idéia da utopia.

Tomemos como referência o trabalho fotográfico de Keith

Arnatt, de 1969, chamado “Self-Burial (Television Interference

Project)” no qual o artista apresenta nove fotografias que simulam

seu auto-enterro. O sequenciamento das fotografias apontam para a

idéia da passagem do tempo. Enterrar um corpo significa finalizar

um ciclo de vida e, ao mesmo tempo, iniciar um novo ciclo de

outras vidas. Como dito anteriormente: o tempo é sempre onde a

vida faz sentido. A simulação deixa claro o que ela é: uma

simulação; percebemos que ele não foi de fato enterrado. Mas

através da potência dessa representação do tempo, flagrada no

7 BAUDRILLARD, Jean. Simulacro e Simulação. Lisboa: Relógios D’Água, 1991.

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trabalho, admiramos a intenção poética do trabalho do artista e o

tom dessa obra.

FIGURA 11: Arnatt - Self-Burial (Television Interference Project) – 1969 – nine

photographies on board – 46,7x46,7cm

Em meu trabalho fotográfico busco exatamente o aspecto dúbio,

falseador e confuso; a capacidade de alcançar, trabalhando com

mudanças de escalas, angulações e mudanças de matérias ou até

mesmo certas inverções de ordem: buscando incitar uma nova

percepção e proposição do universo.

Page 31: Um lugar para um jardim

UM LUGAR PARA UM JARDIM

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FIGURA 12: Juliana Gontijo – 2010 – “Há um mar sobre meu corpo” – Fotografia – 30x45cm.

Em “Há um mar sobre meu corpo”, um barco de papel

confeccionado numa escala muito pequena é colocado sobre minha

pele em diferentes partes do meu corpo. A minha intenção aí é a de

que não seja possível identificar a parte do corpo ond o objeto

está, mas que a matéria pele substitua a água e a linha do

horizonte seja percebida pelo relevo do corpo. O trabalho propõe

de maneira delicada a possibilidade de se construir através da

imaginação, ressignificando objetos, um possível universo.

Page 32: Um lugar para um jardim

32

FIGURA 13: Juliana Gontijo – (detalhe) “Projeções para jardins de pedras” – 2011 – fotocolagem – 30x45cm.

O meu trabalho “Projeções para jardins de pedra” teve início

com o exercício de algumas colagens fotográficas. A partir de

fotografias antigas, encontradas em minha casa, recriei as

paisagens atribuindo a elas caracteristicas que, não mais remetiam

à estruturação dos elementos da paisagem fotográfica. Na figura

13, algumas pedras aparecem repousadas sobre uma lâmina de água, o

céu recoberto por um adesivo branco e, na linha do horizonte, a

orla da praia. Nesse caso a mudança de matéria se mostra mais

nítida a partir do momento em que a água adquire a capacidade de

sustentar o peso das sólidas pedras. A estrutura branca, posta

tapando o céu, faz com que a colagem se torne muito mais

representativa e significante do que a imagem de fundo, deslocando

a atenção do observador para essa nova paisagem.

Page 33: Um lugar para um jardim

UM LUGAR PARA UM JARDIM

33

Um trabalho que tenho como referência, de Sara Ramo8, utiliza

da fotografia para produzir colagens, que unem várias partes de

paisagens diferentes e montando cenas e mapas. No trabalho “Nova

Atlântida”, para apresentá-las, a artista alugou um stand de uma

empresa de turismo e dentro da vitrine desse espaço colocou suas

colagens convidando os supostos clientes a conhecer essa ilha

deserta, o paraíso perdido, a “Nova Atlântida”. Essa proposição já

não pretende apenas enganar, mas criar uma reflexão sobre nossa

capacidade de sermos enganados e nos conduz a um universo

fantasioso, onde tudo pode ser contruído.

FIGURA 14 e 15: Sara Ramo – 2008 - “Nova Atlentida” – colagens fotográficas em site especific.

8 Durante os três primeiros anos de graduação em Artes Visuais, fui assistente da artista Sara Ramo. Nesse tempo pude conhecer todo seu trabalho e participar de seu processo criativo. Acredito que essa experiência tenha influenciado minha produção em diversos aspectos.

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Vídeo: A técnica do vídeo, tem como principio a reprodução em

sequência rápida de varias capturas fotográficas, criando uma

noção de maior próximidade com a realidade percebida pelos olhos

do que a fotografia. No vídeo temos a possibilidade de mostrar

algo que aconteceu a pessoas que não teriam a possibilidade de

presenciar algum acontecimento. O tempo no vídeo parece estar mais

presente, atuante, objetos e seres se modificam, se movimentam,

enquanto os segundos passam. Ele acompanha o ciclo: inicio, meio e

fim.

Na arte contemporânea vemos a aparição da vídeo-arte, da

vídeo-performance, da vídeo-intervenção e da vídeo-instalação.

Pelos aspectos já pontuados, percebemos que os princípios do vídeo

apresentam, inevitavelmente, um dialogo com o tempo. Em alguns

videos, paisagem e tempo são temas principais, como por exemplo em

“Lejos”, de Joacélio Batista, nesse trabalho o artista caminha do

ponto onde está fixada a camera até desaparecer na linha do

horizonte apresentado no recorte do vídeo.

FIGURA 16: Joacélio Batista – 2006 - “Lejos” – Vídeo –2”.

Page 35: Um lugar para um jardim

UM LUGAR PARA UM JARDIM

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Nas minhas pesquisas o vídeo aparece, ainda, somente no

ambito projetual, o projeto “Sobre Viver” é um registro dessa

experência, como base produzi o roteiro a seguir:

Roteiro do Vídeo:

Uma mulher entra em um cômodo. Ele é bem precário, como se

estivesse abandonado: tem o chão de terra, as paredes brancas e

uma janela ao fundo. Na parede direita, à altura de seus joelhos,

ela encontra uma torneira cor de latão e no centro desse cômodo,

repousados ao chão, uma xícara e um pires de louça além de uma

colher de prata.

A mulher se mostra à vontade naquele lugar, como se já o

conhecesse, ou então, já soubesse o que fazer e como lidar com

aqueles objetos. Ela usa uma vestimenta simples: camiseta e

bermuda brancas. Carrega em suas mãos um saquinho marrom, de

linho. Ela anda pelo cômodo, olha pela janela e serve-se com uma

xícara de água. Enquanto bebe a água, a mulher retira algumas

sementes do interior do misterioso saquinho, que passa agora a

revelar seu propósito.

Ao terminar de beber a água, a mulher de longos cabelos

escuros, utiliza a colher de prata para fazer pequenos buracos em

todo o chão. Os buracos, a xícara e o pires tomam conta de toda a

horizontalidade do cômodo. Então, a moça segura em suas mãos o

pires, no qual coloca as sementes do saquinho e, delicadamente

levando esse pires, insere uma a uma todas as sementes em cada

buraco.

Após inserir as sementes, ela fecha os buracos com as mãos e,

em seguida, rega cada cova de semente utilizando a água da

torneira e a branca xícara de louça como regador.

Esse ritual de rega às covas segue-se por vários dias, e com

o passar deles, elas se tornam berços; o chão que antes trazia a

pretura da terra, agora mostra um singelo sorriso verde. A cada

dia, essa mulher se esforça para servir a todas as plantas

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36

igualmente, para que cresçam juntas. Ao mesmo tempo, vê-se sendo

engolida pelas plantas, que crescem desmedidamente naquele limite

imposto pelas paredes.

As paredes, com o passar do tempo, chuva, sereno, sol, foram

perdendo em grande parte a brancura do Cal e, nesse momento,

mostram as entranhas amarronzadas do barro.

Mesmo perdendo seu lugar para as plantas, que continuam a

crescer, a moça ainda carrega no semblante uma certa intimidade

com a situação e se relaciona com as plantas numa lida diária.

Quando já não se vê mais mulher, nem xícara, nem mesmo o pires, ou

a torneira, aquela verdura, que antes era singela, se torna total.

Só se percebe o vento que corre pela superfície das plantas e o

silencio do tempo que passa com o vento.

FIGURA 17: Juliana Gontijo - “Sobre Viver” (estudos) – grafite sobre papel – 21x29,7cm.

O projeto estabelece a produção de no total 70 minutos de

vídeo. Cada 10 minutos desses 70, serão divididos em sete

projeções diferentes exibidas ao mesmo tempo, elas se posicionarão

uma ao lado da outra. O efeito a ser produzido no conjunto de

projeções pretende que o movimento do corpo da mulher em cada tela

seja exatamente o mesmo ao mesmo tempo, mas o cenário na qual

acontece apresentará grandes transformações em cada projeção.

Imagino que esse trabalho será uma experiência intensa e

transformadora para mim e meu trabalho. A intenção é explicitar as

transformações que se seguem ao conjugar tempo e trabalho. O

cultivo, lida diária, na terra e toda a disposição empregada no

crescimento e desenvolvimento das plantas, fazem com que o homem

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UM LUGAR PARA UM JARDIM

37

viva o tempo da terra, o tempo mais lento das transformações da

natureza.

Performance:

A performance surgiu com os dadaistas, mas se estabeleceu como

gênero artistico, no final do século XX, propondo a participação e

presença subjetiva do corpo do artista como parte da obra de arte,

ao vivo. Alguns dos grandes fomentadores dessa nova abordagem do

objeto de arte foram o grupo Fluxus e Joseph Beuys. A partir da

revolução cultural, na qual os jovens buscavam a libertação sexual

e a quebra da sexualidade como paradigma, surgem a body art e a

performance.

A performance se distingue da ação por destacar-se a

linguagem corporal. Na ação, o foco está nos objetos sobre os

quais age; o artista desenvolve uma função para que a coisa

aconteça. A distinção entre a performance e o happening é que a

primeira se desenvolve partir de uma elaboração anterior, quando

se cria um roteiro, em que o público não tem a abertura para

alterar certos sentidos da obra. Já no happening, a obra se faz na

relação entre corpo do artista, o lugar e o corpo do público. A

performance não requer, necessariamente, a presença do público,

podendo ser registrada sob outras formas: texto, foto, vídeo ou

qualquer outro tipo de registro.

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UM LUGAR PARA UM JARDIM

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Capítulo II: A “dialética do trabalho no jardim”.

- -

Quando se pensa na palavra paisagem, logo vem à cabeça um

espaço gigantesco no qual o homem sente sua insignificância diante

do mundo, onde as forças da natureza sempre superam as vontades

humnas. Ali, as transformações são lentas e despende-se muito

tempo a observá-la, na intenção de apreender a totalidade daquilo,

do momento presentificado naquela imagem.

“E se a visão que uma criança tem da natureza já pode comportar lembranças, mitos e significados complexos, muito mais elaborada é a moldura através da qual nossos olhos adultos contemplam a paisagem. Pois, conquanto estejamos habituados a situar a natureza e a percepção humana em dois campos distintos, na verdade eles são inseparáveis. Antes de poder ser um repouso para os sentidos, a paisagem é obra da mente.”(Simon Schama, “Paisagem e Memória”, p.16-17.)

A reflexão que proponho a cerca de uma certa observação do

mundo, não se limita somente a paisagem, vai em direção ao espaço,

lugar. A abordagem dessas reflexões deve ser observada em

consonância com minha produção artística, realizada anteriormente

a essa monografia.

Ao conceito que denomino jardim, vale ressaltar, trabalho com

a inventividade e a utopia, busco, de uma forma alegórica e

poética, associar a vida em sociedade à construção e manutenção de

um jardim.

“No mundo orgânico, a hereditariedade aparece como tendência conservadora e a mutação como a tendência revolucionária. Na sociedade humana, que se elevou acima da natureza e criou as suas

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próprias leis, podemos reconhecer a tendência conservadora, de maneira geral, nas relações de produção, quer dizer, nas formas assumidas pela produção. E podemos reconhecer a tendência revolucionaria nas forças produtivas, isto é, no conteúdo de todas as forças de desenvolvimento. Sempre e em todas as partes, a forma, a estrutura ou a organização ferida, oferece resistência ao novo; e, em todas as partes, o conteúdo novo rompe os limites estabelecidos pelas formas velhas, criando formas novas.” (FICHER, Ernst. A necessidade da arte, 1976)

Na construção dos jardim, podemos observar o que chamo

“dialética do trabalho no jardim”, trazendo uma referência ao que

Marx denominou práxis:

“Com Marx o problema da práxis como atividade humana transformadora da natureza e da sociedade passa para o primeiro plano. A filosofia se torna consciência, fundameto teórico e seu instrumento.A relação entre teoria e práxis é para Marx teórica e prática; prática na medida em que a teoria, como guia da ação, molda a atividade do homem, particularmente a atividade revolucionária; teórica, na medida em que esta relação é consciênte.” (SANCHES VÁZQUEZ, Adolfo. “Filosofia da Práxis”, 2007)

Portanto, o homem transforma o mundo, através de seu trabalho

e conciência, transformando ao mesmo tempo a si mesmo e à

sociedade. Refletindo sobre essa mesma situação, no jardim

encontramos duas forças de trabalho específicas que agem uma sobre

a outra: o trabalho da natureza e o trabalho do homem. Nessa

dialética do trabalho no jardim, as forças produtivas atuam uma

sobre a outra no seguinte caminho: o homem dispensa sua força de

trabalho para a manutenção da vida das plantas na intenção de

construir um jardim; nesse tempo, uma planta brota, germina,

cresce e floresce. A partir daí o homem começa seu trabalho de

poda, através de concepções culturais de forma, composição e

ordem, doma essa natureza, assim, ele constrói uma ficção de

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natureza, uma imagem de natureza segura que lhe traz a sensação de

paz, limpeza e poder.

Nessa situação dada, em que o jardim precisa de manutenção

encontramos também a dialética no trabalho no jardim: O homem

transforma a paisagem ao mesmo tempo que, seu trabalho sobre ela,

tranforma a si próprio.

FIGURA 18: Juliana Gontijo – “Poda” – 2011 – Fotografia – 45x110cm.

A obra Poda (fig. 14) dialoga em alguma medida com esses

conceitos. A situação é apresentada no aspecto serial, no qual se

entende-se existir uma narrativa linear. Nessa sequência, a planta

parece representar uma ação de crescimento, quando é apresentada

em seu menor tamanho, seguindo para o tamanho mais desenvolvido. A

essa dada narrativa, se justapõe o título e o suposto

esclarecimento de que a ação é desempenhada pelo homem através de

seu trabalho, modificando a forma dessa paisagem e a si próprio:

já que, ao fim da poda, a personagem das fotos consegue enxergar

algo além de folhas. No território da arte, é possível e

necessário quebrar com as formas da narrativa linear, tendo em

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vista que o objeto de arte se diferencia do objeto comum porque

potencializa o entendimento do indivíduo a um novo entendimento do

mundo, deslocando-o da concepção linear do pensamento.

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Capítulo III: Jardim de mesa

- -

“Já sabendo que o ato de contemplação não mais se constitui como foco privilegiado da arte, fez-se necessária, possivelmente, uma nova atitude em relação a paisagem. Minhas perguntas sobre este provável novo posicionamento dos artistas diante da paisagem foi o que norteou meu estudo. Entre as várias possibilidades que possam fundamentar o deslocamento do olhar do observador para além de uma simples contemplação do mundo, levando a hipótese da denúncia. A paisagem se oferece então como território de denúncia e, para tanto, através de sua constituição como objeto de memória e ficção.” (NEVES, José Paulo das; TÓFANI, Wanda de Paula. “Paisagem e denúncia: a paisagem contemporânea além da contemplação estética da natureza”. 2008)

Preparar a mesa do café, lá pelas seis da tarde, para receber

quem vem para descansar depois do trabalho. Com todo carinho,

ajeitar a toalha, alisar as rendas, colocar as xícaras, o bule, e

esperar quem vai trazer o pão. Preparar a terra, colocar as

sementes e molhar as plantas do jardim, lá pelas seis da tarde,

para esperar que deêm flores. Toda memória precisa de um objeto e

um sujeito, mesmo que sejam fictícios; nesse caso, toda memória

resulta em uma construção.

O “Jardim de mesa”9 é uma instalação performática, que

consiste na construção de um jardim em cima de uma mesa de café.

Essa mesa foi coberta por uma toalha de rendas brancas tendo em

cima uma composição de xícaras, (nas quais foram plantadas as

sementes germinadas de alpiste) e um bule com água. As xícaras,

feitas de argila através de um molde, possuiam buracos no fundo,

9 A instalação foi realizada numa residência artística no ENCOMODO, durante o 42 Festival de Inverno da UFMG .

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para que a água vazasse por ali, assim permitindo que as plantas

se desenvolvesessem e que a xícara demorasse mais tempo para

derreter10.

Essa instalação performática aconteceu durante todos os dias

da residência no Encomodo11 em Diamantina. Duas vezes por dia as

plantinhas eram regadas, (a primeira às 8:30h e a segunda as

17:30h) com o bule de água, como se servisse o café. Com o passar

dos dias, o alpiste enterrado nas xícaras cresceu e as xícaras

derreteram e se quebraram. Nos ultimos dias do trabalho, as

brancas rendas da mesa ficaram cobertas por montes de terra e

plantas. Foi aí que um caráter de denúncia, antes anunciado,

surgiu: quando a força de ruptura da natureza, do tempo e das

plantas se sobrepôs ao domínio humano no controle da forma,

relativizando sua obra12.

Independente da intervenção humana, o jardim se modifica,

criando a cada novo dia um novo jardim no qual as antigas formas,

cores e composições se perdem e toda a meticulosidade humana é

obscurecida pela força dos materiais aliados ao tempo. Construindo

uma paisagem com elementos vivos e atuantes, ela se torna o

individuo produtor em um plano de fundo que é o tempo. Toda a

construção e desenvolvimento não acontecem na paisagem, e sim em

cada momento em que aqueles materiais se apresentam vivos e

atuantes tomando vida própria e construindo para si o seu lugar. A

beleza contida na força e simplicidade dos materiais, evidencia a

violência e a tentativa de subversão das plantas, aproximando o

expectador, identificado com uma obra na qual a natureza rompe

certas modulações culturais.

10 As xícaras derretem com o passar do tempo porque não foram submetidas a nenhum tipo de queima.

11 ENCOMODO é um projeto de residência artística e imersão, realizado pelo Diretório Acadêmico Antonio Francisco Lisboa, paralelamente ao Festival de Inverno da UFMG. 12 Há uma interação, uma contraposição, entre o trabalho do homem, que é cultura, e aquele do tempo e espaço, que é natureza. Suas utilidades e inutilidades são revistas, colocadas em cheque, e portanto repensadas.

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FIGURA 19, 20, 21, 22, 23: Juliana Gontijo – 2010 – “Jardim de mesa” – ação/instalação.

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CapítuloIV: Jardins de Pedras.

- -

Das Pedras

Ajuntei todas as pedras que vieram sobre mim.

Levantei uma escada muito alta e no alto subi.

Teci um tapete floreado e no sonho me perdi.

Uma estrada, um leito, uma casa, um companheiro.

Tudo de pedra.

Entre pedras cresceu a minha poesia.

Minha vida...

Quebrando pedras e plantando flores.

Entre pedras que me esmagavam

Levantei a pedra rude dos meus versos.

(CORALINA, Cora. “Meu livro de cordel”. 1994.)

Toda pedra encontrada tem sua origem em uma rocha matriz e

pode se formar a partir da decomposição das rochas pelo

intemperismo (ações da natureza: sol, chuva, vento, reação entre

íons, etc). Muitas vezes essas pedras caem das montanhas e seguem

caminhos até o fundo dos vales. Nesse caminho, ao rolar, ela

adquire uma forma arredondada, como se tivesse sido talhada pelo

tempo de sua viagem. As partes da rocha que rolam, caem em rios e

continuam rolando - são chamadas seixos - seguindo sua jornada

pelo rio e adquirindo sempre uma dimensão menor.

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A rigidez atribuída a uma paisagem é, portanto, um mito e nas

pedras que encontramos aos nossos pés podemos alcançar, de certa

maneira, toda a paisagem que nunca alcançaríamos ao caminhar até

ela; a paisagem, a cada passo dado por nós em direção a ela, se

distancia também um passo.

A pedra, portanto, deixa de ser apenas uma pedra e se torna

um pequeno objeto no qual encontramos a força da natureza aliada

ao tempo e os possiveis caminhos até o fim do horizonte alcançado

pelos olhos. A pedra, em meu trabalho, simboliza utopia, o tempo

que não se pode presenciar, o horizonte que não se pode tocar e a

história que nunca aconteceu.

figura 24: Juliana Gontijo – 2008 - Paisagem – óleo sobre tela – 20x30cm

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FIGURA 25 e 26: Juliana Gontijo – 2011 – “Projeções para jardins de pedras” – instalação

(pedras, terra, mesa, fotografias) – 200x60x200cm.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Através dos conceitos e apontamentos desenvolvidos neste

trabalho podemos observar um diálogo entre paisagem, memória,

trabalho e natureza.

A paisagem acompanha a constante transformação da sociedade

que, a cada novo empreendimento tecnológico, dita novas

necessidades de relação com a natureza. Pensar esses movimentos em

meu trabalho artístico, visa criar uma relação reflexiva com as

formas de domínio estabelecidas pelo homem e suas mudanças de

foco. Cada vez menos, o homem se importa com os pequenos detalhes

da vida e do mundo; e muitas vezes, quando se importa com a

natureza, é porque vê o futuro da humanidade em risco.

Ao pensarmos a jardinagem desde suas origens, constatamos

que, enfrentou alguns paradigmas em seu desenvolvimento. Temos

como exemplo dois tipos de construção de jardins: o francês e o

inglês. No jardim primeiro, toda a composição é construída na

intenção de enfatizar a grandiosidade das contruções, tanto de

edificios do Estado, quando em residências da aristocracia,

criando uma perspectiva que gigantiza essas estruturas. No segundo

caso, a concepção privilegia a criação de um lugar recluso, onde

se estabelece o contato com a natureza, propiciando momentos de

quietude e reflexão. Penso que os dois termos são postos e

discutidos em meu trabalho.

Quando abordo o conceito de dialética do trabalho no jardim e

coloco como práxis o trabalho consciente do homem num projeto de

transformação do espaço, busco mostrar que esse trabalho se propõe

à transformação total, da paisagem sendo um lugar no qual o homem

vive e, portanto, também se transforma. Essa relação se associa ao

conceito dos jardins franceses, que colocam a paisagem como um

denotador de domínio, que é o que se vê genericamente, mas isso

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não invalida a possibilidade de transformação dessa mesma forma a

paisagem e o homem em prol de uma causa transformadora em outros

aspectos; mais revolucionária. Quando menciono a questão da

memória e da representação afetiva em um espaço traço o tom dos

jardins ingleses, silenciosos e reclusos, nos quais torna-se

possível o cultivo de algo além de plantas, o cultivo de relações

de afeto e memória.

Os jardins propostos por meus trabalhos, mostram-se como uma

reflexão entre as relações entre o homem e a paisagem, em seu

sentido mais amplo. Nesse caso, as pedras ainda adquirem uma

simbologia específica (abordada no capítulo IV), na qual a utopia

se coloca como cerne de um proposição de transformação, do ser e

do olhar. Como disse alguma vez Fernando Birri, quando disse que a

utopia é algo que como a paisagem nunca se alcança porque a cada

passo que se dá em direção a ela ela se distancia mais um passo,

quando então foi questionado: “Então para que serve a utopia? Ele

disse que se fazia essa pergunta todos os dias, para que serve a

utopia? Se é que a utopia servia para alguma coisa. Ele disse:

Veja bem, a utopia está no horizonte e se está no horizonte eu

nunca vou alcançá-la, porque, se caminho dez passos, a utopia vai

se distanciar dez passos. E se caminho vinte passos a utopia vai

se colocar vinte passos mais além. Ou seja, eu sei que jamais,

nunca, vou alcançá-la. Para que serve? Para isso, para caminhar”13.

13 Programa Sangue Latino, do Canal Brasil, gravado em 2009. O jornalista e escritor uruguaio, Eduardo Galeano, autor de “As Veias Abertas da América Latina” fala sobre a cidade de Montevidéu, onde vive e também sobre a morte de seu cachorro. Direção de Felipe Nepumuceno. (link: http://www.youtube.com/watch?v=w8rOUoc_xKc)

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REFERÊNCIAS:

BERTOLI, Marisa/ STINGGER, Veronica (organização). Arte, Crítica e

mundialização. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2008.

SÁNCHES VÁZQUEZ, Adolfo. Filosofia da Práxis – 1a ed. – Buenos Aires:

Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales – CLACSO; São Paulo:

Expressão Popular, 2007.

SARTRE, Jean-Paul. A imaginação; tradução de Paulo Neves. –Porto Alegre:

L&PM, 2008.

MACHADO, Roberto. Deleuze, a arte e a filosofia. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 2009.

SHOPENHAUER, Arthur. Metafísica do Belo. Tradução, apresentação e notas

de Jair Barbosa. – São Paulo: UNESP, 2003.

FISCHER, Ernest. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1976

.

WANNER, Maria Celeste de Almeida. Paisagens sígnicas : uma reflexão sobre

as artes visuais contemporâneas - Salvador : EDUFBA, 2010.

SCHELLIN, F. W. J. Filosofia da arte. Tradução Mário Suzuki. São Paulo:

Edusp, 2001.

DELEUZE, G. Critique et Clinique. Paris: Minuit, 1993. [ed. Bras.:

Crítica e Clínica, trad. Peter Pál Pelbart. São Paulo, Editora 34, 1997.]

NEVES, José Paulo das (orientação: TÓFANI, Wanda de Paula). Paisagem e

denúncia: a paisagem contemporânea além da contemplação estética da

natureza. 2008. Dissertação de mestrado - Universidade Federal de Minas

Gerais, Escola de Belas Artes.

NEPOMUCENO, Felipe (diretor). Entrevista com Eduardo Galeano. Programa

Sangue Latino, do Canal Brasil, gravado em 2009.

(http://www.youtube.com/watch?v=w8rOUoc_xKc)

CORALINA, Cora. Meu livro de cordel. São Paulo, Global, 1994.