um encontro gilberto gil e o professor milton santos - entrevista

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  • 7/25/2019 Um Encontro Gilberto Gil e o Professor Milton Santos - entrevista

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    http://www.gilbertogil.com.br/sec_texto.php?id=12&page=2&id_type=4

    Um encontro: ilberto il e o !ro"essor #ilton $antosGilberto Gil

    Gilberto Gil - Professor Milton, eu no preparei nenhum roteiro especial, atporque no me sinto capaz de especular sobre a sua rea de conhecimentoe trabalho, mas como tenho interesse em que seu pensamento, suas idiasestejam divulgadas no nosso site, eu ainda assim quis conversar consigo esaber algumas coisas Gostaria primeiro que o senhor nos desse uma idiada sua forma!o, o in"cio, os primeiros tempos na #ahia, como intelectual eem sua disciplina universitria

    Milton $antos - %u estudei &ireito e j estudante de direito ensinavageogra'a, que descobri ser realmente o meu grande interesse (oi isso queme levou a fazer um doutorado em geogra'a na )niversidade de%strasburgo, na (ran!a, e da" por diante comecei uma carreira de pesquisa,na #ahia mas tambm em outros pa"ses, que me conduziu a diversasaventuras intelectuais que se ampliaram a partir de *+ , por raz.esconhecidas, quando eu tive que dei/ar o #rasil 0reio que minha carreiracome!a com estudos emp"ricos, isto , tentar descrever simplesmente oque era a realidade territoral e social aqui e al", na #ahia sobretudo, mastambm no #rasil e fora do #rasil &epois, passei a ter um interesse maiste1rico, mais epistemol1gico 2sso coincide com a minha dist3ncia do #rasil,quando o objeto concreto de trabalho no estava presente, a possibilidadede informa!o reduzida 4 dois abrigos para os homens, um a terra e ooutro o in'nito %nto eu me abriguei nessa rea mais de pensar o mundo,de pensar os lugares, e tentar uma geogra'a mais abrangente, mais umametageogra'a do que mesmo geogra'a

    GG - %ssa conte/tualiza!o nova do interesse geogr'co lhe ocorreu apartir de %strasburgo, ou j da #ahia, ou possivelmente no professoradoaqui no #rasil5

    M$ - 6 #ahia sempre o centro, mas eu creio que essa ruptura ocorre apartir do 'm dos anos 78 6t os anos 78 eu estava na (ran!a 9o eraminha terra mas era um pouco minha terra &epois eu tive que trabalharnos %stados )nidos, no 0anad, na :anz3nia, na 6mrica ;atina < umaforma de desagrega!o e a vontade de evitar a desagrega!o, essaretomada da unidade do homem, que me jogou, no caminho da 'loso'a,

    junto = minha ignor3ncia crescente do #rasil 6cho que foi sobretudo isso

    GG - 9esse percurso, nesses lugares que o senhor mencionou, (ran!a,%stados )nidos, :anz3nia, #rasil, incluindo #ahia e $o Paulo, o senhoresteve nesses lugares sempre na situa!o de aprendiz e mestre, professore estudioso5 6onde o senhor esteve como professor, aonde o senhoresteve estudando5

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    M$ - %u estive como estudante somente em %strasburgo, nos anos >8 6partir de , na (ran!a, sempre como professor, que passou a ser a minhaatividade central praticamente ?nica

    GG - 9esse conjunto pensando sempre e escrevendo, e tambm professor5

    M$ - 6h sim, o tempo todo

    GG - @uantos livros5

    M$ - 0reio que so uns 8 % uns A88 artigos cient"'cos

    GG - %u gostaria que o senhor me falasse um pouco de um conceito, queeu sei que est nos seus livros, eu no o li, mas o senhor mencionou numapalestra que fez na 03mara de Bereadores de $alvador, onde eu eravereador alguns anos atrs, que o conceito de fase popular da hist1ria

    &e onde o senhor tirou isso5 Porque estar"amos, segundo o seu sentimento,seu conhecimento, numa (ase Popular da 4ist1ria, o que quer dizer issocom rela!o a outras fases que a hist1ria humana tenha vivido5

    M$ - %u creio que o homem ocidental se acostumou a pensar a hist1ria apartir de um processo, que dito s vezes revolucionrio, mas que linear,porque o homem ocidental pensa a hist1ria a partir da tcnica, cujasgrandes mudan!as praticadas so sobretudo quantitativas, e s1aparentemente qualitativas < a quantidade de razo inclu"da nos objetosque permite ao homem o chamado progresso, uma outra viso do mundo,uma outra possibilidade de atacar a natureza e de, assim, produzir rela!.es

    etc %u creio que n1s estamos entrando em uma fase diferente, porque vaihaver uma mudan!a qualitativa e/tremamente forte, onde tudo vai sesubmeter ao homem e no = tcnica, ela pr1pria comandada pela produ!ocomo tem sido at hoje #om, essa tese nova de dif"cil aceita!o, porquede um lado ela parece se chocar com a maneira de pensar que nos foiensinada pelos europeus, diante dos quais n1s temos tendCncia a ser muitoreverentes, mas por outro lado essa nova tese resulta no apenas de umavontade de esperan!a e de uma cren!a no futuro, mas de uma leituradiferente do fenDmeno tcnico, uma leitura mais 'los1'ca do quepragmtica E fenDmeno tcnico por de'ni!o tambm uma forma deprodu!o da inteligCncia do homem

    GG - < como uma e/tenso da mente

    M$ - %/ato

    GG - &os corpos e das mentes Mecanismos e pensamentos

    M$ - ligados forma de viver que vai se modi'cando a partir das formasdo fazer 9esse sentido, creio que a urbaniza!o e a urbaniza!o acelerada,urbaniza!o devastadora e, sobretudo no nosso pa"s, a forma como asnossas cidades cresceram, assim como as africanas e tambm as asiticas,

    so um estouro, criado a partir das novas tecnologias e cheio deconsequCncias inesperadas 6s novas tecnologias empurram o homem

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    para as grandes cidades, porque o campo se moderniza

    GG - %le pr1prio se torna praticamente uma e/tenso da cidade

    M$ - E campo se esvazia e, a cidade que tem muitos e diversos

    empregos e o campo gravita em tDrno de uma ou algumas atividades,ento ele e/pulsa as pessoas, que vCm ento para a cidade BCm para acidade para serem pobres 6lguns melhoram de vida, mas a grande massapermanece pobre, e este fenDmeno de pobreza na cidade hoje estatambm presente no hemisfrio norte 0ada dia eu me conven!o mais queos pobres so mais fortes do que n1s da classe mdia e do que os ricos,porque os pobres que tem a possibilidade de sentir e pensar E nossopensamento enquadrado, primeiro pelo nosso interesse, mas tambmpela forma como n1s instrumentalizamos tudo, at mesmo os nossosbairros, as nossas casas :udo isso uma priso para o pensamento Era ea" entra uma outra discusso 'los1'ca, epistemol1gicaF a necessidade que

    eu estou sentindo agora de recusar a epistemologia do iluminismo que nosensinou a fraqueza dos pobres

    GG - E chamado conforto burguCs

    M$ - E grande conforto burguCs, traz uma pregui!a intelectual

    GG - < a ren?ncia a isso, ren?ncia a atividade pulsante da mente e docorpo no sentido mais rigoroso

    M$ - %/ato % o conforto sup.e pragmatismo, sup.e um investimento cada

    vez maior em pragmatismo @uem pensa o novo so os homens do povo eseus 'l1sofos, que so os m?sicos, cantores, poetas, os grandes artistas ealguns intelectuais

    GG - E bardo

    M$ - E bardo e alguns intelectuais, num mundo que est assassinando osintelectuais < muito dif"cil ser intelectual hoje porque os intelectuaisquerem ser establishment %nto eles perdem a possibilidade deinterpreta!o do movimento, perdem a possibilidade de se casarem com opovo, e de se casarem com o futuro 0reio, porm, que apesar disso,

    apesar do peso da ciCncia, n1s estamos nos encaminhando para uma outraera no mundo inteiro, em grande parte por causa das novas tecnologias)m pequeno e/emploF no h nenhum milagre maior do que a forma comoa cultura popular est tomando revanche sobre a cultura de massa 4 H8,A8 anos atrs, a gente se preocupava com a idia de que a cultura demassa iria esmagar a cultura popular 9ada disso, estamos vendo

    GG - a cultura popular se apropriando das ferramentas poss"veis

    M$ - isso objeto de uma entrevista sua que eu li recentemente

    GG - $im, de vez em quando eu toco nesse assunto, porque um tipo depensamento, tipo de reIe/o que me ocorre, no com rigor que o senhor

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    tem e com a persistCncia, a perseveran!a

    M$ - %u sou pago para fazer isso JrisosK

    GG - :ambm me interessa, e sem d?vida aqui e al" eu menciono esses

    arroubos de sentimentos % quais seriam as consequCncias bsicas que osenhor antevC, para essa fase, essa apropria!o5

    M$ - 6cho que vai haver uma grande mudan!a pol"tica, mas n1s no temosno!o dessa possibilidade, dessa enorme mudan!a pol"tica, por causa daviolCncia da informa!o que um tra!o caracter"stico do nosso tempo 6brutalidade com que a informa!o inventa mitos, imp.e mitos e suprime oque a gente chamava antigamente de verdade, essa violCncia dainforma!o e das 'nan!as, criou uma certa idia to forte do mundo atualque a gente 'ca desanimado diante da possibilidade de um outro futuroMas se a gente se detem a pensar na maneira como o mundo est

    funcionando, na maneira como os pobres se apropriam da tecnologia Espobres e oprimidos esto fazendo, de uma maneira e/traordinria, o usodas novas tecnologias, no seu trabalho e em seus assaltos, por e/emplo, eesto encontrando e defendendo idias a" pelo mundo afora e de que agente fala pouco

    GG - 6s vrias formas de pirataria JrisosK

    M$ - 6 cidade o lugar ideal, porque o lugar onde todo mundo secomunica %m todo caso se comunica mais do que em outra parte %stapresen!a dessas massas que se levantaram com uma for!a no conhecida

    em nenhuma outra fase da hist1ria, essa mobilidade, esse ro!ar cotidianoque constitui um debate dirio dissimulado ou ostensivo

    GG - )ma cai/a de f1sforos ali onde se risca -- fa"scas a qualquer momentoLJrisosK

    M$ - % como manifesta!o que a gente no est ainda consciente Mas eucreio que isso tudo vai ser canalizado, porque o horror no pode serpermanente, a barbrie que n1s vivemos, o horror que n1s vivemos nopode durar inde'nidamente

    GG - E senhor sente ind"cios desses encaminhamentos5 6 perspectivafutura esta colocada claramente como o senhor diz, e os ind"cios5 E senhordizF a informa!o ainda encobre tudo, ainda afasta a viso mais clara dessebrotar, dC e/emplos, dois ou trCs ind"cios

    M$ - %u creio que um deles a forma de solidariedade, muito numerosaentre os pobres, que n1s no vemos porque a universidade se interessapelo esc3ndalo, que mesmo pelo fato 6 universidade se tornou, tambmela, subordinada = m"dia e = moda, porque a carreira em grande parte subalterna = moda 0omo a universidade estimula o carrerismo, em vez deestimular a profundidade, a maior parte das pesquisas no para as coisas

    desse gCnero

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    GG - E que est vindo Para tentar manter o que j est

    M$ - Eu diabolizar certas manifesta!.es

    GG - 9o sentindo de neutraliz-las, como emergCncia

    M$ - %u creio tambm que h novas formas de produ!o econDmica nacidade @ue * milh.es de pessoas, em $o Paulo, subsistem Mas apenasse fala em estrupos, assaltos @uero dizer que h uma produ!o econDmicaa partir da co-presen!a e da solidariedade entre os homens e h por outrolado formas de produ!o autDnoma como creio que seja seu trabalho,como creio que sejam, em grande, esses >88 mil -- h >88 mil sujeitos quesaem todo 'm de semana de $o PauloL -- meio milho de pessoas e quevo para bares e festinhas tudo isso so forma de organiza!o econDmica,produto da adapta!o =s novas condi!.es @uero dizer que tudo isso umsub-produto da informa!o 6 informa!o ela controlada no topo, mas

    dei/a escorregar outras formas que so aproveitadas pelo que se chama deperifrico, mas que, na verdade, a grande maioria da sociedade E drama que tudo isso vem com a morte da pol"tica, pois os partidos se recusam aser pol"ticos, e querem ser apenas eleitorais, mesmo os partidos deesquerda se recusam a discutir a sociedade a partir do que ela

    GG - % quando o senhor diz a morte da pol"tica, por consequCcia a morte do%stado, que est submetido ao jogo pol"tico E %stado administrado,nutrido, gerido, processado pela pol"tica $o os pol"ticos que se elegemaos cargos de governo, so os presidentes eleitos que nomeiam osministros, os deputados que legislam em fun!o do que proposto pelo

    e/ecutivo etc %sse grande organismo chamado %stado que estevehistoricamente incubido de arbitrar e mesmo de administrar muito da vidasocial, estabelecer os Iu/os, abrir os canais as possibilidades de intera!oentre os vrios conjuntos sociais, produzir a distribui!o da riqueza,produzir os elementos que vo dar suporte a produ!o, ao fazer humano nosentido social moderno %sse tal %stado evidentemente com a morte dapol"tica tambm

    M$ - $e enfraquece

    GG - $e enfraquece, desaparece

    M$ - Passa a ser instrumento do mais forte com o neo-dar inismo social aque n1s estamos assistindo agora E processo atual de globaliza!o agravaessa problemtica %ssa globaliza!o no vai durar Primeiro, ela no a?nica poss"vel, segundo, no vai durar como est, porque como est monstruosa, perversa 9o vai durar, porque no tem 'nalidade Para quen1s estamos globalizando, para aumentar a competividade5 Para que serveisso5 E mercado global, o que isso5 @uem j viu esse mercado global5