um curso num percurso de inclusão. contribuições da psicanálise
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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA MESTRADO EM PSICANÁLISE, SAÚDE E SOCIEDADE
Gabriela Abreu da Silva Gouvêa
Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise e da Saúde Pública
para a área Educacional.
Rio de Janeiro 2008
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Gabriela Abreu da Silva Gouvêa
Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise e da Saúde Pública
para a área Educacional.
Dissertação apresentada ao Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre. Linha de Pesquisa: Subjetividade nas Práticas das Ciências da Saúde. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Fátima Gonçalves Cavalcante
Rio de Janeiro 2008
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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA SISTEMA DE BIBLIOTECAS
Rua Ibituruna, 108 – Maracanã 20271-020 – Rio de Janeiro – RJ Tel.: (21) 2574-8845 Fax.: (21) 2574-8891
FICHA CATALOGRÁFICA
FICHA CATALOGRÁFICA G719c Gouvêa, Gabriela Abreu da Silva
Um curso num percurso de inclusão: contribuições da psicanálise e da saúde coletiva/ Gabriela Abreu da Silva Gouvêa, 2008
161p. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado) – Universidade Veiga de Almeida,
Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade, Subjetividade nas Práticas das Ciências da Saúde, Rio de Janeiro, 2008.
Orientação: Fátima Gonçalves Cavalcante
1. Psicanálise. 2. Psicanálise e educação. 3. Psicologia
educacional. 4. Educação inclusiva. I. Cavalcante, Fátima Gonçalves. II. Universidade Veiga de Almeida, Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade, Subjetividade nas Práticas das Ciências da Saúde l. III. Título.
CDD – 150.195
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Setorial Tijucal/UVA
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Gabriela Abreu da Silva Gouvêa
Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise e da Saúde Pública para a área Educacional.
Rio de Janeiro, 18 de agosto de 2008.
BANCA EXAMINADORA
Profª Drª Fátima Gonçalves Cavalcante (Orientadora)
ENSP/FIOCRUZ – UVA Doutora em Saúde Pública pela ENSP/FIOCRUZ
Profª Drª Maria da Glória Schuab Sadala – UVA
Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ
Profª Drª Rosita Edler Carvalho - PUC-RJ
Doutora em Educação pela UFRJ
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Aos meus amados Pais, Luiz Carlos e Dulce,
pela força de vida – sempre pulsante em nossa casa e em nossas relações e pelo amor incondicional que sempre
nos uniu, ajudando-me a trilhar este longo percurso.
Ao meu Irmão, Luiz Augusto, pela descontração e por seu empreendedorismo contagiante.
Ao Felipe, meu eterno querido, pela compreensão
de minhas ausências, pelo apoio caloroso e por ter se tornado meu marido no percurso deste trabalho.
Aos avós e avô, por mais um dia compartilhado e
pela história de seus percursos.
Aos meus Sogros Nei e Márcia, e cunhados Guilherme, Tatiana e Daniela, por serem parte de minha
família e por me garantirem momentos de tanto afeto.
A todos os meus amigos e afilhados, que sempre me oferecem, singelamente, um colorido especial
aos momentos da vida.
A cada um de meus alunos e seus pais, por suas lições de afeto e superação.
Às participantes do Curso, por seus
ensinamentos...
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AGRADECIMENTOS
Há pessoas que nos falam e nem as escutamos. Há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam.
Mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossa vida E nos marcam para sempre.
Cecília Meireles Um trabalho desta magnitude só se viabiliza com apoios e redes de contatos
muito especiais. No meu caso, pude contar com pessoas muito queridas e dotadas
de capacidades ímpares de colaboração, altruísmo e de contagiantes sorrisos bem
humorados – algo muito importante em trabalhos coletivos. A todos àqueles que,
direta ou indiretamente, ajudaram ou foram ajudados por este belíssimo Projeto de
Pesquisa, o meu sincero e caloroso MUITO OBRIGADA!
À minha Orientadora deste percurso, Fátima Gonçalves Cavalcante. Pessoa
realmente especial, dona de um infinito poder de socialização de seus saberes,
Mestra capaz de ser aprendiz, oradora entusiasmada de seus projetos e ideais.
Fátima, sem dúvida, iluminou meus caminhos com a beleza da construção de uma
pesquisa, dando-me suas mãos para trilharmos com afeto e dedicação, sem
perdermos o foco na qualidade e excelência. Minhas palavras seriam poucas, mas a
certeza de que serei uma Multiplicadora de seus ensinamentos é maior prova de
minha gratidão.
À minha sempre querida Mestra Rosita Edler Carvalho, que se tornou minha
fonte de referência quando penso em Educação, justamente por ter-me ensinado
através dos caminhos do coração. Suas palavras jamais foram esquecidas ao longo
da construção desta Dissertação e ao longo de minhas práticas pedagógicas em
uma Escola que deseja incluir, sempre! Meu eterno carinho...
À Professora e Coordenadora do Curso de Mestrado, Glória Sadala, que
acreditou e vislumbrou que uma Educadora poderia ‘nadar’ na imensidão do oceano
da Psicanálise.
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Aos Professores do Curso do Mestrado em Psicanálise, por tantos
despertares...
Ao Professor Luís Bittencourt, por sua sensibilidade em tantas áreas do
conhecimento e pela arte da comunicação.
Às minhas amigas de Equipe de Orientação de Dissertação, Marisa
Guimarães e Gabriella Barbosa, que estiveram, literalmente, ao meu lado em um
apoio incondicional, promovendo ainda uma escuta carinhosa e atenciosa. O meu
muito obrigada também por terem partilhado os seus conhecimentos nas palestras
do Curso.
Às demais amigas e colegas da Turma, sem citar nomes para não esquecer
de nenhum deles, que me deixaram suas insígnias de coragem e perseverança.
À Eliana Júlia, que já ao final do percurso, compartilhou seus saberes
psicanalíticos comigo, lendo o meu trabalho com tanto afeto.
Às professoras participantes do Curso de Formação de Multiplicadores, que
me ensinaram, com seus exemplos, o poder da Educação no processo de
transformação da realidade social. Espero, sinceramente, que multipliquem com
persistência e afeto os preceitos da verdadeira Inclusão.
À Equipe de Secretaria do João Caetano, sempre dedicada em aprontar os
materiais do Curso, deixando-os perfeitos para nosso uso.
À Equipe de Apoio do João Caetano, que nos atendia de forma tão calorosa
em todos os encontros do Curso, contribuindo de forma significativa para seu
sucesso. Incluo, nesta Equipe, o Sr. Jordão e seu data-show.
À amiga Libânia Boechat, pessoa ímpar e indispensável na área da
Educação Especial, que me forneceu contatos fabulosos e dicas indispensáveis nos
momentos de necessidade.
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À Educadora Isabel Portella por sua inesquecível palestra sobre seu trabalho
com crianças portadoras de deficiência visual em nosso segundo encontro do Curso.
Aos Pais do meu querido aluno Felipe Silva, Sérgio e Kátia, que
compartilharam suas dúvidas e ansiedades com o Grupo de professores do Curso
em nosso terceiro encontro. Desta oportunidade, fortificaram muitas idéias...
À Psicóloga Beatriz Cunha, que aceitou participar de nossa jornada de
aprendizagens, tornando-se uma convidada muito importante para nosso Curso,
devido às suas contribuições.
Às colegas de Equipe do Jardim Brotoeja, que repartiram muitas de minhas
tarefas do Curso de Multiplicadores e souberam compreender minha fase de
atribulações com o Mestrado.
Ao meu Pai, o artista Luiz Viégas, por desenhar com os pincéis de sua alma,
a Epígrafe deste trabalho...
Obrigada, profundamente, a todos vocês!
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“Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.
Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros
desaprendam a arte do vôo.
Pássaros engaiolados são pássaros sob controle.
Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser.
Pássaros engaiolados sempre têm um dono.
Deixaram de ser pássaros.
Porque a essência dos pássaros é o vôo.
Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados.
O que elas amam são pássaros em vôo.
Existem para dar aos pássaros coragem para voar.
Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer,
porque o vôo já nasce dentro dos pássaros.
O vôo não pode ser ensinado.
Só pode ser encorajado.”
Rubem Alves
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RESUMO Este trabalho teve como objetivos apresentar as reflexões acerca do impacto
causado pelas diferenças entre os sujeitos na contemporaneidade, elucidando, em contrapartida, os movimentos de promoção da inclusão educacional e suas possibilidades de viabilização através da experiência do Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão para professores. Demonstrou-se, ao longo desta pesquisa amparada nos respaldos metodológicos da pesquisa-ação, a caracterização da sociedade atual sob o ponto de vista da construção de estereótipos e imagens idealizadas de seus sujeitos. Entretanto, a mesma sociedade que rotula os seus sujeitos, é convocada a incluí-los, principalmente, nas esferas educacionais. Pretendeu-se, portanto, situar o conceito de inclusão nos tempos atuais, respaldando-o nas mais novas legislações do Ministério da Educação (MEC) e amparando-o teoricamente com a Psicanálise e a Saúde Pública. Com a apresentação do virtuoso percurso de um Curso de Formação de Multiplicadores, a pesquisa teve como objetivo mostrar uma experiência de sucesso na área da inclusão junto a uma equipe docente efetivando-se como um produto de um Mestrado Profissional. Esperou-se, com isso, promover ações pedagógicas e sociais mais efetivas na área da educação especial e nos núcleos de atuações dos profissionais envolvidos no Curso. Palavras-chave: Educação Especial; Inclusão; Pensamento Psicanalítico; Saúde Pública; Empoderamento de professores.
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ABSTRACT
This work had the intention to present the reflections concerning the impact
caused by the differences among the subjects in the contemporary society, elucidating, in compensation, the moments of promotion of the educational inclusion and their possibilities of making possible through the experiences of the Course of Formation of the Multiplificator about the inclusion for teachers. It was demonstrated, among this research aided by the methodological backrests of the action-research, a characterization of the current society under the point of view of the construction of stereotypes and ideolized images of their subjects. However ,the same society that labels their subject is called to include them, mainly, in the educational in the spheres. it was intended, therefore, to place the concept of inclusion in the current times, supported by the newest legislations of the Minister of Education (MEC) and helping it theoretically with the psychoanalysis and the public health. With the presentation, along the way, with a virtuous Course of Formation of Multipliers, the research as an objective to show a successful experience in the area of inclusion together with an educational team aimed as the product of a Professional Masters Degree. We expected, with it, to promote more effective pedagogic and social action in the area of the special education and in the nucleos of the performance of professionals involved in the Course. Key words: Special Education; Inclusion; Psychoanalitic Thought; Public Health, Teachers empowerment.
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LISTA DE TABELA E ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Pilares da Educação ............................................................................................................................85 Tabela 1: Dados sobre Conteúdos e Palestrantes Convidados dos Eixos Temáticos do Curso .......................88 Fotos 1 e 2: Participantes do Curso ...............................................................................................................135 Foto 3: Abertura do Encontro ..........................................................................................................................135 Foto 4: Diretora da Escola ...............................................................................................................................135 Foto 5: Slide de abertura do encontro Final do Curso, produzido pela pesquisadora ....................................136 Fotos 6 e 7: Encenação do Primeiro Grupo ....................................................................................................136 Foto 8: Apresentação do Debate gravado do Primeiro Grupo .........................................................................137
Foto 9: Apresentação da participante do Segundo Grupo ...............................................................................138 Foto 10: Apresentação do Terceiro Grupo .......................................................................................................138 Foto 11: Depoimento da Participante do Terceiro Grupo ................................................................................139
Foto 12: Slide do Terceiro Grupo .....................................................................................................................140 Fotos 13 e 14: Sequência de figuras e fotos apresentadas em slides pelo Quarto Grupo .............................140 Foto 15: Apresentação da participante do Quarto Grupo ................................................................................141 Foto 16: Orientadora da Pesquisa Fátima Cavalcante, concluindo as apresentações ....................................141
Foto 17: Homenagem das participantes do Grupo à pesquisadora Gabriela Abreu .......................................142
Foto 18: Palavras finais da Pesquisadora e realizadora do Curso Gabriela Abreu .........................................142 Fotos 19, 20 e 21: Exposição de trabalhos realizados pelas participantes ao longo dos encontros do I Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão no Colégio João Caetano ...........................................................143
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..............................................................................................................13 CAPÍTULO 1. A “Diferença” num percurso de Inclusão ..........................................22 1.1 Reflexões acerca da ‘Diferença’ na Contemporaneidade ..............................................................23 1.2 O Sujeito da Alteridade ...................................................................................................................34 CAPÍTULO 2. O Sujeito da Singularidade: contribuições da Psicanálise para a Educação ......................................................................................................................40 2.1 O Sujeito para a Psicanálise: Inconsciente, Linguagem e Significantes .........................................44
CAPÍTULO 3. Educação, Deficiência e Inclusão: O Sujeito na Diversidade ..........................................................................................................................................53 3.1 Da exclusão do deficiente à inclusão da diferença ........................................................................53
3.1.1 Inclusão educacional: uma nova realidade ............................................................................64 3.2 Educadores e Inclusão: “Por que a diferença incomoda tanto?” ....................................................67
CAPÍTULO 4. Um Curso num percurso de Inclusão ................................................74 4.1 O percurso metodológico da Pesquisa ...........................................................................................77 4.2 Os percursos do Curso ...................................................................................................................82 4.3 O cenário para percurso do Curso .................................................................................................91 CAPÍTULO 5. A avaliação do percurso do Curso .....................................................98 5.1 Indicadores de Avaliação do Curso ..............................................................................................106 CAPÍTULO 6. Promoção de Saúde e Multiplicadores: enlaces do Terceiro Milênio ........................................................................................................................................122
6.1 Recorrendo à História para compreender a atualidade ................................................................122 6.2 A Promoção de Saúde ..................................................................................................................124 6.3 A “Escola Promotora de Saúde” e os Multiplicadores ...................................................................128 6.4 A voz e a vez dos Multiplicadores .................................................................................................134 6.5 Os Multiplicadores e algumas de suas conclusões .......................................................................143 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................147 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................................153
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“O tempo é escasso, mãos à obra.
Primeiro é preciso transformar a vida
para cantá-la em seguida”. Maiakovski•
• Desenho de D., 9 anos. Menino que adora estudar matemática, ler e jogar bola. Na Escola, é monitor da turma e ajudante de três colegas, pois acaba as atividades com muita rapidez devido à sua alta habilidade.
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INTRODUÇÃO “Por que a diferença incomoda tanto?”
Este é um dos questionamentos que sempre me inquietou e que inquieta a
muitos profissionais, familiares e aos próprios sujeitos que lidam diariamente com
características e situações que são consideradas desviantes ao conceito de
“normalidade” já socialmente instaurado. São as diferenças de alguns sujeitos que
chamam a atenção e que criam os estereótipos, gerando imagens preconcebidas e,
conseqüentemente, preconceituosas. São as deficiências físicas, mentais ou
sensoriais dos sujeitos, são as diferenças étnicas, de aprendizagem, religiosas,
sociais e econômicas que vêm provocando incômodos em uma sociedade que se
configura como espetacular, que produz imagens a serem consumidas baseadas em
um padrão de beleza, saúde, perfeição e felicidade.
Guy Debord (1997,p.18) nos esclarece que a sociedade contemporânea é a
“sociedade do espetáculo”, que considera ser um mundo regido pela economia do
consumo, estando a mercadoria no centro da vida social. Para o autor, a sociedade
regida pelo espetáculo tende a transformar tudo em imagens e estas acabam se
tornando reais e motivam, de forma hipnótica, o comportamento dos sujeitos. Sendo
assim, o espetáculo é a “afirmação da aparência e a afirmação de toda vida humana
– isto é, social – como simples aparência” (DEBORD, 1997,p.16).
Estamos portanto inseridos na sociedade que valoriza a aparência, que
determina comportamentos sociais, que engendra nos sujeitos uma disposição para
o consumo de bens materiais em detrimento de valores éticos. Esta ininterrupta
fabricação de “pseudonecessidades” inscreve os objetos como signos de felicidade
e satisfação plena, sempre prontos a serem consumidos. Idealizamos para
consumirmos imediatamente aquilo que é belo, perfeito, que não produz
contrariedades, que não traz insatisfações, aquilo que poderá nos trazer a ilusão da
plenitude.
Mas, como ficam os sujeitos que não se enquadram nos padrões idealizados
por essa sociedade? Como se sentem e se relacionam aqueles que não
correspondem às imagens de perfeição, beleza e produtividade? Como estão, nesta
“sociedade do espetáculo”, os que não aprendem conforme o ritmo dos demais em
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uma turma, os que não se locomovem como os outros, os que não conseguem ouvir
ou enxergar os frenéticos movimentos do dia-a-dia? Como esta sociedade está
acolhendo aqueles que podem causar um certo incômodo por não produzirem ou
consumirem conforme as exigências da contemporaneidade?
É justamente ao olhar o “outro-diferente”, o que não se “enquadra” nos
padrões predeterminados da “normalidade”, que a sociedade acaba excluindo seus
sujeitos, em movimentos de segregação social, econômica e educacional. A Escola,
que deveria ser um lugar de encontros, de socialização, de mobilização coletiva de
todos os seus participantes, vem, ao longo dos anos, enaltecendo ainda mais a
exclusão daqueles que deveria incluir! Ressalto isso, porque TODOS devemos estar
incluídos e envolvidos no processo educacional - independente de nossas condições
físicas, intelectuais ou sociais - aprendendo juntos (professores e alunos), trocando
experiências, pesquisando, indagando, interagindo... Entretanto, em muitas
realidades educacionais vemos as diferenças e impossibilidades em seus alunos
com deficiências ou com dificuldades de aprendizagem sendo ressaltadas,
relegando-os o papel de excluídos do direito de participarem ativamente em TODAS
as etapas e atividades educacionais.
O conceito de uma escola inclusiva pressupõe uma nova maneira de
entendermos as respostas educativas que se instauram, visando a efetivação do
trabalho na diversidade. Segundo Rosita Edler Carvalho – um dos grandes
referenciais na área de Educação Especial no Brasil, a inclusão dos alunos com
deficiências ou com necessidades educacionais especiais está baseada nos
seguintes pressupostos: na defesa dos direitos humanos de acesso, ingresso e permanência em escolas de boa qualidade (onde se aprende a aprender, a fazer, a ser e conviver); no direito de integração com colegas e educadores; de apropriação e construção do conhecimento, o que implica, necessariamente, em previsão e provisão de recursos em toda a ordem (CARVALHO, 2006,p.36).
Ainda segundo a autora, para que a escola possa verdadeiramente
promover a inclusão, é necessária uma mudança de atitudes frente às diferenças
individuais, “desenvolvendo-se a consciência de que somos todos diferentes uns
dos outros e de nós mesmos, porque evoluímos e nos modificamos” (idem, 2006,
p.36, grifo meu). E lidar com a diferença em nossas salas de aula não se constitui
como uma tarefa fácil, pois precisamos entrar em contato com as nossas próprias
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inquietações com relação ao que o diferente provoca em nós mesmos, aprendendo
a vislumbrar a diversidade dos alunos como uma oportunidade de enriquecimento
para todos da comunidade escolar.
Estas reflexões fundamentaram a construção do objeto desta pesquisa que
busca a reflexão teórica da exclusão enquanto um processo social na
contemporaneidade, elucidando, em contrapartida, os movimentos de promoção da
inclusão educacional e suas possibilidades de viabilização através da experiência do
Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão para professores. A pesquisa
objetiva, portanto, caracterizar a sociedade atual sob o ponto de vista da construção
de estereótipos e imagens idealizadas de seus sujeitos e situar o conceito de
inclusão nos tempos atuais, respaldando-o nas mais novas legislações do Ministério
da Educação (MEC) e amparando-o teoricamente com a Psicanálise e a Saúde
Pública. Com a apresentação do percurso de um Curso de Formação de
Multiplicadores sobre inclusão para professores, a pesquisa teve como objetivo
mostrar uma experiência de sucesso na área da inclusão junto a uma equipe
docente de Educação Infantil e Ensino Fundamental, efetivando-se como um
produto de um Mestrado Profissional.
A relevância da Psicanálise neste trabalho é a de contribuir para um olhar
mais dimensionado à particularidade de cada aluno, fazendo emergir o conceito de
sujeito. Segundo Elia (2004), o sujeito da psicanálise se constitui a partir da
linguagem, por um emaranhado de representações. Sigmund Freud, o fundador da
Psicanálise, desloca a concepção de sujeito enlaçada com a consciência e
dominada pela razão para o sujeito do inconsciente, determinado por Leis próprias,
que extrapolam as possibilidades do sujeito racional. Diz-nos Bezerra (1989, p.234)
que o sujeito do inconsciente se apresenta nas lacunas, nas quais o discurso da
racionalidade nada tem a dizer. “Somente o sujeito que fala livremente, amarrado
pelas leis do inconsciente, pode constituir o sentido e o valor do enredamento
discursivo produzido e articulado por ele.”
É este conceito de sujeito do inconsciente, dotado de desejos e significantes
particulares, que nos remete a pensar em uma Educação para o sujeito, para a sua
singularidade, considerando o ato educativo como uma tarefa que nunca termina e
que convoca o professor a sair de sua posição de “Mestre absoluto”, aquele que
detém o saber universal, e colocar-se como um eterno caçador do saber-não-
sabido, considerando que o seu significante não é o único significante do desejo.
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Para Mrech (2005), não basta que o professor seja reflexivo, pois muito do
nosso processo em sala de aula decorre de um plano inconsciente. Segundo a
autora, talvez esta seja a grande contribuição da Psicanálise para a Educação:
proporcionar um olhar mais atento para aquilo que fazemos, como fazemos, de que
jeito fazemos, com quem fazemos etc.
Almeida (2006) ressalta que “educar e educar-se implica, sobretudo, estar
em contato permanente com a alteridade e ter de se haver com as diferenças – e
com sua própria diferença”. A Psicanálise, ainda segundo a autora, oferece ao
campo da Educação um despertar para uma postura mais reflexiva sobre a tarefa
educativa, que supõe uma nova significação por parte do professor acerca de sua
atuação junto aos alunos.
Todavia, para uma Educação voltada para a singularidade dos sujeitos,
levando em conta seus desejos, suas necessidades e suas particularidades, é
preciso que o professor esteja adequado. Este conclame é muito mais do que uma
tarefa; é um longo percurso, onde toda a escola (pais, alunos e funcionários) deve
estar envolvida. Para que o processo de valorização de cada aluno enquanto sujeito
singular seja possível, é extremamente necessário ouvir o professor em suas
necessidades, compreender seus desafios, escutar e acolher suas reações
causadas pelo “estranho” em sua sala de aula.
Na Escola fala-se muito em prazos, notas, ritmo de aprendizagem,
conteúdos a serem dados, punições, erros e acertos... Mas fala-se pouco sobre o
sentimento de desqualificação do professor, sobre seu despreparo acadêmico
quanto à Educação Especial, sobre a falta de formação continuada de todo o corpo
docente... Fala-se menos ainda sobre a ausência, em muitos casos, de locais dentro
da própria escola, de discussão, reflexão e (re)significação do conceito de inclusão
com toda a equipe envolvida, o que acaba caracterizando tais instituições como
meros “depósitos” de alunos que necessitam de uma atenção mais especializada.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394, de 20
de dezembro de 1996, assegura o direito de acesso a pessoas com deficiências ao
ensino regular e destaca que precisam receber educação diferenciada, recursos pedagógicos e metodologias educacionais específicas, em virtude de sua condição de portador de deficiência auditiva, visual, mental, múltipla ou física, ou ainda, altas habilidades ou condutas típicas (BRASIL, 1996).
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Portanto, a educação da pessoa com deficiência deve ser compreendida em
uma dimensão bem ampla, não só educativa, mas também sócio-cultural, com o
objetivo de desenvolver suas potencialidades, respeitando suas dificuldades. Para
que isso aconteça, Freitas e Castro (2004,p.04) destacam que nas escolas
regulares, para trabalhar com alunos com necessidades educativas especiais, em
seu ensino comum, os professores precisam de formação adequada.
As autoras enfatizam ainda que, a capacitação dos docentes para atuar
numa perspectiva inclusiva, deve visar o desenvolvimento do sujeito autônomo,
levando os profissionais a uma constante reflexão sobre sua prática e métodos
pedagógicos. Considerando que não há nenhuma receita milagrosa para “salvar” os
professores dos desafios e obstáculos que precisarão enfrentar, é essencial
encorajá-los ao debate, que minimiza angústias e cria possibilidades de reflexão e
construção. É fato, portanto, que a Escola e os profissionais que recebem estas
crianças com deficiências precisam de constante capacitação, de modo a revisar
permanentemente seus conceitos acadêmicos e suas próprias impossibilidades,
articulando-as com as necessidades educativas especiais que estas crianças, e
todas as outras demandam.
Enquanto educadora, essa tarefa de conviver com o “diferente” sempre me
preocupou. Em minha trajetória profissional, percebi que, ao receber alunos com
necessidades especiais em minha sala de aula, deixava aflorar minhas maiores
mazelas, minhas grandes deficiências enquanto profissional, meus medos e
segredos diante de fatos tão desconhecidos: receio de errar, desconhecimento do
caminho a percorrer pedagogicamente, insegurança ao abordar o tema com as
famílias, despreparo para formular redes de contatos e ajuda para a criança,
sensação de não ter com quem compartilhar todas as minhas incertezas... Na minha
escola de atuação, apesar de promover a inclusão há quase duas décadas, ainda
não havia um espaço sistemático de reflexão e livre expressão dos docentes sobre a
questão da educação inclusiva.
Eis que me deparei com o Programa de Formação de Multiplicadores em
Promoção da Saúde, Defesa dos Direitos e Prevenção da Violência na área da
Deficiência, ao longo do curso de Mestrado, através da Professora e Pesquisadora
da área de Saúde Pública Fátima Gonçalves Cavalcante, fruto de pesquisas
anteriores de Cavalcante et al (2007). O Projeto veio ao encontro dos meus desejos
de redimensionar, principalmente, o atendimento oferecido aos alunos com
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necessidades especiais e de promover um espaço de “escuta” a estes profissionais,
permitindo-lhes (re)significar o conceito de deficiência – algo tão impositivo em seus
cotidianos.
O redimensionamento do Programa de Formação de Multiplicadores na área
da Deficiência (op cit) foi necessário para que pudesse adaptá-lo, em novas bases, e
transformá-lo em um Curso para formar multiplicadores sensíveis às necessidades
dos alunos com deficiências e necessidades educacionais especiais de nossa
escola, tendo como eixo a inclusão. Surgia, então, uma pesquisa baseada na
metodologia da pesquisa-ação, cuja riqueza reside no contínuo processo de coleta
de dados, discussão e ação, possibilitando a construção (e não a imposição) do
conhecimento por parte da pesquisadora e dos envolvidos na pesquisa. Depois da
aprovação pelo Comitê de Ética da FIOCRUZ (Claves/ENSP)1 do Projeto de
Pesquisa intitulado: “Curso de Formação de Multiplicadores sobre Deficiência e
Inclusão educacional: contribuições da Psicanálise e da Saúde Pública para a área
educacional”, iniciou-se o I Curso de Formação de Multiplicadores sobre
Inclusão para professores no Colégio João Caetano. O Curso teve como principais
objetivos promover a escuta de seus participantes sobre suas experiências
pedagógicas na área da inclusão, (re)significar os conceitos acerca da deficiência
através das discussões grupais ao longo dos Três Eixos Temáticos do Curso e
desenvolver capacidade de empoderamento dos profissionais participantes para
ações inclusivas mais eficazes, promovendo saúde e defesa da cidadania dentro e
fora da Escola.
O amplo percurso do Curso, desenvolvido em 8 (oito) encontros,
direcionados por 3 (três) Eixos Temáticos que nortearam discussões e estudos na
área da Deficiência e Inclusão, da Defesa de Direitos e da Promoção de Saúde,
pôde revelar a riqueza das contribuições de cada um dos participantes. Quando
houve a divulgação do Curso no Colégio João Caetano, muitos professores da
Educação Infantil e do Ensino Fundamental se interessaram. No primeiro encontro,
foram esperados 23 participantes inscritos e ao final do Curso, tivemos a
participação efetiva de, pelo menos, 17 deles. Este número representou uma grande
adesão à proposta e baixa desistência, apesar das adversidades. Tratava-se de
encontros mensais, aos sábados pela manhã, contando com um primeiro momento
1 A sigla Claves significa Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde, criado pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz, em 1989.
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de reflexão teórica e de discussão coletiva, e num segundo momento a participação
de palestrantes convidados. Os palestrantes tinham o compromisso de fomentar
ainda mais os debates, contribuindo com suas experiências pessoais e profissionais
ligadas ao Eixo Temático em questão.
O percurso do Curso, que acabou sendo o título desta dissertação,
possibilitou um repensar acerca da própria função da instituição escolar, que deve
permitir a emergência da multiplicidade, polifonia, diversidade de pensamentos,
atitudes, aprendizagens e idéias de professores, famílias e alunos. Ao longo do
Curso, os participantes puderam perceber - e expressaram isto em suas falas, de
que dentro da Escola, apesar dos desígnios de uma sociedade globalizada e
capitalista que transforma tudo em produto homogeneizado, há o que os contextos
sociais vêm tentando excluir: a particularidade, a diferença, as exceções.
Tendo este cenário como realidade, o I Curso de Formação de
Multiplicadores sobre inclusão objetivou elaborar estratégias para a melhoria das
ações sociais e das atuações pedagógicas dos participantes, visando a inclusão, a
defesa dos direitos dos deficientes e a promoção de saúde de todos os envolvidos
no processo educacional como realidades possíveis.
Para tanto, os conceitos da área da Saúde Pública foram essenciais,
principalmente no que se refere à promoção de saúde. A promoção da saúde deve
ser entendida como um progresso nas estratégias da saúde coletiva na medida em
que sua abordagem desloca o foco do sujeito para os atores coletivos como a
cidade, a escola, a fábrica, o meio ambiente (SILVA, 1997). Segundo a Carta de
Otawa (BRASIL, 2001,p.02), a promoção de saúde pode ser concebida como o processo destinado a capacitar os indivíduos para exercerem um maior controle sobre sua saúde e sobre os fatores que podem afetá-la... reduzindo os fatores que podem resultar em risco e favorecendo os que são protetores e saudáveis...a saúde se desenvolve e é gerada no marco da vida cotidiana: nos centros de ensino, de trabalho e de recreação. A saúde é o resultado dos cuidados que cada indivíduo dispensa a si mesmo e aos demais, da capacidade de tomar decisões, de controlar sua própria vida e de garantir que a sociedade em que vive ofereça a todos os seus membros a possibilidade de gozar de um bom estado de saúde.
Várias estratégias têm sido utilizadas, em nível mundial, para se implantar
políticas de promoção da saúde. Uma importante estratégia, que tem sido adotada
por vários países, estados, municípios ou serviços, é a Escola Promotora da Saúde,
é a escola que tem uma visão integral do ser humano, que considera os sujeitos, em
21
especial as crianças e os adolescentes, dentro do seu ambiente familiar, comunitário
e social. Ela fomenta o desenvolvimento humano saudável e as relações construtivas e harmônicas, promove aptidões e atitudes para a saúde, conta com um espaço físico seguro e confortável, com água potável e instalações sanitárias adequadas, e uma atmosfera psicológica positiva para a aprendizagem. Ela promove a autonomia, a criatividade e a participação dos alunos, bem como de toda a comunidade escolar (BUSS, 2000,p.164).
A Escola que promove saúde é, portanto, uma escola verdadeiramente
inclusiva, que favorece a aprendizagem de todos os sujeitos, em um ambiente
saudável, de compartilhamento de informações. Os Multiplicadores sobre inclusão,
neste contexto, assumem um papel de fundamental importância. Eles devem
interagir de modo ativo para criarem espaços de referência, apoio, informação,
acesso, diálogo, escuta e confiança, garantindo a aquisição de habilidades para a
vida e para a opção de crianças com deficiências ou dificuldades de apredizagem e
de suas famílias por um modo mais saudável de se viver. Os Multiplicadores sobre
inclusão podem promover a equidade e justiça social – dois dos preceitos do
conceito de Saúde.
Convido o leitor, a partir de agora, a contemplar este instigante cenário
através de seus personagens reais e de suas insígnias magníficas. Ao longo dos 6
(seis) capítulos desta dissertação, serão apresentadas as tentativas de respostas a
tantas dúvidas sobre o impacto e o incômodo causados pela “diferença”, além do
detalhamento metodológico do I Curso de Formação de Multiplicadores sobre
Inclusão para professores. O leitor poderá acompanhar o percurso de todo o Curso,
vislumbrando suas ações, suas práticas, entrando em contato com algumas falas
dos participantes, enfim, poderá compartilhar dos relatos de uma pesquisa-ação
realmente exitosa.
Em suma, esta pesquisa teve como eixo norteador, proporcionar o debate, a
reflexão e a possibilidade de (re)significação de muitos conceitos acerca da inclusão,
da deficiência e do preconceito causado por ela. Começando pela possibilidade de
minha própria fundamentação teórica, investigando temáticas como: a alteridade, o
conceito de narcisismo na Psicanálise, as políticas e práticas da inclusão
educacional. Depois, a experiência ímpar e fabulosa de implementação de um
espaço para debates, para discussões, para interações: o Curso de Formação de
Multiplicadores, momento em que eu e os participantes estivemos juntos na tentativa
22
de dimensionar o questionamento inicial deste capítulo: “Por que a diferença
incomoda tanto?”
Talvez, não tenhamos chegado a respostas corretas ou que estavam sendo
esperadas... Entretanto, parafraseando um trecho de um poema de Mario Quintana,
“a resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas”.
E, ao longo deste percurso, muitas perguntas continuaram sendo formuladas...
Debateu-se muito, relataram-se muitas experiências e angústias, deixou-se caminho
para a experiência com o novo, com o diferente, com o que causa estranheza.
Sendo a Educação uma profissão da fala, precisamos criar cada vez mais espaços
para novos discursos. Afinal, ao debater, fala-se e ao falar, criam-se novas idéias.
Ao criar, rompe-se com o passado. Ao romper com o antigo, vislumbra-se o novo. E,
ao vislumbrar o novo, quebram-se velhos paradigmas. Então, vamos ao futuro!
23
“Quantos sou? Quem é eu?
O que é esse intervalo entre eu e mim?” Fernando Pessoa•
• Desenho de D.M., 3 anos. Menino que joga capoeira, gosta muito de brincar com carrinhos e de dançar. Na Escola, é auxiliado pelos colegas durante as aulas de natação e durante o Recreio. O aluno tem Síndrome de Down.
24
CAPÍTULO 1. A “Diferença” num percurso de Inclusão 1.1 Reflexões acerca da ‘Diferença’ na Contemporaneidade
A segunda metade do século XX assistiu a um processo sem precedentes
de mudanças na história do pensamento. Ao lado da aceleração avassaladora nas
tecnologias de comunicação, nas artes, nos materiais e na genética, ocorreram
mudanças paradigmáticas no modo de se pensar a sociedade e suas instituições. A
Modernidade - com sua crença na Verdade e na linearidade rumo ao progresso, é
criticada por seu dogmatismo e a ciência e a tecnologia passam a ganhar valores
menos categorizantes e mais abrangentes.
Gomes e Casagrande (2002), Castells (1996) e Goergen (1998) elucidam-
nos que a Pós-Modernidade surge na passagem das relações eminentemente
industriais para as baseadas em serviços e trocas de bens simbólicos e abstratos.
Trata-se da era da informação, da circulação do dinheiro nos caminhos virtuais de
especulação financeira, da multiplicidade de expressões, da construção de uma
cultura em nível global: um verdadeiro sistema-mundo. A circularidade da
informação ocupa um papel de destaque na formação moral e cognitiva do homem,
este situado em uma nova ordem social regulada por um universo cultural amplo e
diversificado, embora fragmentado.
No novo sistema social que emerge, uma característica distintiva é a de que
informação e conhecimento estão profundamente inseridos na cultura das
sociedades, e a capacidade mental de trabalho está vinculada à educação e à
formação. Daí decorre que a habilidade de usar (e de alguma maneira produzir) a
tecnologia de informação converteu-se em uma ferramenta fundamental de
desenvolvimento (CASTELLS, 1996,p.20).
A era pós-moderna trouxe consigo as revoluções eletrônicas e informática,
nas quais os meios audiovisuais priorizam e exacerbam o mundo das imagens. A
‘cultura do zapping’2 estimula que seus consumidores - ávidos e estáticos diante do
aparelho, absorvam passivamente o conteúdo da mensagem transmitida. É a era de
‘tudo olhar e nada ver’.
2 Expressão utilizada por Esteban Levin (2001), em seu livro A função do Filho, que significa “o movimento errático entre canais de TV”.
25
Transformações desta amplitude no campo da ciência, associadas às novas
e crescentes produções tecnológicas, acabaram por gerar novas metáforas, novas
crenças que delimitaram as fronteiras entre a modernidade e a contemporaneidade:
o homem moderno, interiorizado, racional, reflexivo e angustiado diante dos enigmas
da vida, cedeu lugar a um homem exteriorizado, pragmático, preocupado com a
sustentação de uma imagem pública moldada pelos ideais difundidos pelos mais
variados meios tecnológicos.
Houve um tempo em que se discutia o papel dos então chamados meios de
comunicação de massa na formação da opinião pública. Na contemporaneidade,
debate-se o papel da mídia na produção da subjetividade, como magistralmente fez
Andréa Barbosa de Albuquerque (2004) em seu artigo: “Produção de subjetividades,
processos de subjetivação”. Segundo ela, a mídia3 nos diz, insistentemente, o que
desejar e a publicidade constrói nossos sonhos de consumo. Os produtos nos são
oferecidos em carimbos de grife, numa bela embalagem, associados a um estilo de
vida, o que acaba nos remetendo a um lugar na hierarquia social. As imagens que
acompanham os produtos nos hipnotizam de tal forma que queremos tê-los,
acabamos desejando viver daquele jeito que nos é mostrado, sermos daquela
maneira... A promessa embutida na publicidade é que, ao adquirir “aquele” produto,
você poderá assumir imediatamente “aquele” estilo de vida, você acaba se
transformando naquele personagem. É um produto mágico! Consumindo-o, você
poderá ser assediado, receber flores, ter uma família feliz tal como representada no
hipnotizante jogo de imagens, enfim, você será mais realizado! Assim quer a
publicidade...
Mas não é apenas ela que nos induz a sonhar sonhos pré-fabricados. Para
Albuquerque (2004,p.97), “em outra modalidade de atuação, a mídia constrói
modelos de sucesso, personagens de vida pública que se tornam referência de
como deveríamos e, principalmente, poderíamos ser”. Assim, o reconhecimento
social estaria garantido pela ascensão daquele personagem, facilmente alcançável
pelo mimetismo. Exemplifica-se, aqui, o corte de cabelo do Ronaldinho, as roupas da
Xuxa, festa de casamento da atriz/cantora do momento – tudo fielmente divulgado
em revistas, com reportagens sobre o bolo, a decoração, o vestido, para que todos, 3 A palavra mídia é usada no artigo com dois sentidos. No primeiro, refere-se aos meios de comunicação de massa, como televisão, jornal impresso e outdoors, entendidos como instituições, com interesses ideológicos específicos. No segundo, engloba os diversos produtos veiculados por ela: peças publicitárias, jogos esportivos, noticiários e programas de auditório.
26
em sua particularidade, possam viver seu momento festa-de-casamento-da-
celebridade.
Mesmo quando não notamos sua presença, mesmo à nossa revelia, a mídia
nos circunda e nos habita. Quando andamos na rua, quando vemos inúmeras
revistas expostas em bancas de jornal, passamos por outdoors, letreiros e, muitas
vezes, olhamos distraidamente sem saber que estas imagens vão sendo gravadas
em nós. A mídia nos impregna com sua potência resultante de uma presença
maciça, mas que parece passar despercebida, pois já se integrou à paisagem
cotidiana e, muitas vezes, registramos a sua presença sem nela repararmos.
“Esse modo distraidamente passivo com o qual somos expostos às
mensagens da mídia, favorece nossa colagem aos valores por ela divulgados”
(ALBUQUERQUE, 2004,p.99). E o valor central atualmente divulgado pela mídia é o
sucesso imediato e a promessa exposta por ela é que a via principal de prazer é o
palco, seja em espetáculos de felicidade explícita, seja de jornalismo de tragédias. O
sucesso – configurado como destaque na multidão, é alcançado através da posse
de bens: coisas, pessoas, corpos. A idéia de imediato remete-nos às definições:
“não ter nada de permeio”, instantâneo, direto, o que provoca a ausência de
postergação, de percurso, de trabalho.
Das concepções que descrevem a contemporaneidade, destaca-se, em
especial neste trabalho, a de Guy Debord (1997), que chama a sociedade atual de
“sociedade do espetáculo”. Como assinala o autor, uma das características da
sociedade do espetáculo é não haver nela espaço para o diálogo. Ao espetáculo,
cabe a função de “fazer ver”, de parecer e aparecer, constituindo-se como uma
representação independente cuja finalidade é o exibicionismo. “O espetáculo não é
um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediadas por
imagens” (DEBORD,1997,p.14). O espetáculo, também chamado de domínio da
mídia, organiza o que é comunicado de tal maneira que parecem “ordens”:
unificadoras, extravagantes, exageradas.
Vivemos o momento onde a imagem impera sobre os sujeitos. A imagem
espetacular, a imagem produzida pela mídia de “tudo lindo e feliz” a ser consumida,
a imagem de perfeição. Com isso, nos meios de comunicação, nas instituições e no
imaginário social, corporificam-se modelos a serem seguidos por todos: o corpo-
ideal, a família-ideal, a relação-ideal, o aluno-ideal. E o que vem sendo excluído
27
neste contexto? A diferença, a singularidade, as exceções. A sociedade
contemporânea é, portanto, a sociedade do estereótipo.
Segundo Allan Johnson (1995,p.93), os estereótipos são, por definição,
“uma crença rígida, excessivamente simplificada, aplicada tanto aos indivíduos como
categoria, quanto aos indivíduos isoladamente”. Desta forma, os estereótipos
participam, tanto nas estruturas sociais como nas individuais, de alienação no saber.
Na sociedade do estereótipo, têm-se crenças previamente estabelecidas de como as
pessoas devem pensar, sentir e agir. Através de imagens estereotipadas, origina-se
a crença na existência de um saber universal, de um saber que se propõe como um
produto acabado a ser seguido por todos.
Entretanto, o que a ‘sociedade da informação’ globalizada apresenta é a
informação sob uma forma de pré-conceitos, ou seja, de pré-concepções do que se
acredita que os sujeitos devam saber, ensinar, aprender e sentir. O saber que
aparece ali é mais um produto, uma imagem a ser consumida. A psicanalista e
socióloga Leny Mrech (2003,p.21, grifo meu) ressalta que não é de se espantar que muito rapidamente este saber acabe se transformando naquilo que ele era originalmente: uma informação rala, que não dá conta de dizer a realidade dos sujeitos, pois não foi elaborada por eles. O que acaba emergindo é um saber que muito rapidamente se transforma em pré-concepção, em preconceito4, que sob sua forma mais simples pode ser conceituado como uma atitude cultural positiva ou negativa dirigida aos membros de um grupo ou categoria social.
Segundo a autora, a informação que circula a sociedade acaba assumindo
sua faceta mais encorpada ao se transformar em um fenômeno sociologicamente
determinado, que se fundamenta na discriminação, nas formas de tratamento
desigual dos sujeitos que pertencem a um grupo ou categoria particular.
Luciene da Silva (2006) em seu artigo “O estranhamento causado pela
deficiência”, afirma que o preconceito incorpora fenômenos contemporâneos,
resultantes das relações sociais cada vez mais impeditivas para a reflexão sobre a
própria impotência diante de uma ordem social que diferencia pela estigmatização. A
autora debate ainda que, numa sociedade que impõe renúncias e sacrifícios, que
enrijece o pensamento dadas as condições de sobrevivência num contexto
determinado por relações desiguais, de apropriação concentrada de bens materiais
4 Definição de preconceito, segundo o Dicionário Aurélio é “conceito ou opinião formados antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos; idéia preconcebida. Julgamento ou opinião formada sem se levar em conta o fato que os conteste; prejuízo. Suspeita, intolerância, ódio irracional ou aversão a outras raças, credos, religiões, etc.”
28
e simbólicos, o preconceito torna-se um elemento presente e freqüente no processo
de conhecer, restringindo-se, por conseguinte, à mera apreensão do imediato.
O problema social surge quando, através dos estereótipos e preconceitos,
nós estigmatizamos os sujeitos, quando nós consideramos que os outros são
desviantes em relação aos nossos valores, sendo considerados mais corretos do
que os apresentados pelos demais. O sujeito preconceituoso fecha-se
dogmaticamente em determinadas opiniões, sendo assim impedido de ter algum
conhecimento sobre o objeto que o faria rever suas posições e, assim, ultrapassar o
juízo provisório. O diferente estigmatizado evoca lembranças que se quer negar, e
mesmo nos momentos em que se torna possível a convivência, é convencido da
inconveniência de mostrar o que pode oferecer identificação com um outro. Esse
sentimento ambíguo é que determina o afastamento - pelo medo do diferente - do
que não é conhecido, podendo ser transformado em inferioridade, desigualdade e
exclusão.
Ao longo da história da humanidade quaisquer aspectos que não são
considerados ‘padrões’ para a sociedade, podem ser tomados como desviantes:
sexo, etnia, situação financeira, cultura, saúde, dentre muitos outros. O maior efeito
dos estereótipos e do preconceito é justamente a forma padronizada de conceber a
realidade que nos circunda. Acabamos aprendendo a pensar e agir,
tradicionalmente, de uma determinada maneira. Aprendemos a tecer imagens, a
constituir valores sobre os outros e os validamos como sendo reais.
Nas palavras de Nádia Bossa (2002, apud CACCIARI, DE LIMA e
BERNARDI, 2005,p.05), o mundo moderno, ao postular a criança ideal, supostamente universal, acabou por realizar a negação das diferenças e, conseqüentemente, da subjetividade de toda a criança que não consegue responder a esse ideal. De um lado, têm-se crianças supostamente ideais, postas na condição de puro objeto do desejo parental e social. De outro, as ‘crianças-problema’ que insistem em existir e apontar a ilusão do mundo ideal criado, onipotentemente, pelo homem moderno.
É justamente neste postulado de ‘ideal’ que ficam excluídas as
particularidades, as singularidades, as diferenças, as deficiências, as dificuldades. À
imagem de criança ideal gerada ao longo dos tempos, não estão vinculadas as
deficiências físicas, mentais ou sensoriais, as dificuldades de aprendizagem. Ao
imaginarmos a criança ideal, provavelmente, não nos virá à mente aquela com
problemas de relacionamento social, com algum distúrbio emocional, com tiques
29
nervosos ou aquela que não fala. Isto porque o postulado idealizado pelo mundo
moderno deixa de fora tudo e todos que não correspondem aos imaginários de
beleza, de saúde e de competitividade impostos pela sociedade da informação e da
globalização.
A tendência das sociedades, ao longo de sua história, é a de segregar,
separar e excluir todos aqueles que não correspondem ao pressuposto de ‘ideal’, de
normalidade. Na Antiguidade, eram comuns os atos “seletivos”. Mostra-nos Luiz
Fernando Mena (2000,p.02) que, no início da era cristã, Sêneca (4-65 d.C) justifica o
infanticídio argumentando: [...] nós sufocamos os pequenos monstros; nós afogamos até mesmo as crianças quando nascem defeituosas e anormais: não é a cólera e sim a razão que nos convida a separar os elementos sãos dos indivíduos nocivos.
Na Grécia Antiga, as pessoas deficientes/diferentes/desviantes tinham,
conforme o momento histórico, seu destino selado com a morte, ou simplesmente
eram abandonadas. Mena (2000) nos conta que o estado grego-romano tinha o
direito de não permitir cidadãos disformes ou monstruosos, e ordenava ao pai que
matasse o filho que nascesse nestas condições.
Segundo Miranda (2003), nos séculos XVIII e XIX, a sociedade procurou
outros meios de segregar as pessoas que apresentavam algum tipo de deficiência,
deixando-os em instituições residenciais. Já no final do século XIX e meados do
século XX, surgem instituições especiais para oferecer, às pessoas deficientes, uma
educação à parte. Ao final do século XX, observa-se um movimento de integração
social das pessoas ‘diferentes das normais’, que apresentavam alguma deficiência,
visando inseri-los em ambientes escolares, o mais próximo possível daqueles
oferecidos aos demais.
O processo de exclusão está ligado, segundo Michael Foucault (1987), ao
gesto originário de separação sobre o qual se instala uma cultura. Para o autor, a
exclusão se faz por meio das instituições, dos regulamentos, dos saberes, das
técnicas. Foucault define, ainda, que a educação, a organização do saber em
disciplinas, o exercício do poder de normalização são alguns dos procedimentos de
exclusão em nossa cultura. O poder, na visão foucaultiana, normaliza e confina, ao
mesmo tempo em que constrói e produz efeitos. Entretanto, o poder também exclui,
porque suas técnicas, seus mecanismos e seus dispositivos se reproduzem no
mesmo princípio de separação que o instituiu.
30
Além disso, Foulcault fez uma re-leitura da célebre frase do filósofo Thomas
Hobbes (Século XVII): “o homem é o lobo do homem”, afirmando que esta guerra
denunciada por Hobbes é fruto de um mundo que não aceita as diferenças, que não
admite a presença da alteridade. “A guerra de todos contra todos é uma guerra da
igualdade. A guerra é o efeito imediato da não-diferença”. (FOULCAULT, 1975 apud
FORTES, 2004,p.77).
Partindo desta noção de exclusão, é possível ampliar a reflexão para a
análise da diferença, logo, da alteridade: quem é este sujeito “estranho” a quem eu
dirijo o meu olhar? Como é esta escuta do “diferente” – este que não se assemelha a
mim? Qual o cuidado que dispenso a este “outro”?
O que está em jogo, quando a idéia de diferença é acionada, é a ruptura
com o conceito estático e ideal de homem, de mundo e de conhecimento. A análise
da diferença traz consigo a necessidade de cruzar experiências e conceitos, de
compreender a heterogeneidade e a diversidade através da abertura de canais para
o diferente, para o “que não é meu”, nem “igual ao meu”, mas por isso mesmo
merece respeito. E este respeito abre caminho para a descoberta das coisas,
pessoas e situações novas – até então insuspeitáveis, porém fascinantes. É um
caminho que provoca ferimentos pela insegurança, pela incerteza, pela quebra dos
estereótipos, do rompimento com as normas estáveis, pré-concebidas. A interação
com a alteridade não deixa de provocar uma certa dose de dor para o sujeito: o
outro oferece intensidades e diferenças que trazem um estranhamento à
estabilidade narcísica do eu.
Brevíssimas considerações sobre o narcisismo
Sigmund Freud tomou como referência o mito de Narciso para explicar o
amor do sujeito pela imagem de si mesmo. Em “Sobre o Narcisismo: uma
Introdução” (1914) atribuiu um caráter primário ao narcisismo, afirmando tratar-se de
um “complemento libidinal do egoísmo do instinto de autopreservação, que, em certa
medida, pode justificavelmente ser atribuído a toda criatura viva” (FREUD,
1914/1980,p.90). Neste texto, Freud diferencia libido narcísica (ou libido do eu) e
libido de objeto. Freud também salientou que haveria dois caminhos possíveis para a
escolha de objeto pela criança, que estariam relacionados aos dois objetos sexuais
31
originários: a mulher que cuidou dela e ela própria. Esses tipos de escolha objetal
foram denominados, respectivamente, de anaclítico (ou de apoio) e narcísico. No
tipo anaclítico, transfere-se o narcisismo vivenciado na infância para o objeto. No
tipo narcísico, ama-se a si mesmo, ao que se foi, ao que se gostaria de ser e, à
pessoa que foi parte de si mesmo. A relação entre libido narcísica e libido objetal
seria inversamente proporcional, ou seja, enquanto uma aumenta, a outra se
empobrece.
Freud (1914) perguntava-se a respeito do destino dado ao narcisismo infantil
no adulto normal. A resposta articulada refere-se à intervenção do recalque. As
pulsões sexuais sucumbem ao recalque quando conflitam com os diques pulsionais
éticos e morais. Assim, para Freud o recalque entraria em cena pelo respeito que o
eu passa a ter por si mesmo, sendo a formação de um ideal um fator que condiciona
o recalque. Além disso, a formação do ideal (posteriormente incluída no conceito de
supereu) seria incitada pelos efeitos das influências críticas dos pais ou seus
substitutos e ideais coletivos. O sujeito constrói um Ideal de eu a partir do seu eu
ideal, como Freud destacou na passagem seguinte: Esse ego ideal é agora o alvo do amor de si mesmo (self-love) desfrutado na infância pelo ego real. O narcisismo do indivíduo surge deslocado em direção a esse novo ego ideal, o qual, como o ego infantil, se acha possuído de toda perfeição de valor. Como acontece sempre que a libido está envolvida, mais uma vez aqui o homem se mostra incapaz de abrir mão de uma satisfação de que outrora desfrutou. Ele não está disposto a renunciar à perfeição narcisista de sua infância; e quando, ao crescer, se vê perturbado pelas admoestações de terceiros e pelo despertar de seu próprio julgamento crítico, de modo a não mais poder reter aquela perfeição, procura recuperá-la sob a nova forma de um ego ideal. O que ele projeta diante de si como sendo seu ideal é o substituto do narcisismo perdido de sua infância na qual ele era o seu próprio ideal (FREUD, 1914/1980,p.111).
Entretanto, a renúncia desta visão narcísica da infância - um verdadeiro
delírio de grandeza, é colocada à prova no confronto com a alteridade, com a
diferença, com um outro que não simboliza a perfeição de sua própria imagem. O
contato com a alteridade promove uma desconcertante cisão com a escolha
narcísica de amor no ideal do que o próprio sujeito gostaria de ser.
32
A difícil questão da diferença
Nesse sistema social que se constituiu historicamente como vigilante e
punitivo a todos os “diferentes”, o que se observa é o movimento da
homogeneização, da estabilização, da contrição, da normatização, do
enquadramento. Mas, como ficam os que não se “enquadram”? Como lidamos com
os que não são levados pela “onda dos homogeneizados”? Como convivemos com
aqueles que não seguem os padrões de “normais”? Como convivemos com a
alteridade?
Esta é uma discussão que afeta toda uma concepção de homem e de
mundo. Nas palavras de Eizirik (2001,p.41): “pensar a diferença é pensar em
mudança”. A mudança no sistema social não se dá sem uma flexibilização de idéias,
que combate àquelas que se tornaram inflexíveis, movidas pela repetição, pela
generalização, pelos estereótipos e pelo preconceito.
Ao reformularmos e incorporarmos conceitos, estamos certamente falando
também do sujeito da diferença. Sabemos que não é fácil ser diferente no interior
das instituições que desejam o amoldamento a uma massa relativamente uniforme,
idêntica, unificada, monocórdica, quase anônima. Afinal, isto é completamente
paradoxal com a força do movimento, da contradição, da oposição, da ânsia do novo
que constitui a própria vida.
Este conflito entre a tendência homogeneizadora institucional e a
necessidade particular dos sujeitos, traduz uma das mais inquietantes questões que
a escola - em particular atenção neste trabalho, precisa enfrentar enquanto
segmento da sociedade. Trabalhar com o sujeito considerado diferente é estar em
um “lugar movediço” - pois não existem certezas, refazendo-se e reconstituindo-se a
todo o momento, utilizando o desafio do diferente, da dificuldade, da deficiência
como motor para a construção de novos sentidos e realidades sociais e
educacionais.
Disse Gallleano (1991, apud EIZIRIK, 2001,p.56) em O Livro dos Abraços: Somos um mar de fogueirinhas...Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos não alumiam nem queimam. Mas outros, incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo!
33
Entretanto, sabemos como lidar com essas diferenças de ‘fogos’, de
temperaturas, de intensidades? Sabemos como aproveitar o calor – da dúvida, da
curiosidade que queima, que quer saber? Sabemos como lidar com a força do
movimento – que não deixa parar, que ondula, que diversifica e, se movendo, agita;
e, se agitando, perturba o monótono fluir da moldura, do “certinho”, do estático, do
sem vida?
Para Mrech (2005), nós - frutos da sociedade pós-moderna, não somos
levados a entender que somos seres incompletos, profissionais incompletos e que
há falhas em nossas relações, em nosso saber. Não fomos, ao longo de nossas
histórias de vida, acostumados a perceber que não podemos alcançar o
inalcançável: a eliminação da ambivalência, a eliminação da subjetividade e da
singularidade humana. Acabamos, assim, não conseguindo eliminar as
ambigüidades e os descompassos de nossa vida. A ambivalência – possibilidade de conferir a um objeto ou evento mais de uma categoria, é uma desordem específica da linguagem, uma falha da função nomeadora (segregadora) que a linguagem deve desempenhar. O principal sintoma de desordem é o agudo desconforto que sentimos quando somos incapazes de ler adequadamente a situação e optar entre ações alternativas (MRECH, 2005,p.25).
No centro de uma ambivalência, encontramos a Escola. Lugar de encontros,
contatos, de trocas, de convívio. Também lugar de saberes instituídos, de práticas
divisórias instaladas, de ordens, de tradições. No auge do paradoxo (grifo meu), a
Escola se constitui como um centro gerador de relações de poder, e, ao mesmo
tempo, de produção de subjetividades. Por um lado, o maior acesso à educação
visto nos últimos anos, tem significado uma maior diversidade de alunos na escola,
porém, os sistemas educacionais seguem oferecendo respostas homogêneas, que
não satisfazem às diferentes necessidades e situações do alunado.
O grifo acima destacado, relacionado ao paradoxo, diz respeito à exposição
contraditórias de idéias – uma antítese, enquanto figura de pensamento. As5
primeiras formas da palavra paradoxo foram provenientes do Grego paradoxon.
Logo, em Latim, pode-se entender que a palavra é composta do prefixo para-, que
quer dizer “contrário a”, “oposto de” e conjugada com o sufixo nominal doxa, que
5 Fonte: Wikipédia e Enciclopédia Larousse Cultural.
34
quer dizer opinião. No caso da Escola, várias situações se opõem, gerando efeitos
contrários, ou seja, situações paradoxais.
E como ouvir o cotidiano da Escola em seus murmúrios, lamentos,
possibilidades de realização, encontro e criação? Parafraseando Eizirik (2001,p.55),
“será que se conhece a trama de enredamentos que perpassa a Escola? Será que
se atenta para o sofrimento que existe dentro dela?”
Fala-se muito dos sistemas de avaliações, reprovações, punições e
cobranças da Escola. Fala-se muito da pouca participação dos pais no cotidiano
escolar, de suas exclusões infinitas, de suas ausências. Especula-se a todo instante,
sobre o processo de aquisição do conhecimento envolvido com as construções de
cada criança. Mas, fala-se pouco do sofrimento, das angústias, da culpa, da auto-
recriminação, da vontade de saber, do medo de errar, da sensação de impotência,
dos prazos e cobranças de qualidade unificados que matam a qualidade de muitos
trabalhos dentro da Escola. Fala-se pouco do sentimento de desqualificação do
professor, ligado ao desprestígio da sua função na sociedade. Fala-se pouco, e
escuta-se menos ainda, sobre os impactos do nascimento de uma criança
‘deficiente’ em uma família, sua chegada na escola e seus desafios em uma
sociedade por demais individualista e hostil às diferenças.
O impacto do nascimento de uma criança com deficiência em uma família foi
cuidadosamente estudado por Fátima Cavalcante e relatado em seu artigo “Família,
subjetividade e linguagem: gramáticas da criança ‘anormal’” (2001). A autora
argumenta que o nascimento de uma criança considerada fora dos padrões de
normalidade, coloca à prova toda a família, convidando-os a buscar soluções e a
entender este desafio. Segundo Cavalcante (2001), o bebê, ao nascer, desafia os
estoques de conhecimento do continente familiar que o recebe. Mas, este processo
pode se tornar um desafio muito maior em circunstâncias especiais. O nascimento de um bebê “anormal” ou o surgimento de distúrbios mentais na primeira infância produz uma perturbação que afeta toda a família. A família se vê em perigo, uma vez que seus recursos tradicionais serão insuficientes para fazer face á anormalidade. Um novo repertório, então, deverá ser construído (CAVALCANTE, 2001,p.07).
Realmente, escutam-se pouco os desejos dos professores e das crianças,
nas suas mais variadas expressões: na palavra tímida ou decididamente formulada,
nos fracassos, nas realizações vitoriosas.
35
Nas poéticas palavras de Mrech, pensar em uma educação para o sujeito diz respeito a um outro contexto, a uma outra ordem. Trata-se de pensar em um processo educativo voltado para o aluno, em que o importante seria privilegiar a singularidade de cada aluno, com base no seu contexto de vida, e não da sua categoria social (MRECH, 2005,p.25).
A sensibilização para a escuta do sujeito singular, único, dotado de
particularidades e diferenças nas tramas do processo educativo, é a tarefa da
próxima tópica.
1.2 O Sujeito da Alteridade
Somos viajantes imersos em um mundo
com o qual estamos em permanente diálogo. Ítalo Calvino
Somos todos sujeitos em permanente defrontar com o desconhecido. Ao
“viajarmos”, olhando o mundo ao nosso redor, encontramos mais do que diferenças,
encontramos a nós mesmos, em nossa singularidade, que até então nos era
desconhecida, por ainda não ter passado pelo ‘estranhamento’ do diálogo com o
outro.
Estas questões remetem a uma temática que vem sendo discutida pela
Psicologia e que sempre permeou a Psicanálise e a Antropologia: a alteridade. Jodelet (1998, apud ZANELLA, 2005,p.02) destaca a alteridade como
produto de duplo processo de inclusão e exclusão social que, indissoluvelmente ligados como os dois lados de uma mesma folha, mantém sua unidade por meio de um sistema de representações.
Conviver, reconhecendo e valorizando as diferenças é uma experiência
essencial à nossa existência. Estar junto ao outro tem a ver com o que o outro é –
um ser que não é como eu sou, que não sou eu. Essa relação forja uma identidade e
é rotulada pelo outro. Estar com o outro tem a ver com quem é esse outro, esse
desconhecido, um enigma, que tenho que decifrar. O outro vai sendo desvelado, na medida em que se constrói entre nós um vínculo, pelo qual nos confrontamos, nos identificamos, nos constituímos como seres singulares e mutantes (MANTOAN, 2005,p.01).
36
Portanto, a diferença, o estranhamento ao outro – esse que não sou eu, é
um conceito que se impõe para que possamos defender a tese de uma Escola
disposta a se deparar e a lidar com aqueles que fogem aos seus padrões de
“normalidade”.
Em meu próprio diálogo com o mundo acadêmico, literário - repleto de novos
conhecimentos a serem desvendados por mim enquanto pesquisadora, acabei
deparando-me com uma obra que destaca-se por sua autencidade e inovação ao
tratar do tema alteridade. Organizada por Jorge Larrosa e Carlos Skliar, “Habitantes
de Babel: políticas e poéticas da diferença” é um dos livros que não pode deixar de
ser registrado e comentado em uma pesquisa que se propõe a re-significar a noção
de diferença em um espaço de diálogos, conhecimentos, interlocuções, encontros e
afetos chamado Escola.
O mito de Babel, narrado no Capítulo 11, no Livro de Gênesis, fala da
desconfiança do poder dos homens e de suas linguagens. Antes de Babel, todos os
homens da terra tinham uma única língua e usavam as mesmas palavras até que
disseram uns para os outros: Vinde façamos ladrilhos e cozamo-los no fogo (...), vinde façamos para nós uma cidade e uma torre cujo cume chega até o céu e façamos célebre o nosso nome antes que nos espalhemos por toda a terra6.
Segundo a narrativa bíblica, o Senhor contemplou aqueles homens, refletiu
sobre os desígnios do projeto (eis aqui um povo que não tem senão uma mesma
linguagem) e decidiu instalar a confusão entre as línguas, impedindo o exercício do
poder despótico.
Em torno do mito de Babel, situam-se questões da unidade e da pluralidade,
da dispersão e da mesclagem, da ruína e da destruição, das fronteiras e da
transposição delas. Babel é usada como uma espécie de dispositivo metafórico, para
dar sentido à nossa experiência, àquilo que nos acontece, ao como nos entendemos
ou não. Por isso, o que importa não é o que quer dizer o mito, mas o que dizemos ou
fazemos com ele, quais são os efeitos de sentidos que dele provêm e o que
refletimos a partir dele. No livro, Babel é um sintoma, um sintoma disperso e confuso de nosso mundo disperso e confuso; é um sintoma sobretudo, do que nos acontece, nos inquieta, nos dá o que pensar no que de confusão e dispersão existe em nós mesmos (LARROSA e SKLIAR, 2001,p.09).
6 BÍBLIA SAGRADA; Antigo e novo testamento. Gênesis 11. Rio de Janeiro: Vida, 1996. p. 7.
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Pensar Babel, babelicamente, é pensar em descentralização de uma só
língua, de uma só comunidade, de um só povo. É pensar em um movimento que se
abre para muitas línguas, para muitas cidades, para movimentos imprevisíveis e
incalculáveis, para muitos nomes. Babel é a metáfora da passagem, mesmo que
trágica, de uma unidade para a pluralidade. É a perda de uma língua comum capaz
de tecer a memória comum dos homens e o advento da multiplicidade e confusão
lingüística. Babel, conseqüentemente, conta o começo de uma história do gênero humano atravessada pela ‘ausência de uma tarefa comum a todos os homens’, pelo fracasso da totalitária pretensão de unificar todos os homens em torno de um propósito comum, de um ideal comum, de um destino comum (TÉLLEZ, 2001,p.47).
É em torno de um mito, que vários autores se propõem a tratar a alteridade,
sob diversos ângulos. Convidam-nos a pensar que a relação com o outro -
concebida e exercida como relação de alteridade - não impõe condições nem
responde ao modelo de contrato, mas que se forma e se forja em uma singular
abertura e apelo ao outro, na qual não se pede sua pré-disposição para se integrar,
nem se pergunta se vamos poder assimilá-lo dentro do grupo. A relação de
alteridade se refere, principalmente, ao comparecer e ao expor-se ao risco da
relação com o outro, como aquilo que inquieta, pois não se deixa reduzir ao
previsível, ao prescrito, ao controlável.
Fernando Placer, em seu artigo do livro em questão, indica-nos que para
haver relação com o outro é necessário entender-se a si mesmo, distanciar-se de
nossas certezas divinas, deixar de continuar sendo da maneira como somos,
nomeando e olhando o mundo como já fazemos. É necessário, em uma verdadeira
inter-relação com o outro, abandonarmos nossos estereótipos e preconceitos, já
firmados em nossas expressões como autênticos e já validados em nossas práticas
cotidianas. Talvez, para sentir o outro, “seja necessário abrir lugares de silêncios e
de palavras – não necessariamente conceitos – reveladoras”.7 Para o encontro com
o outro, é necessário estar em um lugar comum, sem dono, sem nome prévio, sem
limites. Para ouvir o outro, é preciso descarrilar-se deste nosso tempo previsível,
possível, dominado por projetos e cálculos, para embalar-se em um tempo elástico,
que se recusa ser medido e contabilizado.
7 Referência à página 89, do livro Habitante de Babel.
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Fortes (2004,p.71) demonstra como o conflito constante entre os processos
narcísicos ( amor de si mesmo) e os processos alteritários é constitutivo da própria
produção do sujeito, ou seja, há um conflito interno permanente no psiquismo entre
persistir centrado em suas referências e transpor as barreiras do eu para se deixar
regular pelos estímulos provocados no encontro com o outro. O sujeito oscila entre
esses pólos, e o desejo só aparece quando a balança pende para o lado da
alteridade.
É justamente neste encontro com a alteridade, que o sujeito se depara com
suas limitações, com sua fragilidade, com sua solidão. As forças da cultura atual
impelem o sujeito a negar a própria dor. Negando-a, não faz com que ela diminua.
Ao contrário, a dor excluída é ela própria fonte de dor, e por isso, uma das marcas
de nosso tempo é o desamparo. Vivemos em uma era de incertezas, de mudanças
da relação do sujeito com as garantias do futuro, o que conduz a uma sensação de
vazio, de desproteção, que nos conduz à descrença, à fragilidade nos laços sociais
e ao enfraquecimento da figura da alteridade em nossas vidas.
Entra em cena, portanto, a Psicanálise, em seu acolhimento à dor de um
sujeito, deixando aparecer aquilo que ele tem de mais próprio, de mais singular.
Pensar na Psicanálise nos dias de hoje significa uma espécie de diálogo com a
nossa cultura, valorizando nela o que pode ser oferecido de potência e vitalidade
aos sujeitos, e resistindo naquilo que ela comporta de mortificação, homogeneização
e aniquilação da singularidade.
A abordagem que a Psicanálise propõe relaciona-se com uma determinada
posição de abertura, caracterizada basicamente pela disponibilidade de escuta das
situações do sujeito. Cada um tem uma história única, cada sintoma tem um sentido
particular, tomando em consideração a especificidade do inconsciente de cada
sujeito. Uma vez que a Psicanálise faz crítica a um modelo iluminista de Educação –
fundamentado na razão e na objetividade, ela revela que a palavra e a linguagem
introduzem meandros de luz e sombra, fazendo com que ocorram fenômenos que se
encontram além dos parâmetros da racionalidade, tais como resistências,
questionamentos, os impasses, os silêncios...
Quando a Educação – em especial atenção neste trabalho de pesquisa - é
atravessada pelo pensamento psicanalítico, a terminologia deficiência/diferença
ganha novos contornos. O sujeito da diferença passa a sujeito da singularidade,
situado em um contexto educativo cuja tarefa nunca termina.
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Sensibilizados pela Psicanálise, os educadores tendem a se interrogar
acerca de seus próprios conceitos de alunos/sujeitos, pois a Educação atual não diz
respeito a uma preparação para a vida. Ela se refere à própria vida do aluno, em
suas reais demandas, necessidades e desejos.
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“Não vemos as coisas como elas são, Mas como nós somos“.
Anais Nin•
• Desenho de R.W., 11 anos. É aficionado por liquidificadores, conhecendo a fundo seus processos. Gosta de ler e de computadores. Na Escola, já foi solicitado pelos colegas para pequenos consertos do eletrodoméstico pelo qual tem profundo interesse. Tem Síndrome de Asperger.
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CAPÍTULO 2. O Sujeito da Singularidade: contribuições da Psicanálise para a Educação
Encontramo-nos em uma sociedade que, ao longo de sua história, vem
sofrendo mudanças culturais, tecnológicas e científicas, que acabaram oferecendo
novos estilos de vida, de organização e administração social aos seus sujeitos. O
processo de modernização da sociedade brasileira se acelerou pós década de 70,
tendo como modelo os países ocidentais desenvolvidos. Anteriormente, de acordo
com Dacorso (2005), os indivíduos estavam subordinados ao social e o trabalho não
‘atropelava’ a vida pessoal. Os valores que vigoravam eram tradicionais e
profundamente ligados à religião. Os sentimentos eram resguardados ao âmbito
individual e não se esperava que variassem de sujeito para sujeito. As aptidões,
vocações e o desempenho no mundo externo eram apresentados de maneira a
excluir os desejos particulares.
Os ideais pós-modernos trouxeram consigo a liberdade de opção, os
projetos pessoais e a angústia da responsabilidade do próprio destino. Passou a
ocorrer, em todos os setores sociais, a tentativa de dissolução dos discursos
totalizantes e homogeneizantes. Já não existe um saber científico capaz de dar
traçado único, um sentido unitário, às experiências da vida cultural, socioeconômica
e das subjetividades. O mundo tornou-se complexo e as respostas ficaram instáveis.
Surgem as incertezas e a dificuldade de clareza, acarretando demandas de
intervenções pessoais, familiares e Institucionais que consigam trabalhar o individual
e o subjetivo.
Este olhar para o que há de singular em cada um de nós é, sem dúvida, o
maior legado da Psicanálise aos tempos atuais: a possibilidade de fazer emergir a
particularidade do sujeito em meio a esse ‘substancialismo cotidiano’ que a tudo
domina. A Psicanálise aposta no sujeito do desejo e na sua possibilidade de, se
quiser, mudar seu próprio destino. As idéias de seu fundador – Sigmund Freud
(1856 - 1939), inauguram o conceito de que o “homem é livre por sua fala e de que
seu destino não se restringe a seu ser biológico” (ROUDINESCO, 2000, p.09). A
Psicanálise teve o mérito de solucionar, reconhecer e desvendar a fala de cada
sujeito, em sua singularidade, carregada de fantasias, desejos, amores e ódios. A
partir da teoria de Freud sobre o inconsciente, iniciou-se uma nova concepção do
42
sujeito. Ao descobrir o inconsciente e inventar a Psicanálise, Freud criou, no mesmo
movimento, um novo campo do saber e uma nova modalidade de laço social, de
relacionamento. A Psicanálise trouxe novas formas de ver o homem, a cultura e o
mundo.
A palavra “psicanálise” fez sua aparição em 1886, num texto de Freud
redigido em francês. No ano anterior, havia publicado juntamente com seu amigo
Josef Breuer, os famosos Estudos sobre a Histeria (1895), onde relata o caso de
uma moça judia e vienense que sofria de uma estranha doença de ordem psíquica
na qual eram postas em cena fantasias sexuais por intermédio das manifestações do
corpo. Às tardes caía num estado de sonolência que durava até cerca de uma hora depois do pôr-do-sol. Então despertava e se queixava de que algo a estava atormentando — ou melhor, ficava a repetir na forma impessoal: “atormentando, atormentando”, e isso porque, paralelamente ao desenvolvimento das contraturas, surgiu uma profunda desorganização funcional da fala. A princípio, ficou claro que ela sentia dificuldade de encontrar as palavras, e essa dificuldade foi aumentando de maneira gradativa. Posteriormente, ela perdeu o domínio da gramática e da sintaxe; não mais conjugava verbos e acabou por empregar apenas os infinitivos, em sua maioria formados incorretamente a partir dos particípios passados, e omitia tanto o artigo definido quanto o indefinido. Com o passar do tempo, ficou quase totalmente desprovida de palavras. Juntava-as penosamente a partir de quatro ou cinco idiomas e tornou-se quase ininteligível. Quando tentava escrever (até que as contraturas a impediram totalmente de fazê-lo), empregava o mesmo jargão. Durante duas semanas emudeceu por completo e, apesar de envidar grandes e contínuos esforços, foi incapaz de emitir uma única sílaba. E então, pela primeira vez, o mecanismo psíquico do distúrbio ficou claro (FREUD, 1895/1980,p.67).
Para Roudinesco (2000) a história desta paciente viria a se tornar um marco
na trajetória da teoria psicanalítica de Freud, pois é à experiência clínica do caso
Anna O., que se atribuiu à invenção do método psicanalítico:
um tratamento baseado na fala, um tratamento em que o fato de se verbalizar o sofrimento, de encontrar palavras para expressá-lo, permite, se não curá-lo, ao menos tomar consciência de sua origem e, portanto, assumi-lo. Essa é a grande marca do pensamento freudiano: a concepção radical do homem como portador, a um só tempo, da palavra e do corpo – alquimia heterogênea entre desejo e significante que o condena a uma inexorável divisão (ROUDINESCO, 2000,p.14).
Segundo Freud, o homem vem ao mundo num estado de total desamparo e
depende do adulto que dele se ocupa até mesmo para sobreviver, para satisfazer
suas necessidades básicas. É neste contexto que as necessidades do sujeito se
transformam em demanda, demanda de que o outro nos ame, única garantia de
43
sobrevivência. O que escapa entre a necessidade e a demanda é o desejo que
anima o sujeito do inconsciente.
Este desejo é proveniente de uma falta, oriunda da impossibilidade que o
outro complemente a sua inesgotável demanda de amor e, portanto, impossível de
ser atendida. A esta falta inevitável entre o sujeito e o outro, Freud denominou de
castração e às ficções que cada um de nós inventa para justificar a possibilidade do
encontro perfeito, chamou de Complexo de Édipo.
O desejo está para a Psicanálise, no cerne do funcionamento mental e entra
na constituição da fantasia, dos conflitos, dos sonhos e sintomas de cada sujeito.
Estamos todos envolvidos por uma força de atração, ou de libertação, a uma
tendência para um prazer que induz a um ato em busca de um estado. Somos,
inevitavelmente, sujeitos do desejo! Ocorre uma tensão que liga de novo uma
satisfação passada à que está por vir, convocada pelo desejo, permanecendo
intimamente ligada ao sentido que emana de uma cadeia de significantes, tanto no
pensamento quanto na linguagem.
E, enquanto sujeitos, somos sujeitos do pensamento – do pensamento
inconsciente.
E, sendo inconsciente, o sujeito é uma lembrança apagada, um significante que falta, um vazio de representação em que se manifesta o desejo. Para a Psicanálise, o sujeito não tem substância e seu ser está fora do pensamento – lá onde se encontra a pulsão sexual (QUINET, 2003, p.13).
A leitura de Jacques Lacan, a partir dos fundamentos de Descartes sobre o
sujeito da certeza (“Penso, logo existo”), é o início da (re)significação da concepção
de sujeito da singularidade, do sujeito da dúvida, do sujeito desejante.
Para Lacan, o sujeito pode ter certeza, desde que, se possam destacar, no seu discurso, dúvidas tais como: ”eu não sei”, “eu duvido”, “eu não estou certo”, etc., como reveladoras de um sujeito dividido (PACHECO, 1996, p.71).
Aí está, portanto, o Inconsciente!
A Psicanálise, constituída no talking cure, situa a sua práxis na estrutura de
linguagem do inconsciente. O sujeito do inconsciente é movido pelo desejo. Esse
desejo, Freud descobre bem cedo em sua obra, é o desejo proibido, incestuoso,
correspondente ao complexo de Édipo. Além disso, o sujeito da Psicanálise é
44
fundado pelo recalque, que inaugura o inconsciente e torna este desejo
desconhecido para o sujeito que é animado por ele.
Desta forma, o inconsciente se configura como um saber- não- sabido pelo
sujeito. Saber este, cujo funcionamento obedece a leis próprias que não coincidem
com as leis da lógica consciente. Segundo Freud, o inconsciente opera por
condensação e deslocamento. Foi Lacan, em seu retorno a Freud, que releu a
condensação e o deslocamento à luz da lingüística, e os reapresentou como leis da
linguagem: metáfora e metonímia.
O sujeito da Psicanálise é, portanto, o sujeito do desejo, que se manifesta na
falha, no tropeço, no ato falho, no sonho, no sintoma. Mas só a fala permite que o
sujeito reconheça e admita uma produção como sendo sua – que até então
desconhecia, mas que, ainda assim, faz parte dele.
Em Suplemento metapsicológico à teoria dos Sonhos (1917/1980,p.254),
Freud relata: “(...) os sonhos só nos revelam aquele que sonha, na medida em que
ele não está dormindo”. O que o criador da Psicanálise nos revela é que, para se
interpretar um sonho, é preciso passar ao seu relato, pois é feito de linguagem, ou
melhor, de pensamentos oníricos. Só se tem acesso ao inconsciente através da
linguagem.
Já que o inconsciente é um potencial positivo de significantes – também
chamados de ‘conteúdos’, as anunciações: ‘bom e mau’, ‘adesão e rejeição’, dentre
outras, devem ser interpretadas como o recalque original, fixado por pares de
oposição na cadeia de significantes (aqueles que fazem significar).
Eis, portanto, a importância do esclarecimento de conceitos como os
significantes e suas propriedades às profissões da fala, tais como a Educação. Os
significantes de cada sujeito entram em conexão por um potencial dinâmico, que
responde ao próprio desejo, desejo de pensar, procurar, saber, agir, enfim, viver. Se
a comunicação do professor estiver intimamente vinculada a esse desejo de saber,
ele situar-se-á no discurso do fazer desejar que, segundo Lacan, é o único capaz de
produzir o verdadeiro saber, e, conseqüentemente, indivíduos autônomos e criativos.
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2.1 O Sujeito para a Psicanálise: Inconsciente, Linguagem e Significantes
À luz da teoria psicanalítica, o SUJEITO não é um homem, uma pessoa,
tampouco um indivíduo comumente identificável. Ele é um ser dependente da linguagem, em que um significante vai representá-lo em relação a todos os outros significantes e, por isso mesmo, determiná-lo. Dessa posição, deriva-se um ‘resto’, pois o sujeito não é todo representável pela linguagem. De fato, desde que nela se inscreva, o sujeito não tem mais acesso direto ao objeto, mas tão somente pelo discurso que media esse acesso (CHEMAMA, 1995,p.75).
Assim, o discurso do sujeito estaria sempre marcado pelo seu ‘avesso’, ou
seja, pelo inconsciente. Dividido, descentrado, quebrado, o sujeito se definiria por
um embate com o ‘outro’ que o habita. Desta forma, a linguagem seria a
manifestação da busca por uma unidade, do desejo do sujeito em tornar-se um, de
construir, expor e significar-se a si mesmo na condição paradisíaca e originária de
sujeito uno e pleno de poder.
Recorrendo à teoria lingüística de Ferdinand de Saussure, são encontradas
duas análises para a linguagem. Uma ligada à língua como estrutura de signos
independentes, universal. Outra vinculada à fala enquanto exercício dessa estrutura
por parte do sujeito, particular. Trata-se, portanto, do aspecto social da língua
contrastando-se com o individual da fala.
É também em Saussure que Lacan encontra sua fonte para tratar do
conceito de significante. Definiu-o, então, como a imagem acústica, o som extraído de seu significado, para aquém ou pra além do conceito que representa, é o puro som. Lacan ainda inverte a relação, colocando o Significante em cima e o Significado embaixo, porque o inconsciente se interessa muito mais pelo significante do que pelo significado; ele é constituído por cadeia de significantes (QUINET, 2003,p.43).
Assim, na cadeia significante, o sentido é, na verdade, um outro significante.
Em Escritos (1966)8 Lacan refere-se ao sentido como um tonel, que está sempre
vazando, situando-nos na idéia de que o sentido nunca se completa, pois é uma
eterna cadeia de significantes. Um significante não se define sozinho; é sempre
dependente de outro.
Desta forma, portanto, é que o inconsciente se constitui: pelos
deslizamentos incessantes dos significantes, que não se detêm em significados. A 8 Referência à pág. 512
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cadeia associativa designada por Freud, é chamada de cadeia de significantes na
concepção lacaniana, em que um significante vai se articulando a outro, a outro, a
outro... Essa transformação de uma coisa em seu oposto é possibilitada pela íntima cadeia associativa que vincula a representação de uma coisa a seu oposto em nossos pensamentos. Como qualquer outro tipo de deslocamento, ela pode atender aos propósitos da censura, mas é também, com freqüência, um produto da realização de desejo, pois esta não consiste em nada além da substituição de uma coisa desagradável por seu oposto. Tal como as representações de coisa podem aparecer nos sonhos transformadas em seu oposto, o mesmo pode acontecer com os afetos ligados aos pensamentos oníricos; [...] (FREUD, 1900/1980,p.503).
Quinet (2003) ressalta, ainda, que no encadeamento de uma frase, as
palavras apresentam seu significante (o som), e seu significado (o conceito que ela
representa). Entretanto, segundo o autor, o inconsciente revela que não é bem essa
articulação que é dada, mas uma na qual se tem uma cadeia de significantes e que,
só ao final de uma frase, é que se tem o sentido do primeiro significante.
A relevância do estudo da linguagem em Psicanálise está no cerne da
liberação da fala plena, aquela que faz advir o significado. Este se liga ao recalcado,
e o significante está no lugar do sintoma. A fala plena – amorfa e atemporal, tem
valor transformador do sujeito, dimensão essencial da experiência psicanalítica. A
fala plena opõe-se a qualquer discurso constituído por ser o lugar da livre criação
individual, e o sentido, é contextual, já que o ouvinte decide sobre a significação.
Sendo uma atividade constituída pelo poder da linguagem, a Educação
depara-se, a todo instante, com as equivocações. O professor fala algo e o aluno
entende outra coisa completamente diferente, tornando os processos primários de
identificação e transferência rumo ao desejo de saber muito prejudicados. Portanto,
o significante deva ter suas propriedades esclarecidas para que possa discernir-se
da pura palavra, assumindo sua definição para cada sujeito, em sua singularidade e
desejo.
A partir do texto “A instância da letra no inconsciente ou A razão desde
Freud” (1957), encontrado em os “Escritos” – obra primorosa de Jacques Lacan,
podem-se citar duas das propriedades do significante da seguinte forma:
• A equivocidade do significante ocorre pelo seu poder de simultaneidade
de preenchimento em mais de uma cadeia. Uma palavra pode ter vários
sentidos (ambigüidade semântica). Estruturalmente, essa ambigüidade
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ocorre devido à articulação e à posição do significante na sua conexão com
os outros, num constante deslizamento.
• O significante tem um poder de comando próprio, tem uma capacidade
de ser imperativo. O significante, assim, pode ser cruel, quando se remete
ao “cale-se!”, “ande!”, “faça!”. Ao mesmo tempo em que aponta o sujeito, o
significante pode nomeá-lo de tal maneira que o mortifica. Essa propriedade
evidencia a característica unitária do significante – ele é uno, é todo, é S1
(significante-mestre). Desta forma, em seu poder único, pode reduzir uma
pessoa ao seu próprio designo, como, por exemplo, chamando-a de “fulano
é um guardanapo!”. Ao chamar um sujeito por um significante é uma forma
de mortificá-lo, de etiquetar a sua história, designá-lo a partir de uma
categorização pessoal.
Estas duas propriedades citadas elucidam o poder do significante na
constituição da metáfora do próprio sujeito. Na sociedade atual, é muito comum
presenciarmos cenas de mortificação de sujeitos, ou grupos deles, através de
significantes como: negro, gay, lésbica, judeu, deficiente, dentre tantos outros.
Nas esferas sociais e educacionais, quantos de nós já não ouviu alguém se
referir a uma pessoa com necessidades especiais como “aquela retardada?”. Quem
já não presenciou falas que transformam uma síndrome em uma marca de
impossibilidade pessoal: “ele não aprende porque tem Síndrome de Down”? Os
significantes constituem o inconsciente e, no momento em que se fala, experimenta-
se seu peso e seu valor. O conceito de inconsciente indica que não só habitamos a
linguagem, mas somos habitados por ela.
A concepção psicanalítica de sujeito nos remete a um ser falante e a um
sentimento de estranheza, de ‘estranha familiaridade’, como dizia Freud, em relação
ao nosso próprio eu, quando este se expressa ou tropeça na linguagem, de um
enunciado ou de uma enunciação. Falar, portanto, significa aceitar o fato de que a
significação das palavras escapa e, mais ainda, que as palavras, interpretadas pelo
outro, provocam efeitos subjetivos (em mim e no outro) que fogem ao meu controle.
Sandra Almeida (2006,p.02) elucida-nos que “falar comporta riscos e mal-
entendidos”. Falar anuncia demandas que estão sempre aquém do desejo e que se
dirigem a um Outro.
Ao dirigir-se ao Outro, a fala passa a ser discurso. Lacan, influenciado pelo
pensamento dos lingüistas, definiu discurso como sendo: “um determinado grupo de
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fala decantado e sedimentado pela história; realização individual de todo social que
há na língua” (QUINET, 2006,p.17). Retomando Freud em O mal – estar na
civilização (1930), Lacan expõe as quatro formas das pessoas se relacionarem entre
si – governar, educar, psicanalisar e fazer desejar – chamando-as de discursos, pois
os laços sociais nelas presentes são tecidos e estruturados pela linguagem. Governar corresponde ao discurso do mestre/senhor, em que o poder domina. Educar constitui o discurso universitário, dominado pelo saber. Analisar corresponde ao laço social inventado no início do século XX por Freud, em que o analista se apaga como sujeito por ser apenas causa libidinal do processo analítico. E, fazer desejar é o discurso da histérica dominado pelo sujeito da interrogação (sobre o desejo), que faz o mestre não só querer saber, mas produzir um saber (QUINET, 2006, p.17).
Educar e, conseqüentemente, aprender, são frutos de efeitos discursivos.
Para Kupfer (1992), a presença de um professor ou de uma professora, colocada em
determinada posição, pode ou não propiciar a aprendizagem. O importante desta
afirmação, ainda que soe óbvia, é que a aprendizagem ocorre via discurso do outro,
já que diz da dispersão daquele que a anuncia. Os alunos, por sua vez, revestem o
discente de uma figura especial, a quem são endereçados seus interesses. Quais
são esses interesses? São aqueles ressonantes do desejo do aluno como sujeito –
desejo aqui tomado como Freud o concebeu: inconsciente.
Na relação pedagógica, a transferência se produz quando o desejo de saber
do aluno aferra-se a um elemento particular no Outro, sob a função do professor. Esse aluno atribui um sentido especial àquela figura determinada pelo desejo. Esse Outro, esvaziado de seu próprio sentido, torna-se depositário de algo pertencente ao aluno, que lhe fixou um outro sentido particular e inconsciente. Mas o docente tende a apodera-se desse sentido especial atribuído pelo aluno. De posse, deriva-se um poder, já que a transferência de sentido, operada pelo desejo, é também uma transferência de poder (PEREIRA, 2005, p.96).
O próprio Freud, em A dinâmica da transferência (1912), constatou que o
fenômeno da transferência ocorre em todas as relações humanas. Segundo ele, a
transferência pode ser entendida como reedições de vivências psíquicas que são
atualizadas em relação à pessoa do analista e, no nosso caso, atualizada em
relação à figura do professor. Na relação pedagógica, o aluno supõe ao professor
um saber e, a partir desta suposição ou de sua ausência, o professor fundar-se-ia,
ou não, como uma figura de autoridade. Isso significa que o aluno escutará o
professor a partir do lugar em que o professor, por este mesmo aluno, foi colocado.
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Lugar determinado por seus desejos inconscientes, oriundos de suas relações
primitivas com suas figuras primordiais, lugar determinado pela transferência. As pessoas a quem se acha assim ligada são os pais e irmãos e irmãs. Todos que vem a conhecer mais tarde tornam-se figuras substitutas desses primeiros objetos de seus sentimentos. (Deveríamos talvez acrescentar aos pais algumas outras pessoas como babás, que dela cuidaram na infância.) Essas figuras substitutas podem classificar-se, do ponto de vista da criança, segundo provenham do que chamamos as ‘imagos’, do pai, da mãe, dos irmãos e das irmãs, e assim por diante. Seus relacionamentos posteriores são assim obrigados a arcar com uma espécie de herança emocional, defrontam-se com simpatias e antipatias para cuja produção esses próprios relacionamentos pouco contribuíram. Todas as escolhas posteriores de amizade e amor seguem a base das lembranças deixadas por esses primeiros protótipos. (FREUD, 1914/1980,p.287)
O trecho acima, extraído de Algumas reflexões sobre a Psicologia do
Escolar (1914), é extremamente elucidativo quanto ao fenômeno da transferência,
principalmente no contexto educativo, quando o aluno relaciona-se com a figura do
professor a partir de suas primeiras experiências. Neste mesmo texto, Freud relata o
quanto seus antigos mestres deixaram-lhe recordações e o quanto o seu desejo de
aprender esteve permeado por seus professores. Minha emoção ao encontrar meu velho mestre-escola adverte-me de que antes de tudo, devo admitir uma coisa: é difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi a nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres. (FREUD, 1914/1980,p.286)
Entretanto, vale ressaltar que o professor também é um sujeito marcado pelo
desejo inconsciente. Portanto, ao ser colocado na “banca” do poder, tenderá a
abusar do lugar que ocupa, podendo subjugar o aluno, impondo-lhes seus próprios
saberes, valores e modelos predeterminados, segundo um discurso que
universaliza. É necessário que o professor esteja atento para não se tornar uma
autoridade que imporá seu próprio desejo à criança.
Na perspectiva freudiana, a educação lida com o desejo de saber do sujeito-
aluno investido no Outro-professor. Por sua vez, os professores – ocupando o lugar
de Outro para o aluno, só “educam” quando não se identificam com o saber que é
sempre do Mestre. Isso resulta na hipótese psicanalítica de que a aquisição do
conhecimento, sustentada pelo desejo de saber, depende da posição subjetiva da
criança diante do desejo do Outro, representado pela figura do professor. Em seu
artigo Psicanálise e Educação, Sandra Francesca Conte descreve esta relação da
seguinte forma:
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A relação professor-aluno pode (re)produzir, segundo as leis do funcionamento do inconsciente, uma relação na qual o aluno-falo submete-se à Lei do desejo do Mestre, para ser reconhecido e amado enquanto eu-ideal, por este Outro, suposto tudo saber, tudo poder. Ao projetar no aluno suas fantasias (de onipotência ou quaisquer outras) e ao ‘seduzi-lo’ para que esse lhe responda desde uma posição subjetiva de assujeitamento, o professor estará atualizando a sua própria condição subjetiva face ao desejo e à castração (2006, p.03).
A Psicanálise pode promover um despertar para uma postura mais reflexiva
sobre a tarefa educativa, que supõe uma nova significação por parte do professor de
sua atuação junto aos alunos. As grandiosas metas idealizadas pelos educadores
negam a realidade do desejo, conseguinte, a realidade da criança como sujeito. A
re-significação pedagógica deve ter como cerne de que a mediação do
conhecimento passa pela via da fala, e que os laços sociais (discursos) se
estruturam no campo da linguagem.
Analisando o Discurso do Mestre, desenvolvido por Jacques Lacan no
capítulo intitulado “Produção dos quatro Discursos” do livro O seminário 17: o avesso
da Psicanálise (1967-1970), percebe-se que nele o professor fica no lugar de agente
do discurso, como o “sabe-tudo”, o detentor absoluto do “Conhecimento universal”,
tendo como tese de que tudo deve submeter-se à lei. O docente pode exigir tarefas
de seus educandos meramente como objetos de gozo, tudo submetido a uma lei que
ele determina no lugar de agente. Entretanto, esta produção ‘industrializada’ pode
gerar ‘objetos’ que não foram planejados pelo Mestre. Desta subversão, podem
surgir sujeitos que não estão sob a barra das determinações legais: são os alunos
transgressores, a insurreição dos colegas docentes, a inquisição da equipe
pedagógica. A intenção do Mestre de não deixar que nada esmoreça sua função de
poder, torna-se abalada pelo fato de não se conseguir “colar” saber e produto. É a
faceta do ‘impossível’ na arte de Educar: não se podem converter alunos em
escravos, enquanto objetos de gozo do próprio professor. Afinal, o olhar que vigia e
a voz que critica vinda do “Grande Senhor”, não permitem a tomada de consciência
autônoma por parte do sujeito.
Em contrapartida, o Discurso Histérico, com seu caráter de fazer desejar o
saber, é o avesso do discurso universitário da burocracia, pois faz absoluta objeção
ao totalitarismo perverso do saber, seja ele religioso, acadêmico ou qual for. O
sujeito histerizado é hipnotizante, acredita que a regra é parasita da pulsão
imaginária e convoca a pulsão de mestria. Ouso apostar que a função de mestre é
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realmente a de subversor, suprimindo a diferença entre a regra e a lei, convocando
sujeitos de desejo a partir dos seus efeitos discursivos, promovendo laços sociais,
mantendo-se em sua esfera de ‘eterno caçador do saber-ainda-não-sabido’.
É por tudo isso que Lacan assinala que a linguagem não dá conta de falar o
que aconteceu com o sujeito. “A linguagem é um tonel que vaza”, ressalta ele. Mas,
existem certos sentidos, certas significações na história do sujeito, às quais ele se
apega, se atrela, querendo apenas partir delas. Por isso, na Escola, é muito
importante que professores e alunos consigam soltar o que Lacan designa das
amarras da palavra, isto é, as significações prévias, as significações estereotipadas.
Retomando Freud em sua afirmação, a “Educação é uma profissão
impossível”, Mrech (2005) esclarece que não porque ensinar, educar seja
impossível. Mas porque nunca se ensina da mesma forma e nem se educa de
maneira igual, sempre. O projeto educacional se transforma, ele nunca é o que foi
anteriormente. A cada momento o contexto educativo vai se tornando uma outra
coisa: diferente e inovadora. Por quê? Porque os alunos são outros, o contexto é
outro. O impacto desta perspectiva psicanalítica na Educação é de fundamental
importância para a ampliação das discussões sobre subjetividades na Escola.
Frente a uma atual demanda escolar de alunos com necessidades especiais,
a Escola é convocada a uma (re)significação de seus próprios parâmetros. Quem é
esse novo alunado? São Sujeitos! Sujeitos de desejo, dotados de seus próprios
significantes. Cabe ao Professor, portanto, reconhecer que tem limitações. A partir
desse incômodo impacto, torna-se tarefa incondicional fazer-se sedutor, desejável,
tornar-se inquieto perante a voz alheia, desfazer seus antigos saberes e reconstituí-
los, gradativamente, destituído de sua postura narcísica e onipotente. Cabe-lhe,
também, a revisão de seus valores de ideais de grandeza e perfeição para com os
educandos, repaginando a si mesmo como “Mestre Barrado”, para que o ensino se
torne, verdadeiramente, possível!
Ao verdadeiro pressuposto de Inclusão, não cabe a ‘objetalização’ da
criança, deixando de enxergá-la como um sujeito, para enxergar uma patologia. Isto,
por si só, já inviabiliza o ato educativo, pois parte de significações estereotipadas
acerca do aluno.
Parafraseando Gonçalves (2006), a inclusão se viabiliza pelo
posicionamento do educador e da Escola diante do sujeito que aprende. O ato
educativo se dá no ‘confronto subjetivo’ com o outro que me rodeia e não de uma
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ecolalia de estratégias mais ou menos adequadas para abordar o aluno, muitas
vezes marcado por significantes: patologia, impossibilitado, estranho, doente ou
incompatível.
A aventura de “acolher” o aluno deficiente é um grande desafio à realidade
educacional brasileira... O acolhimento às diferenças exige, antes de mais nada,
uma mudança na forma como a sociedade está estruturada atualmente, como pensa
a diferença e como lida com ela. Como diz Darcoso (2006:05), “nós e as crianças
teríamos que passar a ver os diferentes, os deficientes e os ‘não-capazes’ como
muito mais semelhantes do que nos parece atualmente”. E não negando as
diferenças, sendo simplesmente, sujeitos.
E uma sociedade e sua esfera educacional que, durante tanto tempo,
segregaram os “diferentes”, têm uma imediata convocação de reestruturação de
valores a fazer... Na atual conjuntura, é imprescindível aprendermos a conviver com
o outro, deficiente ou não, pois ele está inserido no contexto educacional que
pressupõe o amparo à diversidade humana. Façamos juntos, no próximo Capítulo,
esta reflexão que irá nos remeter a evoluções históricas, à instauração de novos
paradigmas e a um processo de re-significação de nossos próprios conceitos acerca
da diferença.
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“O homem é mortal por seus temores
e imortal por seus desejos.”
Pitágoras•
• Desenho de A.F, 5 anos. Menina que adora chocolate, desenhos animados e brincadeira na piscina de bolas. Na Escola, os amigos de turma ajudam-na com a merenda e com a arrumação dos materiais. A aluna é autista.
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CAPÍTULO 3. Educação, Deficiência e Inclusão: o Sujeito na Diversidade
3.1 Da exclusão do deficiente à inclusão da diferença
A Educação é o principal alicerce da vida social. Ela transmite e amplia a
cultura, estende a cidadania, constrói saberes para o trabalho. Mais do que isso, ela
é capaz de ampliar as margens da liberdade humana, à medida que a relação
pedagógica adote, como compromisso e horizonte ético-político, a solidariedade e a
emancipação.
Entretanto, percorrendo os períodos da história universal, evidenciam-se
teorias e práticas sociais segregadoras, especialmente quanto ao acesso ao saber.
Poucos podiam participar dos espaços sociais nos quais se transmitiam e se criavam
conhecimentos. As pessoas com deficiências, vistas como “doentes” e incapazes,
sempre estiveram em situação de maior desvantagem.
Na era pré-cristã, em que havia ausência total de atendimento, os
deficientes eram abandonados, perseguidos, ou eliminados por conta de suas
condições atípicas, e a sociedade era a legitimadora dessas ações.
Em Atenas, Platão (428-348 a.C.), ao procurar descrever sobre como
deveria ser uma república perfeita, afirma: [...] e no que concerne aos que receberam corpo mal organizado, deixa-os morrer (...). Quanto às crianças doentes e as que sofrerem qualquer deformidade, serão levadas, como convém, a paradeiro desconhecido e secreto (PLATÃO apud SILVA, 1986, p.124).
Ainda nesta mesma Cidade-Estado, Aristóteles (384 -322 a.C.) também
manifestou sua opinião em relação às pessoas com deficiência: "quanto a saber
quais as crianças que se deve abandonar ou educar, deve haver uma lei que proíba
alimentar toda criança disforme" (ARISTÓTELES apud SILVA, 1986, p.124).
Assim como Platão e Aristóteles - na Grécia, em Roma, Cícero e Sêneca
também emitiram suas opiniões a respeito das pessoas com deficiência e de como
se deveria proceder em relação a elas. Cícero, que viveu entre 106 a.C. 43 a.C.,
comenta em sua obra "De Legibus", que nas Leis das DozeTábuas havia uma
determinação para o extermínio de crianças consideradas como anormais.
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Tábua IV- Sobre o Direito do Pai e Direito do Casamento: Lei III O pai imediatamente matará o filho monstruoso e contrário à forma do gênero humano que lhe tenha nascido há pouco" (CÍCERO apud SILVA, 1986, p.128).
Este mesmo filósofo romano emitiu seu ponto de vista a respeito do como se
deveria proceder em relação às pessoas com deficiências múltiplas: reunamos agora todos esses males num só indivíduo. Que ele seja surdo e cego e que prove atrozes dores ele será logo consumido por esses sofrimentos e, se por falta de sorte eles chegarem a se prolongar, por que suportá-los? A morte é um refúgio seguro onde esse indivíduo estará ao abrigo dessas horrendas misérias (CÍCERO apud SILVA,1986, p.141).
Já na Antigüidade (dos primórdios ao século IV), segundo Cambi (1999),
pessoas com deficiência passaram a ser utilizadas para mendigar ou enquanto
objetos de espetáculos circenses. "Existia em Roma um mercado especial para
compra e venda de homens sem pernas ou braços, de três olhos, gigantes, anões,
hermafroditas" (DURANT apud SILVA, 1986, p. 130).
Visto no final da Antigüidade e aprofundado na Idade Média (séculos V a
XV), o modelo da institucionalização foi uma outra forma de se tratar as pessoas
com deficiência (AKASHI, DAKUZAKU,2001). No início, tratava-se de instituições
(asilos, hospitais e hospícios) geralmente mantidas pela Igreja Católica – principal
organização econômica e política da Idade Média ou por ricos senhores, nas quais
eram internadas uma parte das pessoas idosas e doentes que não dispunham de
condições de proverem seus meios de vida. Estes lugares "serviram também de
abrigo para pessoas impossibilitadas de prover seu próprio sustento, devido a sérias
limitações físicas e sensoriais" (SILVA, 1986, p.204).
Com o estabelecimento desses asilos, hospitais e hospícios, as pessoas
com deficiência eram retiradas do convívio social e enclausuradas, passando a viver
junto aos doentes ou moribundos. A partir desse tratamento, principalmente o
proposto pela Igreja Católica, [...] o deficiente tem que ser mantido e cuidado. A rejeição se transforma na ambigüidade proteção-segregação ou, em nível teológico, no dilema caridade-castigo. A solução do dilema é curiosa: para uma parte do clero. vale dizer, da organização sócio-cultural, atenuasse o 'castigo' transformando-o em confinamento, isto é, segregação (com desconforto, algemas e promiscuidade), de modo tal que segregar é exercer a caridade, pois o asilo garante um teto e alimentação. Mas, enquanto o teto protege o cristão, as paredes escondem e isolam o incômodo ou inútil. Para outra parte da sócio-cultura medieval cristã, o castigo é caridade, pois é meio de salvar a alma do cristão das garras do demônio e livrar a sociedade das condutas indecorosas ou antisociais do deficiente (PESSOTTI, 1984, p.7).
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Otto Silva (1986) salienta que, apesar da existência dessas instituições, é
importante lembrar que na Idade Média, a maioria das pessoas com deficiência não
eram internadas. Isso ocorria porque a sociedade não dispunha de recursos
suficientes para adotar tal procedimento, o que levava boa parte dessas pessoas a
sobreviver da mendicância. Existiam também aqueles que eram aproveitados nas
atividades laborais desenvolvidas no interior dos feudos, o que se tornava possível
devido a maior parte da produção ocorrer no âmbito familiar, onde cada pessoa
poderia trabalhar segundo as suas condições físicas, sensoriais e mentais.
Até o final da Idade Média, a pessoa com deficiência era vista somente sob
o aspecto místico. Nesta abordagem, ela poderia ser considerada como o resultado
da ação de forças demoníacas, como um castigo para pagamento de pecados seus
ou de ancestrais e ainda, como um instrumento para que se manifestassem as obras
de Deus.
O processo de declínio da Idade Média e início da Idade Moderna é
caracterizado pelo nascimento da burguesia, evolução do comércio e das grandes
navegações. A burguesia é a “classe que faz madurecer princípios novos, novos
valores e novos ideais: o individualismo, a liberdade, a produtividade” (CAMBI,
1999, p. 172). As descobertas geográficas do final da primeira metade do segundo
milênio contribuíram para que nos séculos XVI e XVII ocorresse um gradativo
aumento do mercado por produtos manufaturados, a possibilidade de maior
acumulação de capitais e o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Essas
transformações, que representaram o fim do feudalismo e o surgimento do modo de
produção capitalista, fizeram com que, aos poucos, os tradicionais costumes
medievais fossem perdendo força e, em seu lugar, nascesse a cultura da sociedade
moderna (Idem, 1999).
Com o novo modo de produção, as relações humanas passaram a ser
organizadas em função de um processo produtivo voltado para a acumulação de
lucros. Nesse modelo, aqueles que não se ajustam à lógica do sistema de
exploração, passam a ser considerados como perturbadores da ordem social. Dentre
estes, encontram-se as pessoas com deficiência, as quais, juntamente com outros
"divergentes", passaram a ser internadas em asilos, manicômios, hospícios etc. O que ocorreu, na verdade, foi o isolamento daqueles que interferiam e atrapalhavam o desenvolvimento da nova forma de organização social, baseada na homogeneização e na racionalização (SILVEIRA BUENO, 1993, p.63).
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Nesse momento histórico, a educação estava dividida em religiosa, para a
formação do clero, e outra voltada para as necessidades locais (artesanato, guerra).
A exclusão do processo educacional não era apenas da pessoa diferente, mas
também das camadas populares, pois a educação formal era, na época, um
privilégio para poucos. De acordo com Akashi e Dakuzaku (2001), quem se opunha
às normas estabelecidas pela aristocracia e pelo clero recebia punições, como o
vazamento dos olhos e mutilações pelo corpo. De forma semelhante, a pessoa
“diferente” era considerada castigada, pagando pecado por algum crime e separada
do convívio social.
Em outros casos, era considerada diabólica, pois se acreditava que “corpo
deformado significava ter a mente também deformada” (Idem, 2001,p.31). Viviam da
compaixão das pessoas, recebendo esmolas, doações de alimentos e vestimentas.
Separar do convívio social era um bem para a aristocracia e não para a pessoa
“diferente”. Com a Inquisição Católica, a pessoa “diferente”, aquele que discordasse das idéias e ordens da Igreja, sofria perseguições, torturas e, como última conseqüência, a morte. A pessoa diferente passa por um momento delicado, pois podia ser considerada herege ou endemoniada, fugindo da imagem e semelhança de Deus e, assim, sofrer com a perseguição, caça e extermínio (BRASIL, 2000, p.10).
Como os deficientes não traziam nenhum lucro, gerando o sentimento de
que o melhor para a sociedade era segregá-los, “não se pune, nem abandona o
deficiente, mas também não sobrecarrega o governo e a família com sua incômoda
presença” (PESSOTTI, 1984, p.24).
Foi assim que no século XVIII, surgem os hospícios que passaram a
funcionar em antigos leprosários, lugares para onde eram levados todos que fossem
julgados não pertencentes aos padrões sociais como prostitutas, loucos, deficientes,
delinqüentes, mutilados, etc.
No que se refere às pesquisas médicas, ao longo do século XVIII e XIX, as
deficiências foram associadas a todo tipo de depravação social, doenças endêmicas
e degenerescências hereditárias. De acordo com esse pensamento, os deficientes
mentais classificavam-se em dois grupos distintos. Havia o grupo dos imbecis
inofensivos: pessoas que não respeitavam a propriedade, tinham atitudes
indecentes e mostravam-se egoístas e insaciáveis; e o grupo dos imbecis de maus
instintos: “[...] do tipo criminal, eram falsos, velhacos, mentirosos, preguiçosos,
gulosos, degenerados, cruéis” (PESSOTTI, 1984,p.166).
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Não só os deficientes mentais, mas também os que apresentavam
limitações físicas e/ou sensoriais, também eram considerados ineficientes e pouco
produtivos. Justificava-se assim, a prática de excluir essas pessoas do convívio
social e segregá-las em instituições, cujo principal objetivo era oferecer cuidados
mínimos que garantissem a sobrevivência, tais como alimentos, abrigo e
medicamentos, livrando a sociedade de conviver com o indesejado. Enquanto “[...]
algumas culturas simplesmente eliminavam as pessoas deficientes, outras adotaram
a prática de interná-las em grandes instituições de caridade, junto com doentes e
idosos” (PESSOTI, 1984,p.187). Foi assim que, os deficientes vistos como ‘não
desejados’ e ‘nada atraentes fisicamente’ viveram encerrados, durante quase todo o
século XIX, em instituições-prisão, autênticos guetos, ‘depósitos’ e reservas de
segregados (FONSECA, 1995).
Foucault (1991) nos esclarece que a loucura, ao ser capturada pelo saber
médico, com o advento do hospital psiquiátrico no século XVIII, ganha o status social
de enfermidade, devendo ser tratada em recintos próprios. A função das instituições
era, segundo a ideologia vigente na época, diagnosticar as doenças mentais e tratá-
las conforme o entendimento médico psiquiátrico, bem como manter a loucura longe
dos olhares da sociedade. Segundo Birman (1992), foi com base no discurso de
enfermidade mental que se autorizou a exclusão social dos loucos, com
conseqüente destituição de seus direitos. Uma vez que entre os internados também
se encontravam os loucos de todo gênero, Foucault conclui estar no processo de
internação generalizada a prova da exclusão da loucura no meio social: É entre os muros do internamento que Pinel e a psiquiatria do século XIX encontrarão os loucos; é lá — não nos esqueçamos — que eles os deixarão, não sem antes se vangloriarem terem-nos “libertado”. A partir da metade do século XVII, a loucura esteve ligada a essa terra de internamentos, e ao gesto que lhe designava essa terra como seu local natural (FOUCAULT, 1991, p.48).
O Paradigma8 da Institucionalização se caracteriza por ser o primeiro
paradigma formal a estabelecer uma relação entre a sociedade e a pessoa diferente.
É marcado pelo confinamento da pessoa deficiente em asilos, conventos e hospitais
psiquiátricos para o seu tratamento. Para Aranha (2000), esse paradigma se
8Segundo Khun (1975, apud SANTOS e WESTPHAL, 1999), um paradigma é o conjunto de elementos culturais, conhecimentos e códigos teóricos, técnicos ou metodológicos compartilhados pelos membros de uma comunidade científica. É esse compartilhar que distingue o conhecimento científico da crença ou do senso comum. A evolução científica se dá pelo que o autor chamou de revoluções, denotando as passagens das fases de normalidade para as crises e daí , para as novas teorias.
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caracteriza pelo princípio de que a pessoa com deficiência será melhor cuidada, se
permanecer isolada e confinada em ambientes segregados, longe do convívio social,
apenas em contato com seus semelhantes.
A vertente médico-organicista no atendimento aos deficientes se manteve
durante as primeiras décadas do século XX, por força de médicos alarmistas que se
utilizavam de dados estatísticos e pesquisas pseudocientíficas, que associavam a
eficiência a todo tipo de mazelas. Além de afirmarem se tratar de um mal genético e
hereditário, essa vertente considerou necessária a esterilização dessas pessoas,
para evitar a propagação da espécie. Foi por volta da metade do século XX que o
Paradigma da Institucionalização começou a ser criticamente examinado e
denunciado como sendo uma prática que violava os direitos do homem. Esta crítica
estava inscrita dentro de um contexto marcado pelo crescimento da luta pelos
direitos humanos de todas as minorias sociais. Esse movimento levou ao
estabelecimento do modelo da integração (SILVEIRA BUENO, 1993).
Portanto, o século XX acentua o declínio do Paradigma da Exclusão,
fortalecendo o Paradigma da Institucionalização. Por volta de 1960, em vários países
e no Brasil, o Paradigma da Institucionalização começa a ser repensado: a crítica
que se faz é que esse modelo não proporciona nem favorece a preparação da
pessoa com necessidade especial para o convívio em sociedade, enquanto o custo
de uma pessoa institucionalizada é cada vez mais alto. Para Bobbio (1992,p.5) outro
aspecto que favoreceu a perda da hegemonia do Paradigma da Institucionalização
foram os movimentos em prol dos direitos humanos que se fortaleceram, pois os direitos humanos são direitos históricos que emergem gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e as transformações das condições de vida que essas lutas produzem (Idem, 1992,p.6).
A década de 1960 foi decisiva e marcante para o declínio do Paradigma da
Institucionalização, iniciando as propostas de desinstitucionalização e normalização.
Nessa perspectiva, pensa-se na introdução da pessoa com necessidade especial na
sociedade, “procurando ajudá-la a adquirir as condições e os padrões da vida
cotidiana, no nível mais próximo possível do normal” (BRASIL, 2000, p.16).
Como conseqüência das propostas de superação do Paradigma da
Institucionalização, iniciam- se as idéias de Normalização, fomentando o conceito de
integração, ou seja, a pessoa com necessidade especial deve estar inserida ou
integrada no convívio social. “Na década de 60 e 70, houve um grande movimento
60
para retirar pessoas com deficiências das grandes instituições e reinseri-las na
comunidade, que se configurou no movimento de desinstitucionalização” (MENDES,
1996,p.6). O Paradigma da Institucionalização perde sua hegemonia,
proporcionando o surgimento do Paradigma de Serviços, pois, para que a pessoa
especial pudesse se adequar/modificar para viver em sociedade, é necessário que
se ofereçam serviços e recursos favoráveis ao princípio da integração.
O foco desse Paradigma está em modificar a pessoa especial para que esta
se assemelhe aos demais cidadãos e, assim, possa ser integrada/inserida no
convívio social. A mudança deveria ocorrer na pessoa diferente e para isso cabe à
sociedade oferecer os serviços e os recursos necessários (BRASIL, 2000).
O Paradigma de Serviços se caracteriza por três etapas: primeira –
avaliação feita por uma equipe de profissionais que especifiquem o que deve ser
modificado na vida do sujeito, para torná-lo o mais próximo possível da normalidade;
segunda – a equipe passa a intervir e oferecer atendimento, de acordo com os
resultados da avaliação realizada; e terceira – encaminhamento da pessoa com
necessidade especial para a vida na comunidade (BRASIL, 2000).
Alguns movimentos marcaram o Paradigma de Serviços, como no final dos
anos 1960, a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes
Mentais, a Campanha Nacional de Educação de Cegos. Além disso, são criados:
Centro de Reabilitação de Cegos no Brasil, Federação Nacional das APAEs,
Secretaria de Educação Especial e Associação Brasileira de Educadores de
Deficientes Visuais.
Estas ações, dentre tantas outras, evidenciavam a necessidade de políticas
e práticas sociais e educativas para atender a esse novo ‘alunado’. O modelo
assistencialista e segregatório de atendimento às deficiências, que até então havia
norteado as políticas públicas deste setor, começava a ser repensado e interrogado
do ponto de vista de condições de direitos de acesso à Escola. Estava sendo dado
um passo, mediante uma longa caminhada que ainda estava por vir, mas já
representava uma sinalização de que a Escola não poderia mais ficar ‘estática’
diante da diversidade, da diferença entre os alunos que batiam à sua porta! Estava
chegando a era do Paradigma da inclusão!
A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), aprovada pela
Assembléia Geral das Nações Unidas, veio afirmar o princípio da não-discriminação e proclamou o direito de toda pessoa à educação, o que significou,
61
historicamente, um grande marco na emergência dos direitos humanos e um grande
passo para a educação das pessoas com deficiência.9
A nossa Constituição Federal de 1988, além de trazer a Educação como
direito fundamental, elegeu como um dos princípios basilares do ensino a todos, a
“igualdade de condições para acesso e permanência na Escola”.10
Com a Conferência Mundial Sobre Educação para Todos, que aconteceu na
Tailândia em 1990, muitos documentos internacionais acabaram sendo editados,
com destaque para a Declaração de Salamanca (1994) que preceitou: [...] todas as escolas deveriam acomodar todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. Deveriam incluir todas as crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias lingüísticas, étnicas, ou culturais e crianças de outros grupos em desvantagem ou marginalizados. As escolas têm que encontrar a maneira de educar com êxito todas as crianças, inclusive as que têm deficiências graves (UNESCO, 1994).
A Declaração de Salamanca (1994) utiliza o termo “pessoa com
necessidades educacionais especiais”, estendendo a modalidade de educação
especial a todas as crianças ou jovens que têm necessidades decorrentes de suas
características de aprendizagem. O princípio é que as escolas devem acolher a
todas as crianças, incluindo crianças com deficiência, superdotadas, com
dificuldades de aprendizagem, crianças de populações distantes, pertencentes a
minorias lingüísticas, étnicas ou culturais, de outros grupos desfavorecidos ou
marginalizados. Para isso, o documento sugere que se desenvolva uma pedagogia
centrada na relação com a criança, atendendo suas reais necessidades,
considerando as diferenças entre elas.
A Educação começou a ouvir e a se deparar, desde então, com novos
conceitos e ideais: os de garantia de qualidade e equidade, ou seja, educação com
qualidade para todos. De um atendimento assistencialista dos séculos anteriores, a
educação estava convocada, pelo menos na ordem dos dispositivos legais, a evoluir
para uma abordagem pautada em princípios de cidadania, onde o educando com
algum tipo de deficiência - que antes se encontrava em uma visão segregacionista e
9 “Deficiência significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social”. Conceito de deficiência: Convenção contra todas as formas de discriminação contra a pessoa com deficiência – OEA – 1999, Decreto nº 3.956/01, Art. 1º. 10 Constituição Federal, art.206, inciso I.
62
descontextualizada, agora poderia ser encarado como um sujeito-agente, que se
identifica e interage com o seu contexto social.
Entretanto, foi com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN) de nº 9.394, promulgada em 1996, que as discussões referentes à
educação das pessoas com necessidades educacionais especiais11 no Brasil
ganharam uma dimensão maior. A Lei propugna, em seu Capítulo V, da Educação
Especial: Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais (BRASIL,1996).
Essa medida caracterizou uma nova maneira de se entender a educação
aos alunos com necessidades educacionais especiais, assegurando-lhes o direito de
acesso e permanência nas salas de aula comuns, em escolas regulares. Estavam
instauradas, portanto, as propostas de inclusão educacional, em que as pessoas
com deficiências bastante significativas têm os mesmo direito de acesso à
educação, em ambiente escolar não segregado, que os seus colegas com
deficiências menos severas e mais os alunos sem deficiência da mesma faixa de
idade (MANTOAN, 2005).
A Educação Inclusiva envolve práticas educativas para alunos que precisam
de um atendimento, metodologia, atenção e instrumentos específicos que se
adequem às suas necessidades especiais: deficiência auditiva, física, mental, visual
ou de aprendizagem.
As dificuldades de Aprendizagem (DA) podem ser descritas como
dificuldades na aquisição e compreensão auditiva, da fala, da leitura, da escrita e do
raciocínio matemático. Estas desordens, se devidas a uma disfunção do sistema
nervoso central, podem ocorrer durante toda a vida. Problemas de comportamento,
de percepção social e na interação social podem existir com as DA. As DA podem
ocorrer com outras deficiências (deficiência sensorial, deficiência mental, distúrbio
11 Terminologia presente na LDBEN. O artigo 5º da Resolução CNE/CEB nº 2, de 11/09/01 explica que as necessidades especiais decorrem de três situações, uma das quais, envolvendo dificuldades vinculadas à deficiência e outra de dificuldades não-vinculadas a uma causa orgânica.
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sócio-emocionais) ou por influências externas (diferenças culturais e de instrução).12
Na moderna esteira do conceito de inclusão – seja ele social ou em sua
vertente educacional, prevalece o pressuposto de que é preciso haver modificações
na sociedade para que esta seja capaz de receber todos os segmentos que dela
fora excluídos, promovendo, assim, um processo de constante dinamismo político-
social. Sassaki (2005) ressalta ainda que, todas as formas de inserção escolar
vigentes até a concepção de educação inclusiva, partiam do pressuposto de que
devem existir dois sistemas educacionais: o regular e o especial. Os alunos com
deficiência poderiam estudar em escolas regulares se fossem capazes de
acompanhar seus colegas não-deficientes. Todo este viés conceitual tem origem no
modelo médico de deficiência, segundo o qual o problema está na pessoa com
deficiência e, por esta razão, ela precisa ser “corrigida” (melhorada, curada, etc) a
fim de poder fazer parte da sociedade. Todo o atendimento prestado a esta clientela
era considerado pelo viés terapêutico e a avaliação/identificação era pautada em
exames médicos e psicológicos, com ênfase nos testes de inteligência e rígida
classificação etiológica.
A inclusão educacional está ancorada no princípio da ‘não-exclusão’: não
deixar ninguém de fora do contexto educativo regular. Tem um caráter de reunir
alunos com e sem dificuldades, funcionários, professores, pais, diretores, enfim,
todas as pessoas envolvidas na educação. Sua metáfora é a do caleidoscópio: O caleidoscópio precisa de todos os pedaços que o compõe. Quando se retiram pedaços dele, o desenho se torna menos complexo, menos rico. As crianças se desenvolvem, aprendem e evoluem melhor em ambiente rico e variado (FOREST, 1997,p.06 , citado em artigo do Ministério da Saúde).
Portanto, a partir da fundamentação teórica apresentada por Sánchez
(2005), podemos apontar que as causas fundamentais que têm promovido o
aparecimento da inclusão são de dois tipos: por um lado, o reconhecimento da
educação como um direito, e, por outro, a consideração da diversidade como um
valor educativo essencial para a transformação das escolas. Isto supõe conceber a
educação para além de uma visão puramente instrumental - utilizada para alcançar
determinados resultados, e ir buscar a sua função em toda sua plenitude. “O que
12 Fonte: National Joint Committee of Learning Disabilities, 1988.
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supõe a plena realização do educando como sujeito, ou dito de outra forma, que
toda pessoa aprenda a ‘ser’” (ALLAN, 1999 apud SÁNCHEZ, 2005,p.11).
Ainda baseado em Sánchez (2005), o objetivo maior da Educação é que
todos os alunos recebam uma educação de qualidade centrada na atenção de suas
necessidades individuais. Para a autora, esse objetivo coincide plenamente com a
finalidade da educação inclusiva, posto que reconhece a diversidade existente
dentro de uma classe, determinando que eles recebam uma educação de acordo
com suas características, uma vez que incrementa a possibilidade de aprendizagem
para todos. Os educadores que têm se arriscado a educar com êxito as crianças com deficiência no marco da educação geral, sabem e argumentam que esses alunos são um presente para a reforma educativa. São estudantes que forçam a romper o paradigma da escolarização tradicional e obrigam a tentar novas formas de ensinar. (SÁNCHEZ, 2005,p.11).
Portanto, a diversidade pode e deve ser acolhida em uma escola inclusiva,
pois para conceber-se com o tal, esta deve incorporar conceitos de autonomia,
independência e empoderamento nas relações entre todas as pessoas que compõe
a comunidade escolar. É indispensável que haja práticas baseadas na valorização
das diferenças, na identificação da singularidade, para que possa surgir o respeito
às condições de cada sujeito. A inclusão nos remete a uma “noção de pertencer”,
uma vez que considera a escola como uma comunidade acolhedora em que
participam todas as crianças, onde cada uma aprende dentro de suas
possibilidades.
A inclusão escolar dirige o seu olhar a todos os alunos, já que todos podem
apresentar dificuldades de aprendizagem em um dado momento. Desta forma, as
estratégias de trabalho que ela estabelece são direcionadas para favorecer a
aprendizagem de todos os alunos da sala de aula. Na inclusão, todos são membros
de direito da classe regular, sejam quais forem suas características principais. Mas,
muitas vezes, o que vemos são alunos “inclusos” em salas de aulas comuns do
ensino regular, mas que estão totalmente desintegrados dos colegas ditos “normais”
e das relações com o saber. Será que isso é inclusão? Ou melhor, será que isso é
educação?
O principal foco deste trabalho não é o de procurar culpados ou o de rotular
atendimentos, mas sim, o de tentar driblar as dificuldades – principalmente docentes,
65
em conceber a inclusão como uma inserção em um espaço físico, sem que haja
integração entre os sujeitos. Isto sim, é a exclusão na inclusão!
O objetivo, agora, é o de buscar alternativas pedagógicas para superar as
dificuldades e principalmente aprender a lidar com elas. Neste cenário a escola não
é mais a instituição caridosa com a “missão” de receber o deficiente. Tampouco, o
professor é um “missionário” de plantão e, muito menos, o aluno deficiente precisa
de “piedade”. Todos nós, membros da era da educação inclusiva, precisamos de
relações de trocas, de espaços de diálogos e encontros em prol de uma educação
de qualidade para todos.
3.1.1 Inclusão Educacional: uma nova realidade
Estamos diante de uma tarefa nada fácil: uma mudança de paradigmas, de
transformações no modo de conceber e praticar o atendimento aos deficientes.
Durante séculos, a sociedade manteve procedimentos que afastavam a criança, o
adolescente e o jovem do convívio social, o que conduzia, invariavelmente, a um
aprofundamento maior do preconceito sobre as pessoas que fugiam do padrão de
“normalidade”. Na tentativa de eliminar os estigmas e integrar os alunos com
deficiências nas escolas comuns do ensino regular, surgiu o movimento de
integração. Neste processo, o aluno tinha que se adequar à escola, que se mantinha
inalterada. A integração total na classe comum só era permitida para aqueles alunos
que conseguissem acompanhar o currículo ali desenvolvido e acabava privando
muitos educandos de alcançar níveis mais altos de ensino. Continuavam, portanto,
engrossando a lista dos excluídos do sistema educacional. Na era atual - batizada
como a era dos direitos, pensa-se diferente acerca das necessidades educacionais
dos alunos. A ruptura com a ideologia da exclusão proporcionou a implantação da
política da inclusão.
Esse novo olhar sobre as diferenças representa uma grande conquista, mas
significa repensar séculos de atitudes segregadoras, décadas e mais décadas de
atendimentos isolados aos que eram considerados “diferentes” e dignos de piedade,
mas acima de tudo, significa o aprendizado de cada um de nós para a convivência
na diversidade, em uma nova concepção de aluno, de ensinar e de aprender. Uma
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mudança de paradigmas desta magnitude requer também uma reestruturação de
princípios humanos como os da dignidade, da identidade e da cidadania.
A dignidade humana não permite que se faça discriminação. Ao contrário,
exige que os direitos de igualdade oportunidades sejam respeitados. O respeito à dignidade da qual está revestido todo ser humano impõe-se, portanto, como base e valor fundamental de todo estudo e ações práticas direcionadas ao atendimento dos alunos que apresentam necessidades especiais, independentemente da forma em que tal necessidade se manifesta (BRASIL, 2001,p.24).
Juntamente com o valor fundamental da dignidade, impõe-se o da busca da
identidade. Trata-se de um caminho nunca suficientemente acabado. Todo cidadão
deve, primeiro, encontrar uma identidade inconfundivelmente sua, encontram-se
como pessoa, familiarizar-se consigo mesmo, até que, finalmente, “tenha uma
identidade, um rosto humanamente respeitado” (BRASIL,2001,p.29). Ainda segundo
o documento brasileiro do Ministério da Educação, esta reflexão favorece o encontro
das possibilidades individuais, do que cada um é dotado, facilitando a verdadeira
inclusão. Neste sentido, as inter-relações entre as pessoas decorrem da aceitação
da condição humana, aproximando-se, assim, as duas realidades – a sua e a do
outro.
As relações entre os sujeitos devem estar sustentadas por atitudes de
respeito mútuo, momento em que atitudes permeadas pelo preconceito vão em
direções opostas do que se requer para a existência de uma sociedade democrática
e plural. O respeito traduz-se na valorização de cada sujeito em sua singularidade,
nas características que o constituem. O princípio da equidade de oportunidades na
Escola reconhece a diferença e a necessidade de haver condições diferenciadas
para o processo educacional. Portanto, a Escola é um espaço privilegiado de
exercício e efetivação das relações de respeito, identidade e dignidade.
Mas será que estamos realmente preparados para essa realidade escolar?
Ou melhor, será que a Escola já tomou consciência da necessidade de reestruturar
seus valores de homogeneização, de notas padronizadas, de “alunos perfeitos”, de
currículos mecanicamente sistematizados? Será que toda a comunidade escolar
(pais, professores, funcionários e alunos) está empenhada em reconhecer suas
próprias especificidades, em encontrar suas próprias identidades, para assim,
acolher e conviver com o outro que lhe rodeia? Será que a Escola - enquanto
67
segmento social, está revendo seus estereótipos e preconceitos? Em outras
palavras, estamos realmente preparados ou nos preparando para a inclusão?
Ainscow (1998, apud SÁNCHEZ, 2005,p.15), um dos principais defensores e
promotores da inclusão em todo o mundo, afirma que a “inclusão não é somente
para os alunos com deficiência, mas para todos os alunos, educadores, pais e
membros da comunidade”. Trata-se de um plano de trabalho muito mais amplo, que
envolve a melhoria escolar e persegue a igualdade e excelência para todos os
alunos. Isso implica que os professores revisem, junto aos seus companheiros, o
conceito que têm sobre dificuldades de aprendizagem e que ações devem colocar
em prática. É urgente a convocação dos educadores para a discussão dos ideais
democráticos de cada sujeito – seus alunos, diante desta sociedade que visa a
todos planificar. Mais do que nunca, as diferenças, as identidades precisam ser
realçadas! Este debate é, acima de tudo, o compromisso da Educação com a
formação do sujeito-cidadão, detentor de direitos.
Ensinar constitui a atividade principal na profissão do docente e por isso
deve ser compreendida como uma ‘arte’ que envolve aprendizagem contínua e
envolvimento pessoal no processo de construção permanente de novos
conhecimentos e experiências educacionais, as quais preparam o docente para
resolver novas situações ou problemas emergentes no dia-a-dia da escola e da sala
de aula.
No campo da Educação, está instalada há anos, a polêmica sobre se os
docentes precisam ter mais teoria (conhecimento científico) ou mais prática
(conhecimento pedagógico). Atualmente, os avanços no campo da Educação
evidenciam que ambos os conhecimentos são necessários, pois somente o
conhecimento dos conteúdos das disciplinas (currículo) não garante que os
estudantes aprendam, assim como apenas uma boa metodologia de ensino ou
gestão da aula tampouco asseguram a aprendizagem dos conteúdos programáticos.
A docência é e deve ser entendida como uma atividade com complexidade maior do
que somente os processos de ‘ensinar a aprender’, uma vez que a docência implica,
segundo Mrech (2003,p.45), na “aquisição e desenvolvimento da capacidade de
refletir sobre sua prática pedagógica”.
O professor deve ser capaz de inovar cotidianamente a partir de sua
experiência de sala de aula, com o objetivo de aperfeiçoar e desenvolver sua prática
de ensino, mediante processos de reflexão e pesquisa da própria ação. A
68
aprendizagem da prática reflexiva exige que as atividades de formação dos
docentes levem em conta as características dos contextos nos quais eles intervêm e
os problemas reais que enfrentam na sua prática. A reflexão e análise da prática
baseiam-se em uma permanente construção da realidade, o que implica contínua
interação entre os conhecimentos que o docente possui e a realidade na qual atua.
Mas existem espaços suficientes para estas reflexões docentes? Os
professores, em suas respectivas escolas e áreas de atuação, encontram núcleos de
debates tendo como cenário a sua própria prática profissional?
3.2 Educadores e Inclusão: “Por que a Diferença incomoda tanto?”
Enquanto educadora sensibilizada pela Psicanálise, promotora de educação
inclusiva para diversos alunos e companheira de outras tantas profissionais que
precisam, tal quanto eu, revisar as concepções e práticas educacionais, resolvi
propor um espaço para a discussão de práticas efetivas de inclusão educacional.
Surgia, portanto, diante de uma necessidade real, o Curso de Formação de
Multiplicadores sobre Inclusão para Professores na escola da qual faço parte.
Parafraseando Leite (1999, apud FREITAS E CASTRO, 2004,p.05), no
processo de inclusão educacional, os professores são convocados a serem colocados em um contexto de aprendizagem, onde possam aprender, fazendo: errando, acertando, tendo problemas a resolver, discutindo, construindo hipóteses, observando, revendo, argumentando, tomando decisões, pesquisando.
Desta forma, na escola, os professores também podem aprender e podem
construir suas práticas a partir de seus próprios desafios e desamparos de saberes.
No enlace com a Psicanálise, surge a possibilidade de gestão dos conflitos pelo
próprio sujeito. E, na possibilidade de vivenciar o sofrimento psíquico com um outro,
cada sujeito poderá se apropriar de meios para suportá-lo e de transformar a si
mesmo. Assim, ao utilizar o desafio e a dificuldade de trabalhar com o “diferente”
como motores para a construção de novos sentidos e realidades no ensino, é que
surge a necessidade de indagarmos a nós mesmos, integrantes da realidade
escolar: Por que a diferença incomoda tanto?
69
Visando obter as “famosas respostas” para esta intrigante questão, muitos
docentes e auxiliares pedagógicos do Colégio João Caetano, localizado no
município de São Gonçalo - região metropolitana do Rio de Janeiro, inscreveram-se
no Curso, após a divulgação do mesmo em um dia de Conselho de Classe. Após o
consentimento da direção para que a proposta fosse levada à equipe, formulei um
folder com a proposta dos encontros, calendário e ficha de inscrição para ser
distribuído no dia da reunião coletiva. Motivados pelo tema e empolgados com a
proposta, obtivemos 23 inscrições. Começava, então, a jornada rumo a um enorme
desafio: articular um Grupo de professores em busca de um espaço de
aprendizagens, trocas de experiência, compartilhamento de vivências e de
capacitação para a complexa e desafiadora tarefa de trabalhar com a diferença na
sala de aula.
A estrutura do Curso, dividida em Eixos Temáticos, visou englobar
conteúdos de grande relevância dentro da área da Educação especial, para serem
discutidos pelo Grupo de Professores. Os encontros do Curso baseados em Eixos
Temáticos: Deficiência e Inclusão, Defesa de Direitos e Promoção de Saúde no
percurso de inclusão, foram pensados a fim de permitir a análise num recorte
horizontal, pela linha de continuidade de ações e reflexões que foram se produzindo
dentro do grupo de professores. Além disso, os Módulos admitem um recorte
transversal, verificando o que é produzido a cada Eixo Temático, contrastando a fala
dos diferentes profissionais, identificando pontos de convergência e pontos de
divergência, no sentido de alinharem-se ações, linguagens e propostas
metodológicas, ao longo do processo de desenvolvimento do Curso.
O Calendário proposto dispunha de 09 (nove) encontros, aos sábados, com
duração de 04 (quatro) horas cada um, em que foram disponibilizados vários
recursos audiovisuais, textuais e dinâmicas grupais, a fim de tentar produzir uma
articulação das dimensões: subjetiva (focando as singularidade dos sujeitos),
pedagógica (definindo estratégias de ações) e social (ressignificando práticas de
inclusão).
Com as estratégias de ações definidas e o Projeto de Pesquisa aprovado
pelo Comitê de Ética da FIOCRUZ em 30/07/2007, o Curso de Formação de
Multiplicadores sobre Inclusão para Profssores pôde começar. Dos 23 inscritos,
compareceram 15. Era um dia de forte calor, o sol parecia convocar-nos a uma bela
caminhada à beira mar ou a um mergulho... A Rua da Feira – onde se situa a
70
Escola, fervilhava com o vai-e-vem de pessoas ávidas ao consumo de roupas e
acessórios... A escola, em um sábado pela manhã, estava com o cenário fechado
para um de seus maiores protagonistas: os alunos. Parecia estar sem vida, sem o
barulho costumeiro dos gritos alegres durante o recreio, sem o corre-corre dos
pequeninos carregando suas mochilas, sem os olhares e as perguntas aflitas ou
inquietas de pais e, principalmente, sem acordes das vozes docentes durante as
aulas. Mas, naquele sábado de sol, a escola pulsava! Pelo portão lateral, entravam
15 pessoas em busca de algo que nem elas mesmas sabiam o que era. O aluno que
lhes representava a “estranheza”, o desconhecido, o desconforto era a grande
causa. Aquelas pessoas haviam rompido com todos os apelos externos daquele dia:
cansaço depois de uma semana desgastante de trabalho, convite a um momento de
lazer junto à família, refrescante banho de mar, enfim, nenhuma atividade naquele
instante representaria mais do que um encontro para discutir-se a deficiência.
Por que o tema deficiência nos incomoda tanto? Por que somos capazes de
abdicar de tantas outras coisas para falarmos dele?
Sigmund Freud nos diz, em O Estranho (1919), que o estranho só pode ser
experenciado quando ele se diferencia de algo que é familiar, mas que a experiência
de estranheza em alguém só ocorre quando há algo de semelhante nele, mas
deslocado de alguma maneira. Freud constatou que a palavra “estranho”
(Unheimlich) nem sempre é utilizada em um único sentido definido, acabando por
relacionar-se com aquilo que provoca medo em geral. Analisando o uso lingüístico
desta palavra, Freud mostrou que aquilo que recebe o nome de estranho nada mais
é do que uma categoria do assustador que remete ao familiar/conhecido. A palavra alemã ‘Unheimlich’ é obviamente o oposto de ‘heimlich’ [‘doméstica’], ‘heimisch‘ [‘nativo’] — o oposto do que é familiar; e somos tentados a concluir que aquilo que é ‘estranho’ é assustador precisamente porque não é conhecido e familiar.(FREUD, 1919/1980,p.277)
Portanto, na condição de seres humanos, nenhum de nós está isento de
emoções, sejam de que natureza elas forem, desencadeadas pela diferença do
outro. Nessa mesma condição, acrescenta Silva (2004,p.03), “não estamos imunes
ao desejo de perfeição e harmonia diante da desorganização provocada pelo
estranhamento, à ameaça representada pela condição da diferença”.
O estranho assustador seria uma forma de reconhecermos, do lado de fora,
depositado num outro, este estranho que habita em nós mesmos. O estranhamento
71
nada mais é do que algo que habita em nosso próprio interior, algo que nos é
familiar e que foi deixado de lado, mas que pode ser reavivado sempre que algo
ocorre na vida, confirmando “as velhas crenças”, causadoras de uma angústia da
qual jamais nos libertamos completamente.
Para Eizirik (2001,p.39), o outro não representa, necessariamente, sempre o
que está fora, o distante, o estranho – separado de mim, mas pode representar “o
estranho em mim” – o diferente que me ameaça e com o qual nem sempre quero me
defrontar: esse feio, disforme, que eu procuro não ver na outra face do espelho. O
autor expõe alguns elementos que, para ele, estão na raiz da diferença e por que ela
incomoda tanto:
• A constatação da existência do outro (ou outros) e o corte que isso
provoca no autoconhecimento e na auto-estima;
• A visão, sob diferentes lentes, sobre a riqueza do real e sua
diversidade repleta de contradições e paradoxos;
• O abalo narcisista que significa a ruptura da imagem idealizada e a
necessidade de reformulá-la (“o aluno que tenho não é o aluno que imaginei”),
trazendo a necessidade simbólica do nascimento de uma imagem real e a morte de
uma ideal;
• As diferentes formas de vibração quando se entra em contato com a
determinada realidade em toda sua complexidade, polifonia, multiplicidade.
E quando se entra em contato com esta realidade, as reações podem ser
expressas de várias formas: através de perguntas decididamente formuladas, de
depoimentos emocionados, através do silêncio ou da negação deste “diferente”
estampado no cenário ao redor.
Mena (2000,p.03) analisa a negação da diferença como uma das possíveis
formas de reação de enfrentamento do diferente ameaçador. Segundo ele, a
negação da diferença pode ser expressa na atenuação, na compensação e na
simulação. A atenuação é observada em comportamentos que podem ser traduzidos
nas seguintes frases: “Não é tão grave assim; poderia ser pior”. Dessa forma,
procura não entrar em contato com o outro, e com o sentimento que envolve este
contato: pena, asco, etc. A compensação traduz-se em falas do tipo: “É deficiente
físico, mas é tão inteligente; é autista, mas memoriza melhor que uma pessoa
normal”. A conjunção adversativa serve para atenuar, amenizar a primeira
afirmação, compensando-a pela segunda. A terceira forma, a simulação, é expressa
72
nas seguintes afirmações: “É cega, mas é como não se fosse; é deficiente mental,
mas é como se fosse normal”. Não é! Isso não diminui o seu valor, mas atenta para
o fato de que devemos observar as capacidades e deficiências, sem o que, não
poderemos ajudá-lo de uma maneira real.
Mas quem é esse “sujeito-estranho” a quem dirijo o meu olhar e que tanto
me intriga? A diferença, neste caso, aparece como uma categoria a ser analisada,
mas também como problema a ser enfrentado, na concretude das relações sociais e
institucionais. Entendida, a diferença, ora como alteridade (esse outro que não sou eu), ora como divisão (pessoas normais ou diferentes), se coloca como aspecto importante a ser refletido, especialmente pelo sujeito que a enfrenta, que convive com ela, pois está sensibilizado para buscar compreendê-la. (EIZIRIK, 2001,p.39)
É indispensável, para que a verdadeira aprendizagem ocorra, saber o que o
professor pensa, suas expectativas, suas ansiedades em relação ao diferente. É
preciso saber, também, o que esse professor necessita e o que ele almeja.Os
professores não podem mudar sem uma transformação nas instituições em que
trabalham, nem as escolas podem fazer mudanças sem o empenho dos professores.
Deve haver uma articulação entre a escola, seus projetos e seus professores, pois
um depende do outro.
O primeiro encontro do Curso de Formação de Multiplicadores sobre
inclusão para professores teve como proposta a sensibilização dos participantes
acerca da alteridade: quem é esse outro que tanto me motiva a entendê-lo? Quais
são as minhas expectativas para com ele? Em que aspectos ele se difere de mim?
Quais são as minhas próprias resistências?
A constatação da diferença, da dificuldade do outro, da possibilidade de
vivenciar a deficiência do outro, da quebra da auto-estima e da possibilidade de
autoconhecimento (como citado anteriormente) ocorreu em muitos participantes. Foi
promovida uma dinâmica de experiência de situações de deficiência, tais como: não
mover membros do corpo (deficiência motora), vendar os olhos integralmente
(deficiência visual), tampar os ouvidos e lacrar os lábios, impossibilitando sua
articulação (deficiência auditiva), isolar-se do grupo, demonstrando dificuldade no
contato social, dentre outras. Ao final dessa experiência, ao relatarem os processos
de aprendizagem de seus alunos com deficiências e algumas de suas dificuldades,
questionaram se o sentido da dificuldade das crianças não estaria na compreensão
73
delas próprias quanto à complexidade do conceito de deficiência e suas reais
necessidades.
Uma das participantes formulou: “(...) a deficiente sou eu! Ele (o aluno) tenta,
se esforça, vai à luta... Eu me sinto limitada, de pés e mãos atadas, cansada,
derrotada”. Em outro momento, uma delas falou: “(...) a deficiência desperta em mim,
o medo, a pena. Mas acho que é um sentimento que evoco para mim mesma, não
para ele – o deficiente”.
Ao longo do encontro de sensibilização, o “estranho” que há no outro
começou a ser percebido. Seja nas reações de ruptura com o narcisismo de cada
um de nós em desejar o ideal, representado em falas como: “todos nós temos
deficiências”; seja na vibração de entrar em contato com a polifonia que a inclusão
proporciona, ilustrado com: “a minha aluna com Síndrome de Down me ensinou o
poder da superação”; seja na quebra da própria auto-estima que o contato com a
alteridade provoca, quando se ouviu que: “estou vendo que tenho muito que
aprender, que não sei nada sobre deficiência!”
Mas o contato com o “estranho” que nos cerca pôde ser percebido também
pelas “palavras que não puderam ser ditas...” Algumas das participantes presentes
simplesmente não falaram, permaneceram no profundo silêncio em um grupo
marcado pela linguagem, pela fala. A presentificação das diferenças inscritas no
corpo do outro, expostas tais como uma grande ferida aberta, podem ter
representado uma angustiante relação de estranheza: não há palavras para
representar seus pensamentos, apenas gestos e expressões faciais.
Portanto, seja em que circunstâncias de reações, o grupo do Curso estava
lá: formado pelo desejo de saber, pela inquietante pergunta sempre dirigida ao outro,
mas que traduz aquilo que não desejamos ver em nós mesmos: “Por que a diferença
incomoda tanto”?
74
“Os amores na mente as flores no chão
a certeza na frente a história na mão.
Caminhando e cantando e seguindo a canção.
Aprendendo e ensinando Uma nova lição.”
Geraldo Vandré•
• Desenho de P.H., de 8 anos. Menino que adora computador, videogame, brincadeira com os amigos e literatura. Na Escola, é sempre ajudado por seus colegas a subir as escadas da Biblioteca, pois é deficiente físico.
75
CAPÍTULO 4. Um Curso num percurso de Inclusão
A proposta de implementação de um Curso de Formação de Multiplicadores
sobre Inclusão para professores veio atender a uma necessidade real de criação de
um espaço de reflexão e de re-significação de conceitos acerca da deficiência e da
inclusão com professores, permitindo-lhes defender direitos e promover saúde ao
longo do processo de inclusão educacional. Necessidade esta que se clarificava à
medida que as hipóteses da pesquisa eram levantadas. Quanto mais se discutia o
objeto de investigação, mais se evidenciava a pertinência de um núcleo formado por
professores que pudessem interagir com seus pares, trocando informações,
relatando experiências, formando novas redes de contatos, enfim, um espaço onde
pudessem se sentir realmente agentes do processo de inclusão.
Enquanto educadora, o tema inclusão sempre foi um dos meus grandes
focos de interesse de pesquisa e estudos de Pós-graduação e Atualização,
buscando, com isso, espaços de reflexão e debates rumo a práticas pedagógicas
mais eficazes e coerentes para o meu núcleo de atuação profissional. O caráter
pessoal de qualquer pesquisa exige do pesquisador um envolvimento tal que seu objetivo de investigação passa a fazer parte de sua vida; a temática deve ser realmente uma problemática vivenciada pelo pesquisador, ela deve lê dizer respeito. Não obviamente, num nível puramente sentimental, mas no nível da avaliação da relevância e significação dos problemas abordados para o próprio pesquisador, em vista de sua relação com o universo que o envolve. A escolha de um tema de pesquisa, bem como sua realização, é um ato político. Também neste âmbito, não existe neutralidade (SEVERINO, 1996,p145). .
Pertencente a uma escola inclusiva, pude constatar, em várias ocasiões, o
grande impacto causado pela chegada de um aluno “diferente” à escola ou o grande
incômodo gerado pela constatação de um (ou vários) aluno(s) com necessidades
educacionais em uma sala de aula. O contato com aquele que foge aos nossos
padrões/rótulos previamente estabelecidos acerca de “normalidade”, de bem
comportado, de obediente e, principalmente, de inteligente, causa-nos um
desconforto típico de quem vivencia uma situação, até então, desconhecida.
A educação inclusiva repousa em princípios tais como: a aceitação das
diferenças individuais, a valorização de cada pessoa, a convivência dentro da
diversidade humana e a aprendizagem através da cooperação
76
(SASSAKI,1999,p.42). Para esta tarefa, é imprescindível que o professor sinta-se
preparado para promover um ensino de qualidade, consciente, em que, como
conseqüência, o sujeito emergirá em sua singularidade, em seus anseios, em seu
desejo de aprender. Para que se dê esta significativa aprendizagem, é necessário
saber o que o professor pensa, suas expectativas, suas dúvidas, suas ansiedades
em relação ao “diferente” em sua sala de aula.
A racionalidade imperante no mundo contemporâneo, ao converter os ideais
de liberdade e igualdade em ideais de competição e massificação cultural, acabou
provocando a unificação do modo de ser dos homens, convocando-os a assumirem
as idéias, os ideais, os projetos dos grupos hegemônicos da sociedade, vinculados
na grande mídia a ser consumida como valores de beleza, perfeição e produtividade.
Diante disso, somos levados a indagar sobre o papel da educação na formação de
um novo sujeito, de um sujeito agente de sua própria história.
A interface com alguns conceitos da Psicanálise pode possibilitar um
repensar ao processo educativo, permitindo mais espaços de criação democráticos
(para professores e alunos) e estimulando os processos alteritários em detrimento
dos narcísicos9. A Educação necessita repensar-se e pôr na pauta de suas
discussões a questão do particular, da diferença, da singularidade, da alteridade. O
enlace com a Psicanálise pode produzir reflexões sobre um ensino que dê espaço
ao nosso potencial narrativo, sem esquecer que somos dependentes um dos outros
na construção dessas narrativas, contribuindo para a emergência de sujeitos mais
presentes e atuantes na experiência do mundo e, principalmente, de si próprios.
Para que esse processo seja possível (não deixo de destacar sua
complexidade e, portanto, a implicação de muitas dificuldades), é preciso que haja,
na escola, espaços apropriados para que os problemas da comunidade escolar
sejam debatidos, para que as situações enfrentadas por professores, pais, alunos,
diretores, sejam refletidas junto a seus pares. No verdadeiro processo de inclusão,
os próprios professores têm de aprender a interagir com novas práticas
pedagógicas, mas principalmente, eles têm de rever seus próprios conceitos sobre a
heterogeneidade em seu espaço de sala de aula, desvelando muitas de suas
9 Em seus textos, como por exemplo, “Além do Princípio do Prazer” (1920) e “O mal-estar na civilização” (1930), Freud afirma que a pulsão de vida/Eros (aquela que constitui ligações) e a pulsão de morte (aquela que é desagregadora) governam o processo vital. Este, por seu turno, é feito de processos narcísicos (nos quais nos voltamos para nós mesmos) e processos alteritários (nos quais somos postos para fora de nossa redoma narcísica, auto-suficiente, rumo aos objetos do mundo).
77
resistências, deixando aflorar o “estranhamento” que o outro-diferente causa em si
mesmos.
Destarte, no campo da Educação, a inclusão envolve um processo de
reestruturação das escolas como um todo, com o objetivo de assegurar que TODOS
possam ter acesso às oportunidades educacionais e sociais oferecidas pelas
mesmas. Nessas escolas que têm como perspectiva a inclusão, os talentos de cada
um são reconhecidos, estimulados e potencializados. Cada sujeito é um membro
importante e valioso com responsabilidades e com um papel de apoio aos demais, o
que ajuda a fomentar o respeito mútuo e um sentimento de pertencimento e de valor
entre todos.
Na perspectiva de uma educação estabelecida na diversidade, a formação
dos professores e profissionais do ensino deveria acompanhar esse movimento.
Desta forma, partindo do que se tem em sala de aula e dos conhecimentos prévios
dos protagonistas, frutos de formação inicial e/ou experiências práticas, a formação
pedagógica deveria ser realizada dentro do cenário das escolas, continuamente, à
medida que as questões possam ser formuladas de modo coletivo como forma de
encontrar meios de alcançar níveis que não eram contemplados.
Nesse sentido, o resgate dos alunos como participantes efetivos do
processo de escolarização só é possível com o fortalecimento do lugar institucional
dos professores, na condição de protagonistas sociais responsáveis pelo
cumprimento da função social da escola. A articulação do conhecimento numa
prática mais coletiva e solidária, adequando os conteúdos e construindo o saber com
as experiências dos agentes envolvidos no processo de inclusão, possibilita o
enfrentamento dos problemas da escola e, conseqüentemente, a superação dos
mesmos.
A inclusão escolar passa, portanto, pela inclusão do professor no processo
educativo, entendido como um trabalho contínuo que envolve planejamento,
implementação, avaliação, e que possibilita uma ação mais autônoma mediante o
projeto político-pedagógico, possibilitando o reconhecimento e a legitimação no
interior da instituição escolar ao direito à educação para todos.
Diante de tais reflexões, percebi a importância da criação de um espaço de
trocas de informações, de experiências, um espaço de escuta, de acolhimento de
dúvidas e angústias. Um espaço, denominado Curso de Formação de
Multiplicadores sobre Inclusão, para a escuta e socialização das falas dos
78
professores sobre suas crianças ditas “difíceis”, mas também de seus trabalhos com
todas as outras crianças. Multiplicar conhecimento, dividir responsabilidades,
diminuir arestas, somar idéias e mobilizar pessoas constituem-se numa equação de
sucesso no Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão para Professores.
Tendo em vista a enorme lacuna que a temática Educação Especial ocupa
nos Cursos de Pedagogia e de Formação de Educadores em geral, acredito que
uma capacitação para professores que promova o esclarecimento, que traga
informações atualizadas, que promova o debate e a reflexão sobre o processo de
inclusão, sobre os direitos específicos direcionados à área da deficiência que
garantem a inclusão e sobre a promoção de saúde (qualidade de vida e educação),
irão produzir um ensino mais solidário, consciente e eficaz, além de professores
mais preparados para ”multiplicar” essas ações em seus locais de atuação social.
Neste sentido, o resgate dos alunos como participantes efetivos do processo
de escolarização só é possível com o fortalecimento do lugar institucional dos
professores, na condição de protagonistas sociais responsáveis pelo cumprimento
das leis e pela promoção de saúde no ambiente institucional.
Portanto, a presente pesquisa teve o objetivo de:
• Analisar a questão da inclusão educacional, atrelando contribuições das
áreas da Psicanálise e da Saúde Pública, no que tange às estratégias de
empoderamento do professor para a melhoria de sua qualidade de educação
e de vida, além de desenvolver um Curso de Formação de Multiplicadores
sobre Inclusão para Professores, constituindo-se como um espaço de
reflexão e dinamização de propostas e estratégias pedagógicas.
4.1 O percurso metodológico da Pesquisa
Foi construída uma metodologia de trabalho levando em conta a pesquisa
como uma “atividade de aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota,
fazendo uma combinação particular entre teoria e dados”. (MINAYO, 1993,p.23).
Essa definição caracteriza a pesquisa como uma atividade em constante
aprimoramento e reconstrução, pois ao resultado de uma pesquisa não se deve
atribuir uma verdade absoluta, uma vez que as descobertas são sempre renovadas.
79
Todas as análises dela decorrentes apresentam várias implicações apreciativas e
analíticas, cabendo ao pesquisador evidenciar o que está enquadrado no
conhecimento empírico e explicar suas análises através do conhecimento científico.
Do ponto de vista de sua natureza, esta presente pesquisa pode ser
caracterizada como Qualitativa e Aplicada - orientada à geração de conhecimentos
dirigidos à solução de problemas específicos. Numa investigação avaliativa por método qualitativo trabalha-se com atitudes, crenças, comportamentos e ações, procurando-se entender a forma como as pessoas interpretam e conferem sentido às suas experiências e ao mundo em que vivem. Embora haja diferentes estratégias metodológicas neste tipo de investigação, todas têm o mesmo objetivo: compreender as relações, as visões e o julgamento dos diferentes atores sobre a intervenção na qual participam, entendendo que suas vivências e reações fazem parte da construção da intervenção e de seus resultados. Ou seja, acredita-se que existe uma relação dinâmica e inseparável entre o mundo real e a subjetividade dos participantes (MINAYO;SOUZA et al, 2005,p.74).
Em suas primeiras etapas, utilizei os procedimentos da Pesquisa
Exploratória, visando proporcionar maior familiaridade com o problema com vistas a
torná-lo explícito ou a construir hipóteses. Em seguida, com o desenvolvimento do
Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão para professores , a pesquisa
assumiu a forma de Pesquisa-Ação, concebida e realizada em estreita associação
com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo.
Essa proposta de intervenção junto aos educadores no cotidiano do Colégio
João Caetano procurou viabilizar, por meio de encontros mensais, o estabelecimento
em um espaço referencial de diálogo, subsidiado por teorias e ações, seguindo um
formato grupal que possibilitou o debate vivo, o conhecimento mútuo, a reflexão
coletiva.
O estudo exploratório constituiu-se na etapa em que precisei entrar em
contato com as fontes de coleta de dados, alcançando, com isso, maior familiaridade
com o tema, facilitando seu encaminhamento e realização. Possui um caráter de
planejamento flexível, o que permite o estudo do tema sob diversos ângulos e
aspectos. Desenvolveu-se em duas etapas:
• Levantamento bibliográfico atualizado acerca da temática;
• Conversas com profissionais que tiveram experiências práticas com o
problema pesquisado.
Segundo Piovesan e Temporini (1995,p.318), o procedimento metodológico
de abordagem qualitativa denominado pesquisa exploratória tem por finalidade a
elaboração de instrumento de pesquisa adequado à realidade. Para isso, torna-se
80
de extrema importância conhecer previamente as maneiras de agir, sentir e pensar
da comunidade-alvo dessas ações e o contexto onde se insere essa comunidade. Ao se pretender realizar pesquisa sobre fatores humanos, recomenda-se o estudo prévio da realidade, na fase de planejamento da pesquisa, com a finalidade principal de elaborar um instrumento baseado nas experiências reais dos sujeitos, no seu vocabulário e ambiente de vida. Esse procedimento metodológico, denominado pesquisa exploratória, apresenta natureza qualitativa e contextual (idem, p.318).
Ainda segundo os autores citados acima, o estudo exploratório pode ajudar
a resolver algumas dificuldades em pesquisa. Uma delas é a que se refere ao
desenvolvimento de programas – que é o caso desta pesquisa, na concepção de
que a população constitui um recipiente vazio ("empty vessel") e que a tarefa
educativa se resumiria em preenchê-lo. Nada mais que um engano, pois a
população é rica de conhecimentos e esses conhecimentos, opiniões, valores e
atitudes é que vão se constituir, muitas vezes, em barreiras. Essas barreiras podem
ser conhecidas por meio do estudo exploratório e, pelo menos, parcialmente
contornadas, a fim de que o programa educativo alcance maior aceitação.
A minha responsabilidade ética esteve configurada na construção de
conhecimento para possibilitar o aparecimento de outras respostas e novas
questões, e não para apontar as mazelas e os equívocos da escola – desvendadas
pelo olhar acadêmico – científico.
Para as etapas de implementação do Curso de Formação de Multiplicadores
sobre inclusão para professores, foi fundamental o entendimento da Pesquisa-Ação
para o direcionamento deste trabalho. Durante o processo, busquei desenvolver a
dupla função de observador crítico e de participante ativo que dispõe de sua
experiência e saberes acumulados, por meio de instrumentos científicos disponíveis,
a serviço da construção de um ambiente inclusivo no espaço escolar.
A Pesquisa-Ação se propõe a uma ação deliberada visando uma mudança no mundo real, comprometida com um campo restrito, englobada por um projeto mais geral e submetendo-se a uma disciplina para alcançar os efeitos do conhecimento (CHIZZOTTI, 1995,p.100).
A riqueza dessa metodologia reside, justamente, no fato de que as etapas
não ocorrem apenas uma vez durante o processo. Ao contrário, elas geram um
motor contínuo de coleta de dados, discussão, ação, nova coleta, mais discussão,
nova ação, e assim sucessivamente, possibilitando a construção, e não a imposição,
de conhecimento e consciência para que os professores possam potencializar sua
81
experiência cotidiana e, conseqüentemente, seus lugares de protagonistas na ação
educativa. Ao invés de se preocupar somente com a explicação dos fenômenos sociais depois que eles aconteceram, a finalidade da pesquisa-ação é a de favorecer a aquisição de um conhecimento e de uma consciência crítica do processo de transformação pelo grupo que está vivendo este processo, para que ele possa assumir, de forma cada vez mais lúcida e autônoma, seu papel de protagonista e ator social (OLIVEIRA, 1998:27).
Por intermédio do mote da conceituação, discussão e posterior re-
significação de um objeto/tema10 de conhecimento comum, os participantes do
Curso de Formação de Multiplicadores sobre inclusão poderiam exprimir seus
pensamentos, suas experiências e suas contradições concernentes ao cotidiano
escolar.
Franco (2005) considera que, para a pesquisa-ação se realizar, deve haver
uma associação da pesquisa a uma estratégia ou proposta coletiva de intervenção,
indicando-nos a posição de pesquisa com a ação de intervenção, que
imediatamente passa a ser o objeto de pesquisa. “No desenvolver da pesquisa-
ação, há a ênfase na flexibilidade, nos ajustes progressivos aos acontecimentos,
fortalecendo a questão da pesquisa com ação” (p.496).
Maria Cecília Minayo (2005) esclarece que a pesquisa-ação consiste em um
tipo de pesquisa estreitamente concebida e realizada junto com intervenções sociais
orientadas para a resolução de um problema coletivo no qual se envolvem os
investigadores e os participantes. Mas, sobretudo, esses últimos devem ser
representativos do processo que buscam transformar (Thiollent, 1987).
Na pesquisa-ação, a população-alvo é levada a identificar o problema, a
levantar dados sobre ele, a realizar análises críticas e a buscar soluções adequadas.
E o pesquisador deve caminhar a fim de construir um saber da prática,
reconhecendo a capacidade dos atores do processo da pesquisa de dar sentido aos
acontecimentos, de organizá-los.
Sendo assim, a pesquisa-ação pode ser considerada, segundo Maria Amélia
Franco em seu artigo “Pedagogia da Pesquisa-Ação” (2005,p.496) como:
• Uma abordagem de pesquisa, com característica social, associada a uma
estratégia de intervenção e que evolui num contexto dinâmico;
10 O entendimento metodológico parte do princípio de que todos são sujeitos participantes, que têm um objeto ou tema em comum, no caso, a inclusão.
82
• Uma pesquisa que parte do pressuposto de que pesquisa e ação podem
estar reunidas;
• Uma pesquisa que pode ter por objetivos a mudança, a compreensão
das práticas, a resolução dos problemas, a produção de conhecimentos e/ou
a melhoria de uma situação;
• Uma pesquisa com procedimentos flexíveis , que devem ajustar-se
progressivamente aos acontecimentos, estabelecendo uma comunicação
sistemática entre seus participantes e se auto-avaliar durante todo o
processo.
Diz-nos Barbier (2002), que o verdadeiro espírito da pesquisa-ação consiste
em sua “abordagem em espiral”. Significa que “todo avanço em pesquisa-ação
implica o efeito recursivo em função de uma reflexão permanente sobre a ação”.
(p.117). Assim, o método de pesquisa-ação deve contemplar o exercício contínuo de
suas diversas etapas, por meio das espirais cíclicas, neste caso, refiro-me à
produção de conhecimento e socialização de saberes.
A pesquisa requer o registro rigoroso dos dados, que são discutidos,
refletidos, apropriados, ressignificados pelo grupo (espirais cíclicas), transformando-
se, gradativamente, em conhecimentos do processo de pesquisa. Essas
compreensões/interpretações/análises/revisões, segundo Franco, precisam ser
processadas sob forma de registros críticos, onde todo o grupo deve participar, até
porque essas discussões e esses registros são importantes instrumentos formativos
do pesquisador.
A descrição e a avaliação da pesquisa-ação realizada neste trabalho, e que
serão apresentadas ao longo dos próximos capítulos, referem-se aos registros de
dados e fatos ocorridos nas seguintes etapas:
• Fase preliminar constituída pelo trabalho de inserção do pesquisador no
grupo, pelo autoconhecimento do grupo em relação às suas expectativas,
possibilidades e aos seus bloqueios. Estabelecimento de um contrato de
ação coletiva, quando puderam ser esclarecidas questões referentes à ética
da pesquisa, compromissos com a ação coletiva e com as finalidades do
trabalho a ser desenvolvido.
• Discussão, interpretação e síntese das leituras de fundamentação teórica
junto ao grupo, através dos Eixos Temáticos;
83
• Dinâmicas grupais visando maior familiaridade com o tema, sempre
respaldadas em recursos do dia-a-dia dos participantes e de elementos de
suas realidades educacionais e sociais;
• Apresentação dos Estudos Dirigidos como instrumentos de
questionamento dos sujeitos envolvidos na pesquisa para novos cenários
educacionais, que implicam em novas práticas;
• Consideração das respostas dos participantes acerca de suas ações
pretendidas para se tornarem Multiplicadores em suas respectivas áreas de
atuação;
• Análise das mudanças institucionais que já estão acontecendo.
4.2 Os percursos do Curso
A humildade diante do saber impõe uma agenda permanente de busca, produção e disseminação do conhecimento. Como uma fonte inesgotável que alimenta a alma dos aprendizes ele se expande pelo caminho que, ao ser percorrido, abre novas perspectivas. Ao compreender, aparecem dúvidas. Ao responder, surgem mais perguntas. Ao indagar, criam-se possibilidades de respostas. Ao aprender, revelam-se as imcompletudes. Ao ensinar, se aprende melhor. Andam juntas, a procura e as revelações, o movimento incessante de quem descobre a aventura de aprender (LAVAROTTI, 2007,p.09).
O trecho acima destacado da autora Cleide Lavarotti11 representa, com
grande maestria e sensibilidade da autora, os primeiros passos para o percurso do
Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão para Professores: o desejo de conhecer. Esse desejo esteve presente em múltiplas esferas ao longo da
trajetória da pesquisa e possibilitaram a realização da mesma. Começou com o meu
desejo sobre o tema inclusão, que sempre permeou meus estudos acadêmicos e
minhas práticas profissionais. Encontrando a Doutora em Saúde Pública e
Orientadora Fátima Gonçalves Cavalcante, passamos a desejar juntas uma
proposta de pesquisa que pudesse corporificar um processo de inclusão mais eficaz.
Por fim, o desejo das professoras do Colégio João Caetano em dialogarem e 11 LAVAROTTI, Cleide (org). Programa de Capacitação permanente na área da infância e da adolescência: o germinar de uma experiência coletiva. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2007.
84
conhecerem mais sobre o longo percurso da inclusão experimentado diariamente na
escola, representou a gênese do Curso, pois este vinha ao encontro das
necessidades de um grupo que almejava novas expectativas para suas práticas, um
grupo ávido por conhecimentos.
Tal como descrito por Lavarotti, a procura e as revelações andaram lado a
lado na realização desta pesquisa. Perguntando, investigando, analisando, ouvindo,
não se encontram respostas prontas... Encontram-se ainda mais dúvidas que
motivaram a buscar novos caminhos, rumo a outras revelações. O Curso de
Formação de Multiplicadores sobre Inclusão para Professores, teve como objetivos
principais buscar, produzir e disseminar conhecimentos sobre Deficiência e Inclusão,
Defesa de Direitos e Promoção de Saúde no percurso da inclusão, visando uma
prática docente mais consciente, acima de tudo. No percurso do Curso não houve
respostas certas ou erradas, não existiram conceitos que não pudessem ser
investigados, não houve perguntas que não pudessem ser feitas. No percurso do
Curso houve, antes de tudo, o desejo de aprender com o colega ao lado, o desejo
de olhar a própria realidade, o desejo de falar, o desejo de aprender perguntando,
ouvindo e ensinando.
O Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão para Professores
estruturado de formação, reflexão e debates dos atores que compõem a “grande
rede” de inclusão no Colégio João Caetano, revelou-se como uma experiência
coletiva de socialização do conhecimento, de compartilhamento de soluções, de
sistematização de práticas bem sucedidas, de consulta a referências teóricas já
consagradas, de criação de uma base comum, capaz de alinhar conceitos e
procedimentos, orientando ações cotidianas na garantia dos direitos e da qualidade
da educação oferecida aos alunos desta instituição.
O Curso, além de socializar conhecimento, objetivou ser capaz de mobilizar
os profissionais para agirem em seus espaços institucionais. “Não é o mundo que
muda, são as pessoas que mudam o mundo. Não são as instituições que mudam,
são as pessoas que mudam as instituições” (LAVAROTTI, 2007,p.10).
E as pessoas mudam a partir das idéias que propagam, das leituras que
produzem da realidade, do conhecimento que fazem circular a sua volta e,
principalmente, pelas atitudes e decisões tomadas, pelo esforço empreendido e
pelas ações realizadas.
85
Multiplicar conhecimento, dividir responsabilidades, diminuir arestas, somar
idéias e mobilizar pessoas constituem-se numa equação de sucesso no Curso de
Formação de Multiplicadores sobre Inclusão para Professores. Agora, cabe a você
leitor, acompanhar este percurso, ajudando a escrever e a descrever mais uma
história de sucesso, que poderá atingir muitas outras áreas de atuação - até então
inimagináveis, através dos futuros Multiplicadores sobre inclusão.
AS ETAPAS DO CURSO DE FORMAÇÃO DE MULTIPLICADORES SOBRE INCLUSÃO PARA PROFESSORES:
Para a operacionalização do Curso, as seguintes etapas foram necessárias:
• Divulgar o Curso no Colégio João Caetano, em uma Reunião coletiva,
explicando a proposta e os Eixos Temáticos a serem desenvolvidos;
• Selecionar os profissionais que iriam participar do Curso;
• Montar os materiais das Apostilas a serem distribuídas em cada Eixo
Temático, buscando fontes bibliográficas adequadas, recursos áudio-visuais
atualizados e baseados na realidade educacional vivenciada pelos
professores participantes.
• Preparar o recurso de slides a serem trabalhados nos encontros,
visando o livre debate a partir dos assuntos e inserindo as contribuições do
grupo acerca dos temas a serem trabalhados em cada Eixo Temático,
promovendo a constante avaliação do processo de construção dos
conhecimentos.
• Convidar alguns pais e profissionais envolvidos, diretos ou indiretamente,
no processo de inclusão de nossa escola para participarem como
palestrantes convidados em nossos encontros, nos respectivos Eixos
Temáticos.
• Propor um Estudo Dirigido aos participantes, monitorando e
assessorando-os para esta etapa.
86
OS CONTEÚDOS DO CURSO
O Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão para Professores se
baseou nos Quatro Pilares da Educação da UNESCO (2007), que formam as
múltiplas dimensões do processo de aprendizagem (cognitiva, metodológica, ético-
profissional).
Aprender a Fazer
PILARES DA EDUCAÇÃO
Aprender a Viver Aprender a Ser
Aprender a Conhecer
Figura 1: Pilares da Educação. Fonte: Relatório Delors – UNESCO, 2007. In: LAVAROTTI, 2007,p.37.
Essa metodologia permite a utilização de mediadores para a aprendizagem
as dinâmicas grupais, atividades não-verbais, trabalhos em dupla, que oportunizam
a exploração dos temas trabalhados a partir das experiências pessoais dos
participantes.
As diretrizes pedagógicas que orientaram o Curso de Formação de
Multiplicadores foram:
• Estabelecer relação entre o conhecimento universal acerca da Inclusão
e as particularidades da Escola;
• Superar a visão conservadora de assistencialismo ao deficiente e de
medicalização das crianças com dificuldades de aprendizagem;
• Ressaltar a importância do conhecimento da Legislação em vigor acerca
da Educação Inclusiva, visando promover a defesa dos direitos ao longo do
processo de inclusão educacional, da cidadania, da democracia e das
políticas públicas.
87
O conteúdo formativo planejado inicialmente versava sobre as questões da
inclusão, tentando situá-la em contextos históricos no Brasil e no mundo,
apresentando as principais regulamentações legais que a asseguram, discutindo a
importância da prevenção da violência no espaço educacional, investigando os
fatores que acabam tornando-se impeditivos ao verdadeiro processo de inclusão
educacional. O grifo à palavra verdadeiro é para ressaltar que o Curso visava
possibilitar discussões sobre a realidade de muitas crianças que são matriculadas
em Escolas Regulares – caso do Colégio João Caetano, mas que, simplesmente,
são “corpos presentes”: não se tornam envolvidas no processo coletivo, não são
cativadas, não participam das decisões da turma, enfim, não recebem os
pressupostos da Educação - independente de ser inclusiva, acima descritos:
aprender a ser, a conhecer, a fazer e, acima de tudo, a viver. O maior pilar sobre o
qual a Educação deve estar sustentada é a de que a criança aprenda a ser feliz, independente de sua condição física, não importando suas limitações, etnia, religião
ou situação econômica. A Escola deve ser, desde sempre, o primeiro grande local
de convívio humano, de acolhimento ao outro, de respeito mútuo.
Enquanto pesquisadora, estive à frente de toda a viabilização para que os
encontros de cada Eixo Temático se dessem da melhor forma possível: desde a
preparação das cópias de cada apostila para os participantes, passando pelo
cuidadoso e meticuloso trabalho de elaboração do material áudio-visual, o contacto
com os palestrantes convidados, a preparação de certificados de palestrantes e
participantes, até a preparação do lanche. Nada poderia ser esquecido! Nenhum
detalhe poderia ser deixado de lado!
Quando começamos o Curso de Formação de Multiplicadores sobre inclusão
para professores, os textos que serviriam de base para a discussão teórica já
estavam selecionados, em cada Eixo Temático. Entretanto, o material áudio-visual
foi sendo construído de acordo com o interesse e participação do grupo, valorizando
suas contribuição, dúvida, interesse e solicitação. Tive o cuidado, enquanto
elaboradora do Curso, de não me deter somente aos recursos previamente
selecionados mas sim, de construir junto ao grupo, estratégias metodológicas que
pudessem fomentar discussões e debates. Preparei dinâmicas para iniciar cada
encontro, procurei o que havia de mais moderno em vídeos e pequenos
documentários sobre deficiência e inclusão, gravei reportagens vinculadas à grande
mídia que traziam a questão da defesa de direitos na área da deficiência, enfim,
88
utilizei inúmeros recursos tecnológicos para ir muito longe, alcançando recursos que
muitos membros do grupo talvez não pudessem ter acesso.
Disponibilizar o acesso à informação era o meu objetivo principal enquanto
idealizadora do Curso. Não bastavam textos e artigos impressos de diferentes
autores... Eu gostaria de possibilitar a discussão e reflexão do grupo, permitindo a
construção de seus próprios saberes, de seus próprios discursos, de seus próprios
textos... Para cada Eixo Temático, foi construída uma mídia (power point) diferente,
que continha informações importantes acerca do tema específico em questão,
sempre estimulando o debate do grupo sobre os conhecimentos apresentados.
Vídeos e dinâmicas foram pesquisados e elaborados especialmente para cada
encontro, tornando-o mais atrativo.
Preocupei-me, além disso, com os registros escritos sobre o Curso dos
participantes, individualmente e em grupo, que no final contribuíram com um vasto
material acerca de suas reflexões e considerações.
A magnitude deste Curso de Formação de Multiplicadores sobre inclusão
para professores pode ser constatada na possibilidade de oferecer um espaço de
formação e informação continuadas de excelente nível de qualidade, com materiais
para leitura e debate, recursos audio-visuais, dinâmicas, reflexões, enfim, um espaço
de acesso adequado para os professores com relação à Educação Inclusiva, algo
que, segundo suas próprias palavras, foi tão lacunar em suas formações
acadêmicas.
Vejamos, portanto, os palestrantes convidados para se apresentarem na
segunda parte de cada encontro e os Conteúdos envolvidos nos recursos audio-
visuais apresentados e elaborados por mim, nos pequenos documentários exibidos
e reportagens da grande mídia, nos textos selecionados para compor cada apostila
de cada Eixo Temático, nos debates do grupo, enfim, o que realmente fez parte do
percurso do Curso.
89
EIXOS
TEMÁTICOS CONTEÚDOS ENVOLVIDOS PALESTRANTES CONVIDADOS
• Coordenadora do “Centro de Apoio
Pedagógico para atendimento às Pessoas
com deficiência visual” (CAP/SG). Foi a primeira professora a trabalhar com alunos deficientes visuais em São Gonçalo e atua como professora em Cursos de Formação de Professores.
• Pais de um aluno deficiente auditivo, studante do Colégio João Caetano. Ela,
enfermeira e muito engajada em causas sociais. Ele, autônomo e participativo de todos os momentos do filho na Escola. Juntos, fundaram uma ONG para acolhida a moradores de rua.
e
I- Deficiência
e Inclusão • Breve Histórico da Educação Especial no Brasil e no mundo;
• A Escola e sua função social;
• Conceituação de Deficiência e Dificuldade de Aprendizagem;
• Os pressupostos da Educação Especial;
• A inclusão educacional e a realidade docente: desafios e possibilidades;
• A inclusão do deficiente visual e as necessidades de adaptação de recursos para seu processo de aprendizagem;
• A realidade da família de uma criança com deficiência auditiva e a importância de interlocução com a Escola e outros profissionais;
• Sugestões, debates, orientações e trocas de experiências sobre os processos de inclusão educacional vivenciados pelos participantes e palestrantes convidados.
• Médica (Neurologista Infantil), que atende muitos alunos do Colégio João Caetano que apresentam deficiência ou dificuldades de aprendizagem. Atua em Hospitais Públicos de Niterói e tem grande interesse de pesquisa na área de Transtornos Mentais e Comportamentais.
90
II- Defesa de
Direitos no
processo de
Inclusão
• Estudo de caso, analisando os direitos violados e os preservados na história de vida em debate;
• Orientações práticas para a melhoria na qualidade de aprendizagem de uma criança autista, sob o ponto de vista de um método especializado.
• A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Constituição Brasileira (1988) como seguradoras dos direitos universais de todos os cidadãos;
• Legislações específicas que garantem os direitos dos deficientes;
• A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN nº 9.394/96) e sua importância no cenário de inclusão educacional no Brasil;
• Os deficientes e seus direitos garantidos à Educação, à não-discriminação, ao Benefício assistencial do INSS, na área da Saúde, à acessibilidade;
• Discussões sobre ações práticas de garantia de direitos dos alunos com deficiência e com dificuldades de aprendizagem no processo de inclusão.
• Psicóloga especializada em autismo infantil e terapeuta de uma aluna da Educação infantil do Colégio João Caetano. Trabalha com um método de estimulação do comportamento.
91
• Psicóloga e Psicanalista especializada em violência. Trabalha em uma clínica voltada ao atendimento a famílias e crianças violentadas. Trabalha em pesquisas sobre o incesto e é autora de um livro sobre o tema.
III- Promoção
de Saúde no
processo de
Inclusão
• Conceituação do termo “promoção de saúde” no espaço educacional e as práticas que o implicam.
• O processo de inclusão educacional de uma criança violentada: relatos de experiência dos participantes.
promoção de saúde: debate à luz das contribuições da Palestrante
os bem-estares físicos, cognitivos
a, psicóloga e psicanalista, com experiência clínica no atendimento a
de aprendizagem. Tem formação em Psicopedagogia e já atuou em sala de
• Prevenção da violência e crianças e adolescentes com dificuldades
Convidada;
• A importância do encaminhamento escolar aos profissionais especializados nos casos dos alunos com dificuldades de aprendizagem;
• A promoção da “qualidade de vida e de trabalho” do professor, enquanto protagonista do processo de inclusão;
• Debates sobre a promoção de melhorias nos processos ensino-aprendizagem, contribuindo para
aula como professora de Matemática, por muitos anos.
e sociais de todos os agentes envolvidos no processo educacional.
• Educador
1 – Dados sobe Conteúdos e Palestrantes Convidados dos Eixos Temáticos do Curso Tabela
92
Como se pode observar pela estruturação dos conteúdos, o desafio era
priorizar o que seria mais importante para promover o debate e a reflexão entre
participantes e atender às suas demandas de interesse e informação acerca do
processo de Inclusão. Houve, então, um trabalho de organização e planejamento
com profissionais da área da Educação,
Psicanálise, da Medicina, dentre outras e com pais de deficientes, a fim de pensar a
uma esfera interdisciplinar. Estes profissionais poderiam promover uma
eflexão mais complexa da realidade e uma dinâmica aos encontros que pretendia
se diferenciar de um espaço de formação unilateral, de informação, de
atendeu aos seguintes critérios:
4.3 O cenário para o percurso do Curso
para que eu pudesse entrar em contato
inclusão em
r
armazenamento de conceitos. O debate entre profissionais de diferentes áreas,
enriquece a prática pedagógica, causa uma disponibilidade de ampliação de um
olhar reducionista acerca do conteúdo e permite desvincular o foco para o material
didático – de textos, artigos e trechos de livros, como única fonte do conhecimento a
ser investigado.
A escolha dos palestrantes convidados
• Estar direta ou indiretamente ligado a processos de inclusão educacional;
• Ter experiências concretas na área da inclusão;
• Lidar com crianças ou adolescentes com deficiência ou com
necessidades educacionais especiais;
• Apresentar interesse em trocar experiências da área Médica, da
Psicanálise, da Psicopedagogia, da Psicologia, com o grupo de professores
do Curso a fim de discutir, refletir, questionar as situações que lhe forem
apresentadas.
A ESCOLA
O Colégio João Caetano é fruto de uma história repleta de superação. Ainda
menina, aos 11 anos de idade, Dulcileia Abreu da Silva – a fundadora e Diretora da
Escola, já ensinava outras crianças na pequena varanda de sua casa, em um bairro
da periferia de São Gonçalo. A menina foi crescendo e a varanda também, apesar
93
das con
iro e segundo segmentos). Dispõe de
quadra
considerado “diferente” dos demais.
stantes enchentes que invadiam a casa e insistiam em levar o que estava
pela frente. A varanda virou sala de aula. Anos depois, as salas viraram um prédio. E
assim por diante.
Hoje, o Colégio João Caetano soma 36 anos de fundação e conta com
Educação Infantil e Ensino Fundamental (prime
poli-esportiva, um Cine-Teatro, uma ampla biblioteca e uma área de lazer
para educação ambiental vivenciada localizada em um bairro vizinho.
O Colégio, localizado em Alcântara – bairro da cidade de São Gonçalo,
atende a mais de 700 alunos, conta com coordenadores especializados e serviço de
Psicopedagogia Institucional. Acredita e promove a inclusão em turmas regulares de
mais de 20 alunos e conta com uma rede de contatos com profissionais
especializados para o atendimento multidisciplinar a estas crianças.
Nas palavras da fundadora:
“- O Externato JOÃO CAETANO, nasceu de um projeto de vida que eu, bem particularmente, acredito
que já estava tudo escrito na minha estrela. Era tudo muito engraçado e sério ao mesmo tempo. Até nas
brincadeiras, com crianças vizinhas, eu gostava de ser escolhida a professora do grupo. Apesar das
dificuldades, – perdi meu pai quando ainda tinha 5 anos de idade – mas com o esforço da minha mãe, mulher
guerreira e determinada, acabei usando a varandinha de nossa casa, para começar, com 11 crianças, o alicerce
do meu sonho. Hoje, onde era uma simples varanda, há o prédio de salas do Colégio. Muitos dos nossos ex-
alunos já estão despertando na carreira do sucesso. Alguns já são pais dos nossos alunos.”
A escola foi escolhida para ser o cenário desta pesquisa por fazer parte do
meu próprio percurso de vida e por apresentar histórias de sucesso nos processos
de inclusão educacional. Por fazer parte da equipe da escola, já ouvia as minhas
colegas em suas dúvidas, em seus anseios, em suas críticas sobre a chegada de
um aluno
Mais ainda, por também fazer parte da direção da escola, acompanho de
perto as matrículas dos alunos com deficiência e com dificuldades de aprendizagem.
E o professor? Ele é consultado no ato dessa matrícula? É dado ao professor o
suporte necessário para que esses alunos - e todos os outros, não virem números
no diário com simples notas e conceitos a receber? É perguntado ao professor se
ele tem dúvidas para lidar e promover a verdadeira educação dos alunos que,
eventualmente, necessitarão de mais atenção e cuidados especializados?
94
Por já estar em uma posição que me permite acompanhar desde a matrícula
do aluno, a sua chegada na sala de aula, seu processo de aprendizagem e as
práticas pedagógicas dos professores, pude constatar a necessidade e a
importância de um espaço de reflexão e debates acerca da inclusão. Eram muitas
lamúrias não escutadas, eram muitas dúvidas a serem esclarecidas, eram muitas
críticas a serem acolhidas... Pude perceber que a escola promovia a inclusão todos
os anos, em escalas cada vez maiores, mas falava-se muito pouco sobre ela.
Refletia-se menos ainda sobre os impasses de cada sujeito-professor ao longo de
sua trajetória em uma escola inclusiva. Conhecia-se pouco o colega ao lado e suas
idéias s
s alternativas metodológicas para a
aprendizagem dos mesmos e dos demais. Percebem-se, normalmente, as
preocupações dos professores com os alunos em processo de inclusão, seus medos
s com as cobranças das respectivas famílias. Mas
será que esses clamores são realmente acolhidos? Será que esses professores
acham
dos demais profissionais da escola para promoverem a
educaçã
obre as diferenças entre seus alunos. Notei que a escola estava incluindo o
aluno e não estava acolhendo tão bem o professor, deixando-se levar pela correria
do dia-a-dia, de sua rotina sempre atribulada de avaliações, eventos,
comemorações... A escola era rápida, veloz, eficaz, mas não parava muito para
refletir...
Apesar dos professores da escola reunirem-se semanalmente por 2 horas
com a coordenação e direção, o tema inclusão não era tratado de forma
sistematizada e didática. As reuniões têm como foco central planejamento e debates
sobre as práticas pedagógicas, em que são trazidas sugestões e levantados
problemas a serem solucionados. Os alunos chamados “especiais” normalmente são
citados e o grupo procura encontrar as melhore
de que não aprendam, seus receio
que sua formação está adequada para atender aos alunos que tanto os
intrigam? Será que estes professores têm acesso a outros profissionais
especializados que lhes propiciem o debate sobre a inclusão? Será que têm acesso
suficiente a materiais e leituras recentes sobre o tema? Enfim, será que esses
professores sentem-se plenamente satisfeitos com o trabalho que realizam e com a
ajuda que recebem
o inclusiva?
Por estes e tantos outros questionamentos que percebi o quanto o Curso de
Formação de Multiplicadores poderia ser um espaço de renovação e de geração de
novas perspectivas para os educadores do Colégio João Caetano. Através do
95
Curso, muitas dessas indagações poderiam ser respondidas e as mudanças na
prática educativa poderiam ser avaliadas imediatamente. Com o Curso, uma
realidad
elatos e críticas.
e institucional poderia ser descortinada: a de uma escola particular, que
matricula o aluno com deficiência ou com dificuldades de aprendizagem, mas que
também traz respaldos reais aos profissionais que os acolhem. Através do Curso, o
Colégio João Caetano, com tantos questionamentos em seu cerne educacional,
poderia experimentar a realidade dos professores que desejam aprender, em um
espaço aberto para debates, r
OS PROFESSORES PARTICIPANTES
Os professores do Colégio João Caetano ficaram muito entusiasmados com
a proposta do Curso, apresentada e divulgada em uma reunião coletiva em julho de
2007. A escola tem estabelecido, em seu calendário anual, duas datas para estudos,
debates e reflexões sobre temas relacionados à Educação, Saúde, dentre outros:
são as
ofessores presentes na
escola n
chamadas semanas de reciclagem nos meses de julho e janeiro – período de
recesso dos alunos.
Portanto, por já terem contato com espaços de estudos e debates teóricos -
mesmo que em datas tão distantes, os professores sentiram-se motivados com a
oportunidade do Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão que seria
oferecido. Com a distribuição do folder explicativo, recebemos 23 fichas de inscrição
no mesmo dia. Representava praticamente a metade dos pr
a data, o que demonstrou uma grande adesão.
Dos professores interessados, a grande maioria era da Educação Infantil.
Apenas dois deles eram do segundo segmento do Ensino Fundamental. A Educação
Infantil é o primeiro segmento a receber crianças com alguma deficiência e com
necessidades especiais , além de concentrar um grande número de alunos incluídos
em turmas regulares. Esse pode ter sido um fato preponderante para a participação
maciça desses professores.
Por outro lado, os professores do segundo segmento do Ensino
Fundamental são os que menos tempo passam na instituição, por ministrarem aulas
em dias alternados, por estarem sempre correndo para se deslocarem para outra
instituição de ensino. São professores que conhecem seus alunos através de suas
96
aulas curtas - calculadas em 50 minutos e que têm menos tempo de contato com
suas respectivas coordenações para falarem de assuntos ligados à aprendizagem.
Pelo excesso de provas de várias escolas, pela obrigatoriedade de tantos
conteúd
a inscrição. Tal como descrito, apenas um era do segundo
egmento do Ensino Fundamental e que acabou não retornando aos demais
se grupo, cinco eram do primeiro segmento do Ensino Fundamental e
nove deles eram da Educação Infantil. Começamos com 15 participantes e
termina
-se um espaço de encontros democráticos. O que promovia a chegada
era o de
as como promover a exclusão em um espaço que reflete a inclusão? Aos
profess
os, acabam mais preocupados em notas e conceitos do que em processos.
Após a divulgação do Curso, era chegada a hora do primeiro encontro,
realizado no dia 04 de agosto de 2007. Compareceram 15 professores, alguns deles
não haviam feito
s
encontros. Des
mos o último encontro com 17 professores assíduos.
Ao longo do Curso, alguns participantes não retornaram, mas outros
chegaram... Alguns profissionais se desligaram da instituição e saíram dos
encontros; outros foram admitidos e pediram para ingressar no Curso. Alguns
professores divulgaram em outras escolas e pediram para levar colegas... Enfim, o
Curso tornou
sejo de saber, o desejo de expor suas dúvidas e idéias sobre o processo de
inclusão que vivenciavam ou que gostariam de presenciar.
O espaço havia sido pensado para os professores da instituição e não havia
programado ingressos de outros participantes, principalmente após o terceiro
encontro. M
ores que chegaram ao último módulo, foi feita uma breve reconstituição das
discussões anteriores e lançada a semente de esperança de outros Cursos de
Multiplicadores nesta instituição ou em outros espaços para seu acompanhamento
na íntegra.
O Certificado de Conclusão do Curso prevê assiduidade e participação dos
Estudos Dirigidos como meio de sistematização das discussões acerca das
temáticas. Vale ressaltar, por fim, que os professores mais assíduos foram os da
Educação Infantil.
OS MATERIAIS
Os materiais do Curso de formação de Multiplicadores (apostilas com textos
informativos e teóricos, power point projetado em datashow, dinâmicas de grupo,
97
estudos
materiais oferecidos aos participantes não se propunham a tornar-se um
fim em
fonte de referência bibliográfica de
onstante consulta para os professores, segundo suas próprias declarações. Os
lides projetados traduziam a temática do Eixo através de exemplos que frutificavam
iscussões no grupo, produzindo análises críticas, relatos de experiências vividas,
propostas de novas questões acerca do conteúdo. As dinâmicas de grupo
caracterizaram-se como instrumentos de integração entre os participantes, de
reflexão entre os pares, além de criarem um contexto apropriado para declarações
espontâneas de membros do grupo que outrora não se manifestaram.
Por fim, os estudos de casos apresentados ao grupo possibilitaram o contato
com dados reais de outros contextos sociais e econômicos de famílias de crianças
com deficiência, além de promoverem a busca de soluções adequadas para a
realidade estudada e para a realidade vivenciada pelos participantes do grupo.
Além disso, o grupo teve livre expressão para contribuir com materiais e
para fazer críticas aos que estavam sendo colocados à disposição. A construção de
cada apostila só efetuou-se após a discussão dos focos de interesse do grupo
acerca do tema e suas demandas de necessidade de leituras referenciais sobre os
assuntos.
No próximo capítulo, serão apresentados os Indicadores de Avaliação do
Curso em todo o seu percurso, ressaltando, todavia, que estes registros pretendem
gravar na memória uma pequena parcela do que foi realizado, uma vez que a
plenitude do processo vivido ficará a cargo de cada participante, naquilo que
absorveu e pode traduzir em ações concretas.
de caso a serem debatidos) visavam proporcionar no grupo a identificação
de problemas, a possibilidade de pesquisa e levantamento de dados sobre eles, a
realização de análises críticas e a busca de soluções adequadas para os problemas
levantados.
Os
si mesmos, e sim como recursos estratégicos de discussões, debates,
críticas e avaliações do processo grupal, mediante exemplos práticos, vinculados à
realidade dos participantes, acoplando sempre as contribuições trazidas pelos
mesmos.
As apostilas tornaram-se, então, uma
c
s
d
98
O caminho faz-se ao andar “.
“Caminhante é o teu rasto o caminho, e nada mais;
Caminhante, não há caminho
Antônio Machado•
• Desenho de F.S, de 8 anos. Menino que gosta muito de nadar, cantar e estudar. Na Escola, senta-se na primeira carteira e é ajudado pelos colegas durante as aulas e apresentações no Palco, pois é deficiente auditivo.
99
CAPÍTULO 5. A avaliação do percurso do Curso
“A partir das informações compartilhadas no Curso de Formação de
Multiplicadores, pude repensar a minha prática e redirecioná-la.”
(Professora participante)
erencial psicanalítico lacaniano (MRECH,
2003) p
momento, podendo ser transmitido de maneira
clara e
illani
(2007), o sujeito pod
que é obtido sem o s
em que o sujeito esta
Para os autores acima citados, é possível uma transposição do
conhecimento alienado se aproximando do autônomo, via diferentes formas de
investim
Este foi o verdadeiro propósito do Curso: permitir o repensar e,
conseqüentemente, o redimensionamento da prática docente pelos próprios
participantes, através de suas experiências pessoais compartilhadas, da constituição
pessoal de seus saberes.
Uma possível contribuição do ref
ara a interpretação das nossas experiências pode ser fundamentada na
distinção entre as categorias ‘conhecimento’ e ‘saber’. Nessa perspectiva: O saber é uma elaboração pessoal do sujeito. O conhecimento é apenas seu contexto inicial instituído a partir da informação. O conhecimento possibilita um tratamento do tipo: ‘Eu sei que’, ‘Eu não sei que’. O saber é da ordem de algo a ser estabelecido e tecido pelo sujeito (MRECH, 2003,p.84).
A partir desse referencial, numa primeira aproximação, pode-se considerar o
conhecimento como um conjunto de idéias, conceitos, representações e informações
que permitem, em princípio, fazer uma leitura orientada da realidade. Na sua forma
objetiva, ele está armazenado nos livros, nos computadores e em outros meios,
podendo ser acessado a qualquer
precisa, com palavras ou fórmulas. Entretanto, o sujeito pode manter
relações distintas com o conhecimento que adquire. Segundo Freitas e V
e apresentar, em um extremo, um conceito do tipo alienado -
eu comprometimento, ou um conhecimento do tipo autônomo -
belece relações e com elas uma marca correspondente.
ento do sujeito. Isso ocorre quando determinadas representações do
conhecimento entram em ressonância com significantes inconscientes do sujeito, ou
quando este tem participação efetiva e um alto grau de implicação na elaboração e
no desenvolvimento de seus significados.
100
Por saber, entendem-se representações implícitas e inconscientes, com
implicação subjetiva e envolvimento da libido, de acordo com os referenciais da
psicana
anto desejo de ultrapassar os limites da relação com os conhecimentos
adquirid
Quando um sujeito é envolvido pela paixão da busca, na insatisfação quase perene do conhecimento alcançado e no esforço contínuo de ultrapassar o que se conhece, pode-se inferir que o seu conhecimento tornou-se autônomo e é sustentado por um saber lapidado, que aceita intimamente a
ão de trabalhar os
conhecimentos de maneira ampla, permitindo que cada professor participante
pudesse
da inclusão mais consciente e eficaz. O trecho do depoimento
descrito inicialmente, traduz essa experiência: o conhecimento científico
(informa
ara melhor compreensão do percurso do Curso, elucidar-se-ão os registros
de dado
te: Fase preliminar
lista Leny Mrech (2003). Saber é o que nos orienta e, às vezes, nos amarra
de maneira implícita nas escolhas do dia a dia. Paralelamente ao conhecimento, o
saber também pode ser entendido como um continuum entre dois extremos: de um
lado, um saber bruto – caracterizado pela ausência do sujeito enquanto desejo de
mudar e de buscar novos conhecimentos ou de estabelecer conexões entre os
mesmos. Do lado oposto, um saber lapidado – caracterizado pela presença do
sujeito enqu
os (FREITAS, 2003,p.03).
Nesta perspectiva, aprender implica mudanças significativas caracterizadas
pelas ampliações dos conhecimentos e modificações dos saberes envolvidos.
provisoriedade e parcialidade de todo conhecimento (FREITAS e VILLANI, 2007,p.04).
Apesar do saber ser fundamentalmente subjetivo - portanto, individual, é
possível compartilhá-lo com outros sujeitos. Ensinam-se conhecimentos, mas estes,
sozinhos, são de pouca valia quando adquiridos sem o comprometimento do sujeito.
Nas experiências de aprendizagem, quando o sujeito está operando com os
conhecimentos, pode evocar seus saberes e pô-los em jogo, com possibilidades de
deslocamentos ou cortes. Isso significa mudar de atitude diante do conhecimento.
O Curso de Formação de Multiplicadores teve a pretens
evocar seus próprios saberes, transformando-os ou resignificando-os rumo
a uma prática acerca
ções) como um meio de reestruturação dos saberes particulares, individuais,
subjetivos.
P
s e fatos ocorridos nas seguintes etapas, estas já descritas e detalhadas
anteriormen constituída pelo trabalho da minha inserção enquanto
pesquis dora no grupo; e as discussões dos Eixos Temáticosa junto ao grupo.
101
Fase Preliminar Esta fase da pesquisa constitui-se como um espaço de representações dos
participantes do grupo acerca de seus saberes sobre o processo de inclusão e de
suas ex
Tenho vontade de buscar informações sobre o diferente e tentar entender um pouco sobre
inclusão.”
em um trabalho de elaboração simbólica.
ber particular dos professores envolvidos. Quais eram as
definições pessoais sobre inclusão? Quais as suas experiências? O que
represe
pectativas com relação ao novo espaço que se constituía na Escola: o Curso
de Formação de Multiplicadores. Realizado em 04 de agosto de 2007, na sala de
Reuniões da Biblioteca do Colégio João Caetano, esse representou o primeiro
encontro do Curso, também chamado de Sensibilização e Apresentação da Pesquisa. A princípio, os participantes deixaram explícito que o Curso representaria
um espaço de “novos conhecimentos”, de novas técnicas, de respostas imediatas
para suas dúvidas sobre o “aluno diferente de sua sala de aula”.
“- Estou em busca de novos conhecimentos para enriquecer minha prática profissional.” (S., professora participante)
“-
(R., professora participante) “- Venho aprender novos recursos e técnicas para trabalhar com a inclusão.” (V., professora
participante)
Tal como explicitado por Mrech (2003), o conhecimento pode gerar a ilusão
imaginária de plenitude e domínio, quando seus limites são ignorados. Já o saber
implica em um investimento subjetivo e, portanto, uma participação efetiva do sujeito
Procurou-se, portanto, evocar os saberes dos sujeitos envolvidos no Curso,
para que pudessem interagir com os conhecimentos de maneira a envolvê-los em
sua elaboração pessoal. Não eram os conceitos e as definições acerca da inclusão e
da deficiência que estavam em destaque, mas sim o que esses conhecimentos
despertavam em cada sa
ntava para cada um deles ter um aluno com necessidades especiais em suas
salas de aula?
102
Tomados pela possibilidade dessa experiência subjetiva, e que poderiam
entrar em contato com seus próprios saberes, suas dúvidas, suas impossibilidades,
suas incompletudes, os professores começaram a se expressar...
andar? O novo me assusta muito e eu não sei como agir, na maioria das vezes. Gostaria
de saber,
ue
o trabalh
é
novo, assusta. Quero saber pescar! Espero aprimorar minha prática enquanto educadora e reconhecer
o quanto
trabalho a ser desenvolvido era muito mais do que a apresentação de
conheci
a era a de, juntos, compreendermos o conceito que o próprio grupo
tinha sobre o tema, criando estratégias de ação mais conscientes e eficazes para
cada re
nvestigador de si
mesmo.
“- Hoje, neste primeiro encontro do Curso, sinto-me como esta mulher da figura: vestida com
uma roupa de louca. Eu me vejo, em muitas situações, como uma louca, pois tenho muitas dificuldades
em lidar com a diferença. Ao final deste Curso, eu espero estar como esta outra figura: dando saltos,
tendo progressos na minha vida profissional.” (H., participante) “- Eu me sinto de olhos vendados quando penso e falo em inclusão. Como devo agir? Por
onde posso
depois de participar do Curso, que é possível ser feliz e fazer o outro feliz..” (V., participante)
“- Acho que vou passar por um longo processo de aprendizagem, pois ainda sinto-me muito
despreparada para o trabalho com adolescentes com necessidades especiais e deficiência. Acho que o
Curso vai me trazer muita riqueza de materiais e tenho certeza de que, no final, vou entender que cada
um de nós tem suas características particulares. Igual à música do Caetano Veloso: normal é ser
diferente!” (N.M., participante) “- Recortei esta figura de um homem pescando para me representar no dia de hoje. Acho q
o com a inclusão exige a paciência de um pescador, a sabedoria para esperar o momento
certo e a habilidade para reconhecer os peixes, no nosso caso, os alunos. Quero ter isso tudo e por
isso estou aqui! Quero ter mais paciência para o aluno diferente da minha sala de aula, pois tudo que
ainda preciso melhorar e estudar.” (A., participante) O
mentos e teorias sobre a inclusão, através da figura de um coordenador do
grupo. A taref
alidade. Cada participante do Curso fazia parte desta jornada, contribuindo
com seus saberes, dialogando com seus pares, tornando-se i
103
As noções normalmente atribuídas aos espaços denominados de Cursos -
enquanto formação continua
da e aperfeiçoamento, foram, aos poucos, sendo
descaracterizada no Curso de Formação de Multiplicadores (apesar de seu nome!).
Os part
inclusão e que havia uma vontade coletiva de
ressignificação de seus saberes e práticas, tentando cada vez mais, aproximá-los de
valores éticos e morais, além de um diálogo mais consciente com as famílias e com
os demais profissionais envolvidos na multidisciplinaridade do processo inclusivo.
espaço do Curso de Multiplicadores foi percebido, portanto, como um local
de interação dos sujeitos com várias formas de conhecimentos, visando envolver
cada participante na situação de elaboração pessoal de seus próprios saberes.
O dia de hoje foi simplesmente fantástico, pois consegui perceber como tenho deficiências
e tenho q
ue eu possa melhorar como cidadã, como educadora, enfim, como
membro s
icipantes começaram a perceber que este havia sido constituído por uma
necessidade real de diálogo e reflexão dos professores do Colégio João Caetano
sobre seus processos de
O
“-
ue tentar compreender as necessidades dos seres humanos.” (T., participante) “- O dia foi ótimo, pois como é difícil descobrir dentro de nós a nossa própria deficiência.” (T.
P., participante) “- O dia de hoje foi enriquecedor e gratificante. Pude ver como tenho deficiências e limitações
e como preciso superá-las para, então, ajudar o meu próximo.” (R., participante) “- O curso foi melhor do que eu esperava, pois me senti muito motivada. Fico feliz em fazer
parte deste grupo!” (L., participante) “- O dia de hoje (primeiro encontro do Curso), foi muito importante para mim pois aprendi,
entendi, me sensibilizei para q
ocial.” (A. M., participante)
104
As Discussões dos Eixos Temáticos
Os Eixos Temáticos do Curso foram planejados e sistematizados mediante
os inter
ssem das atividades e se tornassem, de alguma forma,
respons as atividades de estudos
individuais ou em g
participantes fosse
oportunidade para fa ntadas e as dificuldades foram
acompanhadas de perto.
aginária, na qual os problemas
são percebidos com
contextuais
esses do grupo, a fim de promoverem debates e ações concretas e viáveis
para a realidade educacional em foco, através dos conhecimentos teóricos
disponibilizados. Pensou-se na necessidade de ressonância entre os saberes dos
participantes e os novos conhecimentos, para que os professores não se sentissem
aprisionados pelas novas informações, tolhidos em suas expressões particulares.
Planejou-se um processo de familiarização com o conteúdo, para que os
participantes se implica
áveis pelo êxito do processo. Para isso, durante
rupo, foram criados espaços para que o saber próprio dos
colocado em primeiro plano: os professores tiveram livre
lar, suas iniciativas foram suste
Essas estratégias tornaram-se fundamentais para que houvesse o
envolvimento subjetivo dos participantes com as atividades propostas, que consiste
no reconhecimento implícito de que existe uma afinidade entre suas próprias
produções e o novo conhecimento, mesmo que inicialmente não fosse facilmente
reconhecida. As situações deveriam ser percebidas como atraentes para os
participantes, tal como um momento de plenitude im
o enfrentáveis. Se este acoplamento não acontecer, as
dificuldades tenderão a tornarem-se paralisantes, pelo menos para a maioria dos
participantes, ou a euforia tenderá a se esvaziar sem os correspondentes
compromissos de ação (FREITAS e VILLANI, 2007).
Portanto, pareceu-nos muito difícil prever, a-priori, se uma determinada
estratégia ou intervenção iria conseguir os efeitos almejados com a maioria dos
participantes do Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão. Não somente
porque as informações a respeito dos professores participantes e das condições
são sempre insuficientes, mas também porque existem elementos
objetivamente imprevisíveis, fundamentalmente ligados à presença do inconsciente
nas relações humanas.
Diz Freud em A Interpretação dos Sonhos (1900):
105
O inconsciente é a verdadeira realidade psíquica; no que se refere a sua natureza mais profunda, ele é tão desconhecido quanto a realidade do mundo exterior, e apresenta-se a nós de maneira tão incompleta pelos dados da consciência quanto o mundo exterior pelos órgãos de nossos sentidos. (FREUD,1900/1980,p.651)
Ao longo dos encontros do Curso, divididos em três Eixos Temáticos:
Deficiência e Inclusão (encontros de 01/setembro/2007, 06/outubro/2007 e
14/dezembro/2007), Direitos no percurso da inclusão (encontros de
08/març
otícias de jornais,
reportagens de noticiários, vídeos de sensibilização, além de dinâmicas grupais. Na
etapa s
po, possibilitando a desvinculação do foco
reducionista nos materiais didáticos como única fonte de informações.
, puderam destacar que assuntos
gostariam que fossem abordados ao longo do Curso e sugeriram alguns nomes a
serem c
alistas com especialização em violência infantil e dificuldades de
aprendizagem.
essa temática junto aos professores, apesar de já terem sido diagnosticados três
o/2008 e 05/abril/2008) e Promoção de Saúde no percurso da inclusão
(encontros de 17/maio/2008 e 07/junho/2008), foram exploradas diferentes táticas
para a discussão dos conhecimentos, sempre promovendo a articulação dos
mesmos com os saberes dos participantes.
Como primeira etapa, os participantes foram surpreendidos com alguma
atividade diferente do que estavam acostumados a ter acesso em seus cotidianos.
As informações teóricas estavam repaginadas, havia ganhado ares de novidade,
acompanhadas de slides, estudos de casos propostos por n
ucessiva, os Palestrantes convidados criavam uma atmosfera de debates e
troca de experiências entre todo o gru
Os temas abordados pelos convidados foram muito abrangentes e cada um
deles veio ao encontro dos interesses que o próprio grupo havia indicado no
encontro de Sensibilização. Na oportunidade
onvidados, provenientes de nossa própria comunidade escolar. Articulando a
rede de contatos que dispunha, convidamos uma Médica Neurologista que dá
assistência a muitos alunos da escola, uma psicóloga que atende uma criança
autista da instituição, os pais de alunos com deficiência auditiva, uma Coordenadora
de um Núcleo de Apoio Pedagógico para deficientes visuais, além de duas
psican
Dos debates promovidos pelos convidados, o grupo destacou a temática da
violência infantil como uma das mais relevantes e comoventes. A escola não havia
tido a oportunidade de promover uma discussão com profissionais da área sobre
106
casos de abuso sexual infantil na instituição. Na época, os professores desses
alunos foram orientados pelas psicólogas que acompanhavam os casos, os quais
geraram grande perplexidade na comunidade docente. Portanto, o retorno à
temática
Gostei muito da palestra sobre violência, pois às vezes convivemos com pessoas, crianças
que sofre
e)
eu abuso sexual, muitas perguntas foram decididamente
formuladas pela maioria das participantes do Curso neste dia 05 de abril.
Determ
oláveis, puderam vir à
tona.
ha família viveu um caso de violência intra-
familiar. O meu tio amarrava minha tia na corrente, aos pés da cama e abusava das três filhas. Aí,
minha tia
matizadas e a mais velha demorou muito
tempo para se relacionar com um namorado.” (V., participante)
s práticas, ressignificando
seus an
causou interesse, fortificou dúvidas, provocou impacto.
“- A palestra mais marcante para mim foi a de violência sexual, com a Psicanalista. Apesar de
triste, nos mostrou a realidade.” (L. participante) “-
ram qualquer tipo de abuso e não percebemos ou não entendemos o motivo daquele
comportamento que ela demonstra.” (R., S., participant
Descortinando a realidade da difícil tarefa de incluir uma criança ou
adolescente que já sofr
inadas reflexões das participantes se consolidaram na palavra escrita.
Algumas lágrimas e depoimentos particulares - até então invi
“- Ouvindo você falar, eu posso dizer que min
desenvolveu uma espécie de transtorno mental. É claro! Uma mãe, vendo as três filhas
serem abusadas pelo próprio pai. As filhas são muito trau
Tudo isto fez emergir saberes até então desconhecidos, pelo próprio grupo.
Tendo acesso a novas informações, os participantes puderam refletir mais.
Refletindo, puderam analisar suas próprias realidades educacionais, sociais e
pessoais. Analisando-as, foram capazes de propor nova
tigos saberes, respeitando e acolhendo os saberes de seus pares.
“- A partir das informações compartilhadas nos Eixos Temáticos pude repensar a minha
prática profissional e redirecioná-la.” (E., participante)
107
“- O meu olhar para a minha realidade está mais ampliado, graças à ajuda das informações
teóricas.” .,N., participante)
sões, pude nortear caminhos para melhor condução do trabalho e
interação
muito no repensar da minha sala de aula.” (M., participante)
uma tarefa desafiadora, comple
o tema da educação inclusiv sentimentos particulares distintos e a
frustrações pessoais, as mudanças se
cada educ
zer, que quando o
sujeito (re)constrói o
como um sujeito do c
5.1 Indicadores de Avaliação do Curso
através dos conhecimentos
dquiridos ;
II Redes de contatos profissionais da Escola através dos palestrantes
convidados;
(L
“- Através das discus
com os alunos com necessidades especiais.” (R.,S., participante) “- A parte das informações teóricas do Curso e o contato com outros profissionais fizeram
com que eu reavaliasse minha prática.” (V., participante)
“- Os conhecimentos que tive aqui (no Curso), da forma dinâmica como tive, me ajudaram
Pensar em mudanças no âmbito da inclusão foi considerada, inicialmente,
xa e que envolvia vários âmbitos escolares. Estando
a ligado a vários
operaram ao nível do desejo de saber de
ador, de suas constituições enquanto sujeitos.
Leandro de Lajonquière (2003) nos esclarece que na medida em que o
sujeito (re)constrói o conhecimento socialmente compartilhado, (re)constrói o
conhecimento do outro em si mesmo. Portanto, cabe então di
conhecimento em si mesmo (quando o faz seu), constrói-se
onhecimento e do saber.
Podemos sintetizar os avanços trazidos pelo Curso de Formação de
Multiplicadores sobre Inclusão para Professores nos seguintes aspectos, e que
serão analisados detalhada e separadamente:
I. Auto-estima e autoconfiança do professor
a
.
108
IIIEstratégias de ações sociais;
s para medir ou revelar aspectos
. Prática docente dos profissionais envolvidos no Curso;
IV.
Segundo Minayo e Souza (2005), com a construção de Indicadores de
Avaliação, buscam-se caminhos que sejam capazes de dimensionar e compreender
relações, movimentos, percepções, interpretações e eficiência, eficácia, efetividade e
resultado das ações no Curso desenvolvido. Os indicadores podem ser construídorelacionados aos diversos planos em observação: nos níveis individuais, coletivos, associativos, políticos, econômicos e culturais. Podem, por exemplo, ser instrumentos para mensurar a disponibilidade de bens e atividades, assim como acesso de diferentes atores a intervenções e programas, a relevância das ações executadas para a vida de cada um e a intensidade e o sentido das mudanças obtidas (MINAYO e SOUZA, 2005,p.104).
Ainda segundo as autoras supracitadas, os indicadores de uma
pesquisa qualitativa são aqueles que expressam a adoção ou rejeição de certas
atitudes, valores, estilos de comportamento e consciência. Os exemplos mais
constantes, de acordo com Minayo e Souza (2005), são oriundos da área da
Educação, expressando capacidades e habilidades desenvolvidas pelos indivíduos
como indicativos de seu desenvolvimento educacional.
I. Auto-estima e autoconfiança do professor por intermédio dos conhecimentos adquiridos
Maria Teresa de Melo (1999) salienta que o professor é um dos profissionais
que tem mais necessidade de se manter atualizado, aliando a tarefa de ensinar à
tarefa d
Universidade de Brasília12, sobre as condições de trabalho e a
saúde dos trabalhadores em Educação, revelou indicadores no mínimo
e estudar. Transformar essa necessidade em direito é fundamental para o
alcance da sua valorização profissional e desempenho em patamares de
competência exigidos pela sua própria função social.
Uma recente pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação (CNTE) em parceria com o Laboratório de Psicologia
do Trabalho - da
12 Dados da Pesquisa obtidos no site: <http://www.cnte.org.br//>
109
perturba
social que leva para a escola
novos padrões de
educativos/informativ
sempre ao alcance
que interferem na rel
trabalho.
Os dados da pesquisa acima citada revelam que a auto-estima do professor
- já tão
a partir disto:
ouvindo
a escolar e na comunidade (BRASIL, 2006,p.13).
educativa.
São os
dores acerca da prática educativa relacionada à apropriação/expropriação
de competências. O novo perfil do aluno, como sujeito
comportamento; a competição com outros agentes
os fora da escola; a celeridade do avanço tecnológico, nem
de todos, foram alguns dos fatores, apontados pela pesquisa,
ação do professor com o conhecimento - objeto primeiro do seu
comprometida pela acentuada desvalorização salarial, sofre impactos que
ganham dimensão de verdadeira síndrome – a síndrome da desistência, conhecida
como burnout – diante da impotência em realizar sua tarefa. Mesmo sabendo,
teoricamente, como executá-la, faltam-lhe elementos essenciais à segurança da
prática pedagógica.
A formação do professor normalmente não é adequada para tantas e rápidas
mudanças, tampouco para a Educação Inclusiva, que exige do profissional uma
mudança de postura, no sentido de redefinir o seu papel, respeitando e entendendo
seu aluno – em suas particularidades, e desenvolver suas atividades
, formulando desafios e situações novas, acompanhando seu processo de
desenvolvimento.
Segundo orientações do Ministério da Educação, em uma material para
formação docente intitulado “Educar na Diversidade”, professores e professoras têm um papel fundamental na construção de escolas para todos e, para realizarem sua função social como educadores, devem adquirir habilidades para refletir sobre as práticas de ensino em sala de aula e para trabalhar em colaboração com seus pares a fim de contribuir na construção de abordagens educacionais dinâmicas e inclusivas, a partir das quais os estudantes com necessidades educacionais especiais têm acesso às mesmas oportunidades de aprendizagem e de participação na vid
Entretanto, uma política de formação profissional direcionada para essa
realidade precisa, pois, nascer no chão da escola para voltar-se a ela, atentando
para as múltiplas dimensões em sua formulação e implementação, capazes de
construir competências coletivas e definir a intencionalidade da prática
agentes educacionais da própria escola que conhecem as verdadeiras
necessidades e a realidade vivenciada no dia a dia. São eles que acompanham os
desafios da inclusão e que sabem da emergência de práticas realmente eficazes
110
para melhorarmos as respostas educativas de todos os alunos. Nesse todos,
incluem-se também as minorias, inclusive os alunos com deficiências.
Todavia, cansados pelas exaustivas jornadas de trabalho, mal remunerados,
com for
cias, sem cair na tentação de
sistema
uando a própria Escola oferece recursos e espaços para debates e acesso
a novos
das de discussões sobre
os processos inclusivos de seus alunos que já vinham ocorrendo há mais de 10 anos
e objetiv
natureza das
mudanças ocorridas em um grupo, não se propondo a dimensionar
quantita
medo porque não conhecia. Hoje, sinto-me muito mais preparada, pois sei que tive acesso à
mações acadêmicas defasadas, com dificuldades de acesso a informações e
formações continuadas, o professor tem a sua auto-estima e sua autoconfiança
abaladas frente ao percurso de inclusão e de educação.
Ensinar é um trabalho complexo, que requer conhecimento, autonomia,
autoria, prazer e criatividade. O desafio está justamente em como “criar condições
para formar professores com tais competên
tizar tudo e transformá-los em cumpridores de tarefas” (CARDOSO e
LERNER, 2007,p.15).
Q
conhecimentos, propondo que seus professores recriem seus saberes a
respeito de suas práticas, falem sobre suas inseguranças e desconfortos, que
dialoguem com seus pares, sugerindo novas estratégias de ação, ela está
valorizando e incentivando a formação profissional de seu corpo docente.
A proposta do Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão
‘nasceu’ no próprio Colégio João Caetano em suas deman
ou garantir aos profissionais participantes, condições de refletir sobre o tema
através de subsídios teóricos, relatos de experiências e estudos de casos, definindo
a intencionalidade da prática educativa do corpo docente da referida instituição.
Para Costa (2000, apud MINAYO, 2005,p.128), avaliar a autoconfiança de
um participante do Curso é “aferir mudança na capacidade de acreditar em si e na
capacidade de se apoiar em suas próprias forças”. Este tipo de indicador qualitativo
é considerado por uma “baliza avaliativa”, que permite mapear a
tivamente o grau de variações ocorridas.
A melhoria na auto-estima e na autoconfiança de algum dos professores
participantes do Curso pode ser vista nos depoimentos citados abaixo:
“- Eu sempre tive muito medo de trabalhar com deficientes porque já ouvi muita gente dizer
que foi processado. Eu não conhecia os direitos, as legislações específicas para a deficiência. Eu tinha
111
informações que faltavam à minha prática e me deixavam insegura. O Curso me proporcionou o que o
nosso município não oferece: acesso à informação. Isso me faltava e eu me sinto muito melhor hoje e
com mais certezas para a minha prática profissional.” (R., participante)
muitas atividades boas e eu não sabia. Eu me sinto mais preparada
hoje, pois tive acesso a leituras, pude conversar com outros profissionais e tenho mais confiança no
meu traba
escola é único, eu nunca vi. Aqui, eu estou tendo novos conhecimentos e
refletindo, ao mesmo tempo. Não vou mais trabalhar por intuição. Vou trabalhar com certezas, com
planejamento. Estou muito satisfeita e falei deste espaço para muitas outras amigas que ficaram
ticipante)
tou tendo novas idéias para minhas aulas e tirei muitas dúvidas que tinha há muito tempo
sobre inc
“- Eu acho que
tempo. Eu sempre busq
refletirmos. Eu tinha muitas dúvidas, sobre nomenclatura, sobre Direitos, sobre algumas terminologias
médicas,
“- Minha formação, e acho que da maioria das colegas, foi muito precária para o trabalho com
Educação Inclusiva. Apesar da Escola me dar todo o suporte, me ajudar muito, eu me sentia
despreparada. Trabalhando o dia todo, sinto-me cansada para fazer uma nova faculdade, pois a idade
pesa. No Curso, vi que eu sabia muitas coisas e que faltava espaço para compartilhar com minhas
colegas da Escola. Vi que eu fazia
lho daqui para frente. Mas, ainda preciso estudar muito!” (S., participante)
“-Sempre amei o trabalho com alunos especiais, e sempre fiz com muito carinho. Entretanto,
na Escola onde eu trabalhava, eu fazia por intuição. Nunca tive amparo, apoio, nunca me disseram que
era para agir daquela ou desta forma. Eu era recém-formada e não tinha experiência. A minha sorte é
que fiz com tanto amor e estudei tanto por conta própria, que deu certo. Sentia falta de dialogar, de
conversar. Este espaço desta
surpresas! Sou uma pessoa muito mais consciente hoje do que há tempos atrás.” (V., par “- Eu trouxe esta colega para o encontro de hoje sem saber que não poderiam vir pessoas de
fora. Peço desculpas... Mas eu estou tão motivada e animada com o Curso que falei dele na faculdade.
A turma toda queria vir, mas esta amiga me fez prometer que eu a traria hoje. Eu tenho sede de
conhecer sobre Educação Especial e são raros os lugares que sabem motivar o participante e o deixam
refletir. Eu es
lusão.” (C., participante)
só mesmo um Curso sobre inclusão é capaz de nos trazer aqui por tanto
uei muito sobre o tema, mas achei ótimo ter um espaço na Escola para
enfim, eu tinha dúvidas que não tinha aprendido na faculdade e não tive a quem perguntar.
Hoje, estou mais segura e sei que os conhecimentos deste Curso complementaram minha formação da
112
faculdade em Educação Especial – que foi muito rápida e me deixaram mais feliz para o trabalho na
Escola.” (A. M., participante)
II. Redes de contatos profissionais da Escola através dos palestrantes convidados
Segundo Hirchzon e Ditolvo (2004,p.388) a importância do trabalho
interdisciplinar, com o contato com profissionais de diversas áreas, possibilita a
apresentação e o intercâmbio entre os diferentes vértices, revelando uma forma
mais ampla e multifacetada da complexa realidade dos alunos e de suas relações
com eles.
Para as autoras, trabalhar a interdisciplinaridade não significa negar as
especialidades e a objetividade de cada ciência. A necessidade de romper com a tendência fragmentadora e desarticulada do processo de conhecimento justifica-se pela compreensão da interação e transformação recíprocas entre as diferentes áreas do saber (HIRCHZON e DITOLVO, 2004,p.388).
A busca por novas e variadas interfaces, levou-nos a muitos profissionais
importantes para o processo de ampliação de nossos conhecimentos. Seja na área
da Medicina ou da Psicologia, os palestrantes convidados representaram a
possibilidade de interlocuções mais freqüentes com suas áreas de atuação, o que
pode representar melhoria na qualidade do atendimento aos nossos alunos.
Além disso, o encontro com os pais do aluno com deficiência auditiva
proporcionou uma riquíssima fonte de trocas de experiências e sugestões entre
professores e família, evidenciando o enlace desejado para o processo de inclusão.
Quando a família participa ativamente das atividades da escola, tais como os
profissionais que atendem o aluno, todos se tornam responsáveis pela
aprendizagem do mesmo, pelo seu bem-estar social e escolar, pelos seus
progressos e podem, assim, discutir juntos os possíveis obstáculos enfrentados ao
longo do percurso de inclusão.
Destacando o encontro do Eixo Temático I: Deficiência e Inclusão com os
pais do aluno com deficiência auditiva, seguem os relatos dos mesmos sobre esta
parceria e possibilidade de interlocução com vários professores da escola e de um
professor participante sobre o encontro, na oportunidade do Curso:
113
“- Este encontro foi maravilhoso para nós (pais do menino F.), pois pudemos esclarecer uma
série de dúvidas que tínhamos com relação a como lidar com o nosso filho. Coisas aparentemente
simples, mas que para nós causavam problemas. Vocês nos ajudaram em técnicas que podemos fazer
em casa: elaborar cartazes, ter um quadro de recados para ele não esquecer as tarefas do dia,
utilizarmos menos os recursos que o cansam, enfim, técnicas pedagógicas. Na correria de nosso dia a
dia, nem sempre tínhamos tempo de perguntar coisas tão corriqueiras. Estamos dispostos a fazer tudo
por ele! Temos feito o que está ao nosso alcance: aparelho auditivo, terapias, uma boa escola, esporte.
Queremos que ele seja feliz, que saiba conviver com esta diferença. Hoje, ouvindo este professor de
Matemática do segundo segmento do Ensino Fundamental desta escola, vi que existe muita gente
envolvida na melhora do nosso filho. Este professor, que nem dá aulas para o F., nos deu dicas
maravilho
vocês: uma equipe! Gostaríamos de convidar à Coordenadora deste Curso a
implementá-lo em nossa ONG para a multiplicação destes conceitos. Montamos uma ONG de
acolhime
os entrar em contato com a outra realidade
do aluno para entendermos melhor as diferenças. Ouvindo a família, pude conhecê-la melhor e pude
analisar a situação do aluno por outro ângulo. Na Escola, não conseguimos ter esta relação tão
speciais. E, hoje, com este encontro,
fizemos o que seria ideal fazer com todas as famílias. Além de termos conhecido o projeto destas
pessoas
nto a ser destacado foi o da terapeuta convidada que atende
a uma aluna da escola. Em sua primeira visita à instituição, destacou a importância
sas, fez um intercâmbio com o nosso problema. Quando o F. for aluno dele, ele já vai saber
do caso, já vai estar familiarizado. Acho que hoje, neste encontro, tivemos muitas saídas! Só temos a
agradecer a todos
nto à moradores de rua e temos recebido muitas pessoas com deficiência. Temos médicos e
assistentes sociais que trabalham em parceria, mas este Curso é uma grande fonte de capacitação aos
que trabalham diretamente com as pessoas acolhidas.” (pais do aluno F., convidados do encontro do Eixo Temático I – dia 06/10/07)
“- O encontro de hoje, com os pais do aluno F., vi o quanto as pessoas devem ter
comprometimento com as situações adversas. Isso me deu uma dimensão ainda maior da importância
de nosso trabalho de inclusão na escola e o quanto devem
particular com as famílias das crianças com necessidades e
com a ONG, já tendo a possibilidade de multiplicarmos o Curso neste espaço, para mais
pessoas comprometidas com a inclusão.” (S.M., participante)
Outro depoime
desta parceria:
114
“- A aluna A.,
profissionais, além da su
método específico para
deste processo para que asa, escola,
consultório. A parceria com a escola é fundamental e imprescindível, pois pode-se trocar informações e
articular
de 5 anos, vai ganhar muito com este encontro, que atingiu muitos outros
a própria professora e da Coordenadora que a atendem. Por tratar-se de um
o Transtorno Global de Desenvolvimento13, a equipe deve estar consciente
a aluna possa ser ajudada em seus ambientes de atuação: c
novos caminhos para um atendimento mais eficaz. O encontro de hoje é a abertura de
possibilidades de trocas e parcerias com toda a equipe da Escola, não só a da Educação Infantil”. (B., palestrante convidada do Eixo Temático II – dia 08/03/08)
III. Prática docente dos profissionais envolvidos no Curso O processo de inclusão convoca a todos os agentes envolvidos na
Educação a conceber o processo de ensino-aprendizagem de outra forma: como um
process
mpetência que a escola deve consolidar e sempre renovar é aquela a na propriedade do conhecimento como instrumento mais eficaz da
pção direcionada
para o
o dinâmico de aprender a aprender, direcionado à singularidade de cada um
e de cada sociedade. O que marcaria a modernidade educativa seria a didática de aprender a aprender, ou do saber pensar, englobando, num todo só, a necessidade de apropriação do conhecimento disponível e seu manejo criativo e crítico. A cofundademancipação das pessoas e da sociedade (DEMO, 1992,p.25).
Qual a importância de um trabalho através de uma conce
“aprender a aprender”? A importância está no fato de que o processo de
desenvolvimento das práticas docentes precisa ser construído/reconstruído em
função das necessidades específicas e gerais do aluno.
Leny Mrech (2003) caracteriza esse processo de construção/
desconstrução/reconstrução de “aprender a aprender”. Para a autora, “aprender a
aprender” é ir além de onde se está, é aprender a lidar com os processos de
resistências e paralisação do saber, é aprender a aprender a lidar com os processos
de distorção do saber tanto por parte dos alunos quanto dos próprios professores.
“Aprender a aprender” permite ao professor distanciar-se de atos de pré-
concepção da realidade pedagógica, que revelam apenas posições preconceituosas,
10 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, em sua Décima edição revisada. 13 Nomenclatura utilizada pelo CID
115
de ignorância e desconhecimento por parte daqueles que os realizam. Atos que
revelam que se ficou apenas na ação, na situação prévia, não se conseguindo,
assim, captar o novo.
dizagem dos alunos com muito mais freqüência. Mas,
nós, ed
normal ou normalizador, o que acaba
desenca
algum tipo de
deficiên
Não é por acaso
Com isto, nós acabamos perdendo o sentido mais amplo da Educação, que
é o de levar alguém a estudar, a tecer o saber, a descobrir o que realmente
necessita para aprender, levando em conta suas particularidades.
Com o crescimento da Educação Especial no Brasil, as salas de aulas
começaram a conviver com a heterogeneidade, com as diferenças de ritmos nos
processos de ensino-apren
ucadores, não tivemos, ao longo de nossa formação acadêmica, uma
preparação para trabalharmos a diversidade. Ao contrário, os professores recebem
em seus cursos de formação concepções prévias de como deverão agir com seus
alunos , de uma forma determinada. O privilegiamento é enquadrar todos os alunos
dentro de um contexto de desenvolvimento
deando a emergência do processo inverso, isto é, a exclusão dos alunos
“diferentes” e/ou deficientes dentro das salas de aulas comuns.
Isso acaba desencadeando uma distorção de todo o processo de construção
da relação professor-aluno, pois, antes de observar como o aluno estrutura seu
raciocínio, o professor já está às voltas com um procedimento de encaixe, tentando
vê-lo como aluno “normal”, com distúrbios de aprendizagem ou com
cia.
O momento atual da Educação Inclusiva nos conduz a um questionamento
sério com relação à maneira como aprendemos a pensar tradicionalmente nossos
alunos. Aprendemos a tecer imagens, aprendemos como atuar. Imagens que
acreditamos, que validamos como reais. O que não percebemos (ou estamos ainda
aprendendo a perceber) é que estes alunos “ideais” estavam em outro lugar, e não
em nossas salas de aula.
O real se introduz por entre as frestas das imagens, revelando que nós
queremos o sonho à realidade. Preferimos a fantasia à realidade.
que nós preferimos o nosso sistema de crenças, de estereótipos, de preconceitos.
Eles mantêm a nossa crença de que as coisas não mudam, de que o real
permanece o mesmo, não se transformando.
Para a Psicanálise, a noção de imaginário está referenciada a uma das
primeiras elaborações teóricas de Jacques Lacan, a respeito da fase do espelho. O
116
autor pu
orrespondem às antigas crenças
e pré-c
das concepções narcísicas, do tentar fazer com que o outro
pense c
sua imagem e
semelha
s que apenas a nossa palavra seja escutada. Romper com
esta es
desejos.
Em Sobre o
se assemelha a nós
vem ocupar o lugar do eu, em espelho, e a satisfação permanece narcísica. Ou
então, amamos a quem nos cuida e nos protege, e aqui o termo de amor é ainda o
eu: o ob
nha em evidência a idéia de que o ego da criança constitui-se a partir da
imagem do seu semelhante (ego especular). “Ao considerarmos esta experiência
princeps, podemos qualificar como imaginário a relação fundamentalmente narcísica
do sujeito com o seu ego” (LAPLANCHE e PONTALIS, 2004,p.234).
Muitas vezes, as imagens que o professor vê à sua frente, nem sempre são
as que ele gostaria de ver. São imagens que não c
oncepções de “criança ideal”: inteligente e sem características que
contraponham à sua idéia de beleza. Este modo de ver o mundo através do seu ego,
do seu eu (egocentrismo), é um processo intitulado pela Psicanálise como
narcisismo: um nome que emergiu do mito de Narciso14. Há, no mundo atual, um
florescimento enorme
omo nós, da transformação do outro numa projeção imagética do eu e,
assim, do distanciamento do reconhecimento da própria alteridade.
Para a teoria psicanalítica, no narcisismo o sujeito toma a si mesmo como
objeto de amor, como o eu ideal, e na escolha narcísica de objeto, o sujeito elege
um outro segundo imagem reflexa do próprio eu, um outro à
nça. O narcisista crê que é outro que está à sua frente quando, na verdade,
é ele mesmo. Dessa forma, se esse outro encarna a imagem do próprio eu, o eu
ideal, ele representa o absoluto de um ser amado.
O narcisismo faz com que nós nos afoguemos em nossa própria imagem;
faz com que queiramo
colha narcísica de objeto é permitir que a alteridade exista como um valor,
como uma possibilidade de vermos o outro em sua multiplicidade de falas, de
atitudes, de
Narcisismo: uma introdução (1914), Freud diz: amamos o que
ou o que se assemelha a nosso ideal – e neste caso, o objeto
jeto de amor tem a tarefa de satisfazer os interesses do eu. 14 “Narciso era o grande amor da ninfa Eco. Mas ela não conseguia se aproximar do amado, pois cada vez que tentava chegar perto dele, repetia apenas o eco de suas palavras. Ou seja, Eco não pensava sozinha, pensava com pensamento de outro. Apenas um milagre poderia ajudá-la. O que fez com que ela acabasse solicitando a Eros – o Deus do Amor, que colocasse um encantamento em Narciso, para que ele pudesse se apaixonar por ela. Zeus, compadecido dos sofrimentos de Eco, atende à solicitação e lança um encantamento onde Narciso deveria se apaixonar pela primeira pessoa que visse. Acontece que, por azar de Eco, a primeira pessoa que ele acaba vendo, é a sua imagem refletida em um lago. O que leva Narciso a tentar se unir à figura amada, fazendo com que ele se afogue ao tentar capturar a própria imagem.” (MRECH, 2003,p.22)
117
Freud em suas Reflexões para os tempos de guerra e morte (1915), e
depois em O futuro de uma ilusão (1927), diz esperar-se que a educação renuncie a
se apoia
pel e desprender-se do narcisismo, para que evite o que consistiria em situar a criança como seu eu ideal
(1987,p.157).
concepções e postulados
de “alunos-ideais”, tendo a oportunidade de redirecionar este olhar para os seus
“alunos
de tudo, a tentativa de resignificação da imagem
de alun
, eu me sinto com
dificuldade, com medo de como lidar , de como proceder...Quando o aluno não consegue corresponder
à minhas
r na ilusão e dê lugar à realidade, deixando de dar primazia ao narcisismo, a
uma satisfação narcísica pautada em uma imagem de perfeição puramente
imaginária: o eu ideal.
Na conclusão de seu livro Freud Antipedagogo, Catherine Millot explicita,
assim, o seu ponto de vista sobre uma possível aproximação entre a Psicanálise e a
Educação: A psicanálise não pode interessar à educação salvo no próprio campo da psicanálise, isto é, pela psicanálise do educador e da criança. Na criança, para suspender os recalques; no educador, a fim de que saiba não abusar de seu paempecilho
Tarefa nada fácil... Desprender do olhar dirigido ao outro o nosso próprio
conceito de ideal, de imagens idealizadas, pré-concebidas. O espaço do Curso de
Formação de multiplicadores sobre inclusão para professores pretendeu
ressignificar, através das falas dos próprios participantes, estas imagens pré-
concebidas e estereotipadas acerca de seus alunos com necessidades especiais.
Ao falarem, os professores entraram em contato com suas
-reais”, repletos de desejos e oportunidades de aprendizado.
Ao perceberem esta ruptura na própria escolha narcísica de “aluno-ideal”, os
participantes puderam criar espaços de reelaboração de suas práticas, de seus
conceitos, de seus discursos.
Alguns depoimentos a seguir expressam a noção de “aluno-ideal” criada
pelo próprio professor e o impacto causado pela chegada do “aluno diferente” na
sala de aula. Mas, mostram, acima
o-perfeito e do conceito de normalidade, possibilitando a emergência de
práticas educativas mais coerentes e bem-sucedidas, pois vão ao encontro às reais
necessidades de seus alunos.
“- Quando eu me deparo com um ‘aluno-diferente’ na minha sala de aula
expectativas, sinto-me muito frustrado e um pouco confuso com esta situação. Eu acho que a
minha maior queixa quanto à esta situação é o despreparo do corpo docente para lidar com o diferente,
118
com o novo. Espero para os meus alunos considerados especiais, a mesma perspectiva em atingir o
êxito na aprendizagem quanto os outros da turma.” (C.B., participante)
“- Minha primeira sensação quando me deparo com uma criança diferente é não saber como
trabalhar com ela. Imaginamos sempre o aluno que aprende, o aluno comportado, o aluno inteligente.
Quando
Sempre me questionei se havia uma ‘criança ideal’. Acho que não. Mas, o deficiente, o
aluno com dificuldades de aprendizagem me causa um frio na barriga, uma sensação de um enorme
desafio. Tenho a sensação de incapacidade, de que não vou conseguir conquistar o MEU objetivo.
Mas, espero poder, cada vez mais, compreender o que leva este aluno a não entender. Espero que
eles possam ser livres de discriminação e tenham um futuro feliz.” (A., participante)
especial tenho muito medo. O que fazer? Como me adaptar ao
inesperado? Como não permitir que a criança sinta a minha insegurança? Como formular este não-
esperado
o muito frustrada quando o meu aluno não aprende, por eu não ter conseguido discernir
se ele es
chega um aluno diferente, eu me sinto muito aflita, parece que não o conheço. O meu
desconforto nesta situação é saber que ele não vai ter o mesmo momento de aprendizagem dos
outros, vai ter o seu ritmo. Mas, eu procuro tentar vencer esta minha ansiedade com o meu
conhecimento. Assim, acho que ele vai poder conviver com uma professora mais comprometida com o
seu desenvolvimento.” (S.M, participante)
“-
“-Quando recebo um aluno
na minha consciência? Acredito que este desconforto seja uma certa impaciência com o ritmo
diferente do outro. Nesta hora, preciso refletir sobre minha prática e buscar a solução em mim mesma,
dissolvendo minhas próprias barreiras, vendo o aluno como ele é e não como eu gostaria que ele fosse.” (E., participante)
“- Fic
tava com algum problema ou se era eu quem estava fazendo algo errado. Eu sei que ele se
espelha em mim para fazer alguma coisa e eu sinto que não posso errar, não posso demonstrar medo,
insegurança. Mas o diferente me assusta! Eu estou buscando constantes aprimoramentos pessoais
para analisar minha dificuldade em lidar com o fracasso do meu aluno, que no fundo, deve ser um
fracasso meu.” (A . O., participante)
119
IV. Estratégias de ações sociais Na experiência do Curso de Formação de Multiplicadores sobre inclusão,
percebi
teóricos e práticas junto
aos pares.
ca, permitindo seu
acesso
m nós mesmos, podendo nos
libertar do terror que ele provoca. Assim sendo, podemos experimentar o efeito
diferenc
ais espaços de reflexão sobre sua própria prática de
inclusão, pois não adianta falar da situação geral, do mundo, sem olhar para a sua realidade. Enquanto
professor
que a mudança conceitual e atitudinal por parte dos professores
participantes, ou seja, ao esforço dos mesmos para romper com o conhecido e o
familiar na temática da educação inclusiva, esteve muito facilitada pelo fornecimento
de subsídios e oportunidades de reflexões com materiais
No lugar de respostas prontas, de “receitas milagrosas” de como trabalhar
com estes alunos “diferentes”, acenou-se ao professor com a possibilidade de que
fale sobre sua experiência e faça a interlocução com seus pares. Deste modo,
possibilitou-se uma circulação discursiva que tira o professor do lugar de queixa e
impotência e o põe a se interrogar sobre sua prática pedagógi
a conhecimentos teóricos, incentivando-o a tornar-se pesquisador em busca
de seus próprios saberes.
As questões inicialmente trazidas pelos professores - que se resumiam a
saber sobre diagnósticos, características da patologia apresentada pelo aluno X,
foram dando lugar à escuta do estranho que há e
iador da alteridade e descobrir, com confiança, caminhos para lidarmos com
as diferenças; com nossas próprias diferenças.
Os Eixos Temáticos visavam criar debates acerca de ações práticas para o
processo de inclusão na escola, sempre partindo das experiências pessoais dos
participantes. E realmente criaram, frutificando várias sugestões sobre o processo de
ensino-aprendizagem na realidade educacional vivenciada.
“- A educação inclusiva só é real com professores capacitados e com a mobilização da
sociedade. Outras escolas deveriam ter m
a, meus conhecimentos devem ser discutidos, conversados com o meu grupo. Esta é a
verdadeira inclusão: aquela que pensa no professor também.” (L., participante) “- A meta da instituição inclusiva deve ser a de capacitar o seu corpo docente sem esquecer
das famílias. Aqui, no João Caetano, os pais têm dúvidas como nós temos, têm os mesmos receios,
120
mas procuramos respostas juntas, em um trabalho conjunto. A escola que esquece de incluir a família
no processo de conquistas, não elabora bem suas atividades. Incluir as famílias na elaboração de
metas e objetivos para o aluno é fundamental.” (S. participante)
a a nossa rua, depois para o nosso bairro. Isso é o
princípio da Multiplicação.” (V., participante)
ticipantes)
“- A nossa comunidade precisa se mobilizar para a questão da acessibilidade. Não tê-la, é um
direito violado dos deficientes. Precisamos agir, em nossas escolas de atuação, em nossos núcleos
sociais para esta conquista, que é primordial. Para isto, temos que divulgar os direitos dos deficientes.
Este, são ignorados pela sociedade por falta de acesso. Eu mesma vou falar deles com uma vizinha
minha, que tem direito ao benefício do INSS, mas ela nem sabe como recorrer. Eu vou ajudá-la e
outras pessoas serão beneficiadas com este meu conhecimento, agora também em textos. Isso é o
que a nossa comunidade precisa: conhecimentos partilhados, mãos unidas em prol de conquistas.
Vamos começar pela nossa Escola, passar par
“- A falta de conhecimento gera medo e atitudes preconceituosas. É hora de pegarmos o
bastão do saber e seguirmos adiante. As ações práticas para a verdadeira inclusão e garantia de
direitos, este processo que nosso grupo (formado por 3 participantes) sugere é um maior acesso à
mídia, ao contexto de informações e maior discussão na própria escola. Sugerimos que sejam
denunciados os não-cumprimentos das leis propostas e que isto seja divulgado. As leis já não são
conhecidas, se não colocarmos em prática as (leis) que temos acesso, elas não terão garantia de
vigência em nossa comunidade. Não temos que ter medo de denúncia, nem dentro de nossa escola.”
(grupo de 3 par
“- Sugiro ações práticas com os alunos, de garantia dos seus direitos e que estes sejam
levados ao conhecimento de todos. A inclusão não passa só pela convivência da criança em salas
regulares. É necessário que sejam promovidas ações para garantir seus direitos e que promovam o
bem-estar dela na escola. Criar espaços para que a criança em processo de inclusão fale de suas
experiências, de como se sente no ambiente escolar, de como é tratada, se é feliz. Fala-se muito do
mal-estar do professor. Mas, e o mal-estar da criança? É preciso haver espaço para que ela fale de
suas necessidades, sem se preocupar no estereótipo que criaram para ela de ter que ser normal. Eu
pergunto: o que é ser normal?” (C., participante)
Percebe-se, pelos depoimentos supracitados, que há muito que fazer! Desde
a garantia da inclusão e aprendizagem dos alunos, passando pela defesa dos
121
direitos dos que têm deficiência, até a verdadeira promoção de saúde. Nos
modernos conceitos da Saúde Pública, ser saudável deve significar a possibilidade
de atuar, de produzir sua própria saúde, através de ações que influenciem o seu
meio – ações políticas para a redução de desigualdades, educação, cooperação
entre setores, participação na sociedade civil. Ser saudável é poder exercer a cidadania.
Para isso, as ações inclusivas devem ser multiplicadas em vários núcleos de
atuação, de forma consciente e eficaz. Não basta promover a inclusão. Deve-se
promover a autonomia dos sujeitos para as suas relações com os outros, com o
mundo. Deve-se libertar o aluno da ditadura de “aluno-ideal”, de seguidor dos
padrões narcísicos de normalidade e beleza, já discutidos anteriormente. Deve-se
buscar no professor a sua figura de eterno aprendiz do saber-não-sabido, pois é ele
quem verdadeiramente desperta a aprendizagem do aluno. Ao se propor à atitude
de “aprender a aprender”, o professor ressignifica seus próprios saberes e é capaz
de uma prática docente muito mais coerente, pois tentará traduzir os desejos
particulares de seus alunos-sujeitos.
Multiplicando certas práticas que propiciem a ressignificação de atos e falas,
as ações sociais poderão ganhar proporções ainda maiores, em demais localidades
onde, possivelmente, outros professores estão precisando de um espaço de reflexão
e discussão acerca do que é garantir a inclusão, defender os direitos de seus alunos
e promover saúde no âmbito educacional e comunitário. Portanto, os
Multiplicadores desse Curso podem ser, realmente, sujeitos semeando
possibilidades para novas ações, como veremos em detalhes no próximo capítulo.
,
122
“Mas a vida, a vida... A vida só é possível
reinventada.”
Cecília Meireles•
• Desenho de alguns professores participantes do Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão do Colégio João Caetano, sobre a experiência do Curso.
123
CAPÍTULO 6. Promoção de Saúde e Multiplicadores: enlaces do Terceiro Milênio
Por definição, a abordagem da Saúde Pública a qualquer problema é
a em conhecimentos de
iversas áreas, como a Medicina, a Epidemiologia, a Sociologia, a Psicologia, a
Educaç
papel importante na solução do problema, e, coletivamente,
as várias abordage
promoção de saúde d
Em nenhum
década atual. Desde
da doença para a noção de bem-estar físico e mental, e daí para um conceito mais
amplo q
ensino médico
de cará
interdisciplinar e com ampla base científica. Ela se basei
d
ão, a Economia. Tal embasamento permitiu que a Saúde Pública fosse
inovadora e sensível a um amplo espectro de enfermidades em todo o mundo
(DAHLBERG e KRUG, 2006,p.165).
A abordagem da Saúde Pública coloca ênfase nas ações coletivas. Com
freqüência, tem sido comprovado que esforços coletivos provenientes de setores
diversos, como saúde, educação, serviço social, justiça e políticas, são necessários
para solucionar aquilo que usualmente é um problema unicamente médico. Cada
setor desempenha um
ns têm o potencial de produzir ações relevantes sobre a
e pessoas com deficiências – foco de estudo deste trabalho.
outro momento falou-se tanto em promoção de saúde como na
alguns anos, a nossa visão de saúde passou de mera ausência
ue inclui uma adequação de vida social. Segundo a análise de Santos e
Westphal (1999), modificou-se a prática sanitária, passando-se da antiga –
curativista, para a atual – a vigilância da saúde, com sua estratégia de promover
saúde para todos.
6.1 Recorrendo à História para compreender a atualidade
Os autores supracitados explicam essa mudança de paradigma no campo
da saúde pública retomando a situação da morbi-mortalidade em todo o mundo,
vivida no século XIX, caracterizada pela predominância de doenças infecciosas
sobre as demais. No campo da saúde vivia-se ainda uma prática do
ter empírico, não especializado. O movimento sanitarista existente naquele
momento na Europa e na América do Norte conseguiu interferir na situação da
124
saúde em numerosas cidades do mundo, por meio de legislações e grandes obras
da engenharia civil. Seus êxitos para diminuir a tuberculose e, sobretudo, fazer desasurtos epidêmicos de cólera, contribuíram para criar a primei
parecer os ra época
observada no transcorrer do século XIX foi se alterando com a
diminuiç
salidade
das doenças e apontaram a conceituação de fator de risco das doenças
degenerativas, quase sempre associadas ao meio físico e/ou social.
det (1994), como conseqüência mais imediata deste
processo, houve o deslocamento da ênfase curativa da doença para a prevenção. O
conceito de Saúde, no início do século XX, já não se limitava aos elementos
do século XX, foram fatores que cont
paradigma: a promoA nova saúd
reconhecimento de que a saúde de um sujeito, de um grupo ou de uma comunidade
depend
dourada da saúde pública. Nessa época foram fundadas as primeiras instituições universitárias, indicando responsáveis por saúde em regiões administrativas e também surgiram as primeiras comunidades científicas (SANTOS e WESTPHAL, 1999,p.03).
Nesta época de epidemias mundiais, que antecedeu ao séc.XX, toma corpo
a idéia biológica da doença. Esta teria uma só causa, com um germe originando
cada etiologia. Portanto, desta noção decorre que a saúde era a ausência de
doença, isto é, a ausência de um agravo causado por um germe.
Carlos Alvarez Dardet (1994,p.39) elucida-nos que a situação de morbi-
mortalidade
ão das doenças transmissíveis e, conseqüentemente, o aumento das
denominadas degenerativas, devido essencialmente às melhorias nas condições
gerais de vida da população. Os progressos na área das pesquisas médicas,
especialmente da epidemiologia e imunologia, indicaram a idéia de multicau
Ainda segundo Dar
tradicionais do curativismo: doença, diagnóstico, terapia e recuperação da saúde. A
saúde não representava mais, simplesmente, a ausência de uma doença.
A crise do curativismo, a nova abordagem da saúde preventiva, a ampliação
do conceito de educação sanitária – afastando-se da abordagem higienista do início
ribuíram para a emergência do novo
ção de saúde.
e pública, ressaltada por Santos e Westphal (1999), surge do
e também das coisas que o homem criou e faz, das interações dos grupos
sociais, das políticas adotadas pelo governo, inclusive os próprios mecanismos de
atenção à doença, do ensino da medicina, da educação, das intervenções com a
sociedade.
125
Assim, a saúde passa a ser compreendida enquanto qualidade de vida e não
apenas como ausência de doença, determinando que os problemas de saúde sejam
enfrentados valendo-se de ações intersetoriais, visto que extrapolam a
responsabilidade exclusiva do setor de saúde (AERTS, ALVES et al, 2004).
a postura voltada para controlar fatores de risco e
a promoção de saúde supõe uma concepção que não
restrinja a saúde à a
determinantes. Incid
prestação de servi
envolvam a educaçã
alimentação, o meio
outros determinantes
Para Labonte (1994), a promoção de saúde assumiu a saúde como
produçã
omoção de saúde passou a
ganhar destaque no
oficialmente pela Org
e sua prática for
6.2 A Promoção de Saúde Segundo Sícoli e Nascimento (2003), esta nova maneira de interpretar as
necessidades e ações de saúde, não mais numa perspectiva unicamente biológica,
mecanicista, individual, específica, mas numa perspectiva contextual, histórica,
coletiva, ampla, representa um novo paradigma no campo da Saúde: a Promoção de
Saúde! Assim, de umcomportamentos individuais, a Saúde Pública volta-se para eleger metas para a ação política para a saúde, direcionadas ao coletivo (SÍCOLI & NASCIMENTO, 2003,p.104).
Intimamente relacionada à vigilância da saúde e a um movimento de crítica à
medicalização do setor,
usência de doença, mas que seja capaz de atuar sobre seus
indo sobre as condições de vida da população, extrapola a
ços clínico-assistenciais, supondo ações intersetoriais que
o, o saneamento básico, a habitação, a renda, o trabalho, a
ambiente, o acesso a bens e serviços essenciais, o lazer, entre
sociais da saúde.
o social, passando a valorizar mais intensamente determinantes sócio-
econômicos, a instigar o compromisso político e a formentar as transformações
sociais.
Neste contexto, a partir da década de 1980, a pr
campo da Saúde Pública, tendo o conceito sido introduzido
anização Mundial de Saúde (OMS,1986). Seu marco conceitual
em desenvolvidos predominantemente por Organizações
126
Internacionais e por
(SÍCOLI e NASCIME
A Carta de Otawa foi um marco muito importante. Inspirada pelos princípios
da Decl
o de Saúde (Otawa/Canadá), realizada
em 1986, declarou qu
de um estilo de ida saudável, na direção de um bem-estar global (CARTA DE OTAWA,
BRASIL, 2001,p.01).
não são assegurados
ade maior na mediação entre na sociedade (CARTA DE
través de ações comunitárias concretas e
o das comunidades é feito sobre os recursos humanos e materiais nelas existentes para intensificar a auto-ajuda e o apoio social, e
estudiosos da Europa Ocidental, Canadá e Estados Unidos
NTO, 2003).
aração de Alma Ata (1978) e pela meta “Saúde para todos no ano 2000”, a I
Conferência Internacional sobre Promoçã
e: Promoção da saúde é o nome dado ao processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. Para atingir um estado de completo bem-estar físico, mental e social os indivíduos e grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente. A saúde deve ser vista como um recurso para a vida, e não como objetivo de viver. Nesse sentido, a saúde é um conceito positivo, que enfatiza os recursos sociais e pessoais, bem como as capacidades físicas. Assim, a promoção da saúde não é esponsabilidade exclusiva do setor saúde, e vai para alémr
v
A Carta explica que a promoção está além do setor Saúde e enfatiza a
atribuição da promoção de fazer com que todos os setores, inclusive os não
diretamente implicados assumam a Saúde como meta e compreendam as
implicações de suas ações para a saúde da população. Os pré-requisitos e perspectivas para a saúde somente pelo setor saúde. Mais importante, a promoção da saúde demanda uma ação coordenada entre todas as partes envolvidas: governo, setor saúde e outros setores sociais e econômicos, organizações voluntárias e não-governamentais, autoridades locais, indústria e mídia. As pessoas, em todas as esferas da vida, devem envolver-se neste processo como indivíduos, famílias e comunidades. Os profissionais e grupos sociais, assim como o pessoal de saúde, têm a responsabilidos diferentes, em relação à saúde, existentesOTAWA, BRASIL, 2001,p.02).
A participação ativa da população é destacada como um meio essencial
para operacionalizar a promoção de saúde. A promoção da saúde trabalha aefetivas no desenvolvimento das prioridades, na tomada de decisão, na definição de estratégias e na sua implementação, visando a melhoria das condições de saúde. O centro deste processo é o incremento do poder das comunidades – a posse e o controle dos seus próprios esforços e destino.O desenvolviment
para desenvolver sistemas flexíveis de reforço da participação popular na direção dos assuntos de saúde. Isto requer um total e contínuo acesso à informação, às oportunidades de aprendizado para os assuntos de saúde, assim como apoio financeiro adequado (idem, 2001,p. 03).
127
A II Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde, realizada em
Adelaide (Austrália) em 1988, enfatizou a elaboração de políticas públicas
saudáveis, caracterizadas “pelo interesse e preocupação explícitos de todas as
áreas das políticas públicas em relação à saúde e à equidade” (BRASIL, 2001,p.26).
Na Dec
forma Sanitária Brasileira ao instituir a
Saúde c
nhecidos, quer por
ações
. Assim, operacionalizar a promoção de saúde requer a cooperação entre
setores
laração, é afirmado que o principal propósito das políticas públicas saudáveis
é a criação de ambientes físicos e sociais favoráveis à saúde.
Nas Conferências seguintes, realizadas em Sundsvall (Suíça, 1991) e
Jacarta (Indonésia, 1997) e México (2000), são reiteradas as concepções anteriores
de que a “saúde é um direito humano fundamental e essencial para o
desenvolvimento social e econômico” (BRASIL, 2001,p.43).
Segundo a análise de Sícoli e Nascimento (2003), a promoção de saúde é
diretamente referida no Artigo 196, da Constituição federal de 1988. Sob a ótica da
saúde como um fenômeno multideterminado e produzido socialmente, o Artigo 196
expressa uma importante conquista da Re
omo direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988, art.196).
Neste sentido, ser saudável não pode ser apenas não estar doente, no
sentido tradicional. Deve significar também a possibilidade de atuar, de produzir a
sua própria saúde, quer mediante cuidados tradicionalmente co
que influenciem o seu meio – ações políticas para a redução das
desigualdades, educação, cooperação intersetorial, participação da sociedade civil
nas decisões que afetam a sua existência – para usar uma expressão bem
conhecida: o exercício da cidadania.
Dessa forma, a saúde é também subentendida como um fenômeno
produzido socialmente, extrapolando o campo específico da assistência médico-
curativa
envolvidos e a articulação de suas ações: legislação, sistema tributário e
medidas fiscais, educação, habitação, serviço social, cuidados primários em saúde,
trabalho, alimentação, lazer, transporte planejamento urbano, etc. (JUNQUEIRA,
1998,p.84). Segundo o autor, a intersetoridade é entendida como a articulação de
saberes e experiências no “planejamento, realização e avaliação, visando o
128
desenvolvimento e inclusão social dos sujeitos, permitindo a ampliação de seus
exercícios de cidadania” (idem, 1998,p.85).
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS, 1986), o
empoderamento (empowerment) e uma participação social efetiva e concreta são os
princípios-chave da promoção de saúde. Sícoli e Nascimento (2003:108)
compreendem a participação social como sendo o envolvimento dos atores
ados – membros da comunidade e organizações afidiretamente interess ns,
profissionais da saúde e de outros setores - no processo de eleição de prioridades,
tomada
e modo a desenvolver práticas que
partam dos problem
1994).
disseminaç são bases para a tomada de
decisão
de decisões, implementação e avaliação das iniciativas.
No desenvolvimento de políticas de promoção de saúde, deve haver
contínua consulta, diálogo e troca de idéias entre os sujeitos e os grupos, tanto
leigos quanto profissionais. É do âmbito da promoção de saúde investir na formação
de cidadãos e trabalhar para a instituição de espaços verdadeiramente
democráticos, especialmente no nível local, d
as e necessidades de saúde desta comunidade (LABONTE,
ão da informação e a educação A
e componentes importantes da promoção de saúde, preocupação ligada ao
princípio do empoderamento, “entendido como processo de capacitação dos sujeitos
e comunidades para assumirem maior controle sobre os fatores pessoais, sócio-
econômicos e ambientais que afetam a saúde” (BECKER et al, 2004,p.657).
Estratégias de empoderamento de uma comunidade supõem, dentre outras
iniciativas, a educação para a cidadania, a socialização de informações, o
envolvimento na tomada de decisões dentro de um processo de diagnóstico, o
planejamento e a execução de projetos e ou iniciativas sociais.
un o et al (2004,p.657),
empowerment significa o aumento do poder e da autonomia pessoal e coletiva de sujeitos e grupos
Nos termos de Daniel Becker, Kátia Edm d
sociais nas relações interpessoais e institucionais, principalmente daqueles submetidos a relações de opressão, discriminação e dominação social.
Ainda segundo os autores, trata-se de um termo multifacetado, que contou
com a contribuição essencial de Paulo Freire para sua formulação original. Um dos
aspectos fundamentais do empowerment diz respeito às possibilidades de que a
ação local promova a formação de alianças políticas capazes de ampliar o debate do
129
problema enfrentado no sentido de contextualizá-lo e favorecer a sua compreensão
como fenômeno histórico, estrutural e político. O trabalho comunitário, que busca o empowerment, contribui para o surgimento de um tecido social fortalecido pelas interações que promove, evidenciadas pelo caráter dialético e contraditório presente em todas as relações sociais e essencialmente confere “poder” ao sujeito social envolvido (BECKER et al, 2004,p.658).
Portanto, é possível supor que o processo de empoderamento resulta em
sujeitos mais mobilizados para a conquista de melhores condições de vida para suas
comunidades, para suas escolas, para suas famílias. São sujeitos envolvidos no
novo conceito de Saúde, que está diretamente relacionada e articulada à políticas
públicas s
os serviços
de saúd de exclusividade de produção e de promoção
de saúde” (p.15). T
importante para o
contribuindo para a c ue se sustentem
no cotid
o de Jakarta,1997;
Declara
audáveis, compromissadas com a justiça social, melhor distribuição de
renda, equidade, paz e, assim, com a promoção de saúde (SILVA, 1997).
6.3 A Escola Promotora de Saúde e os Multiplicadores Conceber uma comunidade como saudável, segundo Carlos Silva (1997)
implica na realização de ações em seus diferentes espaços, escolas, empresas,
indústrias, áreas de lazer e unidades de saúde, entre outros, “retirando d
e uma expectativa equivocada
ais ações, conforme ressalta o autor, tornam-se recursos
desenvolvimento social, econômico, histórico e cultural
onstrução de ambientes favoráveis à saúde, q
iano dos cidadãos, nos espaços de sua convivência.
A estratégia de Escola Promotora de Saúde surge no final dos anos 80,
como parte das mudanças conceituais e metodológicas que incorporam o conceito
de promoção da saúde na Saúde Pública, estendendo-o ao entorno escolar. A partir
da Carta de Ottawa, surgiram outros compromissos que reafirmam estes princípios e
enfatizam a importância de considerar a eqüidade e os determinantes sociais
(Declaração de Adelaide, 1998; Declaração de Sundsvall, 1991; Declaração de
Bogotá, 1992; Conferência do Caribe, 1993; Declaraçã
ção do México, 2000; Declaração do Chile, 2002).
A implantação de Escolas Promotoras de Saúde implica em um trabalho
conjunto de todos os integrantes da instituição educativa, do setor saúde e da
130
comunidade e demanda a ação protagonista da comunidade educativa na
identificação das necessidades e problemas de saúde e na definição de estratégias
e linhas de ação pertinentes para abordá-los e enfrentá-los.
A Escola, portanto, caracteriza-se como um local privilegiado de promoção
de saú trução do conhecimento do
cidadão crítico, estim
atitudes mais saudáv
De acordo comular
e garantir uma participação ativa de cada ator envolvido: alunos e seus
nsabilidade individual, familiar e comunitária, gerando
ações l
que possui ambiente solidário e propício ao
aprendi
desenvolvimento de sua autonomia, intentando transformar a escola num espaço em que haja desejo e alegria na construção do conhecimento.
de se estiver inserida no processo de cons
ulando-o ao desenvolvimento de habilidades e à opção por
eis para as suas relações e para a sua própria vida.
m Carlos Silva, a escola que promotora de saúde é uma proposta inclusiva e deve esti
familiares, professores, funcionários, profissionais da saúde, associações e outros membros e setores da comunidade (1997,p.15).
Uma Escola Promotora de Saúde tem os objetivos de implementar atitudes e
ambientes mais saudáveis, desenvolver habilidades e estimular a tomada de
decisões através da respo
ocais participativas e que possam ser sustentáveis (AERTS et al, 2004;
SILVA, 1997). Entretanto, Carlos Silva (1997) é enfático ao dizer que para que isso
ocorra, a Escola precisa priorizar o diálogo, evitando monólogos autoritários de
propostas verticais, com soluções prontas e isoladas, aprimorando a escuta e dando
voz à comunidade escolar, garantindo o seu empoderamento.
A Escola promove saúde quando se torna uma escola cidadã, ou seja,
quando realmente contribui na construção de valores pessoais dos sujeitos
envolvidos na educação – entendida como um processo dialógico, problematizador e
inclusivo. A escola saudável é aquela
zado, engajando-se no desenvolvimento de propostas favorecedoras à
saúde e ao bem-estar de todos os seus sujeitos envolvidos, estando consciente de
suas necessidades e possibilidades.
Parafrazeando Denise Aerts et al (2004,p.11), A escola cidadã contribui para a promoção de saúde ao mesmo tempo em que busca formar cidadãos conscientes de seu estar ‘no’ e ‘com’ o mundo, refletindo criticamente sobre seus caminhos para construí-la de forma saudável. Tem como ideal um ensino voltado para a realidade do aluno e o
Neste cenário de reflexão acerca de caminhos mais conscientes para a
construção de uma Escola mais saudável para a aprendizagem dos seus alunos,
131
respeitando suas particularidades, surge a importância dos professores
sensibilizados pelo conceito de Multiplicadores ao longo de todo o Curso realizado
no Colégio João Cae
É de suma aos seus
alunos, suas respectivas famílias e demais professores, na construção e efetivação
de práticas
iarem espaços de
go, escuta e confiança, que garantam a
aquisição de habilidades para a vida e para a
tano.
importância a atuação destes profissionais, junto
mais conscientes de educação, voltadas para a qualidade de vida e
sentido de cidadania. Os professores Multiplicadores podem potencializar, dentro ou
fora da instituição escolar, situações de valorização de cada sujeito em suas
particularidades, favorecendo a sua auto-estima, podem estimular o diálogo em seus
diferentes núcleos de convivência, propiciando apoio necessário para atitudes mais
saudáveis de viver em uma comunidade que deve estar preocupada em atender às
demandas de todos os seus cidadãos.
Neste sentido, os Multiplicadores sobre inclusão são, efetivamente,
promotores de saúde. Ao interagirem de modo ativo para cr
referência, apoio, informação, acesso, diálo
opção de crianças com deficiências ou
dificuldades de apredizagem e de suas famílias por um modo mais saudável de se
viver, estarão promovendo equidade e justiça social – dois dos preceitos do conceito
de Saúde.
Rosita Edler Carvalho (2006,p.68), ao analisar um documento da Oficina
Regional da UNESCO, conclui que “equidade implica educar
diferenças e necessidades individuais, sem que as condições econôm
de acordo com as
icas,
rocesso de mobilização da “Escola
Promoto
nidade mais solidária a partir do momento em que criam
ambientes favoráveis à saúde, não apenas no que se refere aos importantes
demográficas, étnicas ou de gênero acarretem um impedimento à aprendizagem”.
Sendo assim, a autora complementa que: o valor da equidade associado ao da igualdade de direitos, permite-nos diversificar as respostas educativas das escolas, sem prejuízo da qualidade, em respeito às diferenças individuais (CARVALHO, 2006,p.69).
Os Multiplicadores são protagonistas do p
ra de Saúde”, aquela com uma metodologia que garanta a interação e
participação de todos os seus sujeitos envolvidos, efetivando a aprendizagem, a
colaboração mútua, a livre expressão, a compreensão de suas especificidades e
necessidades. Os Multiplicadores podem ser capazes de promover uma verdadeira
escola cidadã e uma comu
132
aspecto
os de atuação social.
aprendi
(oito) encontros, que desenvolveram
a temá
o favorecendo estratégias que realmente possam efetivar a verdadeira
aprendizagem de tod
permitindo a cooper
diversidade, o exercício da alterid
ultiplicar ações de inclusão é uma tarefa urgente, a qual a sociedade nos
convoca
s físicos-ambientais, mas também que garantam a segurança, os direitos e o
respeito para relações mais harmoniosas e solidárias entre as pessoas, inclusive na
questão de gênero, religião, dentre outras.
A proposta do Curso de Formação de Multiplicadores sobre inclusão para
professores pretendeu se configurar como um espaço de interlocução com as
demandas da escola e da comunidade, possibilitando a reflexão crítica entre os
participantes e um processo de desenvolvimento capaz de conscientizá-los acerca
dos direitos e deveres na área da inclusão, discutindo as práticas adotadas na
escola, mobilizando-os para ações cada vez mais eficazes e coerentes nas suas
salas de aula e também em seus núcle
Tornar-se Multiplicador, neste contexto, é ir a defesa do conceito de Escola
cidadã, apregoado por Silva (1997,p.18), que se traduz como uma importante
estratégia para a verdadeira inclusão educacional, pois transforma os objetivos e
saberes dos próprios educandos no enfoque primordial do processo de
zagem, “estimulando-lhes o pensamento crítico e qualificando a cooperação
e interação com o núcleo familiar e comunitário”.
Espera-se que os Multiplicadores sobre inclusão possam se tornar uma rede
de atores comprometidos com mais equidade social, mais solidariedade, justiça e,
portanto, mais comprometidos com a promoção de saúde e melhoria da qualidade
de vida de si mesmos e dos sujeitos ao seu entorno, comunidades, bairros, cidades,
estados e do próprio país.
O primeiro-grande passo já foi dado e as possibilidades de sujeitos mais
comprometidos e conscientes já estão lançadas: a sensibilização e a capacitação de
17 (dezesete) Multiplicadores sobre deficiência e inclusão, através do Curso
realizado no Colégio João Caetano. Após os 8
tica da Inclusão sob diferentes abordagens – inclusive a da Promoção de
Saúde, os novos Multiplicadores já estão em suas salas de aula e em suas áreas de
atuaçã
os os alunos, garantindo seu acesso e permanência na Escola,
ação entre eles, o respeito às diferenças, a compreensão da
ade.
M
a todo instante. São considerados os excluídos, “todos aqueles que são
133
rejeitados e levados para fora de nossos espaços, do mercado de trabalho, dos
nossos valores, vítimas de representação marginalizante” (CARVALHO, 2006,p.48).
Portanto, par
que não se pode co
modelo que muitas
naturais e sociais, s
(MANTOAN e PRIETO, 2006). Promover a inclusão é admitir e permitir sentir a
experiê
suas práticas pedagógicas, ela ainda
precisa romper com
homogeneização, se
nas escolas e nas comunidades,
parafrazeio (novamente) Ro
características cerebrais, mentais, culturais
te negativo da relação cultural: ado, homossexual, estrangeiro,
a se pensar em uma inclusão nas escolas, deve-se considerar
nceber que os alunos sejam iguais em tudo, como ainda é o
vezes presenciamos. É preciso considerar suas diferenças
endo que só estas últimas podem e devem ser eliminadas
ncia trazida pela diversidade, dentro de sua sala de aula, na sua
comunidade. A diferença propõe a imprevisibilidade, a impossibilidade de cálculo, de
definições cartesianas, propõe a multiplicidade incontrolável e infinita. Para que a
escola consiga vivenciar estas situações em
muitos de seus pilares que a sustentaram até agora:
gregação, dentre outros.
Para que haja a verdadeira inclusão
sita Edler Carvalho (2006,p.61), quando diz que deve
existir a formação inicial e continuada dos educadores, introduzindo e desenvolvendo o estudo dasdos conhecimentos humanos, de seus processos e modalidades, das disposições tanto psíquicas quanto culturais que o conduzem ao erro ou à ilusão.
É preciso, portanto, incluir o professor no discurso da inclusão! É preciso
capacitá-lo, ouvi-lo, atender suas dúvidas, permitir que ele (re) signifique suas
concepções acerca do seu aluno considerado “anormal” em sua sala de aula,
permitindo-se desvencilhar da lógica binária instituída pela Modernidade. A Modernidade inventou e se serviu de uma lógica binária, a partir da qual denominou de diferentes modos o componenmarginal, indigente, louco, deficiente, drogetc. Estas oposições binárias sugerem sempre o privilégio do primeiro termo e o outro, secundário nessa dependência hierárquica, não existindo fora do primeiro, mas como imagem velada, como sua inversão negativa (DUSCHATZKY e SKLIAR, 2001,p.123).
Ao permitir que esta binariedade normal/anormal seja descortinada pelos
professores, várias lógicas que permeiam o cenário educacional poderiam ser
invertidas, inclusive a de que o outro diferente funciona como depósito de todos os
males, como o portador das falhas sociais.
134
Este tipo de pensamento supõe que a pobreza é do pobre; a violência, do violento; o problema de aprendizagem, do aluno; a deficiência, do deficiente; a exclusão, do excluído (idem, p.124).
Se invertêssemos essa lógica, poderíamos reformular que a negatividade, o
componente dissonante, não está em um sujeito - portador de um determinado
atributo essencialista, e que este nem sequer é um desvalor, algo negativo e que
não permite sua integração e aprendizagem.
O que proporciona a inclusão é a rede de ajuda e suporte que se cria com
as famílias, com professores, com outros profissionais, a fim de remover as barreiras
para a verdadeira participação social e o exercício da cidadania dos alunos com ou
sem deficiências. Promover a inclusão, contudo, exige mobilização, convoca novas
práticas
e craiação de novas estratégias
pedagó suas
perspectivas de ações, suas possibilidades de atuação social e suas considerações
acerca do conceito de Multiplicador – apresentadas no encontro conclusivo.
papel do educador dentro da instituição,
convocando-o a uma atuação ainda mais autônoma e consciente diante da inclusão,
o Curso obteve muito mais do que meras conclusões escritas ou teóricas... Os
, novos conceitos, novos rumos. Esse processo envolve setores
governamentais, não governamentais, sociedade, escola, famílias para o
enfrentamento da exclusão social, promovendo a qualidade de vida e a cidadania,
realizando ações complementares entre os participantes.15
Os Multiplicadores sobre inclusão podem ser considerados os grandes
representantes para esta maior participação social, rumo a uma escola e
comunidades mais inclusivas. Tendo o Curso de Formação de Multiplicadores sobre
inclusão possibilitado grandes reflexões
gicas para a inclusão, os 17 (dezesete) participantes formularam
Ao permitir a ressignificação do
professores puderam exercer dois dos grandes princípios de uma “Escola Promotora
de saúde”: a participação social e o empoderamento de seus atores. Os
participantes buscaram, na comunidade local, estratégias de ações bem sucedidas,
propuseram outras tantas, refletiram sobre suas práticas em sala de aula,
analisaram a instituição na qual estão inseridos, enfim, os participantes se
apoderaram da condição de reais agentes do processo de inclusão. 15 Muitos casos de scesso podem ser lembrados, neste momento. Mas, destaco, em especial, “a história de Davi: a reinvenção de um destino”, que pode ser visto no livro de Fátima Cavalcante (2003), cujo título já é um convite à leitura: Pessoas Muito Especiais. Neste caso de Davi, evidencia-se um caso de muito bem-sucedido de inclusão escolar e promoção de saúde, ações que transformaram a vida de uma criança e de sua família.
135
A proposta dos Estudos Dirigidos foi a de sistematizar as reflexões obtidas
pelos participantes ao longo do Curso e a apresentação dos mesmos foi destinada
ao últim
Era chegado o grande dia
outra dimensão, formando um grande coro
representava a sistematização das definições e dos
inclusiva mediante as entrevistas que os participantes puderam r
momen
ados e repletos de recursos lúdicos e
eletrônicos . O entusiasmo do grupo era evidente!
) com roupas caprichadas,
maquiadas tampados... O dia era nobre, pois era o
dia de suas a dia de falar, de se emocionar,
de relembrar momentos marcantes, de ol queridas, de reconhecer o
trabaho da companheira de equipe, sua instituição.
Não era dia de atores anônimos... Era o grande espetáculo dos personagens reais
desta história: as próprias participantes do Curso.
o encontro do Curso. Foi proposto um Quadro de Indicadores para a
avaliação de uma Escola inclusiva, apresentado por uma Cartilha entitulada “Educar
na Diversidade” (BRASIL,2004), e sua apresentação ficaria a critério dos
participantes, podendo utilizar os recursos que achassem necessários,
sistematizando as discussões e os conhecimentos obtidos no percurso do Curso de
Formação de Multiplicadores sobre inclusão.
Entretanto, o que se viu foi muito mais! E isto merece um item à parte...
6.4 A voz e a vez dos Multiplicadores! 16
das vozes dos participantes tomarem uma
, forte e potente. Este encontro
parâmetros de uma escola
ealizar, as escolas
que puderam visitar, das experiências que puderam relatar e, acima de tudo, era o
to de concertir-lhes total espaço para suas considerações acerca do conceito
de Multiplicadores. Estas significações foram apresentadas oralmente, em grupo, e
de forma escrita, de forma individualizada. Algumas considerações escritas dos
participantes poderão ser comparilhadas pelo leitor ao final deste capítulo.
Os 17 (dezesete) participantes que participaram do encontro do dia 07 de
junho de 2008 estavam ansiosos, anim
para as suas apresentações
Estavam todas (só havia participantes mulheres no Curso
, cabelos arrumados, sorrisos es
apresentações, de suas encenações. Er
har pessoas
de tecer comentários sobre a
16 Todas as fotografias apresentadas têm o consentimento das participantes do Curso, conforme o Termo de Consentimento para veiculação de imagens assinado no início do Curso.
136
Foto 1: Participantes do Curso Foto 2: Participantes do Curso Foto 3: Abertura do Encontro
O encontro contou com a participação da diretora da Escola, que recebeu as
devidas homenagens por ter acreditado no projeto e ter cedido as instalações e
recursos materiais para a viabilização da proposta do Curso. Além dela, duas das
Palestrantes Convidadas nos últimos encontros fizerma questão de participar e
vivenciar a conclusão do Curso junto ao grupo que haviam tido a oportunidade de
conhecer e compartilhar de seus saberes.
Foto 4: Diretora da Escola
presenças mais
e distânc
Entretanto, uma das aguardadas por todo o grupo (inclusive
por mim, enquanto pesquisadora) foi a da Orientadora do Projeto, Fátima Gonçalves
Cavalcante. Para ela, não houv ia geográfica que a separasse daquele
lugar, naquele sábado de sol... Depois de entusiasmar-se com as instalações e
história da e ileia, Fátima
Cavalca
sua professora, fotos das
atuações acolhedoras e entusiasmadas das docentes com suas respectivas turmas,
scola em conversa acalorada com a Diretora Dulc
nte pôde falar de sua emoção em ver um projeto corporificar-se e gerar
resultados tão visíveis. Nas suas palavras, aquele momento representava o “brotar”
de uma mudança social, de um empoderamento de pessoas que acreditam na difícil,
mas possível, tarefa da inclusão. O encontro estava apenas começando...
Para iniciar, produzi um vídeo entitulado “Para vocês, que multiplicam amor
todos os dias”, onde reuni fotos e imagens dos verdadeiros agentes da inclusão no
Colégio João Caetano: as próprias participantes do Curso. Eram imagens do
primeiro passo de nosso aluno deficientes físico junto à
137
da nossa aluna autista dançando com o grupo em uma ap
imagens do cotidiano da escola com seus protagonist
a formação de valores éticos e morais. Enfim, eram imagens de pessoas que gostam
do que fazem e que passavam isto em cada
de uma mão, no abraço a um colega ou ao seu aluno...
resentação festiva,
as promovendo a socialização,
gesto, no brilho nos olhos, no estender
Foto 5: Slide de abertura do encontro Final do Curso, produzido pela pesquisadora
Houve uma grande emoção no grupo, lágrimas, sorrisos, lembranças. A
música ao fundo falava das pessoas que, no decorrer de suas vidas, choram,
sorriem, aprendem... O primeiro grupo a se apresentar pediu a palavra: queriam
usar o palco do local para fazer uma encenação. Estavam todas caracterizadas e
dramatizaram algumas das situações de desprezo e preconceito da sociedade e
escola aos alunos com deficiências. Ao final, uma participante – que é bailarina,
proporcionou-nos uma belíssima apresentação sobre uma deficiente física
(cadeirante) e seus desejos de fluir e dançar livremente.
Fotos 6 e 7: Encenação do Primeiro Grupo
Em seguida, assistimos a um debate gravado previamente sobre os
conceitos das participantes sobre uma escola inclusiva e sobre suas experiências
pessoais com alunos com deficiências e com necessidades educacionais especiais
(altas habilidades, hiperativos, disléxicos). Ressaltaram a fundamental importância
do suporte dentro da própria escola, através das figuras dos coordenadores e
138
diretores, abrindo espaços de reflexão e debates teóricos. Para o grupo, a instituição
na qual estão inseridas é inclusiva porque não privilegia a nota ou o desempenho
acadêmico do aluno, mas sim, o seu desenvolvimento interpessoal, a sua
integração, o seu prazer e as suas reais necessidades. Atentaram para o fato de que
todos da Educação Infantil, setor de atuação das participantes do grupo, têm acesso
às informações necessárias sobre os alunos e que sua Coordenação é atenta em
mobilizar as famílias para o processo de inclusão junto à escola.
Foto 8: Apresentação do Debate gravado do Primeiro Grupo
O segundo grupo estava representado apenas por uma participante, pois
as duas outras estavam doentes. Isto não ti reflexões
apresentadas. A participante optou em usar o retro-projeto e fazer um quadro
comparativo de situaç o grupo, em uma
escola pública e na particular que agora tr sua argumentação
baseando-se no fato de que a verdadeir ão se faz com a participação de
todos na Escola. Relatou que na atual escola onde trabalha, até mesmo os
serventes conhecem as particularidades ajudando-os na merenda, ao
subir as escadas, man a a participante, este
cuidado
rou o mérito e a qualidade das
ões vivenciadas por ela – e pelas demais d
abalha. Fundamentou a
a inclus
dos alunos,
tendo-se atentos durante o recreio. Par
e atenção de todos os setores promovem a socialização e o bem-estar da
criança dentro da escola, cativando também suas famílias.
A participante comparou essas situações com as que vivenciou na Escola
Pública que trabalhou (sem citar nomes!). Disse que, apesar da iniciativa de inclusão
por parte da instituição, a escola não se mobilizava para tal processo, tornando o
aluno apenas um corpo presente na sala de aula e um número de matrícula no diário
escolar. Ressaltou não haver processos de reflexão na equipe docente, o que não
facilitava a capacitação contínua sobre as melhores estratégias de aprendizagem
para os alunos. Concluiu sua apresentação com uma citação de Paulo Freire: “Ai de
nós, educadores, se deixássemos de sonhar sonhos impossíveis.” Com estas
139
palavras, a participante enalteceu a importância de caminharmos juntos, enquanto
corpo docente da instituição, refletindo, pesquisando, estudando e aprendendo,
rumo ao sucesso de uma tarefa que nos parece tão difícil e longa: a inclusão.
Foto 9 rupo : Apresentação da participante do Segundo G
O terceiro grupo sistematizou os principais conceitos do Curso, enfatizando
a importância da promoção de saúde no processo educacional. Uma participante
deu seu depoimento dizendo que promover saúde é zelar pelo bem-estar de famílias
e alunos da comunidade escolar, favorecendo a aprendizagem significativa.
Enfatizou a importância da afetividade ao longo do processo ensino-aprendizagem e
o quanto o professor pode ser responsável por um ambiente harmônico e criativo.
Uma outra participante do grupo, que é bibliotecária da Escola, deu o seu
depoimento dizendo que a inclusão na referida instituição se faz em todos os
espaços, incluindo a Biblioteca. Segundo ela, o bom encontro do bibliotecário com
os leitores, torna esta atividade muito prazerosa, permitindo que barreiras na
aprendizagem (principalmente da leitura e escrita) sejam removidas. Cabe ao
profissional acolher a todos, sem excessão, ouvindo-os, permitindo que sua
criatividade venha à tona, compartilhando de suas descobertas.
Foto 10: Apresentação do Terceiro Grupo
Este grupo optou por trazer o caso real de um aluno da escola que havia
sido alfabetizado com músicas, feitas pela Diretora e cantadas em parceria com a
140
Bibliotecária. O caso do menino X, diagnos psicótico pelos médicos que
o atendiam, era conhecido por eus momentos de surto,
tornava-se muito agressivo, frente para o alto: rádio, cadeiras
e até mesa. Passou 3 (três) anos na Educação Infantil e quando estava no primeiro
ano do Ensino Fundamental (fase de alfabe panhar o
roteiro de ativdades proposto para a turma, sentando-se de costas para o quadro,
isolando-se dos dema tentava achar novas
estratég
seu
violão e largo sorriso, a bibliotecária foi par esentar a primeira música da
palavra-chave: Papai.
e Diretora, percebeu que o menino X
acompanhava a melodia enc ia aprendido a letra rapidamente!
Todos per não havia sido benéfica somente para o
aluno X, mas para todos as c aprender utilizando
somente um livro é aprender de forma multis E a história das músicas já é
sucesso há mais de 6 anos, com novidades
ticado como
todos do grupo. Em s
jogando o que via pela
tização), não conseguia acom
is colegas. Em reunião, a equipe
ias pdagógicas para o menino X, que adorava livros e revistas. Foi então,
que lembraram de sua enorme habilidade musical ! A Diretora prontificou-se em
transformar o método de alfabetização da Escola – palavras-chave para introduzir as
sílabas, em músicas que pudessem atrair a atenção do menino X. Munida de
a a sala apr
Ao cantarolar, junto com a professora
antado e que hav
ceberam então, que a proposta
rianças. Muito melhor do que
ensorial!
a cada turma, sempre muito animada,
pois aprendem cantando...
mento da Participante do Terceiro Grupo
ão com um vídeo produzido por elas
imprescindíveis à verdadeira inclusão:
conhecimento da realidade do aluno,
de suas próprias experiências docentes.
Foto 11: Depoi
Assim, o grupo concluiu sua apresentaç
articulando os conceitos que consideravam
capacitação docente, vontade, dedicação,
dentre outros, com os exemplos dados
141
Foto 12: Slide do Terceiro Grupo
O quarto grupo decidiu sintetizar o conceito de inclusão através de figuras.
Cada uma delas, articuladas às demais, formavam uma grande reflexão: para haver
inclusão é preciso mobilização social, compreensão da diversidade, aceitação das
diferenças, capacitaç bilidade arquitetônica, diálogo com as
famílias, conhecimento de leis a serem cumpridas e, acima de tudo, mudanças de
paradigmas com relação à deficiência,
ão profissional, acessi
ainda relacionada à idéia de doença.
Fotos 13 e 14: Sequência de figuras e fotos apresentadas em slides pelo Quarto Grupo
O grupo também trouxe exemplos bem-sucedidos de inclusão na referida
instituição, citando que houve uma constante mobilização de todos da equipe
docente para promover a verdadeira aprendizagem dos alunos. Ressaltaram a
importância da equipe multidisciplinar que forma a rede de apoio na escola e às
famílias, formada por uma psicóloga clínica, uma fonoaudióloga e uma neurologista.
Segundo o grupo, esta interlocução com a Equipe multidisciplinar permite uma
melhor adaptação do próprio currículo às reais necessidades dos alunos e um
acompanhamento adequado para o seu desenvolvimento social. Levaram fotos de
momentos marcantes dos alunos citados, emocionando a todos, deixando-nos ver a
real possibilidade de ações positivas e de sucesso na inclusão.
142
Foto 15: Apresentação da participante do Quarto Grupo
Por fim, a Orientadora da Pesquisa Fátima Cavalcante foi convidada a
encerrar as apresentações. Com o seu entusiasmo que lhe é peculiar ao ver ações
multiplicadoras já acontecendo, Fátima ressaltou que estava diante de um Curso
bem sucedido, pôde presenciar o empoderamento dos participantes com relação ao
tema inclusão, já promovendo ações de sucesso na Instituição escolar e na
comunidade. Segundo ela, este é o conceito da promoção de saúde: mobilizar
grupos para reações positivas em prol da qualidade de vida. “A inclusão é uma
tarefa hérculea”, disse Fátima. Exige sensibilização, capacitação, mobilização.
Entretanto, munidos de tanta vontade, de tantos talentos e de tantas estratégias de
sucesso já desenvolvidas há tanto tempo na Instituição, os professores estavam
trilhando um caminho com muito êxito, podendo compartilhar tais experiências em
seus locais sociais de atuação.
Foto 16: Orientadora da Pesquisa Fátima Cavalcante, concluindo as apresentações
Achando ser o final, já estava me preparando para a entrega das
lembranças às participantes, para um sorteio do livro da Orientadora17 e para a
assinatura dos Certificados dos encontros, fui surpreendida com uma homenagem.
17 Refiro-me ao magnífico livro entitulado “Pessoas Muitos Especiais: a construção social do portador de deficiência e a reinvenção da família”, que traz histórias de sucesso de pessoas com deficiência e famílias que acreditaram e apostaram em diferentes formas de superação e inclusão.
143
As participantes levantaram-se e agradec , a oportunidade de
participarem do adores sobre inclusão. Segundo
elas, em uma comunidade tão c informações e formações docentes, o
espaço do Curso ram contato com conhecimentos
de alto nível, profissionais tiveram um espaço para
ressignificarem suas próprias práticas e seus conceitos para o trabalho com
inclusão. Leram um poema, entregaram-me flores e me viram com lágrimas nos
olhos...
eram, com lindas flores
I Curso de Formação de Multiplic
arente de
havia sido algo único, quando tive
renomados e, acima de tudo,
Foto17: Homenagem das participantes do Grupo à pesquisadora Gabriela Abreu
apropriação de saberes para que o co
percurso acadêmico também.
Relatei que a minha intenção foi a de abrir um espaço de interlocução, de
rpo docente fosse beneficiado com o meu
Foto 18
Nas minhas palavras, no Mestrado teve a pretenção de
as participantes as
clusão de nossos alunos tão especiais! E, com isso, acabamos nos conhecendo
elhor, nos tolerando mais, escutando de forma mais atenta... Este foi,
verdadeiramente, um Curso num percurso de inclusão!
: Palavras finais da Pesquisadora e realizadora do Curso Gabriela Abreu
a minha tragetória
articular teoria e prática, estudo e ação, escrita e produto, sendo
personagens reais deste cenário, as principais protagonistas. Todos nós ganhamos
com isso! Estivemos todos incluídos em um só processo: o de refletir sobre a
in
m
144
Fotos 19, 20 e 21: Exposição de trabalhos realizados pelas participantes ao longo dos encontros do I Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão no Colégio João Caetano. 6.5 Os M
flexões e ressignificações obtidas através do Curso.
ara que nenhuma idéia das participantes perca a sua magnitude, pretendo
ser fiel
suas
reais necessidades. Eu já me sinto uma multiplicadora dentro da escola onde trabalho e pretendo dar
ultiplicadores e algumas de suas conclusões
Os participantes do Curso tiveram a oprtunidade de realizar considerações
escritas sobre o conceito de Multiplicador e sobre suas perspectivas de atuação a
partir das re
P
a algumas delas, para que o leitor possa vislumbrar a possibilidade de novas
ações destas participantes na área da educação inclusiva e o empoderamento
gerado pelo Curso, enquanto espaço de planejamento de novas estratégias
pedagógicas e sociais para uma comunidade menos excludente e mais empenhada
na promoão de saúde e na defesa dos direitos de TODOS os seus cidadãos.
“Ser Multiplicador para mim é poder oferecer às crianças especiais um local mais prazeroso,
proporcionando cuidados e proteção adequadas para que ela possa interagir de acordo com as
145
continuid
om alguma atitude que vá beneficiar o outro. Pretendo atuar na faculdade onde
estudo, na minha Igreja, ouvindo um pouco mais as dúvidas de meus colegas e dos pais das crianças
com defic
licar
conhecimentos sobre inclusão para pais, prfessores e a minha comundade, de uma forma geral.
Pretendo abrir um espaço na Catequese da minha Igreja para auxiliar os frequentadores com
deficiênci
recorrer para adaptar uma cartilha para
Braille, po t o
tendo multiplicar, onde quer que eu esteja.” (S., partic
ade a isto, empenhando-me cada vez mais, multiplicando os meus conhecimentos com os
meus colegas de equipe.” (A ., participante) “Ser Multiplicador é, antes de tudo, ter consciência de que multiplicarações significa somar,
poder contribuir c
iência, contribuindo com os conhecimentos que pude adquirir ao longo do Curso.” (A ., M., participante)
“Multiplicar conhecimentos é algo muito importante e é isso que pretendo fazer: multip
as e que não podem ou não tiveram a oportunidade de fazer a Primeira Comunhão. Percebo
que não temos muitos alunos com deficiência na Catequese. Talvez isso se aconteça pelo excesso de
orações a serem decoradas e pela falta de materiais adaptados. Com os conhecimentos do Curso e as
pessoas que conheci, pude formular contatos, sabendo a quem
r exemplo. Is o é m bilização; isto é inclusão; isto é ser Multiplicador!” (F., participante)
“Ser Multiplicador é ser capaz de trabalhar com as diferenças, ter conhecimento das
necessidades que envolvem todo o processo de ensino aprendizagem, não só do aluno especial, mas
de todos os alunos. Ser um multiplicador é compartilhar sentimentos, conhecimentos, ter sensibilidade
para compreender os outros e a si mesmo. É assim que pre
ipante) “Ser Multiplicador é poder levar conhecimentos e recursos para que o trabalho de inclusão
realmente aconteça em nossa sociedade. A inclusão depende de um somatório de ações da escola, da
família e da sociedade para ser real, mas o primeiro passo é reconhecer a diversidade como positiva e
saber o processo de evolução do seu aluno especial, aprendendo junto com ele.” (L., participante) Tentando concluir, sem dar um final, este foi o grande legado do I Curso de
Formação de Multiplicadores sobre inclusão: a possibilidade de entender a diferença
146
do outro presente nas salas de aula, a lidar com ela, a investigá-la, através de uma
atuação reflexiva acerca do processo de alteridade.
O Curso não trouxe respostas prontas. Ao contrário, ele trouxe e
proporcionou muitas idagações. A começar pela maior delas, que norteou todo o
trabalho: “por que a diferença incomoda tanto?”. Segundo as próprias participantes,
a diferença incomoda porque não é abertamente conversada, porque é camuflada
em rótu
no outro que habita suas salas de aula, os professores
podem reconhecer as suas próprias dúvidas, podem questionar, podem dividir suas
ngústias, podem, enfim, reconhecer o que de estranho há que em si mesmos, o
ue tanto as incomoda. E, por muitas vezes, as participantes falaram que o que as
incomoda é a falta de conhecimento sobre a diferença, a falta de acesso às
informações, a falta de diálogo entre os setores escolares, a falta de mobilização
comunitária em prol da verdadeira inclusão.
Proporcionar que estes incômodos pudessem ser compartilhados e
transformados em estratégias e ações concretas dentro e fora da instituição foi o
objetivo do Curso. Chegando ao final dele, posso compartilhar este percurso com o
leitor refererindo-me a esta pesquisa como um trabalho com resultados concretos
possíveis e viáveis para muitos educadores, famílias e possíveis Multiplicadores.
Basta entrar no percurso e trilhar o caminho da inclusão como uma longa
jornada, que depende de cada um de nós, com seus passos peculiares, seguindo o
seu próprio ritmo, rumo ao reconhecimento de que cada caminhante contribui com
as suas particularidades.
Outros caminhos e Cursos virão... Muitos outros caminhantes
Multiplicadores serão vistos nas estradas da vida... Muitos alunos serão beneficiados
com esta caminhada... Muitas dúvidas existirão... Mas, ao final, a certeza de que
sempre haverá a necessidade de percorrermos, JUNTOS, o indispensávelpercurso da inclusão!
los assistencialistas e preconceituosos de “é deficiente mas é bonzinho”;
“tem Sindrome de Down mas é muito carinhoso”...Para as participantes, a diferença
só incomoda quando não se tem acesso a elas.
Quando a própria Escola abre um espaço para a ressignificação do conceito
do que parece estranho
a
q
,
147
“Esses que pensam
que existem sinônimos, desconfio que não sabem distinguir
as diferentes nuanças de uma cor.”
Mario Quintana •
• Desenho da pesquisadora, sobre a experiência com o Curso de Formação de Multiplicadores sobe Inclusão.
148
CONSIDERAÇÕES FINAIS
são para professores.
s ainda não haviam tido uma experiência de ressignificar
e refleti
ômodos. Estas reações vinham de pais com
alguns
outros!”
Em um ato de pura ousadia (algo peculiar de uma pesquisadora-educadora
como eu), convidei o leitor, logo na Introdução deste trabalho, a “irmos juntos, rumo
ao futuro!”
Talvez o leitor já não se recorde mais desse convite, algo tão enigmático e
magnífico, ao mesmo tempo... Na oportunidade, instiguei-o a transcorrermos uma
experiência inovadora, que, provavelmente, marcaria a história de uma instituição,
de muitos alunos, de muitas famílias, enfim, que deixaria rastros positivos em uma
comunidade inteira. Eu estava convidando-o a refletir a questão da alteridade na
contemporaneidade e apreciar (sentindo-se co-participante) todo o percurso do
Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclu
Entretanto, ao final da leitura deste trabalho, eu realmente espero que o
leitor tenha se dado conta que o futuro do qual falávamos há poucos instantes atrás
já CHEGOU! Chamo de “futuro” o curto espaço de tempo, onde puderam ocorrer
mudanças tão intensas em uma realidade educacional, em um corpo docente, em
mim mesma. Futuro... Este tempo que nos separou de uma realidade educacional
inclusiva - cujos professore
r seus conceitos sobre inclusão, do tempo atual - etapa de refletirmos sobre
as mudanças que já vêm ocorrendo após a implementação e realização desse
Curso.
Quando iniciei o meu percurso educacional (ainda muito jovem), crianças
“diferentes” sempre bateram à minha porta. E elas estiveram abertas, prontas para a
entrada de mais uma, pois esses alunos representavam uma fonte de aprendizado,
estudos e pesquisas incessantes para mim e toda minha equipe. Nenhum desses
alunos jamais representou um “peso” ou um “problema” em nossa escola, mas eu
sabia, no fundo, que eles geravam inc
comentários do tipo: “-Não posso nem imaginar ter um filho assim”; às vezes
dos colegas em apelidos nas brincadeiras cotidianas de adolescentes; e, em
algumas situações dos professores: “-Eu me sinto muito despreparada para lidar
com Fulano! Quando ele chegou à minha sala, parecia que eu não sabia nada sobre
dar aulas, pois ele é muito diferente dos
149
Recordo-me de ter respondido a esta professora da seguinte forma: “- Que
bom que fulano é diferente dos outros! A vida seria tão banal com tudo igual...
Imagine tudo amarelo, azul ou vermelho! Imagine um concerto de uma nota só!
Imagine o que seria se todas as comidas tivessem o mesmo sabor! A diversidade é
a fonte da diversão! É muito mais divertido convivermos com opiniões diferentes,
jeitos e ritmos variados...”
A professora sorriu e continuou sua caminhada. Estava sinalizado nesta e
em muitas outras falas, de que as professoras precisavam falar! Falar de seus
medos,
a discussão teórica de conceitos e questões
diretam
jeitos, gerando modelos a
serem s
impostas pela sociedade. É neste cenário que fomos convocados a pensar na
de suas angústias, de seus desamparos, de suas vitórias e derrotas. Um
encontro semanal estava sendo pouco para aquele corpo docente da escola onde
trabalho, pois são reuniões pedagógicas, para discutir o processo educacional. Não
era bem isso! Era necessário criar um espaço de escuta e reflexão para estes
professores, de integração com outros discursos bem semelhantes, de trocas de
informações, de estudos e possibilidades de reinventar suas próprias estratégias
docentes e reinventar-se a si mesmo!
A oportunidade desta pesquisa foi espetacular e acredito que muito bem
aproveitada. Nela, pude unir
ente ligados à temática da inclusão educacional e pude programar e
desenvolver um Curso de Formação de Multiplicadores sobre inclusão para
professores no Colégio João Caetano.
Partindo de minha hipótese de que o aluno “diferente” causa diferentes
reações nas salas de aula, propus-me a descrever o impacto que as diferenças dos
sujeitos causam na sociedade contemporânea, considerada uma “sociedade do
espetáculo”, em que as imagens prevalecem sobre os su
eguidos, baseados em ideais e padrões de beleza, perfeição e inteligência.
Neste contexto de imagens estereotipadas e pré-concebidas como certas, lindas e
felizes, os sujeitos que não se enquadram nesses arquétipos acabam sendo
excluídos, ficando à margem das oportunidades sociais e educacionais.
Continuei analisando que a tendência das sociedades, ao longo da história,
foi a de segregar, separar e excluir todos aqueles que não corresponderam aos
pressupostos de “ideal”, de normalidade. Entretanto, desde sempre existiram os
sujeitos e sempre hão de existir aqueles que não se “enquadram” nos padrões de
perfeição e nas constantes tentativas de homogeneização de comportamentos
150
alteridade enquanto movimento de deciframento, de desvelamento e de
aproximação do outro – aquele que é diferente de mim e que me causa um
sentime
to, na teoria psicanalítica, é um sujeito do desejo,
que se
egada a hora de promover ações que estivessem intimamente
ligadas
tratégias pedagógicas para um processo de
inclusão
nto de estranhamento.
Nesse percurso de análises teóricas, a possibilidade de interlocução com
outras áreas do conhecimento, dentre elas a Psicanálise, foi de suma importância. O
aspecto multidisciplinar deste Mestrado, com o intuito de promover a integração
entre vários saberes, fez com que uma educadora como eu, buscasse na
Psicanálise os conceitos necessários à investigação acerca do incômodo causado
pela diferença e os motivos pelos quais isso acaba se tornando um obstáculo ao
processo de aprendizagem e inclusão de nossos alunos.
Recorrendo à Psicanálise, deparei-me com a concepção de um sujeito
marcado pelo inconsciente. O sujei
manifesta na falha, no tropeço, no sonho, no sintoma. Entretanto, só a fala
permite que o sujeito reconheça e admita uma produção como sendo sua, pois ela é
constituída de significantes, da sua cadeia própria de significantes. Sendo assim, a
Psicanálise contribui para a emergência de um sujeito da singularidade, em
detrimento ao sujeito da diferença. Essas diferenças constituídas no outro que nos
causam tanto estranhamento, foram elucidadas por Freud em O Estranho (1919),
como sendo uma categoria do assustador que nos remete a algo familiar, conhecido.
O estranho assustador seria uma forma de reconhecermos, do lado de fora,
depositado num outro, este estranho que habita em nós mesmos.
Com esta realidade teórica em mãos, já podia vislumbrar uma possibilidade
de ação! Era ch
pelo interesse e preocupação em relação à saúde e à equidade social e
educacional. Era chegado o momento de sermos uma Escola Promotora de Saúde,
ouvindo seus professores, interagindo com suas reais necessidades, deixando
aflorar seus medos, suas incertezas. Respaldando-os teoricamente, oferecendo-lhes
a possibilidade de criarem novas es
mais consciente, os professores estariam usufruindo o processo de
empoderamento, tendo mais controle sobre suas ações pessoais e sociais. Isto é
bem-estar, isto é promover saúde!
Um professor que se sente mais capacitado para o trabalho docente que se
sente acolhido em suas dúvidas, que troca experiências junto aos demais, que entra
em contato com uma nova rede de profissionais multidisciplinares, terá muito mais
151
condições para oferecer a todos os seus alunos um processo de aprendizagem mais
dinâmico, crítico e eficaz. Para isto, ressalto, mais uma vez, o professor precisa ser
acolhido, tal como o aluno que chega à escola. Trabalhar com inclusão é uma
experiência mágica, que só quem experimentou pode descrever. Mas é uma
experiê
e errar, pergunta-se a
todo ins
se preocupam em ouvir o professor ao longo do percurso
de inclu
urso de
Formaç
ecia. Ouvi
muitas Marias, Sônias e Bernardetes que eram, até então, desconhecidas para mim.
ncia nova, que traz desafios complexos consigo, cobranças dos pais dos
alunos e da escola, necessidade de constante acompanhamento de toda a equipe
pedagógica para atenderem às reais necessidades do aluno, em suas
particularidades.
Neste sentido, não é só o aluno que precisa ser atendido em suas
necessidades... O professor também! Ele também tem receio d
tante sobre a eficácia de seu trabalho, acha que aquele determinado aluno
não está correspondendo às suas expectativas, etc, etc, etc. O professor faz parte
do processo de inclusão educacional!
E, na oportunidade do Curso, eles relataram isso com muita propriedade.
Descreveram o quanto precisavam de um espaço para discutir, sem receios de
serem criticados, sobre suas angústias, sobre o estranhamento inicial causado pela
chegada de um aluno “diferente” na sala de aula, sobre os desafios que a inclusão
impõe. Relataram, também, que suas formações acadêmicas têm uma lacuna
enorme no quesito Educação Especial, o que acaba gerando muita insegurança
quando se deparam, na prática, com o assunto. Os professores registraram a
carência de escolas que
são, não os deixando como meros “depositários” de alunos matriculados.
Essas escolas não matriculam alunos; elas registram números!
Fazer a diferença em um cenário educacional que ainda impõe tantas
barreiras para a verdadeira inclusão não é fácil... Mas, nós começamos! Primeiro,
refleti, investiguei, interroguei-me, pesquisei muito. Tendo minha hipótese
comprovada acerca do incômodo causado pela diferença e da importância da
alteridade nas relações interpessoais, lancei-me rumo a implementação do C
ão de Multiplicadores sobre Inclusão para professores!
No percurso, eu mesma entrei em contato com a alteridade, como uma
possibilidade de ver o outro em sua multiplicidade de falas, de atitudes, de desejos.
Pude olhar o outro, que me parecia tão familiar pelas relações de trabalho no dia-a-
dia sob outros enfoques. Descobri muitos profissionais que eu não conh
152
Logo eu
m ele.
ceitos de saúde relacionada à ausência de doença.
ento), na garantia de nossos direitos
enquan
cisem desses espaços de
reflexão me
ara Multiplicar o Curso é preciso coragem para trilhar um lugar imprevisível,
de enfrentamentos de situações que causam mal-estar dentre os professores, de
reconhecimento das angústias pessoais, de acolhimento de depoimentos. Mas, esse
lugar imprevisível é o magnífico desse cenário, pois nos remetem a sujeitos repletos
de desejos, anseios, particularidades. Essa possibilidade de diálogo com o novo,
com o imprevisto, com o aleatório, é a medida para o sucesso do Curso e do
processo de inclusão!
verdadeira inclusão só acontece quando nos mobilizamos em seu favor:
discutindo-a, detendo-nos à figura do aluno real que recebemos, re-avaliando a
, que estava tão perto e tão distante ao mesmo tempo! Depoimentos foram
confidenciados, lágrimas correram, experiências foram trocadas... Enfim,
experimentamos, juntos, o poder da palavra livre de suas amarras, o poder do
discurso! Podendo falar, ouvimos melhor. Ouvindo melhor, ficamos mais sensíveis
ao que o outro estava nos dizendo. Sendo mais sensíveis ao outro, pudemos
interagir melhor co
E foi isto que a experiência do Curso nos ofereceu: um despertar para
relações mais sensíveis dentro e fora da escola. Discutimos sobre a importância da
defesa de Direitos no campo da deficiência e muitos professores já levaram estas
informações para suas comunidades de atuação. Falamos muito sobre a promoção
de saúde e sua íntima relação com o exercício da cidadania, pois envolve equidade
e justiça social para todos. A partir de então, muitos professores questionaram-se
sobre seus antigos con
Promover Saúde e Defender Direitos são peças primordiais no percurso da
Inclusão. Não só a inclusão dos deficientes ou dos que têm alguma necessidade
educacional especial, mas a inclusão de todos nós no percurso da informação e a
aprendizagem (em qualquer área do conhecim
to cidadãos, na promoção de nosso bem-estar enquanto sujeitos.
Tendo o Curso trilhado esse longo e exitoso caminho, ele não teve a
pretensão de ser um fim em si mesmo. Pelo contrário, ele ganhou uma roupagem
ainda maior, o de ser um produto de uma pesquisa que pode ser apreciada e
MULTIPLICADA em outras realidades que também pre
, debate, reconheci nto da inclusão como um caminho a ser trilhado por
todos na Escola.
P
A
153
imagem de aluno ideal que construímos ao longo de nossas jornadas e, acima de
tudo, a inclusão se faz com o coração!
azer este processo ganhar luz própria, tendo seus atores envolvidos com
alegria e afeto é algo que merece não só uma pesquisa, mas sim, atitudes reais e
imediatas para que isso possa acontecer e que possamos registrar, com as
máquinas fotográficas da nossa emoção, o sucesso de cada cena, de cada gesto de
seu aluno, de cada novo passo, de cada novo despertar.
espertem-vos, Multiplicadores! Sintam-se inteiramente
convocados, pois o futuro já chegou e espera por cada um de nós!
F
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