um curso num percurso de inclusão. contribuições da psicanálise

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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA MESTRADO EM PSICANÁLISE, SAÚDE E SOCIEDADE Gabriela Abreu da Silva Gouvêa Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise e da Saúde Pública para a área Educacional. Rio de Janeiro 2008

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Page 1: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA MESTRADO EM PSICANÁLISE, SAÚDE E SOCIEDADE

Gabriela Abreu da Silva Gouvêa

Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise e da Saúde Pública

para a área Educacional.

Rio de Janeiro 2008

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Gabriela Abreu da Silva Gouvêa

Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise e da Saúde Pública

para a área Educacional.

Dissertação apresentada ao Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre. Linha de Pesquisa: Subjetividade nas Práticas das Ciências da Saúde. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Fátima Gonçalves Cavalcante

Rio de Janeiro 2008

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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA SISTEMA DE BIBLIOTECAS

Rua Ibituruna, 108 – Maracanã 20271-020 – Rio de Janeiro – RJ Tel.: (21) 2574-8845 Fax.: (21) 2574-8891

FICHA CATALOGRÁFICA

FICHA CATALOGRÁFICA G719c Gouvêa, Gabriela Abreu da Silva

Um curso num percurso de inclusão: contribuições da psicanálise e da saúde coletiva/ Gabriela Abreu da Silva Gouvêa, 2008

161p. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado) – Universidade Veiga de Almeida,

Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade, Subjetividade nas Práticas das Ciências da Saúde, Rio de Janeiro, 2008.

Orientação: Fátima Gonçalves Cavalcante

1. Psicanálise. 2. Psicanálise e educação. 3. Psicologia

educacional. 4. Educação inclusiva. I. Cavalcante, Fátima Gonçalves. II. Universidade Veiga de Almeida, Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade, Subjetividade nas Práticas das Ciências da Saúde l. III. Título.

CDD – 150.195

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Setorial Tijucal/UVA

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Gabriela Abreu da Silva Gouvêa

Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise e da Saúde Pública para a área Educacional.

Rio de Janeiro, 18 de agosto de 2008.

BANCA EXAMINADORA

Profª Drª Fátima Gonçalves Cavalcante (Orientadora)

ENSP/FIOCRUZ – UVA Doutora em Saúde Pública pela ENSP/FIOCRUZ

Profª Drª Maria da Glória Schuab Sadala – UVA

Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ

Profª Drª Rosita Edler Carvalho - PUC-RJ

Doutora em Educação pela UFRJ

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Aos meus amados Pais, Luiz Carlos e Dulce,

pela força de vida – sempre pulsante em nossa casa e em nossas relações e pelo amor incondicional que sempre

nos uniu, ajudando-me a trilhar este longo percurso.

Ao meu Irmão, Luiz Augusto, pela descontração e por seu empreendedorismo contagiante.

Ao Felipe, meu eterno querido, pela compreensão

de minhas ausências, pelo apoio caloroso e por ter se tornado meu marido no percurso deste trabalho.

Aos avós e avô, por mais um dia compartilhado e

pela história de seus percursos.

Aos meus Sogros Nei e Márcia, e cunhados Guilherme, Tatiana e Daniela, por serem parte de minha

família e por me garantirem momentos de tanto afeto.

A todos os meus amigos e afilhados, que sempre me oferecem, singelamente, um colorido especial

aos momentos da vida.

A cada um de meus alunos e seus pais, por suas lições de afeto e superação.

Às participantes do Curso, por seus

ensinamentos...

Page 6: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

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AGRADECIMENTOS

Há pessoas que nos falam e nem as escutamos. Há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam.

Mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossa vida E nos marcam para sempre.

Cecília Meireles Um trabalho desta magnitude só se viabiliza com apoios e redes de contatos

muito especiais. No meu caso, pude contar com pessoas muito queridas e dotadas

de capacidades ímpares de colaboração, altruísmo e de contagiantes sorrisos bem

humorados – algo muito importante em trabalhos coletivos. A todos àqueles que,

direta ou indiretamente, ajudaram ou foram ajudados por este belíssimo Projeto de

Pesquisa, o meu sincero e caloroso MUITO OBRIGADA!

À minha Orientadora deste percurso, Fátima Gonçalves Cavalcante. Pessoa

realmente especial, dona de um infinito poder de socialização de seus saberes,

Mestra capaz de ser aprendiz, oradora entusiasmada de seus projetos e ideais.

Fátima, sem dúvida, iluminou meus caminhos com a beleza da construção de uma

pesquisa, dando-me suas mãos para trilharmos com afeto e dedicação, sem

perdermos o foco na qualidade e excelência. Minhas palavras seriam poucas, mas a

certeza de que serei uma Multiplicadora de seus ensinamentos é maior prova de

minha gratidão.

À minha sempre querida Mestra Rosita Edler Carvalho, que se tornou minha

fonte de referência quando penso em Educação, justamente por ter-me ensinado

através dos caminhos do coração. Suas palavras jamais foram esquecidas ao longo

da construção desta Dissertação e ao longo de minhas práticas pedagógicas em

uma Escola que deseja incluir, sempre! Meu eterno carinho...

À Professora e Coordenadora do Curso de Mestrado, Glória Sadala, que

acreditou e vislumbrou que uma Educadora poderia ‘nadar’ na imensidão do oceano

da Psicanálise.

Page 7: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

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Aos Professores do Curso do Mestrado em Psicanálise, por tantos

despertares...

Ao Professor Luís Bittencourt, por sua sensibilidade em tantas áreas do

conhecimento e pela arte da comunicação.

Às minhas amigas de Equipe de Orientação de Dissertação, Marisa

Guimarães e Gabriella Barbosa, que estiveram, literalmente, ao meu lado em um

apoio incondicional, promovendo ainda uma escuta carinhosa e atenciosa. O meu

muito obrigada também por terem partilhado os seus conhecimentos nas palestras

do Curso.

Às demais amigas e colegas da Turma, sem citar nomes para não esquecer

de nenhum deles, que me deixaram suas insígnias de coragem e perseverança.

À Eliana Júlia, que já ao final do percurso, compartilhou seus saberes

psicanalíticos comigo, lendo o meu trabalho com tanto afeto.

Às professoras participantes do Curso de Formação de Multiplicadores, que

me ensinaram, com seus exemplos, o poder da Educação no processo de

transformação da realidade social. Espero, sinceramente, que multipliquem com

persistência e afeto os preceitos da verdadeira Inclusão.

À Equipe de Secretaria do João Caetano, sempre dedicada em aprontar os

materiais do Curso, deixando-os perfeitos para nosso uso.

À Equipe de Apoio do João Caetano, que nos atendia de forma tão calorosa

em todos os encontros do Curso, contribuindo de forma significativa para seu

sucesso. Incluo, nesta Equipe, o Sr. Jordão e seu data-show.

À amiga Libânia Boechat, pessoa ímpar e indispensável na área da

Educação Especial, que me forneceu contatos fabulosos e dicas indispensáveis nos

momentos de necessidade.

Page 8: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

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À Educadora Isabel Portella por sua inesquecível palestra sobre seu trabalho

com crianças portadoras de deficiência visual em nosso segundo encontro do Curso.

Aos Pais do meu querido aluno Felipe Silva, Sérgio e Kátia, que

compartilharam suas dúvidas e ansiedades com o Grupo de professores do Curso

em nosso terceiro encontro. Desta oportunidade, fortificaram muitas idéias...

À Psicóloga Beatriz Cunha, que aceitou participar de nossa jornada de

aprendizagens, tornando-se uma convidada muito importante para nosso Curso,

devido às suas contribuições.

Às colegas de Equipe do Jardim Brotoeja, que repartiram muitas de minhas

tarefas do Curso de Multiplicadores e souberam compreender minha fase de

atribulações com o Mestrado.

Ao meu Pai, o artista Luiz Viégas, por desenhar com os pincéis de sua alma,

a Epígrafe deste trabalho...

Obrigada, profundamente, a todos vocês!

Page 9: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

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“Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.

Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros

desaprendam a arte do vôo.

Pássaros engaiolados são pássaros sob controle.

Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser.

Pássaros engaiolados sempre têm um dono.

Deixaram de ser pássaros.

Porque a essência dos pássaros é o vôo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados.

O que elas amam são pássaros em vôo.

Existem para dar aos pássaros coragem para voar.

Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer,

porque o vôo já nasce dentro dos pássaros.

O vôo não pode ser ensinado.

Só pode ser encorajado.”

Rubem Alves

Page 10: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

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RESUMO Este trabalho teve como objetivos apresentar as reflexões acerca do impacto

causado pelas diferenças entre os sujeitos na contemporaneidade, elucidando, em contrapartida, os movimentos de promoção da inclusão educacional e suas possibilidades de viabilização através da experiência do Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão para professores. Demonstrou-se, ao longo desta pesquisa amparada nos respaldos metodológicos da pesquisa-ação, a caracterização da sociedade atual sob o ponto de vista da construção de estereótipos e imagens idealizadas de seus sujeitos. Entretanto, a mesma sociedade que rotula os seus sujeitos, é convocada a incluí-los, principalmente, nas esferas educacionais. Pretendeu-se, portanto, situar o conceito de inclusão nos tempos atuais, respaldando-o nas mais novas legislações do Ministério da Educação (MEC) e amparando-o teoricamente com a Psicanálise e a Saúde Pública. Com a apresentação do virtuoso percurso de um Curso de Formação de Multiplicadores, a pesquisa teve como objetivo mostrar uma experiência de sucesso na área da inclusão junto a uma equipe docente efetivando-se como um produto de um Mestrado Profissional. Esperou-se, com isso, promover ações pedagógicas e sociais mais efetivas na área da educação especial e nos núcleos de atuações dos profissionais envolvidos no Curso. Palavras-chave: Educação Especial; Inclusão; Pensamento Psicanalítico; Saúde Pública; Empoderamento de professores.

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ABSTRACT

This work had the intention to present the reflections concerning the impact

caused by the differences among the subjects in the contemporary society, elucidating, in compensation, the moments of promotion of the educational inclusion and their possibilities of making possible through the experiences of the Course of Formation of the Multiplificator about the inclusion for teachers. It was demonstrated, among this research aided by the methodological backrests of the action-research, a characterization of the current society under the point of view of the construction of stereotypes and ideolized images of their subjects. However ,the same society that labels their subject is called to include them, mainly, in the educational in the spheres. it was intended, therefore, to place the concept of inclusion in the current times, supported by the newest legislations of the Minister of Education (MEC) and helping it theoretically with the psychoanalysis and the public health. With the presentation, along the way, with a virtuous Course of Formation of Multipliers, the research as an objective to show a successful experience in the area of inclusion together with an educational team aimed as the product of a Professional Masters Degree. We expected, with it, to promote more effective pedagogic and social action in the area of the special education and in the nucleos of the performance of professionals involved in the Course. Key words: Special Education; Inclusion; Psychoanalitic Thought; Public Health, Teachers empowerment.

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LISTA DE TABELA E ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Pilares da Educação ............................................................................................................................85 Tabela 1: Dados sobre Conteúdos e Palestrantes Convidados dos Eixos Temáticos do Curso .......................88 Fotos 1 e 2: Participantes do Curso ...............................................................................................................135 Foto 3: Abertura do Encontro ..........................................................................................................................135 Foto 4: Diretora da Escola ...............................................................................................................................135 Foto 5: Slide de abertura do encontro Final do Curso, produzido pela pesquisadora ....................................136 Fotos 6 e 7: Encenação do Primeiro Grupo ....................................................................................................136 Foto 8: Apresentação do Debate gravado do Primeiro Grupo .........................................................................137

Foto 9: Apresentação da participante do Segundo Grupo ...............................................................................138 Foto 10: Apresentação do Terceiro Grupo .......................................................................................................138 Foto 11: Depoimento da Participante do Terceiro Grupo ................................................................................139

Foto 12: Slide do Terceiro Grupo .....................................................................................................................140 Fotos 13 e 14: Sequência de figuras e fotos apresentadas em slides pelo Quarto Grupo .............................140 Foto 15: Apresentação da participante do Quarto Grupo ................................................................................141 Foto 16: Orientadora da Pesquisa Fátima Cavalcante, concluindo as apresentações ....................................141

Foto 17: Homenagem das participantes do Grupo à pesquisadora Gabriela Abreu .......................................142

Foto 18: Palavras finais da Pesquisadora e realizadora do Curso Gabriela Abreu .........................................142 Fotos 19, 20 e 21: Exposição de trabalhos realizados pelas participantes ao longo dos encontros do I Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão no Colégio João Caetano ...........................................................143

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..............................................................................................................13 CAPÍTULO 1. A “Diferença” num percurso de Inclusão ..........................................22 1.1 Reflexões acerca da ‘Diferença’ na Contemporaneidade ..............................................................23 1.2 O Sujeito da Alteridade ...................................................................................................................34 CAPÍTULO 2. O Sujeito da Singularidade: contribuições da Psicanálise para a Educação ......................................................................................................................40 2.1 O Sujeito para a Psicanálise: Inconsciente, Linguagem e Significantes .........................................44

CAPÍTULO 3. Educação, Deficiência e Inclusão: O Sujeito na Diversidade ..........................................................................................................................................53 3.1 Da exclusão do deficiente à inclusão da diferença ........................................................................53

3.1.1 Inclusão educacional: uma nova realidade ............................................................................64 3.2 Educadores e Inclusão: “Por que a diferença incomoda tanto?” ....................................................67

CAPÍTULO 4. Um Curso num percurso de Inclusão ................................................74 4.1 O percurso metodológico da Pesquisa ...........................................................................................77 4.2 Os percursos do Curso ...................................................................................................................82 4.3 O cenário para percurso do Curso .................................................................................................91 CAPÍTULO 5. A avaliação do percurso do Curso .....................................................98 5.1 Indicadores de Avaliação do Curso ..............................................................................................106 CAPÍTULO 6. Promoção de Saúde e Multiplicadores: enlaces do Terceiro Milênio ........................................................................................................................................122

6.1 Recorrendo à História para compreender a atualidade ................................................................122 6.2 A Promoção de Saúde ..................................................................................................................124 6.3 A “Escola Promotora de Saúde” e os Multiplicadores ...................................................................128 6.4 A voz e a vez dos Multiplicadores .................................................................................................134 6.5 Os Multiplicadores e algumas de suas conclusões .......................................................................143 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................147 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...........................................................................153

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“O tempo é escasso, mãos à obra.

Primeiro é preciso transformar a vida

para cantá-la em seguida”. Maiakovski•

• Desenho de D., 9 anos. Menino que adora estudar matemática, ler e jogar bola. Na Escola, é monitor da turma e ajudante de três colegas, pois acaba as atividades com muita rapidez devido à sua alta habilidade.

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INTRODUÇÃO “Por que a diferença incomoda tanto?”

Este é um dos questionamentos que sempre me inquietou e que inquieta a

muitos profissionais, familiares e aos próprios sujeitos que lidam diariamente com

características e situações que são consideradas desviantes ao conceito de

“normalidade” já socialmente instaurado. São as diferenças de alguns sujeitos que

chamam a atenção e que criam os estereótipos, gerando imagens preconcebidas e,

conseqüentemente, preconceituosas. São as deficiências físicas, mentais ou

sensoriais dos sujeitos, são as diferenças étnicas, de aprendizagem, religiosas,

sociais e econômicas que vêm provocando incômodos em uma sociedade que se

configura como espetacular, que produz imagens a serem consumidas baseadas em

um padrão de beleza, saúde, perfeição e felicidade.

Guy Debord (1997,p.18) nos esclarece que a sociedade contemporânea é a

“sociedade do espetáculo”, que considera ser um mundo regido pela economia do

consumo, estando a mercadoria no centro da vida social. Para o autor, a sociedade

regida pelo espetáculo tende a transformar tudo em imagens e estas acabam se

tornando reais e motivam, de forma hipnótica, o comportamento dos sujeitos. Sendo

assim, o espetáculo é a “afirmação da aparência e a afirmação de toda vida humana

– isto é, social – como simples aparência” (DEBORD, 1997,p.16).

Estamos portanto inseridos na sociedade que valoriza a aparência, que

determina comportamentos sociais, que engendra nos sujeitos uma disposição para

o consumo de bens materiais em detrimento de valores éticos. Esta ininterrupta

fabricação de “pseudonecessidades” inscreve os objetos como signos de felicidade

e satisfação plena, sempre prontos a serem consumidos. Idealizamos para

consumirmos imediatamente aquilo que é belo, perfeito, que não produz

contrariedades, que não traz insatisfações, aquilo que poderá nos trazer a ilusão da

plenitude.

Mas, como ficam os sujeitos que não se enquadram nos padrões idealizados

por essa sociedade? Como se sentem e se relacionam aqueles que não

correspondem às imagens de perfeição, beleza e produtividade? Como estão, nesta

“sociedade do espetáculo”, os que não aprendem conforme o ritmo dos demais em

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uma turma, os que não se locomovem como os outros, os que não conseguem ouvir

ou enxergar os frenéticos movimentos do dia-a-dia? Como esta sociedade está

acolhendo aqueles que podem causar um certo incômodo por não produzirem ou

consumirem conforme as exigências da contemporaneidade?

É justamente ao olhar o “outro-diferente”, o que não se “enquadra” nos

padrões predeterminados da “normalidade”, que a sociedade acaba excluindo seus

sujeitos, em movimentos de segregação social, econômica e educacional. A Escola,

que deveria ser um lugar de encontros, de socialização, de mobilização coletiva de

todos os seus participantes, vem, ao longo dos anos, enaltecendo ainda mais a

exclusão daqueles que deveria incluir! Ressalto isso, porque TODOS devemos estar

incluídos e envolvidos no processo educacional - independente de nossas condições

físicas, intelectuais ou sociais - aprendendo juntos (professores e alunos), trocando

experiências, pesquisando, indagando, interagindo... Entretanto, em muitas

realidades educacionais vemos as diferenças e impossibilidades em seus alunos

com deficiências ou com dificuldades de aprendizagem sendo ressaltadas,

relegando-os o papel de excluídos do direito de participarem ativamente em TODAS

as etapas e atividades educacionais.

O conceito de uma escola inclusiva pressupõe uma nova maneira de

entendermos as respostas educativas que se instauram, visando a efetivação do

trabalho na diversidade. Segundo Rosita Edler Carvalho – um dos grandes

referenciais na área de Educação Especial no Brasil, a inclusão dos alunos com

deficiências ou com necessidades educacionais especiais está baseada nos

seguintes pressupostos: na defesa dos direitos humanos de acesso, ingresso e permanência em escolas de boa qualidade (onde se aprende a aprender, a fazer, a ser e conviver); no direito de integração com colegas e educadores; de apropriação e construção do conhecimento, o que implica, necessariamente, em previsão e provisão de recursos em toda a ordem (CARVALHO, 2006,p.36).

Ainda segundo a autora, para que a escola possa verdadeiramente

promover a inclusão, é necessária uma mudança de atitudes frente às diferenças

individuais, “desenvolvendo-se a consciência de que somos todos diferentes uns

dos outros e de nós mesmos, porque evoluímos e nos modificamos” (idem, 2006,

p.36, grifo meu). E lidar com a diferença em nossas salas de aula não se constitui

como uma tarefa fácil, pois precisamos entrar em contato com as nossas próprias

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inquietações com relação ao que o diferente provoca em nós mesmos, aprendendo

a vislumbrar a diversidade dos alunos como uma oportunidade de enriquecimento

para todos da comunidade escolar.

Estas reflexões fundamentaram a construção do objeto desta pesquisa que

busca a reflexão teórica da exclusão enquanto um processo social na

contemporaneidade, elucidando, em contrapartida, os movimentos de promoção da

inclusão educacional e suas possibilidades de viabilização através da experiência do

Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão para professores. A pesquisa

objetiva, portanto, caracterizar a sociedade atual sob o ponto de vista da construção

de estereótipos e imagens idealizadas de seus sujeitos e situar o conceito de

inclusão nos tempos atuais, respaldando-o nas mais novas legislações do Ministério

da Educação (MEC) e amparando-o teoricamente com a Psicanálise e a Saúde

Pública. Com a apresentação do percurso de um Curso de Formação de

Multiplicadores sobre inclusão para professores, a pesquisa teve como objetivo

mostrar uma experiência de sucesso na área da inclusão junto a uma equipe

docente de Educação Infantil e Ensino Fundamental, efetivando-se como um

produto de um Mestrado Profissional.

A relevância da Psicanálise neste trabalho é a de contribuir para um olhar

mais dimensionado à particularidade de cada aluno, fazendo emergir o conceito de

sujeito. Segundo Elia (2004), o sujeito da psicanálise se constitui a partir da

linguagem, por um emaranhado de representações. Sigmund Freud, o fundador da

Psicanálise, desloca a concepção de sujeito enlaçada com a consciência e

dominada pela razão para o sujeito do inconsciente, determinado por Leis próprias,

que extrapolam as possibilidades do sujeito racional. Diz-nos Bezerra (1989, p.234)

que o sujeito do inconsciente se apresenta nas lacunas, nas quais o discurso da

racionalidade nada tem a dizer. “Somente o sujeito que fala livremente, amarrado

pelas leis do inconsciente, pode constituir o sentido e o valor do enredamento

discursivo produzido e articulado por ele.”

É este conceito de sujeito do inconsciente, dotado de desejos e significantes

particulares, que nos remete a pensar em uma Educação para o sujeito, para a sua

singularidade, considerando o ato educativo como uma tarefa que nunca termina e

que convoca o professor a sair de sua posição de “Mestre absoluto”, aquele que

detém o saber universal, e colocar-se como um eterno caçador do saber-não-

sabido, considerando que o seu significante não é o único significante do desejo.

Page 18: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

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Para Mrech (2005), não basta que o professor seja reflexivo, pois muito do

nosso processo em sala de aula decorre de um plano inconsciente. Segundo a

autora, talvez esta seja a grande contribuição da Psicanálise para a Educação:

proporcionar um olhar mais atento para aquilo que fazemos, como fazemos, de que

jeito fazemos, com quem fazemos etc.

Almeida (2006) ressalta que “educar e educar-se implica, sobretudo, estar

em contato permanente com a alteridade e ter de se haver com as diferenças – e

com sua própria diferença”. A Psicanálise, ainda segundo a autora, oferece ao

campo da Educação um despertar para uma postura mais reflexiva sobre a tarefa

educativa, que supõe uma nova significação por parte do professor acerca de sua

atuação junto aos alunos.

Todavia, para uma Educação voltada para a singularidade dos sujeitos,

levando em conta seus desejos, suas necessidades e suas particularidades, é

preciso que o professor esteja adequado. Este conclame é muito mais do que uma

tarefa; é um longo percurso, onde toda a escola (pais, alunos e funcionários) deve

estar envolvida. Para que o processo de valorização de cada aluno enquanto sujeito

singular seja possível, é extremamente necessário ouvir o professor em suas

necessidades, compreender seus desafios, escutar e acolher suas reações

causadas pelo “estranho” em sua sala de aula.

Na Escola fala-se muito em prazos, notas, ritmo de aprendizagem,

conteúdos a serem dados, punições, erros e acertos... Mas fala-se pouco sobre o

sentimento de desqualificação do professor, sobre seu despreparo acadêmico

quanto à Educação Especial, sobre a falta de formação continuada de todo o corpo

docente... Fala-se menos ainda sobre a ausência, em muitos casos, de locais dentro

da própria escola, de discussão, reflexão e (re)significação do conceito de inclusão

com toda a equipe envolvida, o que acaba caracterizando tais instituições como

meros “depósitos” de alunos que necessitam de uma atenção mais especializada.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394, de 20

de dezembro de 1996, assegura o direito de acesso a pessoas com deficiências ao

ensino regular e destaca que precisam receber educação diferenciada, recursos pedagógicos e metodologias educacionais específicas, em virtude de sua condição de portador de deficiência auditiva, visual, mental, múltipla ou física, ou ainda, altas habilidades ou condutas típicas (BRASIL, 1996).

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Portanto, a educação da pessoa com deficiência deve ser compreendida em

uma dimensão bem ampla, não só educativa, mas também sócio-cultural, com o

objetivo de desenvolver suas potencialidades, respeitando suas dificuldades. Para

que isso aconteça, Freitas e Castro (2004,p.04) destacam que nas escolas

regulares, para trabalhar com alunos com necessidades educativas especiais, em

seu ensino comum, os professores precisam de formação adequada.

As autoras enfatizam ainda que, a capacitação dos docentes para atuar

numa perspectiva inclusiva, deve visar o desenvolvimento do sujeito autônomo,

levando os profissionais a uma constante reflexão sobre sua prática e métodos

pedagógicos. Considerando que não há nenhuma receita milagrosa para “salvar” os

professores dos desafios e obstáculos que precisarão enfrentar, é essencial

encorajá-los ao debate, que minimiza angústias e cria possibilidades de reflexão e

construção. É fato, portanto, que a Escola e os profissionais que recebem estas

crianças com deficiências precisam de constante capacitação, de modo a revisar

permanentemente seus conceitos acadêmicos e suas próprias impossibilidades,

articulando-as com as necessidades educativas especiais que estas crianças, e

todas as outras demandam.

Enquanto educadora, essa tarefa de conviver com o “diferente” sempre me

preocupou. Em minha trajetória profissional, percebi que, ao receber alunos com

necessidades especiais em minha sala de aula, deixava aflorar minhas maiores

mazelas, minhas grandes deficiências enquanto profissional, meus medos e

segredos diante de fatos tão desconhecidos: receio de errar, desconhecimento do

caminho a percorrer pedagogicamente, insegurança ao abordar o tema com as

famílias, despreparo para formular redes de contatos e ajuda para a criança,

sensação de não ter com quem compartilhar todas as minhas incertezas... Na minha

escola de atuação, apesar de promover a inclusão há quase duas décadas, ainda

não havia um espaço sistemático de reflexão e livre expressão dos docentes sobre a

questão da educação inclusiva.

Eis que me deparei com o Programa de Formação de Multiplicadores em

Promoção da Saúde, Defesa dos Direitos e Prevenção da Violência na área da

Deficiência, ao longo do curso de Mestrado, através da Professora e Pesquisadora

da área de Saúde Pública Fátima Gonçalves Cavalcante, fruto de pesquisas

anteriores de Cavalcante et al (2007). O Projeto veio ao encontro dos meus desejos

de redimensionar, principalmente, o atendimento oferecido aos alunos com

Page 20: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

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necessidades especiais e de promover um espaço de “escuta” a estes profissionais,

permitindo-lhes (re)significar o conceito de deficiência – algo tão impositivo em seus

cotidianos.

O redimensionamento do Programa de Formação de Multiplicadores na área

da Deficiência (op cit) foi necessário para que pudesse adaptá-lo, em novas bases, e

transformá-lo em um Curso para formar multiplicadores sensíveis às necessidades

dos alunos com deficiências e necessidades educacionais especiais de nossa

escola, tendo como eixo a inclusão. Surgia, então, uma pesquisa baseada na

metodologia da pesquisa-ação, cuja riqueza reside no contínuo processo de coleta

de dados, discussão e ação, possibilitando a construção (e não a imposição) do

conhecimento por parte da pesquisadora e dos envolvidos na pesquisa. Depois da

aprovação pelo Comitê de Ética da FIOCRUZ (Claves/ENSP)1 do Projeto de

Pesquisa intitulado: “Curso de Formação de Multiplicadores sobre Deficiência e

Inclusão educacional: contribuições da Psicanálise e da Saúde Pública para a área

educacional”, iniciou-se o I Curso de Formação de Multiplicadores sobre

Inclusão para professores no Colégio João Caetano. O Curso teve como principais

objetivos promover a escuta de seus participantes sobre suas experiências

pedagógicas na área da inclusão, (re)significar os conceitos acerca da deficiência

através das discussões grupais ao longo dos Três Eixos Temáticos do Curso e

desenvolver capacidade de empoderamento dos profissionais participantes para

ações inclusivas mais eficazes, promovendo saúde e defesa da cidadania dentro e

fora da Escola.

O amplo percurso do Curso, desenvolvido em 8 (oito) encontros,

direcionados por 3 (três) Eixos Temáticos que nortearam discussões e estudos na

área da Deficiência e Inclusão, da Defesa de Direitos e da Promoção de Saúde,

pôde revelar a riqueza das contribuições de cada um dos participantes. Quando

houve a divulgação do Curso no Colégio João Caetano, muitos professores da

Educação Infantil e do Ensino Fundamental se interessaram. No primeiro encontro,

foram esperados 23 participantes inscritos e ao final do Curso, tivemos a

participação efetiva de, pelo menos, 17 deles. Este número representou uma grande

adesão à proposta e baixa desistência, apesar das adversidades. Tratava-se de

encontros mensais, aos sábados pela manhã, contando com um primeiro momento

1 A sigla Claves significa Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde, criado pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz, em 1989.

Page 21: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

20

de reflexão teórica e de discussão coletiva, e num segundo momento a participação

de palestrantes convidados. Os palestrantes tinham o compromisso de fomentar

ainda mais os debates, contribuindo com suas experiências pessoais e profissionais

ligadas ao Eixo Temático em questão.

O percurso do Curso, que acabou sendo o título desta dissertação,

possibilitou um repensar acerca da própria função da instituição escolar, que deve

permitir a emergência da multiplicidade, polifonia, diversidade de pensamentos,

atitudes, aprendizagens e idéias de professores, famílias e alunos. Ao longo do

Curso, os participantes puderam perceber - e expressaram isto em suas falas, de

que dentro da Escola, apesar dos desígnios de uma sociedade globalizada e

capitalista que transforma tudo em produto homogeneizado, há o que os contextos

sociais vêm tentando excluir: a particularidade, a diferença, as exceções.

Tendo este cenário como realidade, o I Curso de Formação de

Multiplicadores sobre inclusão objetivou elaborar estratégias para a melhoria das

ações sociais e das atuações pedagógicas dos participantes, visando a inclusão, a

defesa dos direitos dos deficientes e a promoção de saúde de todos os envolvidos

no processo educacional como realidades possíveis.

Para tanto, os conceitos da área da Saúde Pública foram essenciais,

principalmente no que se refere à promoção de saúde. A promoção da saúde deve

ser entendida como um progresso nas estratégias da saúde coletiva na medida em

que sua abordagem desloca o foco do sujeito para os atores coletivos como a

cidade, a escola, a fábrica, o meio ambiente (SILVA, 1997). Segundo a Carta de

Otawa (BRASIL, 2001,p.02), a promoção de saúde pode ser concebida como o processo destinado a capacitar os indivíduos para exercerem um maior controle sobre sua saúde e sobre os fatores que podem afetá-la... reduzindo os fatores que podem resultar em risco e favorecendo os que são protetores e saudáveis...a saúde se desenvolve e é gerada no marco da vida cotidiana: nos centros de ensino, de trabalho e de recreação. A saúde é o resultado dos cuidados que cada indivíduo dispensa a si mesmo e aos demais, da capacidade de tomar decisões, de controlar sua própria vida e de garantir que a sociedade em que vive ofereça a todos os seus membros a possibilidade de gozar de um bom estado de saúde.

Várias estratégias têm sido utilizadas, em nível mundial, para se implantar

políticas de promoção da saúde. Uma importante estratégia, que tem sido adotada

por vários países, estados, municípios ou serviços, é a Escola Promotora da Saúde,

é a escola que tem uma visão integral do ser humano, que considera os sujeitos, em

Page 22: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

21

especial as crianças e os adolescentes, dentro do seu ambiente familiar, comunitário

e social. Ela fomenta o desenvolvimento humano saudável e as relações construtivas e harmônicas, promove aptidões e atitudes para a saúde, conta com um espaço físico seguro e confortável, com água potável e instalações sanitárias adequadas, e uma atmosfera psicológica positiva para a aprendizagem. Ela promove a autonomia, a criatividade e a participação dos alunos, bem como de toda a comunidade escolar (BUSS, 2000,p.164).

A Escola que promove saúde é, portanto, uma escola verdadeiramente

inclusiva, que favorece a aprendizagem de todos os sujeitos, em um ambiente

saudável, de compartilhamento de informações. Os Multiplicadores sobre inclusão,

neste contexto, assumem um papel de fundamental importância. Eles devem

interagir de modo ativo para criarem espaços de referência, apoio, informação,

acesso, diálogo, escuta e confiança, garantindo a aquisição de habilidades para a

vida e para a opção de crianças com deficiências ou dificuldades de apredizagem e

de suas famílias por um modo mais saudável de se viver. Os Multiplicadores sobre

inclusão podem promover a equidade e justiça social – dois dos preceitos do

conceito de Saúde.

Convido o leitor, a partir de agora, a contemplar este instigante cenário

através de seus personagens reais e de suas insígnias magníficas. Ao longo dos 6

(seis) capítulos desta dissertação, serão apresentadas as tentativas de respostas a

tantas dúvidas sobre o impacto e o incômodo causados pela “diferença”, além do

detalhamento metodológico do I Curso de Formação de Multiplicadores sobre

Inclusão para professores. O leitor poderá acompanhar o percurso de todo o Curso,

vislumbrando suas ações, suas práticas, entrando em contato com algumas falas

dos participantes, enfim, poderá compartilhar dos relatos de uma pesquisa-ação

realmente exitosa.

Em suma, esta pesquisa teve como eixo norteador, proporcionar o debate, a

reflexão e a possibilidade de (re)significação de muitos conceitos acerca da inclusão,

da deficiência e do preconceito causado por ela. Começando pela possibilidade de

minha própria fundamentação teórica, investigando temáticas como: a alteridade, o

conceito de narcisismo na Psicanálise, as políticas e práticas da inclusão

educacional. Depois, a experiência ímpar e fabulosa de implementação de um

espaço para debates, para discussões, para interações: o Curso de Formação de

Multiplicadores, momento em que eu e os participantes estivemos juntos na tentativa

Page 23: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

22

de dimensionar o questionamento inicial deste capítulo: “Por que a diferença

incomoda tanto?”

Talvez, não tenhamos chegado a respostas corretas ou que estavam sendo

esperadas... Entretanto, parafraseando um trecho de um poema de Mario Quintana,

“a resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas”.

E, ao longo deste percurso, muitas perguntas continuaram sendo formuladas...

Debateu-se muito, relataram-se muitas experiências e angústias, deixou-se caminho

para a experiência com o novo, com o diferente, com o que causa estranheza.

Sendo a Educação uma profissão da fala, precisamos criar cada vez mais espaços

para novos discursos. Afinal, ao debater, fala-se e ao falar, criam-se novas idéias.

Ao criar, rompe-se com o passado. Ao romper com o antigo, vislumbra-se o novo. E,

ao vislumbrar o novo, quebram-se velhos paradigmas. Então, vamos ao futuro!

Page 24: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

23

“Quantos sou? Quem é eu?

O que é esse intervalo entre eu e mim?” Fernando Pessoa•

• Desenho de D.M., 3 anos. Menino que joga capoeira, gosta muito de brincar com carrinhos e de dançar. Na Escola, é auxiliado pelos colegas durante as aulas de natação e durante o Recreio. O aluno tem Síndrome de Down.

Page 25: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

24

CAPÍTULO 1. A “Diferença” num percurso de Inclusão 1.1 Reflexões acerca da ‘Diferença’ na Contemporaneidade

A segunda metade do século XX assistiu a um processo sem precedentes

de mudanças na história do pensamento. Ao lado da aceleração avassaladora nas

tecnologias de comunicação, nas artes, nos materiais e na genética, ocorreram

mudanças paradigmáticas no modo de se pensar a sociedade e suas instituições. A

Modernidade - com sua crença na Verdade e na linearidade rumo ao progresso, é

criticada por seu dogmatismo e a ciência e a tecnologia passam a ganhar valores

menos categorizantes e mais abrangentes.

Gomes e Casagrande (2002), Castells (1996) e Goergen (1998) elucidam-

nos que a Pós-Modernidade surge na passagem das relações eminentemente

industriais para as baseadas em serviços e trocas de bens simbólicos e abstratos.

Trata-se da era da informação, da circulação do dinheiro nos caminhos virtuais de

especulação financeira, da multiplicidade de expressões, da construção de uma

cultura em nível global: um verdadeiro sistema-mundo. A circularidade da

informação ocupa um papel de destaque na formação moral e cognitiva do homem,

este situado em uma nova ordem social regulada por um universo cultural amplo e

diversificado, embora fragmentado.

No novo sistema social que emerge, uma característica distintiva é a de que

informação e conhecimento estão profundamente inseridos na cultura das

sociedades, e a capacidade mental de trabalho está vinculada à educação e à

formação. Daí decorre que a habilidade de usar (e de alguma maneira produzir) a

tecnologia de informação converteu-se em uma ferramenta fundamental de

desenvolvimento (CASTELLS, 1996,p.20).

A era pós-moderna trouxe consigo as revoluções eletrônicas e informática,

nas quais os meios audiovisuais priorizam e exacerbam o mundo das imagens. A

‘cultura do zapping’2 estimula que seus consumidores - ávidos e estáticos diante do

aparelho, absorvam passivamente o conteúdo da mensagem transmitida. É a era de

‘tudo olhar e nada ver’.

2 Expressão utilizada por Esteban Levin (2001), em seu livro A função do Filho, que significa “o movimento errático entre canais de TV”.

Page 26: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

25

Transformações desta amplitude no campo da ciência, associadas às novas

e crescentes produções tecnológicas, acabaram por gerar novas metáforas, novas

crenças que delimitaram as fronteiras entre a modernidade e a contemporaneidade:

o homem moderno, interiorizado, racional, reflexivo e angustiado diante dos enigmas

da vida, cedeu lugar a um homem exteriorizado, pragmático, preocupado com a

sustentação de uma imagem pública moldada pelos ideais difundidos pelos mais

variados meios tecnológicos.

Houve um tempo em que se discutia o papel dos então chamados meios de

comunicação de massa na formação da opinião pública. Na contemporaneidade,

debate-se o papel da mídia na produção da subjetividade, como magistralmente fez

Andréa Barbosa de Albuquerque (2004) em seu artigo: “Produção de subjetividades,

processos de subjetivação”. Segundo ela, a mídia3 nos diz, insistentemente, o que

desejar e a publicidade constrói nossos sonhos de consumo. Os produtos nos são

oferecidos em carimbos de grife, numa bela embalagem, associados a um estilo de

vida, o que acaba nos remetendo a um lugar na hierarquia social. As imagens que

acompanham os produtos nos hipnotizam de tal forma que queremos tê-los,

acabamos desejando viver daquele jeito que nos é mostrado, sermos daquela

maneira... A promessa embutida na publicidade é que, ao adquirir “aquele” produto,

você poderá assumir imediatamente “aquele” estilo de vida, você acaba se

transformando naquele personagem. É um produto mágico! Consumindo-o, você

poderá ser assediado, receber flores, ter uma família feliz tal como representada no

hipnotizante jogo de imagens, enfim, você será mais realizado! Assim quer a

publicidade...

Mas não é apenas ela que nos induz a sonhar sonhos pré-fabricados. Para

Albuquerque (2004,p.97), “em outra modalidade de atuação, a mídia constrói

modelos de sucesso, personagens de vida pública que se tornam referência de

como deveríamos e, principalmente, poderíamos ser”. Assim, o reconhecimento

social estaria garantido pela ascensão daquele personagem, facilmente alcançável

pelo mimetismo. Exemplifica-se, aqui, o corte de cabelo do Ronaldinho, as roupas da

Xuxa, festa de casamento da atriz/cantora do momento – tudo fielmente divulgado

em revistas, com reportagens sobre o bolo, a decoração, o vestido, para que todos, 3 A palavra mídia é usada no artigo com dois sentidos. No primeiro, refere-se aos meios de comunicação de massa, como televisão, jornal impresso e outdoors, entendidos como instituições, com interesses ideológicos específicos. No segundo, engloba os diversos produtos veiculados por ela: peças publicitárias, jogos esportivos, noticiários e programas de auditório.

Page 27: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

26

em sua particularidade, possam viver seu momento festa-de-casamento-da-

celebridade.

Mesmo quando não notamos sua presença, mesmo à nossa revelia, a mídia

nos circunda e nos habita. Quando andamos na rua, quando vemos inúmeras

revistas expostas em bancas de jornal, passamos por outdoors, letreiros e, muitas

vezes, olhamos distraidamente sem saber que estas imagens vão sendo gravadas

em nós. A mídia nos impregna com sua potência resultante de uma presença

maciça, mas que parece passar despercebida, pois já se integrou à paisagem

cotidiana e, muitas vezes, registramos a sua presença sem nela repararmos.

“Esse modo distraidamente passivo com o qual somos expostos às

mensagens da mídia, favorece nossa colagem aos valores por ela divulgados”

(ALBUQUERQUE, 2004,p.99). E o valor central atualmente divulgado pela mídia é o

sucesso imediato e a promessa exposta por ela é que a via principal de prazer é o

palco, seja em espetáculos de felicidade explícita, seja de jornalismo de tragédias. O

sucesso – configurado como destaque na multidão, é alcançado através da posse

de bens: coisas, pessoas, corpos. A idéia de imediato remete-nos às definições:

“não ter nada de permeio”, instantâneo, direto, o que provoca a ausência de

postergação, de percurso, de trabalho.

Das concepções que descrevem a contemporaneidade, destaca-se, em

especial neste trabalho, a de Guy Debord (1997), que chama a sociedade atual de

“sociedade do espetáculo”. Como assinala o autor, uma das características da

sociedade do espetáculo é não haver nela espaço para o diálogo. Ao espetáculo,

cabe a função de “fazer ver”, de parecer e aparecer, constituindo-se como uma

representação independente cuja finalidade é o exibicionismo. “O espetáculo não é

um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediadas por

imagens” (DEBORD,1997,p.14). O espetáculo, também chamado de domínio da

mídia, organiza o que é comunicado de tal maneira que parecem “ordens”:

unificadoras, extravagantes, exageradas.

Vivemos o momento onde a imagem impera sobre os sujeitos. A imagem

espetacular, a imagem produzida pela mídia de “tudo lindo e feliz” a ser consumida,

a imagem de perfeição. Com isso, nos meios de comunicação, nas instituições e no

imaginário social, corporificam-se modelos a serem seguidos por todos: o corpo-

ideal, a família-ideal, a relação-ideal, o aluno-ideal. E o que vem sendo excluído

Page 28: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

27

neste contexto? A diferença, a singularidade, as exceções. A sociedade

contemporânea é, portanto, a sociedade do estereótipo.

Segundo Allan Johnson (1995,p.93), os estereótipos são, por definição,

“uma crença rígida, excessivamente simplificada, aplicada tanto aos indivíduos como

categoria, quanto aos indivíduos isoladamente”. Desta forma, os estereótipos

participam, tanto nas estruturas sociais como nas individuais, de alienação no saber.

Na sociedade do estereótipo, têm-se crenças previamente estabelecidas de como as

pessoas devem pensar, sentir e agir. Através de imagens estereotipadas, origina-se

a crença na existência de um saber universal, de um saber que se propõe como um

produto acabado a ser seguido por todos.

Entretanto, o que a ‘sociedade da informação’ globalizada apresenta é a

informação sob uma forma de pré-conceitos, ou seja, de pré-concepções do que se

acredita que os sujeitos devam saber, ensinar, aprender e sentir. O saber que

aparece ali é mais um produto, uma imagem a ser consumida. A psicanalista e

socióloga Leny Mrech (2003,p.21, grifo meu) ressalta que não é de se espantar que muito rapidamente este saber acabe se transformando naquilo que ele era originalmente: uma informação rala, que não dá conta de dizer a realidade dos sujeitos, pois não foi elaborada por eles. O que acaba emergindo é um saber que muito rapidamente se transforma em pré-concepção, em preconceito4, que sob sua forma mais simples pode ser conceituado como uma atitude cultural positiva ou negativa dirigida aos membros de um grupo ou categoria social.

Segundo a autora, a informação que circula a sociedade acaba assumindo

sua faceta mais encorpada ao se transformar em um fenômeno sociologicamente

determinado, que se fundamenta na discriminação, nas formas de tratamento

desigual dos sujeitos que pertencem a um grupo ou categoria particular.

Luciene da Silva (2006) em seu artigo “O estranhamento causado pela

deficiência”, afirma que o preconceito incorpora fenômenos contemporâneos,

resultantes das relações sociais cada vez mais impeditivas para a reflexão sobre a

própria impotência diante de uma ordem social que diferencia pela estigmatização. A

autora debate ainda que, numa sociedade que impõe renúncias e sacrifícios, que

enrijece o pensamento dadas as condições de sobrevivência num contexto

determinado por relações desiguais, de apropriação concentrada de bens materiais

4 Definição de preconceito, segundo o Dicionário Aurélio é “conceito ou opinião formados antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos; idéia preconcebida. Julgamento ou opinião formada sem se levar em conta o fato que os conteste; prejuízo. Suspeita, intolerância, ódio irracional ou aversão a outras raças, credos, religiões, etc.”

Page 29: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

28

e simbólicos, o preconceito torna-se um elemento presente e freqüente no processo

de conhecer, restringindo-se, por conseguinte, à mera apreensão do imediato.

O problema social surge quando, através dos estereótipos e preconceitos,

nós estigmatizamos os sujeitos, quando nós consideramos que os outros são

desviantes em relação aos nossos valores, sendo considerados mais corretos do

que os apresentados pelos demais. O sujeito preconceituoso fecha-se

dogmaticamente em determinadas opiniões, sendo assim impedido de ter algum

conhecimento sobre o objeto que o faria rever suas posições e, assim, ultrapassar o

juízo provisório. O diferente estigmatizado evoca lembranças que se quer negar, e

mesmo nos momentos em que se torna possível a convivência, é convencido da

inconveniência de mostrar o que pode oferecer identificação com um outro. Esse

sentimento ambíguo é que determina o afastamento - pelo medo do diferente - do

que não é conhecido, podendo ser transformado em inferioridade, desigualdade e

exclusão.

Ao longo da história da humanidade quaisquer aspectos que não são

considerados ‘padrões’ para a sociedade, podem ser tomados como desviantes:

sexo, etnia, situação financeira, cultura, saúde, dentre muitos outros. O maior efeito

dos estereótipos e do preconceito é justamente a forma padronizada de conceber a

realidade que nos circunda. Acabamos aprendendo a pensar e agir,

tradicionalmente, de uma determinada maneira. Aprendemos a tecer imagens, a

constituir valores sobre os outros e os validamos como sendo reais.

Nas palavras de Nádia Bossa (2002, apud CACCIARI, DE LIMA e

BERNARDI, 2005,p.05), o mundo moderno, ao postular a criança ideal, supostamente universal, acabou por realizar a negação das diferenças e, conseqüentemente, da subjetividade de toda a criança que não consegue responder a esse ideal. De um lado, têm-se crianças supostamente ideais, postas na condição de puro objeto do desejo parental e social. De outro, as ‘crianças-problema’ que insistem em existir e apontar a ilusão do mundo ideal criado, onipotentemente, pelo homem moderno.

É justamente neste postulado de ‘ideal’ que ficam excluídas as

particularidades, as singularidades, as diferenças, as deficiências, as dificuldades. À

imagem de criança ideal gerada ao longo dos tempos, não estão vinculadas as

deficiências físicas, mentais ou sensoriais, as dificuldades de aprendizagem. Ao

imaginarmos a criança ideal, provavelmente, não nos virá à mente aquela com

problemas de relacionamento social, com algum distúrbio emocional, com tiques

Page 30: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

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nervosos ou aquela que não fala. Isto porque o postulado idealizado pelo mundo

moderno deixa de fora tudo e todos que não correspondem aos imaginários de

beleza, de saúde e de competitividade impostos pela sociedade da informação e da

globalização.

A tendência das sociedades, ao longo de sua história, é a de segregar,

separar e excluir todos aqueles que não correspondem ao pressuposto de ‘ideal’, de

normalidade. Na Antiguidade, eram comuns os atos “seletivos”. Mostra-nos Luiz

Fernando Mena (2000,p.02) que, no início da era cristã, Sêneca (4-65 d.C) justifica o

infanticídio argumentando: [...] nós sufocamos os pequenos monstros; nós afogamos até mesmo as crianças quando nascem defeituosas e anormais: não é a cólera e sim a razão que nos convida a separar os elementos sãos dos indivíduos nocivos.

Na Grécia Antiga, as pessoas deficientes/diferentes/desviantes tinham,

conforme o momento histórico, seu destino selado com a morte, ou simplesmente

eram abandonadas. Mena (2000) nos conta que o estado grego-romano tinha o

direito de não permitir cidadãos disformes ou monstruosos, e ordenava ao pai que

matasse o filho que nascesse nestas condições.

Segundo Miranda (2003), nos séculos XVIII e XIX, a sociedade procurou

outros meios de segregar as pessoas que apresentavam algum tipo de deficiência,

deixando-os em instituições residenciais. Já no final do século XIX e meados do

século XX, surgem instituições especiais para oferecer, às pessoas deficientes, uma

educação à parte. Ao final do século XX, observa-se um movimento de integração

social das pessoas ‘diferentes das normais’, que apresentavam alguma deficiência,

visando inseri-los em ambientes escolares, o mais próximo possível daqueles

oferecidos aos demais.

O processo de exclusão está ligado, segundo Michael Foucault (1987), ao

gesto originário de separação sobre o qual se instala uma cultura. Para o autor, a

exclusão se faz por meio das instituições, dos regulamentos, dos saberes, das

técnicas. Foucault define, ainda, que a educação, a organização do saber em

disciplinas, o exercício do poder de normalização são alguns dos procedimentos de

exclusão em nossa cultura. O poder, na visão foucaultiana, normaliza e confina, ao

mesmo tempo em que constrói e produz efeitos. Entretanto, o poder também exclui,

porque suas técnicas, seus mecanismos e seus dispositivos se reproduzem no

mesmo princípio de separação que o instituiu.

Page 31: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

30

Além disso, Foulcault fez uma re-leitura da célebre frase do filósofo Thomas

Hobbes (Século XVII): “o homem é o lobo do homem”, afirmando que esta guerra

denunciada por Hobbes é fruto de um mundo que não aceita as diferenças, que não

admite a presença da alteridade. “A guerra de todos contra todos é uma guerra da

igualdade. A guerra é o efeito imediato da não-diferença”. (FOULCAULT, 1975 apud

FORTES, 2004,p.77).

Partindo desta noção de exclusão, é possível ampliar a reflexão para a

análise da diferença, logo, da alteridade: quem é este sujeito “estranho” a quem eu

dirijo o meu olhar? Como é esta escuta do “diferente” – este que não se assemelha a

mim? Qual o cuidado que dispenso a este “outro”?

O que está em jogo, quando a idéia de diferença é acionada, é a ruptura

com o conceito estático e ideal de homem, de mundo e de conhecimento. A análise

da diferença traz consigo a necessidade de cruzar experiências e conceitos, de

compreender a heterogeneidade e a diversidade através da abertura de canais para

o diferente, para o “que não é meu”, nem “igual ao meu”, mas por isso mesmo

merece respeito. E este respeito abre caminho para a descoberta das coisas,

pessoas e situações novas – até então insuspeitáveis, porém fascinantes. É um

caminho que provoca ferimentos pela insegurança, pela incerteza, pela quebra dos

estereótipos, do rompimento com as normas estáveis, pré-concebidas. A interação

com a alteridade não deixa de provocar uma certa dose de dor para o sujeito: o

outro oferece intensidades e diferenças que trazem um estranhamento à

estabilidade narcísica do eu.

Brevíssimas considerações sobre o narcisismo

Sigmund Freud tomou como referência o mito de Narciso para explicar o

amor do sujeito pela imagem de si mesmo. Em “Sobre o Narcisismo: uma

Introdução” (1914) atribuiu um caráter primário ao narcisismo, afirmando tratar-se de

um “complemento libidinal do egoísmo do instinto de autopreservação, que, em certa

medida, pode justificavelmente ser atribuído a toda criatura viva” (FREUD,

1914/1980,p.90). Neste texto, Freud diferencia libido narcísica (ou libido do eu) e

libido de objeto. Freud também salientou que haveria dois caminhos possíveis para a

escolha de objeto pela criança, que estariam relacionados aos dois objetos sexuais

Page 32: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

31

originários: a mulher que cuidou dela e ela própria. Esses tipos de escolha objetal

foram denominados, respectivamente, de anaclítico (ou de apoio) e narcísico. No

tipo anaclítico, transfere-se o narcisismo vivenciado na infância para o objeto. No

tipo narcísico, ama-se a si mesmo, ao que se foi, ao que se gostaria de ser e, à

pessoa que foi parte de si mesmo. A relação entre libido narcísica e libido objetal

seria inversamente proporcional, ou seja, enquanto uma aumenta, a outra se

empobrece.

Freud (1914) perguntava-se a respeito do destino dado ao narcisismo infantil

no adulto normal. A resposta articulada refere-se à intervenção do recalque. As

pulsões sexuais sucumbem ao recalque quando conflitam com os diques pulsionais

éticos e morais. Assim, para Freud o recalque entraria em cena pelo respeito que o

eu passa a ter por si mesmo, sendo a formação de um ideal um fator que condiciona

o recalque. Além disso, a formação do ideal (posteriormente incluída no conceito de

supereu) seria incitada pelos efeitos das influências críticas dos pais ou seus

substitutos e ideais coletivos. O sujeito constrói um Ideal de eu a partir do seu eu

ideal, como Freud destacou na passagem seguinte: Esse ego ideal é agora o alvo do amor de si mesmo (self-love) desfrutado na infância pelo ego real. O narcisismo do indivíduo surge deslocado em direção a esse novo ego ideal, o qual, como o ego infantil, se acha possuído de toda perfeição de valor. Como acontece sempre que a libido está envolvida, mais uma vez aqui o homem se mostra incapaz de abrir mão de uma satisfação de que outrora desfrutou. Ele não está disposto a renunciar à perfeição narcisista de sua infância; e quando, ao crescer, se vê perturbado pelas admoestações de terceiros e pelo despertar de seu próprio julgamento crítico, de modo a não mais poder reter aquela perfeição, procura recuperá-la sob a nova forma de um ego ideal. O que ele projeta diante de si como sendo seu ideal é o substituto do narcisismo perdido de sua infância na qual ele era o seu próprio ideal (FREUD, 1914/1980,p.111).

Entretanto, a renúncia desta visão narcísica da infância - um verdadeiro

delírio de grandeza, é colocada à prova no confronto com a alteridade, com a

diferença, com um outro que não simboliza a perfeição de sua própria imagem. O

contato com a alteridade promove uma desconcertante cisão com a escolha

narcísica de amor no ideal do que o próprio sujeito gostaria de ser.

Page 33: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

32

A difícil questão da diferença

Nesse sistema social que se constituiu historicamente como vigilante e

punitivo a todos os “diferentes”, o que se observa é o movimento da

homogeneização, da estabilização, da contrição, da normatização, do

enquadramento. Mas, como ficam os que não se “enquadram”? Como lidamos com

os que não são levados pela “onda dos homogeneizados”? Como convivemos com

aqueles que não seguem os padrões de “normais”? Como convivemos com a

alteridade?

Esta é uma discussão que afeta toda uma concepção de homem e de

mundo. Nas palavras de Eizirik (2001,p.41): “pensar a diferença é pensar em

mudança”. A mudança no sistema social não se dá sem uma flexibilização de idéias,

que combate àquelas que se tornaram inflexíveis, movidas pela repetição, pela

generalização, pelos estereótipos e pelo preconceito.

Ao reformularmos e incorporarmos conceitos, estamos certamente falando

também do sujeito da diferença. Sabemos que não é fácil ser diferente no interior

das instituições que desejam o amoldamento a uma massa relativamente uniforme,

idêntica, unificada, monocórdica, quase anônima. Afinal, isto é completamente

paradoxal com a força do movimento, da contradição, da oposição, da ânsia do novo

que constitui a própria vida.

Este conflito entre a tendência homogeneizadora institucional e a

necessidade particular dos sujeitos, traduz uma das mais inquietantes questões que

a escola - em particular atenção neste trabalho, precisa enfrentar enquanto

segmento da sociedade. Trabalhar com o sujeito considerado diferente é estar em

um “lugar movediço” - pois não existem certezas, refazendo-se e reconstituindo-se a

todo o momento, utilizando o desafio do diferente, da dificuldade, da deficiência

como motor para a construção de novos sentidos e realidades sociais e

educacionais.

Disse Gallleano (1991, apud EIZIRIK, 2001,p.56) em O Livro dos Abraços: Somos um mar de fogueirinhas...Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos não alumiam nem queimam. Mas outros, incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo!

Page 34: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

33

Entretanto, sabemos como lidar com essas diferenças de ‘fogos’, de

temperaturas, de intensidades? Sabemos como aproveitar o calor – da dúvida, da

curiosidade que queima, que quer saber? Sabemos como lidar com a força do

movimento – que não deixa parar, que ondula, que diversifica e, se movendo, agita;

e, se agitando, perturba o monótono fluir da moldura, do “certinho”, do estático, do

sem vida?

Para Mrech (2005), nós - frutos da sociedade pós-moderna, não somos

levados a entender que somos seres incompletos, profissionais incompletos e que

há falhas em nossas relações, em nosso saber. Não fomos, ao longo de nossas

histórias de vida, acostumados a perceber que não podemos alcançar o

inalcançável: a eliminação da ambivalência, a eliminação da subjetividade e da

singularidade humana. Acabamos, assim, não conseguindo eliminar as

ambigüidades e os descompassos de nossa vida. A ambivalência – possibilidade de conferir a um objeto ou evento mais de uma categoria, é uma desordem específica da linguagem, uma falha da função nomeadora (segregadora) que a linguagem deve desempenhar. O principal sintoma de desordem é o agudo desconforto que sentimos quando somos incapazes de ler adequadamente a situação e optar entre ações alternativas (MRECH, 2005,p.25).

No centro de uma ambivalência, encontramos a Escola. Lugar de encontros,

contatos, de trocas, de convívio. Também lugar de saberes instituídos, de práticas

divisórias instaladas, de ordens, de tradições. No auge do paradoxo (grifo meu), a

Escola se constitui como um centro gerador de relações de poder, e, ao mesmo

tempo, de produção de subjetividades. Por um lado, o maior acesso à educação

visto nos últimos anos, tem significado uma maior diversidade de alunos na escola,

porém, os sistemas educacionais seguem oferecendo respostas homogêneas, que

não satisfazem às diferentes necessidades e situações do alunado.

O grifo acima destacado, relacionado ao paradoxo, diz respeito à exposição

contraditórias de idéias – uma antítese, enquanto figura de pensamento. As5

primeiras formas da palavra paradoxo foram provenientes do Grego paradoxon.

Logo, em Latim, pode-se entender que a palavra é composta do prefixo para-, que

quer dizer “contrário a”, “oposto de” e conjugada com o sufixo nominal doxa, que

5 Fonte: Wikipédia e Enciclopédia Larousse Cultural.

Page 35: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

34

quer dizer opinião. No caso da Escola, várias situações se opõem, gerando efeitos

contrários, ou seja, situações paradoxais.

E como ouvir o cotidiano da Escola em seus murmúrios, lamentos,

possibilidades de realização, encontro e criação? Parafraseando Eizirik (2001,p.55),

“será que se conhece a trama de enredamentos que perpassa a Escola? Será que

se atenta para o sofrimento que existe dentro dela?”

Fala-se muito dos sistemas de avaliações, reprovações, punições e

cobranças da Escola. Fala-se muito da pouca participação dos pais no cotidiano

escolar, de suas exclusões infinitas, de suas ausências. Especula-se a todo instante,

sobre o processo de aquisição do conhecimento envolvido com as construções de

cada criança. Mas, fala-se pouco do sofrimento, das angústias, da culpa, da auto-

recriminação, da vontade de saber, do medo de errar, da sensação de impotência,

dos prazos e cobranças de qualidade unificados que matam a qualidade de muitos

trabalhos dentro da Escola. Fala-se pouco do sentimento de desqualificação do

professor, ligado ao desprestígio da sua função na sociedade. Fala-se pouco, e

escuta-se menos ainda, sobre os impactos do nascimento de uma criança

‘deficiente’ em uma família, sua chegada na escola e seus desafios em uma

sociedade por demais individualista e hostil às diferenças.

O impacto do nascimento de uma criança com deficiência em uma família foi

cuidadosamente estudado por Fátima Cavalcante e relatado em seu artigo “Família,

subjetividade e linguagem: gramáticas da criança ‘anormal’” (2001). A autora

argumenta que o nascimento de uma criança considerada fora dos padrões de

normalidade, coloca à prova toda a família, convidando-os a buscar soluções e a

entender este desafio. Segundo Cavalcante (2001), o bebê, ao nascer, desafia os

estoques de conhecimento do continente familiar que o recebe. Mas, este processo

pode se tornar um desafio muito maior em circunstâncias especiais. O nascimento de um bebê “anormal” ou o surgimento de distúrbios mentais na primeira infância produz uma perturbação que afeta toda a família. A família se vê em perigo, uma vez que seus recursos tradicionais serão insuficientes para fazer face á anormalidade. Um novo repertório, então, deverá ser construído (CAVALCANTE, 2001,p.07).

Realmente, escutam-se pouco os desejos dos professores e das crianças,

nas suas mais variadas expressões: na palavra tímida ou decididamente formulada,

nos fracassos, nas realizações vitoriosas.

Page 36: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

35

Nas poéticas palavras de Mrech, pensar em uma educação para o sujeito diz respeito a um outro contexto, a uma outra ordem. Trata-se de pensar em um processo educativo voltado para o aluno, em que o importante seria privilegiar a singularidade de cada aluno, com base no seu contexto de vida, e não da sua categoria social (MRECH, 2005,p.25).

A sensibilização para a escuta do sujeito singular, único, dotado de

particularidades e diferenças nas tramas do processo educativo, é a tarefa da

próxima tópica.

1.2 O Sujeito da Alteridade

Somos viajantes imersos em um mundo

com o qual estamos em permanente diálogo. Ítalo Calvino

Somos todos sujeitos em permanente defrontar com o desconhecido. Ao

“viajarmos”, olhando o mundo ao nosso redor, encontramos mais do que diferenças,

encontramos a nós mesmos, em nossa singularidade, que até então nos era

desconhecida, por ainda não ter passado pelo ‘estranhamento’ do diálogo com o

outro.

Estas questões remetem a uma temática que vem sendo discutida pela

Psicologia e que sempre permeou a Psicanálise e a Antropologia: a alteridade. Jodelet (1998, apud ZANELLA, 2005,p.02) destaca a alteridade como

produto de duplo processo de inclusão e exclusão social que, indissoluvelmente ligados como os dois lados de uma mesma folha, mantém sua unidade por meio de um sistema de representações.

Conviver, reconhecendo e valorizando as diferenças é uma experiência

essencial à nossa existência. Estar junto ao outro tem a ver com o que o outro é –

um ser que não é como eu sou, que não sou eu. Essa relação forja uma identidade e

é rotulada pelo outro. Estar com o outro tem a ver com quem é esse outro, esse

desconhecido, um enigma, que tenho que decifrar. O outro vai sendo desvelado, na medida em que se constrói entre nós um vínculo, pelo qual nos confrontamos, nos identificamos, nos constituímos como seres singulares e mutantes (MANTOAN, 2005,p.01).

Page 37: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

36

Portanto, a diferença, o estranhamento ao outro – esse que não sou eu, é

um conceito que se impõe para que possamos defender a tese de uma Escola

disposta a se deparar e a lidar com aqueles que fogem aos seus padrões de

“normalidade”.

Em meu próprio diálogo com o mundo acadêmico, literário - repleto de novos

conhecimentos a serem desvendados por mim enquanto pesquisadora, acabei

deparando-me com uma obra que destaca-se por sua autencidade e inovação ao

tratar do tema alteridade. Organizada por Jorge Larrosa e Carlos Skliar, “Habitantes

de Babel: políticas e poéticas da diferença” é um dos livros que não pode deixar de

ser registrado e comentado em uma pesquisa que se propõe a re-significar a noção

de diferença em um espaço de diálogos, conhecimentos, interlocuções, encontros e

afetos chamado Escola.

O mito de Babel, narrado no Capítulo 11, no Livro de Gênesis, fala da

desconfiança do poder dos homens e de suas linguagens. Antes de Babel, todos os

homens da terra tinham uma única língua e usavam as mesmas palavras até que

disseram uns para os outros: Vinde façamos ladrilhos e cozamo-los no fogo (...), vinde façamos para nós uma cidade e uma torre cujo cume chega até o céu e façamos célebre o nosso nome antes que nos espalhemos por toda a terra6.

Segundo a narrativa bíblica, o Senhor contemplou aqueles homens, refletiu

sobre os desígnios do projeto (eis aqui um povo que não tem senão uma mesma

linguagem) e decidiu instalar a confusão entre as línguas, impedindo o exercício do

poder despótico.

Em torno do mito de Babel, situam-se questões da unidade e da pluralidade,

da dispersão e da mesclagem, da ruína e da destruição, das fronteiras e da

transposição delas. Babel é usada como uma espécie de dispositivo metafórico, para

dar sentido à nossa experiência, àquilo que nos acontece, ao como nos entendemos

ou não. Por isso, o que importa não é o que quer dizer o mito, mas o que dizemos ou

fazemos com ele, quais são os efeitos de sentidos que dele provêm e o que

refletimos a partir dele. No livro, Babel é um sintoma, um sintoma disperso e confuso de nosso mundo disperso e confuso; é um sintoma sobretudo, do que nos acontece, nos inquieta, nos dá o que pensar no que de confusão e dispersão existe em nós mesmos (LARROSA e SKLIAR, 2001,p.09).

6 BÍBLIA SAGRADA; Antigo e novo testamento. Gênesis 11. Rio de Janeiro: Vida, 1996. p. 7.

Page 38: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

37

Pensar Babel, babelicamente, é pensar em descentralização de uma só

língua, de uma só comunidade, de um só povo. É pensar em um movimento que se

abre para muitas línguas, para muitas cidades, para movimentos imprevisíveis e

incalculáveis, para muitos nomes. Babel é a metáfora da passagem, mesmo que

trágica, de uma unidade para a pluralidade. É a perda de uma língua comum capaz

de tecer a memória comum dos homens e o advento da multiplicidade e confusão

lingüística. Babel, conseqüentemente, conta o começo de uma história do gênero humano atravessada pela ‘ausência de uma tarefa comum a todos os homens’, pelo fracasso da totalitária pretensão de unificar todos os homens em torno de um propósito comum, de um ideal comum, de um destino comum (TÉLLEZ, 2001,p.47).

É em torno de um mito, que vários autores se propõem a tratar a alteridade,

sob diversos ângulos. Convidam-nos a pensar que a relação com o outro -

concebida e exercida como relação de alteridade - não impõe condições nem

responde ao modelo de contrato, mas que se forma e se forja em uma singular

abertura e apelo ao outro, na qual não se pede sua pré-disposição para se integrar,

nem se pergunta se vamos poder assimilá-lo dentro do grupo. A relação de

alteridade se refere, principalmente, ao comparecer e ao expor-se ao risco da

relação com o outro, como aquilo que inquieta, pois não se deixa reduzir ao

previsível, ao prescrito, ao controlável.

Fernando Placer, em seu artigo do livro em questão, indica-nos que para

haver relação com o outro é necessário entender-se a si mesmo, distanciar-se de

nossas certezas divinas, deixar de continuar sendo da maneira como somos,

nomeando e olhando o mundo como já fazemos. É necessário, em uma verdadeira

inter-relação com o outro, abandonarmos nossos estereótipos e preconceitos, já

firmados em nossas expressões como autênticos e já validados em nossas práticas

cotidianas. Talvez, para sentir o outro, “seja necessário abrir lugares de silêncios e

de palavras – não necessariamente conceitos – reveladoras”.7 Para o encontro com

o outro, é necessário estar em um lugar comum, sem dono, sem nome prévio, sem

limites. Para ouvir o outro, é preciso descarrilar-se deste nosso tempo previsível,

possível, dominado por projetos e cálculos, para embalar-se em um tempo elástico,

que se recusa ser medido e contabilizado.

7 Referência à página 89, do livro Habitante de Babel.

Page 39: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

38

Fortes (2004,p.71) demonstra como o conflito constante entre os processos

narcísicos ( amor de si mesmo) e os processos alteritários é constitutivo da própria

produção do sujeito, ou seja, há um conflito interno permanente no psiquismo entre

persistir centrado em suas referências e transpor as barreiras do eu para se deixar

regular pelos estímulos provocados no encontro com o outro. O sujeito oscila entre

esses pólos, e o desejo só aparece quando a balança pende para o lado da

alteridade.

É justamente neste encontro com a alteridade, que o sujeito se depara com

suas limitações, com sua fragilidade, com sua solidão. As forças da cultura atual

impelem o sujeito a negar a própria dor. Negando-a, não faz com que ela diminua.

Ao contrário, a dor excluída é ela própria fonte de dor, e por isso, uma das marcas

de nosso tempo é o desamparo. Vivemos em uma era de incertezas, de mudanças

da relação do sujeito com as garantias do futuro, o que conduz a uma sensação de

vazio, de desproteção, que nos conduz à descrença, à fragilidade nos laços sociais

e ao enfraquecimento da figura da alteridade em nossas vidas.

Entra em cena, portanto, a Psicanálise, em seu acolhimento à dor de um

sujeito, deixando aparecer aquilo que ele tem de mais próprio, de mais singular.

Pensar na Psicanálise nos dias de hoje significa uma espécie de diálogo com a

nossa cultura, valorizando nela o que pode ser oferecido de potência e vitalidade

aos sujeitos, e resistindo naquilo que ela comporta de mortificação, homogeneização

e aniquilação da singularidade.

A abordagem que a Psicanálise propõe relaciona-se com uma determinada

posição de abertura, caracterizada basicamente pela disponibilidade de escuta das

situações do sujeito. Cada um tem uma história única, cada sintoma tem um sentido

particular, tomando em consideração a especificidade do inconsciente de cada

sujeito. Uma vez que a Psicanálise faz crítica a um modelo iluminista de Educação –

fundamentado na razão e na objetividade, ela revela que a palavra e a linguagem

introduzem meandros de luz e sombra, fazendo com que ocorram fenômenos que se

encontram além dos parâmetros da racionalidade, tais como resistências,

questionamentos, os impasses, os silêncios...

Quando a Educação – em especial atenção neste trabalho de pesquisa - é

atravessada pelo pensamento psicanalítico, a terminologia deficiência/diferença

ganha novos contornos. O sujeito da diferença passa a sujeito da singularidade,

situado em um contexto educativo cuja tarefa nunca termina.

Page 40: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

39

Sensibilizados pela Psicanálise, os educadores tendem a se interrogar

acerca de seus próprios conceitos de alunos/sujeitos, pois a Educação atual não diz

respeito a uma preparação para a vida. Ela se refere à própria vida do aluno, em

suas reais demandas, necessidades e desejos.

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“Não vemos as coisas como elas são, Mas como nós somos“.

Anais Nin•

• Desenho de R.W., 11 anos. É aficionado por liquidificadores, conhecendo a fundo seus processos. Gosta de ler e de computadores. Na Escola, já foi solicitado pelos colegas para pequenos consertos do eletrodoméstico pelo qual tem profundo interesse. Tem Síndrome de Asperger.

Page 42: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

41

CAPÍTULO 2. O Sujeito da Singularidade: contribuições da Psicanálise para a Educação

Encontramo-nos em uma sociedade que, ao longo de sua história, vem

sofrendo mudanças culturais, tecnológicas e científicas, que acabaram oferecendo

novos estilos de vida, de organização e administração social aos seus sujeitos. O

processo de modernização da sociedade brasileira se acelerou pós década de 70,

tendo como modelo os países ocidentais desenvolvidos. Anteriormente, de acordo

com Dacorso (2005), os indivíduos estavam subordinados ao social e o trabalho não

‘atropelava’ a vida pessoal. Os valores que vigoravam eram tradicionais e

profundamente ligados à religião. Os sentimentos eram resguardados ao âmbito

individual e não se esperava que variassem de sujeito para sujeito. As aptidões,

vocações e o desempenho no mundo externo eram apresentados de maneira a

excluir os desejos particulares.

Os ideais pós-modernos trouxeram consigo a liberdade de opção, os

projetos pessoais e a angústia da responsabilidade do próprio destino. Passou a

ocorrer, em todos os setores sociais, a tentativa de dissolução dos discursos

totalizantes e homogeneizantes. Já não existe um saber científico capaz de dar

traçado único, um sentido unitário, às experiências da vida cultural, socioeconômica

e das subjetividades. O mundo tornou-se complexo e as respostas ficaram instáveis.

Surgem as incertezas e a dificuldade de clareza, acarretando demandas de

intervenções pessoais, familiares e Institucionais que consigam trabalhar o individual

e o subjetivo.

Este olhar para o que há de singular em cada um de nós é, sem dúvida, o

maior legado da Psicanálise aos tempos atuais: a possibilidade de fazer emergir a

particularidade do sujeito em meio a esse ‘substancialismo cotidiano’ que a tudo

domina. A Psicanálise aposta no sujeito do desejo e na sua possibilidade de, se

quiser, mudar seu próprio destino. As idéias de seu fundador – Sigmund Freud

(1856 - 1939), inauguram o conceito de que o “homem é livre por sua fala e de que

seu destino não se restringe a seu ser biológico” (ROUDINESCO, 2000, p.09). A

Psicanálise teve o mérito de solucionar, reconhecer e desvendar a fala de cada

sujeito, em sua singularidade, carregada de fantasias, desejos, amores e ódios. A

partir da teoria de Freud sobre o inconsciente, iniciou-se uma nova concepção do

Page 43: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

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sujeito. Ao descobrir o inconsciente e inventar a Psicanálise, Freud criou, no mesmo

movimento, um novo campo do saber e uma nova modalidade de laço social, de

relacionamento. A Psicanálise trouxe novas formas de ver o homem, a cultura e o

mundo.

A palavra “psicanálise” fez sua aparição em 1886, num texto de Freud

redigido em francês. No ano anterior, havia publicado juntamente com seu amigo

Josef Breuer, os famosos Estudos sobre a Histeria (1895), onde relata o caso de

uma moça judia e vienense que sofria de uma estranha doença de ordem psíquica

na qual eram postas em cena fantasias sexuais por intermédio das manifestações do

corpo. Às tardes caía num estado de sonolência que durava até cerca de uma hora depois do pôr-do-sol. Então despertava e se queixava de que algo a estava atormentando — ou melhor, ficava a repetir na forma impessoal: “atormentando, atormentando”, e isso porque, paralelamente ao desenvolvimento das contraturas, surgiu uma profunda desorganização funcional da fala. A princípio, ficou claro que ela sentia dificuldade de encontrar as palavras, e essa dificuldade foi aumentando de maneira gradativa. Posteriormente, ela perdeu o domínio da gramática e da sintaxe; não mais conjugava verbos e acabou por empregar apenas os infinitivos, em sua maioria formados incorretamente a partir dos particípios passados, e omitia tanto o artigo definido quanto o indefinido. Com o passar do tempo, ficou quase totalmente desprovida de palavras. Juntava-as penosamente a partir de quatro ou cinco idiomas e tornou-se quase ininteligível. Quando tentava escrever (até que as contraturas a impediram totalmente de fazê-lo), empregava o mesmo jargão. Durante duas semanas emudeceu por completo e, apesar de envidar grandes e contínuos esforços, foi incapaz de emitir uma única sílaba. E então, pela primeira vez, o mecanismo psíquico do distúrbio ficou claro (FREUD, 1895/1980,p.67).

Para Roudinesco (2000) a história desta paciente viria a se tornar um marco

na trajetória da teoria psicanalítica de Freud, pois é à experiência clínica do caso

Anna O., que se atribuiu à invenção do método psicanalítico:

um tratamento baseado na fala, um tratamento em que o fato de se verbalizar o sofrimento, de encontrar palavras para expressá-lo, permite, se não curá-lo, ao menos tomar consciência de sua origem e, portanto, assumi-lo. Essa é a grande marca do pensamento freudiano: a concepção radical do homem como portador, a um só tempo, da palavra e do corpo – alquimia heterogênea entre desejo e significante que o condena a uma inexorável divisão (ROUDINESCO, 2000,p.14).

Segundo Freud, o homem vem ao mundo num estado de total desamparo e

depende do adulto que dele se ocupa até mesmo para sobreviver, para satisfazer

suas necessidades básicas. É neste contexto que as necessidades do sujeito se

transformam em demanda, demanda de que o outro nos ame, única garantia de

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43

sobrevivência. O que escapa entre a necessidade e a demanda é o desejo que

anima o sujeito do inconsciente.

Este desejo é proveniente de uma falta, oriunda da impossibilidade que o

outro complemente a sua inesgotável demanda de amor e, portanto, impossível de

ser atendida. A esta falta inevitável entre o sujeito e o outro, Freud denominou de

castração e às ficções que cada um de nós inventa para justificar a possibilidade do

encontro perfeito, chamou de Complexo de Édipo.

O desejo está para a Psicanálise, no cerne do funcionamento mental e entra

na constituição da fantasia, dos conflitos, dos sonhos e sintomas de cada sujeito.

Estamos todos envolvidos por uma força de atração, ou de libertação, a uma

tendência para um prazer que induz a um ato em busca de um estado. Somos,

inevitavelmente, sujeitos do desejo! Ocorre uma tensão que liga de novo uma

satisfação passada à que está por vir, convocada pelo desejo, permanecendo

intimamente ligada ao sentido que emana de uma cadeia de significantes, tanto no

pensamento quanto na linguagem.

E, enquanto sujeitos, somos sujeitos do pensamento – do pensamento

inconsciente.

E, sendo inconsciente, o sujeito é uma lembrança apagada, um significante que falta, um vazio de representação em que se manifesta o desejo. Para a Psicanálise, o sujeito não tem substância e seu ser está fora do pensamento – lá onde se encontra a pulsão sexual (QUINET, 2003, p.13).

A leitura de Jacques Lacan, a partir dos fundamentos de Descartes sobre o

sujeito da certeza (“Penso, logo existo”), é o início da (re)significação da concepção

de sujeito da singularidade, do sujeito da dúvida, do sujeito desejante.

Para Lacan, o sujeito pode ter certeza, desde que, se possam destacar, no seu discurso, dúvidas tais como: ”eu não sei”, “eu duvido”, “eu não estou certo”, etc., como reveladoras de um sujeito dividido (PACHECO, 1996, p.71).

Aí está, portanto, o Inconsciente!

A Psicanálise, constituída no talking cure, situa a sua práxis na estrutura de

linguagem do inconsciente. O sujeito do inconsciente é movido pelo desejo. Esse

desejo, Freud descobre bem cedo em sua obra, é o desejo proibido, incestuoso,

correspondente ao complexo de Édipo. Além disso, o sujeito da Psicanálise é

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fundado pelo recalque, que inaugura o inconsciente e torna este desejo

desconhecido para o sujeito que é animado por ele.

Desta forma, o inconsciente se configura como um saber- não- sabido pelo

sujeito. Saber este, cujo funcionamento obedece a leis próprias que não coincidem

com as leis da lógica consciente. Segundo Freud, o inconsciente opera por

condensação e deslocamento. Foi Lacan, em seu retorno a Freud, que releu a

condensação e o deslocamento à luz da lingüística, e os reapresentou como leis da

linguagem: metáfora e metonímia.

O sujeito da Psicanálise é, portanto, o sujeito do desejo, que se manifesta na

falha, no tropeço, no ato falho, no sonho, no sintoma. Mas só a fala permite que o

sujeito reconheça e admita uma produção como sendo sua – que até então

desconhecia, mas que, ainda assim, faz parte dele.

Em Suplemento metapsicológico à teoria dos Sonhos (1917/1980,p.254),

Freud relata: “(...) os sonhos só nos revelam aquele que sonha, na medida em que

ele não está dormindo”. O que o criador da Psicanálise nos revela é que, para se

interpretar um sonho, é preciso passar ao seu relato, pois é feito de linguagem, ou

melhor, de pensamentos oníricos. Só se tem acesso ao inconsciente através da

linguagem.

Já que o inconsciente é um potencial positivo de significantes – também

chamados de ‘conteúdos’, as anunciações: ‘bom e mau’, ‘adesão e rejeição’, dentre

outras, devem ser interpretadas como o recalque original, fixado por pares de

oposição na cadeia de significantes (aqueles que fazem significar).

Eis, portanto, a importância do esclarecimento de conceitos como os

significantes e suas propriedades às profissões da fala, tais como a Educação. Os

significantes de cada sujeito entram em conexão por um potencial dinâmico, que

responde ao próprio desejo, desejo de pensar, procurar, saber, agir, enfim, viver. Se

a comunicação do professor estiver intimamente vinculada a esse desejo de saber,

ele situar-se-á no discurso do fazer desejar que, segundo Lacan, é o único capaz de

produzir o verdadeiro saber, e, conseqüentemente, indivíduos autônomos e criativos.

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2.1 O Sujeito para a Psicanálise: Inconsciente, Linguagem e Significantes

À luz da teoria psicanalítica, o SUJEITO não é um homem, uma pessoa,

tampouco um indivíduo comumente identificável. Ele é um ser dependente da linguagem, em que um significante vai representá-lo em relação a todos os outros significantes e, por isso mesmo, determiná-lo. Dessa posição, deriva-se um ‘resto’, pois o sujeito não é todo representável pela linguagem. De fato, desde que nela se inscreva, o sujeito não tem mais acesso direto ao objeto, mas tão somente pelo discurso que media esse acesso (CHEMAMA, 1995,p.75).

Assim, o discurso do sujeito estaria sempre marcado pelo seu ‘avesso’, ou

seja, pelo inconsciente. Dividido, descentrado, quebrado, o sujeito se definiria por

um embate com o ‘outro’ que o habita. Desta forma, a linguagem seria a

manifestação da busca por uma unidade, do desejo do sujeito em tornar-se um, de

construir, expor e significar-se a si mesmo na condição paradisíaca e originária de

sujeito uno e pleno de poder.

Recorrendo à teoria lingüística de Ferdinand de Saussure, são encontradas

duas análises para a linguagem. Uma ligada à língua como estrutura de signos

independentes, universal. Outra vinculada à fala enquanto exercício dessa estrutura

por parte do sujeito, particular. Trata-se, portanto, do aspecto social da língua

contrastando-se com o individual da fala.

É também em Saussure que Lacan encontra sua fonte para tratar do

conceito de significante. Definiu-o, então, como a imagem acústica, o som extraído de seu significado, para aquém ou pra além do conceito que representa, é o puro som. Lacan ainda inverte a relação, colocando o Significante em cima e o Significado embaixo, porque o inconsciente se interessa muito mais pelo significante do que pelo significado; ele é constituído por cadeia de significantes (QUINET, 2003,p.43).

Assim, na cadeia significante, o sentido é, na verdade, um outro significante.

Em Escritos (1966)8 Lacan refere-se ao sentido como um tonel, que está sempre

vazando, situando-nos na idéia de que o sentido nunca se completa, pois é uma

eterna cadeia de significantes. Um significante não se define sozinho; é sempre

dependente de outro.

Desta forma, portanto, é que o inconsciente se constitui: pelos

deslizamentos incessantes dos significantes, que não se detêm em significados. A 8 Referência à pág. 512

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cadeia associativa designada por Freud, é chamada de cadeia de significantes na

concepção lacaniana, em que um significante vai se articulando a outro, a outro, a

outro... Essa transformação de uma coisa em seu oposto é possibilitada pela íntima cadeia associativa que vincula a representação de uma coisa a seu oposto em nossos pensamentos. Como qualquer outro tipo de deslocamento, ela pode atender aos propósitos da censura, mas é também, com freqüência, um produto da realização de desejo, pois esta não consiste em nada além da substituição de uma coisa desagradável por seu oposto. Tal como as representações de coisa podem aparecer nos sonhos transformadas em seu oposto, o mesmo pode acontecer com os afetos ligados aos pensamentos oníricos; [...] (FREUD, 1900/1980,p.503).

Quinet (2003) ressalta, ainda, que no encadeamento de uma frase, as

palavras apresentam seu significante (o som), e seu significado (o conceito que ela

representa). Entretanto, segundo o autor, o inconsciente revela que não é bem essa

articulação que é dada, mas uma na qual se tem uma cadeia de significantes e que,

só ao final de uma frase, é que se tem o sentido do primeiro significante.

A relevância do estudo da linguagem em Psicanálise está no cerne da

liberação da fala plena, aquela que faz advir o significado. Este se liga ao recalcado,

e o significante está no lugar do sintoma. A fala plena – amorfa e atemporal, tem

valor transformador do sujeito, dimensão essencial da experiência psicanalítica. A

fala plena opõe-se a qualquer discurso constituído por ser o lugar da livre criação

individual, e o sentido, é contextual, já que o ouvinte decide sobre a significação.

Sendo uma atividade constituída pelo poder da linguagem, a Educação

depara-se, a todo instante, com as equivocações. O professor fala algo e o aluno

entende outra coisa completamente diferente, tornando os processos primários de

identificação e transferência rumo ao desejo de saber muito prejudicados. Portanto,

o significante deva ter suas propriedades esclarecidas para que possa discernir-se

da pura palavra, assumindo sua definição para cada sujeito, em sua singularidade e

desejo.

A partir do texto “A instância da letra no inconsciente ou A razão desde

Freud” (1957), encontrado em os “Escritos” – obra primorosa de Jacques Lacan,

podem-se citar duas das propriedades do significante da seguinte forma:

• A equivocidade do significante ocorre pelo seu poder de simultaneidade

de preenchimento em mais de uma cadeia. Uma palavra pode ter vários

sentidos (ambigüidade semântica). Estruturalmente, essa ambigüidade

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47

ocorre devido à articulação e à posição do significante na sua conexão com

os outros, num constante deslizamento.

• O significante tem um poder de comando próprio, tem uma capacidade

de ser imperativo. O significante, assim, pode ser cruel, quando se remete

ao “cale-se!”, “ande!”, “faça!”. Ao mesmo tempo em que aponta o sujeito, o

significante pode nomeá-lo de tal maneira que o mortifica. Essa propriedade

evidencia a característica unitária do significante – ele é uno, é todo, é S1

(significante-mestre). Desta forma, em seu poder único, pode reduzir uma

pessoa ao seu próprio designo, como, por exemplo, chamando-a de “fulano

é um guardanapo!”. Ao chamar um sujeito por um significante é uma forma

de mortificá-lo, de etiquetar a sua história, designá-lo a partir de uma

categorização pessoal.

Estas duas propriedades citadas elucidam o poder do significante na

constituição da metáfora do próprio sujeito. Na sociedade atual, é muito comum

presenciarmos cenas de mortificação de sujeitos, ou grupos deles, através de

significantes como: negro, gay, lésbica, judeu, deficiente, dentre tantos outros.

Nas esferas sociais e educacionais, quantos de nós já não ouviu alguém se

referir a uma pessoa com necessidades especiais como “aquela retardada?”. Quem

já não presenciou falas que transformam uma síndrome em uma marca de

impossibilidade pessoal: “ele não aprende porque tem Síndrome de Down”? Os

significantes constituem o inconsciente e, no momento em que se fala, experimenta-

se seu peso e seu valor. O conceito de inconsciente indica que não só habitamos a

linguagem, mas somos habitados por ela.

A concepção psicanalítica de sujeito nos remete a um ser falante e a um

sentimento de estranheza, de ‘estranha familiaridade’, como dizia Freud, em relação

ao nosso próprio eu, quando este se expressa ou tropeça na linguagem, de um

enunciado ou de uma enunciação. Falar, portanto, significa aceitar o fato de que a

significação das palavras escapa e, mais ainda, que as palavras, interpretadas pelo

outro, provocam efeitos subjetivos (em mim e no outro) que fogem ao meu controle.

Sandra Almeida (2006,p.02) elucida-nos que “falar comporta riscos e mal-

entendidos”. Falar anuncia demandas que estão sempre aquém do desejo e que se

dirigem a um Outro.

Ao dirigir-se ao Outro, a fala passa a ser discurso. Lacan, influenciado pelo

pensamento dos lingüistas, definiu discurso como sendo: “um determinado grupo de

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48

fala decantado e sedimentado pela história; realização individual de todo social que

há na língua” (QUINET, 2006,p.17). Retomando Freud em O mal – estar na

civilização (1930), Lacan expõe as quatro formas das pessoas se relacionarem entre

si – governar, educar, psicanalisar e fazer desejar – chamando-as de discursos, pois

os laços sociais nelas presentes são tecidos e estruturados pela linguagem. Governar corresponde ao discurso do mestre/senhor, em que o poder domina. Educar constitui o discurso universitário, dominado pelo saber. Analisar corresponde ao laço social inventado no início do século XX por Freud, em que o analista se apaga como sujeito por ser apenas causa libidinal do processo analítico. E, fazer desejar é o discurso da histérica dominado pelo sujeito da interrogação (sobre o desejo), que faz o mestre não só querer saber, mas produzir um saber (QUINET, 2006, p.17).

Educar e, conseqüentemente, aprender, são frutos de efeitos discursivos.

Para Kupfer (1992), a presença de um professor ou de uma professora, colocada em

determinada posição, pode ou não propiciar a aprendizagem. O importante desta

afirmação, ainda que soe óbvia, é que a aprendizagem ocorre via discurso do outro,

já que diz da dispersão daquele que a anuncia. Os alunos, por sua vez, revestem o

discente de uma figura especial, a quem são endereçados seus interesses. Quais

são esses interesses? São aqueles ressonantes do desejo do aluno como sujeito –

desejo aqui tomado como Freud o concebeu: inconsciente.

Na relação pedagógica, a transferência se produz quando o desejo de saber

do aluno aferra-se a um elemento particular no Outro, sob a função do professor. Esse aluno atribui um sentido especial àquela figura determinada pelo desejo. Esse Outro, esvaziado de seu próprio sentido, torna-se depositário de algo pertencente ao aluno, que lhe fixou um outro sentido particular e inconsciente. Mas o docente tende a apodera-se desse sentido especial atribuído pelo aluno. De posse, deriva-se um poder, já que a transferência de sentido, operada pelo desejo, é também uma transferência de poder (PEREIRA, 2005, p.96).

O próprio Freud, em A dinâmica da transferência (1912), constatou que o

fenômeno da transferência ocorre em todas as relações humanas. Segundo ele, a

transferência pode ser entendida como reedições de vivências psíquicas que são

atualizadas em relação à pessoa do analista e, no nosso caso, atualizada em

relação à figura do professor. Na relação pedagógica, o aluno supõe ao professor

um saber e, a partir desta suposição ou de sua ausência, o professor fundar-se-ia,

ou não, como uma figura de autoridade. Isso significa que o aluno escutará o

professor a partir do lugar em que o professor, por este mesmo aluno, foi colocado.

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49

Lugar determinado por seus desejos inconscientes, oriundos de suas relações

primitivas com suas figuras primordiais, lugar determinado pela transferência. As pessoas a quem se acha assim ligada são os pais e irmãos e irmãs. Todos que vem a conhecer mais tarde tornam-se figuras substitutas desses primeiros objetos de seus sentimentos. (Deveríamos talvez acrescentar aos pais algumas outras pessoas como babás, que dela cuidaram na infância.) Essas figuras substitutas podem classificar-se, do ponto de vista da criança, segundo provenham do que chamamos as ‘imagos’, do pai, da mãe, dos irmãos e das irmãs, e assim por diante. Seus relacionamentos posteriores são assim obrigados a arcar com uma espécie de herança emocional, defrontam-se com simpatias e antipatias para cuja produção esses próprios relacionamentos pouco contribuíram. Todas as escolhas posteriores de amizade e amor seguem a base das lembranças deixadas por esses primeiros protótipos. (FREUD, 1914/1980,p.287)

O trecho acima, extraído de Algumas reflexões sobre a Psicologia do

Escolar (1914), é extremamente elucidativo quanto ao fenômeno da transferência,

principalmente no contexto educativo, quando o aluno relaciona-se com a figura do

professor a partir de suas primeiras experiências. Neste mesmo texto, Freud relata o

quanto seus antigos mestres deixaram-lhe recordações e o quanto o seu desejo de

aprender esteve permeado por seus professores. Minha emoção ao encontrar meu velho mestre-escola adverte-me de que antes de tudo, devo admitir uma coisa: é difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi a nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres. (FREUD, 1914/1980,p.286)

Entretanto, vale ressaltar que o professor também é um sujeito marcado pelo

desejo inconsciente. Portanto, ao ser colocado na “banca” do poder, tenderá a

abusar do lugar que ocupa, podendo subjugar o aluno, impondo-lhes seus próprios

saberes, valores e modelos predeterminados, segundo um discurso que

universaliza. É necessário que o professor esteja atento para não se tornar uma

autoridade que imporá seu próprio desejo à criança.

Na perspectiva freudiana, a educação lida com o desejo de saber do sujeito-

aluno investido no Outro-professor. Por sua vez, os professores – ocupando o lugar

de Outro para o aluno, só “educam” quando não se identificam com o saber que é

sempre do Mestre. Isso resulta na hipótese psicanalítica de que a aquisição do

conhecimento, sustentada pelo desejo de saber, depende da posição subjetiva da

criança diante do desejo do Outro, representado pela figura do professor. Em seu

artigo Psicanálise e Educação, Sandra Francesca Conte descreve esta relação da

seguinte forma:

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50

A relação professor-aluno pode (re)produzir, segundo as leis do funcionamento do inconsciente, uma relação na qual o aluno-falo submete-se à Lei do desejo do Mestre, para ser reconhecido e amado enquanto eu-ideal, por este Outro, suposto tudo saber, tudo poder. Ao projetar no aluno suas fantasias (de onipotência ou quaisquer outras) e ao ‘seduzi-lo’ para que esse lhe responda desde uma posição subjetiva de assujeitamento, o professor estará atualizando a sua própria condição subjetiva face ao desejo e à castração (2006, p.03).

A Psicanálise pode promover um despertar para uma postura mais reflexiva

sobre a tarefa educativa, que supõe uma nova significação por parte do professor de

sua atuação junto aos alunos. As grandiosas metas idealizadas pelos educadores

negam a realidade do desejo, conseguinte, a realidade da criança como sujeito. A

re-significação pedagógica deve ter como cerne de que a mediação do

conhecimento passa pela via da fala, e que os laços sociais (discursos) se

estruturam no campo da linguagem.

Analisando o Discurso do Mestre, desenvolvido por Jacques Lacan no

capítulo intitulado “Produção dos quatro Discursos” do livro O seminário 17: o avesso

da Psicanálise (1967-1970), percebe-se que nele o professor fica no lugar de agente

do discurso, como o “sabe-tudo”, o detentor absoluto do “Conhecimento universal”,

tendo como tese de que tudo deve submeter-se à lei. O docente pode exigir tarefas

de seus educandos meramente como objetos de gozo, tudo submetido a uma lei que

ele determina no lugar de agente. Entretanto, esta produção ‘industrializada’ pode

gerar ‘objetos’ que não foram planejados pelo Mestre. Desta subversão, podem

surgir sujeitos que não estão sob a barra das determinações legais: são os alunos

transgressores, a insurreição dos colegas docentes, a inquisição da equipe

pedagógica. A intenção do Mestre de não deixar que nada esmoreça sua função de

poder, torna-se abalada pelo fato de não se conseguir “colar” saber e produto. É a

faceta do ‘impossível’ na arte de Educar: não se podem converter alunos em

escravos, enquanto objetos de gozo do próprio professor. Afinal, o olhar que vigia e

a voz que critica vinda do “Grande Senhor”, não permitem a tomada de consciência

autônoma por parte do sujeito.

Em contrapartida, o Discurso Histérico, com seu caráter de fazer desejar o

saber, é o avesso do discurso universitário da burocracia, pois faz absoluta objeção

ao totalitarismo perverso do saber, seja ele religioso, acadêmico ou qual for. O

sujeito histerizado é hipnotizante, acredita que a regra é parasita da pulsão

imaginária e convoca a pulsão de mestria. Ouso apostar que a função de mestre é

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realmente a de subversor, suprimindo a diferença entre a regra e a lei, convocando

sujeitos de desejo a partir dos seus efeitos discursivos, promovendo laços sociais,

mantendo-se em sua esfera de ‘eterno caçador do saber-ainda-não-sabido’.

É por tudo isso que Lacan assinala que a linguagem não dá conta de falar o

que aconteceu com o sujeito. “A linguagem é um tonel que vaza”, ressalta ele. Mas,

existem certos sentidos, certas significações na história do sujeito, às quais ele se

apega, se atrela, querendo apenas partir delas. Por isso, na Escola, é muito

importante que professores e alunos consigam soltar o que Lacan designa das

amarras da palavra, isto é, as significações prévias, as significações estereotipadas.

Retomando Freud em sua afirmação, a “Educação é uma profissão

impossível”, Mrech (2005) esclarece que não porque ensinar, educar seja

impossível. Mas porque nunca se ensina da mesma forma e nem se educa de

maneira igual, sempre. O projeto educacional se transforma, ele nunca é o que foi

anteriormente. A cada momento o contexto educativo vai se tornando uma outra

coisa: diferente e inovadora. Por quê? Porque os alunos são outros, o contexto é

outro. O impacto desta perspectiva psicanalítica na Educação é de fundamental

importância para a ampliação das discussões sobre subjetividades na Escola.

Frente a uma atual demanda escolar de alunos com necessidades especiais,

a Escola é convocada a uma (re)significação de seus próprios parâmetros. Quem é

esse novo alunado? São Sujeitos! Sujeitos de desejo, dotados de seus próprios

significantes. Cabe ao Professor, portanto, reconhecer que tem limitações. A partir

desse incômodo impacto, torna-se tarefa incondicional fazer-se sedutor, desejável,

tornar-se inquieto perante a voz alheia, desfazer seus antigos saberes e reconstituí-

los, gradativamente, destituído de sua postura narcísica e onipotente. Cabe-lhe,

também, a revisão de seus valores de ideais de grandeza e perfeição para com os

educandos, repaginando a si mesmo como “Mestre Barrado”, para que o ensino se

torne, verdadeiramente, possível!

Ao verdadeiro pressuposto de Inclusão, não cabe a ‘objetalização’ da

criança, deixando de enxergá-la como um sujeito, para enxergar uma patologia. Isto,

por si só, já inviabiliza o ato educativo, pois parte de significações estereotipadas

acerca do aluno.

Parafraseando Gonçalves (2006), a inclusão se viabiliza pelo

posicionamento do educador e da Escola diante do sujeito que aprende. O ato

educativo se dá no ‘confronto subjetivo’ com o outro que me rodeia e não de uma

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ecolalia de estratégias mais ou menos adequadas para abordar o aluno, muitas

vezes marcado por significantes: patologia, impossibilitado, estranho, doente ou

incompatível.

A aventura de “acolher” o aluno deficiente é um grande desafio à realidade

educacional brasileira... O acolhimento às diferenças exige, antes de mais nada,

uma mudança na forma como a sociedade está estruturada atualmente, como pensa

a diferença e como lida com ela. Como diz Darcoso (2006:05), “nós e as crianças

teríamos que passar a ver os diferentes, os deficientes e os ‘não-capazes’ como

muito mais semelhantes do que nos parece atualmente”. E não negando as

diferenças, sendo simplesmente, sujeitos.

E uma sociedade e sua esfera educacional que, durante tanto tempo,

segregaram os “diferentes”, têm uma imediata convocação de reestruturação de

valores a fazer... Na atual conjuntura, é imprescindível aprendermos a conviver com

o outro, deficiente ou não, pois ele está inserido no contexto educacional que

pressupõe o amparo à diversidade humana. Façamos juntos, no próximo Capítulo,

esta reflexão que irá nos remeter a evoluções históricas, à instauração de novos

paradigmas e a um processo de re-significação de nossos próprios conceitos acerca

da diferença.

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53

“O homem é mortal por seus temores

e imortal por seus desejos.”

Pitágoras•

• Desenho de A.F, 5 anos. Menina que adora chocolate, desenhos animados e brincadeira na piscina de bolas. Na Escola, os amigos de turma ajudam-na com a merenda e com a arrumação dos materiais. A aluna é autista.

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CAPÍTULO 3. Educação, Deficiência e Inclusão: o Sujeito na Diversidade

3.1 Da exclusão do deficiente à inclusão da diferença

A Educação é o principal alicerce da vida social. Ela transmite e amplia a

cultura, estende a cidadania, constrói saberes para o trabalho. Mais do que isso, ela

é capaz de ampliar as margens da liberdade humana, à medida que a relação

pedagógica adote, como compromisso e horizonte ético-político, a solidariedade e a

emancipação.

Entretanto, percorrendo os períodos da história universal, evidenciam-se

teorias e práticas sociais segregadoras, especialmente quanto ao acesso ao saber.

Poucos podiam participar dos espaços sociais nos quais se transmitiam e se criavam

conhecimentos. As pessoas com deficiências, vistas como “doentes” e incapazes,

sempre estiveram em situação de maior desvantagem.

Na era pré-cristã, em que havia ausência total de atendimento, os

deficientes eram abandonados, perseguidos, ou eliminados por conta de suas

condições atípicas, e a sociedade era a legitimadora dessas ações.

Em Atenas, Platão (428-348 a.C.), ao procurar descrever sobre como

deveria ser uma república perfeita, afirma: [...] e no que concerne aos que receberam corpo mal organizado, deixa-os morrer (...). Quanto às crianças doentes e as que sofrerem qualquer deformidade, serão levadas, como convém, a paradeiro desconhecido e secreto (PLATÃO apud SILVA, 1986, p.124).

Ainda nesta mesma Cidade-Estado, Aristóteles (384 -322 a.C.) também

manifestou sua opinião em relação às pessoas com deficiência: "quanto a saber

quais as crianças que se deve abandonar ou educar, deve haver uma lei que proíba

alimentar toda criança disforme" (ARISTÓTELES apud SILVA, 1986, p.124).

Assim como Platão e Aristóteles - na Grécia, em Roma, Cícero e Sêneca

também emitiram suas opiniões a respeito das pessoas com deficiência e de como

se deveria proceder em relação a elas. Cícero, que viveu entre 106 a.C. 43 a.C.,

comenta em sua obra "De Legibus", que nas Leis das DozeTábuas havia uma

determinação para o extermínio de crianças consideradas como anormais.

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Tábua IV- Sobre o Direito do Pai e Direito do Casamento: Lei III O pai imediatamente matará o filho monstruoso e contrário à forma do gênero humano que lhe tenha nascido há pouco" (CÍCERO apud SILVA, 1986, p.128).

Este mesmo filósofo romano emitiu seu ponto de vista a respeito do como se

deveria proceder em relação às pessoas com deficiências múltiplas: reunamos agora todos esses males num só indivíduo. Que ele seja surdo e cego e que prove atrozes dores ele será logo consumido por esses sofrimentos e, se por falta de sorte eles chegarem a se prolongar, por que suportá-los? A morte é um refúgio seguro onde esse indivíduo estará ao abrigo dessas horrendas misérias (CÍCERO apud SILVA,1986, p.141).

Já na Antigüidade (dos primórdios ao século IV), segundo Cambi (1999),

pessoas com deficiência passaram a ser utilizadas para mendigar ou enquanto

objetos de espetáculos circenses. "Existia em Roma um mercado especial para

compra e venda de homens sem pernas ou braços, de três olhos, gigantes, anões,

hermafroditas" (DURANT apud SILVA, 1986, p. 130).

Visto no final da Antigüidade e aprofundado na Idade Média (séculos V a

XV), o modelo da institucionalização foi uma outra forma de se tratar as pessoas

com deficiência (AKASHI, DAKUZAKU,2001). No início, tratava-se de instituições

(asilos, hospitais e hospícios) geralmente mantidas pela Igreja Católica – principal

organização econômica e política da Idade Média ou por ricos senhores, nas quais

eram internadas uma parte das pessoas idosas e doentes que não dispunham de

condições de proverem seus meios de vida. Estes lugares "serviram também de

abrigo para pessoas impossibilitadas de prover seu próprio sustento, devido a sérias

limitações físicas e sensoriais" (SILVA, 1986, p.204).

Com o estabelecimento desses asilos, hospitais e hospícios, as pessoas

com deficiência eram retiradas do convívio social e enclausuradas, passando a viver

junto aos doentes ou moribundos. A partir desse tratamento, principalmente o

proposto pela Igreja Católica, [...] o deficiente tem que ser mantido e cuidado. A rejeição se transforma na ambigüidade proteção-segregação ou, em nível teológico, no dilema caridade-castigo. A solução do dilema é curiosa: para uma parte do clero. vale dizer, da organização sócio-cultural, atenuasse o 'castigo' transformando-o em confinamento, isto é, segregação (com desconforto, algemas e promiscuidade), de modo tal que segregar é exercer a caridade, pois o asilo garante um teto e alimentação. Mas, enquanto o teto protege o cristão, as paredes escondem e isolam o incômodo ou inútil. Para outra parte da sócio-cultura medieval cristã, o castigo é caridade, pois é meio de salvar a alma do cristão das garras do demônio e livrar a sociedade das condutas indecorosas ou antisociais do deficiente (PESSOTTI, 1984, p.7).

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Otto Silva (1986) salienta que, apesar da existência dessas instituições, é

importante lembrar que na Idade Média, a maioria das pessoas com deficiência não

eram internadas. Isso ocorria porque a sociedade não dispunha de recursos

suficientes para adotar tal procedimento, o que levava boa parte dessas pessoas a

sobreviver da mendicância. Existiam também aqueles que eram aproveitados nas

atividades laborais desenvolvidas no interior dos feudos, o que se tornava possível

devido a maior parte da produção ocorrer no âmbito familiar, onde cada pessoa

poderia trabalhar segundo as suas condições físicas, sensoriais e mentais.

Até o final da Idade Média, a pessoa com deficiência era vista somente sob

o aspecto místico. Nesta abordagem, ela poderia ser considerada como o resultado

da ação de forças demoníacas, como um castigo para pagamento de pecados seus

ou de ancestrais e ainda, como um instrumento para que se manifestassem as obras

de Deus.

O processo de declínio da Idade Média e início da Idade Moderna é

caracterizado pelo nascimento da burguesia, evolução do comércio e das grandes

navegações. A burguesia é a “classe que faz madurecer princípios novos, novos

valores e novos ideais: o individualismo, a liberdade, a produtividade” (CAMBI,

1999, p. 172). As descobertas geográficas do final da primeira metade do segundo

milênio contribuíram para que nos séculos XVI e XVII ocorresse um gradativo

aumento do mercado por produtos manufaturados, a possibilidade de maior

acumulação de capitais e o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Essas

transformações, que representaram o fim do feudalismo e o surgimento do modo de

produção capitalista, fizeram com que, aos poucos, os tradicionais costumes

medievais fossem perdendo força e, em seu lugar, nascesse a cultura da sociedade

moderna (Idem, 1999).

Com o novo modo de produção, as relações humanas passaram a ser

organizadas em função de um processo produtivo voltado para a acumulação de

lucros. Nesse modelo, aqueles que não se ajustam à lógica do sistema de

exploração, passam a ser considerados como perturbadores da ordem social. Dentre

estes, encontram-se as pessoas com deficiência, as quais, juntamente com outros

"divergentes", passaram a ser internadas em asilos, manicômios, hospícios etc. O que ocorreu, na verdade, foi o isolamento daqueles que interferiam e atrapalhavam o desenvolvimento da nova forma de organização social, baseada na homogeneização e na racionalização (SILVEIRA BUENO, 1993, p.63).

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Nesse momento histórico, a educação estava dividida em religiosa, para a

formação do clero, e outra voltada para as necessidades locais (artesanato, guerra).

A exclusão do processo educacional não era apenas da pessoa diferente, mas

também das camadas populares, pois a educação formal era, na época, um

privilégio para poucos. De acordo com Akashi e Dakuzaku (2001), quem se opunha

às normas estabelecidas pela aristocracia e pelo clero recebia punições, como o

vazamento dos olhos e mutilações pelo corpo. De forma semelhante, a pessoa

“diferente” era considerada castigada, pagando pecado por algum crime e separada

do convívio social.

Em outros casos, era considerada diabólica, pois se acreditava que “corpo

deformado significava ter a mente também deformada” (Idem, 2001,p.31). Viviam da

compaixão das pessoas, recebendo esmolas, doações de alimentos e vestimentas.

Separar do convívio social era um bem para a aristocracia e não para a pessoa

“diferente”. Com a Inquisição Católica, a pessoa “diferente”, aquele que discordasse das idéias e ordens da Igreja, sofria perseguições, torturas e, como última conseqüência, a morte. A pessoa diferente passa por um momento delicado, pois podia ser considerada herege ou endemoniada, fugindo da imagem e semelhança de Deus e, assim, sofrer com a perseguição, caça e extermínio (BRASIL, 2000, p.10).

Como os deficientes não traziam nenhum lucro, gerando o sentimento de

que o melhor para a sociedade era segregá-los, “não se pune, nem abandona o

deficiente, mas também não sobrecarrega o governo e a família com sua incômoda

presença” (PESSOTTI, 1984, p.24).

Foi assim que no século XVIII, surgem os hospícios que passaram a

funcionar em antigos leprosários, lugares para onde eram levados todos que fossem

julgados não pertencentes aos padrões sociais como prostitutas, loucos, deficientes,

delinqüentes, mutilados, etc.

No que se refere às pesquisas médicas, ao longo do século XVIII e XIX, as

deficiências foram associadas a todo tipo de depravação social, doenças endêmicas

e degenerescências hereditárias. De acordo com esse pensamento, os deficientes

mentais classificavam-se em dois grupos distintos. Havia o grupo dos imbecis

inofensivos: pessoas que não respeitavam a propriedade, tinham atitudes

indecentes e mostravam-se egoístas e insaciáveis; e o grupo dos imbecis de maus

instintos: “[...] do tipo criminal, eram falsos, velhacos, mentirosos, preguiçosos,

gulosos, degenerados, cruéis” (PESSOTTI, 1984,p.166).

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Não só os deficientes mentais, mas também os que apresentavam

limitações físicas e/ou sensoriais, também eram considerados ineficientes e pouco

produtivos. Justificava-se assim, a prática de excluir essas pessoas do convívio

social e segregá-las em instituições, cujo principal objetivo era oferecer cuidados

mínimos que garantissem a sobrevivência, tais como alimentos, abrigo e

medicamentos, livrando a sociedade de conviver com o indesejado. Enquanto “[...]

algumas culturas simplesmente eliminavam as pessoas deficientes, outras adotaram

a prática de interná-las em grandes instituições de caridade, junto com doentes e

idosos” (PESSOTI, 1984,p.187). Foi assim que, os deficientes vistos como ‘não

desejados’ e ‘nada atraentes fisicamente’ viveram encerrados, durante quase todo o

século XIX, em instituições-prisão, autênticos guetos, ‘depósitos’ e reservas de

segregados (FONSECA, 1995).

Foucault (1991) nos esclarece que a loucura, ao ser capturada pelo saber

médico, com o advento do hospital psiquiátrico no século XVIII, ganha o status social

de enfermidade, devendo ser tratada em recintos próprios. A função das instituições

era, segundo a ideologia vigente na época, diagnosticar as doenças mentais e tratá-

las conforme o entendimento médico psiquiátrico, bem como manter a loucura longe

dos olhares da sociedade. Segundo Birman (1992), foi com base no discurso de

enfermidade mental que se autorizou a exclusão social dos loucos, com

conseqüente destituição de seus direitos. Uma vez que entre os internados também

se encontravam os loucos de todo gênero, Foucault conclui estar no processo de

internação generalizada a prova da exclusão da loucura no meio social: É entre os muros do internamento que Pinel e a psiquiatria do século XIX encontrarão os loucos; é lá — não nos esqueçamos — que eles os deixarão, não sem antes se vangloriarem terem-nos “libertado”. A partir da metade do século XVII, a loucura esteve ligada a essa terra de internamentos, e ao gesto que lhe designava essa terra como seu local natural (FOUCAULT, 1991, p.48).

O Paradigma8 da Institucionalização se caracteriza por ser o primeiro

paradigma formal a estabelecer uma relação entre a sociedade e a pessoa diferente.

É marcado pelo confinamento da pessoa deficiente em asilos, conventos e hospitais

psiquiátricos para o seu tratamento. Para Aranha (2000), esse paradigma se

8Segundo Khun (1975, apud SANTOS e WESTPHAL, 1999), um paradigma é o conjunto de elementos culturais, conhecimentos e códigos teóricos, técnicos ou metodológicos compartilhados pelos membros de uma comunidade científica. É esse compartilhar que distingue o conhecimento científico da crença ou do senso comum. A evolução científica se dá pelo que o autor chamou de revoluções, denotando as passagens das fases de normalidade para as crises e daí , para as novas teorias.

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caracteriza pelo princípio de que a pessoa com deficiência será melhor cuidada, se

permanecer isolada e confinada em ambientes segregados, longe do convívio social,

apenas em contato com seus semelhantes.

A vertente médico-organicista no atendimento aos deficientes se manteve

durante as primeiras décadas do século XX, por força de médicos alarmistas que se

utilizavam de dados estatísticos e pesquisas pseudocientíficas, que associavam a

eficiência a todo tipo de mazelas. Além de afirmarem se tratar de um mal genético e

hereditário, essa vertente considerou necessária a esterilização dessas pessoas,

para evitar a propagação da espécie. Foi por volta da metade do século XX que o

Paradigma da Institucionalização começou a ser criticamente examinado e

denunciado como sendo uma prática que violava os direitos do homem. Esta crítica

estava inscrita dentro de um contexto marcado pelo crescimento da luta pelos

direitos humanos de todas as minorias sociais. Esse movimento levou ao

estabelecimento do modelo da integração (SILVEIRA BUENO, 1993).

Portanto, o século XX acentua o declínio do Paradigma da Exclusão,

fortalecendo o Paradigma da Institucionalização. Por volta de 1960, em vários países

e no Brasil, o Paradigma da Institucionalização começa a ser repensado: a crítica

que se faz é que esse modelo não proporciona nem favorece a preparação da

pessoa com necessidade especial para o convívio em sociedade, enquanto o custo

de uma pessoa institucionalizada é cada vez mais alto. Para Bobbio (1992,p.5) outro

aspecto que favoreceu a perda da hegemonia do Paradigma da Institucionalização

foram os movimentos em prol dos direitos humanos que se fortaleceram, pois os direitos humanos são direitos históricos que emergem gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e as transformações das condições de vida que essas lutas produzem (Idem, 1992,p.6).

A década de 1960 foi decisiva e marcante para o declínio do Paradigma da

Institucionalização, iniciando as propostas de desinstitucionalização e normalização.

Nessa perspectiva, pensa-se na introdução da pessoa com necessidade especial na

sociedade, “procurando ajudá-la a adquirir as condições e os padrões da vida

cotidiana, no nível mais próximo possível do normal” (BRASIL, 2000, p.16).

Como conseqüência das propostas de superação do Paradigma da

Institucionalização, iniciam- se as idéias de Normalização, fomentando o conceito de

integração, ou seja, a pessoa com necessidade especial deve estar inserida ou

integrada no convívio social. “Na década de 60 e 70, houve um grande movimento

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60

para retirar pessoas com deficiências das grandes instituições e reinseri-las na

comunidade, que se configurou no movimento de desinstitucionalização” (MENDES,

1996,p.6). O Paradigma da Institucionalização perde sua hegemonia,

proporcionando o surgimento do Paradigma de Serviços, pois, para que a pessoa

especial pudesse se adequar/modificar para viver em sociedade, é necessário que

se ofereçam serviços e recursos favoráveis ao princípio da integração.

O foco desse Paradigma está em modificar a pessoa especial para que esta

se assemelhe aos demais cidadãos e, assim, possa ser integrada/inserida no

convívio social. A mudança deveria ocorrer na pessoa diferente e para isso cabe à

sociedade oferecer os serviços e os recursos necessários (BRASIL, 2000).

O Paradigma de Serviços se caracteriza por três etapas: primeira –

avaliação feita por uma equipe de profissionais que especifiquem o que deve ser

modificado na vida do sujeito, para torná-lo o mais próximo possível da normalidade;

segunda – a equipe passa a intervir e oferecer atendimento, de acordo com os

resultados da avaliação realizada; e terceira – encaminhamento da pessoa com

necessidade especial para a vida na comunidade (BRASIL, 2000).

Alguns movimentos marcaram o Paradigma de Serviços, como no final dos

anos 1960, a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes

Mentais, a Campanha Nacional de Educação de Cegos. Além disso, são criados:

Centro de Reabilitação de Cegos no Brasil, Federação Nacional das APAEs,

Secretaria de Educação Especial e Associação Brasileira de Educadores de

Deficientes Visuais.

Estas ações, dentre tantas outras, evidenciavam a necessidade de políticas

e práticas sociais e educativas para atender a esse novo ‘alunado’. O modelo

assistencialista e segregatório de atendimento às deficiências, que até então havia

norteado as políticas públicas deste setor, começava a ser repensado e interrogado

do ponto de vista de condições de direitos de acesso à Escola. Estava sendo dado

um passo, mediante uma longa caminhada que ainda estava por vir, mas já

representava uma sinalização de que a Escola não poderia mais ficar ‘estática’

diante da diversidade, da diferença entre os alunos que batiam à sua porta! Estava

chegando a era do Paradigma da inclusão!

A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), aprovada pela

Assembléia Geral das Nações Unidas, veio afirmar o princípio da não-discriminação e proclamou o direito de toda pessoa à educação, o que significou,

Page 62: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

61

historicamente, um grande marco na emergência dos direitos humanos e um grande

passo para a educação das pessoas com deficiência.9

A nossa Constituição Federal de 1988, além de trazer a Educação como

direito fundamental, elegeu como um dos princípios basilares do ensino a todos, a

“igualdade de condições para acesso e permanência na Escola”.10

Com a Conferência Mundial Sobre Educação para Todos, que aconteceu na

Tailândia em 1990, muitos documentos internacionais acabaram sendo editados,

com destaque para a Declaração de Salamanca (1994) que preceitou: [...] todas as escolas deveriam acomodar todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. Deveriam incluir todas as crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias lingüísticas, étnicas, ou culturais e crianças de outros grupos em desvantagem ou marginalizados. As escolas têm que encontrar a maneira de educar com êxito todas as crianças, inclusive as que têm deficiências graves (UNESCO, 1994).

A Declaração de Salamanca (1994) utiliza o termo “pessoa com

necessidades educacionais especiais”, estendendo a modalidade de educação

especial a todas as crianças ou jovens que têm necessidades decorrentes de suas

características de aprendizagem. O princípio é que as escolas devem acolher a

todas as crianças, incluindo crianças com deficiência, superdotadas, com

dificuldades de aprendizagem, crianças de populações distantes, pertencentes a

minorias lingüísticas, étnicas ou culturais, de outros grupos desfavorecidos ou

marginalizados. Para isso, o documento sugere que se desenvolva uma pedagogia

centrada na relação com a criança, atendendo suas reais necessidades,

considerando as diferenças entre elas.

A Educação começou a ouvir e a se deparar, desde então, com novos

conceitos e ideais: os de garantia de qualidade e equidade, ou seja, educação com

qualidade para todos. De um atendimento assistencialista dos séculos anteriores, a

educação estava convocada, pelo menos na ordem dos dispositivos legais, a evoluir

para uma abordagem pautada em princípios de cidadania, onde o educando com

algum tipo de deficiência - que antes se encontrava em uma visão segregacionista e

9 “Deficiência significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social”. Conceito de deficiência: Convenção contra todas as formas de discriminação contra a pessoa com deficiência – OEA – 1999, Decreto nº 3.956/01, Art. 1º. 10 Constituição Federal, art.206, inciso I.

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62

descontextualizada, agora poderia ser encarado como um sujeito-agente, que se

identifica e interage com o seu contexto social.

Entretanto, foi com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDBEN) de nº 9.394, promulgada em 1996, que as discussões referentes à

educação das pessoas com necessidades educacionais especiais11 no Brasil

ganharam uma dimensão maior. A Lei propugna, em seu Capítulo V, da Educação

Especial: Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais (BRASIL,1996).

Essa medida caracterizou uma nova maneira de se entender a educação

aos alunos com necessidades educacionais especiais, assegurando-lhes o direito de

acesso e permanência nas salas de aula comuns, em escolas regulares. Estavam

instauradas, portanto, as propostas de inclusão educacional, em que as pessoas

com deficiências bastante significativas têm os mesmo direito de acesso à

educação, em ambiente escolar não segregado, que os seus colegas com

deficiências menos severas e mais os alunos sem deficiência da mesma faixa de

idade (MANTOAN, 2005).

A Educação Inclusiva envolve práticas educativas para alunos que precisam

de um atendimento, metodologia, atenção e instrumentos específicos que se

adequem às suas necessidades especiais: deficiência auditiva, física, mental, visual

ou de aprendizagem.

As dificuldades de Aprendizagem (DA) podem ser descritas como

dificuldades na aquisição e compreensão auditiva, da fala, da leitura, da escrita e do

raciocínio matemático. Estas desordens, se devidas a uma disfunção do sistema

nervoso central, podem ocorrer durante toda a vida. Problemas de comportamento,

de percepção social e na interação social podem existir com as DA. As DA podem

ocorrer com outras deficiências (deficiência sensorial, deficiência mental, distúrbio

11 Terminologia presente na LDBEN. O artigo 5º da Resolução CNE/CEB nº 2, de 11/09/01 explica que as necessidades especiais decorrem de três situações, uma das quais, envolvendo dificuldades vinculadas à deficiência e outra de dificuldades não-vinculadas a uma causa orgânica.

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63

sócio-emocionais) ou por influências externas (diferenças culturais e de instrução).12

Na moderna esteira do conceito de inclusão – seja ele social ou em sua

vertente educacional, prevalece o pressuposto de que é preciso haver modificações

na sociedade para que esta seja capaz de receber todos os segmentos que dela

fora excluídos, promovendo, assim, um processo de constante dinamismo político-

social. Sassaki (2005) ressalta ainda que, todas as formas de inserção escolar

vigentes até a concepção de educação inclusiva, partiam do pressuposto de que

devem existir dois sistemas educacionais: o regular e o especial. Os alunos com

deficiência poderiam estudar em escolas regulares se fossem capazes de

acompanhar seus colegas não-deficientes. Todo este viés conceitual tem origem no

modelo médico de deficiência, segundo o qual o problema está na pessoa com

deficiência e, por esta razão, ela precisa ser “corrigida” (melhorada, curada, etc) a

fim de poder fazer parte da sociedade. Todo o atendimento prestado a esta clientela

era considerado pelo viés terapêutico e a avaliação/identificação era pautada em

exames médicos e psicológicos, com ênfase nos testes de inteligência e rígida

classificação etiológica.

A inclusão educacional está ancorada no princípio da ‘não-exclusão’: não

deixar ninguém de fora do contexto educativo regular. Tem um caráter de reunir

alunos com e sem dificuldades, funcionários, professores, pais, diretores, enfim,

todas as pessoas envolvidas na educação. Sua metáfora é a do caleidoscópio: O caleidoscópio precisa de todos os pedaços que o compõe. Quando se retiram pedaços dele, o desenho se torna menos complexo, menos rico. As crianças se desenvolvem, aprendem e evoluem melhor em ambiente rico e variado (FOREST, 1997,p.06 , citado em artigo do Ministério da Saúde).

Portanto, a partir da fundamentação teórica apresentada por Sánchez

(2005), podemos apontar que as causas fundamentais que têm promovido o

aparecimento da inclusão são de dois tipos: por um lado, o reconhecimento da

educação como um direito, e, por outro, a consideração da diversidade como um

valor educativo essencial para a transformação das escolas. Isto supõe conceber a

educação para além de uma visão puramente instrumental - utilizada para alcançar

determinados resultados, e ir buscar a sua função em toda sua plenitude. “O que

12 Fonte: National Joint Committee of Learning Disabilities, 1988.

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64

supõe a plena realização do educando como sujeito, ou dito de outra forma, que

toda pessoa aprenda a ‘ser’” (ALLAN, 1999 apud SÁNCHEZ, 2005,p.11).

Ainda baseado em Sánchez (2005), o objetivo maior da Educação é que

todos os alunos recebam uma educação de qualidade centrada na atenção de suas

necessidades individuais. Para a autora, esse objetivo coincide plenamente com a

finalidade da educação inclusiva, posto que reconhece a diversidade existente

dentro de uma classe, determinando que eles recebam uma educação de acordo

com suas características, uma vez que incrementa a possibilidade de aprendizagem

para todos. Os educadores que têm se arriscado a educar com êxito as crianças com deficiência no marco da educação geral, sabem e argumentam que esses alunos são um presente para a reforma educativa. São estudantes que forçam a romper o paradigma da escolarização tradicional e obrigam a tentar novas formas de ensinar. (SÁNCHEZ, 2005,p.11).

Portanto, a diversidade pode e deve ser acolhida em uma escola inclusiva,

pois para conceber-se com o tal, esta deve incorporar conceitos de autonomia,

independência e empoderamento nas relações entre todas as pessoas que compõe

a comunidade escolar. É indispensável que haja práticas baseadas na valorização

das diferenças, na identificação da singularidade, para que possa surgir o respeito

às condições de cada sujeito. A inclusão nos remete a uma “noção de pertencer”,

uma vez que considera a escola como uma comunidade acolhedora em que

participam todas as crianças, onde cada uma aprende dentro de suas

possibilidades.

A inclusão escolar dirige o seu olhar a todos os alunos, já que todos podem

apresentar dificuldades de aprendizagem em um dado momento. Desta forma, as

estratégias de trabalho que ela estabelece são direcionadas para favorecer a

aprendizagem de todos os alunos da sala de aula. Na inclusão, todos são membros

de direito da classe regular, sejam quais forem suas características principais. Mas,

muitas vezes, o que vemos são alunos “inclusos” em salas de aulas comuns do

ensino regular, mas que estão totalmente desintegrados dos colegas ditos “normais”

e das relações com o saber. Será que isso é inclusão? Ou melhor, será que isso é

educação?

O principal foco deste trabalho não é o de procurar culpados ou o de rotular

atendimentos, mas sim, o de tentar driblar as dificuldades – principalmente docentes,

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65

em conceber a inclusão como uma inserção em um espaço físico, sem que haja

integração entre os sujeitos. Isto sim, é a exclusão na inclusão!

O objetivo, agora, é o de buscar alternativas pedagógicas para superar as

dificuldades e principalmente aprender a lidar com elas. Neste cenário a escola não

é mais a instituição caridosa com a “missão” de receber o deficiente. Tampouco, o

professor é um “missionário” de plantão e, muito menos, o aluno deficiente precisa

de “piedade”. Todos nós, membros da era da educação inclusiva, precisamos de

relações de trocas, de espaços de diálogos e encontros em prol de uma educação

de qualidade para todos.

3.1.1 Inclusão Educacional: uma nova realidade

Estamos diante de uma tarefa nada fácil: uma mudança de paradigmas, de

transformações no modo de conceber e praticar o atendimento aos deficientes.

Durante séculos, a sociedade manteve procedimentos que afastavam a criança, o

adolescente e o jovem do convívio social, o que conduzia, invariavelmente, a um

aprofundamento maior do preconceito sobre as pessoas que fugiam do padrão de

“normalidade”. Na tentativa de eliminar os estigmas e integrar os alunos com

deficiências nas escolas comuns do ensino regular, surgiu o movimento de

integração. Neste processo, o aluno tinha que se adequar à escola, que se mantinha

inalterada. A integração total na classe comum só era permitida para aqueles alunos

que conseguissem acompanhar o currículo ali desenvolvido e acabava privando

muitos educandos de alcançar níveis mais altos de ensino. Continuavam, portanto,

engrossando a lista dos excluídos do sistema educacional. Na era atual - batizada

como a era dos direitos, pensa-se diferente acerca das necessidades educacionais

dos alunos. A ruptura com a ideologia da exclusão proporcionou a implantação da

política da inclusão.

Esse novo olhar sobre as diferenças representa uma grande conquista, mas

significa repensar séculos de atitudes segregadoras, décadas e mais décadas de

atendimentos isolados aos que eram considerados “diferentes” e dignos de piedade,

mas acima de tudo, significa o aprendizado de cada um de nós para a convivência

na diversidade, em uma nova concepção de aluno, de ensinar e de aprender. Uma

Page 67: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

66

mudança de paradigmas desta magnitude requer também uma reestruturação de

princípios humanos como os da dignidade, da identidade e da cidadania.

A dignidade humana não permite que se faça discriminação. Ao contrário,

exige que os direitos de igualdade oportunidades sejam respeitados. O respeito à dignidade da qual está revestido todo ser humano impõe-se, portanto, como base e valor fundamental de todo estudo e ações práticas direcionadas ao atendimento dos alunos que apresentam necessidades especiais, independentemente da forma em que tal necessidade se manifesta (BRASIL, 2001,p.24).

Juntamente com o valor fundamental da dignidade, impõe-se o da busca da

identidade. Trata-se de um caminho nunca suficientemente acabado. Todo cidadão

deve, primeiro, encontrar uma identidade inconfundivelmente sua, encontram-se

como pessoa, familiarizar-se consigo mesmo, até que, finalmente, “tenha uma

identidade, um rosto humanamente respeitado” (BRASIL,2001,p.29). Ainda segundo

o documento brasileiro do Ministério da Educação, esta reflexão favorece o encontro

das possibilidades individuais, do que cada um é dotado, facilitando a verdadeira

inclusão. Neste sentido, as inter-relações entre as pessoas decorrem da aceitação

da condição humana, aproximando-se, assim, as duas realidades – a sua e a do

outro.

As relações entre os sujeitos devem estar sustentadas por atitudes de

respeito mútuo, momento em que atitudes permeadas pelo preconceito vão em

direções opostas do que se requer para a existência de uma sociedade democrática

e plural. O respeito traduz-se na valorização de cada sujeito em sua singularidade,

nas características que o constituem. O princípio da equidade de oportunidades na

Escola reconhece a diferença e a necessidade de haver condições diferenciadas

para o processo educacional. Portanto, a Escola é um espaço privilegiado de

exercício e efetivação das relações de respeito, identidade e dignidade.

Mas será que estamos realmente preparados para essa realidade escolar?

Ou melhor, será que a Escola já tomou consciência da necessidade de reestruturar

seus valores de homogeneização, de notas padronizadas, de “alunos perfeitos”, de

currículos mecanicamente sistematizados? Será que toda a comunidade escolar

(pais, professores, funcionários e alunos) está empenhada em reconhecer suas

próprias especificidades, em encontrar suas próprias identidades, para assim,

acolher e conviver com o outro que lhe rodeia? Será que a Escola - enquanto

Page 68: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

67

segmento social, está revendo seus estereótipos e preconceitos? Em outras

palavras, estamos realmente preparados ou nos preparando para a inclusão?

Ainscow (1998, apud SÁNCHEZ, 2005,p.15), um dos principais defensores e

promotores da inclusão em todo o mundo, afirma que a “inclusão não é somente

para os alunos com deficiência, mas para todos os alunos, educadores, pais e

membros da comunidade”. Trata-se de um plano de trabalho muito mais amplo, que

envolve a melhoria escolar e persegue a igualdade e excelência para todos os

alunos. Isso implica que os professores revisem, junto aos seus companheiros, o

conceito que têm sobre dificuldades de aprendizagem e que ações devem colocar

em prática. É urgente a convocação dos educadores para a discussão dos ideais

democráticos de cada sujeito – seus alunos, diante desta sociedade que visa a

todos planificar. Mais do que nunca, as diferenças, as identidades precisam ser

realçadas! Este debate é, acima de tudo, o compromisso da Educação com a

formação do sujeito-cidadão, detentor de direitos.

Ensinar constitui a atividade principal na profissão do docente e por isso

deve ser compreendida como uma ‘arte’ que envolve aprendizagem contínua e

envolvimento pessoal no processo de construção permanente de novos

conhecimentos e experiências educacionais, as quais preparam o docente para

resolver novas situações ou problemas emergentes no dia-a-dia da escola e da sala

de aula.

No campo da Educação, está instalada há anos, a polêmica sobre se os

docentes precisam ter mais teoria (conhecimento científico) ou mais prática

(conhecimento pedagógico). Atualmente, os avanços no campo da Educação

evidenciam que ambos os conhecimentos são necessários, pois somente o

conhecimento dos conteúdos das disciplinas (currículo) não garante que os

estudantes aprendam, assim como apenas uma boa metodologia de ensino ou

gestão da aula tampouco asseguram a aprendizagem dos conteúdos programáticos.

A docência é e deve ser entendida como uma atividade com complexidade maior do

que somente os processos de ‘ensinar a aprender’, uma vez que a docência implica,

segundo Mrech (2003,p.45), na “aquisição e desenvolvimento da capacidade de

refletir sobre sua prática pedagógica”.

O professor deve ser capaz de inovar cotidianamente a partir de sua

experiência de sala de aula, com o objetivo de aperfeiçoar e desenvolver sua prática

de ensino, mediante processos de reflexão e pesquisa da própria ação. A

Page 69: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

68

aprendizagem da prática reflexiva exige que as atividades de formação dos

docentes levem em conta as características dos contextos nos quais eles intervêm e

os problemas reais que enfrentam na sua prática. A reflexão e análise da prática

baseiam-se em uma permanente construção da realidade, o que implica contínua

interação entre os conhecimentos que o docente possui e a realidade na qual atua.

Mas existem espaços suficientes para estas reflexões docentes? Os

professores, em suas respectivas escolas e áreas de atuação, encontram núcleos de

debates tendo como cenário a sua própria prática profissional?

3.2 Educadores e Inclusão: “Por que a Diferença incomoda tanto?”

Enquanto educadora sensibilizada pela Psicanálise, promotora de educação

inclusiva para diversos alunos e companheira de outras tantas profissionais que

precisam, tal quanto eu, revisar as concepções e práticas educacionais, resolvi

propor um espaço para a discussão de práticas efetivas de inclusão educacional.

Surgia, portanto, diante de uma necessidade real, o Curso de Formação de

Multiplicadores sobre Inclusão para Professores na escola da qual faço parte.

Parafraseando Leite (1999, apud FREITAS E CASTRO, 2004,p.05), no

processo de inclusão educacional, os professores são convocados a serem colocados em um contexto de aprendizagem, onde possam aprender, fazendo: errando, acertando, tendo problemas a resolver, discutindo, construindo hipóteses, observando, revendo, argumentando, tomando decisões, pesquisando.

Desta forma, na escola, os professores também podem aprender e podem

construir suas práticas a partir de seus próprios desafios e desamparos de saberes.

No enlace com a Psicanálise, surge a possibilidade de gestão dos conflitos pelo

próprio sujeito. E, na possibilidade de vivenciar o sofrimento psíquico com um outro,

cada sujeito poderá se apropriar de meios para suportá-lo e de transformar a si

mesmo. Assim, ao utilizar o desafio e a dificuldade de trabalhar com o “diferente”

como motores para a construção de novos sentidos e realidades no ensino, é que

surge a necessidade de indagarmos a nós mesmos, integrantes da realidade

escolar: Por que a diferença incomoda tanto?

Page 70: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

69

Visando obter as “famosas respostas” para esta intrigante questão, muitos

docentes e auxiliares pedagógicos do Colégio João Caetano, localizado no

município de São Gonçalo - região metropolitana do Rio de Janeiro, inscreveram-se

no Curso, após a divulgação do mesmo em um dia de Conselho de Classe. Após o

consentimento da direção para que a proposta fosse levada à equipe, formulei um

folder com a proposta dos encontros, calendário e ficha de inscrição para ser

distribuído no dia da reunião coletiva. Motivados pelo tema e empolgados com a

proposta, obtivemos 23 inscrições. Começava, então, a jornada rumo a um enorme

desafio: articular um Grupo de professores em busca de um espaço de

aprendizagens, trocas de experiência, compartilhamento de vivências e de

capacitação para a complexa e desafiadora tarefa de trabalhar com a diferença na

sala de aula.

A estrutura do Curso, dividida em Eixos Temáticos, visou englobar

conteúdos de grande relevância dentro da área da Educação especial, para serem

discutidos pelo Grupo de Professores. Os encontros do Curso baseados em Eixos

Temáticos: Deficiência e Inclusão, Defesa de Direitos e Promoção de Saúde no

percurso de inclusão, foram pensados a fim de permitir a análise num recorte

horizontal, pela linha de continuidade de ações e reflexões que foram se produzindo

dentro do grupo de professores. Além disso, os Módulos admitem um recorte

transversal, verificando o que é produzido a cada Eixo Temático, contrastando a fala

dos diferentes profissionais, identificando pontos de convergência e pontos de

divergência, no sentido de alinharem-se ações, linguagens e propostas

metodológicas, ao longo do processo de desenvolvimento do Curso.

O Calendário proposto dispunha de 09 (nove) encontros, aos sábados, com

duração de 04 (quatro) horas cada um, em que foram disponibilizados vários

recursos audiovisuais, textuais e dinâmicas grupais, a fim de tentar produzir uma

articulação das dimensões: subjetiva (focando as singularidade dos sujeitos),

pedagógica (definindo estratégias de ações) e social (ressignificando práticas de

inclusão).

Com as estratégias de ações definidas e o Projeto de Pesquisa aprovado

pelo Comitê de Ética da FIOCRUZ em 30/07/2007, o Curso de Formação de

Multiplicadores sobre Inclusão para Profssores pôde começar. Dos 23 inscritos,

compareceram 15. Era um dia de forte calor, o sol parecia convocar-nos a uma bela

caminhada à beira mar ou a um mergulho... A Rua da Feira – onde se situa a

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70

Escola, fervilhava com o vai-e-vem de pessoas ávidas ao consumo de roupas e

acessórios... A escola, em um sábado pela manhã, estava com o cenário fechado

para um de seus maiores protagonistas: os alunos. Parecia estar sem vida, sem o

barulho costumeiro dos gritos alegres durante o recreio, sem o corre-corre dos

pequeninos carregando suas mochilas, sem os olhares e as perguntas aflitas ou

inquietas de pais e, principalmente, sem acordes das vozes docentes durante as

aulas. Mas, naquele sábado de sol, a escola pulsava! Pelo portão lateral, entravam

15 pessoas em busca de algo que nem elas mesmas sabiam o que era. O aluno que

lhes representava a “estranheza”, o desconhecido, o desconforto era a grande

causa. Aquelas pessoas haviam rompido com todos os apelos externos daquele dia:

cansaço depois de uma semana desgastante de trabalho, convite a um momento de

lazer junto à família, refrescante banho de mar, enfim, nenhuma atividade naquele

instante representaria mais do que um encontro para discutir-se a deficiência.

Por que o tema deficiência nos incomoda tanto? Por que somos capazes de

abdicar de tantas outras coisas para falarmos dele?

Sigmund Freud nos diz, em O Estranho (1919), que o estranho só pode ser

experenciado quando ele se diferencia de algo que é familiar, mas que a experiência

de estranheza em alguém só ocorre quando há algo de semelhante nele, mas

deslocado de alguma maneira. Freud constatou que a palavra “estranho”

(Unheimlich) nem sempre é utilizada em um único sentido definido, acabando por

relacionar-se com aquilo que provoca medo em geral. Analisando o uso lingüístico

desta palavra, Freud mostrou que aquilo que recebe o nome de estranho nada mais

é do que uma categoria do assustador que remete ao familiar/conhecido. A palavra alemã ‘Unheimlich’ é obviamente o oposto de ‘heimlich’ [‘doméstica’], ‘heimisch‘ [‘nativo’] — o oposto do que é familiar; e somos tentados a concluir que aquilo que é ‘estranho’ é assustador precisamente porque não é conhecido e familiar.(FREUD, 1919/1980,p.277)

Portanto, na condição de seres humanos, nenhum de nós está isento de

emoções, sejam de que natureza elas forem, desencadeadas pela diferença do

outro. Nessa mesma condição, acrescenta Silva (2004,p.03), “não estamos imunes

ao desejo de perfeição e harmonia diante da desorganização provocada pelo

estranhamento, à ameaça representada pela condição da diferença”.

O estranho assustador seria uma forma de reconhecermos, do lado de fora,

depositado num outro, este estranho que habita em nós mesmos. O estranhamento

Page 72: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

71

nada mais é do que algo que habita em nosso próprio interior, algo que nos é

familiar e que foi deixado de lado, mas que pode ser reavivado sempre que algo

ocorre na vida, confirmando “as velhas crenças”, causadoras de uma angústia da

qual jamais nos libertamos completamente.

Para Eizirik (2001,p.39), o outro não representa, necessariamente, sempre o

que está fora, o distante, o estranho – separado de mim, mas pode representar “o

estranho em mim” – o diferente que me ameaça e com o qual nem sempre quero me

defrontar: esse feio, disforme, que eu procuro não ver na outra face do espelho. O

autor expõe alguns elementos que, para ele, estão na raiz da diferença e por que ela

incomoda tanto:

• A constatação da existência do outro (ou outros) e o corte que isso

provoca no autoconhecimento e na auto-estima;

• A visão, sob diferentes lentes, sobre a riqueza do real e sua

diversidade repleta de contradições e paradoxos;

• O abalo narcisista que significa a ruptura da imagem idealizada e a

necessidade de reformulá-la (“o aluno que tenho não é o aluno que imaginei”),

trazendo a necessidade simbólica do nascimento de uma imagem real e a morte de

uma ideal;

• As diferentes formas de vibração quando se entra em contato com a

determinada realidade em toda sua complexidade, polifonia, multiplicidade.

E quando se entra em contato com esta realidade, as reações podem ser

expressas de várias formas: através de perguntas decididamente formuladas, de

depoimentos emocionados, através do silêncio ou da negação deste “diferente”

estampado no cenário ao redor.

Mena (2000,p.03) analisa a negação da diferença como uma das possíveis

formas de reação de enfrentamento do diferente ameaçador. Segundo ele, a

negação da diferença pode ser expressa na atenuação, na compensação e na

simulação. A atenuação é observada em comportamentos que podem ser traduzidos

nas seguintes frases: “Não é tão grave assim; poderia ser pior”. Dessa forma,

procura não entrar em contato com o outro, e com o sentimento que envolve este

contato: pena, asco, etc. A compensação traduz-se em falas do tipo: “É deficiente

físico, mas é tão inteligente; é autista, mas memoriza melhor que uma pessoa

normal”. A conjunção adversativa serve para atenuar, amenizar a primeira

afirmação, compensando-a pela segunda. A terceira forma, a simulação, é expressa

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72

nas seguintes afirmações: “É cega, mas é como não se fosse; é deficiente mental,

mas é como se fosse normal”. Não é! Isso não diminui o seu valor, mas atenta para

o fato de que devemos observar as capacidades e deficiências, sem o que, não

poderemos ajudá-lo de uma maneira real.

Mas quem é esse “sujeito-estranho” a quem dirijo o meu olhar e que tanto

me intriga? A diferença, neste caso, aparece como uma categoria a ser analisada,

mas também como problema a ser enfrentado, na concretude das relações sociais e

institucionais. Entendida, a diferença, ora como alteridade (esse outro que não sou eu), ora como divisão (pessoas normais ou diferentes), se coloca como aspecto importante a ser refletido, especialmente pelo sujeito que a enfrenta, que convive com ela, pois está sensibilizado para buscar compreendê-la. (EIZIRIK, 2001,p.39)

É indispensável, para que a verdadeira aprendizagem ocorra, saber o que o

professor pensa, suas expectativas, suas ansiedades em relação ao diferente. É

preciso saber, também, o que esse professor necessita e o que ele almeja.Os

professores não podem mudar sem uma transformação nas instituições em que

trabalham, nem as escolas podem fazer mudanças sem o empenho dos professores.

Deve haver uma articulação entre a escola, seus projetos e seus professores, pois

um depende do outro.

O primeiro encontro do Curso de Formação de Multiplicadores sobre

inclusão para professores teve como proposta a sensibilização dos participantes

acerca da alteridade: quem é esse outro que tanto me motiva a entendê-lo? Quais

são as minhas expectativas para com ele? Em que aspectos ele se difere de mim?

Quais são as minhas próprias resistências?

A constatação da diferença, da dificuldade do outro, da possibilidade de

vivenciar a deficiência do outro, da quebra da auto-estima e da possibilidade de

autoconhecimento (como citado anteriormente) ocorreu em muitos participantes. Foi

promovida uma dinâmica de experiência de situações de deficiência, tais como: não

mover membros do corpo (deficiência motora), vendar os olhos integralmente

(deficiência visual), tampar os ouvidos e lacrar os lábios, impossibilitando sua

articulação (deficiência auditiva), isolar-se do grupo, demonstrando dificuldade no

contato social, dentre outras. Ao final dessa experiência, ao relatarem os processos

de aprendizagem de seus alunos com deficiências e algumas de suas dificuldades,

questionaram se o sentido da dificuldade das crianças não estaria na compreensão

Page 74: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

73

delas próprias quanto à complexidade do conceito de deficiência e suas reais

necessidades.

Uma das participantes formulou: “(...) a deficiente sou eu! Ele (o aluno) tenta,

se esforça, vai à luta... Eu me sinto limitada, de pés e mãos atadas, cansada,

derrotada”. Em outro momento, uma delas falou: “(...) a deficiência desperta em mim,

o medo, a pena. Mas acho que é um sentimento que evoco para mim mesma, não

para ele – o deficiente”.

Ao longo do encontro de sensibilização, o “estranho” que há no outro

começou a ser percebido. Seja nas reações de ruptura com o narcisismo de cada

um de nós em desejar o ideal, representado em falas como: “todos nós temos

deficiências”; seja na vibração de entrar em contato com a polifonia que a inclusão

proporciona, ilustrado com: “a minha aluna com Síndrome de Down me ensinou o

poder da superação”; seja na quebra da própria auto-estima que o contato com a

alteridade provoca, quando se ouviu que: “estou vendo que tenho muito que

aprender, que não sei nada sobre deficiência!”

Mas o contato com o “estranho” que nos cerca pôde ser percebido também

pelas “palavras que não puderam ser ditas...” Algumas das participantes presentes

simplesmente não falaram, permaneceram no profundo silêncio em um grupo

marcado pela linguagem, pela fala. A presentificação das diferenças inscritas no

corpo do outro, expostas tais como uma grande ferida aberta, podem ter

representado uma angustiante relação de estranheza: não há palavras para

representar seus pensamentos, apenas gestos e expressões faciais.

Portanto, seja em que circunstâncias de reações, o grupo do Curso estava

lá: formado pelo desejo de saber, pela inquietante pergunta sempre dirigida ao outro,

mas que traduz aquilo que não desejamos ver em nós mesmos: “Por que a diferença

incomoda tanto”?

Page 75: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

74

“Os amores na mente as flores no chão

a certeza na frente a história na mão.

Caminhando e cantando e seguindo a canção.

Aprendendo e ensinando Uma nova lição.”

Geraldo Vandré•

• Desenho de P.H., de 8 anos. Menino que adora computador, videogame, brincadeira com os amigos e literatura. Na Escola, é sempre ajudado por seus colegas a subir as escadas da Biblioteca, pois é deficiente físico.

Page 76: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

75

CAPÍTULO 4. Um Curso num percurso de Inclusão

A proposta de implementação de um Curso de Formação de Multiplicadores

sobre Inclusão para professores veio atender a uma necessidade real de criação de

um espaço de reflexão e de re-significação de conceitos acerca da deficiência e da

inclusão com professores, permitindo-lhes defender direitos e promover saúde ao

longo do processo de inclusão educacional. Necessidade esta que se clarificava à

medida que as hipóteses da pesquisa eram levantadas. Quanto mais se discutia o

objeto de investigação, mais se evidenciava a pertinência de um núcleo formado por

professores que pudessem interagir com seus pares, trocando informações,

relatando experiências, formando novas redes de contatos, enfim, um espaço onde

pudessem se sentir realmente agentes do processo de inclusão.

Enquanto educadora, o tema inclusão sempre foi um dos meus grandes

focos de interesse de pesquisa e estudos de Pós-graduação e Atualização,

buscando, com isso, espaços de reflexão e debates rumo a práticas pedagógicas

mais eficazes e coerentes para o meu núcleo de atuação profissional. O caráter

pessoal de qualquer pesquisa exige do pesquisador um envolvimento tal que seu objetivo de investigação passa a fazer parte de sua vida; a temática deve ser realmente uma problemática vivenciada pelo pesquisador, ela deve lê dizer respeito. Não obviamente, num nível puramente sentimental, mas no nível da avaliação da relevância e significação dos problemas abordados para o próprio pesquisador, em vista de sua relação com o universo que o envolve. A escolha de um tema de pesquisa, bem como sua realização, é um ato político. Também neste âmbito, não existe neutralidade (SEVERINO, 1996,p145). .

Pertencente a uma escola inclusiva, pude constatar, em várias ocasiões, o

grande impacto causado pela chegada de um aluno “diferente” à escola ou o grande

incômodo gerado pela constatação de um (ou vários) aluno(s) com necessidades

educacionais em uma sala de aula. O contato com aquele que foge aos nossos

padrões/rótulos previamente estabelecidos acerca de “normalidade”, de bem

comportado, de obediente e, principalmente, de inteligente, causa-nos um

desconforto típico de quem vivencia uma situação, até então, desconhecida.

A educação inclusiva repousa em princípios tais como: a aceitação das

diferenças individuais, a valorização de cada pessoa, a convivência dentro da

diversidade humana e a aprendizagem através da cooperação

Page 77: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

76

(SASSAKI,1999,p.42). Para esta tarefa, é imprescindível que o professor sinta-se

preparado para promover um ensino de qualidade, consciente, em que, como

conseqüência, o sujeito emergirá em sua singularidade, em seus anseios, em seu

desejo de aprender. Para que se dê esta significativa aprendizagem, é necessário

saber o que o professor pensa, suas expectativas, suas dúvidas, suas ansiedades

em relação ao “diferente” em sua sala de aula.

A racionalidade imperante no mundo contemporâneo, ao converter os ideais

de liberdade e igualdade em ideais de competição e massificação cultural, acabou

provocando a unificação do modo de ser dos homens, convocando-os a assumirem

as idéias, os ideais, os projetos dos grupos hegemônicos da sociedade, vinculados

na grande mídia a ser consumida como valores de beleza, perfeição e produtividade.

Diante disso, somos levados a indagar sobre o papel da educação na formação de

um novo sujeito, de um sujeito agente de sua própria história.

A interface com alguns conceitos da Psicanálise pode possibilitar um

repensar ao processo educativo, permitindo mais espaços de criação democráticos

(para professores e alunos) e estimulando os processos alteritários em detrimento

dos narcísicos9. A Educação necessita repensar-se e pôr na pauta de suas

discussões a questão do particular, da diferença, da singularidade, da alteridade. O

enlace com a Psicanálise pode produzir reflexões sobre um ensino que dê espaço

ao nosso potencial narrativo, sem esquecer que somos dependentes um dos outros

na construção dessas narrativas, contribuindo para a emergência de sujeitos mais

presentes e atuantes na experiência do mundo e, principalmente, de si próprios.

Para que esse processo seja possível (não deixo de destacar sua

complexidade e, portanto, a implicação de muitas dificuldades), é preciso que haja,

na escola, espaços apropriados para que os problemas da comunidade escolar

sejam debatidos, para que as situações enfrentadas por professores, pais, alunos,

diretores, sejam refletidas junto a seus pares. No verdadeiro processo de inclusão,

os próprios professores têm de aprender a interagir com novas práticas

pedagógicas, mas principalmente, eles têm de rever seus próprios conceitos sobre a

heterogeneidade em seu espaço de sala de aula, desvelando muitas de suas

9 Em seus textos, como por exemplo, “Além do Princípio do Prazer” (1920) e “O mal-estar na civilização” (1930), Freud afirma que a pulsão de vida/Eros (aquela que constitui ligações) e a pulsão de morte (aquela que é desagregadora) governam o processo vital. Este, por seu turno, é feito de processos narcísicos (nos quais nos voltamos para nós mesmos) e processos alteritários (nos quais somos postos para fora de nossa redoma narcísica, auto-suficiente, rumo aos objetos do mundo).

Page 78: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

77

resistências, deixando aflorar o “estranhamento” que o outro-diferente causa em si

mesmos.

Destarte, no campo da Educação, a inclusão envolve um processo de

reestruturação das escolas como um todo, com o objetivo de assegurar que TODOS

possam ter acesso às oportunidades educacionais e sociais oferecidas pelas

mesmas. Nessas escolas que têm como perspectiva a inclusão, os talentos de cada

um são reconhecidos, estimulados e potencializados. Cada sujeito é um membro

importante e valioso com responsabilidades e com um papel de apoio aos demais, o

que ajuda a fomentar o respeito mútuo e um sentimento de pertencimento e de valor

entre todos.

Na perspectiva de uma educação estabelecida na diversidade, a formação

dos professores e profissionais do ensino deveria acompanhar esse movimento.

Desta forma, partindo do que se tem em sala de aula e dos conhecimentos prévios

dos protagonistas, frutos de formação inicial e/ou experiências práticas, a formação

pedagógica deveria ser realizada dentro do cenário das escolas, continuamente, à

medida que as questões possam ser formuladas de modo coletivo como forma de

encontrar meios de alcançar níveis que não eram contemplados.

Nesse sentido, o resgate dos alunos como participantes efetivos do

processo de escolarização só é possível com o fortalecimento do lugar institucional

dos professores, na condição de protagonistas sociais responsáveis pelo

cumprimento da função social da escola. A articulação do conhecimento numa

prática mais coletiva e solidária, adequando os conteúdos e construindo o saber com

as experiências dos agentes envolvidos no processo de inclusão, possibilita o

enfrentamento dos problemas da escola e, conseqüentemente, a superação dos

mesmos.

A inclusão escolar passa, portanto, pela inclusão do professor no processo

educativo, entendido como um trabalho contínuo que envolve planejamento,

implementação, avaliação, e que possibilita uma ação mais autônoma mediante o

projeto político-pedagógico, possibilitando o reconhecimento e a legitimação no

interior da instituição escolar ao direito à educação para todos.

Diante de tais reflexões, percebi a importância da criação de um espaço de

trocas de informações, de experiências, um espaço de escuta, de acolhimento de

dúvidas e angústias. Um espaço, denominado Curso de Formação de

Multiplicadores sobre Inclusão, para a escuta e socialização das falas dos

Page 79: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

78

professores sobre suas crianças ditas “difíceis”, mas também de seus trabalhos com

todas as outras crianças. Multiplicar conhecimento, dividir responsabilidades,

diminuir arestas, somar idéias e mobilizar pessoas constituem-se numa equação de

sucesso no Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão para Professores.

Tendo em vista a enorme lacuna que a temática Educação Especial ocupa

nos Cursos de Pedagogia e de Formação de Educadores em geral, acredito que

uma capacitação para professores que promova o esclarecimento, que traga

informações atualizadas, que promova o debate e a reflexão sobre o processo de

inclusão, sobre os direitos específicos direcionados à área da deficiência que

garantem a inclusão e sobre a promoção de saúde (qualidade de vida e educação),

irão produzir um ensino mais solidário, consciente e eficaz, além de professores

mais preparados para ”multiplicar” essas ações em seus locais de atuação social.

Neste sentido, o resgate dos alunos como participantes efetivos do processo

de escolarização só é possível com o fortalecimento do lugar institucional dos

professores, na condição de protagonistas sociais responsáveis pelo cumprimento

das leis e pela promoção de saúde no ambiente institucional.

Portanto, a presente pesquisa teve o objetivo de:

• Analisar a questão da inclusão educacional, atrelando contribuições das

áreas da Psicanálise e da Saúde Pública, no que tange às estratégias de

empoderamento do professor para a melhoria de sua qualidade de educação

e de vida, além de desenvolver um Curso de Formação de Multiplicadores

sobre Inclusão para Professores, constituindo-se como um espaço de

reflexão e dinamização de propostas e estratégias pedagógicas.

4.1 O percurso metodológico da Pesquisa

Foi construída uma metodologia de trabalho levando em conta a pesquisa

como uma “atividade de aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota,

fazendo uma combinação particular entre teoria e dados”. (MINAYO, 1993,p.23).

Essa definição caracteriza a pesquisa como uma atividade em constante

aprimoramento e reconstrução, pois ao resultado de uma pesquisa não se deve

atribuir uma verdade absoluta, uma vez que as descobertas são sempre renovadas.

Page 80: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

79

Todas as análises dela decorrentes apresentam várias implicações apreciativas e

analíticas, cabendo ao pesquisador evidenciar o que está enquadrado no

conhecimento empírico e explicar suas análises através do conhecimento científico.

Do ponto de vista de sua natureza, esta presente pesquisa pode ser

caracterizada como Qualitativa e Aplicada - orientada à geração de conhecimentos

dirigidos à solução de problemas específicos. Numa investigação avaliativa por método qualitativo trabalha-se com atitudes, crenças, comportamentos e ações, procurando-se entender a forma como as pessoas interpretam e conferem sentido às suas experiências e ao mundo em que vivem. Embora haja diferentes estratégias metodológicas neste tipo de investigação, todas têm o mesmo objetivo: compreender as relações, as visões e o julgamento dos diferentes atores sobre a intervenção na qual participam, entendendo que suas vivências e reações fazem parte da construção da intervenção e de seus resultados. Ou seja, acredita-se que existe uma relação dinâmica e inseparável entre o mundo real e a subjetividade dos participantes (MINAYO;SOUZA et al, 2005,p.74).

Em suas primeiras etapas, utilizei os procedimentos da Pesquisa

Exploratória, visando proporcionar maior familiaridade com o problema com vistas a

torná-lo explícito ou a construir hipóteses. Em seguida, com o desenvolvimento do

Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão para professores , a pesquisa

assumiu a forma de Pesquisa-Ação, concebida e realizada em estreita associação

com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo.

Essa proposta de intervenção junto aos educadores no cotidiano do Colégio

João Caetano procurou viabilizar, por meio de encontros mensais, o estabelecimento

em um espaço referencial de diálogo, subsidiado por teorias e ações, seguindo um

formato grupal que possibilitou o debate vivo, o conhecimento mútuo, a reflexão

coletiva.

O estudo exploratório constituiu-se na etapa em que precisei entrar em

contato com as fontes de coleta de dados, alcançando, com isso, maior familiaridade

com o tema, facilitando seu encaminhamento e realização. Possui um caráter de

planejamento flexível, o que permite o estudo do tema sob diversos ângulos e

aspectos. Desenvolveu-se em duas etapas:

• Levantamento bibliográfico atualizado acerca da temática;

• Conversas com profissionais que tiveram experiências práticas com o

problema pesquisado.

Segundo Piovesan e Temporini (1995,p.318), o procedimento metodológico

de abordagem qualitativa denominado pesquisa exploratória tem por finalidade a

elaboração de instrumento de pesquisa adequado à realidade. Para isso, torna-se

Page 81: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

80

de extrema importância conhecer previamente as maneiras de agir, sentir e pensar

da comunidade-alvo dessas ações e o contexto onde se insere essa comunidade. Ao se pretender realizar pesquisa sobre fatores humanos, recomenda-se o estudo prévio da realidade, na fase de planejamento da pesquisa, com a finalidade principal de elaborar um instrumento baseado nas experiências reais dos sujeitos, no seu vocabulário e ambiente de vida. Esse procedimento metodológico, denominado pesquisa exploratória, apresenta natureza qualitativa e contextual (idem, p.318).

Ainda segundo os autores citados acima, o estudo exploratório pode ajudar

a resolver algumas dificuldades em pesquisa. Uma delas é a que se refere ao

desenvolvimento de programas – que é o caso desta pesquisa, na concepção de

que a população constitui um recipiente vazio ("empty vessel") e que a tarefa

educativa se resumiria em preenchê-lo. Nada mais que um engano, pois a

população é rica de conhecimentos e esses conhecimentos, opiniões, valores e

atitudes é que vão se constituir, muitas vezes, em barreiras. Essas barreiras podem

ser conhecidas por meio do estudo exploratório e, pelo menos, parcialmente

contornadas, a fim de que o programa educativo alcance maior aceitação.

A minha responsabilidade ética esteve configurada na construção de

conhecimento para possibilitar o aparecimento de outras respostas e novas

questões, e não para apontar as mazelas e os equívocos da escola – desvendadas

pelo olhar acadêmico – científico.

Para as etapas de implementação do Curso de Formação de Multiplicadores

sobre inclusão para professores, foi fundamental o entendimento da Pesquisa-Ação

para o direcionamento deste trabalho. Durante o processo, busquei desenvolver a

dupla função de observador crítico e de participante ativo que dispõe de sua

experiência e saberes acumulados, por meio de instrumentos científicos disponíveis,

a serviço da construção de um ambiente inclusivo no espaço escolar.

A Pesquisa-Ação se propõe a uma ação deliberada visando uma mudança no mundo real, comprometida com um campo restrito, englobada por um projeto mais geral e submetendo-se a uma disciplina para alcançar os efeitos do conhecimento (CHIZZOTTI, 1995,p.100).

A riqueza dessa metodologia reside, justamente, no fato de que as etapas

não ocorrem apenas uma vez durante o processo. Ao contrário, elas geram um

motor contínuo de coleta de dados, discussão, ação, nova coleta, mais discussão,

nova ação, e assim sucessivamente, possibilitando a construção, e não a imposição,

de conhecimento e consciência para que os professores possam potencializar sua

Page 82: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

81

experiência cotidiana e, conseqüentemente, seus lugares de protagonistas na ação

educativa. Ao invés de se preocupar somente com a explicação dos fenômenos sociais depois que eles aconteceram, a finalidade da pesquisa-ação é a de favorecer a aquisição de um conhecimento e de uma consciência crítica do processo de transformação pelo grupo que está vivendo este processo, para que ele possa assumir, de forma cada vez mais lúcida e autônoma, seu papel de protagonista e ator social (OLIVEIRA, 1998:27).

Por intermédio do mote da conceituação, discussão e posterior re-

significação de um objeto/tema10 de conhecimento comum, os participantes do

Curso de Formação de Multiplicadores sobre inclusão poderiam exprimir seus

pensamentos, suas experiências e suas contradições concernentes ao cotidiano

escolar.

Franco (2005) considera que, para a pesquisa-ação se realizar, deve haver

uma associação da pesquisa a uma estratégia ou proposta coletiva de intervenção,

indicando-nos a posição de pesquisa com a ação de intervenção, que

imediatamente passa a ser o objeto de pesquisa. “No desenvolver da pesquisa-

ação, há a ênfase na flexibilidade, nos ajustes progressivos aos acontecimentos,

fortalecendo a questão da pesquisa com ação” (p.496).

Maria Cecília Minayo (2005) esclarece que a pesquisa-ação consiste em um

tipo de pesquisa estreitamente concebida e realizada junto com intervenções sociais

orientadas para a resolução de um problema coletivo no qual se envolvem os

investigadores e os participantes. Mas, sobretudo, esses últimos devem ser

representativos do processo que buscam transformar (Thiollent, 1987).

Na pesquisa-ação, a população-alvo é levada a identificar o problema, a

levantar dados sobre ele, a realizar análises críticas e a buscar soluções adequadas.

E o pesquisador deve caminhar a fim de construir um saber da prática,

reconhecendo a capacidade dos atores do processo da pesquisa de dar sentido aos

acontecimentos, de organizá-los.

Sendo assim, a pesquisa-ação pode ser considerada, segundo Maria Amélia

Franco em seu artigo “Pedagogia da Pesquisa-Ação” (2005,p.496) como:

• Uma abordagem de pesquisa, com característica social, associada a uma

estratégia de intervenção e que evolui num contexto dinâmico;

10 O entendimento metodológico parte do princípio de que todos são sujeitos participantes, que têm um objeto ou tema em comum, no caso, a inclusão.

Page 83: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

82

• Uma pesquisa que parte do pressuposto de que pesquisa e ação podem

estar reunidas;

• Uma pesquisa que pode ter por objetivos a mudança, a compreensão

das práticas, a resolução dos problemas, a produção de conhecimentos e/ou

a melhoria de uma situação;

• Uma pesquisa com procedimentos flexíveis , que devem ajustar-se

progressivamente aos acontecimentos, estabelecendo uma comunicação

sistemática entre seus participantes e se auto-avaliar durante todo o

processo.

Diz-nos Barbier (2002), que o verdadeiro espírito da pesquisa-ação consiste

em sua “abordagem em espiral”. Significa que “todo avanço em pesquisa-ação

implica o efeito recursivo em função de uma reflexão permanente sobre a ação”.

(p.117). Assim, o método de pesquisa-ação deve contemplar o exercício contínuo de

suas diversas etapas, por meio das espirais cíclicas, neste caso, refiro-me à

produção de conhecimento e socialização de saberes.

A pesquisa requer o registro rigoroso dos dados, que são discutidos,

refletidos, apropriados, ressignificados pelo grupo (espirais cíclicas), transformando-

se, gradativamente, em conhecimentos do processo de pesquisa. Essas

compreensões/interpretações/análises/revisões, segundo Franco, precisam ser

processadas sob forma de registros críticos, onde todo o grupo deve participar, até

porque essas discussões e esses registros são importantes instrumentos formativos

do pesquisador.

A descrição e a avaliação da pesquisa-ação realizada neste trabalho, e que

serão apresentadas ao longo dos próximos capítulos, referem-se aos registros de

dados e fatos ocorridos nas seguintes etapas:

• Fase preliminar constituída pelo trabalho de inserção do pesquisador no

grupo, pelo autoconhecimento do grupo em relação às suas expectativas,

possibilidades e aos seus bloqueios. Estabelecimento de um contrato de

ação coletiva, quando puderam ser esclarecidas questões referentes à ética

da pesquisa, compromissos com a ação coletiva e com as finalidades do

trabalho a ser desenvolvido.

• Discussão, interpretação e síntese das leituras de fundamentação teórica

junto ao grupo, através dos Eixos Temáticos;

Page 84: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

83

• Dinâmicas grupais visando maior familiaridade com o tema, sempre

respaldadas em recursos do dia-a-dia dos participantes e de elementos de

suas realidades educacionais e sociais;

• Apresentação dos Estudos Dirigidos como instrumentos de

questionamento dos sujeitos envolvidos na pesquisa para novos cenários

educacionais, que implicam em novas práticas;

• Consideração das respostas dos participantes acerca de suas ações

pretendidas para se tornarem Multiplicadores em suas respectivas áreas de

atuação;

• Análise das mudanças institucionais que já estão acontecendo.

4.2 Os percursos do Curso

A humildade diante do saber impõe uma agenda permanente de busca, produção e disseminação do conhecimento. Como uma fonte inesgotável que alimenta a alma dos aprendizes ele se expande pelo caminho que, ao ser percorrido, abre novas perspectivas. Ao compreender, aparecem dúvidas. Ao responder, surgem mais perguntas. Ao indagar, criam-se possibilidades de respostas. Ao aprender, revelam-se as imcompletudes. Ao ensinar, se aprende melhor. Andam juntas, a procura e as revelações, o movimento incessante de quem descobre a aventura de aprender (LAVAROTTI, 2007,p.09).

O trecho acima destacado da autora Cleide Lavarotti11 representa, com

grande maestria e sensibilidade da autora, os primeiros passos para o percurso do

Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão para Professores: o desejo de conhecer. Esse desejo esteve presente em múltiplas esferas ao longo da

trajetória da pesquisa e possibilitaram a realização da mesma. Começou com o meu

desejo sobre o tema inclusão, que sempre permeou meus estudos acadêmicos e

minhas práticas profissionais. Encontrando a Doutora em Saúde Pública e

Orientadora Fátima Gonçalves Cavalcante, passamos a desejar juntas uma

proposta de pesquisa que pudesse corporificar um processo de inclusão mais eficaz.

Por fim, o desejo das professoras do Colégio João Caetano em dialogarem e 11 LAVAROTTI, Cleide (org). Programa de Capacitação permanente na área da infância e da adolescência: o germinar de uma experiência coletiva. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2007.

Page 85: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

84

conhecerem mais sobre o longo percurso da inclusão experimentado diariamente na

escola, representou a gênese do Curso, pois este vinha ao encontro das

necessidades de um grupo que almejava novas expectativas para suas práticas, um

grupo ávido por conhecimentos.

Tal como descrito por Lavarotti, a procura e as revelações andaram lado a

lado na realização desta pesquisa. Perguntando, investigando, analisando, ouvindo,

não se encontram respostas prontas... Encontram-se ainda mais dúvidas que

motivaram a buscar novos caminhos, rumo a outras revelações. O Curso de

Formação de Multiplicadores sobre Inclusão para Professores, teve como objetivos

principais buscar, produzir e disseminar conhecimentos sobre Deficiência e Inclusão,

Defesa de Direitos e Promoção de Saúde no percurso da inclusão, visando uma

prática docente mais consciente, acima de tudo. No percurso do Curso não houve

respostas certas ou erradas, não existiram conceitos que não pudessem ser

investigados, não houve perguntas que não pudessem ser feitas. No percurso do

Curso houve, antes de tudo, o desejo de aprender com o colega ao lado, o desejo

de olhar a própria realidade, o desejo de falar, o desejo de aprender perguntando,

ouvindo e ensinando.

O Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão para Professores

estruturado de formação, reflexão e debates dos atores que compõem a “grande

rede” de inclusão no Colégio João Caetano, revelou-se como uma experiência

coletiva de socialização do conhecimento, de compartilhamento de soluções, de

sistematização de práticas bem sucedidas, de consulta a referências teóricas já

consagradas, de criação de uma base comum, capaz de alinhar conceitos e

procedimentos, orientando ações cotidianas na garantia dos direitos e da qualidade

da educação oferecida aos alunos desta instituição.

O Curso, além de socializar conhecimento, objetivou ser capaz de mobilizar

os profissionais para agirem em seus espaços institucionais. “Não é o mundo que

muda, são as pessoas que mudam o mundo. Não são as instituições que mudam,

são as pessoas que mudam as instituições” (LAVAROTTI, 2007,p.10).

E as pessoas mudam a partir das idéias que propagam, das leituras que

produzem da realidade, do conhecimento que fazem circular a sua volta e,

principalmente, pelas atitudes e decisões tomadas, pelo esforço empreendido e

pelas ações realizadas.

Page 86: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

85

Multiplicar conhecimento, dividir responsabilidades, diminuir arestas, somar

idéias e mobilizar pessoas constituem-se numa equação de sucesso no Curso de

Formação de Multiplicadores sobre Inclusão para Professores. Agora, cabe a você

leitor, acompanhar este percurso, ajudando a escrever e a descrever mais uma

história de sucesso, que poderá atingir muitas outras áreas de atuação - até então

inimagináveis, através dos futuros Multiplicadores sobre inclusão.

AS ETAPAS DO CURSO DE FORMAÇÃO DE MULTIPLICADORES SOBRE INCLUSÃO PARA PROFESSORES:

Para a operacionalização do Curso, as seguintes etapas foram necessárias:

• Divulgar o Curso no Colégio João Caetano, em uma Reunião coletiva,

explicando a proposta e os Eixos Temáticos a serem desenvolvidos;

• Selecionar os profissionais que iriam participar do Curso;

• Montar os materiais das Apostilas a serem distribuídas em cada Eixo

Temático, buscando fontes bibliográficas adequadas, recursos áudio-visuais

atualizados e baseados na realidade educacional vivenciada pelos

professores participantes.

• Preparar o recurso de slides a serem trabalhados nos encontros,

visando o livre debate a partir dos assuntos e inserindo as contribuições do

grupo acerca dos temas a serem trabalhados em cada Eixo Temático,

promovendo a constante avaliação do processo de construção dos

conhecimentos.

• Convidar alguns pais e profissionais envolvidos, diretos ou indiretamente,

no processo de inclusão de nossa escola para participarem como

palestrantes convidados em nossos encontros, nos respectivos Eixos

Temáticos.

• Propor um Estudo Dirigido aos participantes, monitorando e

assessorando-os para esta etapa.

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86

OS CONTEÚDOS DO CURSO

O Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão para Professores se

baseou nos Quatro Pilares da Educação da UNESCO (2007), que formam as

múltiplas dimensões do processo de aprendizagem (cognitiva, metodológica, ético-

profissional).

Aprender a Fazer

PILARES DA EDUCAÇÃO

Aprender a Viver Aprender a Ser

Aprender a Conhecer

Figura 1: Pilares da Educação. Fonte: Relatório Delors – UNESCO, 2007. In: LAVAROTTI, 2007,p.37.

Essa metodologia permite a utilização de mediadores para a aprendizagem

as dinâmicas grupais, atividades não-verbais, trabalhos em dupla, que oportunizam

a exploração dos temas trabalhados a partir das experiências pessoais dos

participantes.

As diretrizes pedagógicas que orientaram o Curso de Formação de

Multiplicadores foram:

• Estabelecer relação entre o conhecimento universal acerca da Inclusão

e as particularidades da Escola;

• Superar a visão conservadora de assistencialismo ao deficiente e de

medicalização das crianças com dificuldades de aprendizagem;

• Ressaltar a importância do conhecimento da Legislação em vigor acerca

da Educação Inclusiva, visando promover a defesa dos direitos ao longo do

processo de inclusão educacional, da cidadania, da democracia e das

políticas públicas.

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87

O conteúdo formativo planejado inicialmente versava sobre as questões da

inclusão, tentando situá-la em contextos históricos no Brasil e no mundo,

apresentando as principais regulamentações legais que a asseguram, discutindo a

importância da prevenção da violência no espaço educacional, investigando os

fatores que acabam tornando-se impeditivos ao verdadeiro processo de inclusão

educacional. O grifo à palavra verdadeiro é para ressaltar que o Curso visava

possibilitar discussões sobre a realidade de muitas crianças que são matriculadas

em Escolas Regulares – caso do Colégio João Caetano, mas que, simplesmente,

são “corpos presentes”: não se tornam envolvidas no processo coletivo, não são

cativadas, não participam das decisões da turma, enfim, não recebem os

pressupostos da Educação - independente de ser inclusiva, acima descritos:

aprender a ser, a conhecer, a fazer e, acima de tudo, a viver. O maior pilar sobre o

qual a Educação deve estar sustentada é a de que a criança aprenda a ser feliz, independente de sua condição física, não importando suas limitações, etnia, religião

ou situação econômica. A Escola deve ser, desde sempre, o primeiro grande local

de convívio humano, de acolhimento ao outro, de respeito mútuo.

Enquanto pesquisadora, estive à frente de toda a viabilização para que os

encontros de cada Eixo Temático se dessem da melhor forma possível: desde a

preparação das cópias de cada apostila para os participantes, passando pelo

cuidadoso e meticuloso trabalho de elaboração do material áudio-visual, o contacto

com os palestrantes convidados, a preparação de certificados de palestrantes e

participantes, até a preparação do lanche. Nada poderia ser esquecido! Nenhum

detalhe poderia ser deixado de lado!

Quando começamos o Curso de Formação de Multiplicadores sobre inclusão

para professores, os textos que serviriam de base para a discussão teórica já

estavam selecionados, em cada Eixo Temático. Entretanto, o material áudio-visual

foi sendo construído de acordo com o interesse e participação do grupo, valorizando

suas contribuição, dúvida, interesse e solicitação. Tive o cuidado, enquanto

elaboradora do Curso, de não me deter somente aos recursos previamente

selecionados mas sim, de construir junto ao grupo, estratégias metodológicas que

pudessem fomentar discussões e debates. Preparei dinâmicas para iniciar cada

encontro, procurei o que havia de mais moderno em vídeos e pequenos

documentários sobre deficiência e inclusão, gravei reportagens vinculadas à grande

mídia que traziam a questão da defesa de direitos na área da deficiência, enfim,

Page 89: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

88

utilizei inúmeros recursos tecnológicos para ir muito longe, alcançando recursos que

muitos membros do grupo talvez não pudessem ter acesso.

Disponibilizar o acesso à informação era o meu objetivo principal enquanto

idealizadora do Curso. Não bastavam textos e artigos impressos de diferentes

autores... Eu gostaria de possibilitar a discussão e reflexão do grupo, permitindo a

construção de seus próprios saberes, de seus próprios discursos, de seus próprios

textos... Para cada Eixo Temático, foi construída uma mídia (power point) diferente,

que continha informações importantes acerca do tema específico em questão,

sempre estimulando o debate do grupo sobre os conhecimentos apresentados.

Vídeos e dinâmicas foram pesquisados e elaborados especialmente para cada

encontro, tornando-o mais atrativo.

Preocupei-me, além disso, com os registros escritos sobre o Curso dos

participantes, individualmente e em grupo, que no final contribuíram com um vasto

material acerca de suas reflexões e considerações.

A magnitude deste Curso de Formação de Multiplicadores sobre inclusão

para professores pode ser constatada na possibilidade de oferecer um espaço de

formação e informação continuadas de excelente nível de qualidade, com materiais

para leitura e debate, recursos audio-visuais, dinâmicas, reflexões, enfim, um espaço

de acesso adequado para os professores com relação à Educação Inclusiva, algo

que, segundo suas próprias palavras, foi tão lacunar em suas formações

acadêmicas.

Vejamos, portanto, os palestrantes convidados para se apresentarem na

segunda parte de cada encontro e os Conteúdos envolvidos nos recursos audio-

visuais apresentados e elaborados por mim, nos pequenos documentários exibidos

e reportagens da grande mídia, nos textos selecionados para compor cada apostila

de cada Eixo Temático, nos debates do grupo, enfim, o que realmente fez parte do

percurso do Curso.

Page 90: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

89

EIXOS

TEMÁTICOS CONTEÚDOS ENVOLVIDOS PALESTRANTES CONVIDADOS

• Coordenadora do “Centro de Apoio

Pedagógico para atendimento às Pessoas

com deficiência visual” (CAP/SG). Foi a primeira professora a trabalhar com alunos deficientes visuais em São Gonçalo e atua como professora em Cursos de Formação de Professores.

• Pais de um aluno deficiente auditivo, studante do Colégio João Caetano. Ela,

enfermeira e muito engajada em causas sociais. Ele, autônomo e participativo de todos os momentos do filho na Escola. Juntos, fundaram uma ONG para acolhida a moradores de rua.

e

I- Deficiência

e Inclusão • Breve Histórico da Educação Especial no Brasil e no mundo;

• A Escola e sua função social;

• Conceituação de Deficiência e Dificuldade de Aprendizagem;

• Os pressupostos da Educação Especial;

• A inclusão educacional e a realidade docente: desafios e possibilidades;

• A inclusão do deficiente visual e as necessidades de adaptação de recursos para seu processo de aprendizagem;

• A realidade da família de uma criança com deficiência auditiva e a importância de interlocução com a Escola e outros profissionais;

• Sugestões, debates, orientações e trocas de experiências sobre os processos de inclusão educacional vivenciados pelos participantes e palestrantes convidados.

• Médica (Neurologista Infantil), que atende muitos alunos do Colégio João Caetano que apresentam deficiência ou dificuldades de aprendizagem. Atua em Hospitais Públicos de Niterói e tem grande interesse de pesquisa na área de Transtornos Mentais e Comportamentais.

Page 91: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

90

II- Defesa de

Direitos no

processo de

Inclusão

• Estudo de caso, analisando os direitos violados e os preservados na história de vida em debate;

• Orientações práticas para a melhoria na qualidade de aprendizagem de uma criança autista, sob o ponto de vista de um método especializado.

• A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a Constituição Brasileira (1988) como seguradoras dos direitos universais de todos os cidadãos;

• Legislações específicas que garantem os direitos dos deficientes;

• A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN nº 9.394/96) e sua importância no cenário de inclusão educacional no Brasil;

• Os deficientes e seus direitos garantidos à Educação, à não-discriminação, ao Benefício assistencial do INSS, na área da Saúde, à acessibilidade;

• Discussões sobre ações práticas de garantia de direitos dos alunos com deficiência e com dificuldades de aprendizagem no processo de inclusão.

• Psicóloga especializada em autismo infantil e terapeuta de uma aluna da Educação infantil do Colégio João Caetano. Trabalha com um método de estimulação do comportamento.

Page 92: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

91

• Psicóloga e Psicanalista especializada em violência. Trabalha em uma clínica voltada ao atendimento a famílias e crianças violentadas. Trabalha em pesquisas sobre o incesto e é autora de um livro sobre o tema.

III- Promoção

de Saúde no

processo de

Inclusão

• Conceituação do termo “promoção de saúde” no espaço educacional e as práticas que o implicam.

• O processo de inclusão educacional de uma criança violentada: relatos de experiência dos participantes.

promoção de saúde: debate à luz das contribuições da Palestrante

os bem-estares físicos, cognitivos

a, psicóloga e psicanalista, com experiência clínica no atendimento a

de aprendizagem. Tem formação em Psicopedagogia e já atuou em sala de

• Prevenção da violência e crianças e adolescentes com dificuldades

Convidada;

• A importância do encaminhamento escolar aos profissionais especializados nos casos dos alunos com dificuldades de aprendizagem;

• A promoção da “qualidade de vida e de trabalho” do professor, enquanto protagonista do processo de inclusão;

• Debates sobre a promoção de melhorias nos processos ensino-aprendizagem, contribuindo para

aula como professora de Matemática, por muitos anos.

e sociais de todos os agentes envolvidos no processo educacional.

• Educador

1 – Dados sobe Conteúdos e Palestrantes Convidados dos Eixos Temáticos do Curso Tabela

Page 93: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

92

Como se pode observar pela estruturação dos conteúdos, o desafio era

priorizar o que seria mais importante para promover o debate e a reflexão entre

participantes e atender às suas demandas de interesse e informação acerca do

processo de Inclusão. Houve, então, um trabalho de organização e planejamento

com profissionais da área da Educação,

Psicanálise, da Medicina, dentre outras e com pais de deficientes, a fim de pensar a

uma esfera interdisciplinar. Estes profissionais poderiam promover uma

eflexão mais complexa da realidade e uma dinâmica aos encontros que pretendia

se diferenciar de um espaço de formação unilateral, de informação, de

atendeu aos seguintes critérios:

4.3 O cenário para o percurso do Curso

para que eu pudesse entrar em contato

inclusão em

r

armazenamento de conceitos. O debate entre profissionais de diferentes áreas,

enriquece a prática pedagógica, causa uma disponibilidade de ampliação de um

olhar reducionista acerca do conteúdo e permite desvincular o foco para o material

didático – de textos, artigos e trechos de livros, como única fonte do conhecimento a

ser investigado.

A escolha dos palestrantes convidados

• Estar direta ou indiretamente ligado a processos de inclusão educacional;

• Ter experiências concretas na área da inclusão;

• Lidar com crianças ou adolescentes com deficiência ou com

necessidades educacionais especiais;

• Apresentar interesse em trocar experiências da área Médica, da

Psicanálise, da Psicopedagogia, da Psicologia, com o grupo de professores

do Curso a fim de discutir, refletir, questionar as situações que lhe forem

apresentadas.

A ESCOLA

O Colégio João Caetano é fruto de uma história repleta de superação. Ainda

menina, aos 11 anos de idade, Dulcileia Abreu da Silva – a fundadora e Diretora da

Escola, já ensinava outras crianças na pequena varanda de sua casa, em um bairro

da periferia de São Gonçalo. A menina foi crescendo e a varanda também, apesar

Page 94: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

93

das con

iro e segundo segmentos). Dispõe de

quadra

considerado “diferente” dos demais.

stantes enchentes que invadiam a casa e insistiam em levar o que estava

pela frente. A varanda virou sala de aula. Anos depois, as salas viraram um prédio. E

assim por diante.

Hoje, o Colégio João Caetano soma 36 anos de fundação e conta com

Educação Infantil e Ensino Fundamental (prime

poli-esportiva, um Cine-Teatro, uma ampla biblioteca e uma área de lazer

para educação ambiental vivenciada localizada em um bairro vizinho.

O Colégio, localizado em Alcântara – bairro da cidade de São Gonçalo,

atende a mais de 700 alunos, conta com coordenadores especializados e serviço de

Psicopedagogia Institucional. Acredita e promove a inclusão em turmas regulares de

mais de 20 alunos e conta com uma rede de contatos com profissionais

especializados para o atendimento multidisciplinar a estas crianças.

Nas palavras da fundadora:

“- O Externato JOÃO CAETANO, nasceu de um projeto de vida que eu, bem particularmente, acredito

que já estava tudo escrito na minha estrela. Era tudo muito engraçado e sério ao mesmo tempo. Até nas

brincadeiras, com crianças vizinhas, eu gostava de ser escolhida a professora do grupo. Apesar das

dificuldades, – perdi meu pai quando ainda tinha 5 anos de idade – mas com o esforço da minha mãe, mulher

guerreira e determinada, acabei usando a varandinha de nossa casa, para começar, com 11 crianças, o alicerce

do meu sonho. Hoje, onde era uma simples varanda, há o prédio de salas do Colégio. Muitos dos nossos ex-

alunos já estão despertando na carreira do sucesso. Alguns já são pais dos nossos alunos.”

A escola foi escolhida para ser o cenário desta pesquisa por fazer parte do

meu próprio percurso de vida e por apresentar histórias de sucesso nos processos

de inclusão educacional. Por fazer parte da equipe da escola, já ouvia as minhas

colegas em suas dúvidas, em seus anseios, em suas críticas sobre a chegada de

um aluno

Mais ainda, por também fazer parte da direção da escola, acompanho de

perto as matrículas dos alunos com deficiência e com dificuldades de aprendizagem.

E o professor? Ele é consultado no ato dessa matrícula? É dado ao professor o

suporte necessário para que esses alunos - e todos os outros, não virem números

no diário com simples notas e conceitos a receber? É perguntado ao professor se

ele tem dúvidas para lidar e promover a verdadeira educação dos alunos que,

eventualmente, necessitarão de mais atenção e cuidados especializados?

Page 95: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

94

Por já estar em uma posição que me permite acompanhar desde a matrícula

do aluno, a sua chegada na sala de aula, seu processo de aprendizagem e as

práticas pedagógicas dos professores, pude constatar a necessidade e a

importância de um espaço de reflexão e debates acerca da inclusão. Eram muitas

lamúrias não escutadas, eram muitas dúvidas a serem esclarecidas, eram muitas

críticas a serem acolhidas... Pude perceber que a escola promovia a inclusão todos

os anos, em escalas cada vez maiores, mas falava-se muito pouco sobre ela.

Refletia-se menos ainda sobre os impasses de cada sujeito-professor ao longo de

sua trajetória em uma escola inclusiva. Conhecia-se pouco o colega ao lado e suas

idéias s

s alternativas metodológicas para a

aprendizagem dos mesmos e dos demais. Percebem-se, normalmente, as

preocupações dos professores com os alunos em processo de inclusão, seus medos

s com as cobranças das respectivas famílias. Mas

será que esses clamores são realmente acolhidos? Será que esses professores

acham

dos demais profissionais da escola para promoverem a

educaçã

obre as diferenças entre seus alunos. Notei que a escola estava incluindo o

aluno e não estava acolhendo tão bem o professor, deixando-se levar pela correria

do dia-a-dia, de sua rotina sempre atribulada de avaliações, eventos,

comemorações... A escola era rápida, veloz, eficaz, mas não parava muito para

refletir...

Apesar dos professores da escola reunirem-se semanalmente por 2 horas

com a coordenação e direção, o tema inclusão não era tratado de forma

sistematizada e didática. As reuniões têm como foco central planejamento e debates

sobre as práticas pedagógicas, em que são trazidas sugestões e levantados

problemas a serem solucionados. Os alunos chamados “especiais” normalmente são

citados e o grupo procura encontrar as melhore

de que não aprendam, seus receio

que sua formação está adequada para atender aos alunos que tanto os

intrigam? Será que estes professores têm acesso a outros profissionais

especializados que lhes propiciem o debate sobre a inclusão? Será que têm acesso

suficiente a materiais e leituras recentes sobre o tema? Enfim, será que esses

professores sentem-se plenamente satisfeitos com o trabalho que realizam e com a

ajuda que recebem

o inclusiva?

Por estes e tantos outros questionamentos que percebi o quanto o Curso de

Formação de Multiplicadores poderia ser um espaço de renovação e de geração de

novas perspectivas para os educadores do Colégio João Caetano. Através do

Page 96: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

95

Curso, muitas dessas indagações poderiam ser respondidas e as mudanças na

prática educativa poderiam ser avaliadas imediatamente. Com o Curso, uma

realidad

elatos e críticas.

e institucional poderia ser descortinada: a de uma escola particular, que

matricula o aluno com deficiência ou com dificuldades de aprendizagem, mas que

também traz respaldos reais aos profissionais que os acolhem. Através do Curso, o

Colégio João Caetano, com tantos questionamentos em seu cerne educacional,

poderia experimentar a realidade dos professores que desejam aprender, em um

espaço aberto para debates, r

OS PROFESSORES PARTICIPANTES

Os professores do Colégio João Caetano ficaram muito entusiasmados com

a proposta do Curso, apresentada e divulgada em uma reunião coletiva em julho de

2007. A escola tem estabelecido, em seu calendário anual, duas datas para estudos,

debates e reflexões sobre temas relacionados à Educação, Saúde, dentre outros:

são as

ofessores presentes na

escola n

chamadas semanas de reciclagem nos meses de julho e janeiro – período de

recesso dos alunos.

Portanto, por já terem contato com espaços de estudos e debates teóricos -

mesmo que em datas tão distantes, os professores sentiram-se motivados com a

oportunidade do Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão que seria

oferecido. Com a distribuição do folder explicativo, recebemos 23 fichas de inscrição

no mesmo dia. Representava praticamente a metade dos pr

a data, o que demonstrou uma grande adesão.

Dos professores interessados, a grande maioria era da Educação Infantil.

Apenas dois deles eram do segundo segmento do Ensino Fundamental. A Educação

Infantil é o primeiro segmento a receber crianças com alguma deficiência e com

necessidades especiais , além de concentrar um grande número de alunos incluídos

em turmas regulares. Esse pode ter sido um fato preponderante para a participação

maciça desses professores.

Por outro lado, os professores do segundo segmento do Ensino

Fundamental são os que menos tempo passam na instituição, por ministrarem aulas

em dias alternados, por estarem sempre correndo para se deslocarem para outra

instituição de ensino. São professores que conhecem seus alunos através de suas

Page 97: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

96

aulas curtas - calculadas em 50 minutos e que têm menos tempo de contato com

suas respectivas coordenações para falarem de assuntos ligados à aprendizagem.

Pelo excesso de provas de várias escolas, pela obrigatoriedade de tantos

conteúd

a inscrição. Tal como descrito, apenas um era do segundo

egmento do Ensino Fundamental e que acabou não retornando aos demais

se grupo, cinco eram do primeiro segmento do Ensino Fundamental e

nove deles eram da Educação Infantil. Começamos com 15 participantes e

termina

-se um espaço de encontros democráticos. O que promovia a chegada

era o de

as como promover a exclusão em um espaço que reflete a inclusão? Aos

profess

os, acabam mais preocupados em notas e conceitos do que em processos.

Após a divulgação do Curso, era chegada a hora do primeiro encontro,

realizado no dia 04 de agosto de 2007. Compareceram 15 professores, alguns deles

não haviam feito

s

encontros. Des

mos o último encontro com 17 professores assíduos.

Ao longo do Curso, alguns participantes não retornaram, mas outros

chegaram... Alguns profissionais se desligaram da instituição e saíram dos

encontros; outros foram admitidos e pediram para ingressar no Curso. Alguns

professores divulgaram em outras escolas e pediram para levar colegas... Enfim, o

Curso tornou

sejo de saber, o desejo de expor suas dúvidas e idéias sobre o processo de

inclusão que vivenciavam ou que gostariam de presenciar.

O espaço havia sido pensado para os professores da instituição e não havia

programado ingressos de outros participantes, principalmente após o terceiro

encontro. M

ores que chegaram ao último módulo, foi feita uma breve reconstituição das

discussões anteriores e lançada a semente de esperança de outros Cursos de

Multiplicadores nesta instituição ou em outros espaços para seu acompanhamento

na íntegra.

O Certificado de Conclusão do Curso prevê assiduidade e participação dos

Estudos Dirigidos como meio de sistematização das discussões acerca das

temáticas. Vale ressaltar, por fim, que os professores mais assíduos foram os da

Educação Infantil.

OS MATERIAIS

Os materiais do Curso de formação de Multiplicadores (apostilas com textos

informativos e teóricos, power point projetado em datashow, dinâmicas de grupo,

Page 98: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

97

estudos

materiais oferecidos aos participantes não se propunham a tornar-se um

fim em

fonte de referência bibliográfica de

onstante consulta para os professores, segundo suas próprias declarações. Os

lides projetados traduziam a temática do Eixo através de exemplos que frutificavam

iscussões no grupo, produzindo análises críticas, relatos de experiências vividas,

propostas de novas questões acerca do conteúdo. As dinâmicas de grupo

caracterizaram-se como instrumentos de integração entre os participantes, de

reflexão entre os pares, além de criarem um contexto apropriado para declarações

espontâneas de membros do grupo que outrora não se manifestaram.

Por fim, os estudos de casos apresentados ao grupo possibilitaram o contato

com dados reais de outros contextos sociais e econômicos de famílias de crianças

com deficiência, além de promoverem a busca de soluções adequadas para a

realidade estudada e para a realidade vivenciada pelos participantes do grupo.

Além disso, o grupo teve livre expressão para contribuir com materiais e

para fazer críticas aos que estavam sendo colocados à disposição. A construção de

cada apostila só efetuou-se após a discussão dos focos de interesse do grupo

acerca do tema e suas demandas de necessidade de leituras referenciais sobre os

assuntos.

No próximo capítulo, serão apresentados os Indicadores de Avaliação do

Curso em todo o seu percurso, ressaltando, todavia, que estes registros pretendem

gravar na memória uma pequena parcela do que foi realizado, uma vez que a

plenitude do processo vivido ficará a cargo de cada participante, naquilo que

absorveu e pode traduzir em ações concretas.

de caso a serem debatidos) visavam proporcionar no grupo a identificação

de problemas, a possibilidade de pesquisa e levantamento de dados sobre eles, a

realização de análises críticas e a busca de soluções adequadas para os problemas

levantados.

Os

si mesmos, e sim como recursos estratégicos de discussões, debates,

críticas e avaliações do processo grupal, mediante exemplos práticos, vinculados à

realidade dos participantes, acoplando sempre as contribuições trazidas pelos

mesmos.

As apostilas tornaram-se, então, uma

c

s

d

Page 99: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

98

O caminho faz-se ao andar “.

“Caminhante é o teu rasto o caminho, e nada mais;

Caminhante, não há caminho

Antônio Machado•

• Desenho de F.S, de 8 anos. Menino que gosta muito de nadar, cantar e estudar. Na Escola, senta-se na primeira carteira e é ajudado pelos colegas durante as aulas e apresentações no Palco, pois é deficiente auditivo.

Page 100: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

99

CAPÍTULO 5. A avaliação do percurso do Curso

“A partir das informações compartilhadas no Curso de Formação de

Multiplicadores, pude repensar a minha prática e redirecioná-la.”

(Professora participante)

erencial psicanalítico lacaniano (MRECH,

2003) p

momento, podendo ser transmitido de maneira

clara e

illani

(2007), o sujeito pod

que é obtido sem o s

em que o sujeito esta

Para os autores acima citados, é possível uma transposição do

conhecimento alienado se aproximando do autônomo, via diferentes formas de

investim

Este foi o verdadeiro propósito do Curso: permitir o repensar e,

conseqüentemente, o redimensionamento da prática docente pelos próprios

participantes, através de suas experiências pessoais compartilhadas, da constituição

pessoal de seus saberes.

Uma possível contribuição do ref

ara a interpretação das nossas experiências pode ser fundamentada na

distinção entre as categorias ‘conhecimento’ e ‘saber’. Nessa perspectiva: O saber é uma elaboração pessoal do sujeito. O conhecimento é apenas seu contexto inicial instituído a partir da informação. O conhecimento possibilita um tratamento do tipo: ‘Eu sei que’, ‘Eu não sei que’. O saber é da ordem de algo a ser estabelecido e tecido pelo sujeito (MRECH, 2003,p.84).

A partir desse referencial, numa primeira aproximação, pode-se considerar o

conhecimento como um conjunto de idéias, conceitos, representações e informações

que permitem, em princípio, fazer uma leitura orientada da realidade. Na sua forma

objetiva, ele está armazenado nos livros, nos computadores e em outros meios,

podendo ser acessado a qualquer

precisa, com palavras ou fórmulas. Entretanto, o sujeito pode manter

relações distintas com o conhecimento que adquire. Segundo Freitas e V

e apresentar, em um extremo, um conceito do tipo alienado -

eu comprometimento, ou um conhecimento do tipo autônomo -

belece relações e com elas uma marca correspondente.

ento do sujeito. Isso ocorre quando determinadas representações do

conhecimento entram em ressonância com significantes inconscientes do sujeito, ou

quando este tem participação efetiva e um alto grau de implicação na elaboração e

no desenvolvimento de seus significados.

Page 101: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

100

Por saber, entendem-se representações implícitas e inconscientes, com

implicação subjetiva e envolvimento da libido, de acordo com os referenciais da

psicana

anto desejo de ultrapassar os limites da relação com os conhecimentos

adquirid

Quando um sujeito é envolvido pela paixão da busca, na insatisfação quase perene do conhecimento alcançado e no esforço contínuo de ultrapassar o que se conhece, pode-se inferir que o seu conhecimento tornou-se autônomo e é sustentado por um saber lapidado, que aceita intimamente a

ão de trabalhar os

conhecimentos de maneira ampla, permitindo que cada professor participante

pudesse

da inclusão mais consciente e eficaz. O trecho do depoimento

descrito inicialmente, traduz essa experiência: o conhecimento científico

(informa

ara melhor compreensão do percurso do Curso, elucidar-se-ão os registros

de dado

te: Fase preliminar

lista Leny Mrech (2003). Saber é o que nos orienta e, às vezes, nos amarra

de maneira implícita nas escolhas do dia a dia. Paralelamente ao conhecimento, o

saber também pode ser entendido como um continuum entre dois extremos: de um

lado, um saber bruto – caracterizado pela ausência do sujeito enquanto desejo de

mudar e de buscar novos conhecimentos ou de estabelecer conexões entre os

mesmos. Do lado oposto, um saber lapidado – caracterizado pela presença do

sujeito enqu

os (FREITAS, 2003,p.03).

Nesta perspectiva, aprender implica mudanças significativas caracterizadas

pelas ampliações dos conhecimentos e modificações dos saberes envolvidos.

provisoriedade e parcialidade de todo conhecimento (FREITAS e VILLANI, 2007,p.04).

Apesar do saber ser fundamentalmente subjetivo - portanto, individual, é

possível compartilhá-lo com outros sujeitos. Ensinam-se conhecimentos, mas estes,

sozinhos, são de pouca valia quando adquiridos sem o comprometimento do sujeito.

Nas experiências de aprendizagem, quando o sujeito está operando com os

conhecimentos, pode evocar seus saberes e pô-los em jogo, com possibilidades de

deslocamentos ou cortes. Isso significa mudar de atitude diante do conhecimento.

O Curso de Formação de Multiplicadores teve a pretens

evocar seus próprios saberes, transformando-os ou resignificando-os rumo

a uma prática acerca

ções) como um meio de reestruturação dos saberes particulares, individuais,

subjetivos.

P

s e fatos ocorridos nas seguintes etapas, estas já descritas e detalhadas

anteriormen constituída pelo trabalho da minha inserção enquanto

pesquis dora no grupo; e as discussões dos Eixos Temáticosa junto ao grupo.

Page 102: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

101

Fase Preliminar Esta fase da pesquisa constitui-se como um espaço de representações dos

participantes do grupo acerca de seus saberes sobre o processo de inclusão e de

suas ex

Tenho vontade de buscar informações sobre o diferente e tentar entender um pouco sobre

inclusão.”

em um trabalho de elaboração simbólica.

ber particular dos professores envolvidos. Quais eram as

definições pessoais sobre inclusão? Quais as suas experiências? O que

represe

pectativas com relação ao novo espaço que se constituía na Escola: o Curso

de Formação de Multiplicadores. Realizado em 04 de agosto de 2007, na sala de

Reuniões da Biblioteca do Colégio João Caetano, esse representou o primeiro

encontro do Curso, também chamado de Sensibilização e Apresentação da Pesquisa. A princípio, os participantes deixaram explícito que o Curso representaria

um espaço de “novos conhecimentos”, de novas técnicas, de respostas imediatas

para suas dúvidas sobre o “aluno diferente de sua sala de aula”.

“- Estou em busca de novos conhecimentos para enriquecer minha prática profissional.” (S., professora participante)

“-

(R., professora participante) “- Venho aprender novos recursos e técnicas para trabalhar com a inclusão.” (V., professora

participante)

Tal como explicitado por Mrech (2003), o conhecimento pode gerar a ilusão

imaginária de plenitude e domínio, quando seus limites são ignorados. Já o saber

implica em um investimento subjetivo e, portanto, uma participação efetiva do sujeito

Procurou-se, portanto, evocar os saberes dos sujeitos envolvidos no Curso,

para que pudessem interagir com os conhecimentos de maneira a envolvê-los em

sua elaboração pessoal. Não eram os conceitos e as definições acerca da inclusão e

da deficiência que estavam em destaque, mas sim o que esses conhecimentos

despertavam em cada sa

ntava para cada um deles ter um aluno com necessidades especiais em suas

salas de aula?

Page 103: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

102

Tomados pela possibilidade dessa experiência subjetiva, e que poderiam

entrar em contato com seus próprios saberes, suas dúvidas, suas impossibilidades,

suas incompletudes, os professores começaram a se expressar...

andar? O novo me assusta muito e eu não sei como agir, na maioria das vezes. Gostaria

de saber,

ue

o trabalh

é

novo, assusta. Quero saber pescar! Espero aprimorar minha prática enquanto educadora e reconhecer

o quanto

trabalho a ser desenvolvido era muito mais do que a apresentação de

conheci

a era a de, juntos, compreendermos o conceito que o próprio grupo

tinha sobre o tema, criando estratégias de ação mais conscientes e eficazes para

cada re

nvestigador de si

mesmo.

“- Hoje, neste primeiro encontro do Curso, sinto-me como esta mulher da figura: vestida com

uma roupa de louca. Eu me vejo, em muitas situações, como uma louca, pois tenho muitas dificuldades

em lidar com a diferença. Ao final deste Curso, eu espero estar como esta outra figura: dando saltos,

tendo progressos na minha vida profissional.” (H., participante) “- Eu me sinto de olhos vendados quando penso e falo em inclusão. Como devo agir? Por

onde posso

depois de participar do Curso, que é possível ser feliz e fazer o outro feliz..” (V., participante)

“- Acho que vou passar por um longo processo de aprendizagem, pois ainda sinto-me muito

despreparada para o trabalho com adolescentes com necessidades especiais e deficiência. Acho que o

Curso vai me trazer muita riqueza de materiais e tenho certeza de que, no final, vou entender que cada

um de nós tem suas características particulares. Igual à música do Caetano Veloso: normal é ser

diferente!” (N.M., participante) “- Recortei esta figura de um homem pescando para me representar no dia de hoje. Acho q

o com a inclusão exige a paciência de um pescador, a sabedoria para esperar o momento

certo e a habilidade para reconhecer os peixes, no nosso caso, os alunos. Quero ter isso tudo e por

isso estou aqui! Quero ter mais paciência para o aluno diferente da minha sala de aula, pois tudo que

ainda preciso melhorar e estudar.” (A., participante) O

mentos e teorias sobre a inclusão, através da figura de um coordenador do

grupo. A taref

alidade. Cada participante do Curso fazia parte desta jornada, contribuindo

com seus saberes, dialogando com seus pares, tornando-se i

Page 104: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

103

As noções normalmente atribuídas aos espaços denominados de Cursos -

enquanto formação continua

da e aperfeiçoamento, foram, aos poucos, sendo

descaracterizada no Curso de Formação de Multiplicadores (apesar de seu nome!).

Os part

inclusão e que havia uma vontade coletiva de

ressignificação de seus saberes e práticas, tentando cada vez mais, aproximá-los de

valores éticos e morais, além de um diálogo mais consciente com as famílias e com

os demais profissionais envolvidos na multidisciplinaridade do processo inclusivo.

espaço do Curso de Multiplicadores foi percebido, portanto, como um local

de interação dos sujeitos com várias formas de conhecimentos, visando envolver

cada participante na situação de elaboração pessoal de seus próprios saberes.

O dia de hoje foi simplesmente fantástico, pois consegui perceber como tenho deficiências

e tenho q

ue eu possa melhorar como cidadã, como educadora, enfim, como

membro s

icipantes começaram a perceber que este havia sido constituído por uma

necessidade real de diálogo e reflexão dos professores do Colégio João Caetano

sobre seus processos de

O

“-

ue tentar compreender as necessidades dos seres humanos.” (T., participante) “- O dia foi ótimo, pois como é difícil descobrir dentro de nós a nossa própria deficiência.” (T.

P., participante) “- O dia de hoje foi enriquecedor e gratificante. Pude ver como tenho deficiências e limitações

e como preciso superá-las para, então, ajudar o meu próximo.” (R., participante) “- O curso foi melhor do que eu esperava, pois me senti muito motivada. Fico feliz em fazer

parte deste grupo!” (L., participante) “- O dia de hoje (primeiro encontro do Curso), foi muito importante para mim pois aprendi,

entendi, me sensibilizei para q

ocial.” (A. M., participante)

Page 105: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

104

As Discussões dos Eixos Temáticos

Os Eixos Temáticos do Curso foram planejados e sistematizados mediante

os inter

ssem das atividades e se tornassem, de alguma forma,

respons as atividades de estudos

individuais ou em g

participantes fosse

oportunidade para fa ntadas e as dificuldades foram

acompanhadas de perto.

aginária, na qual os problemas

são percebidos com

contextuais

esses do grupo, a fim de promoverem debates e ações concretas e viáveis

para a realidade educacional em foco, através dos conhecimentos teóricos

disponibilizados. Pensou-se na necessidade de ressonância entre os saberes dos

participantes e os novos conhecimentos, para que os professores não se sentissem

aprisionados pelas novas informações, tolhidos em suas expressões particulares.

Planejou-se um processo de familiarização com o conteúdo, para que os

participantes se implica

áveis pelo êxito do processo. Para isso, durante

rupo, foram criados espaços para que o saber próprio dos

colocado em primeiro plano: os professores tiveram livre

lar, suas iniciativas foram suste

Essas estratégias tornaram-se fundamentais para que houvesse o

envolvimento subjetivo dos participantes com as atividades propostas, que consiste

no reconhecimento implícito de que existe uma afinidade entre suas próprias

produções e o novo conhecimento, mesmo que inicialmente não fosse facilmente

reconhecida. As situações deveriam ser percebidas como atraentes para os

participantes, tal como um momento de plenitude im

o enfrentáveis. Se este acoplamento não acontecer, as

dificuldades tenderão a tornarem-se paralisantes, pelo menos para a maioria dos

participantes, ou a euforia tenderá a se esvaziar sem os correspondentes

compromissos de ação (FREITAS e VILLANI, 2007).

Portanto, pareceu-nos muito difícil prever, a-priori, se uma determinada

estratégia ou intervenção iria conseguir os efeitos almejados com a maioria dos

participantes do Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão. Não somente

porque as informações a respeito dos professores participantes e das condições

são sempre insuficientes, mas também porque existem elementos

objetivamente imprevisíveis, fundamentalmente ligados à presença do inconsciente

nas relações humanas.

Diz Freud em A Interpretação dos Sonhos (1900):

Page 106: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

105

O inconsciente é a verdadeira realidade psíquica; no que se refere a sua natureza mais profunda, ele é tão desconhecido quanto a realidade do mundo exterior, e apresenta-se a nós de maneira tão incompleta pelos dados da consciência quanto o mundo exterior pelos órgãos de nossos sentidos. (FREUD,1900/1980,p.651)

Ao longo dos encontros do Curso, divididos em três Eixos Temáticos:

Deficiência e Inclusão (encontros de 01/setembro/2007, 06/outubro/2007 e

14/dezembro/2007), Direitos no percurso da inclusão (encontros de

08/març

otícias de jornais,

reportagens de noticiários, vídeos de sensibilização, além de dinâmicas grupais. Na

etapa s

po, possibilitando a desvinculação do foco

reducionista nos materiais didáticos como única fonte de informações.

, puderam destacar que assuntos

gostariam que fossem abordados ao longo do Curso e sugeriram alguns nomes a

serem c

alistas com especialização em violência infantil e dificuldades de

aprendizagem.

essa temática junto aos professores, apesar de já terem sido diagnosticados três

o/2008 e 05/abril/2008) e Promoção de Saúde no percurso da inclusão

(encontros de 17/maio/2008 e 07/junho/2008), foram exploradas diferentes táticas

para a discussão dos conhecimentos, sempre promovendo a articulação dos

mesmos com os saberes dos participantes.

Como primeira etapa, os participantes foram surpreendidos com alguma

atividade diferente do que estavam acostumados a ter acesso em seus cotidianos.

As informações teóricas estavam repaginadas, havia ganhado ares de novidade,

acompanhadas de slides, estudos de casos propostos por n

ucessiva, os Palestrantes convidados criavam uma atmosfera de debates e

troca de experiências entre todo o gru

Os temas abordados pelos convidados foram muito abrangentes e cada um

deles veio ao encontro dos interesses que o próprio grupo havia indicado no

encontro de Sensibilização. Na oportunidade

onvidados, provenientes de nossa própria comunidade escolar. Articulando a

rede de contatos que dispunha, convidamos uma Médica Neurologista que dá

assistência a muitos alunos da escola, uma psicóloga que atende uma criança

autista da instituição, os pais de alunos com deficiência auditiva, uma Coordenadora

de um Núcleo de Apoio Pedagógico para deficientes visuais, além de duas

psican

Dos debates promovidos pelos convidados, o grupo destacou a temática da

violência infantil como uma das mais relevantes e comoventes. A escola não havia

tido a oportunidade de promover uma discussão com profissionais da área sobre

Page 107: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

106

casos de abuso sexual infantil na instituição. Na época, os professores desses

alunos foram orientados pelas psicólogas que acompanhavam os casos, os quais

geraram grande perplexidade na comunidade docente. Portanto, o retorno à

temática

Gostei muito da palestra sobre violência, pois às vezes convivemos com pessoas, crianças

que sofre

e)

eu abuso sexual, muitas perguntas foram decididamente

formuladas pela maioria das participantes do Curso neste dia 05 de abril.

Determ

oláveis, puderam vir à

tona.

ha família viveu um caso de violência intra-

familiar. O meu tio amarrava minha tia na corrente, aos pés da cama e abusava das três filhas. Aí,

minha tia

matizadas e a mais velha demorou muito

tempo para se relacionar com um namorado.” (V., participante)

s práticas, ressignificando

seus an

causou interesse, fortificou dúvidas, provocou impacto.

“- A palestra mais marcante para mim foi a de violência sexual, com a Psicanalista. Apesar de

triste, nos mostrou a realidade.” (L. participante) “-

ram qualquer tipo de abuso e não percebemos ou não entendemos o motivo daquele

comportamento que ela demonstra.” (R., S., participant

Descortinando a realidade da difícil tarefa de incluir uma criança ou

adolescente que já sofr

inadas reflexões das participantes se consolidaram na palavra escrita.

Algumas lágrimas e depoimentos particulares - até então invi

“- Ouvindo você falar, eu posso dizer que min

desenvolveu uma espécie de transtorno mental. É claro! Uma mãe, vendo as três filhas

serem abusadas pelo próprio pai. As filhas são muito trau

Tudo isto fez emergir saberes até então desconhecidos, pelo próprio grupo.

Tendo acesso a novas informações, os participantes puderam refletir mais.

Refletindo, puderam analisar suas próprias realidades educacionais, sociais e

pessoais. Analisando-as, foram capazes de propor nova

tigos saberes, respeitando e acolhendo os saberes de seus pares.

“- A partir das informações compartilhadas nos Eixos Temáticos pude repensar a minha

prática profissional e redirecioná-la.” (E., participante)

Page 108: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

107

“- O meu olhar para a minha realidade está mais ampliado, graças à ajuda das informações

teóricas.” .,N., participante)

sões, pude nortear caminhos para melhor condução do trabalho e

interação

muito no repensar da minha sala de aula.” (M., participante)

uma tarefa desafiadora, comple

o tema da educação inclusiv sentimentos particulares distintos e a

frustrações pessoais, as mudanças se

cada educ

zer, que quando o

sujeito (re)constrói o

como um sujeito do c

5.1 Indicadores de Avaliação do Curso

através dos conhecimentos

dquiridos ;

II Redes de contatos profissionais da Escola através dos palestrantes

convidados;

(L

“- Através das discus

com os alunos com necessidades especiais.” (R.,S., participante) “- A parte das informações teóricas do Curso e o contato com outros profissionais fizeram

com que eu reavaliasse minha prática.” (V., participante)

“- Os conhecimentos que tive aqui (no Curso), da forma dinâmica como tive, me ajudaram

Pensar em mudanças no âmbito da inclusão foi considerada, inicialmente,

xa e que envolvia vários âmbitos escolares. Estando

a ligado a vários

operaram ao nível do desejo de saber de

ador, de suas constituições enquanto sujeitos.

Leandro de Lajonquière (2003) nos esclarece que na medida em que o

sujeito (re)constrói o conhecimento socialmente compartilhado, (re)constrói o

conhecimento do outro em si mesmo. Portanto, cabe então di

conhecimento em si mesmo (quando o faz seu), constrói-se

onhecimento e do saber.

Podemos sintetizar os avanços trazidos pelo Curso de Formação de

Multiplicadores sobre Inclusão para Professores nos seguintes aspectos, e que

serão analisados detalhada e separadamente:

I. Auto-estima e autoconfiança do professor

a

.

Page 109: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

108

IIIEstratégias de ações sociais;

s para medir ou revelar aspectos

. Prática docente dos profissionais envolvidos no Curso;

IV.

Segundo Minayo e Souza (2005), com a construção de Indicadores de

Avaliação, buscam-se caminhos que sejam capazes de dimensionar e compreender

relações, movimentos, percepções, interpretações e eficiência, eficácia, efetividade e

resultado das ações no Curso desenvolvido. Os indicadores podem ser construídorelacionados aos diversos planos em observação: nos níveis individuais, coletivos, associativos, políticos, econômicos e culturais. Podem, por exemplo, ser instrumentos para mensurar a disponibilidade de bens e atividades, assim como acesso de diferentes atores a intervenções e programas, a relevância das ações executadas para a vida de cada um e a intensidade e o sentido das mudanças obtidas (MINAYO e SOUZA, 2005,p.104).

Ainda segundo as autoras supracitadas, os indicadores de uma

pesquisa qualitativa são aqueles que expressam a adoção ou rejeição de certas

atitudes, valores, estilos de comportamento e consciência. Os exemplos mais

constantes, de acordo com Minayo e Souza (2005), são oriundos da área da

Educação, expressando capacidades e habilidades desenvolvidas pelos indivíduos

como indicativos de seu desenvolvimento educacional.

I. Auto-estima e autoconfiança do professor por intermédio dos conhecimentos adquiridos

Maria Teresa de Melo (1999) salienta que o professor é um dos profissionais

que tem mais necessidade de se manter atualizado, aliando a tarefa de ensinar à

tarefa d

Universidade de Brasília12, sobre as condições de trabalho e a

saúde dos trabalhadores em Educação, revelou indicadores no mínimo

e estudar. Transformar essa necessidade em direito é fundamental para o

alcance da sua valorização profissional e desempenho em patamares de

competência exigidos pela sua própria função social.

Uma recente pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos

Trabalhadores em Educação (CNTE) em parceria com o Laboratório de Psicologia

do Trabalho - da

12 Dados da Pesquisa obtidos no site: <http://www.cnte.org.br//>

Page 110: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

109

perturba

social que leva para a escola

novos padrões de

educativos/informativ

sempre ao alcance

que interferem na rel

trabalho.

Os dados da pesquisa acima citada revelam que a auto-estima do professor

- já tão

a partir disto:

ouvindo

a escolar e na comunidade (BRASIL, 2006,p.13).

educativa.

São os

dores acerca da prática educativa relacionada à apropriação/expropriação

de competências. O novo perfil do aluno, como sujeito

comportamento; a competição com outros agentes

os fora da escola; a celeridade do avanço tecnológico, nem

de todos, foram alguns dos fatores, apontados pela pesquisa,

ação do professor com o conhecimento - objeto primeiro do seu

comprometida pela acentuada desvalorização salarial, sofre impactos que

ganham dimensão de verdadeira síndrome – a síndrome da desistência, conhecida

como burnout – diante da impotência em realizar sua tarefa. Mesmo sabendo,

teoricamente, como executá-la, faltam-lhe elementos essenciais à segurança da

prática pedagógica.

A formação do professor normalmente não é adequada para tantas e rápidas

mudanças, tampouco para a Educação Inclusiva, que exige do profissional uma

mudança de postura, no sentido de redefinir o seu papel, respeitando e entendendo

seu aluno – em suas particularidades, e desenvolver suas atividades

, formulando desafios e situações novas, acompanhando seu processo de

desenvolvimento.

Segundo orientações do Ministério da Educação, em uma material para

formação docente intitulado “Educar na Diversidade”, professores e professoras têm um papel fundamental na construção de escolas para todos e, para realizarem sua função social como educadores, devem adquirir habilidades para refletir sobre as práticas de ensino em sala de aula e para trabalhar em colaboração com seus pares a fim de contribuir na construção de abordagens educacionais dinâmicas e inclusivas, a partir das quais os estudantes com necessidades educacionais especiais têm acesso às mesmas oportunidades de aprendizagem e de participação na vid

Entretanto, uma política de formação profissional direcionada para essa

realidade precisa, pois, nascer no chão da escola para voltar-se a ela, atentando

para as múltiplas dimensões em sua formulação e implementação, capazes de

construir competências coletivas e definir a intencionalidade da prática

agentes educacionais da própria escola que conhecem as verdadeiras

necessidades e a realidade vivenciada no dia a dia. São eles que acompanham os

desafios da inclusão e que sabem da emergência de práticas realmente eficazes

Page 111: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

110

para melhorarmos as respostas educativas de todos os alunos. Nesse todos,

incluem-se também as minorias, inclusive os alunos com deficiências.

Todavia, cansados pelas exaustivas jornadas de trabalho, mal remunerados,

com for

cias, sem cair na tentação de

sistema

uando a própria Escola oferece recursos e espaços para debates e acesso

a novos

das de discussões sobre

os processos inclusivos de seus alunos que já vinham ocorrendo há mais de 10 anos

e objetiv

natureza das

mudanças ocorridas em um grupo, não se propondo a dimensionar

quantita

medo porque não conhecia. Hoje, sinto-me muito mais preparada, pois sei que tive acesso à

mações acadêmicas defasadas, com dificuldades de acesso a informações e

formações continuadas, o professor tem a sua auto-estima e sua autoconfiança

abaladas frente ao percurso de inclusão e de educação.

Ensinar é um trabalho complexo, que requer conhecimento, autonomia,

autoria, prazer e criatividade. O desafio está justamente em como “criar condições

para formar professores com tais competên

tizar tudo e transformá-los em cumpridores de tarefas” (CARDOSO e

LERNER, 2007,p.15).

Q

conhecimentos, propondo que seus professores recriem seus saberes a

respeito de suas práticas, falem sobre suas inseguranças e desconfortos, que

dialoguem com seus pares, sugerindo novas estratégias de ação, ela está

valorizando e incentivando a formação profissional de seu corpo docente.

A proposta do Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão

‘nasceu’ no próprio Colégio João Caetano em suas deman

ou garantir aos profissionais participantes, condições de refletir sobre o tema

através de subsídios teóricos, relatos de experiências e estudos de casos, definindo

a intencionalidade da prática educativa do corpo docente da referida instituição.

Para Costa (2000, apud MINAYO, 2005,p.128), avaliar a autoconfiança de

um participante do Curso é “aferir mudança na capacidade de acreditar em si e na

capacidade de se apoiar em suas próprias forças”. Este tipo de indicador qualitativo

é considerado por uma “baliza avaliativa”, que permite mapear a

tivamente o grau de variações ocorridas.

A melhoria na auto-estima e na autoconfiança de algum dos professores

participantes do Curso pode ser vista nos depoimentos citados abaixo:

“- Eu sempre tive muito medo de trabalhar com deficientes porque já ouvi muita gente dizer

que foi processado. Eu não conhecia os direitos, as legislações específicas para a deficiência. Eu tinha

Page 112: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

111

informações que faltavam à minha prática e me deixavam insegura. O Curso me proporcionou o que o

nosso município não oferece: acesso à informação. Isso me faltava e eu me sinto muito melhor hoje e

com mais certezas para a minha prática profissional.” (R., participante)

muitas atividades boas e eu não sabia. Eu me sinto mais preparada

hoje, pois tive acesso a leituras, pude conversar com outros profissionais e tenho mais confiança no

meu traba

escola é único, eu nunca vi. Aqui, eu estou tendo novos conhecimentos e

refletindo, ao mesmo tempo. Não vou mais trabalhar por intuição. Vou trabalhar com certezas, com

planejamento. Estou muito satisfeita e falei deste espaço para muitas outras amigas que ficaram

ticipante)

tou tendo novas idéias para minhas aulas e tirei muitas dúvidas que tinha há muito tempo

sobre inc

“- Eu acho que

tempo. Eu sempre busq

refletirmos. Eu tinha muitas dúvidas, sobre nomenclatura, sobre Direitos, sobre algumas terminologias

médicas,

“- Minha formação, e acho que da maioria das colegas, foi muito precária para o trabalho com

Educação Inclusiva. Apesar da Escola me dar todo o suporte, me ajudar muito, eu me sentia

despreparada. Trabalhando o dia todo, sinto-me cansada para fazer uma nova faculdade, pois a idade

pesa. No Curso, vi que eu sabia muitas coisas e que faltava espaço para compartilhar com minhas

colegas da Escola. Vi que eu fazia

lho daqui para frente. Mas, ainda preciso estudar muito!” (S., participante)

“-Sempre amei o trabalho com alunos especiais, e sempre fiz com muito carinho. Entretanto,

na Escola onde eu trabalhava, eu fazia por intuição. Nunca tive amparo, apoio, nunca me disseram que

era para agir daquela ou desta forma. Eu era recém-formada e não tinha experiência. A minha sorte é

que fiz com tanto amor e estudei tanto por conta própria, que deu certo. Sentia falta de dialogar, de

conversar. Este espaço desta

surpresas! Sou uma pessoa muito mais consciente hoje do que há tempos atrás.” (V., par “- Eu trouxe esta colega para o encontro de hoje sem saber que não poderiam vir pessoas de

fora. Peço desculpas... Mas eu estou tão motivada e animada com o Curso que falei dele na faculdade.

A turma toda queria vir, mas esta amiga me fez prometer que eu a traria hoje. Eu tenho sede de

conhecer sobre Educação Especial e são raros os lugares que sabem motivar o participante e o deixam

refletir. Eu es

lusão.” (C., participante)

só mesmo um Curso sobre inclusão é capaz de nos trazer aqui por tanto

uei muito sobre o tema, mas achei ótimo ter um espaço na Escola para

enfim, eu tinha dúvidas que não tinha aprendido na faculdade e não tive a quem perguntar.

Hoje, estou mais segura e sei que os conhecimentos deste Curso complementaram minha formação da

Page 113: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

112

faculdade em Educação Especial – que foi muito rápida e me deixaram mais feliz para o trabalho na

Escola.” (A. M., participante)

II. Redes de contatos profissionais da Escola através dos palestrantes convidados

Segundo Hirchzon e Ditolvo (2004,p.388) a importância do trabalho

interdisciplinar, com o contato com profissionais de diversas áreas, possibilita a

apresentação e o intercâmbio entre os diferentes vértices, revelando uma forma

mais ampla e multifacetada da complexa realidade dos alunos e de suas relações

com eles.

Para as autoras, trabalhar a interdisciplinaridade não significa negar as

especialidades e a objetividade de cada ciência. A necessidade de romper com a tendência fragmentadora e desarticulada do processo de conhecimento justifica-se pela compreensão da interação e transformação recíprocas entre as diferentes áreas do saber (HIRCHZON e DITOLVO, 2004,p.388).

A busca por novas e variadas interfaces, levou-nos a muitos profissionais

importantes para o processo de ampliação de nossos conhecimentos. Seja na área

da Medicina ou da Psicologia, os palestrantes convidados representaram a

possibilidade de interlocuções mais freqüentes com suas áreas de atuação, o que

pode representar melhoria na qualidade do atendimento aos nossos alunos.

Além disso, o encontro com os pais do aluno com deficiência auditiva

proporcionou uma riquíssima fonte de trocas de experiências e sugestões entre

professores e família, evidenciando o enlace desejado para o processo de inclusão.

Quando a família participa ativamente das atividades da escola, tais como os

profissionais que atendem o aluno, todos se tornam responsáveis pela

aprendizagem do mesmo, pelo seu bem-estar social e escolar, pelos seus

progressos e podem, assim, discutir juntos os possíveis obstáculos enfrentados ao

longo do percurso de inclusão.

Destacando o encontro do Eixo Temático I: Deficiência e Inclusão com os

pais do aluno com deficiência auditiva, seguem os relatos dos mesmos sobre esta

parceria e possibilidade de interlocução com vários professores da escola e de um

professor participante sobre o encontro, na oportunidade do Curso:

Page 114: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

113

“- Este encontro foi maravilhoso para nós (pais do menino F.), pois pudemos esclarecer uma

série de dúvidas que tínhamos com relação a como lidar com o nosso filho. Coisas aparentemente

simples, mas que para nós causavam problemas. Vocês nos ajudaram em técnicas que podemos fazer

em casa: elaborar cartazes, ter um quadro de recados para ele não esquecer as tarefas do dia,

utilizarmos menos os recursos que o cansam, enfim, técnicas pedagógicas. Na correria de nosso dia a

dia, nem sempre tínhamos tempo de perguntar coisas tão corriqueiras. Estamos dispostos a fazer tudo

por ele! Temos feito o que está ao nosso alcance: aparelho auditivo, terapias, uma boa escola, esporte.

Queremos que ele seja feliz, que saiba conviver com esta diferença. Hoje, ouvindo este professor de

Matemática do segundo segmento do Ensino Fundamental desta escola, vi que existe muita gente

envolvida na melhora do nosso filho. Este professor, que nem dá aulas para o F., nos deu dicas

maravilho

vocês: uma equipe! Gostaríamos de convidar à Coordenadora deste Curso a

implementá-lo em nossa ONG para a multiplicação destes conceitos. Montamos uma ONG de

acolhime

os entrar em contato com a outra realidade

do aluno para entendermos melhor as diferenças. Ouvindo a família, pude conhecê-la melhor e pude

analisar a situação do aluno por outro ângulo. Na Escola, não conseguimos ter esta relação tão

speciais. E, hoje, com este encontro,

fizemos o que seria ideal fazer com todas as famílias. Além de termos conhecido o projeto destas

pessoas

nto a ser destacado foi o da terapeuta convidada que atende

a uma aluna da escola. Em sua primeira visita à instituição, destacou a importância

sas, fez um intercâmbio com o nosso problema. Quando o F. for aluno dele, ele já vai saber

do caso, já vai estar familiarizado. Acho que hoje, neste encontro, tivemos muitas saídas! Só temos a

agradecer a todos

nto à moradores de rua e temos recebido muitas pessoas com deficiência. Temos médicos e

assistentes sociais que trabalham em parceria, mas este Curso é uma grande fonte de capacitação aos

que trabalham diretamente com as pessoas acolhidas.” (pais do aluno F., convidados do encontro do Eixo Temático I – dia 06/10/07)

“- O encontro de hoje, com os pais do aluno F., vi o quanto as pessoas devem ter

comprometimento com as situações adversas. Isso me deu uma dimensão ainda maior da importância

de nosso trabalho de inclusão na escola e o quanto devem

particular com as famílias das crianças com necessidades e

com a ONG, já tendo a possibilidade de multiplicarmos o Curso neste espaço, para mais

pessoas comprometidas com a inclusão.” (S.M., participante)

Outro depoime

desta parceria:

Page 115: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

114

“- A aluna A.,

profissionais, além da su

método específico para

deste processo para que asa, escola,

consultório. A parceria com a escola é fundamental e imprescindível, pois pode-se trocar informações e

articular

de 5 anos, vai ganhar muito com este encontro, que atingiu muitos outros

a própria professora e da Coordenadora que a atendem. Por tratar-se de um

o Transtorno Global de Desenvolvimento13, a equipe deve estar consciente

a aluna possa ser ajudada em seus ambientes de atuação: c

novos caminhos para um atendimento mais eficaz. O encontro de hoje é a abertura de

possibilidades de trocas e parcerias com toda a equipe da Escola, não só a da Educação Infantil”. (B., palestrante convidada do Eixo Temático II – dia 08/03/08)

III. Prática docente dos profissionais envolvidos no Curso O processo de inclusão convoca a todos os agentes envolvidos na

Educação a conceber o processo de ensino-aprendizagem de outra forma: como um

process

mpetência que a escola deve consolidar e sempre renovar é aquela a na propriedade do conhecimento como instrumento mais eficaz da

pção direcionada

para o

o dinâmico de aprender a aprender, direcionado à singularidade de cada um

e de cada sociedade. O que marcaria a modernidade educativa seria a didática de aprender a aprender, ou do saber pensar, englobando, num todo só, a necessidade de apropriação do conhecimento disponível e seu manejo criativo e crítico. A cofundademancipação das pessoas e da sociedade (DEMO, 1992,p.25).

Qual a importância de um trabalho através de uma conce

“aprender a aprender”? A importância está no fato de que o processo de

desenvolvimento das práticas docentes precisa ser construído/reconstruído em

função das necessidades específicas e gerais do aluno.

Leny Mrech (2003) caracteriza esse processo de construção/

desconstrução/reconstrução de “aprender a aprender”. Para a autora, “aprender a

aprender” é ir além de onde se está, é aprender a lidar com os processos de

resistências e paralisação do saber, é aprender a aprender a lidar com os processos

de distorção do saber tanto por parte dos alunos quanto dos próprios professores.

“Aprender a aprender” permite ao professor distanciar-se de atos de pré-

concepção da realidade pedagógica, que revelam apenas posições preconceituosas,

10 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, em sua Décima edição revisada. 13 Nomenclatura utilizada pelo CID

Page 116: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

115

de ignorância e desconhecimento por parte daqueles que os realizam. Atos que

revelam que se ficou apenas na ação, na situação prévia, não se conseguindo,

assim, captar o novo.

dizagem dos alunos com muito mais freqüência. Mas,

nós, ed

normal ou normalizador, o que acaba

desenca

algum tipo de

deficiên

Não é por acaso

Com isto, nós acabamos perdendo o sentido mais amplo da Educação, que

é o de levar alguém a estudar, a tecer o saber, a descobrir o que realmente

necessita para aprender, levando em conta suas particularidades.

Com o crescimento da Educação Especial no Brasil, as salas de aulas

começaram a conviver com a heterogeneidade, com as diferenças de ritmos nos

processos de ensino-apren

ucadores, não tivemos, ao longo de nossa formação acadêmica, uma

preparação para trabalharmos a diversidade. Ao contrário, os professores recebem

em seus cursos de formação concepções prévias de como deverão agir com seus

alunos , de uma forma determinada. O privilegiamento é enquadrar todos os alunos

dentro de um contexto de desenvolvimento

deando a emergência do processo inverso, isto é, a exclusão dos alunos

“diferentes” e/ou deficientes dentro das salas de aulas comuns.

Isso acaba desencadeando uma distorção de todo o processo de construção

da relação professor-aluno, pois, antes de observar como o aluno estrutura seu

raciocínio, o professor já está às voltas com um procedimento de encaixe, tentando

vê-lo como aluno “normal”, com distúrbios de aprendizagem ou com

cia.

O momento atual da Educação Inclusiva nos conduz a um questionamento

sério com relação à maneira como aprendemos a pensar tradicionalmente nossos

alunos. Aprendemos a tecer imagens, aprendemos como atuar. Imagens que

acreditamos, que validamos como reais. O que não percebemos (ou estamos ainda

aprendendo a perceber) é que estes alunos “ideais” estavam em outro lugar, e não

em nossas salas de aula.

O real se introduz por entre as frestas das imagens, revelando que nós

queremos o sonho à realidade. Preferimos a fantasia à realidade.

que nós preferimos o nosso sistema de crenças, de estereótipos, de preconceitos.

Eles mantêm a nossa crença de que as coisas não mudam, de que o real

permanece o mesmo, não se transformando.

Para a Psicanálise, a noção de imaginário está referenciada a uma das

primeiras elaborações teóricas de Jacques Lacan, a respeito da fase do espelho. O

Page 117: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

116

autor pu

orrespondem às antigas crenças

e pré-c

das concepções narcísicas, do tentar fazer com que o outro

pense c

sua imagem e

semelha

s que apenas a nossa palavra seja escutada. Romper com

esta es

desejos.

Em Sobre o

se assemelha a nós

vem ocupar o lugar do eu, em espelho, e a satisfação permanece narcísica. Ou

então, amamos a quem nos cuida e nos protege, e aqui o termo de amor é ainda o

eu: o ob

nha em evidência a idéia de que o ego da criança constitui-se a partir da

imagem do seu semelhante (ego especular). “Ao considerarmos esta experiência

princeps, podemos qualificar como imaginário a relação fundamentalmente narcísica

do sujeito com o seu ego” (LAPLANCHE e PONTALIS, 2004,p.234).

Muitas vezes, as imagens que o professor vê à sua frente, nem sempre são

as que ele gostaria de ver. São imagens que não c

oncepções de “criança ideal”: inteligente e sem características que

contraponham à sua idéia de beleza. Este modo de ver o mundo através do seu ego,

do seu eu (egocentrismo), é um processo intitulado pela Psicanálise como

narcisismo: um nome que emergiu do mito de Narciso14. Há, no mundo atual, um

florescimento enorme

omo nós, da transformação do outro numa projeção imagética do eu e,

assim, do distanciamento do reconhecimento da própria alteridade.

Para a teoria psicanalítica, no narcisismo o sujeito toma a si mesmo como

objeto de amor, como o eu ideal, e na escolha narcísica de objeto, o sujeito elege

um outro segundo imagem reflexa do próprio eu, um outro à

nça. O narcisista crê que é outro que está à sua frente quando, na verdade,

é ele mesmo. Dessa forma, se esse outro encarna a imagem do próprio eu, o eu

ideal, ele representa o absoluto de um ser amado.

O narcisismo faz com que nós nos afoguemos em nossa própria imagem;

faz com que queiramo

colha narcísica de objeto é permitir que a alteridade exista como um valor,

como uma possibilidade de vermos o outro em sua multiplicidade de falas, de

atitudes, de

Narcisismo: uma introdução (1914), Freud diz: amamos o que

ou o que se assemelha a nosso ideal – e neste caso, o objeto

jeto de amor tem a tarefa de satisfazer os interesses do eu. 14 “Narciso era o grande amor da ninfa Eco. Mas ela não conseguia se aproximar do amado, pois cada vez que tentava chegar perto dele, repetia apenas o eco de suas palavras. Ou seja, Eco não pensava sozinha, pensava com pensamento de outro. Apenas um milagre poderia ajudá-la. O que fez com que ela acabasse solicitando a Eros – o Deus do Amor, que colocasse um encantamento em Narciso, para que ele pudesse se apaixonar por ela. Zeus, compadecido dos sofrimentos de Eco, atende à solicitação e lança um encantamento onde Narciso deveria se apaixonar pela primeira pessoa que visse. Acontece que, por azar de Eco, a primeira pessoa que ele acaba vendo, é a sua imagem refletida em um lago. O que leva Narciso a tentar se unir à figura amada, fazendo com que ele se afogue ao tentar capturar a própria imagem.” (MRECH, 2003,p.22)

Page 118: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

117

Freud em suas Reflexões para os tempos de guerra e morte (1915), e

depois em O futuro de uma ilusão (1927), diz esperar-se que a educação renuncie a

se apoia

pel e desprender-se do narcisismo, para que evite o que consistiria em situar a criança como seu eu ideal

(1987,p.157).

concepções e postulados

de “alunos-ideais”, tendo a oportunidade de redirecionar este olhar para os seus

“alunos

de tudo, a tentativa de resignificação da imagem

de alun

, eu me sinto com

dificuldade, com medo de como lidar , de como proceder...Quando o aluno não consegue corresponder

à minhas

r na ilusão e dê lugar à realidade, deixando de dar primazia ao narcisismo, a

uma satisfação narcísica pautada em uma imagem de perfeição puramente

imaginária: o eu ideal.

Na conclusão de seu livro Freud Antipedagogo, Catherine Millot explicita,

assim, o seu ponto de vista sobre uma possível aproximação entre a Psicanálise e a

Educação: A psicanálise não pode interessar à educação salvo no próprio campo da psicanálise, isto é, pela psicanálise do educador e da criança. Na criança, para suspender os recalques; no educador, a fim de que saiba não abusar de seu paempecilho

Tarefa nada fácil... Desprender do olhar dirigido ao outro o nosso próprio

conceito de ideal, de imagens idealizadas, pré-concebidas. O espaço do Curso de

Formação de multiplicadores sobre inclusão para professores pretendeu

ressignificar, através das falas dos próprios participantes, estas imagens pré-

concebidas e estereotipadas acerca de seus alunos com necessidades especiais.

Ao falarem, os professores entraram em contato com suas

-reais”, repletos de desejos e oportunidades de aprendizado.

Ao perceberem esta ruptura na própria escolha narcísica de “aluno-ideal”, os

participantes puderam criar espaços de reelaboração de suas práticas, de seus

conceitos, de seus discursos.

Alguns depoimentos a seguir expressam a noção de “aluno-ideal” criada

pelo próprio professor e o impacto causado pela chegada do “aluno diferente” na

sala de aula. Mas, mostram, acima

o-perfeito e do conceito de normalidade, possibilitando a emergência de

práticas educativas mais coerentes e bem-sucedidas, pois vão ao encontro às reais

necessidades de seus alunos.

“- Quando eu me deparo com um ‘aluno-diferente’ na minha sala de aula

expectativas, sinto-me muito frustrado e um pouco confuso com esta situação. Eu acho que a

minha maior queixa quanto à esta situação é o despreparo do corpo docente para lidar com o diferente,

Page 119: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

118

com o novo. Espero para os meus alunos considerados especiais, a mesma perspectiva em atingir o

êxito na aprendizagem quanto os outros da turma.” (C.B., participante)

“- Minha primeira sensação quando me deparo com uma criança diferente é não saber como

trabalhar com ela. Imaginamos sempre o aluno que aprende, o aluno comportado, o aluno inteligente.

Quando

Sempre me questionei se havia uma ‘criança ideal’. Acho que não. Mas, o deficiente, o

aluno com dificuldades de aprendizagem me causa um frio na barriga, uma sensação de um enorme

desafio. Tenho a sensação de incapacidade, de que não vou conseguir conquistar o MEU objetivo.

Mas, espero poder, cada vez mais, compreender o que leva este aluno a não entender. Espero que

eles possam ser livres de discriminação e tenham um futuro feliz.” (A., participante)

especial tenho muito medo. O que fazer? Como me adaptar ao

inesperado? Como não permitir que a criança sinta a minha insegurança? Como formular este não-

esperado

o muito frustrada quando o meu aluno não aprende, por eu não ter conseguido discernir

se ele es

chega um aluno diferente, eu me sinto muito aflita, parece que não o conheço. O meu

desconforto nesta situação é saber que ele não vai ter o mesmo momento de aprendizagem dos

outros, vai ter o seu ritmo. Mas, eu procuro tentar vencer esta minha ansiedade com o meu

conhecimento. Assim, acho que ele vai poder conviver com uma professora mais comprometida com o

seu desenvolvimento.” (S.M, participante)

“-

“-Quando recebo um aluno

na minha consciência? Acredito que este desconforto seja uma certa impaciência com o ritmo

diferente do outro. Nesta hora, preciso refletir sobre minha prática e buscar a solução em mim mesma,

dissolvendo minhas próprias barreiras, vendo o aluno como ele é e não como eu gostaria que ele fosse.” (E., participante)

“- Fic

tava com algum problema ou se era eu quem estava fazendo algo errado. Eu sei que ele se

espelha em mim para fazer alguma coisa e eu sinto que não posso errar, não posso demonstrar medo,

insegurança. Mas o diferente me assusta! Eu estou buscando constantes aprimoramentos pessoais

para analisar minha dificuldade em lidar com o fracasso do meu aluno, que no fundo, deve ser um

fracasso meu.” (A . O., participante)

Page 120: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

119

IV. Estratégias de ações sociais Na experiência do Curso de Formação de Multiplicadores sobre inclusão,

percebi

teóricos e práticas junto

aos pares.

ca, permitindo seu

acesso

m nós mesmos, podendo nos

libertar do terror que ele provoca. Assim sendo, podemos experimentar o efeito

diferenc

ais espaços de reflexão sobre sua própria prática de

inclusão, pois não adianta falar da situação geral, do mundo, sem olhar para a sua realidade. Enquanto

professor

que a mudança conceitual e atitudinal por parte dos professores

participantes, ou seja, ao esforço dos mesmos para romper com o conhecido e o

familiar na temática da educação inclusiva, esteve muito facilitada pelo fornecimento

de subsídios e oportunidades de reflexões com materiais

No lugar de respostas prontas, de “receitas milagrosas” de como trabalhar

com estes alunos “diferentes”, acenou-se ao professor com a possibilidade de que

fale sobre sua experiência e faça a interlocução com seus pares. Deste modo,

possibilitou-se uma circulação discursiva que tira o professor do lugar de queixa e

impotência e o põe a se interrogar sobre sua prática pedagógi

a conhecimentos teóricos, incentivando-o a tornar-se pesquisador em busca

de seus próprios saberes.

As questões inicialmente trazidas pelos professores - que se resumiam a

saber sobre diagnósticos, características da patologia apresentada pelo aluno X,

foram dando lugar à escuta do estranho que há e

iador da alteridade e descobrir, com confiança, caminhos para lidarmos com

as diferenças; com nossas próprias diferenças.

Os Eixos Temáticos visavam criar debates acerca de ações práticas para o

processo de inclusão na escola, sempre partindo das experiências pessoais dos

participantes. E realmente criaram, frutificando várias sugestões sobre o processo de

ensino-aprendizagem na realidade educacional vivenciada.

“- A educação inclusiva só é real com professores capacitados e com a mobilização da

sociedade. Outras escolas deveriam ter m

a, meus conhecimentos devem ser discutidos, conversados com o meu grupo. Esta é a

verdadeira inclusão: aquela que pensa no professor também.” (L., participante) “- A meta da instituição inclusiva deve ser a de capacitar o seu corpo docente sem esquecer

das famílias. Aqui, no João Caetano, os pais têm dúvidas como nós temos, têm os mesmos receios,

Page 121: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

120

mas procuramos respostas juntas, em um trabalho conjunto. A escola que esquece de incluir a família

no processo de conquistas, não elabora bem suas atividades. Incluir as famílias na elaboração de

metas e objetivos para o aluno é fundamental.” (S. participante)

a a nossa rua, depois para o nosso bairro. Isso é o

princípio da Multiplicação.” (V., participante)

ticipantes)

“- A nossa comunidade precisa se mobilizar para a questão da acessibilidade. Não tê-la, é um

direito violado dos deficientes. Precisamos agir, em nossas escolas de atuação, em nossos núcleos

sociais para esta conquista, que é primordial. Para isto, temos que divulgar os direitos dos deficientes.

Este, são ignorados pela sociedade por falta de acesso. Eu mesma vou falar deles com uma vizinha

minha, que tem direito ao benefício do INSS, mas ela nem sabe como recorrer. Eu vou ajudá-la e

outras pessoas serão beneficiadas com este meu conhecimento, agora também em textos. Isso é o

que a nossa comunidade precisa: conhecimentos partilhados, mãos unidas em prol de conquistas.

Vamos começar pela nossa Escola, passar par

“- A falta de conhecimento gera medo e atitudes preconceituosas. É hora de pegarmos o

bastão do saber e seguirmos adiante. As ações práticas para a verdadeira inclusão e garantia de

direitos, este processo que nosso grupo (formado por 3 participantes) sugere é um maior acesso à

mídia, ao contexto de informações e maior discussão na própria escola. Sugerimos que sejam

denunciados os não-cumprimentos das leis propostas e que isto seja divulgado. As leis já não são

conhecidas, se não colocarmos em prática as (leis) que temos acesso, elas não terão garantia de

vigência em nossa comunidade. Não temos que ter medo de denúncia, nem dentro de nossa escola.”

(grupo de 3 par

“- Sugiro ações práticas com os alunos, de garantia dos seus direitos e que estes sejam

levados ao conhecimento de todos. A inclusão não passa só pela convivência da criança em salas

regulares. É necessário que sejam promovidas ações para garantir seus direitos e que promovam o

bem-estar dela na escola. Criar espaços para que a criança em processo de inclusão fale de suas

experiências, de como se sente no ambiente escolar, de como é tratada, se é feliz. Fala-se muito do

mal-estar do professor. Mas, e o mal-estar da criança? É preciso haver espaço para que ela fale de

suas necessidades, sem se preocupar no estereótipo que criaram para ela de ter que ser normal. Eu

pergunto: o que é ser normal?” (C., participante)

Percebe-se, pelos depoimentos supracitados, que há muito que fazer! Desde

a garantia da inclusão e aprendizagem dos alunos, passando pela defesa dos

Page 122: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

121

direitos dos que têm deficiência, até a verdadeira promoção de saúde. Nos

modernos conceitos da Saúde Pública, ser saudável deve significar a possibilidade

de atuar, de produzir sua própria saúde, através de ações que influenciem o seu

meio – ações políticas para a redução de desigualdades, educação, cooperação

entre setores, participação na sociedade civil. Ser saudável é poder exercer a cidadania.

Para isso, as ações inclusivas devem ser multiplicadas em vários núcleos de

atuação, de forma consciente e eficaz. Não basta promover a inclusão. Deve-se

promover a autonomia dos sujeitos para as suas relações com os outros, com o

mundo. Deve-se libertar o aluno da ditadura de “aluno-ideal”, de seguidor dos

padrões narcísicos de normalidade e beleza, já discutidos anteriormente. Deve-se

buscar no professor a sua figura de eterno aprendiz do saber-não-sabido, pois é ele

quem verdadeiramente desperta a aprendizagem do aluno. Ao se propor à atitude

de “aprender a aprender”, o professor ressignifica seus próprios saberes e é capaz

de uma prática docente muito mais coerente, pois tentará traduzir os desejos

particulares de seus alunos-sujeitos.

Multiplicando certas práticas que propiciem a ressignificação de atos e falas,

as ações sociais poderão ganhar proporções ainda maiores, em demais localidades

onde, possivelmente, outros professores estão precisando de um espaço de reflexão

e discussão acerca do que é garantir a inclusão, defender os direitos de seus alunos

e promover saúde no âmbito educacional e comunitário. Portanto, os

Multiplicadores desse Curso podem ser, realmente, sujeitos semeando

possibilidades para novas ações, como veremos em detalhes no próximo capítulo.

,

Page 123: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

122

“Mas a vida, a vida... A vida só é possível

reinventada.”

Cecília Meireles•

• Desenho de alguns professores participantes do Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão do Colégio João Caetano, sobre a experiência do Curso.

Page 124: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

123

CAPÍTULO 6. Promoção de Saúde e Multiplicadores: enlaces do Terceiro Milênio

Por definição, a abordagem da Saúde Pública a qualquer problema é

a em conhecimentos de

iversas áreas, como a Medicina, a Epidemiologia, a Sociologia, a Psicologia, a

Educaç

papel importante na solução do problema, e, coletivamente,

as várias abordage

promoção de saúde d

Em nenhum

década atual. Desde

da doença para a noção de bem-estar físico e mental, e daí para um conceito mais

amplo q

ensino médico

de cará

interdisciplinar e com ampla base científica. Ela se basei

d

ão, a Economia. Tal embasamento permitiu que a Saúde Pública fosse

inovadora e sensível a um amplo espectro de enfermidades em todo o mundo

(DAHLBERG e KRUG, 2006,p.165).

A abordagem da Saúde Pública coloca ênfase nas ações coletivas. Com

freqüência, tem sido comprovado que esforços coletivos provenientes de setores

diversos, como saúde, educação, serviço social, justiça e políticas, são necessários

para solucionar aquilo que usualmente é um problema unicamente médico. Cada

setor desempenha um

ns têm o potencial de produzir ações relevantes sobre a

e pessoas com deficiências – foco de estudo deste trabalho.

outro momento falou-se tanto em promoção de saúde como na

alguns anos, a nossa visão de saúde passou de mera ausência

ue inclui uma adequação de vida social. Segundo a análise de Santos e

Westphal (1999), modificou-se a prática sanitária, passando-se da antiga –

curativista, para a atual – a vigilância da saúde, com sua estratégia de promover

saúde para todos.

6.1 Recorrendo à História para compreender a atualidade

Os autores supracitados explicam essa mudança de paradigma no campo

da saúde pública retomando a situação da morbi-mortalidade em todo o mundo,

vivida no século XIX, caracterizada pela predominância de doenças infecciosas

sobre as demais. No campo da saúde vivia-se ainda uma prática do

ter empírico, não especializado. O movimento sanitarista existente naquele

momento na Europa e na América do Norte conseguiu interferir na situação da

Page 125: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

124

saúde em numerosas cidades do mundo, por meio de legislações e grandes obras

da engenharia civil. Seus êxitos para diminuir a tuberculose e, sobretudo, fazer desasurtos epidêmicos de cólera, contribuíram para criar a primei

parecer os ra época

observada no transcorrer do século XIX foi se alterando com a

diminuiç

salidade

das doenças e apontaram a conceituação de fator de risco das doenças

degenerativas, quase sempre associadas ao meio físico e/ou social.

det (1994), como conseqüência mais imediata deste

processo, houve o deslocamento da ênfase curativa da doença para a prevenção. O

conceito de Saúde, no início do século XX, já não se limitava aos elementos

do século XX, foram fatores que cont

paradigma: a promoA nova saúd

reconhecimento de que a saúde de um sujeito, de um grupo ou de uma comunidade

depend

dourada da saúde pública. Nessa época foram fundadas as primeiras instituições universitárias, indicando responsáveis por saúde em regiões administrativas e também surgiram as primeiras comunidades científicas (SANTOS e WESTPHAL, 1999,p.03).

Nesta época de epidemias mundiais, que antecedeu ao séc.XX, toma corpo

a idéia biológica da doença. Esta teria uma só causa, com um germe originando

cada etiologia. Portanto, desta noção decorre que a saúde era a ausência de

doença, isto é, a ausência de um agravo causado por um germe.

Carlos Alvarez Dardet (1994,p.39) elucida-nos que a situação de morbi-

mortalidade

ão das doenças transmissíveis e, conseqüentemente, o aumento das

denominadas degenerativas, devido essencialmente às melhorias nas condições

gerais de vida da população. Os progressos na área das pesquisas médicas,

especialmente da epidemiologia e imunologia, indicaram a idéia de multicau

Ainda segundo Dar

tradicionais do curativismo: doença, diagnóstico, terapia e recuperação da saúde. A

saúde não representava mais, simplesmente, a ausência de uma doença.

A crise do curativismo, a nova abordagem da saúde preventiva, a ampliação

do conceito de educação sanitária – afastando-se da abordagem higienista do início

ribuíram para a emergência do novo

ção de saúde.

e pública, ressaltada por Santos e Westphal (1999), surge do

e também das coisas que o homem criou e faz, das interações dos grupos

sociais, das políticas adotadas pelo governo, inclusive os próprios mecanismos de

atenção à doença, do ensino da medicina, da educação, das intervenções com a

sociedade.

Page 126: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

125

Assim, a saúde passa a ser compreendida enquanto qualidade de vida e não

apenas como ausência de doença, determinando que os problemas de saúde sejam

enfrentados valendo-se de ações intersetoriais, visto que extrapolam a

responsabilidade exclusiva do setor de saúde (AERTS, ALVES et al, 2004).

a postura voltada para controlar fatores de risco e

a promoção de saúde supõe uma concepção que não

restrinja a saúde à a

determinantes. Incid

prestação de servi

envolvam a educaçã

alimentação, o meio

outros determinantes

Para Labonte (1994), a promoção de saúde assumiu a saúde como

produçã

omoção de saúde passou a

ganhar destaque no

oficialmente pela Org

e sua prática for

6.2 A Promoção de Saúde Segundo Sícoli e Nascimento (2003), esta nova maneira de interpretar as

necessidades e ações de saúde, não mais numa perspectiva unicamente biológica,

mecanicista, individual, específica, mas numa perspectiva contextual, histórica,

coletiva, ampla, representa um novo paradigma no campo da Saúde: a Promoção de

Saúde! Assim, de umcomportamentos individuais, a Saúde Pública volta-se para eleger metas para a ação política para a saúde, direcionadas ao coletivo (SÍCOLI & NASCIMENTO, 2003,p.104).

Intimamente relacionada à vigilância da saúde e a um movimento de crítica à

medicalização do setor,

usência de doença, mas que seja capaz de atuar sobre seus

indo sobre as condições de vida da população, extrapola a

ços clínico-assistenciais, supondo ações intersetoriais que

o, o saneamento básico, a habitação, a renda, o trabalho, a

ambiente, o acesso a bens e serviços essenciais, o lazer, entre

sociais da saúde.

o social, passando a valorizar mais intensamente determinantes sócio-

econômicos, a instigar o compromisso político e a formentar as transformações

sociais.

Neste contexto, a partir da década de 1980, a pr

campo da Saúde Pública, tendo o conceito sido introduzido

anização Mundial de Saúde (OMS,1986). Seu marco conceitual

em desenvolvidos predominantemente por Organizações

Page 127: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

126

Internacionais e por

(SÍCOLI e NASCIME

A Carta de Otawa foi um marco muito importante. Inspirada pelos princípios

da Decl

o de Saúde (Otawa/Canadá), realizada

em 1986, declarou qu

de um estilo de ida saudável, na direção de um bem-estar global (CARTA DE OTAWA,

BRASIL, 2001,p.01).

não são assegurados

ade maior na mediação entre na sociedade (CARTA DE

través de ações comunitárias concretas e

o das comunidades é feito sobre os recursos humanos e materiais nelas existentes para intensificar a auto-ajuda e o apoio social, e

estudiosos da Europa Ocidental, Canadá e Estados Unidos

NTO, 2003).

aração de Alma Ata (1978) e pela meta “Saúde para todos no ano 2000”, a I

Conferência Internacional sobre Promoçã

e: Promoção da saúde é o nome dado ao processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. Para atingir um estado de completo bem-estar físico, mental e social os indivíduos e grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente. A saúde deve ser vista como um recurso para a vida, e não como objetivo de viver. Nesse sentido, a saúde é um conceito positivo, que enfatiza os recursos sociais e pessoais, bem como as capacidades físicas. Assim, a promoção da saúde não é esponsabilidade exclusiva do setor saúde, e vai para alémr

v

A Carta explica que a promoção está além do setor Saúde e enfatiza a

atribuição da promoção de fazer com que todos os setores, inclusive os não

diretamente implicados assumam a Saúde como meta e compreendam as

implicações de suas ações para a saúde da população. Os pré-requisitos e perspectivas para a saúde somente pelo setor saúde. Mais importante, a promoção da saúde demanda uma ação coordenada entre todas as partes envolvidas: governo, setor saúde e outros setores sociais e econômicos, organizações voluntárias e não-governamentais, autoridades locais, indústria e mídia. As pessoas, em todas as esferas da vida, devem envolver-se neste processo como indivíduos, famílias e comunidades. Os profissionais e grupos sociais, assim como o pessoal de saúde, têm a responsabilidos diferentes, em relação à saúde, existentesOTAWA, BRASIL, 2001,p.02).

A participação ativa da população é destacada como um meio essencial

para operacionalizar a promoção de saúde. A promoção da saúde trabalha aefetivas no desenvolvimento das prioridades, na tomada de decisão, na definição de estratégias e na sua implementação, visando a melhoria das condições de saúde. O centro deste processo é o incremento do poder das comunidades – a posse e o controle dos seus próprios esforços e destino.O desenvolviment

para desenvolver sistemas flexíveis de reforço da participação popular na direção dos assuntos de saúde. Isto requer um total e contínuo acesso à informação, às oportunidades de aprendizado para os assuntos de saúde, assim como apoio financeiro adequado (idem, 2001,p. 03).

Page 128: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

127

A II Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde, realizada em

Adelaide (Austrália) em 1988, enfatizou a elaboração de políticas públicas

saudáveis, caracterizadas “pelo interesse e preocupação explícitos de todas as

áreas das políticas públicas em relação à saúde e à equidade” (BRASIL, 2001,p.26).

Na Dec

forma Sanitária Brasileira ao instituir a

Saúde c

nhecidos, quer por

ações

. Assim, operacionalizar a promoção de saúde requer a cooperação entre

setores

laração, é afirmado que o principal propósito das políticas públicas saudáveis

é a criação de ambientes físicos e sociais favoráveis à saúde.

Nas Conferências seguintes, realizadas em Sundsvall (Suíça, 1991) e

Jacarta (Indonésia, 1997) e México (2000), são reiteradas as concepções anteriores

de que a “saúde é um direito humano fundamental e essencial para o

desenvolvimento social e econômico” (BRASIL, 2001,p.43).

Segundo a análise de Sícoli e Nascimento (2003), a promoção de saúde é

diretamente referida no Artigo 196, da Constituição federal de 1988. Sob a ótica da

saúde como um fenômeno multideterminado e produzido socialmente, o Artigo 196

expressa uma importante conquista da Re

omo direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988, art.196).

Neste sentido, ser saudável não pode ser apenas não estar doente, no

sentido tradicional. Deve significar também a possibilidade de atuar, de produzir a

sua própria saúde, quer mediante cuidados tradicionalmente co

que influenciem o seu meio – ações políticas para a redução das

desigualdades, educação, cooperação intersetorial, participação da sociedade civil

nas decisões que afetam a sua existência – para usar uma expressão bem

conhecida: o exercício da cidadania.

Dessa forma, a saúde é também subentendida como um fenômeno

produzido socialmente, extrapolando o campo específico da assistência médico-

curativa

envolvidos e a articulação de suas ações: legislação, sistema tributário e

medidas fiscais, educação, habitação, serviço social, cuidados primários em saúde,

trabalho, alimentação, lazer, transporte planejamento urbano, etc. (JUNQUEIRA,

1998,p.84). Segundo o autor, a intersetoridade é entendida como a articulação de

saberes e experiências no “planejamento, realização e avaliação, visando o

Page 129: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

128

desenvolvimento e inclusão social dos sujeitos, permitindo a ampliação de seus

exercícios de cidadania” (idem, 1998,p.85).

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS, 1986), o

empoderamento (empowerment) e uma participação social efetiva e concreta são os

princípios-chave da promoção de saúde. Sícoli e Nascimento (2003:108)

compreendem a participação social como sendo o envolvimento dos atores

ados – membros da comunidade e organizações afidiretamente interess ns,

profissionais da saúde e de outros setores - no processo de eleição de prioridades,

tomada

e modo a desenvolver práticas que

partam dos problem

1994).

disseminaç são bases para a tomada de

decisão

de decisões, implementação e avaliação das iniciativas.

No desenvolvimento de políticas de promoção de saúde, deve haver

contínua consulta, diálogo e troca de idéias entre os sujeitos e os grupos, tanto

leigos quanto profissionais. É do âmbito da promoção de saúde investir na formação

de cidadãos e trabalhar para a instituição de espaços verdadeiramente

democráticos, especialmente no nível local, d

as e necessidades de saúde desta comunidade (LABONTE,

ão da informação e a educação A

e componentes importantes da promoção de saúde, preocupação ligada ao

princípio do empoderamento, “entendido como processo de capacitação dos sujeitos

e comunidades para assumirem maior controle sobre os fatores pessoais, sócio-

econômicos e ambientais que afetam a saúde” (BECKER et al, 2004,p.657).

Estratégias de empoderamento de uma comunidade supõem, dentre outras

iniciativas, a educação para a cidadania, a socialização de informações, o

envolvimento na tomada de decisões dentro de um processo de diagnóstico, o

planejamento e a execução de projetos e ou iniciativas sociais.

un o et al (2004,p.657),

empowerment significa o aumento do poder e da autonomia pessoal e coletiva de sujeitos e grupos

Nos termos de Daniel Becker, Kátia Edm d

sociais nas relações interpessoais e institucionais, principalmente daqueles submetidos a relações de opressão, discriminação e dominação social.

Ainda segundo os autores, trata-se de um termo multifacetado, que contou

com a contribuição essencial de Paulo Freire para sua formulação original. Um dos

aspectos fundamentais do empowerment diz respeito às possibilidades de que a

ação local promova a formação de alianças políticas capazes de ampliar o debate do

Page 130: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

129

problema enfrentado no sentido de contextualizá-lo e favorecer a sua compreensão

como fenômeno histórico, estrutural e político. O trabalho comunitário, que busca o empowerment, contribui para o surgimento de um tecido social fortalecido pelas interações que promove, evidenciadas pelo caráter dialético e contraditório presente em todas as relações sociais e essencialmente confere “poder” ao sujeito social envolvido (BECKER et al, 2004,p.658).

Portanto, é possível supor que o processo de empoderamento resulta em

sujeitos mais mobilizados para a conquista de melhores condições de vida para suas

comunidades, para suas escolas, para suas famílias. São sujeitos envolvidos no

novo conceito de Saúde, que está diretamente relacionada e articulada à políticas

públicas s

os serviços

de saúd de exclusividade de produção e de promoção

de saúde” (p.15). T

importante para o

contribuindo para a c ue se sustentem

no cotid

o de Jakarta,1997;

Declara

audáveis, compromissadas com a justiça social, melhor distribuição de

renda, equidade, paz e, assim, com a promoção de saúde (SILVA, 1997).

6.3 A Escola Promotora de Saúde e os Multiplicadores Conceber uma comunidade como saudável, segundo Carlos Silva (1997)

implica na realização de ações em seus diferentes espaços, escolas, empresas,

indústrias, áreas de lazer e unidades de saúde, entre outros, “retirando d

e uma expectativa equivocada

ais ações, conforme ressalta o autor, tornam-se recursos

desenvolvimento social, econômico, histórico e cultural

onstrução de ambientes favoráveis à saúde, q

iano dos cidadãos, nos espaços de sua convivência.

A estratégia de Escola Promotora de Saúde surge no final dos anos 80,

como parte das mudanças conceituais e metodológicas que incorporam o conceito

de promoção da saúde na Saúde Pública, estendendo-o ao entorno escolar. A partir

da Carta de Ottawa, surgiram outros compromissos que reafirmam estes princípios e

enfatizam a importância de considerar a eqüidade e os determinantes sociais

(Declaração de Adelaide, 1998; Declaração de Sundsvall, 1991; Declaração de

Bogotá, 1992; Conferência do Caribe, 1993; Declaraçã

ção do México, 2000; Declaração do Chile, 2002).

A implantação de Escolas Promotoras de Saúde implica em um trabalho

conjunto de todos os integrantes da instituição educativa, do setor saúde e da

Page 131: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

130

comunidade e demanda a ação protagonista da comunidade educativa na

identificação das necessidades e problemas de saúde e na definição de estratégias

e linhas de ação pertinentes para abordá-los e enfrentá-los.

A Escola, portanto, caracteriza-se como um local privilegiado de promoção

de saú trução do conhecimento do

cidadão crítico, estim

atitudes mais saudáv

De acordo comular

e garantir uma participação ativa de cada ator envolvido: alunos e seus

nsabilidade individual, familiar e comunitária, gerando

ações l

que possui ambiente solidário e propício ao

aprendi

desenvolvimento de sua autonomia, intentando transformar a escola num espaço em que haja desejo e alegria na construção do conhecimento.

de se estiver inserida no processo de cons

ulando-o ao desenvolvimento de habilidades e à opção por

eis para as suas relações e para a sua própria vida.

m Carlos Silva, a escola que promotora de saúde é uma proposta inclusiva e deve esti

familiares, professores, funcionários, profissionais da saúde, associações e outros membros e setores da comunidade (1997,p.15).

Uma Escola Promotora de Saúde tem os objetivos de implementar atitudes e

ambientes mais saudáveis, desenvolver habilidades e estimular a tomada de

decisões através da respo

ocais participativas e que possam ser sustentáveis (AERTS et al, 2004;

SILVA, 1997). Entretanto, Carlos Silva (1997) é enfático ao dizer que para que isso

ocorra, a Escola precisa priorizar o diálogo, evitando monólogos autoritários de

propostas verticais, com soluções prontas e isoladas, aprimorando a escuta e dando

voz à comunidade escolar, garantindo o seu empoderamento.

A Escola promove saúde quando se torna uma escola cidadã, ou seja,

quando realmente contribui na construção de valores pessoais dos sujeitos

envolvidos na educação – entendida como um processo dialógico, problematizador e

inclusivo. A escola saudável é aquela

zado, engajando-se no desenvolvimento de propostas favorecedoras à

saúde e ao bem-estar de todos os seus sujeitos envolvidos, estando consciente de

suas necessidades e possibilidades.

Parafrazeando Denise Aerts et al (2004,p.11), A escola cidadã contribui para a promoção de saúde ao mesmo tempo em que busca formar cidadãos conscientes de seu estar ‘no’ e ‘com’ o mundo, refletindo criticamente sobre seus caminhos para construí-la de forma saudável. Tem como ideal um ensino voltado para a realidade do aluno e o

Neste cenário de reflexão acerca de caminhos mais conscientes para a

construção de uma Escola mais saudável para a aprendizagem dos seus alunos,

Page 132: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

131

respeitando suas particularidades, surge a importância dos professores

sensibilizados pelo conceito de Multiplicadores ao longo de todo o Curso realizado

no Colégio João Cae

É de suma aos seus

alunos, suas respectivas famílias e demais professores, na construção e efetivação

de práticas

iarem espaços de

go, escuta e confiança, que garantam a

aquisição de habilidades para a vida e para a

tano.

importância a atuação destes profissionais, junto

mais conscientes de educação, voltadas para a qualidade de vida e

sentido de cidadania. Os professores Multiplicadores podem potencializar, dentro ou

fora da instituição escolar, situações de valorização de cada sujeito em suas

particularidades, favorecendo a sua auto-estima, podem estimular o diálogo em seus

diferentes núcleos de convivência, propiciando apoio necessário para atitudes mais

saudáveis de viver em uma comunidade que deve estar preocupada em atender às

demandas de todos os seus cidadãos.

Neste sentido, os Multiplicadores sobre inclusão são, efetivamente,

promotores de saúde. Ao interagirem de modo ativo para cr

referência, apoio, informação, acesso, diálo

opção de crianças com deficiências ou

dificuldades de apredizagem e de suas famílias por um modo mais saudável de se

viver, estarão promovendo equidade e justiça social – dois dos preceitos do conceito

de Saúde.

Rosita Edler Carvalho (2006,p.68), ao analisar um documento da Oficina

Regional da UNESCO, conclui que “equidade implica educar

diferenças e necessidades individuais, sem que as condições econôm

de acordo com as

icas,

rocesso de mobilização da “Escola

Promoto

nidade mais solidária a partir do momento em que criam

ambientes favoráveis à saúde, não apenas no que se refere aos importantes

demográficas, étnicas ou de gênero acarretem um impedimento à aprendizagem”.

Sendo assim, a autora complementa que: o valor da equidade associado ao da igualdade de direitos, permite-nos diversificar as respostas educativas das escolas, sem prejuízo da qualidade, em respeito às diferenças individuais (CARVALHO, 2006,p.69).

Os Multiplicadores são protagonistas do p

ra de Saúde”, aquela com uma metodologia que garanta a interação e

participação de todos os seus sujeitos envolvidos, efetivando a aprendizagem, a

colaboração mútua, a livre expressão, a compreensão de suas especificidades e

necessidades. Os Multiplicadores podem ser capazes de promover uma verdadeira

escola cidadã e uma comu

Page 133: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

132

aspecto

os de atuação social.

aprendi

(oito) encontros, que desenvolveram

a temá

o favorecendo estratégias que realmente possam efetivar a verdadeira

aprendizagem de tod

permitindo a cooper

diversidade, o exercício da alterid

ultiplicar ações de inclusão é uma tarefa urgente, a qual a sociedade nos

convoca

s físicos-ambientais, mas também que garantam a segurança, os direitos e o

respeito para relações mais harmoniosas e solidárias entre as pessoas, inclusive na

questão de gênero, religião, dentre outras.

A proposta do Curso de Formação de Multiplicadores sobre inclusão para

professores pretendeu se configurar como um espaço de interlocução com as

demandas da escola e da comunidade, possibilitando a reflexão crítica entre os

participantes e um processo de desenvolvimento capaz de conscientizá-los acerca

dos direitos e deveres na área da inclusão, discutindo as práticas adotadas na

escola, mobilizando-os para ações cada vez mais eficazes e coerentes nas suas

salas de aula e também em seus núcle

Tornar-se Multiplicador, neste contexto, é ir a defesa do conceito de Escola

cidadã, apregoado por Silva (1997,p.18), que se traduz como uma importante

estratégia para a verdadeira inclusão educacional, pois transforma os objetivos e

saberes dos próprios educandos no enfoque primordial do processo de

zagem, “estimulando-lhes o pensamento crítico e qualificando a cooperação

e interação com o núcleo familiar e comunitário”.

Espera-se que os Multiplicadores sobre inclusão possam se tornar uma rede

de atores comprometidos com mais equidade social, mais solidariedade, justiça e,

portanto, mais comprometidos com a promoção de saúde e melhoria da qualidade

de vida de si mesmos e dos sujeitos ao seu entorno, comunidades, bairros, cidades,

estados e do próprio país.

O primeiro-grande passo já foi dado e as possibilidades de sujeitos mais

comprometidos e conscientes já estão lançadas: a sensibilização e a capacitação de

17 (dezesete) Multiplicadores sobre deficiência e inclusão, através do Curso

realizado no Colégio João Caetano. Após os 8

tica da Inclusão sob diferentes abordagens – inclusive a da Promoção de

Saúde, os novos Multiplicadores já estão em suas salas de aula e em suas áreas de

atuaçã

os os alunos, garantindo seu acesso e permanência na Escola,

ação entre eles, o respeito às diferenças, a compreensão da

ade.

M

a todo instante. São considerados os excluídos, “todos aqueles que são

Page 134: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

133

rejeitados e levados para fora de nossos espaços, do mercado de trabalho, dos

nossos valores, vítimas de representação marginalizante” (CARVALHO, 2006,p.48).

Portanto, par

que não se pode co

modelo que muitas

naturais e sociais, s

(MANTOAN e PRIETO, 2006). Promover a inclusão é admitir e permitir sentir a

experiê

suas práticas pedagógicas, ela ainda

precisa romper com

homogeneização, se

nas escolas e nas comunidades,

parafrazeio (novamente) Ro

características cerebrais, mentais, culturais

te negativo da relação cultural: ado, homossexual, estrangeiro,

a se pensar em uma inclusão nas escolas, deve-se considerar

nceber que os alunos sejam iguais em tudo, como ainda é o

vezes presenciamos. É preciso considerar suas diferenças

endo que só estas últimas podem e devem ser eliminadas

ncia trazida pela diversidade, dentro de sua sala de aula, na sua

comunidade. A diferença propõe a imprevisibilidade, a impossibilidade de cálculo, de

definições cartesianas, propõe a multiplicidade incontrolável e infinita. Para que a

escola consiga vivenciar estas situações em

muitos de seus pilares que a sustentaram até agora:

gregação, dentre outros.

Para que haja a verdadeira inclusão

sita Edler Carvalho (2006,p.61), quando diz que deve

existir a formação inicial e continuada dos educadores, introduzindo e desenvolvendo o estudo dasdos conhecimentos humanos, de seus processos e modalidades, das disposições tanto psíquicas quanto culturais que o conduzem ao erro ou à ilusão.

É preciso, portanto, incluir o professor no discurso da inclusão! É preciso

capacitá-lo, ouvi-lo, atender suas dúvidas, permitir que ele (re) signifique suas

concepções acerca do seu aluno considerado “anormal” em sua sala de aula,

permitindo-se desvencilhar da lógica binária instituída pela Modernidade. A Modernidade inventou e se serviu de uma lógica binária, a partir da qual denominou de diferentes modos o componenmarginal, indigente, louco, deficiente, drogetc. Estas oposições binárias sugerem sempre o privilégio do primeiro termo e o outro, secundário nessa dependência hierárquica, não existindo fora do primeiro, mas como imagem velada, como sua inversão negativa (DUSCHATZKY e SKLIAR, 2001,p.123).

Ao permitir que esta binariedade normal/anormal seja descortinada pelos

professores, várias lógicas que permeiam o cenário educacional poderiam ser

invertidas, inclusive a de que o outro diferente funciona como depósito de todos os

males, como o portador das falhas sociais.

Page 135: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

134

Este tipo de pensamento supõe que a pobreza é do pobre; a violência, do violento; o problema de aprendizagem, do aluno; a deficiência, do deficiente; a exclusão, do excluído (idem, p.124).

Se invertêssemos essa lógica, poderíamos reformular que a negatividade, o

componente dissonante, não está em um sujeito - portador de um determinado

atributo essencialista, e que este nem sequer é um desvalor, algo negativo e que

não permite sua integração e aprendizagem.

O que proporciona a inclusão é a rede de ajuda e suporte que se cria com

as famílias, com professores, com outros profissionais, a fim de remover as barreiras

para a verdadeira participação social e o exercício da cidadania dos alunos com ou

sem deficiências. Promover a inclusão, contudo, exige mobilização, convoca novas

práticas

e craiação de novas estratégias

pedagó suas

perspectivas de ações, suas possibilidades de atuação social e suas considerações

acerca do conceito de Multiplicador – apresentadas no encontro conclusivo.

papel do educador dentro da instituição,

convocando-o a uma atuação ainda mais autônoma e consciente diante da inclusão,

o Curso obteve muito mais do que meras conclusões escritas ou teóricas... Os

, novos conceitos, novos rumos. Esse processo envolve setores

governamentais, não governamentais, sociedade, escola, famílias para o

enfrentamento da exclusão social, promovendo a qualidade de vida e a cidadania,

realizando ações complementares entre os participantes.15

Os Multiplicadores sobre inclusão podem ser considerados os grandes

representantes para esta maior participação social, rumo a uma escola e

comunidades mais inclusivas. Tendo o Curso de Formação de Multiplicadores sobre

inclusão possibilitado grandes reflexões

gicas para a inclusão, os 17 (dezesete) participantes formularam

Ao permitir a ressignificação do

professores puderam exercer dois dos grandes princípios de uma “Escola Promotora

de saúde”: a participação social e o empoderamento de seus atores. Os

participantes buscaram, na comunidade local, estratégias de ações bem sucedidas,

propuseram outras tantas, refletiram sobre suas práticas em sala de aula,

analisaram a instituição na qual estão inseridos, enfim, os participantes se

apoderaram da condição de reais agentes do processo de inclusão. 15 Muitos casos de scesso podem ser lembrados, neste momento. Mas, destaco, em especial, “a história de Davi: a reinvenção de um destino”, que pode ser visto no livro de Fátima Cavalcante (2003), cujo título já é um convite à leitura: Pessoas Muito Especiais. Neste caso de Davi, evidencia-se um caso de muito bem-sucedido de inclusão escolar e promoção de saúde, ações que transformaram a vida de uma criança e de sua família.

Page 136: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

135

A proposta dos Estudos Dirigidos foi a de sistematizar as reflexões obtidas

pelos participantes ao longo do Curso e a apresentação dos mesmos foi destinada

ao últim

Era chegado o grande dia

outra dimensão, formando um grande coro

representava a sistematização das definições e dos

inclusiva mediante as entrevistas que os participantes puderam r

momen

ados e repletos de recursos lúdicos e

eletrônicos . O entusiasmo do grupo era evidente!

) com roupas caprichadas,

maquiadas tampados... O dia era nobre, pois era o

dia de suas a dia de falar, de se emocionar,

de relembrar momentos marcantes, de ol queridas, de reconhecer o

trabaho da companheira de equipe, sua instituição.

Não era dia de atores anônimos... Era o grande espetáculo dos personagens reais

desta história: as próprias participantes do Curso.

o encontro do Curso. Foi proposto um Quadro de Indicadores para a

avaliação de uma Escola inclusiva, apresentado por uma Cartilha entitulada “Educar

na Diversidade” (BRASIL,2004), e sua apresentação ficaria a critério dos

participantes, podendo utilizar os recursos que achassem necessários,

sistematizando as discussões e os conhecimentos obtidos no percurso do Curso de

Formação de Multiplicadores sobre inclusão.

Entretanto, o que se viu foi muito mais! E isto merece um item à parte...

6.4 A voz e a vez dos Multiplicadores! 16

das vozes dos participantes tomarem uma

, forte e potente. Este encontro

parâmetros de uma escola

ealizar, as escolas

que puderam visitar, das experiências que puderam relatar e, acima de tudo, era o

to de concertir-lhes total espaço para suas considerações acerca do conceito

de Multiplicadores. Estas significações foram apresentadas oralmente, em grupo, e

de forma escrita, de forma individualizada. Algumas considerações escritas dos

participantes poderão ser comparilhadas pelo leitor ao final deste capítulo.

Os 17 (dezesete) participantes que participaram do encontro do dia 07 de

junho de 2008 estavam ansiosos, anim

para as suas apresentações

Estavam todas (só havia participantes mulheres no Curso

, cabelos arrumados, sorrisos es

apresentações, de suas encenações. Er

har pessoas

de tecer comentários sobre a

16 Todas as fotografias apresentadas têm o consentimento das participantes do Curso, conforme o Termo de Consentimento para veiculação de imagens assinado no início do Curso.

Page 137: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

136

Foto 1: Participantes do Curso Foto 2: Participantes do Curso Foto 3: Abertura do Encontro

O encontro contou com a participação da diretora da Escola, que recebeu as

devidas homenagens por ter acreditado no projeto e ter cedido as instalações e

recursos materiais para a viabilização da proposta do Curso. Além dela, duas das

Palestrantes Convidadas nos últimos encontros fizerma questão de participar e

vivenciar a conclusão do Curso junto ao grupo que haviam tido a oportunidade de

conhecer e compartilhar de seus saberes.

Foto 4: Diretora da Escola

presenças mais

e distânc

Entretanto, uma das aguardadas por todo o grupo (inclusive

por mim, enquanto pesquisadora) foi a da Orientadora do Projeto, Fátima Gonçalves

Cavalcante. Para ela, não houv ia geográfica que a separasse daquele

lugar, naquele sábado de sol... Depois de entusiasmar-se com as instalações e

história da e ileia, Fátima

Cavalca

sua professora, fotos das

atuações acolhedoras e entusiasmadas das docentes com suas respectivas turmas,

scola em conversa acalorada com a Diretora Dulc

nte pôde falar de sua emoção em ver um projeto corporificar-se e gerar

resultados tão visíveis. Nas suas palavras, aquele momento representava o “brotar”

de uma mudança social, de um empoderamento de pessoas que acreditam na difícil,

mas possível, tarefa da inclusão. O encontro estava apenas começando...

Para iniciar, produzi um vídeo entitulado “Para vocês, que multiplicam amor

todos os dias”, onde reuni fotos e imagens dos verdadeiros agentes da inclusão no

Colégio João Caetano: as próprias participantes do Curso. Eram imagens do

primeiro passo de nosso aluno deficientes físico junto à

Page 138: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

137

da nossa aluna autista dançando com o grupo em uma ap

imagens do cotidiano da escola com seus protagonist

a formação de valores éticos e morais. Enfim, eram imagens de pessoas que gostam

do que fazem e que passavam isto em cada

de uma mão, no abraço a um colega ou ao seu aluno...

resentação festiva,

as promovendo a socialização,

gesto, no brilho nos olhos, no estender

Foto 5: Slide de abertura do encontro Final do Curso, produzido pela pesquisadora

Houve uma grande emoção no grupo, lágrimas, sorrisos, lembranças. A

música ao fundo falava das pessoas que, no decorrer de suas vidas, choram,

sorriem, aprendem... O primeiro grupo a se apresentar pediu a palavra: queriam

usar o palco do local para fazer uma encenação. Estavam todas caracterizadas e

dramatizaram algumas das situações de desprezo e preconceito da sociedade e

escola aos alunos com deficiências. Ao final, uma participante – que é bailarina,

proporcionou-nos uma belíssima apresentação sobre uma deficiente física

(cadeirante) e seus desejos de fluir e dançar livremente.

Fotos 6 e 7: Encenação do Primeiro Grupo

Em seguida, assistimos a um debate gravado previamente sobre os

conceitos das participantes sobre uma escola inclusiva e sobre suas experiências

pessoais com alunos com deficiências e com necessidades educacionais especiais

(altas habilidades, hiperativos, disléxicos). Ressaltaram a fundamental importância

do suporte dentro da própria escola, através das figuras dos coordenadores e

Page 139: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

138

diretores, abrindo espaços de reflexão e debates teóricos. Para o grupo, a instituição

na qual estão inseridas é inclusiva porque não privilegia a nota ou o desempenho

acadêmico do aluno, mas sim, o seu desenvolvimento interpessoal, a sua

integração, o seu prazer e as suas reais necessidades. Atentaram para o fato de que

todos da Educação Infantil, setor de atuação das participantes do grupo, têm acesso

às informações necessárias sobre os alunos e que sua Coordenação é atenta em

mobilizar as famílias para o processo de inclusão junto à escola.

Foto 8: Apresentação do Debate gravado do Primeiro Grupo

O segundo grupo estava representado apenas por uma participante, pois

as duas outras estavam doentes. Isto não ti reflexões

apresentadas. A participante optou em usar o retro-projeto e fazer um quadro

comparativo de situaç o grupo, em uma

escola pública e na particular que agora tr sua argumentação

baseando-se no fato de que a verdadeir ão se faz com a participação de

todos na Escola. Relatou que na atual escola onde trabalha, até mesmo os

serventes conhecem as particularidades ajudando-os na merenda, ao

subir as escadas, man a a participante, este

cuidado

rou o mérito e a qualidade das

ões vivenciadas por ela – e pelas demais d

abalha. Fundamentou a

a inclus

dos alunos,

tendo-se atentos durante o recreio. Par

e atenção de todos os setores promovem a socialização e o bem-estar da

criança dentro da escola, cativando também suas famílias.

A participante comparou essas situações com as que vivenciou na Escola

Pública que trabalhou (sem citar nomes!). Disse que, apesar da iniciativa de inclusão

por parte da instituição, a escola não se mobilizava para tal processo, tornando o

aluno apenas um corpo presente na sala de aula e um número de matrícula no diário

escolar. Ressaltou não haver processos de reflexão na equipe docente, o que não

facilitava a capacitação contínua sobre as melhores estratégias de aprendizagem

para os alunos. Concluiu sua apresentação com uma citação de Paulo Freire: “Ai de

nós, educadores, se deixássemos de sonhar sonhos impossíveis.” Com estas

Page 140: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

139

palavras, a participante enalteceu a importância de caminharmos juntos, enquanto

corpo docente da instituição, refletindo, pesquisando, estudando e aprendendo,

rumo ao sucesso de uma tarefa que nos parece tão difícil e longa: a inclusão.

Foto 9 rupo : Apresentação da participante do Segundo G

O terceiro grupo sistematizou os principais conceitos do Curso, enfatizando

a importância da promoção de saúde no processo educacional. Uma participante

deu seu depoimento dizendo que promover saúde é zelar pelo bem-estar de famílias

e alunos da comunidade escolar, favorecendo a aprendizagem significativa.

Enfatizou a importância da afetividade ao longo do processo ensino-aprendizagem e

o quanto o professor pode ser responsável por um ambiente harmônico e criativo.

Uma outra participante do grupo, que é bibliotecária da Escola, deu o seu

depoimento dizendo que a inclusão na referida instituição se faz em todos os

espaços, incluindo a Biblioteca. Segundo ela, o bom encontro do bibliotecário com

os leitores, torna esta atividade muito prazerosa, permitindo que barreiras na

aprendizagem (principalmente da leitura e escrita) sejam removidas. Cabe ao

profissional acolher a todos, sem excessão, ouvindo-os, permitindo que sua

criatividade venha à tona, compartilhando de suas descobertas.

Foto 10: Apresentação do Terceiro Grupo

Este grupo optou por trazer o caso real de um aluno da escola que havia

sido alfabetizado com músicas, feitas pela Diretora e cantadas em parceria com a

Page 141: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

140

Bibliotecária. O caso do menino X, diagnos psicótico pelos médicos que

o atendiam, era conhecido por eus momentos de surto,

tornava-se muito agressivo, frente para o alto: rádio, cadeiras

e até mesa. Passou 3 (três) anos na Educação Infantil e quando estava no primeiro

ano do Ensino Fundamental (fase de alfabe panhar o

roteiro de ativdades proposto para a turma, sentando-se de costas para o quadro,

isolando-se dos dema tentava achar novas

estratég

seu

violão e largo sorriso, a bibliotecária foi par esentar a primeira música da

palavra-chave: Papai.

e Diretora, percebeu que o menino X

acompanhava a melodia enc ia aprendido a letra rapidamente!

Todos per não havia sido benéfica somente para o

aluno X, mas para todos as c aprender utilizando

somente um livro é aprender de forma multis E a história das músicas já é

sucesso há mais de 6 anos, com novidades

ticado como

todos do grupo. Em s

jogando o que via pela

tização), não conseguia acom

is colegas. Em reunião, a equipe

ias pdagógicas para o menino X, que adorava livros e revistas. Foi então,

que lembraram de sua enorme habilidade musical ! A Diretora prontificou-se em

transformar o método de alfabetização da Escola – palavras-chave para introduzir as

sílabas, em músicas que pudessem atrair a atenção do menino X. Munida de

a a sala apr

Ao cantarolar, junto com a professora

antado e que hav

ceberam então, que a proposta

rianças. Muito melhor do que

ensorial!

a cada turma, sempre muito animada,

pois aprendem cantando...

mento da Participante do Terceiro Grupo

ão com um vídeo produzido por elas

imprescindíveis à verdadeira inclusão:

conhecimento da realidade do aluno,

de suas próprias experiências docentes.

Foto 11: Depoi

Assim, o grupo concluiu sua apresentaç

articulando os conceitos que consideravam

capacitação docente, vontade, dedicação,

dentre outros, com os exemplos dados

Page 142: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

141

Foto 12: Slide do Terceiro Grupo

O quarto grupo decidiu sintetizar o conceito de inclusão através de figuras.

Cada uma delas, articuladas às demais, formavam uma grande reflexão: para haver

inclusão é preciso mobilização social, compreensão da diversidade, aceitação das

diferenças, capacitaç bilidade arquitetônica, diálogo com as

famílias, conhecimento de leis a serem cumpridas e, acima de tudo, mudanças de

paradigmas com relação à deficiência,

ão profissional, acessi

ainda relacionada à idéia de doença.

Fotos 13 e 14: Sequência de figuras e fotos apresentadas em slides pelo Quarto Grupo

O grupo também trouxe exemplos bem-sucedidos de inclusão na referida

instituição, citando que houve uma constante mobilização de todos da equipe

docente para promover a verdadeira aprendizagem dos alunos. Ressaltaram a

importância da equipe multidisciplinar que forma a rede de apoio na escola e às

famílias, formada por uma psicóloga clínica, uma fonoaudióloga e uma neurologista.

Segundo o grupo, esta interlocução com a Equipe multidisciplinar permite uma

melhor adaptação do próprio currículo às reais necessidades dos alunos e um

acompanhamento adequado para o seu desenvolvimento social. Levaram fotos de

momentos marcantes dos alunos citados, emocionando a todos, deixando-nos ver a

real possibilidade de ações positivas e de sucesso na inclusão.

Page 143: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

142

Foto 15: Apresentação da participante do Quarto Grupo

Por fim, a Orientadora da Pesquisa Fátima Cavalcante foi convidada a

encerrar as apresentações. Com o seu entusiasmo que lhe é peculiar ao ver ações

multiplicadoras já acontecendo, Fátima ressaltou que estava diante de um Curso

bem sucedido, pôde presenciar o empoderamento dos participantes com relação ao

tema inclusão, já promovendo ações de sucesso na Instituição escolar e na

comunidade. Segundo ela, este é o conceito da promoção de saúde: mobilizar

grupos para reações positivas em prol da qualidade de vida. “A inclusão é uma

tarefa hérculea”, disse Fátima. Exige sensibilização, capacitação, mobilização.

Entretanto, munidos de tanta vontade, de tantos talentos e de tantas estratégias de

sucesso já desenvolvidas há tanto tempo na Instituição, os professores estavam

trilhando um caminho com muito êxito, podendo compartilhar tais experiências em

seus locais sociais de atuação.

Foto 16: Orientadora da Pesquisa Fátima Cavalcante, concluindo as apresentações

Achando ser o final, já estava me preparando para a entrega das

lembranças às participantes, para um sorteio do livro da Orientadora17 e para a

assinatura dos Certificados dos encontros, fui surpreendida com uma homenagem.

17 Refiro-me ao magnífico livro entitulado “Pessoas Muitos Especiais: a construção social do portador de deficiência e a reinvenção da família”, que traz histórias de sucesso de pessoas com deficiência e famílias que acreditaram e apostaram em diferentes formas de superação e inclusão.

Page 144: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

143

As participantes levantaram-se e agradec , a oportunidade de

participarem do adores sobre inclusão. Segundo

elas, em uma comunidade tão c informações e formações docentes, o

espaço do Curso ram contato com conhecimentos

de alto nível, profissionais tiveram um espaço para

ressignificarem suas próprias práticas e seus conceitos para o trabalho com

inclusão. Leram um poema, entregaram-me flores e me viram com lágrimas nos

olhos...

eram, com lindas flores

I Curso de Formação de Multiplic

arente de

havia sido algo único, quando tive

renomados e, acima de tudo,

Foto17: Homenagem das participantes do Grupo à pesquisadora Gabriela Abreu

apropriação de saberes para que o co

percurso acadêmico também.

Relatei que a minha intenção foi a de abrir um espaço de interlocução, de

rpo docente fosse beneficiado com o meu

Foto 18

Nas minhas palavras, no Mestrado teve a pretenção de

as participantes as

clusão de nossos alunos tão especiais! E, com isso, acabamos nos conhecendo

elhor, nos tolerando mais, escutando de forma mais atenta... Este foi,

verdadeiramente, um Curso num percurso de inclusão!

: Palavras finais da Pesquisadora e realizadora do Curso Gabriela Abreu

a minha tragetória

articular teoria e prática, estudo e ação, escrita e produto, sendo

personagens reais deste cenário, as principais protagonistas. Todos nós ganhamos

com isso! Estivemos todos incluídos em um só processo: o de refletir sobre a

in

m

Page 145: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

144

Fotos 19, 20 e 21: Exposição de trabalhos realizados pelas participantes ao longo dos encontros do I Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclusão no Colégio João Caetano. 6.5 Os M

flexões e ressignificações obtidas através do Curso.

ara que nenhuma idéia das participantes perca a sua magnitude, pretendo

ser fiel

suas

reais necessidades. Eu já me sinto uma multiplicadora dentro da escola onde trabalho e pretendo dar

ultiplicadores e algumas de suas conclusões

Os participantes do Curso tiveram a oprtunidade de realizar considerações

escritas sobre o conceito de Multiplicador e sobre suas perspectivas de atuação a

partir das re

P

a algumas delas, para que o leitor possa vislumbrar a possibilidade de novas

ações destas participantes na área da educação inclusiva e o empoderamento

gerado pelo Curso, enquanto espaço de planejamento de novas estratégias

pedagógicas e sociais para uma comunidade menos excludente e mais empenhada

na promoão de saúde e na defesa dos direitos de TODOS os seus cidadãos.

“Ser Multiplicador para mim é poder oferecer às crianças especiais um local mais prazeroso,

proporcionando cuidados e proteção adequadas para que ela possa interagir de acordo com as

Page 146: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

145

continuid

om alguma atitude que vá beneficiar o outro. Pretendo atuar na faculdade onde

estudo, na minha Igreja, ouvindo um pouco mais as dúvidas de meus colegas e dos pais das crianças

com defic

licar

conhecimentos sobre inclusão para pais, prfessores e a minha comundade, de uma forma geral.

Pretendo abrir um espaço na Catequese da minha Igreja para auxiliar os frequentadores com

deficiênci

recorrer para adaptar uma cartilha para

Braille, po t o

tendo multiplicar, onde quer que eu esteja.” (S., partic

ade a isto, empenhando-me cada vez mais, multiplicando os meus conhecimentos com os

meus colegas de equipe.” (A ., participante) “Ser Multiplicador é, antes de tudo, ter consciência de que multiplicarações significa somar,

poder contribuir c

iência, contribuindo com os conhecimentos que pude adquirir ao longo do Curso.” (A ., M., participante)

“Multiplicar conhecimentos é algo muito importante e é isso que pretendo fazer: multip

as e que não podem ou não tiveram a oportunidade de fazer a Primeira Comunhão. Percebo

que não temos muitos alunos com deficiência na Catequese. Talvez isso se aconteça pelo excesso de

orações a serem decoradas e pela falta de materiais adaptados. Com os conhecimentos do Curso e as

pessoas que conheci, pude formular contatos, sabendo a quem

r exemplo. Is o é m bilização; isto é inclusão; isto é ser Multiplicador!” (F., participante)

“Ser Multiplicador é ser capaz de trabalhar com as diferenças, ter conhecimento das

necessidades que envolvem todo o processo de ensino aprendizagem, não só do aluno especial, mas

de todos os alunos. Ser um multiplicador é compartilhar sentimentos, conhecimentos, ter sensibilidade

para compreender os outros e a si mesmo. É assim que pre

ipante) “Ser Multiplicador é poder levar conhecimentos e recursos para que o trabalho de inclusão

realmente aconteça em nossa sociedade. A inclusão depende de um somatório de ações da escola, da

família e da sociedade para ser real, mas o primeiro passo é reconhecer a diversidade como positiva e

saber o processo de evolução do seu aluno especial, aprendendo junto com ele.” (L., participante) Tentando concluir, sem dar um final, este foi o grande legado do I Curso de

Formação de Multiplicadores sobre inclusão: a possibilidade de entender a diferença

Page 147: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

146

do outro presente nas salas de aula, a lidar com ela, a investigá-la, através de uma

atuação reflexiva acerca do processo de alteridade.

O Curso não trouxe respostas prontas. Ao contrário, ele trouxe e

proporcionou muitas idagações. A começar pela maior delas, que norteou todo o

trabalho: “por que a diferença incomoda tanto?”. Segundo as próprias participantes,

a diferença incomoda porque não é abertamente conversada, porque é camuflada

em rótu

no outro que habita suas salas de aula, os professores

podem reconhecer as suas próprias dúvidas, podem questionar, podem dividir suas

ngústias, podem, enfim, reconhecer o que de estranho há que em si mesmos, o

ue tanto as incomoda. E, por muitas vezes, as participantes falaram que o que as

incomoda é a falta de conhecimento sobre a diferença, a falta de acesso às

informações, a falta de diálogo entre os setores escolares, a falta de mobilização

comunitária em prol da verdadeira inclusão.

Proporcionar que estes incômodos pudessem ser compartilhados e

transformados em estratégias e ações concretas dentro e fora da instituição foi o

objetivo do Curso. Chegando ao final dele, posso compartilhar este percurso com o

leitor refererindo-me a esta pesquisa como um trabalho com resultados concretos

possíveis e viáveis para muitos educadores, famílias e possíveis Multiplicadores.

Basta entrar no percurso e trilhar o caminho da inclusão como uma longa

jornada, que depende de cada um de nós, com seus passos peculiares, seguindo o

seu próprio ritmo, rumo ao reconhecimento de que cada caminhante contribui com

as suas particularidades.

Outros caminhos e Cursos virão... Muitos outros caminhantes

Multiplicadores serão vistos nas estradas da vida... Muitos alunos serão beneficiados

com esta caminhada... Muitas dúvidas existirão... Mas, ao final, a certeza de que

sempre haverá a necessidade de percorrermos, JUNTOS, o indispensávelpercurso da inclusão!

los assistencialistas e preconceituosos de “é deficiente mas é bonzinho”;

“tem Sindrome de Down mas é muito carinhoso”...Para as participantes, a diferença

só incomoda quando não se tem acesso a elas.

Quando a própria Escola abre um espaço para a ressignificação do conceito

do que parece estranho

a

q

,

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147

“Esses que pensam

que existem sinônimos, desconfio que não sabem distinguir

as diferentes nuanças de uma cor.”

Mario Quintana •

• Desenho da pesquisadora, sobre a experiência com o Curso de Formação de Multiplicadores sobe Inclusão.

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148

CONSIDERAÇÕES FINAIS

são para professores.

s ainda não haviam tido uma experiência de ressignificar

e refleti

ômodos. Estas reações vinham de pais com

alguns

outros!”

Em um ato de pura ousadia (algo peculiar de uma pesquisadora-educadora

como eu), convidei o leitor, logo na Introdução deste trabalho, a “irmos juntos, rumo

ao futuro!”

Talvez o leitor já não se recorde mais desse convite, algo tão enigmático e

magnífico, ao mesmo tempo... Na oportunidade, instiguei-o a transcorrermos uma

experiência inovadora, que, provavelmente, marcaria a história de uma instituição,

de muitos alunos, de muitas famílias, enfim, que deixaria rastros positivos em uma

comunidade inteira. Eu estava convidando-o a refletir a questão da alteridade na

contemporaneidade e apreciar (sentindo-se co-participante) todo o percurso do

Curso de Formação de Multiplicadores sobre Inclu

Entretanto, ao final da leitura deste trabalho, eu realmente espero que o

leitor tenha se dado conta que o futuro do qual falávamos há poucos instantes atrás

já CHEGOU! Chamo de “futuro” o curto espaço de tempo, onde puderam ocorrer

mudanças tão intensas em uma realidade educacional, em um corpo docente, em

mim mesma. Futuro... Este tempo que nos separou de uma realidade educacional

inclusiva - cujos professore

r seus conceitos sobre inclusão, do tempo atual - etapa de refletirmos sobre

as mudanças que já vêm ocorrendo após a implementação e realização desse

Curso.

Quando iniciei o meu percurso educacional (ainda muito jovem), crianças

“diferentes” sempre bateram à minha porta. E elas estiveram abertas, prontas para a

entrada de mais uma, pois esses alunos representavam uma fonte de aprendizado,

estudos e pesquisas incessantes para mim e toda minha equipe. Nenhum desses

alunos jamais representou um “peso” ou um “problema” em nossa escola, mas eu

sabia, no fundo, que eles geravam inc

comentários do tipo: “-Não posso nem imaginar ter um filho assim”; às vezes

dos colegas em apelidos nas brincadeiras cotidianas de adolescentes; e, em

algumas situações dos professores: “-Eu me sinto muito despreparada para lidar

com Fulano! Quando ele chegou à minha sala, parecia que eu não sabia nada sobre

dar aulas, pois ele é muito diferente dos

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149

Recordo-me de ter respondido a esta professora da seguinte forma: “- Que

bom que fulano é diferente dos outros! A vida seria tão banal com tudo igual...

Imagine tudo amarelo, azul ou vermelho! Imagine um concerto de uma nota só!

Imagine o que seria se todas as comidas tivessem o mesmo sabor! A diversidade é

a fonte da diversão! É muito mais divertido convivermos com opiniões diferentes,

jeitos e ritmos variados...”

A professora sorriu e continuou sua caminhada. Estava sinalizado nesta e

em muitas outras falas, de que as professoras precisavam falar! Falar de seus

medos,

a discussão teórica de conceitos e questões

diretam

jeitos, gerando modelos a

serem s

impostas pela sociedade. É neste cenário que fomos convocados a pensar na

de suas angústias, de seus desamparos, de suas vitórias e derrotas. Um

encontro semanal estava sendo pouco para aquele corpo docente da escola onde

trabalho, pois são reuniões pedagógicas, para discutir o processo educacional. Não

era bem isso! Era necessário criar um espaço de escuta e reflexão para estes

professores, de integração com outros discursos bem semelhantes, de trocas de

informações, de estudos e possibilidades de reinventar suas próprias estratégias

docentes e reinventar-se a si mesmo!

A oportunidade desta pesquisa foi espetacular e acredito que muito bem

aproveitada. Nela, pude unir

ente ligados à temática da inclusão educacional e pude programar e

desenvolver um Curso de Formação de Multiplicadores sobre inclusão para

professores no Colégio João Caetano.

Partindo de minha hipótese de que o aluno “diferente” causa diferentes

reações nas salas de aula, propus-me a descrever o impacto que as diferenças dos

sujeitos causam na sociedade contemporânea, considerada uma “sociedade do

espetáculo”, em que as imagens prevalecem sobre os su

eguidos, baseados em ideais e padrões de beleza, perfeição e inteligência.

Neste contexto de imagens estereotipadas e pré-concebidas como certas, lindas e

felizes, os sujeitos que não se enquadram nesses arquétipos acabam sendo

excluídos, ficando à margem das oportunidades sociais e educacionais.

Continuei analisando que a tendência das sociedades, ao longo da história,

foi a de segregar, separar e excluir todos aqueles que não corresponderam aos

pressupostos de “ideal”, de normalidade. Entretanto, desde sempre existiram os

sujeitos e sempre hão de existir aqueles que não se “enquadram” nos padrões de

perfeição e nas constantes tentativas de homogeneização de comportamentos

Page 151: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

150

alteridade enquanto movimento de deciframento, de desvelamento e de

aproximação do outro – aquele que é diferente de mim e que me causa um

sentime

to, na teoria psicanalítica, é um sujeito do desejo,

que se

egada a hora de promover ações que estivessem intimamente

ligadas

tratégias pedagógicas para um processo de

inclusão

nto de estranhamento.

Nesse percurso de análises teóricas, a possibilidade de interlocução com

outras áreas do conhecimento, dentre elas a Psicanálise, foi de suma importância. O

aspecto multidisciplinar deste Mestrado, com o intuito de promover a integração

entre vários saberes, fez com que uma educadora como eu, buscasse na

Psicanálise os conceitos necessários à investigação acerca do incômodo causado

pela diferença e os motivos pelos quais isso acaba se tornando um obstáculo ao

processo de aprendizagem e inclusão de nossos alunos.

Recorrendo à Psicanálise, deparei-me com a concepção de um sujeito

marcado pelo inconsciente. O sujei

manifesta na falha, no tropeço, no sonho, no sintoma. Entretanto, só a fala

permite que o sujeito reconheça e admita uma produção como sendo sua, pois ela é

constituída de significantes, da sua cadeia própria de significantes. Sendo assim, a

Psicanálise contribui para a emergência de um sujeito da singularidade, em

detrimento ao sujeito da diferença. Essas diferenças constituídas no outro que nos

causam tanto estranhamento, foram elucidadas por Freud em O Estranho (1919),

como sendo uma categoria do assustador que nos remete a algo familiar, conhecido.

O estranho assustador seria uma forma de reconhecermos, do lado de fora,

depositado num outro, este estranho que habita em nós mesmos.

Com esta realidade teórica em mãos, já podia vislumbrar uma possibilidade

de ação! Era ch

pelo interesse e preocupação em relação à saúde e à equidade social e

educacional. Era chegado o momento de sermos uma Escola Promotora de Saúde,

ouvindo seus professores, interagindo com suas reais necessidades, deixando

aflorar seus medos, suas incertezas. Respaldando-os teoricamente, oferecendo-lhes

a possibilidade de criarem novas es

mais consciente, os professores estariam usufruindo o processo de

empoderamento, tendo mais controle sobre suas ações pessoais e sociais. Isto é

bem-estar, isto é promover saúde!

Um professor que se sente mais capacitado para o trabalho docente que se

sente acolhido em suas dúvidas, que troca experiências junto aos demais, que entra

em contato com uma nova rede de profissionais multidisciplinares, terá muito mais

Page 152: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

151

condições para oferecer a todos os seus alunos um processo de aprendizagem mais

dinâmico, crítico e eficaz. Para isto, ressalto, mais uma vez, o professor precisa ser

acolhido, tal como o aluno que chega à escola. Trabalhar com inclusão é uma

experiência mágica, que só quem experimentou pode descrever. Mas é uma

experiê

e errar, pergunta-se a

todo ins

se preocupam em ouvir o professor ao longo do percurso

de inclu

urso de

Formaç

ecia. Ouvi

muitas Marias, Sônias e Bernardetes que eram, até então, desconhecidas para mim.

ncia nova, que traz desafios complexos consigo, cobranças dos pais dos

alunos e da escola, necessidade de constante acompanhamento de toda a equipe

pedagógica para atenderem às reais necessidades do aluno, em suas

particularidades.

Neste sentido, não é só o aluno que precisa ser atendido em suas

necessidades... O professor também! Ele também tem receio d

tante sobre a eficácia de seu trabalho, acha que aquele determinado aluno

não está correspondendo às suas expectativas, etc, etc, etc. O professor faz parte

do processo de inclusão educacional!

E, na oportunidade do Curso, eles relataram isso com muita propriedade.

Descreveram o quanto precisavam de um espaço para discutir, sem receios de

serem criticados, sobre suas angústias, sobre o estranhamento inicial causado pela

chegada de um aluno “diferente” na sala de aula, sobre os desafios que a inclusão

impõe. Relataram, também, que suas formações acadêmicas têm uma lacuna

enorme no quesito Educação Especial, o que acaba gerando muita insegurança

quando se deparam, na prática, com o assunto. Os professores registraram a

carência de escolas que

são, não os deixando como meros “depositários” de alunos matriculados.

Essas escolas não matriculam alunos; elas registram números!

Fazer a diferença em um cenário educacional que ainda impõe tantas

barreiras para a verdadeira inclusão não é fácil... Mas, nós começamos! Primeiro,

refleti, investiguei, interroguei-me, pesquisei muito. Tendo minha hipótese

comprovada acerca do incômodo causado pela diferença e da importância da

alteridade nas relações interpessoais, lancei-me rumo a implementação do C

ão de Multiplicadores sobre Inclusão para professores!

No percurso, eu mesma entrei em contato com a alteridade, como uma

possibilidade de ver o outro em sua multiplicidade de falas, de atitudes, de desejos.

Pude olhar o outro, que me parecia tão familiar pelas relações de trabalho no dia-a-

dia sob outros enfoques. Descobri muitos profissionais que eu não conh

Page 153: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

152

Logo eu

m ele.

ceitos de saúde relacionada à ausência de doença.

ento), na garantia de nossos direitos

enquan

cisem desses espaços de

reflexão me

ara Multiplicar o Curso é preciso coragem para trilhar um lugar imprevisível,

de enfrentamentos de situações que causam mal-estar dentre os professores, de

reconhecimento das angústias pessoais, de acolhimento de depoimentos. Mas, esse

lugar imprevisível é o magnífico desse cenário, pois nos remetem a sujeitos repletos

de desejos, anseios, particularidades. Essa possibilidade de diálogo com o novo,

com o imprevisto, com o aleatório, é a medida para o sucesso do Curso e do

processo de inclusão!

verdadeira inclusão só acontece quando nos mobilizamos em seu favor:

discutindo-a, detendo-nos à figura do aluno real que recebemos, re-avaliando a

, que estava tão perto e tão distante ao mesmo tempo! Depoimentos foram

confidenciados, lágrimas correram, experiências foram trocadas... Enfim,

experimentamos, juntos, o poder da palavra livre de suas amarras, o poder do

discurso! Podendo falar, ouvimos melhor. Ouvindo melhor, ficamos mais sensíveis

ao que o outro estava nos dizendo. Sendo mais sensíveis ao outro, pudemos

interagir melhor co

E foi isto que a experiência do Curso nos ofereceu: um despertar para

relações mais sensíveis dentro e fora da escola. Discutimos sobre a importância da

defesa de Direitos no campo da deficiência e muitos professores já levaram estas

informações para suas comunidades de atuação. Falamos muito sobre a promoção

de saúde e sua íntima relação com o exercício da cidadania, pois envolve equidade

e justiça social para todos. A partir de então, muitos professores questionaram-se

sobre seus antigos con

Promover Saúde e Defender Direitos são peças primordiais no percurso da

Inclusão. Não só a inclusão dos deficientes ou dos que têm alguma necessidade

educacional especial, mas a inclusão de todos nós no percurso da informação e a

aprendizagem (em qualquer área do conhecim

to cidadãos, na promoção de nosso bem-estar enquanto sujeitos.

Tendo o Curso trilhado esse longo e exitoso caminho, ele não teve a

pretensão de ser um fim em si mesmo. Pelo contrário, ele ganhou uma roupagem

ainda maior, o de ser um produto de uma pesquisa que pode ser apreciada e

MULTIPLICADA em outras realidades que também pre

, debate, reconheci nto da inclusão como um caminho a ser trilhado por

todos na Escola.

P

A

Page 154: Um Curso num percurso de Inclusão. Contribuições da Psicanálise

153

imagem de aluno ideal que construímos ao longo de nossas jornadas e, acima de

tudo, a inclusão se faz com o coração!

azer este processo ganhar luz própria, tendo seus atores envolvidos com

alegria e afeto é algo que merece não só uma pesquisa, mas sim, atitudes reais e

imediatas para que isso possa acontecer e que possamos registrar, com as

máquinas fotográficas da nossa emoção, o sucesso de cada cena, de cada gesto de

seu aluno, de cada novo passo, de cada novo despertar.

espertem-vos, Multiplicadores! Sintam-se inteiramente

convocados, pois o futuro já chegou e espera por cada um de nós!

F

D

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