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UM BREVE HISTÓRICO Em 1971, quando ainda tinha 8 anos de idade, meu pai me deu um pequeno jogo de xadrez, para me fazer desistir de ser jogador de futebol. De tanta insistência dele, acabei me envolvendo com o jogo, e aos 10 anos já era conhecido no meio enxadrístico de São Paulo. Aos 13 anos fui campeão paulista infantil. Depois disso o progresso foi muito lento, e parecia que não ia chegar. Felizmente, um fato que cito adiante mudou isso, e aos 15 anos já conseguia ganhar dos mestres internacionais brasileiros. Mas o xadrez não é fácil, e naquela época tudo tomava muito tempo. Para conseguir um rating FIDE era muito difícil, e um título internacional, então, nem se fale. Com o tempo descobri algumas coisas: eu não era competente em semifinais, mas jogava muito bem torneios por equipe e torneios relâmpagos. Acabei decidindo por parar de jogar xadrez quando, com 24 anos, me classifiquei (finalmente) para a final do campeonato brasileiro, e não pude jogar por motivos de trabalho. Depois disso só joguei alguns torneios por equipe (somando mais dois títulos de campeão brasileiro por equipe aos dois que já tinha), e parei definitivamente em 1991. Nesses anos todos, tive o prazer de conseguir os seguintes títulos: Campeão Paulista Infantil Campeão Paulista Infanto-Juvenil Campeão Paulista Juvenil Bi-campeão do JEB’s (Jogos Escolares Brasileiros) Tri-campeão Paulista Universitário Tri-campeão Brasileiro Universitário Campeão Brasileiro Universitário – Relâmpago Campeão Paulista por Equipes Campeão dos Jogos Abertos do Interior de São Paulo Tetra-campeão Brasileiro por equipes Além de muitos amigos, o xadrez também me proporcionou conhecer a Claudia (que foi Campeã Paulista Infanto-Juvenil), com quem estou casado até hoje (22 anos) e com quem tenho três filhos. FRANCESA ESTONTEANTE - I Jogos Abertos do Interior – SP Americana, 03 de setembro de 1978 Brancas: MI Herman Claudius van Riemsdÿk (São José dos Campos) Pretas: Francisco Antonio Terzian (Cubatão) Considero essa uma das partidas mais importantes da minha carreira enxadrística. Após a partida, senti que tinha subido um grande degrau e, finalmente, chegando mais próximo dos grandes enxadristas brasileiros daqueles anos. Do ponto de vista psicológico, vários aspectos pesavam antes e durante a partida: A qualidade indiscutível do meu adversário; Jogar de pretas contra um especialista em aberturas com peão de rei; A única abertura que eu jogava na época, de pretas contra peão de rei, era a defesa Siciliana; Meu adversário era especialista em Siciliana; E o pior... ele foi meu professor, e me ensinou tudo que eu conhecia da Siciliana.

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UM BREVE HISTÓRICO

Em 1971, quando ainda tinha 8 anos de idade, meu pai me deu um pequeno jogo de xadrez, para me fazer desistir de ser jogador de futebol. De tanta insistência dele, acabei me envolvendo com o jogo, e aos 10 anos já era conhecido no meio enxadrístico de São Paulo. Aos 13 anos fui campeão paulista infantil. Depois disso o progresso foi muito lento, e parecia que não ia chegar. Felizmente, um fato que cito adiante mudou isso, e aos 15 anos já conseguia ganhar dos mestres internacionais brasileiros. Mas o xadrez não é fácil, e naquela época tudo tomava muito tempo. Para conseguir um rating FIDE era muito difícil, e um título internacional, então, nem se fale. Com o tempo descobri algumas coisas: eu não era competente em semifinais, mas jogava muito bem torneios por equipe e torneios relâmpagos. Acabei decidindo por parar de jogar xadrez quando, com 24 anos, me classifiquei (finalmente) para a final do campeonato brasileiro, e não pude jogar por motivos de trabalho. Depois disso só joguei alguns torneios por equipe (somando mais dois títulos de campeão brasileiro por equipe aos dois que já tinha), e parei definitivamente em 1991.

Nesses anos todos, tive o prazer de conseguir os seguintes títulos:

Campeão Paulista Infantil

Campeão Paulista Infanto-Juvenil

Campeão Paulista Juvenil

Bi-campeão do JEB’s (Jogos Escolares Brasileiros)

Tri-campeão Paulista Universitário

Tri-campeão Brasileiro Universitário

Campeão Brasileiro Universitário – Relâmpago

Campeão Paulista por Equipes

Campeão dos Jogos Abertos do Interior de São Paulo

Tetra-campeão Brasileiro por equipes

Além de muitos amigos, o xadrez também me proporcionou conhecer a Claudia (que foi Campeã Paulista Infanto-Juvenil), com quem estou casado até hoje (22 anos) e com quem tenho três filhos.

FRANCESA ESTONTEANTE - I

Jogos Abertos do Interior – SP

Americana, 03 de setembro de 1978

Brancas: MI Herman Claudius van Riemsdÿk (São José dos Campos)

Pretas: Francisco Antonio Terzian (Cubatão)

Considero essa uma das partidas mais importantes da minha carreira enxadrística. Após a partida, senti que tinha subido um grande degrau e, finalmente, chegando mais próximo dos grandes enxadristas brasileiros daqueles anos.

Do ponto de vista psicológico, vários aspectos pesavam antes e durante a partida:

A qualidade indiscutível do meu adversário; Jogar de pretas contra um especialista em aberturas com peão de rei; A única abertura que eu jogava na época, de pretas contra peão de rei, era a defesa Siciliana; Meu adversário era especialista em Siciliana; E o pior... ele foi meu professor, e me ensinou tudo que eu conhecia da Siciliana.

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Em outras palavras, essa partida não era muito promissora para mim (para não falar de outra forma menos educada). Eu necessariamente precisava tirar alguma carta da manga, para poder ter alguma chance prática. Para minha sorte, recentemente eu tinha visto numa revista uma partida que me chamou muito a atenção, onde as pretas jogavam uma variante da defesa Francesa, que me pareceu esdrúxula. A partida estava detalhadamente analisada, e apresentava as principais idéias estratégicas que as pretas deveriam seguir. Procurei a partida hoje no site “chessgames.com” e, se não me engano, é a Kaplan x Romanishin (Hastings 1976).

Quando sentei para jogar, decidi que deveria tentar isso, além de continuar rezando. Talvez a surpresa, e o fato da variante não ser muito conhecida pudessem me ajudar. A partida começou e, após o óbvio “1. e4” (acho que nessa hora vi um pouco de veneno escorrendo pelo canto da boca do Herman), joguei “e6”. Percebi um rápido olhar de dó, do meu adversário, como se ele dissesse “já não sabe o que fazer, no primeiro lance”. Seguiram os dois lances com peão de dama, e o movimento do cavalo branco para c3. Movi o bispo para e7 tomando cuidado para não deixar a peça escorregar da minha mão suada... Dessa vez percebi um tremor do outro lado da mesa, e um olhar de descrença. Algo do tipo: “o quê o patinho pretende?”

Como o Herman sempre foi um grande estudioso, provavelmente ele conhecia alguma partida com Be7, e cerrou o centro, que era o que se jogava nas partidas publicadas na época. Vale lembrar que em 1978, dependíamos de publicações impressas para poder ter acesso às novidades e às partidas dos grandes mestres. Depois que o centro foi fechado com e5, eu já sabia tudo que tinha a fazer, estrategicamente. Já estava ficando mais tranquilo, torcendo para que o Herman percebesse que estava perdido, e que abandonasse logo. Acho que não contaram para ele, pois ele continuou jogando. É claro que, entre saber o que fazer e realizar corretamente existe uma distância muito grande. Após uma sequência de lances ativos da parte dele, chegamos numa posição em que ele podia sacrificar um cavalo em e6 e conseguir uma vantagem decisiva (como me mostrou o Fritz9). Mas, todos nós temos nossas inseguranças. Inclusive os MIs e GMIs. Se ele viu o sacrifício, acho que pensou o seguinte naquela hora: “se eu sacrificar o cavalo e estiver furado, vou perder uma partida onde eu posso ir estrangulando aos poucos o meu adversário”. E jogou um lance inferior. A partir desse momento, eu já não precisava mais que avisassem a ele que eu ia ganhar e passei a executar corretamente cada ponto estratégico estudado. No momento crucial da partida, onde ele ainda achava que estava me destruindo, tirei outra carta da manga. Depois disso, só tive o trabalho de realizar tecnicamente a vantagem de um peão, que tinha obtido.

1.e4 e6 2.d4 d5 3.Cc3 Be7 (evitando as linhas mais conhecidas e agudas da defesa Francesa) 4.e5 (as brancas não tem motivos para fechar o centro nesse momento, o que só facilita o trabalho das pretas. Considero mais desagradável para as pretas 4.Bd3 ou 4.Cf3, entrando em posições onde as brancas ficam com mais espaço, e com as peças “apontando” para a ala do rei.) 4... b6 (com o centro fechado, as pretas vão buscar a troca do seu bispo mau, pelo bispo bom das brancas. As casas brancas que ficam debilitadas na ala da dama das pretas, não poderão ser pressionadas nem ocupadas com facilidade pelas brancas, pois a base “e5” não está disponível para elas.) 5.h4 (as brancas definiram que sua estratégia será ataque direto na ala do rei, quando jogaram e5. E já procuram pontos de apoio para suas peças, e mais espaço para manobras. Outra possibilidade é 5.Dg4.) 5... h5 (segurando a expansão das brancas. Isso vai gerar uma debilidade na estrutura de peões das pretas, mas a presença do bispo em e7 permite uma defesa adequada das casas fracas.) 6.Cf3 Ba6 (primeiro ponto estratégico sendo executado. As brancas não tem como evitar a troca.)

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7.Bxa6 Cxa6 8.Cg5 (as brancas continuam trabalhando a pressão na ala do rei. As pretas precisam jogar com cuidado.) 8... g6 (defendendo o peão de h para poder desenvolver o cavalo em h6, onde protegerá f7) 9.a3 (as brancas querem poder colocar a dama em d3, onde estará “olhando” para as duas alas. Para isso querem evitar Cb4. Entretanto, nesse momento já é possível o sacrifício do cavalo em e6. Uma das linhas que o Fritz aponta é 9.Cxe6 fxe6 10.Dd3 Cb4 11.Dxg6+ Rd7 12.a3 Cc6 13.Cxd5 De8 [13....exd5 14.Df5+ Re8 15.e6 e as pretas estão perdidas] 14.Dxe8+ Txe8 e, segundo o Fritz, as brancas estão melhores.) 9... Ch6 (aqui eu deveria ter jogado Cb8 para evitar o sacrifício do cavalo. Mas acho que eu ainda não tinha visto o sacrifício, e queria “garantir” logo a defesa de f7) 10.Dd3 Dc8

11.Ce2? (as brancas perdem sua grande chance tática: 11.Cxe6!! fxe6 12.Dxg6+ Cf7 13.Cxd5! exd5 14.e6 Rd8 15.exf7 Dg4 16. Dc6 com vantagem decisiva.) 11... Cb8! (acabando com a possibilidade do sacrifício, pois agora a dama está livre para retomar em e6. O atraso no desenvolvimento das pretas, não chega a incomodar muito, pois as brancas não tem como aproveitar isso com rapidez.) 12.Th3 Da6 13.Df3 Dc4 (o Fritz sugere c5) 14.Bd2 c5 (vou parar de falar do Fritz pois ele não está acertando nenhum lance meu .... agora ele sugeriu 14... Dxc2, mas em suas análises acaba dando jogo igualado. Minha idéia nesse momento era começar a bombardear o centro de peões das brancas (temático na francesa), e gerar atividades na ala da dama)

15.Tc1 (a única justificativa que vejo para esse lance, é que o Herman não viu meu 18º lance, e está jogando uma isca.Talvez fosse melhor jogar c3. Contra 15.b3 eu pretendia tomar o peão de c2 com a dama.) 15...cxd4 (engolindo a isca!) 16.b3 Dc7 17.Cxd4 Dxe5+ (não sobrou nada do centro de peões branco.) 18. Ce2 (Aparentemente Bc3 será “matador”. As pretas ainda não desenvolveram a ala da dama, e o bispo na grande diagonal preta parece que vai fazer muito estrago. Acho que era nessa posição que as brancas queriam chegar quando fizeram o 15º lance. Mas ...)

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18...0-0!! (um lance que parece jogar o rei na jaula dos leões, mas que na verdade coloca o rei num posição muito segura, e acaba com todas as ameaças das brancas. O roque mais prazeiroso que já fiz! Agora as pretas ficam com o peão extra, e as brancas não tem como dar continuidade ao ataque.) 19. Bc3 Df5 20.Dg3 Cc6 (já está na hora de desenvolver as peças da ala da dama. Esse lance até o Fritz acertou!) 21.Bb2 (as brancas não tem muito o que fazer. A concentração de peças na ala do rei não é produtiva. A ameaça agora é tentar algo com 22.Dc3, mas não vão conseguir fazer esse lance.) 21...Bf6 (com um peão a mais, toda troca de peças é vantajosa, e o bispo branco é a única peça realmente ameaçadora.) 22.Bxf6 Dxf6 (agora o centro de peões das pretas ameaça começar a se movimentar, e o rei das brancas ainda está no meio do tabuleiro)

23.Dc3 (para trocar as damas e diminuir um pouco a força do possível ataque das pretas. Entretanto, a forma correta de fazer isso era com 23.Df4.) 23...Dxc3!? (“mais vale um pássaro na mão ...”. Aqui 23...e5 era muito forte, mas eu estava muito satisfeito em jogar um final com posição melhor e um peão a mais. Quem não gostaria disso contra um MI?) 24.Txc3 Tac8 25.Td1 (a posição das brancas é bastante desconfortável, e só é possível ficar esperando...)

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25...Cf5 26.g3 Ce5 27.Txc8 Txc8 28.Tc1 (... e esperando) 28...Rf8 (para centralizar o rei) 29.f3 Re7 30.Rf2 d4 (criando uma série de ameaças, e começando a fazer valer o peão a mais.) 31.Ce4 d3 32.C2c3 dxc2 33.Txc2

33...Cxf3 (ganhando outro peão. As brancas não tem nada a fazer, então decidiram trocar os dois cavalos pela torre preta, e tentar segurar o avanço dos peões no centro.) 34.Cd5+ (se 34.Rxf3 Cd4+ ganhando a qualidade) 34....exd5 35.Txc8 dxe4 36.Tc7+ Re6 37.Txa7

37...C3d4 (agora o rei branco sozinho não vai conseguir evitar o avanço do peão de “e” apoiado pelos cavalos.) 38.Tb7 e3+ 39.Rg2 Cc2 40.Txb6+ Rd5 41.Tb5+ Rd6 42.Txf5 (o quê fazer? As pretas iam jogar C5d4 e avançar o peão até a oitava) 42... gxf5 43.Rf3 Rd5 44.As brancas abandonam.

Francesa Estonteante – II

Lá pelos idos de 1977, me lembro bem que eu procurava chegar à elite do xadrez brasileiro, mas sentia que faltava alguma coisa. Eu estudava muito, me preparava para os torneios, mas não conseguia muita coisa. Eu era muito forte para a minha categoria (infanto-juvenil), mas não fazia páreo contra os mais

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“velhos”. Até conseguia dar trabalho, mas sempre perdia o rumo e a partida. Assim era contra o Segal, Herman Claudius, Dirk Dagobert, Antonio Rocha e outros. A reviravolta começou quando fui presenteado com diversos livros antigos, pelo querido amigo, então presidente do CXSP, dr.Paulo Gonçalves Guimarães, por quem guardo grande respeito e admiração até hoje. No meio dos vários e excelentes livros e revistas, tinha um que veio a ser muito especial – “Mis mejores partidas de ajedrez (1924-1937) – Alexander Alekhine”. Estudei de cabo a rabo esse livro, reproduzindo cada partida e cada comentário, diversas vezes. A forma como o Alekhine esclarecia cada ponto das partidas, me impressiona até hoje. Faz o xadrez parecer fácil. Acho que estudei cada partida pelo menos umas cinco vezes. E... voilá... de repente os resultados começaram a vir. 1978 foi um ano de ouro para mim. Ganhei diversos torneios abertos, além de derrotar vários mestres e “asas negras”. Minha performance nos jogos abertos do interior foi excelente (6,5 em 8). Vitórias contra os MIs Herman, Antonio Rocha, e empate com o Segal, que eu já tinha vencido 10 dias antes.

De todas as 120 partidas que tem no livro, uma em especial me impressionou muito. Após todos esses anos parado, eu ainda lembrava dela. Uma francesa maravilhosa. Os comentários do Alekhine não entram em variantes longas, e nem precisa. Ele vai estrangulando o adversário, nada menos que o Nimzowitsch (amigo do Aron Correa), sem deixar a mínima margem para fuga. E a posição final é impressionante, com praticamente todas as peças no tabuleiro. Segue a partida com os comentários do próprio Alekhine.

A.Alekhine x A.Nimzowitsch – Torneio de San Remo – Janeiro-1930 (fato interessante, nesse torneio: Alekhine terminou invicto com 14 pontos em 15 rodadas!!)

1.e4 e6 2.d4 d5 3.Cc3 Bb4 4.e5 c5 5.Bd2 (Esta jogada um tanto incolor, combinada com a manobra seguinte do cavalo, não perturba a pretas. Mais promissores parecem 5.Dg4 ou 5.dxc5, apesar de que possivelmente isto se deve a que foram exploradas até agora.) 5...Ce7 6.Cb5 Bxd2+ 7.Dxd2 0-0 8.c3

8...b6 (Na defesa Francesa, a rápida solução do problema do bispo da dama é um desejo muito legítimo do segundo jogador; mas nesta posição em particular, essa tentativa está destinada ao fracasso porque as pretas não conseguirão trocar dita peça pelo cavalo do rei das brancas. Era melhor e mais natural jogar 8...Cf5 (impedindo Cd6), como fez com êxito o próprio Nimzowitsch contra o dr.Lasker em Zurich, 1934.) 9.f4 Ba6 (Tratando de obrigar as brancas a jogar a4, para depois seguir com Cc6, Ca5, etc. Mas como se verá, a segunda parte deste plano não poderá ser executado.) 10.Cf3 Dd7 11.a4 Cbc6

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12.b4 (É estranho que este movimento mais ou menos convencional – mediante o qual as brancas impedem Ca5, ao mesmo tempo que trata de resolver a situação do centro-, tenha provocado nessa época certa sensação; o dr.Tarrasch, por exemplo, o qualificou de “muito original” em seus comentários. Na minha opinião, mais surpreendente que a jogada é o fato de que um mestre da categoria de Nimzovitsch não tenha considerado seriamente sua possibilidade, quando adotou o plano iniciado com 8...b6) 12...cxb4 (Isto é melhor que 12...c4, depois do qual as brancas não teriam maiores dificuldades técnicas para explorar, de maneira decisiva sua vantagem de espaço na ala do rei) 13.cxb4 Bb7 14.Cd6 f5? (É este o erro estratégico concludente em uma posição já comprometida. Em vista do avanço ameaçador do peão de torre da dama branco, a única esperança de conseguir algo mais de espaço reside na resposta 14... a5, ao que seguiria 15.Bb5 (melhor que 15.b5 Cb4), axb4 16.0-0, depois do qual, a iniciativa das brancas não se desenvolveria tão rapidamente, porque teriam que perder alguns tempos para recuperar o peão do cavalo da dama. Ao mover seu peão do bispo do rei, Nimzovitsch deixou transparecer o temor de um ataque contra seu rei e isso era precisamente a única coisa que não devia preocupá-lo nessa partida.)

15.a5! (Como a variante 15... bxa5 16.b5! seguido por 17.Txa5, etc., seria ruim para as pretas, o avanço do texto assegura a importante casa b5 para o bispo branco.) 15...Cc8 (A eliminação do terrível cavalo de d6 – que em outras circunstâncias teria significado o princípio de uma completa emancipação-, já não aporta maior alívio para as pretas.) 16.Cxb7 Dxb7 17.a6

17...Df7 (Má sorte para as pretas que 17...De7 não pode dar resultado por causa de 18.Bb5! Cxb4 19.Tb1, etc.) 18. Bb5 (Daqui em diante as pretas se verão na impossibilidade de proteger devidamente as casas c6 e c7 e o aperto sem esperanças que segue é uma conseqüência inevitável deste defeito orgânico.) 18...C8e7 19.0-0 h6 (Apesar de Cg5 não ser ainda uma ameaça, poderia ser num futuro próximo. Por outra parte, jogar em seguida 19...Tc8 não haveria mudado em nada a situação: as pretas não perdem por falta de tempo mas sim por falta de espaço.) 20.Tfc1 Tfc8 21.Tc2 (Se agora 21...Cd8, então 22.Tac1 Txc2 23.Txc2 Tc8 24.Txc8 Cxc8 25.Dc3, seguido de Dc7, ganhando.) 21...De8 22.Tac1 (Tanto esta jogada como a que segue não são as mais exatas, porque a formação correta: Dc1, Tc2 e Tc3, deveria alcançar-se em três jogadas e não em cinco como ocorreu na partida: 22.Ta3! seguido por Tc3 e Dc1.) 22...Tb8 23.De3 Tc7

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24.Tc3! (A partir deste momento as brancas ganham no menor número possível de jogadas.) 24... Dd7 (Com a intenção de oferecer ao rei a possibilidade de defender a torre de c7. Uma idéia desesperada numa situação sem remédio!) 25.T1c2 Rf8 26.Dc1 Tbc8 27.Ba4! (Último detalhe do ataque posicional iniciado com 15.a5. Para salvar a peça ameaçada por 28.b5 as pretas tem de sacrificar o peão de cavalo da dama. Depois disso conseguirão defender com o rei as importantes casas, mas sucumbirão em conseqüência de um completo “Zugzwang”. O final resultante é realmente instrutivo.)

27...b5 28.Bxb5 Re8 29.Ba4 Rd8 30.h4! Abandonam (Após um par de jogadas de peão que não são o caso, as pretas estarão obrigadas a jogar De8, depois do qual b5 ganha de imediato.)

Francesa Estonteante – III (a cereja do champanhe)

Enquanto tentava decidir o tema de minha palestra, e investigava livros e revistas, tive o prazer de me deparar com um diagrama com uma combinação muito bonita. Fui procurar a partida, e descobri que também era uma francesa (elas são demais!!!!). O pobre Boleslavsky realmente deve ter ficado atordoado com ela!

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Boleslavsky x Ufimtsev - Omsk 1944

1.e4 e6 2.d4 d5 3.Cc3 dxe4 4.Cxe4 Cf6 5.Cxf6+ gxf6 6.Cf3 b6 7.Bb5+ c6 8.Bc4 Ba6 9.Bb3 Dc7 10.c4 Cd7 11.0-0 0-0-0 12.De2 Bd6 13.a4 Tdg8 14.a5 c5 15.axb6 Dxb6 16.Be3 Bb7 17.dxc5 Cxc5 18.Bd1 Tg4 19.Dd2

Essa é a posição que encontrei:

19...Ce4!! 20.Da5(Contra 20.Bxb6 segue 20...Cxd2 21.Cxd2 Txg2+ 22.Rh1 Txh2+! e mate no próximo lance. Com Da5 as brancas esperam 20...Dxa5 21.Txa5 com posição superior.) 20...Thg8!!

21.Ce1 (Tomar a dama permitiria mate em três: 21.Bxb6 Txg2+ 22.Rh1 Txh2+ 23.Cxh2 Cxf2++. Se 21.g3 Cxg3! 22.hxg3 Txg3+! 23.fxg3 Dxe3+ 24.Rh1 Dh6+ 25.Rg2 Txg3+ 26.Rf2 Tg2+!! e mate em dois.) 21...Txg2+!! 22.Cxg2

22....Cd2!!! (Uma posição assombrosa. Na realidade só existe uma ameaça direta, mas as brancas não tem defesa contra ela. A 23.Bxb6 seguiria a já conhecida jogada 23...Txg2+ 24.Rh1 Txh2+ e Th1++. A 23.f3 se responde com 23....Dxe3+ 24.Rh1 [ou 24.Tf2 De1+!] 24....Dh6 - Ruben Fine)

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23.Dd5 (Qualquer coisa para evitar o mate.) Bxd5 24.cxd5 Qxb2 (A combinação terminou. Agora as pretas ganham facilmente.) 25.Bxd2 Dxa1 26.Bf3

26....Bxh2+ 27.Abandonam