um bom professor faz toda a dif - taylor mali

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    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com oobjetivo de oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem comoo simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

    expressamente proibida e totalmente repudavel a venda, aluguel, ou quaisquer usocomercial do presente contedo

    Sobre ns:

    O Le Livros e seus parceiros disponibilizam contedo de dominio publico e propriedadeintelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educao devemser acessveis e livres a toda e qualquer pessoa. Voc pode encontrar mais obras em nossosite: LeLivros.link ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.

    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

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  • Ttulo original: What Teachers MakeCopyright 2012 por Taylor Mali

    Copyright da traduo 2013 por GMT Editores Ltda.Publicado mediante acordo com G.P. Putnams Sons,

    um membro da Penguin Group (USA) Inc.Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser

    utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentessem autorizao por escrito dos editores.

    traduo: Leila Couceiropreparo de originais: Melissa Lopes Leite

    reviso: Ana Grillo e Hermnia Tottiprojeto grfico e diagramao: Valria Teixeira

    capa: Miriam Lernerfoto de capa: Latinstock / Sung-Il Kim / Corbis (DC)

    gerao de Epub: SBNigri Artes e Textos Ltda.

    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    M217b Mali, TaylorUm bom professor faz toda a diferena [recurso eletrnico] / Taylor Mali; [traduo de Leila Couceiro]; Rio de Janeiro: Sextante, 2013.recurso digital

    Traduo de: What teachers makeFormato: epubRequisitos do sistema: MultiplataformaModo de acesso: World Wide WebISBN 978-85-7542-886-3 (recurso eletrnico)

    1. Professores - Conduta. 2. Prtica ensino. 3. Motivao na educao. 4. Rendimento escolar. 5. Livros eletrnicos. I. Ttulo.

    12-9459 CDD: 371.1CDU: 37.13

    Todos os direitos reservados, no Brasil, porGMT Editores Ltda.

    Rua Voluntrios da Ptria, 45 Gr. 1.404 Botafogo22270-000 Rio de Janeiro RJ

    Tel.: (21) 2538-4100 Fax: (21) 2286-9244E-mail: [email protected]

    www.sextante.com.br

  • DedicadoaJoeDAngelo.

    Muitasdaschamasqueacendi

    vieramdosseusfsforos.

  • Oqueosprofessoresfazem

    Ele diz que a grande questo :O que um aluno vai aprender com algumcuja melhor opo na vida foi ser professor?Ele comenta com os convidados do jantar que verdadeo que dizem sobre os professores:Quem sabe faz; quem no sabe ensina.Decido morder minha lngua em vez da dele e resistir tentao de comentar com os convidadosque tambm verdade o que dizem sobre os advogados.Afinal, estamos jantando e temos que conversar educadamente.

    Ento, Taylor, voc professor.Seja honesto, no deve fazer l muito dinheiro.Quanto voc ganha?

    Gostaria que ele no tivesse feito isso me pedido que eu fosse honesto porque eu tenho uma regrasobre honestidade e passa-foras:Se pediu, vai levar.Voc quer saber quanto eu ganho ou o que eu fao?

    Eu fao os alunos trabalharem mais duro do que eles imaginavam ser possvel.Eu fao uma nota 5 parecer uma medalha de honrae um 9 ser um tapa na cara.Como ousa me fazer perder tempo com um trabalho inferior ao seu potencial mximo?

    Eu fao crianas ficarem sentadas por mais de 40 minutos na sala de aula em silncio absoluto.No, vocs no podem trabalhar em grupo.No, voc no pode fazer nenhuma pergunta agora.Por que eu no deixo voc ir ao banheiro?Porque voc est entediado.E no precisa realmente ir ao banheiro, precisa?

    Eu fao os pais tremerem de medo quando ligo para eles:Oi. Aqui o professor Mali. Espero no estar incomodando.S queria conversar sobre algo que seu filho disse hoje.Diante do maior brutamontes da turma, ele defendeu um colega, dizendo: Deixe o garoto em paz. E da que ele est chorando?

    Eu ainda choro de vez em quando. Voc no?E foi o ato mais nobre de coragem que j presenciei.Eu fao os pais verem os filhos como eles realmente soe o que podero vir a ser.

  • Quer saber o que mais eu fao?

    Eu fao os alunos imaginarem,Questionarem.Criticarem.Eu os fao pedir desculpas sinceras.Eu os fao escrever, escrever, escrever,E depois ler.Eu os fao soletrarAnsioso, exceo, ansioso, exceo,At gravarem para sempre a grafia correta dessas palavras.

    Eu fao os alunos demostrarem todos os clculos matemticos realizadospara chegar s respostas dos problemas.E fao com que apresentem a redao final como se nunca tivessem produzido um rascunho sequer.Eu os fao entender que, se voc tem um talento,deve segui-lo.E se algum quiser julg-lo pelo que voc ganha, mostre o que voc faz.

    Olhe, deixe-me explicar direitinho,para voc entender que estou dizendo a verdade:Sabe o que os professores fazem?Os professores fazem a diferena!E voc?

  • SUMRIO

    Introduo

    Fazendoosalunosseesforaremaomximo

    Seufilhomeualuno

    Umpoetasetransformaemprofessor(evice-versa)

    Ahoradeligarparaospais

    Descobertaseacidentesfelizes

    Ansiosoeexceo

    Sempredeolhonasoportunidadeseducativas

    Umelogioincertezaponderada

    Encontrandomentesgeniais

    Oalunosetornaoprofessor

    Meumelhordiacomoprofessor

    E-mail,Isleiluminao

    Liesquevocpodetocar

    Ovalordoquenopodesermedido

    Ningumsaicedodaminhaaulaporrazoalguma

    Foimal!(desculpassinceras)

    GEN:GrficoeletrnicodenotasdoMali

    Professoresfazem,sim,bomusodatecnologia

    Raciocnioponderado:alinhadotemponomuraldasala

    Oqueosprofessoresganham:presentesdospais

    Lutandocontraoataqueaosprofessores

    Ondevopararosmelhoresprofessores?

    Aimportnciadeummentor

    Professoresquefizeramadiferenaparamim

    Abuscapormilprofessores

  • Nuncadevehaverumageraoperdida

    Eplogo

    Agradecimentos

    ConheaoutrosttulosdaEditoraSextante

    ConheaosclssicosdaEditoraSextante

    Informaessobreosprximoslanamentos

  • E

    INTRODUO

    ste livro existe por causa de um poema.Em 1997, eu estava numa festa de rveillon quando um advogado jovem e

    arrogante comeou a insultar a mim e minha profisso. Os professores so toexplorados e desrespeitados, argumentou ele, que qualquer pessoa que escolha essaprofisso hoje deve ter sua inteligncia questionada e portanto no poderia nem mesmo serautorizada a ensinar. Em outras palavras: qualquer um que fosse idiota o bastante paraquerer ser professor jamais deveria ensinar nada a ningum.

    Para aquele advogado, s importava o fato de que professores so malpagos nenhumapessoa sensata seguiria uma carreira cuja remunerao fosse inferior ao que ele ganhava.Naquela noite, na festa, eu senti tanta raiva que no consegui pensar numa sada brilhantede imediato, ento apenas me calei e sorri educadamente. Mas no dia seguinte, 1o de janeirode 1998, escrevi o poema que teria sido a resposta contundente que gostaria de ter dado navspera. O poema se intitula O que os professores fazem.

    O que os professores fazem s foi publicado em livro trs anos mais tarde, mas eu odivulguei imediatamente em meu site que, como vrios endereos da web naquela poca,tinha apenas algumas pginas que diziam Em construo. Mesmo assim, logo aps postar opoema, comecei a receber uma enxurrada de e-mails referentes a ele.

    O poema ps o dedo na ferida. uma defesa da carreira de professor, falando sobre osmotivos por que ensinamos e sobre a nossa revolta por sermos julgados pelo valor de nossocontracheque e no pela diferena que somos capazes de fazer. Ele toca as pessoas, seja qualfor a profisso delas. Sem que eu soubesse, o poema foi copiado e encaminhado por e-mailpelo mundo inteiro, s vezes sem crdito para minha autoria e com aquela introduo tpicadizendo normalmente eu no encaminho mensagens, mas voc tem que ler isto!.

    Meus versos passaram a ser citados por gente famosa em palestras ou discursos deformatura. Colunistas de jornal escreveram sobre meu poema, do qual reproduziram trechos.A Rdio Estatal de Seattle fez uma matria sobre ele. Verses foram publicadas, ou paratentar aperfeioar o texto eu estava furioso quando escrevi e aquela indignao influenciouminha escolha de palavras ou para adapt-lo a outras profisses. Um dia, algum colocouno YouTube um vdeo em que apareo declamando o poema ao vivo, e foi a que elerealmente decolou. Milhes de pessoas assistiram ao vdeo ou ouviram o poema em algumaoutra mdia. Parece que tive a sorte de expressar em palavras o que tanta gente sentia maspor algum motivo no encontrava a forma certa de botar para fora.

    De duas maneiras diferentes, o poema O que os professores fazem mudou mais a minha

  • vida do que a de qualquer outra pessoa. Primeiro, mudou meu emprego. Quando o escrevi,ainda lecionava em salas de aula. Dois anos depois, decidi largar meu trabalho na escola ever se conseguiria me sustentar sem um emprego fixo, apenas como poeta itinerante,palestrante e defensor dos professores. Hoje ganho a vida a viajar pelo mundo ensinandopoesia, conversando com professores sobre como ministrar essa arte ou simplesmentelembrando a eles por que o caminho que escolheram seguir nobre, valioso, crucial erecompensador, apesar dos comentrios debochados que possam ouvir sobre seus salrios.Estou correndo atrs dos meus sonhos.

    Mas O que os professores fazem mudou minha vida de outra forma ainda maisimportante. Descobri que muita gente optou pelo magistrio justamente porque leu o poemaou ouviu algum declam-lo. Comecei a receber e-mails de estudantes universitrios quecontavam ter mudado seus planos e decidido fazer licenciatura, e que atribuam a mim pelomenos parte da responsabilidade por essa escolha. Isso me fez sentir que eu estava de fatofazendo a diferena na vida das pessoas.

    Aps ouvir de algumas dezenas de jovens que eles haviam decidido seguir a carreira domagistrio depois de ler meu poema, criei uma nova meta para mim: iria convencer milpessoas a se tornarem professores simplesmente por meio da paixo com que falo sobre essaprofisso. Seria o meu Projeto Novo Professor. E, de repente, minha vida ganhou um novosentido. Eu tinha uma viso de algo maior que eu mesmo. E, em termos prticos, agoracontava com mais uma razo para escrever todas as manhs. Isso teve um impacto profundosobre mim. No estou mais apenas escrevendo para entreter ou instruir; estou tentandomudar o mundo, de professor em professor.

    Claro que, mesmo que eu atinja meu objetivo de atrair mais mil pessoas para a minhacarreira, isso poder no contribuir em nada para melhorar a situao da educao em meupas, os Estados Unidos. Ainda h muita desigualdade na distribuio de recursos paraescolas pblicas de diferentes reas e a reputao dos professores tem sido bombardeada porgente que os chama de preguiosos e incompetentes. A soluo para esses problemas requermais do que poesia. Na verdade, s vezes acho que contribuo para agravar ainda mais essesproblemas. Afinal, o que realmente sou, alm de um propagandista que influencia osprofessores a aceitarem o status quo? assim que me sinto quando fico cansado dessabatalha. Mas sempre retorno ao fato de que ser professor uma das profisses maisimportantes que existem e que s vezes preciso lembrar a quem escolheu esse nobrecaminho que h um exrcito de cidados escolarizados e agradecidos que os apoiam. Algumprecisa lembrar aos professores que eles so profundamente amados. E essa pessoa sou eu.

  • S

    FAZENDOOSALUNOSSEESFORAREMAOMXIMO

    Oobjetivofundamentaldaeducao...desenvolveramente,torn-lafuncional.

    SHERWOODANDERSON(1876-1941),romancistaecontistaamericano

    empre que algum me desafia a dizer o que os professores realmente fazem, minhaprimeira resposta que os professores fazem os alunos trabalharem mais duro doque eles imaginavam ser possvel. A coisa mais importante que um professor pode

    almejar estimular os alunos a se aplicarem ao estudo. Alguns profissionais conseguem essefeito por meio de orientao e encorajamento, ao passo que outros se valem do medo e daintimidao. Eu poderia dizer que ambas as estratgias so formas de amor. Simplificando, osmelhores professores so aqueles para quem voc vai estudar e se esforar como loucoporque quer que eles o admirem como aluno.

    Gosto de contar aos meus alunos uma histria sobre o secretrio de Estado do presidenteNixon, Henry Kissinger. Kissinger pediu a um assessor que preparasse um relatrio. Oassessor assim o fez mas Kissinger devolveu o documento naquele mesmo dia com umbilhete que dizia: Sinto muito. No est bom o bastante. O assessor ficou sem graa,admitindo que Kissinger estava certo. Constrangido, revisou o prprio trabalho, achando quedessa vez o aperfeioara de forma significativa. Novamente, o secretrio rejeitou o relatriocom uma observao semelhante: Ainda no est nem perto de ser bom o bastante. A essaaltura, o assessor estava apavorado. Ele cancelou seus planos e passou a noite em claroburilando seu trabalho. Corrigiu erros bobos que no tinha percebido antes e acrescentouuma seo de anlise que ajudava a amarrar todas as ideias do texto. Dessa vez achava quetinha feito o melhor trabalho possvel, ento, em vez de apenas submeter o relatrio comonas vezes anteriores, ele marcou hora para entreg-lo pessoalmente a Kissinger.

    Sr. Secretrio, ele disse, escrevi este relatrio trs vezes e por duas o senhor o devolveu,alegando que no estava bom o bastante. Senhor, o que estou lhe entregando agora absolutamente o melhor que posso fazer, portanto, se no for bom o suficiente, eu no sou apessoa certa para esse cargo. Kissinger lhe agradeceu, sorriu, pegou o relatrio e declarou:timo. Dessa vez eu vou mesmo ler o seu relatrio.

    Foi nessa histria que pensei quando escrevi o verso de O que os professores fazem sobrecomo conseguimos fazer uma nota 9 parecer um tapa na cara. Quando voc no entrega oseu melhor trabalho possvel para avaliao, todos perdem. Uma nota 9 pode de fato ser um

  • insulto para um estudante que tem potencial para realizar um trabalho digno de 10.Mas a outra parte daquela estrofe igualmente importante: Eu fao uma nota 5 parecer

    uma medalha de honra. Um professor excepcional sabe que, quando um aluno com muitasdificuldades se aplica de verdade e ganha 5 num trabalho, totalmente adequado escreverParabns! ao lado da nota.

    A longo prazo, fazer o aluno trabalhar mais duro do que imaginou ser possvel talvez seja acoisa mais importante que um professor pode ensinar. A matria em si no a verdadeiralio que voc quer que os alunos assimilem; a verdadeira lio aprender a persistir mesmoquando a matria difcil e confusa. Quando o estudante vier com aquela perguntainevitvel Quando que vamos precisar usar isso na vida real?, responda sem medo:Nunca.

    Talvez ele nunca precise daqueles fatos, nmeros e problemas especificamente. Averdadeira lio nesse caso aplicao, empenho, cooperao, flexibilidade, superao,reflexo crtica e capacidade de resolver problemas habilidades fundamentais no dia a dia.Voc vai precisar delas toda vez que a vida lhe apresentar algo rduo ou inesperado:obstculos na sua vida pessoal, acidentes e catstrofes, demisses ou perda de pessoasqueridas. Lutar para superar esses desafios o que mais importa. Se ensino meus alunos atrabalharem mais duro do que eles achavam ser capazes, porque vo precisar dessahabilidade para o resto da vida.

  • G

    SEUFILHOMEUALUNO

    Aeducaoimportantedemaisparaserdeixadaapenasnasmosdoseducadores.

    FRANCISKEPPEL(1916-1990),comissriodeEducaodogovernodosEstadosUnidos(1962-1965)

    randes professores nunca sero capazes de compensar o estrago causado porpssimos pais, nem devemos esperar isso deles. No entanto, acontece o tempo todo.Os professores so impelidos a preencher a lacuna deixada pelos pais porque so

    uma figura muito presente na vida das crianas. Quando eu era professor do 6o ano e davaaulas de matemtica e histria, desconfiava que alguns alunos passavam mais tempo comigodo que com os prprios pais. No era raro para um adolescente ver o pai e a me menos deuma hora por dia, rapidamente no caf da manh ou talvez na hora do jantar. Compare issocom as horas que eu passava com os alunos de segunda a sexta e no fica difcil entendercomo um professor pode parecer um provvel substituto para os pais. S que nunca somos.

    No entanto, h uma coisa que os professores podem fazer que os pais s vezes noconseguem: enxergar objetivamente o potencial de uma criana, sem a influncia dohistrico familiar ou das expectativas que os pais costumam ter em relao aos filhos. Pai eme talvez estejam preocupados demais em comparar seu filho com a maioria, sem conseguirdiscernir o que h de peculiar nele. Ou ento usam a vida dos filhos como forma de refazersuas prprias vidas, ignorando o fato de que esse tipo de projeo injusto, insensato edificilmente d certo. Parece bvio que no adianta o pai mandar a filha para uma dasmelhores universidades do mundo achando que vai compensar o fato de que poderia tersido aprovado nessa instituio, caso tivesse se esforado para isso na sua poca. Talvez afilha seja uma aluna to preguiosa quanto foi o pai. Mas ainda mais provvel que sejatotalmente diferente.

    Ento, quando voc vem para a reunio de pais e mestres e reclama comigo sobre as notasde seu filho, porque ele sempre tirou 10 em tudo, prepare-se para minha resposta: Noduvido disso. Agora, como podemos estimular o seu filho a fazer um trabalho digno de nota10 este ano?

    O problema do carro de corrida

    Imagine um carro competindo numa corrida de 100 milhas. Na metade do percurso, o veculo faz um pit-stop e ochefe da equipe conclui que a velocidade mdia at ento foi de 50 milhas por hora. Qual deve ser a velocidade do

  • carro na segunda metade da corrida para concluir o percurso com uma velocidade mdia total de 100 milhas porhora? Eu adorava incluir essa questo nas provas porque a resposta surpreendente e esclarecedora. umapegadinha de certa forma, pois no h nada que se possa fazer para que o carro dobre sua velocidade mdia. Oveculo j havia levado tempo demais completando a primeira metade do percurso para que se pudesse dobrar suamdia na segunda metade. Mesmo que o carro corresse a 200 milhas por hora na segunda metade (a resposta maistentadora), a velocidade mdia ainda seria de apenas 80 milhas por hora. O carro praticamente teria que seteletransportar velocidade da luz a partir daquele ponto para poder obter a mdia de 100 milhas por hora. Oprimeiro trecho tinha sido medocre e no havia mais como atingir um nvel de excelncia. O melhor que o pilotopoderia fazer seria reavaliar suas expectativas para o restante da corrida e prometer uma atuao melhor naprxima.

    Sempre me lembro desse problema de matemtica quando um aluno ou um pai me procura no meio do anoletivo perguntando o que pode ser feito para se chegar a uma mdia 10 no final do ano.

    Samuel, um aluno meu na turma de ingls do 8o ano, tinha recebido o diagnstico detranstorno de dficit de ateno e hiperatividade. Ele estava sendo tratado com medicao, edetestava isso. Dizia que com o remdio deixava de ser ele mesmo e passava a ser um robde 13 anos que no conseguia fazer nada a no ser seguir instrues. Ainda estava commuita dificuldade nas aulas, especialmente nos testes semanais de vocabulrio. Na minhaopinio, o remdio que ele tomava todas as manhs na enfermaria podia j ter perdido oefeito no fim da tarde ou noite, quando ele devia estudar o vocabulrio, e a essa altura seucrebro voltava a ficar acelerado demais para que conseguisse se concentrar.

    Eu no tinha sido a favor de tratarem Samuel com medicao; em vez disso, queria quens, seus professores, usssemos mtodos diferentes para ensin-lo, como o que descobricerta tarde no campo de futebol.

    Samuel era o goleiro do time da escola, e s vezes eu ficava depois da aula para jogar comos meninos e me exercitar um pouco. Como eu tambm havia atuado como goleiro quandoera estudante, o tcnico s vezes me colocava para treinar Samuel. Eu me lembro de umatarde especificamente, porque foi o dia antes de um dos nossos testes de vocabulrio eSamuel precisava tirar uma boa nota nele. Os testes eram de apenas 10 palavras, mas nohavia como chutar; eram dois pontos para a grafia correta, cinco para a definio acertada etrs por usar a palavra numa frase que demonstrasse a compreenso do sentido numdeterminado contexto.

    Os hbitos de estudo de Samuel obviamente no estavam dando certo, portanto, depois dojogo, quando comeou a escurecer, ns ficamos no campo e, enquanto eu chutava bolas paraele no gol, ditava palavras para ele definir em preparao para o teste do dia seguinte. Eleadorou essa forma de estudo, e ela funcionou bem no apenas com as palavras, mas comsua prtica no gol. Quando Samuel errava um vocbulo, eu fingia me revoltar e chutava abola ainda mais forte. Ele fazia uma defesa espetacular e acertava a definio das palavras naprxima vez. E gabaritou o teste no dia seguinte.

    Os professores tm uma perspectiva nica. Ns no precisamos pegar a roupa suja que as

  • crianas deixam no cho do banheiro nem obrig-las a ir dormir em um determinadohorrio. Por isso vemos os alunos de um ponto de vista menos emocional que o dos pais.Percebemos com clareza as consequncias de pressionar uma bailarina a fazer faculdade dematemtica ou de influenciar um criativo escritor de crnicas a seguir uma carreira cientfica.

    Quando chegar a hora de esses jovens entrarem no mercado de trabalho, muitos dosempregos para os quais iro se candidatar estaro em reas que nem existem ainda. difcilpreparar uma pessoa para esse cenrio. Os professores preferem se concentrar no verdadeiroobjetivo: no necessariamente produzir futuros graduados em Harvard, mas estimular odesenvolvimento de indivduos que gostem de aprender coisas novas, sejam naturalmentecuriosos, confiantes e flexveis e estejam prontos para qualquer desafio que encontrarem pelafrente.

  • E

    UMPOETASETRANSFORMAEMPROFESSOR(EVICE-VERSA)

    Atarefadopoetadeleitarouinstruir,edevemosreservarnossamaiordistinoparaaquelesqueconseguematingirosdoisobjetivos

    aomesmotempo.

    HORCIO(65-8a.C.),poetaromano

    mbora eu tenha me formado em poesia, acabei saindo da universidade comoprofessor. Da mesma forma que todos os alunos de mestrado na rea de literatura daUniversidade Estadual do Kansas, eu dava aulas de redao I e redao II para os

    estudantes da graduao. Ensinvamos os alunos a escrever reflexes pessoais, avaliaes,correspondncias profissionais, argumentos persuasivos, ensaios, teses e outros tipos decomposio. E percebi que levava muito jeito para explicar aos outros como as coisasdeveriam ser feitas.

    Ensinar a arte da explicao: apresentar a informao certa, na ordem certa e de formainesquecvel. O trabalho do professor analisar todas as formas de explicaes e exemplospossveis e depois usar diante da classe os que funcionam melhor talvez deixando de fora oltimo passo, para que os alunos possam tirar a concluso por si prprios.

    Meu tio, o artista plstico Vint Lawrence, achava que trs perguntas devem ser feitas sobre cada pintura: o artistatem algo a dizer? Ele diz isso bem? E o mais importante: o artista deixa que eu tire minha prpria concluso? O atode podermos completar o pensamento do artista essencial para a apreciao de uma pintura. Um processosemelhante acontece com a arte de ensinar; as lies mais eficazes so aquelas em que os alunos so guiados at oponto em que podem dar os ltimos passos sozinhos.

    Nos fins de semana da poca do mestrado, sempre que meus colegas e eu nos reunamospara comer pizza e tomar cerveja, todos queriam falar dos poemas que estavam escrevendo,mas eu preferia comentar os trabalhos dos meus alunos. Quando nos formamos, muitos dosmeus amigos optaram por um doutorado, para se tornarem professores universitrios, maseu comecei logo a trabalhar em escolas porque queria ensinar alunos mais novos. Minhainteno era ver se poderia causar um impacto maior na vida dos estudantes se eles tivessemaula comigo mais cedo, antes de terem enraizado maus hbitos. Porm, quanto mais novoseram os alunos que eu ensinava fui diminuindo at o 6o ano , mais eu percebia que otrabalho primordial em educao com as crianas pequenas, as da educao infantil ou pr-

  • escolar e dos primeiros anos do ensino fundamental.Vrios estudos comprovam que as crianas com acesso a um ensino de qualidade nos

    primeiros anos de vida escolar assumem uma posio de vantagem inalcanvel em relaoquelas que no tm as mesmas oportunidades. Mesmo que eu me ache o melhor professordo mundo, no momento em que um aluno chega minha turma de 6o ano, o potencial paraele progredir intelectualmente j foi predeterminado quase 10 anos antes. Este mais ummotivo por que os professores jamais sero capazes de compensar a negligncia dos pais.

    Nunca ensinei crianas com menos de 10 anos, a no ser durante oficinas de curta durao,e, embora eu adorasse aquelas experincias, sempre terminava exausto e cheio de admiraoe respeito pelos professores que lidam com elas no dia a dia. to diferente daquilo a queestou acostumado! Se eu contar para uma turma de 1o ano do ensino fundamental que tiveum cachorro chamado Apolo (em homenagem ao deus grego) e que ele morreu emnovembro, ento eu iria escutar algo de cada criana que j teve um cachorro, um gato ououtro animal, ou que j tinha ouvido falar em Apolo, ou que descendente de grego ou quefaz aniversrio em novembro. E a precisaramos conversar sobre aniversrios, durante 10minutos.

    Direcionar o fluxo da curiosidade , obviamente, mais fcil que policiar outros tipos decomportamento que surgem em pr-adolescentes. Encontrei um antigo dirio meu dequando comecei a dar aula para estudantes do segundo ciclo do ensino fundamental e elecontinha vrias observaes sobre o dia a dia na escola. Numa pgina, escrevi: Os alunos do6o ao 9o ano sempre procuram aparentar que um ataque calculado foi apenas um acidente, evice-versa. Presenciei garotos colocarem a mochila nas costas com um movimentoexagerado justamente para sem querer bater com toda a fora no peito do colega ao ladocom o peso dos livros dentro da bolsa. Estes eram os mesmos meninos que, em outrasituao, iriam cair no cho dramaticamente fingindo-se machucados, como um jogador defutebol tentando cavar um pnalti. A nica estratgia que desenvolvi para lidar com essecomportamento foi demonstrar que tinha percebido a encenao, dizendo: Eu seiexatamente o que voc est fazendo, e voc no precisa disso. J chamou minha ateno. Emque posso ajud-lo? Porque disso que a maioria de ns necessita de um pouco mais deateno por parte da figura de autoridade.

    Algumas pessoas que me conhecem por meio do meu trabalho com poesia me dizem quegostariam de ter sido meus alunos. Ou ento afirmam: Tenho certeza de que voc era umexcelente professor. um grande elogio, mas isso sempre me faz pensar: ser que eu eramelhor como professor do que sou como poeta? O que sei que, desde que deixei as salas deaula, nunca parei de ensinar. Tudo o que fao envolve um tipo de lio, mesmo que eu seja anica pessoa aprendendo com ela.

  • Q

    AHORADELIGARPARAOSPAIS

    uando eu trabalhava como professor em horrio integral, ficava at tarde na escolaquase todas as teras-feiras s para poder telefonar para a casa dos alunos e falarcom seus pais. Havia uma lista dos nmeros deles na sala de professores, e a

    direo preferia que fizssemos essas ligaes de trabalho pelo telefone da escola. Eu estavapensando nesses telefonemas quando escrevi o verso de O que os professores fazem quediz, meio de brincadeira, eu fao os pais tremerem de medo quando ligo para eles. Claro,quem no pensa no pior quando o professor de seu filho liga para a sua casa? Geralmenteso as mes que atendem, e a primeira coisa que costumam dizer O que ele fez dessavez? ou Peo desculpas por qualquer coisa que a minha filha tenha dito.

    Justamente porque esto esperando ms notcias, os pais invariavelmente ficam felicssimosquando os professores ligam para elogiar a criana. E eu dei muito mais esse tipo detelefonema do que fiz ligaes para falar de mau comportamento. Muito mais.

    Eu me lembro de ter ligado para ressaltar a melhora nas notas ou o ntido esforo que oaluno fizera ao reescrever uma redao. s vezes, eu telefonava apenas para dizer comohavia gostado de um simples comentrio feito durante uma discusso em sala de aula, queme parecera especialmente perspicaz ou maduro. Na minha cabea, os pais deveriam estarvidos por qualquer migalha de informao que eu pudesse dar a eles. Mas e se noestivessem interessados, se nunca parassem em casa, se nunca ligassem de volta ou se no seimportassem com o desempenho de seu filho em minha aula? Bem, tambm seriaimportante saber disso.

    Logo descobri trs importantes lies quando dava os telefonemas positivos para os pais.Em primeiro lugar, essas ligaes so mais fceis e divertidas de fazer; no h qualquer riscode o pai se virar contra o professor: Bem, mas o que o senhor disse antes para minha filhaque a fez cham-lo de idiota? O senhor fez algo idiota? Em segundo lugar, no h aquelereceio de tornar a vida da criana mais difcil em casa. s vezes eu reconhecia em questo desegundos exatamente de quem Fulaninho tinha herdado seu comportamento louco,inconsistente e autodestrutivo, e logo percebia que a ligao teria consequncias que eu noesperava ou no queria.

    Mas a lio mais importante sobre ligar para os pais elogiando as conquistas dos filhos queesses telefonemas so os que do mais resultado. O estudante entra em sala no dia seguintecom o passo mais leve, o sorriso mais aberto e mostrando mais das mesmas qualidades que

  • me impeliram a ligar para os pais dele na vspera. Uma vez tive um aluno de matemtica no7o ano chamado Caleb, um garoto muito agitado que raramente se esforava. Um dia eleerrou uma questo num teste de geometria. Eu mesmo havia elaborado a questo, ereconheo hoje que era confusa. Caleb quis debater esse problema comigo diante doscolegas. Eu era inteligente o bastante para evitar uma discusso com um garoto do 7o anodurante a aula, ento, em vez disso, como dever de casa, o desafiei a provar que eu estavaerrado.

    Naquela noite eu liguei para a me do Caleb. No era a primeira vez que um de seusprofessores ligava para a casa dele tive a impresso de que a me estava acostumada aatender essas ligaes , mas foi a primeira vez que algum ligava para dizer uma coisa boasobre o menino. Eu queria que ela soubesse que a curiosidade intelectual e o entusiasmo queseu filho demonstrara em sala de aula me fizeram lembrar do motivo por que eu haviadecidido lecionar. Eu lhe disse que amava o meu trabalho por causa de alunos como Caleb.O silncio do outro lado da linha me fez perceber que ela estava chorando. Por ter procuradoesse contato com ela, acabei criando uma aliada, algum para quem eu poderia ligar de novodali a um ms, quando Caleb estivesse me enlouquecendo.

    Tenho outra boa histria a respeito de ligar para os pais, e essa a que aparece no poemaO que os professores fazem sobre um garoto defendendo um colega contra um valento.

    Andrew Marks estava numa turma minha de 6o ano e era um menino inteligente, educado,bem-vestido e um pouco rechonchudo. Um dia, durante o recreio, Andrew jogava Uno comtrs outros garotos: Timmy, o menorzinho da turma; Travis, o garoto mais maldoso a quemj tive o desprazer de dar aula; e um quarto menino cujo nome no lembro, mas a quem vouchamar de Testemunha que No Fez Nada.

    No conheo bem o Uno, mas aparentemente h diferentes formas de jogar, com regras eestratgias opcionais que todos combinam no incio do jogo. Os garotos no devem teracertado direito as regras, porque logo no comeo da partida Timmy conseguiu fazer umajogada rara e perfeita, e os outros trs disseram que no valia. Pelo que consegui deduzir deonde eu estava, corrigindo testes na minha mesa, a jogada de Timmy era o equivalente aacertar a lua num jogo de copas (levar todas as cartas que pontuam), um feito que requersorte, esperteza e audcia. Ele estava orgulhoso de tamanha proeza e naturalmente ficouarrasado quando todos os outros meninos disseram que aquela jogada no era permitida namodalidade que escolheram e que no estavam jogando daquele jeito. Timmy recolheusuas cartas e seu lbio inferior comeou a tremer. Percebendo aquela vulnerabilidade, o cruelTravis comeou a cercar sua presa, provocando-o: O qu? Vai chorar? s um jogo! Queman! Olhe s o Timmy, pessoal. Ele est chorando! Maior bebezo!

    Eu sabia que tinha que interferir, embora isso pudesse at piorar as coisas. Mas, antesmesmo que eu pudesse me levantar, ouvi Andrew confrontar Travis, dizendo: Deixe ogaroto em paz. E da que ele est chorando? Eu ainda choro de vez em quando. Voc no?

  • E o conflito acabou ali. No poema descrevi isso como o ato mais nobre de coragem que jpresenciei. At hoje fico arrepiado ao me lembrar disso. Andrew no era propriamenteimune crueldade de Travis, que poderia facilmente ter se virado contra ele e o chamado degordo, como muitas vezes havia feito. No entanto Andrew Marks, sabendo que estavapresenciando uma situao de bullying, colocou-se entre o agressor e a vtima, pronto paralevar chumbo. Quando liguei para a me dele naquela noite a fim de contar o queaconteceu, acho que eu mesmo chorei. Falei para a Sra. Marks que Andrew era o tipo dealuno que me dava orgulho e que eu gostaria de ser como ele quando crescesse. Mas achoque minhas lgrimas tiveram outra razo tambm. Elas resultaram da vergonha em saberque, se eu fosse um menino de 12 anos naquele jogo de cartas, eu teria sido a Testemunhaque No Fez Nada.

  • S

    DESCOBERTASEACIDENTESFELIZES

    e houver um grfico mostrando como se d o aprendizado de uma criana, a linhacom certeza no ser uma subida gradual e constante em direo ao conhecimento e inteligncia. Provavelmente ser mais parecida com os picos e descidas irregulares

    da bolsa de valores numa dcada de economia forte. Os picos mais altos seriam aqueles dosmomentos repentinos de descoberta e clareza trazidos por coincidncias fortuitas e outrosacidentes felizes, e os mergulhos profundos de volta letargia adolescente seriam o resultadode maus hbitos, da influncia dos hormnios e do medo de se destacar dos demais.

    Os professores adoram testemunhar aqueles momentos em que algo d um clique namente do aluno e ele finalmente entende tudo. Esses instantes so to emocionantes que setornam uma das maiores recompensas da carreira de um professor. Isso parte de seupagamento na forma das raras e brilhantes fascas de compreenso e descoberta nos olhosde um aluno que tinha dificuldades.

    Um momento particularmente memorvel ocorreu quando eu estava tentando ensinar aum aluno chamado Paul a propriedade matemtica em que todo nmero multiplicado porzero resulta em zero. Depois que se compreende essa propriedade to simples, pode serdifcil imaginar que outras pessoas no consigam entender isso, mas tal a natureza da

    maldio do conhecimento.1 Eu me lembro de me agachar ao lado da carteira de Paul eexplicar tudo de novo com toda a pacincia. De repente, seus olhos se arregalaram e ele sevirou para mim. O senhor quer dizer que, ele comeou a falar, mal podendo acreditar naprpria sorte, cinco vezes 3/7, vezes 125.342, vezes zero igual a... zero? Quando fiz quesim com a cabea, ele se voltou para o caderno sua mesa todo feliz, anunciando para quemquisesse ouvir: Isso muda tudo! E isso , em resumo, tudo o que os professores queremfazer: mudar tudo.

    Eu ensino pelo fogo

    Eu ensino pelo fogo, pelo momento da ignio, pela fagulha, pela lmpada do conhecimento acendendo no escuro sobrea cabea de um adolescente. linda incandescncia, ofuscando o silncio por toda a sala; ele tenta, ele tenta, ele tenta e BUM!Ele entende tudo e voc pode ver isso em seus olhos!

  • Eu ensino por esse momento.

    Eu ensino pelo momento em que todos os elefantes descobrem que tm asas e levitam da lama, minha classe emsuspenso como mil beija-flores pairando no ar, uma expresso fascinada em cada rosto, alimentando-se de minhaspalavras por um mgico instante, como se ideias fossem flores do campo.

    Eu ensino por esse momento.

    Eu ensino pela mesma razo por que todo professor ensina. A pedra atirada na gua nunca sabe o alcance da ondulaoque causou, mas eu reinicio meu corao todo dia e aprendo coisas sobre mim mesmo como se eu fosse um balde vazioe cada aluno, um poo dos desejos. Dizem que aqueles que desejam ensinar nunca devem parar de aprender. Eu ensinopelo momento em que tudo se incendeia e finalmente comea a arder.

    T

    s vezes uma descoberta pode acontecer de forma totalmente inesperada, como no dia emque meus alunos testemunharam ou pensaram testemunhar uma mudana na lnguainglesa que normalmente levaria anos para acontecer.

    Quando eu ensinava ingls, usava um vocabulrio dividido em 30 captulos, cada qualintroduzindo 10 novas palavras relacionadas ao mesmo tema especfico, como, por exemplo,palavras de origem espanhola ou palavras para descrever pessoas. O primeiro captulo sechamava Sobre a linguagem e inclua as palavras conotao, denotao, jargo, gria e umaque era nova para mim, argot, de origem francesa, que significa um tipo de linguagemsecreta, em cdigo, usada por um grupo clandestino para que suas mensagens no sejamdescobertas ou compreendidas. Decidi ento passar um trabalho para a classe baseado noargot de estudantes do 8o ano. A lngua que falamos pertence a vocs, eu lhes disse.Tirem vantagem disso e criem uma gria secreta prpria.

    Cada aluno tinha que inventar 10 expresses para fenmenos relacionados escola. Sugeri,por exemplo, que punir um aluno com castigo em sala aps o trmino das aulas fosse chutar

    um C, como em Fui pego passando bilhetinhos na aula e o professor me chutou um C.2

    Meus alunos iniciaram o trabalho animados, sugerindo em voz alta, por exemplo, que a griasecreta do 8o ano para conseguir um prazo maior de entrega do trabalho seria se pendurarnum galho mais alto, e que pedir permisso para ir ao banheiro quando voc no estprecisando de fato seria secretamente referido como empoar ou implorar uma descargafalsa. O sinal tocou e metade da turma saiu, enquanto a outra permaneceu para a aulaseguinte, que seria dada pelo professor de histria americana, Robert Crust.

    Assim que chegou, o professor Crust, veterano com 40 anos de carreira, viu um trabalhoesquecido numa carteira por algum aluno descuidado. Bob deu uma lida no trabalho econcluiu quase corretamente que chutar um C j seria uma gria estabelecida entre osalunos descolados. Ento, no final da aula, ao explicar as consequncias para quem no

  • trouxesse a pesquisa de histria na segunda-feira, o professor Crust anunciou com a maiornaturalidade: Esses preguiosos podem ter certeza de que eu lhes chutarei um C.

    Metade da turma no tinha a menor ideia do que ele quis dizer. A outra metade, porm,que participara da minha aula de ingls no perodo anterior, ficou perplexa. Como oprofessor Crust poderia conhecer aquela expresso, se eles a haviam inventado apenas umahora atrs? A lngua inglesa poderia ser mesmo viva, como o professor Mali disse?, devem terpensado.

    O objetivo mais elevado da minha lio, que eu no tinha nem o direito de esperar quemeus alunos atingissem a compreenso de como a lngua muda ao longo do tempo e decomo o significado das palavras pode ser fluido , foi alcanado no momento em que aquelepequeno grupo de alunos se entreolhou espantado. O que os professores fazem? Eles fazemuso desses acidentes felizes para ajudar os alunos a entenderem perfeitamente seusensinamentos.

    1 Uma estudante de mestrado em Stanford chamada Elizabeth Newton analisou a maldio do conhecimento em 1990com o seguinte estudo: um grupo de pessoas marcava o ritmo de canes bem conhecidas como Parabns pra voc eJingle Bells batendo com os ps no cho, e outro grupo tinha que identificar as msicas. O grupo que batia os ps estimouque metade dos ouvintes iria conseguir acertar. Na verdade, s 3% acertaram.

    2 Gosto muito mais da expresso criada por um dos estudantes sobre ficar de castigo aps a aula: reservar passagem semvolta pra aula de esttua.

  • T

    ANSIOSOEEXCEO

    Oobjetivodeensinarumacrianadaraelaapossibilidadedeprogredirsemumprofessor.

    ELBERTHUBBARD(1856-1915),escritorefilsofoamericano

    oda vez que declamo o poema O que os professores fazem para um grande grupode pessoas, especialmente (mas no necessariamente) professores, vejo genteconcordando com a cabea quando chego ao verso sobre fazer os alunos escreverem

    ansioso e exceo repetidas vezes at faz-los lembrar para sempre a grafia correta dessaspalavras.

    Aprendi a soletrar corretamente a palavra ansioso no 9o ano com meu professor de ingls,Stewart Moss, que cantava para a turma a Msica do Ansioso, um truque de memorizaoque, segundo ele, nos ajudaria a gravar para sempre a grafia da palavra. Era uma melodiadoce, em tons agudos, que dizia:

    No existe CEm ansioso.

    Essa era a msica inteira. A turma toda olhou para o Sr. Moss depois que ele acabou edisse: s isso? Essa a msica que vai nos ensinar a lembrar a maneira certa de escreveransioso para o resto de nossas vidas? Duvido! Amanh j terei esquecido! Mas isso foi nooutono de 1978, e me lembro da msica perfeitamente at hoje.

    Exceo no tinha uma msica especial, mas eu nunca me esqueci de como se escrevia porcausa de uma situao que vivi. No final daquele ano letivo, meus pais me matricularamnum curso de vero porque achavam que eu tinha maus hbitos de estudo, o que eraverdade. Na minha classe de humanas, eu sentava ao lado de um atleta de luta livrechamado Larry. Um dia, ele pediu que a professora lhe ensinasse a soletrar a palavra exceo,porque nunca tivera certeza da grafia. Ela sugeriu que ele procurasse no dicionrio, javisando que provavelmente ele iria levar os 20 minutos restantes da aula at achar a pginacerta. E foi assim mesmo. Quando Larry finalmente achou a palavra no dicionrio, ficou topasmo que passou a repetir em voz alta a forma correta de soletrar E-X-C-E---O,enquanto os colegas arrumavam suas mochilas e saam para almoar. Jura que istomesmo? E-X-C-E e depois c-cedilha?, e repetiu a sequncia das letras tantas vezes que osoutros meninos comearam a debochar daquela ladainha de incredulidade. Mas, por dentro,

  • eu estava agradecido a ele. Larry no era a nica pessoa que no sabia escrever exceo. Apartir de ento, ns dois iramos lembrar para sempre como soletrar aquela palavra.

    Claro que j cantei a Msica do Ansioso centenas de vezes para meus alunos. s vezesat alongo os versos, exagerando com um fraseado musical extravagante, no meu melhorestilo cantor de churrascaria. Mas no posso afirmar que minha obsesso pelo palco tenhaaumentado o poder da verso original. E tem mais: toda vez que conto para uma nova turmaa histria de como aprendi a soletrar exceo, os prprios alunos interpretam de formacmica como Larry, o lutador, teria repetido a palavra letra por letra, aliviado e incrdulo aomesmo tempo.

    No entanto, a principal mensagem que eu queria passar por meio dessas duas histrias, eque gostaria de ter transmitido no poema tambm, que h uma sensao de xtase inerentea cada um desses inesquecveis e repentinos instantes de apreenso de novo conhecimento.Costumamos imaginar que o fenmeno do aprendizado como o crescimento de umacriana: um desenvolvimento constante e gradual, com alguns momentos de progressoacelerado. Mas o processo do aprendizado mais como uma sucesso de pequenos ougrandes relmpagos e raios que atingem o crebro constantemente. E se voc j presenciouum desses momentos serem vividos por outra pessoa, entender por que os professoresdizem que esta uma das recompensas secretas da profisso sobretudo se foram eles queajudaram a produzir tais lampejos. Os professores fazem, sim, raios carem no mesmo lugar,muitas e muitas vezes.

  • SEMPREDEOLHONASOPORTUNIDADESEDUCATIVAS

    s vezes, a vida proporciona um plano de aula muito melhor do que aquele que oprofessor havia preparado, e ele deve sempre embarcar nessa oportunidade. Nohaver tempo de elaborar com calma o dever de casa a partir das lies daquele

    momento ele simplesmente ter que improvisar.Uma vez, quando estava dando aula de matemtica numa escola de Nova York, vimos da

    janela algo extraordinrio acontecer do lado de fora. Minha sala era no quarto andar, mascomo o p-direito dos andares do colgio era alto, nossa janela dava para o sexto andar doedifcio em frente, que ficava a apenas 15 metros de distncia. Isso j gerava distraosuficiente todos os dias. Havia uma moa que se debruava na janela para fumar,escondendo os cigarros num canto do parapeito. Tinha um senhor idoso no andar logoacima, que perambulava de roupo em seu apartamento o dia inteiro. Se algum fizessecontato visual com ele, o velhinho acenava, portanto passamos a cham-lo de Seu Feliz, maseu o detestava, porque era uma distrao irresistvel para os meus alunos. S que nem SeuFeliz seria preo para o piano de cauda que um dia foi retirado, pela janela, do apartamentoacima do dele.

    Fiquei sabendo anos depois, por um amigo que morava naquele prdio, que a moradora dooitavo andar era pianista e sempre sonhara em dar um recital no Carnegie Hall. Ela deve terfalado tanto nisso que seu marido rico finalmente resolveu alugar o teatro para realizar osonho da mulher. No entanto, parece que ela se recusou a tocar os pianos do Carnegie Hall einsistiu que o seu recital teria que ser com seu prprio instrumento. Foi por isso que, numaquinta-feira de abril, um caminho com guindaste estacionou em frente ao prdio, e o pianodela foi cuidadosamente retirado pela janela de seu apartamento e levado abaixo devagarbem em frente janela da minha sala, enquanto eu tentava dar aula de matemtica.

    Quando o piano j estava completamente suspenso do lado de fora da janela, todas ascarteiras da minha turma ficaram vazias. Colamos o rosto no vidro da janela, embaandotudo com nossa respirao. Ningum dizia palavra. Haveria algum jeito de eu aproveitar esseacontecimento para minha aula de matemtica? Talvez: Em quantas fraes o piano poderse quebrar caso acabe se espatifando no asfalto? Eu no conseguia pensar em nadaconstrutivo. Mas tudo bem, porque no havia nada a dizer. Era um momento visualmentedeslumbrante, epicamente memorvel, e me lembro apenas de desejar ser capaz de receberaquela mesma ateno como professor. Enquanto o piano descia devagar, eu vi pelo canto do

  • olho o Seu Feliz em seu roupo, tambm observando a manobra. Ele acenou para ns, mas,pela primeira vez, ningum acenou de volta, pois todos estavam absortos no espetculo.

    Ateno total

    Um piano de cauda envolvido em panos pelos carregadores,amarrado em tiras de lona como um presente de aniversrioda msica clssica para um louco perigoso , gentilmente retirado sem suas pernas

    por uma janela de oitavo andar na rua 62.

    Est suspenso no ar de abril por um guindaste,quadrados de madeira negra laqueada brilhantee estampas riscadas sobre um branco encardidodependurados como a penltima notade um concerto que se toca na beirada da banqueta, beira das lgrimas, beira de despencar por oito andares um piano empurrado para fora de uma janela e levado abaixo at o caminho de transporte!...eeu estou tentando dar aula de matemtica no prdio em frente.

    Quem consegue ensinar quando h uma lio a ser aprendida?Todos os mnimos mltiplos comuns so entregues por guindastes e caminhes de transporteou passam atravs de tudo, at do ar.Como a neve.

    Sabe, a neve cai pela primeira vez todo ano, e todo anomeus alunos correm para a janelacomo se a neve fosse mais interessante que a matemtica, e mesmo.

    Ento, por favor.

    Deixe-me ensinar como um Steinway,rodopiando vagarosamente no ar de abril,to a ponto de cair, to perplexamentedependurado do gancho do guindaste...To beira de perder tudo...Deixe-me ensinar como a primeira neve que cai.

    T

  • U

    UMELOGIOINCERTEZAPONDERADA

    Educao...partirdaignornciaarroganteemdireoincertezaponderada.

    KENNETHG.JOHNSON(1922-2002),educadoresemanticistaamericano

    ma das qualidades mais importantes que um professor pode estimular num aluno,especialmente na era da internet e dos canais de notcias 24 horas, saberdistinguir, no meio de tanta informao, o que til, objetivo e confivel do que

    tendencioso e irrelevante. Essa preocupao condiz com o que escreveu o historiadorbritnico George Macaulay Trevelyan: A educao produziu uma vasta populao capaz deler, mas incapaz de distinguir o que vale a pena ser lido.

    Eu sempre quis que meus alunos sassem de meus cursos com uma espcie de ceticismoesclarecido, a habilidade de analisar a qualidade das fontes de informao ao perceberemincoerncias, falcias e argumentao tendenciosa, em vez de aprender as coisas de formaautomtica, sem questionar. Esse desejo est por trs dos seguintes versos de O que osprofessores fazem: Eu fao os alunos [...] Questionarem./ Criticarem. O verbo criticar temduas acepes, claro, sendo uma neutra (analisar todos os aspectos de) e outraextremamente negativa (falar mal de, menosprezar, censurar). As pessoas j me perguntaramvrias vezes se o verso significava fazer os alunos procurarem defeito em tudo. No era essa ainteno. Mas procurar as falhas quando se trata de fatos e notcias no algo to negativoassim, no ?

    Para encorajar meus alunos a argumentar contra posies que no se sustentam quandoanalisadas cuidadosamente, eu inseria nos testes citaes de livros inventadas por mim. Eufazia o possvel para torn-las convincentes. Quem ousaria discutir com o Dr. Sanjay Patel,respeitado acadmico e autor de Esfinge na areia Religio no Antigo Egito? Bem, aps ler aridcula concluso de que a religio no Antigo Egito no era parte importante da sociedade,portanto os sacerdotes no tinham muito poder, meus alunos derrubavam com entusiasmo,mas educadamente, as ideias do Dr. Patel.

    A definio de professor no inclui algum que mostre aos alunos como questionar aautoridade. De fato, muitos crticos da educao nos Estados Unidos acreditam que asescolas fazem exatamente o contrrio, porque o sistema atual nasceu com a RevoluoIndustrial, quando a inteno era criar mo de obra qualificada porm obediente. Comopoderia o ceticismo esclarecido, sem falar na criatividade pura e simples, sobreviver em talambiente? No seria fcil. Mas prefiro incentivar meus alunos a questionarem tudo a ensin-los a serem pessoas que parecem nunca ter tido qualquer tipo de dvida.

  • Tipo, sei l, sabe?

    Caso no tenha notado,no est mais na modavoc saber muito bem sobre o que est falandonem ter convico do que est dizendo.Invisveis pontos de interrogao e parnteses (sabe?)esto se grudando ao final de nossas frases,mesmo quando essas frases no so, tipo, perguntas. Sabe como?

    Sentenas declarativas assim chamadasporque costumavam, tipo, DECLARAR coisas como verdadeiras,ao contrrio de outras coisas, tipo, sabe, que no so foram contaminadas por um tom interrogativosuperdescolado e tragicamente maneiro, sabe?

    Tipo, no pense que estou por fora s porque notei isso;a coisa t bombando, sabe como?, tipo, um lance que ouvi.No tenho nenhum investimento pessoal em minhas prprias opinies, t?Estou apenas convidando-o a se juntar a mim nessa incerteza.

    Para onde foi a convico?Onde esto as prprias pernas com as quais costumvamos caminhar?Elas foram, tipo, cortadascom as rvores da floresta Amaznica?Ou no temos, tipo, nada para dizer?A sociedade se tornou, to, tipo...Quero dizer, geral... sabe?Que ns chegamos a um ponto que tipo, sei l...Tanto faz!

    Ento, na verdade, isso de no ser muito articulado uma coisa meio... inteligentepara disfarar o fato de nos tornarmosa gerao mais agressivamente desarticulada desde...sei l, um tempo atrs!

    Eu imploro, eu suplico, eu encorajo... eu desafio vocs a falarem com convico.Argumentem de uma forma que transmita a determinao com que acreditam naquilo.Porque, diferentemente do que diz o adesivo de protesto, hoje em dia no basta questionar a autoridade. preciso falar com ela tambm.

  • T

  • S

    ENCONTRANDOMENTESGENIAIS

    Averdadeiraeducaocausadesigualdade:adesigualdadedaindividualidade,adesigualdadedosucesso,

    agloriosadesigualdadedotalento,dagenialidade.

    FELIXE.SCHELLING(1858-1945),educadoramericano

    ei muito bem como ficar frente a frente com algum que tem metade da minhaidade e o dobro da minha potncia cerebral. A estudante mais inteligente que tive oprazer de fingir que estava ensinando se chamava Ellen Perlman.

    No incio da dcada de 1990, recm-sado do mestrado, eu morei um tempo no sul doestado do Maine e fui editor assistente de uma pequena revista literria. Para pagar ascontas, eu tambm trabalhava como professor substituto e professor particular para aPrinceton Review, uma empresa especializada em cursos para as provas do SAT (o vestibularpara os americanos) e de mestrado. Depois de um ano com trs empregos, consegui umcargo permanente de professor na escola Cape Cod Academy, que precisava urgentementerepor a vaga de algum que havia se mudado para outra cidade no meio do ano letivo.Aquele professor ensinava ingls, supervisionava a revista literria da escola e orientava todosos alunos do ensino mdio na preparao para o SAT. Aquele emprego parecia ter sido feitosob medida para mim.

    Eu tinha comeado a trabalhar nessa escola havia menos de duas semanas quandoaconteceu o catastrfico terremoto de Kobe, no Japo, que indiretamente resultou em duasnovas alunas para a minha turma de preparao para o SAT. Uma delas, a simptica Sarah,do 2o ano, tinha acabado de voltar de um intercmbio em Kobe, j que a destruio nainfraestrutura da cidade tornou mais difcil terminar os estudos por l. Ela se juntou minhaturma porque a preparao era obrigatria para todos os alunos do 2o ano. Todos, comexceo de uma.

    Ellen Perlman, a melhor amiga de Sarah, no precisava dessa aula porque era um gnio.Todos sabiam disso. Ela j havia feito a prova do SAT no incio do ano, antes mesmo de euchegar quela escola, e gabaritara as questes. Mesmo assim, como Sarah voltou e veioestudar comigo, Ellen se juntou turma porque seria melhor acompanhar a amiga do queficar na biblioteca lendo sozinha as revistas The New Yorker e Paris Match. Durante vriassemanas, ela no abriu a boca na aula, e comecei a me perguntar por que todos aconsideravam to brilhante. At que um dia, quando eu estava com dificuldade de explicarum problema de matemtica, ela levantou a mo e se ofereceu para sugerir uma soluo.

    Gostaria de lembrar exatamente qual era o problema, mas s recordo que era complicado,

  • envolvendo geometria e algumas variveis. Eu estava me esforando, desenhando a figura noquadro, mas pelejava para fazer os alunos entenderem minha explicao quando ela dissealgo mais ou menos assim:

    Sr. Mali, talvez fosse uma boa opo considerar o problema da seguinte forma: espelhe oretngulo que o senhor desenhou no eixo AB de forma que obtenha um quadrado. Agoraimagine que o quadrado a base de uma pirmide que se projeta na sala e cujos pontos seencontram a uma distncia X do quadro-negro. A distncia entre X e o ponto C obviamentea raiz quadrada da soma dos quadrados de AB e de BX, certo?

    Fiquei boquiaberto. A lgica dela era engenhosa, intuitiva e surpreendentemente brilhante.Acho at que posso ter me prostrado no cho, com os dois braos estendidos em direo aela, como em reverncia a uma divindade, dizendo: No sou digno!

    A resposta de Ellen fazia todo o sentido. Quando voc finalmente conseguia acompanhar opensamento dela, a questo ficava clara. Considerar o problema de seu ponto de vista tosingularmente belo, criativo e luminoso era de fato uma boa opo.

    Houve muitos outros momentos em minha carreira de professor nos quais me dei conta,num nico lampejo de clareza, que estava lidando com algum cujo crebro funcionavamelhor que o meu. Algum com uma mente mais gil, perspicaz, com maior destrezacognitiva. Simplesmente mais inteligente do que eu. Mas no h problema nisso. Naverdade, trata-se de uma bno uma bno de humildade. Os professores no podemcometer o erro de sempre acharem que so a pessoa mais inteligente da sala.

  • A

    OALUNOSETORNAOPROFESSOR

    Vocensinamelhoraquiloquemaisprecisaaprender.

    RICHARDBACH(1936-),escritoramericano

    lguns anos atrs, fui o escritor convidado na Escola Americana de Londres (ASL)durante uma semana. Os alunos da ASL eram representativos das escolasinternacionais de qualquer lugar do mundo: um arco-ris global de filhos de

    diplomatas e de executivos. Os estudantes com quem trabalhei especificamente estavamanimados para aprender os diferentes tipos de poesia que eu queria ensin-los a escrever.Mas suspeito que o que ensinei aos alunos naquela semana no foi o que eles iro lembrardaquele tempo que passei com eles.

    Durante os trs primeiros dias de segunda a quarta-feira dei duas aulas de 45 minutospor dia para todo o 8o ano. Isso nos garantia tempo suficiente para analisar os poemas queeles haviam escrito como dever de casa, discutir o novo tipo de poema que teriam quecompor, ler alguns exemplos clssicos e responder a perguntas. E claro que dava tempo paraescrever em sala tambm. Eu no podia ter sonhado com horrio e nmero de aulasmelhores. Consegui ensinar poesias sensoriais, sobre objetos inanimados, sonetos, haicais etambm de memrias, baseadas no famoso poema I remember, de Joe Brainard, e vriosoutros tipos. Mas um trabalho funcionou melhor que todos os outros, e dedicamos toda aquinta-feira a ele. Naquele dia, meus alunos do 8o ano ensinaram a turma do 3o ano doensino fundamental como escrever seu tipo favorito de poesia.

    Pedi aos professores do 3o ano que levassem suas turmas para a biblioteca. J havamosdecidido qual aluno do 8o ano ficaria com qual criana (ou quais crianas) do 3o. No incioda aula, os estudantes iam se conhecendo enquanto eu explicava o que faramos. A partirdisso os grupos se reuniam para escrever juntos o poema, uma criana grande de 12 ou 13anos e uma ou duas pequenas de 8 ou 9. Soube que estavam fazendo um timo trabalhoporque eu mesmo no tinha nada para fazer. Visitei cada mesa e fiquei espiando, escutandocomo meus alunos escolhiam explicar os conceitos que tinham acabado de aprender algunsdias antes. Tirei vrias fotos e sorri muito, todo bobo.

    Quando tive a ideia desse projeto, no lembro se j conhecia as pesquisas que sugerem quea melhor forma de aprender algo ensin-lo a outra pessoa imediatamente. Com certezaainda no escutara falar de grupos como o Breakthrough Collaborative, uma escola de friaspara crianas carentes, mas bastante motivadas, do 6o ao 9o ano, onde os professores so na

  • verdade alunos de ensino mdio e faculdade. Mas eu j sabia que isso dava certo. O ato deensinar algo a outra pessoa refora mais aquele contedo no seu crebro do que qualqueroutro mtodo. Ao saber que teriam que ensinar aquela matria na quinta-feira, meus alunosdo 8o ano prestaram muito mais ateno na aula no incio da semana.

    No fim do perodo, ns nos juntamos no canto mais aconchegante da biblioteca e lemos aspoesias em voz alta. Crianas de toda parte do mundo ouviam com ateno os poemas umasdas outras, que s vezes declamavam com alguma ajuda de seus mentores mais velhos. Eume sentei ao lado dos professores do 3o ano e de duas bibliotecrias, e meu sorriso bobo sera interrompido de vez em quando por lgrimas silenciosas.

  • O

    MEUMELHORDIACOMOPROFESSOR

    Nosepodeensinarnadaaumhomem;vocpodeapenasajud-loaencontraraquilodentrodesimesmo.

    GALILEUGALILEI(1564-1642),fsicoeastrnomoitaliano

    melhor momento da minha carreira de professor (e houve muitos maravilhosos)aconteceu no Kansas, no incio da dcada de 1990, e envolveu uma daquelassituaes em que o aluno tem uma compreenso sbita. Conto a histria toda num

    outro poema meu chamado Tipo Lilly Tipo Wilson, mas vou dizer basicamente o queaconteceu na poesia, mudei alguns detalhes que identificariam a aluna.

    Naquela poca, na cidade de Manhattan, no Kansas, eu era aquele sujeito alternativo vindode Nova York, com rabo de cavalo, dono de um Mustang preto conversvel provavelmenteo pior carro para aguentar os invernos da regio, mas maravilhoso para passear nas colinas darea rural do nordeste do Kansas no outono e na primavera. Ento, quando a aluna quechamarei de Lilly Wilson me disse que queria escrever um ensaio argumentando de formapersuasiva que a adoo de crianas por casais gays deveria ser ilegal, eu no disse nada, commedo de que, se eu tentasse dissuadi-la, estaria provando ser o que todos achavam mesmoque eu era um esquisito de cabelo comprido hippie e marxista e ela ficaria ainda maisresoluta em sua opinio. Apenas lembrei a ela todos os requisitos para aquele trabalho, onmero de fontes diferentes que precisaria consultar e as perguntas que deveria fazer a simesma para confirmar se aquelas fontes eram mesmo confiveis e slidas.

    Depois de apenas alguns dias de pesquisa, Lilly me procurou perguntando se poderiamudar de opinio, porque todas as evidncias que descobrira derrubavam seu argumentoinicial. Em Tipo Lilly Tipo Wilson, eu escrevi o que queria dizer a ela: Voc faz com queeu me sinta um verdadeiro professor, e quem poderia querer sentir algo mais do que isso?Mas h outra srie de versos que descreve mais precisamente o que estava acontecendocomigo na poca e por que considero aquele o melhor dia da minha carreira de professor:

    E quero dizer a ela...[que] mudar de opinio uma das melhores formasde descobrir se voc realmente tem uma.Ou que a mente como um paraquedas:no importa o que carregacontanto que abra

  • no momento certo.

    Talvez eu tenha lido esses versos em algum adesivo de para-choque na minha juventude,mas existe lio maior do que ensinar algum a ter a mente aberta? No h resultado maisrecompensador na educao de algum, e isso foi chamado pelo filsofo americano WilliamDurant de uma descoberta progressiva de nossa ignorncia. uma das duas definies deeducao que me vm mente quando penso em Tipo Lilly Tipo Wilson. A outradefinio , claro, de George Bernard Shaw: Uma sucesso de revelaes, cada qualrefutando uma crena que se tinha anteriormente.

    A lio que tirei daquele momento foi a de que nunca serei capaz de ensinar nada a meusalunos to bem quanto eles podem ensinar a si mesmos, caso tenham essa oportunidade.Talvez esta seja a definio certa para um professor: algum que torna o aprendizadopossvel, o que muitas vezes significa simplesmente preparar o terreno para o aluno ensinar asi prprio.

  • U

    E-MAIL,ISLEILUMINAO

    m dos melhores trabalhos que passei para uma turma era chamado nooficialmente de Projeto Amigo Muulmano da Internet. Eu dava aula de histriamedieval para o 7o ano em Nova York, e um dos captulos do nosso livro era sobre

    a fundao e a rpida disseminao do Isl. Isso foi no final da dcada de 1990, quando omundo ainda no havia sido virado de cabea para baixo pelo 11 de Setembro, mas mesmonaquela poca eu percebia nos estudantes uma atitude preconceituosa em relao aosmuulmanos.

    No primeiro ano que ensinei aquele captulo sobre islamismo, meus alunos contaram vriaspiadas de mau gosto sobre motoristas de txi, o que era at compreensvel, porque em NovaYork os nicos muulmanos que aqueles estudantes conheciam eram motoristas de txi. Masaquilo estava errado, e eu sabia disso, mesmo que nunca fosse capaz de faz-los entender porqu. Ento no ano seguinte decidi abordar aquele captulo de modo diferente.

    Criei um plano e pedi ajuda a algumas pessoas. A nica famlia muulmana que euconhecia era a de um aluno turco da minha turma do 6o ano de histria da Antiguidade. Eleno podia participar do projeto porque estava em outra turma, mas a me dele me ajudoumesmo assim, dando-me nomes e e-mails de alguns amigos da famlia na Turquia, inclusivecrianas da mesma idade dos meus alunos. Uma amiga muulmana da minha poca demestrado fez a mesma coisa com membros de sua famlia no Paquisto e com amigos delaque ainda cursavam o ensino superior em vrios estados americanos. Com isso consegui fazerpares entre cada aluno meu de histria medieval e um correspondente on-line seguidor doislamismo, um Amigo Muulmano da Internet.

    Nem todos os meus alunos tinham um e-mail pessoal, como provavelmente teriam hoje,portanto o supervisor de informtica da escola criou contas de e-mail especiais para todoseles. Durante vrios dias, passamos uma parte de cada aula elaborando questes queacreditvamos ser apropriadas, por exemplo, Como jejuar um ms inteiro no ramad? eQual dos cinco pilares da f voc acha mais difcil de praticar?. Ento fomos para a sala doscomputadores e todos escreveram para seus correspondentes, apresentando-se e fazendoaquelas perguntas. Pedi que os alunos me copiassem em todos os seus e-mails e instrussemseus pares on-line a fazer o mesmo.

    Esperamos alguns dias antes de retornar sala dos computadores, perodo em que nosdedicamos mais quele captulo e elaboramos novas e melhores questes. Finalmente chegouo dia em que veramos se havia e-mails de resposta. A maioria dos correspondentesrespondeu. Os poucos alunos que no receberam nada tiveram que compartilhar com outros

  • colegas os amigos muulmanos mais inclinados a escrever de volta. Como a turma ficouanimada! Todos queriam que eu lesse como seu correspondente havia respondido a suasquestes. Eles estavam trocando mensagens com pessoas nascidas do outro lado do mundo mesmo que algumas estivessem estudando ali na Universidade de Colmbia, a poucosquilmetros de distncia.

    O que descobrimos e isso foi uma surpresa para mim tambm que a maioria dosAmigos Muulmanos no se considerava um praticante exemplar da religio. Alguns nemjejuavam durante o ramad, outros nem sabiam quais eram os cinco pilares da f. Todos seconsideravam muulmanos, claro, mas isso no era o que mais os definia como indivduos.Esse foi o ponto de partida de vrias discusses excelentes em sala sobre f e identidade.Descobrimos que ningum naquela turma, inclusive eu, sabia recitar todos os dezmandamentos de cabea.

    Quer saber sobre quais assuntos a maioria dos Amigos Muulmanos da Internet preferiaconversar? Michael Jordan e os Chicago Bulls, que estavam arrasando no basquete naquelapoca. NBA, programas de TV americanos e cultura pop eram os principais tpicos. Algunsde meus alunos se sentiram aliviados com isso e se empenharam ainda mais no projeto. Osmais sbios acharam aquilo curioso e talvez um pouco triste. Mas todo mundo abriu osolhos, e ningum mais fez piadas preconceituosas sobre motoristas de txi naquele ano ounos anos seguintes enquanto dei aula naquela escola. Na verdade, em mais de uma manhde segunda-feira, ouvi histrias sobre papos que meus alunos tiveram com simpticosmotoristas de Nova York.

  • S

    LIESQUEVOCPODETOCAR

    Oqueprecisamosaprenderafazer,nsaprendemosfazendo.

    ARISTTELES(384-322a.C.),filsofogrego

    ou um grande f de projetos que requerem que se construa ou se desenhe algo parademonstrar a compreenso sobre um tpico. Misturar elementos, pr a criatividade aservio do aprendizado tudo isso faz parte do trabalho de um bom professor. Meu

    antigo rival de competies de poesia, Daniel Ferri, tambm professor e poeta, tem um

    poema chamado Dia ao contrrio,3 descrevendo mtodos inovadores e diferentes paraaprender vrios tipos de lio:

    Como dever de matemticaDescreva as propriedades associativa, distributiva

    e comutativaDa danaCoreografe, dance, mostre como chegou ao resultadoQuem errar passos perde pontos

    Como dever de histriaPrepare duas msicas para marchar na Guerra CivilUma para o Norte, outra para o SulCante em harmonia a quatro vozes, mostrando

    emooQuem desafinar perde pontos

    Como dever de literaturaCrie uma escultura que expresse a coragem solitria

    de Hester PrynneA covardia de seu amanteA beleza e a estranheza de sua filha

    Como dever de cinciasTraga uma torradeira, maaneta ou brinquedo

    quebradoConserte-oQuem criar algo novo com as partes descartadas

    ganha ponto extra

  • E quem ler o manual de instrues perde pontos

    Independentemente da matria ou da idade dos alunos, os professores devem utilizar odesejo e a habilidade natural da criana de construir, criar, inovar e se expressar. Uma vez,decidi fazer uma experincia com isso: inventei o projeto Escudo Grego para minha turma dehistria da Antiguidade.

    A tarefa era simples: construir um escudo a partir do conhecimento do aluno de imagens edescries dos tipos de escudo usados nas cidades gregas de Atenas e Esparta. Mas havia umdesafio. O escudo no podia ser uma coisa molenga, de cartolina; teria que ser um escudorealmente capaz de proteger a pessoa de ataques... por uma espada. E todos sabiam de queespada eu estava falando. No ano anterior, eu havia levado minha turma de histriamedieval para uma excurso ao estdio Medieval Times, de uma cadeia americana de arenasonde so encenados torneios e duelos. No fim do passeio, comprei uma rplica de metal, emtamanho real, de uma espada estilo Excalibur, que poderia muito bem ser igual s usadaspelos Cavaleiros da Tvola Redonda. Eu a mantinha trancada num armrio da sala de aula, eela ficou conhecida como a Espada do Reino, nome que eu sempre declamava com aentonao de um guerreiro medieval e que sempre era respondido pela classe com um gritoreverencial: Uh-R-R!

    Eu disse aos meninos era um colgio s para garotos, mas eu teria passado a mesma tarefapara uma turma mista que, no dia da entrega dos escudos, eu iria atacar cada um delescom a espada e, se a espada perfurasse o escudo e causasse ferimento ou morte, ento almde tudo eles iriam tirar nota baixa. Eles adoraram essa expectativa do perigo, embora, naverdade, os escudos no fossem estar nas mos dos alunos na hora do ataque, e sim apoiadosnuma estrutura de madeira construda especialmente para isso pelo zelador da escola.

    Havia, claro, um elemento artstico no projeto Escudo Grego. De fato, 30% da nota erabaseada simplesmente em quo colorido e criativo fosse o escudo. Ns j tnhamos vistoimagens de escudos tradicionais da Antiguidade, e meus alunos sabiam exatamente quantopoderiam se desviar desses exemplos em termos de cores. Outros 30% da nota estavamreservados para o que chamamos de engenhosidade estrutural a forma que cada meninoescolheu para resolver o problema de como manter o escudo firmemente seguro no brao.

    Mas a parte mais importante desse trabalho os 40% restantes da nota estaria na eficciado escudo, ou, como chamamos, sua integridade defensiva. Quando o escudo de cada alunofosse colocado na estrutura de madeira, de que maneira iria suportar dois golpes diretos daEspada do Reino (Uh-R-R!)? O primeiro golpe seria violento, o que chamamos de Teste deImpacto, e o segundo seria um golpe mais elegante de estocada, que chamamos de Teste daEspetada. Iramos saber o resultado no dia em que os escudos fossem entregues, que ficouconhecido como o Dia dos Golpes.

    O Dia dos Golpes foi no incio de abril, e como me arrependo de no ter fotografado os

  • meninos com seus escudos se aglomerando na calada em frente escola, antes de a aulacomear no apenas pela viso gloriosamente incongruente dos estudantes em seusuniformes impecveis de escola particular carregando escudos gregos coloridos, mas peloolhar de orgulho e alegria no rosto deles. As expresses dos alunos que no eram da minhaturma, bem como as das pessoas que passavam pela rua, variavam da inveja a um temorcurioso.

    A resistncia de cada escudo aos ataques variou de acordo com o material escolhido paramont-lo. Vrios alunos fizeram seus escudos a partir daqueles discos de plstico circularesusados para deslizar na neve. Esses no foram preo para a Espada do Reino (Uh-R-R!). OTeste do Impacto geralmente rachava o plstico, e em seguida eu enfiava a espada por essarachadura no Teste da Espetada. Os escudos feitos com tampas de lata de lixo de metalsobreviveram ao Teste do Impacto, fazendo um barulho dramtico e gratificante, mas eramfacilmente perfurados pela lmina de metal no Teste da Espetada. Surpreendentemente, osescudos feitos de madeira foram os que mais aguentaram os golpes. E isso fez todo o sentido,porque era justamente o material usado pelos gregos antigos em seus escudos.

    O Dia dos Golpes foi um grande sucesso. Pena que a poltica de segurana da escola nopermitia que os prprios alunos atacassem os escudos com a espada. E claro que acabeipendurando os escudos mais coloridos e destrudos na parede da sala de aula, onde serviamcomo lembranas vivas da histria em ao, do Dia dos Golpes e da Espada do Reino (Uh-R-R!).

    3 Backwards Day. Originalmente publicado em Poetry Slam: the Competitive Art of Performance Poetry. Ed. Gary MexGlazner. (Manic D Press, 2000). Republicado com permisso do autor.

  • A

    OVALORDOQUENOPODESERMEDIDO

    Aeducaoalgoadmirvel,massvezesbomlembrarquetudooquemaisvaleapena

    sabernopodeserensinado.

    OSCARWILDE(1854-1900),poetaedramaturgoirlands

    pesar de todo o avano cientfico e das descobertas da medicina, o crebro humanoe seus mecanismos permanecem, em grande parte, um mistrio para ns, e issoacaba afetando as polticas educacionais e a forma como ensinamos nossas crianas.

    Todo consultor de empresas costuma dizer: Se voc no pode medir algo, ento no sabe oque . Ser? Curiosidade, imaginao, o processo da educao, as formas complexas deaprendizado e mesmo o modo como o crebro humano realmente funciona ningum sabede fato como quantific-los, nem o que os estimula.

    No toa que o professor acaba tomando o caminho mais fcil, aderindo cegamente ementa oficial para cada matria, aquela que prepara os alunos para testes padronizados quemedem a compreenso deles sobre os tpicos includos nessas ementas.

    E da se os alunos ficarem entediados?, um professor desencantado pode perguntar. Emmenos de ano, eles no sero mais problema meu, e ainda terei meu emprego.

    H um ditado budista que diz: Usar fora demais para se atingir um objetivo pode levar aooposto do que se queria. Qualquer um que tenha sido obrigado a ensinar estritamente ocontedo para a prova e visto as notas dos alunos carem mesmo assim sabe por experinciaprpria que os budistas estavam certos.

    No vero de 2011, recitei O que os professores fazem numa passeata da categoria emWashington, cuja palavra de ordem era Salvem nossas escolas!. Era um sbado de julho decalor escaldante, e eu dividi o palco com alguns visionrios da educao como Diane Ravitche Jonathan Kozol. Mas o discurso mais aguardado era o do ator Matt Damon, querecentemente se tornou um grande defensor da causa dos professores e do ensino pblico.Aps ser apresentado pela me dele, Nancy Carlsson-Paige, professora da educao pr-escolar, Damon disse o seguinte sobre a importncia do ensino pblico em sua formao:

    Quando reflito sobre minha vida hoje e sobre as coisas que mais valorizo em mim mesmo minha imaginao, meu amor pela arte dramtica, minha paixo por escrever, minhavontade de aprender mais, minha curiosidade , constato que tudo isso veio da forma comofui criado por meus pais e guiado pelos meus professores. E nenhuma dessas qualidades que

  • valorizo to profundamente, que me trouxeram tanta felicidade e tanto sucesso profissionale que fazem de mim o que sou, nenhuma delas pode ser medida.

    Se fosse permitido aos professores ensinar da forma que eles mesmos julgam ser a melhor,eles poderiam planejar lies e atividades que iriam estimular em seus alunos uma buscaapaixonada do conhecimento ou simplesmente uma curiosidade saudvel. Eles poderiamdescobrir, como eu, que o progresso em todas as reas cognitivas ser maior se todas elasforem trabalhadas simultaneamente, em vez de se concentrarem em uma de cada vez. Ouseja, aprender uma lngua estrangeira mais fcil se o aluno tambm estiver memorizandoconceitos matemticos, trabalhando com aquarela, aprendendo a tocar um instrumento,tentando plantar uma rvore a partir da semente do abacate e aprendendo a andar debicicleta. No sei por qu. S sei que assim. Outros professores tambm. O que eles fazem?Eles fazem uso de seu conhecimento quando tm liberdade para isso.

  • N

    NINGUMSAICEDODAMINHAAULAPORRAZOALGUMA

    Talvezoresultadomaisvaliosodaeducaosejaahabilidadequedpessoadefazeroquetemqueser

    feito,quandopreciso,querendoouno.

    WALTERBAGEHOT(18261877),economista,ensastaecrticoingls

    o meu primeiro ano ensinando alunos do 6o ao 9oano, aprendi que, quando aturma fica um pouco entediada ou tensa, alguns comeam a pedir para sair e bebergua ou ir ao banheiro. Os adultos fazem a mesma coisa em reunies ou festas. s

    vezes simplesmente no queremos estar ali, ento buscamos uma oportunidade para quebrar

    a rotina.4 Quem nunca inventou uma desculpa para se livrar de uma situao difcil ouchata? Mesmo assim, meus alunos precisam saber que faz parte da vida aprender a suportaressas situaes e fazer o que preciso, mesmo quando voc no est com vontade. Por issoinstitu a seguinte regra: ningum ter permisso para sair de sala por razo alguma. Nunca.Abri algumas excees para meninas, mas, quando eu estava em escolas apenas parameninos, meus alunos s saam da sala na hora do intervalo.

    Eu no estava tentando ser mau nem ensinar uma lio dura sobre a vida. Oportunidadespara grandes lies acontecem em sala quando menos se espera, e eu achava que seria umapena um aluno perder isso simplesmente por ter dificuldade de manter a concentrao oupor cultivar o hbito de escapar quando as coisas se tornam menos confortveis.

    Em pouco tempo meus alunos desistiam de pedir para sair de sala. Eles ficavam o perodointeiro, no importava o que estivesse acontecendo, e se sentiam obrigados a prestar atenomesmo que no quisessem. E isso era exatamente o que eu queria e estava tentandoensinar a eles em primeiro lugar.

  • 4 Eu deixei de lecionar antes de os celulares se tornarem to disseminados como so hoje, por isso nunca tive que lidar comalunos passando SMS em sala de aula. Uma enfermeira que trabalha numa escola me contou recentemente a sua estratgiadiablica favorita para lidar com o problema. Ela pega o celular confiscado do aluno expulso de sala e manda um SMS paratodos os colegas da lista dele com a seguinte mensagem: Invente uma desculpa para sair de sala e venha me encontrar naenfermaria AGORA! Ento fica esperando todos os outros colegas que vo aparecer, para mand-los, um por um, sala dodiretor.

  • E

    FOIMAL!(DESCULPASSINCERAS)

    Nuncadeixeiqueaescolainterferissenaminhaeducao.

    MARKTWAIN(18351910),escritoramericano

    nsinar a pedir desculpas quando estamos errados provavelmente no faz parte denenhum currculo oficial de ensino, mas aprender a fazer isso uma habilidade euma arte, uma necessidade absoluta. E com certeza fazia parte das minhas aulas.

    Meus alunos e eu praticvamos pedidos de desculpas e discutamos nuances de deboche,humor, sensibilidade e arrependimento. Alguns podem discordar, mas acredito que umafrase que comea com Eu lhe devo desculpas no um pedido sincero. Se voc devedinheiro a algum, sua dvida no ser paga simplesmente ao admitir que deve. Voc precisapagar. No caso das desculpas, deve-se realmente dizer Me desculpe, sem qualquerqualificao antes ou depois. Isso significa jamais dizer Me desculpe se ofendi algum. Isso coisa de poltico, no sincera. E nem tente a velha Eu estava brincando! depois de uminsulto, porque isso no transforma a ofensa automaticamente numa brincadeira.

    Ryan, um aluno meu do 6o ano, era animado e inteligente. Tinha um temperamento difcil,mas que na maioria das vezes at conseguia manter sob controle. Imagine um pavio curto emolhado: difcil de acender, mas perigoso uma vez que pegasse fogo. Alguns dos colegas daturma gostavam de testar Ryan, querendo ver se conseguiam faz-lo explodir. E, quando issoacontecia, eram socos e cotoveladas por todo lado, e alguns se machucavam. A vtima nessesacessos era geralmente um garoto chamado Bart, mas a verdade que Bart era tambm opior provocador.

    Quando eu colocava Ryan e Bart juntos aps um desses confrontos, Bart soluava ederramava convincentes lgrimas de crocodilo enquanto tentava se justificar dizendo queno fizera nada de errado e tinha evitado brigar. As desculpas deveriam vir de ambos oslados, claro, mas as que Bart dava a Ryan eram as mais teis e as mais honestas: Medesculpe por eu ter me divertido provocando voc. Prometo que vou parar de fazer isso. Adesculpa mudava o rumo da conversa, da consequncia para a causa, e todos saam dasituao com uma ideia melhor do que deveriam trabalhar dentro de si mesmos.

    Essa lio no aparecia em teste nenhum, mas deveria ser includa num curso de reciclagemde vez em quando.

  • E

    GEN:GRFICOELETRNICODENOTASDOMALI

    u costumo me virar bem com o computador, desde que seja um da Apple. Compreimeu primeiro Mac em 1985 e nunca tive um sequer de outra marca. Portanto,quando iniciei a carreira de professor, usei planilhas do software ClarisWorks para

    tabular notas de testes, provas, redaes e tudo o mais que contava para as notas finais dosmeus alunos. Eu me tornei um homem obcecado por frmulas e tabelas e pelo tipo declculo que teria me deixado trabalhando at tarde da noite mas que o computador podefazer num piscar de olhos. Mesmo assim, quando me reunia com um aluno para discutir seuprogresso na minha matria, eu tinha que colocar uns pedaos de papel para cobrir as notasdos outros colegas, ou ento precisava imprimir somente a tripinha mostrando os nmerosdele. Ficava muito feio. Isso continuou at o dia em que um professor de matemtica medisse que eu no deveria usar um programa de planilhas. Voc precisa de um banco dedados.

    Nos meus ltimos quatro anos dando aula em escolas, descobri um aplicativo de banco dedados chamado FileMaker e utilizei-o para criar um livro de notas eletrnico querevolucionou no s o meu registro de informaes, como tambm a forma como euinteragia com os alunos ao falar do desempenho deles. O banco de dados como umaplanilha, mas no preciso olhar para todas as outras informaes o tempo todo. Pode-sepersonalizar e criar layouts que contenham apenas o que se deseja mostrar de acordo com asituao. Tipos diferentes de informao so obtidos facilmente com um simples clique emcada opo de exibio. Eu criei minha tabulao de notas dos alunos de acordo com minhasnecessidades, claro, mas, como eu queria que ela fosse til tambm para outros professores,comecei com algumas premissas bsicas que achei que iriam funcionar para meus colegas.

    Parti do princpio de que a maioria dos professores gostaria de determinar a nota final decada aluno usando uma mdia de conceitos com pesos diferentes, incluindo variveis comoparticipao e presena em classe, atrasos e comportamento. Alguns pontos poderiam sermdias por si ss, como, por exemplo, mdia dos deveres de casa, dos testes, das provas oudos trabalhos. Os professores poderiam mexer no programa para dar mais peso a algumascategorias, decidindo quais iriam contar mais na nota final. O meu modelo de tabulaoeletrnica de notas foi adotado por muitos professores naquela escola, e isso mudou minhaabordagem de avaliao de vrias maneiras.

    Em primeiro lugar, o programa me permitiu acompanhar o desenvolvimento do aluno

  • facilmente durante todo o ano, em vez de esperar at a semana antes do prazo para darnotas e ficar acordado at tarde fazendo contas ou descobrir na ltima hora que algunsestudantes nem tinham entregado certos trabalhos. Com o sistema eletrnico, eu podia estarsempre atualizado a respeito de tudo, porque tambm era fcil e divertido. Eu viviachamando os alunos para olharem os grficos, as tabelas e as projees com as notas deles.Podia gerar diferentes cenrios para ver que nota eles precisariam tirar nos prximos testespara passar na matria ou manter o bom desempenho. Graas a isso, no havia nenhumasurpresa no fim do ano.

    De acordo com a matria ou o tipo de trabalho que passamos para a turma, dar notas podeser uma arte bem subjetiva. O professor precisa ser capaz de explicar por que o trabalho deum aluno inaceitvel, o de outro mediano e o de um terceiro acima da mdia oumesmo exemplar. Eu certamente poderia fazer isso, tanto em comentrios nas provas quantonuma conversa particular. Mas, na hora de explicar ao aluno, eu achava superconvenienteter a genialidade matemtica do computador comprovando a exatido de minhas notas, semdar margem para reclamaes de injustia. Fica difcil argumentar contra um nmero como86,142857. Est acima da mdia. Parabns! Prximo!

    A tabulao eletrnica de notas tambm ajudava a criar os comentrios que os professoresprecisavam escrever sobre cada aluno no fim do ano junto com a nota final e o conceito departicipao. A maioria dos professores comeava com um pargrafo-padro sobre o que aclasse tinha estudado durante o ano e ento escrevia um trecho comentando especificamenteo progresso de cada aluno. Eu no. Usando as vrias funes do meu banco de dados, meurelatrio inteiro era personalizado para cada estudante. Tanto os pais quanto osadministradores da escola se perguntavam como eu conseguia produzir to rpido aquelaquantidade de anlise.

    A verdade que o programa estava realizando a maior parte do trabalho de encontrar opadro de aprendizado e de hbitos de cada aluno. Tudo o que eu precisava fazer erainformar que tipos de comportamento ele deveria procurar e que tipo de comentrios gerarsempre que esses padres fossem identificados. Por exemplo, boas notas em testes surpresa enotas mais baixas em provas marcadas em geral significam que o aluno sofre de ansiedadeem dia de prova ou est com dificuldade com as perguntas discursivas. Mas o oposto (notabaixa em teste surpresa, nota alta nos exames marcados) indica que o aluno inteligente mastem preguia de estudar ou fazer dever no dia a dia, deixando para estudar bastante emvspera de prova.

    Levei horas e horas escrevendo cdigos que iriam identificar esses padres e gerar o quechamei de comentrios esquemticos que eu ento iria analisar e personalizar mais, porqueobviamente nem toda criana com nota final 72 merece o mesmo comentrio depende deque nota o aluno tinha na metade do ano. Reconhecer a tendncia do desempenho de cadaaluno era o fator principal. Por isso, a linguagem bsica do comentrio esquemtico que o

  • programa de computador sugeria como correta dependia em grande parte de duas coisas: sea nota final do estudante era mais alta ou mais baixa do que a que ele teve no meio do ano ese a diferena era notvel, relevante ou quase imperceptvel.

    Nesse caso em particular, a tecnologia me ajudou a ser um professor melhor. Eu adoravaessa ferramenta, que me tornou mais atento ao progresso de meus alunos e mais hbil emidentificar as reas em que cada um precisava melhorar. No pensem que foram os testes enotas que me tornaram um professor melhor, mas sim a forma como eu era capaz deresponder queles resultados criando estratgias mais eficazes para cada aluno. Osprofessores, se tiverem sorte e recursos, utilizam-se da tecnologia que pode ajud-los a serainda melhores.

    Truncado x arredondado

    Meu programa de tabulao de notas no computador acabou me ajudando a repensar o conceito dearrendondar. Eu percebi que arredondar nmeros uma inveno humana meio preguiosa, empregada paraajudar a facilitar clculos. Mas computadores no precisam disso. Por que, ento, eu ainda tenho que arredondar?Descobri que no tenho. No sistema americano, damos conceitos de A a E como nota final. Ora, se um conceito A-comea com nota 9, e a mdia do estudante 8,95, bem, ento no o mesmo que 9, certo? No final do ano, quandocada aluno acumulou vrios meses de notas, fica muito difcil empurrar sua mdia total para cima ou para baixo, ano ser que um teste ou prova especfica tenha um peso bem maior na nota final. Se o aluno espera um presenteno merecido de meio ponto simplesmente porque h 25 anos a maioria dos professores teria feito isso s parafacilitar o trabalho deles... bem, no sou eu que vou dar.

  • S

    PROFESSORESFAZEM,SIM,BOMUSODATECNOLOGIA

    Oinventordessesistemamereceserconsideradoentreosmaiorescolaboradoresdaeducao

    edacincia,senoumdosmaioresbenfeitoresdahumanidade.

    JOSIAHF.BUMSTEAD(17971859),sobreainvenodoquadro-negro

    ou um grande defensor da memorizao cobrada nos velhos tempos, talvez um dosseus ltimos fs declarados. Como preciso decorar poesias para declamar, sei que amemria um msculo que quanto mais se usa mais forte fica. Em todas as minhas

    turmas, no importava a matria, havia sempre uma boa poro de decoreba necessria,fosse o quadrado de cada nmero at 20, os fatores que contriburam para a queda doImprio Romano ou um simples poema para recitar diante da classe. Todas as matrias queensinei continham minilies de mnemnica, um sistema para desenvolver ou aprimorar amemria, e em vrias ocasies pedi aos alunos que criassem suas prprias fichas de estudo.

    Enquanto elaborava e melhorava o meu programa de notas no FileMaker, percebi que umarquivo ou documento poderia ser configurado para um nico usurio ou para mltiplosusurios. Isso significava que vrias pessoas podiam modific-lo ao mesmo tempo porexemplo, todos os meus alunos. Fiquei animadssimo. Eu s precisava do projeto cert