um bom currículo ou um belo currículo?
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Artigo publicado na RH Magazine, Edição nº89 novembro/dezembro 2013."A utilização de fotografia nos currículos tem-se tornado uma prática comum, aparentemente neutra nos seus efeitos, mas de acordo com recentes estudos apresenta fortes implicações para a decisão na seleção."TRANSCRIPT
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CADEMIA RHA
UM BOM CURRÍCULO OU UM BELO CURRÍCULO?A utilização de fotografia nos
currículos tem-se tornado uma prática
comum, aparentemente neutra nos
seus efeitos, mas de acordo com
recentes estudos apresenta fortes
implicações para a decisão na seleção.
Na década de 70 do século passado, uma investigação conduzida por Dion, Bers-cheid e Walster (1972) revelou que as pes-soas mais atraentes são vistas como pos-suindo caraterísticas pessoais e sociais mais desejáveis, presumindo-se até que as mesmas são mais felizes, seja no plano pessoal seja pro/ssional, dando origem a um estereótipo que na literatura assumiu a designação «o que é belo é bom». Investi-gadores das áreas da psicologia, sociologia e antropologia têm-se debruçado sobre este estereótipo, quer na busca de uma de/nição para o que se poderá considerar como um padrão de beleza (que não é o objetivo deste artigo) quer na relação des-sa beleza com as diferentes dimensões da vida. Importa-nos, neste artigo, perceber essa interligação com o mercado de traba-lho em geral e com os processos de sele-ção em particular.
Hamermesh e Biddle (1994), no seu trabalho, realizado nos Estados Uni-dos, intitulado «A beleza e o mercado de
Na relação com candidatos a emprego, com frequência os pro/ssionais de recur-sos humanos são questio-nados sobre a importância de incluir uma fotogra-/a no currículo. Encon-
tramos esta questão também online, quer em espaços especializados quer genera-listas, observando-se respostas em ambos os sentidos. Noutra perspetiva, também o gestor de recursos humanos (GRH) se de-verá interrogar aquando da análise de um currículo com fotogra/a, se está objetiva-mente a analisar o conteúdo desse mesmo currículo ou se essa avaliação está a ser in-9uenciada pela visão de um rosto atraente. Esta matéria parece-nos assumir particu-lar relevância, uma vez que se pode tra-duzir como um fator de discriminação, à semelhança da praticada em relação ao género ou raça, bem como da perspetiva da organização, que poderá implicar a ex-clusão do pro/ssional mais válido.
Aluno
Jorge FerreiraMestrando em gestão estratégica de
recursos humanos na Escola Superior
de Ciências Empresariais do Instituto
Politécnico de Setúbal
Orientadora
Lurdes PedroProfessora adjunta convidada da Escola
Superior de Ciências Empresariais do
Instituto Politécnico de Setúbal
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trabalho», demonstraram que, tendencial-mente, ceteris paribus, trabalhadores con-siderados menos atraentes têm remune-rações mais baixas do que trabalhadores medianamente atraentes e que os mais atraentes são melhor remunerados. No prosseguimento desta linha de análise, Harper (2000) conduziu uma investiga-ção no Reino Unido concluindo que os trabalhadores percecionados como menos atraentes têm uma forte penalização nas suas remunerações, mormente resultante da discriminação por parte dos emprega-dores, o que é também demonstrado pelo facto de se veri/carem taxas de desempre-go superiores para homens menos atraen-tes e inferiores para mulheres atraentes. Contudo, em ambos os casos, os investiga-dores não afastam totalmente a possibili-dade de melhores remunerações poderem, em algumas pro/ssões, estar associadas a uma maior produtividade mercê das pre-ferências dos consumidores − um con-sumidor poderá estar mais predisposto a realizar um negócio com alguém mais atraente.
Outros estudos foram realizados no âmbito dos processos de seleção. A inves-tigação conduzida por Chiu e Babco-ck (2002), neste contexto, é de elevada importância, fundamentalmente: a) por-que foi realizada em Hong Kong, permi-tindo assim aferir se numa cultura distinta da ocidental também se con/rma a discri-minação baseada na beleza; b) pelo facto de ter recorrido a GRH experientes, para avaliação de potenciais candidatos a uma vaga de estagiário num departamento de recursos humanos. As conclusões encon-tradas evidenciam que a atratividade dos candidatos é o fator com maior valor pre-ditivo por comparação com outros fatores, como o nível habilitacional ou a experiên-cia pro/ssional. E atente-se que esse fator não terá sido meramente utilizado como critério de desempate.
Recentemente foram conduzidos outros três estudos (Bóo et al., 2012; Ru>e e Shtudiner, 2013; Busetta et al., 2013), res-petivamente na Argentina, Israel e Itá-lia, que consistiram no envio de currículos
em resposta a anúncios de emprego. Não detalhando exaustivamente as metodo-logias empregues, importa realçar que foram associadas fotogra/as classi/cadas em função da beleza apercebida a currícu-los /ctícios com per/s pro/ssionais simi-lares, reduzindo, ou até mesmo excluin-do, a possibilidade de uma resposta a uma determinada candidatura em detrimen-to de outra ser com base em diferenças de avaliação sobre o per/l pro/ssional. As principais conclusões evidenciam uma maior valorização dos candidatos atraen-tes, uma vez que obtiveram mais respos-tas por parte dos empregadores. Bóo et al. (2012) referem que os candidatos atraen-tes receberam 36% mais respostas e, par-ticularmente para posições associadas ao contacto com clientes ou serviços admi-nistrativos, as mulheres atraentes foram ainda mais valorizadas. Busetta et al. (2013), no estudo conduzido em Itália, no qual introduziram também a avaliação do fator nacionalidade, concluíram que a discriminação de género assume particu-lar relevo quando cruzada com a atrativi-dade, em particular para as mulheres não atraentes que, com 7% de respostas, obti-veram signi/cativamente menos respostas que as mais atraentes (54%) e inclusiva-mente menos respostas do que as cidadãs de nacionalidade estrangeira (12%). Será interessante contrapor com os resultados obtidos em Israel por Ru>e e Shtudiner
Investigadores demonstraram que, tendencialmente, trabalhadores considerados menos atraentes têm remunerações mais baixas e que os mais atraentes são melhor remunerados
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BIBLIOGRAFIA
Bóo, F.L., Rossi, M.A., e Urzúa, S. (2012), «The labor market return to an attractive face: Evidence from a
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Busetta, G., Fiorillo, F., e Visalli, E. (2013), Searching for a Job is a Beauty Contest, paper 49825, Munich
Personal RePEc Archive.
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Ruffle, B.J., e Shtudiner, Z. (2013), Are Good-Looking People More Employable?, working papers, Ben-
Gurion University of the Negev, Department of Economics.
(2013), em que as mulheres atraentes foram as que obtiveram menos respostas, o que ocorreu, de acordo com os investi-gadores, devido à «inveja feminina».
Considerando a importância de se encontrar pro/ssionais competentes, com capacidade de acrescentar valor às organi-zações, nunca é demais reforçar a impor-tância para a prática dos resultados destes estudos, fazendo atenuar a possibilida-de de existir uma in9uência, que poderá ser inconsciente, na escolha do candida-to baseada nos critérios de atratividade.