um bom currículo ou um belo currículo?

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74 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2013 CADEMIA RH A UM BOM CURRÍCULO OU UM BELO CURRÍCULO? A utilização de fotografia nos currículos tem-se tornado uma prática comum, aparentemente neutra nos seus efeitos, mas de acordo com recentes estudos apresenta fortes implicações para a decisão na seleção. Na década de 70 do século passado, uma investigação conduzida por Dion, Bers- cheid e Walster (1972) revelou que as pes- soas mais atraentes são vistas como pos- suindo caraterísticas pessoais e sociais mais desejáveis, presumindo-se até que as mesmas são mais felizes, seja no plano pessoal seja profissional, dando origem a um estereótipo que na literatura assumiu a designação «o que é belo é bom». Investi- gadores das áreas da psicologia, sociologia e antropologia têm-se debruçado sobre este estereótipo, quer na busca de uma definição para o que se poderá considerar como um padrão de beleza (que não é o objetivo deste artigo) quer na relação des- sa beleza com as diferentes dimensões da vida. Importa-nos, neste artigo, perceber essa interligação com o mercado de traba- lho em geral e com os processos de sele- ção em particular. Hamermesh e Biddle (1994), no seu trabalho, realizado nos Estados Uni- dos, intitulado «A beleza e o mercado de N a relação com candidatos a emprego, com frequência os profissionais de recur- sos humanos são questio- nados sobre a importância de incluir uma fotogra- fia no currículo. Encon- tramos esta questão também online, quer em espaços especializados quer genera- listas, observando-se respostas em ambos os sentidos. Noutra perspetiva, também o gestor de recursos humanos (GRH) se de- verá interrogar aquando da análise de um currículo com fotografia, se está objetiva- mente a analisar o conteúdo desse mesmo currículo ou se essa avaliação está a ser in- fluenciada pela visão de um rosto atraente. Esta matéria parece-nos assumir particu- lar relevância, uma vez que se pode tra- duzir como um fator de discriminação, à semelhança da praticada em relação ao género ou raça, bem como da perspetiva da organização, que poderá implicar a ex- clusão do profissional mais válido. Aluno Jorge Ferreira Mestrando em gestão estratégica de recursos humanos na Escola Superior de Ciências Empresariais do Instituto Politécnico de Setúbal [email protected] Orientadora Lurdes Pedro Professora adjunta convidada da Escola Superior de Ciências Empresariais do Instituto Politécnico de Setúbal [email protected]

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Artigo publicado na RH Magazine, Edição nº89 novembro/dezembro 2013."A utilização de fotografia nos currículos tem-se tornado uma prática comum, aparentemente neutra nos seus efeitos, mas de acordo com recentes estudos apresenta fortes implicações para a decisão na seleção."

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Page 1: Um bom currículo ou um belo currículo?

74 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2013

CADEMIA RHA

UM BOM CURRÍCULO OU UM BELO CURRÍCULO?A utilização de fotografia nos

currículos tem-se tornado uma prática

comum, aparentemente neutra nos

seus efeitos, mas de acordo com

recentes estudos apresenta fortes

implicações para a decisão na seleção.

Na década de 70 do século passado, uma investigação conduzida por Dion, Bers-cheid e Walster (1972) revelou que as pes-soas mais atraentes são vistas como pos-suindo caraterísticas pessoais e sociais mais desejáveis, presumindo-se até que as mesmas são mais felizes, seja no plano pessoal seja pro/ssional, dando origem a um estereótipo que na literatura assumiu a designação «o que é belo é bom». Investi-gadores das áreas da psicologia, sociologia e antropologia têm-se debruçado sobre este estereótipo, quer na busca de uma de/nição para o que se poderá considerar como um padrão de beleza (que não é o objetivo deste artigo) quer na relação des-sa beleza com as diferentes dimensões da vida. Importa-nos, neste artigo, perceber essa interligação com o mercado de traba-lho em geral e com os processos de sele-ção em particular.

Hamermesh e Biddle (1994), no seu trabalho, realizado nos Estados Uni-dos, intitulado «A beleza e o mercado de

Na relação com candidatos a emprego, com frequência os pro/ssionais de recur-sos humanos são questio-nados sobre a importância de incluir uma fotogra-/a no currículo. Encon-

tramos esta questão também online, quer em espaços especializados quer genera-listas, observando-se respostas em ambos os sentidos. Noutra perspetiva, também o gestor de recursos humanos (GRH) se de-verá interrogar aquando da análise de um currículo com fotogra/a, se está objetiva-mente a analisar o conteúdo desse mesmo currículo ou se essa avaliação está a ser in-9uenciada pela visão de um rosto atraente. Esta matéria parece-nos assumir particu-lar relevância, uma vez que se pode tra-duzir como um fator de discriminação, à semelhança da praticada em relação ao género ou raça, bem como da perspetiva da organização, que poderá implicar a ex-clusão do pro/ssional mais válido.

Aluno

Jorge FerreiraMestrando em gestão estratégica de

recursos humanos na Escola Superior

de Ciências Empresariais do Instituto

Politécnico de Setúbal

[email protected]

Orientadora

Lurdes PedroProfessora adjunta convidada da Escola

Superior de Ciências Empresariais do

Instituto Politécnico de Setúbal

[email protected]

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trabalho», demonstraram que, tendencial-mente, ceteris paribus, trabalhadores con-siderados menos atraentes têm remune-rações mais baixas do que trabalhadores medianamente atraentes e que os mais atraentes são melhor remunerados. No prosseguimento desta linha de análise, Harper (2000) conduziu uma investiga-ção no Reino Unido concluindo que os trabalhadores percecionados como menos atraentes têm uma forte penalização nas suas remunerações, mormente resultante da discriminação por parte dos emprega-dores, o que é também demonstrado pelo facto de se veri/carem taxas de desempre-go superiores para homens menos atraen-tes e inferiores para mulheres atraentes. Contudo, em ambos os casos, os investiga-dores não afastam totalmente a possibili-dade de melhores remunerações poderem, em algumas pro/ssões, estar associadas a uma maior produtividade mercê das pre-ferências dos consumidores − um con-sumidor poderá estar mais predisposto a realizar um negócio com alguém mais atraente.

Outros estudos foram realizados no âmbito dos processos de seleção. A inves-tigação conduzida por Chiu e Babco-ck (2002), neste contexto, é de elevada importância, fundamentalmente: a) por-que foi realizada em Hong Kong, permi-tindo assim aferir se numa cultura distinta da ocidental também se con/rma a discri-minação baseada na beleza; b) pelo facto de ter recorrido a GRH experientes, para avaliação de potenciais candidatos a uma vaga de estagiário num departamento de recursos humanos. As conclusões encon-tradas evidenciam que a atratividade dos candidatos é o fator com maior valor pre-ditivo por comparação com outros fatores, como o nível habilitacional ou a experiên-cia pro/ssional. E atente-se que esse fator não terá sido meramente utilizado como critério de desempate.

Recentemente foram conduzidos outros três estudos (Bóo et al., 2012; Ru>e e Shtudiner, 2013; Busetta et al., 2013), res-petivamente na Argentina, Israel e Itá-lia, que consistiram no envio de currículos

em resposta a anúncios de emprego. Não detalhando exaustivamente as metodo-logias empregues, importa realçar que foram associadas fotogra/as classi/cadas em função da beleza apercebida a currícu-los /ctícios com per/s pro/ssionais simi-lares, reduzindo, ou até mesmo excluin-do, a possibilidade de uma resposta a uma determinada candidatura em detrimen-to de outra ser com base em diferenças de avaliação sobre o per/l pro/ssional. As principais conclusões evidenciam uma maior valorização dos candidatos atraen-tes, uma vez que obtiveram mais respos-tas por parte dos empregadores. Bóo et al. (2012) referem que os candidatos atraen-tes receberam 36% mais respostas e, par-ticularmente para posições associadas ao contacto com clientes ou serviços admi-nistrativos, as mulheres atraentes foram ainda mais valorizadas. Busetta et al. (2013), no estudo conduzido em Itália, no qual introduziram também a avaliação do fator nacionalidade, concluíram que a discriminação de género assume particu-lar relevo quando cruzada com a atrativi-dade, em particular para as mulheres não atraentes que, com 7% de respostas, obti-veram signi/cativamente menos respostas que as mais atraentes (54%) e inclusiva-mente menos respostas do que as cidadãs de nacionalidade estrangeira (12%). Será interessante contrapor com os resultados obtidos em Israel por Ru>e e Shtudiner

Investigadores demonstraram que, tendencialmente, trabalhadores considerados menos atraentes têm remunerações mais baixas e que os mais atraentes são melhor remunerados

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BIBLIOGRAFIA

Bóo, F.L., Rossi, M.A., e Urzúa, S. (2012), «The labor market return to an attractive face: Evidence from a

field experiment», Economics Letters, 118, pp. 170-172.

Busetta, G., Fiorillo, F., e Visalli, E. (2013), Searching for a Job is a Beauty Contest, paper 49825, Munich

Personal RePEc Archive.

Chiu, R.K., e Babcock, R.D. (fevereiro de 2002), «The relative importance of facial attractiveness and

gender in Hong Kong selection decisions», International Journal of Human Resource Management, 13,

pp. 141-155.

Dion, K.K., Berscheid, E.S., e Walster, E. (dezembro de 1972), «What is beautiful is good», Journal of

Personality and Social Psychology, 24, pp. 285-290.

Hamermesh, D.S., e Biddle, J.E. (dezembro de 1994), «Beauty and the labor market», The American

Economic Review, 84, pp. 1174-1194.

Harper, B. (dezembro de 2000), «Beauty, stature and the labour market: A British Cohort Study»,

Oxford Bulletin of Economics and Statistics, 62, pp. 771-800.

Ruffle, B.J., e Shtudiner, Z. (2013), Are Good-Looking People More Employable?, working papers, Ben-

Gurion University of the Negev, Department of Economics.

(2013), em que as mulheres atraentes foram as que obtiveram menos respostas, o que ocorreu, de acordo com os investi-gadores, devido à «inveja feminina».

Considerando a importância de se encontrar pro/ssionais competentes, com capacidade de acrescentar valor às organi-zações, nunca é demais reforçar a impor-tância para a prática dos resultados destes estudos, fazendo atenuar a possibilida-de de existir uma in9uência, que poderá ser inconsciente, na escolha do candida-to baseada nos critérios de atratividade.