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ALERGIA ALIMENTAR NA INFÂNCIA E SUAS
MANIFESTAÇÕES DIGESTIVAS:
uma enfermidade cada vez mais prevalente no
mundo moderno
Ulysses Fagundes Neto, MD, PhD*
*Professor Titular da Disciplina de
Gastroenterologia Pediátrica, Escola Paulista
de Medicina, Universidade Federal de São
Paulo
2
Introdução
Alergia Alimentar (AA), aos mais diversos alimentos da dieta,
constitui-se em um problema cada vez mais comum na infância, em
especial durante os 2 -3 primeiros anos de vida, e pode se apresentar
com um amplo espectro de sinais e sintomas que afeta
principalmente os tratos digestivo, respiratório e tegumentar. O leite
de vaca, durante o primeiro ano de vida, representa o principal
alergeno da dieta e envolve inúmeras de suas múltiplas proteínas
presentes em sua composição. É importante assinalar que alergia à
proteína do leite de vaca (APLV) trata-se de uma enfermidade
temporária que, na imensa maioria dos casos, apresenta remissão
espontânea até o terceiro ano de vida, em alguns casos desaparece
mesmo ao final do primeiro ano. Vale ressaltar que é secundada pela
alergia à proteína da soja, e que, em muitas circunstâncias ocorre
uma reação cruzada com APLV.
Atualmente está bem estabelecido que há um importante
componente genético, que atua como fator predisponente, o qual se
associa a um fator desencadeante (proteína heteróloga) para o
surgimento da AA. Por outro lado, o fator genético isoladamente não
pode ser responsabilizado pelo significativo aumento da prevalência
das doenças alérgicas, as quais tem sido caracterizadas cada vez
mais frequentemente nestas últimas 2 décadas. Este incremento
deve ser definitivamente atribuído a uma série de interações
do complexo “genética-meio ambiente”, as quais ocorrem
durante a gravidez ou mesmo logo após o nascimento do ser
humano, ainda durante os primeiros meses de vida extra-uterina
(Figura 1). (1)
3
Figura 1 - Esquema dos vários fatores envolvidos na gênese da AA.
Definições
Para facilitar o entendimento dos conceitos e uniformizar a
nomenclatura utilizada no presente trabalho são apresentadas a
seguir as definições das principais reações adversas aos alimentos.
Hipersensibilidades Alimentares são reações adversas aos
alimentos que incluem quaisquer manifestações anormais resultantes
da ingestão de um determinado alimento e podem ser o resultado de
Intolerâncias Alimentares ou AA. (2)
Intolerâncias Alimentares são respostas adversas causadas por
uma característica fisiológica específica do hospedeiro, tais como as
afecções metabólicas (por exemplo, deficiência de Lactase). (3)
Alergias Alimentares (AAs) são reações adversas
imunologicamente determinadas que podem ser devidas a
mecanismos mediados por IgE, não IgE ou mistas. (4)
Reações Tóxicas podem simular Hipersensibilidades Alimentares e
são tipicamente causadas por fatores inerentes aos alimentos tais
como contaminantes tóxicos (por exemplo, liberação de histamina
em envenenamento por determinadas espécies de peixes), ou
substâncias farmacológicas contidas nos alimentos (por exemplo,
tiramina em queijos envelhecidos), as quais podem afetar a maioria
dos indivíduos sadios quando oferecidas em doses suficientemente
elevadas. (5)
4
Aversões Alimentares podem mimetizar reações de Intolerância
Alimentar, porém, elas costumam não ser reproduzíveis quando se
realiza um teste "cego" do alimento a ser ingerido e ao qual se
suspeitava haver Intolerância. (6)
Resumidamente, as reações adversas (Hipersensibilidades) -
Intolerâncias Alimentares ou AA – podem ser classificadas em:
1- Intolerância/Hipersensibilidade Não Alérgica
2- Alergia Alimentar/Hipersensibilidade Alérgica
Mediada por IgE
Não Mediada por IgE
Mistas
3- Reações Tóxicas
4- Aversão Alimentar
Hipersensibilidade alérgica aos alimentos – AAs -
necessariamente envolvem mecanismos imunológicos em reação a
uma ou mais determinada proteína e podem ser divididas em 3 tipos
fundamentais, a saber: (7)
1- Mediadas por IgE (hipersensibilidade imediata) (Figura 2);
admite-se que as reações de alergia mediadas por IgE sejam
responsáveis por 60% dos casos.
Figura 2- Lesões de urticária gigante provocadas por AA (ingestão de
camarão). Notar as lesões eritemato-papulosas disseminadas no
tronco do paciente.
5
2- Não mediadas por IgE (Figura 3):
a) hipersensibilidade tardia ou celular;
b) formação de imunecomplexos e vasculite.
Figura 3- Paciente portador de alergia APLV e da soja apresentando
quadro de diarréia crônica com síndrome de má absorção, levando a
perda de peso e parada do ritmo de crescimento. Notar a nítida
diminuição do tecido celular sub-cutâneo, a atrofia da musculatura da
região glútea e raiz das coxas, além da distensão abdominal
provocada pela flacidez da musculatura do abdome.
3- Mistas, quando ambos os mecanismos estão presentes (Figura 4).
6
Figura 4- Material de biópsia do intestino delgado de um paciente
portador de gastroenteropatia eosinofílica. Observar a atrofia
vilositária associada a intenso infiltrado inflamatório linfo-
plasmocitário e eosinofílico na lâmina própria da mucosa jejunal.
As reações mediadas por IgE tendem a surgir dentro de segundos
ou minutos após a ingestão do alimento alergênico, ao passo
que AA que tarda dias ou semanas para se manifestar é mais
provável que não seja mediada por IgE. AA pode afetar vários
sistemas do organismo e os mais freqüentemente envolvidos são os
tratos digestivo e respiratório, e a pele. Manifestações de APLV
podem afetar todos os segmentos do trato digestivo, a saber:
esôfago, estômago, intestino delgado, colo e reto. (8)
Alergias Alimentares apresentam sua maior prevalência durante os
primeiros anos de vida e afetam cerca de 6% das crianças menores
de 3 anos de idade. Está bem estabelecido que a causa mais
freqüente de AA é a APLV. Aproximadamente 2,5% dos recém-
nascidos demonstram reações de APLV durante o primeiro ano de
vida. Muito embora a APLV seja uma enfermidade transitória, ainda
assim, em torno de 80% dos pacientes afetados podem manter-se
alérgicos além do primeiro ano de vida. Por outro lado, a maioria das
crianças perde sua hipersensibilidade (adquire tolerância) aos vários
alimentos alergênicos entre os 3 e os 5 anos de vida. Lactentes que
sofrem de APLV e Soja, cuja reação imunológica não é mediada por
IgE, geralmente passam a ser tolerantes a estes alimentos durante o
segundo ano de vida. Aqueles lactentes que sofrem de AA (leite de
vaca, soja, ovos, etc.), cuja reação imunológica é mediada por IgE
tornam-se tolerantes a estes alimentos um pouco mais tarde (85%
destas crianças por volta dos 5 anos de idade). (9-10-11)
Antes da década de 1950 a incidência descrita de APLV durante o
primeiro ano de vida era muito baixa, aproximadamente 0,1 a 0,3%.
Desde então, as estimativas da incidência da APLV aumentaram
significativamente e tem variado entre 1,8 a 7,5%, dependendo dos
critérios diagnósticos utilizados e da elaboração dos desenhos
metodológicos das pesquisas. Indiscutivelmente, APLV é a causa de
AA mais comumente confirmada entre lactentes e sua incidência no
primeiro ano de vida, diagnosticada em ensaios clínicos prospectivos
bem conduzidos, varia de 2 a 3%, e, em seguida vem a alergia à
proteína da soja em 0,8% dos casos. É importante salientar que
7
manifestações clínicas reproduzíveis de APLV têm sido relatadas em
aproximadamente 0,5% dos lactentes em aleitamento natural
exclusivo. (12)
Crianças portadoras de afecções atópicas tendem a apresentar maior
prevalência de AA; aproximadamente 35% das crianças portadoras
de dermatite atópica moderada ou grave sofrem de AA mediada por
IgE (Figura 5), e, cerca de 6% das crianças que sofrem de asma
apresentam sibilância respiratória induzida por alimentos. (13)
Figura 5- Lesão de dermatite eczematosa retroauricular em paciente
com APLV e soja.
Com o objetivo de avaliar a percepção dos pais a respeito de
possíveis reações adversas causadas pelo leite de vaca, Eggesbo e
cols., em 2011, na Noruega, realizaram uma investigação clínica
acompanhando um grupo de 3.623 crianças desde o nascimento até
que completassem 2 anos de idade, através da aplicação de
questionários semestrais. Os autores detectaram uma prevalência de
APLV de 7,5% aos 12 meses, 5% aos 24 meses e uma incidência
cumulativa de 11,6%, demonstrando, assim, a importância da
percepção dos pais quanto à suspeita da existência de reações
adversas ao leite de vaca e a necessidade de se estabelecer
procedimentos diagnósticos apropriados. (14)
8
Histórico
No passado, praticamente até meados do século XX, nas mais
diversas formas de sociedades e culturas existentes (Figuras 6 – 7 e
8), salvo raríssimas exceções, as crianças eram rotineiramente
amamentadas ao seio materno de forma exclusiva e por tempo
prolongado.
Figura 6- Lactente de sociedade dita de "cultura primitiva" mamando
com total naturalidade.
Figura 7- Lactente da sociedade dita "moderna" que recebeu
aleitamento natural exclusivo por tempo prolongado, seguindo,
assim, um hábito cultural tradicional.
9
Figura 8 - Lactente pertencente à família moradora da favela Cidade
Leonor cuja mãe se incorporou ao programa de promoção do
aleitamento natural exclusivo e venceu mitos e tabus negativos em
relação ao aleitamento natural.
Entretanto, como é do conhecimento geral, as mudanças ocasionadas
pelo desenvolvimento tecnológico industrial, em meados do século
XIX e definitivamente consolidadas no século XX, entre as sociedades
ditas “modernas”, nas quais as mulheres passaram a ocupar um
espaço significativo no mercado de trabalho, associadas ao amplo e
contínuo desenvolvimento da indústria de alimentos, levaram, em
consequência, a uma drástica redução da prática do aleitamento
materno. Outros tipos de leite, distintos do materno, foram sendo,
então, progressivamente introduzidos em idades cada vez mais
precoces na alimentação dos lactentes; a partir dessa mudança de
hábitos e costumes começaram a aflorar os problemas dessa nova
prática nutricional e, assim, passaram a surgir as Alergias
Alimentares em escala cada vez mais crescente.
Vale a pena lembrar que os efeitos adversos dos alimentos são
reconhecidos desde épocas imemoriais. Hipócrates já havia
observado, há 2.000 anos, que a ingestão de leite de vaca pode
10
provocar problemas gastrointestinais e urticária, mas
hipersensibilidade aos alimentos foi poucas vezes descrita até que
Von Pirquet, em 1906, introduziu o conceito de Alergia. O primeiro
caso de APLV foi descrito na literatura médica da Alemanha, em
1901, nos EUA a primeira referência ao problema data de 1916,
enquanto que na Inglaterra verifica-se apenas uma descrição de
APLV antes de 1958. (15-16)
Na busca de substitutos do leite de vaca, para o tratamento de
crianças com sintomas de alergia, passaram a ser desenvolvidas
fórmulas preparadas industrialmente a partir da proteína vegetal da
soja, introduzidas em 1929, ainda que tais preparações já fossem
conhecidas e utilizadas desde 1909, porém em pequena escala.
Posteriormente, já na década de 1940, surgiram os preparados de
hidrolisados da caseína e do soro leite como alternativa no
tratamento das alergias alimentares múltiplas. Mais recentemente, no
fim do século XX, passaram a ser elaboradas as fórmulas à base de
mistura de aminoácidos, as quais são praticamente desprovidas de
quaisquer estímulos antigênicos. Elas são indicadas naqueles casos
de comprovada intolerância aos hidrolisados protéicos
extensivamente hidrolisados.
Genética associada ao meio ambiente: fatores que
contribuem para o surgimento da Alergia Alimentar
Atualmente, está bem estabelecido que há uma significativa
contribuição genética para o surgimento de alergia e, mais ainda, que
inúmeros genes tem sido identificados como responsáveis pelo
aparecimento tanto de eczema quanto de asma. Mutações genéticas
têm sido descritas em até 27% dos pacientes portadores de eczema
grave e estas parecem conferir fatores de risco para a persistência da
doença, sensibilização para alergias múltiplas, e aparecimento de
asma associada ao eczema. A descoberta dessas mutações genéticas
demonstra de forma inequívoca a importância do papel da ruptura da
barreira de defesa da pele como fator primordial na patogênese do
eczema e na sensibilização alérgica. (17)
É interessante assinalar que, no caso dos pacientes portadores de
eczema grave, foram encontrados auto-anticorpos circulantes
dirigidos contra determinadas proteínas celulares. Este fato levou à
11
especulação de que aquilo que se iniciou como um processo
essencialmente alérgico sofreu uma evolução para tornar-se uma
enfermidade auto-imune. Daí a necessidade de se programar ações
efetivas para prevenir a evolução da doença para a cronicidade.
A “Marcha da Alergia” nos lactentes de alto risco
Como já foi anteriormente referido APLV tende a apresentar
remissão espontânea, mas geralmente vem a ser substituída por
outra manifestação de alergia. O surgimento de eczema é
frequentemente visto como o prenúncio de que ocorreu a
sensibilização do organismo por algum alergeno alimentar, com
aumento dos níveis de IgE especificamente para um determinado
alimento, cujos picos séricos se mantém dentro dos primeiros 2 anos
de vida. Este cortejo sintomático é seguido por um incremento da
sensibilização por alergenos inalatórios, os quais, por sua vez,
acarretam uma correspondente elevação na incidência de asma e
rinite. Eczema atópico é geralmente a primeira manifestação da
doença alérgica, sendo que cerca de metade de todos os lactentes
que sofrem de eczema acabam por apresentar asma, enquanto que
2/3 deles desenvolvem rinite alérgica nos anos subseqüentes. Esta
associação de eventos patológicos é frequentemente referida como a
“Marcha da Alergia”. (18)
A sensibilização por alergenos inalatórios e alimentares é bastante
comum no caso de surgimento de eczema atópico. Há uma clara
evidencia de que a ocorrência de sensibilização atópica em lactentes
portadores de eczema representa um marcador da intensidade da
doença. A sensibilização provocada por alimentos e agentes
inalatórios está associada ao aparecimento de eczemas mais graves,
aumento do risco para a persistência da doença além dos 7 anos de
vida, e também, risco maior para o surgimento de alergia das vias
respiratórias.
Estudos realizados na década de 1980, utilizando testes de
provocação, tipo duplo cego, com alimentos controlados e placebo, já
comprovavam que 30 a 56% das crianças portadoras de eczema
moderado ou grave apresentavam AA. A eliminação da dieta destes
alergenos alimentares acarretava significativa regressão da lesão
atópica. É necessário evitar a ingestão do alimento alergênico, posto
12
que mesmo mínimas quantidades do antígeno alimentar são capazes
de induzir a síntese de IgE específica, e, portanto, levar à liberação
de histamina desde os basófilos, a qual por sua vez determina a
deflagração dos sintomas de Alergia. (19)
O acompanhamento rotineiro dos pacientes e a conseqüente
realização de testes de provocação constituem importante estratégia
de atuação, posto que a história natural da doença, para a vasta
maioria dos pacientes, é a aquisição de tolerância em relação aos
alergenos, ao longo dos tempos.
Conceito da Barreira de Permeabilidade Intestinal
O trato gastrointestinal representa uma extensa barreira física ao
ambiente exterior com o objetivo de proteger nosso organismo das
potenciais agressões físicas e químicas, representadas por eventuais
produtos nocivos dos alimentos, dos agentes patogênicos existentes
na natureza e mesmo dos simbióticos microorganismos que
naturalmente nos colonizam desde a boca até o reto e com os quais
obrigatoriamente de forma cotidiana convivemos.
Concomitantemente, associado a esta barreira física, o sistema
imunológico, por meio do tecido linfóide intestinal, funciona também
como mais um fator de proteção, possuindo a capacidade de
discriminar proteínas estranhas, ou microorganismos comensais, ou
perigosos agentes enteropatogênicos.
Além disso, o trato gastrointestinal nos fornece também uma
formidável superfície absortiva equivalente em área ao tamanho de
uma quadra de tênis (aproximadamente 200 m²), para que
normalmente possam ocorrer os processos digestivo-absortivos, os
quais são essenciais para a preservação do estado nutricional e,
conseqüentemente, a manutenção da vida (Figuras 9 e 10).
13
Figura 9 - Material de biópsia de intestino delgado em microscopia
óptica comum apresentando morfologia normal. As vilosidades são
digitiformes e representam uma relação vilosidade: cripta 5/1. As
células epiteliais são cilíndricas com núcleo em posição basal e o
infiltrado linfo-plasmocitário encontra-se dentro dos limites da
normalidade.
Figura 10 - Vilosidade individualizada em aumento maior com aspecto
digitiforme. As células epiteliais (enterócitos) são cilíndricas com
núcleo em posição basal e se assentam na membrana basal. Células
14
califormes produtoras de muco podem ser observadas ao longo das
vilosidades (células esbranquiçadas arredondadas).
A barreira de permeabilidade intestinal (Figura 11) constitui uma
importante adaptação do trato digestivo ao meio ambiente extra-
uterino (no interior do útero o feto se desenvolve em um meio
totalmente estéril protegido pelo líquido aminiótico, o qual é
envolvido pela bolsa aminiótica) contra a penetração de antígenos e
fragmentos antigênicos usualmente presentes no lúmen intestinal. Ao
nascer, o recém-nascido necessita estar preparado para conviver com
a colonização bacteriana do intestino, com a formação de
subprodutos tóxicos pelas bactérias e vírus (enterotoxinas e
endotoxinas) e com a ingestão de potenciais antígenos alimentares
(proteínas do leite de vaca e da soja, por exemplo). Estas substâncias
que são imunologicamente ativas se conseguirem romper a barreira
da mucosa intestinal e, por conseguinte, penetrar na circulação
sanguínea, podem causar reações inflamatórias ou alérgicas, as quais
poderão resultar, por sua vez, em enfermidades gastrointestinais ou
sistêmicas.
Figura 11 - Exemplo gráfico do transporte de macromoléculas em
situação normal e patológica, quando há fracasso de um ou mais
mecanismos de constituição da barreira de permeabilidade intestinal.
A Tabela abaixo elenca os componentes da Barreira de
Permeabilidade Intestinal contra a penetração de Antígenos
15
A- Não Imunológicos
Intraluminais
- Acides gástrica
- Proteólise
- Peristaltismo Intestinal
Superfície Mucosa
- Cobertura de Muco
- Membrana das Microvilosidades
- Poros intercelulares
B- Imunológico
- Sistema da IgA secretora
C- Combinação de fatores imunológicos e não Imunológicos
- Formação de imune-complexos mediados pelo muco
- Proteólise na superfície mucosa facilitada pela formação de
imune-complexos
- Fagocitose pelas células de Kupffer dos imune-complexos
formados
O ácido clorídrico produzido pelas células parietais da mucosa
gástrica tem, entre outras finalidades, funcionar como a primeira
potente barreira química contra as agressões de microorganismos
patogênicos que por ventura venham a ser ingeridos pelo hospedeiro.
Ao mesmo tempo também atua na primeira fase da digestão dos
nutrientes, em especial as proteínas, formando complexos menores
que irão ser mais facilmente digeridos pelas enzimas proteolíticas
pancreáticas. O peristaltismo intestinal age como fator mecânico de
depuração dos potenciais agentes tóxicos e/ou microorganismos
patogênicos ingeridos com a alimentação. (20)
A cobertura de muco (por meio da sua espessura e composição
química) que se deposita sobre a superfície das microvilosidades
16
intestinais contribui de forma especial contra a adesão e penetração
de antígenos. O muco é produzido pelas células caliciformes, as quais
se encontram intercaladas aos enterócitos ao longo de todas as
vilosidades intestinais (Figuras 12-13-14 e 15). A espessura física da
cobertura de muco sobre a superfície da mucosa intestinal pode se
expandir na dependência do estímulo antigênico recebido,
contribuindo, assim, como um fator de expulsão de parasitas e
antígenos microbianos intestinais. (21)
Figura 12- Ação protetora física e química da cobertura de muco
sobre o epitélio intestinal.
Figura 13- Material de biópsia de intestino delgado em microscopia
eletrônica com estrutura preservada evidenciando a formação das
microvilosidades no topo da imagem formando uma verdadeira
17
paliçada. No interior do citoplasma podem ser observados alguns
retículos endoplásmicos rugosos, mitocondrias e corpos
multivesiculares.
Figura 14- Material de biópsia do intestino delgado em microscopia
eletrônica destacando as microvilosidades em maior aumento e as
micromiofibrilas que delas emergem e que dão suporte ao muco
produzido pelas células califormes.
18
Figura 15- Material de biópsia do intestino delgado em microscopia
eletrônica mostrando uma célula caliciforme produtora de muco.
Os poros intercelulares apresentam dimensões bem determinadas, e,
de tal forma a permitirem a passagem apenas de água e pequenos
íons, como por exemplo, sódio e cloro. Eles se constituem em um
importante mecanismo fisiológico para absorção de água e eletrólitos,
e, em condições normais, exceto nos primeiros meses de vida, não
permitem a penetração de macromoléculas intactas (Figuras 16 e
17).
19
Figura 16 - Material de biópsia de intestino delgado em microscopia
eletrônica mostrando duas células adjacentes com poro intercelular
intacto e a presença de um desmosoma em botão que confere a
limitação do tamanho do poro.
Figura 17 - Material de biópsia de intestino delgado em microscopia
eletrônica mostrando ruptura discreta do poro intercelular. Notar a
presença, em negro, de um marcador macromolecular (Horseradish
peroxidase) ao longo do espaço interceluilar.
Em situações patológicas, como por exemplo, nas infecções entéricas
por determinados agentes enteropatogênicos, a função seletiva
destes poros intercelulares pode estar seriamente comprometida, e,
portanto, passar a dar lugar para a penetração maciça de antígenos e
levar ao surgimento de alergias alimentares (Figuras 18 e 19).
20
Figura 18 - Material de biópsia de intestino delgado em microscopia
óptica comum em grande aumento, corte semi-fino, mostrando
colônias de Escherichia coli enteropatogênica firmemente aderidas à
superfície mucosa provocando intensas alterações morfológicas no
epitélio intestinal.
Figura 19- Esquema gráfico da sequência fisiopatológica da
provocação de AA devido à infecção por Escherichia coli
enteropatogênica.
Diferentemente do equipamento imunológico sistêmico, que em
condições normais tem que se defrontar com quantidades
relativamente pequenas de antígenos e desenvolver uma resposta
21
inflamatória adequada, o sistema imunológico das mucosas, a
intestinal é uma delas, vê-se face a face, diariamente, com enormes
quantidades de antígenos e, da mesma forma, tem como missão
suprimir a reatividade imunológica dos antígenos alimentares e dos
microorganismos comensais. Mais ainda, este sistema imunológico é
também dotado de uma competente capacidade protetora para
responder a ataques de patógenos mais agressivos. Além das
barreiras físicas e químicas anteriormente mencionadas, respostas
imunológicas inatas (células “killer” naturais, leucócitos
polimorfonucleares, macrófagos, células epiteliais, receptores
especializados) e adaptativas (linfócitos presentes na lâmina própria e
intra-epiteliais, placas de Peyer, IgA secretora e citoquinas)
fornecem uma formidável barreira contra a penetração de antígenos
do meio ambiente que nos circunda. Dentre todos os componentes do
sistema imunológico a IgA secretora é a que se encontra presente
nas mais altas concentrações nas secreções intestinais. A IgA
secretora tem uma característica muito especial posto que ela é um
dímero formado por 2 moléculas de IgA, que é produzida pelos
plasmócitos na lâmina própria da mucosa intestinal e que se acopla
com uma peça secretora produzida pelo enterócito, e, daí lançada na
luz do intestino. Esta característica lhe confere estabilidade no meio
físico-químico do lúmen intestinal, tornando-a resistente à ação das
enzimas proteolíticas produzidas pelo pâncreas, conferindo, dessa
maneira, um eficiente mecanismo de ação para evitar o transporte de
antígenos desde a luz do intestino para a circulação sistêmica (Figura
20). (22)
Figura 20- Representação esquemática da barreira da mucosa
intestinal.
22
Além do sistema imunológico, a barreira de permeabilidade intestinal
é também formada pelas próprias células epiteliais. Caso, por alguma
razão, antígenos ou fragmentos de antígenos potencialmente
alergênicos consigam aderir à superfície luminal dos enterócitos,
estes serão interiorizados ao citoplasma por um mecanismo de
endocitose (reverso da fagocitose); já agora no interior do citoplasma
serão atacados e devidamente digeridos pelos lisosomas produzidos
pelo aparelho de Golgi, perdendo, assim, sua capacidade de estímulo
antigênico. Finalmente serão eliminados da célula no espaço baso
lateral por um processo de exocitose (Figuras 21-22 e 23). (23)
Figura 21- Representação esquemática dos mecanismos celulares de
proteção da mucosa intestinal.
23
Figura 22- Representação esquemática do processo de degradação
antigênica intracelular.
Figura 23- Material de biópsia do intestino delgado em microscopia
eletrônica mostrando a formação de um corpo multivesicular, produto
da ação degradativa lisosomal.
Entretanto, a imaturidade no desenvolvimento de vários destes
componentes da barreira intestinal e do sistema imunológico nos
lactentes reduz de forma significativa sua eficiência, tornando a
mucosa entérica suscetível para a penetração de antígenos
potencialmente alergênicos (proteínas do leite de vaca e da soja, por
exemplo) (Figuras 24 e 25). Sabe-se que a atividade enzimática no
período neonatal é sub-ótima, e o sistema da IgA secretora não se
encontra totalmente maduro antes dos 4 anos de idade.
Conseqüentemente, o estado de imaturidade da barreira mucosa joga
um papel importante na prevalência de infecções entéricas e AA
observadas nos primeiros anos de vida. (24)
24
Figura 24- Representação esquemática da imaturidade da barreira
mucosa no recém-nascido.
Figura 25- Material de biópsia do intestino delgado em microscopia
eletrônica mostrando na figura superior duas células intestinais
adjacentes submetidas à perfusão com o marcador macromolecular
Horseradish peroxidase representado pela imagem enegrecida
confinada à região das microvilosidades (V), L mostra o lumen
intestinal. Observar o espaço intercelular (seta) totalmente
25
preservado e a mitocôndria (M) intacta. Na figura inferior resultante
da perfusão com sais biliares secundários observa-se que o marcador
macromolecular provoca uma ruptura no poro intercelular e a
imagem enegrecida estende-se ao longo de todo o espaço intercelular
(seta). No detalhe podem ser observadas alterações importantes nas
organelas com inchaço e degeneração da mitocôndria (M) e do
aparelho de Golgi (G).
Papel do Colostro
Como foi anteriormente mencionado, recém-nascidos e lactentes nos
primeiros meses de vida são desprovidos de muitos dos fatores
fisiológicos de proteção oferecidos pela barreira de permeabilidade
intestinal para enfrentar o meio ambiente da vida extra-uterina.
Afortunadamente, a “natureza” ofereceu um excelente substituto
para proteger o lactente vulnerável durante este período crítico da
existência. Este substituto, o leite humano, contém inúmeros fatores
que compensam de sobra a imaturidade do organismo do lactente, e,
ao mesmo tempo, estimula a maturidade do intestino para tornar-se
funcionalmente independente. Tem sido largamente demonstrado que
a ingestão do colostro favorece a maturação dos enterócitos,
aumenta a capacidade absortiva e também acelera o
desenvolvimento da barreira de permeabilidade. Além disso, o
colostro tem uma ação potencializadora na produção das enzimas das
microvilosidades, possui um fator de crescimento da mucosa,
favorece a colonização intestinal por lactobacilos bífidos e acidófilos,
oferece lactoferrina, e, mais ainda, contém uma alta concentração de
IgA secretora, a qual vai proporcionar uma proteção passiva para a
superfície intestinal ao longo do processo natural de maturação do
intestino do lactente. (25)
Alergenos Alimentares
A diversidade alimentar do ser humano nas mais variadas culturas é
vastíssima, mas, na verdade apenas um número relativamente
pequeno de alimentos é responsável pela ocorrência das Alergias
Alimentares no nosso universo.
26
A sensibilização pelos alergenos alimentares pode acontecer
basicamente de 2 formas, a saber:
1- Trato Gastrointestinal, considerada tradicional ou Classe 1 de AA;
2- Inalação, denominada de AA Classe 2. (26)
Os alergenos Classe 1 mais freqüentemente descritos como
causadores de AA nas crianças são o leite, soja, ovo, e, nos EUA, o
amendoim, enquanto que nos adultos os alergenos alimentares que
mais comumente causam reações alérgicas são o amendoim,
castanhas, peixes e frutos do mar.
A maioria dos alergenos alimentares Classe 1 são glicoproteínas
solúveis em água com peso molecular que varia entre 10 e 70
kilodaltons, e são razoavelmente estáveis ao aquecimento,
desnaturação ácida e ação das proteases.
Por outro lado, é importante ressaltar que proteínas vegetais têm
sido cada vez mais caracterizadas como alergenos alimentares e
cujas composições aparentemente se assemelham à dos alergenos
animais. A maioria dos alergenos de origem vegetal, descritos até o
presente, podem ser enquadrados em 2 grandes grupos, de acordo
com suas funções na própria planta, a saber:
1- Proteínas de Defesa (incluídas as denominadas proteínas PR ou
“proteínas relacionadas à patogenicidade”), as quais estão envolvidas
em mecanismos de auto-proteção contra pragas, vírus e parasitas.
Estas proteínas também são produzidas como respostas às agressões
ambientais e conseqüentemente podem estar presentes em
quantidades variáveis dentro de uma mesma espécie de fruta ou
vegetal. As profilinas, que tem um papel fundamental na regulação
da polimerização dos filamentos de actina e correspondem à maior
porção dos alergenos Classe 2, são altamente preservadas em todo o
reino vegetal e freqüentemente apresentam uma reação cruzada
entre o pólen e o alimento. Os pacientes com freqüência tornam-se
sensibilizados ao pólen inalado e, em virtude das reatividades
cruzadas com as profilinas das frutas ou vegetais, apresentam
sintomas orais e faríngeos após a ingestão da fruta crua ou do
vegetal, o que é denominado de AA ao pólen ou Síndrome Alérgica
Oral.
2- Proteínas de Estocagem, as quais se encontram acumuladas
principalmente nas sementes maduras, e que são mobilizadas
27
durante a germinação como fonte de Nitrogênio (amino-ácidos) e
cadeias de Carbono para o embrião e a nova planta, nos momentos
iniciais do desenvolvimento da mesma. Neste grupo estão incluídas
as superfamílias das prolaminas e das cupinas.
A superfamília das prolaminas inclui as proteínas majoritárias das
farinhas de trigo (asma do padeiro), cevada e centeio, e a albumina
2S das leguminosas, frutos secos e especiarias. A superfamília das
cupinas agrupa as proteínas tipo germinas, leguminas e vicilinas.
Germinas alergênicas têm sido caracterizadas na laranja, pimenta e
trigo. As leguminas são alergenos proeminentes no amendoim, soja e
frutos secos (castanha do Pará e avelã). As vicilinas estão presentes
nos frutos secos e em sementes como o sésamo.
Manifestações Clínicas no Trato Digestivo das
Alergias Alimentares
As hipersensibilidades alimentares, como já anteriormente referidas,
são deflagradas em indivíduos geneticamente susceptíveis,
presumivelmente quando fracassa o desenvolvimento natural da
tolerância oral ou quando este mecanismo sofre algum agravo
importante. As reações alérgicas mediadas por IgE surgem quando
anticorpos IgE alimentos-específicos residindo nos mastócitos e
basófilos entram em contacto e se ligam aos alergenos alimentares
circulantes e ativam as células para a liberação de potentes
mediadores químicos e citoquinas. Na Tabela 2 estão discriminadas
as afecções digestivas causadas por AA até o presente momento
conhecidas e seus respectivos mecanismos imunológicos de ação. (27)
28
Síndrome Alérgica Oral
Esta afecção é causada por uma grande variedade de proteínas de
plantas que apresentam reação cruzada com alergenos dispersos no
meio ambiente, especialmente os polens liberados pelas seguintes
plantas: Ambrosia, Bétula e Artemísia. Indivíduos alérgicos a
Ambrosia podem apresentar alergia a melão e banana, aqueles que
são alérgicos a grama podem desenvolver sintomas ao ingerir tomate
cru, e indivíduos alérgicos ao pólen da Bétula podem deflagrar
sintomas depois da ingestão de alimentos crus tais como cenouras,
maçãs, peras e kiwi. Tendo em vista que os alergenos responsáveis
por essas reações são facilmente destruídos pelo calor e pelos ácidos
gástricos, na maioria dos pacientes, as manifestações de alergia
permanecem circunscritas às mucosas orais e faríngeas. (28)
Anafilaxia Gastrointestinal
Esta é uma manifestação que se apresenta tipicamente de forma
aguda com náuseas, dor abdominal em cólica e vômitos; pode
ocorrer também o surgimento, em forma concomitante, de
manifestações sintomáticas em outro órgão alvo.
29
Constipação
Muito embora desde longa data haja referência da associação de
constipação e APLV, mais recentemente Iacono e cols. em 1995, na
Itália, trouxeram este tema de volta à literatura médica. Foram
avaliadas 27 crianças menores de 3 anos que sofriam de constipação
crônica funcional, as quais foram submetidas a uma dieta de exclusão
de leite de vaca e derivados durante 1 mês. Neste período de tempo
observou-se que houve aumento no número das evacuações, que
estas ocorriam sem dor, houve eliminação de fezes pastosas, e,
também, ocorreu cura das fissuras anais em 78% dos casos (21/27).
O teste de desencadeamento realizado nas 21 crianças resultou
positivo, ou seja, as crianças voltaram a sofrer de constipação, em
média 48 horas após a reintrodução do leite de vaca. Ao ser
novamente retirado o leite de vaca da dieta destas crianças houve
total normalização das evacuações. Posteriormente, em 1998, Iacono
e cols., estudaram 65 crianças menores de 6 anos de idade que
sofriam de constipação crônica funcional e que não responderam ao
tratamento com laxantes. Foram realizados dois testes de
desencadeamento duplo-cego e 68% (44/65) dos pacientes
revelaram-se alérgicos ao leite de vaca, apresentando normalização
das evacuações quando submetidos à dieta isenta de leite de vaca e
derivados. (29-30)
Em 2001, Daher e cols., em São Paulo, investigaram 25 crianças com
idades que variaram de 3 meses a 11 anos que sofriam de
constipação funcional e constataram que em 7 (28%) delas a
constipação se resolveu quando o leite de vaca foi retirado da dieta
por um período de 4 semanas, e, reapareceu dentro das primeiras
48-72 horas após a reintrodução do leite de vaca na dieta. Níveis
elevados de IgE foram observados em 5 delas e que regrediram com
a dieta de eliminação. Desta forma, alergia ao leite de vaca deve ser
considerada naqueles casos de constipação refratários aos
tratamentos habituais, muito embora o mecanismo fisiopatológico
ainda não esteja definitivamente elucidado. (31)
Gastrite Hemorrágica
Trata-se de manifestação clínica bastante incomum e até 2003
tinham sido descritos apenas 10 casos na literatura médica.
30
Entretanto, em 2003, Machado e cols., em São Paulo, descreveram
mais 2 casos de gastrite hemorrágica, em crianças de 2 anos de
idade que apresentavam desde os 2 meses hematêmese, vômitos e
desnutrição. Submetidos à endoscopia digestiva alta observou-se em
ambos os pacientes pangastrite erosiva hemorrágica e a biópsia
gástrica revelou gastrite aguda ulcerada com intenso infiltrado
eosinofílico (24,1 eosinófilos/campo de grande aumento). A biópsia
duodenal evidenciou atrofia vilositária sub-total e a biópsia retal colite
inespecífica. Após a eliminação de leite de vaca e derivados da dieta
houve total regressão da sintomatologia e recuperação do estado
nutricional. (32)
Esofagite Eosinofílica e Gastroenterite Eosinofílica
Estas duas entidades alérgicas podem ser mediadas por IgE e
também não mediadas por IgE, ou ainda por ambos os
mecanismos imunológicos. Caracterizam-se por intensa infiltração de
eosinófilos ao longo das mucosas do esôfago, estômago e intestino
delgado, associada à hiperplasia da zona basal, alongamento das
papilas, ausência de vasculite e eosinofilia periférica em até 50% dos
casos (Figura 26). (33)
Figura 26- Material de biópsia do intestino delgado de paciente
portador de Gastroenteropatia Eosinofílica, evidenciando importante
atrofia vilositária e intenso infiltrado linfo-plasmocitário e eosinofílico
na lâmina própria.
31
Esofagite Eosinofílica é mais frequentemente observada em escolares
e adolescentes e tipicamente se apresenta com sintomas de refluxo
gastro-esofágico, como por exemplo, náusea, disfagia, vômitos e dor
epigástrica.
Gastroenterite Eosinofílica pode ocorrer em qualquer idade, inclusive
em lactentes, particularmente nestes últimos a manifestação clínica
pode ser de estenose hipertrófica do piloro, com vômitos intensos.
Perda de peso ou ganho pondero-estatural insuficiente é uma
característica marcante dessa entidade clínica. Na dependência da
extensão e da localização do envolvimento do processo inflamatório,
o paciente pode apresentar dor abdominal, vômitos, diarréia,
sagramento intestinal, anemia ferropriva e até mesmo enteropatia
perdedora de proteínas, levando a edema dos membros inferiores
devido à hipoalbuminemia (Figura 27).
Figura 27- Paciente portador de Gastroenteopatia Eosinofílica com
enteropatia perdedora de proteínas; notar discreto edema tibial
biteral devido à hipoalbuminemia.
32
Colite Alérgica
A manifestação clínica mais intensa e exuberante é a diarréia
sanguinolenta associada a cólicas, as quais estão presentes em cêrca
de 90% dos pacientes. Geralmente os sintomas apresentam-se de
início insidioso instalando-se na imensa maioria dos casos nos
primeiros 6 meses de vida, mais particularmente ainda nos primeiros
3 meses. O sangue costuma ser "vivo" misturado às fezes, e, em
algumas circunstâncias pode haver apenas sangramento retal em
decorrência do processo inflamatório que afeta a mucosa colônica,
tratando-se, portanto, de uma lesão interna. O sangramento costuma
ser intermitente e de escassa quantidade; somente em raras
situações pode haver perda importante de sangue, acarretando
anemia aguda. Em alguns casos, especialmente quando o lactente
está recebendo aleitamento natural o sangramento pode não ser
visível a "olho nú", e isto é o que se denomina sagramento "oculto", o
qual é detectado através de método imunológico em fezes recém
eliminadas. (34)
Regurgitação e vômitos também podem estar presentes com
frequência muito variável entre 20 e 100% dos pacientes, o que pode
ser um fator de interpretação equivocada da Doença do Refluxo
Gastroesofágico. Na maioria das vezes não há uma clara percepção
do agravo do crescimento pondero-estatural, porém, ao se instituir o
tratamento correto nota-se nitidamente a ocorrência de uma rápida
recuperação nutricional, com ganho pondero-estatural acelerado
Enteropatia Alérgica
A Enteropatia Alérgica provocada por uma ou mais proteínas
heterólogas da dieta geralmente surge nos primeiros 3 a 6 meses da
vida, na imensa maioria dos casos em lactentes recebendo
aleitamento artificial (não é freqüente em lactentes recebendo
aleitamento natural, porém é possível a passagem de antígenos
alimentares via leite humano e em conseqüência disto ocorrer
manifestação de AA; vale frisar que a β-lactoglobulina, a principal
proteína alergênica do leite de vaca, pode ser detectada no leite
humano em 95% das mulheres durante a fase da amamentação),
seja através do leite de vaca ou de outro animal, fórmulas lácteas
e/ou fórmulas de soja. As principais manifestações clínicas são
diarréia, caracterizada por fezes amolecidas e volumosas devido à
33
esteatorréia, perda de peso ou ganho ponderal inadequado, parada
no ritmo de crescimento em estatura, distensão abdominal com
flatulência e em algumas ocasiões vômitos associados. Ao exame
físico o paciente mostra-se com aspecto desnutrido, apático, tecido
celular subcutâneo escasso ou mesmo praticamente ausente e
hipotrofia e hipotonia muscular, em especial na região glútea (Figuras
28 e 29). (35)
34
Figuras 28 e 29– Paciente por ocasião do diagnóstico de APLV; notar
o aspecto emagrecido, hipotonia e hipotrofia da musculatura,
diminuição do tecido celular sub-cutâneo, distensão abdominal e
dermatite de fralda caracterizada por lesões eritemato-papulosas na
região glútea.
O aspecto físico dos pacientes em muito se assemelha ao que se
poderia alcunhar de “Doença Celíaca em miniatura”, a qual pode ser
totalmente descartada, posto que, na quase totalidade dos casos,
devido à precocidade da faixa etária, os lactentes ainda não tiveram a
oportunidade de entrar em contacto com o trigo e derivados em suas
dietas. É importante salientar que cerca de 30 a 50% dos pacientes
com APLV e derivados apresentam reação alérgica cruzada à
Proteína da Soja. Outro aspecto que merece ser ressaltado é que
este tipo de AA é transitório tendendo a desaparecer ao final do
primeiro ou segundo ano de vida, em contraste com a Doença Celíaca
que é uma intolerância definitiva ao trigo e derivados. Os testes de
avaliação da função digestivo-absortiva mostram-se anormais,
caracterizados por má absorção da D-xilose e excreção
anormalmente aumentada de gordura nas fezes, e a biópsia do
intestino delgado revela uma atrofia vilositária subtotal, que pode ser
focal (Figuras 30-31 e 32).
35
Figura 30- Gráfico de crescimento pondero-estatural da paciente por
ocasião do diagnóstico; observar a perda de peso e a parada do rítmo
de crescimento, uma evidencia de importante agravo do estado
nutricional devido à síndrome de má absorção como consequência da
Enteropatia Alérgica.
Figura 31- Testes da função digestivo-absortiva por ocasião do
diagnóstico em um grupo de 40 pacientes portadores de Enteropatia
Alérgica. Notar que tanto o teste de absorção da D-xilose quanto o
teste da digestão e absorção dos Triglicérides encontram-se
significativamente abaixo dos valores observados em indivíduos
normais.
36
Figura 32- Material de biópsia de intestino delgado à microscopia
óptica comum, aumento médio, evidenciando atrofia vilositária sub-
total e discreta hipertrofia das glândulas crípticas.
Após a introdução de dieta apropriada os pacientes apresentam
rápida reversão do quadro diarréico passando a se recuperar clínica e
nutricionalmente, e, concomitantemente, o mesmo ocorre com os
testes de avaliação da função digestivo-absortiva, e da morfologia do
intestino delgado (Figuras 33-34 e 35).
Figura 33- Gráfico pondero-estatural do paciente após tratamento
dietético e recuperação clínica e nutricional.
37
Figura 34- Comparação da avaliação da função digestivo-absortiva
antes e após o tratamento em um grupo de pacientes portadores de
Enteropatia Alérgica; notar também a recuperação da morfologia do
intestino delgado evidenciando vilosidades digitiformes, dentro dos
padrões da normalidade.
38
Figura 35- Paciente pós tratamento dietético apropriado em plena
recuperação clínica e nutricional (trata-se da mesma paciente das
figuras 28 e 29).
Enteropatia Alérgica Pós–Enterite
O quadro clínico dessa síndrome em muito se assemelha à anterior, a
diferença fundamental reside no fato de as manifestações clínicas
surgirem em um lactente, até aquele momento sem qualquer
sintomatologia suspeita de AA, após um episódio de gastroenterite
aguda por algum agente enteropatogênico capaz de provocar uma
lesão importante na mucosa do intestino delgado levando à ruptura
da barreira de permeabilidade intestinal (Figuras 19-36-37-38 e 39),
proporcionando, assim, a penetração maciça das proteínas
heterólogas da dieta, potencialmente alergênicas.
Figura 36- Material de biópsia de intestino delgado à microscopia
óptica comum, grande aumento, mostrando nichos de Escherichia coli
enteropatogênica firmemente aderidas à superfície mucosa do
intestino delgado provocando intensa atrofia vilositária.
39
Figura 37- Material de biópsia do intestino delgado à microscopia
óptica comum, corte semi-fino, evidenciando nichos de Escherichia
coli aderidas à superfície epitelial do intestino delgado.
Figura 38- Material de biópsia do intestino delgado à microscopia
eletrônica mostrando o início da lesão provocada por cêpa de
Escherichia coli sobre as microvilosidades, levando a distorsão e
alongamento das mesmas.
40
Figura 39- Material de biópsia do intestino delgado à microscopia
eletrônica evidenciando a típica lesão em pedestal provocada por
cêpa de Escherichia coli enteropatogênica. Notar que há total
destruição das microvilosidades.
Em pacientes susceptíveis de Alergia, pode-se instalar um quadro
clínico de perpetuação da diarréia (diarréia persistente) associada à
síndrome de má absorção com perda de peso e parada do ritmo de
crescimento (Figuras 40-41 e 42).
Figura 40- Gráfico do crescimento pondero-estatural da paciente
portadora de AA pós gastroenterite. Notar a significativa perda de
peso e completa parada do rítmo de crescimento.
41
Figuras 41 e 42- Paciente portadora de AA (a mesma do gráfico
acima) evidenciando grave desnutrição devido à síndrome de má
absorção por ocasião do diagnóstico de AA.
42
Os principais agentes enteropagênicos potencialmente causadores
deste tipo de lesão da mucosa do intestino delgado são as cepas
enteropatogênicas de Escherichia coli e o Rotavirus. As Alergias
Alimentares podem ser a múltiplos alimentos, e igualmente à
situação acima descrita, a duração da AA é transitória, e após a
introdução de tratamento dietético apropriado ocorre completa
recuperação clínica e nutricional (Figuras 43 e 44).
Figura 43- Gráfico de crescimento da paciente acima após a
introdução de dietoterapia apropriada; notar a significativa
recuperação pondero-estatural, mas ao mesmo tempo a ocorrência
de AA múltipla por tempo prolongado.
43
Figura 44- Paciente em fase de total recuperação clínica e nutricional.
Outro agente bacteriano patogênico para o ser humano que deve ser
considerado como potencial causador de AA devido às suas
propriedades de invasão da mucosa gástrica é o Helicobacter pylori
(Figuras 45 e 46). Como é do conhecimento geral, a prevalência da
infecção por esta bactéria é extremamente elevada em ambientes
desprovidos de saneamento ambiental, com alto grau de
confinamento e íntimo contacto físico interpessoal, o que pode se
tornar em fator altamente propício para a deflagração de AA nos
indivíduos susceptíveis.
44
Figura 45- Esquema de lesão da mucosa gástrica provocada pelo
Helicobacter pylori.
Figura 46- Esquema de proposta de provocação de AA devido a
infecção pelo Helicobacter pylori.
Critérios Diagnósticos
História Clínica e Testes de Provocação
A História Clínica continua a ser o principal pilar para estabelecer o
diagnóstico de AA, em especial nos pacientes menores de 6 meses de
idade, posto que até esta idade a imensa maioria dos lactentes
45
recebe apenas um tipo de alimento, seja leite de vaca ou de outro
animal, fórmula láctea ou de soja. Por esta razão, torna-se mais fácil
estabelecer uma relação direta causa-efeito, devido à monotonia da
dieta ofertada ao lactente, diferentemente daquelas situações em que
o paciente de maior idade já recebe uma dieta bastante diversificada.
Vale salientar que mesmo lactentes em aleitamento natural exclusivo,
embora raramente, também podem apresentar manifestações clínicas
de AA devido à passagem de antígenos alimentares via leite
materno. Por outro lado, naquelas crianças maiores, que já recebem
uma dieta com grande diversidade de alimentos, inúmeras outras
variáveis passam a entrar em jogo, o que vai dificultar sobremaneira
estabelecer a qual ou a quais alimentos o paciente apresenta
Alergia. A confecção de diários alimentares costuma ser útil,
principalmente quando a dieta do paciente é bastante diversificada e,
também, quando o problema se torna crônico.
Do ponto de vista diagnóstico é interessante tentar categorizar a
afecção alérgica pelo órgão alvo predominantemente atingido e pelo
mecanismo de resposta imunológica observado. Reações mediadas
por IgE costumam surgir rapidamente, enquanto que as não
mediadas por IgE tornam-se evidentes apenas algumas horas ou
dias após a ingestão do alergeno.
Atualmente há um consenso internacional de que o Padrão Ouro
(“Gold Standard”) para o diagnóstico de AA é o teste de Provocação
Duplo-Cego Controlado com Placebo (PDCCP). Entretanto, há
também uma aceitação geral de que na imensa maioria das vezes a
realização do teste de PDCCP é praticamente inviável, em especial
quanto menor for a idade do paciente. Diante da notória dificuldade
de se realizar rotineiramente o teste PDCCP, tem sido também
preconizada a realização de testes de provocação abertos ou simples-
cegos no rastreamento de possíveis alergenos alimentares. Para
aumentar a acurácia dos testes de provocação, o alimento ou os
alimentos supostamente provocadores de Alergia devem ser
retirados da dieta do paciente por um período de 7 a 14 dias antes da
realização do teste de provocação. Vale lembrar que alguns pacientes
podem sofrer de Alergia a múltiplos alimentos e, então, nestes casos
é recomendável submetê-los a uma dieta à base de hidrolisado
protéico extensivamente hidrolisado por um período de 4 a 6
semanas antes de serem iniciados os testes de provocação. (36)
46
Testes Laboratoriais
Para as afecções mediadas por IgE, os testes cutâneos (“prick tests”)
se constituem em um rápido e sensível método de rastreamento para
alimentos específicos. Testes negativos essencialmente confirmam a
ausência de reação alérgica mediada por IgE (acurácia preditiva
negativa >95%). Em geral, respostas negativas aos testes cutâneos
são extremamente úteis para excluir Alergias Alimentares
mediadas por IgE, e, por outro lado, testes cutâneos positivos, na
maioria das vezes, sugerem a existência de AA, embora sua
especificidade (taxa de falso positivos) não seja tão elevada quanto a
sensibilidade. Idealmente, ao se obter uma resposta positiva do teste
cutâneo deve-se considerar confirmatório o diagnóstico de AA
quando este vier associado a uma história clínica altamente sugestiva
de reação alérgica ao alimento em questão. (37)
É importante assinalar que até o presente momento não se dispõe de
nenhum teste cutâneo que seja confiável para o diagnóstico de AA
NÃO mediada por IgE.
O teste sorológico qualitativo denominado “Radioallergosorbent test”
(RAST) fornece evidências sugestivas de AA mediadas por IgE,
porém este método tem a tendência de vir a ser progressivamente
substituído por outros que são quantitativos, como por exemplo o
CAP System FEIA, os quais tem demonstrado experimentalmente
serem mais eficientes quanto aos seus valores preditivos. (38)
No caso específico das manifestações das hipersensibilidades
gastrointestinais uma variedade de outros testes laboratoriais podem
ser extremamente úteis. Por exemplo, cerca de 50% dos pacientes
portadores de Esofagite Eosinofílica e de Gastroenteropatia
Eosinofílica apresentam eosinofilia periférica e podem também sofrer
de anemia por perda de sangue nas fezes e diminuição nos níveis das
proteínas séricas, em especial a albumina. A Endoscopia e/ou
Colonoscopia com a realização das respectivas biópsias se constituem
em excelentes testes diagnósticos complementares, muitas vezes
evidenciando aspectos bastante característicos das lesões causadas
pelos alergenos alimentares.
Os Esquemas 1 e 2, extraídos de Philippe Eigenmann e por mim
modificados, ilustram uma sugestão, quanto à realização dos testes
de provocação, para os passos diagnósticos das Alergias
Alimentares mediadas por IgE e as não mediadas por IgE. (39)
47
Tratamento
O tratamento da AA baseia-se estritamente na eliminação do
alergeno da dieta do paciente. Enquanto o paciente estiver recebendo
uma dieta baseada em apenas um determinado alimento, como
geralmente ocorre com os lactentes menores de 6 meses, seja
fórmula láctea ou fórmula de soja, torna-se facilmente identificável
qual a proteína que deve ser retirada da dieta. Entretanto, quando a
dieta do paciente passa a ser mais variada já tendo ocorrido a
introdução de outros alimentos a identificação do alergeno pode ser
48
uma tarefa extremamente difícil de ser exercida com sucesso.
Portanto, quanto mais diversificada for a dieta de um paciente que se
suspeita ser portador de AA mais trabalhoso será identificar um ou
mais agentes alergênicos. Por esta razão, estrategicamente, deve-se
sempre restringir ao máximo o número e a variedade dos alimentos
empregados na dieta do paciente, porém, é imperioso que se tome
todo o cuidado para não provocar alguma deficiência nutricional.
Lactente em Aleitamento Artificial
Nesta circunstância o paciente deve receber única e exclusivamente
uma dieta hipoalergênica, ou seja, uma fórmula à base de hidrolisado
protéico extensivamente hidrolisado durante um período não inferior
a 12 semanas, podendo inclusive prolongar-se até o final do primeiro
ano de vida dependendo do critério do médico assistente. É esperado
que as manifestações clínicas desapareçam dentro das próximas 48
horas depois da introdução da fórmula hipoalergênica. Caso os
sintomas persistam ou reapareçam dentro de alguns dias após a
introdução da fórmula hipoalergênica, deve-se suspeitar de
intolerância à fórmula à base de hidrolisado protéico. Apesar das
proteínas serem extensivamente hidrolisadas nas fórmulas à base de
hidrolisados protéicos disponíveis no mercado ainda assim
apresentam em sua composição pequenas frações peptídicas que
podem desenvolver estímulo antigênico. Tem sido nossa experiência
pessoal, aliada à experiência internacional, que cerca de 10 a 15%
dos pacientes podem desenvolver intolerância às fórmulas à base de
hidrolisado protéico. Ao se suspeitar ou mesmo se caracterizar a
ocorrência de intolerância à fórmula à base de hidrolisado protéico,
deve-se substituí-la para uma fórmula à base de mistura de amino-
ácidos, a qual não tem qualquer estímulo antigênico, visto que são
desprovidas de frações peptídicas potencialmente alergênicas. Após o
sexto mês de vida devem ser introduzidos novos alimentos, porém,
sempre tendo-se a devida precaução de evitar a utilização de leite de
vaca e derivados, bem como produtos contendo soja. A introdução
desses novos alimentos deve ser feita de forma gradual para que se
possa ter uma observação criteriosa da sua tolerabilidade por parte
do paciente. Como esta enfermidade tem caráter transitório, no final
do primeiro ano de vida pode-se realizar um teste de
desencadeamento com fórmula láctea. O desencadeamento deve ser
realizado com supervisão médica, posto que, embora muito
49
raramente, pode ocorrer choque anafilático caso o paciente ainda
seja alérgico ao leite de vaca.
Lactente em Aleitamento Natural
Como já foi referido anteriormente o leite humano pode ser veículo
de transporte de proteínas estranhas, potencialmente alergênicas, e
desta forma, indiretamente, provocar manifestações de AA.
Entretanto, é de fundamental importância que NÃO seja suspenso o
Aleitamento Materno, e SIM tratar de eliminar da dieta da mãe o
suposto alergeno. Inicialmente deve-se eliminar o leite de vaca e
seus derivados, bem como a soja e todos os produtos industrializados
que contenham esta substância. Além destes alimentos deve-se
também propor a eliminação da dieta da mãe dos seguintes outros
alimentos: amendoim, frutos secos (castanhas, nozes e avelã), frutos
do mar , peixe e ovo. Após a eliminação destes alimentos a
sintomatologia deve regredir significativamente, ou mesmo
desaparecer dentro das próximas 48 horas. Caso a sintomatologia
persista deve-se pensar que outros alimentos, além dos
anteriormente referidos, também podem estar envolvidos como causa
da alergia. Nem sempre é fácil detectar qual ou quais outros
alimentos podem estar perpetuando as manifestações clínicas,
porém, deve-se buscar à exaustação o possível alergeno por meio da
elaboração de diários da alimentação da mãe, na tentativa de se
estabelecer uma relação causa-efeito.
Prevenção da Alergia Alimentar
Um grupo de “experts” da seção de Pediatria da Academia Européia
de Alergologia e Imunologia Clínica recentemente publicou as
recomendações para prevenir as doenças alérgicas em lactentes e
pré-escolares, as quais abaixo estão transcritas: (40)
O aleitamento natural exclusivo é altamente recomendado para todos
os lactentes independentemente da sua hereditariedade quanto à
Alergia. As seguintes observações baseadas em evidências devem
ser levadas em consideração:
50
1- A adoção de um regime dietético para a prevenção de Alergia,
nos lactentes de alto risco (antecedentes hereditários de
Alergia nos pais e/ou irmãos), particularmente em relação à
AA (Alergia ao Leite de Vaca) e Eczema (atópico ou não
atópico) mostra-se altamente eficiente. O regime dietético de
maior eficácia é o aleitamento natural exclusivo por pelo menos
6 meses; porém, no caso de não ser possível a prática do
aleitamento natural, a introdução de fórmula com documentada
hipoalergenicidade, por pelo menos 4 meses, combinada com a
restrição da introdução de alimentos sólidos e leite de vaca
durante o mesmo período, é altamente recomendada.
2- Não há evidências conclusivas documentadas de que qualquer
exclusão dietética na mãe durante a gravidez ou no período de
lactação apresenta efeito protetor sobre o lactente.
3- Não há qualquer evidência quanto a um possível efeito preventivo
no que diz respeito a imposições de restrições dietéticas após os 6
meses de vida. Além disso, há insuficiente evidência para que se faça
qualquer recomendação quanto às estratégias para a dieta do
desmame.
Conclusão
AA trata-se de uma entidade clínica cada vez mais prevalente
afetando indivíduos de todas as faixas etárias, mas especialmente as
crianças nos 2-3 primeiros anos de vida.
APLV é a enfermidade mais prevalente apresenta caráter temporário
e tem remissão espontânea. AA pode envolver os mais diversos
mecanismos das reações imunológicas, o que lhe confere uma
sintomatologia extremamente diversificada e que pode dificultar o
diagnóstico pela falta de testes suficientemente específicos para tal.
O método diagnóstico para a maioria das Alergias Alimentares
universalmente mais aceito é o da provocação em ensaio duplo-cego,
o qual na prática, nem sempre é exeqüível. O tratamento da AA se
dá pela retirada da dieta do paciente do suposto ou confirmado
alergeno.
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51
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