ulisses : a terceira pessoa de cada eu · de algo indo ao encontro de. no caso, o algo é você, e...

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Ulisses : a terceira pessoa de cada eu Ele Eu Ele que sou eu Ele Sai do quarto, ele dá um primeiro passo, o espaço onde ele existe é fora, mas nunca no presente. Saira do quarto, dera o primeiro passo, o espaço onde ele existira fora o fora, mas nunca mais que perfeito. Não era o devenir para ele no espaço de fora uma re-levante instância até o agora. Às antigas rimas mais barrocas, falava-pouco outras linguas, poucos-falavam com ele nessas linguas. E o mar. Por escolha ele de nada sabia, enquanto que eu, com visto impermanente no bojo, habitava dentro de sua carcaça, o seu quarto. Nisso que tudo se esvazia dos simbolos do espaço íntimo, o tapete se deslisa levando-os consigo passo após o outro. A rua, o concreto, o asfalto entao lhes substituiriam em meandros becos, setas ortogonais e planos confusos. Em palavras espelhadas, o sapato calça ao justo seu pé direito e afroucha-se a cada passo o esquerdo, o cordão solto amarra firme à superfície externa de tudo que pisara na subjascência de seus pés, o rastro invisível – um filme no calcanhar onde aquilo que cai sem ser visto é engolido pelo chão como se fosse um poema sépia. Certo que rever salva. Movimentos que se repetiram por algum tempo hà pouco do seu retorno. Fora dentro do fora. Jamais o retorno que o recolhe para dentro de mim, na espera do dia desse retorno, será uma repetição. A ação de uma vez começara a lhe fazer sentido em busca de anchovas negras ou pouco importa. Às vezes de manhã e seguidamente na vespera de um tempo sem vestígio e impalpável partia. E assim, ele que sou eu, habitualmente, carregara em seu saco um pote de tinta branca e um pincel. A câmera de vídeo também lhe era inseparável. Havendo um corpo vis-à-vis o trajeto fora o de nada saber. Caminhara à deriva manso como na obscuridade de uma pequena abertura de tato. A temporalidade, desde a porta alhures, era o derretimento na alteridade do seu cubo intimo – aí onde bem eu restava. Na medida de uma relativização ligeira, um cubo íntimo era fabricado por ele, ele que sou eu em última retórica, como fabricara a mesa de um quarto, o quarto do estabelecimento onde me depositara, noutra cidade, de um país … dele que era meu desde quando me roubara. na câmera um clic sobre o botão rec e um grito pela desobstrução gaga E era a partir de sua relação com esses espaços que assim ele pudera distinguir para avaliar e habitar o habitual do não-habitual. E no âmbito de sua ação num tempo diminuto – sempre que eu fora ele de um golpe – habitara obtuso o espaço exterior. ali khodr

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Page 1: Ulisses : a terceira pessoa de cada eu · de algo indo ao encontro de. No caso, o algo é você, e depois do de vem o mundo todo, o mesmo mundo dos milésimos de segundos que devém

Ulisses : a terceira pessoa de cada eu

Ele

Eu

Ele que sou eu

Ele

Sai do quarto, ele dá um primeiro passo, o espaço onde ele existe é fora, mas

nunca no presente.

Saira do quarto, dera o primeiro passo, o espaço onde ele existira fora o fora,

mas nunca mais que perfeito.

Não era o devenir para ele no espaço de fora uma re-levante instância até o agora.

Às antigas rimas mais barrocas, falava-pouco outras linguas, poucos-falavam com ele

nessas linguas. E o mar. Por escolha ele de nada sabia, enquanto que eu, com visto

impermanente no bojo, habitava dentro de sua carcaça, o seu quarto.

Nisso que tudo se esvazia dos simbolos do espaço íntimo, o tapete se deslisa

levando-os consigo passo após o outro. A rua, o concreto, o asfalto entao lhes

substituiriam em meandros becos, setas ortogonais e planos confusos. Em palavras

espelhadas, o sapato calça ao justo seu pé direito e afroucha-se a cada passo o

esquerdo, o cordão solto amarra firme à superfície externa de tudo que pisara na

subjascência de seus pés, o rastro invisível – um filme no calcanhar onde aquilo

que cai sem ser visto é engolido pelo chão como se fosse um poema sépia. Certo que

rever salva. Movimentos que se repetiram por algum tempo hà pouco do seu retorno.

Fora dentro do fora. Jamais o retorno que o recolhe para dentro de mim, na espera

do dia desse retorno, será uma repetição.

A ação de uma vez começara a lhe fazer sentido em busca de anchovas negras ou pouco

importa.

Às vezes de manhã e seguidamente na vespera de um tempo sem vestígio e impalpável

partia.

E assim, ele que sou eu, habitualmente, carregara em seu saco um pote de tinta

branca e um pincel. A câmera de vídeo também lhe era inseparável. Havendo um

corpo vis-à-vis o trajeto fora o de nada saber. Caminhara à deriva manso como na

obscuridade de uma pequena abertura de tato.

A temporalidade, desde a porta alhures, era o derretimento na alteridade do seu cubo

intimo – aí onde bem eu restava. Na medida de uma relativização ligeira, um cubo

íntimo era fabricado por ele, ele que sou eu em última retórica, como fabricara a

mesa de um quarto, o quarto do estabelecimento onde me depositara, noutra cidade,

de um país … dele que era meu desde quando me roubara.

•na câmera um clic sobre o botão rec e um grito pela desobstrução gaga

E era a partir de sua relação com esses espaços que assim ele pudera distinguir

para avaliar e habitar o habitual do não-habitual. E no âmbito de sua ação num

tempo diminuto – sempre que eu fora ele de um golpe – habitara obtuso o espaço

exterior.

ali khodr

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marina camargo

eduardo verderame

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julio callado

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portal. luiz roque

nik neves

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ana rachel estrougo

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ricardo mello

cláudia paim

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camila mello

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romy pocztaruk

Vê, que bonita a impermanência, você pensa ao ver as sombras que vão embora quando uma fresta se fecha. Depois pensa que o contrário de uma sombra também é o mundo inteiro, como também é o contrário de uma luva. E o contrário de uma sombra que vai embora quando uma fresta se fecha, por sua vez, é o mundo por milésimos de segundos.

Descobre que há algo que se levanta dessa experiência. Chama isso de algo indo ao encontro de. No caso, o algo é você, e depois do de vem o mundo todo, o mesmo mundo dos milésimos de segundos que devém da fuga de uma sombra. Percebe que o encontro não é feito de um lado e de seu contrário que se encostam, mas sim de lados que coexistem um dentro do outro. Um no outro.

Mas não se vê o limite do encontro. É pura ficção. A beleza da captura impossível: inventar onde um começa e outro termina. A cartografia é um produto da imaginação, os órgãos do corpo também o são.

Qualquer encontro é um acontecimento, um evento, que inventa algo como uma terceira coisa que também não sabe onde começa e onde termina.É assim o estrangeiro, está-e-não-está onde está.

Inventa então que os encontros tensos parecem a Pororoca, lá do Rio Amazonas quando do encontro do rio com o mar. E que há os encontros pacíficos, como os da Foz do Rio Douro. Deságuam no mesmo oceano, de maneiras diferentes.Nada como colocá-los à conversar.

mayana redin

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CENA 4. EXT. ATERRO DE CARVÃO DA USINA TERMOELÉTRICA – DIA

Um imenso aterro de carvão mineral. Ao fundo, bem longe, vê-se o prédio de uma antiga usina termoelétrica. Torres e fios de alta tensão riscam o horizonte nublado. Um rio prateado flui entre as torres de alta tensão. Sons de fábrica e de mato se misturam. W, uma jovem mulher, vestida de gabardine cinza e botas, caminha entre os montes de carvão. Ela vai até o rio, tira do bolso uma tesoura e corta a água como se cortasse um tecido. Ela fala para a câmera:

W – Quem caça um animal, busca o lugar onde ele se alimenta.

Uma tubulação metálica da usina, que passa perto de W, expele uma nuvem de vapor de água, cujo ruído lembra o de um extintor de incêncio sendo descarregado.

CENA 5. INT. LIVRARIA – DIA

M acaricia a encadernação de um livro com capa de lona. Olha a frente e o verso do livro e o coloca de lado.

INSERT: M no banheiro caminha na direção da câmera olhando para a objetiva. Quando ela chega bem próximo, a câmera faz um movimento em arco de 900 e corrige para o perfil de M, que para onde a câmera estava e olha-se no espelho. Imagem em macro do olho dela observando sua prórpia imagem.

M acaricia a capa de couro de uma encadernação muito atraente. Ela abre o livro, molha a ponta do dedo na língua e humedece a folha ao mudar a página.

pedro isaías lucas ferreiraimpressão manual

http://revistaodisseia.wordpress.com/[email protected]

maio de 2009 | primeira edição | R$ 5 real

“..então, durante duas noites e dois dias, andou à deriva sobre as intumecidas vagas, e, por mais de

uma vez, seu coração enfrentou a morte. Mas, quando a Aurora de belas tranças trouxe o

terceiro dia, logo cessou o vento, sobreveio a calmaria, e Ulisses, desde o cimo de uma onda

enorme, avistou, com penetrante olhar, a terra que estava muito próxima...”

Lat Odysseia fig.,viagem cheia de aventuras e dificuldades; narração de aventuras extraordinárias.

revista trimestral de proposições artísticas