ufrn programa de pós graduação em serviço social
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE UFRN PROGRAMA DE PS GRADUAO EM SERVIO SOCIAL PPGSS
NILMAR FRANSCISCO DA SILVA SANTOS
A TICA NA PRODUO INTELECTUAL DO SERVIO SOCIAL E O PEP: tendncias terico-polticas em debate
Natal - RN 2014
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NILMAR FRANCISCO DA SILVA SANTOS
A TICA NA PRODUO INTELECTUAL DO SERVIO SOCIAL E O PEP:
tendncias terico-polticas em debate
Dissertao apresentada ao Programa de Ps Graduao em Servio Social, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obteno do ttulo de mestre em Servio Social. Orientadora: Dra. Silvana Mara de Morais dos Santos
Natal - RN
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2014
Catalogao da Publicao na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Santos, Nilmar Francisco da Silva.
A tica na produo intelectual do servio social e o PEP: tendncias terico-
polticas em debate/ Nilmar Francisco da Silva Santos. - Natal, RN, 2014.
111 f.
Orientadora: Profa. Dra. Silvana Mara de Morais dos Santos.
Dissertao (Mestrado em Servio Social) - Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Centro de Cincias Sociais Aplicadas. Programa de Ps-
graduao em Servio Social.
1. Servio social - tica - Dissertao. 2. tica - Dissertao. 3. Projeto tico
Poltico Debate - Dissertao. I. Santos, Silvana Mara de Morais dos. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Ttulo.
RN/BS/CCSA CDU 364:174
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Dedico a Raimundo Nonato da
Silva, negro, vaqueiro, av,
meu vein, meu amor.
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Chegado ao fim de mais um ciclo do processo de formao poltico-
profissional, impossvel no ceder s gratas lembranas de pessoas e de
instrumentos que viabilizaram essa conquista. Dessa forma, externamos nossa
gratido Deus, que traduzido pelas religies crists de forma, por vezes,
equivocada, consegue sensibilizar meu esprito e confiar no cuidado e na
proteo divida.
quelas que, literalmente, me ensinaram sobre o servio social,
FASSO/UERN, MESS/ENESSO, Turma do Barulho, As Meninas, meu
agradecimento. Silvana Mara, orientadora que confiou nas minhas
potencialidades e com competncia conduziu toda a trajetria de construo
deste trabalho, enfrentando meus atrasos e estranhamento ao objeto de
estudo. Seu envolvimento com nosso projeto poltico-profissional nos serviu de
norte em muitos momentos, quando nosso caminho em perseguir o objeto
parecia completamente obstaculizado. Estendo o agradecimento Smya
Ramos, nossa histria vem desde a graduao e sempre uma enorme alegria
nossos reencontros que acontecem na luta em defesa da nossa profisso e da
luta geral da classe trabalhadora; e a Clia Nicolau, que durante a disciplina
Debate contemporneo do Servio Social ministrada no semestre 2012.2,
nos instigou a persistir na pesquisa. Suas contribuies foram significativas e
no se restringem a este trabalho, mas a toda a categoria de assistentes
sociais. Obrigado.
Aos amigxs que permanecem do nosso lado em tempos bons e em
tempos difceis. Viver esse perodo ao lado de pessoas incrveis como a turma
do PPGSS 2012, os moradores e agregados da ResPublica, parceiros de luta e
resistncia. So de grande valor, sobretudo para concluso deste trabalho, os
momentos em que juntos desentorpecemos a razo. Especialmente, a Felipe
Galvo, vov Maria e Snia Medeiros, obrigado. Esse trabalho no chegaria ao
fim, sem a contribuio de vocs, desses momentos.
Nosso entendimento desgua numa profunda indignao com o atual
modelo de sociabilidade, com a agudizao das expresses de barbarizao
da vida social que destitui os seres humanos (sociais) das condies de
materializao de sua dignidade, cidadania, liberdade que so essenciais a
democracia e as condies de emancipao humana. Nosso agradecimento
tambm se estende a populao de Gays, Lsbicas, Bissexuais, Travestis,
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Transexuais, Transgneros e Intersex, que juntamente com o conjunto dos
trabalhadores compe a campo da resistncia e da negao desse modelo,
incompatvel de sociabilidade. As marcas do preconceito ainda insistem em
tolher a liberdade e livre expanso dos indivduos, Estamos e permaneceremos
na luta, at que tudo cesse, ns no cessaremos.
Mainha, Talita, vocs so minha inspirao e a razo de continuar
insistindo na luta cotidiana em busca de melhores dias. Minha vida plena,
porque tenho vocs.
Na expectativa de contribuir, espero que este trabalho possa se somar
na trajetria scio-histrica de consolidao do Servio Social e do projeto
poltico-profissional. Por toda a minha formao, obrigado aos sujeitos e ao
produto histrico que nossa profisso.
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A TICA NA PRODUO INTELECTUAL DO SERVIO SOCIAL E O PEP: tendncias terico-polticas em debate
O que nos conduziu desenvolver essa pesquisa foi o fato de que o estudo acerca da tica e sua importncia para o Servio Social brasileiro tm estimulado os assistentes sociais a aprofundar seus estudos e aproxim-la do cotidiano profissional em todo Brasil. As iniciativas de fomentar a discusso da temtica so adensadas pelas publicaes nos eventos (seminrios, congressos, encontro nacionais do conjunto CFESS/CRESS1, etc.), bem como na reviso do prprio cdigo de tica e o processo de construo perene do Projeto tico Poltico PEP, da referida categoria. Nossa pesquisa se props a identificar e analisar as principais tendncias tico-terico-polticas presentes no debate da tica na produo intelectual do Servio Social brasileiro no perodo de 2010 a 2012. Objetivamos neste trabalho, alm de caracterizar e analisar o perfil dos trabalhos (temticas, polmicas, concepo de tica, contradies e limites); identificar e analisar a direo social e sua relao com os fundamentos terico-tico-polticos do Projeto tico-poltico do Servio Social; objetivando tambm, identificar e analisar como so incorporados, no debate da tica, os fundamentos ontolgicos. Com essa dimenso, procedemos abordagem qualitativa numa anlise documental onde elegemos como lcus da pesquisa os anais das ltimas edies do CBAS e ENPESS 2010 e 2012, respectivamente. As anlises so reveladoras do processo de apreenso, na categoria no mbito da produo intelectual, da concepo de tica defendida no servio social ao longo das ltimas trs dcadas e que se orienta pela ontologia do ser social de Marx e Lukcs. Nesse universo circulam as anlises e elaboraes em torno do PEP, relao teoria e prtica, valores e dimenso tico-moral no cotidiano profissional, tica e direitos sociais e humanos, dentre outras determinantes que demandam ao Servio Social Brasileiro. Palavras-chave: tica. Projeto tico Poltico. Servio Social
1 Conselho Federal de Servio Social - CFESS e Conselho Regional de Servio Social -
CRESS
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ETHICS IN THE PRODUCTION OF INTELLECTUAL AND SOCIAL SERVICE
The PEP : theoretical and political tendencies in debate
What led us to develop this research was the fact that the study of ethics and its
importance for the Brazilian Social Service have encouraged social workers to
further their studies and closer to the daily work throughout Brazil . Initiatives to
foster discussion of the theme are thickened by publications in events (
seminars , conferences , national meeting of CFESS / CRESS set , etc. ) , as
well as the review 's own code of ethics and the process of construction of
perennial Ethical Political Project - PEP , the said category . Our research
aimed to identify and analyze key trends ethical- theoretical-political in on the
discussion of ethics in the intellectual production of the Brazilian Social Service
for the period 2010 to 2012 This paper sets , and characterize and analyze the
profile of the work ( thematic , polemics , design ethics , contradictions and
limits ) ; identify and analyze the social direction and its relation to the
theoretical and ethical- political foundations of ethical-political project of Social
Work ; also aiming to identify and analyze how they are incorporated in the
discussion of ethics , the ontological foundations . With this dimension , we
perform a qualitative approach to document analysis in which we choose as the
locus search the annals of the latest editions of the CBAS and ENPESS 2010
and 2012 , respectively . The analyzes are revealing the seizure process ,
within the category of intellectual production , from conception of ethics
advocated in social work over the past three decades and that is guided by the
ontology of the social Marx and Lukcs . In this universe the analyzes and
elaborations around the PEP , relationship between theory and practice, values
and ethical- moral dimension to professional practice , ethics, and social and
human rights , among other determinants that demand the Brazilian Social
Service circulate .
Keywords : Ethics . Political Ethics Project . Social service
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SUMRIO
1. Introduo....................................................................................................10
2. PROJETO TICO POLTICO PROFISSIONAL E AS CONFIGURAES
DA TICA NO SERVIO SOCIAL BRASILEIRO: o legado da
reconceituao.................................................................................................19
2.1 CRITICA A TICA TRADICIONAL NO SERVIO SOCIAL........................24
2.2. A TICA NO PROCESSO DE RENOVAO TERICO-
METODOLGICA DO SERVIO SOCIAL: perspectiva de superao e
enfrentamento do tradicionalismo.................................................................28
2.3. RENOVAO TERICO-METODOLGICA: fundamentos ontolgicos
para apreenso do debate da tica................................................................34
3. O DEBATE DA TICA NA PRODUO INTELECTUAL DO SERVIO
SOCIAL NO PERODO DE 2010 A
2012...................................................................................................................42
3.1 CBAS E ENPESS COMO ESPAO POLTICO E DE SOCIALIZAO DO
CONHECIMENTO: perfil dos trabalhos..........................................................49
3.1.1 Eixo PROJETO TICO POLTICO..........................................................50
3.1.2 Eixo VALORES E COTIDIANO PROFISSIONAL, DIMENSO TICO
MORAL E POLTICA.........................................................................................60
3.1.3 Eixo TICA DIREITOS E FUNDAMENTOS TERICO-
METODOLGICOS...........................................................................................65
3.2 TENDNCIAS TERICO-METODOLGICAS DO DEBATE SOBRE A
TICA NO CBAS E NO ENPESS.....................................................................70
4. CONCLUSES..............................................................................................79
5. REFERNCIAS.............................................................................................84
6. APNDICES.................................................................................................87
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1. INTRODUO
O estudo acerca da tica e sua importncia para o Servio Social
brasileiro tm estimulado os assistentes sociais a aprofundar seus estudos e
aproxim-la do cotidiano profissional em todo Brasil. As iniciativas de fomentar
a altercao da temtica so adensadas pelas discusses e publicaes nos
eventos (seminrios, congressos, encontro nacionais do conjunto
CFESS/CRESS2, etc.), bem como na reviso do prprio cdigo de tica e o
processo de construo perene do Projeto tico Poltico PEP, da referida
categoria.
O PEP, que vem sendo construdo desde o final da dcada de 1970
onde tem como marco o III CBAS, denominado congresso da virada , e
alcana sua maturidade na dcada de 1990, composto por um arsenal
tcnico, jurdico e legal, terico e metodolgico, tico e poltico; tem sua difuso
dada pelas instncias de produo do conhecimento (graduao, ps-
graduao, grupos de pesquisa, etc.), pelo arcabouo jurdico normativo (leis,
resolues, documentos normativos) e pelas organizaes tico-poltico-
normativas (Conselhos Federal e Regionais, Associao Brasileira de Ensino e
Pesquisa em Servio Social ABEPSS e Executiva Nacional de Estudantes de
Servio Social ENESSO).
Foi a partir do final da dcada de 1970 que diversos processos de
mudana no Servio Social tiveram incio, como: ampliao e laicizao da
profisso, em que pese as aproximaes com o marxismo (decorrentes da
dcada anterior); vinculao scio-poltica com a classe trabalhadora; insero
acadmica e cientfica nos espaos de construo do conhecimento; militncia
poltica que ganha relevo na resistncia ditadura; desenvolvimento das
entidades organizativas da profisso conselhos regionais e o conselho
federal; mudana no perfil profissional no sentido de fomentar um profissional
comprometido com o processo de mudana na direo social defendida no
Servio Social brasileiro.
2 Conselho Federal de Servio Social - CFESS e Conselho Regional de Servio Social -
CRESS
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Tais mudanas se processam de forma a articular formao e exerccio
profissional aos valores e princpios emancipatrios, no que diz respeito
garantia de direitos sociais e ainda, numa perspectiva crtica e questionadora
da realidade social, dentre outros aspectos.
A maturao e consolidao do PEP se do numa conjuntura de
redemocratizao no pas, onde, o contexto socioeconmico da dcada de
1990 acaba por impor inflexes materializao do referido projeto profissional
como problematiza Iamamoto (1996) afirmando que no mbito macrossocial, foi
imposto descenso dos direitos sociais pela via da sobreposio do mercado e
do consumo frente s necessidades dos sujeitos e reproduzindo desigualdades
inerentes ao processo de concentrao de renda com a implementao da
poltica neoliberal (NASCIMENTO, RAMOS E SANTOS, 2011).
Sendo o PEP um projeto em disputa no interior da categoria
profissional, acreditamos que essa pesquisa possa contribuir no seu processo
de consolidao tanto pela possibilidade de salientar as polmicas referentes
compreenso ontolgica dos fundamentos scio-histricos da tica e
consequentemente sua apropriao por segmentos da categoria, quanto pela
sua pertinncia no resgate da dimenso tico-poltica que se faz to necessria
no atual contexto social que vivemos de ofensivas capitalistas.
Adotamos uma postura crtica ao atual modelo de sociabilidade
vigente. Ou seja, corroboramos com a proposta do PEP quando defende uma
nova ordem societria balizada na liberdade e na emancipao humana.
Logo, fazer uma leitura da realidade de forma pragmtica ou
despreparada, incorre, alm de um rebaixamento intelectual, num caminho
cada vez mais distanciado do propsito/horizonte ltimo do PEP que a
superao do atual modelo de sociabilidade.
Neste caso, situar o Servio Social numa dada realidade concreta (esta
sociabilidade), carece de uma crtica bem elaborada das reais condies a que
est submetida categoria profissional de assistentes sociais (nesse caso nos
aprofundaremos na abordagem da temtica da tica), bem como do conjunto
de trabalhadores que compe o tecido social.
Dadas s exigncias de "um profissional crtico, teoricamente
qualificado e politicamente articulado a valores progressistas (BARROCO,
2012, p.77) inferimos que o processo perene de construo do PEP requer
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que, tambm na produo intelectual se alinhe esse pensamento de forma tal
que seja aprofundado o conhecimento e o fomento de estratgias de
resistncia e superao desse sistema.
Estudar sobre a tica e sua dimenso tico-poltica no servio social foi
um interesse que se deu a partir da insero na iniciao cientfica em 2010-
2011, onde tivemos a oportunidade de estudar sobre a materializao do
cdigo de tica no cotidiano profissional dos assistentes sociais em Mossor3,
bem como a partir da militncia no Movimento Estudantil de Servio Social
MESS, e participao em encontros da categoria; onde mesmo na condio de
estudante conseguimos construir e debater a importncia da tica no processo
de formao profissional, sobretudo na ocasio onde assumimos a pasta da
formao profissional na coordenao nacional da Executiva Nacional de
Estudantes de Servio Social - ENESSO (2010-2011 gesto ENESSO
Vermelha). E, agora com a ps-graduao, buscamos dar continuidade aos
estudos nessa rea por entender a importncia de verticalizar a continuidade
da pesquisa nessa temtica, bem como no processo pessoal e coletivo de
formao tanto profissional como poltico.
Nesse sentido, nossa pesquisa adotou como objetivo geral Identificar e
analisar as principais tendncias tico-terico-polticas presentes no debate da
tica na produo intelectual do Servio Social brasileiro no perodo de 2010 a
2012, partindo de anlises dos anais das edies do Congresso Brasileiro de
Assistentes Sociais CBAS (2010) e do Encontro Nacional de Pesquisadores
em Servio Social ENPESS (2012) e como objetivos especficos, caracterizar
e analisar o perfil dos trabalhos: temticas, tendncias, polmicas, contradies
e limites; identificar e analisar a direo social e sua relao com os
fundamentos terico-tico-polticos do projeto tico-poltico do Servio Social e
identificar e analisar como so incorporadas no debate da tica as categorias
ontolgicas que do direcionamento terico ao PEP. Para tanto, analisando as
discusses em torno da tica nos seus fundamentos ontolgicos, com vistas a
contribuir com apontamentos em torno da necessidade e pertinncia desse
3 A iniciao cientfica, por meio do PIBIC-CNPq 2010-2011, esteve sob a orientao da Prof
Dra Smya Rodrigues Ramos e o amadurecimento terico que hora apresentamos decorre das reflexes construdas coletivamente com a orientadora e a, tambm, bolsista Lissa Chrisnara da Silva Nascimento.
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debate que diz respeito ao fortalecimento do Projeto tico Poltico PEP da
profisso.
Destarte, a forma como se apresenta nossa produo intelectual,
oferece relevantes indicaes ao nosso objeto, embora tenhamos que
considerar que a realidade muito mais complexa e exige sua apreenso na
perspectiva de totalidade na anlise da profisso e da vida social. Logo, esse
processo aponta aquilo que est internalizado, apreendido pelos profissionais e
pesquisadores no que diz respeito s exigncias previstas para o assistente
social, como tambm apresenta as temticas, polmicas, tenses,
fundamentos tico-terico-polticos e a direo social que permeia o debate (no
nosso caso) acerca da tica.
Com essa dimenso, tnhamos adotado como pressuposto a existncia
de uma dissonncia entre as exigncias previstas no CE e no PEP e a
apreenso dessas exigncias no cotidiano profissional. Pensvamos haver
contradies e ou limites no que diz respeito s indicaes/exigncias previstas
no PEP e a apreenso no mbito da produo intelectual.
Acreditvamos que apareceria nas tenses, polmicas e formas de
abordar a temtica da tica, um entrave materializao do PEP, uma vez
que, desponta um discurso de crise do PEP4 e de inviabilidades sua
materializao em detrimento de uma reflexo e um entendimento do horizonte
estratgico que este representa e precisamente, um dficit na apreenso de
categorias ontolgicas essenciais lgica do PEP, a saber, indivduo,
sociabilidade e emancipao humana5.
importante salientar a relevncia acadmica da pesquisa para
ampliar as construes acerca da tica, uma vez que a maior parte da
produo do Servio Social nesta temtica gira em torno dos limites e das
possibilidades de materializao do PEP, do Cdigo de tica, no cotidiano
profissional6, tendo presente seus princpios norteadores. Tambm ressaltamos
4 Ver BRAZ e NETTO, 2007.
5 Entendemos por emancipao humana como uma revoluo com alma social que significa
um movimento de profunda alterao e transformao da esfera da produo na perspectiva de que a classe trabalhadora assuma o comando e a direo ideolgica da sociedade (SANTOS, 2005, p.64) e ainda, como o campo de criao das possibilidades para a existncia concreta da liberdade e igualdade substantivas (idem, p.293).
6 Segundo dados do XIII CBAS, cerca de 25% dos trabalhos aprovados foram nessa rea,
correspondendo a 208 trabalhos no eixo: projeto tico poltico, trabalho e formao. Sendo que desse nmero, 180 eram relacionados especificamente ao PEP.
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sua relevncia scio-poltica na consolidao do PEP pela via do debate como
um indicativo de que preciso contribuir com amadurecimento terico de tais
questes baseados no pressuposto de que a realidade dinmica e que as
discusses sobre a tica ultrapassam as reflexes sobre a sua conceituao,
ainda, fornece subsdios para pensar a realidade social e as determinaes
dessa, com seus rebatimentos para o enraizamento da tica e de seus
fundamentos ontolgicos na categoria profissional.
Num primeiro momento, surgiram inquietaes tais como: porque os
profissionais apontam sempre as dificuldades de materializar o que est
contido no PEP? Tais apontamentos acompanham alternativas de superao
desses limites? As concluses a que chegam se repetem quase como de forma
naturalizada? E esses questionamentos desdobram-se em alguns outros,
donde centramos nossos esforos de investigao para identificar e analisar as
principais tendncias terico-polticas que pululam o debate acerca da tica no
mbito da produo intelectual do Servio Social brasileiro.
Entendendo que a realizao da tica "no depende da 'boa' inteno
dos profissionais; demanda um investimento em diversos nveis de capacitao
e organizao da categoria profissional; responsabilidade dos profissionais
enquanto sujeitos participantes do processo de fortalecimento da profisso e da
tica profissional" (BARROCO, 2012, p. 76), possvel afirmar que h um risco
materializao do PEP na atual conjuntura?
Em nosso entendimento no h crise no PEP, mas uma contradio
entre este e a sociabilidade vigente em que o mesmo est sendo disputado.
Isso, devido natureza dos projetos e valores que fundamentam cada um ser
em sua essncia, antagnica. Essa inquietao aumenta quando a partir das
pesquisas e estudos descobrimos que nessa sociabilidade as imposies que
emanam do sistema capitalista rebatem em srios limites para sua
materializao, porque baseado na ontologia do ser social, o horizonte
estratgico do PEP desponta na perspectiva do fortalecimento das
possibilidades de construo da emancipao humana.
www.cfess.org.br e http://revistaseletronicas.pucrs.br/fass/ojs/index.php/fass/article/viewFile/8031/6439 acesso em 27/09/2012 s 17hs>>. Contudo, apontamos a ampliao do debate no sentido de nos determos as polmicas, desafios e direo social que permeiam as discusses, haja vista a quantidade de publicaes/estudos feitos em torno dos limites e desafios postos ao PEP.
http://www.cfess.org.br/http://revistaseletronicas.pucrs.br/fass/ojs/index.php/fass/article/viewFile/8031/6439
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Nesse caso, gera tenso quando pensado na prxis cotidiana da
profisso, na qual o/a assistente social se v muitas vezes desnorteado/a pela
barbarizao da vida social apresentada para este profissional, sob a forma da
questo social, tendo que responder, muitas vezes, de forma aligeirada e
buscar alternativas na direo social que preconiza o PEP. Penso ser essa
relao no mnimo tensa, nociva para a apreenso radical do PEP. Isso,
considerando a dialtica na relao teoria e prtica associada possibilidade
de estar se "repetindo" uma ideia de no crise - entre o ser e o dever ser da
profisso. O destaque para o termo repetindo vai ao sentido mesmo de tentar
identificar a partir dos pressupostos: temticas, limites, polmicas, fundamentos
e direo social; se h uma estagnao da compreenso do debate da tica,
em especial suas categorias ontolgicas: sociabilidade, indivduo e
emancipao humana.
A preocupao com a repetio de ideia de no crise decorre da
constatao de um dilema a ser enfrentado donde temos reconhecimento,
defesa e reivindicao do PEP bem como do mtodo terico-metodolgico que
fundamenta a direo tico-poltica da categoria, sem negar os elementos
apontados pela vertente terica que defende a tese da crise. E surge o
questionamento: como vamos qualificar essa polmica? Como vamos
caracterizar essa tendncia?
Ora, "os valores ticos se objetivam mediante posicionamentos e aes
prticas e seu contedo resultado da escolha e deciso de um sujeito
coletivo: a categoria profissional, da a importncia da reflexo tica coletiva
que busque desvelar o significado e fundao dos valores, da discusso que
elege os princpios, valores e normas orientadoras da tica profissional
configurada no CE" (BARROCO, 2012, p.76). Se verdade que a produo
intelectual da categoria sobre a tica caminha para afirmar o PEP e contribuir
com sua manuteno, at que ponto h uma repetio de ideias e ausncia de
avano e aprofundamento na sua compreenso, apreenso e consolidao?
Nossa investigao, alm de contribuir para equacionar dilemas
enfrentados no meu cotidiano acadmico e profissional, servir, tambm, para
analisar o atual PEP como materializvel no cotidiano e, neste sentido, verificar
a existncia ou no da sobreposio da luta endgena por projetos polticos-
profissionais luta mais geral da classe trabalhadora.
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Essas perguntas que viabilizaram a proposta de pesquisa se fazem
pautadas na anlise de uma conjuntura adversa com insistentes investidas
capitalistas que cotidianamente se pe e impe limites e retrocessos no
processo de emancipao tanto poltica quanto humana.
No limite, impe srias reflexes e nos convida a nos debruarmos
diante do produto histrico que a profisso do Servio Social de forma que
encontremos na prpria realidade e no referido PEP as alternativas de
revitalizao, superao (NETTO, 2009).
medida que a investigao foi apresentado dados relativos a um
processo, na verdade, uma resposta scio-histrica ao processo de disputa e
consolidao desse projeto de forma que trazia s claras a caracterizao do
tempo presente aliado a um discurso de reivindicao desse projeto poltico
profissional, tivemos a oportunidade de constatar que nossos pressupostos
estavam ainda distanciados da realidade, pois no conseguiam abstrair a
dialtica, a dinmica e o conjunto de determinaes que caracterizam e
compem esse percurso. Entretanto, esse momento foi de fulcral importncia
para nos convencermos de que esse debate demanda muito mais do que
posicionamentos favorveis ou contrrios tese da crise.
Ento, porque pesquisar nos anais do CBAS 2010 e ENPESS 2012?
Quais so esses limites, tenses, polmicas, temticas, fundamentos tico-
terico-polticos e direo social que se apresentam no debate em torno da
tica? Como j sinalizado, pelo risco que se tem quando no apreendido o real
significado do produto histrico que o PEP e ainda, por entender que esses
dois encontros condensam uma das maiores expresses da produo
intelectual da categoria, para alm dos peridicos, revistas, livros e etc.
Em nossa pesquisa, de carter documental e primrio, pois, a coleta
de dados foi feita pelo pesquisador nos propomos a perseguir nosso objeto a
partir dos anais das edies do CBAS e ENPESS 2010 e 2012,
respectivamente. No CBAS procuramos pelo eixo temtico de fundamentos do
Servio Social. Localizamos os ttulos que se referiam a temtica e
posteriormente, fizemos a leitura dos resumos, e selecionamos os que mais se
aproximavam da nossa intencionalidade de estudo. No ENPESS, procuramos
pelo eixo de tica, cultura, diversidade e direitos humanos. Contudo, nesses
eixos, no foi possvel colher o material suficiente para construo da pesquisa
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porque embora as temticas, sobretudo os ttulos, tivessem relao direta com
nossa proposta de pesquisa, o desenvolvimento da produo caminhava em
uma direo paralela, porm, com outras determinaes que extrapolavam
nossa intencionalidade. Dessa forma, recorremos ao eixo de fundamentos
terico-metodolgicos do servio social para subsidiar nossa demanda. Nisto,
selecionamos 29 artigos para compor o conjunto analtico do nosso estudo.
Destes, 16 artigos so do XIII CBAS e 13 do XIII ENPESS.
Fazer esse percurso de triagem nos possibilitou identificar concepo
de tica, de sociedade, de indivduo e de emancipao humana que permeiam
os artigos respondendo assim, de forma satisfatria, s nossas inquietaes a
respeito da problemtica apresentando: anlises dos documentos,
problematizaes a respeito dos avanos, limites do debate, polmicas, bem
como, na identificao das tendncias terico-polticas que se apresentam em
torno do debate e quais os fundamentos e a direo social presente nos
mesmos e que caminham na defesa do atual PEP apontando, inclusive, que
esse posicionamento reflete o movimento dinmico que caracteriza o servio
social brasileiro como sujeito poltico coletivo que compe, ainda que no de
forma homognea e nem exclusivamente, o campo da luta e da resistncia
anti-capitalista.
No decorrer da nossa apresentao, dividimos o texto em mais trs
sesses, alm desta. A segunda, com o ttulo Projeto tico Poltico e as
configuraes da tica no Servio Social Brasileiro: o legado da
Reconceituao, apresenta elementos que compem a histria do servio
social situando a construo do PEP, juntamente com elementos da
conjuntura, para possibilitar a identificao, em cada momento histrico, de
como se encontrava o debate da tica na profisso. Note-se que essa
explanao, assim como todo o processo descritivo-analtico, no se prope a
descolar o debate da tica das demais dimenses, quais sejam, dentre outras,
poltica, terico-metodolgica, alm da estruturao do PEP e sua relao no
contexto da sociabilidade vigente, considerando a correlao de foras, o
amadurecimento terico, em vistas de denotar o carter dialtico e passvel de
percalos que perfilam a trajetria profissional nesse mbito.
O primeiro sub-item dessa seo tem como ttulo: Crtica tica
tradicional, trazendo apontamentos que situam o leitor(a) no perodo scio-
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histrico em que a profisso nascia e crescia balizada por teorias bem
diferentes que hoje direciona a profisso. Nesse processo, resgatam-se as
fundamentaes terico-metodolgicas conservadoras, acompanhada da
crtica a essas perspectivas salientando assim, as implicaes dessa dinmica.
O segundo sub-item, A tica no processo de renovao terico-
metodolgica do Servio Social: perspectiva de ruptura e enfrentamento
do tradicionalismo. Aqui caracterizamos o processo de ruptura com o
conservadorismo trazendo a renovao dos cdigos de tica, em especial o
atual, de 1993, como pice desse momento/movimento to caro e atual para a
profisso, bem como, fazendo apontamentos e relaes com o PEP.
O terceiro e ultimo sub-item dessa sesso, Renovao Terico-
Metodolgica: fundamentos ontolgicos para apreenso do debate da
tica. Esse momento do texto onde expomos nossa concepo de tica e
apresentamos elementos acerca da constituio das bases ontolgicas do ser
social, tanto para denotar nossa apreenso, como para situar e explicitar
qual/quais fundamentos ontolgicos nos referimos quando dialogamos com os
autores em anlise.
A terceira sesso tem como ttulo: O debate da tica na produo
intelectual do Servio Social no perodo de 2010 a 2012. Com esse recorte
histrico, que compreende o Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
(2010) e o Encontro Nacional de Pesquisadores em Servio Social (2012),
tentamos apresentar o panorama conjuntural em que se localizam os eventos,
resaltando sua importncia e sua relao com o movimento da realidade.
O primeiro su-item dessa sesso, CBAS e ENPESS como espao de
socializao do conhecimento: perfil dos trabalhos. Neste tpico
trabalhamos com a apresentao das polmicas, limites e ou contradies que
pululam, o debate da tica no servio social. As tabelas (apndices) do conta
de oferecer o panorama que caracteriza esse cenrio.
O segundo tpico, Tendncias terico-metodolgicas do debate
sobre a tica no CBAS e no ENPESS. Trazemos, nesse momento, do texto
os apontamentos sobre as tendncias que despontam por meio das temticas
e constituem, tambm, o lcus de investigao da pesquisa, seguido da ltima
sesso, Concluso.
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2. PROJETO TICO POLTICO PROFISSIONAL E AS CONFIGURAES
DA TICA NO SERVIO SOCIAL BRASILEIRO: o legado da
Reconceituao
Como marco primeiro e decisivo na releitura do Servio Social latino-
americano, o Movimento de Reconceituado merece ser pontuado ainda que
rapidamente devido sua importncia, sobretudo no Brasil em meados da
dcada de 1960, donde seus rebatimentos oportunizaram uma reviso crtica
da profisso em todo o continente. Logo, o debate intelectual e plural com as
fontes clssicas dos paradigmas da modernidade, herdeiro desse movimento
que nos dias atuais aponta a e na direo e consolidao de um Projeto tico
Poltico Profissional.
No Brasil, nos anos de 60 e 70 do sculo XX, decorrentes das
condies sciopolticas de represso e autoritarismo no contexto da ditadura
militar, restou ao Servio Social modernizar as tcnicas e estratgias de
interveno, sob a orientao conservadora. Somente a partir dos anos 80 do
mesmo sculo, que se fez possvel repensar e por em prtica a proposta de
ruptura com o tradicionalismo, a integrao social e o confessionalismo. Desse
modo, avana para buscar caminhos voltados superao do carter paliativo,
burocratizado e fragmentado do fazer profissional, questionando as bases que
sustentavam a profisso e a considerao do indivduo e da sociedade
abstrados das relaes sociais.
Foi precisamente esse movimento que determinou e desencadeou
esse processo de renovao do Servio Social Brasileiro, especificamente na
sua inteno de ruptura tendncia que possibilitou a interlocuo com o
marxismo, primeiro sem Marx depois assumindo um resgate da inspirao
marxista voltado para a interpretao da sociedade e da profisso numa
perspectiva de totalidade social.
Esse perodo se faz importante para pensarmos uma srie de
acontecimentos nesse processo que tentaremos sintetizar, considerando larga
produo na rea. Nos anos 1970, a reforma universitria imposta pela
ditadura legitimou, tambm, o servio social no mbito acadmico. Os cursos
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de ps-graduao em nvel de mestrado e doutorado, bem como o fomento das
especializaes, permitiram ao servio social consolidar a produo do
conhecimento na rea de forma que o corpo profissional pode operar sua
acumulao terica. Vinculado a esse momento temos uma fecunda e profcua
interlocuo com as cincias sociais e da emergem quadros intelectuais
respeitados no conjunto do corpo profissional, mas tambm em outras reas do
saber. Inclusive, alguns deles/as objeto desse estudo por suas contribuies
significativas e signatrias das aproximaes, apreenses dos clssicos, na
fonte no debate que estamos pautando, acerca da tica na produo
intelectual do servio social.
As reflexes que foram construdas, processualmente, nesse nterim
contemplam as elaboraes em torno do reconhecimento do servio social
enquanto profisso que se localiza na especializao do trabalho coletivo no
marco da diviso scio-tcnica do trabalho; dispondo de estatuto jurdico,
conforme a Lei de Regulamentao da Profisso, de nmero 8.662 de 7 de
junho de 1993.
O fato de ser uma profisso no impede que seus agentes realizem
estudos, investigaes, pesquisas e que produzam conhecimento de natureza
terica que possam ser incorporados pelas cincias sociais e humanas. Tanto
que o presente estudo s se faz possvel porque esse movimento tem
propiciado ao servio social assumir o papel de sujeito coletivo tico-terico-
poltico na resistncia ao projeto societrio vigente.
Assim, enquanto profisso, o servio social pode se constituir, e se
constituiu nos ltimos anos, como uma rea de produo do conhecimento,
apoiada, inclusive, por agncias pblicas de fomento pesquisa, por exemplo,
o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq).
Destarte, a incorporao de matrizes tericas e metodolgicas compatveis
com a ruptura com o conservadorismo profissional nela se empregaram
abertamente vertentes crticas, destacadamente as inspiradas na tradio
marxista contribuiu para instaurar um pluralismo, com direo social, e a
incidncia de concepes terico-metodolgicas capazes de propiciar a crtica
radical das relaes sociais e econmicas vigentes.
Este componente atravessa os anos 1980 e permanecer na agenda
profissional ao largo da dcada seguinte, ganhando peso o debate sobre a
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formao profissional em vista das diretrizes curriculares de 1982 e sua
normatizao em 1996 que ambas foram precedidas e sucedidas de amplas e
produtivas discusses, fortemente estimuladas pela Associao Brasileira de
Ensino e Pesquisa em Servio Social, ABEPSS.
Tambm compe essa agenda, o redimensionamento do ensino com
vistas formao de um profissional capaz de responder com eficcia e
competncia, s demandas tradicionais e s demandas emergentes na
sociedade brasileira. Dito de outra forma, a construo de um novo perfil
profissional. Dar-se, dessa forma, um alargamento da prtica profissional,
crescentemente legitimado seja pela produo que a partir dela se elabora
notadamente desmistificando o conflito teoria x prtica seja pelo
reconhecimento do exerccio profissional pelo conjunto dos usurios.
Tal movimento no se deve unicamente requalificao da prtica
profissional (graas a acumulao de massa crtica e ao redimensionamento da
formao), mas, tambm pela conquista de direitos cvicos e sociais que
acompanhou a restaurao democrtica na sociedade brasileira ainda que
com determinaes prprias da ordem burguesa por exemplo, prticas
interventivas com determinadas categorias sociais como crianas,
adolescentes, idosos, etc., que s se puderam viabilizar institucionalmente
porque receberam respaldo jurdico-legal.
Ainda nos anos 1980, as vanguardas profissionais procuraram
consolidar essas conquistas com a formulao de um cdigo de tica, institudo
em 1986.
Quem tem medo da tica? Esse mote nos leva a pensar tambm que
embora no tenha alcanado relevncia necessria, na sequncia do cdigo
de tica de 1986, e aps sua reviso em 1993, que esta temtica se espraia no
servio social e que se constitui como mostra da pesquisa, expressiva, de
Maria Lcia Barroco em 2001 e que nos dias de hoje, essa intelectual contribui
significativamente nos debates da categoria em torno da tica, pois se
constituiu como referencia terica no assunto. Suas contribuies e
elaboraes so amplamente utilizadas nos debates, estudos, pesquisas e
altercaes sobre tica e tica profissional.
O Projeto tico Poltico do servio social no Brasil se configurou em
sua estrutura bsica assinalando o seu carter aberto, no que diz respeito a
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manuteno de seus eixos fundamentais, sendo suficientemente flexvel para,
sem se descaracterizar, incorporar novas questes, assimilar problemticas
diversas, enfrentar novos desafios. Dentre eles o de identificar como temos
caminhado na construo e consolidao do debate em torno da concepo de
tica defendida e socializada, via produo intelectual.
Trata-se de um projeto que tambm um processo, em contnuo
desdobramento a exemplo da manuteno de seus eixos fundamentais que
pode ser encontrado nas discusses acerca da formao profissional,
produzidas a partir das exigncias da Lei de Diretrizes e Bases da Educao
Nacional/LDBEN (Lei 9394 de 20 de dezembro de 1996), donde as orientaes
propostas por representantes do corpo profissional ratificam a direo da
formao nos termos do PEP. (Lei de diretrizes curriculares, cap.1,1996).
Este projeto profissional tem em seu ncleo central o reconhecimento
da liberdade como valor tico central e das demandas a ele inerente
autonomia, emancipao e plena expanso dos indivduos sociais. Assim,
trata-se aqui de uma liberdade que se articule com outras determinantes mais
amplas como o ideal de igualdade e respeito. Uma liberdade que vai na
perspectiva de superao do atual modelo de sociedade, que garanta aos
indivduos as demandas inerentes a essa liberdade.
A liberdade como capacidade humana , portanto, o fundamento da tica. Assim, agir eticamente, em seu sentido mais profundo, agir com liberdade, poder escolher conscientemente entre alternativas, ter condies objetivas para criar alternativas e escolhas. Por sua importncia na vida humana, a liberdade tambm um valor algo que valoramos positivamente, de acordo com as possibilidades de cada momento histrico. Por tudo isso, podemos perceber que a liberdade tambm uma questo tica das mais importantes, pois nem todos os indivduos sociais tm condies de escolher e de criar novas alternativas de escolha (BARROCO, 2007, p.48).
Aqui, a liberdade no entendida segundo a lgica do mercado e sim
sob a perspectiva de autonomia dos sujeitos no s como demiurgo de seu
viver, mas que atinja tambm a dimenso da construo coletiva,
intencionando a viabilizao de um solo frtil para a expanso. Ou seja, a
liberdade concebida historicamente, como possibilidade de escolha entre
alternativas concretas; da um compromisso com a autonomia, a emancipao
e a plena expanso dos indivduos sociais.
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Tambm, esse projeto aponta a defesa e a opo por um projeto
profissional vinculado ao processo de construo de uma nova ordem
societria, sem dominao, explorao de classe, etnia e gnero. Esse
princpio remete no s ao amadurecimento poltico da categoria como tambm
o posicionamento contrrio lgica privatizante do sistema capitalista ps
1970. Contrrio tambm a uma conjuntura adversa para a classe trabalhadora
que se encontra em meio aos artifcios do capital com sua liberdade restringida,
sua dignidade desrespeitada e injustamente excluda e explorada.
Logo, a participao nos espaos de discusso e construo de
polticas pblicas lcus de interveno do profissional do servio social que
atento a essas determinantes mostra na sua prtica profissional o compromisso
com o aprofundamento da cidadania, bem como, com os servios ofertados
aos usurios legitimando, assim, a relevncia do trabalho do assistente social e
a participao no fortalecimento da luta.
O projeto contempla, tambm, a garantia do pluralismo, por meio do
respeito s correntes profissionais democrticas existentes e suas expresses
tericas, e do compromisso com o consoante aprimoramento intelectual. Esse
princpio encaminha o debate acumulado nos anos 1980 quanto as correntes
que disputavam a direo social do projeto profissional.
O que se conseguiu com isso foi garantir que haja pluralismo, que no
significa misturar todas as correntes, mas garantir o dilogo entre elas sem que
se torne ecletismo. Por isso a defesa do pluralismo com hegemonia. Uma
caracterstica interessante foi desmistificao do mito da neutralidade. Essa
discusso colocou as claras a disputa no terreno das ideias e a afirmao da
corrente terica hegemnica, at os dias atuais, no projeto profissional da
categoria que a social crtica.
A dimenso tico-poltica do referido projeto claramente enunciada
pois se posiciona a favor tanto da equidade e da justia social, na perspectiva
da universalizao do aceso a bens e servios e a servios relativos s
polticas e programas sociais, como tambm a favor da ampliao e
consolidao da cidadania que so explicitamente postas como garantia dos
direitos civis, polticos e sociais das classes trabalhadoras.
Correspondentemente, o projeto se declara radicalmente democrtico,
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considerada a democratizao como socializao da participao poltica e
socializao da riqueza socialmente produzida (CFESS, 1993).
O PEP implica, neste sentido, o compromisso com a competncia, que
s pode ter como base o aperfeioamento intelectual do assistente social, da a
nfase numa formao acadmica qualificada, fundada em concepes
terico-metodolgicas crticas e slidas, capazes de viabilizar uma anlise
concreta da realidade social formao que deve ponderar preocupao com
a (auto)formao permanente e estimular uma constante (pr)ocupao
investigativa.
Guerra (2008) nos leva a pensar a profisso de forma que, ainda que
possa ser considerada de natureza interventiva, inerente e se articulam
algumas dimenses, quais sejam, tcnico-instumental, formativa, intelectual e
tico-poltica. Da que duas modalidades de conhecimento so fundamentais
para o servio social: o conhecimento que fornea subsdios para a interveno
imediata nas variveis do contexto e que, portanto, sejam imediatamente
instrumentalizveis e conhecimento sobre os fundamentos (econmico-sociais,
polticos e ideo-culturais), o modo de ser e proceder, a lgica interna,
propriedades constitutivas e articulao dos fenmenos, processos e prticas
sociais.
Tais fundamentaes fornecem subsdios ao planejamento, iluminam
os valores e objetivos, possibilitam estabelecer estratgias e tticas tcnico-
polticas de interveno profissional. Destarte, a dimenso intelectual permite
(re)conhecer os princpios, os fundamentos da ordem burguesa e as
programticas de ao utilizadas e pelas foras organizadas do trabalho, suas
necessidades sociais, as quais, por meio de um conjunto de mediaes,
travestem-se em requisies pelo grande capital prtica do assistente social.
2.1 CRITICA A TICA TRADICIONAL NO SERVIO SOCIAL
A gnese do Servio Social est vinculada, segundo Barroco (2003), as
demandas scio-histricas postas ao enfrentamento das mltiplas expresses
da questo social, pelo Estado e classe dominante em um contexto de
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capitalismo monopolista. A partir dessa considerao podemos notar algumas
tendncias ticas histricas no Servio Social, especfico a cada momento e
contexto, como o conservadorismo moral.
O enfrentamento moral das expresses da questo social uma
resposta s consequncias da relao capital x trabalho, significando nessa
perspectiva a despolitizao de seus fundamentos socioeconmicos e
ideopolticos que so vistos fora da totalidade social. A perspectiva de equilbrio
e ordem do conservadorismo moral explicita valores morais e pressupostos
terico-polticos encontrados tanto no positivismo quanto no neotomismo7,
bases da formao profissional, em sua origem.
Assim, considerando a formao moral dos indivduos sociais
caracterstico dessa tendncia tica, o Servio Social foi atingido de forma
peculiar por ser uma profisso historicamente feminina e de origem catlica.
A formao moral da mulher, nos moldes conservadores, lhe confere virtudes que passam a compor determinados papis: educada para assumir uma responsabilidade na educao moral e cvica dos filhos, a mulher potencialmente formada para profisses que se legitimam socialmente como profisses femininas, das quais se exigem mais um perfil adequado a padres morais conservadores, do que propriamente qualidades tcnicas e intelectuais (Barroco, 2003, p.78).
Com o Servio Social fundamentado numa moral conservadora,
instrumento para o enfrentamento das expresses da questo social, a
formao das assistentes sociais, neste contexto, ser reforada pela cultura
moralista de educao das mulheres.
A compreenso terica do conservadorismo enquanto pensamento
social no significa apenas a continuidade e a perpetuao, no tempo, de um
conjunto de ideias herdadas do pensamento intelectual europeu do sculo XIX,
mas, tambm, um iderio que, reinterpretado no presente, transforma-se em
uma forma de interpretao e explicao da sociedade, ao mesmo tempo
orientador de projetos voltados para uma interveno favorvel manuteno
da ordem burguesa. 7 Pensamentos que fundamentam os cdigos de tica do Servio Social at 1975, a inteno
tico-moral dos profissionais caracterizada pela natureza e religio, que so bases dos pensamentos e filosofias que fundamentam a tica tradicional do Servio Social neste contexto, voltadas aos desajustes sociais e na dicotomia bem e mal. O positivismo tendo mile Durkheim como principal terico e o (neo)tomismo tendo So Tomaz de Aquino.
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Nesse sentido, no Brasil, tendo o servio social emergido e implantado
na dcada de 30 do sculo XX e ainda sob influncia do servio social europeu
(franco-belga), traz as marcas do pensamento conservador e religioso.
Gradualmente, consolida-se esta profisso, que se desenha diretamente
vinculada modernizao do capitalismo em seu processo de industrializao
donde a prpria Ao Catlica Brasileira, que possibilitou as bases para o
surgimento do servio social no Brasil, teve influncia da Frana e do
pensamento conservador do sculo XIX8.
A moralizao da questo social se d na metade do sculo XIX em
contraposio efervescncia dos movimentos do proletariado na busca por
direitos, onde a ao do Estado, articulada com a classe dominante, alm de
reprimir os segmentos proletrios, tambm, impele despolitizao de suas
reivindicaes. Segundo Barroco (2003, p.80), a organizao poltica dos
trabalhadores construda na vida cotidiana, em face alienao e das
respostas que possibilitam suspender a cotidianidade alienada, luta esta que
se baseia na superao da ideologia individualista da classe dominante e se
ope ao conservadorismo moral que tratava a questo social como um
distrbio e ou desvio de carter, em detrimento de uma reivindicao
consciente por melhores condies de vida e de trabalho.
A resposta capitalista, no contexto dos monoplios, frente s
expresses da questo social colocada de forma sistmica por parte do
Estado e da classe dominante, segundo Barroco (2003), na perspectiva de
legitimao da ordem e garantia da reproduo da fora de trabalho. Tais
respostas so (re)produzidas tendo uma posio enftica e caractersticas
tradicionais e hierrquicas do conservadorismo, tendncia essa que devido seu
sistema moral de ordem age com represso aos movimentos sociais
trabalhistas. Compreende-se que a moralizao da questo social, estratgia
conservadora de controle da classe trabalhadora, se efetiva na sociedade
capitalista com o objetivo de fragilizar o potencial emancipatrio das lutas
operrias.
8 A presena das ideias do pensamento conservador do sculo XIX influenciando as cincias
scias e, atravs delas o servio social, na perspectiva do conservadorismo moderno, objeto de discusso de Iamamotto em sua obra de 1994. Sua reflexo baseia-se especialmente nas elaboraes de Nisbet (1969 e 1980), Mannheim (193 e 1976), Lefebvre (1974), Martins (1978).
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A partir da tendncia moralizadora, fundamentada no tomismo, a Rerum
Novarum concebe a desigualdade social como uma decorrncia da diversidade
de funes naturais, o que justifica as condies sociais de classe (Barroco
2003), e mostra a moral como condicionante da f crist, impondo- se aos fiis
como dogmas, de natureza imutvel.
A dimenso tica da profisso, segundo Barroco(2003), se afirma nas
Escolas de Servio Social, na qual fazem uso de princpios ticos tomista,
positivistas e do pensamento conservador. A partir de determinantes histricos
novos, o neotomismo repe a filosofia tomista, que tem como base de
pensamento a razo e a f, subordinadas as leis naturais, imutveis, que se
expressam na sociedade enquanto um funcionalismo harmnico em prol do
bem comum.
Para tal filosofia, a auto-realizao da pessoa humana supe a moralidade ou conscincia reta voltada objetivao dos valores universais que adquirem sentido absoluto e se dirigem ao fim ltimo da existncia humana: a perfectibilidade. Ao obedecer s leis morais, os homens realizam sua essncia, o que os aproxima de Deus, fonte dos valores universais (BARROCO, 2003. p.91-92).
Na perspectiva neotomista, o Estado e as instituies como famlia e
Igreja devem mediar essa funcionalidade para garantir as caractersticas da
ordem natural, como hierarquia e autoridade, porm esta tarefa de principal
responsabilidade da famlia e da Igreja, ficando o Estado em segundo plano.
Sob este contexto, em meados do sculo XX, segundo Barroco (2003),
institui-se um dado ethos profissional que compe a tica profissional do
Servio Social, o qual se efetiva nos Cdigos de tica de 1947 a 1975,
legitimando sua prtica moral, sua moralidade, sua sustentao filosfica, sua
expresso formal e sua imagem social.
A partir do pensamento positivista, a ao dos(as) profissionais de
Servio Social ter por finalidade eliminar os desajustes sociais que
desarmoniza a funcionalidade da sociedade capitalista, nessa perspectiva a
interveno das assistentes sociais caracterizada como moralizadora de
carter individualizado e psicologizante.
Esta tica profissional de cunho moralista, favorece a reproduo dos
preconceitos ao moralizar a questo social e seu discurso humanitrio
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originrio, que legitima os interesses burgueses e aliena o indivduo em suas
relaes sociais.
Assim sendo, os cdigos de ticas de 1947 a 1975 caracterizam a
imagem de uma profisso humanista 9, como forte apelo tico-moral, segundo
Barroco (2003), sendo estes os nicos documentos normatizadores da
profisso de cunho tico at os anos de 1990.
Essa reflexo nos remete a pensar como esse processo de disputa pela
hegemonia do PEP, fundamentado em matrizes terico-metodolgicas que
impele uma construo tico-poltica, repito, dentro dos limites da sociabilidade
capitalista, tem se expressado na socializao da produo intelectual do
Servio Social brasileiro. Em que pese a conjuntura mediada pelo acirramento
da luta de classes no plano poltico, mas tambm e sobretudo,
socioeconmico.
2.2 A TICA NO PROCESSO DE RENOVAO TERICO-METODOLGICA
DO SERVIO SOCIAL: perspectiva de superao e enfrentamento do
tradicionalismo
O cdigo de tica de 1986 superou as concepes filosficas
fundamentadas pelo neotomismo, que faziam parte dos cdigos de tica
profissional desde a primeira formulao em 1947. Ao negar as bases
filosficas tradicionais, o cdigo de 1986 afirmou princpios como o da
contradio e do compromisso, que deslegitimaram os princpios da harmonia
e da neutralidade profissional existente nos outros cdigos.
Este cdigo afirma um novo papel profissional no Servio Social, o qual
a partir do processo de renovao terico-poltica e terico-metodolgica
requer uma capacitao da ao profissional de maneira mais autnoma e
interventiva com o objetivo de viabilizar as demandas de interesses dos
usurios.
9 Baseada num humanismo abstrato e metafsico.
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Em funo disso, o assistente social deve estar atento para a conotao
poltica da profisso e para os consequentes desafios de uma ao
comprometida. Com esse novo perfil, o assistente social se depara com a
necessidade de acompanhar e produzir estudos e pesquisas, mantendo-se
sempre atualizado com as discusses de sua rea a fim de subsidiar sua ao
tico-poltica. Assim sendo, compreende-se que este cdigo, considerando seu
contexto de construo sociopoltico, abarcou as conquistas do Servio Social
desde o Movimento de Reconceituao, representando um grande avano nas
bases normativas da profisso. Entretanto, na prtica, este cdigo se mostrou
insuficiente, pois sua operacionalizao no cotidiano profissional era fragilizada
pelos limites terico-filosficos.
Para o cdigo atual aprovado em 1993, tem-se como objetivo articular
a normatizao com a realidade scia histrica e de totalidade da prtica
profissional, preservando os avanos e conquistas do cdigo de 1986 com
legitimao e eficcia, para construo de um projeto profissional articulado a
um projeto societrio emancipatrio.
Compreendendo a reflexo tica como uma apreenso do significado
da moral, sendo esta uma construo scio-histrica centrada no bem e no
dever ser, na contemporaneidade sua objetivao envolve e expressa as
condies para liberdade. Porm, esta liberdade se faz mais como um projeto
do que como uma realidade dada, em outras palavras, uma possibilidade
inscrita no real. Logo, a sociedade burguesa fundamentada em estratgias
liberais fornece um quadro jurdico de direitos10, mas tambm o bloqueia
objetivando manter sua ordem de dominao.
Historicamente, a classe trabalhadora sofreu diversas modificaes em
seu modo de ser e agir, por condicionantes diversos, mas nada se compara
aos rebatimentos que a instalao do modo de produo capitalista trouxe para
a mesma, ao transformar o exerccio da atividade livre em trabalho alienado,
estranhado, fato este que, desde ento, passou a impedir homens e mulheres
de terem uma vida dotada de sentido, dentro e fora do trabalho. Tambm
inconteste que essa classe sempre se organizou para reinvidicar, com
10
Donde se limita o acesso aos direitos civis e polticos no mbito da democracia liberal burguesa, em que pese toda discusso acerca da igualdade de oportunidade e igualdade de condies. Ver Behring 2006.
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intensidade ou no, os direitos que, com a instalao desse modo de produo,
passaram a ser-lhes negados.
A luta por uma nova sociabilidade surge da prpria luta entre as
classes, do processo de construo do conhecimento, quando do momento
que as classes subalternas conseguem compreender de onde surge a
explorao (da alienao do trabalhador) e quem o responsvel pela sua
manuteno e reproduo (o capitalismo via Estado). Pensamento este que se
filia ao comunismo, que visa transformao social, corrente esta cuja maioria
das foras progressistas11 tm se inspirado para balizar sua prxis.
, ento, da compreenso comunista de que no Estado, o poder
poltico sempre foi a maneira legal e jurdica pela qual a classe dominante de
uma sociedade sempre manteve seu domnio (CHAU, 2000, p. 409), que esta
mesma corrente prope, inicialmente, a tomada de poder pela classe
trabalhadora e, consequentemente, supresso do Estado (MARX & ENGELS,
2008).
A luta pela tomada do poder, luta de classes, luta contra a dominao,
se converte em luta anticapitalista, uma vez que com esse modo de produo
que se instaura a explorao do trabalho e a opresso dos trabalhadores
(utilizando-se do aparato estatal) essencial para a manuteno e reproduo
do sistema capitalista (CHAU, 2000). Sendo assim, a luta no apenas pela
construo de um Estado Proletrio, mas tambm pelo fim do modo de
produo capitalista e do prprio Estado.
Situamos esses pontos para sustentar que a luta em defesa dos direitos
sociais remete a um embate direto com o Estado, ainda que a luta se d por
dentro de sua estrutura, deve ser articulada com o movimento geral da
sociedade, sobretudo as foras organizadas do trabalho, de forma que seja
cada vez mais enraizada a cultura da contra hegemonia e da resistncia
todas as formas de negao de direitos, bem como do atual modelo de
sociabilidade. Os direitos sociais e humanos que expressam as necessidades
oriundas do conflito entre as classes mesmo com as legislaes e
documentos que zelam esses direitos, sejam eles civis, polticos, sociais,
11
Partidos polticos, movimentos sociais negro, LGBT, MST, CEBs, segmentos de categorias profissionais as mais diversas, com maior incidncias as reas humanas e humanas aplicadas, dentre outros.
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econmicos, ambientais, dentre outros, como produto das lutas dos
trabalhadores, produto, tambm, da correlao de foras entre as classes,
presente no tempo histrico.
bom que fique claro que o antagonismo presente nos discursos das
classes burguesa e proletria, deriva da dinmica do real e dos interesses em
disputa. Sendo, pois, obstaculizada realizao da emancipao poltica e
humana bem como do atendimento as necessidades dos sujeitos sociais na
ntegra nos marcos do capitalismo. Trata-se de apostar nas possibilidades
inscritas no real e ultrapassar as impostas limitaes burguesas. Para tanto,
essencial, a liquidao do atual modelo de sociabilidade (NETTO, 1990) para
que se supere o presente contexto de retrao/negao de direitos e como
dizia Marx, eis o papel mundial do proletariado (MARX e ENGELS, 1971).
Longe de despolitizar a questo da desigualdade e as demandas por direitos,
mas a histria tem mostrado que so as lutas sociais e no os contornos da
democracia formal que tem propiciado mudanas significativas na sociedade.
Nesta perspectiva, a luta democrtica para ampliao dos direitos
colide com os interesses capitalistas, da a ideia de que esta luta por
consolidao da cidadania e democracia se encaminhe para uma ordem mais
igualitria onde seja combatida, em vista de sua superao, toda forma de
explorao/opresso do homem pelo homem e as condies favoream a
plena expanso dos indivduos sociais. Construo de novos valores ticos que
assegurem a liberdade e equidade dos indivduos.
Com isso, na tica atual cabe uma discusso para alm do fatalismo e
crise de valores morais, detectando, nas contradies atuais e emergentes,
suas possibilidades de superao e constituio de novos valores. Uma tica
sempre comprometida com projees sociais e nunca neutra, fundada na
ontologia do ser social.
Assim sendo, a reflexo tica12 para o Servio Social tem uma fulcral
relevncia, principalmente se levarmos em conta a categoria profissional
enquanto trabalhadores/as assalariados/as tendo sua prtica voltada para
12
Entendemos a reflexo tica como um espao especfico de reflexo sobre o modo de ser constitutivo do homem como sujeito tico, ou seja, sujeito racional capaz de escolher valores e aes que conduzam
liberdade, entendida como um bem. (BARROCO, 2007).
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outros trabalhadores pertencentes a uma sociedade brasileira culturalmente
conservadora, socialmente dspar.
A tica orienta as relaes entre profissionais e profissionais e
profissionais e sociedade, expressando sua moralidade detendo, duas
dimenses: como espao de reflexo terica sobre os fundamentos da
moralidade e como resposta consciente de uma categoria profissional s
implicaes tico-polticas.
A reflexo tica para o Servio Social propicia a superao de uma
tica abstrata e idealista. Nesse contexto, a essncia humana tratada como
uma construo histrica da sociedade, que a partir do trabalho desenvolve-se
social, consciente e livremente, construindo identidades, espaos de inter-
relaes sociais, o eu genrico. Na perspectiva do homem como ser genrico,
que media sua particularidade com a universalidade humana, a reflexo tica
profissional est inserida em um projeto social mais amplo.
O assistente social tem como finalidade de sua ao mediar os
interesses das classes dominantes e Estado com os interesses das classes
trabalhadoras, atuando no processo de extremas contradies que est
envolvido as relaes sociais, ou seja, lida diretamente com as expresses da
Questo Social. Os interesses dicotmicos, que partem destas esferas sociais
(classes e Estado), fazem do Servio Social uma profisso de carter tico-
poltico, a qual deve resposta s diversas e divergentes demandas impostas
por estas relaes sociais.
Nesta tendncia, as concluses do 7 CBAS,
[...] sugerem um projeto profissional voltado para construo de uma nova sociedade de base igualitria e democrtica, propondo como estratgia a luta pela redefinio da cidadania por intermdio da expanso dos direitos sociais e polticos (Anais, 1992, p.170).
Destarte, direcionando o projeto da categoria construo de uma
sociedade que tenha como valores centrais a liberdade e a igualdade, e
ultrapasse esse modelo de sociabilidade que nega a efetivao dos direitos
humanos e sociais, bem como deslegitima a democracia.
O cdigo de tica para o Servio Social, alm de ter o carter
normativo e jurdico, necessrio para legitimao da profisso, estabelece o
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agir profissional do assistente social, a partir de deveres, direitos, normas e
proibies. Este um documento destinado a garantir a qualidade dos servios
prestados, compreendendo as diversidades das demandas, condies e
possibilidades que podem dificultar a atuao profissional.
Apesar de o cdigo ser um documento normatizador da profisso, este
no garante sua efetivao por si s, o profissional possui sua autonomia
enquanto indivduo para obter e ou por em prtica ou no os valores presentes
neste. Contudo, devemos compreender este documento, imprescindvel a uma
boa atuao, como resultado do saber terico-metodolgico e das condies e
contradies tico-polticas que articulam a dimenso profissional com a vida
social, a fim de afirmar os valores de um projeto profissional fundamentado em
uma projeo social emancipatria.
Nesse sentido, o cdigo de tica de 1993 traz na sua constituio o
produto de um amadurecimento terico-prtico, jurdico-legal e tico-poltico
que consegue contemplar os aspectos que ficaram em dficit no cdigo de
1986. Do ponto de vista da filosofia e da orientao para a prtica no cotidiano
esse cdigo inova os aspectos de fortalecimento da denncia e do rompimento
com as teorias conservadoras oriundas do neotomismo, mas, esse cdigo
avana no sentido de alcanar valores no mais abstratos. Esses aspectos
remetem a questes centrais de posicionamento em favor da articulao com
setores progressistas e a classe trabalhadora como forma de condensar e
materializar princpios ticos e polticos que so hegemnicos na categoria e
que se contrape ao conservadorismo no cotidiano de trabalho (BARROCO,
2008).
De fato, o cdigo de 1986 carecia de uma consistncia terica que
fundamentasse e legitimasse essa ruptura. O novo cdigo de 1993 vem,
portanto, trazendo uma definio especifica de tica, de classe e de ser social
que baliza o fazer profissional a partir do movimento de reconceituao como
tambm do processo pelo qual passava a sociedade que era a
redemocratizao e a exigncia da tica na poltica.
A preocupao que se tinha para com esse cdigo era aproxim-lo,
tambm, como um mecanismo eficaz de defesa do exerccio profissional e
torn-lo um instrumento efetivo no processo de amadurecimento poltico da
categoria. Assim, a definio de onze princpios ticos e polticos condensam a
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proposta terica e ideolgica de um projeto profissional composto por uma lei
de regulamentao, elaboraes tericas e um cdigo de tica que caminham
e se afirmam no contra fluxo de uma sociedade heterognea, injusta e
desigual.
A construo coletiva desse novo cdigo aponta onze princpios que
numa lgica de articulao se coadunam e do sentido e nexo organizativo,
terico e poltico para cada um e a todos.
A renovao do cdigo contou com a mobilizao nacional da categoria
que num processo democrtico e plural conseguiu aprovar no s as
mudanas no cdigo, mas construir coletivamente apoio s lutas e aos
movimentos sociais e uma postura comprometida com a defesa da profisso e
os princpios que a norteiam.
2.3. RENOVAO TERICO-METODOLGICA: fundamentos ontolgicos
para apreenso do debate da tica
importante pensar que para se estudar tica e compreender seus
fundamentos ontolgicos deve-se partir do pressuposto de que homens e
mulheres so sujeitos construdos social e historicamente, e, que toda postura
que se dedique a superar o que j se tem por conhecido deve ser
questionadora e capacitada a se indignar com o que est posto como
determinaes que impem ao ser social inflexes quanto a sua
autoconstruo.
Quando aferimos que homens e mulheres so construdos social e
historicamente, estamos remetendo a questo de que o ser social assim
entendido em face da sua capacidade de se relacionar com a natureza e com
os outros indivduos. Essas relaes fazem desse homem um sujeito que cria e
recria situaes e consequentemente seus hbitos, costumes, sua histria.
Logo, esse processo demarca sua atuao, participao e contribuio
transformadora ou no no que concerne ao seu devir.
Sendo assim, a tica aqui entendida como modo de ser socialmente
determinado tem sua gnese no processo de autoconstruo do ser social
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(BARROCO, p.20, 2008). E nesse sentido, destacamos que essa
autoconstruo se d na medida em que o indivduo social interage com o meio
no qual est inserido construindo mediaes para satisfazer suas necessidades
tanto materiais/objetivas manipulando a natureza, como tambm subjetiva no
desenrolar das relaes sociais.
Lukcs (1978) reconhece o trabalho enquanto base dinmico-
estruturante na centralidade ontolgica do ser social entendendo que o
processo que o ser social faz para trabalhar reflete todas as capacidades que
lhe so prprias e que lhe torna diferentes dos animais, quais sejam: a
capacidade teleolgica, a razo, a conscincia, a sociabilidade. E, nesse
processo o ser social amplia o domnio sobre a natureza e sobre si prprio e
da provm objetivao do sujeito13.
Os homens (ser social) conseguem atingir seu desenvolvimento de
forma superior (aos demais animais), ontologicamente, sobretudo porque
altera a adaptao passiva, meramente reativa, do processo de reproduo do
mundo circundante, porque esse mundo circundante transformado de forma
consciente e ativa (LUKCS, 1978, p.6). Logo, o trabalho deixa de to
somente expressar essa particularidade do ser social para, tambm, no plano
ontolgico, converter-se em modelo da forma de ser do ser social em seu
conjunto (idem).
Quando pensamos esse conjunto de capacidades nos questionamos
qual seria a ferramenta utilizada para enfrentamento da realidade. Tendemos a
admitir que seja a racionalidade, contudo, como nos lembra Cortela, no
basta pensar para que as coisas aconteam, preciso agir (1998: 40).
Observamos, pois, que para conseguir responder de forma satisfatria
as suas necessidades, os indivduos sociais precisam de condies objetivas
para faz-lo.
Os homens devem estar vivos para poder fazer histria. Mas, preciso antes de tudo comer, beber, ter habitao, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro ato histrico , portanto, a produo dos meios que permitam a satisfao destas necessidades, a produo da prpria vida material, e de fato este um ato histrico, uma ao condio fundamental de toda histria, que ainda hoje,
13
Quando se afirma que a objetividade uma propriedade primrio-ontolgica de todo ente, afirma-se em consequncia que o ente originrio sempre uma totalidade dinmica, uma unidade de complexidade e processualidade (LUKCS apud BARROCO, 2008, 20).
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como h milhares de anos, deve ser cumprido todos os dias e todas as horas, simplesmente para manter os homens vivos. (MARX e ENGELS, 1982, p.22).
Tal processo se desenvolve de forma a articular as dimenses da
teleologia, razo, conscincia e sociabilidade. A teleologia o momento onde o
ser social, dotado de razo e conscincia, antecipa no plano ideal aquilo
que vai produzir/executar. Esse processo de ideao, ou prvia ideao o
que diferencia, nas palavras de Marx, o pior arquiteto da melhor abelha. Esta
produz por extinto seus favos assimtricos; aquele, por sua vez, prev/idealiza
antes de executar. A teleologia movimenta as causalidades. Essa
particularidade do ser social possibilita apreender as determinaes do
movimento dinmico da realidade que move e movido pela teleologia como
reflexo da conscincia.
A razo e a conscincia so capacidades do ser social que lhes
possibilita pensar a realidade para si e para outrem ponderando causa e efeito,
rebatimentos e determinaes de sua ao14. Como aponta Lukcs,
No se deve esquecer que os complexos problemticos aqui emergentes (cujo tipo mais alto o da liberdade e da necessidade) s conseguem adquirir um verdadeiro sentido quando se atribui e precisamente no plano ontolgico um papel ativo conscincia (1978, p.05).
Nesse sentido, o animal tornado homem atravs do trabalho esse
sujeito que na condio de ser social d respostas, corroborando que toda
atividade laborativa surge como soluo de resposta ao carecimento que a
provoca (idem).
A sociabilidade o espao constituinte e constitutivo das relaes
sociais, onde a interao do ser social com a natureza, bem como com outros
homens compe o cenrio da perene (auto)construo do ser social. Essa por
sua vez, se coloca como constitutiva da gnese do ser social e inerente as
14
Talvez surpreenda o fato de que, exatamente na delimitao materialista entre o ser da natureza orgnica e o ser social, seja atribudo conscincia um papel to decisivo. Nos casos em que a conscincia no se tornou um poder ontolgico efetivo, essa oposio jamais pde ter lugar. Em troca, quando a conscincia possui objetivamente esse papel, ela no pode deixar de ter um peso na soluo de tais oposies. (LUKCS, 1978, p.5)
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suas atividades, de forma que os homens s conseguem constituir-se como tal
em relao com os outros e com a natureza (BARROCO, 2008).
Partindo dessas capacidades desenvolvidas pelo ser social, que se
diferencia dos animais a partir de um salto ontolgico15, este se desenvolve
como sujeito livre, consciente e universal. Como aponta Marx (1993), fazendo
uma analogia entre as atividades humanas e dos outros animais, todos
produzem. Porm, o indivduo produz para satisfazer uma necessidade que
fsica, mas tambm, social. Portanto, pondo em prtica toda capacidade
racional, projetiva, intelectual e criativa para modificar o ambiente a sua volta.
Esse agir racional que cria respostas s suas necessidades gera
necessariamente novas perguntas e objetivamente materializa-se em
condies que diferenciam o homem dos outros animais. Essas capacidades
que constituem o ser social e sua gnese se desenvolvem no trabalho,
entendido aqui como a principal forma de prxis16.
no decorrer de sua objetivao que o indivduo cria alternativas para
que a partir delas possa fazer suas escolhas. Essas escolhas possibilitam as
alternativas e da gnese da liberdade. Pois a liberdade, para Marx, no
consiste na conscincia da liberdade ou das escolhas, mas na existncia de
alternativas e na possibilidade concreta de escolhas entre elas. (BARROCO,
2008, p.26).
Uma reflexo que perpassa esse processo, que a valorizao das
determinadas situaes que surgem para o ser social, onde este ser
submetido a um processo de escolha, se d aps a apresentao das
alternativas e quando a liberdade atinge uma dimenso fundamental de
escolha entre essas alternativas; ela a liberdade viabiliza a realizao de
praticas tico-morais. Do contrrio, tais atividades seriam obstaculizadas.
Os valores possuem, assim como a tica, um carter scio histrico, ou
seja, construdo a partir de um entendimento da sociedade e da poca em que
se vive. A moral imbuda de um aspecto normativo que se reflete na
15
Ver LUKCS, 1979. 16
A prxis uma ao prtica consciente sobre a natureza, criando um produto objetivo antes inexistente. A prxis desenvolve-se fundamentalmente atravs do trabalho, assegurando a (re)produo material e espiritual da vida humana. Atravs do trabalho, o homem no apenas se adapta natureza, como o animal, mas passa a agir sobre ela, transformando-a de acordo com seus propsitos. (BARROCO, 2007)
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reproduo de costumes e hbitos que permeiam o viver e o fazer-se do ser
social.
importante fazer a distino do que seja valor, moral e tica. Para
tanto, recorremos a Vzquez (1969) que aponta o valor como parte do ato
moral, presente no cotidiano. Segundo o autor, todo ato moral inclui a
necessidade de escolher entre vrios atos possveis. [...] escolher supe,
portanto, que preferimos o mais valioso ao menos valioso moralmente ou ao
que constitui uma negao de valor desse gnero (valor moral negativo ou
desvalor) (VZQUEZ, 1969, p.115). E, por este motivo que antes de
examinar em que sentido atribuiu valor a um ato humano, preciso determinar
qual o significado que damos s palavras valor e valioso (VZQUEZ, 1969,
p.116).
Com relao ao significado do valor, Vzquez (1969) aponta que o
valor, no seu sentido mais amplo, existe na medida em que h uma relao
entre objeto, situao e homem enquanto ser social, quando tratamos de algo
material e na medida em que se transfere o valor do objeto para o sujeito. Cabe
ressaltar, todavia, que valor e alternativas so categorias objetivas, como
produto da atividade do ser social, objetivaes desse.
Logo, tratamos aqui, tambm, da gnese da liberdade como uma
capacidade historicamente desenvolvida e inseparvel da atividade que a
objetiva (BARROCO, 2008, p.27), como o simultaneamente, capacidade de
escolha consciente dirigida a uma finalidade e capacidade prtica de criar
condies para a realizao objetiva das escolhas e para que novas escolhas
sejam criadas. Por isso, liberdade e valor vinculam-se ontologicamente (idem).
Quando falamos de escolhas, remetemos tambm a alternativas e da
provm liberdade como valor central para que o sujeito tenha condies de
escolher e consequentemente se objetivar. Se escolhermos, porque fazemos
reflexes valorativas acerca das possibilidades que se apresentam.
Sobre isso podemos exemplificar tomando por base a prata, que um
metal precioso, valioso. No entanto, em seu estado natural apenas um
pedao de material inorgnico que s tem em si propriedades que,
manipuladas pelo homem, se tornam valiosas devido relao estabelecida
entre objeto (prata) e o homem que adapta a prata ao seu uso. Logo, o valor
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no propriedade dos objetos em si, mas propriedades adquiridas graas
sua relao com o ser social (VZQUEZ, 1969, p.121).
Essa relao que resulta no valor para o homem no algo abstrato e
sim real que se objetiva na relao, outrora j citado, do objeto com o homem.
Vzquez menciona que os seres da natureza e tudo o que no foi criado pelo
homem s possui valor medida que serve para alguma necessidade humana,
quando se humaniza (VZQUEZ, 1969).
Essa relao se consciente e livre pode resultar em valores morais,
que so aqueles produtos humanos, como aponta Vzquez (1969), por
exemplo, uma faca que boa tanto para cortar carnes e frutas, como tambm
para assassinar algum. A forma como esse ato vai ser avaliado corresponde
ao valor moral que atribumos ao objeto e ao homem.
Entramos, portanto, na discusso do que seja moral. Segundo Barroco
(2008), a moral seria um conjunto de normas e hbitos construdos e
reproduzidos scio historicamente que perpassam pelas geraes e que os
homens perpetuam, aprimora e recria17. A moral, portanto, traz em si uma
carga dogmtica muito forte e est muito prxima da tica. A tica, ento,
uma dimenso que analisa essa moral atravs da reflexo histrica, crtica,
radical e de totalidade.
Para que as reflexes ticas e o julgamento tico aconteam
fundamental que possamos exercer nossa liberdade conscientemente, pois
uma pessoa que tem sua liberdade restrita, como em caso de coao, no
pode responder eticamente, pois no teve alternativa. Assim como a pessoa
17
Por exemplo, matar algum um ato de ofensa a moral porque o costume, o que certo,
no matar. Entretanto, numa guerra, no h condenao, sobretudo, moral para os soldados
de uma nao que matam em obedincia e amor ptria. Outro exemplo, diante do tempo de escravido no Brasil, a explorao de homens, mulheres e crianas negras era aceita e justificada pela sociedade da poca a partir do entendimento de que esta raa era inferior
humanamente frente s pessoas de cor branca e por isso deveriam servi-los e subjugar- se. (Atentemos para a reinveno e ou conformao de costumes e normas e valores para melhor gerir/defender uma moral a ser seguida, ou melhor, cumprida). Neste contexto, nenhuma pessoa que possusse escravo, poderia fazer o que fizesse com eles e contra eles e no eram julgados ou vistos como errados, isso devido a outros valores morais que permeavam aquela sociedade. J nos dias de hoje com o aprimoramento da cincia e do conhecimento, a escravido compreendida como algo imoral, errado, cruel e ultrajante. Tendo em vista os novos valores morais do nosso contexto histrico, no qual construmos polticas de insero social dessas pessoas de cor negra e legislamos proteo, via lei, contra toda forma de discriminao que foi historicamente enraizada, isso vem sendo paulatinamente desconstrudo.
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que no tem assegurada sua conscincia mental, entendendo que agiu sem o
uso da racionalidade, tambm no pode ser julgado do ponto de vista da tica.
Como resultante da prxis, tendo o trabalho como elemento ontolgico
e fundante do ser social, o ser que d respostas o mesmo que,
contraditoriamente, se (auto)determina e nesse sentido Lukcs nos ajuda a
refletir como se caracteriza a liberdade no sentido de que:
Precisamente essa ligao do reino da liberdade com sua base scio-material como reino da necessidade, mostra como a liberdade do gnero humano seja o resultado de sua prpria atividade. A liberdade, bem como sua possibilidade, no um dom do alto e nem sequer uma parte integrante de origem misteriosa do ser humano. produto da prpria atividade humana, que de certo sempre atinge concretamente alguma coisa diferente daquilo que se propusera, mas que nas suas consequncias dilata objetivamente e modo contnuo o espao no qual a liberdade se torna possvel; e tal dilatao ocorre, precisamente, de modo direto, no processo de desenvolvimento econmico, no qual, por um lado, acresce-se o nmero, o alcance etc., das decises humanas entre alternativas, e , por outro, eleva-se ao mesmo tempo as capacidades dos homens, na medida em que se elevam as tarefas a eles colocadas por sua prpria atividade. Tudo isso, naturalmente, permanece ainda no reino da necessidade (LUKCS, 1978, p.15).
Tendo em vista estes entendimentos, a dimenso tica se coloca como
um espao inerente do convvio do homem em sociedade, como mediao das
relaes sociais e construdas pelas relaes de trabalho, sendo atravs
dessas atividades que os homens estabelecem relaes com a natureza, com
outros homens e consigo mesmo, criando sua cultura e sua histria.
So os homens que criam as normas e valores, porm, nas sociedades de classes, as relaes sociais por eles estabelecidas so movidas por necessidades e interesses contraditrios, donde a impossibilidade de existirem valores absolutos ou uma concepo de bem que corresponda ao interesse e s necessidades de todos. Por isso, a moral e a tica tambm marcada por essa contraditoriedade; historicamente seus valores e princpios adquirem diferentes significados e atendem, indiretamente, a interesses ideolgicos e polticos de classes e grupos sociais (BARROCO, 2007, p.29).
Com a estruturao do atual modelo de sociabilidade alicerado na
propriedade privada e na diviso das classes, a burguesia no s orienta os
valores como tambm legitima e desvirtuam alguns deles como, por exemplo, o
uso da solidariedade, da liberdade, dentre outros. Isso remete, tambm, a
reflexo sobre os processos histricos e suas determinaes, produto da
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produo e reproduo social que vige na sociedade e que o ser social
determinado pelas relaes sociais vigentes.
medida que se desenvolve, o sistema embrionrio construdo nas comunidades primitivas substitudo por formas mais complexas, por necessidades mais complexas, uma vez que, o surgimento da propriedade privada, da sociedade de classes e da diviso social do trabalho, apresenta-se novas exigncias de integrao social, o que se reflete na necessidade de legitimao dos valores e nas normas de comportamentos orientadas pelo ethos dominante (BARROCO, 2008, p.60-61).
Esse sistema acaba por trazer inmeras contradies do ponto de vista
da autoconstruo do ser social.
Segundo Barroco,
As mesmas relaes sociais que ampliam as capacidades e possibilidades humanas pr