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Gabinete do Reitor – Assessoria de Comunicação • Setor de Mídia Impressa – Ano 2 - nº 7 • Agosto 2005 – http://www.jornal.ufrj.br Jornal da UFRJ “Falar em golpe é mistificação” E depois do vendaval? A crise política que se aba- teu no Brasil não poupou a esquerda. Para entendê-la o Jornal da UFRJ entrevistou Carlos Nelson Coutinho, pro- fessor da Escola de Serviço Social da UFRJ e diretor da Editora UFRJ, um dos maiores especialistas do pensamento gramsciano no Brasil. Pág. 10 e 11. Promovido pelo Fórum de Ciên- cias e Cultura da UFRJ, o debate A Esquerda e a Crise Política do Gover- no, que se estendeu por quatro horas no dia 27 de julho último, trouxe para o campus da Praia Vermelha, defensores e críticos contundentes do Governo Lula da Silva. Saturnino Braga (senador, PT-RJ), Jandira Feghalli (deputada federal, PCdoB-RJ), Carlos Nelson Coutinho (professor da Escola de Serviço So- cial/UFRJ), Wanderlei Guilherme dos Santos (cientista político do Iuperj), Luiz Werneck Vianna (soci- ólogo, também do Iuperj) e Aloísio Teixeira (reitor da UFRJ) debateram o Governo, as origens da crise e a corrupção junto a um público apro- ximado de 100 pessoas. Pág. 12 e 13. Pág. 3 Pág. 20. Natureza da crise política e insti- tucional brasileira; crise da democra- cia representativa no Brasil; natureza da corrupção; a crise do Partido dos Trabalhadores: as razões, as conse- qüências e o destino do partido; e as alternativas para a esquerda brasilei- ra, são algumas dos temas abordados pelo cientista político. Partindo do espaço arquitetô- nico e discutindo algumas das características do prédio, a Série Espaço e História lança um olhar curioso sobre o Palácio da Praia Vermelha, baseando-se no livro de Pedro Calmon (ex-reitor da UFRJ), O Palácio da Praia Vermelha, pu- blicado pela Editora UFRJ. Tudo a partir da análise de especialistas da própria universidade. Pág. 17 Viagem da loucura à universidade A desocupação da Faixa de Gaza, que tem a resistência dos setores religiosos ortodoxos, assim como o microcosmo de relação entre o político e o religioso em Israel e nas sociedades contemporâneas ociden- tais e a sobreposição de religião e política, ameaçam a democracia? Essas são questões abordadas em artigo (Teocracia e democracia em Israel) e matéria que lançam luz sobre o assunto. Pág. 4 Israel: temor infundado Radamés Gnattali: o mito do experimentador Sangue, fluido da vida Pág. 9 O projeto de Reforma Política em curso contém elementos impor- tantes para a vida democrática da sociedade brasileira. Quatro deles são aqui abordados: a votação em lista; o financiamento público de campanhas; a cláusula de barreira; e a representatividade proporcional dos estados. Reforma política no caldeirão da crise Radamés Gnattali, em sua obra erudita, aborda os mais variados te- mas e instrumentos. Também é ágil e atual em sua produção popular. Especialistas da Escola de Mú- sica falam sobre a obra do autor: o que há de importante e o que tem de comum e diferente com outros autores, como Villa-Lobos. Entrevista Carlos Nelson Coutinho Fábio Portugal Fábio Portugal acervo pessoal Marco Fernandes

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Page 1: UFRJ · Radamés Gnattali: o mito do experimentador Sangue, fluido da vida Pág. 9 O projeto de Reforma Política em curso contém elementos impor-

Gabinete do Reitor – Assessoria de Comunicação • Setor de Mídia Impressa – Ano 2 - nº 7 • Agosto 2005 – http://www.jornal.ufrj.br

Jornal da

UFRJ“Falar em golpe é mistificação”

E depois do vendaval?

A crise política que se aba-teu no Brasil não poupou a esquerda. Para entendê-la o Jornal da UFRJ entrevistou Carlos Nelson Coutinho, pro-fessor da Escola de Serviço Social da UFRJ e diretor da Editora UFRJ, um dos maiores especialistas do pensamento gramsciano no Brasil. Pág. 10 e 11.

Promovido pelo Fórum de Ciên-cias e Cultura da UFRJ, o debate A Esquerda e a Crise Política do Gover-no, que se estendeu por quatro horas no dia 27 de julho último, trouxe para o campus da Praia Vermelha, defensores e críticos contundentes do Governo Lula da Silva.

Saturnino Braga (senador, PT-RJ), Jandira Feghalli (deputada federal, PCdoB-RJ), Carlos Nelson Coutinho (professor da Escola de Serviço So-cial/UFRJ), Wanderlei Guilherme dos Santos (cientista político do Iuperj), Luiz Werneck Vianna (soci-ólogo, também do Iuperj) e Aloísio Teixeira (reitor da UFRJ) debateram o Governo, as origens da crise e a corrupção junto a um público apro-ximado de 100 pessoas.

Pág. 12 e 13.

Pág. 3

Pág. 20.

Natureza da crise política e insti-tucional brasileira; crise da democra-cia representativa no Brasil; natureza da corrupção; a crise do Partido dos Trabalhadores: as razões, as conse-qüências e o destino do partido; e as alternativas para a esquerda brasilei-ra, são algumas dos temas abordados pelo cientista político.

Partindo do espaço arquitetô-nico e discutindo algumas das características do prédio, a Série Espaço e História lança um olhar curioso sobre o Palácio da Praia Vermelha, baseando-se no livro de Pedro Calmon (ex-reitor da UFRJ), O Palácio da Praia Vermelha, pu-blicado pela Editora UFRJ. Tudo a partir da análise de especialistas da própria universidade.

Pág. 17

Viagem da loucura à universidadeA desocupação da Faixa de Gaza,

que tem a resistência dos setores religiosos ortodoxos, assim como o microcosmo de relação entre o político e o religioso em Israel e nas sociedades contemporâneas ociden-tais e a sobreposição de religião e política, ameaçam a democracia? Essas são questões abordadas em artigo (Teocracia e democracia em Israel) e matéria que lançam luz sobre o assunto.

Pág. 4

Israel: temor infundado

Radamés Gnattali:o mito do experimentador

Sangue, fluido da vida

Pág. 9

O projeto de Reforma Política em curso contém elementos impor-tantes para a vida democrática da sociedade brasileira. Quatro deles são aqui abordados: a votação em lista; o financiamento público de campanhas; a cláusula de barreira; e a representatividade proporcional dos estados.

Reforma política no caldeirão da crise

Radamés Gnattali, em sua obra erudita, aborda os mais variados te-mas e instrumentos. Também é ágil e atual em sua produção popular.

Especialistas da Escola de Mú-sica falam sobre a obra do autor: o que há de importante e o que tem de comum e diferente com outros autores, como Villa-Lobos.

EntrevistaCarlos Nelson Coutinho

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2 UFRJJornal da

Agosto•2005

Reitor: Aloísio Teixeira – Vice-Reitor: Sylvia da Silveira Mello Vargas – Pró-Reitoria de Graduação – PR-1: José Roberto Meyer Fernandes - Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa – PR-2: José Luiz Fontes Monteiro – Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento – PR-3: Joel Regueira Teodósio – Pró-Reitoria de Pessoal – PR-4: Luiz Afonso Henriques Mariz – Pró-Reitoria de Extensão – PR-5: Marco Antonio França Faria – Superintendente de Graduação SG-1: Deia Maria Ferreira dos Santos – Superintendente de Ensino SG-2: Leila Rodrigues da Silva – Superintendente Administrativa SG-2: Regina Dantas – Superintendente SG-3: Almaísa Monteiro de Souza – Superintendente SG-4: Roberto Antônio Gambine Moreira – Superintendente SG-5: Isabel Cristina Azevedo – Superintendência Geral de Administração e Finanças – SG-6: Milton Flores – Chefe de Gabinete: João Eduardo do Nascimento Fonseca – Forum de Ciência e Cultura: Carlos Antônio Kalil Tannus – Prefeitura Universitária: Hélio de Mattos Alves – Escritório Técnico da Universidade /ETU: Maria Angela Dias – Sistema de Bibliotecas e Informação/SiBI: Paula Maria Abrantes Cotta de Melo– Assessor de Comunicação: Fernando Pedro Pahl Campos Lopes

ExpedienteJORNAL DA UFRJ É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DO SETOR DE MÍDIA IMPRESSA DA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – Av. Brigadeiro Trompovsky, s/n. Prédio da Reitoria - Andar Térreo - Cidade Universitária - Ilha do Fundão - CEP 21941-590 - Rio de Janeiro - RJ – Telefones: (21) 2598 1621 - 2598 1894 – Fax: (021) 2598 1605 – [email protected] – Editor/Jornalista Responsável: Fortunato Mauro – Reg. 20732 MTb – Pauta:Fortunato Mauro e Francisco Conte – Editoria de Arte/Projeto Gráfico: José Antonio de Oliveira – Ilustração: Jefferson Nepomuceno – Reportagem: Coryntho Baldez, Ana Gomes e Rafaela Pereira – Estagiários de jornalismo: Bruno Franco (ECO/UFRJ), Diego do Carmo (ECO/UFRJ), Liana Fernandes (ECO/UFRJ), Luana Monçores (ECO/UFRJ), Lucas Bonates (ECO/UFRJ) e Raphael Ferreira (ECO/UFRJ) – Estagiários de Arte: Patrícia Perez (EBA/UFRJ) e Pina Brandi (EBA/UFRJ) – Estagiários de Fotografia: Marco Fernandes e Fábio Portugal (EBA/UFRJ) – Estagiária de Revisão de Texto: Daniele Robert (Faculdade de Letras/UFRJ) – Estagiário de web: Virgílio Fávero Neto (Instituto de Matemática/UFRJ) – Resenhas: Francisco Conte.

Ponto de Vista

Jean-Claude E. Silberfeld*

Impresso na Divisão Gráfica da UFRJ - 12 mil exemplares

O primeiro conceito a guardar quando da discussão a que se propõe esse artigo, é que democracia reflete a organização de um Esta-do no qual a estrutura formal é resultado de um arcabouço legal oriundo do pensamento Ocidental, matizado pelas diferentes corren-tes ideológicas no qual evoluiu o conjunto de normas e regras que permeiam as socie-dades que optaram por adotar os preceitos desenvolvidos no que costumamos chamar de civilização greco-romana, em vigor na Europa, da hoje expandida União Européia, nas Américas, na Oceania e em algumas ilhas de exceção na Ásia (Índia, Bangladesh, Ja-pão, Filipinas, Indonésia e Israel) e na África (África do Sul, Quênia, e recentemente, An-gola e Moçambique).

O arcabouço doutrinário dos regimes teocráticos provém da lógica que os assuntos humanos devem ser regidos, exclusivamente, pelos textos sagrados das religiões majoritárias dos países que a exercem com maior ou menor rigidez. São, usualmente, associados às civili-zações que habitam a Ásia e parte significativa da África. Hoje, em sua maioria, países de forte influência das diferentes culturas e vertentes do Islã, mesmo que neste universo existam exce-ções, nas quais houve, devido a longa presença britânica e das condições pertinentes a cada região, a possibilidade de interagirem doutri-nas locais e alienígenas, e que sem dúvida, tem como modelo Bangladesh, país de população muçulmana regida por normas da democracia ocidental tendo como primeiro ministro uma mulher. Dessa informação temos que não há porque associar automaticamente religião com direitos civis e legislação. No universo dos países muçulmanos, muitas vezes associado no imaginário ocidental como homogêneo, são muitas as variantes de absorção do Alcorão como regra básica de governança.

Regimes teocráticos atuais são: o Irã e o Vaticano. A Arábia Saudita não é uma teocracia, apenas um regime absolutista, como muitos outros na Ásia e na África, no qual as regras de conduta civil são determinadas e fiscalizadas por códigos extraídos de uma dada interpre-tação do Islã. O grau de vigência de normas extraídas de textos religiosos varia de sociedade para sociedade, sem que disso possamos inferir que sejam sociedades teocráticas. O não direito ao aborto e ao divórcio na República da Irlanda ou no Chile, servem para ilustrar esta afirmação na órbita de países ditos democráticos, mas com forte componente, na legislação, de valores específicos da Santa Madre Igreja.

Com esses necessários elementos intro-dutórios podemos agora passar a discutir o título do artigo. A breve apresentação das especificidades do Estado de Israel são impor-tantes para o desenvolvimento das idéias que serão expostas a seguir. É uma sociedade com

população oriunda de mais de 180 países, com arcabouços culturais dos mais diversos. Dos iluministas aos fundamentalistas, a sociedade israelense é resultado de um mix de costumes e de História na terra de Israel e na Diáspora, por mais de 2500 anos. A preservação do povo de Israel neste hiato temporal deveu-se fun-damentalmente a capacidade de preservação de sua herança cultural em ambientes mais ou menos acolhedores, incluindo-se neste contexto as comunidades judaicas que sempre viveram nas terras do atual Estado - na Galiléia e em Jerusalém, após Roma.

A História do atual Estado de Israel se de-senvolveu no contexto das transformações que perpassaram o mundo do final do sécu-lo XIX até hoje. Idealizado por um jornalista austríaco, Theodor Herzl, no auge da externa-lização do anti-semitismo francês — O caso Dreyfus — acompanhando um processo de imigração/expulsão das populações judaicas que viviam no Império Czarista, conjunta-mente com a gradual derrocada do Império Otomano, então, senhor da Palestina romana. Criava-se, nas terras adquiridas pelos benfei-tores judeus esclarecidos da Europa Ocidental, como Montefiore, ou por meio do, posterior-mente criado, Fundo Nacional, um conjunto de iniciativas de repovoamento judaico que tinha que coabitar com os núcleos centená-rios de comunidades que viviam centradas em sociedades que misturavam as práticas do judaísmo medieval europeu do conhecimento oriundo da Era de Ouro da península Ibéri-ca e de comunidades judaicas autóctones que estavam, desde o século VIII, adaptadas ao convívio com os muçulmanos, detentores do Poder, com as normas próprias ao convívio, de acordo com o Islã, no qual não seguidores da verdade do Alcorão viviam como cidadãos de Segunda classe.

O Estado de Israel é regido por um ar-cabouço legal que compreende, por falta de uma Constituição, leis do Império Otomano, do Mandado Inglês da Palestina — outorgado pela Liga das Nações — e pelo corpo de leis emanado do Parlamento (Knesset), tendo a Suprema Corte como elaboradora de normas a quiçá de Constituição, quando provocada. É uma sociedade ocidental nas normas, num universo mental árabe, em parte muçulmano e em parte Cristão Ortodoxo. É uma sociedade na qual 20% da população é etnicamente árabe (cristãos, beduínos, drusos e muçulmanos) e outros 20% são de judeus ortodoxos, subordi-nados em todas as questões, a contra gosto, à Suprema Corte.

Os judeus ortodoxos residentes no Esta-do de Israel, em suas múltiplas correntes, não consideram nos assuntos afeitos ao direito de família, ilações que não sejam embasadas no direito Talmúdico — norma que estendesse

para todas as confissões, herança da legisla-ção otomana. Nos demais aspectos do direito estão afeitos ao arcabouço legal oriundo do ocidente. As questões interpretadas à luz do conjunto do conhecimento jurídico emanado da halacha — essencialmente, a compilação de um código de normas que surge a partir do primeiro exílio da Babilônia — são, con-forme as contingências, “adequados” por esta ou aquela parcela da ortodoxia que se outorga o monopólio da “verdade”. Sobrevalorizam-se os direitos dos estudantes das academias ra-bínicas, procuram justificar, com base numa interpretação literal das Escrituras, a per-manência dos territórios administrados na Cisjordânia e Gaza, entretanto, sua expressão política, significativamente, dá-se por meio dos partidos políticos no seio do da Knesset.

Atribuir direitos decorrentes de ensina-mentos bíblicos, à presença de população judaica em Gaza, é diverso de justificar a pre-sença em Hebron, primeira Capital do Reino de David. A discussão de quem é judeu, qual a conversão, qual o direito à cidadania, a lei do retorno, são algumas questões atuais, nas quais o entrecruzamento de preceitos teocrá-ticos com as normas da democracia do Estado de Direito, se fazem presentes provocando o encontro do adequado modus vivendi, em última instância, decididos nas eleições ou pela Suprema Corte de Israel.

A teocracia é, sem sombra de dúvida, desejo de uma minoria judaica residente no Estado de Israel, todavia, não é possível, nem desejada por cerca de 80% da popula-ção judaica deste Estado. Em determinados momentos da contemporânea história, houve atritos resolvidos até pela força, dado que, como em qualquer democracia, a maioria impõe sua vontade.

Os problemas decorrentes do estado de guerra que permeia a História do Estado de Israel desde o armistício de Rodes em 1949, os territórios administrados, a erupção do anti-semitismo travestido de anti-sionismo no mundo ocidental, são tentados a serem esmiuçados pela imprensa ocidental e com-preendidos como um embate entre a corrente que preconiza a interpretação das Escrituras e a que segue as normas do Estado de Direito laico. Na essência, o que se visa, é a sobrevivência do povo judeu em fronteiras seguras no Oriente Próximo. O demais é acessório.

O desconhecimento, por parte do público brasileiro, das peculiaridades, acima descritas, da realidade israelense, fazem com que se ol-vide que o Estado de Israel é a única estrutura democrática no Oriente Próximo.

*Jean-Claude E. Silberfeld é economista, mestre em História do Brasil pela PUC/SP e gerente de Relações Internacionais da Fecomercio, São Paulo.

Teocracia e democracia em Israel

A teocracia é, sem

sombra de dúvida,

desejo de uma minoria judaica

residente no Estado de Israel,

todavia, não é possível,

nem desejada por cerca

de 80% da população

judaica deste

Estado.

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3UFRJJornal da

Agostoo•2005

Em 2002, na 18ª edição do Prêmio Jovem Cien-

tista, o estudante de Engenharia Mecânica da

UFRJ, Mauricio Oliveira Brandão, na época com

21 anos, foi o primeiro colocado na categoria Es-

tudantes, com a pesquisa sobre a pilha a com-

bustível (álcool) ou a célula combustível que, na

realidade, tratou da combustão a frio, onde o oxi-

gênio — que pode ser proveniente do ar ambien-

te — reage com o combustível e se transforma

em eletricidade capaz de pôr em funcionamento

qualquer aparelho que dependa de corrente elé-

trica. A pesquisa de Mauricio Oliveira Brandão

foi orientada pelo professor Sílvio Carlos Aníbal

de Almeida.

Ciência

SangueCom o objetivo de incentivar a pesquisa nas áreas relacionadas ao sangue, o

XXI Prêmio Jovem Cientista desse ano tem as doenças hematológicas como tema.

Fortunato Mauro e Adriana Martins

, fluido da vida

Estudante da UFRJ já foi premiado

Os cerca de cinco litros de sangue encon-trados no corpo humano são responsá-veis pelo funcionamento adequado de nosso organismo e exatamen-te por isso é que, a partir da análise desse fluido, muitas doenças são diagnostica-das.

As doenças hema-tológicas são graves e muitas vezes exigem tratamentos comple-xos. Assim, o avanço das pesquisas hemo-terápicas é funda-mental para grande parcela da popula-ção, uma vez que as patologias do sangue (como a leucemia e a anemia falciforme) atingem um número considerável em todo país. No Brasil, cerca de 600 mil pessoas são por-tadoras do vírus HIV, que pode provocar a Aids, doença que ataca os leucócitos (glóbu-los brancos), diminuindo a defesa imunológica e enfraquecendo o organismo. As pesquisas relativas ao sangue e seus componentes são impres-cindíveis para salvar vidas ou, pelo menos, aliviar o sofrimento de enfermos.

Os estudos com células-tronco são particular-mente promissores. Estas células existem na medula óssea e no sangue do cordão umbilical, bem como da placenta e têm potencial para originar, em seu proces-so de multiplicação, diferentes tecidos. As pesquisas sugerem que, no futuro, elas possam funcionar como substitutas em tecidos lesionados ou doentes, como nos casos dos males de Alzheimer e de Parkinson, ou ainda em substituição a componentes que o organis-mo deixa de produzir por alguma deficiência, como no caso do diabetes. No entanto, ainda há muito que descobrir e aperfeiçoar para que muitas vidas possam ser salvas com esse progresso.

O tema do Prêmio em 2005Procurando proporcionar uma oportunidade para a

apresentação de pesquisas inovadoras e motivar novos estudos na área, o Conselho Nacional de Desenvolvi-mento Científico e Tecnológico (CNPq) – junto com a Fundação Roberto Marinho, a Eletrobrás/Procel e a Gerdau – que vem, desde 1981, premiando jovens estudantes brasileiros e nesse ano, resolveu incentivar pesquisas sobre doenças hematológicas genéticas ou adquiridas, com o tema Sangue – Fluido da vida.

O XXI Prêmio traz novidades. Agora, são cinco as categorias a serem premiadas: graduado; estudante do ensino superior; estudante do ensino médio; orienta-dor e mérito institucional. Será concedida também, pela primeira vez na história do prêmio, uma menção honrosa a um pesquisador com o título de doutor que tenha se destacado pela realização de obra científica ou tecnológica de reconhecido valor para o progresso

da área do conhecimento relacionada ao tema, cujos candidatos devem ser indicados por

associações ou sociedades científicas, tais como o Conselho Federal de

Medicina, o Colégio Brasileiro de Hematologia, a Sociedade

Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e a Socie-dade Brasileira para o

Progresso da Ciência (SBPC).

Os vencedores re-ceberão, no fim do ano, a premiação em cerimônia no Palácio do Planalto com a presença do presidente da Re-

pública.

Valores das premia-ções

Esse ano o valor dos prêmios aumentou. Na

categoria graduado (para pesquisadores que tenham

menos de 40 anos até 31 de dezembro de 2004), a premia-

ção é de R$ 20 mil para o pri-meiro colocado; R$ 15 mil para o

segundo e R$ 10 mil para o tercei-ro. Na categoria estudante do ensino

superior (para alunos de cursos supe-riores que tenham até 30 anos de idade em

31 de dezembro de 2004), o vencedor ganha R$ 10 mil, o segundo colocado R$ 8,5 mil e o

terceiro R$ 7 mil. Já a categoria Mérito Institucional (que incentiva a pesquisa científica em universida-des, centros de pesquisa, escolas técnicas ou empre-sas) será premiada com R$ 30 mil a instituição que inscrever o maior número de trabalhos com mérito científico, de acordo com critérios pré-estabelecidos pela comissão julgadora do Prêmio.

Na categoria estudante do Ensino Médio (do en-sino público ou privado e de escolas técnicas, com idade até 25 anos, em 31 de dezembro de 2005), os vencedores ganham um microcomputador e uma im-pressora. Os orientadores e as instituições de ensino de cada um dos nove cientistas selecionados serão contemplados com microcomputadores e impresso-ras. O pesquisador que receber a Menção Honrosa ga-nhará, além do reconhecimento da comunidade cien-tífica brasileira, uma placa alusiva e R$ 15 mil.

As inscriçõesAs inscrições são individuais e devem ser feitas até

o dia 31 de agosto de 2005 e podem ser enviadas ao CNPq pelo correio (Prêmio Jovem Cientista — SEPN 507 — Bloco B — 2º andar. CEP 70740-901 Brasília-DF) ou na página eletrônica http://www.jovemcientista.cnpq.br, onde existem mais informações.

Todos os trabalhos precisam estar acompanhados de ficha e comprovante de inscrição preenchidos, currículo atualizado e resumo da pesquisa com, no máximo, quatro páginas. Neste resumo devem cons-tar o nome do candidato e o título do trabalho.

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4 UFRJJornal da

Agosto•2005

Internacional

A violência, na retórica e nas ati-tudes, de pequenos grupos de judeus ortodoxos nacionalistas contra o processo de desocupação da Faixa de Gaza tem recebido atenção da mídia, que reporta as constantes crises na região, quase sempre, sem a profundidade e a isenção necessárias.

O plano do governo de Ariel Sharon é desmantelar os 21 assentamentos judaicos na Faixa de Gaza e quatro outras colônias na Cisjordânia, em um processo que deverá ser concluído até o final de 2005. Esta medida faz parte do Mapa do Cami-nho, patrocinado por União Européia, Rús-

sia, Estados Unidos e ONU. Os cerca de nove mil colonos

receberão indeniza-ções que podem chegar

a US$ 500 mil, e estão sendo incentivados por

Tel Aviv a se estabelecerem na Galiléia e em Neguev, regiões menos desenvolvi-das do país, o que exigirá pesados investimentos em infra-estrutura.

A retirada é apoiada pela maioria da popula-ção israelense, que trau-matizada por décadas de violência, agravada pela eclosão da Intifada, vê no atual abrandamento

dos discursos partidários – que costumavam insuflar a violência – tanto do lado

muçulmano como do judeu, uma pos-sibilidade histórica de alcançar a paz. A radicalização política e religiosa perde espaço para o pragmatismo de dirigen-tes, conscientes da necessidade impres-cindível de garantir um convívio entre os dois povos. O extremismo de um grupo apenas alimenta o fanatismo do outro, e os intolerantes não crêem em negociações, pois estas não atenderão plenamente suas reivindicações – carre-gadas de mitos e preconceitos sobre seu interlocutor e sobre si mesmo – quais-quer que sejam.

O professor do Instituto de Filoso-fia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ e sociólogo, Bernardo Sorj, defende que a desocupação da Faixa de Gaza e da Cisjordânia vai normalizar as condições

Israel

O forte sentimento de religiosidade que norteia Israel, bem como as demais nações do Oriente Médio, não se opõe ao conceito ocidental de democracia nem ao

processo de paz.

Bruno Franco

democráticas em Israel, pois os palesti-nos serão, efetivamente, cidadãos quan-do constituírem enfim o seu Estado. O respeito às minorias passaria também pela manutenção da identidade judaica do Estado israelense em um nível míni-mo, o que implica em abolir as leis que excluem os árabes na compra de terras e outras medidas discriminatórias vigen-tes que tornam, de fato, os árabes cida-dãos de segunda-classe.

A ameaça feita por grupos ortodo-xos nacionalistas, como o movimento terrorista Kach, à retirada dos colonos não é um empecilho intransponível ao planejamento de Ariel Sharon – assim acredita a socióloga Bila Sorj, também professora do IFCS/UFRJ – apenas ele-vará o seu preço político. “Não me pare-ce que estas minorias sejam capazes de comprometer os planos de paz. Não há qualquer razão militar nem mesmo reli-giosa que justifique a manutenção desta população na Faixa de Gaza”, enfatiza a professora.

A despeito das críticas ao seu caráter presumidamente teocrático, Israel é uma democracia e, como salienta Bernado Sorj, a associação entre religião e política está presente em todo o Oriente Médio, e é comum mesmo nas ditas democracias laicas republicanas ocidentais a exis-tência de partidos cristãos, como a CDU (Christlich Demokratische Union – União Democrata Cristã) na Alemanha.

Em Israel, contudo, essa relação imiscui-se no próprio aparelho estatal e regula mesmo questões como casamentos e enterros. Isto, na opinião de religiosos moderados, corrompe o próprio credo. “O efeito da mistura entre Estado e re-ligião em Israel é que toda uma geração de jovens se alienou de tudo o que diz respeito à tradição e cultura judaicas, de tal modo que poucos conseguem discutir com os fundamentalistas outras pers-pectivas de interpretação do judaísmo. Eles (os ultra-ortodoxos), de fato, não encontram muitos adversários na disputa pela hegemonia do campo religioso em Israel”, esclarece Bila.

O temor dos ultra-nacionalistas ju-deus é que o atual plano de desocupa-ção abra precedente para retiradas mais amplas na Cisjordânia, um território cujo valor teológico é superior à Gaza, de acordo com Bernardo Sorj. Mas, na opinião de ambos os especialistas, o fundamentalismo religioso judaico não será obstáculo ao desejo do conjunto das sociedades israelense e palestina: a continuação do processo de paz.

Temor infundado

Ilustração: Jefferson Nepomuceno

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5UFRJJornal da

Agostoo•2005

Mas, se a disputa entre as duas únicas superpotên-cias da época foi, de fato, uma guerra fria, pois não degenerou em confronto bélico arberto, o mesmo não pode ser dito dos conflitos, chamados perversamente, de baixa intensidade que eclodiram nos mais diversos cantos do globo, sempre motivados pela oposição ide-ológica entre soviéticos e norte-americanos.

De acordo com Teixeira, a associação entre indústria bélica e política externa agressiva constituiu um com-plexo industrial-militar autônomo nos Estados Unidos, fomentando a expansão da corrida armamentista em função de seus interesses financeiros e corporativos. “Da mesma forma, na URSS, uma casta burocrática da indústria estatal de armamentos beneficiava-se do clima hostil nas relações internacionais”, acrescenta o historiador.

Com a desintegração da União Soviética em 1991, a geopolítica da Guerra Fria foi superada. Contudo, com a eclosão de atentados terroristas nos mais diver-sos países, tornou-se clara a existência de um novo tipo de conflito, agora contra o terrorismo internacio-nal, sob a forma da Al-Qaeda e sua rede de células terroristas, afirma o professor Francisco Carlos Teixei-ra. Em sua avaliação, o excesso de poder gerido uni-lateralmente pelos Estados Unidos, bem como seus seguidos erros de avaliação estratégica, como no caso da invasão ao Iraque, aumentam a sensação de inse-gurança no mundo.

Apesar do final da Guerra Fria, Francisco Carlos Teixeira pensa que conti-nuamos vivendo um período sombrio. Nem tudo, proém, está perdido. “No outro lado da margem da história há sempre a possibilida-de de se fazer diferente. A questão reside em saber se os homens, com as forças necessá-rias a optar pela paz, terão esta coragem e sa-bedoria”.

Internacional

A máxima do estrategista militar prussiano Carl von Clausewitz (1780-1831), que serve de título dessa metéria, afirma que não existem meios de controlar os rumos de uma guerra, nem impedir que um país en-volvido no conflito opte pelo uso máximo de violência quando julga ser uma opção legítima e adequada aos seus interesses.

A superioridade tecnológica sempre foi um diferen-cial em tempos de guerra. Isto adquiriu caráter ainda mais decisivo e dramático no século XX, quando o avan-ço da tecnologia bélica resultou em armas e dispositivos que minimizariam em muito a duração de conflitos e maximizariam o número de vítimas.

A Alemanha nazista assombrou a Europa, na II Guerra Mundial, com a blitzkrieg — a guerra-relâmpago — combinando o avanço sincronizado de aeronáutica e cavalaria (tanques) e comunicação criptografada via ondas de rádio, além do desenvolvimento dos mísseis V-2, de longo alcance, usados no bombardeio a Londres, e do uso de submarinos.

Alertado por cientistas como Albert Einstein e Robert Oppenheimer sobre o perigo da Alemanha consolidar-se na vanguarda da tecnologia nuclear, o presidente americano Franklin Delano Roosevelt ini-ciou, em 1942, o projeto Manhattan, que culminou no desenvolvimento da bomba atômica.

A tecnologia desenvolvida pelo projeto foi utilizada, entretanto, não contra cidades alemães, mas sim em bombardeios às cidades de Hiroshima e Nagasaki, o que

liquidou a resistência do Japão, a única potência do Eixo que ainda não havia capitulado

frente às tropas aliadas.De acordo com o historiador Francis-

co Carlos Teixeira, professor do Instituto de Filosofia e

Ciências Sociais (IFCS), da UFRJ, não existe

resposta única na busca dos

reais mo-t i v o s

des-

te episódio, que marcou a história

de forma lamentável. Com a crueza das bata-

lhas, nas ilhas de Iwo Jima e Okinawa, “era de se prever que

um desembarque americano nas ilhas metropolitanas do Japão geraria um banho de

sangue de grandes proporções”, explica Teixeira.

“Toda guerra tende ao seu extremo”60 anos da II Guerra Mundial

O impacto das bombas nucleares norte-americanas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, nos dias 6 e 9 de agosto de 1945, marcou o fim de um capítulo da história mundial — a II Grande Guerra — e o início de outro — a Guerra Fria —, mostrando à humanidade o quão duvidoso pode ser o progresso

da Ciência (ou quão duvidosa pode ser a racionalidade da ciência).

Bruno Franco

No entanto, com o fim dos confrontos na Europa, a União Soviética volta suas forças para o Oriente e inicia a invasão da Coréia e da Manchúria. “Os americanos, já preocupados com a sovietização da Europa Oriental, perceberam o risco de substituir um poder imperial (japonês) no Oceano Pacífico, por outro (soviético)”, contrapõe o professor.

Dois anos após o uso das bombas e a trágica verifi-cação do seu poder de destruição imediata (descobrir-se-iam posteriormente alguns efeitos sobre os sobrevi-ventes), o presidente norte-americano Harry Truman

lançou a doutrina, que lhe é homônima, segundo a qual os Estados Unidos deveriam enfrentar a

ameaça comunista onde quer que esta sur-gisse. Em 1949, os soviéticos testam sua

primeira bomba atômica. Três anos mais tarde, os norte-americanos de-senvolvem a bomba de hidrogênio,

com potência 750 vezes maior que o artefato que arrasou Hiroshima. Em 1955, novamente a União Soviética se iguala à potência rival na corrida

armamentista.

No capricho de duas potênciasA disputa entre os dois países atingiu os mais

variados campos das atividades humanas: política, economia, cultura, esporte, ideologia, tecnologia aero-espacial e indústria bélica. Todavia, as duas potências não podiam confrontar-se abertamente, sob o risco de uma hecatombe nuclear. A ameaça pairava sobre a humanidade, tal qual a Espada de Dâmocles.

Ilustração: Jefferson Nepomuceno

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Saúde

Diabetes Mellitus

Do diagnóstico ao tratamentoDoença que atinge cerca de 170 milhões de pessoas no mundo inteiro e desses, 10 milhões só no Brasil, é motivo de preocupação da

Organização Mundial da Saúde (OMS), que projeta para 2030 um aumento para 360 milhões de portadores.

Fortunato Mauro e Lílis Soares

Os primeiros relatos do diabetes mellitus datam do Antigo Egito, quando era considerado um mal gra-ve e misterioso. Dois mil anos depois, por volta de 70 d.C., Areteu descreveu a doença, com quatro sinais importantes: fome, sede, fraqueza e muita urina.

Somente em 1670, depois que o médico inglês Thomas Willis provou a urina de um paciente sob sus-peita de diabetes, descobriu-se que ela era muito doce, “cheia de açúcar”. Séculos se passaram e os estudos ainda continuam a ser realizados. A doença se espa-lhou pelo mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), hoje ela atinge mais de 170 milhões de pessoas, 10 milhões só no Brasil. A estimativa da OMS projeta que em 2030 o número de diabéticos no mundo poderá ultrapassar os 360 milhões.

Muitas informações sobre a doença podem ser en-contradas em sítios na Internet, junto a comunidades científicas e associações de pacientes. Existem vários centros de referência no tratamento da doença em nosso país, a exemplo do Instituto Estadual de Diabetes e En-docrinologia Luiz Capriglione (IEDE), no Rio de Janeiro, do Centro de Diabetes da Bahia (Cedeba) e do Instituto da Criança com Diabetes (ICD), no Rio Grande do Sul, no entanto, a divulgação ainda é insuficiente.

Segundo José Egídio Paulo de Oliveira, chefe do Serviço de Nutrologia do HUCFF/UFRJ e ex-presi-dente da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), o desconhecimento do diabetes, muitas vezes, favorece o não diagnóstico da doença e o não tratamento. “Isso é muito comum não só em nosso país, mas em todo o mundo. Mesmo nos países desenvolvidos, muitas pessoas têm diabetes e não sabem. No Brasil, acre-ditamos que metade dos diabéticos ou até mais, em determinadas regiões, não tem o diagnóstico da doença e, portanto não está se tratando. E se nós juntarmos a esses, aqueles que sabem que têm a doença e por uma série de motivos não conseguem se tratar, teremos, fatalmente, muito mais da metade dos diabéticos do Brasil à margem dos tratamentos”, diz o professor.

Insulina, cansaço, perda de peso...Nosso corpo transforma grande parte dos alimentos

que ingerimos em glicose (açúcar), que é transportada no sangue até as células, onde é transformada em ener-gia. Para facilitar esse transporte, o organismo produz uma substância chamada insulina (hormônio segrega-do pelo pâncreas), a “chave” que “abre as portas” das células permitindo a entrada da glicose. No diabetes, o que ocorre é a falta absoluta ou a insuficiente produ-ção de insulina, causando o aumento da quantidade de glicose no sangue e a eliminação do excesso dessa, pela urina.

Os sintomas da doença são o cansaço, a perda de peso, sede, necessidade freqüente de urinar e visão tur-va. Com o tempo, podem surgir sérios problemas nos olhos — levando até à cegueira —, no sistema nervoso, no coração, nos pés, nas artérias e nas veias.

Tipos mais freqüentes do diabetesExistem basicamente dois tipos da patologia. Um

deles é o Diabetes Mellitus isulinodependente ou o Tipo I, que se caracteriza pela falta, ou pela produção insuficiente de insulina, atingindo, com maior freqüên-cia, os jovens. Ainda não se sabe exatamente as causas deste tipo de diabetes, porém existem alguns fatores que parecem estar ligados a ele, como o genético, os auto-anticorpos (defesa imunológica), os vírus e os radicais livres do oxigênio.

O outro é o Diabetes não insulinodependente ou o Tipo II — este é o caso no qual a insulina produzida não funciona de forma adequada. O fator hereditário tem maior influência e também há uma relação com a obe-sidade, embora essa não dê origem, necessariamente, ao diabetes. É o tipo mais comum. Atinge de 5% a 10%

da população, na maioria adultos (normalmente acima dos 40 anos de idade). É considerado mais brando e seus sintomas são menos evidentes, podendo perma-necer desapercebidos por muito tempo. Mas também é preciso levar a sério o tratamento. Afinal, é uma doença que põe em risco a saúde dos indivíduos.

TratamentoO tipo I é tratado pelo monitoramento constante da

glicemia (presença de açúcar no sangue). É necessário fazer testes diários para identificar o nível de glicose no sangue. Os mais comuns são a colocação de uma gota de sangue em um medidor especial; o teste da urina, usando uma fita que, em contato com a urina, acusa a presença de glicose ou cetonas (compostos orgânicos). A presença de cetonas na urina pode significar que o nível de glicose no sangue está descontrolado. O exame de sangue chamado HbA1C, que mostra o nível médio da glicose sangüínea (glicemia) nos últimos dois ou três meses é um instrumento importante para o con-trole durante o tratamento do diabetes.

Além disso, deve-se fazer, diariamente, aplicações de quantidades exógenas de insulina. O portador de diabetes tipo II não necessita, necessariamente, da aplicação diária — o uso de medicamentos, compri-midos ou insulina, é somente em alguns casos. Porém uma alimentação adequada, exercícios físicos e regu-lagem do peso são essenciais para o controle doença.

Há vários produtos que auxiliam o diabético no monitoramento de sua doença, como fitas de prova, bomba de infusão contínua, produtos dietéticos etc. No entanto, possuem elevado preço e não são todos os portadores que têm condições financeiras para arcar com as despesas. Para ajudar a essas pessoas, o Sistema Único de Saúde (SUS) fornece fitas de prova e insulina NPH (de ação intermediária de absorção pelo organismo), mas, mesmo assim, elas não conseguem ter um controle ideal.

Segundo Jorge Luiz Luescher, endocinologista pediátrico do IPPMG/UFRJ, há um convênio entre o setor de diabetes do IPPMG e a Prefeitura do Rio para o fornecimento de insulinas (NPH e regular) e fitas de prova para glicemia – elementos fundamentais para o tratamento da doença. Porém, a Prefeitura, atualmen-te, só está fornecendo a insulina NPH. “Esta situação é preocupante, pois os pacientes dependem destes medicamentos. Nós temos orientado às famílias para a compra de fitas mais baratas, que custam aproxima-damente R$ 35 e que podem ser cortadas em três partes, fazendo com que o paciente utilize-a para fazer testes durante 20 dias. Porém, há pessoas sem condições fi-nanceiras para comprar estas fitas. Então fazemos um laudo e as encaminhamos para a defensoria pública”, informa Luescher.

Mudanças no estilo de vidaPara que o portador de diabetes tenha uma vida sau-

dável é necessário que ele mude seu estilo de vida. É importante selecionar um plano alimentar balanceado; limitar o uso de carboidratos simples (substâncias or-gânicas também chamadas de hidratos de carbono) ou açúcares; diminuir gorduras da alimentação; escolher cuidadosamente os horários das refeições; praticar re-gularmente exercícios físicos de baixo impacto, como caminhada, natação e ciclismo.

Essas são atitudes que podem tornar comum e me-lhorar a qualidade de vida de uma pessoa diabética. Porém, é preciso disciplina, tanto para adultos quanto para crianças. Segundo Claudia Castilho, médica do setor de tratamento de diabetes, também do IPPMG, é necessário ter um cuidado especial com crianças, elas são mais difíceis de disciplinar. Por isso, é preciso mu-dar não só o estilo de vida delas, como também o da família. “A alimentação deve ser regrada, a aplicação de insulina deve ser feita pelo menos duas vezes ao dia. Exercícios físicos são importantes e a realização de exames, por meio de um pequeno furo no dedo da criança, também”, orienta a médica.

As possibilidades de curaExistem cinco linhas de pesquisa que visam a cura

do diabetes. São elas: o transplante de pâncreas; o transplante de ilhotas pancreáticas (produtoras de insulina); a bioengenharia com células-tronco e afins; o pâncreas virtual ou artificial (técnica proposta pela biotecnologia) e a regeneração de ilhotas pancreáti-cas. No entanto, atualmente, nenhuma dessas técni-cas ainda é satisfatória.

Sobre a questão do desenvolvimento de técnicas e tratamentos para a doença, recentemente, cientistas japoneses conseguiram realizar o primeiro transplan-te de células pancreáticas de um doador vivo. Até hoje, esse tipo de transplante só era realizado a partir de doadores mortos. A paciente, uma mulher de 27 anos, há 12 dependente de insulina, recebeu de sua mãe, de 56 anos, células das ilhotas pancreáticas. A cirurgia foi feita na Universidade de Kyoto, em janei-ro. A mulher, desde então, não precisou mais receber insulina. Segundo a entidade inglesa Diabetes UK, o tratamento é significativo, mas há o risco de que haja dano ao pâncreas do doador e o deixe suscetível ao diabetes.

Por outro lado, segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), há possibilidade de que, nos pró-ximos cinco, 10 anos, se descubra a cura definitiva para a doença. Para José Egídio, o diabetes é uma das doenças mais pesquisadas no mundo e existem linhas de pesquisa promissoras. “Nós do HUCFF já estamos reunindo os pesquisadores para viabilizar algumas dessas linhas mais modernas em relação ao tratamento e cura do diabetes. No entanto, é preciso frisar para os pacientes diabéticos que no dia em que a cura chegar é necessário que eles estejam em condições de receber este tipo de tratamento e, para tanto, devem ter em mente a necessidade atual de controle da sua doen-ça. Os diabéticos devem estar atentos a isso, porque no meio do caminho para se chegar a cura, muitas pessoas podem ter uma complicação grave e ter sua vida abreviada, não podendo chegar ao benefício do tratamento”, conclui Egídio.

É importante que nos próximos anos se descubra um modo de fazer com que o organismo aumente a produção de insulina, de maneira que regule a glico-se presente no sangue e acabe com o sofrimento de milhões de diabéticos espalhados por todo o mundo. Porém, enquanto isso, a melhor recomendação, tanto para a prevenção quanto para o controle da doença, é viver de maneira saudável, com boa alimentação, prática de exercícios e informação.

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Nacional

, um dos símbolos

Outubro de 1975. Primavera de chumbo. Na tarde do dia 31, uma multidão — estimada em 8 mil pessoas — chegou em silêncio, acossada por milícias, e aos poucos, à Catedral da Sé, no Centro de São Paulo. Foi participar de um culto

ecumênico organizado em memória do jornalista Vladimir Herzog, assassinado uma semana antes numa câmara de

tortura do II Exército. Trinta anos depois, Herzog é lembrado como um dos

símbolos da resistência ao autoritarismo.Ana Gomes

A polícia havia espalhado pela cidade 385 barreiras (mais de 500 policiais mobilizados) para dificultar o acesso à catedral e intimidar os participantes do culto. Não intimidou. Naquela tarde a revolta venceu o medo e a cerimônia religiosa celebrada por Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Hélder Câmara, pelo rabino Henry Sobel e pelo reverendo James Wright impôs desgaste incontornável à ditadura militar e transformou Herzog em um dos símbolos de resistência. Depois da agonia e morte de Herzog, a ditadura militar nunca mais foi a mesma: setores adorme-cidos da classe média urbana dos grandes centros despertaram para o horror da tortura, apesar da censura. E o regime começou a expor as suas fissuras internas.

Vladimir Herzog tinha 38 anos, dois filhos pe-quenos, com a publicitária Clarice. Antes, pouco menos de dois meses, assumira a chefia do De-partamento de Telejornalismo da TV Cultura, emissora do governo de São Paulo. Herzog vivera dois anos em Londres, trabalhando para a BBC. Era filiado ao Partido Comunista Brasileiro, mas sequer poderia ser considerado um militante, muito menos um quadro do PCB. Suas preocupações maiores, antes da política, se voltavam para a cultura, o cinema, a música e o teatro.

O jornalista Zuenir Ventura tornou-se ami-go de Herzog com quem trabalhou dois anos na extinta revista Visão. Ventura, no Rio, e Herzog, em São Paulo, onde era editor de Cultura da revista (antes de assumir o tele-jornalismo da TV Cultura). Durante esse pe-ríodo, quando ia a São Paulo, Zuenir às vezes dormia na casa de Herzog, na Rua Oscar Frei-re. “Dormia lá para podermos conversar até de madrugada sobre pautas, matéria, movimento artístico. Raramente falávamos de política. Não que o assunto não nos interessasse, mas é que, conosco, as coisas passavam pela cultura. Por isso a morte de Vlado (como os amigos o chamavam) me pareceu mais estúpida”, relata Zuenir, em livro (Minha História dos Outros, Editora Planeta, 2005) que acaba de lançar sobre episódios de sua vida profissional.

“Esclareço tudo e volto para casa”Herzog foi morto na tarde do sábado, 25 de outubro,

numa sessão de tortura no DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna, organismo de repressão do Exército), onde havia se apre-sentado às oito horas da manhã, atendendo à intimação de vés-pera, feita por policiais no seu local de trabalho, a TV Cultura. A hipótese de fuga não passou por sua cabeça. “Amanhã me apresento, esclareço tudo e volto para a casa”, disse aos colegas de trabalho. Mas a morte o es-perava no cárcere da ditadura. Pelos menos dez jornalistas (entre eles George Duque Estrada e Rodolfo Konder), também presos no DOI-CODI, acompanharam do lado de fora o suplício de Vlado, ouvindo seus gri-tos e gemidos. No ato final, os torturadores encheram-lhe a boca de Herzog com lã.

Ele era cardíaco e o coração parou, segundo contou, meses mais tarde, o cardeal Arns.

A versão oficial era um acinte. Herzog se suicidara, utilizando o cinto de seu macacão para enforca-se. Mas o macacão do DOI-CODI não tinha cinto. Herzog foi sepultado na segunda-feira, 27

de outubro, no Cemitério Israelita. A tradição judaica manda que os suicidas sejam enterrados em local específico do cemitério. O rabino

Henry Sobel negou-se a adotar esse procedimento em relação a Vlado. As evidências eram outras.

O jornalista Elio Gaspari destaca em seu livro A Ditadura En-curralada (Companhia das Letras, 2004) que alguns fatores

acidentais contribuíram para por Herzog na linha de fogo da repressão. A pessoa que ele fora substituir na direção de jornalismo da TV Cultura cooperava com os serviços de segurança, segundo o SNI (Serviço Nacional de In-formações — órgão extinto anos depois do fim da di-tadura). Gaspari também cita outro episódio. Dois dias depois de Herzog ter assumido o posto, a TV Cultura transmitiu o documentário inglês sobre o líder comunis-ta vietnamita Ho Chi Minh, o que despertou a fúria dos reacionários de plantão da imprensa e da linha dura do governo. O jornalista não tinha participado da decisão de exibir o filme.

Disputa no regimeMas, para Gaspari, a prisão e morte de Vladimir

Herzog foi decorrência de uma convergência de fatores resultantes das lutas intestinas que se davam no inte-rior do regime, no segundo ano do governo do general Ernesto Geisel (o quarto ditador do ciclo iniciado em abril de 1964). Diz Gaspari num trecho do seu livro. “Para esse homem tímido e miúdo (Vlado) confluíam três crises, todas carregadas de ódio: uma era o choque da Comunidade de Informações com Geisel. Outra a caçada do CIE (Centro de Informações do Exército) ao Partidão (como era conhecido o PCB). A terceira, mais virulenta, era o conflito entre o general Ednardo D’Ávila Mello com o governo Paulo Egydio Martins. A prisão

de Vlado servia a todas”.No primeiro caso, a disputa interna entre setores militares

considerados duros e os setores que se alinhavam com a cha-mada distensão “gradual, lenta e segura” de Geisel, defendida

pelo chefe do Gabinete Civil, Golbery do Couto e Silva, desenha-va uma queda de braço que tinha como pano de fundo a sucessão de

Geisel. O ambiente criado por essa disputa facilitava a vida dos setores vinculados diretamente aos porões e a tortura que, com a luta armada derrotada, em 1975 transformavam o PCB como “bola da vez”. O gene-ral Ednardo, comandante do II Exército, anticomunista e protetor das

ações que se passavam nos porões (tanto é que não quis abrir nem inquérito interno para apurar a morte de Her-

zog), via no governador Paulo Egydio Martins, que havia

sido indicado por Geisel, um inimigo. Portanto, para o general, era necessário fustigá-lo. Uma das formas era encontrar comunistas na TV Cultura, do governo paulista.

Herzogda resistência

Ilustração: Jefferson Nepomuceno (sobre foto do inquérito)

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Nacional

MEC finaliza projeto de Reforma do Ensino Superior que deve tramitar no Congresso ainda esse ano.

Reforma Universitária

Na reta final

As circunstâncias não ajudaram o Governo Fe-deral a badalar mais o símbolo do padrão das suas políticas públicas, nas palavras do presidente Lula. Depois de um ano e meio de conversas – às vezes renhidas batalhas – com setores acadêmicos e entida-des da sociedade civil, o anúncio da versão final do projeto de Reforma do Ensino Superior foi ofuscado pela lustrosa careca do publicitário Marcos Valério, que dispensa apresentação, e pela imbatível audiên-cia das sessões das CPIs em curso no Congresso Na-cional. Até mesmo Tarso Genro, na mesma cerimônia em que o projeto de lei foi entregue a Lula, em 29 de julho último, foi obrigado a deixar o Ministério da Educação para, agora à frente do PT, tentar conter o fogaréu da crise.

Badalado ou não, o fato é que o projeto final, em seus 69 artigos, não apresenta diferenças de peso em relação à versão anterior. Uma das mudanças diz respeito à política de acesso. As novas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), bem como os campi ou uni-dades que venham a ser criados pelas já existentes, deverão destinar, já em sua primeira seleção, 50% das vagas em todos os cursos de graduação para estudantes de ensino público médio, com subcotas para negros e índios equivalentes à sua presença regional. As atuais IFES continuam podendo atender a esses critérios até 2015. “É mais fácil implantar uma regra numa instituição que está nascendo do que numa já com tradição”, de-clarou o novo ministro da Educação, Fernando Ha-ddad, que esteve à frente da Secretaria-Executiva do Ministério da Educação na gestão de Tarso Genro.

Capes com nova funçãoUma outra novidade é a

previsão, no artigo 12, de um Plano Nacional de Pós-Graduação, a ser elaborado a cada cinco anos pela Coor-denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O Plano deverá con-templar, obrigatoriamente, uma previsão de expansão do ensino de pós-graduação stricto sensu, especialmente em áreas do conhecimento que atendam às demandas da política industrial e do co-mércio exterior. O objetivo é aumentar a competitividade

nacional visando à inovação tecnológica. Contudo, o Andes-Sindicato Nacional considera que está sendo institucionalizada a hipertrofia das atribuições da Capes na pós-graduação stricto sensu. A presidente da entidade, Marina Barbosa Pinto, disse ao Jornal da UFRJ que “a Capes já vem deixando há algum tempo de cumprir o seu papel de agência de fomento que atende às demandas das universidades para interferir em sua própria autonomia”.

O texto final também prevê o aumento de 5% para 9% do percentual que as IFES deverão destinar de sua verba de custeio para a Assistência Estudantil. A previsão de uma rubrica exclusiva para o apoio financeiro aos alunos foi uma proposta de emenda da União Nacional dos Estudantes (UNE) à primeira ver-são da reforma. “Essa foi uma das grandes conquistas do projeto de lei”, segundo o presidente da entidade, Gustavo Petta. Acesso aos dados de Financiamento

Maior foco das polêmicas até o momento, a pro-posta de financiamento das IFES não sofreu mudança. Continua valendo a regra de que a União deve apli-car nelas nunca menos de 75% dos 18% da receita federal com impostos que, pela Constituição, devem ser destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino. O presidente da Andifes, Oswaldo Baptista Duarte Filho, atual reitor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), ressalta que o financiamento das IFES deve ser compatível com as suas atribuições e os planos de expansão em curso. A Andifes quer ter acesso aos dados do Governo Federal para calcular o montante real que caberá às universidades federais. Oswaldo Baptista teme que sejam mantidas “as con-dições de degradação a que essas instituições têm sido

submetidas nas últimas décadas, particularmente no que diz respeito à força de trabalho”.

Já a presidente do Andes-SN faz críticas ainda mais duras ao modelo de financiamento previsto no proje-to. “O patamar de 75% das receitas provenientes de impostos chegam apenas a R$ 4,3 bilhões, enquanto que as despesas realizadas pelo orçamento de 2004 foram de R$ 7,3 bilhões”, afirma Marina Barbosa Pin-to, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF). Para ela, excluir desse cálculo as despesas com hospitais universitários – novidade da segunda versão e mantida no texto final – não vai provocar mudança no padrão vigente de financiamento.

Ela também condena a autorização para que o capi-tal estrangeiro participe com até 30% de investimentos em educação no Brasil. “Era o que as multinacionais do ensino reivindicavam nos tratados de livre comér-cio”, ressalta. Para a dirigente sindical, as instituições privadas estrangeiras vão concentrar suas parcerias em cursos a distância, inclusive em mestrados e doutora-dos profissionais, que não exigem dissertações e teses, e provocar uma expansão de vagas no setor público sem qualquer garantia de qualidade.

Elogio ao controle socialA Coordenadora de Educação da Federação de Sin-

dicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras (Fasubra-Sindical), Leia Oliveira, vê aspectos positivos no projeto de lei. Cita como exemplo a obrigatoriedade das instituições federais serem submetidas a controle social, o que levará a uma gestão mais participativa e transparente, “ainda que o Conselho de Desenvolvi-mento previsto, tenha caráter apenas consultivo”.

Segundo ela, o princípio da autonomia de gestão administrativa, financeira e patrimonial, que não vinha

sendo respeitado pelos governos anteriores, foi regulamento pelo projeto. “Isso agora está garantido no texto da lei, com o Orça-mento Global e a possibili-dade de remanejamento de recursos entre rubricas”, comenta Leia Oliveira, que é historiadora da Uni-versidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Em relação à subvincu-lação de 75% para o finan-ciamento da educação su-perior pública, a dirigente da Fasubra lembra que essa é uma reivindicação antiga da comunidade universi-tária e que o importante é garantir, em lei, “a destina-ção exclusiva de recursos para custeio, investimento e pessoal da ativa”.

A dirigente sindical critica, porém, o recuo do governo em relação ao descrendenciamento das fundações de apoio após a habilitação das IFES para exercerem a gestão finan-ceira e administrativa au-tônoma. “A medida estava prevista na primeira versão e foi retirada por pressão dos reitores das institui-ções públicas”, finaliza.

Coryntho Baldez

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Essa não é uma discussão nova. O assunto freqüenta o parlamento e setores do Executivo há mais de dez anos, ainda no rastro do impeachment de Fernando Collor de Mello, no início da década de 1990. Collor havia sido eleito por uma pequena legenda (o PRN), sigla nanica, sem tradição e consistência, montada de última hora para viabilizar seu projeto eleitoral. Um exemplo substantivo das distorções e da fragilidade do sistema partidário brasileiro, anomalia que a reforma, supostamente, viria para corrigir.

O debate, no curso dos anos, tem sucumbido a re-sistências. Embora tenha feito parte do programa da candidatura de Lula da Silva, a reforma política foi deixada de lado na agenda prioritária do governo. A discussão das mudanças no sistema eleitoral brasileiro só consegue avançar agora, pressionada pelo furacão da crise que atingiu em cheio a credibilidade do Congresso Nacional e coloca sob suspeição o Executivo.

Polêmica à vista. Mas pelo menos um ponto apro-xima as forças políticas com maior consciência de autopreservação: o financiamento público das campa-nhas. Outros mecanismos propostos pelo projeto de lei como cláusula de barreira e votação em lista fechada, dividem opiniões. Há, ainda, quem identifique a refor-ma política como uma panacéia. “Não acredito nessas soluções mecânicas. Antes era a democracia e agora é a reforma política”, afirma, cético, o ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio, um dos expoentes da ala esquerda do PT.

O projeto original da Comissão Especial de Reforma Política teve como relator o deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO), conhecido parlamentar conservador ligado à bancada ruralista. O projeto substitutivo apresentado pelo deputado Rubens Otoni (PT-GO) foi retirado de discussão. O projeto ainda não tem data para ir a ple-nário, o que pode acontecer “a toque de caixa” para que as novas regras prevaleçam para as eleições de 2006.

Financiamento públicoO projeto de lei em tramitação na Câmara aponta

para a instituição do financiamento público de campa-nha. Esse mecanismo, pelo projeto, estaria conectado à implantação do sistema eleitoral de lista fechada. O sistema atual é o de listas abertas. Campanhas para deputados federais, estaduais e vereadores são con-duzidas pelos próprios candidatos, com recursos arre-cadados por eles, sem interferência dos partidos. Pela proposta do projeto, os partidos receberiam recursos do Tesouro e fariam campanha para a lista partidária elaborada a partir de disputa interna nos partidos. O projeto de lei determina que, a cada ano de eleição, o orçamento aprovado pelo Congresso inclua recursos para o financiamento de campanha equivalente a R$ 7 por eleitor. A referência será o número de eleitores da eleição anterior. Por esse critério, em 2002 o finan-ciamento público de campanha consumiria R$ 806 milhões.

A deputada Jandira Feghalli (PCdoB-RJ) considera o financiamento público de campanha a pedra angular da “urgente e necessária reforma política” no país. “Muita gente discorda com um argumento pequeno, compa-rando o financiamento público de campanha com os gastos em educação e saúde. Ora, o país e a sociedade devem financiar a democracia”, diz Jandira, que não tem a ilusão de que a adoção do mecanismo acabe, de imediato, com o caixa dois nas campanhas. “Isso vai ser um processo. Mas uma coisa é certa: de imediato vai reduzir muito a presença do financiamento privado nos mandatos”, conclui.

O projeto de lei deixa de fora a fidelidade partidá-ria. Ela foi extinta no fim da ditadura militar, diante da necessidade da reorganização dos partidos. Se-gundo especialistas, sem critérios para estabelecer o compromisso dos parlamentares com as agremiações pelas quais são eleitos. O eterno troca-troca de legen-das irá continuar. Seria, então, necessário a criação de instrumentos inibidores da infidelidade. Para alguns

Reforma política no caldeirão da criseNo caldeirão da crise que envolve o país, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos

Deputados aprovou o Projeto de Lei de Reforma Política no último dia 22 de junho.

Ana Gomes

parlamentares e cientistas sociais envolvidos na dis-cussão, a implantação da lista fechada, no entanto, já daria conta do problema, uma vez que os eleitos não teriam, em relação a seus partidos, a mesma autonomia existente hoje quando os candidatos (e não os partidos) são responsáveis pelas suas campanhas.

Uma das restrições à lista fechada é a de que o sis-tema aumentaria o poder das oligarquias partidárias — os chamados “caciques” — que teriam o poder de manipular a relação dos nomes dos candidatos. Nesse sentido, o sistema de lista aberta teria um caráter anti-oligárquico, seria mais democrático.

Pequenos partidos ameaçadosA reforma política aprovada na CCJ impõe a cláusula

de barreira. A justificativa política para o mecanismo é a de que os pequenos partidos seriam um obstáculo à governabilidade. Pelo projeto de lei, os partidos têm que obter 2% dos votos em todo o país para usufruir do horário político gratuito e da participação no rateio do fundo partidário (a proposta anterior era de 5%). A cláusula de barreira acabaria com as legendas nani-cas de aluguel, mas também comprometeria a vida de partidos tradicionais e com viés ideológico, como o PC do B, PCB e PSTU, além de siglas emergentes, como PSOL, formado por dissidentes do PT. Além disso, quem faz restrição à cláusula observa que os peque-nos partidos ocupam um percentual muito pequeno de cadeiras, insuficiente para se tornarem ameaça à governabilidade.

Os partidos menores também estão ameaçados por um outro ponto que não faz parte do projeto de reforma aprovado na CCJ, mas que está na pauta das discus-sões. Trata-se do fim das coligações. Como se sabe, as coligações permitem que candidatos de diferentes partidos se elejam a partir do quoeficiente eleitoral (QE) comum. Isso faz com que os partidos menores tenham mais chance de eleger, uma vez que, se coligados com partidos maiores, ampliam o seu quoeficiente. Há uma outra idéia em curso: a permissão para a criação da “federação de partidos pequenos” para disputar as eleições. Na prática, seria uma forma de manter as coligações.

Financiamento com lista fechadaO cientista político do IFCS/UFRJ, Charles Freitas

Pessanha, em entrevista ao site ComCiência (da SBPC), afirma que o financiamento público deve funcionar com o sistema de lista fechada de candidatos. “A proposta de financiamento público visa acabar com o apoio finan-ceiro a candidatos. Presume-se que os partidos recebam financiamento do Tesouro e façam campanha para a lista partidária, ao contrário do sistema que funciona hoje, quando cada candidato disputa com seu próprio colega de partido e se diferencia pelo poder econômico”. Pes-sanha destaca outro ponto de preocupação em relação a reforma política: a fidelidade partidária (o Brasil possui atualmente 37 partidos inscritos no Tribunal Superior Eleitoral). “Entendo que a indisciplina partidária teria que ser combatida com o aumento do prazo de filiação e critérios mais rigorosos para desobediência de parla-mentares nas votações”, diz Charles Pessanha.

Mas para Valeriano Mendes da Costa, também cientista político, da Unicamp, a adoção do sistema de lista fechada e as campanhas feitas pelos partidos já se refletiriam no comportamento dos candidatos eleitos, inibindo naturalmente a troca de partido. “Quando um candidato faz a sua campanha sozinho com recursos próprios, ele chega ao Congresso com mais autonomia e tende a mudar de partido de acordo com os benefícios que surgirem. Reside aí a razão do troca-troca”, afirma Mendes da Costa, mas que “se for eleito com a campanha sob a responsabilidade de seu partido, o comportamento vai ser diferente”. Segundo Mendes da Costa, o conte-údo das propostas de reforma política apresentada no Congresso segue tendência internacional já que o Brasil é um dos poucos países no mundo que ainda adotam o sistema de lista aberta nas eleições.

Pesquisador diz que reforma política é ilusão“A idéia segundo a qual o financiamento público

acabará com o caixa dois das campanhas ou com o peso do poder econômico na política não passa de pura crença”, sustenta Fabiano Santos, pesquisador do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro). “Poderíamos, aliás, imaginar o efeito in-verso, isto é, o de que a proibição de repasse de di-nheiro de empresas e indivíduos aos partidos aumen-tará o volume de recursos utilizados no caixa dois e isso irá agravar a falta de transparência no sistema”, afirma o pesquisador. Na opinião de Santos, ambém diz que, na sua opinião, a adoção da lista fechada é antidemocrática “por um motivo muito simples: re-tira do eleitor um direito, transfere a prerrogativa de escolha do candidato dos eleitores para as instâncias partidárias de ordenamento da lista”. Fabiano Santos também critica a ausência de mecanismos no projeto aprovado na Comissão de Justiça que protejam a fide-lidade partidária.

Representação distorcidaA Câmara dos Deputados e o Senado Federal com-

põem o sistema bicameral do Poder Legislativo bra-sileiro. A Constituição determina que o número total de deputados e a representação por Estado e pelo Dis-trito Federal são estabelecidos por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se os ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que todas as unidades da federação tenham no míni-mo oito parlamentares e no máximo 70.

Esse critério causa distorção na representação de alguns estados. Tomando como base as eleições de 1998, o estado do Amazonas tem uma bancada de oito parlamentares, número proporcional à sua população; as mesmas regras determinam que Rondônia — pelo critério de proporcionalidade em relação a sua popu-lação, teria quatro deputados — possua uma banca-da também de oito, devido ao piso constitucional. O mesmo cálculo determinaria para São Paulo 111 par-lamentares — entretanto o teto limita a 70 parlamen-tares, criando um déficit de 41 vagas.

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Agosto•2005

Especial

Entrevista

“Falar em golpe é mistificação”

Jornal da UFRJ: Muitos analistas têm falado de uma crise institucional brasileira. Em sua opinião, existe realmente uma crise institucional? Qual a natureza dela, seu significado e extensão?

Carlos Nelson Coutinho: Acho que seria forte falar de crise institucional. O que estamos vivendo, ao

contrário, parece-me ser apenas um novo capí-tulo de uma crise mais geral, que envolve a própria essência da atividade política. Gramsci dizia que existe a “grande política”, aquela

que põe em questão as estruturas de uma sociedade, e a “pequena política”, que se limita a administrar o existente. Todo o esforço teórico e prático do neoliberalismo tem se voltado no sentido de desqualificar

a “grande política”, que seria “ideológica”, “utópica”, “universalista”, e reduzir a ati-vidade política ao que Gramsci chamava de “pequena política”. Faz parte desta redução o esforço para subtrair ao debate público as opções de política econômica, aquelas que envolvem um questionamento dos próprios lineamentos da ordem social. Ora, tanto a atual crise como as soluções apontadas para ela fazem parte do universo da “pequena

política”. Não me parece casual que a grande preocupação, tanto da oposição tucano-pefelista quanto do Governo, seja “blindar” a economia,

ou seja, impedir que questões de “grande política” voltem a ocupar a agenda. Algumas das chamadas

“reformas políticas”, defendidas por uns e outros, são interessantes, mas, em seu conjunto não

transcendem a esfera da pequena política. Jornal da UFRJ: A denúncia da existência

do “mensalão” vem erodindo a base de apoio parlamentar do governo. Diante

desse quadro, o governo busca uma recomposição política com nova aproximação com partidos conser-vadores, como o PMDB e o PP. O senhor teme uma guinada mais à

direita do governo, em nome da chamada governabilidade?

Carlos Nelson: Essa guinada é o que parece resultar da última reforma ministerial. Vejo o governo envolvido numa tática defensiva meio esquizofrênica: por um lado, Lula faz um discurso demagógico (“vão ter que me engolir”, etc.), voltado para os setores mais desorga-nizados da população; por outro, dá uma clara guinada à direita, cujo exemplo mais emblemático talvez seja a substituição, no Ministério das Cidades, de Olívio Dutra por um nome indicado por Severino Cavalcanti.

Jornal da UFRJ: A Carta Aberta ao Povo Brasileiro, as-sinada por 42 entidades e movimentos sociais, há mais de um mês, afirma que é preciso defender o Governo Lula diante da ofensiva da oposição da direita, mas exige mudanças na condução neoliberal da economia. Isso até agora não aconteceu. Caso a crise se aprofun-de, é possível que o Governo decida reconstruir sua maioria política e social a partir dessas propostas?Carlos Nelson: Não vejo nenhuma possibilidade disso ocorrer. O Governo Lula empreendeu um caminho de onde não há mais retorno. A Carta Aberta em referên-cia, embora sugira mudanças na política econômica, serviu objetivamente, quando fala em “conspiração das elites”, para reforçar o governo e, conseqüentemente, para possibilitar que ele conserve o que tem sido o cerne de sua atuação, ou seja, a política econômica. E justiça se lhe faça. Malgrado toda a demagogia “po-pulista” de Lula, em nenhum momento houve a mais leve manifestação de que a política econômica poderia ser mudada. Ao contrário, tanto ele quanto Palocci têm deixado bem claro, com o objetivo de acalmar o mercado, leia-se as várias frações do grande capital, que esta política não vai mudar. Até mesmo a tímida proposta de Delfim Neto no sentido de controlar o capital especulativo foi rechaçada com ênfase. Por incrível que pareça, este governo está à direita de Delfim. A Carta Aberta é mais um sintoma de que um importante e expressivo setor do movimento social corre o sério risco de ser definitivamente cooptado pelo bloco no poder. Estamos assistindo à maior operação transformista já ocorrida na história de nosso país. Faz parte dela, entre muitas outras coisas, a nomeação do presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) para o Ministério do Trabalho.

É exagero falar em crise institucional. O Brasil vive apenas novo capítulo de uma crise que atinge o coração da atividade política. A análise é de Carlos Nelson Coutinho, professor de Teoria Política da Escola de Serviço Social da UFRJ e ferino crítico da adesão do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Governo Lula ao que chama – citando Gramsci – de “pequena política”. Os projetos universais, utópicos, vêm sendo desqualificados pelo neoliberalismo, com a ajuda nada cerimoniosa de expressivo setor do movimento social, de acordo com Carlos Nelson. “Estamos assistindo à maior operação transformista já ocorrida na história de nosso país e faz parte dela

a nomeação do presidente da CUT para o Ministério do Trabalho”, dispara, nesta entrevista para o Jornal da UFRJ.

Sempre atribulado com os afazeres à frente da Editora da UFRJ, que dirige há dois anos, Coutinho mostra que acompanha atentamente o atual cenário político. Critica a burocratização do PT, do qual saiu em 2003, e diz que é “mistificação” a idéia de que as elites preparam um golpe, já que seriam benefici-árias das políticas vigentes. Também considera que o Governo Lula e o PT talvez tenham feito mais mal à esquerda brasileira do que a ditadura militar, “que matou e torturou, mas não a desmoralizou”.

Carlos Nelson Coutinho

Coryntho BaldezFoto: Fábio Portugal

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Jornal da UFRJ: Alguns analistas têm afirmado que há um golpe em marcha, articulado pelas “elites” para impedir a reeleição de Lula. Qual a sua opinião sobre a tese de um golpe em curso?Carlos Nelson: É evidente que esta idéia de um golpe contra Lula desferido pelas elites é mera mistifica-ção. Se entendermos por elites as várias frações do grande capital, sobretudo a financeira e aquela ligada ao chamado agrobusiness, veremos que elas não têm nenhuma razão para “golpear” o atual governo, que tem conservado – e até radicalizado – uma política claramente posta a serviço de tais frações. Até mesmo o capital industrial, que tem alguns interesses contra-riados por essa política correu recentemente ao Palácio do Planalto para hipotecar solidariedade ao governo em seu esforço para “blindar” a economia. E não se deve esquecer que o Governo Lula apresenta uma vantagem suplementar para tais elites, que é a de evitar que o antigo bloco contrário ao neoliberalismo, formado pelo velho PT, pelos demais partidos de esquerda e pelos principais movimentos sociais, continue opondo resistência ao neoliberalismo. Se o governo estivesse nas mãos da coligação PSDB-PFL, certamente haveria, como houve no passado, uma maior e mais sólida resis-tência ao contra-reformismo neoliberal. Um governo liderado pelo PT — e que, além do mais, cooptou a liderança da CUT e a de outros movimentos sociais — pode ter mais êxito do que um governo tucano na aprovação, entre outras contra-reformas, da chamada “reforma trabalhista”, cujo objetivo principal é des-construir os poucos direitos sociais conquistados pelos trabalhadores brasileiros. De resto, para desmistificar o cenário de um “golpe das elites”, basta lembrar, como o fez ironicamente Luiz Fernando Veríssimo, que há nele uma “pequena” lacuna: é verdade que temos as elites, mas falta precisamente o governo de esquerda...

Jornal da UFRJ: O sociólogo Chico de Oliveira afirma que sindicalistas oriundos do PT e técnicos e banquei-ros ligados ao PSDB formam uma nova classe que se beneficia do controle dos vultosos recursos dos fundos de pensão e também do Fundo de Amparo ao Traba-lhador (FAT). Você concorda? Carlos Nelson: Aprendo muito - como sempre faço - quando leio Chico, com o ensaio dele a que você se refere, O ornitorrinco. Mas não creio que se possa dizer que os gestores dos fundos de pensão formam uma nova classe social, como ele sugere. A meu ver, trata-se de uma camada ligada diretamente ao capital financeiro. Forçando um pouco o conceito de Gramsci, diria que os gestores petistas destes fundos de pensão, bem como os “neobanqueiros tucanos, são “intelectuais orgânicos” do capital financeiro. Mas o que me parece muito importante no artigo de Chico é que ele tenta mostrar que o transformismo que envolveu sindicalis-tas outrora combativos e intelectuais que se diziam de esquerda, tornando-os serviçais do capital financeiro, não é apenas um fenômeno psicológico de “traição”, mas algo que tem raízes nas novas formas que vêm assumindo as relações sociais capitalistas. A análise de Chico segue a mesma linha metodológica que levou Lenin a buscar no surgimento de uma “aristocracia ope-rária” as raízes sociais do transformismo que envolveu a socialdemocracia do início do século XX.

Jornal da UFRJ: Quais os motivos da atual crise do PT? O PT foi “engolido” pela institucionalidade e seus vícios? Carlos Nelson – Antes de mais nada, é preciso in-sistir no seguinte: a adoção do neoliberalismo como política governamental e a montagem de uma vasta rede de corrupção, envolvendo simultaneamente o governo e o PT, são fatos estreitamente relacionados. E nenhum deles eclodiu como um raio em dia de céu azul, mas vêm sendo preparados por uma prática que se insinua no partido já há muito tempo, pelo menos desde a eleição de 1994. Com efeito, se examinarmos a evolução ideológica do PT, veremos que a velha pro-posta socialista e democrática, defendida, ainda que nem sempre de modo muito claro, desde a origem do partido, foi sendo progressivamente abandonada, subs-tituída pela prioridade dada à conquista do governo a qualquer custo. É verdade que essa prática eleitoralista e o conseqüente abandono do socialismo demoraram a aparecer explicitamente no nível do discurso. O cha-mado “campo majoritário”, que dominava e domina a

direção do PT, continuou a tolerar que os documentos congressuais falassem de socialismo, de luta por uma nova hegemonia etc, embora sua prática já não mais correspondesse a este discurso. A hipocrisia foi tanta que, ainda no encontro nacional de 2001, ocorrido em Recife, continuou-se a falar de socialismo e a reafirmar a necessidade de uma política alternativa ao neolibe-ralismo. Menos de um ano depois vinha a “Carta ao povo brasileiro”, na qual o candidato Lula prometia respeitar, como presidente, todos os “contratos”. E, após a sua posse, veio a entrega do Banco Central a um “intelectual orgânico” do capital financeiro.

Jornal da UFRJ: E como isso se refletiu na própria estrutura do partido?Carlos Nelson: Ao mesmo tempo em que tinha lugar o abandono do socialismo, crescia cada vez mais a burocratização do partido, ou seja, o preenchimento dos cargos de direção por funcionários remunerados, sem nenhuma responsabilidade em face da militância e dos movimentos sociais. Ora, a lógica da burocracia é sua auto-reprodução. Com as vitórias eleitorais do PT, culminando na conquista da Presidência da Repúbli-

Ora, o neoliberalismo radicaliza o velho liberalismo no sentido de reforçar esse individualismo e esse pri-vatismo. Se a norma que deve orientar minha ação é levar vantagem em tudo, por que não fazê-lo também através da corrupção?

Jornal da UFRJ: Você é um dos maiores representantes do pensamento gramsciano no Brasil. A edição que você fez dos Cadernos do Cárcere e de outros escritos do revolucionário italiano é, sem dúvida, um marco. O que, em sua opinião, as categorias gramscianas podem ajudar a compreender a atual crise brasileira? Carlos Nelson: Já me vali de várias categorias grams-cianas nesta entrevista: grande e pequena política, transformismo, intelectual orgânico, etc. Poderia ainda falar de outras, como revolução passiva, entendida como acordo de elites para impedir a participação dos de baixo. Não sei se as categorias de Gramsci são sufi-cientes para entender a atual crise, mas são certamente necessárias. E são necessárias também para entender o Brasil e o mundo de hoje.

Jornal da UFRJ: E a esquerda não petista em geral, organizada ou não em partidos, também será afetada pela crise? De que forma?Carlos Nelson: O PT e o Governo Lula talvez tenham feito mais mal à esquerda brasileira do que a ditadura militar: esta matou, torturou e reprimiu a esquerda, mas não a desmoralizou. A nossa principal tarefa hoje é precisamente evitar que esta desmoralização seja levada a cabo. Temos de mostrar que, assim como o fim do chamado “socialismo real” não foi o fim do socialismo enquanto tal, a derrocada do PT e do seu governo não significa o colapso definitivo da esquerda brasileira. Essa derrocada não se deu porque o gover-no e o PT são de esquerda, mas precisamente porque abandonaram a esquerda.

Jornal da UFRJ: Você vem falando em bipartidarismo no Brasil. Explique melhor.Carlos Nelson: O grande objetivo atual das forças do capital, no Brasil e no mundo, é consagrar a pequena política e a pseudo-ética do privatismo desenfreado como elementos fundamentais de um senso comum que sirva de base para a hegemonia neoliberal. No Brasil, esse objetivo se tornaria real caso nosso país, seguindo os padrões americanos, reduzisse a luta política a uma disputa entre duas elites que aceitam sem contestação o status quo. Teríamos então um bipartidarismo real, ainda que não formal, centrado na alternância de poder entre um bloco liderado pelo PT e outro pelo PSDB, que não só continuariam aplicando a mesma política econômica e social, mas também praticando os mesmos métodos de governo, centrados em formas mais ou menos graves de cor-rupção sistêmica. O risco não é a “mexicanização” do sistema político brasileiro, como muitos afirmam, mas seu “americanalhamento”, se me permitem o trocadilho.

Jornal da UFRJ: Quais seriam as alternativas e porque você foi para o P-SOL (Partido Socialismo e Liber-dade)?Carlos Nelson: Ora, para evitar este risco do qual falei temos à nossa disposição apenas uma alternativa: criar uma nova força política que, em estreita aliança com os movimentos sociais não cooptados, seja capaz de romper com este bipolarismo próprio da “pequena polí-tica” e de recolocar na agenda a questão do socialismo, da transformação da ordem social, ou seja, capaz de redespertar as classes subalternas para a necessidade de fazer grande política. Esta nova força política tem hoje um pólo de referência, ainda que não o único, no Par-tido Socialismo e Liberdade, no P-SOL. O P-SOL deve se empenhar para preencher o vazio deixado pelo PT, retomando não só as bandeiras que marcaram boa parte da vida deste partido hoje moribundo, mas também o que de melhor nos legou a velha esquerda brasileira. Cabe ao P-SOL transformar-se no eixo articulador de uma ampla frente de esquerda, que compreenda não só outros partidos, mas também movimentos sociais velhos e novos. Não se trata de uma tarefa fácil, mas vale a pena tentar. E, para concluir citando Gramsci novamente, diria que hoje, mais do que nunca, deve-mos saber combinar o pessimismo da inteligência com o otimismo da vontade.

ca, essa lógica se expandiu também para os governos petistas. Conservar o poder pelo poder passou a ser a única meta dessa burocracia que empalmou o Partido. Isso explica as alianças espúrias que o PT passou a fazer com todo mundo, sobretudo com as forças do capital, em particular do capital financeiro. O abandono do socialismo como proposta estratégica e a burocrati-zação da direção partidária estão assim na gênese da rede de corrupção que hoje envolve o PT e o governo: e não se trata de uma corrupção que vise apenas ao enriquecimento pessoal (embora isso também ocorra), mas de uma poderosa rede que tem por objetivo prin-cipal a conservação do poder governamental por esse aparelho burocrático.

Jornal da UFRJ: A corrupção virou prática corriqueira de administração porque é da natureza do Estado ca-pitalista, como dizem alguns? Carlos Nelson: Fenômenos de corrupção são certa-mente inerentes ao capitalismo, e não só em função da lógica econômica competitiva que lhe é própria, mas também da ideologia que busca legitimá-la como a forma de sociabilidade adequada à “natureza hu-mana”, uma ideologia que se baseia na defesa do in-dividualismo, do privatismo, na criação de um senso comum que recomenda “levar vantagem em tudo”. Um pensador liberal tão significativo como o francês Benjamin Constant dizia, no início do século XIX, que a liberdade dos modernos se distingue daquela dos antigos porque, enquanto esta última é a liberdade de participar na formação do governo, a liberdade dos modernos é a de fruir na esfera privada as riquezas que obtemos graças a nossos supostos méritos. Trata-se, pensa Constant, de uma liberdade meramente privada, centrada no egoísmo individual e não na solidariedade.

Acho que seria forte falar de crise

institucional. O que estamos vivendo, ao

contrário, parece-me ser apenas um

novo capítulo de uma crise mais

geral, que envolve a própria essência da

atividade política.

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Talvez nem tivesse sido necessária a idéia inicial de tirar as escamas do peixe vendido nas eleições presi-denciais de 2002 para que os parlamentares e pesqui-sadores que compuseram a mesa do debate A Esquerda e a Crise Política do Governo, promovido pelo Forum de Ciência e Cultura, em 27 de julho, se lançassem à tarefa com a ponta da língua afiada. Do rabo à cabeça, passaram a limpo o atual governo. Condenaram o con-tinuísmo na área econômica, a adesão do Partido dos Trabalhadores (PT) ao esquema tradicional e corrom-pido de formação de maiorias congressuais – chamado de cretinismo parlamentar por Luís Werneck Vianna – e a falta de um projeto soberano de nação.

As opiniões, no entanto, não foram tão unânimes quando se tratou de discutir as saídas para o gover-no e, sobretudo, para a esquerda, depois da crise desencadeada pela denúncia de compra de votos de deputados federais pelo PT. O debate, que faz parte do projeto Câmara de Estudos de Políticas Públicas, foi coordenado pelo professor do Instituto Alberto Luiz

E depois do vendaval?

Parlamentares e pesquisadores debatem as raízes da crise política e o futuro da esquerda brasileira.

responsabilidade política, a deputada federal Jandira Feghalli disse que é preciso sinceridade na avaliação da crise política. Desde Sarney – comentou – a for-mação de maiorias no parlamento é feita por meio de instrumentos fisiológicos, como loteamento de cargos e compra de votos. Para ela, o PT ficou preso a essa relação promíscua entre Executivo e Congresso e ab-

Coryntho Baldez

Jandira Feghalli: a formação de maioria no parlamento é feita por meio de instrumentos fisiológicos.

Luiz Pingulli Rosa (esq.): buraco no teto como efeito do superávit primário; Luiz Werneck Vianna(dir.): presen-ciamos a falência da República.

A política foi convertida em um grande tribunal, foi

espetacularizada. Há um rebaixamento

geral da cidadania.Luiz Werneck Vianna

Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ), Luiz Pinguelli Rosa, e contou com a participação do reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira; do senador Saturnino Braga (PT-RJ); da deputada federal Jandira Feghalli (PCdoB-RJ); de Carlos Nelson Couti-nho (professor de Teoria Política da Escola de Serviço Social da UFRJ); de Luiz Werneck Vianna (sociólogo do Iuperj) e de Wanderley Guilherme dos Santos (cientista político do Iuperj).

Corrupção brancaAo abrir o debate, o autor da proposta de escamar o

governo, Luís Pinguelli Rosa, apontou o buraco no teto do Salão Moniz de Aragão, no Palácio Universitário, no campus da Praia vermelha, como um dos efeitos do superávit primário – um componente da atual política econômica que, para ele, é a raiz da descaracterização do PT. Segundo Pinguelli, “deixar de investir recursos recolhidos com impostos em educação, saúde e ener-gia para pagar dívidas é uma espécie de corrupção branca”. Agora, chegou-se ao extremo de admitir o recebimento de recursos ilegais para fins político-eleitorais, lamentou.

Em seguida, o senador Saturnino Braga apontou os três pilares do PT que se evaporaram nesta curta expe-riência de governo. O projeto genérico de governar para os trabalhadores, o discurso éti-co e a liderança de Lula. No governo, na dura análise do senador, o PT vem benefician-do os banqueiros, fez picadi-nho da bandeira ética e Lula mostrou-se despreparado e inseguro para exercer a pre-sidência. “O partido está em situação lastimável. É preciso mudar toda a direção, buscar uma redefinição programática e retomar a bandeira da ética”, afirmou. E, de modo incisivo, revelou que não vota “na ree-leição do Lula”.

Embora tenha ressaltado que o momento é de grande

Fotos: Fábio Portugal

Especial

Debate

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Saturnino Braga: O partido está em situação lastimável. É preciso mudar toda a direção, buscar uma redefinição programática e retomar a bandeira da ética

dicou de um projeto global de interesse da sociedade. Afirmou, ainda, que não basta cassar alguns parlamen-tares para enfrentar a crise, mas pensar em soluções estruturais. O financiamento público das campanhas eleitorais, embora não ponha fim ao caixa dois, vai reduzir os acordos escusos entre candidatos e setores privados, de acordo com a deputada. Ela defendeu algumas ações do governo, mas advertiu que Lula busca a confiabilidade das elites financeiras e que não é possível ter um “projeto estruturante de nação com a atual política macroeconômica”. Ao final, conclamou os setores de esquerda a pensar em alternativas, já que o governo, ao nomear figuras conservadoras para o Ministério, continua dando sinais de que não pretende mudar a rota da política econômica.

Gestor do status quoLogo depois, Carlos Nelson Coutinho frisou que a

crise não é apenas da esquerda, mas da política em geral. Citando o pensador italiano Antonio Gramsci, disse que hoje predomina a pequena política, cuja marca são as negociatas, os interesses materiais inconfessáveis, e não a grande política, ligada ao debate de idéias e projetos. “O PT foi se adaptando a essa pequena política e se tornou gestor da ordem capitalista, do status quo”, criticou. Para ele, isso não aconteceu repentinamente, “como um raio em dia de céu azul”. Resultou da substituição do programa democrático-socialista do PT, ao longo dos anos 90, pela política pragmática de fazer alianças a qualquer preço para chegar ao poder. “Mas, para quê?”, indagou Carlos Nelson Coutinho, que teme o risco do que cha-mou de “americanalhamento” da política brasileira, com a presença de dois partidos (PT e PSDB) que se alternam no governo, sem alterar a condução liberal da economia, como acontece nos Estados Unidos.

Já o cientista político Wanderley Guilherme dos San-tos comentou que o que está em jogo hoje no Congresso

é a democracia, “e esse não é um problema menor”. Como a oposição ainda não tem um candidato viável para concorrer com Lula em 2006, conseguiu dar um encaminhamento “político” a um caso de corrupção em uma empresa que apareceu devido à disputa de cargos entre partidos da base aliada. Para o cientista político, sem desconsiderar que o PT pode, de fato, ter montado uma máquina para se perpetuar no poder, a oposição soube conduzir este processo para colocar em xeque o governo Lula, tendo chegado a pedir que o presidente desistisse de sua candidatura em 2006. “A oposição poderia maneirar nas acusações desde que Lula abandonasse o projeto de reeleição. Essa proposta foi uma das coisas mais vergonhosas que já ouvi”, condenou.

Wanderley Guilherme dos Santos também criti-cou o “esquema oligárquico do PT de São Paulo, que transferiu para o PT nacional uma forma de direção autoritária, que tomava decisões à revelia do conjunto do partido”.

Carlos Nelson Coutinho: hoje predomina a pequena política, cuja marca são as negociatas.

Wanderley Guilherme dos Santos: crítica ao “esquema oligárquico” do PT paulista.

Aloisio Teixeira: a atual crise mexe com as instituições num momento em que não se pode dizer que a esquerda e os movimentos de massa estejam fortes.

O PT foi se adaptando a essa pequena política e se tornou gestor da

ordem capitalista, do status quo.Carlos Nelson Coutinho

A oposição poderia maneirar nas

acusações desde que Lula abandonasse o projeto de reeleição.

Essa proposta foi uma das coisas mais vergonhosas que já

ouvi.Wanderley Guilherme dos Santos

servadora, com voto distrital, lista fechada, restrição à existência de pequenos partidos e até parlamenta-rismo, para impedir que a vontade popular possa ter curso na política brasileira.

A terceira “solução conservadora”, segundo Aloísio Teixeira, seria a blindagem da política econômica, já esboçada pelo governo.

Apesar de achar que “a diáspora da esquerda con-tinuará”, o reitor advertiu que é necessário discutir os parâmetros do socialismo hoje – “ainda é o regime de propriedade que o diferencia?” – e chegar a um con-senso mínimo para que se possa enfrentar o desafio de reunir um programa de esquerda, o apoio de massa e uma sólida base de alianças.

A política como espetáculoO sociólogo Luiz Werneck Vianna fez questão de

registrar o caráter inédito do debate, para em seguida, em tom contundente, afirmar que presenciamos a fa-lência da República, exposta ao loteamento das suas instituições. “A política foi convertida em um grande tribunal, foi espetacularizada. Há um rebaixamento geral da cidadania”, sentenciou. Para ele, a política brasileira “se tornou em um zoológico, um lugar de vi-sitação”. Nas décadas de 50 e 60, segundo o sociólogo, existiam as denúncias de corrupção, mas também as lutas nacionais populares e democráticas. “Hoje, somos vítimas desse processo porque nossas instituições fo-ram aparelhadas e degradadas. Vamos defender quem do quê?”, questionou.

Para ele, a democracia brasileira vive sob estado de exceção permanente, cuja primeira expressão foi o confisco da poupança promovido por Collor. Desde então, segundo Werneck, o Brasil é governado por me-didas provisórias e um presidencialismo de coalizão que coopta e impede que o sentimento das ruas se faça sentir. Por fim, afirmou que a democracia representativa não pode continuar como o fetiche da mudança social e propôs uma aproximação com a representação das associações profissionais em torno da defesa dos bens públicos.

Último a falar, o reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira, assinalou que a atual crise mexe com as instituições num momento em que não se pode dizer que a esquer-da e os movimentos de massa estejam fortes. Ele disse temer a possibilidade de soluções conservadoras. O primeiro risco que vê é o de uma onda avassaladora de moralismo udenista, “algo que desqualifica a polí-tica e nivela por baixo”. Em meio à confusão, também receia que se tente aprovar uma reforma política con-

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Nacional

Polêmicas rondam a “parceria civil”Sociedade discute as implicações da união civil, que concede mais direitos aos homossexuais.

Liana Fernandes

sexo” — argumenta Cláudio Gruber Mann, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, mestre em Enfermagem Psiquiátrica e Aids e pesquisador do Nacional Institute of Mental Health.

Objetivos do projetoO projeto pretende regularizar a união civil entre

pessoas do mesmo sexo, permitindo aos homossexuais que têm vida em comum, o direito à herança, previdência social, declaração conjunta de Imposto de Renda e nacionalidade, em caso de estrangeiros. “Nosso sistema jurídico não expressa a proibição ou a permissão desse procedimento. Essa lacuna na lei faz

com que seja necessária a criação de uma sentença, cada vez que os tribunais têm de atuar” — explica Amaral.

Entretanto, o relator do Projeto, deputado Roberto Jefferson, substituiu o termo “união” por “parceria”. Se for tratado como uma sociedade e comprovada a existência desta, a dissolução é aceita e realizada por meios judiciais, com a divisão do patrimônio adquirido na vida em comum. De acordo com Amaral, na união estável, que pressupõe diversidade de sexos, há participação da sucessão do outro, quanto à herança, mas no caso de união civil, não existe dispositivo legal que permita idêntico direito aos homossexuais, cabendo aos tribunais decidir cada caso. Mas, quanto à Previdência Social, ficou estabelecida a concessão de benefícios previdenciários ao companheiro homossexual, desde que se comprove convivência e dependência econômica.

Para Luiz Carlos, um dos diretores do Grupo Arco-Íris, a “parceria” é uma questão de Direitos Humanos, pois as pessoas têm direitos e devem exercer sua cidadania, sem discriminação por sua orientação sexual e afetiva. “Sociedade de fato é caracterizada pela vida em comum de pessoas, em princípio, do sexo oposto, com a formação de um patrimônio comum e contribuição de ambos. Um relacionamento homossexual estável pode, assim, caracterizar essa sociedade e dar origem à divisão do patrimônio adquirido em conjunto” — esclarece o professor Francisco Amaral.

A Igreja diz que Deus não aceita a união entre pessoas do mesmo sexo e que, apesar de pregar o respeito aos homossexuais, um tipo de casamento não iria ajudá-los a viver corretamente. Já o psicólogo Carlos Linhares, pós-graduado em Medicina Coletiva pelo Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva (NESC) da UFRJ, diz que para a psicanálise, a sexualidade é ampla, geral e irrestrita, não tem a ver com anatomia, não tem fins exclusivamente reprodutivos e pode ser exercitada em diferentes corpos.

Em meio a discussões de certo e errado, legal ou ilegal, o Projeto de Lei nº 1151/95, da então deputada federal Marta Suplicy, está engavetado no Congresso Nacional, em virtude da forte reação provocada em religiosos e setores conservadores da sociedade brasileira.

Um dos motivos de maior repulsa ao projeto é a confusão entre casamento e união civil. O projeto não propõe a adoção de crianças e nem o casamento que, segundo o professor Francisco Amaral, da Faculdade de Direito da UFRJ, se enquadra somente à diversidade de sexos desde o direito romano, e que se transformou, ao longo de trinta séculos, em princípio jurídico de observância universal. Entretanto, países como Dinamarca, Noruega, Canadá e Espanha aceitaram a união civil como equivalente ao casamento, mas proibindo a adoção de crianças.

“Quem determina o que é certo e errado em sexualidade? Acho que existe o que dá ou não prazer, e o que é consentido entre o casal, independente do

Os municípios brasileiros, que se encaixam nas exigências que o Estatuto da Cidade preconiza para a elaboração ou reformulação de Plano Diretor, têm até outubro de 2006 para entregar anteprojeto. O governo federal fez um complemento na Lei Orgânica do Mu-nicípio e Plano Diretor, da Constituição de 1988, para reforçar a participação popular no desenvolvimento das cidades.

O governo destinou, inicialmente, R$ 53 milhões para estimular as cidades em questão, dando prioridade nos editais aos municípios que estão organizados com seus planos. Quem não o possui, não pode concorrer a este tipo de financiamento. Os critérios estabelecidos pela lei do Plano Diretor e pelo Estatuto da Cidade decretam que os municípios com mais de 20 mil habitantes, ou integrantes de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas, localidades que se situam em áreas de interesse turístico, de influência de empre-endimentos ou atividades com significativo impacto ambiental na região ou país devem organizar estratégia de desenvolvimento urbano.

Docentes e estudantes da FAU (Faculdade de Ar-quitetura e Urbanismo), da UFRJ, têm orientado alguns municípios do estado do Rio de Janeiro na elaboração de seus planos.

Os professores Luiz Manoel e Ione Machado lide-ram iniciativas em parceria com prefeituras, atuando em três vetores distintos: consultoria, capacitação de funcionários e participação dos alunos de graduação da UFRJ. A faculdade já atuou em municípios como Mangaratiba, Duque de Caxias, Maricá e São Pedro d’ Aldeia. A unidade participa dos debates e do desen-

volvimento dos planos, juntamente com discentes da graduação, que optaram por disciplina eletiva sobre Plano Diretor Participativo e também trabalham como bolsistas nos projetos.

Fóruns e seminários estão acontecendo regularmen-te em vários lugares do país, permitindo maior atuação da população. Para a professora Ione, os municípios só começaram a dar real importância aos planos diretores após o Estatuto das Cidades. “Acredito que pelo des-conhecimento da Lei, as prefeituras e seus moradores não se engajaram na produção de seus planos. São pouquíssimas as cidades que fizeram planos-diretores desde 1988. O Estatuto da Cidade determinou prazos e criou novos instrumentos de ação”, diz ela.

Mas se a participação é popular, como garantir a concretização de suas idéias? Para o professor Luiz Manoel, a tão almejada discussão coletiva pode pro-vocar dúvidas. “Estes debates são como jogos de car-tas: você tem vários interesses em jogo, de diferentes segmentos da sociedade. Será que realmente pode ser participativo? Será que isso não é demagogia em vez de democracia? Também há outra questão que é o nível de entendimento de populações mais carentes (que são as que mais precisam ser atendidas pelos planos). Nas suas concepções certas propostas são maravilhosas, mas que não tem nada a ver com o desenvolvimento da cidade, no entanto é o que eles desejam”, critica Luiz Manoel.

Os municípios que são obrigados a fazer o plano e que não cumprirem com o prazo estabelecido pela “campanha” poderão ser penalizados por improbidade administrativa (lei federal de 1992).

FAU participa de Plano Diretor das CidadesLuana Monçores

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Universidade

Para garantir o bem-estar dos servi-dores da UFRJ, a Divisão de Saúde do Trabalhador (DVST) — que pertence à Pró-reitoria de Pessoal (PR4) —, em ação conjunta com o Instituto de Psi-quiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB), realiza vistorias nos locais de trabalho, analisa e desenvol-ve inúmeros projetos na área da saúde. Assim, por meio de atendimento multi-disciplinar, os servidores da UFRJ têm acesso a projetos, como o que trata a de-pendência de bebidas alcoólicas — Pro-grama de Atendimento ao Trabalhador Alcoolista, o PAT/Álcool.

Integrado ao Pólo de Atenção em Saúde Mental do Trabalhador, da DVST, o Programa surgiu em 1995, a partir de pesquisas acadêmicas da doutora em Enfermagem, Alice Borges, ex-diretora da Divisão, e da doutora em Psiquiatria pela UFRJ e coordenadora do PAT/Álco-ol, Magda Vaissman. A iniciativa da ela-boração desse projeto se deu em função do álcool, na época, ser a terceira causa de afastamento do trabalho, na UFRJ. “Desde que começamos esse programa, o desligamento de servidores caiu da terceira para a oitava posição. Antes o afastamento era indefinido e sem alter-nativa de tratamento. Hoje podemos até afastar, mas provisoriamente” — conta Magda, autora do livro Alcoolismo no Trabalho, editado pela Editora Fiocruz/Garamond, em 2004.

A assistência ao servidorO tratamento do alcoolista, como é

chamado o dependente de álcool, inclui avaliação e acompanhamento psiquiá-tricos e consulta de Enfermagem, visto

que, de acordo com Magda Vaissman, es-ses pacientes apresentam co-morbidade, ou seja, outras doenças paralelas ao al-coolismo, como depressão e ansiedade. “Há terapias de grupo e motivacional e, em alguns casos, terapia individual. Às vezes, esses pacientes são estimulados a participar de grupos de auto-ajuda, como Alcoólicos Anônimos (AA), Narcóticos Anônimos (NA) ou outros grupos, como os religiosos” — completa.

Realizado no IPUB, o tratamento tem duração de um ano. Segundo Vaissman, já foram atendidos cerca de 500 servido-res, e praticamente todos deixaram de ser usuários de álcool. Entretanto, ainda não existe um programa de conscienti-zação do uso de álcool direcionado aos estudantes. “Acho isso muito importan-te, mas é preciso um esforço conjunto das entidades e dos próprios estudantes para que isso aconteça” — opina.

AlcoolismoSegundo a American Society of

Addiction Medicine (Asam), que reúne especialistas na área de dependência química, nos EUA, o alcoolismo é uma doença crônica, caracterizada pela inabi-lidade de a pessoa controlar o consumo de bebidas alcoólicas, apesar dos efeitos adversos e nocivos produzidos por es-tas. O indivíduo dependente de álcool vincula o uso da bebida às atividades pessoais e tolera doses cada vez maiores. Quando tenta descontinuar ou diminuir subitamente a quantidade de álcool in-gerida, sofre os efeitos da abstinência e das manifestações neurológicas.

“Por ser uma doença crônica, há re-caídas; o tratamento do alcoolismo não

Por causar manifestações neurológicas

graves, como a síndrome de abstinência, o

coma profundo, neuropatias ou “doença

dos nervos” (caracterizada por intoxicação

associada à carência de proteínas e vita-

minas, principalmente a B1), coordenação

motora deficiente e confusão mental, o ex-

cesso de álcool é classificado como doença

pelo Código Internacional de Doenças, o

CID-10. Este também enquadra como subs-

tâncias causadoras de doenças os opióides,

cocaína, maconha, alucinógenos, solventes

voláteis, sedativos, tabaco, alguns estimu-

lantes e outras substâncias que agem no

sistema neurológico.

A síndrome de abstinência tem como

sintomas tremores, irritabilidade, crises

convulsivas, alucinações auditivas e visu-

ais e o delírio. São sintomas sempre opos-

tos aos efeitos provocados pela ingestão

de álcool — sonolência e diminuição ou

prejuízo da capacidade de raciocínio e dos

reflexos — que, de acordo com as estatísti-

cas, mata mais do que o cigarro.

Essas perdas de memória, da capacidade

de atenção, concentração e raciocínio são

provocados pelo uso abusivo de álcool, de

forma progressiva. O álcool sacia a fome,

mas não possui nutrientes fundamentais

para a manter os nervos saudáveis e em

plena atividade. A carência de vitaminas

e proteínas causam a neuropatia. Para que

não haja morte das células nervosas e dano

mental, a dependência do álcool deve ser

tratada o quanto antes. “Não é questão de

se proibir a bebida, mas deve-se buscar mo-

deração, beber intercalando com comida e

outros líquidos não alcoólicos. É preciso ter

a consciência de que o álcool em excesso

leva à exacerbação dos instintos e a pessoa

pode se tornar também violenta” — alerta

Magda.

As Manifestações Neurológicas eo Álcool

Liana Fernandes

finda depois de o vício ser controlado. Há pessoas que passam muitos anos sem usar e ficam bem, outras têm recaídas. O importante é que houve uma sensibiliza-ção na DVST e, todos estão conscientes de que a pessoa bebe, falta ao trabalho ou está desatento porque adquiriu uma dependência química, não porque é va-gabundo, como muitos leigos acreditam”, explica Magda.

Para obter mais informações, entre em con-

tato com a Divisão de Saúde do Trabalhador

(DVST/PR-4)pelos telefones 3867-6693 e 3867

6543, através do e-mail [email protected] ou

acesse o site da médica Magda Vaissman,

www.magdavaissman.com.br.

Informações

Programa trata alcoolistas na UFRJExcesso de álcool pode causar doenças neurológicas

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16 UFRJJornal da

Agosto•2005

Universidade

A corrida por uma vaga na maior universidade federal do país começa com algumas mudanças. A partir deste ano os candidatos farão suas inscrições apenas via Internet, as provas serão realizadas em dois dias, ao invés de três e, no rol dos cursos disponíveis, mais três foram criados. São eles: Ciências Biológicas modalidade Biofísica — com 30 vagas —; Licenciatura em Ciências Biológicas/Macaé — 50 vagas —; curso diurno de Bacharelado em Educação Física — 80 vagas —; e curso de Biblioteconomia e Gestão de Unidades de Informação — 30 vagas.

Além de representar um esforço da UFRJ em am-pliar seus quadros de vagas, os novos cursos são mais uma possibilidade de acesso ao Ensino Superior. “Essas vagas representam mais um esforço da univer-sidade para oferecer ao país cursos de graduação com matrizes curriculares destinadas a áreas vitais para o desenvolvimento científico, tecnológico e cultural”, analisa Luiz Otávio Langlois, coordenador acadêmi-co da Comissão Executiva do Concurso de Acesso - Vestibular.

Uma outra novidade é o curso de Biblioteconomia e Gestão da Informação, oferecido pela Faculdade de Ad-

Novidades no Vestibular 2006Rafaela Pereira

A Escola de Belas Artes firmou, pela primeira vez, convênio com uma Escola de Samba, a Portela, e mais uma vez contribuirá para a beleza da principal festa do país: o Carnaval. Antes, a EBA havia firmado convênio de estágio com a Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, no qual mais de 20 estudantes eram remune-rados atuando no mercado de trabalho.

Ainda faltam algumas definições sobre a parceria recém-firmada. Mas já foi ajustado que a EBA oferecerá dois cursos para a comunidade portelense. Um terá como objetivo formar mão-de-obra para o barracão da Portela, sob a coordenação dos professores Samuel Abrantes e Helenise Guimarães.

“Serão realizados alguns programas que sejam interessantes para as atividades que funcionam dentro do barracão, como objetos utilizados em decoração de carros, chapelaria, fantasias, máscaras e adereços. Estou convencido de que o barracão não é o melhor lugar para a realização do curso, mas a Rosangela Lima, responsável pelos projetos sociais da Portela, deseja que os cursos sejam desenvolvidos lá” — esclarece Samuel Abrantes.

Outro curso, coordenado pela professora Laura de Castro, formará auxiliares de restauração de documentos da agremiação. A professora Laura disse que o barracão não é o lugar adequado para os trabalhos de restauração e conservação de documentos, mas o presidente da Portela, Nilo Figueiredo, prometeu construir instalações adequadas. “O curso focará a questão da conservação, porque não adianta nada restaurar se não houver ninguém para conservar”, frisou a professora.

Busto de Paulo da PortelaOutro ponto do convênio é a realização de um

concurso de escultura, coordenado pelo professor do Departamento de Esculturas da EBA, Nivaldo

Carneiro, no qual os participantes deverão reproduzir, em bronze, o busto de Paulo da Portela, um dos fundadores da Escola de Samba. Essa escultura ficará no barracão da Portela ao lado do busto de Natal, outra lenda portelense.

“O edital ainda será elaborado, mas provavelmente não se restringirá à Escola de Belas Artes, pois o objetivo é integrar a universidade com a comunidade. Depois de medir o busto do Natal – o do Paulo da Portela deverá ter a mesma medida - poderemos definir o custo da fundição, que ficará a cargo da Portela, e elaborar o edital”, explica o Nivaldo.

A vice-diretora da EBA, Ângela Mousinho, afirma que as escolas de samba valorizam o intercâmbio com a

EBA mais uma vez no CarnavalEscola de Belas Artes (EBA) da UFRJ trabalha na qualificação de mão-de-obra na Portela, no bairro de Madureira.Lucas Bonates

ministração e Ciências Contábeis (FACC), no campus da Praia Vermelha. Segundo Araceli Cristina Ferreira, diretora da FACC, a idéia de criação do curso partiu da iniciativa dos funcionários da própria biblioteca da faculdade, que sentiam a carência de cursos da área na cidade do Rio de Janeiro. “Esse não será um curso meramente de biblioteconomia, mas sim um trabalho voltado para todos os tipos e níveis de informação do conhecimento. É preciso trabalhar com livros de papel, mas também com a Internet e seus livros virtuais”, adianta a diretora.

Pioneiro em levar a Universidade para outras re-giões do estado, o curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, em Macaé, representa o empenho do Insti-tuto de Biologia em capacitar profissionais e contribuir para o desenvolvimento da região.

Assim, a UFRJ amplia ainda mais a sua oferta de vagas, trilhando o caminho de uma política acadêmica centrada na ampliação do acesso ao Ensino Superior de qualidade e na formação de novos profissionais ca-pazes de ocupar posições de destaque na formulação, desenvolvimento e condução dos mais importantes projetos nacionais.

Escola de Belas Artes. Além disso, ela considera que há um ganho para os alunos que atuam nos barracões. O professor Samuel Abrantes acredita que seja “uma forma de interação necessária para o pleno desenvolvimento das funções do ensino, utilizando mecanismos que coloquem nossos alunos no mercado de trabalho”. Ele acrescenta que os estudantes ministrarão as aulas do curso, sob supervisão. “Estamos dando prioridade aos recém-formados, que ainda não estão no mercado de trabalho, e aos estudantes dos últimos períodos”.

Todos os professores envolvidos no convênio, inclusive a diretora Ângela da Luz e sua vice, Ângela Mousinho, acreditam que o mais importante é que a universidade atenda os anseios da sociedade.

Pontes é a revista eletrônica lançada e publicada por estudantes do curso de História do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ), focando a multidiscipli-naridade em temas das Ciências Humanas, Letras e Arte. Na edição de lançamento, n° 1, encontra-se uma en-trevista com José Murilo de Carvalho, professor titular

Estudantes do IFCS lançam revista eletrônicaFortunato Mauro

EBA e G.R.E.S. Portela firmam parceria para o carnaval: formação de mão-de-obra e atividades de extensão

do Departamento de História do IFCS, autor de obras fundamentais para a compreensão da história brasileira, como “O Teatro das sombras”, “A Construção da ordem” e “Os bestializados”. Murilo de Carvalho se tornou referência para o estudo historiográfico da trajetória política e social no Brasil.

A edição da revista também traz matérias sobre a história da música, religião no Egito Antigo, lazer e camadas populares e sobre o conflito no Oriente Médio.

A revista pode ser lida em http://revistapontes.blogspot.com/

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Luana Monçores

Universidade

Era 18 de agosto de 1841, quando D. Pedro II assinou o decreto que di-zia: “Hei por bem fundar um hospital destinado privativamente para o trata-mento de alienados, com a denomina-ção de Hospício Pedro II”. Na França, a medicina brasileira se inspirava em novas terapêuticas para os loucos, que, no Brasil, eram submetidos às cadeias públicas nacionais.

Mas o que era a loucura para a so-ciedade brasileira do Segundo Império? Muito diferente da concepção contem-porânea, loucos eram indigentes, alco-ólatras, mendigos e escravos que ocu-pavam as dependências do hospital e, ironicamente, chamados de “ociosos”.

A chácara do Vigário Geral, nome dado à região do terreno na época, fica no caminho da Praia Vermelha, que desde então é uma área militar, no atual bairro da Urca. O lugar era tranqüilo e distante do centro da cidade, mas hoje as novas construções e o trânsito barulhento dis-traem os transeuntes que não percebem a beleza do prédio histórico.

José Clemente Pereira, homem in-fluente da corte, foi o político idealizador da construção, que tomou forma pelas mãos dos arquitetos Domingos Montei-ro, Joaquim Cândido Guillobel e José Maria Jacinto Rebelo, em 1842, e só foi concluída e inaugurada dez anos mais tarde. A inspiração arquitetônica foi o Hospital de Charênton, casa-mãe da psi-quiatria francesa. O estilo greco-romano predomina na arquitetura do palácio com seus janelões e portas arredondadas. Na entrada, um frontão com colunas jônicas, escadaria e as estátuas raras da Ciência e da Caridade, feitas pelo escultor alemão Ferdinand Pettrich, recepcionam os visitantes. O professor Gustavo Rocha Peixoto, da FAU-UFRJ (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), explica a lu-xuosidade da edificação: ”A construção era para ser vista pelos navegantes que chegavam à baía de Guanabara e impres-sioná-los com a magnitude do império em que acabavam de desembarcar. Eu diria até que, sob a ótica arquitetônica, ele é o prédio mais representativo do II Reinado”.

Diário de um louco“Estou no hospício, ou melhor, em

várias dependências dele, desde o dia 25 do mês passado (dezembro)... Não me in-comodo muito com o hospício, mas o que me aborrece é essa intromissão da polícia na minha vida. De mim para mim, tenho certeza que não sou louco; mas devido ao álcool, misturado com toda a espécie de apreensões que as dificuldades de minha vida material, há seis anos, me assoberbam, de quando em quando dou sinais de loucura, deliro”.

Esse trecho é do livro Diário do Hospí-cio, de Lima Barreto, que ficou internado por dois meses no Hospício Pedro II. Ele deixou reflexões e registros sobre a vida dentro do manicômio mais importante do país. Além dele, o teatrólogo Qor-po Santo e o músico Ernesto Nazareth

Palácio da Praia Vermelha

Viagem da loucura à universidadeSímbolo arquitetônico do II Reinado, o Palácio da Praia Vermelha sobrevive ao tempo com muita história.

O Palácio da Praia Vermelha, Pedro Cal-mon, Ed. Da UFRJ, 2002.Um dos reitores mais repre-sentativos na vida da UFRJ guia

o leitor em sua narrativa a conhecer a his-tória do Palácio da Praia Vermelha que, de

Para melhor conhecer a história do Palácio da Praia Vermelha

pertenceram ao quadro de enfermos do hospí-cio. José Carlos Tavares, coordenador técnico da biblioteca Pedro Cal-mon, explica como era feita a divisão dos in-ternados no hospital: “Quando entramos pela porta principal da aveni-da Pasteur, encontramos a Capela de São Pedro de Alcântara, ao centro, dividindo o prédio ao meio: à direita temos a ala masculina e à esquerda a ala feminina, que na gíria médica, são res-pectivamente chamadas de Jean Esquirol e Philippe Pinel, pois as esculturas dos médicos franceses se encontravam na entrada, dispostos nesses lados. Embai-xo ficavam os doentes mais pobres e em cima os mais abastados, de famílias de posses, o que, aliás, era uma vergonha perante a sociedade do século XIX.”

Com o tempo, o modelo de hospital foi ficando ultrapassado. Em 1891, duas colônias para doentes mentais foram criadas em outras áreas da cidade que se expandia e todos os pacientes foram transferidos. Abandonado e inutilizado, o Palácio da Praia Vermelha foi perdendo sua majestade.

Depois do abandono, Universidade do Brasil

Em 1949, o governo da República doou à Universidade do Brasil o prédio em ruínas. Após ser reformado, foram instaladas ali a Faculdade de Arquitetu-ra, a Faculdade de Farmácia, a Escola de Educação Física, a Biblioteca Central e a Reitoria da universidade. Em seu livro sobre o edifício da Praia Vermelha, o professor Pedro Calmon, reitor na época, diz que a intenção era transferir todas as unidades para o futuro campus da Ilha do Fundão, que estava sendo construído. Mas a história foi escrita de outra forma, e

até hoje a UFRJ é a proprietária do local, abrigando ali o campus universitário da Praia Vermelha.

Hoje, o Palácio Universitário necessita de reformas e restaurações, que já estão sendo planejadas pelo Escritório Técnico da Universidade (ETU). A diretora do escritório, Maria Ângela Dias explica que algumas ações de melhoria já estão sendo executadas como: o levantamento de uso do espaço pelas unidades, a dimensão física do local e a contabilização de bens integrados ao prédio, como esculturas, cerâmicas, móveis e detalhes arquitetôni-cos. E completa: “Conseguimos recuperar o telhado e as estátuas que já estavam bastante danificados”.

O objetivo do ETU é que o fluxo de aulas seja retirado do edifício e que ape-nas a parte administrativa permaneça. ”Somente com os dados do levantamen-to, que pretendemos finalizar até o co-meço de setembro, teremos o real diag-nóstico do palácio, um projeto básico, e assim dar a partida às mudanças”, diz Maria Ângela.

A construção foi tombada pelo Ins-tituto do Patrimônio Histórico e Artís-tico Nacional (IPHAN). Sendo assim, qualquer modificação precisa ser ava-liada por uma equipe do instituto, que também orienta a UFRJ a estruturar seu plano de reformas para que as caracte-rísticas do palácio sejam preservadas e vistas por outras gerações.

um hospício modelo, se transformou na Universidade do Brasil.

O Cemitério dos Vivos/Diário do Hospício, Lima Barreto, Ed. Planeta, 2004.O escritor Lima Barreto relata neste livro os dias passados por ele no Hospício Pe-dro II, no começo do século XX.

Visitas guiadas podem ser feitas ao pré-dio histórico, para tanto, é preciso entrar em contato com José Carlos Tavares, da Biblioteca Pedro Calmon, do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ,pelo telefone 2295-1595, ramal 118.

Frontão neoclássico apoiado em colunas jônicas

Deusa da Caridade, junto com a Deusa da Ciência, guardam o frontão do palácio. Obras em mármore de Pettrich

Capela de S.P. de Alcântara: altar com retábulo em madeira e estátua do santo esculpida em mármore pelo italiano Pettrich.

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Cultura

Autor de obras-primas do cinema, como Vidas Se-cas e Rio Zona Norte, Nelson Pereira dos Santos sem-pre imprimiu um olhar crítico e diferenciado sobre a realidade desigual dos brasileiros. Inspirado no neo-realismo italiano, Nelson Pereira lança, com Rio, 40 graus, as bases de um movimento estético cultural que ficou conhecido como Cinema Novo.

A proposta de Nelson é de um cinema feito nas ruas com cenários e diálogos do cotidiano. E é assim que começa Rio, 40 graus. O calor sufocante da cidade é o elo entre as histórias que se desenrolam num domingo típico carioca, por meio de cinco meninos moradores de uma favela que decidem visitar pontos turísticos com o intuito de vender amendoins para depois com-prar uma bola de futebol. A partir daí, os enredos se desenvolvem com outros personagens. “É toda uma história de sedução, corrupção, vantagem, trocas. Tem o deputado que festeja a nomeação do compadre den-tro do Ministério da Agricultura e seduz a filha de um casal de amigos. Um fuzileiro naval que engravida uma doméstica de Copacabana e não sabe como arcar com a responsabilidade. Um pai aposentado e alcoo-lista que sonha em ganhar dinheiro na rinha de galo”, relembra Nelson.

Ivana Bentes, professora do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC) da Escola de Comu-nicação da UFRJ e pesquisadora do cinema brasileiro, explica ser esse um filme clássico da escola de cinema: “é um dos primeiros a mostrar o tema favela daquela maneira. Sem açúcar, seco, mas ao mesmo tempo líri-co e humanista”.

Filmado em cenários naturais com uma equipe pe-quena e com atores não-profissionais, contando com a participação de uma escola de samba carioca, Rio, 40 graus é um marco no cinema latino-americano. “Foi uma mudança. Naquela época os filmes eram feitos em estúdio, em alguma locação, mas esse filme não.

Rio ainda 40 grausDia quente de sol. Cinco meninos vendedores de amendoim e o desejo de ter uma bola de

futebol. Esse é o ambiente das primeiras cenas do filme Rio, 40 graus. Cinqüenta anos depois a obra de Nelson Pereira dos Santos permanece atual e reverenciada por jovens cinéfilos.

Rafaela Pereira

Filmei tudo na rua. Isso foi uma inovação”, conta o diretor. Essa novidade produzirá uma nova imagem do Brasil e do Rio de Janeiro, que até então eram re-presentados pela chanchada – de Carmem Miranda ao personagem da Disney, Zé Carioca. Ao contrário disso, Nelson Pereira levou à tela a humanidade, o humor e a realidade da favela, com personagens que transitam por todas as camadas da sociedade brasi-leira. “Essa temática e o modo de abordar a pobreza, foram as inovações e os motivos da obra se manter atual. Em momento algum tive preocupação em ca-muflar a miséria”, revela Nelson.

A Voz do Morro na trilhaCom a idéia do filme na cabeça era preciso pensar

na trilha sonora. Transitando entre o erudito e o po-pular, Radamés Gnattali deu sua contribuição fazendo os arranjos da trilha sonora. Zé Kéti, com seus sam-bas sociais, também colocou sua assinatura. E foi em um encontro com o Zé Keti, proporcionado por um amigo em comum, que sabia do projeto do filme, que Nelson travou a parceria com o compositor. No pri-meiro encontro da dupla, em um botequim no Centro da cidade, foi feita a primeira audição de A Voz do Morro, considerado o hino ao samba. A partir daí, Keti tornou-se o guia de Nelson no Rio de Janeiro e autor da trilha sonora do filme. Da parceria nasceu uma ami-zade, eternizada no filme Rio Zona Norte. “Essa era a história do Zé Keti. No filme quem o interpreta é o Grande Otelo. Meu último trabalho foi um curta so-bre ele, intitulado Meu Compadre Zé Keti, filmado em 2001”, conta Nelson.

Com tantas inovações e diferente modo de fazer ci-nema, Nelson lembra que, quando começou a escrever o roteiro, não havia ninguém que quizesse produzí-lo. Após um pequeno esquema de produção cooperativa-da, o filme pôde ser rodado. Por fim, a Columbia Pic-

tures comprou a distribuição.

Chefe de polícia como “crítico”Considerado por muitos como uma provoca-

ção aos costumes da época, o filme sofreu perse-guições do chefe de polícia. “A censura liberou o filme. Porém, eu e o filme só ficamos famosos por causa do chefe da polícia, que proibiu a exi-bição durante quatro meses, nos colocando na primeira página dos jornais”, recorda Nelson. As alegações: o filme só mostrava os aspectos negativos da cidade; que era mentiroso até no título, já que a temperatura da cidade nunca registrou 40 graus; entre outras. A situação se reverteu com a ajuda do jornalista Pompeu de Souza, diretor do Diário Carioca, que coman-dou uma campanha pela liberação do filme. Segundo Nelson, a partir desse momento ele poderia receber qualquer crítica sobre seus fil-mes, mas que nenhuma teria poder como a do “crítico” chefe da polícia.

50 anos depoisUma obra pode ser reconhecida por seus

valores, idéias, inovações e sua atemporali-dade. E nesse ponto Rio, 40 graus permanece com sua chama inicial e ainda conquista no-vos públicos. Para Nelson Pereira, a temática e a abordagem são os fatores para isso. “Te-nho assistido esse filme em muitos festivais fora do Brasil e percebo que tem um público, na maior parte de brasileiros, de outra gera-ção, bem jovem. E a reação desse público foi muito intensa, como se o curta tivesse sido

Cineclubista em São Paulo, onde nasceu, em 1928, Nelson Pe-

reira dos Santos entrou para o cinema como assistente de direção

de Rodolfo Nanni, em O Saci (1951-1953). Já no Rio, para onde

se muda em 1953, trabalhou como assistente de Alex Viany, em

Agulha no Palheiro, e Paulo Wanderley, em Balança mas não cai,

cujas filmagens concluiu.

Entre 1957 e 1960, trabalhou como jornalista e tentou produzir

uma versão do romance de Graciliano Ramos, Vidas Secas, frus-

trada por uma enchente e outros contratempos. Para aproveitar

a viagem e em condições bem precárias, improvisou no interior

baiano um bangue-bangue sertanejo, Mandacaru Vermelho (1960),

co-estrelado por ele próprio. Vidas Secas só chegaria às telas três

anos mais tarde, antecedido de uma adaptação de Nelson Rodri-

gues, O Boca de Ouro (1962).

Com El Justicero (1967), trocou o subúrbio do Rio e a caatinga

nordestina pelas frivolidades da zona sul carioca. Ainda eram bur-

gueses os personagens do filme seguinte, Fome de Amor (1968), só

que vistos por ótica bem diversa, mais crítica e moderna. Nelson

Pereira ganhou prêmios em festivais nacionais e internacionais

(Cannes, Havana, Polônia). Em reconhecimento a seu trabalho, já

foram organizadas mostras e retrospectivas em países como França,

Itália, Canadá, EUA e Japão, entre outros.

O diretor

filmado hoje. Rio, 40 graus dá um choque, é uma des-coberta de uma realidade que existe no Brasil há tanto tempo e que permanece até hoje”, analisa Nelson.

Para Ivana Bentes, a atualidade do filme está na lin-guagem – em forma de documentário – e principal-mente no tema. “Pobreza e turismo são assuntos abor-dados no filme, pelo Nelson. Ele mostra a relação dos turistas com os moradores de rua e a rotina dos meni-nos vendedores de amendoim. Sem dúvida é um filme atual pelo estilo”, explica a professora da ECO/UFRJ.

Seu jeito de fazer cinema deixou herança. Cidade de Deus, na época de lançamento, foi considerado um paralelo com Rio, 40 graus. Contudo, Nelson lembra que há 50 anos as crianças eram mais ingênuas e no filme iam vender amendoim para comprar uma bola. “Já Cidade de Deus abordou a fase da violência, do tráfico de drogas”, compara o cineasta, que hoje está produzindo Brasília, 18%, com estréia prevista para o fim do ano.

Rio, 40 graus 50 anosEm setembro, mês em que Rio, 40 graus completa 50

anos de lançamento, o Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da UFRJ, em parceria com o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), de São Paulo, promovem uma série de eventos sobre Nelson Pereira dos Santos, em especial sobre o filme, intitulado Rio, 40 graus 50 anos. Mostra de filmes, ciclo de debates e lançamento do livro Nelson Pereira dos Santos: uma cinebiografia do Brasil são as atividades programadas entre 19 e 23/09.

No fechamento do evento, dia 23 de setembro, a UFRJ, pelas mãos de Nelson Pereira dos Santos, fará a entrega de uma escultura criada pelo Departamento de Desenho Industrial da Escola de Belas Artes (EBA) da UFRJ, para todos os envolvidos com a produção do filme. Além disso, haverá apresentação da trilha sonora do filme pela Orquestra Sinfônica da Escola de Música (Orsem) da UFRJ, sob a regência do maestro e professor André Cardoso, na Sala Cecília Meireles. Também fará parte da programação, uma formação das baterias da G.R.E.S Portela e da G.R.E.S. Unidos do Cabuçu.

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Agostoo•2005

Cultura

História da literatura hispano-americana, Bela Josef.Co-edição Editora da UFRJ e Francisco Alves Editora, 2005, 4.ed., 424 páginas.

É comum dizer-se que o Brasil voltou as costas para a América Latina. Os motivos desse des-prezo pelo que ocorre além dos Andes são diversos e polêmicos. Seja como for, necessário é se re-conhecer que a cultura brasileira

tem, ao longo dos séculos, priorizado o contato com a Europa e, mais recentemente, com os Estados Unidos em detrimento de nossos vizinhos continentais. Resultou em larga medida uma visão homogeneizada daqueles países de fala hispânica que, não raro, solapa a sua rica diversidade numa forçada identidade, quando não os estereotipa canhestramente.

Bela Jozef, professora titular de Literatura Hispano-ame-ricana da Faculdade de Letras da UFRJ, evita esses perigos e nos dá uma abrangente, informada e atualizada visão do percurso das letras na América Latina desde o barroco — este estilo que tanta influência despertou em nossos povos - até o que, com algumas reticências, vem se estabelecendo cha-mar de pós-modernismo. Com erudição elegante – jamais, porém, pedante – a autora, seguramente a maior especialista brasileira no campo, caminha sem idéias preconcebidas através de textos e autores diversos, ao mesmo tempo em que resgata a trans-historicidade do fenômeno literário his-pano-americano. Nesse processo, autores são reavaliados, conexões novas e surpreendentes são apontadas e afinidades insuspeitas postas à luz. Enfim, uma América Latina diver-sificada, contraditória e maravilhosamente complexa.

A obra, que já prestou inegáveis serviços a diversas ge-rações de estudiosos da literatura e da cultura latino-ameri-cana e ao público em geral, ganha agora uma quarta edição revisada e ampliada com, vale mencionar, apresentação de Eduardo Portela e elegante orelha de Moacyr Scliar.

Max Weber e a idéia de socio-logia econômica, Richar Swe-dberg, tradução Dinah Abreu Azevedo.Co-edição Editora da UFRJ e Beca Produções Editoriais, Co-leção Economia e Sociedade, 2005, 388 páginas.

A obra de Max Weber vem produzindo um enorme impacto em diversos campos da socio-logia e da história econômica. Tem sido pouco destacado, porém, o esforço desenvolvido por ele para construir uma sociologia econômica que integrasse a abordagem centrada no interesse, dominante na economia do século XX, com o ponto de vista sociológico que prioriza as estruturas e as interações sociais. O resultado - que retoma até certo ponto algumas linhas de desenvolvimento levantadas pela econo-mia política do século XIX - é um impressionante conjunto de categorias que apenas nos últimos anos vem merecendo atenção adequada.

Richard Swedberg, professor de sociologia na Universi-dade de Estocolmo, Suécia, realiza nesse livro o primeiro estudo sistemático e crítico dessa tentativa. Swedberg passa em revista, no capítulo um, baseado na História geral da economia, as concepções de Weber sobre o nascimento do capitalismo ocidental. O capítulo dois discute conceitos básicos da análise sociológica da economia, como desenvol-vida em Economia e sociedade. Os três capítulos seguintes abordam, respectivamente, as relações da economia com po-lítica (capítulo três), com o direito (capítulo quatro) e com a religião (capítulo cinco), conforme o pensamento weberiano. O último capítulo trata da visão de conjunto da sociologia econômica na obra de Weber e aponta algumas comparações com a sociologia econômica contemporânea. Um importante apêndice dedicado à evolução do pensamento weberiano sobre a teoria econômica completa a obra.

Espera-se que o livro de Swedberg contribua para aumen-tar a cooperação entre sociólogos e economistas, o que seria benéfico para ambos profissionais.

A Editora UFRJ lançou esse ano o livro Conto de Inverno, uma das últimas peças escritas pelo dramaturgo e poeta inglês William Shakespeare (1564-1616). A tradução foi feita pela professora emérita da Faculda-

de de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro e catedrática em Literatura Inglesa, Aíla de Oliveira Gomes, hoje com 89 anos.

Aíla traduziu Conto de Inverno, bem como Rei Lear (publicado anteriormente também pela Editora UFRJ - 2000), há mais de vinte anos quando lecionava Ro-mantismo na Literatura Inglesa. Suas traduções eram apresentadas em aula e serviam de modelo e referên-cia para seus alunos. Publicou, ainda, diversos outros trabalhos, dentre os quais, Emily Dickinson - Uma Centena de Poemas, premiado em 1986, com o prêmio Jabuti e Poesia metafísica - Uma antologia, por ela considerada sua melhor obra, e que inclui trabalhos de John Donne, Henry King, George Herbert, T. S. Eliot e o próprio Shakespeare.

A professora se entristece em ver que Shakespeare parece não ter hoje em dia a importância que já teve, principalmente, entre os jovens. “Shakespeare é um marco não apenas na Literatura, mas na própria língua inglesa. Tornou-se uma referência que enobrece seu país de origem”, ressalta.

A poesia de Shakespeare traz desafios extras à tra-dução, devido à grafia antiga de vocábulos conhecidos, bem como pela recorrência de expressões que caíram em desuso. Mas, para a professora Aíla, a tradução ainda que difícil não é um peso ou estorvo, e sim um grande prazer “principalmente se a obra for de Shakespeare”.

O sucesso de uma boa tradução depende não da exatidão do termo, mas da forma de reproduzir seu sentido sem perda do lirismo. “A melhor palavra nem sempre é o correspondente exato, mas uma forma que seja poética, que procure respeitar a métrica da poesia”, esclarece a catedrática.

Um homem em sua arteA obra de Shakespeare acompanha sua trajetória

pessoal e desvela sua aguda percepção da natureza humana. Dessa forma, aquele que se aventurar a tra-duzi-la deve apreender a produção literária do bardo (poeta) inglês como um todo, posto que cada peça vincula-se, de alguma forma, tanto à que lhe precedeu como a que lhe sucede. Aíla de Oliveira, na ocasião que traduziu Rei Lear e Conto de Inverno, lecionava poesia romântica inglesa, em sua cátedra na UFRJ, e conhecia a fundo não apenas Shakespeare bem como seus contemporâneos e conterrâneos.

Conto de Inverno se insere no final da carreira de Shakespeare, juntamente com Cimbeline e Tempest. As três obras configuram-se como romances dramáti-cos. É uma fase da literatura shakespeariana na qual o pessimismo e os desfechos pesados de tragédias como Hamlet e Rei Lear se esvaem.

“Shakespeare sente aproximar-se o outono de sua vida e quer deixar um legado diferente”, afirma a professora que deixou escapar sua suspeita de que o dramaturgo fosse, embora a situação política da época não o permitisse dizê-lo, católico. Suas obras mantém os episódios trágicos, muitas vezes simbolizados por tempestades e catástrofes, seguidas pela penitência e contrição das personagens. Mas os desfechos de seus últimos dramas costumam ser happy endings. A poéti-ca shakesperiana passa por uma transmutação na qual o simbolismo e a atmosfera das composições prendem o leitor mais do que a introspecção psicológica.

Shakespeare estava, de acordo com Aíla, nesta eta-pa de sua carreira, com melhor condição financeira e procurava dias mais agradáveis, em sua velhice, na sua cidade natal Stratford-upon-Avon, na qual adquirira uma propriedade, chamada de New Place. Em 1612, após a temporada londrina de sua última e brilhante peça, Tempest, William Shakespeare mudou-se em definitivo para Stratford, onde morreria quatro anos mais tarde, deixando viva, contudo, a memória de um legado imortal.

A eterna obra do bardo ler

Esse é o nome da exposição fotográ-fica que reúne parte do material foto-gráfico, produzido entre 1994 e 2004, pelo fotógrafo William Santos, servidor técnico-administrativo da UFRJ.

A exposição, apoiada pela direção da Maternidade Escola e pela Reitoria, é uma colaboração que visa a promoção dos programas de aleitamento materno que são desenvolvidos pela instituição, buscando na fotografia uma forma de sensibilizar a comunidade interna e externa da UFRJ sobre o importante tema do aleitamento materno.

A abertura de AmaMentAção será as 11 horas do dia 25 de setembro, no hall anexo da Maternidade Escola, na Rua das Laranjeiras, 180

A m a M e n t A ç ã o

Bruno Franco

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Agosto•2005

Lucas Bonates

Ilustração Jefferson Nepomuceno

Maestro, compositor, arranjador, concertista, regen-te, pianista, uma inspiração para músicos de diferentes gerações, a exemplo de Tom Jobim e Raphael Rabello. Assim era o gaúcho descendente de italianos Radamés Gnattali, o “eterno experimentador” como Hermínio Bello de Carvalho o chamou e a pesquisadora do Museu Villa-Lobos, Valdinha Barbosa, acertadamente apropriou em seu livro Radamés Gnattali, o eterno experimentador.

Filho primogênito de um casal apaixonado pela mú-sica, em especial pela ópera, Radamés Gnattali começou a aprender piano com a mãe, Dona Adélia Fossati, e vio-lino com a prima Olga Fossati. Em 1923, pouco antes de terminar o curso de piano no Instituto de Belas-Artes de Porto Alegre, foi levado por seu mestre, Guilherme Fon-tainha, ao Rio de Janeiro, para um recital, em que recebeu elogios dos críticos cariocas.

No Rio pode conhecer o compositor Ernesto Nazareth, a quem prestou homenagens na década de quarenta no programa “Um Milhão de Melodias”, da Rádio Nacional, em que a Orquestra Brasileira de Radamés Gnattali, por ele fundada, tocava seus arranjos. Além de Ernesto, com-positores como Chiquinha Gonzaga, Zequinha de Abreu e Garoto foram homenageados nesse programa.

O trânsito entre a música popular e de concertoApesar de circular naturalmente entre os universos

popular e erudito na música, Radamés Gnattali frus-trou-se no sonho de seguir uma carreira de concertista. Segundo Valdinha Barbosa, o maestro não se dedicou ex-clusivamente à música de concerto porque Getúlio Vargas não permitiu que ele concorresse à vaga de professor da Escola de Música da Universidade do Brasil.

Bartolomeu Wiese, professor da Escola de Música da UFRJ, diz que “a necessidade de suprir suas despesas de sobrevivência fez com que começasse a trabalhar como arranjador e compositor em emissoras de rádios e poste-riormente em televisão, como músico popular”.

De fato, Ra-damés Gnatta-li possui vasta

obra popular e erudita, enquanto “Villa-Lobos, em-bora tenha convi-

vido com músicos populares e também

composto dentro desta linguagem, dedicou-se

quase que exclusivamen-te à música de concerto” – completa Wiese. Rober-

to Gnattali, professor da Unirio, e sobrinho de Radamés, destaca que em termos musicais, Villa-Lobos abordava mais a

temática ecológica e escrevia modinhas muito inspiradas no interior brasileiro.

Já Radamés se inspi-rava muito na músi-ca urbana, princi-palmente do Rio de Janeiro. “Compôs

muitas peças baseadas

no samba de morro, no samba-canção, na marcha-rancho, baião,

xaxado, e temas infantis, esses que as crianças das ci-dades cantam (ou cantavam), na brincadeira de roda. Além disso, explorou o choro carioca e seus formado-res (polca, schottish, valsa, habanera), com harmonia sofisticada e muita elaboração rítmica”.

Um foco sobre a música de concertoO lançamento do CD-Rom “Catálogo Digital Radamés

Gnattali”, que faz parte do projeto Brasilianas, coordena-do pelo maestro Roberto Gnattali, traz luz à obra erudita de Radamés. Para o professor André Cardoso, regente da Orquestra Sinfônica da Escola de Música da UFRJ (Orsem), “o catálogo chegou em boa hora, afinal em 2006 vamos comemorar seu centenário de nascimento”.

Cardoso acrescenta que “após sua morte, em 1987, as suas músicas de concerto foram pouco tocadas, com exceção de algumas mais difundidas. Os catálogos são ferramentas fundamentais para a organização, conhe-cimento e difusão da obra de um compositor. Mas para que cumpra sua função cultural e artística é necessária a execução dessas músicas”.

Para além das comemorações o catálogo reacende a discussão sobre a aceitação da música erudita pelo público, em sentido generalizado, e o espaço da música popular nas academias de formação em música. Bartolomeu Wiese defende que “os espaços devem ser iguais para todos os estilos. A Escola de Música oferece os cursos de Harmonia Funcional, mas acho que também deveríamos ter cursos novos de graduação em bandolim, cavaquinho, viola cai-pira, violão de sete cordas, e outros instrumentos repre-sentativos da cultura brasileira. Mas isso, infelizmente, é um processo lento e que precisamos corrigir”.

Já André Cardoso é contrário à criação de um curso de música popular. Para ele “música é uma coisa só. Popular ou de concerto é uma questão de domínio da técnica e da linguagem. Na Escola de Música o estudante opta pela Orquestra Sinfônica, que faz o repertório tradicional de obras sinfônicas e óperas, ou a UFRJazz Ensemble, que

faz o repertório instrumental de música brasileira e jazz”. Ele acrescenta que a UFRJ tem como vocação formar músicos para atuação em concerto.

André ainda afirma que o espaço para a chamada música de concerto é cada vez menor no Rio de Janei-ro devido às dificuldades financeiras. “São Paulo, por exemplo, conseguiu criar aquela que é hoje a melhor orquestra da América Latina, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp). O grande público gosta da música chamada “erudita”. As maiores provas são os concertos ao ar livre e as temporadas a preços populares que ficam lotados”.

Roberto Gnattali tenta reacender a obra erudita do tio Radamés, que é muito variada: “são 12 concertos para piano, quatro para violino, outros quatro para violão, oito sinfonias, além de concertos para harpa, gaita, ban-dolim, marimba, viola, violoncelo e tantos outros”. Ele ressalta a precisão das composições do falecido maestro, evidenciando a separação popular-erudito. “Se você ouve o Concerto nº 3 para violino e orquestra de Radamés, por exemplo, vai encontrar música erudita. Por outro lado, no choro Bolacha queimada ou o samba Seu Ataulfo, não há nada de erudito”.

Segundo Roberto, em consonância com Bartolomeu Wiese, a obra de maior destaque de Radamés é a suíte “Retratos”, da Sinfonia Popular nº1, que permaneceu na fronteira erudito-popular. “Nessa obra Radamés ho-menageia quatro grandes figuras da música brasileira: Pixinguinha, Anacleto de Medeiros, Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga. Cada movimento é um ‘retrato’ mu-sical de quem é homenageado. Toda baseada no choro, foi composta em 1956, originalmente para bandolim, conjunto regional de choro e orquestra de cordas e dedicada a Jacob do Bandolim, que a gravou em 1964. Mais tarde, meu tio transcreveu a parte da orquestra para conjunto de choro, a pedido do bandolinista Joel Nascimento, a quem o ma-estro dedicou a nova versão. Com esta versão de Retratos nasceu a Camerata Carioca, grupo que tinha uma formação de regional de choro”, lembra.

Radamés, o mito do experimentador

O projeto Brasilianas, financiado pela Petrobrás, é um trabalho inédito no Brasil de catalogação detalhada da obra do artista. Reúne CD-Rom e DVD, com imagens di-gitalizadas das partituras conhecidas de sua obra erudita e a edição de várias composições desconhecidas. NO CD-Rom “Catálogo Digital Radamés Gnattali” encontra-se a discografia, fotos, recortes da imprensa desde os anos 20, trechos de áudio, linha biográfica de tempo e toda informação sobre Radamés que foi possível levantar. O DVD traz sete mil páginas de partituras.

Foram editados cinco mil exemplares para distri-buição gratuita em instituições de ensino e pesquisa em música, bibliotecas, centros culturais e associações orquestrais. Segundo Roberto Gnattali, coordenador do projeto, o nome Brasilianas foi escolhido “porque tra-ta-se de um ciclo importante de 13 obras de Radamés. São peças de formas e instrumentações variadas em que os temas populares brasileiros são trabalhados, tanto o folclore quanto o cancioneiro popular urbano. Há desde solos de piano, como as Brasilianas nº 4 e 5, até poema sinfônico e sinfonia, como as Brasilianas nº 1 e 3”.

Roberto ainda lembraque o catálogo é uma revi-são muito atenta do antigo arquivo organizado pela viúva do maestro, Nelly Gnattali, e do catálogo incluído no livro Radamés Gnattali: o eterno ex-perimentador, de Valdinha Barbosa e Anne Marie Devos, lançado pela Funarte, em 1984.

Catálogo Digital Radamés Gnattali

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