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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA – UEPBDEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES
MESTRADO EM LITERATURA E INTERCULTURALIDADE
O Feminino como representação de poder do discurso na obra Budapeste de Chico Buarque
Érica Tavares de Araújo
Projeto apresentado ao Mestrado em Literatura e Interculturalidade – MLI como requisito para inscrição.
Campina Grande- PB, novembro de 2008
INTRODUÇÃO
Tradicionalmente, é o homem que detém o poder nas diversas
relações sociais, porém, estamos vivenciando um tempo de questionamentos
desse modo de vida, a mulher tem se destacado cada vez mais na sociedade,
através do mercado de trabalho, das contribuições com pesquisas científicas,
entre outros. Com o surgimento do feminismo, em 1960, a possibilidade de
criticar a realidade social e cultural, e assim fazer novas leituras da história,
reserva às mulheres um espaço maior, em todos os setores, diferente do
espaço que era dado pelos homens, restrito e secundário.
A mulher, desde então, tem passado por vários processos de
transformação, colocando em movimento inúmeros conceitos sobre sua
identidade, poder ou alteridade; fazendo-se notar também como ser histórico e
não só biológico. Ela consegue ser órgão e instrumento; objeto e sujeito, tanto
da transformação social quanto da sua própria transformação, que está ligada
aos processos do corpo, como a maternidade e a menstruação. Esses
processos de transformação fazem parte de sua experiência pessoal, porém
têm efeitos diretos no relacionamento com o outro sexo.
Falamos através da pessoa que somos e refletimos no outro nossas
cargas emocionais através do discurso, construindo e influenciando os outros
discursos. Essa sentença pode ser vista como uma das funções da linguagem
para o indivíduo: construir um mundo a partir do que o mundo constrói em nós
e essa construção se dá através das experiências de linguagem, pois é através
desse desempenho que o sujeito age e se transforma. A visão performativa dos
gêneros e das sexualidades tenta explicar justamente isso, como essa
linguagem produz efeitos diferentes e faz as pessoas agirem no mundo social.
Discurso, conhecimento (social e individual) e poder, estão estritamente
interligados. Através do discurso, atividade cotidiana, pode se obter o poder, a
dominação e a servidão. “Por mais que o discurso seja aparentemente bem
pouca coisa, as interdições que os atingem revelam logo, rapidamente, sua
ligação com o desejo e com o poder” (FOUCAULT, 2006, p. 10). A psicanálise
mostra também que o discurso não só manifesta e oculta desejos, como
também é objeto de desejo. Vale lembrar a vontade do indivíduo pelo saber,
que o faz ficar fascinado com livros ou bibliotecas. A coerção ou o controle do
discurso impõe regras e limita as pessoas, não permitindo que todos tenham
acesso a ele, pois nem todas as regiões do discurso são facilmente penetráveis
por qualquer um.
Os discursos sobre a condição social contemporânea feminina mostram
como a mulher tem conciliado cargos de responsabilidade juntamente com os
trabalhos domésticos. A mulher contemporânea ordena, toma decisões e se
sobrecarrega com várias funções: mãe, esposa, companheira, dona de casa,
chefe, comerciante. Segundo Culler (1999, p. 103), “isso não significa que o
gênero é uma escolha, um papel que você veste como escolhe roupas para
vestir pela manhã. Isso sugeriria que há um sujeito não marcado pelo gênero,
anterior ao gênero”. A construção da identidade de um indivíduo é marcada por
construções históricas e, principalmente, relações de poder, um desejo pela
diferença. Apesar de muito discutido, o conceito de identidade é amplo,
complexo, pouco desenvolvido e compreendido, justamente por estar em
declínio e por encontrar agora um sujeito descentralizado, fragmentado,
deslocado, que faz surgir a crise de identidade. Conforme MERCER (apud Hall,
1999, p. 9), “a identidade somente se torna uma questão quando está em crise,
quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela
experiência da dúvida e da incerteza”. Esta crise faz parte de um processo de
mudança que abala as referências que até então eram instáveis. Está
acontecendo um tipo diferente de mudança estrutural, que fragmenta
paisagens culturais, gênero, sexualidade, etnia, raça e outros, e eram estas
mesmas nomenclaturas que antes nos davam base como indivíduos.
À medida que o feminismo vai tomando espaço, a literatura também vai
se modificando. As primeiras representações femininas nas obras literárias
eram de mulheres oprimidas pelo Patriarcalismo, hoje elas estão se fazendo
ouvir. A literatura já faz referências a personagens femininas que marcaram a
história e a autoras que se fizeram grandes, diante de uma maioria de
escritores homens. Estes também têm se rendido e caracterizado cada vez
mais em seus textos personagens femininas, que embora não representem as
camadas de mais alto prestígio, são representadas como importantes e
essenciais, como o eixo principal, para que o enredo aconteça. A mulher vem
adquirindo poder na vida social e isto está presente na obra literária através de
diversos olhares. O sexo, tema comumente abordado por homens, é hoje algo
de domínio feminino também; ao pensarmos em sexualidade, pensamos em
sujeitos que se vêem como sujeitos e que produzem determinado poder sobre
o outro.
Algumas manifestações de poder prescindem de consentimento por
parte do dominado. Sendo assim, o poder produz a realidade e a verdade
social. Os mecanismos da sexualidade produzem saber e poder em
determinado momento da história. Convencionalmente afirma-se que nas
relações sexuais as mulheres buscam antes do prazer, o amor, e são assim,
também, nas relações sociais, em que procuram se colocar no lugar do outro,
desenvolvendo um processo de alteridade no qual os indivíduos são capazes
de compreender uns aos outros. A prática dessa alteridade talvez seja um dos
caminhos para que a sociedade possa viver em prosperidade. O “modo de ser
feminino” se transforma, então, em instrumento de valor que chega a
representar a liberdade e a identidade do indivíduo moderno, esta é pensada a
partir de qualidades pessoais, sem a hierarquização social, e obtida através do
amor e das relações com a família e amigos.
OBJETIVOS
Analisar a relação de poder que a mulher exerce sobre o homem através
da linguagem em Budapeste, de Chico Buarque (2003).
Identificar as formas de poder que a mulher detém sobre o
homem nesta obra, como, por exemplo, as questões relacionadas
a relação sexual.
Descrever a importância da figura feminina nessa narrativa,
escrita por Chico Buarque.
Verificar o grau de autonomia que a mulher apresenta, a partir da
caracterização de sua identidade, nessa obra buarqueana.
Observar atitudes que configurem a alteridade de gêneros na
obra em foco.
JUSTIFICATIVA
A pesquisa justifica-se pela necessidade de estudo do poder feminino
expresso através da relação lingüística. No caso específico da obra Budapeste,
de Chico Buarque (2003), esse poder se dá através da mulher sobre o homem;
ela é que detém o domínio da linguagem (do idioma), o que se constitui numa
interessante metáfora social de confronto de gêneros.
O sujeito que detém o domínio de certo código lingüístico, por exemplo,
terá todo um poder sobre os demais que não o dominam. Em Budapeste, a
linguagem aparece como o principal veículo de poder entre os personagens. É
através dela que uns se sobressaem aos outros. Neste sentido, levando em
consideração a apreensão de uma nova língua, é a mulher que exerce um
papel fundamental: ensinar o novo idioma a um homem. Ela domina o código e
as informações que o personagem masculino precisa para se fixar em terras
estrangeiras. O poder da mulher apresenta-se de várias formas dentro desta
obra, como o sexo, por exemplo, mas é principalmente através da linguagem
que podemos verificar essa relação.
Sendo assim, o discurso pode ser visto na referida obra, como elemento
de aquisição de poder; uma vez que a personagem feminina toma
conhecimento do interesse do homem pelo idioma que ela domina, ela passa a
exercer fascínio sobre ele, além de manipulá-lo e influenciá-lo. Esta análise
torna-se interessante também, por oferecer dados sobre a troca ou inversão de
papéis de poder e de papeis sociais, e por indicar as novas identidades
femininas que estão surgindo.
Há muito se tem estudado o comportamento feminino na prosa, na
poesia e até mesmo na música. Chico Buarque é um desses
autores/compositores estudados. Sua obra é marcada não só por dar voz ao
feminino (o eu lírico feminino), como também por caracterizá-lo. Diante de
tantas personagens criadas por Chico Buarque em músicas, peças, contos, é
interessante fazer uma análise que demonstre como este autor descreve suas
personagens femininas também na ficção. Inserindo assim esta pesquisa nos
estudos socioculturais, e sendo necessária para verificar se estas personagens
são autônomas, exercendo poder, ganhando seu espaço, ou se estão presas
ainda ao Patriarcalismo.
ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
Muito se tem discutido sobre as questões de gênero, cujas categorias
são definidas historicamente a partir de critérios de ordem biológica e cultural,
sendo o gênero entendido como uma das formas de representar a realidade.
Esses critérios foram impulsionados pela sociedade patriarcal, que impôs a
relação de força entre o homem e a mulher, relacionando a ele o domínio e a
ela a submissão. Neste tipo de sociedade, a mulher exercia a função de
reprodutora da espécie e garantia assim a sobrevivência do grupo.
Na sociedade matriarcal (10000 a.C) era a mulher que detinha o poder
sobre a política, os conflitos da sociedade e a natureza, despertando a cobiça
do homem pelo poder, este passou, então, a dominar tudo que estava em
ordem e também a mulher, que detinha esse poder, estabelecendo o
Patriarcalismo. “Provavelmente a vontade de dominar a natureza, levou o
homem a dominar também a mulher” (BOFF, 2002, p. 54)
Com o fim da sociedade escravista é instaurada a crise patriarcal. O
domínio dos homens, as formas de educação e até de religião foram
questionadas, pois apesar dos sistemas falocêntricos vigentes, a importância
da mulher não poderia ser apagada, ela está essencialmente gravada na
história das civilizações. Segundo Boff (2002, p. 52), a mulher “é sinal, mas
também produtora de sinais”, apesar de servir como objeto de sociabilidade,
continua sendo sujeito dessas relações.
Os vestígios dessa sociedade estão sendo questionados e esses valores
reconfigurados, fazendo-se necessário uma releitura dos princípios que regem
homens e mulheres e de uma nova inserção de nomenclaturas, uma delas, o
feminino e o masculino, que são princípios que constroem o homem como
homem ou mulher e não que os dividam em categorias, entre melhores e
piores, bons e maus. Masculino e feminino, portanto, tomam dimensão e são
pensados melhor a partir da conscientização da diferença entre os sexos e da
sua interdependência. Segundo Butler (2003, p. 24),
se o gênero são os significados culturais assumidos pelo
corpo sexuado, não se pode dizer que ele decorra, de
um sexo desta ou daquela maneira. Levada a seu limite
lógico, a distinção sexo/gênero sugere uma
descontinuidade radical entre corpos sexuados e
gêneros culturalmente construídos.
A reciprocidade se faz presente e necessária para que cada um se
descubra como ser, ela supõe certa independência e capacidade de relação de
cada pessoa em relação ao outro, oferecendo a oportunidade de uma
construção da identidade a partir desse reconhecimento, como afirma Beauvoir
citada por Boff (2002, p. 61), “a mulher só se torna mulher sob o olhar do
homem; o homem só se torna homem sob o olhar da mulher”.
Com o avançar do processo civilizatório pode-se afirmar que as
mulheres são as principais produtoras de cultura e passam a emergir como
sujeitos construtores da história, inserindo-se no sistema econômico e
simbólico masculino. A mulher governa de forma diferente do homem, dando
espaço aos sentimentos, aos cuidados, sendo mais ligada às pessoas que aos
objetos. Isso acontece porque cada ser projeta, a seu modo, suas relações
existenciais, sociais e sexuais.
Neste projeto os estudos acerca da sociedade atual, dos grupos
femininos, da alteridade de gêneros e da formação de identidades serão
embasados através das teorias divulgadas por teóricos como Beauvoir (1980),
Foucault (2007), Boff (2002), Muraro (2002), Cândido (2000), Butler (2003),
Hall (1999) e Culler (1999). Estes estudos servirão de base também para a
escritura da dissertação desta pesquisa de mestrado.
Esta pesquisa se insere no contexto de natureza bibliográfica, de
abordagem qualitativa, pretendendo gerar conhecimentos úteis e despertar
interesses em determinados grupos de estudiosos do tema. Desse modo,
faremos uma revisão bibliográfica, focando o nosso olhar sobre as teorias
feministas e sobre obras que expliquem melhor a identidade feminina e a sua
relação com o poder, além de teorias que versem sobre o poder da linguagem
feminina. Algumas teorias sobre análise do discurso serão necessárias para a
composição do trabalho, porém, tendo em vista que esta é uma pesquisa
inserida no campo da literatura, nos voltaremos com atenção para obras
tradicionalmente lingüísticas, dando maior importância àquelas que tratem a
linguagem como instrumento de poder.
Neste sentido, como forma de divulgar os resultados parciais desta
pesquisa, serão produzidos textos com a finalidade de publicação em eventos
acadêmicos de âmbito local, regional, nacional e internacional, que versarão
sobre o tema do poder feminino, da linguagem enquanto instrumento de
manipulação ou dominação, além dos estudos sobre identidade e sujeito. O
trabalho de leitura das obras será acompanhado pela elaboração de
fichamentos e resumos, para a melhor apreensão e reflexão das teorias em
foco, sendo pertinente a possibilidade de estudo de idéias opostas sobre o
mesmo assunto, enriquecendo o texto e embasando-o através de argumentos
diferentes.
Considerando o grande referencial teórico que será abordado, lido e
revisado durante o desenvolvimento da pesquisa: coleta de dados e produção
do texto dissertativo, a análise será feita de modo simultaneamente, ou seja, a
obra Budapeste de Chico Buarque estará em constante análise. A teoria se
unirá também ao caráter crítico de observação do pesquisador, para perceber
fatos reais que ajudem na interpretação e explicação da ficção.
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