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AS COLEÇÕES DO INSTITUTO: O INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO E AS PRODUÇÕES BIBLIOGRÁFICAS DE DIVULGAÇÃO CULTURAL Mariana Rodrigues Tavares 1 Uma coisa é escrever livros, e outras é entender deles, do seu comércio, de suas transas (Herberto Sales) Esta frase icônica de autoria de Herberto Sales, um dos mais importantes, diretores do Instituto Nacional do Livro são representativas de que maneira as questões editoriais perpassaram os liames políticos e culturais no Brasil ao longo do século XX. Um dos principais capítulos desta história foi aquele que, seguramente, teve como protagonista o Instituto Nacional do Livro (INL). As publicações do Instituto Nacional do Livro (INL) revelam um escopo específico da trajetória político cultural brasileira. Fundado com o princípio básico de atender uma das demandas do Plano Nacional de Educação (PNE) que contemplava a educação extraescolar, considerada como elo vital na corrente de formação educacional e cultural que se pretendia para os brasileiros, o Instituto do Livro passou a tratar da “mais poderosa criação do engenho humano”, isto é, o livro, tendo por incumbências as seguintes atividades: a) organizar e publicar a Enciclopédia Brasileira e o Dicionário de Língua Nacional, revendo-lhes as sucessivas edições; b) editar toda sorte de obras raras ou preciosas, que sejam de grande interesse para a cultura nacional; c) promover as medidas necessárias para aumentar, melhorar e baratear a edição de livros no país bem como para facilitar a importação de livros estrangeiros; d) incentivar a organização e auxiliar a manutenção de bibliotecas públicas em todo o território nacional (SILVA, 1992:44 e Decreto Lei nº 93 de 21 de dezembro de 1937). Todas estas atribuições tiveram em sua origem o espelho do que fora o antigo Instituto Cayrú, predecessor do Instituto Nacional do Livro. Por iniciativa do então ministro da Educação Gustavo Capanema, o presidente Getúlio Vargas decretou a transformação do Cayrú em Instituto do Livro. Suas funções tal como descritas no já citado Decreto Lei, a partir deste momento, foram ampliadas e para alcançar os seus objetivos, o INL dispôs de três 1 Doutoranda em História Social pelo PPGH-UFF com pesquisa acerca do Instituto Nacional do Livro. Bolsista de doutorado pela Capes. E-mail: [email protected]. O presente artigo é parte da minha tese de doutorado intitulada “O Brasil em edição: história das publicações do Instituto Nacional do Livro por meio de suas coleções” sob orientação da profª Giselle Venancio.

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AS COLEÇÕES DO INSTITUTO: O INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO E AS PRODUÇÕES

BIBLIOGRÁFICAS DE DIVULGAÇÃO CULTURAL

Mariana Rodrigues Tavares1

Uma coisa é escrever livros, e outras é entender deles, do seu comércio, de suas transas (Herberto Sales)

Esta frase icônica de autoria de Herberto Sales, um dos mais importantes, diretores do

Instituto Nacional do Livro são representativas de que maneira as questões editoriais

perpassaram os liames políticos e culturais no Brasil ao longo do século XX. Um dos

principais capítulos desta história foi aquele que, seguramente, teve como protagonista o

Instituto Nacional do Livro (INL).

As publicações do Instituto Nacional do Livro (INL) revelam um escopo específico da

trajetória político cultural brasileira. Fundado com o princípio básico de atender uma das

demandas do Plano Nacional de Educação (PNE) que contemplava a educação extraescolar,

considerada como elo vital na corrente de formação educacional e cultural que se pretendia

para os brasileiros, o Instituto do Livro passou a tratar da “mais poderosa criação do engenho

humano”, isto é, o livro, tendo por incumbências as seguintes atividades: a) organizar e

publicar a Enciclopédia Brasileira e o Dicionário de Língua Nacional, revendo-lhes as

sucessivas edições; b) editar toda sorte de obras raras ou preciosas, que sejam de grande

interesse para a cultura nacional; c) promover as medidas necessárias para aumentar, melhorar

e baratear a edição de livros no país bem como para facilitar a importação de livros

estrangeiros; d) incentivar a organização e auxiliar a manutenção de bibliotecas públicas em

todo o território nacional (SILVA, 1992:44 e Decreto Lei nº 93 de 21 de dezembro de 1937).

Todas estas atribuições tiveram em sua origem o espelho do que fora o antigo Instituto

Cayrú, predecessor do Instituto Nacional do Livro. Por iniciativa do então ministro da

Educação Gustavo Capanema, o presidente Getúlio Vargas decretou a transformação do

Cayrú em Instituto do Livro. Suas funções tal como descritas no já citado Decreto Lei, a partir

deste momento, foram ampliadas e para alcançar os seus objetivos, o INL dispôs de três

1Doutoranda em História Social pelo PPGH-UFF com pesquisa acerca do Instituto Nacional do Livro. Bolsista

de doutorado pela Capes. E-mail: [email protected]. O presente artigo é parte da minha tese de

doutorado intitulada “O Brasil em edição: história das publicações do Instituto Nacional do Livro por meio de

suas coleções” sob orientação da profª Giselle Venancio.

seções técnicas divididas em: Seção da Enciclopédia e do Dicionário cuja responsabilidade

fora a organização e a publicação da Enciclopédia Brasileira e do Dicionário de Língua

Nacional; a Seção de Publicações cujo encargo fora a “edição de obras raras ou preciosas”, de

interesse para a formação cultural do povo brasileiro, além de adotar medidas para o

barateamento, aumento e melhoria das edições de livros, e igualmente promover a importação

de livros e por fim a Seção de Bibliotecas cujo dever fora incentivar, organizar e auxiliar a

manutenção de bibliotecas públicas em todo o território brasileiro (SILVA, 1992: 45, grifos

meus).

Pode-se considerar que a conjuntura de criação do Instituto Nacional do Livro esteve

imersa nas muitas “culturas” do país difusas entre a primeira e a segunda metade do século

XX. Dentre estas estiveram, o que se pode nomear, por cultura escrita, impressa, oral, a de

origem culta e a de tradição popular. O ponto em comum entre todos estes tipos era a

convergência acerca do que deveria ser considerado e definido como cultura brasileira. Nas

palavras de Eliana Dutra era preciso neste período, “Formar uma consciência nacional,

abrasileirar o Brasil, ser inteiramente brasileiro, estudar o Brasil sob todos os seus aspectos e

em todos os seus problemas, tornar o Brasil mais conhecido para ser amado” (DUTRA,

2005:229). Segundo a referida historiadora, um dos pontos da pauta cultural deste momento

pretendia afirmar os conceitos de civilização e de cultura nacionais, possuindo ambos sua

representação mais bem acurada por meio dos livros. De acordo com Dutra, o livro foi

reconhecido como instrumento fundamental da cultura, estando intimamente identificado com

o da civilização brasileira, como índice, produto e objeto de cultura (DUTRA, 2005:229-230).

Nesse ínterim, nos debates intelectuais o livro ocupou o lugar importante nas iniciativas

público e privadas do período, culminando em formulações de políticas culturais cristalizadas

no Brasil por meio do Estado Novo. Conforme aponta Eliana Dutra, historiadora já citada

neste texto, a essência destas práticas em torno do livro e tiveram em seu escopo uma

pedagogia da nacionalidade2 dedicando-se à formação do leitor utilizando-se de vários

2Pelo conceito de “pedagogia da nacionalidade”, a historiadora Eliana de Freitas Dutra compreende por um

conjunto de iniciativas público e privadas que tiveram por objetivo criar um público leitor mais conhecedor da

cultura brasileira. Para maiores detalhes ver: DUTRA, Eliana Regina de Freitas. Companhia Editora Nacional:

tradição editorial e cultura nacional nos anos 30. Disponível em:

http://www.livroehistoriaeditorial.pro.br/pdf/elianadutra.pdf. Acesso em: 22 jan.2018.

gêneros literários, outras mídias e práticas culturais. Segundo a autora, “Lugar de expressão

das culturas literárias e das tradições do saber, peça-chave da fortuna cultural da língua

brasileira, espaço de expressão das ideias, o livro foi considerado o grande repertório da

cultura nacional e indicador do grau de civilização do Brasil” (DUTRA, 2005:230).

Destarte, é preciso retomar de que forma se estruturou o Instituto Nacional do Livro

conforme já enunciado no início desta narrativa. Estruturado em, pelo menos, três seções,

sendo uma delas a de Publicações, o Instituto do Livro teve em seus primórdios a adoção de

medidas que procuravam, não só, reeditar obras de completas e raras, mas promover medidas

de aumento, barateamento e melhoria da edição de livros no país, bem como facilitar o

intercâmbio de livros estrangeiros.

Preliminarmente, a chefia desta seção coube a Sérgio Buarque de Holanda que a época

já havia participado das discussões modernistas e que colaborava para a imprensa. De acordo

André Furtado (2014), em 1929, Sérgio Buarque seguiu em viagem para a Alemanha, a fim

de atuar como enviado especial d’O Jornal de Assis Chateaubriand. Mais tarde, retornando ao

Brasil, em 1936, lançou sua primeira obra Raízes do Brasil como livro de estreia da coleção

Documentos Brasileiros e cujo prefácio coube a Gilberto Freyre, a época um escritor já

reconhecido pela publicação sociológica de Casa Grande & Senzala. Cerca de três anos

depois, iniciou as atividades no Instituto Nacional do Livro e na Divisão de Consultas da

Biblioteca Nacional retornando posteriormente a São Paulo e seguindo sua trajetória na

capital de origem.

Ao fazer referências ao setor de Publicações do Instituto Nacional do Livro e destacar

a chefia de Sérgio Buarque de Holanda espera-se analisar a proximidade existente entre as

edições lançadas pelo Instituto e o gênero literário do ensaio em voga desde os primórdios do

século XX. Sabe-se que entre as décadas de 1920 e 1940 foram propagados diversos estudos

sobre a formação da sociedade brasileira que deixaram um legado intelectual de leituras

críticas e que contribuíram para conformar, reflexivamente, modos de pensar e sentir o Brasil,

incluindo-se obras que podem ser responsabilizadas, propriamente, por “inventarem o Brasil”

(CARDOSO, 1993 Apud BOTELHO, 2010:47).

Para tanto, elencam-se alguns títulos que podem ser considerados como exemplos

emblemáticos deste período e que estão traduzidos nas obras de Francisco José de Oliveira

Vianna intitulada Populações Meridionais do Brasil de 1920, Retrato do Brasil de Paulo

Prado e Macunaíma de Mário de Andrade, ambos de 1928, Casa Grande e Senzala de

Gilberto Freyre, Evolução política do Brasil de Caio Prado, os dois de 1933, Sobrados e

mucambos, também de autoria de Gilberto Freyre, e Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de

Holanda e já referido acima, estes últimos datados de 1936. Nos decênios seguintes foram

lançados pelas mãos de Caio de Prado Júnior e Oliveira Vianna os títulos Formação do Brasil

contemporâneo de 1942 e Instituições políticas brasileiras de 1949, respectivamente

(BOTELHO, 2010:46-47).

De acordo com André Botelho, estes textos podem ser reunidos na expressão de

“ensaísmo e interpretação do Brasil”, contudo não permitem uma definição mais estrita

baseada em características definitivas ou narrativas exclusivas acerca da constituição

nacional. Ainda aponta Botelho que apesar de compartilharem vários aspectos afins, os

ensaios publicados neste período não são suficientes para enquadrá-los numa unidade

estruturada em torno de um objetivo comum. Sendo assim, as produções elencadas pelo

estudioso e acrescidas de outras lançadas pelo Instituto do Livro constituíram nas palavras de

André Botelho, “os ensaios de interpretação do Brasil escritos entre 1920 e 1940 constitui, na

melhor das hipóteses, um movimento analítico de atribuição e não de inferência de unidade,

como algumas vezes tem sido feito. Noutras palavras, pensar os ensaios de interpretação do

Brasil como um conjunto unitário é um problema que se colocou a posteriori, e em especial

pelas ciências sociais, cujo bem-sucedido processo de institucionalização se processou no

período imediatamente posterior ao seu surgimento, e simultaneamente ao seu

desenvolvimento” (cf. MICELI, 2001 Apud BOTELHO, 2010:48).

Boa parte das obras publicadas pelo Instituto Nacional do Livro, apesar de alguns de

seus títulos extrapolarem a faixa cronológica dos ensaios acima citados, mantém uma

profunda relação com o caráter ensaístico apresentado nestas publicações nas quais se

destacam movimentos analíticos de compreensão dos tipos nacionais, de seus objetos

culturais, de sua arquitetura, etc. Deste modo, o que se pretende apontar neste trabalho tem em

muito com o exercício historiográfico proposto por Michel de Certeau ao se considerar que “a

operação histórica se refere à combinação de um lugar social, de práticas ‘científicas’ e de

uma escrita” (1982, p.65). Assim sendo, assume-se nesta pesquisa o intuito de se construir

uma história da circulação dos impressos pautada nas considerações de uma prática social que

considere os agentes envolvidos, tanto os do passado quanto os do presente, e o próprio

espaço social desempenhado pelo Instituto Nacional do Livro.

De maneira geral, pode-se considerar que o programa de publicações do Instituto

Nacional do Livro foi, ao longo tempo, bastante variado. Tendo como meta zelar pela

melhoria, pelo fomento e pelo barateamento do livro, além de cuidar das questões relativas à

facilidade de importação de obras necessárias ao desenvolvimento técnico dos profissionais

brasileiros, o Instituto do Livro esbarrou com a problemática da indústria livreira e do

reduzido parque gráfico do país. Alguns estudiosos do tema apontam, conforme Suely Braga

da Silva (1992) que Américo Facó, então diretor da Instituição, afirmava em Relatório de

1944 que o “barateamento do livro brasileiro excedia a alçada do INL e que por este motivo,

desde o começo a busca de soluções deveria ser entregue a outras instituições melhor

equipadas”. No entanto, o relator não menciona quais seriam estas instituições. Ainda sob as

perspectivas de Suely Braga, a estudiosa destaca que mesmo não esclarecendo quais as

instituições as quais Facó se referia, é possível supor que o Serviço de Divulgação da

Chefatura de Polícia do Distrito Federal, sob o comando de Filinto Müller, tinha na indústria

do livro uma de suas preocupações, mas nada que permitisse afirmar com segurança que o

Serviço de Divulgação fosse uma das instituições a que se referia Facó (BRAGA, 1992, p.57).

Neste sentido, o Instituto do Livro teria colaborado para a busca de soluções para a

questão do livro nacional a partir de contatos com editores e livreiros, da organização de

debates, mas optou por uma via que barateasse a publicação dos livros a preços reduzidos

com o intuito de divulgar obras expressivas da literatura brasileira. (BRAGA, 1992:57-58).

Para Américo Facó (1944) o critério para a publicação de uma obra era a sua raridade, fosse

pelo elevado custo, fosse pela escassa compensação financeira para as editoras que não se

interessavam por suas reedições. Em suas palavras “considerou-se algumas obras clássicas

sobre o Brasil, sua história, sua geografia, sua vida social no passado, que se tinham tornado

sumamente raras nas livrarias e bibliotecas” (FACÓ Apud BRAGA, 1992:58). Sendo assim,

até a data de 1945 estabeleceram-se as seguintes coleções (BRAGA, 1992:58-59):

Coleção de Obras raras – Consistindo na divulgação de obras de difícil acesso,

considerando-se o custo elevado e a raridade dos exemplares.

Coleção de Obras completas de grandes autores brasileiros – Lançamento de obras

de autores consagrados;

Coleção do estudante – Coleção com a finalidade de oferecer subsídios para auxiliar

os estudantes. Este conjunto de publicações foi breve, tendo iniciado em 1945 e sendo

suspensa em 1947.

Bibliografia Brasileira – Guia editorial com o intuito de controlar a produção

editorial do país.

Bibliografias especiais – Representavam a compilação de textos de autores já

reconhecidos ou sobre determinado tema;

Biblioteconomia – Atendia às necessidades dos estudantes do curso de

Biblioteconomia assim como publicava obras indicadas pela Seção de Bibliotecas do

Instituto.

Ao se pensar na História editorial brasileira, é preciso considerar o caráter político

marcado, não só, as redes de sociabilidades intelectuais quanto pelos aspectos de ordem

econômica e material. Tal como já demonstrado por Mariana Tavares (2016) em trabalho

acerca da Enciclopédia Brasileira do Instituto Nacional do Livro, Suely Braga salienta que o

principal critério para a inclusão de uma determinada obra das coleções do INL passava mais

por fatores de cunho subjetivo do que por padrões claros e objetivos de trabalho (1992:59).

Mereceu destaque nas publicações do Instituto Nacional do Livro foram obras que

abordaram aspectos relacionados às questões da língua portuguesa, de sua linguística e outras

de ordem lexicográfica. De acordo com Eliana Dutra, a busca pelo sentido de nacionalidade

fora almejada no Brasil desde a Primeira República. Tal percepção fora buscada pelos

intelectuais do período e esteve presente nas páginas do Almanaque Garnier e demonstra de

que maneira a língua e a literatura foram acrescidas da salvaguarda da tradição que nutria as

raízes da solidariedade cultural e social, capazes de solidificar uma comunidade nacional

(DUTRA, 2005, p.118). Tal como postula Gérard Noiriel (1995), a Nação estaria alicerçada

no tripé tradição, língua e sensibilidade demonstrando de que maneira o que há de comum,

natural, original, entre os membros de uma comunidade. Discutindo estes pontos entre os anos

1950-60, observa-se a retomada dos aspectos político-linguísticos pelo Instituto Nacional do

Livro por meio do viés consolidador de um órgão que pautava a organização da produção de

dicionários, que buscava as origens filológicas da língua portuguesa, todas estas questões

voltadas para atender a primeira função da instituição que fora a de: a) organizar e publicar a

Enciclopédia Brasileira e o Dicionário de Língua Nacional, revendo-lhes as sucessivas

edições. A respeito da Enciclopédia e do Dicionário é sabido que jamais foram publicados.

Em grande medida a justificativa para não publicação reside no fato de que a necessidade de

se publicar uma obra deste gênero foi premente nos anos em que havia a carência de definição

dos contornos nacionais. Com isso, desenhou-se um arquétipo tipicamente brasileiro que

sobreviveu às práticas editoriais do Instituto do Livro até meados dos anos 1950 quando os

projetos editoriais do órgão e da própria Enciclopédia foram redefinidos (TAVARES,

2016:107).

Por conseguinte, ao examinar os títulos dos conjuntos de publicações, as obras

lançadas e o próprio intuito do Instituto do Livro ao publicá-las parte-se para uma análise dos

títulos e dos próprios conteúdos das publicações, denotando-se que o Instituto do Livro

estabelecia de alguns temas fixos, algumas compreensões pré-definidas e almejava propósitos

específicos que englobavam desde a concepção e os estudos acerca da língua e da ciência e

concluía-se em produções biográficas, bibliográficas, de obras raras e completas de alguns

autores. Em aspectos gerais os grandes temas que compuseram os livros editados pelo INL

podem ser assim distribuídos em categorias: Língua e linguística, ciência, cultura, cultura

popular, bibliografia, biblioteconomia, biografia, centenário, literatura, obras raras, traduções,

dicionários, documentos, Enciclopédia Brasileira – obras subsidiárias, exposições, obras

completas de autores, suplementos e coleção Resgate.

Outro ponto que mereceu destaque nas publicações do Instituto Nacional do Livro

foram obras que abordaram aspectos relacionados às questões da língua portuguesa, de sua

linguística e outras de ordem lexicográfica. De acordo com Eliana Dutra, a busca pelo sentido

de nacionalidade fora almejada no Brasil desde a Primeira República. Tal percepção fora

buscada pelos intelectuais do período e esteve presente nas páginas do Almanaque Garnier e

demonstra de que maneira a língua e a literatura foram acrescidas da salvaguarda da tradição

que nutria as raízes da solidariedade cultural e social, capazes de solidificar uma comunidade

nacional (DUTRA, 2005:118). Tal como postula Gérard Noiriel (1995), a Nação estaria

alicerçada no tripé tradição, língua e sensibilidade demonstrando de que maneira o que há de

comum, natural, original, entre os membros de uma comunidade. Discutindo estes pontos

entre os anos 1950-60, observa-se a retomada dos aspectos político-linguísticos pelo Instituto

Nacional do Livro por meio do viés consolidador de um órgão que pautava a organização da

produção de dicionários, que buscava as origens filológicas da língua portuguesa, todas estas

questões voltadas para atender a primeira função da instituição que fora a de: a) organizar e

publicar a Enciclopédia Brasileira e o Dicionário de Língua Nacional, revendo-lhes as

sucessivas edições. A respeito da Enciclopédia e do Dicionário é sabido que jamais foram

publicados. Em grande medida a justificativa para não publicação reside no fato de que a

necessidade de se publicar uma obra deste gênero foi premente nos anos em que havia a

carência de definição dos contornos nacionais. Com isso, desenhou-se um arquétipo

tipicamente brasileiro que sobreviveu às práticas editoriais do Instituto do Livro até meados

dos anos 1950 quando os projetos editoriais do órgão e da própria Enciclopédia foram

redefinidos (TAVARES, 2016:107).

Quanto a coleção Resgate, está última aborda aspectos relativos ao programa de

coedições do Instituto Nacional do Livro iniciado entre o final da década de 1960 e os

primórdios dos anos 1970 e que foi responsável por reeditar obras básicas das coleções

Brasiliana, da Documentos Brasileiros, Memória Brasileira, Dimensões do Brasil e etc.,

recolocando novamente no mercado editorial edições esgotadas. Além disso, a respetiva

coleção atendeu ao programa de coedições encampado pelo Instituto do Livro a partir do qual

se realizava um convênio entre editoras privadas e o órgão responsável por colocar no

mercado em torno de 3.000 exemplares de cada obra aprovada em acordo com mais de 30

casas editoriais e suas respectivas coleções. Sendo assim, não é de se estranhar que entre os

anos 1970 tenha havido maiores cifras para a coleção Resgate3.

A luz das edições encampadas pelo Instituto Nacional do Livro por meio de suas

coleções não se pode deixar de perscrutar outras publicações congêneres de seu tempo

histórico. Uma delas foi a coleção História Geral da Civilização Brasileira (HGCB) que nas

3Sobre a ação cultural do Instituto Nacional do Livro ver: Jornal de Letras, dezembro de 1977 (2º caderno) e

TAVARES, Mariana Rodrigues. Um Brasil inapreensível: história dos projetos da Enciclopédia Brasileira do

Instituto Nacional do Livro. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, 2016.

palavras de André Furtado (2014) se inseriu por completo no processo de reconfiguração e

institucionalização das Ciências Sociais no Brasil, em curso com mais expressão a partir da

segunda metade do século XX (2014: 69). Segundo Furtado, a HGCB se insere como uma

contrapartida acadêmica oriunda das universidades criadas na década de 1930 que buscavam

transmitir à intelectualidade nacional a especialização dos saberes na escrita da História.

Diferentemente das coleções do Instituto Nacional do Livro, o caráter da HGCB primava pela

especialização, pois envolveu uma gama de pesquisadores escolhidos pelo coordenador da

edição e também professor universitário, Sérgio Buarque de Holanda. Quanto a este último e

já citado neste capítulo, vê-se aqui dois momentos distintos de sua trajetória intelectual.

Quando da sua atuação no INL e no setor de publicação, conheceu-se uma versão de “Sérgio

Buarque” mais afeita ao gênero ensaístico, de caráter generalista nas análises sobre o Brasil.

Além disso, o “Sérgio Buarque” do INL esteve muito atento às questões relativas à promoção

da leitura de qualidade e baixo custo à população brasileira. Distintamente de sua posição na

Universidade de São Paulo (USP) e como organizador da HGCB, momento de cristalização

de sua posição acadêmica, vê-se um “Buarque de Holanda”, seletivo, menos generalista, e

principalmente, imprimindo o selo universitário em sua coleção.

No que concerne ao Instituto Nacional do Livro, os propósitos foram outros. O caráter

da Instituição e de suas coleções tinha o intuito de garantir a sociedade brasileira obras que

lhe assegurassem a formação nacional, livros de natureza rara para a história do país, além de

cuidar de toda a pedagogia do cidadão brasileiro. Assim sendo, o INL se pautava por outras

discussões, muito distantes das travadas no meio acadêmico das incipientes universidades e

do momento decisivo pelo qual passava a ciência como força social de modernização do

Brasil dos anos 1950 (BOTELHO, 2008:271). Pelos motivos já explicitados, afirma-se que as

edições do Instituto Nacional do Livro guardam importante capítulo da história social do livro

e da leitura brasileira. Com o objetivo claro da publicação de “todo tipo de obras” para a

cultura luso-brasileira, o INL esforçou-se para produzir edições de títulos nacionais e uma

bibliografia de mesma natureza, revelando sua ação pedagógica e formadora da nacionalidade

brasileira.

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