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TV Coroados e a transição rádio-televisão em Londrina: o progresso da “Capital Mundial do Café” chega às telinhas Bruna Mayara KOMARCHESQUI – [email protected] Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR Resumo: Este artigo trata de alguns fatos ligados à implantação da primeira emissora de televisão de Londrina – norte do Paraná. Para tanto, adota como metodologias a pesquisa bibliográfica, levantamento de jornais de época e atuais, história oral e recuperação de documentos iconográficos (fotografias). Inaugurada em 21 de setembro de 1963, a TV Coroados iniciou um período de transição na imprensa da então “Capital Mundial do Café”. Até então, o rádio reinava soberano na preferência do público. Além de atrair verbas publicitárias, o novo veículo levou do rádio os profissionais de talento e algumas ideias criativas. Antes da chegada do videoteipe, a programação era toda ao vivo e, majoritariamente, local. Por vezes, a escassez de recursos técnicos colocava os pioneiros da TV londrinense em situações delicadas: o jeito era apelar para o improviso. Palavras-chave: Imagem, História, Televisão, TV Coroados. Introdução: Era 1959 quando Assis Chateaubriand, magnata da comunicação brasileira na época e dono dos Diários e Emissoras Associados, veio à Londrina. Em pleno auge cafeeiro, “a jovem e promissora cidade já despertava o apetite de importantes grupos econômicos, interessados em participar das grandes safras de realizações que colocaram Londrina entre as cidades mais desenvolvidas do país”. (JÚNIOR., 2001, p.137). Percebendo esse potencial, Chatô – como era conhecido -b, responsável pela implantação TV no Brasil, decidiu instalar uma emissora na “Capital mundial do café”. E assim se fez. Quatro anos mais tarde, em 21 de setembro de 1963, era inaugurada a TV Coroados, segunda emissora do interior do país. Não é intenção deste artigo contar a história da televisão em Londrina, tampouco explicar a influência que ela exerceu sobre o rádio, veículo que já comemorava 20 anos de vida na cidade. O objetivo é, sobretudo, recuperar acontecimentos relacionados à chegada da III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR 488

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TV Coroados e a transição rádio-televisão em Londrina: o progresso da “Capital

Mundial do Café” chega às telinhas

Bruna Mayara KOMARCHESQUI – [email protected] Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR

Resumo: Este artigo trata de alguns fatos ligados à implantação da primeira emissora de televisão de Londrina – norte do Paraná. Para tanto, adota como metodologias a pesquisa bibliográfica, levantamento de jornais de época e atuais, história oral e recuperação de documentos iconográficos (fotografias). Inaugurada em 21 de setembro de 1963, a TV Coroados iniciou um período de transição na imprensa da então “Capital Mundial do Café”. Até então, o rádio reinava soberano na preferência do público. Além de atrair verbas publicitárias, o novo veículo levou do rádio os profissionais de talento e algumas ideias criativas. Antes da chegada do videoteipe, a programação era toda ao vivo e, majoritariamente, local. Por vezes, a escassez de recursos técnicos colocava os pioneiros da TV londrinense em situações delicadas: o jeito era apelar para o improviso. Palavras-chave: Imagem, História, Televisão, TV Coroados.

Introdução:

Era 1959 quando Assis Chateaubriand, magnata da comunicação brasileira na época e

dono dos Diários e Emissoras Associados, veio à Londrina. Em pleno auge cafeeiro, “a jovem

e promissora cidade já despertava o apetite de importantes grupos econômicos, interessados

em participar das grandes safras de realizações que colocaram Londrina entre as cidades mais

desenvolvidas do país”. (JÚNIOR., 2001, p.137). Percebendo esse potencial, Chatô – como

era conhecido -b, responsável pela implantação TV no Brasil, decidiu instalar uma emissora

na “Capital mundial do café”. E assim se fez. Quatro anos mais tarde, em 21 de setembro de

1963, era inaugurada a TV Coroados, segunda emissora do interior do país.

Não é intenção deste artigo contar a história da televisão em Londrina, tampouco

explicar a influência que ela exerceu sobre o rádio, veículo que já comemorava 20 anos de

vida na cidade. O objetivo é, sobretudo, recuperar acontecimentos relacionados à chegada da

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televisão no norte do Paraná, na tentativa de entender esse período de transição pelo qual

passou a imprensa londrinense em 1963.

Como a bibliografia sobre o assunto é escassa, a Análise Documental foi um

importante instrumento de pesquisa. Segundo Moreira (2009, p.276), esse recurso “[...] muito

mais que localizar, identificar, organizar e avaliar textos, som e imagem, funciona como

expediente eficaz para contextualizar fatos, situações, momentos” e costuma ser utilizado nos

estudos sobre a história dos meios de comunicação.

O trabalho se concentrou em fontes documentais de origem secundária1. Jornais,

revistas e outras publicações (atuais e de época) estão disponíveis para consulta pública no

Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss, no Centro de Documentação e Pesquisa

Histórica da Universidade Estadual de Londrina e na Biblioteca Pública Municipal.

Por sua característica documental e sua força testemunhal, as imagens também

mereceram atenção neste trabalho. Com propriedade de documentos iconográficos, a

fotografia contribui para dissipar dúvidas e ajuda a construir a história o mais próximo

possível da realidade.

A imagem fotográfica é reveladora, uma vez que alguns de seus elementos trazem

dados “[...] jamais mencionados pela linguagem escrita da história”. (KOSSOY, 2001, p.160).

Como segunda realidade, ela se diferencia de outras fontes históricas por trazer refletida em si

a primeira realidade, a própria imagem do referente. Por isso a preservação da fotografia

como documento histórico é tão importante. “Desaparecida esta segunda realidade – seja por

ato voluntário ou involuntário -, aquelas personagens morrem pela segunda vez. O visível

fotográfico ali registrado desmaterializa-se. Extingue-se o documento e a memória.”

(KOSSOY, 2001, p.162).

Além disso, as técnicas de história oral foram outro importante meio de obtenção de

informações. Por se tratar de uma história relativamente recente, muitos dados podem ser

obtidos por meio de entrevistas com pessoas que viveram na época, ou seja, as testemunhas

oculares da história.

 

Do primeiro jornal à era de ouro do rádio

                                                            1 MOREIRA (2009, p.272) define como fontes secundárias as informações já organizadas anteriormente, entre elas “[...] a mídia impressa (jornais, revistas, boletins, almanaques, catálogos) e a eletrônica (gravações magnéticas de som e vídeo, gravações digitais de áudio e imagem) e relatórios técnicos”. Já as fontes primárias seriam escritos pessoais, como cartas, documentos oficiais, textos legais, documentos internos de empresas e instituições.

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O primeiro jornal de Londrina surgiu em 1934, antes mesmo da emancipação política

da cidade, que ocorreria no mesmo ano. A imprensa de londrinense é considerada uma

conseqüência natural do elevado índice de prosperidade trazido ao Norte do Paraná pelo café,

o “Eldorado”. Criar um jornal para a cidade foi ideia de Carlos de Almeida – alto funcionário

da indústria de madeira Siam – e de alguns funcionários da Companhia de Terras Norte do

Paraná (CTNP), que vislumbravam as possíveis vantagens de um periódico para a divulgação

de vendas de terras na região. Entusiasmados com o empreendimento, eles convenceram o

jornalista Humberto Puiggari Coutinho para editar o jornal, que recebeu o nome Paraná

Norte.

Com uma linha editorial despretensiosa, o periódico não camuflava sua vinculação

financeira à CTNP e sua alienação política frente aos acontecimentos. Só em 1943, com a

mudança de proprietário, o Paraná Norte alterou suas feições e passou a ser usado com

finalidades políticas, tornando-se um órgão governista.

A década de 1940 assistiu ao surgimento de quase uma dezena de jornais em

Londrina. A maioria deles teve sobrevivência muito curta (alguns não chegaram a durar dois

anos), em função de dificuldades financeiras. Entre esses periódicos estão: a Folha do Sul, a

Gazeta de Londrina e o Correio do Norte, primeiro diário da cidade.

Em 1946, época em que os leitores se tornavam cada vez mais exigentes, surgiu o

Paraná Jornal, um periódico bastante crítico e engajado. Mas foi em 1948 que a cidade viu

nascer, pelas mãos do catarinense João Milanez, a Folha de Londrina, seu periódico mais

antigo ainda em atividade.

Além dos jornais, algumas revistas surgiram na década de 40 em Londrina: Terra

Roxa, Critério, Pioneira. O empreendimento, no entanto, não se mostrou muito animador. Os

custos de produção de uma revista são bastante altos e, por isso, a maioria delas não chegou

longe.

Em 15 de novembro de 1943, inaugurava-se a ZYD-4 Rádio Londrina, primeira

emissora da cidade. No ano de 1944, foi transmitido, ao vivo, o desfile de 7 de setembro e,

depois, a solenidade de inauguração do Aeroclube. Em setembro de 1947, Ambrósio Neto

narrou a primeira partida de futebol no rádio londrinense. Começava a se delinear a

importância do jornalismo e do esporte para o sucesso do rádio como meio de comunicação.

Mas foram os programas de auditório que marcaram os tempos áureos do rádio de Londrina.

Em maio de 1946, a Rádio Londrina, inicialmente instalada num“sobradinho” na rua

Santa Catarina (onde hoje é o estacionamento de um banco), muda-se para a rua Goiás, 819,

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em um barracão de madeira, com direito a um pequeno auditório de 120 lugares. Era o

suficiente para o gaúcho Aymoré Kley, que assumiu a direção artística da emissora em 1945,

vislumbrar um programa de auditório. Surgiram, então, os programas Cassino de Atrações e

Clube da Raia Miúda (infantil), produzidos e apresentados por ele.

Em 15 de novembro de 1955, dia do 12º aniversário da emissora de rádio, a ZYD-4

mudou-se para um luxuoso prédio próprio na rua Quintino Bocaiúva, 41 – seu endereço atual.

A inauguração das novas instalações contou com a presença da companhia de Carlos

Machado e suas vedetes. Com um auditório para 512 pessoas, cortinas de veludo com sistema

eletrônico para abrir e fechar, piano de cauda – que hoje encontra-se no Museu Histórico de

Londrina Padre Carlos Weiss –, órgão eletrônico e um conjunto de instrumentos musicais, a

Rádio Londrina (Figura 1) tornou-se “[...] 'o centro artístico-cultural da região' e uma das

expressões radiofônicas do país na década de 50”. (SCHWARTZ, 1996, p. 8A).

Figura 1– Com capacidade para 512 pessoas, o auditório da Rádio Londrina era a própria imagem do sucesso da emissora em sua “Era de Ouro”. Foto: Arquivo pessoal de Irene Ziober. Fonte:

Publicada no Jornal de Londrina de 29/06/1996.

Pelo auditório da emissora passaram os grandes nomes da música brasileira da época,

como Dalva de Oliveira, Herivelto Martins, Grande Otelo, Marlene, Emilinha Borba, Ivon

Cury, Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto e outros. A ZYD-4 chegou a ser

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considerada uma “Nacionalzinha”. Todos os cantores que os londrinenses ouviam na Rádio

Nacional do Rio de Janeiro podiam ser vistos no auditório da Rádio Londrina.

Jackson Proença Testa2, ex-reitor da Universidade Estadual de Londrina, chegou à

cidade em 1968 e passou a freqüentar o auditório da Rádio Londrina. Para ele, os programas

de auditório eram um acontecimento social. “A gente fazia o footing domingo de manhã. Ia

para a missa e da missa já ia para o programa do Aymoré Kley. Era um programa social. A

rádio mobilizava muito socialmente.” Testa recorda ainda que, além do entretenimento, uma

das principais funções do rádio era o serviço de utilidade pública: “Antes de sair de casa à

noite para comprar um remédio, as pessoas ouviam quais farmácias estavam de plantão.”.

O sucesso da ZYD-4 também era perceptível pela quantidade de anunciantes, tanto

locais, quanto nacionais que a procuravam. Antonio Marcos – que veio para a Rádio Londrina

no ano de 1954 – em depoimento a Rocha e Cuissi (1998), conta que o anunciante chegava e

dizia: “eu quero [anunciar] dez vezes por dia, mas um texto diferente do outro”. Um desses

anunciantes eram as lojas Hermes Macedo, que faziam propaganda de aparelhos eletrônicos e

utilidades domésticas: “A senhora fica apreensiva porque seu marido sai todas as noites?

Prenda-o em casa, adquirindo um rádio Philco de cabeceira nas lojas famosas de Hermes Macedo

S.A.” (PINHEIRO, 2001, p.15)

Aymoré Kley, em entrevista a Moura (2004, p.14), conta que os patrocinadores eram

“[...] tantos, que havia lista de espera”. O pioneiro de Londrina João Gersy Terciotti3 recorda

que sua família preferia escutar as rádios de fora, porque a Rádio Londrina tocava “pouca

música e muita propaganda”.

Chegada da TV: o fim de uma era

A chegada da televisão em Londrina, no dia 21 de setembro de 1963, viria a mudar um

pouco essa realidade. Alguns anos antes, a movimentação em prol da implantação do novo

veículo na cidade já se fazia sentir. Naquela época, a Folha de Londrina publicava,

diariamente, uma coluna dedicada ao rádio local, leitura obrigatória para grande parte dos

londrinenses. Dizia-se que muita gente comprava o jornal só para ler a Coluna de Rádio e

ficar por dentro das fofocas do “sem fio”. Assinada por Radialino, no ano de 1960, a Coluna

de Rádio passou, temporariamente, a se chamar Coluna de Rádio e TV (Figura 2).

                                                            2 Entrevista concedida a Bruna Mayara Komarchesqui, em 2 de junho de 2008. 3 Entrevista concedida a Bruna Mayara Komarchesqui e Paulo César Boni, em 15 de setembro de 2007.

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Figura 2 - Com a movimentação em prol da TV em Londrina, a Coluna de Rádio passa a se chamar Coluna de Rádio e TV. Foto: Reprodução. Fonte: Folha de Londrina 03/04/60; Folha de Londrina

06/05/60.

Assis Chateaubriand veio a Londrina em 1959, à convite de Horácio Sabino Coimbra,

diretor da Companhia Cacique de Café Solúvel, para dar uma palestra a produtores rurais, no

Hotel Monções. Grande crítico da cafeicultura, Chatô não era muito bem visto pelas elites

cafeeiras londrinenses. O mal estar, entretanto, ficou desfeito quando o dono dos Diários e

Emissoras Associados teve a ideia: “vou instalar uma emissora de TV em Londrina”.

Rocha (2004) recorda que, em 31 de outubro de 1959, era realizada a Assembléia de

Constituição da empresa, então denominada Rádio Televisão Coroados S/A (embora as

emissoras de TV fossem proibidas por lei de serem Sociedades Anônimas na época). O nome

Coroados foi escolhido por Chateaubriand, que tinha verdadeira fixação por nomes indígenas,

para homenagear os índios que haviam ocupado a região.

Nixdorf e Macarini (2004) afirmam que, três meses antes de sua inauguração oficial, a

TV londrinense já exibia sinal padrão, filmes e musicais, em caráter experimental. Segundo

Rocha (2004, p.8), “em Londrina, o prenúncio da chegada da televisão não causou muito

alvoroço nas rádios existentes na época”, uma vez que elas temiam, principalmente, a fuga

dos patrocinadores. Para o autor, no entanto, o confronto rádio x televisão nunca existiu na

verdade:

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O que se observa é uma troca de componentes técnicos e humanos, recursos facilmente intercambiáveis. Muitos daqueles que vieram do rádio para a televisão acabaram retornando ao rádio, uma vez que a programação regional foi se definhando e o campo na televisão viu-se diminuto para tantos talentos. (...) O fato de personagens do rádio migrarem para televisão foi comum na época, o que provocava um misto de inveja e ciúmes entre os radialistas e os novos atores da TV. Antônio Marcos Dametto, Antonio Belinati, Euclides Sapia, Aymoré Kley, José Makiolque, Osvaldo Diniz, Haroldo Romano são alguns dos nomes que vieram do rádio para a televisão. Antonio Marcos Dametto foi diretor da Rádio Londrina durante 10 anos, ele reconhece que houve um certo medo das rádios com a chegada da televisão, houve um encolhimento, achando que seria sufocado pelo novo produto que se iniciava, mas seu definhamento se deu mais por insuficiência de saber confrontar a televisão do que propriamente por conseqüência da mesma: “Ainda que a televisão tivesse produzido um impacto extraordinário no começo com o tempo ela abria a possibilidade da rádio continuar com seus programas de auditório”. Para Dametto este fato foi observado em todo o país. (ROCHA, 2004, p.9)

Para Mariano Júnior (2001, p.5), no entanto, com a chegada da televisão, “[...] o rádio

começou a perder sua força – pelo menos no aspecto glamouroso”. Conforme informações de

um Caderno Especial, produzido em comemoração aos 60 anos de Londrina, os programas de

auditório do rádio começaram a se enfraquecer em meados da década de 60.

A chegada da televisão, aquele quadrado com imagens, foi a principal responsável. Uma pena. Londrina também queria ser moderna. [...] No dia seguinte [à inauguração da TV Coroados], advinhem quem estava lá na telinha? Ora, Aymoré Kley. Que leva todo o know how adquirido no rádio para animar via satélite os agora telespectadores. (MARIANO JÚNIOR, 1994, p.80).

 

 

A implantação da primeira emissora de televisão londrinense ficou a cargo do

advogado José Arrabal, primeiro diretor comercial da emissora. Para despistar especuladores,

Arrabal comprou em seu próprio nome um terreno no Jardim Shangri-lá, onde um prédio foi

construído especialmente para a instalação da TV Coroados. “Foi preciso mudar a lei de

zoneamento para permitir a instalação de uma televisão em bairro residencial”. (JÚNIOR,

2001, p.138). Temendo que em Londrina ocorresse o mesmo que aconteceu na inauguração

da TV no Brasil - quando a população não pôde assistir por falta de receptores -, o advogado

foi procurar João Milanez, proprietário da Folha de Londrina. Milanez concordou em ajudar.

Assim, quando uma loja da cidade recebia uma quantidade de televisores, o jornal noticiava,

criando a expectativa na população.

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Depois de anos de preparativos, entrava no ar, às 11h do dia 21 de setembro de 1963, a

TV Coroados. Segundo Júnior (2001), a primeira diretoria da emissora era formada por: Rady

Franceschi, Antônio Euclides Sapia, Eudes Brandão e José Arrabal. A Coluna de Rádio do

dia 22 de setembro de 1963 noticiou:

Lá pelas tantas acenderam-se os holofotes.Foi um momento de expectativa, "Vai ser agora", pensaram todos. E começaram a fazer "pose" para a "avant-premiere" televisiva. Seguindo instruções não se sabe de quem, todo mundo se postou de forma tal que uma panoramica da camera focalizaria todos. Mas foi só um ensaio. Deus apenas para esquentar que não foi brincadeira. Depois, apagaram-se os refletores e as poses foram desfeitas. (...) Os discursos foram poucos. Aluisio Finzetto iniciou as transmissões, passando, em seguida, microfone e cameras (como é TV, deve ser esta a expressão correta) ao sr. Aderbal Stresser que fez a entrega, oficialmente, da TV Coroados a Londrina. Depois houve a benção e algumas palavras de S. Exa. Rvd. D. Geraldo Fernandes; em seguida falou o sr. Roberto Paiva (representando Assis Chateaubriand) e logo após o sr. Milton Menezes. (...) E só lembrando as palavras de José Arrabal para finalizar estes topicos: "Não será tão cedo que Londrina verá a inauguração de outra emissora de TV". (COLUNA..., 1963)

As primeiras transmissões: gafes e improvisos eram parte da programação

 

  Historicamente, a TV brasileira nasce vinculada ao rádio, de onde foi buscar seus

profissionais e formatos de programação. Em Londrina não seria diferente. No início, quando

não havia videotape, a programação se resumia a filmes, comerciais e programas de auditório

(esses dois últimos ao vivo). Improvisação e gafes eram elementos quase fixos na grade da

TV Coroados. José Makiolke, o Zézão, que começou sua carreira no rádio, foi trabalhar na

televisão por volta de 1964. Ator de teleteatro, ele recorda de soluções criativas como utilizar

“linhas de pescar para compensar a falta de tecnologia do vídeo, fazendo máquinas

escreverem sozinhas ou portas se abrirem sem que ninguém as tocasse”. (VICENTE, 1988,

p.28).

Hilda Rodrigues e Carminha foram as primeiras garotas-propaganda da TV Coroados.

Durante os comerciais, as gafes não eram raras e tinham que ser consertadas ao vivo mesmo,

diante do telespectador. Ficou famoso o caso do comercial de umas sombrinhas dobráveis,

que prometiam ser “fáceis de abrir”. Lá foi Carminha: “Esta não tem problema, não. É fácil de

abrir”, mas a sombrinha não abria de jeito nenhum. Desesperada, dando trancos na

engenhoca, a atriz não parava de repetir: “É muito fácil, fácil mesmo”. A sombrinha não

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cedeu e só resolveu abrir no comercial seguinte (depois de ouvir alguns palavrões de

Carmem, a propósito).

Em seus primeiros meses de existência, a televisão londrinense gerava apenas 4 horas

de imagem por dia, das 18 às 22h. Porém, esse foi o tempo em que se dedicou mais tempo às

transmissões locais. Com a chegada dos satélites, a emissora passou de geradora a simples

repetidora. Lamentavelmente, os interessess locais e regionais ficaram circunscritos aos

poucos minutos dedicados ao jornalismo, um “espaço insignificante em relação à

programação nacional” (VICENTE, 1988, p.28).

Um dos programas de grande audiência da TV Coroados era o Festival Infantil (Figura

3), apresentado por Tia Lucy, que ressalta, em depoimento a Vicente (1988, p.28): “Naquele

tempo, as crianças eram quem realmente faziam os programas infantis. Elas eram importantes,

e não a apresentadora”. No programa de Tia Lucy, as crianças cantavam, brincavam e tinham

espaço para falar qualquer coisa que achassem interessante, até mesmo que o pai era pão-

duro.

Outro programa que tinha a participação efetiva do público era o Carrossel da Sorte,

de Aymoré Kley. Criativo, o gaúcho inventou uma cabine à prova de som, de onde os

participantes tinham que responder “sim” ou “não” ao virem uma luz acesa. O auditório

acompanhava tudo ao vivo. Conta Aymoré, em entrevista a Ramos (1999, s/ p.): “Assim

aconteciam as cenas inesperadas que divertiam a platéia e o telespectador. ‘Certa vez um

rapaz trocou uma geladeira por um cheque frio. Antes eu havia deixado o cheque rasurado no

congelador’.” Anos mais tarde, Silvio Santos viria a apresentar um programa parecido.

Além do entretenimento, desde seu primeiro dia, a programação da emissora contava

com dois telejornais: o Telenotícias Transparaná e o Diário do Paraná na TV, ambos

apresentados por Antonio Belinati. Por conta da amizade com Eudes Brandão, chefe de

jornalismo da Coroados (e delegado-chefe da Subdivisão Policial), Belianti, que era repórter

da editoria de polícia no rádio, foi indicado para fazer o teste de apresentador. “Os

equipamentos do departamento de jornalismo eram: algumas máquinas de escrever, um

telégrafo e um rádio a pilha. No começo eram utilizados materiais vindos das embaixadas de

outros países [...] como fotos e filmes.” (LOPES, 2005, p.30).

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Figura 3 – Tia Lucy era a “Rainha dos baixinhos” dos anos 60. Foto: Reprodução. Fonte: Folha de Londrina 03/04/60; Folha de Londrina 22/09/88.

Considerações Finais:

Júnior (2001, p.138) afirma que a TV Coroados “foi responsável por grande parte das

transformações econômicas e sociais que fizeram de Londrina uma das melhores cidades do

país”.

De fato, a chegada do veículo inaugurou uma nova fase na imprensa londrinense. Se

antes o rádio era o principal meio eletrônico de entretenimento e informação, com a

inauguração da TV, o público acabou se dividindo. Muitos profissionais de talento deixaram o

“sem fio” para trabalhar em frente às câmeras e grande parte das verbas publicitárias também

migrou para a televisão.

Com este artigo, pretendeu-se recuperar alguns acontecimentos relacionados à

inauguração da TV em Londrina, como forma de entender esse período de transição pelo qual

a imprensa da cidade passou. Em 1963, televisão era uma novidade por essas bandas do norte

do Paraná. Naturalmente, por isso, ela acabou exercendo um fascínio maior sobre o público,

já acostumado com o rádio. A longo prazo, porém, não se pode afirmar que o rádio perdeu seu

espaço. Pelo contrário, em algumas faixas de horário, ele ainda é imbatível. Entre os meios

eletrônicos é, hoje, o líder de audiência das sete da amanhã às sete da noite. A televisão,

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portanto, não substituiu o rádio. Ela apenas trouxe algumas mudanças e impôs necessidades

de adaptação aos veículos de comunicação preexistentes em Londrina.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COLUNA de Rádio. Folha de Londrina, Londrina, 22 set. 1963. JÚNIOR, Jamur. Pequena História de Grandes Talentos: Os primeiros passos da Televisão no Paraná. Curitiba, 2001. KOSSOY, Boris. Fotografia & História. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. LOPES, Kellen Jaqueline. Telejornalismo na TV Coroados: uma retrospectiva. Trabalho de Conclusão de Curso. Londrina: Faculdade Metropolitana-IESB, 2005. MARIANO JÚNIOR, Antonio. Aymoré Kley, apaixonado pelo rádio. Caderno Especial em Comemoração aos 60 anos de Londrina, Londrina, 10 dez. 1994. p.79-80. MARIANO JÚNIOR, Antonio. Com o ouvido ao pé do rádio. Folha de Londrina, Londrina, 09 dez. 2001. p.5. MOURA, Lúcio Flávio. As muitas vozes de um sessentão. Folha de Londrina, Londrina, 18 abr. 2004. Especial, p.16. MOREIRA, Sonia Virgínia. Análise documental como método e como técnica. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio (Org.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2009. p. 269 – 279. NIXDORF, Klaus & MACARINI, Walmor. Londrina-Paraná-Brasil: raízes e dados Históricos – 1930-2004. Londrina: Edições Humanidades, 2004. PINHEIRO, Francisca Sousa Mota e. Da Rádio Londrina à Rádio Universidade: uma história de muitas histórias. Londrina: Eduel, 2001. RAMOS, Lino. Aymoré Kley, o primeiro a lotar auditórios da TV. Folha de Londrina, Londrina. 5 ago. 1999. s/ p. ROCHA, Ederval Camargo. Imagem e cotidiano: História da TV Coroados – Londrina (PR). Florianópolis: II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho, 2004. ROCHA, Marcelo; CUISSI, Sidnei Tadeu. O Rádio em Londrina: documentário. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo). Universidade Estadual de Londrina, 1998.

SCHWARTZ, Widson. A era do rádio com a ZYD-4. Jornal de Londrina, Londrina, 29 jun. 1996. p.8A.

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VICENTE, Edson. Ao vivo em preto e branco. Folha de Londrina, Londrina. 22 set. 1988. p.28.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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