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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES TÍTULO PRINCIPAL Nuno Gonçalo Cavalheiro Paixão Trabalho de Projeto Mestrado em Pintura Trabalho de Projeto orientado pelo Prof. Doutor João Jacinto 2016

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

TÍTULO PRINCIPAL

Nuno Gonçalo Cavalheiro Paixão

Trabalho de Projeto

Mestrado em Pintura

Trabalho de Projeto orientado pelo Prof. Doutor João Jacinto

2016

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DECLARAÇÃO DE AUTORIA

Eu, Nuno Gonçalo Cavalheiro Paixão, declaro que o presente trabalho de projeto de

mestrado intitulada “título principal” é o resultado da minha investigação pessoal e

independente. O conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente

mencionadas na bibliografia ou outras listagens de fontes documentais, tal como todas as

citações diretas ou indiretas têm devida indicação ao longo do trabalho segundo as normas

académicas.

Nuno Paixão

Lisboa, 03 de Fevereiro de 2017

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RESUMO

Numa era de inovação tecnológica, em que o fluxo competitivo de produção

tomou o lugar da expressão física do universo interior e do imaginário de cada um, e

após o seu obituário ter sido decretado por inúmeras ocasiões nos últimos 150 anos, a

pintura surge como um ato de resistência. Uma resistência melancólica que reflete

vários tempos e espaços, entre o passado e o presente, mas principalmente, o durante de

um tempo e um espaço utópico: o tempo e o espaço interior do seu autor.

Que espaço sobra no mundo para o mistério? Que linguagem sobra para lógicas

e sabedorias outras que não binárias? Ainda há lugar para lá do argumento? Que outra

relação se pode ter com o mundo que não a da dominância. A escuta da verdade do ser é

resposta silenciosa ao apelo do ser. Esta resposta silenciosa encontramo-la na pintura.

Palavras-Chave:

Pintura; Alquimia; Poética; Silêncio;

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ABSTRACT

In an age of technological innovation, when the competitive flux of production

has taken the place of the physical expression of one's inner universe and imaginary,

and after it's obituary has been declared innumerous times over the last 150 years,

painting presents itself as an act of resistance. A melancholic resistance that mirrors

several times and spaces, between past and present, yet mostly, the extent of an utopian

time and space: the inner time and space of its author.

What room is there in the world for mystery? What language is there for a logic

and wisdom that is not binary? Can we go beyond the argument? What other

relationship can you have with the world besides dominance? Listening to the truth of

being is the silent response to a being's calling. This silent response is found in painting.

Keywords:

Painting; Alchemy; Poetic; Silence

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Agradecimentos: Agradeço a tudo por todos.

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Índice

Introdução ........................................................................................................................ 25

1º - Contar em tinta .......................................................................................................... 29

1. Como a substância ocupa a mente ................................................................................... 30

2º - Que farei eu com esta espada? .................................................................................. 33

1. A oficina .......................................................................................................................... 33

2. Veredas ............................................................................................................................ 39

3. Ao adicionar a substância crava-se ................................................................................. 41

4. Ao subtrair a substância conforma-se ............................................................................. 44

5. Intensa chama da secagem .............................................................................................. 50

6. Como tocar no mundo ..................................................................................................... 52

3º - Homem de palavra[s] ................................................................................................ 55

1. O pêndulo do silêncio ...................................................................................................... 55

2. Nota sobre a liberdade ..................................................................................................... 58

Finalmente ....................................................................................................................... 60

Referências Bibliográficas ............................................................................................... 62

Bibliografia ............................................................................................................................. 62

DVD e Streaming .................................................................................................................... 63

Índice de imagens.................................................................................................................... 64

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Introdução

Escrever sobre nós dá-nos medo.

Não fosse pela falta de engenho, seria pela falta de interesse que não queremos

escrever um texto sobre pintura, mas um texto em pintura. Se algo houver a acrescentar,

estará na pintura e não no texto.

Esta dissertação é escrita por um pintor, um pintor que antes de pintar quadros

quis ser muitas outras coisas. No entanto, nenhuma profissão é mais apaziguante do que

a de pintor, porque entre todos os ofícios ensaiados, bailarino, boxeador - pintor é o único

que não conseguimos deixar de ser. À palavra escrita ao aparecer nunca foi reservado um

lugar que não fosse sobejo.

Escolher palavras para associar à prática artística, sempre misteriosa e singular, e

desse próprio pintor, é um esforço contranatura. Na melhor das hipóteses, estas palavras

não serão apenas vestígios de estragos póstumos, se servirem como alimento, despois de

tamanho esforço de regurgitação, para a obra.

As primeiras palavras escritas desta dissertação, orientada pelo professor Doutor

João Jacinto, foram as do que se pensou ser o seu título: «Os pombos não comem

fígado»1, uma deixa de um filme do realizador João César Monteiro, sendo essas também,

das últimas palavras a serem descartadas, recaindo a escolha à “última da hora” pelo

título: «TÍTULO PRINCIPAL», tal como apresentado no kit gráfico do mestrado, por

fazer ressoar no título uma forma de estar em pintura desenvolvida pelo autor, sempre em

desequilíbrio.

Esta dissertação, seguirá o modelo de trabalho de projeto, constituída por um

corpo de trabalho e uma reflexão teórica que o acompanha e que pretende, acima de tudo,

descrever a relação de simbiose entre o autor e o trabalho artístico produzido, com

1 MONTEIRO, João César – Vai e vem [2002], min. 38.

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especial atenção dada ao método de trabalho, não apenas como ofício mecânico, mas

como o corpo possível para as ideias.

Não pesquisamos apenas a ideia básica da procura de alegorias espirituais,

procuramos a «praticidade» em igualdade de importância não interessa a fazer o quê; se

pão, se verniz, etc. Interessa-nos a manipulação de substância. Estas técnicas não

precisam de estar certas para funcionar.

A investigação foi motivada e originada pela expectativa de alcançar uma melhor

compreensão das sempre confusas motivações e preocupações que impulsionam e guiam

o trabalho artístico pessoal. Tomando assim a análise da produção artística como ponto

de partida, propõe-se a uma nomeação e descrição dos seus processos, e também

demonstrar de que forma esses processos são fundamentais na afirmação do projeto

pessoal.

O primeiro capítulo da dissertação, intitulado «Contar em tinta», expressão

inspirada no livro What Painting Is de James Elkins, um autor fundamental para esta

pesquisa, foi estimulado pela pergunta frequentemente posta ao pintor: «que tipo de

pinturas pintas?» usando como corpo para as analogias e as descrições, mais ou menos

analíticas, mas sempre sem qualquer ambição científica, a linguagem desenvolvida pela

arte da alquimia. A Alquimia tida num sentido mais amplo e descomprometido do seu

ofício original, adaptado ao contexto do estúdio, usando as afinidades como motor que

ajude a descrever o trabalho de ateliê, e sempre que possível, não ficar refém apenas do

espaço físico, mas transudar para o estar do pintor no mundo. Se pintar for, tal como a

alquimia o foi uma arte de viver tanto como de transmutar, então o que se transmuta, na

projeção da matéria, não poderá ser a própria alma do adepto? Não se pretende com este

capítulo reciclar e trazer à vida do pintor, nenhuma técnica ou metáfora alquímica há

muito descartada da vida coloquial, mas antes clarificar a linguagem a partilhar, à falta

de melhor.

No segundo capítulo, «Que farei eu com esta espada», título apropriado de um dos

primeiros filmes de João César Monteiro, é sobre pintar, e esperamos em momentos mais

fortuitos: em pintura. Começamos por considerar sobre a importância do espaço do

estúdio para a criação e sobre os métodos e técnicas desenvolvidos não apenas para a

criação de pinturas novas, mas também sobre a importância que esses processos e

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métodos têm na criação, desde a preparação das substâncias, passando pela utilização das

ferramentas até ao processo de secagem, funcionando como um todo.

Propomos também neste capítulo uma reflexão sobre a circunstância em que o

objeto deixa de ser apenas coisa e passa a conter em si, na coisa, semente. Existe tal

momento? E pode ser minimamente identificado de forma a ser descrito? Em que

consiste? Não que pretendamos criar uma receita universal, apenas olhar esta questão do

ponto de vista deste autor, em particular com o seu próprio trabalho, e sempre avassalado

ao interesse maior de perceber de que forma estas questões influenciam a sua criação

artística.

No terceiro capítulo, «Homem de palavra[s]», título emprestado de um livro do

poeta Ruy Belo; propomos a pintura como linguagem poética em que a perda do sentido

ilusório de utensílio, torna-a efetivamente no que é na origem: o primeiro silêncio, a obra

própria do homem, a manifestação revelante do ser que faz, a aparição daquele que fala.

Seguimos procurando responder à pergunta: para quê pintar? Quais as motivações que

nos levam a continuar a pintar quadros? Quais as expectativas engendradas para com a

obra e com o possível futuro expectador, qual a sua atitude face à criação? Interessa dar

respostas a estas irresoluções? De que forma e até que ponto impregnam o trabalho

artístico?

A dissertação pretende-se apresentar, de uma forma aberta, inacabada e

insatisfeita face aos objetivos que se pretendem alcançar, tal como é próprio de um

trabalho que é sempre proposta. São ideias sobre os caminhos que o pintor percorre, raras

vezes, justamente notadas.

Não é que fatos precisem de teorias que os confundam. Não são coisas simples e

transparentes que se deixem percorrer.

Procuramos com esta dissertação pôr em palavras o que não se aprende em

palavras, mas em substância. Um tipo de conhecimento (intuição) que só pode ser

pensamento e não pode ser escrito. Neste sentido, é um texto desequilibrado, em função

de um trabalho sempre em projeto.

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1º - Contar em tinta

O ato da criação é obscuro e rodeado por uma névoa de mitos, que o pintor tem todo

o interesse em alimentar. Mas a criatividade aparece por se aplicar ferramentas do

pensamento a materiais existentes, e o solo de onde brota a criação é algo mal

compreendido. Painting isn't an aesthetic operation; it's a form of magic designed as

mediator between this strange hostile world and us.2

Podemos apenas informar o nosso interlocutor da nossa atividade enquanto pintor, se

estivermos preparados para responder à pergunta: que tipo de pinturas pintas?

A questão é como pintar, não o que pintar. O destino da pintura é incalculável, é fazer

crescer o invisível. É uma promessa que convida os homens semelhantes a converterem-

se em homens.3

Mesmo sendo a pergunta mais frequente feita quando falamos de pintura, não

encontramos ainda resposta, universal e satisfatória, para tal indagação. De cada vez que

a mesma questão é posta, carrega consigo significados distintos. Das mais simples

questões de género: se são retratos, paisagens, naturezas mortas, etc., questões de técnica:

pintura a óleo sobre tela, técnicas mistas sobre superfícies mais ou menos convencionais,

etc., ou mesmo com conotações mais conceptuais, de carga política ou social, etc. Cada

resposta desbrava um caminho diferente na sua repetição dos pontos-chave, também eles

em permanente mutação. Um dos pontos-chave que queremos abordar é o «como».

Comentar o «como» da pintura, fornece consequentes contribuições para o entendimento

das obras, ”quando os artistas mostram imagens das suas obras e falam sobre elas,

habitualmente informam sobre pontos do seu desenvolvimento. É menos comum que os

historiadores ou os filósofos o façam.”4

Esses pensamentos podem abarcar qualquer assunto/área, mas se não forem em

pintura, são distrações.

2 LIVIO, Mario - The Golden Ratio [2002], p. 159. 3 SLOTERDIJK, Peter – O estranhamento do mundo [2008], p. 23. 4 Arthur DANTO citado in JACINTO, João Manuel da Rocha – Arder de mãos [2013], p. 42, [Después del

fin del arte, 1999, p. 136.]

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1. Como a substância ocupa a mente

Pintar é alquimia; trabalhamos as matérias sem conhecer as suas propriedades,

trabalhamos por experiência, por instinto. Fazemos sem saber como fazer. Alquimia é

uma velha ciência de confrontação com os materiais, sem perceber na perfeição o que se

está a passar5. Tal como o foi a ciência de Hermes, também no nosso trabalho prático se

unem dois polos opostos da atividade humana, a técnica e a mística6. A faceta mística,

na crença pessoal do pintor; a de que o artista não tem de descobrir algo novo, mas sim

reencontrar um segredo.

O pintor pratica simultaneamente a obra mística e a obra física, que são análogas e

paralelas. A descrição da obra física adapta-se estritamente às operações da obra espiritual

e vice-versa. Uma generalização do princípio fundamental da filosofia hermética,

segundo o qual todos os objetos, todos os seres do universo estão entre si numa relação

simpática, porque todos emanam do mesmo Ser, todos se ligam por um fio misterioso à

mesma providência.7

Pintura é arte de metamorfose, a tinta a sua matéria; o sentimento de que algo

inanimado, como a tinta, tem vida própria, a possibilidade de tornar físico, de tornar

matéria o que antes era mental ou inconsciente e querer agarrar essa matéria. A parte mais

difícil é a execução da obra, não a ideia, e essa metamorfose resulta de uma mistura entre

um trabalho planeado e lento e ações impetuosas e apressadas. Mas a tinta tem uma

vontade própria, e resiste ao pintor. O pintor pode tentar impor a sua vontade, disciplinar

a tinta, aprendendo as suas (da tinta) regras internas, ou aprendendo a deixar a tinta fazer

o que quer, trabalhando em colaboração entre o desejo do artista e as imprevisíveis

tendências da tinta.

Mas algo é comum as estas duas abordagens: pintura é metamorfose, e alquimia o

nome usado para nomear as incontáveis mudanças que acontecem ocultas à razão. Esta

metáfora é vaga, como são os processos do «querer» da tinta, e sobre esses processos há

muito a dizer, e por isso o reforço da metáfora alquímica como um caminho para clarificar

5 ELKINS, James, What Painting Is, [1999], p. 19. 6 HUTIN, Serge – A Alquimia. Lisboa: [s.d.], p. 9. 7 Idem., p. 102.

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e perceber estas questões, porque os alquimistas percebiam que a arte exige a equilibrada

mistura entre controlo racional e liberdade intuitiva.8

A matéria-prima, como definido por James Elkins (1955-) crítico e historiador de arte,

é um revoltoso mar de impurezas. É uma inundação de substância e ideias fora de

controlo, nada está fixo e tudo é volátil. Esta matéria-prima é rica em possibilidades, mas

difícil de controlar. As substâncias são como um sentido (mão) extra, mas este(a),

virado(a) para dentro, o que nos permite tatear coisas sobre nós próprios que não

conhecíamos e não percebemos, e que posteriormente irradiam desta ideia «organizante»

sobre a matéria levada à unidade da sua forma substancial9, incorporando-se numa

matéria e saindo assim da sua abstração essencial.

A vida interior da cor – o corante. Será possível generalizar, mas pouco mais:

As substâncias não só ocupam a mente como se tornam mente.10

“O que torna as obras de arte interessantes é precisamente a inominável

sensação particular a cada imagem (…) como uma faísca que viaja diretamente do

olho ao estado de espírito sem tocar na linguagem”11

Como é que as substâncias nos ocupam a mente e o espírito sem usar uma palavra?

A nossa prática de pintura é dupla: uma técnica, que tal como a alquimia procurava a

transmutação dos metais, procura a transmutação da cor, (para o pintor, a cor é sempre

tinta12, e tinta é matéria), em semente contida na matéria:

O pintor não trabalha com o colorido da cor mas com o que nela é corante (…)

a cor é mais um «acontecer» que um «ser» (…). O pintor, no seu ser diferente que é,

(…) não se caracteriza por ser aquele que domina a cor, mas sim, pelo contrário, por

aquele que se oferece, em entrega, ao domínio da cor: ao seu ser corante. E assim, é

só no pintar do pintor que a cor acabará por assumir os seus verdadeiros coloridos,

ou melhor, as suas colorações: o seu pleno cromatismo. É no «Outro» que o pintor

acaba por ser.13

8 Elkins – Op. cit., p. 121. 9 Forma pode também ser a essência, a substância vista como suscetível de compreensão e definição. 10 Elkins – idem., p. 114. 11 Ibid., p. 100. 12 Jacinto – Op. cit., p. 51. 13 Idem., p. 52.

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A matéria morre e ressuscita, renasce para uma existência extasiada. Processo de

depuração da alma, de metamorfoses progressivas do espírito. Na arte da alquimia, a

transmutação do chumbo em ouro tinha dois sentidos, por um lado era a elevação do

indivíduo para o belo, a verdade e o bem, a realização do arquétipo que cada homem trás

em si, por outro era a transmutação física através de processos químicos, uma metáfora

externa e interna ao mesmo tempo. Interessa-nos a duplicidade da metáfora, o processo

de pintar é, também ele, interno e externo ao mesmo tempo. A transmutação, depois de

se ter operado no segredo da alma humana, deve manifestar-se no mundo material.14

Para o pintor, a tinta dentro do tubo15 é caos. Na tela, a graça reveste-se de tinta,

forma-se uma pintura (matéria-objeto). A «matéria-da-obra» é semente contida no objeto.

A «matéria-objeto» é dissolvida de forma a obter-se a «matéria-obra», e dessa união a

«matéria-obra» torna-se Rebis16.

14 Hutin – Op. cit., p. 16. 15 Com tinta dentro do tubo queremo-nos referir à matéria-prima por usar, que pode ter várias formas, como

pigmento puro, médio embalado, etc.. 16 Etimologicamente, Res e Bis, quer dizer: «coisa-dois»

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2º - Que farei eu com esta espada?

1. A oficina

Só o pintar sabe a pintura, em um saber que escapa ao entendimento e ao domínio. É

um «estar-aí», precedido de nada e, acrescentamos, sucedido de coisa nenhuma: é uma

suspensão, um momento no fluxo de nada para nada. O nada antes de si, o nada em futuro.

Há sempre um nada a assombrar o instante do pintar. Como um mergulhador de

profundidade, que se encontra sem qualquer referência física e que para saber para que

lado é cima, tem de olhar para as bolhas de ar expelidas. O pintor no seu estúdio não faz

distinção entre o visível e o invisível, o natural e o sobrenatural. O visível funciona como

um rasto do invisível e o sobrenatural irrompe a cada instante. Na vida cotidiana, o pintor

vive de aparições constantes, que aterrorizam, mas não surpreendem.

O ateliê é a casa do pintor, e sem casas não haveria rua. O pintor, asceta dentro do seu

ateliê, sente as solicitações pelos prazeres terrenos de modo mais intenso. O trabalho de

estúdio é um trabalho silencioso, um solilóquio17 acompanhando o ato de pintar. Uma

corrente de pensamentos flui, pensamentos que são em todos os aspetos, em pintura e

sobre pintura. O estúdio não é apenas o espaço arquitetónico que rodeia as pinturas, é o

interior do corpo do pintor18. No ateliê somos livres, fora; prisioneiros do coloquial: “Não

17 O termo solilóquio foi criado por Santo Agostinho para designar uma forma específica do diálogo interior

da alma. O objetivo é fazer desenrolar um diálogo interior em que o indivíduo se vai dando conta

progressivamente da ignorância em que está acerca de si mesmo. Para Santo Agostinho o conhecimento de

si e a representação de si não estão dissociados. A duplicação interior e o estranhamento de si decorrem da

intervenção de um elemento novo que desencadeia um processo de contemplação voltado sobre a

interioridade. Esse elemento estranho é a imagem da divindade inscrita no interior do sujeito. Este conceito

pressupõem a ideia de um interlocutor e uma correlação entre o cuidar de si e o cuidar em si. Para se ocupar

de si é necessário conhecer-se a si mesmo; para se conhecer a si mesmo é necessário olhar-se num elemento

que seja reconhecido como o mesmo que si; é necessário olhar-se no elemento que é o próprio princípio do

conhecimento e da sabedoria, é o elemento divino; é necessário então olhar-se no elemento divino para se

conhecer a si mesmo: é necessário conhecer o divino em si para se reconhecer a si mesmo. O solilóquio

proclama a infelicidade/impossibilidade de ser só e, logo, a necessidade da ligação a um outro configurado

como um tu. Esse tu, não iguala nem completa o sujeito, mas constitui-se como condição para o advento

do sujeito, isto é, para que este se apreenda a si mesmo enquanto tal.

MORAIS, Ana Paiva – A voz só: sobre o solilóquio amoroso na idade média. [2011], p. 349. 18 Elkins – Op. cit., p. 167.

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são vocês que me expulsam. Eu é que os condeno a ficar”19. É dentro do espaço do ateliê

que o tempo acaba por atuar sobre as nossas formas de pensamento. À medida que o

tempo passa, os sistemas de pensamento perdem a sua precisão para, apropriados,

servirem como estruturas móveis do nosso próprio método de pensar.20 O estúdio não é

local de clausura, é na absoluta liberdade, e no não se saber o que fazer, que nos sentimos

presos.

O estúdio existe em continuidade, não é um local físico em particular, com as mesmas

coordenadas, está em mutação. Como se trocam de pinceis ou abrem novos tubos de tinta,

também se muda de espaço. O estúdio precisa de um local físico, concreto, para se

manifestar, mas não é físico.

Onde estamos quando estamos no mundo? Não sei onde estamos enquanto não

pintamos. Enquanto pintamos estamos no pintar. A pintura permite um lugar estranho,

de libertação enquanto eu. Como um eu de estranhamento21. Enquanto pintamos não

temos história, parece que nos enganamos pela primeira vez e que é desta que não nos

safamos. Sabemos lá!? Não sabemos, mas queremos fazer.

Não somos pintores natos, somos maljeitosos, atamancados, hesitamos e nem sempre

acertamos. É no erro que está a sorte.

Cantam na catedral ao fim do dia

Sou uma posição ameaçada

E nada nos meus gestos concilia

O fim do dia com a madrugada22

Lessing (1729-1781) sublinhou o paradigma de Laocoonte23. O momento que a

estátua descreve é o do instável equilíbrio em que nem a força do homem nem a astúcia

hábil dos répteis venceu, tudo ainda está em perigo, e tudo pode passar a ser outras coisas.

É a estátua do não-saber. Nem a pintura nem nós sabemos o que se vai passar, vemos sim

todas as vertentes possíveis. A arte, para Lessing, é essa tensão dramática, esse momento

19 MONTEIRO, João César – A Comédia de Deus [1995], min. 157. 20 SARDO, Delfim – A visão em apneia: Escritos sobre artistas. [2011], p. 43. 21 CELAN, Paul – Arte poética: O meridiano e outros textos. [1996], p. 53. 22 BELO, Ruy – Homem de Palavra[s], [2011], p. 91. 23 O grupo de Laocoonte é uma escultura em mármore, também conhecida como Laocoonte e seus filhos,

hoje em dia exposta no Museu do Vaticano.

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eternizado em que não se sabe, a luz da manhã antes do saber24. Como quem salta do que

sabe para o que não sabe, para não-saber.

O ateliê é esse espaço entre a noite e o dia, é crepuscular. Nada nos seus gestos

concilia, como escreve Ruy Belo: procuramos aquilo que não sabemos, a luz clara, que

não sabemos se nos queima, se incendeia a pintura. É um espaço rude, não apenas pela

pobreza de meios, mas antes por resistir de certo modo ao pintor. De equilíbrio instável,

é um espaço admiravelmente desleixado. O que se passa dentro do estúdio é perturbador

para o outro, o pintor tem de permanentemente fazer a escolha entre a honestidade e a

aceitabilidade do que faz, e a solidão é o imposto que o pintor paga por se expor, é a

recusa do compromisso social. As pinturas resultantes são também impossibilidades. A

impossibilidade de falar com alguém. Na solidão o pintor encontra-se em grande

companhia, com os poemas de Ruy Belo (1933-1978) ou as canções de Chico Buarque

(1944). Diz-se que disse Goethe (1749-1832), conhecido por cultivar inúmeras amizades,

em leito de morte que nunca ninguém o tinha percebido e que nunca ele fora capaz de

perceber alguém. Ninguém percebe ninguém.

Debaixo dos astros, o mundo é estrangeiro.

A substância e o processo estão intimamente ligados. O processo, ou o método é a

consubstanciação, a transmutação de substâncias, mas é também a substância.

O pintor tem de desenvolver uma sensibilidade do trabalho que está para vir. Isto não

significa que o pintor sabe de antemão o que vai pintar antes de pintar. Muito pelo

contrário, e quando assim o é, frequentemente é fonte de desapontamento. Só se pinta

pintando, e o pintor troca ideias com o que é pintado, ou com o que é pintado, ambos se

influenciam mutuamente. A pintura não é invisível, não se esconde, não cria uma ilusão

de ótica que nos impede de a ver. Mas tão pouco se vê. Adaptando as palavras de Paul

Celan; a pintura procura ver a figura na direção que ela segue, a pintura antecipa-se-nos25.

Nem o artista nem o trabalho em progresso estão em controlo. São ambos uma

incerteza.

Muitas vezes será a pintura mudada não só de orientação (horizontal, vertical ou

qualquer «diagonalidade»), mas também de local, de país, e de tempo.

24 Tal foi afirmado por Sidónio Paes no texto, Recordações de João (de Deus) César Monteiro. In João

César Monteiro p. 29. 25 Celan – Op. cit., p. 52.

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Pinta-se tanto na vertical como na horizontal. A vertical define o plano, é janela, a

horizontal retira-o, é uma extensão sem horizonte, é arena. Arena anárquica para o corpo

que age, e a pintura: a sua notícia.

A pintura começa antes da pintura na tela, a manipulação do material para a pintura é

a pintura, não é estudo. O pintor não estuda: o pintor pinta.

A tinta é substância que ocupa profundamente a mente, que fixa o pensamento através

de cor e textura. A pintura está fora de qualquer ciência exata, é uma imersão em

substâncias, nas suas formas. O pintor tem de estar disponível para arriscar a sua sanidade,

quer pelo gaseamento através da exposição aos vapores libertados pelas substâncias do

estúdio, quer por passar longos períodos de isolamento em diálogo silencioso com a tinta.

O tédio, a melancolia e a angústia são outros nomes para enquanto não se pinta, o tempo

homogéneo global à espera da interrupção da pintura.

O pintor não tem direito ao repouso, nem ao lazer cultural de fim-de-semana, o

repouso do pintor é a continuação do seu trabalho, uma condição que o trabalho requer

para continuar, não se pode perder tempo para o trabalho. Tem, no entanto, dever ao ócio,

porque este obriga a um confronto com a interioridade, é o tempo diante de nós. Fora do

trabalho e/ou do ócio, todos os demais dias são de estranheza para o pintor, são perdas

infligidas à sua vida pulsional.26

A tinta encontra o seu caminho para o chão do ateliê, depois as paredes, depois todos

os objetos que habitam o ateliê, o cheiro persegue o artista de volta a casa. Mais cedo ou

mais tarde todos os objetos estarão impregnados de tinta; de entre as roupas velhas para

pintar os ténis serão dos primeiros, mas brevemente até as roupas reservadas a jantares

em companhia, em lugares outros que a casa, depois os livros; primeiro os favoritos,

depois os emprestados. Quando está tudo marcado com tinta, é como se tudo fosse parte

de um uniforme para pintar, um fato de padrão camuflado que faz o pintor desaparecer

no estúdio, e que aos olhos de desprevenidos aparece como um bufão, e o que é lixo para

o outro, é para o pintor material com valor intelectual.

Durante o pintar, há um despertar inquietante do repouso no mundo.

26 Cf. GUERREIRO, António – A neurose de domingo. Público, Ípsilon (suplemento) (07/10/2016), p. 31.

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A rotina do estúdio não é rotineira:

O dia é feito de deslizamentos, fantasmas

que emergem de cenários onde as cores

enlouqueceram. Mas o equilíbrio, quer dizer,

não é bem isto.27

O pintor é um animal outro, e depois de conspurcar a sua própria cama com tinta, não

há volta a dar, não há ordinário a que voltar, e este sentimento só pode ser partilhado por

quem já o sentiu. Não sabemos se é uma escolha aquilo que fazemos. Podíamos sempre

a qualquer momento deixar de o fazer, como qualquer um de nós pode por cobro à vida,

à sua ou à de outro.

É tudo marca de uma obsessão que chega ao ponto de tornar o pintor inabordável, na

maioria das vezes dura apenas umas horas, mas também pode ocorrer durante dias: o

vazio tomar conta; estar a mais no corpo, nada ter; livre, mas incapaz, nada fazer que não

o afaste ainda mais. É a pintura que devolve o pintor à realidade, renascido tanto na razão

como no coração e na vontade, enfim, em todo o seu ser corporal e espiritual. O pintor,

livre das contingências e dos acidentes da experiência mundana (fora do ateliê), moral e

fisicamente purificado, dotado de corpo celeste (a sua obra), não sente mais a necessidade,

como o comum dos mortais, de ser julgado pelo seu tempo.

Por fim, o que é entregue é uma caixa de sentido oculto. Não está vazia, apresenta,

com a memória do sentido dado pelo autor, que para o espectador é como um corpo sem

esqueleto, sem sentido. Mas mesmo o corpo sem esqueleto só está lá se for olhado,

observado. Sem espectador não há corpo. Os dois sentidos só existem em conjunto,

embora autónomos. A obra não existe se ninguém olhar para ela.

Somos da firme opinião que sem espectador, sem ter alguém que a observe, a pintura

não existe como obra de arte.28 Sem um observador o objeto existe apenas como objeto,

27 Primeiros 4 versos do poema de Vítor Nogueira – À maneira de Francisco de Holanda, in FRIAS, Joana,

Passagens: poesia, artes plásticas. [2016] p. 57. 28 Firme opinião resultante do cruzamento de duas experiencias mentais (da expressão alemã

Gedankenexperiment): a experiência do Gato de Schrödinger, em que um gato dentro de uma caixa com

veneno está vivo e morto ao mesmo tempo, até que um observador abra a caixa e percecione um resultado,

ou morto, ou vivo, e a experiência de; Se uma árvore cair na floresta e ninguém ouvir, será que fez barulho?

do filosofo George Berkeley (1685-1753), ambas levantando a questão da relação entre o observador e a

perceção da realidade, cf. The Physics Behind Schrödinger's Cat Paradox [Consult. 2016-09-12]

disponível em http://news.nationalgeographic.com/news/2013/08/130812

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e perante um observador, contém em si as possibilidades de se tornar uma obra de arte na

relação com o observador.

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2. Veredas

Como seleciono as imagens?

Na sua fase inicial, e por vezes quando confrontadas com impasses, as pinturas

surgem da combinação de imagens já existentes para produzir algo novo. Tal como o

escritor William S. Burroughs (1914-1997) que cunha o termo heavy metal, no seu

romance the soft machine, um livro criado usando a técnica de corta/cola, usando escrita

já existente, recortando os textos e rearranjando-os29. Faz parte do processo de manufatura

da pintura, cuja natureza oscila entre a sua apropriação como modelo, ou a sua utilização

como total nulidade conceptual, ou total vazio semântico, um corpo para ser habitado,

uma razão para pintar. Não são citações, referências ou apropriações; são interpretações;

pinturas de ouvido30.

Esta interpretação, esta retoma, quer seja de ficções, de narratividades ou de

procedimentos, são usados como processo de desenvolvimento de um corpo para a obra,

e, através da transformação e da variação, obtêm-se novas ideias31. A apropriação de

imagens não tem de ser obrigatoriamente externa à pintura, não existem regras

dogmáticas neste processo de apropriação32. As apropriações de outras pinturas que o

pintor João Queiroz faz, são sobretudo desculpas para continuar a pintar, a própria pintura

é o objeto do jogo. Queiroz procura os mais variados e dispares suportes para encontrar

problemas de representação, que investe em pinturas. Uma possibilidade contraditória de

possibilitar a pintura, podendo ser identificado como irónico, mas que consideramos

sarcástico, é o dispositivo de afirmar pelo contrário. As artes visuais sempre tiveram a

questão de interpretação remetida para um campo secundário, por vezes tomada como um

sintoma de plágio. Temos como referência o mundo, mas como fim novo mundo.

O contrário da representação não é a «não-representação», é a sua versão ácida, o que

se julga reconhecer não o é bem, não tem nome, mas é matéria sensível da pintura, que

se olha compulsivamente.

29 FERGUSON, Kirby – Everything is a remix [2012], min. 3. 30 Expressão utilizada pelo professor doutor Delfim Sardo em uma das suas aulas na FBAUL. 31 Ferguson – Op. cit., min. 21. 32 Que também pode ser interno à pintura e à sua história, como no exemplo do pintor João Queiroz (1957).

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A pintura bem-feita33 remete para a negação da pintura.

O excesso de imagens no nosso mundo, o excesso de arte, ajudam o pintor a manter-

se dentro si; a repetição repõe o pintor no nada necessário para o fora de si.

A pintura é uma prática votada ao fracasso, é derrisória, por isso é uma prática artística

viável, está liberta.34 É uma aparição sem a necessidade de produzir memória ou

identidade. E por isso é também melancólica, e é a figura trágica por excelência,

Descrevendo os processos em pintura, não podemos excluir as respostas emocionais

a pintar. Respostas que acontecem longe o suficiente da linguagem verbal de forma a

permanecerem incontroláveis. A substância da pintura ocupa o corpo (o ateliê) e a mente

(a terceira mão), inextricavelmente, e cada substância possui o seu próprio humor. A

nossa pintura tem um carácter trágico que só pode ser produzido através da solidão,

consome-se como um erro, massacrada pela inutilidade da sua existência como imagem.

E tem também algo de anárquico: um anarquismo solidário. As pinturas, enquanto objeto,

são um veículo para transportar o sentido, mas em si mesmas possuem sentido nenhum.

A hierarquia dos sentidos é horizontal, a responsabilidade é partilhada e a nossa opinião

não vale mais do que a do outro. A hipótese de ser responsável pelo seu próprio sentido

é algo que se abre ao desconhecido. As ideias são indiretas, sempre.

33 No sentido depreciativo do termo, pelo excesso de preocupação de representação realista. 34 Cf. Sardo – Op. cit., p. 10.

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3. Ao adicionar a substância crava-se

A pintura acha-se. Não se sabe antes de pintar, a pintura emerge por um processo

aditivo: a escolha das substâncias deve-se em parte pelo que se deseja, mas também para

ver o que vai acontecer. Não precisamos de saber todos os nomes de todos os materiais

para os utilizar, não precisamos de saber distinguir o vermelho do encarnado para os

aplicarmos com naturalidade35, é uma lógica ocular36 obedecendo a uma harmonia e ritmo

de sobreposição de camadas, através da qual se obtém uma superfície mais ou menos

espessa, uma máquina de encobrimentos, no sentido em que o processo mecânico é

também um processo de transfiguração. A compreensão racional da mecânica da tinta é

um aspeto parcial.

Com o primeiro gesto do pintor, a pintura começa a deixar de poder ser tudo o resto

que poderia ser, tudo o que no final não será. Inicia-se um processo de simplificação do

que a pintura tem em potência. Este mecanicismo da pintura serve um sistema de

definição das transformações de um suporte que codifica uma relação espacial. O

resultado da soma de duas marcas na pintura não é dois, é nova marca. A pintura pode ser

«descomplexadamente» chamada de pintura.

A pesquisa por novos materiais é constante, trabalhamos sobre um grande número de

substâncias, no processo algumas acabam por ganhar um lugar de predileção. Usamos a

cera de abelha e a goma-dâmar para manipular o brilho, o tempo de secagem e para

controlar a espessura da tinta e a sua textura, não só visual na obra acabada, mas também

para o tato da mão do pintor enquanto pinta e também como última camada, como verniz,

depois do processo de secagem estar completo, funcionando como o último passo na

cerimónia de secagem.

35 Ideia sublimemente sintetizada nas primeiras três estrofes do poema Daltonismo de Armando Silva

Carvalho, que transcrevemos:

Quem sabe separar o cinzento do cinza, / laranja do amarelo, o roxo do azulado, carmim / do que dizem

vermelho, enfim, / todas as nuances, / para mim é um meticuloso, um perito, quase cientista, / eu que sei

que sou daltónico, praticamente / desde que me conheço.

As cores têm muito a ver com a natureza da vida / de cada um de nós, e com a vida da natureza / sem

nenhum de nós, todos nós sabemos. / […]

Mas doem-me as cores que não sei entender, / o choro dalgumas rosas que talvez gostassem de ser brancas

/ e que me dizem, em crítica, que têm o amarelado / do ciúme., in FRIAS, op. cit., p. 230. 36 Percentagens oculares, valores especulativos baseados na perceção do individuo altamente moldado pelo

contexto. Sem confirmação ou medição de terceiros.

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Usamos um líquido mais líquido que a água como fixador dos materiais mais voláteis

na superfície da pintura, como o pigmento puro em pó, o carvão ou a grafite, uma mistura

de goma-laca e álcool que quase volatilizada se pode aspergir sobre a superfície, mas tem

em si já um espírito corante, que sobre o branco ou uma cor muito clara atua, reclamando

como sua o tom final da pintura.

Das receitas originais das substâncias, fazem-se as leituras necessárias, mas a

memória feita é visual. É no aspeto final da substância aplicada em que se pensa, enquanto

se prepara a própria substância. Esta tarefa está condenada ao fracasso. Após o fracasso

desaparece o ímpeto inicial, e assim, nasce a substância nova.

A tinta no tubo é cor virgem de gesto, o «emporcamento37» da tinta pela mão inicia-

a no «ser-corante», essa transformação leva ao haver pintura no negativo do nada que é a

tela. A pintura não é a simples soma da tela virgem com tinta virgem, mas por aqui

começa. Aplica-se a tinta com ou sem pincel38, mais ou menos diluída, deixa-se que

pingue sobre a superfície, que escorra ou que se arraste. Futuras pinturas aguardam ao seu

redor, prontas para que sobre si se derrame a matéria que na superfície não se estancou.

E durante o violento processo de secagem que a tinta enrugue nas acumulações.

A matéria cria pontos de aglomeração. Criando espaços mais cheios ou vazios na

superfície. Atua com a força da gravidade. Demasiada acumulação e temos um buraco

negro, de menos; está vazio.

Para um pintor a tinta é um material pesado, muito pesado, sem forma e vazia. A tinta

dentro do tubo antes de ser utilizada é plana, inodora, sem luz, incolor, sem movimento,

é puro potencial. A tinta é silêncio antes dos movimentos que a vão encher de sentido e a

transformar em «ser-corante». É o que havia antes da criação. Nada de espaço, nada de

tempo.39 O pintor tenta agarrar o espírito puro na matéria da tinta.

Nove em cada dez tubos de tinta utilizados são de branco, nove em cada dez tubos de

tinta branca são branco titânio. O branco é a resposta para todas as questões que não

37 Com isto quer-se dizer: atuar com o corpo sobre a matéria virgem de gesto. 38 Qualquer tipo de instrumento que medeie a relação entre a tinta (substância) e a mão do pintor. Pincel

como língua (órgão) da linguagem do pintor que pinta. 39 Segundo a teoria do big-bang, que explica o surgimento do universo e toda a matéria nele contida; antes

do momento da grande explosão não havia antes. Sem espaço não há tempo e sem tempo não há espaço.

Cf. What Is the Big Bang Theory? [Consult. 2016-09-12] disponível em http://www.space.com/25126-big-

bang-theory.html

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tenham uma outra resposta imediata, é a resposta antes de se colocar a pergunta, é onde

se coloca a pergunta, é a cor do pensamento e pensamento ao mesmo tempo, é como uma

moldagem do ente, que revela o ente. É com o branco que tudo se encobre, tudo se

esconde. Como descreve Mário Dionísio [1916–1993] neste seu poema sem título:

Branco de neve

branco de leite

branco de cal

branco de lua

Contra branco outro branco

Um outro branco ainda sobre um novo branco

de espuma

com areia quase branca

Toda a ternura a fadiga a mágoa imensa

do branco contra branco sobre branco

na brancura mergulha branca flui

Branco entre limos

Branco entre mastros

Por túneis brancos ruas brancas sombras brancas

maciamente o branco longamente inventa branco

na crua branca amargura dos anos cegos Brancos40

Com o branco volta-se à pintura. No «emporcamento» do branco forma-se a imagem.

O branco não é uma cor sólida que se fixa num local, é excesso de luz que permanece

sempre esquivo até ser cravado na superfície com o poder corante de outras cores. A

imagem vai surgindo da adição das máculas. A escolha de todas as outras cores é feita

tanto por razões plásticas como económicas, obrigando-nos o óleo a pensar também com

a carteira.

Acrescentar matéria à pintura é reduzir a sua visibilidade, que terá de ser recuperada,

e no fim de cada ciclo, volta-se com algo mais que não existia antes, e vê-se mais na

pintura.

40 Poema sem título de Mário Dionísio disponível in: Frias - Op. cit., p. 194.

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4. Ao subtrair a substância conforma-se

O processo aditivo transforma-se, num segundo momento, em subtrativo, consistindo

na dedução de camadas cromáticas e «matéricas» até a superfície se transformar numa

película cuja cor já não o «é» apenas, mas ganha tempo; «acontece».

É tempo de drenar o pântano.

O desgaste da superfície define um limite de contacto com o seu exterior. A pintura

não é a soma de acrescentos. Descobrimos a pintura ao mesmo tempo que ela se, e nos

descobre. A pintura tem de ser enteada, tem de acabar por ser estranha a quem a fez,

estrangeira. Destruir é um trabalho muito mais delicado e demorado que acrescentar; o

demorado desfazer. Não é voltar ao mesmo anterior; ida e volta não são o mesmo

caminho. Pode-se destruir uma pintura depois da sua aparição, encurtando a sua

ocorrência no mundo, mas nunca se pode voltar atrás.

O investimento de imaginação e energia feito em retirar ultrapassa em escala de

potências o de acrescentar. Mas, tal como o processo aditivo, ambos não se podem pensar

em demasia, no sentido de sobre racionalizar, correndo-se o risco de perder a essência.

Sabemos à partida que a derrota é inevitável, mas durante o fazer não se pensa nisso, a

maior parte das vezes só já tarde demais, e é já impossível voltar atrás. Procuramos o

conhecimento profundo de quando, sem querer saber porquê ou mesmo o outro quando,

o pequeno quando das horas.

Criar é fundamentalmente destruir. É feroz o combate; desistimos primeiro, sempre,

mas a pintura transpira durante dias. A água e o óleo misturam-se como se um para o

outro tivessem sido feitos.

A pintura ocorre na superfície e não sobre a superfície. Na superfície pintada, não

existe não-pintado, mesmo que sem tinta alguma esteja. Não aplicar tinta é pintado, é

criar outro lugar de acontecimento, o ter-se passado nada.

A «matéria-da-obra» está encerrada no objeto da pintura. A «pintura-objeto» é um

ovo do mundo, um modelo reduzido da criação, e dela, como se de dentro de um ovo,

deve sair a coisa que ainda não tem nome, a «pintura-objeto» é uma «câmara nupcial»

onde se faz o casamento da matéria da obra. Mas é também um sepulcro, ali se morre e

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depois da morte, procede da putrefação a «3ª coisa». O fogo não deixa de arder até ao

fim da obra.41

A obra não se faz sem fogo42, o maravilhoso lume que consiste num apelo para que a

graça corante desça sobre a tinta, que produza diferentes fenómenos sobre a tela. É com

o poder do fogo que se pedem aos gases que se deixem de propagar e que se fixem na e

em superfície.

(é sempre tão longo caminho um fragmento),

as mãos incólumes que tornam

misterioso o fogo43

No curso das operações a matéria toma diferentes cores: as cores da obra. Morte e

ressurreição. O grão que se corrompe na terra e depois renasce.44 A matéria encerrada

na obra morre, enegrece, depois revive e perde a sua obscuridade. Com o calor, as

camadas sublevam-se contra a ordem estabelecida pelo pincel45, que é o seu revelar de

natureza química, que se estabelece na superfície em igualdade com os truques manuais

do pintor. Este tipo de pintar não se constrói tanto quanto se descobre; é de ordem da

explosão do que se sabe estar, mas se desconhece ser.

De todos os pinceis a um é dada predileção: um soprador de ar quente46 com a alcunha

de «vento divino»47. Desde a primeira consciência de si no mundo que somos obcecados

com o fogo, e as mãos transportam as marcas dessa obsessão.

O seu sopro de ar quente, de temperatura adaptável, desde ambiente, mas quase

sempre na máxima capacidade, cerca de 500⁰c, pode ser utilizado para encaminhar a tinta

na direção desejada na superfície, não só para acelerar um movimento, como também

para o conter. O calor não só pode acelerar o processo de secagem, mas é sobretudo

utilizado para alterar as propriedades da matéria. Queimar, fritar e ferver, conforme o

41 Hutin – Op. cit., p. 89. 42 Não pretendo sublinhar o sentido metafórico, mas sim o figurativo. 43 8º, 9º e 10º versos do poema Apontamento no museu de Nápoles de José Tolentino Mendonça in: Frias -

Op. cit., p. 26. 44 Hutin – Op. cit., p. 90. 45 Qualquer instrumento que o pintor utilize para mediar a relação entre a tela e a substância. 46 Soprador de ar quente da marca: DeWALT, modelo: D26411-QS. 47 Referência ao conceito japonês de Kamikaze; tempestades ou tufões que destruindo a frota do imperador

mongol Kublai Khan (1215-1294), pouparam o Japão de uma invasão mongol no séc. XIII.

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resultado desejado. É um fogo que rói. O vento divino transporta uma serena melancolia,

um olhar que penetra na matéria e assiste à sua transformação sem a possuir, traz à

superfície a morte e a putrefação da matéria e a consequente ressurreição em coisa nova

corada.

Durante este processo, demorado e repetitivo, o pintor, pelo deslumbramento do lume,

contempla a integridade do material e dos seus processos na transformação em curso,

sente-se despojado, e vê na sua insuficiência, na sua imperfeição e na sua incompletude,

marca da sua impermanência no mundo; seu paradoxo. E perante as convulsões violentas

operadas na superfície, sente-se em quietude na simplicidade da mudança. Está na

mudança, não no que foi ou vai ser, e perante esta ocorrência o pintor está por ele, aceita

a sua transitoriedade, está em paz na tarefa violenta. O que fica, são fósseis do fogo.

É um processo aparentemente violento, mas pela graça da mão do pintor, trazendo

simplicidade e subtileza, a essência pode-se revelar no intervalo entre pesos, no espaço

entre camadas, na marca da transformação pelo fogo, em que nada termina ou permanece,

nada é perfeito.

Não procuramos a perfeição das formas nem a imortalidade das imagens, muito pelo

contrário, buscamos reconhecer a bela imperfeição, o frágil e modesto, deixá-los visíveis

nas suas marcas de fragilidade. Eis o paradoxo do nosso trabalho: fixar a mudança.

As pinturas não são heróicas, transportam as marcas da dúvida, da transição, as

marcas dos remendos. Não temos interesse pela lua cheia, preferimos a subtileza dos

jogos de luz e sombra da meia-lua em céu pouco nublado, procuramos que na superfície

da tela se una o natural e o manual, a casualidade e a manufatura.

A criação exige uma intensidade no fazer que frequentemente só se consegue no

destruir. Só se pode ser na destruição pelo erro que permite. Quem não arrisca não erra,

não se expõe / a que o vento lhe desmanche o penteado,48 é a destruição que edifica, temos

que desmanchar o penteado da pintura, mas este erro só acontece num espaço aberto à

experimentação. Arriscar é tirar os grilhões das mãos. Acrescenta-se para dar matéria à

retirada, para ter o que retirar na operação de resgate da memória da camada anterior,

tarefa destinada ao incumprimento. A necessidade criativa é saciada na reposição da

48 1º e 2º versos do poema Homem doente – Ticiano de José Miguel Silva in: Frias – Op. cit., p. 53.

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ordem perdida pelo insucesso criativo, que nunca é igual ao que era, um duplo sucesso da

destruição.

O processo de desgaste da imagem, proposta de erosão do pictórico condenado ao

fracasso, encontra-se frequentemente se encontra brindado com o conceito de ironia, mas

ironia é claramente excessivo para a pintura insuficiente. Não será mais que

incumprimento, que sarcasmo. O pintor encara a tela como o dia eterno, o excesso de luz.

Aplica a cor como convite ao anoitecer. Raramente conseguido.

Depois de acrescentar matéria, a pintura não fica serena, tranquila, são camadas

distintas em diferentes vibrações que não comunicam entre si. As camadas são-se

estranhas. A hierarquia é estabelecida pela ordem da aplicação, ignorando as qualidades

individuais de cada camada pela forma como podem ser usadas num todo. Para pôr essas

camadas autónomas em comunicação, o pintor tem de acrescentar a unidade pelo

desgaste. Um desgaste não é gastar, não é perder; é equilibrar, é repor na realidade do

mundo depois de transformado pelo ganho.

Primeiro foi paisagem, depois foi arena. Girar a superfície pictórica é um passo largo

para uma nova pintura.

Da luta passamos à perda, mas ela (pintura) transpira durante dias, ou uma gota de

água que se recusa ao dilúvio?49 Agora é uma entrevista. Ela fala, nós escutamos e

compomos perguntas, ela revela, vai revelando e procuramos que mais ninguém saiba. É

isso que se mostra: o segredo.

A ausência do que se foi pelo desgastar não é um desfeito ou um «não-fazer», é uma

ausência presente, e só a incorporação desta ausência na presença da obra a torna

realidade pictórica, e não apenas ato de pintar. A ausência presente só existe se utilizada.

A ação de «não-fazer» é dura. Para o pintor é das escolhas mais difíceis de tomar. Em

certo sentido, é uma escolha que não se toma, pois, o pintor não tem a perceção do que

acontece quando acontece.

Fazer e perceber não são simultâneos.

O entender que leva o pintor a «não-fazer», é um entender do contido no fazer, que

não é percebido no momento. Frequentemente, o fazer faz desaparecer o que já estava

49 Último verso do poema Para o catálogo da minha primeira exposição por sinal surrealista, escandalosa,

lisboeta de Fernando Lemos in: Frias - Op. cit., p. 200.

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feito, e é preciso recomeçar. Recomeça-se sempre do zero, não há precedentes. Mas o

zero nunca é o mesmo.

As marcas são difíceis de apagar, e quanto mais difíceis forem: melhor. O tempo de

apagar tem de ser longo e árduo, ao contrário do tempo de adicionar, que se quer rápido

e ligeiro. E será a mão que, lentamente, devolverá à obra, a sua invisível origem.

A nossa pintura antes de ser imagem é cor disposta em certa ordem, depois continua

a ser cor disposta em certa ordem, mas não igual. É agora coisa corante a ser entendida,

sem nunca se ter transformado em imagem. Exemplo de um «belo-momento» em que a

tinta deixa de ser tinta e passa a ser substância. Não nos apercebemos de que acontece

quando acontece, fazer e perceber não são simultâneos, no entanto o fazer contém em si

um entender não percebido no momento que não vem da experiência vivida, mas é nova

vida que antes não existia.

A cor das pinturas não foi sonhada, mas é cor para sonhos. A sua cor não é a mesma

da realidade, também não é memória, é cor que julgávamos conhecer, mas que não vemos

com os «olhos abertos»50, uma cor que conhecemos e que nos surpreende, uma cor

familiar que nunca se tinha visto de olhos abertos. O pintor não procura nova cor, mas

antes novo contexto para a cor, em que se olha para a cor. O aspeto não é previsível, mas

não é por não sabermos que não existe, não é por não compreendermos que não faz

sentido, não é por não ser visto que não está, não é por não querermos que não serve. É

estranho por não corresponder às projeções. Falamos de um caminho. Falamos de

mudança, de ser não outra coisa que a própria mudança, não de estados adquiridos. De

uma esperança que devolve o pintor à realidade e a si mesmo onde pode encontrar o

fundamento e a lição, a revelação ou a graça. Seja lá o que isso vier a ser.

A pintura reclama para si uma prolongada observação. Uma forma de meditação em

que o olho se habitua à imagem, revelando cada vez mais achados dignos de atenção,

coisas que sempre lá estiveram. A pintura deve contrapor a imposição da velocidade

vertiginosa do instante. Da quantidade industrial de imagens produzidas diariamente e

para a qual a pintura contribui com uma parte residual, com a volúpia da lentidão e da

paragem assentes numa temporalidade com espessura, e assim substituir a perceção

50 A «cor corante».

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imediata de vários objetos contínuos por uma perceção continua e demorada em que cada

pintura parece desdobrar-se ad infinitum, para deleite de quem vê.

O momento de quando a tinta deixa de ser tinta e passa a ser corante é um momento

de destilação: quando a substância capitula a sua forma física e se transforma em espírito.

Em pintura, destilação é ressurreição.

Uma permanente tensão, uma ansiedade radical indissociável do método utilizado é

que afinal, este método pode nem sequer existir. A pintura é uma expressão do limbo

entre regra e caos no qual todos nos encontramos.51 Da harmonia das correções nasce a

obra. Procuramos no quadro o que não queria ali estar, apenas possível pela tensão das

correções, tensão própria da correção em relação com o que é corrigido. Mesmo que esse

processo seja de subtração, a nível da obra é sempre de acrescento de valor na marca da

subtração da matéria. A tinta ganha a sua violência corante, não sabemos porquê, só

sabemos que é necessário continuar a pintar.

A obra está completa quando tudo o mais que fosse acrescentado seria uma

diminuição.

Destruir é fazer. Não-fazer é fazer nada. As pinturas são arruinadas por excesso de

trabalho, por não saber parar.

A procura de futuros modos perdidos é incessante. O método não será nunca

reproduzível, e a procura do que foi perdido, por novos caminhos tortos, leva a novas

pinturas, desde logo, também elas perdidas, e quiçá tortas.

51 Elkins – Op. cit., p. 180.

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5. Intensa chama da secagem

A pintura, entre tanto mais, é a presença durante a secagem da tinta, a observação das

misturas, das reações, aglutinações, das lutas, das contaminações e do seu transpirar. E

haverá processo mais violento na pintura, do que o processo de secagem? A imaginação

é fluida, ou quer ser, e o ato de pintar é um ato de violência contra a fluidez dos nossos

pensamentos.52 A obra fica parada, é isso acabar a obra; parar, contradição do pensamento

do artista. E aí está um dos poderes da pintura, o paradoxo da quietude da obra liberta o

pensamento, a obra é convite à reflexão, a pintura espera, quieta, os nossos sonhos. Sob

os ardores do sol burila só silêncio / Que sustenta no colo e onde cabe tudo.53

Não passamos de um pintor de paisagens, um pintor radicalmente naturalista que tenta

aproximar o acontecer artístico do acontecer da natureza, os procedimentos técnicos

utilizados espelham a natureza protagonizada pelas leis químicas das matérias utilizadas

e pela física (gravidade, atrito, etc.) aplicada com a mão. Estas pinturas são sempre

retratos das substâncias, são as suas qualidades pintadas, retratos das substâncias que

ocuparam a mente do artista. É uma extensão táctil da natureza. Afirmação de um

conjunto de processos operativos e não a representação da natureza. A questão se é

abstrato ou figurativo não se põe. É processo. É pintura concreta.54

Para quê acrescentar ocorrências ao mundo? Porque a ocorrência destas coisas não

ocorre no mundo.

A pintura é realidade autónoma que não se tem de legitimar na representação.

Realidade autónoma, mas realidade deste mundo e desta vida. Não são representações de

alguma coisa oculta de um outro mundo. Estas pinturas são também recusa da metafísica,

rejeitam a distinção entre realidade e aparência, rejeitam a noção de um mundo verdadeiro

por detrás deste. A pintura faz visível e conhecido o que permanece oculto e

incompreensível neste mundo, e a quantas mais verdades tivermos acesso sobre um

assunto, mais perto estaremos da verdade, que nunca se alcançará, porque não existe,

52 Elkins – idem, p. 124. 53 3º e 4º versos do poema Manhã no Louvre de Pedro Tamen in: Frias – Op. cit., p. 27. 54 Não é a representação de algo nem a contradição da representação, é um objeto por si só sem necessidade

de legitimação exterior.

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apenas o conjunto, a combinação de muitas verdades de diferentes perspetivas. Quanto

mais perspetivas, melhor.

A verdade é aquilo que resulta dentro de um determinado contexto, a verdade

universal não existe; diferentes pessoas respondem a estruturas morais destintas. Não há

princípios universais, e perante este paradoxo gera-se no pintor uma insatisfação radical,

que se manifesta como melancolia; um nada que é uma ausência «supra-sensível» começa

a desenvolver-se, o pintor não sabe mais como proceder e nada mais resta que o possa

orientar. Onde o homem domina, afasta qualquer possibilidade de desvendamento, não

encontra em parte alguma o seu ser (das Wesen)55.

Em que circunstâncias o objeto deixa de ser apenas coisa e passa a conter em si, na

coisa, semente? Não sabemos, há qualquer coisa que se intromete e a pintura passa a ser

obra. Esse momento (um belo-momento) só é percecionado como tendo acontecido,

nunca no seu acontecimento, e não há nenhuma razão para celebrar vitória. A secagem é

também uma luz premonitória da infinita solidão do pintor, e dói ainda mais.

Serei pó, mas pó enamorado!

João César Monteiro

55 O ser (das Wesen) em oposição ao ser (das Sein). Ideia apresentada por Heidegger sobre a linguagem

poética, originalmente em língua alemã, sendo as subtilezas e os limites de significado de cada palavra

utilizada, impossíveis de traduzir na sua plenitude, fundamentais para perceber o fundamento da ideia. Cf.

TROTIGNON, Pierre – Heidegger.

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6. Como tocar no mundo

Amamos mais as nossas mãos do que os nossos olhos. Se a sabedoria vem com a

idade então as nossas mãos nasceram antes. São velhas, a tinta também atuou sobre elas.

Envelhecem não só por fora, mas também para dentro.

O tamanho e a posição da tela determinam o tipo de gesto que podem ser feitos, e com

isso, as formas e as marcas na superfície. Nunca a pintura se torna caótica. Nunca se

atinge uma total ausência de estrutura ou pura aleatoriedade, se assim fosse, seria

impossível qualquer leitura. A ordem permanece, mas é secreta. A marca do gesto ficará

preservada.

O corpo recebe o simulacro da mente e propaga-o pelos membros e pelos sentidos de

modo a que o todo resplandeça. O pintor reconhece na matéria a harmonia da sua própria

estrutura, o espetáculo maravilhoso do mundo e das formas. As mãos percorrem a

superfície da obra, e tateando a pintura tateiam o próprio tato56, como se a pintura fosse

pele. O pintor deixa-se tomar até ao fundo do corpo, deixa que a obra mude o seu ritmo e

influencie o seu trajeto. A contemplação intuitiva é uma característica da inteligência da

mão, a contemplação é um olhar livre e agudo da mão. As irregularidades e ambiguidades

encontradas pelo tato não são imperfeições, o pintor move-se com a pintura e cada gesto

do corpo determina o estado de espírito. A mão tapando, exibe.

O pintor luta contra a sua anatomia para que uns tipos de marcas não se sobreponham

a outras. O volume do corpo vem a marcar as harmonias periféricas de um movimento de

reflexos, rompendo com os gestos coloquiais. Saltitar entre violentos gestos e gestos

gentis, nunca cair numa rotina corporal. Os gestos contam a história de uma certa

insatisfação, de uma mão impaciente e um pouco fora de controlo. As sugestões do espaço

deixadas na superfície pictórica pelos limites do corpo, ressoarão «criadoramente» na

tela, como variantes musicais, retendo nos seus ângulos a pureza secundária da aparência.

A pintura não está negativa nas mãos antes de pintada, não há forma sem substância,

nomear uma implica a outra. A mão não obedece ao olhar, consegue ver sem olhar, e na

nossa extremidade toma-nos a dianteira. Está na fronteira entre nós e o ver. Permite um

outro ver, não submisso ao olhar. Mão suja de corante de onde sai a pintura, de onde

56 Excerto do poema No atelier de Alberto Carneiro de Manuel António Pina in: Frias – Op. cit., p. 214.

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afloram paisagens que são antes pensamento que imaginação, onde, imaginando-se, o

pensamento parasse.57

A mão torna-se independente, arde no encontro com a obra, corando a pintura sem

depender da nossa vontade ou visão, demorando-se até que a pintura chegue. Evocando

a pintura, é necessário que nos percamos num imprevisível somatório de construções e

destruições, num fazer mundo, não de o representar.

Forma mais matéria ainda não são coisa alguma. Só quando em virtude da

participação da mão, forma e matéria se unem num ato de existência, só então se

estabelece uma relação de «organizante58» e organizado. O que conta é a totalidade do

organismo enquanto ser vivo, a substância, o ipsum esse59. O ser não é mais que uma

simples determinação acidental da essência, mas aquilo que torna possível e efetivo a

própria essência, e aquilo de que é a essência; a substância.60

As mãos são para sujar. Sem mãos sujas não há clareza no ver. Os olhos estão cegos

durante o fazer, estão perdidos. Só com mãos sujas se pode transfigurar o óleo em sangue,

tão belo, extasiante, fascinante, irritante, encantador que nos faz regressar no dia seguinte.

E quem pintou quem? Não há distinção entre o pintor e a sua pintura, entre corpos pintores

e corpos pintados61.

A realidade arde, as minhas mãos são terra sobre a realidade.

As mãos são mais de duas, e de muitos.62

Temos sempre urgência em acabar as obras, como se disso tudo o mais dependesse,

mas o seu fim nunca está à vista. Nunca terminamos uma pintura, apenas as abandonamos

quando às nossas mãos se vedam. Como escreveu Jean Paul Sartre (1905-1980), e

adaptando ao nosso contexto, a carícia é o conjunto das cerimonias que encarnam o

outro, ou que faz nascer o outro como carne para mim e para si próprio63. Quando João

57 Outro excerto do mesmo poema in: idem, p. 214. 58 Que não só organiza, mas permite organizar a matéria-prima. 59 Termo utilizado em teologia católica romana para definir a própria existência. O ser em que a sua essência

é a existência. Cf. GOFF, Jacques le, (direção) - O homem medieval. 60 Eco - Op. cit., p. 108. 61 Ideia sugerida por Manuel Gusmão no seu poema A pintura corpo a corpo #1 in: Frias – Op. cit., p. 223 62 Jacinto – Op. cit., p. 177. 63 Jacinto – idem, p. 123, citando Jean Paul Sartre – L´Être et le Néant, [1943], p. 459.

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de Deus64 não tem onde tocar no corpo da mulher que se estende à sua frente, já perfeito,

diz-nos pela inabilidade do toque, que o trabalho artístico está completo, nada mais há a

trabalhar. Recusa do gesto: a mão a mais.

Pela neve sem rasto

caminhou

aquele que busca um amor65

64 Personagem central da trilogia de Deus interpretada pelo realizador João César Monteiro: Recordações

da Casa Amarela [1989], A Comédia de Deus [1995] e As Bodas de Deus [1999] 65 Poema Um pormenor de Piero della Francesca de José Tolentino Mendonça in: Frias – Op. cit., p. 44.

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3º - Homem de palavra[s]

1. O pêndulo do silêncio

De que falamos quando falamos de silêncio?

Fazemos nossas e sobre pintura as ideias de Heidegger sobre linguagem poética: o

trazer à palavra, trazer à fala, abrigar o ser (das Sein) no ser (das Wesen) da linguagem.

Para os gregos, linguagem seria palavra dizente e quereria dizer; reunir o que é presente

e o deixar-estendido-diante em sua presença.

Na linguagem poética, as palavras perdem o sentido ilusório de utensílios. Perdem

sentido, tornaram-se efetivamente no que eram na origem: o primeiro silêncio, a obra

própria do homem, a manifestação revelante do ser que faz, a aparição daquele que fala

como interlocutor do ser; ganham significado. Disse Wittgenstein (1889-1951) filósofo

de origem austríaca conhecido por saber de linguagem: que em arte é difícil dizer algo

melhor do que estar calado. A poesia não é filmável e não adianta persegui-la. O que é

filmável é sempre outra coisa que pode ou não ter uma qualidade poética66.

Em João César Monteiro, não raras vezes os diálogos nos seus filmes estão vazios de

palavras, os silêncios são prolongados. Como por exemplo no filme Recordações da Casa

Amarela67. Após a sequência da leitaria, a personagem de João de Deus, que não abriu a

boca durante a conversa de bairro, fica muito tempo a ser observado pela personagem de

Mimi, a olhar na direção dele sem que ele a veja, refletido num grande espelho oval,

objeto recorrente na obra de João César Monteiro, e dirá: “- vejo-o quase todos os dias

na rua ou na leitaria. Reparei em si porque anda sempre muito metido consigo. Não fala

com ninguém.” “- Falo, mas não se dá por isso.”68 responde João de Deus. Neste plano

vemos um sinal de atenção sem palavras, uma fala sem palavras, é a primeira personagem

do filme a reparar em João de Deus, a protegê-lo maternalmente. O ser dialoga consigo

próprio, um diálogo que faz surgir no interior duma palavra única o dualismo de dois

interlocutores. Falar-se a si. Ao mesmo tempo que a partida para o ser, produz-se o

reencontrar-se na palavra, na língua. Este momento é rico em significado; o pintor

66 Pelas palavras do próprio João César Monteiro no texto, Auto-Entrevista. In: NICOLAU, João (org.)

João César Monteiro p. 251. 67 MONTEIRO, João César – Recordações da Casa Amarela [1989]. 68 Monteiro – idem., min. 38.

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reencontra-se em si, ao mesmo tempo que opera a transformação da matéria em

substância.

Os limites da linguagem de cada um, são os limites do mundo de cada qual69, pela

linguagem entramos imediatamente em relação com o ser que nos constitui como lugar

da sua manifestação. Mas apenas se a palavra é ela própria pronunciada segundo o seu

lugar de origem, revelando deste modo, nele, a dialética circular do ser e do ente.

A linguagem é o que torna a coisa presente perante nós na sua presença, a faz aparecer

e permanecer desdobrada, ultrapassa a abstração vazia do pensamento prosaico70. É a

forma suprema do pensamento que é assim atingida.

A linguagem poética dá a essência profunda da coisa. Uma coisa só é ela própria se

não se degradou e se permaneceu assunto que uma existência em comum debate. Finitude

que se manifesta. Na palavra poética, a língua nasce para a sua própria possibilidade de

dizer a verdade do ser. Na sua palavra, o pensamento pensante manifesta-se como

investigação do impronunciado da verdade do ser. Ascender da significação vulgar e

degradada das palavras até às palavras privilegiadas. É na unidade fundamental da palavra

que a fala deixa aproximar-se o sagrado. Experimentamos o sofrimento da ausência na

linguagem, quando ela se esboroa e se recusa a indicar. Nesta fuga damo-nos conta de

que o homem pretendera impor um sentido unívoco à realidade.

O carácter misterioso pertence à estância da origem da pintura. A pintura só pode ter

começado a partir do prepotente e do inquietante, na partida do homem para o ser. Neste

pôr a caminho, a pintura, na medida em que nela o ser se torna ocorrência, foi poesia. A

pintura é a poesia original, o primeiro silêncio no mundo. Antes de qualquer palavra

escrita temos pinturas71.

A pintura demonstra uma forte tendência para o emudecimento, afirma-se à margem

de si própria; para poder subsistir, evoca-se e recupera-se incessantemente num

movimento que vai do ser já-não ao seu ainda-e-sempre. Esse ainda-e-sempre da pintura

69 JARMAN, Derek – Wittgenstein [2006], m. 44. 70 TROTIGNON, Pierre – Heidegger [1990], p. 50. 71 Como afirmado por Ker Than no artigo World's Oldest Cave Art Found—Made by Neanderthals? as

mais antigas pinturas rupestres conhecidas, encontradas na região espanhola de Málaga, são datadas com

cerca de 42.000 anos, estima-se que o mais antigo sistema de escrita, a língua Semítica, tenha cerca de

4.000 anos, cf. [Consult. 2016-10-26] disponível em

http://news.nationalgeographic.com/news/2012/06/120614-neanderthal-cave-paintings-spain-science-

pike/

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só pode ser encontrado na poesia de quem não se esquece de que fala sob o angulo de

incidência da sua existência, da sua condição «criatural». A pintura seria linguagem

tornada figura, de um ente singular; presença e evidência72.

A pintura (ou o silêncio) não é outra linguagem, é outro olhar.

A pintura não existe para fazer confissões, antes para silenciosamente se encher de

sentido. É preciso saber recebe-la: juntar o que está separado, desequilibrar para

reequilibrar. Não há vida sem transformação. Os pintores, tal como os poetas, sabem o

mundo todo, mas nem sempre têm razão. João César Monteiro era um aprendiz de poeta

que dizia: os livros não são para ler. Fazem-me companhia e dão menos trabalho que um

cão.

Não quero morrer agora sem ter consciência absoluta do que é um poema.

João César Monteiro

A arte é rara, só há arte cada vez que o ser da verdade se decide «inauguralmente». A

arte exprime a necessidade de harmonia do homem, mas também a sua necessidade de

fazer perguntas e de desconstruir para construir. É essencial continuar a transportar a

chama, mas sem o espaço de silêncio e sem a sacralização da matéria e dos gestos

(pinceladas), torna-se mais difícil acontecer a sublime mentira da arte. “Silence is of the

gods; only monkeys chatter.”73 O sagrado faz dom da palavra e vem ele próprio nessa

palavra, a palavra é advento do sagrado. A sombra profunda salva a palavra poética do

ofuscante fogo celeste. Exercício de resistência que faz o dia mais luminoso a quem está

na sombra.

72 Celan – Op. cit., p. 56. 73 Citação atribuída ao a Buster Keaton, nome artístico de Joseph Frank Keaton Jr. [1895-1966], ator e

realizador norte-americano de comédias mudas.

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2. Nota sobre a liberdade

Para quê pintar? Porque pintamos? «Porque é que isto me acontece a mim?»

Porque podemos. Pintamos porque estamos vivos, é um exercício radical de liberdade,

e apenas pintamos enquanto estiver presente a possibilidade de deixarmos de pintar.

Pintamos porque poderíamos não estar vivos. O contrário de estar vivo não é estar

morto74, é não estar vivo. Estar morto é um privilégio reservado ao ter estado vivo.

O valor mais alto é o valor da vida. Não significa que a sobrevivência seja o mais

importante, aliás, existem muitas coisas mais importantes do que a sobrevivência pela

sobrevivência. Só a permanente capacidade de mudança e de espanto para com o mundo

nos poderá fazer viver, saber em que medida merecer a vida, e não apenas existir.

Nietzsche ataca o que não é deste mundo, o do outro mundo, a ideia de que existe uma

outra existência melhor que esta. Aceita este mundo, aceita-te a ti próprio, aceita o teu

destino, ordenaria Nietzsche. Não se deve subtrair valor a este mundo. Crítica

especialmente o comportamento de manada, a falta de paixão e compromisso, algo sem

consequências morais. É este mundo e esta vida, e este mundo e esta vida apenas.

A preparação para a morte é um ato poético que permite gozar a vida sem um fim

extra-humano. A possibilidade da morte não é a morte, é a sua representação, e isso não

é degradação. Sem a possibilidade da morte, nega-se a vida. O suicídio não como força

destruidora, mas a sua possibilidade como libertação geradora, o «não-último».

A liberdade, sim … dá-me jeito, mas só para fazer qualquer coisa, senão estou-

me divinamente nas tintas. […] e se há coisa que eu não suporto é a tirania da

liberdade […] eu detesto o trabalho (lavorare stanca) e não quero nada. É verdade

que consagrei mais tempo (muitíssimo mais) a preparar o meu assassinato do que a

preparar os meus filmes. O que tem alguma piada é que continuo a achar que o meu

assassinato é, para mim, e consequentemente para o cinema, muito mais importante

do que os meus filmes. Digamos que por fidelidade a uma velha crença socrática.75

A vontade-própria é uma ilusão de ser. Livre vontade confunde causa e efeito, a maior

parte da nova vida não é refletida, a consciência é sobrevalorizada, a maior parte do que

fazemos é porque fazemos, não tem razão. Na ideia de eterno retorno de Nietzsche, a

74 Atrevemo-nos a contrariar a afirmação popularmente atribuída a Lili Caneças (1944-), uma das mais

conhecidas personalidades do jet-set em Portugal. 75 Nicolau – Op. cit., p. 26.

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questão central é se aceitamos a nossa vida - amor fati - muda-te para te tornares no que

és, não repitas o que não aceitas, aceita as tuas limitações.

Uma filosofia de virtude ou de carácter, como defende Nietzsche, não é definida por

regras, princípios de bom comportamento, amor, medo ou Deus. É-o sim pelo bom

carácter, sem falsas dicotomias. Não é por se fazer bem que se será recompensado. Há

que «ser-imoral». Não há razão para a vida; o valor maior. Pelo menos, não externa ao

ser. Para suportar a vida, prepara-te para a morte. Apesar do nada, a pintura!

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Finalmente

Devido a esta dissertação escrita, existem menos três, talvez mesmo quatro, quadros

nossos de média dimensão. Por isso nunca nos perdoaremos. Não teria sido melhor ter

ficado calado?

O primeiro significado que aprendemos ao começar esta dissertação foi o do adjetivo

«gongórico76», aplicado com acutilância ao nosso escrever. É fácil viver com isso, difícil

é alterar essa bengala da escrita. O cultismo asperamente manifesto, não é fruto da

vaidade, diz algo; que sabemos pouco daquilo que dizemos, é uma defesa de um pintor

inseguro da sua escrita. Não procuramos com o exercício desta dissertação de todo

eliminá-lo, apenas conseguir que não possua o autor destes parágrafos dados a ler, mas

apenas que deles faça parte.

Há algo que não cedemos, condição fundamental à proposta de algo novo: da

arrogância. Tal como a cor que revela as suas propriedades duplas depois de sofrer a ação

corante: o branco é doce no ouvido, o vermelho é áspero na boca. Nestas linhas as cores

e as formas juntam-se nas suas qualidades de aroma. Sempre dupla, sempre singular,

qualidade de fronteira, nossa e estranha. Em pintura, interessam-nos perguntas que não

podem ser feitas.

Os sentidos estão intimamente ligados/dependentes da forma como a pintura é feita,

pintura é pintura, não é palavras descritivas do artista, do sítio em que foi feita ou da sua

precedência, dos seus donos anteriores. A pintura tem a sua própria lógica, sentido,

mesmo antes de se ver uma pintura. Para um artista, uma pintura não é só a soma das

ideias, mas também, a sabedoria corporal, a memória distorcida das pinceladas, dos

cheiros, das misturas e diluições, dos escorrimentos, etc. uma memória material da pintura

que é negligenciada, em oposição ao que se pode dizer sobre pintura, não em pintura.

Destas passadas linhas nervosas, pouco posso reclamar como autoria, apenas a

genuína satisfação do entendimento. O enamoramento das ideias apontadas, mantém viva

a paixão, vela que arde à chuva, que conserva em aberto a possibilidade de dar ao

pensamento uma nova partida; a das mais profundas violências. Por motivo deste golpe

76 Relativo a Luís de Gôngora ou Luis de Góngora y Argote (1561-1627), poeta espanhol.

"gongórico", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [2013],

[consultado em 02-02-2016] http://www.priberam.pt/dlpo/gong%C3%B3rico

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de força, o céu esvazia-se, as estrelas extinguem-se, a terra obscurece e o homem perde

sentido. Somos apenas vítimas ou participantes ativos? Temos de atravessar o deserto,

não há trilho que o contorne.

Apenas como fenómeno estético o mundo é justificado. Como apontou Heidegger:

chegamos demasiado tarde para ouvir os deuses gregos, demasiado cedo para apreender

o novo Deus cantado por Hölderlin. Homens do intermédio, o nosso destino situa-se entre

o que desaparece e o que se anuncia. A pintura transforma-se num ato de resistência

contra o fluxo competitivo de produção e inovação tecnológica e é a expressão física de

um universo interior e do imaginário particular de cada artista. É uma resistência

melancólica. Entre o passado e o presente, reflete vários tempos e espaços, mas

principalmente, um tempo e um espaço utópico: o tempo e o espaço interior do seu autor.

A escuta da verdade do ser é resposta silenciosa ao apelo do ser. Esta resposta silenciosa

encontramo-la na pintura.

Estes desapontamentos não serão os finais.

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Índice de imagens

Fig. p. 11 – Nuno Paixão, gorgias.one.sixteen, 2016, óleo sobre tela, 120x100 cm

Fig. p. 12 – Nuno Paixão, gorgias.two.sixteen, 2016, óleo sobre tela, 120x100 cm

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Fig. p. 13 – Nuno Paixão, gorgias.three.sixteen, 2016, óleo sobre tela, 120x100 cm

Fig. p. 14 – Nuno Paixão, gorgias.four.sixteen, 2016, óleo sobre tela, 120x100 cm

Fig. p. 15 – Nuno Paixão, manes.one.sixteen, 2016, óleo sobre tela, 57x36 cm

Fig. p. 16 – Nuno Paixão, sem título, 2015, óleo sobre tela, 42x29 cm

Fig. p. 17 – Nuno Paixão, gorgias.five.sixteen, 2016, óleo sobre tela, 43x29 cm

Fig. p. 18 – Nuno Paixão, sem título, 2016, óleo sobre tela, 50x40 cm

Fig. p. 19 – Nuno Paixão, sem título, 2016, óleo sobre tela, 100x100 cm

Fig. p. 20 – Nuno Paixão, manes.two.sixteen, 2016, óleo sobre tela, 70x90 cm

Fig. p. 21 – Nuno Paixão, sem título, 2016, óleo sobre tela, 70x70 cm

Fig. p. 22 – Nuno Paixão, sem título, 2016, óleo sobre tela, 70x70 cm

Fig. p. 23 – Nuno Paixão, gorgias.three.sixteen (Encomium of Helen), 2016, óleo sobre tela,

70x70 cm