trilhas no parque estadual do rio doce-mg: uma reflexÃo sobre a interpretaÇÃo ambiental como...

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TRILHAS NO PARQUE ESTADUAL DO RIO DOCE-MG: UMA REFLEXÃO SOBRE A INTERPRETAÇÃO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE MANEJO EM ÁREAS PROTEGIDAS. Francisco Neves Carvalho – IBAMA – [email protected] – 031 3299 0831 Gabriel Azevedo Carvalho – autônomo – [email protected] - 031 3282 2683 Valéria Amorim do Carmo – UFMG – [email protected] – 031 3499 5432 Vitor Marcos.Aguiar de Moura – autônomo – [email protected] – 031 3285 1734 Eixo temático – o homem: trilhas interpretativas e educação ambiental Introdução Apesar de existir um grande esforço, por parte dos gerentes das Unidades de Conservação - UCs para que seja feito, junto aos visitantes, um trabalho de sensibilização para a importância da conservação dos recursos naturais, o que se constata é que os visitantes procuram a maioria das unidades, principalmente os Parques, tendo o lazer e a recreação como seus objetivos mais importantes. Além disso, a visitação na maioria de nossos Parques é ainda bastante incipiente, tanto em número de pessoas, quanto ao que se oferece a esses visitantes. Essa realidade aponta para a necessidade de desenvolver programas voltados não só para estimular a visitação às Unidades de Conservação, mas também para que o visitante ao deixar um Parque, por exemplo, leve algo mais do que boas recordações. É fundamental que ele conheça a importância do que, naquele local, se procura preservar ou conservar. Não só isso! É preciso cativar os visitantes, mostrar-lhes que os ambientes e as espécies ali protegidos, os objetos e documentos que fazem parte do acervo de uma exposição, podem ter uma estreita relação com o seu dia-a-dia e, com isso, fazer com que os mesmos se tornem aliados daqueles que têm a responsabilidade de proteger os patrimônios natural, histórico e cultural das Unidades de Conservação. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, instituído pela Lei Federal 9.985/2000, estabelece como um dos objetivos para a categoria Parque: “favorecer condições e promover a educação e a Interpretação Ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico”. Esse é, portanto, o desafio posto: conciliar as expectativas do visitante com o que propõe o SNUC.

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Page 1: TRILHAS NO PARQUE ESTADUAL DO RIO DOCE-MG: UMA REFLEXÃO SOBRE A INTERPRETAÇÃO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE MANEJO EM ÁREA

TRILHAS NO PARQUE ESTADUAL DO RIO DOCE-MG: UMA REFLEXÃO SOBRE A INTERPRETAÇÃO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE

MANEJO EM ÁREAS PROTEGIDAS.

Francisco Neves Carvalho – IBAMA – [email protected] – 031

3299 0831

Gabriel Azevedo Carvalho – autônomo – [email protected] - 031 3282 2683

Valéria Amorim do Carmo – UFMG – [email protected] – 031 3499 5432

Vitor Marcos.Aguiar de Moura – autônomo – [email protected] – 031 3285 1734

Eixo temático – o homem: trilhas interpretativas e educação ambiental

Introdução Apesar de existir um grande esforço, por parte dos gerentes das Unidades de

Conservação - UCs para que seja feito, junto aos visitantes, um trabalho de sensibilização

para a importância da conservação dos recursos naturais, o que se constata é que os

visitantes procuram a maioria das unidades, principalmente os Parques, tendo o lazer e a

recreação como seus objetivos mais importantes. Além disso, a visitação na maioria de

nossos Parques é ainda bastante incipiente, tanto em número de pessoas, quanto ao que

se oferece a esses visitantes.

Essa realidade aponta para a necessidade de desenvolver programas voltados

não só para estimular a visitação às Unidades de Conservação, mas também para que o

visitante ao deixar um Parque, por exemplo, leve algo mais do que boas recordações. É

fundamental que ele conheça a importância do que, naquele local, se procura preservar

ou conservar. Não só isso! É preciso cativar os visitantes, mostrar-lhes que os ambientes

e as espécies ali protegidos, os objetos e documentos que fazem parte do acervo de uma

exposição, podem ter uma estreita relação com o seu dia-a-dia e, com isso, fazer com

que os mesmos se tornem aliados daqueles que têm a responsabilidade de proteger os

patrimônios natural, histórico e cultural das Unidades de Conservação.

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, instituído

pela Lei Federal 9.985/2000, estabelece como um dos objetivos para a categoria Parque:

“favorecer condições e promover a educação e a Interpretação Ambiental, a recreação em

contato com a natureza e o turismo ecológico”. Esse é, portanto, o desafio posto: conciliar

as expectativas do visitante com o que propõe o SNUC.

Page 2: TRILHAS NO PARQUE ESTADUAL DO RIO DOCE-MG: UMA REFLEXÃO SOBRE A INTERPRETAÇÃO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE MANEJO EM ÁREA

Um dos instrumentos que pode proporcionar os meios para se alcançar essa meta

é a Interpretação e também, a Recreação Ambiental. Seus objetivos principais residem

em buscar, através da motivação dos visitantes, o despertar para a formação de uma

consciência mais sensível, tanto em relação aos problemas ambientais, quanto aos

culturais e históricos.

Para isso, a Interpretação dispõe de técnicas que têm como vantagem, serem

desenvolvidas de forma prazerosa e descontraída, características importantes em se

tratando de atividades que serão desenvolvidas em lugares onde o visitante busca a

informalidade, o descanso e o lazer como é o caso de um Parque.

Dentre as atividades oferecidas aos visitantes, dentro de um Parque, destaca-se a

caminhada. Na maior parte das vezes, elas possuem um caráter muito mais recreativo do

que propriamente educativo. Entretanto, caminhadas em trilhas são atividades com

potencial para propiciar aos seus usuários, além do lazer e entretenimento, um maior

conhecimento sobre o caminho percorrido. A Interpretação e a Recreação Ambientais,

quando aplicadas em trilhas, por exemplo, podem promover uma melhoria da qualidade

da visitação, uma vez que estando mais sensibilizado para as causas conservacionistas,

o público irá proceder, durante sua permanência na Unidade, de uma maneira mais

responsável no que diz respeito à proteção dos recursos ambientais ali existentes.

As caminhadas, portanto, deixaram de ser apenas objetos de lazer para se

tornarem, também, “ferramentas” de fundamental importância para auxiliar na gestão das

Unidades de Conservação.

Objetivo O presente artigo tem como objetivo fazer uma reflexão com base na revisão de

conceitos e no planejamento técnico executivo, enfatizando os aspectos ligados à

Interpretação e Recreação Ambientais em áreas protegidas, especialmente em Unidades

de Conservação.

Metodologia

Este trabalho resulta de vários anos de observação e análise, principalmente em função

de pesquisas realizadas durante a execução do Projeto Doces Matas1, no que se refere

1 O Projeto Doces Matas foi um projeto de cooperação técnica Brasil/Alemanha, desenvolvido em parceria com Instituto Estadual de Florestas - IEF, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis –IBAMA/Superintendência de Minas Gerais, a Fundação Biodiversitas e a Agência Alemã de Cooperação Técnica –GTZ.

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às atividades oferecidas aos visitantes de nossas Unidades de Conservação. A

metodologia aplicada pode ser sintetizada da seguinte forma:

1 - Identificação de trabalhos de Interpretação Ambiental.

Dentro do Grupo Temático de Interpretação Ambiental foram realizados por parte dos

autores deste artigo, levantamentos em Unidades de Conservação mineiras, de Santa

Catarina, Bahia, Costa Rica e Chile com o objetivo de diagnosticar o "estado da arte" da

Interpretação Ambiental, dentro das Unidades de Conservação. Esses lugares foram

escolhidos a partir de um levantamento prévio sobre unidades que adotam a prática da

Interpretação Ambiental com seus visitantes.

2 - Análise sobre o Uso Público em Unidades de Conservação.

Além das atividades de Interpretação Ambiental propriamente, buscou-se conhecer de

uma maneira mais geral, alguns aspectos relacionados ao Uso Público como: a natureza

das atividades oferecidas na Unidade (caminhadas, contemplações, passeios náuticos,

dentre outros), a análise do perfil dos visitantes e o seu comportamento durante a estada

na Unidade (deposição do lixo, cuidados com os recursos ambientais, principalmente em

relação à fauna e flora, e com o patrimônio material), além da expectativa e demandas em

relação à visita.

3 - Consolidação e divulgação da Interpretação e da Recreação Ambientais.

A vivência com as temáticas de Interpretação e Recreação Ambientais proporcionadas

pelas etapas anteriores somadas à publicação de trabalhos como o “Manual de

Introdução à Interpretação Ambiental”, “Recomendações para Planejamento de Uso

Público em Unidades de Conservação”, “Brincando e Aprendendo com a Mata”, criou

condições para que alguns dos autores deste artigo, passassem a divulgar a

Interpretação e a Recreação Ambientais. Dentre os meios utilizados destacam-se: as

palestras; a publicação e apresentação de trabalhos em Congressos; a inserção da

disciplina de Interpretação Ambiental na grade curricular de cursos de graduação em

Geografia e Turismo da Universidade Federal de Minas Gerais; a elaboração de planos e

projetos de Uso Público para UCs, enfatizando a Interpretação e a Recreação Ambientais;

e a elaboração de projetos específicos de trilhas e outras atividades em Unidades de

Conservação, incluindo a Interpretação e a Recreação Ambiental.

4 - Revisão de Conceitos e Reflexão sobre a necessidade do planejamento das atividades

de Interpretação e Recreação Ambientais.

Contou em sua estrutura com alguns grupos temáticos, como o de Planos de Manejo, Ecoturismo, Interpretação Ambiental e Práticas Ambientais Sustentáveis.

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A partir da experiência acumulada e da elaboração de projetos para seis trilhas do

Parque Estadual do Rio Doce – MG, realizado para o Instituto Estadual de Florestas de

Minas Gerais / Projeto de Proteção da Mata Atlântica – PROMATA, os autores realizaram

a reflexão acima assinalada, resultando no presente artigo.

Resultados/Discussão Para descrever a reflexão proposta por este artigo, inicialmente relata-se uma

breve revisão dos conceitos de Interpretação e Recreação Ambientais, seguida de uma

apresentação das principais diretrizes que devem nortear o planejamento das atividades

interpretativas e recreativas dentro das Unidades de Conservação. Finalmente apresenta-

se uma síntese dos principais aspectos dos projetos de seis trilhas elaborados para o

Parque Estadual do Rio Doce, em Minas Gerais.

a) Revisão de conceitos

Tilden, em 1957, formulou o que se conhece como o primeiro conceito de

Interpretação: uma atividade educativa, que se propõe revelar significados e inter-

relações por meio do uso de objetos originais, do contato direto com o recurso e de meios

ilustrativos, em vez de simplesmente comunicar informação literal (TILDEN, 1977:8)

Embora claro para aqueles que vivenciavam a Interpretação do Patrimônio,

especialmente nos Estados Unidos da América, país de origem do autor desse conceito, a

Interpretação para ser entendida de forma mais completa, necessitava apoiar-se em

entendimentos complementares, mormente, aqueles que se referem aos seus princípios,

que também foram estabelecidos, na mesma ocasião, por Tilden.

Esses princípios, em número de seis, são:

Princípio 1 -Qualquer Interpretação que não relaciona, de alguma forma, o que

se está exibindo ou descrevendo, com algo da personalidade ou experiência do visitante

será estéril.

Princípio 2 - A informação, como tal, não é Interpretação. Elas se diferenciam,

sendo que a Interpretação utiliza revelações baseadas em informação. Toda

Interpretação, portanto, inclui informação. Mas isso não significa que só informação seja

Interpretação.

Princípio 3 - A Interpretação é uma arte que combina com muitas outras artes;

independente dos materiais apresentados serem científicos, históricos ou arquitetônicos.

Como arte, é possível, de alguma forma, ser ensinada.

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Princípio 4 - O propósito principal da Interpretação não é a instrução, o ensino,

mas sim, a provocação para estimular a curiosidade e o interesse do visitante.

Princípio 5 -A Interpretação dirigida às crianças não deve ser um

desmembramento da apresentação para adultos, mas, sim, ter uma abordagem

fundamentalmente diferente. Neste caso, o melhor é dispor de programas separados e

específicos.

Princípio 6 - A Interpretação deve apresentar os fatos na sua totalidade,

evitando a fragmentação. Ou seja, eles não devem ser tratados de uma forma isolada e

sem suas respectivas inter-relações no contexto.

São esses seis princípios que permitem caracterizar a Interpretação como

atividade, significativa, prazerosa, diferenciada, organizada e sobretudo, temática2 .

Mais tarde, outros princípios foram agregados a esses seis, tanto por Tilden,

quanto por outros autores. Alguns desses, por sua vez, formularam também novos

conceitos sobre a Interpretação. Dentre eles são aqui destacados:

(...) a Interpretação Ambiental envolve a tradução da linguagem técnica de uma ciência natural, ou outro campo relacionado, em termos e idéias, para que as pessoas em geral, não cientistas, possam facilmente compreender. E isto implica fazê-lo de uma maneira divertida e interessante para essas pessoas. (HAM, 1992:3)

(...) a Interpretação Ambiental é uma técnica didática, flexível moldável às mais diversas situações, que busca esclarecer os fenômenos da natureza, para determinado público-alvo, em linguagem adequada acessível, utilizando os mais variados meios auxiliares para tal. (PAGANI et al, 1998:154)

No Brasil, não obstante a Interpretação ser um tema que se discute há algumas

décadas, observa-se que há uma lacuna na literatura técnica disponível sobre o assunto.

São poucas as publicações nacionais que tratam da Interpretação do ponto de vista

teórico.

Se os exemplos teóricos são poucos, os práticos são ainda mais rarefeitos. Em

alguns locais, atividades oferecidas a um determinado público, especialmente aquelas

realizadas em trilhas, são muitas vezes classificadas como interpretativas, quando na

verdade, tratam mais de recreação do que propriamente interpretação.

É comum encontrarem-se trilhas que apresentam aos seus usuários placas com

informações, ou mesmo falas de um guia, que transmitem apenas fatos pontuais e

2 Em Interpretação o tema é representado por uma mensagem, expressa por uma oração completa.

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mesmo que essas sejam agradáveis e bem formuladas não podem concorrer para que a

atividade seja classificada como interpretativa, pois lhes faltam as características mais

marcantes da Interpretação: temáticas e organizadas. São, portanto, atividades que

devem ser classificadas como recreativas e não interpretativas.

Essa constatação gerou uma certa inquietação em relação à aplicação da teoria

da Interpretação, no Brasil. Observou-se que o entendimento do que é Interpretação,

muitas vezes é prejudicado em função do desconhecimento de tudo aquilo que contribuiu

para a formulação dos conceitos de Interpretação, ou seja, dos seus princípios.

É importante, dessa forma, que os conceitos de Interpretação sejam internalizados

de forma inseparável de seus princípios e ainda que se diferencie a Interpretação, da

Recreação. Essa última também deve ser diferenciada da recreação física, onde o

esforço físico é o principal valor agregado. A Recreação Ambiental é considerada como

uma “atividade lúdica, educativa e recreativa, que tem como objetivo principal transmitir

conhecimentos sobre os recursos naturais e seus processos biológicos, levando em conta

as intervenções antrópicas." (PROJETO DOCES MATAS, 2005).

Ambas, Interpretação e Recreação, podem e devem ser utilizadas como

instrumentos de sensibilização daqueles que as utilizam. Em muitos casos a segunda

pode representar, inclusive, um meio interpretativo a ser considerado no projeto de

Interpretação.

Em resumo, entendem os autores, que a Interpretação e a Recreação Ambientais

devem ser apresentadas com suas características mais marcantes de modo a diferenciá-

las.

b)Planejamento de atividades interpretativas e recreativas.

De um modo geral as atividades de Interpretação e de Recreação são aplicadas

em áreas protegidas e nessas, em sua maior parte, nas Unidades de Conservação3. De

acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação de Natureza – SNUC,

todas as Unidades devem dispor de um Plano de Manejo, que é entendido como um

“documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma Unidade de Conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da Unidade” (Ibama, 2002).

3 Unidade de Conservação é o espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais

relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração,

ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.

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Os planejamentos para as Unidades de Conservação (planos de manejo), de

acordo com a metodologia4 utilizada pelo Ibama, são elaborados com base em Áreas de

Atuação5, enquadrando-se as atividades propostas em Programas Temáticos. São esses

programas temáticos, por sua vez, que podem incluir as atividades de Interpretação e

Recreação.

Essas atividades, normalmente incluídas nos planos de manejo em programas

temáticos de visitação, educação ou uso público, têm a grande finalidade de sensibilizar

os usuários levando-os a entender os propósitos de criação da Unidade de Conservação

visitada.

No entanto, sabe-se que essa base teórica nem sempre é aplicada nas Unidades

de Conservação de nosso país, como pode se constatar quando se observa a natureza

de grande parte das atividades oferecidas. Em algumas dessas atividades que envolvem

a prática de recreação física, embora sejam agregados alguns valores sobre a proteção

ambiental, falta-lhe algo mais que, no entendimento dos autores, poderá permitir uma

maior sensibilização dos visitantes.

Esse algo mais refere-se à Interpretação e à Recreação Ambientais que, se bem

aplicadas, podem se constituir em importantes instrumentos de manejo nas áreas

protegidas. Para que isso possa acontecer há que se planejar essas atividades com maior

embasamento técnico, cujo fundamento, entendem os autores, deve residir,

especialmente, na observância aos conceitos estabelecidos para essas matérias, assim

como no cuidado em se propiciar uma maior diversidade possível das ações a serem

propostas.

No planejamento global de uma Unidade de Conservação, propõem-se as ações

para os diversos programas temáticos com base no zoneamento da unidade e levando

em conta, ainda, os objetivos gerais e específicos dessa área protegida.

Da mesma forma, ao se pensar no planejamento da Interpretação e Recreação

Ambientais é preciso considerar esses mesmos aspectos (objetivos e zoneamento da

Unidade) e é precisamente nesse ponto que se destaca a importância da diversidade das

ações a serem planejadas.

Essa diversidade é que propiciará ao visitante um claro entendimento de tudo

aquilo que se protege naquela unidade, assim como seus objetivos e a razão de ter sido 4 Roteiro Metodológico de Planejamento – Parque Nacional -Reserva Biológica –Estação Ecológica

5 Áreas de Atuação são espaços específicos que visam o gerenciamento da unidade de conservação, estabelecendo, tanto em seu interior

quanto em seu exterior (zona de amortecimento e região) áreas estratégicas, as ações a serem desenvolvidas em cada uma destas áreas,

organizando seu planejamento segundo programas temáticos (Ibama, 2002)

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criada. Resumindo, faz-se necessário planejar e posteriormente elaborar projetos

específicos, cujos objetivos sejam sensibilizar os visitantes para os vários aspectos da

conservação da unidade incluindo todos os elementos protegidos: flora, fauna, águas,

paisagens, histórico-cultural, etc.

Em atividades diferentes (caminhadas, observações de animais, passeios

náuticos, observações de paisagens, etc.), portanto, deve-se enfocar um ou mais tópicos6

(aves , floresta, a importância das águas, o modo de vida dos povos antigos, etc.) para

que o visitante ao término de sua visita possa entender como já mencionado, a razão da

criação daquela unidade.

No planejamento devem se buscar ainda, formas de propiciar aos visitantes

alternativas quanto à realização das atividades propostas. Ou seja, salvo riscos para o

visitante ou o ambiente, as atividades não devem ser oferecidas somente de uma forma

como, por exemplo, guiadas. Há que se respeitar aqueles que desejam andar sozinhos

por trilhas e outros espaços. Da mesma maneira deve-se diversificar quanto à utilização

da Interpretação ou mesmo da Recreação. Daí a diversidade a ser planejada: guiada,

autoguiada, interpretativa e/ou recreativa. O importante é que sejam agregados valores da

proteção ambiental à cada uma das atividades propostas.

Ainda quanto à diversidade é importante destacar a que se refere ao público-alvo.

Os visitantes de nossas unidades devem merecer atividades preparadas especificamente

para o segmento ao qual pertencem: crianças, adultos, cientistas, pessoas com

deficiência, etc. O conteúdo, a linguagem, o local e modo de realizar essas atividades

devem ser cuidadosamente planejados com a finalidade de evitar constrangimentos ao

grupo com o qual se trabalha.

A diversidade do planejamento pode ser graficamente resumida na figura abaixo

(FIG.1) transcrita da publicação, ”Recomendações para Planejamento de Uso Público em

Unidades de Conservação”, do Projeto Doces Matas.

6 Em Interpretação, tópico é o assunto que se trata.

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Figura 1- Características do Plano de Uso Público, quanto à diversificação das atividades

ATIVIDADE A

A1 - G UIADA INTER PR ETATI VA

A2 - G UIADA NÃO INTERPRETAT IVA

A3 - A U T O G U I A D A INTERPRETATIVA

TIPO FORMA PÚBLICO-ALVO

A1 - CRIANÇAS

A2 - ESTUDANTES

A3 - ADULTOSPressupõe vários

tipos: caminhadas, passeios náuticos,

observação de animais,

contemplações, etc...

As atividades propostas devem conectar-se entre si, no sentido de propiciarem a seus usuários um entendimento sobre o maior propósito da Unidade, a conservação dos recursos

ambientais.

COMPLEMENTARIDADE

c) Os Projetos elaborados para o Parque Estadual do Rio Doce.

O Parque Estadual do Rio Doce7, através de seu Plano de Uso Público, propõe

várias caminhadas, distribuídas em alguns pontos do Parque, porém mais concentradas

na Zona de Uso Intensivo, local mais visitado pelos turistas e onde se situa a Lagoa do

Bispo, principal atrativo do Parque. Dessas caminhadas, atualmente, apenas uma delas é

oferecida ao público visitante, de forma sistematizada. O Programa de Proteção da Mata

Atlântica – PROMATA, originado de acordo de cooperação com o Governo da Alemanha

e concebido para ajudar a desenvolver as Unidades de Conservação que integram a Mata

Atlântica no Estado de Minas Gerais, inclui entre essas Unidades o Parque Estadual do

Rio Doce. Com vistas a implementar a atividade turística nesse Parque, o PROMATA, se

propôs a promover a execução de algumas trilhas, daquelas que estão previstas no Plano

de Uso Público. No total são seis trilhas, cujos projetos foram elaborados pelos autores e

concebidas com o objetivo de ampliar a diversidade de roteiros e de públicos

diferenciados, ao mesmo tempo em que se procurou, também, proporcionar ao Parque

7 Localiza-se na Região Leste do Estado de Minas Gerais, mais precisamente no Vale do Aço, abrangendo terras dos municípios de

Marliéria, Timóteo e Dionísio.

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uma melhor adequação das atividades de Uso Público, em especial as que se referem a

caminhadas.

No quadro abaixo (FIG.2), de forma resumida, são apresentadas as principais

características das trilhas, observando-se que entre elas há uma complementaridade em

relação ao que de mais importante se tem para apresentar quanto à conservação dos

recursos ambientais do Parque. É também destacada a diversidade dessas atividades

representada pelas várias maneiras de se realizar a atividade de caminhada: guiada e/ou

autoguiada, interpretativa ou não. Outro ponto importante é a diferenciação: oferta de

atividades para vários públicos-alvo.

Figura 2 – Principais características das trilhas propostas para o Parque Estadual do Rio

Doce

Nome da Trilha

Modalidade Objetivos Tópicos a Desenvolver

Públicos-alvo

Inte

rpre

tativ

a

Trilha para Crianças

Guiada e autoguiada

• Sensibilizar as crianças para a necessidade de se cuidar dos animais;

• Dar a conhecer algumas das espécies da fauna, existentes no Parque, e seus hábitos;

• Sensibilizar as crianças para a necessidade de um comportamento diferenciado dentro de áreas protegidas.

Os cuidados com os habitantes da mata

Crianças

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Nome da Trilha

Modalidade Objetivos Tópicos a Desenvolver

Públicos-alvo

Inte

rpre

tativ

a

Trilha do Vinhático

Guiada • Sensibilizar os visitantes para as interdependências e relações entre os elementos da floresta, principalmente árvores e animais e ainda, mostrar o seu papel na recomposição da mata após o incêndio;

• Propiciar aos visitantes uma vivência na mata;

• Explorar o uso dos sentidos (paladar, visão e tato);

• Dar a conhecer algumas espécies botânicas da mata do Parque.

A interdependência entre os seres da floresta; A mata depois do incêndio

Adulto e Jovem

Inte

rpre

tativ

a

Trilha do Pescador

Autoguiada • Sensibilizar os visitantes para a importância da mata ciliar;

• Possibilitar a contemplação de paisagens da Lagoa do Bispo;

• Dar a conhecer um pouco da história da pescaria no Parque;

• Mostrar os efeitos do Incêndio de 1967, na área de mata dessa trilha;

• Convidar o visitante a conhecer o Centro de Visitantes e outros atrativos da Unidade.

A importância da mata ciliar; a pescaria

Comum a vários públicos-alvo

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Nome da Trilha

Modalidade Objetivos Tópicos a Desenvolver

Públicos-alvo

Não

Inte

rpre

tativ

a

Trilha da Campolina

Guiada • Transmitir conhecimentos através de processos pedagógicos sobre a dinâmica da floresta;

• Possibilitar aos visitantes uma vivência na mata;

• Sensibilizar o visitante para a importância da mata como ecossistema e elemento de proteção dos cursos dá água.

Mata Atlântica Crianças, jovens e adultos

Não

Inte

rpre

tativ

a

Trilha da Juquita

Guiada • Propiciar aos visitantes uma vivência na mata;

• Dar a conhecer algumas características da Mata Atlântica e os problemas que vem enfrentando;

• Possibilitar a contemplação de paisagens da Lagoinha e da Lagoa Juquita;

• Propiciar a possibilidade de uma atividade física mais intensa representada por arvorismo8 de baixo impacto e caminhada de percurso mais extenso

Uma aventura na mata

Adulto e Jovem

8 Esporte que conta com cabos e cordas para que o usuário possa atingir as copas das árvores, assim como deslocar-se entre uma árvore e

outra.

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Nome da Trilha

Modalidade Objetivos Tópicos a Desenvolver

Públicos-alvo

Não

Inte

rpre

tativ

a

Trilha do Angico Vermelho

Guiada • Transmitir conhecimentos através de princípios pedagógicos e recreativos, sobre os processos biológicos que envolvem a mata, os solos, etc.;

• Possibilitar a contemplação de paisagens da Lagoa do Bispo;

• Oferecer atividades recreativas.

Floresta, solos e árvore

Adulto e crianças

Conclusões Após as reflexões apresentadas, pode-se chegar a algumas conclusões:

1 - A Interpretação Ambiental deve ser aplicada em nossas Unidades de Conservação

como um instrumento de manejo, objetivando a sensibilização dos visitantes para o

entendimento dos propósitos que levaram uma UC a ser criada.

2 - A Recreação Ambiental deve ser diferenciada da Interpretação podendo, entretanto, a

primeira ser utilizada como meio interpretativo da segunda.

3 - A Interpretação e a Recreação devem ser planejadas com base nos objetivos gerais e

específicos da Unidade de Conservação, levando-se em conta ainda o zoneamento dessa

Unidade.

4 - O Planejamento das atividades de Interpretação e Recreação Ambientais, assim como

a elaboração dos projetos específicos, deve considerar a maior diversidade possível em

relação ao: tipo de atividade (caminhadas, observações, etc); forma como é realizada

(guiada, autoguiada, interpretativa ou não, recreativa, etc); e público-alvo ao qual se dirige

(adultos, crianças, pessoas com deficiência,etc)

Bibliografia citada BRASIL. Lei 9.985, de 18 de julho de 2000. Dispõe sobre o sistema nacional de

unidades de conservação da natureza.

CARVALHO et al. Manual de Introdução à Interpretação Ambiental. Belo Horizonte.

2002. 108p

Page 14: TRILHAS NO PARQUE ESTADUAL DO RIO DOCE-MG: UMA REFLEXÃO SOBRE A INTERPRETAÇÃO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE MANEJO EM ÁREA

HAM, S. H. Environmental Interpretation: a practical guide for people with big ideas and small budgets. Colorado: North American Press. 1992.456p

IBAMA. Roteiro Metodológico de Planejamento – Parque Nacional, Reserva Biológica, Estação Ecológica. Brasília:2002. 135p PAGANI, F et alli. As Trilhas Interpretativas da Natureza e o Ecoturismo. In: Vasconcelos,

F. P. (org.) Turismo e meio ambiente. Fortaleza: FUNECE, 1998. 151 a 163 P.

PROJETO DOCES MATAS. Recomendações para planejamento de uso público em unidades de conservação. Belo Horizonte. 2005. 36 p.

PROJETO DOCES MATAS. Brincando e aprendendo com a mata: manual para

excursões guiadas. Belo Horizonte. 2002. 407p

TILDEN, F. Interpreting our heritage. 3ª edition. North Carolina: The University of North

Carolina Press. 1977. 117p.

Agradecimentos Os autores agradecem aos coordenadores, técnicos e demais integrantes do Programa

de Proteção da Mata Atlântica – PROMATA, pelo apoio e disponibilidade das informações

necessárias à elaboração do presente artigo.