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TRIBUTAO E COOPERAO INTERNACIONAL Notas a Propsito do 11 Encontro do Grupo ad hoc de Peritos em Cooperao Internacional em Questes Tributrias da Organizao das Naes Unidas Lus Eduardo Schoueri* I. Introduo No perodo de 15 a 19 de dezembro de 2003 ocorreu, em Genebra, o 11 encontro do Grupo ad hoc de Peritos em Cooperao Internacional em Questes Tributrias, no mbito da Organizao das Naes Unidas (Group of Experts). Ao relatar as discusses travadas naquela semana, objetiva-se contribuir para a atualizao do debate doutrinrio ptrio, o que no se pode omitir, diante das conseqncias internacionais das medidas tributrias tomadas internamente ou em outras praias. II. Antecedentes Para que se compreenda o teor dos debates que aqui se relataro, mister que se apresente, antes, o contexto em que surgiu o Group of Experts e a evoluo deste at a formao atual. O Group of Experts encontra sua origem remota em trabalhos da Sociedade das Naes, na segunda dcada do sculo XX. Especialmente, faz-se referncia a um memorando, de 15 de janeiro de 1921, elaborado por Sir Basil P. Blackett, K.C.B., a pedido da Seo Financeira da Comisso Econmica e Financeira daquela organizao. No memorando, que versava sobre a superposio de impostos no imprio britnico, diz-se que se produz a bitributao sempre que um pas recebe o imposto por ali estar a fonte de riqueza, enquanto outro pas, por a pessoa estar domiciliada em seu territrio. Assim, expe a situao do imprio britnico e indica a postura dos domnios que queriam evitar a bitributao1. Ainda em 1921, quatro peritos em finanas pblicas Bruins (Holanda), Einaudi (Itlia), Seligman (E.U.A.) e Stamp (Gr Bretanha) foram encarregados pelo Comit Financeiro da Sociedade das Naes de apresentar um relatrio sobre os problemas econmicos concernentes ao fenmeno da bitributao e s possveis solues para a sua eliminao. Em 1922, o mesmo Comit encarregou do estudo da bitributao e evaso fiscal de um ponto de vista administrativo e prtico um grupo composto por altos funcionrios das administraes fiscais da Blgica, Frana, Itlia, Holanda, Reino Unido, Sua e Checoslovquia. O relatrio dos economistas foi concludo em 1923, e os peritos tcnicos concluram seu relatrio em 1925. Entre*

Lus Eduardo Schoueri Professor Titular de Legislao Tributria na Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo, por onde Doutor e Livre-Docente. tambm Professor no programa de ps-graduao em Direito Poltico e Econmico (mestrado) da Universidade Presbiteriana Mackenzie e no curso de graduao da Escola de Administrao de Empresas de So Paulo da Fundao Getlio Vargas. vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Tributrio e da Associao Comercial de So Paulo. 1 Cf. Alegra Borrs. La Dobre Imposicion: Problemas Juridico-Internacionales. Madrid:1974. p. 110

1926 e 1927, com o auxlio de especialistas europeus e norte-americanos, o Comit elaborou quatro modelos de acordos, que tratavam, alm dos impostos diretos, do imposto de sucesses, da assistncia administrativa e da assistncia judiciria. Tais modelos foram aprovados em 1928 por representantes de 28 Estados (inclusive pases que no eram membros da Sociedade). No mesmo ano, o Conselho da Sociedade instituiu um Comit Permanente para Assuntos Fiscais, que se reuniu dez vezes, entre 1929 at 1945, publicando relatrios das suas reunies. No decurso da ltima reunio do Comit antes da Segunda Guerra, foi sugerida a reviso dos modelos de 1928, processo que foi iniciado em Haia em 1940, e concludo em 1943 na cidade do Mxico, quando surgiu a primeira reviso, que passava a consagrar os interesses dos pases menos desenvolvidos, com a aceitao da tributao no Estado da fonte. Encerrado o conflito mundial, realizou-se em Londres a 10 reunio do Comit, que adotou novo modelo de conveno. Interessante notar que, enquanto na reunio do Mxico, houve prevalncia dos pases menos desenvolvidos, implicando um modelo que privilegiava a tributao na fonte, o encontro de Londres teve maior peso dos representantes dos pases desenvolvidos, dando origem a um modelo que privilegiava a tributao pelo Estado da residncia. Um exemplo pode ser dado pelas disposies relativas a juros, royalties, rendas e penses, cuja tributao reservava-se ao Estado da residncia do titular dos rendimentos2. Embora os trabalhos da Sociedade das Naes tenham sido retomados pela Organizao das Naes Unidas (ONU), tendo a Comisso das Finanas Pblicas proposto, j em sua primeira reunio, o exame e a reviso daqueles trabalhos, havendo diversas reunies sobre o assunto, em 1954, na 18 sesso do Conselho Econmico e Social, a atividade da Comisso foi considerada desnecessria e feita cessar, sem que dali tivesse resultado qualquer reviso do modelo3. Em 1956 foi institudo o Comit Fiscal da ento denominada Organizao Europia de Cooperao Econmica (OECE), com o mandato de apresentar um novo modelo de acordo de bitributao. A OECE foi substituda, em 1961, pela Organizao de Cooperao e Desenvolvimento Econmicos (OCDE) e, em 6 de julho de 1963, o Comit Fiscal concluiu seus trabalhos com um relatrio, alm de um anexo, em que fazia constar um modelo de acordo de bitributao no qual, semelhana do modelo de Londres, prevalecia a tributao pelo Estado da residncia. O Comit Fiscal converteu-se, em 1971, no at hoje existente Comit para Assuntos Fiscais, continuando a trabalhar no referido modelo e nos comentrios a este, revisados, pela primeira vez, em 1977 (criando-se o modelo de 1977); a partir de 1991, considerando-se a constante evoluo, decidiu-se adotar um modelo em folhas soltas, com revises peridicas desde 1992. O modelo da OCDE teve uma influncia marcante nos acordos de bitributao celebrados desde a sua publicao4.2

Cf. Alegria Borrs, op. cit. (nota 1), p. 109-122; Manuel Pires . Da Dupla Tributao Jurdica Internacional sobre o Rendimento. Lisboa: Centro de Estudos Fiscais. s.d., p. 186-188; Klaus Vogel, Doppelbesteuerungsabkommen der Bundesrepublik Deutschlad auf dem Gebiet der Steuern vom Einkommen und Vermgen. Kommentar auf der Grundlage der Musterabkommen. 3 edio. Munique: C.H. Beck. 1996, p. 102-103; Victor Uckmar, . I Trattati Internazionali in Materia Tributaria. Corso di Diritto Tributario Internazionale. Victor Uckmar (coord.). 2 edio. Pdua:CEDAM. 2002, p. 84 3 Cf. Manuel Pires, op. cit. (nota 2), p. 189-191 4 Cf. Victor Uckmar, op. cit. (nota 2), p. 102-103

Com a edio e prevalncia do modelo assim desenvolvido no mbito da OCDE, firmava-se uma soluo para o tema da bitributao que, conquanto adequada para os pases em igual grau de desenvolvimento, no atendia s relaes entre pases desenvolvidos e em desenvolvimento. Com efeito, embora ambos os modelos tenham em comum a viso de que a bitributao deve ser evitada, por reduzir os fluxos de investimentos e de rendimentos entre os pases, no primeiro caso os Estados celebrantes adotam a base da reciprocidade: sendo equivalentes os fluxos financeiros entre os dois Estados, aquilo que um Estado deixou de arrecadar de um lado ser compensado por aquilo que ser auferido no fluxo inverso. Tratando-se de um acordo de bitributao entre pases desenvolvidos e em desenvolvimento, por outro lado, os fluxos financeiros so praticamente unidirecionais. Aquilo que um Estado deixa de arrecadar no ser compensado pelo fluxo inverso, j que praticamente inexistente. A idia de renncia fiscal aparece, pois, de modo muito mais evidente em tais acordos. assim que surge o debate sobre a legitimidade da tributao pelo pas da fonte, em lugar da tributao pelo Estado onde est a residncia do investidor. Admitindo-se que, de regra, o investidor encontra-se em um pas com maior grau de desenvolvimento, a tributao pelo Estado da fonte implica garantia de que os recursos da tributao fiquem com o Estado com menor grau de desenvolvimento, enquanto o princpio da residncia assegura a tributao pelo Estado onde reside o investidor, i.e., o Estado mais desenvolvido. A tributao pelo Estado da fonte, de modo exclusivo ou preponderante, foi defendida por muitos anos pelos pases em desenvolvimento relutantes em abandonar o princpio da territorialidade. Abria-se mo da possibilidade de tributar os rendimentos auferidos no exterior por seus residentes, esperando-se, por outro lado, o exerccio exclusivo da pretenso tributria sobre os rendimentos gerados localmente. Na doutrina, destacaram-se, em favor do referido princpio, autores do peso de Dino Jarach5, Nuez e Molina6 e Ramon Valdes Costa7, dentre outros. Seguindo esta tendncia, paulatinamente as legislaes tributrias daqueles pases foram, tambm elas, afastando-se da territorialidade, prevendo a tributao da renda universal. Tal, por exemplo, o caso do Brasil, com a edio da Lei n. 9.249/95, e o da Argentina, com as Leis n. 24.073 e n. 25.063. No campo doutrinrio, entretanto, a opo pelo princpio da residncia continuou recebendo crticas, devendo-se referir lio de Klaus Vogel8, o qual, valendo-se de conceitos extrados tanto da cincia das finanas (eficincia;5

Cf. Dino Jarach. Aspectos da hiptese de incidncia. in Revista de Direito Pblico. So Paulo, v. 17, n. 298, jul./ set. 1971 6 Cf. Teodoro Rinsche Nuez e Hernn Vicente Molina. De la Doble Tributacin Internacional. Santiago: Editorial Juridica de Chile. 1970. p. 29 7 Cf. Ramon Valdes Costa. Estudios de Derecho Tributario Internacional. Montevideo. 1978 8 Cf. Klaus Vogel. World-Wide vs. Source Taxatiton of Income A Review and Reevaluation of Arguments. Influence of Tax Differentials on International Competitiveness. Mc. Lure, Sinn, Musgrave et al., Kluwer, Separata, s.d. p. 117-66

neutralidade), quanto das cincias jurdicas (justia; capacidade contributiva), conclui pela tributao pelo Estado da fonte9. III A Criao do Grupo de Peritos neste contexto que se pode compreender a criao do Group of Experts: tendo a ONU concludo pela desnecessidade de reelaborao do modelo da Sociedade das Naes, e vista da assuno dos trabalhos pela OCDE, firmou-se o modelo com vis voltado adoo do princpio da residncia, que no pareceu adequado s relaes entre pases desenvolvidos e em desenvolvimento. Foi assim que o Conselho Econmico e Social da ONU (ECOSOC), aps a interrupo dos trabalhos em 1954, retomou-os depois de 13 anos, constituindo-se, em 4 de agosto de 1967, um Grupo de Peritos em Convenes Fiscais entre Pases Desenvolvidos e Pases em Desenvolvimento. Seu mandato era o de estabelecer meios de facilitar a concluso de convenes fiscais entre os pases desenvolvidos e os pases em vias de desenvolvimento, compreendida a formulao, conforme for conveniente, de diretivas e de tcnicas que possam eventualmente ser utilizadas nestas convenes fiscais e que sejam aceitveis aos dois grupos de pases e salvaguardem plenamente as receitas fiscais de uns e de outros10. Em 1973, o mandato foi9

Tambm defendendo a tributao pelo Estado da fonte, v. Heiko Meyer. Die Vermeidung Internationaler Doppel- und Minderbesteuerung auf der Grundlage des Ursprungsprinzips. Tese de doutorado na Faculdade de Cincias Econmicas e Sociais de Gotinga. Ed. Particular. Gotinga. 1970; Horst Walter Endriss. Wohnsitz- oder Ursprungsprinzip? Tese de doutorado na Faculdade de Cincias Econmicas e Sociais da Universidade de Colnia. Ed. Particular. Colnia. 1967. V. tb. as referncias a autores norte-americanos que defendem o princpio da fonte in Klaus Vogel. Neuere Befrworter des Quellenprinzips (Territorialprinzips) in den Vereinigten Staaten. Unternehmenspolitik und Internationale Besteuerung. Festschrift fr Lutz Fischer. Hans-Jochen Kleineidam (org.) Berlim: Erich Schmidt. 1999. p. 1007-1019 10 Eis o inteiro teor da Resoluo: 1273 (XLIII) Tax treaties between developed and developing countries The Economic and Social Council, Recalling General Assembly resolution 2087 (XX) of 20 December 1965 on Financing of Economic Development, Noting the report of the Committee for Programme and Co-ordination on the first part of its first session in which the Committee recognized the importance of the work in the fiscal and financial field and suggested that particular attention should be paid to the question of tax agreements between developed and developing countries, since this was an area of high priority and the usual type of international tax agreement was conceived in terms of relationships between two developed countries, Believing that there would be real advantage to all Governments of States Members of the United Nations if unilateral relief from double taxation were replaced by bilateral or multilateral agreements, Noting with interest the Secretary-Generals report prepared in response to the above-mentioned resolution which pointed out that the traditional tax conventions have not commended themselves to developing countries and conclude that it is important to search for a more appropriate treaty pattern, Confident that tax treaties between developed and developing countries can serve to promote the flow of investment useful to the economic development of the latter, especially if the treaties provide for favorable tax treatment to such investments on the part of the countries of origin, both by outright tax

ampliado, pela Resoluo 1765, para tambm estudar a aplicao das convenes fiscais em domnios tais como a imputao dos rendimentos, a fraude e a evaso fiscais internacionais e os incentivos fiscais. Reunindo-se oito vezes, entre 1969 e 1979, o Group of Experts acabou por elaborar o modelo de Conveno das Naes Unidas Relativa s Duplas Tributaes entre aqueles pases, concludo em 198011. Ainda em 1979, elaborava-se um Manual para a negociao de Convenes Bilaterais em Matria Tributria entre Pases Desenvolvidos e em Desenvolvimento. Os trabalhos assim concludos, entretanto, no satisfizeram plenamente os pases em desenvolvimento, o que pode ser explicado por terem tais trabalhos baseado-se nos trabalhos da OCDE, que haviam sido elaborados a partir do princpio da residncia. Assim, na crtica de Francisco Dornelles, o modelo da ONU apenas mitigava os efeitos daquele princpio, sem, contudo, recuslo12. Por meio da Resoluo 1980/13, o ECOSOC conferiu ao Group of Experts sua atual denominao, deixando, pois, de ser um Grupo ad hoc de Peritos em Convenes Fiscais entre Pases Desenvolvidos e Pases em Desenvolvimento, passando a ser o Grupo ad hoc de Peritos em Cooperao Internacional em Questes Tributrias. O Group of Experts atualmente composto por 25 membros, sendo 10 de pases desenvolvidos e 15 de pases em desenvolvimento. Em tais reunies, os Peritos, posto que geralmente indicados por seus governos, atuam em sua capacidade pessoal. Tambm esto ali presentes, na qualidade de observadores, representantes de outros Pases e organizaes internacionais. Na reunio de Genebra, ocorrida em 2003, convidaram-se alguns observadores no governamentais13 . Em junho de 2001 foi publicada uma reviso do modelo e comentrios aprovados em 198014. A reviso foi submetida ao Group of Experts em sua dcima reunio, ocorrida em Genebra, de 10 a 14 de setembro de 2001, e ali foi aprovada,relief and by measures which would assure to them the full benefit of any tax incentives allowed by the country of investment, Recognizing the need for assisting interested Governments of Member States in this respect, 1. Requests the Secretary-General to set up an ad hoc working group consisting of experts and tax administrators nominated by Governments, but acting in their personal capacity, both from developed and developing countries and adequately representing different regions and tax systems, with the task of exploring, in consultation with interested international agencies, ways and means for facilitating the conclusion of tax treaties between developed and developing countries, including the formulation, as appropriate, of possible guidelines and techniques for use in such tax treaties which would be acceptable to both groups of countries and would fully safeguard their respective revenue interests; 2. Further requests the Secretary-General to submit to the Council a report on the progress of the groups work after its first session. 1507th plenary meeting, 4 August 1967 11 Cf. Manuel Pires, op. cit. (nota 2), p. 193 12 Cf. Francisco Neves Dornelles. O Modelo da ONU para Eliminar a Dupla Tributao da Renda, e os Pases em Desenvolvimento. Princpios Tributrios no Direito Brasileiro e Comparado. Estudos em Homenagem a Gilberto de Ulha Canto. Rio de Janeiro: Forense. 1988. p. 195-232 (201) 13 Nesta qualidade que o autor deste relatrio participou daquele conclave. 14 Cf. United Nations Model Double Taxation Convention Between Developed and Developing Countries. United Nations. Department of Economic & Social Affairs. ST/ESA/PAD/SER.E/21. United Nations. New Youk. 2001

com a nota, entretanto, de que os trabalhos de reviso e atualizao deveriam continuar, luz de mudanas estruturais nos meios econmico, financeiro e fiscal internacionais, particularmente das modificaes atualmente em exame e propostas para certos dispositivos bsicos das convenes contra a bitributao, como resultado do impacto do comrcio eletrnico na tributao internacional15. Na mesma reunio, ainda, discutiu-se a reviso do Manual para Negociao, elaborado em 1979, mas no foi aprovado um novo texto. IV A Reunio de Dezembro de 2003 Reunindo-se o Group of Experts a cada binio, seu 11 encontro deu-se em Genebra, de 15 a 19 de dezembro de 2003. Seu programa foi assim fixado: 1. Eleio da mesa. 2. Aprovao do programa e organizao dos trabalhos. 3. Assistncia mtua para a cobrana de dvidas e protocolo relativo ao procedimento de assistncia mtua. 4. O abuso das convenes tributrias e treaty shopping. 5. Interao entre impostos, comrcio e investimentos. 6. Tributao de rendimentos financeiros e desenvolvimento dos mercados de capitais. 7. Fixao dos preos de transferncia: a) procedimentos simplificados relativos a margens de tolerncia; b) mediao e arbitragem: a experincia da Unio Europia. 8. Tratamento fiscal dos juros transfronteirios e fugas de capitais: desenvolvimento recente. 9. O comrcio eletrnico e os pases em desenvolvimento. 10. Marco institucional para fortalecer a cooperao internacional em matria tributria. 11. Reviso e atualizao da Conveno Modelo das Naes Unidas sobre a Bitributao entre Pases Desenvolvimentos e Pases em Desenvolvimento. 12. Reviso e atualizao do Manual para a negociao de acordos fiscais bilaterais entre os pases desenvolvidos e os pases em desenvolvimento.

V. Assistncia Mtua Conquanto a idia de uma troca de informaes entre as autoridades fiscais seja matria que h muito vem constando dos acordos de bitributao (variando, apenas, a extenso e as condies para que se d a informao), a prestao de assistncia mtua para a cobrana de crditos fiscais matria que apenas passou a constar no Modelo da OCDE a partir da reviso de 2003. Na verdade, o tema j fora objeto de estudos da OCDE quando do preparo do Modelo de 1977, mas no se cogitava, ento, da insero de semelhante dispositivo nos acordos de bitributao, mas apenas da celebrao de acordos entre as administraes tributrias.15

Cf. Tenth Meeting of the Ad Hoc Group of Experts on International Cooperation in Tax Matters. Report of the Secretary-General. United Nations. Economic and Social Council. Publicao E/22/6

Em sntese, o referido dispositivo pretende comprometer as partes contratantes a cobrar crditos tributrios da outra parte16. A prpria OCDE, em seus Comentrios, antev algumas dificuldades que os Estados Contratantes podem enfrentar ao introduzir um dispositivo semelhante. Tal Organizao aponta os seguintes fatores: - o posicionamento adotado pelo direito nacional para a prestao de assistncia na cobrana de tributos devidos a outros Estados; - se, e em que medida, os sistemas tributrios, as autoridades fiscais e os padres legais dos dois Estados so assemelhados, particularmente no que concerne proteo de direitos fundamentais dos contribuintes (por16

a seguinte a redao proposta pela OCDE para o artigo 27:

Article 27 Assistance in the Collection of Taxes 1. 2. The Contracting States shall lend assistance to each other in the collection of revenue claims. This assistance is not restricted by Articles 1 and 2. The competent authorities of the Contracting States may by mutual agreement settle the mode of application of this Article. The term revenue claim as used in this Article means na amount owed in respect of taxes of every kind and description imposed on behalf of the Contracting States, or of their political subdivisions or local authorities, insofar as the taxation thereunder is not contrary to this Convention or any other instrument to which the Contracting States are parties, as well as interest, administrative penalties and costs of collection or conservancy related to such amount. When a revenue claim of a Contracting State is enforceable under the laws of that State and is owed by a person who, at that time, cannot, under the laws of that State, prevent its collection, that revenue claim shall, at the request of the competent authority of that State, be accepted for purposes of collection by the competent authority of the other Contracting State. That revenue claim shall be collected by that other State in accordance with the provisions of its laws applicable to the enforcement and collection of its own taxes as if the revenue claim were a revenue claim of that other State. When a revenue claim of a Contracting State is a claim in respect of which that State may, under its law, take measures of conservancy with a view to ensure its collection, that revenue claim shall, at the request of the competent authority of that State, be accepted for purposes of taking measures of conservancy by the competent authority of the other Contracting State. That other State shall take measures of conservancy in respect of that revenue claim in accordance with the provisions of its laws as if the revenue claim were a revenue claim of that other State even if, at the time when such measures are applied, the revenue claim is not enforceable in the first mentioned State or is owed by a person who has a right to prevent its collection. Notwithstanding the provisions of paragraphs 3 and 4, a revenue claim accepted by a Contracting State for purposes of paragraph 3 or 4 shall not, in that State, be subject to the time limits or accorded any priority applicable to a revenue claim under the laws of that State by reason of its nature as such. In addition, a revenue claim accepted by a Contracting State for the purposes of paragraph 3 or 4 shall not, in that State, have any priority applicable to that revenue claim under the laws of the other Contracting State. Proceedings with respect ot the existence, validity or the amount of a revenue claim of a Contracting State shall not be brought before the courts or administrative bodies of the other Contracting State. Where, at any time after a request has been made by a Contracting State under paragraph 3 or 4 and before the other Contracting State has collected and remitted the relevant revenue claim to the first-mentioned State, the relevant revenue claim ceases to be a) in the case of a request under paragraph 3, a revenue claim of the first-mentioned State that is enforceable under the laws of that State and is owed by a person who, at that time, cannot, under the laws of that State, prevent its collection, or b) in the case of a request under paragraph 4, a revenue claim of the first-mentioned State in respect of which that State may, under its laws, take measures of conservancy with a view to ensure its collection the competent authority of the first-mentioned State shall promptly notify the competent authority of the other State of that fact and, at the option of the other Staate, the first-

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exemplo: intimao adequada e tempestiva acerca de queixas contra o contribuinte; o direito de confidencialidade sobre as informaes do contribuinte; o direito de recorrer; o direito de ser ouvido e de apresentar argumentos e provas; o direito de ser assistido por advogado escolhido pelo contribuinte; o direito a um julgamento justo, etc.); se a assistncia na cobrana de tributos trar benefcios recprocos e balanceados entre ambos os Estados; se cada administrao tributria ter condies de prestar tal assistncia de modo eficiente; se os fluxos comerciais e de investimentos entre os dois Estados so suficientes para justificar esta forma de assistncia; e se, por razes constitucionais ou de outra ordem, deveria ser limitado o escopo dos tributos alcanados pelo dispositivo.

O Group of Experts debateu a convenincia de introduzir-se, em seu Modelo, dispositivo semelhante ao referido artigo 27. Tratando-se de dispositivo a ser inserido em convenes entre pases desenvolvidos e em desenvolvimento, sua adoo deve ser debatida luz do chamado Consenso de Monterrey. Refere-se esta expresso resoluo, tomada por ocasio da Conferncia Internacional sobre o Financiamento para o Desenvolvimento (ocorrida de 18 a 22 de maro de 2002, em Monterrey, Mxico), que assinala o incio de uma nova estratgia internacional para enfrentar os problemas do financiamento do desenvolvimento, reunindo, sob a gide das Naes Unidas, diversas partes interessadas naquele tema. Conforme se insistiu naquela oportunidade, as partes se comprometiam a mobilizar e incrementar o uso efetivo de recursos financeiros, bem como a alcanar as condies econmicas nacionais e internacionais necessrias para atingir metas de desenvolvimento acordadas internacionalmente, incluindo aquelas inseridas na Declarao do Milnio, para eliminar a pobreza, melhorar as condies sociais, aumentar as condies de vida, e proteger o meio-ambiente17. Naturalmente, uma assistncia na cobrana de tributos permitiria atribuir maior eficincia aos recursos empregados pelos Estados na cobrana de tributos. No obstante, a adoo de um dispositivo como o proposto pela OCDE oferece alguns desafios que podem ir alm daqueles j cogitados nos comentrios elaborados por aquela Organizao.

8.

mentioned State shall either suspend or withdraw its request. In no case shall the provisions of this Article be construed so as to impose on a Contracting State the obligation: a) to carry out administrative measures at variance with the laws and administrative practice of that or of the other Contracting State; b) to carry out measures which would be contrary to public policy (ordre public); c) to provide assistance if the other Contracting State has not pursued all reasonable measures of collection or conservancy, as the case may be, available under its laws or administrative practice; d) to provide assistance in those cases where the administrative burden for that State is clearly disproportionate to the benefit to be derived by the other Contracting State.

17

Cf. Report of the International Conference on Financing for Development, Monterrey (Mxico), 1822 March 2002 (publicao das Naes Unidas, A/CONF.198/11, nmero de venda: E.02.II.A.7); cap. I, resoluo 1, anexo.

Com efeito, dado que os pases em desenvolvimento tm, de regra, menos recursos financeiros, tal situao reflete-se, tambm, nos meios empregados para a cobrana de tributos. Nesse sentido, um acordo voltado cobrana de tributos no pode deixar de cogitar de uma remunerao para o Estado que emprega seus recursos administrativos na cobrana de tributos devidos a outro Estado. Desse modo, lembraram-se os precedentes da Diretiva da Unio Europia sobre a Tributao de Rendimentos de Poupana e a Iniciativa dos Estados Unidos para a Conferncia de Cpula do Caribe, que possibilitam que os pases que exercero as atividades de cobrana exijam incentivos financeiros para o exerccio da atividade (embora se tenha ressaltado que o possvel contra-argumento seria que, para um pas em desenvolvimento, a prpria existncia do tratado seria um incentivo)18. Outra questo que mereceu a ateno do Group of Experts foi o tema dos limites constitucionais. Especialmente, questionou-se se o dispositivo seria autoaplicvel, i.e., se um Estado contratante poderia comprometer-se a cobrar crditos do outro Estado contratante, sem que houvesse o devido processo legal no Estado em que se deu a cobrana. Ao mesmo tempo, apontou-se a dificuldade para os tribunais do Estado em que se d a cobrana poderem conhecer da matria, tendo em vista que, afinal, o tributo exigido foi institudo e cobrado segundo ordenamento estrangeiro19. A par da dificuldades prticas para a cobrana, que se revelariam, por exemplo, quando o contribuinte propusesse embargos execuo, invocando dispositivo do direito tributrio aliengena para contestar a cobrana, outras questes, de fundo, deveriam ser enfrentadas. Assim, por exemplo, a prpria possibilidade de cobrarem-se crditos tributrios estrangeiros. Afinal, ao mesmo passo em que no se v maior dificuldade na execuo de um crdito de natureza cvel decorrente de deciso judicial aliengena (observados os requisitos constitucionais para tanto), no se cogita, por exemplo, da possibilidade de um juiz brasileiro executar sentena penal estrangeira (imagine-se, no absurdo, algum, que condenado pena de morte no exterior, fosse submetido a execuo da pena no territrio nacional). A questo que, conquanto tenha o Direito Tributrio evoludo no sentido do reconhecimento de sua natureza obrigacional, no se pode deixar de lado, ao mesmo tempo, que se trata de uma relao de direito pblico20. Assim, ainda que um tratado18

Df. Bruce Zagaris. Mutual assistance in collection of tax debts and protocol for the mutual assistance procedure. Ad Hoc Group of Experts on International Cooperation in Tax Matters. Eleventh Meeting. United Nations. (documento ST/SG/AC.8/2003/L.2). Ad Hoc Group of Experts on International Cooperation in Tax Matters. Eleventh Meeting. United Nations. (documento ST/ p. 19 19 Cf. Report of Proceedings 15 December 2003. Ad Hoc Group of Experts on International Cooperation in Tax Matters. Eleventh Meeting. United Nations. (documento ST/SG/AC.8/2003/L.11): One problem is that most countries will not allow their tax department to collect a tax debt withot providing due processo to taxpayer. Thus automatic collection may be difficult. In response, it was suggested that all matters relating to defences to a tax claim should be settled before the foreign country is asked to collect a debt. In that event, the only due process requirement might be that the taxpayer should have the opportunity to contest the finality of the judgment in the other state. It was generally agreed that the courts of a treaty partner should not be looking into the validity of the underlying tax claim, since they have no expertise on that matter. (...) A number of speakers expressed concern about the requirement of due process under the constitutions of their country. Some members pointed out that various limitations in a countrys constitution could prevent the implementation of a proposed Article 27. Other members suggested that constitutional issues generally are covered during the treaty negotiations. It was suggested that this matter might require future study. 20 Cf. Alcides Jorge Costa. Contribuio ao Estudo da Obrigao Tributria Edio Especial para a Jornada de Direito Tributrio em Homenagem a Alcides Jorge Costa. So Paulo:IBDT. 2003. p. 30

internacional preveja a cobrana de tributos aliengenas, estaria um Estado exercendo a funo de executar direito subjetivo de natureza pblica atribudo a outro Estado. Ademais, num Estado federal no modelo brasileiro, a repartio de competncias tributrias faz-se de forma rgida, no sendo facultado a qualquer das pessoas jurdicas de Direito Pblico exigir tributos que no estejam expressamente arrolados no texto constitucional. V-se, da, novo bice a que a Unio possa cobrar tributos estrangeiros, j que no se compreendem no rol de sua competncia. Embora se possa argumentar que sua competncia teria sido estendida pelo tratado internacional, isso apenas traria novo questionamento, j que, em princpio, tm os tratados internacionais uma fora negativa, i.e., limitadora do pleno exerccio do poder soberano pelos Estados signatrios; conferir-lhes a possibilidade de ampliar a competncia tributria daqueles Estados implicaria reconhecer um efeito positivo aos tratados que, no lugar de serem instrumentos de auto-limitao do poder soberano dos Estados, passariam a ampliar, posto que para propsitos especficos, aquele poder. VI Abuso de Tratados e Treaty Shopping O emprego inadequado dos tratados internacionais em matria tributria foi objeto de debate pelo Group of Experts, o qual distinguiu as situaes de abuso de tratados e treaty shopping. Como esclarece o Relatrio dos debates ocorridos no dia 15 de dezembro, It was a debate whether or not treaty shopping was compatible with the goals of tax treaties. It was reiterated that treaty abuse and treaty shopping should not be confused. Treaty shopping relates to situations where the person gets the benefit of the Treaty without being the legitimate beneficiary of it. Treaty abuse, on the contrary, refers to situations where the result of a certain operation is in contradiction with the treaty21 A idia de abuso, enquanto espcie de uso inadequado dos tratados, pode ser vista a partir de duas prticas: os termos de um tratado podem ser alvo de abuso por parte de (i) um dos Estados contratantes, ou (ii) por pessoas, naturais ou jurdicas, sejam ou no seus beneficirios, a fim de obter vantagens maiores que aquelas que seriam obtidas de outra maneira22. A expresso treaty shopping, por sua vez, j se incorporou aos estudos de Direito Tributrio Internacional ptrios para identificar o que ocorre quando, com a finalidade de obter benefcios de um acordo de bitributao, um contribuinte que, de incio, no estaria includo entre seus beneficirios, estrutura seus negcios, interpondo, entre si e a fonte do rendimento, uma pessoa ou um estabelecimento permanente, que faz jus queles benefcios23.

21 22

Cf. Report (nota 19), p. 6 Cf. Francisco Alfredo Garcia Prats. Abuse of Tax Treaties and Treaty Shopping. Ad Hoc Group of Experts on International Cooperation in Tax Matters. Eleventh Meeting. United Nations. (documento ST/SG/AC.8/2003/L.3) 23 Cf. Lus Eduardo Schoueri. Planejamento Fiscal atravs de Acordos de Bitributao: Treaty Shopping. So Paulo: Revista dos Tribunais. 1995. P. 21

As distines efetuadas so relevantes, j que, conquanto todas as prticas tenham em comum uma idia de emprego inadequado dos tratados, em cada caso o uso imprprio (e da o abuso) apresentar ponderao diversa. Com efeito, nos casos compreendidos na categoria abuso, tem-se que o contribuinte (ou o Estado contratante) aplica dispositivo do tratado em caso que vai alm daquele contemplado. O abuso, ou uso imprprio, categoria que apenas se conhece a partir da premissa de que existe um uso prprio. Abusa aquele que usa alm do que seria adequado. Como identificar, entretanto, o que um uso adequado? Quem competente para tal verificao? No caso de um abuso por parte de um Estado contratante, o abuso ser constatado pelo outro Estado ou por qualquer contribuinte interessado? Qual o critrio: a legislao do Estado ofendido ou do Estado que abusou? Se o abuso deu-se pelo contribuinte, novamente a pergunta: qual o critrio para saber o que seria um uso normal? Tais questes mostram que o tema ultrapassa os limites da mera interpretao do tratado, j que no apenas se investiga o contedo de um dispositivo ali inserido, mas o seu limite, enquanto uso normal. Tratando-se de treaty shopping, o limite do abuso se torna-se ainda mais sensvel, tendo em vista no estar claro ser abusivo o fato de uma terceira pessoa passar a valer-se dos benefcios de um acordo de bitributao. Com efeito, se um acordo de bitributao for visto apenas como um instrumento de concesses mtuas para evitar a bitributao, ento claro que o equilbrio inicialmente almejado pelos Estados estar desfeito se as concesses dadas por um dos Estados ultrapassar aquelas que foram inicialmente contempladas, com base na reciprocidade. Entretanto, se tal premissa pode ser aceita no caso de acordos entre pases com igual grau de desenvolvimento, o raciocnio deve ser diverso quando se trata de uma relao entre pas desenvolvido e pas em desenvolvimento. Aqui, como j se disse acima, o fluxo de capitais e de rendimentos unilateral. s concesses efetuadas por um Estado contratante (fonte) devem corresponder investimentos, no sendo esperadas concesses equivalentes de ambos os Estados. Nesse sentido, no parece imediato ser abusivo o emprego de um tratado por um residente em terceiro Estado se, por meio do acordo, for incrementado o grau de investimentos naquele Estado que concede os benefcios do acordo. V-se, a partir do acima exposto, que o tema do emprego inadequado dos acordos de bitributao deve ser objeto de negociao entre as partes. Na ausncia de uma disciplina pelo prprio Direito Internacional, e diante das dificuldades do uso de normas internas para sua conteno, conclui-se que, decidindo-se por sua proibio, esta deve ser objeto de cada acordo de bitributao, tendo em vista a estrutura jurdica do outro Estado contratante, e ponderando-se o grau de probabilidade de instalao de um Terceiro Interposto naquele Estado [e outros abusos], em relao ao total de investimentos de boa-f que podem ser incentivados pela assinatura do acordo de bitributao24. Constatando que as situaes de emprego inadequado dos tratados internacionais em matria tributria seriam melhor disciplinadas pelos prprios24

Idem, p. 171

instrumentos assinados entre as partes, a OCDE tomou posio sobre o assunto, sugerindo, em seus comentrios, diversas redaes de dispositivos visando limitao do alcance de seus benefcios25. Parte destes comentrios foi reproduzida no documento recentemente elaborado pelo Group of Experts26. A comparao entre ambos, entretanto, revela que a redao dos comentrios da ONU no acompanhou a evoluo dos trabalhos da OCDE. Com efeito, o texto da OCDE inclui, nos comentrios ao artigo 1, dispositivo (pargrafo 9.4) segundo o qual: It is agreed that States do not have to grant the benefits of a double taxation convention where arrangements that constitute an abuse of the provisions of the Convention have been entered into E o pargrafo 22.2 complementa: Whilst these [domestic] rules do not conflict with tax conventions, there is na agreement that Member countries should carefully observe the specific obligations enshrined in tax treaties to relieve double taxation as long as there is no clear evidence that the treaties are being abused A insero desses comentrios parece indicar a existncia de certo consenso, no mbito daquela Organizao, em relao possibilidade de Estados aplicarem aos casos de evaso fiscal internacional suas normas internas contra o abuso, ainda que contrariando normas do prprio tratado, sem que isso implique ofensa ao Direito Internacional. Ao mesmo tempo, a ausncia de semelhante texto no comentrio da ONU, enquanto, de regra, seguiram-se as sugestes da OCDE, indica a inexistncia do consenso, por parte do Group of Experts, sobre a possibilidade de normas internas serem empregadas para afastar casos de abuso. Tal dissenso foi refletido nas discusses travadas no dia 15 de dezembro: In order to address treaty abuses, some participants contended that there was no need to establish specific rules in a treaty, and there was general consensus that some domestic anti-abuse measures could be used, as occurs in practice in many cases. Other participants expressed a concern, nevertheless, for dangers and uncertainties that this straightforward solution could produce if the limitations derived from the Vienna Convention on the Law of Treaties were not taken into account. V-se, da, reafirmada a opo pela soluo negociada a cada caso, seja para a definio do emprego normal e abusivo, seja para a limitao dos benefcios.

25

Cf. OCDE. OECD Model Tax Convention on Income and no Capital 2003. Condensed Version. Amsterd:IBFD. 2003. Comentrios ao art. 1. 26 Cf. ONU. Op. cit. (nota 14). Comentrios ao art. 1

VII Interao entre Impostos, Comrcio e Investimentos O tema foi proposto tendo em vista que, recentemente, voltou-se a destacar a interao entre as normas tributrias, comerciais e de investimentos, em virtude de algumas novidades ocorridas na Organizao Mundial do Comrcio (OMC), como a aprovao do Acordo Geral de Comrcio e Servios, os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comrcio e o Acordo sobre Subsdios da Rodada Uruguai, assim como o contencioso relativo s empresas de vendas no exterior e a excluso das receitas extraterritoriais. A OMC j no se ocupa unicamente da reduo de tarifas aduaneiras, mas tambm de questes relativas a investimentos estrangeiros diretos (como o Acordo Geral sobe o e Servios) e tributao direta (como o Acordo sobre Subsdios, aplicvel aos impostos diretos e aos subsdios exportao, e as normas relativas a acordos fronteirios)27. Com efeito, firmou-se, no campo internacional, o princpio da liberdade nas transaes comerciais, baseada na eliminao de barreiras ao comrcio internacional28, que inspirou o Acordo Geral de Tarifas e Comrcio GATT e hoje constitui o fio condutor da Organizao Mundial de Comrcio. O potencial conflito entre o referido princpio e as normas tributrias internas encontra-se na noo de subsdio adotada naquele contexto. Conforme relata ZAMPETTI, o impacto dos subsdios na competio internacional somente foi ganhando evidncia na medida em que redues tarifrias e outras medidas equivalentes o revelavam. Ademais, ao efeito pernicioso dos subsdios levantaram-se argumentos a seu favor, baseados em diversas concepes do papel do governo: enquanto alguns pases os vem como distoro ilegtima do comrcio internacional, outros os consideram um instrumento legtimo de poltica pblica29. Subsdio toda ajuda oficial de governo, com o fim de estimular a produtividade de indstrias instaladas no pas. O subsdio tem por objetivo promover o desenvolvimento de setores estratgicos sob o ponto de vista econmico, ou de regies mais atrasadas, alm de servir como instrumento de incentivo s exportaes, sobretudo em pases em desenvolvimento30. Em linhas gerais, subsdio todo auxlio oficial, de ordem financeira, cambial, comercial ou fiscal, concedido direta ou indiretamente ao industrial, assim como ao exportador ou grupo de exportadores, estabelecidos em uma rea geogrfica, com o fim de estimular a exportao de determinado produto31. Inferese, de tal conceito, que o subsdio, de que cogita a OMC, uma espcie do gnero das subvenes, qualificada pela sua finalidade de estmulo exportao e por ser especfica para determinado ramo industrial ou empresa.

27 28

V. o material publicado pela ONU, sob o ndice ST/SG/AC.8/2003/L.1 Cf. Adilson Rodrigues Pires. Prticas Abusivas no Comrcio Internacional. Rio de Janeiro: Forense. 2001. p. 36 . 29 Cf. Americo Beviglia Zampetti. The Uruguay Round Agreement on Subsidies: A Forward-Looking Assessment. Journal of World Trade, 1995, v. 29, n 6, p. 5-29 (9). 30 Cf; Adilson Rodrigues Pires, op. cit. (nota 28), p. 201. 31 Idem, p. 203.

Uma das virtudes apontadas por VERA THORSTENSEN32 da chamada Rodada Uruguai foi a insero, no mbito da OMC, de uma definio para o termo subsdios33, j que o acordo anterior, negociado durante a Rodada Tquio, procurava impedir a utilizao de subsdios s exportaes de produtos industriais, mas no regulamentava a utilizao de subsdios domsticos, que tambm afetava o comrcio. No novo texto negociado (Acordo sobre Subsdios e Medidas Compensatrias, sucedneo do Acordo sobre Interpretao e Aplicao dos Artigos VI, XVI e XXIII do GATT, conhecido como Cdigo de Subsdios34), surge uma definio de subsdios, ampliando-se, ainda, a lista de subsdios proibidos e reforando-se a disciplina sobre subsdios domsticos, alem de definirem-se os subsdios que podem ser utilizados. Dispe o artigo 1o. do Acordo sobre Subsdios e Medidas Compensatrias:Artigo 1 Definio de Subsdio a. Para os fins deste Acordo, considerar-se- a ocorrncia de subsdio quando: (a) (1) haja contribuio financeira por um governo ou rgo pblico no interior do territrio de um Membro (denominado, a partir daqui, governo), i.e., (i) quando a prtica do governo implique transferncia direta de fundos (por exemplo, doaes, emprstimos e aportes de capital), potenciais transferncias diretas de fundos ou obrigaes (por exemplo, garantias de emprstimos); (ii) quando receitas pblicas devidas so perdoadas ou deixam de ser recolhidas (por exemplo, incentivos fiscais tais como bonificaes fiscais); (iii) quando o governo fornea bens ou servios alm daqueles destinados infraestrutura geral, ou quando adquire bens; (iv) quando o governo faa pagamentos a um sistema de fundo, ou confie ou instrua rgo privado a realizar uma ou mais das funes descritas nos incisos (i) a (iii) acima, as quais seriam normalmente incumbncia do governo e cuja prtica no difira, de nenhum modo significativo, da prtica habitualmente seguida pelos governos; ou (a) (2) haja qualquer forma de receita ou sustentao de preos no sentido do Artigo XVI do GATT de 1994; e (b) com isso se confira uma vantagem 2. Um subsdio, tal como definido no pargrafo 1, apenas estar sujeito s disposies a Parte II ou s disposies das PARTES III ou V se o mesmo for especfico, de acordo com as disposies do artigo 2.35

Normas tributrias podem caracterizar subsdios. O Anexo I do referido Acordo traz uma lista ilustrativa de subsdios exportao, ali incluindo:

32

Cf. Vera Thorstensen. OMC Organizao Mundial do Comrcio: as regras do comrcio internacional e a nova rodada de negociaes multilaterais. 2a. edio. So Paulo: Aduaneiras. 2001, p. 133. 33 Acordo de Subsdios e Medidas Compensatrias, de 1994, assinado pelo Brasil, durante a chamada Rodada Uruguai e promulgado por meio do Decreto no. 1355, de 30.12.1994; as verses em lngua portuguesa aqui apresentada se extraem da Luiz Olavo Baptista, Joo Grandino Rodas e Guido Fernando Silva Soares. Normas de direito internacional: tomo III, vol. 1: direito empresaria, economia internacional. Textos coligidos, ordenados e anotados. So Paulo: LTr. 2000. O Acordo motivou a edio do Decreto n 1.751, de 22 de dezembro de 1995. 34 Cf. Adilson Rodrigues Pires, op. cit. (nota 28). 35 O artigo 4 do Decreto n 1.751/95, sob o pretexto de regulamentar esta matria, acresce entre os casos de subsdio e em alternativa quilo que prev a OMC, a hiptese em que haja, no pas exportador, qualquer forma de sustentao de renda ou de preos que, direta ou indiretamente, contribua para aumentar exportaes ou reduzir importaes de qualquer produto.

(e) Iseno, remisso ou diferimento, total ou parcial, concedido especificamente em funo de exportaes, de impostos diretos ou impostos sociais pagos ou pagveis por empresas industriais ou comerciais. (f) A concesso, no clculo da base sobre a qual impostos diretos so aplicados, de dedues especiais diretamente relacionadas com as exportaes ou com o desempenho exportador, superiores quelas concedidas produo para consumo interno. (g) A iseno ou remisso de impostos indiretos sobre a produo e a distribuio de produtos exportados, alm daqueles aplicados sobre a produo e a distribuio de produto similar vendido para consumo interno. (h) A iseno, remisso ou diferimento de impostos indiretos sobre etapas anteriores de bens ou servios utilizados no fabrico de produtos exportados, alm da iseno, remisso ou diferimento de impostos indiretos equivalentes sobre etapas anteriores de bens ou servios utilizados no fabrico de produto similar destinado ao mercado interno; desde que, porm, impostos indiretos cumulativos sobre etapas anteriores possam ser objeto de iseno, remisso ou diferimento sobre produtos destinados exportao mesmo quando tal no se aplique a produtos similares destinados ao consumo interno, se os impostos indiretos cumulativos sobre etapas anteriores so aplicados aos insumos consumidos no fabrico do produto de exportao (levando-se em devida conta os desperdcios (...) (i) A remisso ou devoluo de direitos de importao alm daqueles praticados sobre insumos importados que sejam consumidos no fabrico do produto exportado (levando na devida conta os desperdcios normais (...)

Desta forma, se a norma tributria trouxer uma vantagem, e se for constatado que esta especfica a uma empresa ou indstria, ou a um grupo de indstrias, fica caracterizado um subsdio. A vantagem considerada especfica para empresa ou ramo industrial quando se faz uma comparao entre a situao da empresa com a aplicao da medida contestada e sem sua aplicao (But-For-Test)36. O mesmo Acordo classifica os subsdios em trs espcies: proibidos, ou vermelhos (artigo 3), recorrveis, ou amarelos (artigo 5), e irrecorrveis, ou verdes (artigo 8). Enquanto o primeiro grupo independe de dano, no segundo se torna exigvel a demonstrao de ocorrncia de efeitos danosos aos interesses de outros Membros. Tambm importa considerar os casos de subsdios irrecorrveis, ou no acionveis (subsdios verdes) quando as normas tributrias indutoras no contrariam a ordem internacional. Trata-se dos subsdios no especficos e de trs casos de subsdios especficos: (i) voltados a cobrir uma parte dos custos de atividade de pesquisa e desenvolvimento pr-competitivo (como prottipos); (ii) que visem reduo de desigualdades regionais; e (iii) aqueles que buscam promover a adaptao das instalaes industriais a novas exigncias ambientais. Tais subsdios, outrossim, esto sujeitos a notificao, ao Comit de Subsdios, prvia implementao daqueles, para permitir a avaliao da consistncia do programa com as condies para a irrecorribilidade dos subsdios (artigo 8.4 do Acordo) Caracterizando a norma tributria indutora um subsdio proibido ou recorrvel, dispe o prprio Acordo de medidas para seu controle, por meio das Medidas Compensatrias37.36

Cf. Ivo Gross. Subventionsrecht und schdlicher Steuerwettbewerb: Selektivitt von Steuervergnstigungen als gemeinsames Kriterium. Recht der Internationalen Wirtschaft, ano 48, Caderno 1/2002, p. 46 a 55 (52). 37 Para um estudo de medidas compensatrias adotadas pela Unio Europia aps a Rodada do Uruguai, v. Paul Waer e Edwin Vermulst. EC Anti-Subsidy Law and Practice After the Uruguay Round.

Recentemente, o tema dos subsdios por meio de normas tributrias indutoras foi examinado pelo rgo de Apelao da Organizao Mundial do Comrcio. Tratava-se de caso em que se examinava o tratamento tributrio das empresas de vendas ao exterior (Foreign Sales Corporations FSC), nos Estados Unidos38. As FSC so subsidirias de empresas norte-americanas, geralmente sediadas em pases com tributao favorecida, atravs das quais as ltimas desenvolvem seus negcios de exportao. Os lucros auferidos pelas FSC so computados nas demonstraes financeiras de suas controladoras norte-americanas mediante um tratamento tributrio privilegiado. O benefcio fiscal condicionado, outrossim, a que a FSC venda produtos de sua controladora fabricados nos Estados Unidos. O rgo de Apelao, em deciso de 24 de fevereiro de 2000, confirmando deciso anterior do Painel, decidiu que este sistema configurava subsdio, vedado pelas normas da Organizao Mundial do Comrcio. A par dos subsdios imediatos exportao, a legislao do imposto de renda pode ser de interesse no mbito da OMC quando implicar alguma espcie de protecionismo. Afinal, se de regra imagina-se que o protecionismo faa-se por meio de tributao sobre os produtos, nada impede que uma poltica protecionista seja efetuada por meio de impostos diretos, seja nos casos em que a legislao tributria mero veculo para uma poltica protecionista (por exemplo: condicionar a dedutibilidade de alguns insumos aquisio destes no mercado interno), seja por meio de subsdios a produo39. Outro ponto de contato entre o comrcio e o investimento pode ser notado no comrcio de intangveis, quando a tributao do imposto de renda na fonte tem efeito equivalente a uma barreira tarifria importao dos servios. Neste momento, percebe-se que os acordos de bitributao podem desempenhar um papel relevante para assegurar a liberdade de comrcio40. A tal complexo, deve-se somar o tema dos pases com tributao favorecida, que podem atrair atividades (production tax havens) ou capitais (traditional tax havens): o tema conduz discusso acerca da competio entre os pases, predatria ou no, e das medidas que vm sendo tomadas, no mbito internacional, sob a liderana dos pases integrantes da Unio Europia e da OCDE, para sua disciplina. A tributao favorecida pode, mais uma vez, implicar desvio de capitais, produtivos ou no, afetando, da, a prpria relao comercial entre os Estados. Este tema no interessa apenas aos pases desenvolvidos: desde que os Estados Unidos aboliram sua tributao na fonte sobre juros pagos a estrangeiros no residentes, em 1984, os pases em desenvolvimento viram-se compelidos a deixar de tributar aquelesJournal of World Trade, vol. 3, n 3, junho de 1999, p. 19 a 43. 38 Cf.World Trade Organization. Ap.ellate Body Report, 24.2.2000 WT/DS108/AB/R, United StatesTax Treatment for Foreign Sales Corporations. Disponvel em Acesso em 21.02.2002. 39 Cf. Reuven S. Avi-Yonah. The interaction of tax, trade and investment. Ad Hoc Group of Experts on International Cooperation in Tax Matters. Eleventh Meeting. United Nations. (documento ST/SG/AC.8/2003/L.4), p. 4 40 Idem, p. 6

rendimentos, por medo de desviar o capital mobilirio para outro lugar (ou de aumentar o custo de capital para tomadores domsticos, inclusive o prprio governo)41 Diante da evidncia de que a tributao direta tambm afeta o comrcio internacional, surge o debate sobre a possibilidade de a OMC passar a tratar do tema. Tal idia foi bem rebatida por Green, que fez ver problemas de duas ordens: (i) falta de retaliao e (ii) soberania. A falta de retaliao levantada pelo referido autor quando esclarece que a principal arma da OMC, no trato das questes comerciais, a retaliao: praticando um Estado um ato ilcito, outros Estados so autorizados a adotar medidas de retaliao contra seus produtos. Ora, a mesma medida, se adotada em matria tributria, traria efeitos danosos para o prprio Estado retaliador. Imaginese, por exemplo, que um Estado, ilicitamente, reduzisse a zero seu imposto na fonte sobre investimentos do exterior, a fim de atrair novos investimentos. Se outros Estados, como medida de retaliao, reduzissem igualmente seu imposto, o resultado seria eles se tornarem vtimas da prpria retaliao, j que reduziriam sua receita tributria. Alm desse aspecto, o autor menciona outro, ainda mais delicado, voltado soberania: enquanto os Estados dispem-se a confiar a um mecanismo de soluo de controvrsias suas medidas de poltica comercial, muito menos provvel que o mesmo se d com relao sua poltica tributria, que tradicionalmente reflete a prpria soberania42. Alternativamente, passa-se a cogitar de as polticas globais de tributao serem discutidas em outro frum, seja numa Organizao Mundial da Tributao43 (o que implicaria altos custos com a criao e manuteno de uma estrutura internacional, com especialistas em matria tributria), seja nas Naes Unidas. Esta alternativa apresenta a seu favor a experincia e o sucesso dos trabalhos do Group of Experts. Nos debates travados em Genebra, houve consenso em relao percepo de que a comunidade internacional ainda no est preparada para um acordo multilateral versando sobre a competio por meio de tributos, sendo o uso de incentivos fiscais uma deciso soberana de cada Estado44. Ao mesmo tempo, nota-se que os primeiros passos para o Group of Experts assumir tal funo parecem ter sido tomados, tendo em vista o teor da deliberao da Assemblia Geral das Naes Unidas:41

A idia de uma organizao internacional em matria tributria (international tax organization) parece ter surgido em junho de 2001, num painel nas Naes Unidas. Cf. Resum Analytique du rapport du Group de Haut-Niveau sur le financement du dveloppement, disponvel em http://ods-ddsny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N01/413/47/PDF/N0141347.pdf (acesso em 29 de dezembro de 2003) Cf.tambm Vito Tanzi. Taxation in na Integrating World. 1995 apud Reuven Avi-Yonah. Globalization and Tax Competition: Implication for Developing Countries. Conference room paper. Ad Hoc Group of Experts on International Cooperation in Tax Matters. Eleventh Meeting. United Nations. (documento ST/SG/AC.8/2003/CRP.4). V. tb. Frances M. Horner. Do we need na International Tax Organization?, 24 Tax Notes Intl 179 (outubro de 2001). V., ainda, trabalho elaborado pelo Secretrio do Group of Experts, Institutional framework for international tax cooperation. Ad Hoc Group of Experts on International Cooperation in Tax Matters. Eleventh Meeting. United Nations. (documento ST/SG/AC.8/2003/L.6) 42 Cf. Robert Green. Antilegalistic Approaches to Resolving Disputes Between Governments: A Comparison of the International Tax and Trade Regimes. Yale Journal of International Law 23:79. 1998. Apud Reuven S. Avi-Yonah, op. cit. (nota 39), p. 16 43 Cf. Vito Tanzi. Globalization , Tax Competition by the Future of Tax Systems. Corso di Diritto Tributario Internazionale. 2 ed., Victor Uckmar (coord.) Milo:CEDAM. 2002. p. 21-41 (40) 44 Cf. Report of Proceedings 16 December 2003

167 The Ad Hoc Group of Experts on International Cooperation in Tax Matters should be converted into na intergovernmental body, either in the form of a committee of governmental experts or of a special new commission, as a subsidiary body of the Economic and Social Council45. A importncia do tema pode ser verificada quando se constata que no dia 18, voltou ele a ser discutido pelos participantes, apresentando vantagens e desvantagens do upgrade sugerido46. As vantagens levantadas podem ser assim resumidas: a Organizao das Naes Unidas a nica organizao internacional com legitimidade para fixar normas universais relativas a tributao internacional e o forum proposto daria maior legitimidade s propostas que dele proviessem; necessria a criao de um quadro profissional para que o forum exera adequadamente seu papel, especialmente na medida em que ele deixa de tratar exclusivamente de seu Modelo e passa a versar sobre outras matrias tributrias internacionais; um status elevado para o forum dentro das Naes Unidas dar-lhe-ia maior oportunidade para responder prontamente ao ambiente internacional em mutao constante; uma comisso ofereceria um caminho para a criao de presso internacional sobre grupos de contabilidade, para dar apoio maior abertura s reconciliaes efetuadas sobre as contas de contribuintes, revelando suas transferncias internas de recursos, de modo a facilitar a fiscalizao e permitir um tratamento mais justo dos contribuintes em suas relaes transfronteirias; uma estrutura mais aprimorada permitira que as Naes Unidas participassem efetivamente das organizaes tributrias internacionais e regionais, inclusive do International Tax Dialogue, oferecendo um meio para que os pases em desenvolvimento tivessem ajuda mais efetiva das Naes Unidas, do Banco Mundial, do FMI e de outras organizaes tributrias internacionais e regionais; e a necessidade de um organismo com legitimidade internacional para tratar de questes de tributao internacional bvia e crtica, e vai acontecer inevitavelmente. Assim, a nica escolha do Group of Experts se ele deseja, ou no, ser parte desse desenvolvimento inevitvel. No obstante tais ponderaes, tambm algumas reservas foram apresentadas, que se devem reproduzir: um forum no qual as pessoas se pronunciem enquanto representantes governamentais, em vez de agirem em sua capacidade individual, poderia45

Cf. United Nations. General Assembly. Implementation of and follow-up to commitments and agreements made at the International Conference on Financing for Development. Report of the Secretary-General. (documento A/58/216) 46 Cf. Report of Proceedings 17-18 December 2003 (Relating to the Insttutional Framework for Strengthening Tax Cooperation.. Ad Hoc Group of Experts on International Cooperation in Tax Matters. Eleventh Meeting. United Nations. (documento ST/SG/AC.8/2003/L.11/Add.3), p. 4

no ter um desenvolvimento to efetivo e suave quanto o Group of Experts; o trabalho do forum poderia passar a ser mais poltico e menos cooperativo; o Group of Experts deveria usar melhor os recursos j existentes; o Group of Experts poderia tornar-se mais eficiente, na sua estrutura institucional atual, se tivesse um foco mais prximo em problemas particulares de alguns pases em desenvolvimento; qualquer mudana de status quo devera ser adiada para deliberao posterior; o forum ficaria incontrolvel se inclusse representantes de todos os 191 pases do mundo, e se exclusse alguns pases haveria falta de representatividade; deve-se evitar qualquer nova burocracia; difcil saber exatamente a forma e a natureza que o novo forum teria; o Group of Experts deveria manter seu status atual mas poderia organizar-se de modo a trabalhar mais perto de outras instituies internacionais. VIII Tributao de Rendimentos Financeiros e Desenvolvimento do Mercado de Capitais Da necessidade de os pases em desenvolvimento contarem com recursos financeiros para possibilitar seu crescimento, surge a importncia de aprimorarem-se mercados financeiros domsticos que, ao mesmo tempo, desencorajem a fuga de capitais para o exterior e permitam que o setor privado reduza sua dependncia de emprstimos como principal fonte de financiamento. Se, por um lado, os pases em desenvolvimento tm conscincia de que o fator tributrio desempenha importante papel no estmulo ou desestmulo dos mercados de capitais, o que os encoraja a reduzir a carga tributria, visando a seu crescimento, por outro lado as administraes tm o dever de manter seu equilbrio oramentrio, o que exige ampla ponderao de qualquer renncia fiscal. O paradoxo torna-se mais notrio quando se tem em conta que o equilbrio fiscal um dos elementos fundamentais para a estabilidade da economia, base para o florescimento do mercado de capitais47. O emprego da legislao tributria com a finalidade de induzir o crescimento dos mercados de capitais deve levar em conta, de um lado, a necessidade de e reduzirse a tributao dos ganhos de capitais no mercado acionrio (pelo menos inicialmente, at que se forme o prprio mercado) e, de outro, a comparao entre a carga tributria incidente sobre o financiamento por meio do mercado de capitais, vis--vis a tributao lquida no caso de um financiamento por meio de emprstimos e aplicaes bancrias48. Esta concluso foi comprovada a partir de estudos, efetuados por Sugarman, contemplando os exemplos dos mercados dos Estados Unidos, Malsia47

Cf. David Sugarman. Financial taxation and equity market development: optimal financial market tax policies for developing countries. Ad Hoc Group of Experts on International Cooperation in Tax Matters. Eleventh Meeting. United Nations. (documento ST/SG/AC.8/2003/L.5). p.6 48 Idem, p. 9

e Brasil, constatando, em todos os casos, os efeitos que as normas tributrias tiveram sobre o desenvolvimento do mercado de capitais: em todos os casos, investidores e empresas mostraram forte propenso a modificar seu comportamento em resposta a flutuaes de resultados aps a tributao49. Analisando tais concluses, o Group of Experts, conquanto reconhecendo a importncia do fator tributrio para o crescimento do mercado de capitais, ponderou no ser este o nico fator, j que, a seu lado, vem a busca, pelos investidores, de segurana e estabilidade. O caso mexicano, com a entrada do pas na rea de livre comrcio da Amrica do Norte (NAFTA), emblemtico50. No caso de relaes entre pases desenvolvidos e em desenvolvimento, devese ponderar que a eventual medida, por parte de um Estado (Estado da fonte), para no tributar os ganhos de capitais, como forma de desenvolver seu mercado de capitais, pode ser frustrada, caso o mesmo ganho de capital venha a ser tributado pelo Estado da residncia. o reconhecimento de tal situao que explica a razo de diversos acordos de bitributao entre pases desenvolvidos e em desenvolvimento conterem normas de tax sparing e matching credit, no lugar do mtodo tradicional do crdito ou imputao. Com efeito, segundo o modelo da OCDE, o Estado da residncia, ao adotar o mtodo do crdito ou imputao, no abre mo de tributar a renda universal de seus residentes; assegura, outrossim, um crdito no montante do imposto pago por seu contribuinte ao Estado da fonte dos rendimentos. Torna-se claro, assim, que quanto maior o imposto pago no Estado da fonte, maior o crdito e, portanto, menor o imposto a ser pago no Estado da residncia. Reduzindo-se o imposto no Estado da fonte, reduz-se o crdito e, em conseqncia, amplia-se o imposto pago no Estado da residncia. Portanto, pelo sistema do crdito ou imputao, o montante de imposto pago pelo contribuinte ser, sempre, igual ao total exigido pelo Estado da residncia. Busca alcanar o mtodo, assim, a neutralidade de exportao, j que ao contribuinte torna-se indiferente, do ponto de vista tributrio, investir em seu prprio pas ou no exterior. Essa soluo passa a ser questionada quando o pas da fonte oferece incentivos fiscais a investidores que atuem em determinado setor ou regio: os incentivos favorecem os aplicadores locais, mas so neutralizados para os investidores estrangeiros, j que a menor tributao pelo Estado da fonte implica, apenas, maior tributao pelo Estado da residncia. Ora, tratando-se de uma relao entre um Estado desenvolvido e outro em desenvolvimento, fcil constatar que o ltimo fica prejudicado, j que, ao conceder um incentivo fiscal, abre mo de sua receita com o objetivo de atrair investimentos. Tal efeito anulado pela tributao pelo Estado da residncia, o qual, em ltima anlise, o nico beneficiado pela renncia fiscal.

49 50

Idem p. 17 Cf. Report of Proceedings 16 December 2003 Addendum. Ad Hoc Group of Experts on International Cooperation in Tax Matters. Eleventh Meeting. United Nations. (documento ST/SG/AC.8/2003/L.11/Add.1)

Diante de tal soluo, passaram diversos acordos de bitributao a contar com a clusula tax sparing, ou crdito fictcio, por meio da qual o Estado da residncia se compromete a no reduzir o montante do crdito a ser conferido ao contribuinte, caso este deixe de recolher impostos no Estado da fonte, por conta de incentivo fiscal dado pelo ltimo51. Se o tax sparing se relaciona a benefcios concedidos unilateralmente, no anulados por um acordo de bitributao, diversos acordos entre pases desenvolvidos e em desenvolvimento vo alm, afastando de vez a neutralidade e servindo abertamente de instrumento para o incentivo a investimentos. Surge, para tanto, a tcnica do crdito presumido (matching credit), que implica o pas desenvolvido conceder um crdito fixo, superior alquota mxima de reteno a que o rendimento est sujeito no pas da fonte. O Estado da fonte compromete-se a no tributar determinados rendimentos alm de um teto e o Estado da residncia, ao aplicar o mtodo do crdito, considera pago no Estado da fonte montante superior quele teto, de modo que se garante efetivo benefcio ao investidor52. Justifica Manuel Pires o tratamento diferenciado conferido aos pases em desenvolvimento, a par da no reciprocidade dos movimentos de capitais e transferncias de tecnologia, afirmando que o direito internacional no est destinado a passar por cima das realidades sociais, contemplando-as e permitindo aos Estados actuar livremente com o amparo de uma fachada de generalidade e abstraco, defendendo, da, existir um direito internacional fiscal do desenvolvimento, integrando as normas fiscais necessrias para a actuao da apropriada solidariedade entre os pases desenvolvidos e os pases menos desenvolvidos53. Deve-se ressaltar que a mera adoo de tax sparing e de matching credits pode no ser suficiente para assegurar o fluxo de capitais objetivado. Resta examinar as legislaes internas dos Estados de residncia, a fim de certificar-se do benefcio. Por exemplo, pode ocorrer de o Estado de residncia, conquanto conceda o crdito prometido, impor limitaes globais (overall limitations) ou por pas (per country limitation), reduzindo, assim, a eficcia do crdito54. No obstante tais crticas, o tax sparing foi expressamente mencionado pelo Secretrio do Group of Experts para permitir que o instrumento tributrio seja empregado no desenvolvimento do mercado de capitais:51

Como exemplo, cita-se o subpargrafo b, ii, do pargrafo 2 do artigo 22 do acordo de bitributao assinado com o Japo, promulgado pelo Decreto nr. 61.899, de 14 de dezembro de 1967, na redao dada pelo Decreto 81.194, de 9 de janeiro de 1978, segundo o qual, para fins do crdito a ser conferido pelo Japo, quando da aplicao do mtodo da imputao, o imposto brasileiro dever incluir o montante do imposto brasileiro que deveria ser pago se no houvesse a iseno ou reduo do imposto brasileiro de acordo com as medidas especiais de incentivo visando a promover o desenvolvimento econmico do Brasil (...) 52 Cf. Roque Carca Mullin. Tratados impositivos entre pases desarrollados y pases en desarrollo. Revista de Direito Tributrio. janeiro a junho de 1983, nrs. 23/24, p. 26-36 53 Cf. Manuel Pires, op. cit. (nota 2), p. 517-518 54 Cf. Dan Throop Smith. Tax Legislation in Capital-Exporting Countires to Encourage Investment in Less Developed Countries. Developments in Taxation Since World War I. VIII. Amsterdam: International Bureau of Fiscal Documentation. 1966. p. VIII-14-15

34. Tax authorities who are concerned that tax incentives are being directed at the foreign government rather than to the investor may review with tax authorities of the other Contracting State whether a tax sparing credit could be applied55. IX Fixao dos Preos de Transferncia O tema dos preos de transferncia56 afeta tanto pases desenvolvidos como em desenvolvimento. A fixao de um preo at arms lenght matria cuja dificuldade cresce na proporo da complexidade do cenrio econmico. Ao mesmo tempo, dado o crescimento das trocas internacionais, faz-se vital a existncia de um acordo sobre os critrios para a fixao de preos de transferncia, sob o risco de o dissenso implicar normas tributrias antagnicas, com a conseqente dupla imposio dos rendimentos. O propsito da discusso do Group of Experts foi examinar uma metodologia alternativa quela proposta pela OCDE, visando a reduzir a complexidade dos clculos. Para tanto, tomou-se por base um estudo de Oliver Oldman e Jennifer Brooks, no qual os autores apontam a complexidade dos chamados mtodos tradicionais e sugerem que pases em desenvolvimento possam adotar o chamado mtodo unitrio, cuja metodologia foi desenvolvida nos Estados Unidos para a alocao de rendas entre os Estados-membros57. No obstante a importncia da discusso, que reala a complexidade dos mtodos propostos pela OCDE para a fixao dos preos de transferncia, no se pode deixar de lado a concluso do Group of Experts, de que o mtodo unitrio no compatvel com o princpio at arms length58. No esta a oportunidade de tecerem-se consideraes de direito interno a respeito, mas cabe apontar que, no que se refere ao Brasil, pas em que a Unio submete-se a uma rgida repartio de competncias tributrias, a constatao de efetiva existncia de renda requisito sine qua non para a prpria tributao. Afastando-se o princpio at arms lenght, pe-se de lado, igualmente, a constatao da renda, tornando inconstitucional qualquer tributao. X Comrcio Eletrnico e Pases em Desenvolvimento O comrcio eletrnico potencializa a questo bsica do Direito Tributrio Internacional: quem deve tributar. O exemplo a seguir ilustra o tema:55

Cf. Report of Proceedings 16 December 2003 Addendum. Ad Hoc Group of Experts on International Cooperation in Tax Matters. Eleventh Meeting. United Nations. (documento ST/SG/AC.8/2003/L.11/Add.1), p. 7 56 Sobre o tema dos preos de transferncia, v. Lus Eduardo Schoueri. Preos de Transferncia no Direito Tributrio Brasileiro. So Paulo: Dialtica. 1999 57 O estudo em referncia foi publicado no vernculo. V. Oliver Oldman e Jennifer J.S. Brooks. O Mtodo Unitrio e os Pases em Desenvolvimento: Idias Preliminares Fernando A. Zilveti (trad.). Direito Tributrio. Estudos em Homenagem a Brando Machado. Lus Eduardo Schoueri e Fernando Aurlio Zilveti (coords.). So Paulo: Dialtica. 1998. p. 155-172 58 Cf. Report of Proceedings 17 December 2003 Ad Hoc Group of Experts on International Cooperation in Tax Matters. Eleventh Meeting. United Nations. (documento ST/SG/AC.8/2003/L.11/Add.2)

Num ensolarado dia. Linda Jones acorda em sua residncia em Boston e decide que, finalmente, chegou o dia de adquirir a cozinha de seus sonhos. Chega de vaguear por lojas de mveis e folhear catlogos de correio. No. Ela far isso diferentemente, com as vantagens do novo milnio: Linda comprar sua cozinha pela Internet. Poucos clicks em seu mouse e Linda encontra o que ela procura: kitchens.com, um site de desenho e vendas de cozinhas, pertencente a KitchenCo, uma multinacional cuja controladora tem como local de constituio e administrao a Guiana. Linda inicia rapidamente uma conversa eletrnica com o representante de vendas na Guiana. Ela responde suas perguntas e envia eletronicamente uma cpia das medidas de sua cozinha. Ele, por seu lado, remete seus desejos a um desenhista que trabalha em seu condomnio com vista para o mar, nas Bermudas. O desenhista consegue preencher as especificaes de Linda, valendo-se de um servidor em Buenos Aires. Um empregado da empresa, residente em Sydney, Austrlia, onde a empresa no exerce qualquer outra atividade, elaborara o software de design especificamente com tal propsito. O computador de Buenos Aires consegue exercer alguma atividade de desenho: pode checar as medidas apresentadas por Linda e comparlas com o material disponvel, elaborando uma lista de possibilidades dentro do oramento de Linda e testar cada possibilidade, tendo em vista segurana e durabilidade. O desenhista nas Bermudas pode valerse de opes que ele buscou naquele computador, bem como um banco de dados da mesma fonte, de modo a chegar cozinha dos sonhos de Linda. Aps obter a aprovao eletrnica de Linda, o pedido encaminhado para artesos trabalhando na Itlia, que servem como consultores, j que a construo da cozinha se d na fbrica da empresa, na Malsia, com equipamentos fornecidos pela Alemanha. Finalmente, depois de Linda pagar, valendo-se de sua conta bancria eletrnica, a cozinha acabada embarcada para ela da Malsia, para ser instalada em Boston. Para a instalao, Linda tambm recebe uma cpia do software de design, para adaptaes de ltima hora. Como bem se expressa Reuven Avi-Yonah59, autor do exemplo, o sonho de Linda o pesadelo das autoridades fiscais, j que, pelo menos potencialmente, diversas jurisdies poderiam exigir imposto sobre a renda auferida pela KitchenCo: Guiana (sede da empresa e local onde est sua fora de vendas); Estados Unidos (residncia de Linda e onde o consumo ocorre); Bermudas (onde o desenhista trabalha); Argentina (local onde est o servidor que armazena os pedidos e participa do desenho); Austrlia (onde foi elaborado o software que tornou o desenho possvel); Itlia (onde esto os consultores); Alemanha (onde foram produzidos os equipamentos); e Malsia (local onde foi produzida a cozinha). Constata-se, a partir do exemplo, que os princpios tradicionais de tributao internacional, o Princpio da nica Tributao e o Princpio do Benefcio, so59

Cf. Reuven Avi-Yonah. International Taxation of Electronic Commerce. Ad Hoc Group of Experts on International Cooperation in Tax Matters. Eleventh Meeting. United Nations. (documento ST/SG/AC.8/2003/CRP.9)

ameaados pelo comrcio eletrnico. O primeiro deles determina que a renda de transaes internacionais deve estar sujeita a uma tributao (no mais nem menos), alquota determinada pelo Princpio do Benefcio. Este, por sua vez, assegura que a tributao de renda ativa (negcios) seja feita pelo Estado da fonte, enquanto a renda passiva (investimentos) deve ser tributada pelo Estado da residncia. O mesmo autor sustenta que o advento do comrcio eletrnico exige que se cogite de mudanas nos padres at ento vigentes para: modificar o conceito de estabelecimento permanente, que o padro utilizado para permitir que a fonte tribute renda ativa. Geralmente, este padro exige uma presena fsica no Estado onde se d a tributao. Como o comrcio eletrnico pode dar-se sem tal presena fsica, o prprio padro deve ser modificado, para passar-se a admitir a tributao quando houver um mnimo de renda auferido naquela jurisdio, dando-se, ento, preferncia para o Estado do consumo; rever a distino hoje existente entre renda de servios, royalties e venda de mercadorias, j que a distino torna-se incoerente no comrcio eletrnico; rever tambm os padres para preos de transferncia, j que se torna extremamente difcil a adoo de mtodos transacionais em tal situao. Posio semelhante foi sustentada por Chang Hee Lee, professor da Universidade Nacional de Seul, para quem o discurso dos pases desenvolvidos, fundamentado na neutralidade tributria e na prevalncia da tributao pelo Estado da residncia, no vlido na era digital; ao contrrio, segundo o professor, a neutralidade tributria justifica uma nova ordem, alocando maior renda para os pases em desenvolvimento, j que qualquer tentativa de fixar-se a tributao na residncia permite que o contribuinte, valendo-se da tecnologia digital, escape da tributao. Da a sugesto de o Group of Experts rever seu modelo e comentrio, assegurando a tributao pelo Estado onde se d o consumo60. Tais idias parecem coincidir com aquelas apresentadas no Brasil, quando se defendia: Conclui-se, da, que o pas onde reside aquele que acessa o site que deve tributar o rendimento produzido no comrcio eletrnico. Essa soluo traz a seu favor, de um lado, atender aos reclamos dos defensores da teoria da fonte de produo e da fonte de pagamento e, de outro, reduzir os riscos de bitributao ou de no-tributao, que poderiam decorrer de uma tributao pelo Estado da residncia. (...) Revela-se, pois, em consistncia com a sistemtica imposta pelo princpio da igualdade, a necessidade de a legislao tributria brasileira prever a tributao das atividades aqui desenvolvidas, deixando de lado o critrio da presena fsica do vendedor, que deve passar para a residncia do proponente, sendo a base de60

Cf. Chang Hee Lee. Impact of electronic commerce on allocation of tax revenue between developed and developing countries.. Ad Hoc Group of Experts on International Cooperation in Tax Matters. Eleventh Meeting. United Nations. (documento ST/SG/AC.8/2003/L.9 Cf. Report of Proceedings 16 December 2003 Addendum. Ad Hoc Group of Experts on International Cooperation in Tax Matters. Eleventh Meeting. United Nations. (documento ST/SG/AC.8/2003/L.11/Add.1))

clculo apurada por critrios de arbitramento j comuns no ordenamento. 61 Importa notar que, durante os debates que se travaram no Group of Experts, revelou-se que o tema no necessariamente entre pases desenvolvidos e em desenvolvimento. Segundo a representante dos Estados Unidos, ali presente, este pas coloca-se, em matria de comrcio eletrnico, como pas consumidor lquido, revelando-se, ento, seu interesse por uma tributao segundo o consumo. Este posicionamento mostra que a questo do comrcio eletrnico e da repartio de rendas ainda no pode ser considerada encerrada. XI - Final Constata-se, a partir das notas acima, que o trabalho do Group of Experts uma oportunidade para pases desenvolvidos e em desenvolvimento dialogarem sobre questes de tributao internacional. A possvel elevao do status daquele grupo, dentro das Naes Unidas, no dever afetar sua composio, mas possivelmente permitir que o dilogo ali travado, de extrema importncia, tenha maior divulgao e, deste modo, possa contribuir para as negociaes entre aqueles pases. Os painis apresentados durante uma semana de reunies no foram conclusivos. No era, tampouco, este o objetivo. Ao mesmo tempo, o avano que permitiram se faz perceber no que se relatou nestas notas. Importa que tambm no Brasil as discusses acima relatadas sejam enfrentadas, ensejando pesquisa e tomada de posio. Como visto, o Brasil possui assento no Group of Experts, o que motiva a comunidade acadmica a fomentar o debate, compreendendo a diversidade de opinies, seja entre pases desenvolvidos e em desenvolvimento, seja entre os ltimos. Uma nova ordem mundial vem sendo criada. A idia de um forum internacional para questes tributrias parece consolidar-se. Cabe aos estudiosos ocupar seu papel, fornecendo subsdios para que o posicionamento do Brasil naquele contexto.

61

Cf. Lus Eduardo Schoueri. Imposto de Renda e o Comrcio Eletrnico. Internet. O Direito na Era Virtual. _____ (org.) 2 edio. Rio de Janeiro: Forense. 2001. P. 39-55 (55)