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TRIBUTAÇÃO DA HERANÇA

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TribuTação da Herança

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TribuTação da Herança

NATHÁLIA DANIEL DOMINGUESMestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais

Especialista em Direito Tributário pela Faculdade Milton CamposGraduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Procuradora do Estado de Minas Gerais

Belo Horizonte2017

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336.276 Domingues, Nathália Daniel.D671t Tributação da herança / Nathália Daniel Domingues.2017 Belo Horizonte: Arraes Editores, 2017. p.190

ISBN: 978-85-8238-286-8

1. Herança – Tributos. 2. Doações – Tributos. 3. Justiça distributiva. 3. Justiça tributária. 4. Herança – História. I. Título.

CDD(23.ed.)–336.276 CDU – 344.741

Belo Horizonte2017

CONSELHO EDITORIAL

Elaborada por: Fátima Falci CRB/6-700

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,inclusive por processos reprográficos, sem autorização expressa da editora.

Impresso no Brasil | Printed in Brazil

Arraes Editores Ltda., 2017.

Coordenação Editorial: Produção Editorial e Capa:

Imagem de Capa:Revisão:

Fabiana CarvalhoDanilo Jorge da SilvaPexels (Pixabay.com)Responsabilidade do Autor

MaTriz

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lisTa de Tabelas

TABELA 1 – Alterações sobre a tributação do espólio e doações promovidas pela Lei de Reconciliação do Crescimento Econômico e do Alívio Fiscal de 2001 nos Estados Unidos ................................................... 127

TABELA 2 – Alíquotas máximas do imposto sobre o espólio e heranças em relação a herdeiros diretos nos países da OCDE ......................... 133

TABELA 3 – Alíquotas do ITCMD utilizadas no Distrito Federal e nos Estados da Federação que implementaram mudanças partir de 2016 ............. 143

TABELA 4 – Alíquotas do ITCMD inalteradas até 2016................................... 143

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Art. Artigo

Atual. Atualizado

CRFB Constituição da República Federativa do Brasil

CTN Código Tributário Nacional

CTT Capital Transfer Tax

DF Distrito Federal

Ed. Editor

FMV Fair Market Value

IRPF Imposto sobre a Renda da Pessoa Física

ITBI Imposto sobre transmissão de bens imóveis

ITCMD Imposto sobre transmissão causa mortis e doação

N. Número

OCDE Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econô-mico

P. Página

PEC Proposta de Emenda à Constituição

RIR Regulamento do Imposto de Renda

STF Supremo Tribunal Federal

Trad. Traduzido

V. Volume

lisTa de abreviaTuras e siglas

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VII

suMário

PREFÁCIO ................................................................................................................. IX

APRESENTAÇÃO .................................................................................................... XIV

CAPíTulO 1INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1

CAPíTulO 2UM BREVE ESTUDO ACERCA DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA ................. 42.1. A evolução do conceito de justiça distributiva e o pensamento liberal-igualitário ................................................................................................. 42.2. A teoria de justiça de John Rawls ................................................................... 20 2.2.1. Os princípios de justiça escolhidos na posição original .................. 24 2.2.2. A igualdade equitativa de oportunidades e o princípio da diferença 282.3. A concepção de justiça adotada no Brasil ..................................................... 40

CAPíTulO 3A ACUMULAÇÃO DE RIQUEZA NO SISTEMA CAPITALISTA ............... 473.1. A propriedade e a herança entre os antigos .................................................. 473.2. A acumulação intergeracional ......................................................................... 543.3. A dinâmica da desigualdade de riqueza segundo Thomas Piketty ........... 56 3.3.1. A formação de grandes fortunas e a perpetuação do rendimento estéril ..................................................................................................................... 623.4. A força da hereditariedade ............................................................................... 73

CAPíTulO 4A FINALIDADE DOS TRIBUTOS ....................................................................... 804.1. Os objetivos da tributação: o pensamento de Reuven S. Avi-Yonah ....... 804.2. O propósito da tributação da herança e doações: o viés redistributivo .. 82 4.2.1. Função redistributiva, progressividade e extrafiscalidade ................ 844.3. Em defesa do aumento da carga tributária sobre a herança e doações .... 88 4.3.1. A visão do liberalismo igualitário ........................................................ 88 4.3.2. O verdadeiro sentido da justiça tributária .......................................... 94

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VIII

4.4. A resistência libertária ....................................................................................... 97 4.4.1. Objeções à visão libertária ...................................................................... 1034.5. O berço da tributação da herança .................................................................. 115 4.5.1. O caso dos Estados Unidos ................................................................... 120 4.5.2. O caso da Grã-Bretanha .......................................................................... 1294.6. A tributação da herança no mundo ............................................................... 132

CAPíTulO 5O PERFIL DA TRIBUTAÇÃO DAS HERANÇAS E DOAÇÕES NO BRASIL ................................................................................................................ 1355.1. A evolução histórica da tributação das heranças e doações no Brasil ..... 1355.2. O perfil atual do ITCMD ................................................................................ 1395.3. Por que aumentar a carga tributária do ITCMD? ....................................... 147 5.3.1. Os compromissos constitucionais da República Federativa do Brasil com a realização da justiça social ........................................................ 148 5.3.2. Os atuais debates políticos sobre o tema ............................................ 151 5.3.3. Os possíveis conflitos federativos com a União ................................ 1355.4. Os primeiros passos para a reforma ............................................................... 162

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 165

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 169

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IX

PreFácio

O estudo de Nathália Daniel Domingues sobre a tributação das heranças e doações tem muitas virtudes. Quero destacar uma delas, em especial: a virtude de fornecer todos os elementos necessários para se constatar a miopia da visão tradi-cional sobre o direito tributário que é divulgada de forma corrente em nosso país.

No senso comum, nas matérias jornalísticas e também na maioria das mani-festações técnicas dos especialistas na matéria, o tributo e o direito tributário são descritos e apresentados de modo a ressaltar, ao máximo possível, o conflito público x privado, Estado x contribuinte. Como pano de fundo desse conflito, a narrativa tradicional situa estrategicamente a figura do patrimonialismo do Estado brasileiro, responsável – essa é a tese que se aprende a repetir – por praticamente todos os nos-sos fracassos. Sobre os ombros do mercado (idealizado como o reino da lisura e da eficiência) ou da sociedade (vista como se fora um simples conjunto mais ou menos homogêneo de indivíduos ou de famílias) nenhuma culpa se despeja: a desigualdade, a corrupção, a insegurança seriam frutos do secular patrimonialismo estatal.

Armado esse cenário, a trama e a moral da história são quase sempre as mes-mas: é melhor deixar os recursos nas mãos eficientes e produtivas do mercado e da sociedade do que traspassá-los à voracidade da máquina estatal. A mensagem subli-minar deste discurso é que o tributo é uma violência contra os direitos individuais, violência que deve ser tolerada desde que contida em seus mais estreitos limites.

O trabalho de Nathália aponta logo de início para um conflito grave e atual que, para espanto geral, não opõe o governo ao cidadão. Trata-se do conflito – que numa sociedade como a brasileira só não vê quem não quer – entre aqueles poucos que vêm ao mundo no seio de famílias detentoras da maioria dos recursos materiais e políticos da sociedade global, e aqueles muitos que vêm ao mundo sem poder contar – já na vida intrauterina – com um mínimo de recursos econômicos, políticos, culturais e afetivos que configuram os pressupostos necessários para se lutar por um lugar ao sol no mercado competitivo supostamente premiador dos indivíduos mais capazes e persistentes.

Nathália descreve numericamente esse conflito desigual, aponta seu cresci-mento a partir do final do século passado, revela sua íntima relação com a acumu-lação intergeracional da riqueza e com o direito de herança, e finalmente denuncia – seguindo o marco teórico de jusfilósofos liberais estadunidenses – o quanto essa

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desigualdade é moralmente arbitrária e corrói a democracia (ou o que nos é vendi-do como tal), fazendo da suposta meritocracia de nossa ordem social competitiva nada mais que uma cínica piada de mau gosto.

E onde entram o direito tributário e a tributação das heranças nesse conflito social? Nathália se vale dos estudos do francês Piketty para demonstrar que a tri-butação progressiva da herança e dos altos rendimentos foi um dos fatores respon-sáveis por frear – na Europa e nos Estados Unidos do pós-guerra – a escalada da desigualdade social até então imperante, escalada que retomou sua marcha a partir da desregulamentação financeira global e das reformas fiscais neoliberais postas em prática nestes países a partir das últimas décadas do século passado.

O livro de Nathália argumenta que, apesar de a legislação dos países capi-talistas mais avançados (Estados Unidos, Europa, Japão) sobre a tributação das heranças ter perdido nas últimas décadas o ímpeto progressivo que possuía em meados do século passado, ainda assim há uma brutal diferença entre a legislação desses países avançados e a legislação do ITCMD brasileiro, que em nada se parece a um imposto sobre heranças e doações de um país que declara solenemente em sua Constituição que um de seus objetivos fundamentais é o de reduzir as imensas desigualdades sociais.

O feito que para mim é mais digno de aplauso no texto de Nathália é não se pejar em afirmar ao leitor de modo direto e claro: as regras jurídicas sobre a tributa-ção da herança são a resposta que a sociedade capitalista veio sendo historicamente e segue sendo chamada a dar sobre esse grave conflito social e moral entre os muito e os nada aquinhoados pela loteria biológica que nos faz nascer numa família e não em outra, e as regras atualmente em vigor no Brasil sobre a insuficiente tributação da herança revelam o quanto nossa sociedade – sim, me refiro a um problema da sociedade e não do Estado – se recusa de fato (ainda que o texto constitucional diga o contrário) a ser solidária e inclusiva.

************

Há dezoito anos dou aulas de direito tributário e financeiro na PUC Minas. Esse tempo foi suficiente para me trazer clareza quanto aos objetivos que quero e devo alcançar com meu trabalho. Um desses objetivos é o de transmitir sólidos co-nhecimentos técnico-jurídicos aos futuros bacharéis em direito, e principalmente neles despertar e aperfeiçoar habilidades argumentativas que lhes permitam, sem necessidade de recorrer a memorizações e outros atalhos empobrecedores, fazer com segurança e competência referidos exames e concursos públicos.

Mas esse não é meu único objetivo, e a leitura do trabalho de Nathália me trouxe ainda mais convicção sobre esse ponto. Antes de tudo, é preciso mostrar aos alunos que o tributo é um instituto fortemente ligado ao capitalismo moderno. É algo tão natural ao capitalismo quanto os contratos ou os preços. Essa afirmação costuma gerar algum estranhamento: muitos alunos incorporaram ao longo dos anos a lição subliminar da grande imprensa brasileira de que o tributo é algo, por

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definição, injusto e que atrapalha o mercado. Os alunos em geral chegam à univer-sidade repetindo com naturalidade o despropósito de que o mercado é o reino da eficiência e da virtude, enquanto que o Estado é necessariamente o reino do desper-dício e da corrupção. Quando são apresentados a célebres casos de corrupção pri-vada empresarial recente nos Estados Unidos (AIG, Enron) e Alemanha (Siemens, Volkswagen, Deutsche Bank), os alunos têm dificuldade para fazer a realidade se encaixar na teoria falaz que aprenderam a repetir.

Como o tributo é mostrado pela imprensa brasileira como algo que, no fim das contas, se destina a “alimentar a máquina estatal”, o aluno acredita piamente na lei natural de que, quanto menos tributo, mais eficiência e mais prosperidade haverá na sociedade. Nove em cada dez alunos desconhecem completamente o vulto aproximado (em percentual do produto interno bruto) dos gastos públicos atuais com saúde, educação, previdência e juros da dívida pública, mas mesmo assim continuam repetindo com convicção inabalável que o tributo é responsável, no fim das contas, por “alimentar a máquina estatal”, como se os trilhões de reais arrecadados pelos cofres públicos brasileiros fossem misteriosamente tragados por um buraco negro em Brasília.

Costumo perguntar aos alunos se faz mesmo sentido pensar que vai simples-mente “engordar a máquina estatal” a carga tributária que paga a aposentadoria do avô, a merenda escolar do irmão mais jovem, o salário de R$ 40 mil mensais do primo aprovado no concurso de juiz federal e os juros reais mais altos do mundo recebidos pelo tio bem de vida que empresta dinheiro ao governo federal. Antes que surja o tema, emendo logo: até mesmo a arrecadação que vira propina de corrupção vai parar nas mãos da economia privada (em geral num paraíso fiscal), e não nos domínios da máquina estatal. Com exemplos retirados do cotidiano e das notícias jornalísticas, e com muita didática e paciência, os alunos vão percebendo que não há mercado, contratos e direitos de propriedade sem Estado e instituições governamentais que os regulem e lhe deem suporte. Que o Estado depende do mercado, e vice-versa.

A esta altura, em que os alunos já devem ter começado a perceber que as revis-tas semanais disponíveis nas bancas e consultórios médicos (que recebem centenas de milhões de reais em despesas governamentais de publicidade) e os telejornais mais populares da televisão brasileira talvez não estejam descrevendo fielmente a realidade, é preciso introduzir o tema do custo dos direitos. Numa espécie de raciocínio mágico, vários alunos raciocinam como se os direitos fundamentais não dependessem de complexas e conflituosas políticas públicas e pudessem se tornar realidade por obra de duas entidades demiúrgicas: uma Carta Magna ro-manticamente idealizada e um juiz neutro e todo-poderoso, capaz de implementar os direitos com um simples “cumpra-se sob pena de prisão”. Com exemplos bem concretos e simples, os alunos percebem sem grande dificuldade que todo direito individual clássico (ir e vir, votar, ser proprietário, expressar livremente as ideias etc.) e também todo direito econômico-social (ser atendido pelo SUS, receber o seguro-desemprego) implicam custos, e que tais custos, num regime capitalista de mercado, são em sua quase totalidade suportados pelos tributos.

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Então chega-se ao momento mais difícil: o momento de explicitar aos alunos o caráter conflituoso e conflitivo do tributo. Não que os alunos desconheçam esse caráter: eles o conhecem, mas apenas em uma de suas dimensões, a dimensão - mil vezes abordada na imprensa - fisco versus contribuinte. Essa dimensão os alunos já chegam conhecendo muito bem. O que parece invisível - mas na realidade é algo cuidadosamente escondido de todos - é o conflito mais profundo que late em todo o tributo: o conflito entre os próprios cidadãos e suas classes sociais, que lutam com unhas e dentes para colocar nos ombros dos outros o ônus do financiamento dos gastos públicos. Esse conflito latente em todo tributo – tal como posto de manifesto com maestria pelo trabalho de Nathália sobre a tributação das heranças – deve ficar claro: basta analisar com os alunos entrevistas jornalísticas em que os multimilioná-rios defendem teorias econômicas contrárias à instituição do imposto sobre grandes fortunas, em que a indústria de bebidas ataca uma possível elevação dos impostos para refrigerantes com alto teor de açúcar e sódio, em que os altos assalariados criti-cam a falta de correção monetária das faixas de rendimentos da tabela do IRPF.

Desnudado, assumido e exemplificado o conflito social presente tanto no lado das receitas (Quem se beneficia com a inércia do Congresso Nacional em instituir o imposto sobre grandes fortunas? O fato de o consumo ser tão mais tributado no Brasil do que a renda e o patrimônio provoca quais efeitos sobre a distribuição de renda e o coeficiente de Gini?) quanto no lado das despesas públicas (Como as dife-rentes classes sociais são impactadas por gastos como os juros da dívida pública, as aposentadorias e os programas assistenciais do tipo bolsa-família?), seria de esperar que ficasse patente para os alunos o engodo da visão ufanista verde-amarela de que as divisões de classe são ilusórias, todos os brasileiros são unidos pelo sagrado “interesse nacional” e todos os desígnios do povo poderiam ser harmonicamente atendidos caso se realizasse por um governo honesto uma gestão mais eficiente e racional das receitas públicas. Mas em muitos casos o esperado esclarecimento crí-tico do aluno não ocorre: tal como na vida pessoal de cada um, é mais confortável a solução superficial de negar os conflitos e os interesses contrapostos, e enxergar os problemas sociais como simples questões de gestão/eficiência.

Às vezes me surpreendo desanimado, com a sensação de que é vã e ilusória a tentativa de despertar com o estudo do tributo e do direito tributário o espírito de crítica social dos alunos; de que um ou dois semestres de aulas semanais nada podem contra os preconceitos sociais cristalizados ao longo de toda uma vida, principal-mente quando se ocupa uma classe social que naturalmente prefere ver as injustiças, a desigualdade e o privilégio como tendo origem no funcionamento do Estado e seu secular patrimonialismo, e não no funcionamento das instituições atuais da própria sociedade brasileira em sua lógica profundamente excludente e desigual.

Mas em outros momentos esqueço o desânimo e recupero a força para seguir o caminho acadêmico que escolhi. Receber o convite de Nathália Daniel Domingues para escrever esse prefácio foi um desses momentos. Nathália foi minha aluna na PUC Minas há muitos anos. Entre todos os ramos e carreiras jurídicas, escolheu o direito tributário. Nele atua como procuradora e nele desenvolveu sua brilhante dis-

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sertação de mestrado sobre a tributação da herança. Lendo a dissertação de Nathália, vejo que a crítica social que busquei despertar com minhas aulas de direito tributário foi muito importante para que sua carreira acadêmica tenha tomado o rumo que tomou. Valor da democracia, igualdade equitativa de oportunidades, acumulação in-tergeracional de riqueza, solidariedade fiscal... por entre as páginas desse livro vou percebendo sinais, pegadas, rastros de um caminho que também percorri.

Um caminho que não abandonei, e que agora convido o prezado leitor a trilhar, conduzido pelos passos seguros e corajosos de Nathália.

Março de 2017.

MARCIANO SEABRA DE GODOI

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XIV

aPresenTação

É uma grande alegria escrever a apresentação dessa densa obra intitulada “Tri-butação da Herança”, de autoria de Nathalia Daniel Domingues, resultante de dissertação mediante a qual a Autora logrou, com sobras de méritos, o título de Mestre em Direito pela conceituada Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.

Nossa alegria é ainda maior em razão da pessoa de sua Autora: educada e gen-til, Nathália Daniel é uma dedicada estudiosa do Direito e pesquisadora sensível às causas da pobreza e da crescente desigualdade social.

Tivemos o privilégio de acompanhar sua trajetória acadêmica: graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, passando pela Pós-Graduação em Direito Tributário na Faculdade de Direito Milton Campos (onde fomos seu Professor), até o Mestrado em Direito na UFMG (quando fomos honrados com a oportunidade de ser Orientador), a estudiosa Nathália deixou provas de seu talen-to. Profissionalmente, podemos testemunhar a qualidade de seu trabalho e de sua dedicação como colega Procuradora do Estado, exercendo atualmente a chefia da Assessoria Jurídica junto à Secretaria de Estado da Saúde.

Não se pode negar a “espiral desigualadora” proporcionada pelo próprio me-tabolismo do capital. Da mesma forma, é ressabido que a diminuição das disparida-des econômicas depende, em grande medida, do aumento de impostos sucessórios e sobre a renda, em contrapartida à diminuição da tributação sobre o consumo, o que beneficiaria a classe trabalhadora. Entretanto, uma reforma tributária adequa-da e voltada a atender esse parâmetro sempre foi boicotada, certamente, por ferir os interesses dos donos do capital.

O sistema tributário adotado no Brasil, à revelia do que impõem os prin-cípios insculpidos na Constituição somente acirra as desigualdades visto que na arrecadação total do País preponderam os impostos indiretos que incidem sobre o consumo de bens e serviços (quase 50% da arrecadação)!

A Constituição de 1988 não deixou dúvidas do dever de todos os entes de reduzir desigualdades sociais e regionais (artigos 3º, III, e 23, X). No Brasil, temos um Estado Democrático de Direito de desiderato social, cujo texto constitucional precisa ser levado a sério. Nessa toada, o constituinte prestigiou determinados valores em detrimento de outros e, como afirma a Professora Misabel Derzi (In

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Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal, 2012), “a partir da opção jurídica positivamente feita, não importa quão diversificadas possam ser as posturas ideoló-gicas, a metodologia, os meios e os fins buscados em Adam Smith, Ricardo, Engels ou Karl Marx, trabalhados por J. M. Keynes ou pelo liberalismo pós-modernista de Hayek. O plano econômico, a reforma fiscal ou administrativa terão de submeter--se aos princípios e valores da Constituição. Por isso, são com ela inconciliáveis quaisquer planos, projetos e reformas recessivos que acentuem o desemprego, a miséria e a desigualdade social entre grupos e regiões, que sufoquem a liberdade amesquinhando a autonomia de Estados e Municípios [...].”

Como bem afirmam os estudiosos mais críticos e conscientes do Direito Tri-butário, numa sociedade que pretende ser “fraterna, pluralista e sem preconceitos” (preâmbulo) e “livre, justa e solidária” (art. 3º, I), comprometida com “direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça” (preâmbulo) e com a “justiça social” (artigos 170, caput, e 193), e onde a propriedade só se justifica por sua “função social” (artigos 5º, XXIII, e 170, III), são inadmissíveis desigualdades patrimoniais extremas, independente-mente de como foram geradas. Não interessa se o rico “merece” ou se “se esforçou” (seja lá o que isso significa). Uma ordem muito desigual é disfuncional democráti-ca e economicamente, criando uma infinidade de males sociais (status, hierarquia entre indivíduos, estratificação, baixa autoestima, problemas de saúde, ausência de reconhecimento, poucas chances de sucesso, sem falar no aumento da crimi-nalidade, no acirramento dos conflitos, nas interferências arbitrárias na eficiência do sistema de trocas e na equidade das instituições) que violam as liberdades mais importantes (no campo civil e político, e não no econômico).

Tal como fez maduramente Nathália, a questão das heranças merece uma re-flexão mais racional, livre de retórica, demagogia ou populismo. Injusto é tributar a renda de assalariados pesadamente, ou onerar inadequadamente o trabalho. Se a ideia é propor uma tributação mais justa, não cabe argumentum ad populum, apoiado no incômodo de pagar impostos. Rabello de Castro, doutor em economia por Chicago, está certo em afirmar que não existe “governo grátis”.

Estudo feito pela consultoria EY em 2014 revelou que o Brasil é um dos países com a menor tributação sobre a herança. A alíquota média cobrada pelos Fiscos es-taduais no País é de 3,86% sobre o valor herdado, praticamente um décimo da taxa praticada na Inglaterra (40%) e um terço desse tipo de tributação no Chile (13%).

Para alguns, a moralidade por detrás da tributação da herança é “dúbia”, entretanto, é patente que a herança favorece tão somente o herdeiro, que não tra-balhou; não atinge o poupador, mas seus filhos, que não laboraram nem econo-mizaram. Não há direito ao enriquecimento, à transmissão intacta de volumosos patrimônios, principalmente quando o beneficiário em nada contribuiu para a ri-queza. O Estado não pode proibir pais de transmitirem conhecimento aos filhos, mesmo que isso os coloque em posição de vantagem em relação a outras crianças, porém pode perfeitamente usar a tributação para minimizar esse efeito, dissipan-do a propriedade estéril, reduzindo a ineficiência da herança, reinvestindo em

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programas sociais e promovendo igualdade de oportunidades. A possibilidade (garantida por impostos) de herdar fortunas destrói o ideal da igualdade de opor-tunidades e qualquer discurso meritocrático. É preciso haver preocupação com os perigos da desigualdade econômica para uma sociedade de livres e iguais. A transmissão intergeracional de patrimônio sem a devida tributação proporciona o acúmulo de fortunas que se sobrepõem às poupanças de quem trabalha e produz, gerando um desequilíbrio de difícil sustentação ao longo das gerações.

Como afirma John Rawls, a tributação da herança, mais do que abastecer cofres públicos, cumpre função extrafiscal, servindo à justiça distributiva. É ins-trumento do qual deve se valer o Estado não apenas para aumentar a receita, mas para corrigir, gradual e continuamente, a distribuição de riqueza e impedir con-centrações de poder que prejudiquem o valor equitativo da liberdade política e da igualdade equitativa de oportunidades.

Como bem faz a Mestre Nathália, não se trata de defender a prática de uma tributação confiscatória, mas de se estabelecer uma tributação mais justa. Enfim, para que o capitalismo seja considerado realmente justo e livre, tributar mais in-tensamente a herança dos muito ricos (e menos o trabalho e o consumo) deve estar na agenda de todos os governos, seja da esquerda ou da direita.

A elevada qualidade científica do trabalho que ora se apresenta, trazido à lume em publicação merecedora de aplausos, é digna de leitura obrigatória por todos aqueles que se preocupam com as mais graves questões atuais que afligem os países mais pobres. Bibliografia imprescindível, não exige maiores esforços de seus leitores para que dela extraiam conclusões valiosas. É em seu estudo sistemático e pormenorizado que poderão os interessados dele extrair ricas reflexões, potenciali-dades e contribuições.

Podemos, com toda certeza afirmar que o futuro comprovará as qualidades de Nathália, sua dedicação, sensibilidade e brilho, bem como a grandeza de sua contri-buição para a construção de um sistema de transmissão de riqueza intergeracional mais efetiva e justa para todos.

ONOFRE ALVES BATISTA JÚNIORAdvogado-Geral do Estado de Minas Gerais. Mestre em Ciências Jurídico--Políticas pela Universidade de Lisboa. Doutor em Direito pela UFMG. Pós-Doutoramento em Direito (Democracia e Direitos Humanos) pela Universidade de Coimbra. Professor de Direito Público do Quadro Efetivo da Graduação e Pós-Graduação da Universidade Federal de Minas Gerais. (Curriculum lattes http://lattes.cnpq.br/2284086832664522 )