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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURS CURSO DE DIREITO TRIBUNAL DO JÚRI – ASPECTOS RELEVANTES DA REFORMA PROCEDIMENTAL JONATHAN MOREIRA DOS SANTOS Itajaí (SC), novembro de 2008.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURS CURSO DE DIREITO

TRIBUNAL DO JÚRI – ASPECTOS RELEVANTES DA REFORMA PROCEDIMENTAL

JONATHAN MOREIRA DOS SANTOS

Itajaí (SC), novembro de 2008.

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURS CURSO DE DIREITO

TRIBUNAL DO JÚRI – ASPECTOS RELEVANTES DA REFORMA PROCEDIMENTAL

JONATHAN MOREIRA DOS SANTOS

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Mdo. Fabiano Oldoni

Itajaí (SC), novembro de 2008.

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, por ter me dado a vida, e principalmente por ter me guiado pelos caminhos mais corretos que um homem

pode traçar, permitindo que EU pudesse concluir mais esta etapa da minha vida.

Agradeço aos meus Amados pais AIRTON PETRIS e ALICE DA CONCEIÇÃO MOREIRA PETRIS, os quais com grande amor e

sacrifício, tem me educado, me sustentado e me compreendido no decorrer de todo este caminho;

Agradeço a meu pai ADMIR FONSECA DOS SANTOS, que me ensinou que a vida é uma gigantesca montanha, e que só os melhores

chegam ao topo. À minha avó LUZIA BORGES MOREIRA, meu avô ÂNGELO DOS SANTOS e avó RAMARINA FONSECA DOS SANTOS que com sua

experiência de vida contribuíram muito para a minha formação.

Agradeço ao meu irmão WYLLIAN MOREIRA DOS SANTOS, que me ajudou a superar inúmeros obstáculos ainda que não o saiba. A

minha irmã, STEPHANY MOREIRA PETRIS, que por muitas vezes me auxiliou com trabalhos e demais afazeres, sendo ainda meu eterno neném;

Agradeço à minha amiga e amada namorada DANIELA CRISTINA CORRÊA, a qual por muitas vezes me incentivou, me auxiliou, me

presenteou, me compreendeu, e que para mim teve um papel importantíssimo nesta reta final;

Agradeço aos meus familiares que por muitas vezes não pude estar por perto, mas que sempre me incentivaram e acreditaram em mim

JORGE LUIZ MOREIRA e JACIRA, JOSÉ EDVALDO MOREIRA e DINA, DICKSON DONIZETE MOREIRA e ARIANE;

Agradeço ao professor FABIANO OLDONI, que me apoiou no tema para essa monografia, e que soube com praticidade e celeridade me

mostrar o caminho;

Agradeço aos meus amigos dos quais muito aprendi durante estes 5 anos MARISA C. CLETO RIGHETTO, ALINE VASTY MACHADO,

DAYANE CÍNTIA SALLES, INDIONARA PEREIRA, GUILHERME PEREIRA, MARCO AURÉLIO ALVES DA SILVA, MARJORIE FABIANE LISBOA dentre

muitos outros que gostaria de citar mas fico impossibilitado de fazê-lo aqui.

Enfim, agradeço a todos que fizeram parte desta conquista.

Carinhosamente Obrigado.

DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho à minha família, que sempre

esteve do meu lado, à minha namorada

DANIELA, que me apoiou desde o inicio desta

obra e ao meu orientador que contribuiu para

realização do mesmo, mostrando-se sempre

muito profissional e solidário.

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí (SC), novembro de 2008.

Jonathan Moreira dos Santos Graduando

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Jonathan Moreira dos Santos sob

o título Tribunal do Júri – Aspectos Relevantes da Reforma Procedimental, foi

submetida em 21/11/2008 à banca examinadora composta pelos seguintes

professores: Fabiano Oldoni e Adriana Spengler e aprovado com a nota _______

(_____________).

Itajaí (SC), novembro de 2008.

MDO. Fabiano Oldoni Orientador e Presidente da Banca

MSC. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ART Artigo

CF Constituição Federal/88

CP Código Penal

CPP Código de Processo Penal

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

TJSC Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina

ROL DE CATEGORIAS

Lei

Lei é uma ordem ou regra geral obrigatória que emanando de uma autoridade

competente e reconhecida, é imposta coativamente à obediência de todos1. Em

outra vertente doutrinária, lei é a forma de que se revestem os atos do Poder

Legislativo, manifestação da vontade popular, por meio de órgãos próprios,

destinados a ditar as normas gerais por que se devem reger e disciplinar as

relações entre os indivíduos ou entre estes e o Estado2.

Procedimento

O procedimento é o conjunto ordenado e concatenado de atos procedimentais

que visam a prolação de uma sentença3.

Reforma Procedimental

Reforma no procedimento é a alteração que o legislador impôs ao rito do Tribunal

do Júri com o intuito de dar à mesma maior celeridade, enquadrando a norma

jurídica com a atual realidade. Nota-se que tal reforma ganhou forma com o

advento da Lei nº 11.689 de 9 de junho de 20084.

Tribunal do Júri

Tribunal do Júri é o mesmo que Tribunal Popular, onde sete juízes leigos,

escolhidos dentre cidadãos com características que a lei os assegurar, julgarão

determinado crime doloso contra a vida, competência esta que é minimamente

garantida pela Constituição Federal, já que a lei ordinária poderá ampliar esta

competência, sendo vedada sua extinção, já que o Tribunal do Júri é cláusula

pétrea5.

1 BEVILÁQUIA, Clóvis. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1936. 2 CAVALCANTI, Themístocles. Tratado de Direito Administrativo. V. 6, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1942. 3 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal. São Paulo: Método, 2008, p. 4. 4 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 1. 5 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 496.

SUMÁRIO

RESUMO .............................................................................................................. XI

INTRODUÇÃO........................................................................................................1

CAPÍTULO 1

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRIBUNAL DO JÚRI

1.1 CONTEXTO HISTÓRICO DO TRIBUNAL DO JÚRI ........................................4

1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL ...................8

1.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO TRIBUNAL DO JÚRI ........................18

CAPÍTULO 2

ORGANIZAÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI

2.1 COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI.....................................................23

2.2 PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI..................................................26

2.3 AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO...........................................28

2.4 DA PRONÚNCIA ............................................................................................29

2.5 DA IMPRONÚNCIA ........................................................................................31

2.6 DA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA ........................................................................32

2.7 DA DESCLASSIFICAÇÃO .............................................................................34

2.8 DO JULGAMENTO EM PLENÁRIO...............................................................35

CAPÍTULO 3

ASPECTOS RELEVANTES DA REFORMA PROCEDIMENTAL

3.1 REFORMA NO PROCEDIMENTO .................................................................46

3.2 COMENTÁRIOS À REFORMA DAS DECISÕES DO JUIZ............................50

3.3 REFORMA NA INTIMAÇÃO DA PRONÚNCIA..............................................51

3.4 EXTINÇÃO DO LIBELO-CRIME ACUSATÓRIO ...........................................52

3.5 REFORMA NA LISTA ANUAL DE JURADOS...............................................53

3.6 DO DESAFORAMENTO.................................................................................55

3.7 DA ORGANIZAÇÃO DA PAUTA ...................................................................55

3.8 REFORMA NA DISPOSIÇÃO DOS JURADOS .............................................56

3.9 NÚMERO LEGAL DE JURADOS...................................................................58

3.10 REFORMAS GERAIS NO JULGAMENTO EM PLENÁRIO.........................58

3.11 DOS QUESITOS...........................................................................................66

3.12 EXTINÇÃO DO PROTESTO POR NOVO JÚRI ...........................................71

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................75

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS ...........................................................79

RESUMO

A reforma procedimental do tribunal do júri ocorrida em face

da promulgação da Lei nº 11.689 de 9 de junho de 2008 que alterou os

dispositivos do Decreto-Lei n 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de

Processo Penal, trazendo significativas mudanças procedimentais no Tribunal do

Júri, tanto de aspectos positivos, quanto de aspectos negativos. Isto posto, a

presente monografia tem como objeto a referida reforma. Seu objetivo específico

é apresentar uma análise acerca dos principais dispositivos que foram alterados.

Para tanto, principia-se, no Capítulo 1, a Evolução Histórica do Tribunal do Júri,

tanto no contexto mundial, quanto no contexto nacional. Dando seqüência lógica

ao conteúdo programático, no Capítulo 2, explana-se acerca a Organização do

Tribunal do Júri, onde será tratada a organização da instituição, bem como será

explanado a competência deste Tribunal. No Capítulo 3 abordam-se as questões

atinentes aos Aspectos Relevantes da Reforma Procedimental. O presente

Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais serão

apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à

continuidade dos estudos e das reflexões sobre Reforma Procedimental do

Tribunal do Júri.

1

INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como objeto explanar a

reforma procedimental do Tribunal do Júri ocorrida em face da promulgação da

Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008 que alterou os dispositivos do Decreto-

Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal, relativos ao

Tribunal do Júri, e deu outras providências.

Seu objetivo específico é apresentar uma análise acerca

dos principais artigos que trouxeram significativas alterações procedimentais,

seja de aspecto positivo, em relação à antiga sistemática, seja de forma

negativa. O que se pretende é demonstrar que, embora se encontre aspectos

negativos oriundos da referida reforma, os aspectos positivos sobressaem a

estes.

Para tanto, principia-se, no Capítulo 1, a Evolução

Histórica do Tribunal do Júri, trazendo seu contexto histórico em geral, sua

evolução no Brasil, bem como os Princípios Constitucionais que norteiam o

Tribunal do Júri.

Dando seqüência lógica ao conteúdo programático, no

Capítulo 2, explana-se acerca a Organização do Tribunal do Júri, iniciando com

a apresentação da sua competência, passando á análise do seu procedimento,

bem como da audiência de Instrução e Julgamento, do instituto da pronúncia,

da impronúncia, da absolvição sumária, da desclassificação, para finalizar com

o julgamento em plenário.

O Capítulo 3, e último capítulo do presente trabalho

científico, aborda as questões atinentes aos Aspectos Relevantes da Reforma

Procedimental, discorrendo acerca da reforma ocorrida no procedimento, da

reforma das decisões do juiz, da reforma na intimação da pronúncia, da

extinção do libelo-crime acusatório, da reforma na lista anual de jurados, do

desaforamento, da organização da pauta, da reforma na disposição dos

2

jurados, do número legal dos jurados, das reformas gerais do julgamento em

plenário, dos quesitos, finalizando com a extinção do protesto por novo júri.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das

reflexões sobre reforma procedimental do Tribunal do Júri.

Para a realização da presente pesquisa foram elaborados

os seguintes questionamentos:

1) No que alude as origens históricas do instituto do

Tribunal do Juri, onde este encontra raízes no mundo e no Brasil?

2) Existe, no ordenamento jurídico brasileiro, princípios

básicos que regulem as questões relacionadas a constitucionalidade dos atos

cometidos no Tribunal do Júri?

3) Qual a competência do Tribunal do Júri? Como se dará

seu procedimento? Em que fase ocorrerá à audiência de instrução e quais as

decisões que poderão advir após a realização da referida audiência?

4) As alterações ocorridas com a promulgação da Lei nº

11.689, de 9 de junho de 2008 que alterou os dispositivos do Decreto-Lei nº

3.689, de 3 de outubro de 1941, apresentaram-se como significativas?

Vislumbra-se, em face dessas mudanças aspectos positivos e negativos?

Dentre os dois, qual se sobressai?

Com a finalidade de responder os questionamentos acima

realizados, foram levantadas as seguintes hipóteses:

1) O Tribunal do Júri, na sistemática atual, é regido por

quatro princípios básicos do direito que estão elencados no art. 5º, XXXVIII da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. São eles, plenitude de

defesa, soberania dos veredictos, sigilo das votações e competência mínima

para os crimes dolosos contra a vida. Sendo que a imutabilidade destes

3

dispositivos encontra força nas cláusulas pétreas por se mostrarem como

direitos e garantias individuais dos cidadãos.

2) Lei n. 11.689, de 9 de junho de 2008 que alterou os

dispositivos do Código de Processo Penal, trouxe significativas mudanças, seja

de aspecto positivo, em relação à antiga sistemática, seja de forma negativa.

Embora se encontre aspectos negativos oriundos da referida mudança, os

aspectos positivos sobressaem a estes.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na

Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de

Dados o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na

presente Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa

Bibliográfica.

4

CAPÍTULO 1

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRIBUNAL DO JÚRI

Neste Primeiro Momento é importante frisar o Histórico do

Tribunal do Júri e sua Evolução Histórica no Brasil, isto porque, é no linear

histórico que irá surgir o marco do estudo desta monografia. Relevante, de

igual forma, que nesta fase introdutória sejam analisados os Princípios

Constitucionais do Tribunal do Júri no Brasil, posto que, os princípios, no ramo

do direito, são encarados como fundamentos, regras basilares, dispostos a

ordenar todo sistema jurídico, inclusive, o legislativo quando propõe a norma.

Importante ressaltar que tais análises servirão de aporte teórico necessário a

elaboração do tema principal deste trabalho.

1.1 CONTEXTO HISTÓRICO DO TRIBUNAL DO JÚRI

O instituto do Tribunal do Júri tem seu lugar na história do

Poder Judiciário desde os primórdios das civilizações européias, assim como a

grega e a romana. Muito embora já se encontrasse vestígios de seu instituto

entre o povo nórdico, como por exemplo, os noruegueses, que o chamavam de

Tribunal de Langrettomen, os Suecos que chamavam o Júri Popular de Nambd,

e entre a civilização dinamarquesa que denominava o Júri de Noevinger6.

Tem-se que a cultura grega e sua imponente influência no

mundo ocidental muito contribuiu para a criação do Júri Popular em Atenas,

que trazia a idéia, que é utilizada até os dias de hoje, de que o cidadão comum

deve julgar o Réu comum, em outras palavras, os iguais julgando seus iguais7.

Há quem vislumbre na pólis grega (século V a.C.), com o

florescimento da participação popular na república e com a valorização da

6 MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri crimes e processo. 1.ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 179. 7 WOLKMER, Antonio Carlos. Fundamentos de História do Direito, 2ª ed., Editora Del Rey, Belo Horizonte, 2002, p. 80.

5

retórica, as primeiras manifestações do júri. É lá que o cidadão, freqüentador

da ágora (praça pública), terá livre acesso a Heleéia (tribunal popular)8.

Outra cultura que muito influenciou o mundo ocidental, e

tem grande participação no direito como ele é hoje, foi a cultura romana. Essa

afirmação facilmente se constata, pois quando é analisado o Júri popular

daquela época e como ele é hoje, vê-se a perfeita sintonia entre ambos. Como

por exemplo, pode-se perceber a forma de alistamentos dos jurados que no

direito romano priorizavam os indivíduos que possuíam idoneidade moral9,

também os jurados poderiam ser recusados, sem que quem os recusasse

tivesse que motivar tal feito10, situação que se assemelha ao rito atual

empregado no Código de Processo Penal pátrio11.

Com a queda do império romano, outra forma de

civilização e governo, denominado feudalismo, teve seu lugar na história, que

em meados do século V até o século X, utilizava o Júri Popular de forma

restritiva e classista, ou seja, cada classe julgava sua própria classe, por

exemplo, os servos julgavam os servos, vassalos julgavam os vassalos,

senhores julgavam os senhores e assim por diante12.

No entanto, como a ação do tempo deteriora os reais

vestígios da história, e com o Tribunal do Júri não poderia ser diferente,

verifica-se ser impossível precisar a real origem deste instituto, embora haja

reais indícios que o seu início tenha se dado no direito inglês, todavia com

certa influência do direito normando13.

Para Moraes14 a instituição do Júri é de origem anglo-

8 ARAÚJO, Nádia de. O Tribunal do Júri nos Estados Unidos – Sua evolução histórica e algumas reflexões sobre seu estado atual. Revista brasileira de ciências criminais, nº 15, jul-set. 1996, p. 209. 9 O atual Código de Processo Penal traz no art. 436 que o jurado será escolhido dentre cidadãos de notória idoneidade moral. 10 O art. 468 do Código de Processo Penal trata das recusas dos jurados por parte da defesa e do Ministério Público.. 11 WOLKMER, Antonio Carlos. Fundamentos de História do Direito, 2ª ed., Editora Del Rey, Belo Horizonte, 2002, p. 82. 12 VICENTINO, Cláudio. História Geral. O feudalismo e o período medieval. Editora Scipione, 7ª edição, São Paulo, 1997. p. 106-110. 13 MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri crimes e processo. 1.ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 179. 14 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22. Ed, São Paulo: Atlas, 2007, p. 83.

6

saxônica, é vista como uma prerrogativa democrática do cidadão, que deverá

ser julgado por seus semelhantes, apontando-se seu caráter místico e

religioso, pois tradicionalmente constituído de doze membros em lembrança

dos doze apóstolos que haviam recebido a visita do Espírito Santo.

Há algumas aguçadas vertentes em aprofundados

estudos que apontam a origem do Tribunal do Júri na civilização judaica,

durante a saga de Moisés no antigo Egito. Este período mosaico, verificado por

estudiosos da cultura judaica, traziam o Pentateuco, instituto que era

organizado por Moisés, que consistia num livro de normas que regiam o

Tribunal do Júri daquela época15.

As sessões do Júri Popular que eram regidas pelo

Pentateuco, ocorriam ao ar livre e em praça pública, e o acusado tinha plena

liberdade de se defender, o que pode se verificar que ele gozava de direitos

humanos e o princípio do contraditório e da ampla defesa estavam presentes16.

Para Tornaghi17, em seu estudo sobre a historicidade do

Tribunal do Júri, tal instituto teve sua origem na Inglaterra, mas o instituto dos

Jurados já se encontrava no direito processual romano.

Para Mirabete18, a Instituição moderna do Júri passou da

Inglaterra para ter lugar no continente, mais precisamente na França durante a

revolução francesa datada de 1789.

O posicionamento doutrinário mais aceitável, quanto à

historicidade do Tribunal do Júri é que de fato ele começou na Inglaterra

aproximadamente em 1215, a idéia mais aceita deste instituto é de que o

cidadão que cometeu um delito seja julgado por seus iguais, por

15 MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri crimes e processo, p. 182. 16GOMES, Abelardo da Silva. O Julgamento pelo Júri - em face de sua origem, evolução histórica e da formação jurídico-política da nação brasileira - Dissertação para o concurso à cadeira de Direito Judiciário Penal - Faculdade de Direito de Santa Catarina. Florianópolis, 1953, p. 21. 17 TORNAGHI, Hélio. Instituições de processo penal. Rio de Janeiro, Forense, 1959, p. 314. 18 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal, p. 522.

7

representantes da sociedade19.

Neste sentido, quanto à atual forma do Tribunal Popular

ensina Nucci20:

O Tribunal do Júri na sua feição atual, origina-se na Magna carta da Inglaterra de 1215. Sabe-se, por certo, que o mundo já conhecia o júri antes disso. Na Palestina, havia o Tribunal dos Vinte e Três, nas vilas em que a população fosse superior a 120 famílias. Tais Cortes conheciam e julgavam processos criminais relacionados a crimes puníveis com a pena de morte. Os membros eram escolhidos entre padres, levitas e principais chefes de família de Israel.

Nas palavras de Maximiliano21 quanto à influência da

instituição no mundo ocidental é a seguinte: “As origens do instituto, vagas e

indefinidas, perdem-se na noite dos tempos, entretanto, a propagação do

Tribunal Popular pelo mundo ocidental teve início, perdurando até hoje, em

1215”.

Acompanha, assim, o entendimento preponderante, no

sentido de que o júri deixaria raízes na Grã-Bretanha. Pelo menos o júri com a

feição mais aproximada da que se tem hoje da instituição. Atribui-se, com

efeito, a Henrique II, rei da Inglaterra entre 1154 até 1189, a implantação do

Júri22.

Para se chegar à atual forma do Tribunal Popular, muitas

foram as evoluções deste instituto, no Brasil, como se verá a seguir, a Magna

Carta de 1215 influenciou a forma utilizada nos dia de hoje.

19MARREY, Adriano; FRANCO, Alberto S., STOCCO, Ruy. TEORIA PRÁTICA DO JURI: Doutrinas, roteiros práticos, questionários e Jurisprudências. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1991, 4ª Edição revista e ampliada. 20 NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008. p. 41. 21 MAXIMILIANO, Carlos. Comentários a Constituição brasileira. 5. Ed. Rio de Janeiro – São Paulo: Freitas Bastos, 1954. v. 1 a 3, p. 156. 22 GOMES, Luiz Flávio, et al. Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 18.

8

1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL

O instituto do Tribunal do Júri no Brasil teve início na

época do império, quando o Brasil ainda era colônia de Portugal23.

Intra legis o Tribunal do Júri no Brasil foi criado pela Lei

de 18 de junho de 1822, com a competência exclusiva para o julgamento de

abuso de liberdade de imprensa24.

Para Capez25, o Júri no Brasil foi introduzido no

ordenamento jurídico para limitar a competência do julgamento aos crimes de

imprensa, como já explanado por vasto posicionamento doutrinário.

De acordo com Tubenchlak,26 a iniciativa da criação do

Tribunal do Júri no país foi do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, que se

dirigiu à D. Pedro de Alcântara, na época Príncipe Regente, para que fosse

criado um juízo de jurados. Como já mencionado anteriormente, tal pedido foi

acatado e a Lei promulgada em 18 de junho de 1822, que apenas corroborou a

criação de juízes de fato, os jurados, que teriam a competência restrita dos

delitos de imprensa. A nomeação desses juízes, vinte e quatro homens bons,

honrados, inteligentes e patriotas, formariam o conselho de sentença.

Pode-se constatar que a influência do Tribunal do Júri

Popular no Brasil se dá mais pelo direito francês do que pelo direito inglês, haja

vista que a revolução de 1789 na França influenciou o mundo a partir deste

acontecimento histórico27.

Em face de análise do Poder Constituinte daquela época,

pode-se constatar que a Constituição outorgada em 1824, em seu Título VI,

tratava que o Poder Judiciário era constituído de juízes e jurados, os quais

23MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri crimes e processo, p. 183. 24FRANCO, Ary Azevedo. O júri e a Constituição Federal de 1946. São Paulo: Freitas Bastos, 1950. p.5. 25 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 543. 26TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri, contradições e soluções. Rio de Janeiro: Saraiva, 1997, p. 5. 27 MARQUES, José Frederico. A Instituição do júri. Campinas, Editora Bookseller, 1997. p. 37-38.

9

tinham competência de atuar tanto na esfera cível quanto na criminal, ou como

as leis da época pudessem determinar28.

A outorga da Constituição de 1824 foi um marco nos

moldes da independência do Brasil, em termos documentais, além de trazer

uma independência exclusiva na separação dos poderes e distribuir uma

autonomia ao Poder Judiciário.

Partindo de tal premissa, constata-se que o Imperador D.

Pedro I conferiu ao Poder Judiciário independência para julgar, bem como fez

menção a criação definitiva do jurado, que nada mais é do que um juiz de

fato29.

Como se pode perceber, as características do Júri

Popular brasileiro, no início da independência nacional até os dias de hoje,

assemelham-se em muito, eis que já naquela época os juízes de fato, no caso

os jurados, decidiam sobre as matérias fáticas, cabendo nesse caso ao juiz

togado, que é denominado presidente do júri, a aplicação da sentença, tendo

este mesmo juiz competência para condenar ou absolver, conforme

entendimento dos jurados30.

Nesse início do trâmite constitucional, logo após a entrada

em vigor da Carta Magna, tem-se uma evolução em 29 de novembro de 1832.

Nesta data surge o Código de Processo Criminal, que trouxe visíveis inovações

ao procedimentos do Tribunal do Júri31.

No estudo de Tubenchlak32, o Código de Processo

Criminal do Império de 1832, foi instituído pelo Senador Alves Branco, que

estabeleceu o número de vinte e três jurados para o júri de acusação, e de

doze para o júri de sentença. Em cada termo haveria um conselho de jurados e

os requisitos para ser jurado era ser eleitor, possuir bom senso e probidade.

28 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal, p. 522. 29 MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri crimes e processo, p. 184. 30 MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri crimes e processo, p. 184. 31 MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri crimes e processo, p. 185. 32 TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri, contradições e soluções, p. 6.

10

Ainda nesta vertente doutrinária, seria possível colher os

excluídos deste dito conselho, que eram todos aqueles que não gozassem de

determinado conceito público, por falta de inteligência, integridade ou bons

costumes. Nesta lista de excluídos ainda poderiam ser destacadas algumas

pessoas egrégias, como senadores, deputados, bispos, magistrados, oficiais

de justiça, ministros de Estado entre outros.

Neste diploma legal, em seu artigo 235 até o artigo 241,

constata-se que o legislador trouxe os atos preparatórios da formação do

primeiro conselho de jurados.

Ainda em se tratando deste mesmo diploma legal, em seu

art. 275, nota-se que o legislador preocupou-se em cuidar de demonstrar as

pessoas que eventualmente poderiam ser impedidas de atuar no conselho de

sentença: “São inibidos de servir no mesmo conselho, ascendentes, e seus

descendentes, sogro, e genro, irmãos, e cunhados, durante o cunhadio”33.

Notadamente, percebe-se o quanto aquele diploma legal

de 1832 influenciou o Código de Processo Penal que atualmente está em

vigor34.

Alguns anos mais tarde, em 1841, a Lei nº. 261 de 3 de

dezembro trouxe algumas alterações para o Júri Popular. Houve uma

diminuição sobre o conselho dos jurados, haja vista que desapareceu o Júri de

acusação, que fora instituído no primeiro Código de Processo Criminal já

abordado35.

Como crescente evolução, pode-se analisar que o

regulamento nº. 120, de 31 de janeiro de 1842, corroborado como continuação

do Código de Processo Criminal de 1841, veio a trazer inovações sobre os atos

preparatórios para a formação do primeiro conselho de jurados, deste modo

seria possível verificar os conteúdos normativos em que pode ser destacada a

forma de convocação dos jurados para a sessão, que era feita por

33 BRASIL. Código de Processo Criminal do Império de 1832. 34MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri crimes e processo, p. 186. 35 MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri crimes e processo, p. 186.

11

determinação do juiz de direito ao juiz municipal do termo: esse chamamento

deveria ser feito em tempo que pudesse razoavelmente chegar a notícia a

todos os jurados e habitantes do termo36.

Deste modo também disciplinou este regulamento a

sessão do júri, prevendo a forma de sorteio dos jurados para a composição do

conselho, interrogatório do acusado, oitiva de testemunhas, debates,

apreciação dos quesitos pelos jurados e sentença37.

Mais tarde, na Lei nº 562, de 2 de julho de 1850 e seu

posterior regulamento nº. 707, de 9 de outubro foram extraídas da competência

do Júri várias infrações penais, como por exemplo, moeda falsa, roubo,

homicídio nos municípios de fronteira do império, resistência, tirada de preso e

bancarrota38.

Ressalta-se que a transição entre a Lei datada de 1850 e

a Constituição de 1891 teve um importante marco que serviu de transição entre

o período denominado império e o período conhecido como o republicano.

Essa transição foi percebida em detrimento da Lei nº. 2.033 de 20 de setembro

de 1871, que teve a regente Princesa Isabel como protagonista, em nome do

Imperador Dom Pedro II, cujo dispositivo foi regulado mais tarde, em 23 de

novembro do mesmo ano, pelo Decreto nº. 4.824. Pode-se afirmar que este

decreto constituiu a base para o período republicano39.

Estes dispositivos legais supracitados, no veemente

estudo de Marques40, demonstram uma importante evolução, pois tais medidas

acataram inúmeras mudanças na legislação judiciária do país, vindo também a

atingir o Júri, notadamente algumas competências que outrora era privativa do

júri, e por decretos anteriores foram tirados, voltaram a ser julgados pelo júri

popular.

Conforme Marques:

36 MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri crimes e processo, p. 186-187. 37 PESSOA, Paulo. Código do processo criminal de primeira instância do Brasil. Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos, 1899. p. 368. 38 TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri, contradições e soluções, p. 6. 39 MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri crimes e processo, p. 190. 40 MARQUES, José Frederico. A Instituição do júri, p. 44.

12

A Lei nº 2.033, de 20 de setembro de 1871, regulamentada pelo Decreto nº 4.824, de 22 de novembro do dito ano, fez novas alterações na legislação judiciária do país, vindo a atingir o júri. Manteve a divisão territorial em distritos de relação, comarcas, termos e distrito de paz, mas classificou as comarcas em gerais e especiais, compreendendo estas as que estavam situadas na sede dos Tribunais de Relação, ou as que fossem compostas de um só termo, contanto que se pudesse ir e voltar da sede de relação num mesmo dia. Foi restabelecida a competência do júri para os crimes que a Lei nº 562, de 7 de julho de 1850, havia atribuído aos juízes.

Com o fim do império em 1889 a instituição do júri não

restou prejudicada, já que a Carta Magna da República de 24 de fevereiro de

1891 corroborou a instituição com competência para julgar41. Porém a

mantença de tal instituto no ordenamento gerou muita polêmica entre os

juristas daquela época, que acreditavam que juízes de fatos leigos não teriam

plenas capacidades para tomar decisões. Destacam-se entre tais juristas Rui

Barbosa, Carlos Maximiliano, dentre outros42.

Já no período republicano, podem-se destacar a criação

do Júri Federal, que foi regulamentada pelo decreto nº. 848 de 11 de outubro

de 1890. Tal dispositivo trazia em seu artigo 40 o seguinte texto: “Os crimes

sujeitos à jurisdição federal serão julgados pelo júri”43.

Com isso, ficava claro que a criação de tal instituição era

privativa para julgamentos de cunho federal44.

O júri federal era composto por 12 juízes de fato, que

eram sorteados entre 36 cidadãos, qualificados jurados na capital do Estado

onde tivesse que funcionar o Tribunal.

Pode-se perceber que a criação do júri federal veio a

trazer importantes inovações no judiciário daquela época, pois já nesse

dispositivo em pauta, notam-se algumas semelhanças com o Júri Popular que

41 TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri, contradições e soluções, p. 6. 42 MARQUES, José Frederico. A Instituição do júri, p. 21-23. 43 decreto nº. 848 de onze de outubro de 1890 44 MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri crimes e processo, p. 191.

13

é aplicado nos dias atuais. Como exemplo pode-se citar que as decisões do júri

seriam tomadas por maioria de votos, e no caso de empate o acusado seria

favorecido45. Nota-se, ainda, que as decisões eram apeláveis ao Supremo

Tribunal Federal, cabendo ainda o recurso de protesto por novo júri46.

Acompanhando a evolução histórica da Constituição,

percebe-se que com a entrada em vigor da Constituição de 1891, primeira após

a proclamação da república, foi mantida a instituição do Tribunal do Júri como

sendo soberana47. Tal entendimento ainda vigora na Constituição de 198848.

Mantida a instituição do Júri na Constituição de 1891,

nota-se que o Júri ainda foi mantido nos dispositivos de lei seguintes, tanto que

no regramento constitucional de 1934, em seu art. 72, denota-se o seguinte

texto: “É mantida a instituição do júri”49.

A preocupação do legislador, tanto no diploma

constitucional de 1891, quanto no de 1934, foi o de manter o júri como

instituição soberana50.

Muito embora o legislador tenha tido este tipo de cuidado

em relação à soberania deste instituto, a Carta Magna de 1934 deixou o júri

fora das garantias individuais, o que foi repetido na magna carta de 1937. Esta

omissão constitucional foi intensamente criticada por estudiosos juristas, que

faziam ferrenhas críticas à ditadura de Getúlio Vargas, pois tinham o Júri como

um Direito Fundamental e uma exaltação a democracia51.

Neste sentido leciona Marques52:

No entender de alguns, o Júri fora praticamente abolido; no de outros, a reforma anunciava sua morte virtual; houve ainda

45 O Tribunal do Júri nos dias atuais demonstra a impossibilidade de empate em seus julgamentos, já que são 7 (sete) jurados que formam o conselho de sentença. 46 MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri crimes e processo,. p. 191. 47CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 543. 48 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. art. 5º, XXXVIII, C. 49 BRASIL, constitucional de 1891 50 MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri crimes e processo, p. 193. 51 TORRES, Margarino. Processo penal do júri no Brasil. Rio de Janeiro: Jacintho, 1939. p. 18. 52 MARQUES, José Frederico. A Instituição do júri, p. 25.

14

quem vislumbrasse mais um aspecto antidemocrático da ditadura getuliana. Não faltou, porém, vozes de apoio a reforma, que aumentou as prerrogativas do Poder Judiciário, para conter o arbítrio e opor diques ao abuso.

Em 14 de julho de 1934 foi criado o decreto nº. 24.776,

que criou o júri de imprensa, que tinha a função de regular os crimes que eram

cometidos por meio de imprensa. Este julgamento era formulado entre 4

jurados que eram sorteados entre os cidadãos alistados como jurados53.

Em 5 de janeiro de 1938 surgiu o decreto-lei nº. 167, que

regulou definitivamente a instituição do júri, terminando com a polêmica em

relação à omissão constitucional que vigorava na época.

Sobre esta omissão indevida que se fez nascer no

ordenamento, Campos54 explana o seguinte:

É motivo de controvérsia a sobrevivência do Júri após o advento da constituição de 10 de novembro. Argumenta-se que a nova carta constitucional tacitamente aboliu o tribunal popular, de vez que não faz menção dele, deixando de incluí-lo entre os órgãos do Poder Judiciário, enumerados no seu art. 90.

Nota-se, portanto, que para Campos55, com o advento da

Constituição de 10 de novembro, a sobrevivência do Tribunal do Júri gera

controvérsias.

Aduz Campos56, neste contexto, que a improcedência do

argumento é manifesta, ao passo que:

Funda-se ele no velho e desacreditado princípio inclusio unius exclusio alterius, já substituído na doutrina e na jurisprudência, salvo casos especialíssimos, pelo aforismo contrário: positio unius non est exclusio alterius. Para evidenciar o erro de sua aplicação da espécie, basta atentar em que, no citado art. 90, a Constituição não faz igualmente referência aos juízes e

53 MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri crimes e processo, p. 197. 54 CAMPOS [...], Exposição de motivos do Decreto-lei nº. 167, de 5 de janeiro de 1938. 55CAMPOS [...], Exposição de motivos do Decreto-lei nº. 167, de 5 de janeiro de 1938. 56 CAMPOS [...], Exposição de motivos do Decreto-lei nº. 167, de 5 de janeiro de 1938.

15

tribunais que terão de julgar os crimes político-sociais (art.172) e as questões entre empregadores e empregados (art.139), e seria absurdo concluir-se daí que tais juízes ou tribunais sejam órgãos de outro poder que o judiciário.

Para Campos57, o que cumpre indagar:

[..] é tão somente se a instituição do júri está compreendida no preceito genérico do art. 183 da nova Constituição, que declara em vigor, enquanto não revogadas, as leis que, explícita ou implicitamente, não contrariarem as disposições desta Constituição. Ora, o vigente regime governamental é fundamentalmente democrático, e, portanto, lhe é inerente o princípio de que o povo, além de cooperar na formação das leis, deve participar na sua aplicação. Outra questão é saber se o júri, deixando de ser uma injunção constitucional, deve ser mantido.

A resposta não pode deixar de ser afirmativa, descreve

Campos58:

Se outros méritos não tivessem o tradicional instituto (são bem conhecidos os argumentos formulados em seu favor), teria, pelo menos, o de corresponder a um interesse educacional do povo e de difundir, no seio deste, a nítida noção e o apurado sentimento de responsabilidade que lhe cabe como participante da atividade do Estado.

Nota-se a real preocupação do legislador em deixar claro

o motivo pelo qual há de ser feitas leis que contribuem pela manutenção da

democracia, que trás o júri como objetivo.

No fundamentado estudo de Marques59, vê-se que o

Decreto-lei 167 trouxe visíveis mudanças na forma do júri. Ainda se percebe

que a soberania dos veredictos restou prejudicada, haja vista que era cabível a

apelação sobre o mérito da causa, desde que houvesse injustiça da decisão,

por sua completa divergência, com as provas existentes nos autos ou

produzidas em plenário. 57 CAMPOS [...], Exposição de motivos do Decreto-lei nº. 167, de 5 de janeiro de 1938. 58 CAMPOS [...], Exposição de motivos do Decreto-lei nº. 167, de 5 de janeiro de 1938. 59 MARQUES, José Frederico. A Instituição do júri, p. 51.

16

Explica Marques:

A instituição do júri sofreu duro golpe com a promulgação do Decreto-Lei nº 167, de 5 de novembro de 1938. Em verdade a constituição de 1937 silenciara a seu respeito [...] o art. 92 do citado decreto-lei não fez menos do que abolir a soberania dos seus veredictos, ao ensejar recurso de apelação quanto ao mérito, nos casos de injustiça de decisão, por sua completa divergência com as provas existentes nos autos ou produzidas em plenário.

Todavia, como já fora explanado, tal decreto trouxe

incontáveis inovações na forma da organização do júri, que podem ser

destacadas literalmente, e também serviram como exposição de motivos60,

como segue:

(a) fortalecimento da autoridade e maior amplitude de ação do presidente do tribunal do júri; (b) critério positivo de maior rigor na seleção dos jurados; (c) eliminação de ensejos e procrastinações e expedientes cavilosos; (d) supressão da fastidiosa e quase inexpressiva leitura do processo pelo escrivão, e sua substituição por um relatório verbal feito pelo presidente do tribunal, no tocante as provas existentes nos autos e as conclusões das partes; (e) redução do tempo dos debates, para evitar que estes degenerem em discussões acadêmicas ou torneios de retórica; (f) maior sinceridade na garantia de defesa do réu; (g) efeito suspensivo da apelação interposta da decisão do júri, ainda que unânime, quando se tratar de crime inafiançável; (h) julgamento por livre convicção, atribuído ao Tribunal de Apelação, quando tenha de pronunciar-se sobre os processos oriundos do júri, em grau de recurso; (i) restrição dos casos de nulidades do processo e do julgamento, no sentido da prevalência da justiça substancial sobre a meramente formal.

Com base neste estudo que desencadeou na formação

do decreto 167 de 1938, pode-se ver que a instituição do júri teve sérias

mudanças, tratando desde a competência de tal instituto até a sua formação.

60 Exposição de motivos formuladas na cidade do Rio de Janeiro em 5 de janeiro de 1938.

17

Finda a ditadura de Getúlio Vargas, a Constituição

Federal de 18 de setembro de 1946 trouxe novamente a soberania dos

veredictos nos julgamentos pelo Tribunal do Júri, não só visível o

reconhecimento da instituição, como também a mesma voltou a fazer parte das

garantias individuais61.

Este dispositivo constitucional, na parte em que veio a

tratar do Tribunal do Júri, trouxe algumas importantes alterações, sendo que no

tocante à organização do júri vedou a formação do conselho de sentença em

números pares62, quanto à forma de funcionamento proibiu julgamentos

descobertos e qualquer forma de cerceamento de defesa, em relação à

competência estabeleceu atribuição privativa para julgamento dos crimes

dolosos contra a vida63 e ainda afastou dos tribunais superiores ou de qualquer

outro órgão judiciário, no concernente a competência funcional, o

conhecimento dos júris para reformá-los em grau de recurso.

Em 26 de dezembro de 1951, a Lei nº. 1521 instituiu o júri

da economia popular, cuja competência estava elencada no art. 2º do citado

diploma, que trazia como crimes entre outros, recusar individualmente em

estabelecimento comercial a prestação de serviços essenciais à subsistência,

sonegar mercadoria ou recusar vendê-la a quem esteja em condições de

comprar a pronto pagamento, favorecer ou preferir comprador ou freguês em

detrimento de outro, ressalvados os sistemas de entrega ao consumo por

intermédio de distribuidores ou revendedores, entre outros.

Ainda neste diploma, nota-se que o júri da economia

popular era composto de um juiz, que presidia a sessão, e 21 jurados que eram

sorteados dentre os eleitores da zona eleitoral de cada comarca.

O júri de imprensa criado anos antes, foi repetido em

1953 pelo Decreto nº. 2.083, e teve sua competência voltada aos delitos

61 MARQUES, José Frederico. A Instituição do júri, p. 26. 62 A atual formação do conselho de sentença elencada na Constituição Federal de 1988 é corroborada também por número impar, qual seja 7 (sete) jurados. 63 Vide CRFB, art.5º, XXXVIII da Constituição Federal.

18

relativos à imprensa. Este júri era composto de um juiz togado, que presidia a

sessão, e quatro jurados sorteados entre 21 cidadãos escritos na comarca64.

Há de se notar, que a instituição do júri popular foi

mantida nas cartas constitucionais seguintes, entretanto, percebe-se que a

instituição, mantida na Constituição de 1988, foi uma cópia do modelo de 1946.

Este diploma de 1946 estabeleceu o júri popular com

competência aos crimes dolosos contra a vida, daí dizer-se ter servido de

modelo ao regramento adotado hoje, pois a competência continua sendo essa.

Importante ressaltar toda esta evolução histórica, a fim de

compreender a instituição do Tribunal do Júri tal como ela é hoje. Nota-se que

ao longo dos anos a instituição sofreu diversas modificações. Hoje, o Tribunal

do Júri é regulado pelo decreto-lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941, que veio

a instituir o Código de Processo Penal, atualmente em vigor.

Cabe ressaltar, que a Lei 11.689/08 alterou integralmente

o procedimento do Tribunal do Júri, com finalidade especial de modernizá-lo e

conferir maior celeridade e efetividade aos julgamentos dos crimes dolosos

contra a vida. Em busca de celeridade, o procedimento foi simplificado,

especialmente na primeira fase, aproximando-se do atual procedimento

sumário. Na segunda fase, extinguiu-se o libelo-crime acusatório e permitiu-se

o julgamento em caso de réu não intimado pessoalmente da pronúncia,

independentemente de se tratar de crime afiançável ou não. De outro modo,

com o intuito de dar maior efetividade, excluiu-se o protesto por novo Júri e,

também simplificou-se a quesitação, evitando-se inúmeras nulidades

ocorrentes na antiga sistemática65.

1.3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO TRIBUNAL DO JÚRI

O complexo do Tribunal do Júri, na sistemática atual, é

regido por quatro princípios básicos do direito que estão elencados no art. 5º,

XXXVIII, da Constituição Federal. Vale lembrar, que a imutabilidade destes

64 MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri crimes e processo, p. 197. 65 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 1.

19

dispositivos ditos princípios, encontram força nas cláusulas pétreas66 da

constituição, por se encontrarem nos direitos e garantias individuais da carta

magna de 1988.

Quanto à imutabilidade de tais dispositivos ditos cláusulas

pétreas, Moraes67 ensina com propriedade:

Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais. Tais matérias formam o núcleo intangível da Constituição Federal, denominado tradicionalmente por “cláusulas pétreas”.

Assim se destaca a ressalva que o legislador

constitucional impôs para que fossem resguardados determinados dispositivos

da norma constitucional.

Traz em seu corpo de texto e de forma clara a

Constituição Federal:

Art. 5º, XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a soberania dos veredictos;

d) a competência dos julgamentos dos crimes dolosos contra a vida.

Nota-se que destas quatro alíneas, extrai-se os quatro

princípios que regem o Tribunal Popular. Para o perfeito funcionamento deste

instituto, estes princípios devem ser averiguados notadamente. Verificamos

cada um destes princípios por hora.

A plenitude de defesa, elencada na alínea “a”, é aquela

66 Vide CRFB, art. 60, § 4º. 67 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 652 a 653.

20

assegurada ao acusado que tem direito a uma eximia defesa, que demonstra

que a ampla defesa, princípio constitucional fundamental, deve estar presente

durante todo o procedimento do Júri.

Neste sentido leciona Mendonça68:

No Tribunal do Júri a ampla defesa é potencializada, de sorte que são admitidos, inclusive, argumentos extrajurídicos (morais, religiosos, éticos etc.). Segundo se entende, o referido principio vai além da garantia da ampla defesa. Uma demonstração disto é que o juiz presidente deve dissolver o Conselho de Sentença em razão do desempenho insuficiente do advogado. Outro exemplo, agora expresso na reforma, é que o juiz presidente deve considerar tanto a autodefesa quanto a defesa técnica no momento de formular os quesitos.

Com base neste princípio, oportunamente Miranda69

explanou: “na plenitude de defesa, inclui-se o fato de serem os jurados tirados

de todas as classes sociais e não apenas de uma ou algumas”.

Perfeitamente compreensível que a plenitude de defesa é

fundamental para a apuração da verdade real, que se busca para atingir a

justiça.

Ainda sob a exegese dos princípios constitucionais do

Tribunal do Júri, Mendonça traz a definição de sigilo das votações, elencados

na alínea “b” do citado dispositivo legal constitucional, senão veja:

O sigilo das votações visa assegurar aos jurados a garantia de que não sofrerão perseguições em razão das suas decisões. Para tanto, existe a sala secreta, com os corolários que dela decorrem e a incomunicabilidade entre os jurados.

Este preceito constitucional significa que a liberdade de

convicção e opinião dos jurados deverá sempre ser resguardada, devendo a

legislação ordinária prever mecanismos para que não se frustre o mandamento

68 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 3. 69 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. Rio de Janeiro: Henrique Cahen, 1946, p. 270.

21

constitucional70.

Na alínea “c” constata-se o princípio da soberania dos

veredictos, que reza que a decisão do Tribunal do Júri teoricamente seria

imutável.

Oportuna às lições de Marques71 com referência a este

princípio:

Soberania dos veredictos significa que os juízes togados não podem se substituir aos jurados na decisão da causa, ou seja, o mérito do julgamento é de competência exclusiva dos jurados (absolver ou condenar). Vale destacar que este principio não é absoluto, possuindo alguma restrições, entre elas a possibilidade de absolvição sumária e a revisão criminal, situações excepcionais criadas em benefício do próprio individuo.

Vale lembrar que o representante do Ministério Público,

ao entender que o acusado é inocente, pode pedir a absolvição em plenário,

não chegando ao crivo dos jurados.

A possibilidade de recurso de apelação, prevista no

Código de Processo Penal, quando a decisão dos jurados for manifestamente

contrária a prova dos autos, não afeta a soberania dos veredictos, uma vez que

a nova decisão também será dada pelo Tribunal do Júri.

Em relação à revisão criminal, entende-se que, pelo

princípio da proporcionalidade, deve prevalecer o princípio da inocência em

relação à soberania dos veredictos, sendo, pois, plenamente possível seu

ajuizamento para rescindir uma condenação imposta pelo conselho de

sentença, pelo próprio judiciário72.

70 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 83. 71 MARQUES, José Frederico. A Instituição do júri,p. 40. 72 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p. 84.

22

Contrário a este entendimento salienta com maestria

Nucci73.

Em que pese o fato de ser maciça a doutrina e a posição jurisprudencial em franco apoio à revisão criminal contra a soberana decisão condenatória do júri, os argumentos mencionados podem ser afastados um a um, desde que não prevaleça o critério emotivo, nem tampouco o preconceito e o temos que existem contra a instituição do júri. A magistratura togada deve ceder à vontade do constituinte e perceber que não é, efetivamente, a última instância para julgar casos de crimes dolosos contra a vida.

Para completar a idéia explanada em relação aos

princípios constitucionais, completa Mendonça com o disposto na alínea “d”:

Competência mínima para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida: é possível que a lei amplie a competência do júri, mas nunca a restrinja. Inclusive já há uma hipótese de ampliação, contemplada no art 78., inc. I, do CPP, que prevê a competência do júri para o julgamento dos crimes conexos ao doloso contra a vida.

Vale ressaltar que o latrocínio não se enquadra no

conceito de crime doloso contra a vida, conforme Súmula 603 do STF. Da

mesma forma, o STF decidiu (RE 351. 487) que o genocídio não se enquadra

no conceito de crime doloso contra a vida74.

Para o STF o crime de genocídio não é considerado da

competência do Tribunal do Júri75 porque o bem tutelado não é a vida, e sim a

preservação de uma raça, ou até mesmo uma etnia76.

Isto posto, apresentada a base primordial, ainda que de

forma sucinta, a presente pesquisa voltar-se-á, no capítulo seguinte, ao estudo

da Organização do Tribunal do Júri.

73 NUCCI, Guilherme de Souza. Júri: princípios constitucionais. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. p,113. 74 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 3. 75 STF, RE 351.487 – RR. 76 GOMES, Luiz Flávio, et al. Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito, p. 24.

23

CAPÍTULO 2

ORGANIZAÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI

Superadas as peculiaridades do Tribunal do Júri,

trabalhadas no Capítulo 1, dando seqüência lógica à presente monografia, este

capítulo volta-se ao estudo da Organização do Tribunal do Júri.

2.1 COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI

A competência do Tribunal Popular no Brasil sofreu

intensas alterações ao longo dos anos. Desde a sua criação pela lei de 18 de

junho de 1822 até os dias atuais, muitas foram as alterações no que tange a

competência deste instituto. Como já visto no capítulo anterior, a criação do

Tribunal Popular deu-se para o julgamento dos delitos de imprensa77.

Nos dias atuais a competência do Tribunal do Júri é

regida pela Constituição Federal de 1988. Assim pode-se constatar no art. 5º,

XXXVIII: “É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a

lei, assegurados”78.

Ainda assim, constata-se na alínea “d” o seguinte: “A

competência dos crimes dolosos contra a vida” 79.

Ora, nota-se que o legislador constituinte ao elencar o

instituto do Tribunal do Júri nos Direitos e Garantias Fundamentais, o fez com a

intenção de preservar o instituto, para que assim não fosse abolido o Tribunal

Popular. Porém, a própria constituição faz uma ressalva no inciso XXXVIII, que

trata que a lei ordinária poderia mudar o texto da competência, não com o

intuito de abolir, e sim de ampliar a competência.

77 MOSSIN, Heráclito Antônio. Júri crimes e processo, p. 183. 78 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 79 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.

24

Neste sentido ensina Nucci80:

Note-se que o texto constitucional menciona ser assegurada a competência para os delitos dolosos contra a vida e não somente para eles. O intuito do constituinte foi bastante claro, visto que, sem a fixação da competência mínima e deixando-se à lei ordinária a tarefa de estabelecê-la, seria bem provável que a instituição, na prática, desaparecesse do Brasil.

A sistemática de possível mudança causada pela lei

ordinária não fere o principio constitucional da cláusula pétrea, assim como

podemos ver na aguçada lição de Nucci81:

A cláusula pétrea, no direito brasileiro, impossível de ser mudada pelo Poder Constituinte Reformador, não sofre nenhum abalo caso a competência do júri seja ampliada, pois sua missão é impedir justamente o seu esvaziamento.

Desta forma resta claro que a intenção do legislador

constituinte era de preservar o instituto do Tribunal Popular, razão pela qual

elencou tais dispositivos nos direitos e garantias fundamentais.

Ainda em análise da competência do Tribunal do Júri, vê-

se que a definição de crime doloso contra a vida é clarividente, portanto se faz

necessário uma mera definição do que seria o dolo. Na legislação pátria tem-se

a definição de dolo elencado no Código Penal em seu art. 18, inciso I, como se

vê: Art. 18 – Diz-se o crime: I – doloso, quando o agente quis o resultado ou

assumiu o risco de produzi-lo”.

O inciso II deste mesmo artigo traz o conceito de culpa,

nota-se que o legislador define bem as diferenças entre os dois conceitos, haja

vista que na culpa o agente dá causa ao evento, agindo com imprudência,

negligência ou imperícia. Neste conceito não há a figura do júri popular, por

não se tratar de crime doloso.

No que tange ao conceito doutrinário de dolo leciona

Mirabete82. 80 NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri, p. 34. 81 NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri, p. 35.

25

Age dolosamente quem pratica a ação consciente e

voluntariamente. É necessário para sua existência, portanto, a

consciência da conduta e do resultado e que o agente a

pratique voluntariamente.

Nota-se que a vontade do agente é fundamental para a

caracterização do dolo, não é suficiente que o agente tenha causado o

resultado, mas sim imprescindível que o demonstre voluntariamente tal

resultado, ou assuma o risco de produzi-lo.

Para se analisar a competência do Tribunal do Júri, não

basta apenas apreciar-se o conceito de Dolo, e sim o que seriam crimes

dolosos contra a vida, objeto do estudo.

Para exemplificar o que seriam crimes contra a vida, deve

observar o Código de Processo Penal, em seu art. 74, § 1º.

Art. 74 – A competência para natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri. § 1º. – Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1.º e 2.º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados.

Ora, como se vê neste parágrafo primeiro, para que seja

caracterizada a competência do Tribunal do Júri admite-se a tentativa, não

sendo exclusiva a consumação do crime.

Cabe ressaltar que a definição do crime consumado e

crime tentado, ambos tipos que prosperam no Tribunal do Júri, tem lugar no

próprio texto legal do Código Penal, assim temos:

Art. 14 – Diz-se o crime: I – consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal; II – tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias a vontade do agente.

82 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 139.

26

Com relação à tentativa do crime leciona Delmanto83:

O próprio inciso II dá a definição de tentativa, ao dizer que o crime é tentado quando, após iniciada a execução, não se consuma por circunstancias alheias a vontade do agente. Ou seja, o tipo penal não se completa, ficando interrompido durante o seu desenvolvimento. Portanto, tentativa é a execução começada de um crime, que não chega a consumação por motivos alheios a vontade do agente. Observa-se, aqui, que embora o nosso Código Penal tenha adotado o finalismo, enfatizando-se o desvalor da conduta praticada pelo sujeito voltada a determinado fim, a não ocorrência do resultado desejado quando da prática de seu comportamento é também levado em consideração pelo legislador. Pode-se assim dizer que não há entre nós um finalismo radical, muito pelo contrário.

Desta forma conclui-se que a tentativa do agente em

causar o crime, mesmo não tendo a eficácia desejada, é punida pelo Código

Penal, inclusive analisado pelo Tribunal Popular.

Como anteriormente explicitado, os artigos do Código

Penal tratados no título dos crimes contra a vida são respectivamente, o

homicídio, a instigação ao suicídio, o infanticídio e o aborto. Havendo qualquer

destes crimes a caracterização do dolo, a competência de julgamento será

exclusiva do Tribunal do Júri.

2.2 PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI

O procedimento do Tribunal do Júri, com o advento da Lei

nº 11.689/2008, trouxe algumas relevantes inovações, cabendo ressaltar que

antigamente era chamado de processo do júri e não de procedimento como é o

correto.

Neste sentido o professor Mendonça84 explana:

83 DELMANTO, Celso et al. Código Penal Comentado. 7.ed, Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 64. 84 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 4.

27

Corretamente, agora se fala em procedimento e não mais em processo. Como é sabido, processo e procedimento são conceitos que não se confundem. O processo é formado pela relação jurídica e pelo procedimento, sendo este ultimo o conjunto ordenado e concatenado de atos procedimentais visando à prolação de uma sentença. Assim, quando a redação original falava em processo, estava, em verdade, tratando de procedimento. Neste ponto, correta a alteração.

É de conhecimento que o representante do Ministério

Público tem a competência para iniciar a ação penal pública incondicionada,

não diferente em relação ao procedimento do Tribunal Popular, onde o

processo se inicia sob o crivo do promotor de justiça. Ao tomar conhecimento

fático do crime doloso contra a vida, o promotor, havendo indícios de autoria e

nexo causal entre a materialidade, oferecerá a denúncia.

O art. 406 do atual Código de Processo Penal reza a

disposição procedimental em relação à Competência do Júri no Brasil. Traz-se

o texto para uma melhor visualização: ”O juiz, ao receber a denúncia ou a

queixa, ordenará a citação do acusado para responder a acusação, por escrito,

no prazo de 10 (dez) dias”.

Ressalta-se que para Mendonça85, o oferecimento da

denúncia ocorre nos crimes de ação pública incondicionada. Ademais, todos os

crimes dolosos contra a vida são de ação pública incondicionada.

Corretamente, porém, o legislador menciona ação penal privada, que pode

ocorrer em duas situações, no procedimento do júri. Primeira, quando houver

um crime conexo ao doloso contra a vida, que seja de natureza privada,

exemplo um homicídio e injúria. Segunda quando há inércia do Ministério

Público para ofertar a ação no prazo legal.

Concernente ao procedimento da instituição do júri a

doutrina diverge em dados momentos. Para Mendonça86 o procedimento do

Júri é bifásico, pois se notam duas fases distintas. Na primeira fase julgar-se-á

a viabilidade da acusação, iniciando-se com a denúncia ou queixa e findando-

85 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 4 e 5. 86 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 4.

28

se com a preclusão da decisão de pronúncia. Na segunda fase, há o

julgamento do próprio mérito da acusação, já apreciado pelo conselho de

sentença do Tribunal do Júri.

Para Nucci87 o sistema procedimental é trifásico e

especial, pois diferente de Mendonça, o autor considera a fase de preparação

do plenário demasiadamente importante.

Neste sentido ensina Nucci:

Parece-nos equivocado não considerar como autônoma a denominada fase de preparação do plenário, tão importante quanto visível. Após a edição da Lei 11689/2008, destinou-se a Seção III, do Capítulo II (referente ao Júri), como fase específica (da preparação do Processo para julgamento em plenário), confirmando-se, pois, a existência de três estágios para atingir o julgamento do mérito.

Outro avanço quanto ao novo procedimento do Júri é a

resposta inicial do acusado já na primeira fase, logo após o oferecimento da

denúncia, objetivando a celeridade que a nova lei veio a trazer. Na forma do

antigo procedimento o acusado só podia se defender nas alegações finais.

2.3 AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO

Logo após a resposta do acusado e posterior inquirição

de testemunhas (oito para cada parte), será marcado a audiência de instrução

e julgamento nos moldes do art. 411 do CPP, como se vê:

Na audiência de instrução, proceder-se á à tomada de declarações do ofendido, se possível, a inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida o acusado e procedendo-se o debate.

Nota-se que com esta audiência, busca-se a

revalorização do princípio da oralidade, trazendo o magistrado para mais

87 NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri, p. 46.

29

próximo da produção da prova, ao mesmo tempo em que se intenta conferir

maior celeridade ao procedimento88.

Após esta fase de audiência de instrução e julgamento o

procedimento desta primeira fase deverá ter 90 (noventa) dias, na prática tal

prazo é totalmente distante da realidade. Assim preceitua o art. 412 do Código

de Processo Penal: ”O procedimento será concluído no prazo máximo de 90

(noventa) dias”.

Neste sentido explana Mendonça89:

Referido prazo é impróprio quando estivermos diante de réu solto. Se se tratar de réu preso, deve-se analisar a questão à luz da razoabilidade, para vislumbrar se há ou não constrangimento ilegal, conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores.

Com a entrada em vigor da Lei 11.689/2008, nota-se que

o legislador quis dar celeridade ao procedimento do Júri, haja vista os inúmeros

constrangimentos ilegais sentidos com a antiga sistemática.

O magistrado poderá tomar quatro decisões quanto ao

futuro do acusado, antes da fase em plenário. Estas decisões,

respectivamente, são pronúncia, impronúncia, absolvição sumária e

desclassificação. Vejamos cada uma destas particularidades.

2.4 DA PRONÚNCIA

Na seção II do dispositivo do novo rito do Júri o art. 413

traz o seguinte texto: “O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se

convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de

autoria ou de participação”.

Ora, a nova reforma traz um importante avanço quanto à

linguagem empregada no corpo do texto. Na sistemática antiga era referido o

julgamento em torno de um crime, a palavra “crime” foi retirada do corpo do 88 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 9. 89 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 14.

30

texto, dando lugar a palavra “fato”, com a intenção de não influenciar os jurados

já na fase do plenário. Ainda neste mesmo conceito nota-se que a palavra “réu”

foi suprimida, sendo substituída pela palavra “acusado”.

No que diz respeito ao último artigo citado, o texto

referencia a pronúncia, ato pelo qual o juiz manifesta a intenção de delegar a

competência ao Tribunal do Júri, se entender que houve materialidade e

indícios de autoria.

Neste sentido se manifesta Nucci90:

Pronúncia é a decisão interlocutória mista, que julga admissível a acusação, remetendo o caso à apreciação do Tribunal do Júri. Trata-se de decisão de natureza mista, pois encerra a fase de formação da culpa, inaugurando a fase de preparação do plenário, que levará ao julgamento de mérito. Embora se trate de decisão interlocutória. A pronúncia mantém a estrutura da sentença, ou seja, deve conter o relatório, a fundamentação e o dispositivo.

Mirabete91 sobre a mera definição de pronúncia assegura

que:

Assim, considerada stricto sensu, a pronúncia é a decisão interlocutória mediante a qual o magistrado declara a viabilidade da acusação por se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor.

Ainda neste intento, a melhor lição que nos é dada é a

aula de Marques92: “A pronúncia é sentença processual de conteúdo

declaratório em que o juiz proclama admissível a acusação, para que seja

decidida no plenário do Júri”.

90 NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri, p. 60. 91 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, p. 498. 92 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense, 1962. v. 3, p. 198.

31

Como já anteriormente explicitado, para proferir a decisão

de pronúncia, o magistrado deve constatar a existência de prova da

materialidade e de indícios suficientes de autoria ou de participação.93

2.5 DA IMPRONÚNCIA

Diferente da decisão de pronúncia cabe ao magistrado, se

entender que não houve prova de materialidade ou de indícios de autoria,

impronunciar o acusado nos termo do art. 414 do CPP, como assim se vê:

”Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios de

autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o

acusado”.

O conceito de impronúncia para Mendonça94 é aquela em

que tal dispositivo trata de uma decisão interlocutória que não julga o mérito,

ela é mista, pois põe fim a uma fase procedimental, é terminativa, pois põe fim

ao processo, em que o juiz entende que não estão presentes os pressupostos

mínimos para a pronúncia do acusado.

Acerca do conceito de impronúncia discorre Capez95:

Impronúncia é uma decisão de rejeição da imputação para o julgamento perante o Tribunal do Júri, porque o juiz não se convenceu da existência do fato ou de indícios de autoria. Nesse caso a acusação não reúne elementos mínimos sequer para ser discutida. Não se vislumbra nem o fumus boni iuris, ou seja, a probabilidade de sucesso da pretensão punitiva.

Neste mesmo sentido já decidiu o Tribunal de Justiça de

Santa Catarina96:

RECURSO CRIMINAL - CRIME CONTRA A VIDA - CO-AUTORIA - INEXISTÊNCIA DE PROVA DA PARTICIPAÇÃO DO CO-RÉU - IMPRONÚNCIA RECONHECIDA - RECURSO

93 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 15. 94 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 19. 95 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 553. 96SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Acórdão: Recurso Criminal 99.020676-9. Relator: Solon d'Eça Neves. Decisão em 31 de outubro de 2000. disponível em <WWW.tj.sc.gov.br>.

32

PROVIDO NÃO EXISTINDO NOS AUTOS PROVA DA PARTICIPAÇÃO DO CO-RÉU, SEJA EM AÇÃO DIRETA, OU APENAS DE APOIO AOS ATOS ILÍCITOS PRATICADOS, QUE DEMONSTREM INTERLIGAÇÃO PSICOLÓGICA ENTRE A AÇÃO DO AGENTE E DO CO-PARTÍCIPE, A IMPRONÚNCIA SE IMPÕE, NOS TERMOS DO ARTIGO 40997 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.

Pode-se notar que a citada decisão trata não apenas da

ausência de materialidade, mas de falta de indícios de co-autoria, portanto

acertadamente o acusado foi impronunciado98.

2.6 DA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA

Ainda cabe ao magistrado decidir sobre a possível

absolvição sumária, nos moldes do art. 415 do CPP, como se pode visualizar:

Art. 415 – O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando: I – provada a inexistência do fato; II – provado não ser ele autor ou participe do fato; III – o fato não constituir infração penal; IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão de crime.

Constata-se que a absolvição sumária é a decisão na qual

o magistrado adentra no mérito e absolve, desde logo, o acusado. É um

julgamento antecipado da causa e se trata de verdadeira sentença absolutória.

É uma exceção ao princípio da soberania dos veredictos, pois o magistrado

retira dos jurados o julgamento dos fatos imputados99.

Oportuno o comentário de Magalhães Noronha100:

A absolvição sumária autorizada pelo Código é norma tradicional do direito pátrio e inspira-se na razão preponderante

97 Com a reforma da Lei 11.689/2008 o art. 414 passou a ser o correspondente. 98 A doutrina elenca também uma decisão chamada despronúncia, que é uma decisão proferida pelo juiz ou pelo tribunal ao reformular a anterior sentença de pronúncia, transformando-a em impronúncia. (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri, p. 87.). 99 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 22. 100 MAGALHÃES NORONHA, E. Curso de processo penal. 25. Ed. Atual. São Paulo: Saraiva, 1997.

33

de evitar para o réu inocente as delongas e os notórios inconvenientes do julgamento pelo júri.

Portanto nota-se que o princípio da soberania dos

veredictos se completa após a decisão dos jurados, pois antes a prerrogativa

fica a cargo do magistrado.

Cumpre lembrar que o parágrafo único do art. 415 trata da

absolvição sumária imprópria, senão veja:

Parágrafo único – Não se aplica o disposto do inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva.

O parágrafo único do art. 415 andou bem em disciplinar a

hipótese de inimputabilidade por doença mental. Segundo dispõe, não é

possível em regra, a absolvição sumária imprópria. Importante relembrar que

ao acusado, quando absolvido com base na inimputabilidade decorrente de

doença mental (art. 26 do CP), será aplicada medida de segurança (art. 97 do

CP c/c o art. 386, parágrafo único, inc. III, do CPP) 101.

Com a nova reforma do rito do júri foram alterados os

recursos cabíveis das decisões do magistrado. Como exemplo, salienta-se que

a nova lei alterou o recurso cabível da decisão de absolvição sumária. Antes,

seria cabível o recurso em sentido estrito (art. 581, VI, do CPP, neste ponto

expressamente revogado). A partir da reforma, porém, será cabível o recurso

de apelação102.

Importante destacar, que com o advento da Lei

11.689/20088 o legislador não faz mais menção à necessidade do “recurso de

ofício” na hipótese da absolvição sumária. Em verdade, não se trata de

recurso, principalmente pela inexistência de voluntariedade, e sim de uma

condição de eficácia da sentença, ou seja, enquanto a questão não fosse

analisada pelo Tribunal, não haveria trânsito em julgado (súmula 423 do STF). 101 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 23. 102 Vale ressaltar que da absolvição sumária no procedimento comum também será cabível apelação, mas com fulcro no art. 593, I, do CPP.

34

Embora nos pareça que a reforma tenha buscado extinguir o referido recurso,

foi mantido o art. 575, II do CPP, que ainda o prevê. Desta forma, o referido

recurso não foi extinto do ordenamento jurídico, embora revogado tacitamente

e não expresso103.

Uma vez absolvido sumariamente o acusado pelo crime

doloso contra a vida, o juiz não deve fazer considerações sobre o crime

conexo, por entender que não é se sua alçada.

Neste sentido Mirabete104 explana:

Como a absolvição sumária exclui a competência do júri para os crimes conexos ou continentes que a ela estavam jungidos, somente após o transito em julgado da sentença, após a confirmação desta em recurso de oficio, é que aqueles ilícitos poderão ser apreciados. O juiz que absolver sumariamente o réu não pode julgá-lo pelos crimes conexos. Deve aguardar o trânsito em julgado da sentença para proceder, por aplicação analógica, remetendo os autos ao juiz competente para os crimes objetos do rito ordinário, se não o for.

Embora não haja menção expressa no procedimento do

Júri, referida situação é tratada no art. 81, parágrafo único, do CPP, que,

prevendo uma exceção à perpetuatio jurisdcitionis, estabelece que,

reconhecida inicialmente ao Júri a competência por conexão ou continência, o

juiz, se vier a desclassificar a infração ou impronunciar ou absolver o acusado,

de maneira que exclua a competência do Júri, remeterá o processo ao Juízo

competente.

2.7 DA DESCLASSIFICAÇÃO

A última decisão passível de ser tomada ao final do ius

accusationis é a desclassificação do crime. Nesta decisão interlocutória simples

(que não julga o mérito), o magistrado altera a classificação jurídica dada ao

fato, afirmando que não há um crime doloso contra a vida, razão pela qual

deverá declinar de sua competência. Como se estará privando dos jurados o

103 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 25. 104 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, p. 511.

35

julgamento do caso, urge que o magistrado somente desclassifique a infração

nesta fase se estiver claro não se tratar de crime doloso contra a vida.

Neste sentido preceitua o atual art. 419, e parágrafo único

do Código de Processo Penal:

Art. 419 – Quando o juiz se convencer, em discordância com a acusação, da existência de crime diverso dos referidos no §1.º do art. 74 deste Código e não for competente para o julgamento, remeterá ou autos ao juiz que o seja. Parágrafo único – Remetido os autos do processo a outro juiz, à disposição deste ficará o acusado preso.

Em face da desclassificação do crime Leciona Nucci105:

“Desclassificação é a decisão interlocutória simples, modificadora da

competência do juízo, não adentrando o mérito, nem tampouco fazendo cessar

o processo”.

Portanto, seriam essas as quatro decisões que o

magistrado poderá tomar antes da fase do plenário.

2.8 DO JULGAMENTO EM PLENÁRIO

O Tribunal do Júri é composto por um juiz de direito, que

é o seu presidente, e por vinte e cinco jurados106, sorteados dentre os alistados

(art. 447, CPP). Portanto, cuida-se de um órgão colegiado formado, como regra

por vinte e seis pessoas107.

Alistados são todos os selecionados pelo juiz presidente,

no decorrer de um ano, para servirem no seguinte. Os alistados como jurados

servirão ou não, dependendo do sorteio para a composição efetiva do conselho

de sentença, haja vista que em momento apropriado serão sorteados sete

jurados para o plenário.

105 NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri, p. 88. 106 Com o advento da Lei 11.689/2008 que alterou profundamente o procedimento do Tribunal do Júri no Brasil, inúmeras foram as mudanças com relação a organização do Júri, a lei antiga se tratava de 21 jurados e um Juiz presidente. 107 NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri, p. 117.

36

No art. 448 do CPP, tratam-se dos impedimentos para o

exercício conjunto da função de jurado no mesmo Conselho de Sentença. Este

dispositivo elenca em seu texto que marido e mulher, ascendente e

descendente, sogro e genro ou nora; irmãos e cunhados, durante o cunhadio;

tio e sobrinho, bem como padrasto, madrasta ou enteado.

Para Mendonça108 essas restrições visam evitar que se

macule a imparcialidade do julgamento, pois, em razão da proximidade entre

as pessoas indicadas, há um grande risco de que já tenham previamente

discutido a causa. Ademais, a proximidade entre elas indica que poderão julgar

em um mesmo sentido, o que também não seria salutar.

A cargo do novo rito do julgamento pelo júri, o parágrafo

primeiro do art. 448 trouxe uma importante inovação quanto à hipótese de o

relacionamento conjugal ter como base a união estável.

Neste sentido observa Mendonça109:

A inovação ficou por conta do reconhecimento de que o vinculo que poderá levar o impedimento também se aplica as pessoas que mantenham união estável. [...] Assim, em caso de união estável, não poderão servir, por exemplo, os conviventes ou o pai de um deles com o outro convivente.

Compreendemos que a Constituição Federal de 1988

corrobora a União Estável como entidade familiar reconhecida, nota-se que

este sistema familiar foi omitido antes de 1988, o que levou ao erro milhares de

leis e decretos, que não reconheciam tal instituto, trazemos o art. 226, §3º, da

CF, para uma melhor visualização: “Para efeito da proteção do Estado, é

reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,

devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

No que concerne à efetiva omissão do reconhecimento da

União Estável em nosso ordenamento ensina Venosa110:

108 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 67. 109 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 68.

37

Durante muito tempo nosso legislador viu no casamento a única forma de constituição da família, negando efeitos jurídicos à união livre, mais ou menos estável, traduzindo essa posição em nosso Código Civil do século passado.

Contudo, a alteração vinda com a Lei 11.689/2008 trouxe

uma importante inovação, levando em conta a nossa atual realidade.

Há ainda em que se falar das regras dos impedimentos

que a nova reforma traz no texto do parágrafo segundo do art. 448, como

vemos na aula magna de Gomes111:

Sujeitam-se os jurados, igualmente, às mesmas causas de suspeição e impedimento cominadas ao juiz togado, tudo com o objetivo de garantir a imparcialidade do julgador, requisito fundamental e indispensável, a ser exigido tanto do Magistrado de carreira, como do leigo.

Portanto no que pese aos impedimentos, nota-se que o

legislador ocupou-se de não distinguir o juiz de fato do juiz togado.

No que tange a tratativa das reuniões e das sessões do

Tribunal do Júri o legislador elencou tal dispositivo no art. 453 do CPP como se

vê: ”Art. 453 – O Tribunal do Júri reunir-se-á para as sessões de instrução e

julgamento nos períodos e na forma estabelecida pela lei local de organização

judiciária”.

A presente seção trata das reuniões e das sessões. Cabe

ressaltar que os conceitos não se confundem. Neste sentido se manifesta

Rosa112:

É aqui o momento de se precisar a distinção entre reunião e sessão do Tribunal. Reunião é o ajuntamento, nas épocas legais, das diversas pessoas que figuram na composição do Tribunal do Júri, dure esse ajuntamento, que faz o Tribunal coletivo, um, dois, três ou mais dias. Sessão é o funcionamento

110 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Direito de Família. 5. Ed, V. 6, São Paulo: Atlas, 2005, p. 54. 111 GOMES, Luiz Flávio, et al. Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito,, p. 139. 112 ROSA, Borges da. Processo Penal brasileiro. 1942, v.3, p. 40.

38

diário do Tribunal nos diversos processos submetidos a julgamento durante a reunião ordinária ou extraordinária.

A sistemática atual não inovou no sentido da falta do

representante do Ministério Público e do defensor para o julgamento em

plenário, haja vista que o juiz presidente, tal como já o fazia antes, adiará o

julgamento marcando para o primeiro dia desimpedido. O que sim foi inovado,

é que diante da falta do defensor, sem escusa legitima, será imediatamente

comunicado ao presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil113,

já com a data do novo julgamento.

Quanto à ausência do advogado do réu, aplica-se, de

inicio, o art. 456, ou seja, o julgamento é automaticamente adiado,

independentemente se a ausência é ou não justificada, ante a impossibilidade

de se nomear novo defensor, pois como bem se lembra a plenitude de defesa é

um principio constitucional, haja vista que a nomeação de novo advogado

estaria evidentemente prejudicando a defesa do acusado114.

Em caso de ausência injustificada do advogado

constituído, determina a nova Lei que somente haverá adiamento por uma vez,

devendo o acusado ser julgado na segunda sessão. Referida regra visa evitar

manobras procrastinatórias por parte da defesa. Neste intento será nomeado o

defensor público para que venha a fazer o novo julgamento, aqui verificamos

que nas comarcas onde não houver defensor público poderá ser nomeado um

advogado dativo. A nova Lei inovou ao conceder prazo de 10 (dez) dias para

que este novo advogado se prepare devidamente115, contudo o advogado

constituído poderá voltar ao crivo da defesa, pois é direito do acusado constituir

advogado de sua confiança116.

No que tange a ausência do acusado, a reforma inovou

mais uma vez com maestria, pois pela antiga regra, somente seria possível o 113 Na antiga sistemática o termo usado com redação do art. 450 do CPP, era Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil. 114 GOMES, Luiz Flávio, et al. Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito, p. 146. 115 Neste sentido, o STF decidiu que violava a ampla defesa nomear advogado com antecedência de apenas dois dias para o julgamento em plenário ( 1.ª Turma – HC 85.969/SP – Rel. Min. Marco Aurélio – j. 04.09.2007 – informativo de jurisprudência 478). 116 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 74.

39

julgamento em plenário sem a presença do acusado se se tratasse de infração

afiançável. Nas infrações inafiançáveis não seria possível a realização do

julgamento sem a presença do réu. Com a nova Lei, não é necessária a

presença do acusado solto no plenário do julgamento, independentemente se

trata de infração afiançável ou inafiançável117, valendo lembrar que o silêncio

do acusado não importa em confissão.

No aspecto da ouvida das testemunhas que serão

argüidas em plenário verificou-se que não houve qualquer alteração, continua

sendo o número de 5 (cinco) para cada parte.

Após a verificação das diligências referentes aos não

comparecimentos do Ministério Público, defensor e ou testemunhas, o juiz

presidente verificará se a urna contém os nomes dos 25 (vinte e cinco) jurados

sorteados, (art. 462, CPP). Comparecendo, pelo menos 15 (quinze) jurados o

juiz presidente declarará instalados os trabalhos, anunciando o processo que

será submetido a julgamento. (art. 463, CPP).

Presente o número mínimo de jurados e apregoadas as

partes pelo Oficial, as testemunhas deverão ser recolhidas em lugar onde umas

não possam ouvir os depoimentos da outras (art. 460, CPP), buscando manter

a incomunicabilidade entre elas. Importante ressaltar que antes da realização

do sorteio que comporá o Conselho de Sentença, o juiz presidente deverá

esclarecer aos presentes sobre os impedimentos já explicitados. Entre esses

impedimentos o juiz advertirá que uma vez sorteados, os jurados não poderão

comunicar-se entre si, tampouco com outrem, desta forma os jurados aderem

ao princípio da incomunicabilidade.

Uma vez feita à advertência sobre a incomunicabilidade

dos jurados, o magistrado, após verificar que na urna somente estão os jurados

presentes, sorteará 7 (sete) entre eles, que comporão o Conselho de Sentença.

A cada cédula sorteada o juiz lerá o nome primeiro à defesa, sendo seguido da

acusação, neste intento ambas as partes poderão recusar os nomes sorteados

três vezes cada um. Lembrando que havendo mais de um acusado a recusa 117 Exposição de motivos, Mensagem 209, Diário da Câmara dos deputados, 30 mar. 2001, p. 09462.

40

poderá ser feita por um só defensor. Essas recusas são imotivadas, ou seja, a

parte não precisa justificar o motivo de sua recusa.

Neste sentido ensinou Barbosa118: “O direito a recusa

peremptória é ingênito ao júri e dele inseparável. Nasceu com a instituição,

com ela existiu sempre, e, a ele inerente, a acompanha por toda a parte”.

Dito isso após a formação do Conselho de Sentença, o

magistrado se levantará juntamente com todos os presentes para fazer uma

exortação, nos moldes do art. 472 do CPP, como se vê: ”Em nome da lei,

concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa

decisão de acordo com vossa consciência e os ditames da justiça”.

Este juramento visa demonstrar ao jurado a importância

da sua participação no julgamento. Cabe ressaltar que fica expresso no

referido juramento que os jurados não precisam julgar com base na lei, e sim

por mera e intima convicção119.

Prestado o compromisso pelos jurados, inicia-se a fase do

plenário. Em atenção à ampla defesa, o interrogatório do acusado não mais é o

primeiro ato da instrução. Tendo em vista que o interrogatório é meio

predominantemente de defesa, ocorrerá apenas após toda a colheita de

prova120.

A partir da nova reforma, será ouvido, em primeiro lugar, o

ofendido, se possível. Após serão inquiridas as testemunhas, primeiro as de

acusação e, depois, de defesa. A ordem de formulação de questionamentos

quanto às testemunhas de acusação será respectivamente, o juiz presidente,

jurados (por intermédio do juiz), Ministério Público, assistente, querelante e por

ultimo o defensor do acusado. Quanto às testemunhas de defesa a ordem dos

questionamentos serão, o juiz, os jurados, o defensor, o Ministério Público e o

assistente.

118 FARIA JUNIOR César de, BARBOSA Ruy. O júri e a responsabilidade penal dos juízes. Revista brasileira de ciências criminais, nº 34, abr. – jun. 2001, p. 273. 119 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, 210. 120 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 91.

41

Com o advento da Lei nº 11.689/2008 retirou-se do

julgamento em plenário a leitura de qualquer peça relativa ao processo a

pedido das partes. Com exceção daquelas peças relativas às que fazem parte

das provas colhidas por carta precatória e as provas cautelares, antecipadas

ou não repetíveis. A finalidade da referida norma é garantir celeridade no

julgamento, evitando delongas desnecessárias, o que não ocorria na antiga

sistemática. No que pese o atual dispositivo denota que o magistrado pode

indeferir quando a parte juntar peças longas e desnecessárias para a leitura em

plenário, pois tal ato demonstra verdadeira intenção de procrastinar o

procedimento.

Neste sentido, oportuna as lições de Nucci121:

Elimina-se, com o atual dispositivo, a leitura desgastante de peças inúteis ou de interesse reduzido para a apuração da verdade real. Portanto, ilustrando, se qualquer das partes juntar um livro ou um artigo nos autos e pretender que ele seja lido devem o juiz indeferir o pleito. Não se trata de prova cautelar, antecipada ou não repetível.

Conclui-se que andou bem o legislador concernente a

retirar a leitura de peças desnecessárias.

Após esta diligência o art. 474 do CPP, trata do

interrogatório do acusado, vale lembrar que o novo rito trouxe significativas

mudanças em relação a esta fase. A maior diferença está na forma de

inquirição que, afastando-se do sistema presidencialista passa a ser de forma

direta ao acusado, nesta ordem o Magistrado iniciará os questionamentos,

seguido do Ministério Público, do assistente, do querelante e do defensor.

Outra inovação de suma importância foi o fato de não

serem mais admitidas o uso de algemas no acusado, salvo se for de absoluta

necessidade aos trabalhos e a garantia de segurança aos presentes.

Acertadamente o legislador fez questão de frisar que o uso de algemas tem

tendências negativas em relação aos jurados, haja vista que por serem eles

leigos, poderiam ver as algemas como sinal de culpa, ou até mesmo de 121 NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri, p. 179.

42

periculosidade, influenciando-os no sistema de intima convicção. Neste intento

o legislador quis frisar que o uso das algemas somente será adotado se

absolutamente necessário. Neste sentido decidiu o STF122:

HABEAS CORPUS. PENAL. USO DE ALGEMAS NO MOMENTO DA PRISÃO. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA EM FACE DA CONDUTA PASSIVA DO PACIENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PRECEDENTES. 1. O uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nos casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer, e para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. O emprego dessa medida tem como balizamento jurídico necessário os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedentes. 2. Habeas corpus concedido.

Em relação ao Júri, inclusive, já havia decisões judiciais

que determinavam que somente em caso de necessidade se devesse algemar

o acusado em plenário123.

Destarte, após o interrogatório do acusado, serão

iniciados os debates orais. Esta é a oportunidade em que as partes poderão

fazer valer as suas teses, ressalta-se que este é o ponto mais importante da

sessão em plenário.

A palavra inicialmente fica a cargo do Ministério Público.

Cabe ressaltar que antes da reforma o promotor de justiça deveria ler o libelo

crime acusatório não saindo do crivo da dita peça, com a reforma o libelo foi

extinto devendo a acusação acatar os limites da pronúncia. Após a fala do

representante do Ministério Público a palavra ficará a cargo do defensor.

122 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 1. ª Turma. HC 89.429/RO. Relatora: Ministra Cármen Lúcia. Decisão em 22.08.2006. Disponível em: <WWW.stf.gov.br>. 123 Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal: “O uso de algemas durante o julgamento não constitui constrangimento ilegal se essencial a ordem dos trabalhos e a segurança dos presentes” in: BRASIL Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma – HC 71.195/SP. Relator: Ministro: Francisco Rezek . Decisão em 04 de agosto de 1995. Disponível em: <WWW.stf.gov.br>.

43

Notadamente, como os jurados devem ter pleno

conhecimento do que estão julgando, a lei garante as partes nos debates, um

tempo extra de fala, conhecidos como réplica e tréplica.

De acordo com a nova legislação124, o tempo para os

debates passou de duas horas para uma hora e meia. No entanto ampliou-se o

prazo para a réplica e tréplica, que passou de meia hora para uma hora125.

Havendo mais de um acusado, aumenta-se o tempo de debates em uma hora

(duas horas e meia) e o tempo da réplica e tréplica será dobrado (duas horas).

Importante frisar, que havendo mais de um acusador ou mais de um defensor,

o tempo para os debates será dividido entre eles conforme o desejarem.

Finda a fase dos debates, o magistrado, indagará aos

jurados se necessitam de algum esclarecimento, bem com se estão aptos a

decidirem sobre o fato. Cabe ressaltar que a audiência em plenário de

julgamento deve ser una, de sorte que não é possível a sua interrupção, deste

modo o juiz constatando que precise de imediata diligência, suspenderá o

julgamento, haja vista o princípio da verdade real que se busca.

Fase de extrema importância após os jurados serem

indagados pelo magistrado no intuito de saber se estão aptos a julgarem, são

os questionamentos concernentes ao fato, no júri são conhecidos como

quesitos. O Código de Processo Penal omitiu esta seção na sistemática

anterior, sendo o art. 482 da atual reforma que trata deste dispositivo:

Art. 482 – O Conselho de Sentença será questionado sobre matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido. Parágrafo único – Os quesitos serão redigidos em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão. Na sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes.

124 Art. 477 do CPP. 125 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 101.

44

O julgamento pelos jurados será feito mediante respostas

aos quesitos formulados pelo juiz presidente. Na sistemática anterior, os

quesitos eram formulados de maneira muito complexa, o que freqüentemente

causava nulidades variadas. Nota-se que a reforma tratou de buscar o fim

destas nulidades, simplificando o questionário126.

O artigo 483 do CPP mostra a seqüência no qual serão

formulados os quesitos, respectivamente serão sobre a materialidade do fato,

sobre a autoria ou participação, se o acusado deve ser absolvido, se existe

causa de diminuição de pena alegada pela defesa, se existe circunstâncias que

qualificam o crime.

Destarte que as inovações concernentes aos quesitos,

bem como seus aspectos relevantes, serão tratadas no terceiro capítulo. Haja

vista ser de plena amplitude o tema em pauta.

Findo a elaboração dos quesitos, o juiz os lerá as partes

para que eventualmente o venham a impugnar, bem como esclarecerá aos

jurados cada quesito 127. Após esta tratativa, não havendo dúvidas o juiz, os

jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do

acusado, o escrivão e o oficial de justiça se encaminharão a sala secreta, na

falta desta o juiz ordenará que o público se retire do plenário, neste momento

as partes não poderão intervir na votação128.

O juiz entregará aos jurados sete cédulas com a palavra

“SIM” e sete cédulas com a palavra “NÃO”, afim dos jurados votarem ao serem

inquiridos pelos quesitos. O resultado de 4 (quatro) a 3 (três), 5 (cinco) a 2

(dois), 6 (seis) a 1 (um) e 7 (sete) a 0 (zero), tem o mesmo peso.

Após a votação, o juiz presidente irá proferir a sua

sentença, não podendo se afastar daquilo que foi decidido pelos jurados, o juiz

poderá acatar, segundo as decisões dos jurados, a condenação, a absolvição,

a absolvição imprópria (no caso de medida de segurança), a desclassificação

126 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 113. 127 Art. 484 do CPP. 128 Art. 485, §§ 1º e 2º, CPP.

45

(no caso dos jurados entenderem não ser crime doloso contra a vida), bem

como a desclassificação do crime conexo.

No capítulo seguinte serão tratados os inúmeros aspectos

relevantes da nova reforma procedimental do Tribunal do Júri no Brasil.

46

CAPÍTULO 3

ASPECTOS RELEVANTES DA REFORMA PROCEDIMENTAL

O presente capítulo tratará da intensa reforma que se

instaurou no procedimento do Tribunal do Júri com o advento da Lei nº 11.689

de 09 de junho de 2008. Importante ressaltar que a citada lei alterou

profundamente a sistemática antiga, sendo necessária uma análise veemente

nos principais artigos que trouxeram significativas mudanças. Neste intento

serão tratados os artigos que mais trouxeram mudanças relevantes à nova

reforma, seja de aspecto positivo, em relação à antiga sistemática, seja de

forma negativa.

Cumpre ainda informar que o advento da nova lei tem

características inovadoras, em tese, para melhor, desta forma grande parte da

reforma traz mudanças positivas, sendo ínfimas as de cunho negativo, porém,

tanto uma quanto a outra merecem análises significativas.

3.1 REFORMA NO PROCEDIMENTO

Diante da reforma em análise, a de ser concebido que o

legislador, ao reformar o Tribunal do Júri, teve a real intenção de dar maior

celeridade ao processo, contanto constata-se que toda reforma traz mudanças

positivas, como também negativas. Neste sentido, o art. 406 do Código de

Processo Penal129 foi alterado pela reforma para adaptar-se ao procedimento

comum, prevendo uma fase de resposta após o recebimento da denúncia130.

Desta forma visualiza-se o art. 406 do CPP:

129 Todos os artigos citados neste capítulo serão do CPP, com base na Lei nº 11.689/08, salvo indicação ao contrário. 130 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 04.

47

Art. 406. O juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.

§ 1o O prazo previsto no caput deste artigo será contado a partir do efetivo cumprimento do mandado ou do comparecimento, em juízo, do acusado ou de defensor constituído, no caso de citação inválida ou por edital.

§ 2o A acusação deverá arrolar testemunhas, até o máximo de 8 (oito), na denúncia ou na queixa.

§ 3o Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo que interesse a sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, até o máximo de 8 (oito), qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.

Há de se notar uma importante alteração elencada neste

artigo, pois tal dispositivo prevê que o magistrado, ao receber a denúncia nos

casos de procedimento do júri, deverá ordenar a citação do acusado para

apresentar defesa no prazo de 10 (dez) dias. Esta resposta escrita inicial é

inovação da reforma tanto no procedimento comum quanto no Júri, moldando-

se as legislações modernas, com o intuito de permitir ao acusado que se

defenda desde o inicio do processo131.

Neste sentido assevera Nucci132:

Recebida a denúncia ou queixa, o réu será citado para apresentar a sua defesa prévia, por escrito, e não mais para ser interrogado. O interrogatório deve realizar-se ao final da colheita de prova.

Portanto, nota-se que este aspecto alterador é positivo, já

que neste momento buscou-se ampliar o principio do contraditório existente em

outros procedimentos desde o inicio.

131 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 05. 132 NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri, p. 52.

48

Nota-se que nesta fase inicial, ao apresentar a defesa

prévia, o acusado poderá, de acordo com o artigo já exposto, arrolar até 8 (oito)

testemunhas na primeira fase, esta sistemática não foi mudada, já que o

número de testemunhas é o mesmo de antes da reforma.

Em relação ao parágrafo terceiro o legislador inovou ao

colocar que na defesa prévia o acusado poderá argüir tudo que interesse a sua

defesa, bem como apresentar documentos e justificações, apresentando ainda

as provas que pretende trazer ao processo.

No entanto nota-se, nesta última fonte, um aspecto

negativo e desnecessário, que poderia ter sido evitado nos moldes da reforma,

como bem explana Silva133:

A cautelar de justificação, muito utilizada para produzir provas em ritos procedimentais onde não há espaço para tal, como a Revisão Criminal que já deve ser recebida pelo Tribunal com as provas produzidas na audiência de justificação, não tem lugar no júri. Para que pedir uma justificação para produzir provas se, em seguida, a lei abre espaço, na “super audiência” do art. 411, para que todas as provas permitidas pelo Direito sejam produzidas.

Desta forma conclui-se que diverge o objetivo do

legislador em tornar o procedimento mais célere, tendo em vista que o ato

disposto no parágrafo terceiro do art. 406 procrastina o procedimento.

Pelo novo procedimento, apresentada a defesa inicial e

ouvida à parte autora, quando for o caso, deve o juiz designar audiência una de

instrução e julgamento, no prazo de dez dias nos moldes do art. 411. Há quem

visualize um grande avanço do legislador ao tratar de apenas uma audiência,

como ensina Mendonça134:

Com a unicidade da audiência, busca-se a revalorização do principio da oralidade, trazendo o magistrado para mais próximo da produção da prova (principio da imediação), ao

133 SILVA, Ivan Luís Marques. Reforma Processual Penal de 2008. Revistas dos Tribunais, São Paulo: 2008, p. 88. 134 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 09.

49

mesmo tempo em que se intenta conferir maior celeridade ao procedimento.

Cabe ressaltar, que apenas em casos excepcionais é que

a audiência de instrução e julgamento não será una.

Cumpre indicar o que se busca na audiência do art. 411,

na ordem de sua realização, qual seja a oitiva do ofendido, a oitiva das

testemunhas de acusação e defesa, nesta ordem, os esclarecimentos dos

peritos, acareações, reconhecimento de pessoas e coisas, interrogatório do

acusado, alegações orais na própria audiência.

O corpo de texto do art. 412 trouxe o prazo para terminar

a fase da formação da culpa, este prazo, que é de 90 (noventa) dias foi

elaborado em razão da preocupação com a celeridade e a rápida duração do

processo, nos moldes da Constituição Federal em seu art. 5º, inc. LXXXVIII,

senão veja-se: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a

razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua

tramitação”.

Embora tal preceito constitucional tenha o objetivo de dar

uma maior celeridade ao processo, na prática tal sistemática, quanto ao

Tribunal do Júri, é totalmente fora da realidade.

Para Silva135 não resta cabível a efetivação da

concentração de toda a instrução de um crime doloso contra a vida na “super

audiência”. Terão duas, três, quatro, tantas quantas forem necessárias para

alimentar o processo com todas as informações possíveis a respeito do fato

narrado pela acusação.

Desta forma, com todas as problemáticas sentidas em

virtude da exagerada demanda em comarcas brasileiras, não se vislumbra o

cumprimento do prazo de 90 (noventa) dias no rito do Tribunal do Júri, o que

causará intensas discussões futuras.

135 SILVA, Ivan Luís Marques. Reforma Processual Penal de 2008, p. 93.

50

Neste sentido, dando margem ao aspecto notoriamente

negativo, explana Silva136:

Se o acusado tem o direito liquido e certo de ver a instrução encerrada em 90 dias e ela não se encerrar nesse prazo por circunstâncias alheias à sua vontade, não restará alternativa ao Poder Judiciário: deve colocar o réu para responder o processo em liberdade. Este quadro absurdo criado dará margem à uma enxurrada de habeas corpus por excesso de prazo e obrigará o STF a valer-se de uma súmula vinculante para pacificar a situação.

Então, pode-se concluir que a efetivação deste prazo é

inconcebível, haja vista, a máquina do Poder Judiciário carecer de recursos

que possibilitem uma sistemática em tempo hábil.

3.2 COMENTÁRIOS À REFORMA DAS DECISÕES DO JUIZ

Importante destacar que as quatro decisões que o

magistrado pode proferir na fase da formação da culpa, ou seja, a primeira fase

do júri, o juiz estará sob a exegese do principio do livre convencimento, haja

vista que a pronúncia, impronúncia, absolvição sumária e desclassificação,

passarão por seu crivo.

Quanto à impronúncia do réu, há de se notar que a

reforma andou bem em afastar a linguagem utilizada pela antiga redação do

art. 409, que mencionava que o juiz julgaria improcedente a denúncia ou

queixa, o que seria um tanto incabível, pois a menção de impronúncia, é a

ausência de pressupostos para que o acusado seja pronunciado137.

Outro aspecto relevante, que merece atenção especial, foi

na alteração do recurso cabível da decisão que impronunciar o réu, como já

anteriormente relatado. Como era de conhecimento, o recurso cabível antes da

reforma era o recurso em sentido estrito, com a atual redação, passou-se a

utilizar o recurso de apelação. A lógica da Lei 11.689/2008, ao alterar a parte

136 SILVA, Ivan Luís Marques. Reforma Processual Penal de 2008, p. 93. 137 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 19.

51

recursal da primeira fase do júri, foi de manter o recurso em sentido estrito para

as decisões não terminativas (que extinguem o processo).

A alteração da parte recursal será aplicável

imediatamente. Assim, as decisões proferidas a partir do dia 9 de agosto de

2008 deverão se submeter à nova disciplina. As decisões proferidas antes

desta data devem seguir a antiga sistemática recursal138.

Uma importante inovação se deu em torno da absolvição

imprópria, ou seja, em caso de se aplicar a medida de segurança, não haverá,

portanto, embora facilmente possa se dirimir, uma absolvição propriamente

dita. Neste sentido trata Mendonça139: “Esta medida não deixa de ser uma

sanção penal, pois o réu ficará internado ou em tratamento ambulatorial até

cessar a sua periculosidade”.

Ressalta-se, ainda, que a reforma inovou positivamente

em torno do recurso cabível em relação à absolvição sumária, pois

antigamente era cabível o recurso em sentido estrito, nos moldes do art. 581,

VI, do CPP, sendo agora cabível o recurso de apelação.

3.3 REFORMA NA INTIMAÇÃO DA PRONÚNCIA

Aspecto positivo de vital importância foi a cargo da

intimação da pronúncia. Pela anterior sistemática, a intimação da pronúncia

possuía regras particulares. O acusado deveria ser intimado pessoalmente. No

entanto, se não fosse encontrado, somente seria possível a intimação por edital

nas infrações afiançáveis. Caso a infração fosse inafiançável, não seria

possível intimação por edital, de forma que o procedimento era paralisado

(crise da instância) até que o acusado fosse encontrado. Contudo, desta forma

mesmo o processo suspenso, não havia suspensão do prazo prescricional, o

que poderia ensejar a ocorrência da prescrição, especialmente na modalidade

retroativa.

138 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 143. 139 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 23.

52

A partir da reforma, visualizam-se novas regras em torno

da intimação da pronúncia, pois tal dispositivo deve ser feito pessoalmente ao

acusado, ao defensor nomeado (dativo ou defensor público) e ao Ministério

Público.

A maior novidade, contudo ficou a cargo da intimação do

acusado solto, que poderá ser feito via edital, independente se o crime é

afiançável ou inafiançável, podendo o procedimento prosseguir em seus

ulteriores termos140.

Com base na intimação de acusado assevera Dezem141:

Somente poderá haver intimação por edital do acusado solto, jamais do acusado preso. Isto porque o Estado tem o dever de manter atualizados os seus cadastros sobre a situação do acusado, sendo nula a intimação por edital do acusado preso.

Deste modo conclui-se que o legislador fez significativas

alterações no que tange a intimação da pronúncia.

Quanto aos autos serem remetidos ao juiz responsável

pelo Tribunal do Júri, não houve alterações relevantes, preclusa a decisão de

pronúncia, ou seja, não havendo recurso em sentido estrito, ou havendo, não

sendo acatado pelo Tribunal de Justiça, serão os autos remetidos ao juízo

competente.

3.4 EXTINÇÃO DO LIBELO-CRIME ACUSATÓRIO

Concernente a fase de preparação do julgamento em

plenário, a alteração de maior relevância positiva ficou a cargo da extinção da

peça de acusação, o libelo-crime acusatório.

Cumpre ressaltar que esta peça era a petição que

inaugurava a segunda fase do procedimento no Tribunal, oportunidade em que

o Ministério Público fazia a imputação de maneira articulada, ou seja, na forma

140 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 29. 141 DEZEM, Guilherme Madeira, JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Nova Lei do Procedimento do Júri Comentada. Millennium, Campinas: 2008, p. 49.

53

de artigos. Ressalta-se que o libelo era o espelho da pronúncia, estava

vinculado, “bitolado”, pela pronúncia não podendo dela se afastar142.

Muitos anos antes da reforma, em relação à peça do

libelo-crime acusatório, já ensinava Mirabete143:

É nulo o libelo, e em conseqüência também o ulterior julgamento, quando está em desacordo com a pronúncia, ou seja, que dela se afasta na questão substancial, embora não fique adstrito àquela sentença em pontos secundários, que não alteram a qualificação do crime.

Justamente em torno desta vinculação, que a partir da

reforma procedimental, o libelo foi considerado peça inútil, sendo que o

Ministério Público deve moldar a acusação em face da pronúncia.

Neste Sentido destaca-se a lição de Lima144:

O libelo nenhuma força própria tem, todo o seu vigor provém da pronúncia, da qual é ele uma reprodução, é a pronuncia que assiste a função de classificar o crime, caracterizando-o em seus elementos qualificadores.

Conclui-se que a extinção do libelo-crime acusatório, foi

um avanço do legislador, tendo em vista a celeridade que se busca com a

reforma.

Outro fator de extrema relevância foi à extinção da

contrariedade ao libelo, como não poderia ser diferente, haja vista que o libelo

foi extinto tardiamente.

Após o recebimento dos autos o Presidente do Tribunal

do Júri determinará a intimação do Ministério Público e da defesa para que em

5 (cinco) dias apresentem o rol de testemunhas. Serão cinco testemunhas para

o plenário, cinco para cada parte, há de ser visto que está presente neste

142 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 33. 143 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal, p. 512. 144 LIMA, Múcio de Abreu, apud GOMES, Luiz Flávio, et al. Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito, p. 94.

54

dispositivo o principio da imprescindibilidade, da qual será vista futuramente,

quando o art. 461 do CPP estiver em análise.

3.5 REFORMA NA LISTA ANUAL DE JURADOS

Alteração de cunho positivo e de extrema relevância, o

fato da alteração do número de jurados que serão alistados em face da nova

sistemática, desta forma podemos visualizar o art. 425 do CPP:

Anualmente, serão alistados pelo presidente do Tribunal do Júri de 800 (oitocentos) a 1.500 (um mil e quinhentos) jurados nas comarcas de mais de 1.000.000 (um milhão) de habitantes, de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) nas comarcas de mais de 100.000 (cem mil) habitantes e de 80 (oitenta) a 400 (quatrocentos) nas comarcas de menor população.

§ 1o Nas comarcas onde for necessário, poderá ser aumentado o número de jurados e, ainda, organizada lista de suplentes, depositadas as cédulas em urna especial, com as cautelas mencionadas na parte final do § 3o do art. 426 deste Código.

§ 2o O juiz presidente requisitará às autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários a indicação de pessoas que reúnam as condições para exercer a função de jurado.

Nota-se que o artigo em questão adaptou o número de

jurados à realidade atual das grandes cidades. Com o crescente número da

criminalidade, a quantidade de sessões do Tribunal do Júri cresceu

sensivelmente, razão pelo qual o antigo art. 439 restara defasado, embora já

viesse sendo corrigido pelas leis de organização judiciária. O legislador

determinou que a lista anual de jurados poderá variar entre 80 a 1500 jurados,

a depender da população da cidade e, ainda, ser aumentado o número de

55

jurados onde a necessidade o exigir, bem como será organizado a lista paralela

de suplentes, que disporá de urna própria145.

Cabe ressaltar que a escolha do jurado será dentre

cidadãos de notória idoneidade, nos termos do art. 436 do atual dispositivo.

3.6 DO DESAFORAMENTO

O art. 427 da atual reforma trata do desaforamento, este

dispositivo tem por finalidade transferir o julgamento para uma comarca

estranha da do fato, em detrimento de circunstancias de ordem pública e de

possíveis parcialidades dos jurados.

Neste sentido leciona Mendonça146:

O desaforamento é o ato por meio do qual se dá a alteração da competência territorial para o julgamento pelo Tribunal do Júri, submetendo-o a um foro estranho ao do delito, em razão da ocorrência de um dos fatores previstos em lei. Trata-se de situação excepcional, por afastar o acusado do julgamento perante o distrito da culpa e pelas pessoas da localidade.

Importante lembrar que os pressupostos que justificam o

desaforamento, são respectivamente: interesse da ordem pública, dúvida sobre

a imparcialidade dos jurados e segurança pessoal do acusado.

Cumpre destacar que não houve significativas alterações

no que concerne ao desaforamento, a não ser da realização do mesmo por

excesso de prazo, conforme preceitua o art. 428. Este importante dispositivo

legal trouxe o texto para dar uma maior celeridade ao feito.

3.7 DA ORGANIZAÇÃO DA PAUTA

Outro deslinde da reforma foi à organização da pauta147,

haja vista que da atual forma a mesma segue uma lógica coerente. Em

primeiro lugar serão julgados os acusados presos, dentre os presos, aqueles 145 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 38. 146 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 42. 147 Art. 429, CPP.

56

que estiverem a mais tempo na prisão, havendo igualdade de condições serão

julgados aqueles que foram pronunciados há mais tempo. Conclui-se que não

houve severas mudanças.

O art. 432 trata da audiência de sorteio, dispositivo no

qual o magistrado sorteará os 25 nomes que irão ao plenário para a sessão de

julgamento. Vale lembrar que serão sorteados os jurados que compõem a lista

anual de jurados que estão dispostos no art. 425 deste mesmo diploma.

3.8 REFORMA NA DISPOSIÇÃO DOS JURADOS

Relevante alteração em torno deste diploma foi o fato de

eliminar o menor de 18 anos para a realização do sorteio, haja vista de receber

intensas criticas na antiga sistemática, o intuito do legislador arcaico, ao

colocar esta norma, era relegar para a adolescência a escolha dos jurados,

supostamente impedindo qualquer forma de favorecimento.

Numa dessas criticas se manifesta Nucci148:

Trata-se de norma inadequada e vetusta, passível de criticas sob todos os ângulos, afinal, o menor de 18 anos não pode ser considerado mais isento de que qualquer outra pessoa para realizar o sorteio, especialmente ao magistrado, que irá presidir o julgamento.

Contudo, acertadamente o legislador inovou ao conferir a

exclusão do menor de dezoito anos para a realização de sorteio.

Relevantes alterações quanto à função de jurado se deu

em torno da idade dos mesmos, haja vista que a lei agora regula a idade

mínima para o jurado que será de 18 (dezoito) anos149. Vislumbra-se com este

dispositivo o relevante fato que trouxe o advento do Código Civil de 2002, que

fixou a maioridade civil em 18 anos. Portanto a idade de 21 anos prevista na

antiga sistemática estava defasada.

148 NUCCI, Guilherme de Souza, apud MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 53. 149 Art. 436 do CPP.

57

Há de se levar em conta, que no antigo sistema estavam

isentos os jurados que possuíssem idade maior de 60 anos, esse dispositivo se

mostrou arcaico na atual realidade que vivemos hoje, porém, em contrapartida,

deve-se levar em conta que o Código de Processo Penal data de 1941, época

em que a expectativa de vida da população brasileira não passava de 60 anos,

por isso a alteração na atual sistemática em seu art. 437 denotou a idade de 70

anos, que é deveras compatível com a atual realidade.

Neste sentido leciona Dezem150:

Como os jurados devem buscar representar toda a sociedade, não há sentido em se excluir de sua participação pessoas maiores de 60 anos, visto que essa faixa etária cada vez mais compõe expressiva parcela da sociedade, embora, para maiores de 70 anos haja possibilidade de isenção da função de jurado, se assim o quiser.

Cumpre ainda ressaltar que a atual sistemática trouxe

relevante inovação no aspecto do princípio de igualdade, já que trouxe em seu

texto que nenhum jurado será excluído dos trabalhos em razão de cor, etnia,

sexo, religião, profissão, classe social entre outros151.

Quanto ao aspecto de isenção dos jurados, houve

pequenas alterações, conforme podemos ver no art. 437 respectivamente, o

Presidente da República e os Ministros de Estado; os Governadores e seus

respectivos Secretários; os membros do Congresso Nacional, das Assembléias

Legislativas e das Câmaras Distrital e Municipais; os Prefeitos Municipais; os

Magistrados e membros do Ministério Público e da Defensoria Pública; os

servidores do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública;

as autoridades e os servidores da polícia e da segurança pública; os militares

em serviço ativo; os cidadãos maiores de 70 (setenta) anos que requeiram sua

dispensa; aqueles que o requererem, demonstrando justo impedimento.

Além dos deveres elencados aos jurados, a lei ordinária

prevê vantagens que visam assegurar o interesse por este relevante serviço 150 DEZEM, Guilherme Madeira, JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz, Nova Lei do Procedimento do Júri Comentada, p. 72. 151 Art. 436, § 1º, CPP.

58

público prestado a pátria. Na antiga sistemática o jurado teria assegurado

prisão especial até o transito em julgado da ação penal, bem como preferência

em concorrências públicas, como a licitação. Com o advento da Lei

11.689/2008 não só estas vantagens foram repetidas, como também

ampliadas, servindo inclusive como critério de desempate em concursos

públicos152.

Logo, nota-se que a Lei supracitada, além de ratificar as

vantagens já existentes, valorizou de forma significativa a pessoa do jurado,

assegurando-lhe, dentre outras vantagens, a posição superior quando da

análise dos critérios correspondentes ao desempate em concurso público. Tal

inovação mostra-se de grande relevância para a seara jurídica, uma vez que,

certamente fará com que a sociedade se mostre interessada em participar

ativamente, contribuindo, assim, com o poder judiciário e, conseqüentemente,

com formação de uma sociedade mais íntegra.

3.9 NÚMERO LEGAL DE JURADOS

Alteração de significativa relevância foi elencada no atual

número de jurados que compõem a sessão plenária antes do efetivo sorteio do

conselho de sentença153. Desta feita alterou-se a composição do Tribunal do

Júri, como já foi explanado, para 25 jurados e um juiz togado, neste sentido a

reforma andou bem, já que na antiga sistemática eram 21 jurados, sendo o

mínimo legal de 15 jurados, com a reforma o mínimo legal permanece o

mesmo, sendo o número de 25 ideal para o efetivo sorteio.

3.10 REFORMAS GERAIS NO JULGAMENTO EM PLENÁRIO

Aspecto relevante está em torno do art. 449, que inovou

ao elencar que jurado que já funcionou em julgamento anterior do mesmo

processo, não poderá repeti-lo sob pena de nulidade, outra inovação será em

torno de concurso de pessoas, pois o jurado que julgou um agente, não poderá

julgar o outro. Neste sentido dispõe a Súmula 206 do STF: “É nulo o

152 Art. 439, CPP. 153 Art. 447, CPP.

59

julgamento ulterior pelo júri com a participação de jurado que funcionou em

julgamento anterior do mesmo processo”.

Ainda vê-se no mesmo sentido que o legislador se

preocupou em tratar se o jurado, demonstrar, prévia disposição para condenar

ou absolver o acusado. Com base nesta inovação aduz Mendonça154:

Como o jurado deve ser imparcial, assim como o juiz togado, faz sentido afirmar que deve ser impedido de julgar se externou uma predisposição de julgar neste ou aquele sentido. Tal estado de ânimo poderá decorrer de fato anterior ou concomitante a sessão de julgamento, tais como declarações públicas de que irá condenar ou absolver o réu, brigas intensas com o acusado, entre outras situações que a casuística poderá indicar.

Portanto, conclui-se que o legislador, acertadamente

ampliou importantes regras de suspeição, não admitidas anteriormente.

Concernente ao art. 452, este corroborou com a intenção

do Conselho de Sentença de conhecer mais de um processo em um mesmo

dia, desde que as partes o aceitem, hipótese em que prestarão novo

compromisso. Tal dispositivo já era previsto no antigo diploma.

Conforme já explanado no capitulo 2 do presente

trabalho, a ausência do acusado solto no plenário do Tribunal do Júri foi uma

inovação primordial advinda com a nova legislação. Cumpre ressaltar que é um

direito do acusado comparecer em plenário, porém não comparecer também o

é, embora o seja totalmente desaconselhável, ante a possibilidade de

influenciar o animo dos jurados. Seria o mesmo que ir até o plenário e silenciar,

fazendo-se valer do direito constitucional de permanecer em silêncio. Tal

atitude, embora seja um direito assegurado, pode ser mal interpretada, haja

vista, em suma, serem os jurados leigos.

Neste sentido assevera Nucci155:

154 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 68. 155 NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri, p. 146 e 147.

60

Diante do Tribunal Popular, como explicar devidamente aos jurados leigos que são, tal direito constitucional (direito ao silêncio), fazendo-os entender o sentido amplo e profundo dessa proteção, quando poderão fazer o uso do surrado dito popular, quem cala consente?

Porém, o julgamento poderá ser adiado, se o acusado

apresentar justificativa plausível, como doença, acidente entre outras

situações. Desde claro, que o defensor tenha pleiteado tal feito em tempo hábil.

Importante lembrar, que a nova sistemática não importa

em adiar o julgamento caso haja ausência do assistente de acusação, ou até

mesmo do querelante, justificadamente ou não. Entendeu o legislador que a

acusação é prioridade do Ministério Público, sendo admitidas estas figuras

como meros auxiliares, até mesmo na situação do querelante, onde advém por

inércia do órgão acusatório, independentemente, o legislador classificou como

inadiável o julgamento, tendo em vista o principio da celeridade processual.

Quanto à tratativa da ausência das testemunhas a

reforma é categórica, em caso de ausência injustificada de testemunha, a

mesma poderá ser processada por desobediência, ou poderá sofrer a pena de

multa, que ficará a critério do juiz, fazendo-se valer da situação econômica da

mesma.

Importante destacar que a análise da falta da testemunha

está fundada no fato de se ela foi arrolada sob o princípio da

imprescindibilidade, pois se não foi arrolada sob essa exegese sua ausência

não adia a sessão.

Após a verificação dessas diligências, o magistrado,

verificando o número mínimo legal, que é de 15 jurados, esclarecerá aos

presentes sobre os impedimentos, citados no art. 448 e 449 deste diploma,

advertindo ainda que uma vez sorteados, os jurados não poderão mais

comunicar-se entre si. Portanto adotam o principio da incomunicabilidade.

61

Para Mendonça, este princípio visa manter a isenção do

jurado, para que julgue de acordo com sua intima convicção, não se

influenciando pelas opiniões dos demais jurados156.

No entanto, esta incomunicabilidade não é absoluta, haja

vista que os jurados poderão comunicar-se entre si, desde que seja um

assunto alheio ao julgamento, inclusive o STF já decidiu neste sentido, senão

veja-se157:

Não se pode exigir que essa incomunicabilidade absoluta se estenda até o momento em que os jurados não estão em sessão, mas sim em recesso ou mesmo para outra postura urgente, desde que a comunicação não se refira ao fato em julgamento.

Conclui-se, desta forma, que a incomunicabilidade é

restrita para o fato que se esteja julgando.

Ao verificar que estão presentes os jurados que estão na

urna, o magistrado sorteará sete, que comporão o conselho e sentença.

Iniciando o sorteio, o juiz chamará para que acompanhe o

mesmo o defensor e o representante do Ministério Público. Esta tratativa tem o

objetivo de demonstrar as partes quem formará o conselho de sentença, pois a

lei dispõe de um sistema de recusas imotivadas. Estas recusas já eram

utilizadas na antiga sistemática, onde o defensor e o promotor, sem motivar o

feito, recusam os jurados três vezes cada parte. Esta parte, já tratada no

capitulo anterior, trouxe uma inovação em seu corpo de texto, no parágrafo

único do art. 468, que trata que o jurado recusado será excluído daquela

sessão de julgamento.

Cumpre indicar que o julgamento será adiado apenas na

hipótese de, em razão das recusas, não se obter o número legal de jurados.

156 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 82. 157 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. 1º turma. HC 72.485/PR. Relator: Ministro Moreira Alves. Decisão em 19 de abril de 1996. Disponível em: <WWW.stf.gov.br>.

62

Quando houver concurso de agentes, e neste caso

houver divergência no sentido dos defensores não concordarem com a recusa

de um e aceitação de outro, não poderá o julgamento ser adiado, sendo

somente aceito o adiamento caso não se obtenha o número de sete jurados.

O art. 471 trata do chamado “estouro de urna”, que ocorre

quando em razão do impedimento, suspeição, incompatibilidade, dispensa ou

recusa, não houver o número suficiente de jurados para a formação do

Conselho. Nesta situação, o julgamento será adiado para o primeiro dia

desimpedido e o juiz presidente sorteará, da urna respectiva, os suplentes, com

o fito de evitar novo estouro de urna158.

Quando da instrução em plenário inúmeras foram às

inovações de cunho relevante. Dentre elas está a oitiva do ofendido, se

possível. O legislador trouxe à baila a frase “se possível”, já que em suma, os

crimes dolosos contra a vida, tratam de homicídio, instigação ao suicídio, entre

outros, o que traz a triste realidade de que o ofendido não se fará presente,

porém quando o crime doloso for a sua forma tentada, o ofendido poderá estar

presente, notória e válida a alteração.

Após a oitiva do ofendido, serão ouvidas as testemunhas

de acusação, onde respectivamente, serão formuladas perguntas pelo

Magistrado, Ministério Público, assistente de acusação, querelante e defensor

do acusado. Cumpre indicar que os jurados poderão formular seus

questionamentos através do juiz.

As testemunhas de defesa serão inquiridas na mesma

ordem do parágrafo anterior, exceto no que concerne ao defensor, que fará

seus questionamentos antes do Ministério Público e do assistente de

acusação.

A cargo da reforma, o parágrafo 3º do art. 473, traz que

serão admitidas outras diligências, como acareações, reconhecimento de

pessoas, de coisas, entre outros.

158 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 88.

63

A reforma suprimiu a leitura de peças desnecessárias no

plenário do júri, conforme já exposto no capitulo anterior, para uma melhor

visualização vejamos o que explana Silva159, no que tange a leitura de peças:

Não há mais a previsão da insuportável e interminável leitura dos autos. Temos o registro de julgamentos onde até mesmo as petições de juntada foram lidas. Imagine um processo com 12 volumes de 100 páginas cada. Só a leitura integral do processo já fazia o jurado questionar a inteligência do Tribunal.

Mostra-se relevante tal alteração, posto que, veio a trazer

maior celeridade no procedimento, haja vista as inúmeras procrastinações que

eram percebidas com a sistemática anterior.

Vislumbra-se que a maior inovação da instrução em

plenário ficou a encargo da oitiva do acusado como o último ato antes dos

debates, haja vista que se o acusado estiver presente, poderá ele se defender

de toda a colheita de prova e alegações contra ele formuladas. Desta forma

buscou-se ampliar o princípio da ampla defesa, nos moldes do Tribunal do Júri

atribuindo o princípio constitucional da plenitude da defesa, que como já visto é

o princípio que regula a eximia defesa do acusado.

Neste sentido aduz Dezem160:

Interrogado após a oitiva (se possível) do ofendido e das testemunhas, o acusado tem possibilidade de esclarecer as contradições entre sua versão e as já apresentadas, permitindo-se, realmente, um efeito exercício de defesa e um melhor esclarecimento dos fatos. A inversão dos atos, com interrogatório anterior à oitiva do ofendido ou testemunhas gera nulidade absoluta.

Como devidamente explanado no capítulo anterior uso

das algemas será permitido em casos excepcionais, nos moldes do art. 474, §

3º. Importante que seja destacado que o uso de algemas no plenário do júri

159 SILVA, Ivan Luís Marques. Reforma Processual Penal de 2008. p. 157. 160 DEZEM, Guilherme Madeira, JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz, Nova Lei do Procedimento do Júri Comentada, p. 109 e 110.

64

deverá consignar em ata, colocando o justo motivo que o exigiu a sua

utilização, sob pena de nulidade.

Ao término da instrução se iniciará os debates. Há que se

destacar, que esta fase é a mais importante de todo o procedimento, afinal de

contas, é nesta oportunidade que o representante do Ministério Público irá

explorar as suas teses e a defesa, oportunamente, se defenderá empregando

toda a sua técnica no intuito de defender o seu cliente.

Com o advento da Lei 11.689/2008 nesta fase o

procedimento também ficou mais célere, haja vista que com a palavra, o

Ministério Público, antigamente, deveria ler o libelo-crime acusatório, sob pena

de nulidade. Com a atual reforma, tendo em vista a extinção da dita peça, a

acusação se fiará nos moldes da pronúncia, como já anteriormente explicitado.

Vale lembrar que a única inovação da acusação será feito no caso de

circunstâncias agravantes, pois esta não cabe na pronúncia.

Concernente a acusação, o Ministério Público falará

primeiro, sendo dada a palavra após deste ao assistente de acusação, se

houver. Ressalta-se ainda, que nas ações penais de iniciativa privada, o

querelante falará antes do Ministério Público, salvo se este último tiver tomado

a titularidade da ação penal.

Após a palavra da acusação, terá vez a defesa. Depois

disso, a acusação poderá replicar, sendo admitida a réplica da defesa.

No tempo destinado aos debates, a inovação ficou a

cargo de total mudança. A acusação e a defesa terão uma hora e meia para os

debates cada parte. Nota-se que a réplica é ato facultado ao Ministério Público,

e fazendo-se valer deste direito, com a atual reforma terá mais uma hora para

replicar, sendo a tréplica de igual tempo.

No antigo sistema o tempo destinado para a fala inicial

era de duas horas, o que causava certo cansaço no jurado, buscou-se a

otimização deste tempo o que foi bem vindo.

65

Havendo pluralidade de acusados, a reforma disciplinou

que o tempo inicial será acrescido de uma hora para cada parte, e a réplica e

tréplica serão elevados ao dobro.

Nota-se que mesmo com a elevação do tempo, no caso

de dois ou mais acusados, parecem, em um primeiro momento, suficientes

para que a defesa obtenha êxito, porém este tempo se torna ínfimo, quando,

por exemplo, haver defensores diversos, com teses diversas, enfim.

Neste sentido leciona Mendonça161:

Imagine-se a situação em que haja cinco réus, com cinco advogados diversos. Neste caso, a letra da lei exigiria que fosse dado o tempo de trinta minutos para cada causídico debater, o que seria ofensivo ao principio da plenitude de defesa.

Fatalmente para assegurar o dito princípio, o magistrado

deverá conceder um prazo mais dilatado, indiscutivelmente.

Outra discussão que não foi disciplinada pela atual

reforma, é a possibilidade do defensor do acusado inovar tese no momento da

tréplica. A doutrina e a jurisprudência tem se manifestado em relação a este

dispositivo. O entendimento majoritário está na afronta do principio do

contraditório, já que a réplica é o ultimo ato da fala dói plenário, cerceando

qualquer fala do Ministério Público. Há quem vislumbre ser licito tal feito, já que

o princípio da plenitude de defesa deve imperar nos julgamentos realizados

pelo júri.

O art. 478 disciplinou que, durante os debates, as partes

não poderão fazer menção à decisão de pronúncia, a determinação de uso de

algemas, silêncio do acusado, ausência de interrogatório em prejuízo do

acusado. Isto porque, menções desta natureza, podem influenciar a decisão

dos jurados.

Contrário a este entendimento se manifesta Gomes162:

161 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 101.

66

O dispositivo em pauta procura, dessa maneira, disciplinar a postura das partes, indicando o que não se pode ser comentado, impondo, assim, verdadeira e inaceitável censura. É claro que a disciplina deve sempre imperar. Parece, todavia, mais fácil deixar essa tarefa ao juiz presidente, na análise do caso concreto, do que estabelecer, de antemão, assuntos proibidos.

Ademais, conclui-se, que nada impede com que o tema

abordado por uma parte, seja na réplica ou tréplica, refutado pela parte

adversa, em forma de apartes. Essa é a essência do júri, um tanto tolhida pela

inovação em comento163.

Findo os debates, o juiz indagará aos jurados se estão

aptos a julgarem, ou se precisam de outro esclarecimento.

3.11 DOS QUESITOS

Como já exposto no capítulo anterior, a fase dos quesitos

é de extrema importância, haja vista ser o questionário que será formulado aos

jurados para que estes condenem ou absolvam o acusado, de acordo com sua

intima convicção. Num primeiro momento, com a reforma, buscou-se valorizar

a simplicidade da formulação do questionário. Cumpre destacar, que na

sistemática anterior os quesitos eram formulados de forma muito complexa, o

que freqüentemente trazia nulidades variadas. Para uma melhor visualização

vejamos o que dispõe o art. 482:

O Conselho de Sentença será questionado sobre matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido.

Parágrafo único. Os quesitos serão redigidos em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão. Na sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram

162 GOMES, Luiz Flávio, et al. Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito, p. 206. 163 GOMES, Luiz Flávio, et al. Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito, p. 207.

67

admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes.

Portanto, vemos que não havia artigo correspondente na

antiga sistemática, sendo assim acertadamente o legislador inovou ao trazer tal

dispositivo.

A inovação maior ficou na forma como serão formulada os

quesitos, como já dito, a antiga forma era prolixa e dava margem a muitas

nulidades. A cargo disso, a simplificação se mostra veemente no art. 483,

vejamos:

Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre:

I – a materialidade do fato;

II – a autoria ou participação;

III – se o acusado deve ser absolvido;

IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;

V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecido na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.

§ 1o A resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a absolvição do acusado.

§ 2o Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação:

O jurado absolve o acusado?

§ 3o Decidindo os jurados pela condenação, o julgamento prossegue, devendo ser formulados quesitos sobre:

68

I – causa de diminuição de pena alegada pela defesa;

II – circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.

§ 4o Sustentada a desclassificação da infração para outra de competência do juiz singular, será formulado quesito a respeito, para ser respondido após o 2o (segundo) ou 3o (terceiro) quesito, conforme o caso.

§ 5o Sustentada a tese de ocorrência do crime na sua forma tentada ou havendo divergência sobre a tipificação do delito, sendo este da competência do Tribunal do Júri, o juiz formulará quesito acerca destas questões, para ser respondido após o segundo quesito.

§ 6o Havendo mais de um crime ou mais de um acusado, os quesitos serão formulados em séries distintas.

Nota-se, desta forma, que a tentativa do legislador em

inovar dito dispositivo, foi de simplificar as perguntas formuladas, pois como já

dito, inúmeras nulidades eram sentidas.

Não absolvido o acusado pela votação aos dois primeiros

quesitos, referentes à materialidade e autoria, passa-se ao terceiro quesito,

com a seguinte pergunta: “o jurado absolve o acusado?”. Há quem defenda

que esta é a maior alteração do questionário advinda da reforma da Lei

11.689/2008. Veja-se o que explana Mendonça164:

Esta é a maior alteração do atual questionário. Na sistemática anterior, cada tese defensiva (assim como as de acusação) deveria ser quesitada separadamente. Se fossem alegadas duas teses, deveriam ser um quesito para cada tese. Com a reforma excluiu-se essa prerrogativa.

Vale destacar, que a prerrogativa que traz essa indagação

é muito polêmica, haja vista que o jurado poderá utilizar sua intima convicção,

ou seja, poderá mesmo convencido da existência de autoria e materialidade,

164 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 113.

69

absolver o acusado, pode-se citar como exemplo, o jurado que por clemência,

entender que não é justo condenar este ou aquele acusado.

Para Gomes165 o tema é polêmico, pois podemos

visualizar como exemplo o fato da defesa sustentar em plenário três teses,

sejam elas, legitima defesa, legitima defesa por superveniência mental e

estado de necessidade. Ao absolver o acusado com base no terceiro quesito,

sob qual das teses os jurados se fiaram? Qual será a base recursal que a

acusação adotará perante o Tribunal de Justiça?

Com base nesta polêmica salienta Arruda166:

Sustentada mais de uma tese defensiva, não se saberá ao certo qual o fundamento da absolvição, visto que os julgadores populares julgam pelo sistema da íntima convicção, não necessitando explicitar as razões do seu convencimento. E a defesa poderá alegar diversas teses, antagônicas ou não, ou até mesmo pedir clemência aos jurados, que poderão acolhê-las, dando ensejo à absolvição. Com efeito, apresentadas diversas teses, reconhecendo quatro ou mais jurados uma delas, o resultado será a absolvição, mesmo que o motivo do convencimento seja distinto. No procedimento estabelecido pelo Código de Processo Penal de 1941, somente seria o caso de absolvição se ao menos quatro dos jurados acolhessem a mesma tese. Pelas novas regras, caso sejam apresentadas hipoteticamente quatro teses de defesa (ex: legítima defesa real, legítima defesa putativa, estado de necessidade e clemência), aceitando cada jurado uma delas, o resultado será a absolvição, sem haver a possibilidade de se saber qual o seu fundamento. Assim, mesmo que as razões da persuasão sejam diversas, poder-se-á chegar a um veredicto absolutório.

Desta forma, concluí-se que a quesitação com base na

absolvição do acusado, ainda será passível de muita discussão.

165 GOMES, Luiz Flávio, et al. Comentários às reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito, p. 222 e 223. 166 ARRUDA, Eloisa de Souza, MARIANO, César Dario. Disponível em <http://www.apmp.com.br/juridico/artigos/docs/2008/rev_quest_julg_juri.doc>. Acesso em 23 out 2008.

70

Outra discussão que se traz a baila é no caso do jurado

ser questionado quanto ao excesso cometido. Na sistemática anterior, se fosse

reconhecida a causa excludente de antijuridicidade, deveria ser elaborado

quesito automático sobre o excesso, doloso e culposo. Atualmente, como não

se sabe mais por qual motivo absolveu, justamente em razão deste problema,

somente haverá quesito próprio sobre excesso se as partes o alegarem167.

Houve relevante alteração na forma de contagem de

votos, pois no atual diploma, a percepção dos votos não precisa atingir até o

sétimo voto, ou seja, na contagem dos votos, o magistrado apurando que o

resultado foi mais de 3 votos em um determinado sentido, não precisará

prosseguir, pois o resultado já está visível. Este dispositivo visa resguardar o

principio constitucional do sigilo das votações, já que será impossível saber

qual jurado votou em qual sentido. Por exemplo, se o acusado for condenado,

sabendo que a votação foi unânime (7 a 0) poderá qualquer um dos jurados

sofrer possíveis retaliações futuras. Com o atual diploma tal preceito é

inexistente.

Neste sentido se manifesta Mendonça168:

A par da interpretação meramente literal, entendemos que o principio do sigilo das votações, de índole constitucional, será melhor resguardado, com a nova sistemática, sem nenhum prejuízo para acusação ou defesa.

Acertada, portanto, a alteração neste sentido, já que o

principio constitucional deve ser resguardado.

O art. 485 do atual diploma trouxe uma disposição já

existente na antiga sistemática. A sala “secreta”. No atual texto é chamado de

sala especial. Este é o momento em que os jurados se dirigirão a uma

determinada sala, pois não havendo mais dúvidas quanto ao julgamento, se

reunirão para julgarem o acusado.

167 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 122. 168 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 123.

71

Cumpre destacar que na sala secreta estarão presentes o

juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o

defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça. Neste momento não

pode haver manifestações pelas partes conforme ensina Dezem169:

Evidentemente, são permitidas manifestações das partes quando discordarem de algum posicionamento tomado dentro da sala de votações, mas estas manifestações devem ser comedidas para que não influenciem os jurados. Salvo pedido dos jurados, não devem ser levados para a sala secreta fotos, documentos ou instrumentos do crime, que no mais das vezes são utilizados como subterfúgios para influenciar os membros do júri.

Como já explanado no final do capitulo anterior, os

jurados receberão duas cédulas cada um, serão as cédulas a palavra “sim” e a

palavra “não”, a fim de responder os quesitos formulados, conforme já exposto.

No aspecto da sentença dada pelo juiz, não houve

grandes alterações, exceto no aspecto dos quesitos que serão formulados.

Contudo, explana-se que o magistrado, fazendo-se valer do veredicto dado

pelos jurados, poderão, condenar, absolver, desclassificar e aplicar as

circunstancias atenuantes e agravantes entre outras situações existentes de

acordo com o art. 492 do CPP.

3.12 EXTINÇÃO DO PROTESTO POR NOVO JÚRI

Uma das alterações mais relevantes no tocante ao

procedimento do Tribunal do Júri foi à extinção do protesto por novo júri.

Referido recurso estava disciplinado no Capitulo IV do Titulo II do CPP. A sua

origem, verdadeira criação brasileira, provém do Código de Processo Criminal

do Império de 1832 (art. 308), para os casos de condenação às penas de

morte, degredo, desterro, galés ou prisão. Em razão das gravidades dessas

penas, concedia-se ao acusado uma segunda oportunidade de julgamento.

Porém, perdeu-se a sua origem histórica no tempo e, segundo a disciplina do

169 DEZEM, Guilherme Madeira, JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz, Nova Lei do Procedimento do Júri Comentada, p. 139.

72

art. 607 do CPP, era necessário, para que fosse conhecido e provido, dois

requisitos, sejam eles, que o crime doloso contra a vida tivesse uma

condenação igual ou superior a 20 anos e que fosse interposto pela defesa

facultativamente uma única vez, bastando uma simples petição de

interposição170.

Este dispositivo ao longo dos anos sofreu pesadas críticas

em relação a sua aplicação, já que no entender de muitos tal recurso fere o

principio da soberania dos veredictos, portanto seria incabível em nossa esfera

atual, para o tipo de penas que são hoje aplicadas. Portanto buscar a sua

extinção é um dever do legislador moderno:

Neste sentido explica Dotti171:

Trata-se de uma imposição dos tempos modernos e da necessidade de se aplicar a pena justa ao caso concreto. Historicamente o protesto se impunha em face do sistema criminal do império cominar as penas de morte e galés perpétuas, justificando a revisão obrigatória do julgamento. Nos tempos modernos a supressão já foi sustentada por Borges da Rosa e pelo mais fervoroso defensor do Tribunal Popular: o magistrado Margarino Torres que, presidindo durante tantos anos o Conselho de Sentença, averbou este recurso de supérfluo e inconveniente.

Há que se dizer que muitos juristas no momento da

aplicação da pena, beneficiavam o acusado com uma pena inferior a 20 anos,

no intuito de se furtar da prerrogativa de fazer um novo júri. O que demonstra

uma encenação desnecessária, em torno de uma norma fatigante172.

Quanto à aplicação do protesto por novo júri no tempo, há

autores que entendem que dito recurso tem caráter penal, e para tanto poderá

retroagir em benefício do acusado, porém cabe ressaltar que a norma

processual será aplicada desde logo. Com esta afirmação, cumpre dizer que a

doutrina diverge em relação à aplicação do recurso, pois, para alguns, os fatos

acontecidos antes de 09 de agosto de 2008, estarão sujeitos ao protesto por 170 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 143. 171 DOTTI, René Ariel, Anteprojeto do júri. Revista dos Tribunais, v. 702, abr. 1994, p. 281. 172 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 144.

73

novo júri, os fatos acontecidos após a esta data, não existirá mais a dita peça

recursal.

Tal preceito é corroborado por Moreira173:

Diante do exposto, entendemos que os dispositivos revogados e que tratavam da possibilidade do protesto por novo júri terão incidência em relação àqueles agentes que praticaram a infração penal anteriormente à entrada em vigor da nova lei, atentando-se para o disposto no art. 2º. da Lei de Introdução ao Código de Processo Penal e no art. 2º. do Código Penal.

Há ainda autores que discordam da utilização do protesto

por novo júri após a entrada em vigor da dita Lei, por entender que a norma

processual penal se aplica desde logo, conforme disposto do art. 2º do CPP.

Neste sentido explana Mendonça174:

Diante destas considerações, entendemos que a partir de 9 de agosto de 2008 não será mais possível a utilização do protesto por novo júri, que estará sepultado definitivamente. Independentemente da data do fato criminoso, para a interposição do protesto por novo júri será necessário verificar a data da publicação da decisão condenatória. Se for anterior a 9 de agosto de 2008, será possível se valer do recurso mencionado. Se a decisão for proferida após esta data, tal recurso não terá cabimento.

Conclui-se que a extinção do protesto por novo júri foi um

aspecto de total relevância, haja vista que demonstrou a capacidade do

legislador em corroborar e adequar à norma processual penal com a atual

realidade em que vivemos.

Com base nesta última afirmação, conclui-se o presente

trabalho acadêmico, haja vista superadas todas as peculiaridades dos três

capítulos, sejam elas a historicidade, a organização do Tribunal Popular, bem

como os aspectos relevantes que mais significaram para a efetiva mudança na

173 MOREIRA, Rômulo de Andrade. O fim do protesto por novo júri e a questão do direito intertemporal . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1808, 13 jun. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11385>. Acesso em: 23 out. 2008. 174 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal, p. 151.

74

norma processual penal. Dito isso remetemos às considerações finais do

presente trabalho.

75

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a finalidade de manter fidelidade à ordem proposta

no sumário e tornar a exposição objetiva, serão apresentadas algumas

considerações a respeito das hipóteses de pesquisa desenvolvidas no decorrer

desse trabalho, de uma forma conclusiva.

Abordou-se a tratativa da historicidade do Tribunal

Popular, que teve sua origem desde os primórdios das civilizações européias,

como as gregas e romanas. Algumas vertentes, trazidas durante a construção

do primeiro capítulo, apontam a origem histórica do Tribunal do Júri sob a

exegese de Moisés, quanto a sua estada no antigo Egito. No que alude a

origem histórica do Tribunal Popular, durante a execução do capitulo inaugural,

corroborou a evolução histórica do júri no Brasil a partir da Lei de 18 de junho

de 1822, que inicialmente tinha a competência para julgar os delitos de

imprensa.

Apurou-se, ainda, que a competência do Tribunal Popular

sofreu intensas alterações ao longo de sua história no Brasil, vindo anos mais

tarde a definir sua competência nos crimes dolosos contra a vida. Na atual

constituição de 1988, a competência do Tribunal do júri está elencada no art.

5º, XXXVIII, alínea “d”. Corroborou-se, no entanto, a hipótese de que a Lei nº

11.689 de 9 de junho de 2008, alterou profundamente o procedimento do júri.

Confirmando essas alterações procedimentais, nota-se que a atual sistemática

inovou no sentido de trazer uma resposta do acusado após o recebimento da

denúncia ou queixa, ainda nesta alteração nota-se que o legislador elencou

uma única audiência na primeira fase, a qual a denominou de audiência “una”.

Desta forma, ao término dessas diligências, o juiz na primeira fase poderá

decidir em quatro sentidos, são eles: a pronúncia, quando o magistrado se

convence da materialidade do fato e indícios suficiente de autoria delegando a

competência do julgamento para o Tribunal do Júri. A impronúncia, quando o

magistrado não convencido dos pressupostos para pronunciar o acusado,

remete os autos ao Ministério Público. A absolvição sumária, quando o juiz

76

adentra o mérito da causa e absolve desde logo o acusado. E por último a

desclassificação, quando o juiz entender que não há um crime doloso contra a

vida e retira dos jurados o eventual julgamento, delegando ao juízo competente

o mesmo.

Com relação à primeira hipótese levantada, viu-se que

são quatro os princípios básicos do Tribunal Popular que servem de

sustentáculos para o funcionamento do instituto. Durante a pesquisa, foi

percebida a importância de cada princípio constitucional, importância esta

plenamente destacada pelo legislador, haja vista que elencou os mesmos nas

garantias individuais, o que traz uma potente imutabilidade nestes dispositivos,

pois são clausulas pétreas. Destaca-se um a um os princípios que foram

conceituados no decorrer do trabalho, respectivamente são: Plenitude de

defesa, que garante ao acusado uma eximia defesa, tanto que o magistrado ao

perceber a incapacidade técnica do defensor, poderá nomear outro em seu

lugar. Soberania dos veredictos, que garante o fato do juiz togado não reverter

a decisão dos jurados leigos. Sigilo das votações, que demonstra uma proteção

aos jurados, tendo em vista que o juiz não precisa apurar todos os votos, pois

se tiver quatro votos em um mesmo sentido, poderá suspender os trabalhos

passando a um próximo quesito. Este dispositivo visa resguardar a segurança

do jurado, haja vista que o mesmo poderá sofrer represálias por parte do

acusado em determinada ocasião, portanto o voto sigiloso é um principio de

suma importância. Por fim, a competência mínima para os crimes dolosos

contra a vida. Este princípio assegura o dispositivo mínimo de qual tipo de

crime será apreciada pelo Tribunal Popular, dita competência poderá ser

ampliada pela Lei ordinária, nunca suprimida. Desta forma, a primeira hipótese

restou confirmada.

Por fim, quanto à segunda hipótese de pesquisa, nota-se

que a Lei nº 11.689 de 9 de junho de 2008, alterou profundamente o rito

procedimental do Tribunal do Júri. No decorrer da pesquisa foram confirmadas

as intenções de tornar o procedimento mais célere. Podemos afirmar como

exemplo, um aspecto relevante de cunho positivo, foi a extinção do libelo-crime

acusatório e obviamente a extinção da contrariedade ao libelo, pois como

confirmado foram reconhecidas peças inúteis. Outro fator positivo que conferiu

77

celeridade ao procedimento e a atos procrastinatórios foi a extinção do protesto

por novo júri. Como percebido no decorrer da pesquisa, as alterações advindas

com a Lei supracitada, tiveram um intuito de cunho bastante positivo. No

entanto, qualquer alteração sofre alterações negativas, com o rito

procedimental do júri não foi diferente. Pode-se citar como exemplo, o

dispositivo que determina que a primeira fase do procedimento deve estar

concluso em 90 dias. Tal prazo, conforme foi corroborado é totalmente fora da

realidade, dado às demandas de grandes comarcas. De um modo geral, os

aspectos positivos advindos com a reforma, sobressaem os dispositivos que de

certa forma trouxeram alterações negativas, o que confirma a segunda e última

hipótese da pesquisa.

Foi através deste intuito que o tema do presente trabalho

científico foi desenvolvido, haja vista que a reforma no procedimento do júri

trouxe significativas alterações. Buscou-se em um primeiro momento,

estabelecer o vínculo entre a historicidade do instituto advindo com as

primeiras civilizações organizadas e com a história do Tribunal Popular no

Brasil, bem como a sua evolução histórica até os dias de hoje. De forma

sucinta, a presente pesquisa trouxe ao término do capítulo 1, os princípios que

norteiam o instituto do Tribunal do Júri, para fim de se conhecer quais os

alicerces que garantem o perfeito funcionamento do júri. Elencou-se nesta

oportunidade o dispositivo da cláusula pétrea (CF, art. 60, §4º) que assegura a

imutabilidade do Tribunal Popular.

Destaca-se, que o capitulo 2, tinha como base a

organização do Tribunal do Júri no Brasil. De inicio, foi explanado a

competência deste instituto, demonstrando quais os crimes que serão

passíveis de apreciação do Tribunal Popular. Salienta-se, que o citado capítulo

tinha a intenção de conferir a organização do júri, conforme a disposição da Lei

nº 11.689/2008, sempre que possível fazendo alusão à antiga sistemática.

No capítulo que encerrou o presente trabalho, foram

elencados os inúmeros aspectos relevantes que alteraram o procedimento

drasticamente, demonstrando, sempre que possível, o aspecto positivo que a

78

reforma veio a trazer, bem como o aspecto de cunho negativo, em relação à

antiga lei.

Ressalta-se que tema abordado neste trabalho científico

não se encontra exaurido, uma vez que se trata de matéria nova, para qual o

campo jurídico voltou-se há pouco tempo, contudo, que merece ser

amplamente desenvolvida, para que se possam aprimorar os conhecimentos

sobre o instituto e acompanhar suas decorrências no campo jurídico, não só

apenas pelos novos acadêmicos de direito, como, também, por todos os

louvados juristas que se encontram a tempo na seara jurídica a fim de se

atualizarem no campo do direito.

79

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