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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
O CONTROLE JUDICIAL DAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS.
SÃO PAULO 2012
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Dirk Alfred Rosenfeld
O CONTROLE JUDICIAL DAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS.
Trabalho de conclusão do curso apresentado ao programa de Pós-Graduação em Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, para a obtenção de Certificado de Pós-Graduação Lato Sensu. Professor Orientador: Prof. Dr. Marcelo Arno Nehrling.
São Paulo
2012
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RESUMO
A proposta do presente estudo é analisar o controle
judicial das decisões dos Tribunais de Contas pelo Poder Judiciário.
Para tanto, a premissa inicial se dá à luz dos sistemas
de controle e dos processos administrativos que resultam decisões e julgamentos
no âmbito do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.
Inicialmente delimitou-se o espectro funcional dos
Tribunais de Contas a partir da Constituição Federal, da sua competência na
Constituição Estadual, bem como da previsão de atuação na legislação esparsa
e, ainda, da legislação específica, a Lei Orgânica do TCESP e seu Regimento
Interno.
Nesta esteira, abordou-se os procedimentos de
fiscalização e seu processamento administrativo no âmbito da Corte de Contas
bandeirante que culmina no efetivo julgamento da matéria de sua competência,
perfazendo o que a doutrina denomina caso decidido, que não pode ser revista
pelo Poder Judiciário senão com respeito aos aspectos formais da decisão,
respeito ao contraditório e ampla defesa, por exemplo.
A partir desse ponto, o estudo aborda a questão da
revisão das decisões do Tribunal de Contas nas suas diferentes modalidades de
procedimentos judiciais, estudando a sua pertinência, oportunidade e
possibilidade.
Ao final, procura-se verificar a existência, ou não, da
revisão pelo Poder Judiciário das decisões de mérito, ultrapassando a
competência exclusiva que a Constituição da República atribuiu aos Tribunais de
Contas.
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SUMÁRIO
CAPÍTULO I
DECISÕES / JULGAMENTOS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
1. A função do Tribunal de Contas......................................................... 04
2. Pareceres e julgamentos..................................................................... 08
3. O quê se avalia para julgar.................................................................. 11
3.1. Roteiro de fiscalização.............................................................. 12
4. Processo administrativo de contas – TCESP.................................... 19
5. A questão do Caso decidido em contraposição à Coisa julgada.... 21
CAPÍTULO II
A REVISÃO PELO JUDICIÁRIO
1. A função jurisdicional........................................................................ 27
2. Os tipos de recursos.......................................................................... 34
2.1. O Mandado de Segurança....................................................... 34
2.1.1. O duplo grau de jurisdição................................................ 36
2.2. Ação Ordinária.......................................................................... 39
2.3. Ação Declaratória..................................................................... 40
2.4. Ação Trabalhista....................................................................... 42
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INTRODUÇÃO
Cabe ao Poder Judiciário a revisão das decisões
legitimamente proferidas no âmbito da competência que o legislador
constitucional atribuiu aos Tribunais de Contas?
A hipótese, a priori, é que as decisões de mérito tomadas
pelos Tribunais de Contas não deverm ser revistas pelo Poder Judiciário,
principalmente por que quando o são, vêm a invadir competência
constitucionalmente estabelecida e, ainda, por que em casos específicos vêm,
também, a eliminar o duplo grau de jurisdição a que todas as decisões estão
sujeitas.
O presente trabalho está estruturado em dois capítulos.
O primeiro vem tratar das decisões e julgamentos
realizados na esfera dos Tribunais de Contas, abrangendo a função
constitucionalmente estabelecida às Cortes de Contas, seus critérios de
julgamento e a decisão administrativa final.
O segundo, aborda o controle exercido pelo Poder
Judiciário sobre as decisões emanadas dos Tribunais de Contas, nas suas
diversas modalidades de procedimentos.
Esse estudo se presta a melhorar o cumprimento da
missão constitucional do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo,
especialmente por fazer uma análise mais detida das hipóteses de revisão e,
notadamente, da extensão da determinação da reforma das decisões, indo além
do controle estritamente formal dos julgamentos administrativos.
Passada a introdução, passamos ao desenvolvimento
para confirmar, ou não, a hipótese levantada acima.
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CAPÍTULO I
DECISÕES/JULGAMENTOS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
1. A função do Tribunal de Contas.
As competências dos Tribunais de Contas encontram-
se previstas nos arts. 71 a 72, da Constituição Federal, arts. 33 e 34 da
Constituição Estadual e, ainda, em diversas leis esparsas, tais como, a Lei de
Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n° 101/2000), a Lei Geral de
Licitações e Contratos (Lei n° 8.666/93), Lei dos Crimes Fiscais (Lei Federal n°
10.028/2000) e, especificamente, na Leis Orgânicas dos Tribunais de Contas do
Estado de São Paulo, Lei Complementar Estadual nº 709, de 14 de janeiro de
1993.
São estas as disposições constitucionais federais:
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio
do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante
parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e
valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades
instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem
causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;
III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a
qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e
mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em
comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões,
ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato
concessório;
IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de
Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;
V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a
União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo;
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VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante
convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito
Federal ou a Município;
VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas
Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e
inspeções realizadas;
VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de
contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa
proporcional ao dano causado ao erário;
IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao
exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;
X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à
Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;
XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.
§ 1º - No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso
Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis.
§ 2º - Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não
efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito.
§ 3º - As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia
de título executivo.
§ 4º - O Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatório
de suas atividades.
Art. 72. A Comissão mista permanente a que se refere o art. 166, §1º, diante de indícios
de despesas não autorizadas, ainda que sob a forma de investimentos não programados
ou de subsídios não aprovados, poderá solicitar à autoridade governamental responsável
que, no prazo de cinco dias, preste os esclarecimentos necessários.
§ 1º - Não prestados os esclarecimentos, ou considerados estes insuficientes, a
Comissão solicitará ao Tribunal pronunciamento conclusivo sobre a matéria, no prazo de
trinta dias.
§ 2º - Entendendo o Tribunal irregular a despesa, a Comissão, se julgar que o gasto
possa causar dano irreparável ou grave lesão à economia pública, proporá ao
Congresso Nacional sua sustação.
A Constituição Estadual, por sua vez, praticamente
repete os mesmo termos da Lei Maior:
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Artigo 33 - O controle externo, a cargo da Assembleia Legislativa, será exercido com auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete: I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Governador do Estado, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias, a contar do seu recebimento; II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, incluídas as fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público estadual, e as contas daqueles que derem perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário; III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e autarquias, empresas públicas e empresas de economia mista, incluídas as fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório; IV - avaliar a execução das metas previstas no plano plurianual, nas diretrizes orçamentárias e no orçamento anual; V - realizar, por iniciativa própria, da Assembleia Legislativa, de comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditoria de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, do Ministério Público e demais entidades referidas no inciso II; VI - fiscalizar as aplicações estaduais em empresas de cujo capital social o Estado participe de forma direta ou indireta, nos termos do respectivo ato constitutivo; VII - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados ao Estado e pelo Estado, mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres; VIII - prestar as informações solicitadas pela Assembleia Legislativa ou por comissão técnica sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas; IX - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; X - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada a ilegalidade; XI - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Assembleia Legislativa; XII - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados; XIII - emitir parecer sobre a prestação anual de contas da administração financeira dos Municípios, exceto a dos que tiverem Tribunal próprio; XIV - comunicar à Assembleia Legislativa qualquer irregularidade verificada nas contas ou na gestão públicas, enviando-lhe cópia dos respectivos documentos. § 1º - No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pela Assembleia Legislativa que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis. § 2º - Se a Assembleia Legislativa ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito.
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§ 3º - O Tribunal encaminhará à Assembleia Legislativa, trimestral e anualmente, relatório de suas atividades. Artigo 34 - A Comissão a que se refere o art. 33, inciso V, diante de indícios de despesas não autorizadas, ainda que sob a forma de investimentos não programados ou de subsídios não aprovados, poderá solicitar à autoridade governamental responsável que, no prazo de cinco dias, preste os esclarecimentos necessários. § 1º - Não prestados os esclarecimentos, ou considerados esses, insuficientes, a Comissão solicitará ao Tribunal pronunciamento conclusivo sobre a matéria, no prazo de trinta dias. § 2º - Entendendo o Tribunal irregular a despesa, a Comissão, se julgar que o gasto possa causar dano irreparável ou grave lesão à economia pública, proporá à Assembleia Legislativa sua sustação.
As competências legais dos Tribunais de Contas
dividem-se, segundo a doutrina, nas seguintes funções:
a) Consultiva;
b) Judicante;
c) Fiscalizatória;
d) Informativa;
e) Sancionatória; e
f) Corretiva.
Todas estas funções estão regulamentadas na Lei
Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Lei Complementar
Estadual nº 709, de 14 de janeiro de 1993.
Com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei
Complementar nº 101/2000) e da Lei dos Crimes Fiscais (Lei nº 10.028/2000),
foram introduzidas, ainda, hipóteses de infrações financeiras cuja apuração
compete aos Tribunais de Contas.
Nestes termos, importa mencionar o teor do artigo 5º1,
da Lei nº 10.028/2000, que prevê severa sanção às infrações administrativas às
1 Art. 5
o Constitui infração administrativa contra as leis de finanças públicas:
I – deixar de divulgar ou de enviar ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas o relatório de gestão fiscal, nos prazos e condições estabelecidos em lei;
II – propor lei de diretrizes orçamentárias anual que não contenha as metas fiscais na forma da lei;
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leis de finanças públicas, devendo ser destacado que a responsabilidade será
sempre pessoal do agente que lhe tiver dado causa.
Sendo assim, considerando o que dispõe o artigo 70,
caput, da Constituição da República e as Leis Orgânicas dos Tribunais de Contas,
é apropriado designar a responsabilidade financeira como obrigação de repor
recursos públicos ou suportar as sanções legalmente previstas a que estão
sujeitos os jurisdicionados aos Tribunais de Contas, em razão da violação de
normas de natureza financeira, orçamentária, contábil, patrimonial ou operacional,
pertinentes à gestão de quaisquer bens, dinheiros e valores públicos.
Nesta conformidade, pode-se afirmar que o Tribunal de
Contas é órgão constitucional colegiado, exercendo competências próprias
independentes das funções do Poder Legislativo, dispondo de autonomia
administrativa e financeira, pressupostos essenciais à autonomia institucional
garantida pela Constituição Federal.
Destaque-se que, apesar de não dispor de
personalidade jurídica própria, atributo exclusivo dos entes federados e das
entidades da administração indireta, dispõe de capacidade processual ativa e
passiva no que tange aos seus interesses e prerrogativas institucionais próprias.
2. Os pareceres e julgamentos.
O Tribunal de Contas exerce sua função, basicamente,
com a emissão de parecer prévio e julgamento de contas. O parecer prévio é uma
peça técnica, instrumento de apreciação das contas que dará suporte para o
III – deixar de expedir ato determinando limitação de empenho e movimentação financeira, nos casos e condições estabelecidos em lei;
IV – deixar de ordenar ou de promover, na forma e nos prazos da lei, a execução de medida para a redução do montante da despesa total com pessoal que houver excedido a repartição por Poder do limite máximo.
§ 1o A infração prevista neste artigo é punida com multa de trinta por cento dos vencimentos anuais do agente que lhe
der causa, sendo o pagamento da multa de sua responsabilidade pessoal.
§ 2o A infração a que se refere este artigo será processada e julgada pelo Tribunal de Contas a que competir a
fiscalização contábil, financeira e orçamentária da pessoa jurídica de direito público envolvida.
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julgamento destas pelo Poder Legislativo. É uma peça opinativa na qual o
Tribunal aprova, aprova com ressalvas ou rejeita as contas globais dos
ordenadores de despesas. Diferente do julgamento, no qual o Tribunal emite um
juízo técnico de valoração que não é submetido à aprovação de nenhum Poder.
Segundo Luciano Ferraz2,
(...) mister apontar que o Tribunal de Contas desempenha sua
função de exame mediante parecer prévio e julgamento de contas.
O primeiro consiste na avaliação das contas globais e anuais dos
chefes do Poder Executivo; o segundo consiste na análise dos atos
de captação de receitas e ordenamento de despesas, ou seja, atos
com repercussão imediata no erário respectivo.
Não muito raro, essas competências, principalmente no
âmbito dos Estados, são mitigadas, justamente devido à confusão que se faz
sobre quando deva o Tribunal julgar ou emitir parecer prévio sobre as contas de
determinada unidade jurisdicionada pela corte de contas. Neste caso, o cerne da
questão é a diferenciação entre administradores públicos – passíveis de
julgamento pela Corte de Contas – e prefeitos – classificados como agentes
políticos –, tendo suas contas submetidas à emissão de parecer prévio.
Em se tratando das esferas federal e estadual e em
relação aos Municípios de grande porte, a matéria parece não suscitar grandes
discussões. Mas quando se trata de Municípios pequenos, a questão ganha
contorno diferente, uma vez que, nestes casos, o chefe do Executivo também
atua, inegavelmente, como ordenador de despesas.
Nas esferas federal e estadual, bem como no caso de
Municípios de grande porte, o chefe do Executivo não é o responsável pela
arrecadação das receitas e ordenamento das despesas referentes a atividades
que tocam as unidades orçamentárias da administração indireta (empresas
estatais, fundações e autarquias), ou direta (secretarias e ministérios). Nestes
casos, está claro que as contas dos chefes do Executivo estão sujeitas ao regime
2 FERRAZ, Luciano de Araújo. Controle da administração pública: elementos para compreensão dos Tribunais de Contas.
Belo Horizonte – Mandamentos – 1999.
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previsto de parecer prévio, sendo que os atos dos ordenadores de despesas, a
seu turno, estão sujeitos ao julgamento pelo Tribunal de Contas.
Segundo elucida Edgard Camargo Rodrigues3, este
julgamento das contas do chefe do Executivo se faz autonomamente, porque os
responsáveis são individualizados, e eventual julgamento desfavorável das contas
destes não alcança as contas do governador, do presidente ou do prefeito.
Nestes termos, todos estão sujeitos ao julgamento de
suas contas pelos tribunais, de acordo com o inc. II do art. 71 da CF/88, quando
agem na qualidade de ordenadores de despesas e captadores de receitas,
excluindo-se, como já explicitado, os chefes do Executivo na prestação global de
suas contas, sujeitas, neste caso, ao inc. I do artigo supracitado.
Percebe-se que o constituinte não distinguiu quais
administradores serão submetidos ao julgamento das cortes de contas, levando-
nos à conclusão de que sejam todos, incluídos os chefes do Executivo, quando
agem nesta qualidade, conforme esclarece Ferraz4:
Os chefes do Executivo quando agem na qualidade de agente
político, executor do orçamento, têm prerrogativas especiais e,
portanto, submetem-se ao crivo do Poder Legislativo. Se descem
do pedestal e praticam meros atos de gestão, igualam-se aos
demais administradores de recursos públicos, sendo julgados pelo
Tribunal de Contas.
De outra forma não poderia ser, pois, do contrário, a
competência para o julgamento das contas de todos os gestores, deferida pela
Constituição aos Tribunais de Contas, poderia ser mitigada mediante simples ato
administrativo de avocação da responsabilidade sobre determinado ordenamento
de despesas, baixado pelo chefe do Executivo, pois, assim sua conduta somente
poderia ser verificada na análise das contas anuais.
3 RODRIGUES, Edgard Camargo. Reforma administrativa e controle de contas. Revista do Tribunal de Contas do Estado
de São Paulo, out/jan 1999, nº 89, p. 29. 4 FERRAZ, Luciano de Araújo. Op. Cit.
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A distinção entre as contas anuais do chefe do
Executivo, enquanto responsável direto pela execução do orçamento e dos planos
de governo, e as contas restritas dos administradores de cada unidade
administrativa é necessária e indispensável.
O próprio STF, no julgamento da Adin n. 8495 – Mato
Grosso, reconheceu a diversidade de seus conteúdos. No primeiro caso, o chefe
do Executivo age como agente político, dando pleno cumprimento aos ditames
orçamentários, e, por isso, seu julgamento é político perante o Parlamento. No
segundo caso, o administrador é mero gestor de recursos públicos e, como tal, se
submete ao julgamento perante a Corte de Contas, a exemplo dos
administradores e responsáveis por bens, dinheiros e valores públicos (art. 71, II,
CF/88).
3. O que se avalia para julgar.
Os critérios de avaliação estão contidos nos roteiros de
fiscalização, que, por sua vez, estão baseados na verificação da aplicação das
diretrizes estabelecidas e conformidade aos Manuais Básicos, publicados pelo
Tribunal de Contas do Estado de São Paulo sobre praticamente todas as matérias
objeto de acompanhamento e controle.
A análise técnica, no âmbito das Cortes de Contas, é
sempre fundamentada, motivada e segue a forma prevista em lei, culminando em
decisão que somente pode ser descaracterizada se tiver descumprido os
requisitos necessários para a prolação da sentença – devido processo legal,
motivação e fundamentação da decisão jurisdicional –.
No processo de fiscalização pelo Tribunal de Contas, o
gestor público, por ocasião da ordenação de despesa, terá observados, em linhas
gerais, os seguintes aspectos:
5 Requerida pelo Procurador Geral da República em 15/03/1993.
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a) A previsão legal da despesa;
b) A necessidade, ou não, da realização de procedimento licitatório para
a criação da despesa, conforme determinam o artigo37, XXI, da
Constituição da República e a Lei nº 8.666/93;
c) Prévio empenho, procedimento pelo qual o gestor público garante
recursos do erário para o cumprimento da obrigação;
d) Nota de empenho, cártula demonstrativa do compromisso jurídico
estatal que é traduzido por empenho, liquidação e pagamento;
e) Encerrado o processo, declaração do ordenador de despesa de que a
despesa está adequada, orçamentária e financeiramente com os
planos de orçamento.
Na jurisdição do Estado de São Paulo, a fiscalização
exercida pelo Tribunal de Contas obedece a roteiros estabelecidos nas Instruções
1 e 2, publicadas no DOE em 18.12.2008, aplicáveis ao âmbito Estadual e
Municipal, respectivamente.
Da fiscalização são emitidos relatórios que originam
processos administrativos que, uma vez instruídos, passam a tramitar na Corte de
Contas.
3.1. Roteiro de Fiscalização
Em 18 de abril de 2012 foi emitida a Resolução no
01/2012 que estabeleceu nova rotina de fiscalização no âmbito de atuação do
Tribunal de Contas do Estado de São Paulo:
RESOLUÇÃO Nº 01/2012
TC-A-023486/026/10
Aprova novos procedimentos de fiscalização do Tribunal de Contas do
Estado de São Paulo e dá outras providências.
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O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, no uso de
suas atribuições legais e regimentais,
Considerando a imprescindibilidade de se implementar medidas visando
eficiência, eficácia e economicidade nos atos da Administração Pública;
Considerando a necessidade de permanente aprimoramento da
sistemática de fiscalização empreendida pelo Tribunal de Contas;
Considerando a conveniência de se implantar rotinas fiscalizatórias
voltadas ao acompanhamento concomitante da gestão dos órgãos e
entes jurisdicionados;
Considerando os comprovados benefícios decorrentes da utilização de
ferramentas tecnológicas em auxílio às lides fiscalizatórias;
Considerando a premência na adoção de providências voltadas a sanar o
acúmulo de processos nas dependências da Corte, sem, todavia, perder a
abrangência da fiscalização; e
Considerando, finalmente, que o momento presente reclama, além da
detecção e apontamento de irregularidades, sobretudo, um modelo de
acompanhamento voltado também à prevenção e correção de falhas
RESOLVE:
DAS CONTAS
Art. - 1º - Os procedimentos fiscalizatórios incidentes nos exames de
contas anuais, tanto estaduais como municipais, serão seletivos,
conforme critérios objetivos a serem oportunamente definidos.
§ 1º - Com prévia autorização do Conselheiro Relator e mediante o critério
da amostragem, os procedimentos fiscalizatórios poderão compreender
também exames concomitantes ao exercício em curso.
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§ 2º - Sem prejuízo dos itens que serão definidos como obrigatórios, os
relatórios de fiscalização adotarão a mesma sistemática de seletividade
prevista no caput, com necessário aprofundamento dos demais assuntos
de acordo com o que revelarem os dados armazenados no Sistema
AUDESP ou as ocorrências verificadas por ocasião de inspeção in loco.
§ 3º - Aos Diretores de Diretorias de Fiscalização e Unidades Regionais,
sob coordenação dos Departamentos de Supervisão da Fiscalização e
supervisão da Secretaria-Diretoria Geral, compete, desde o planejamento
dos roteiros de fiscalização até a conclusão dos relatórios, adotar as
medidas necessárias à consecução do desiderato previsto no caput,
tomando em consideração, dentre outros aspectos, o histórico do órgão
ou ente fiscalizado, de tal modo que o conjunto de irregularidades,
inclusive nos procedimentos licitatórios ou de execução contratual, possa
conduzir, também, a apontamentos desfavoráveis, com eventual reflexo
na apreciação final das contas.
DOS CONTRATOS, ATOS JURÍDICOS ANÁLOGOS E OUTROS
AJUSTES
Art. 2º - Serão encaminhados ao Tribunal, até 5 (cinco) dias contados da
data da assinatura:
I - no âmbito estadual, todos os contratos e atos jurídicos análogos,
inclusive os relativos à concessão e permissão de serviços públicos,
convênios firmados com órgãos públicos ou entidades não-
governamentais, contratos de gestão e termos de parceria, de valor igual
ou superior a R$ 3.500.000,00;
II - no âmbito municipal, todos os contratos e atos jurídicos análogos,
inclusive os relativos à concessão e permissão de serviços públicos, de
valor igual ou superior a R$3.500.000,00 para obras e serviços de
engenharia e R$2.500.000,00 para compras e demais serviços, convênios
firmados com entidades não-governamentais, contratos de gestão e
termos de parceria.
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Art. 3º - Uma vez protocolizados, autuados e distribuídos nos termos do
artigo 198 do Regimento Interno, os contratos, atos jurídicos análogos e
demais ajustes mencionados no artigo anterior terão instrução que poderá
conduzi-los, conforme o caso, ao exame de conhecimento ou ao de
julgamento.
§ 1º - O exame de conhecimento, de responsabilidade do Corpo de
Auditores, abrange ajustes sobre os quais não incidam apontamentos de
irregularidade pela Fiscalização, restando concluído sem apreciação de
mérito.
§ 2º - O exame de julgamento abrange ajustes com apontamentos de
irregularidade pela Fiscalização e os casos em que houver determinação
do Conselheiro Relator para sua adoção, únicas hipóteses em que os
autos poderão seguir para manifestação dos órgãos técnicos.
Art. 4º - Verificada a hipótese do exame de conhecimento, a
Fiscalização, depois de concluída sua análise, remeterá os autos à
Presidência para fins de designação de um Auditor, mediante sistema
eletrônico, seguindo o feito ao Corpo de Auditores, com prévio trânsito
pela Procuradoria da Fazenda do Estado, nos casos de sua intervenção
obrigatória, e Ministério Público de Contas.
§ 1º - Havendo concordância com a análise da Fiscalização e não se
verificando objeção por parte da Procuradoria da Fazenda do Estado nem
do Ministério Público de Contas, o Auditor designado para o feito proferirá
despacho de conhecimento, diferindo a apreciação da matéria, sem
julgamento de mérito.
§ 2º - Diferida a apreciação da matéria nos termos do parágrafo anterior,
os autos poderão ser retomados a qualquer tempo, caso haja
representação, denúncia, iniciativa do Conselheiro Relator ou qualquer
outra situação que seja considerada relevante e recomende a medida,
seguindo, em qualquer dessas hipóteses, ao Gabinete do Conselheiro a
quem foi distribuído o feito, para fins de instrução e julgamento.
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§ 3º - Se a juízo do Auditor, a pedido fundamentado do Ministério Público
de Contas ou da Procuradoria da Fazenda do Estado, ou ainda, por
iniciativa do próprio Conselheiro Relator, entender-se que os autos não se
encontram em condições de diferimento, o feito seguirá ao Gabinete do
Conselheiro a quem foi distribuído, para prosseguimento da instrução e
posterior julgamento.
§ 4º - Os Auditores encaminharão aos respectivos Conselheiros Relatores
relatório mensal, dando conta dos processos que diferiram em
acolhimento a propostas da Fiscalização, informando, dentre outros
dados que julgarem pertinentes, as partes envolvidas, o objeto e o valor
do ajuste.
Art. 5º - Verificada a hipótese do exame de julgamento, a Fiscalização,
depois de concluída sua análise pela irregularidade do ajuste, remeterá os
autos ao Conselheiro Relator, podendo, somente a partir daí, ocorrer
eventual acionamento dos órgãos técnicos.
§ 1º - Antes de remeter o feito à apreciação do Conselheiro Relator, a
Fiscalização cuidará de esgotar todas as providências a seu cargo com
vistas a sanear os autos, na conformidade do artigo 200 do Regimento
Interno, bem como proporcionará aos responsáveis oportunidade de
apresentação dejustificativas preliminares, voltadas a afastar eventual
indício de ilegalidade, não lhe cabendo, entretanto, quaisquer
manifestações sobre as justificativas apresentadas, exceção feita aos
casos de prestação de contas, competindo-lhe remeter os autos ao
Conselheiro Relator, que decidirá sobre o prosseguimento da instrução.
§ 2º - Contratos, atos jurídicos análogos e demais ajustes sobre os quais
incidam representação, denúncia ou exame prévio de edital sempre
seguirão para instrução e posterior julgamento.
Art. 6º - Ordem de Serviço tratará do obrigatório acompanhamento da
execução contratual, mediante critério objetivo de escolha por sistema
eletrônico, de modo que, sem prejuízo da prerrogativa de os Conselheiros
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18
determinarem seu acompanhamento em relação àqueles feitos que, a seu
juízo, merecerem tal medida, o último de cada sete processos, versando
sobre contratos ou atos jurídicos análogos distribuídos a Conselheiro
Relator, seja necessariamente objeto de aludido acompanhamento.
§ 1º - O número referido no caput poderá ser revisto, dependendo do
escoamento verificado na prática, após a efetiva implementação da
sistemática aqui prevista.
§ 2º - Os processos objeto de acompanhamento da execução contratual
terão como primeiro ato de instrução a necessária vistoria, cujas
constatações integrarão o laudo da Fiscalização, que, em seguida, os
submeterá ao Conselheiro Relator para indispensável julgamento, ainda
que a instrução seja favorável à regularidade da matéria.
DOS REPASSES AO TERCEIRO SETOR
Art. 7º - Nos processos que tratam de repasses ao terceiro setor, sem
prejuízo do exame ordinário dos atos que precedem as transferências, o
principal enfoque da Fiscalização será o exame das prestações de
contas, bem como o acompanhamento da execução dos ajustes.
Parágrafo único - As dependências da Fiscalização implementarão,
rotineiramente, inspeções in loco, lavrando termo de visita, que integrará
o laudo correspondente, dele constando obrigatoriamente o apurado
quanto ao atendimento às finalidades do repasse.
Art. 8º - Uma das atuais Diretorias de Fiscalização terá suas atribuições
voltadas, exclusivamente, à fiscalização de repasses às entidades do
Terceiro Setor sediadas na Capital e Grande São Paulo.
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 9º - Além de outros sistemas que venham a ser desenvolvidos, os
relatórios produzidos pela Fiscalização deverão levar em consideração os
19
19
dados informados pelo Sistema AUDESP, sempre com vistas a conferir
maior fidedignidade às informações trazidas aos autos.
Art. 10 - Sem prejuízo da adoção de procedimento eletrônico futuro, após
o trânsito em julgado, os processos que tratam de admissões de pessoal,
aposentadorias, reformas, pensões, repasse ao terceiro setor e
adiantamentos serão devolvidos à origem, que ficará responsável pelo
seu arquivamento e guarda, reencaminhando-os sempre que sobrevier
qualquer alteração que implique atuação do Tribunal.
Art. 11 - Presidência e Secretaria-Diretoria Geral, nos correspondentes
âmbitos, ficam autorizadas a baixar as Ordens de Serviço necessárias à
adequada execução do quanto disposto nesta Resolução.
Art. 12 - O Ministério Público de Contas oficiará nos feitos sempre após a
intervenção da Procuradoria da Fazenda do Estado, quando for o caso.
Art. 13 - As disposições do Regimento Interno, das Instruções
Consolidadas e das Ordens de Serviço deste Tribunal permanecem de
observância obrigatória, mas terão sua eficácia suspensa, se conflitantes
com as desta Resolução e enquanto esta viger.
Art. 14 - Esta Resolução entrará em vigor no primeiro dia útil subsequente
à publicação das Ordens de Serviço correspondentes.
São Paulo, 18 de abril de 2012.
RENATO MARTINS COSTA - Presidente
ANTONIO ROQUE CITADINI
EDGARD CAMARGO RODRIGUES
ROBSON MARINHO
SILVIA MONTEIRO
JOSUÉ ROMERO
ANTONIO CARLOS DOS SANTOS
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Em atendimento ao quanto estabelecido na resolução
acima ocorre a fiscalização in loco, oportunidade que a equipe de fiscalização do
Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, por meio de uma das Diretorias de
Fiscalização baseadas na Capital do Estado, ou através das 18 Unidades
Regionais distribuídas pelo interior do estado.
Após a apresentação do relatório da equipe de
fiscalização, se aplicável, é aberta vista do processo pelo Conselheiro Relator,
iniciando-se, então, o efetivo contraditório administrativo.
Durante a instrução do processo haverá, ainda,
manifestação dos órgãos de assessoria da Casa, ATJ – Assessoria Técnica
Jurídica, e, SDG – Secretaria Diretoria Geral.
Uma vez instruído, o processo vai à conclusão do
Conselheiro Relator que elaborará voto e decisão, nos processo de competência
singular, ou, apresentará o voto a uma das duas Câmaras de Julgamento, que
decidirá acerca do processado administrativo.
4. Processo administrativo de contas - TCESP.
Nos termos do artigo 706 da Constituição Federal, a
visão de controle operacional estabelecida pelo legislador exsurge na delegação,
aos Tribunais de Contas, do desenvolvimento dos sistemas de controle para que
estes tornem efetiva a missão constitucional das Cortes de Contas.
6 Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da
administração direta e indireta, quanto à legalidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.
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21
Nesta esteira, o processo administrativo do Tribunal de
Contas do Estado de São Paulo tem início com a fiscalização dos entes
jurisdicionados cumprindo-se a rotina de auditoria, com a submissão das contas e
contratos pelos entes jurisdicionados, ou, ainda, quando for provocado.
Uma vez iniciado o processo de acompanhamento, é
elaborado detalhado relatório técnico pelas equipes de fiscalização das Diretorias
de Fiscalização, na Capital, ou, das Unidades Regionais, distribuídas em diversas
localidades do interior do Estado.
A instrução processual inicia-se com a apresentação do
relatório da fiscalização que, submetido às chefias e direção, pode concluir pela
regularidade ou irregularidade da despesa.
O processo administrativo é submetido, então, ao
Conselheiro Relator que avaliará seu conteúdo e, vislumbrando indícios de
irregularidade, assinará prazo para defesa, manifestação, do ente jurisdicionado
e, quando for o caso, do contratado pela Administração Pública.
Apresentadas as razões de defesa, o processo é
submetido às instâncias técnicas do Tribunal, ATJ – Assessoria Técnica Jurídica
e SDG – Secretaria Diretoria Geral, que emitirão opiniões de ordem técnica,
abrangendo questões econômicas, jurídicas e regimentais. Devidamente
instruído, o processo administrativo retorna ao Conselheiro Relator que, segundo
o enquadramento regimental, poderá proferir decisão singular ou colegiada,
quando submeterá seu voto à Câmara para julgamento.
A decisão proferida é publicada no Diário Oficial do
Estado – DOE, iniciando-se a abertura de prazo para eventual recurso a ser
interposto pela parte inconformada com a decisão.
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22
Os recursos admissíveis estão mencionados no artigo
527 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas8, e têm sua tramitação regulamentada
pelos artigos seguintes.
Conhecido o recurso, é ele apreciado pelos órgãos de
assessoria do Tribunal e então submetido à Instância Superior, no caso de
julgamento singular, às Câmaras de Julgamento, no caso de decisão colegiada o
recurso é submetido ao Tribunal Pleno.
Todas as decisões são publicadas, em nome das
partes envolvidas, no Diário Oficial do Estado – DOE, Seção do Tribunal de
Contas no Caderno referente ao Poder Legislativo.
5. A questão do Caso Decidido em contraposição a Coisa Julgada.
Não havendo mais recurso cabível em face da decisão
proferida no âmbito do Tribunal de Contas, aperfeiçoa-se o que a doutrina
denomina “caso decidido”, ou “coisa julgada administrativa”.
A questão assume contorno controvertido quando se
vem confrontar uma decisão definitiva proferida pelo Tribunal de Contas do
Estado com o conceito de coisa julgada definido pelo artigo 6º, § 3º, da Lei de
Introdução ao Código Civil9.
7 Artigo 52. São admissíveis os seguintes recursos:
I – recurso ordinário; II – pedido de reconsideração; III – agravo; IV – embargos de declaração; e V – pedido de reexame.
8 disponível em www.tce.sp.gov.br.
9 Art.6. A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa
julgada. (...) § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.
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O conceito de coisa julgada, nos termos preconizados
pelo parâmetro condutor das normas de direito brasileiras, manifesta-se com dois
efeitos fundamentais, a imperatividade e a imutabilidade.
A imperatividade é por conferir à sentença, em relação
às partes, força de lei, não restando alternativa outra a elas que não cumprir o
que ficou determinado. A imutabilidade não só faz desaparecer o direito da parte
provocar, novamente, o Judiciário sobre o assunto, como também extingue a
prestação jurisdicional.
O efetivo direito conquistado incorpora-se ao
patrimônio de seu titular por força da proteção que recebe da imutabilidade da
decisão judicial. Daí falar-se em coisa julgada formal e material.
Coisa julgada formal é aquela que se dá no âmbito do
próprio processo. Seus efeitos restringem-se, pois a este, não o extrapolando. A
coisa julgada material, ou substancial, existe quando a sentença reúne
imutabilidade até mesmo em processo anterior (fundamentos do direito
processual civil).
Destas considerações exsurgem as seguintes
perguntas: pode-se falar em coisa julgada administrativa? Quais as acepções
possíveis ao termo "coisa julgada administrativa"? O processo administrativo faz
coisa julgada perante as partes, impossibilitando a revisão judicial? Em caso
positivo, quais os limites dessa "coisa julgada administrativa"?
Nesta questão é importante destacar que em ambas as
situações está presente a atuação do Estado.
Quando exerce a função jurisdicional, o Estado não
toma parte da relação denominada tríplice – as partes e o Estado-juiz
representam cada um dos vértices do triângulo –. Assim considerando, o Estado-
juiz, como não faz parte da relação, presta-se ao exercício da função de forma
imparcial e definitiva, produzindo coisa julgada.
24
24
Por sua vez, no exercício da função administrativa, a
Administração Pública figura como parte na relação, de forma que sua função
assume certa conotação de parcialidade, não podendo, por isso mesmo, ser
definitiva, mas sempre com a possibilidade de ser apreciada pelo Poder
Judiciário, se causar lesão ou ameaça a direito subjetivo, haja vista que ninguém,
nem mesmo a Administração Pública, pode ser parte e juiz ao mesmo tempo.
Nesta conformidade, o conceito de coisa julgada não
pode ter, no contexto administrativo, o mesmo significado que tem no âmbito do
Poder Judiciário.
Nestes termos, a decisão administrativa que pelo
decurso dos prazos recursais, ou pelo esgotamento dos recursos junto ao
Tribunal de Contas, torna-se irretratável, operando-se a preclusão da
possibilidade de reexame na via administrativa, podendo ser considerada coisa
julgada administrativa, em consonância com assentada doutrina.
O erro mais comum, no entanto, reside em considerar
como absoluto o ensinamento raso de que todas as decisões administrativas são
amplamente revisíveis pelo Poder Judiciário.
Questão sensível a que trata da irrevogabilidade dos
atos administrativos, conquanto não se resume apenas aos casos em que tenha
se exaurido a via administrativa, não cabendo aí mais qualquer recurso, uma vez
que existem outras possibilidades que englobam os casos de irrevogabilidade dos
atos administrativos, de forma que, não poucas vezes, a doutrina trata do tema de
coisa julgada administrativa quando se refere às limitações ao poder de revogar
os atos da Administração.
A irrecorribilidade das decisões oriundas dos Tribunais
de Contas, face ao artigo 5º, XXXV10 da CF, decorre do princípio constitucional de
que nenhum direito deve ser considerado absoluto, ou seja, a restrição aos 10
Art. 5º, XXXV. A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
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direitos e garantias fundamentais é possível por meio da própria constituição ou
por lei infraconstitucional.
Afora a questão da específica competência dos Tribunais
de Contas, no que tange à apreciação e controle dos gastos públicos, a
Constituição da República tem ainda outras hipóteses de limitação ao controle
judicial (quanto ao mérito) de decisões: a) a competência do Senado Federal
para julgamento de crimes de responsabilidade – impeachment – estabelecida
no artigo 52, I e II; b) a Justiça Desportiva, cuja autonomia nos assuntos
desportivos é regulada nos termos do § 1º do artigo 217 da Lei Maior; e c) o
instituto da Arbitragem que com o advento da Lei nº 9.307/96, artigo 31, teve
estabelecida a eficácia da sentença arbitral dentro da sua esfera de
competência.
Como bem se vê, há limitações no que toca à
revisibilidade de decisões pelo Poder Judiciário.
No caso das decisões exaradas pelas Cortes de Contas,
a restrição ao quanto previsto no artigo 5º, XXXV, decorre do próprio texto
constitucional, uma vez que o legislador houve por bem outorgar aos Tribunais
de Contas a competência específica para julgar as contas que envolvem
recursos públicos.
Neste sentido, imprescindível remeter à doutrina
especializada de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes11:
“o exercício da função de julgar não é restrito ao Poder Judiciário. Os
Tribunais de Contas possuem a competência constitucional de julgar
contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens
11
In “Limites à Revisibilidade Judicial das Decisões dos Tribunais de Contas”, Revista do Tribunal de Contas da União, Brasília, v. 27, nº 70, 1996, p. 70-71.
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26
e valores públicos. O termo julgamento não pode ter outro significado
que não corresponda ao exercício da jurisdição, o qual só é efetivo se
produzir coisa julgada;
A melhor doutrina e jurisprudência dos Tribunais Superiores admite
pacificamente que as decisões dos Tribunais de Contas, quando
adotadas em decorrência da matéria que o Constituinte estabeleceu na
competência de julgar, não podem ser revistas quanto ao mérito.”
Por oportunas, convém trazer também as manifestações
do ilustríssimo Rui Barbosa12, idealizador e criador dos Tribunais de Contas no
Brasil:
“os textos que incumbem ao Tribunal de Contas „apura e julgar os
contractos que derem origem a despesas‟, deixam evidente, pela
clausula, „que derem origem a despesas‟, serem as despesas, a que
esses contractos derem origem, matéria de competência restricta ao
Tribunal de Contas, de cujas sentenças, uma vez ultimado o progresso
único do registro, não há mais recurso algum para outra jurisdicção ou
poder.”
E, ainda, as lições do mestre Pontes de Miranda13:
“Desde 1934, a função de julgar as contas estava claríssima, no texto
Constitucional. Não havíamos de interpretar que o Tribunal de Contas
julgasse e outro juiz rejulgasse depois. Tratar-se-ia de absurdo bis
idem. Ou o Tribunal de Contas julgava, ou não julgava.”
12
In “Comentários à Constituição Federal Brasileira”, Vol. VI, Editora Saraiva, São Paulo, 1934, p. 457
13 In “Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1/69”, T. III, 2ª Ed., Editora. RT, São Paulo, 1970, p. 251
27
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Todavia, havendo ameaça ou lesão a direito subjetivo
ou, ainda, vícios de ordem formal, as decisões podem ser objeto de análise pelo
Judiciário, por força do artigo 5º, inciso XXXV, da Carta Magna.
Nas lições de Celso Ribeiro Bastos14:
“(...) significa dizer que toda decisão definitiva sobre uma controvérsia
jurídica só poderia ser exercida pelo Poder Judiciário. Não haveria
jurisdição fora deste, nem no Poder Executivo, nem no Poder Legislativa.
Esse, portanto, é um traço que dificilmente pode ser enfatizado de
maneira excessiva e sobre o qual, de resto, a letra do atual dispositivo
constitucional não deixa nenhuma dúvida:
„A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de
direito‟.
Isso significa que lei alguma poderá auto-excluir-se da apreciação do
Poder Judiciário quanto à sua constitucionalidade, nem poderá dizer que
ela seja ininvocável pelos interessados perante o Poder Judiciário para
resolução das controvérsias que surjam da sua aplicação.
Algumas exceções históricas que esse princípio sofreu se deram em
períodos de não vigência do Estado de Direito. Nessas ocasiões, era
frequente determinados atos de força legislativa auto excluírem-se da
apreciação do Judiciário. Essas exceções, contudo, tinham sempre a sua
vigência condicionada à manutenção do Estado autoritário. Desaparecido
este, restaura-se, em sua plenitude, a acessibilidade ampla ao Poder
Judiciário. Mesmo o contencioso administrativo a que se referia a
Constituição de 1967 nunca chegou a ser regulamentado, nem mesmo
teve o rompante de afirmar que suas decisões teriam força jurisdicional.
Portanto, o permissivo constitucional criado pela Emenda nº. 7/77 à
Constituição de 1967 nunca teve o condão de implantar no Brasil um
contencioso administrativo nos moldes do sistema europeu. O que se
criou foi o que poderíamos chamar uma instância administrativa de curso
forçado, pela qual, satisfeitos certos requisitos constitucionais, exigia-se
14
BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo – Ed. Saraiva. 2004. P. 186/187.
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do interessado que primeiro percorresse a instância administrativa; mas
nem mesmo esse contencioso completamente desfigurado chegou a ser
posto em prática, por falta de regulamentação.
O que se poderia perguntar é se há respaldo no momento atual para
criação de instâncias administrativas de curso forçado. A resposta é sem
dúvida negativa. Qualquer que seja a lesão ou mesmo sua ameaça, surge
imediatamente o direito subjetivo público de ter o prejudicado a sua
questão examinada por um dos órgãos do Poder Judiciário.
É certo que a lei poderá criar órgãos administrativos diante dos quais seja
possível apresentar reclamações contra decisões administrativas. A lei
poderá igualmente prever recursos administrativos para órgãos
monocráticos ou colegiados. Mas esses remédios administrativos não
passarão nunca de mera via opcional. Ninguém pode negar que em
muitas hipóteses possam ser até mesmo úteis, por ensejar a
oportunidade de autocorreção pela administração dos seus próprios atos,
sem impor ao particular os ônus de uma via judicial; mas o fundamental é
que a entrada pela via administrativa há de ser uma opção livre do
administrado e não uma imposição da lei ou de qualquer ato
administrativo.”
Nesta conformidade, as decisões dos Tribunais de
Contas podem ser revistas pelo Poder Judiciário, especial e principalmente no
que tange aos seus aspectos formais.
CAPÍTULO II
A REVISÃO PELO JUDICIÁRIO
1. A função jurisdicional.
Pode-se dizer que a função jurisdicional é a aplicação
das normas legais quando da emergência de litígios surgidos na sociedade e se
dá por meio de um processo judicial.
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As controvérsias são solucionadas pelos órgãos do
Poder Judiciário com fundamento no quadro normativo, composto por leis,
costumes ou, ainda, padrões de comportamento que devem ser aplicados por
seus componentes no exercício da judicatura.
A função jurisdicional dos Tribunais de Contas, por sua
vez, decorrem dos poderes que lhes são conferidos pela Constituição Federal.
Neste sentido, é importante destacar conceitualmente a
competência dos Tribunais de Contas que pode ser entendida como sendo o
exercício pleno do poder vinculado a uma certa finalidade específica, conferida
pelas normas constitucionais, leis procedimentais e, ainda, de organização
institucional.
É necessário asseverar, ainda, que não se trata de
distribuir o poder estatal mas sim, de estabelecer a determinados entes e órgãos
a tarefa de exercitá-lo, inclusive de modo exclusivo e específico, como no caso
daquele concedido aos Tribunais de Contas para julgar as contas dos gestores de
recursos públicos.
Nas lições de Carlos Ari Sundfeld15:
“(...) a expressão competência é usada no Direito com
intenção muito definida. Significa-se com ela o poder, conferido pelo
ordenamento, cujo exercício só é lícito se realizado: a) pelo sujeito previsto; b)
sobre o território de sua jurisdição; c) em relação às matérias indicadas na norma;
d) para atingir a finalidade que levou à outorga do poder. Em outras palavras, a
competência é um poder intensamente condicionado”.
Sendo assim, deflui que a regra de competência não
existe de forma incondicionada, pois está estritamente vinculada a uma
determinada finalidade. Os Tribunais de Contas emanam de expressa previsão 15 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. São Paulo – Ed. Malheiros. 2006. P. 112.
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constitucional e se destacam, na estrutura do Estado brasileiro, por serem
essenciais à característica da forma de governo constitucionalmente estabelecida,
uma república federativa.
A necessidade de controle do dinheiro público fez com
que, através do Decreto nº 966-A, de 07 de novembro de 1890, do então Ministro
da Fazenda Ruy Barbosa, fosse criado o Tribunal de Contas para exame, revisão
e julgamento dos atos concernentes à receita e à despesa da República.
Contudo, o órgão idealizado por Ruy Barbosa acabou não sendo instituído na sua
gestão, somente vindo a ser constituído após expressa previsão constitucional,
por meio do artigo 89 da Constituição Federal Republicana, de 24 de fevereiro de
1891, sendo mantidas as suas previsões constitucionais em todas as
Constituições desde então, com a ressalva que os Tribunais de Contas tiveram
parte de suas atribuições suprimidas durante o Estado Novo, entre 1937 e 1945.
Cabe aqui mencionar que a Constituição da República
de 1988 modificou a estrutura do exercício institucional no que tange à
competência, até então existente nos Tribunais de Contas, tendo ampliado os
objetos de fiscalização, multiplicado os sujeitos fiscalizáveis e diversificado a
finalidade do controle para abarcar a necessidade de um melhor controle da
gestão do erário. Desta forma, os Tribunais de Contas deixaram a antiga
concepção de serem apenas integrantes dos órgãos do Estado para se
constituírem em órgãos da sociedade no Estado, exercendo sua função
jurisdicional nos termos previstos pelo art. 71, II, da Constituição Federal.
Uma compreensão adequada acerca da função do
Tribunal de Contas vem suplantar a tripartição clássica de equilíbrio de poderes,
do Estado Direito, entre atividades executivas, legislativas e judiciárias.
Na matriz original do Estado Democrático de Direito há
uma pluralidade de centros constitucionais de imputação do poder, ou seja,
diversificadas matrizes constitucionais, com suas diversas funções públicas que
articulam as normas de competência com a ideia da responsabilidade
constitucional dos órgãos constitucionais para conter o poder, exercido em todas
31
31
as formas e funções em que se possa apresentar, para dividir, limitar e fiscalizar e
controlar a Gestão Pública.
Numa perspectiva mais ampla, esta análise deve
abarcar o Executivo, Legislativo e Judiciário tendo em vista a superação de
divisões estanques entre os poderes do paradigmático Estado Democrático de
Direito.
Dentro desse contexto, os Tribunais de Contas devem
ser entendidos como integrantes de um complexo de controle da Gestão Pública,
envolvendo diversos atores, Executivo, Legislativo, Judiciário, Organizações Não
Governamentais, Empresas Privadas, Movimentos Sociais e Indivíduos, todos
interligados para o pleno exercício da cidadania.
A função jurisdicional dos Tribunais de Contas se difere
das características originais uma vez que, ao exercitar a vontade concreta da lei,
o faz sem ser diretamente invocada pela parte, que vem se submeter à jurisdição
da Corte de Contas por força dos regulamentos acessórios à legislação
específica. Nesta esteira, deve ser ressaltado que há prestação jurisdicional na
medida em que os órgãos dos Tribunais de Contas ao exercer seus mecanismos
de controle julgam contratos, apreciam atos de admissão e aposentadoria e
emitem pareceres às contas que lhe são submetidas a julgamento.
Neste tópico é importante frisar que a decisão
emanada da Corte de Contas é uma decisão judicante, na acepção de que “diz
definitivamente o Direito” no âmbito de sua competência.
Em linha com tal fundamento encontra-se o fato de que
ao apreciar as contas do Poder Executivo, exsurgem duas situações: quanto às
Contas dos Governadores não há um julgamento das contas, mas sim emissão
de parecer técnico; já com relação às contas dos executivos municipais, há
efetivamente um julgamento por parte das Cortes de Contas, que, contudo deve
ser aprovado ou rejeitado pelas Câmaras Municipais.
32
32
Na prática ocorre que, em sede de julgamento técnico,
cerca de 50% das contas dos executivos municipais são rejeitadas e, quando de
seu julgamento político, nas Câmaras Municipais, esta logram 93% de aprovação.
Deve ser frisado neste tópico que o parecer emanado
dos Tribunais de Contas é decorrente de órgão colegiado, sendo que a rejeição
das contas consubstancia infração ao princípios da Lei da Ficha Limpa, podendo
acarretar a inelegibilidade do agente político. Ressalte-se que a questão da “ficha
limpa” ou “contas limpas” não são tópicos principais deste estudo.
Por vezes, as decisões das Cortes de Contas são
contestadas perante o Poder Judiciário. Nada obstante a expressa competência
constitucional dos Tribunais de Contas, com amparo no princípio da
inafastabilidade de jurisdição, qualquer ente fiscalizado têm assegurada a
necessária tutela para dirimir os conflitos decorrentes da atuação das Cortes de
Contas, nos termos do inciso XXXV16 do artigo 5º da Constituição Federal.
É adepta dessa corrente, Odete Medauar17, que assim
já se manifestou:
“(...)nenhuma lesão de direito poderá ficar excluída da apreciação pelo Poder
Judiciário; qualquer decisão do Tribunal de Contas, mesmo no tocante à
apreciação de contas de administradores, pode ser submetida ao reexame pelo
Poder Judiciário se o interessado considerar que seu direito sofreu lesão;
ausente se encontra, nas decisões do Tribunal de Contas, o caráter de
definitividade ou imutabilidade dos efeitos inerentes aos atos jurisdicionais.”
Em contraponto, temos as doutrinas de Seabra
Fagundes18 e Pontes de Miranda19, respectivamente:
16
XXXV. A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. 17
MEDAUAR, Odete. Controle da Administração Pública pelo Tribunal de Contas. Brasília – Imprensa Nacional. Revista de Informação Legislativa, 1990, p. 124-125.
18 FAGUNDES, Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 5ª Ed. – São Paulo – Saraiva. 1979. P.
137-139.
19 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. Rio de Janeiro – Livraria Boffoni – 1947 – vol. II. p. 45.
33
33
“... a força jurisdicional da decisão do Tribunal de Contas não ocorre pelo
simples emprego da palavra „julgar‟, mas sim pelo sentido definitivo da
manifestação da Corte, pois se a irregularidade das contas pudesse dar lugar à
nova apreciação pelo Judiciário, o seu pronunciamento resultaria em mero e
inútil formalismo.”
e,
“Hoje, e desde 1934, a função de julgar as contas está, claríssima, no texto
constitucional. Não haveremos de interpretar que o Tribunal de Contas julgue e
outro juiz as rejulgue depois. Tratar-se-ia de absurdo bis in idem (...) Tal
jurisdição exclui a intromissão de qualquer juiz na apreciação da situação em
que se acham, ex hiphotesi, os responsáveis para com a Fazenda Pública.”
Apesar de representarem posições doutrinárias
antigas, este posicionamento encontra eco, recentemente, na doutrina
especializada de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes20, o qual defende
“que, como regra, o Tribunal de Contas não tem competência para dizer o direito
no caso concreto, com força de coisa julgada. Entretanto, por exceção, detém
essa competência quando se trata da norma do artigo 71, II, da Constituição
brasileira.”
Os defensores da defesa das decisões judicantes dos
Tribunais de Contas prendem-se à etimologia da palavra empregada pelo
legislador consituinte, “julgar”¸ que efetivamente denota a vontade de que
houvesse a produção de coisa julgada.
Ainda advogando neste sentido é oportuno mencionar
que o artigo 71, § 3º, da Constituição da República, dispõe no seguinte sentido:
“As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão
eficácia de título executivo”.
20
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil. Jurisdição e Competência. 2ª Ed. – Belo Horizonte – Ed. Forum. 2005. P. 149.
34
34
Nesta esteira, se as decisões das Cortes de Contas
têm eficácia de título executivo, significa que não se há de cogitar submetê-las a
novo processo de conhecimento, restando ao devedor deste título extrajudicial tão
somente interpor embargos à execução, no caso de execução forçada perante o
Poder Judiciário.
Por sua vez, admitindo-se a revisão do provimento da
Corte de Contas, caberá ao Poder Judiciário verificar, caso a caso, o cabimento
da ação mediante a análise da possibilidade jurídica do pedido, da legitimidade ad
causam e do interesse de agir.
Juntamente com as condições da ação, o magistrado
deverá avaliar o pedido e a causa de pedir. A causa deverá se limitar à alegação
de ilegalidade manifesta ou de inconstitucionalidade do provimento. E o pedido,
por sua vez, deverá buscar a anulação do provimento. Pedido que busque a
reanálise das contas pelo Judiciário estará em desacordo com a ordem
constitucional; isto porque, se o Judiciário fizer uma reavaliação das contas,
pronunciar-se acerca de sua regularidade ou irregularidade, reduzir os valores
das sanções ou extrair cominações impostas, ocorrerá o desrespeito à ordem e a
usurpação das atribuições constitucionais dos Tribunais de Contas.
A causa de pedir deve indicar a ilegalidade manifesta
ou a inconstitucionalidade por violação de direitos fundamentais ou de
personalidade do gestor.
Já o pedido, em contrapartida, poderá buscar a
suspensão imediata dos efeitos do provimento – antecipação de tutela – e, ao
final, a sua anulação. Se o magistrado se convencer da verossimilhança da
alegação e da possibilidade de dano, bem como da reversibilidade do provimento,
poderá conceder a antecipação dos efeitos da tutela. E se, ao final, após a
instrução probatória, se convencer da presença da ilegalidade manifesta ou da
inconstitucionalidade, poderá anular o provimento administrativo, mas em vez de
proceder a uma reanálise das contas, ordenará ao Tribunal de Contas a
realização de um novo julgamento ou apreciação.
35
35
A decisão judicial deverá, por sua vez, apontar os
motivos e a fundamentação, delimitar e indicar a ilegalidade e/ou a
inconstitucionalidade. Essa motivação da decisão judicial deverá ser observada
pelo Tribunal de Contas no novo julgamento para que não se repita o mesmo erro
ou vício. Entende-se, portanto, que a motivação da decisão judicial é vinculante
para o novo julgamento.
Estando o gestor inconformado com a decisão
proferida pela Corte de Contas, poderá fazer uso da via do mandado de
segurança ou de ação ordinária.
2. Os tipos de recurso.
2.1 – O Mandado de Segurança.
O instituto do mandado de segurança, atualizado
recentemente pela Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009, nas palavras de Hely
Lopes Meirelles21, “é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa
física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade
reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e
certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade, não amparado por
habeas corpus ou habeas data, seja de que categoria for e sejam quais forem as
funções que exerça (CF, art. 5º, LXIX e LXX; art. 1º da Lei nº 12.016, de
7.8.2009).
Nestes termos, a admissibilidade do remédio
constitucional está estritamente vinculado às seguintes condições: existência de
direito líquido e certo e abuso de direito ou ilegalidade na conduta da autoridade
coatora.
21
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. 32ª Ed.- São Paulo – Malheiros. 2009. p. 25-26.
36
36
Deve ser enfatizado que a existência do direito líquido
e certo deve ser demonstrada ab initio, por meio de prova inequívoca, não
havendo espaço para dilação probatória na via estreita do mandado de
segurança.
São, neste sentido, as lições do ilustre Mestre Hely Lopes
Meirelles22, que preleciona:
“Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência,
delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no momento da impetração.
(...) é direito comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior, não
é líquido nem certo, para fins de segurança.”
É necessário, ainda, demonstrar que a autoridade
coatora agira com abuso de autoridade ou que tenha havido ilegalidade na
conduta da autoridade coatora.
Para o correto balizamento da questão é importante
destacar que a ilegalidade de que trata a Lei nº 12.016/09 compreende a conduta
da autoridade a quem é vedado atuar fora da competência instituída por norma
jurídica ou, ainda, agir ilicitamente, contrariando o conteúdo da lei, notadamente
no exercício da competência a ela vinculada.
O abuso de poder, por sua vez, pode ser caracterizado
quando o agente coator atua nos limites da lei, mas age com interesse diverso do
interesse público, com favoritismo ou perseguições; ou, ainda, quando ocorre a
desfiguração ideológica da lei.
A este respeito, a doutrina de Heraldo Garcia Vitta23
assim dispõe:
22
Obra citada, p. 34. 23
VITTA, Heraldo Garcia. Mandado de Segurança – Comentários à Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009. 3ª Ed. – São Paulo – Saraiva. 2010. p. 58
37
37
“Em regra, o termo „ilegalidade‟, um dos pressupostos do mandado de
segurança, refere-se a atos editados na competência vinculada do agente
público. Nesse tipo de competência administrativa, a lei não deixa margem
alguma de liberdade ao administrador para, no caso concreto, proceder à
escolha que melhor se afeiçoe ao interesse público, porque ela determina, de
forma taxativa, o único comportamento possível da autoridade.”
Assim sendo, é imprescindível a clara demonstração da
ocorrência das hipóteses acima configuradas.
Nesta conformidade, falecerá ao Impetrante o
necessário interesse processual se não restar evidente que ato guerreado enseje
direito líquido e certo a ser socorrido pelo heróico caminho do mandado de
segurança, devendo ainda ser comprovada cabalmente a ilegalidade do ato
perpetrado pela autoridade coatora,
Em não se configurando a coexistência das condições
acima mencionadas, culminando por tornar inadequada a ação proposta, impor-
se-á a extinção do processo, sem julgamento do mérito, com base no artigo 267,
inciso VI, do Código de Processo Civil.
2.1.1 – O duplo grau de jurisdição
Com o edição da Lei nº 10.352, de 26.12.2001, o artigo
475 do Código de Processo Civil, referente ao reexame necessário, teve seu texto
modificado, passando a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão
depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as
respectivas autarquias e fundações de direito público;
II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de
dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).
38
38
§ 1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao
tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal
avocá-los.
§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito
controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos,
bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de
dívida ativa do mesmo valor.
§ 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver
fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em
súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente"
O artigo supracitado instituiu a figura do duplo grau de
jurisdição obrigatório. É a remessa ou reexame necessário como conhecida, ou, o
antigo recurso ex officio.
A doutrina não mais o denomina de recurso ex officio,
pois tal tratamento não se mostra adequado, à uma porque não se trata de
modalidade recursal, mas sim, de condição de eficácia da sentença e à duas,
porque não se concebe o fato do juiz recorrer de sua própria sentença.
Na verdade, o reexame configura-se condição de
eficácia da sentença que, nas palavras de Nelson Nery Júnior24, "embora
existente e válida, somente produzirá efeitos depois de confirmada pelo tribunal.
Não é recurso por lhe faltar: tipicidade, voluntariedade, tempestividade,
dialeticidade, legitimidade, interesse em recorrer e preparo, características
próprias dos recursos. Enquanto não reexaminada a sentença pelo tribunal, não
haverá trânsito em julgado e, consequentemente, será ela ineficaz".
Nada obstante a nova disciplina do duplo grau de
jurisdição trazida pela alteração no Código de Processo Civil, a nova Lei do
Mandado de Segurança repetiu dispositivo da lei anterior e, no parágrafo 1º do
seu artigo 14 assim dispôs:
24
NERY jÚNIOR, Nelson. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 5ª Ed. – São Paulo. Revista dos Tribunais. 2002. p. 780.
39
39
“Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação.
§ 1º. Concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao
duplo grau de jurisdição.”
Nestes termos, a sentença concessiva da segurança
deverá, obrigatoriamente, se submeter ao duplo grau de jurisdição, devendo
haver o reexame necessário.
Há, entretanto, uma hipótese em que tal reexame não
ocorre. Trata-se de Mandado de Segurança impetrado contra ato do Presidente
do Tribunal de Contas.
No âmbito do Estado de São Paulo, a competência para
apreciar mandamus impetrado em face do Presidente do Tribunal de Contas é do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em conformidade com o disposto no
artigo 13, I, “a”, do seu Regimento Interno25, bem como ainda, nos termos
previstos no artigo 74, inciso III, da Constituição Estadual26, “ex vi” do disposto no
artigo 125, § 1º, da Magna Carta Federal27.
Nesta esteira, a eventual concessão da segurança em
Mandado de Segurança impetrado contra ato do Presidente do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, decido, em única instância, pelo Órgão Especial
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, quedará sem ser submetida ao
25
Art. 13. Compete ao Órgão Especial: I – processar e julgar, originariamente: (...) f) os conflitos de atribuição entre autoridades judiciárias e administrativas, quando interessados o Governador, Secretário de Estado, a Mesa da Assembléia Legislativa ou seu Presidente, o Prefeito da Capital, o Presidente do Tribunal de Contas do Estado ou o Procurador-Geral de Justiça; 26
Art. 74. Compete ao Tribunal de Justiça, além das atribuições previstas nesta Constituição, processar e julgar originariamente: (...) III. os mandados de segurança e os habeas data contra atos do Governador, da Mesa e da Presidência da Assembleia, do próprio Tribunal ou de algum de seus membros, dos Presidentes dos Tribunais de Contas do Estado e do Município de São Paulo, do Procurador-Geral de Justiça, do Prefeito e do Presidente da Câmara Municipal da Capital.
27 Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
§ 1. A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.
40
40
reexame necessário, não logrando superar os critérios de admissibilidade aos
Tribunais Superiores.
Não é possível, tampouco, valer-se do Recurso
Ordinário, uma vez que o artigo 18 da Lei 12.016/0928, somente o prevê em caso
de denegação da segurança.
Exsurge, portanto, a inusitada situação em que, apesar
de mandatório, o reexame não ocorre posto que o Tribunal de Justiça não age ex-
officio, deixando de encaminhar as decisões concessivas de segurança aos
Tribunais Superiores, e, por sua vez, não admite o prosseguimento de apelos
extraordinários, por não presentes os requisitos de admissibilidade, e, por fim, fica
a autoridade coatora impedida de valer-se do oportuno Recurso Ordinário, posto
que este somente é aplicável às decisões denegatórias de segurança.
Pelo momento, não há como superar tal impasse!
2.2 – Ação Ordinária.
O cabimento da ação ordinária é decorrência do
princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, assegurado pelo inciso XXXV
do artigo 5º da Constituição da República, que assim dispõe:
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
(...)
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de
direito.”
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Art. 18. Das decisões em mandado de segurança proferidas em única instância pelos tribunais cabe recurso especial e extraordinário, nos casos legalmente previstos, e recurso ordinário, quando a ordem for denegada.
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Nesta esteira, qualquer jurisdicionado poderá se
insurgir contra provimento ou decisão emanada da Corte de Contas, devendo,
para tanto, enfrentar o necessário processo de cognição perante o Poder
Judiciário interpondo a competente Ação Ordinária.
Poderá, ainda, presentes os requisitos previstos no
artigo 273 do Código de Processo Civil29, pleitear a antecipação da tutela.
2.3 – Ação Declaratória.
Dentre as medidas tomadas pelos jurisdicionados está,
também, o ingresso de ação declaratória “desconstitutiva” de ato proferido pelo
Tribunal de Contas.
Buscam, amparados no artigo 4º do Código de
Processo Civil30, a declaração de nulidade do ato que apreciou as contas ou a
conduta do jurisdicionado.
É o que a doutrina denomina a ação declaratória
negativa, através da qual o autor busca tão somente a declaração da inexistência
de uma relação jurídica, sendo que o autor não invoca nenhum direito, buscando
tão somente a declaração de que o ato é nulo.
29
Art. 273 - O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. § 1º - Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. § 2º - Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. § 3º - A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A. § 4º - A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. § 5º - Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento. § 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. § 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.
30 Art. 4. O interesse do autor pode limitar-se à declaração:
I – da existência ou da inexistência de relação jurídica; II – da autenticidade ou falsidade de documento. Paragrafo único. É admissível a ação declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito.
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Tal conduta geralmente é rechaçada pelo Poder
Judiciário que, por vezes, não dá guarida à pretensão esposada por meio da ação
declaratória, como bem se pode observar nos julgados abaixo, bastante
elucidativos acerca da questão:
“O interesse de agir por meio da ação declaratória envolve a necessidade,
concretamente demonstrada, de eliminar ou resolver a incerteza do direito ou
relação jurídica. A declaratória tem por conteúdo o acertamento, pelo juiz, de
uma relação jurídica. (RTJ 83/934). Logo, se não há dúvida ou incerteza quanto
à relação jurídica, descabe a ação declaratória” (RJTJESP 107/325, 4 votos a
1).31
Deve ser destacado, ainda, que as hipóteses de
antecipação da tutela nas ações declaratórias têm se mostrado bastante
limitadas, sendo normalmente afastadas pela jurisprudência. Neste sentido:
“A antecipação de tutela com efeitos patrimoniais, em sede de ação declaratória,
não se coaduna com os princípios reguladores de tal entidade processual”
(RSTJ 105/63). No mesmo sentido: “A tutela antecipada, que tem como
característica a provisoriedade e é admitida nos casos em que ocorra a
verossimilhança da alegação do autor, não pode ser concedida em ação
declaratória, que objetiva a eliminação de incerteza do direito ou da relação
jurídica” (RT 742/350).32
Diante das considerações acima, pode-se dizer que ao
optar pela via cognitiva o jurisdicionado do Tribunal de Contas deve,
preferencialmente, optar pela ação ordinária, mais apropriada à efetiva
demonstração do direito invocado.
31
NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 43ª Ed. – São Paulo – Saraiva. 2011. p. 110.
32 NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 43ª Ed. – São Paulo – Saraiva. 2011. p.
110.
43
43
2.4 – Ação Trabalhista.
Existem, ainda, situação em que as decisões da Corte
de Contas envolve diretamente relações de trabalho relativas a servidores,
especialmente quando da análise dos atos de admissão de pessoal, prerrogativa
“pura” dos Tribunais de Contas, constitucionalmente previstas no inciso III do
artigo 71 da Lei Maior33.
Nestas hipóteses, em decorrência do pedido formulado
na ação, fica evidenciado o conflito de competência entre a justiça comum e a
trabalhista, ainda que as ações propostas venham invocar os termos da Emenda
Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, que ampliou a competência da
Justiça do Trabalho.
Nos termos da emenda constitucional acima
mencionada, o artigo 114 da Constituição da República passou a ter a seguinte
redação:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I. as relações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito
público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;”
Ocorre, porém, que via de regra as ações são
propostas na Justiça especializada e contém os pedidos fundamentados em
matéria administrativa, na maioria das vezes é pedida a anulação do ato da Corte
de Contas que julgou irregular a admissão de pessoal.
33
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: (...) III. apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessivo.
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44
Neste caso, apesar da existência da relação de
trabalho, a causa de pedir tem cunho administrativo, inviabilizando a sua
propositura na Justiça do Trabalho.
É neste sentido a Jurisprudência mais recente do STJ:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL. ATO
ADMINISTRATIVO QUE EXONEROU SERVIDORA DE CARGO PÚBLICO
MUNICIPAL. PEDIDO DE ANULAÇÃO. ÍNDOLE ADMNISTRATIVA DA
MATÉRIA. JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. 1. A situação dos autos cuida de
pleito de anulação de ato administrativo que exonerou a autora do cargo de
professora, ante a constatação de eventual burla ao postulado do concurso
público, possuindo a controvérsia caráter eminentemente administrativo. 2. A
pretensão da parte autora, portanto, deve ser apreciada pelo Juízo comum
estadual de primeira instância, a partir dos elementos constantes dos autos,
conjugados com as normas e com os princípios administrativos pertinentes. 3.
Agravo regimental improvido.”
(AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 47.589 – PR (Nº de Reg.
2004/0177768-5) – Minª.Relª MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – j.
14/03/2007, DJ 26/03/2007)
“PROCESSUAL CIVIL. ADMNISTRATIVO. CONFLITO POSITIVO DE
COMPETÊNCIA. ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO QUE EXONEROU
SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS. PLEITO DE NATUREZA
ADMINISTRATIVA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO COMUM ESTADUAL. 1.
Demanda ajuizada com vistas à anulação de ato administrativo que anulou
concurso público, exonerando, em conseqüência, os servidores públicos por ele
admitidos. 2. O pleito possui natureza exclusivamente administrativa, uma vez
que versa sobre a legalidade do ato de admissão de servidores públicos pelo
serviço público do Município de Itaú/RN. Competente, portanto, a Justiça comum
estadual. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo comum
estadual, o suscitado.”
(CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 89.080 – RN (Nº de Reg. 2007/0198311-6)
– Min.Rel. ARNALDO ESTEVES LIMA – j. 27/02/2008, DJ 05/05/2008)
45
45
Importante mencionar, ainda, que a correta delimitação da
nova competência da Justiça do Trabalho em função da EC nº 45/2004 foi dada
no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.395-6, promovida pela
Associação dos Juízes Federais – AJUFE, cuja concessão da liminar pelo
Ministro Cesar Peluso se deu com a seguinte fundamentação jurídica:
“Em 27/01/05 (...) a não inclusão do enunciado acrescido pelo SF em nada altera
a proposição jurídica contida na regra (...). Não há que se entender que a Justiça
Trabalhista, a partir do texto promulgado, possa analisar questões relativas aos
servidores públicos. Essas demandas vinculadas a questões funcionais a eles
pertinentes, regidos que são pela Lei 8112/90 e pelo Direito Administrativo, são
diversas dos contratos de trabalho regidos pela CLT. (...) Em face dos princípios
da proporcionalidade e da razoabilidade e ausência de prejuízo, concedo a
liminar, com efeito „ex tunc‟. Dou interpretação conforme o inciso I, do art. 114 da
CF, na redação da EC-45/04. Suspendo, „ad referendum‟, toda e qualquer
interpretação dada ao inciso I, do art. 114 da CF, na redação dada pela EC
45/04, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a „...apreciação... de
causas que... sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele
vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-
administrativo.”
No mesmo caminho trilhou a nossa mais alta Corte
Trabalhista, levando, inclusive, ao cancelamento da sua Orientação
Jurisprudencial da SBDI-1 de n º 205.
Pelas razões expostas acima, fica claro que as
decisões e provimentos emanados dos Tribunais de Contas devem ser
apreciados, quando levados ao Poder Judiciário, pela Justiça Comum,
notadamente pelas Varas especializadas da Fazenda Pública, ainda que versem
sobre admissão de pessoal, conquanto a relação trabalhista é somente aparente,
sendo a questão de fundo evidentemente de cunho administrativo.
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46
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cumpre a guisa nestas considerações finais, trazer a
questão inicial:
Cabe ao Poder Judiciário a revisão das decisões
legitimamente proferidas no âmbito da competência que o legislador
constitucional atribuiu aos Tribunais de Contas?
A nossa hipótese era que não haveria invasão da
competência constitucionalmente atribuída aos Tribunais de Contas, limitando-se
a revisão pelo Poder Judiciário aos aspectos formais das decisões nas Cortes de
Contas, reservando-se o mérito conforme desejo do legislador constitucional.
No meu caso, pude observar que haverá confirmação
PARCIAL da hipótese inicialmente ventilada, uma vez que há decisões, em todos
graus de jurisdição, onde é respeitado o limite da revisão formal dos julgados, e,
também, onde há efetivamente invasão de competência, configurando-se efetiva
reforma quanto ao mérito das decisões técnicas tomados pelos Tribunais de
Contas.
É necessário frisar que a dissensão acima é decorrente
do conflito de dois inciso do artigo 5º da Constituição Federal; a revisão tão
somente pelo aspecto formal das decisões dos Tribunais de Contas está
escorada na interpretação da causa segundo o inciso LV, já a invasão de
competência, por sua vez, sempre se dá amparada no inciso XXXV do artigo 5º
da Constituição Federal, invocando a prerrogativa de tratar-se de cláusula pétrea
que assegura a inafastabilidade da apreciação pelo Judiciário a lesão ou ameaça
de lesão a direitos.
O contraponto ao quanto acima referido se apresenta
quando tal situação leva à possibilidade de julgamento em instância única,
configurando-se, portanto, uma verdadeira aberração processual, com as suas
47
47
indesejáveis consequências. Tal circunstância foi tratada no subitem 2.1.1. deste
estudo.
Cumpre ressaltar, outrossim, que a presente situação é
consequência da ausência de um verdadeiro sistema de contencioso
administrativo, nos moldes pretendidos, ainda que timidamente, pela Emenda
Constitucional nº 7/77 à Constituição Federal de 1967.
A ausência acima vem corroborar a conclusão a que
cheguei, pela confirmação PARCIAL da hipótese proposta no início dos trabalhos,
sendo assim, pode-se dizer que nas questões de mérito a invasão de
competência vem ocorrer aleatoriamente, sem padrão definido.
Depreende-se do estudo que a ocorrência da revisão
das decisões dos Tribunais de Contas está muito mais ligada ao enfoque
essencialmente subjetivo do julgador do que a parâmetros estreitos definidos
legalmente. Daí a diversidade de resultados encontrados, obtendo-se resposta na
jurisprudência para ambos os casos.
A corroborar a conclusão acima mencionada, trago
alguns julgados, recentes e exemplificativos, seja na esfera estadual, Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, seja do Superior Tribunal de Justiça. Tais
julgados bem ilustram a questão.
“APELAÇÃO CIVEL – AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO
1. Prefeito Municipal – Irregularidade nos pagamentos referentes ao exercício
de 1998 – Decisão do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo –
Pretensa desconstituição – Inadmissibilidade – Inexistência de vícios formais
– Ato administrativo – Apreciação judicial restrita tão somente aos
aspectos formais – Precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça e
desta Egrégia Corte.
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48
2. Honorários – fixação equitativa nos termos do artigo 20, § 4º do Código de
Processo Civil, considerada a complexidade e natureza do litígio – Minoração
indevida . Recurso não provido.”
(TJSP – 8ª Câmara de Direito Público – Apelação nº 0077064-
82.2006.8.26.0000 – Reg. nº 2011.0000111520 – Des. Rel. CRISTINA
COTROFE – j. 27/07/2011)
“APELAÇÃO – Ato administrativo – Anulação – Alegação de cerceamento de
defesa – Inocorrência – Procedimentalização que conferiu legitimidade à decisão
do Tribunal de Contas do Estado de Sâo Paulo – Impossibilidade de o
Judiciário imiscuir-se no mérito da decisão – Discricionariedade que se pauta
nos limites conferidos pela lei – Decisão mantida – Apelação não provida.”
(TJSP – 5ª Câmara de Direito Público – Apelação nº 0167004-
24.2007.8.26.0000 – Reg. nº 2012.0000020009 – Des. Rel. FERMINO
MAGNANI FILHO – j. 30/01/2012)
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Decisão do Tribunal de Contas do Estado de São
Paulo condenando o agente público, ex-Presidente da Câmara Municipal, na
devolução de valores pagos indevidamente por superar o limite constitucional –
Evidente legitimidade do Ministério Público para propositura da ação – O Poder
Judiciário pode rever os atos administrativos julgados pelo parecer do
Tribunal de Contas – Inteligência do artigo 21 da Lei 8.429/92 – Evidente
prejuízo ao erário – Dever de ressarcimento – Conduta do réu implicou em
violação ao princípio da moralidade entendida como um conjunto de valores
éticos que presidem os atos dos gestores da coisa pública – Recurso não
provido.”
(TJSP – 7ª Câmara de Direito Público – Apelação nº 0002691-
69.2008.8.26.0272 – Reg. nº 03805753 – Des. Rel. MAGALHÃES COELHO – j.
04/06/2012)
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA.
LEILÃO DE DIREITOS CREDITÓRIOS E ATIVOS IMOBILIÁRIOS. ATO DE
ANULAÇÃO DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. AUTOTUTELA DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SÚMULAS 346 E 473/STF. CONTRADITÓRIO E
AMPLA DEFESA. NÃO OBSERVÂNCIA. PAGAMENTO JÁ EFETUADO PELO
PARTICULAR. ILEGALIDADE DO ATO IMPUGNADO.
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49
1. O mandamus foi impetrado contra ato do Governador do Estado de Alagoas
que, sem a prévia oitiva do licitante vencedor do certame, anulou procedimento
licitatório referente à alienação de ativos imobiliários e direitos creditórios
oriundos das carteiras imobiliárias do Instituto de Previdência e Assistência à
Saúde dos Servidores do Estado de Alagoas - IPASEAL -, cujo pagamento já foi
efetuado pela empresa recorrente e a quantia correspondente transferida aos
cofres do Tesouro Estadual. O Tribunal de Justiça de Alagoas reconheceu
que, mesmo sem ter sido observado prévio contraditório e ampla defesa, é
inevitável o reconhecimento da nulidade do certame, ante as várias
irregularidades detectadas no procedimento de cessão de créditos.
2. Ao mesmo passo que a Constituição da República impõe à Administração
Pública a observância da legalidade, conferindo-lhe o dever-poder de autotutela,
atribui aos litigantes, em geral, seja em processos judiciais seja administrativos,
a obediência à garantia fundamental do contraditório e da ampla defesa (art. 5º.
LV). Entretanto, não se deve confundir o poder de agir de ofício, ou seja, de
iniciar um procedimento independentemente de provocação das partes, com a
tomada de decisões sem a prévia oitiva dos interessados. É nesse contexto,
portanto, que se inserem os enunciados das Súmulas 346 e 473/STF.
3. O contraditório e a ampla defesa devem ser compreendidos como a garantia
conferida constitucionalmente aos indivíduos em geral de ter ciência da
instauração do feito, participar do processo, produzir provas e influenciar o órgão
julgador na formação do juízo de mérito acerca do caso analisado. Nesse
sentido, confira-se o seguinte excerto do voto do Ministro Adylson Mota, do
Tribunal de Contas da União: "ou se admite que o contraditório reclamado é
condição necessária para um juízo seguro quanto à correção do ato ou contrato,
ou se o considera como procedimento eventualmente inócuo (ou, no máximo,
meramente acessório), o que afastaria sua obrigatoriedade. E esta última
solução afrontaria a Lei Maior, em seu art. 5º, inciso LV. Note-se: a fixação do
momento da oitiva - se antes ou depois da decisão desta Corte de Contas -, não
é uma questão meramente operacional, mas, sob o aspecto jurídico, uma
condição sine qua non à formulação de um juízo legítimo sobre a regularidade
do ato em exame" (Acórdão nº 1.531/2003, Plenário do TCU, DOU 23.10.2003).
4. Sempre que a decisão administrativa afetar interesses de particulares, é
imprescindível a observância do contraditório e da ampla defesa para que se
aprecie a nulidade do processo licitatório. Precedentes do STF e do STJ.
Consequentemente, mesmo que haja fortes indícios de ilegalidade do certame
público, não há inutilidade na prévia oitiva das partes interessadas, pois não se
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pode afastar a hipótese, ainda que remota, de surgirem novos esclarecimentos
que afetem o juízo decisório, a exemplo da comprovação de que os vícios
apontados não trouxeram prejuízos ao interesse público.
5. A impetração da ação mandamental não é suficiente para convalidar o ato
administrativo que violou as referidas garantias, porquanto se trata de
procedimento instaurado após a tomada da decisão administrativa prejudicial
aos interesses do particular, de natureza especial, com instrução probatória
bastante limitada e que, no caso em concreto, destinou-se precipuamente a
impugnar um ato administrativo viciado, por ter anulado um certame licitatório
sem o devido processo legal.
6. O exercício diferido do direito ao contraditório e à ampla defesa apenas deve
ser admitido em situações devidamente justificadas, em razão do perigo na
demora inerente às tutelas de urgência, de modo a se preservar a utilidade e a
efetividade da medida constritiva adotada.
7. Recurso ordinário em mandado de segurança provido.”
(STJ – 2ª Turma – RMS nº 27.440 - AL – Reg. nº 2008/0162592-2 – Min. Rel.
CASTRO MEIRA – j. 08/09/2009 – DJe 22/09/2009)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NOS
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO. TOMADA DE CONTAS. EX-
PRESIDENTE DE CÂMARA MUNICIPAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE
NULIDADE DE DECISÕES PROFERIDAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS DO
ESTADO. IRREGULARIDADES APURADAS. CONTROLE DAS DECISÕES
ADMINISTRATIVAS PELO PODER JUDICIÁRIO POR MEIO DOS PRINCÍPIOS
DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. DISSÍDIO. NÃO
COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. SÚMULA 315/STJ.
1. Agravo regimental contra o indeferimento liminar de embargos de divergência
nos quais o embargante sustenta ter demonstrado, através do paradigma (REsp
443310/RS), que a Primeira Turma já havia se pronunciado sobre a possibilidade
do Poder Judiciário exercer o controle de ato administrativo por meio dos
princípios da razoabilidade e proporcionalidade, sem usurpar a competência
conferida pela Constituição Federal ao Supremo Tribunal Federal.
2. Da controvérsia apresentada a exame, entretanto, verifica-se que o acórdão
recorrido, ao julgar o agravo de instrumento, manteve a inadmissão do recurso
especial neste ponto por força da Súmula 7/STJ e por entender ser impossível,
neste apelo extremo, o exame de princípios constitucionais para fins de
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sindicabilidade de decisão administrativa. Assim, não tendo sido conhecido o
recurso, não há falar em admissão do dissídio entre os acórdãos, pois "Não se
conhece de embargos de divergência quando o acórdão embargado não
conheceu do recurso especial e o paradigma, admitido, julgou o mérito da causa"
(AgRg nos EAg 1.038.444/PR, de minha relatoria, Primeira Seção, DJe
6/4/2009). Aliás, se neste ponto o recurso especial nem sequer fora admitido,
deve incidir à hipótese o teor da Súmula 315/STJ.
3. Deve ser considerada também a falta de similitude fática entre as hipóteses,
pois no voto proferido pelo relator no REsp 443310/RS (Ministro Luiz Fux) está
expresso apenas que "[...] atualmente sobressai no âmbito de atuação da
Administração Pública, a aplicação dos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade, quando da análise do ato administrativo que não guarde uma
proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei deseja
alcançar (grifo nosso)", o que, de modo algum, pode ser considerada como
manifestação expressa acerca do Poder Judiciário aplicar os referidos
princípios para revisar ato administrativo oriundo de julgamento feito por
Corte Estadual de Contas.
4. Agravo regimental não provido.
(STJ – 1ª Turma – AgRg em EAg nº 1.159.897 - SP – Reg. nº 2010/0203562-8 –
Min. Rel. BENEDITO GONÇALVES – j. 24/08/2011 – DJe 31/08/2011)
(negritei)