tribuna classista nº 13

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TRIBUNA CLASSISTA Uma publicação de simpatizantes da CRQI (Coordenação pela Refundação da IV Internacional) no Brasil Nº 13 MARÇO DE 2014 2014 – GREVES E LUTAS DE RUA ASSOMBRAM O CONJUNTO DO REGIME POLÍTICO A situação política e econômica do país continua dominada pela crise mundial do capitalismo, que agora golpeia fortemente os chamados “mercados emergentes”. Depois do retrocesso no quinquênio posterior a 2008, os índices de atividade econômica de 2007 estão muito longe de serem alcançados. O crescimento do PIB no Brasil, assim como nos EUA, situa-se na casa dos 2%, e na Europa, em pífios 0,8%.O saldo da balança comercial brasileira despencou quase que 90% em relação a 2012, e é o pior resultado desde 2000, ano marcado por um déficit (exportação inferior à importação) de US$ 731 milhões. O ínfimo saldo positivo atingido em 2013 de apenas US$ 2,561 bilhões é graças a uma manobra contábil chamada de “exportação ficta”, porque se deve à venda de plataformas de petróleo para a própria Petrobrás. Mesmo com o corte brutal de gastos nas áreas essenciais para a vida dos trabalhadores como na saúde e educação, o superávit primário para abater a dívida pública foi o pior dos últimos 15 anos, 1,9% do PIB, quando em 1998 teve 0,33%, às vésperas do colapso do Plano Real. O terceiro principal destino das exportações brasileiras, a Argentina, acaba de promover uma maxi desvalorização do peso em uma política de ajuste contra os trabalhadores exigida pelo imperialismo, o FMI e o Clube de Paris, interessados com que as reservas sigam caindo para assegurar o pagamento da dívida externa usurária e parasitária. Nestes marcos, as mobilizações da juventude e dos trabalhadores contra o aumento das tarifas de transportes e contra a Copa começam gradativamente a ocupar o cenário político nacional, palco das gigantescas manifestações que ocorreram em junho/julho de 2013, que iniciaram pelos mesmos motivos. Mal iniciou o ano de 2014 e as greves de categorias como dos rodoviários e dos servidores municipais da saúde de Porto Alegre, a greve da Comperj no Rio de Janeiro, e a dos correios nacionais, ocuparam as manchetes midiáticas e obrigaram os governos a acenderem o sinal de alerta, enfrentando ameaças como a da intervenção da Força de Segurança Nacional, a substituição dos motoristas pelo aparato da Brigada Militar, imposição de multas diárias ao sindicato com a greve considerada abusiva pela justiça, etc. medidas que só não foram levadas adiante, porque o temor do governo Dilma, que monitora a greve, era de lançar um bumerangue com o mesmo efeito da repressão promovida em São Paulo pelos governos do PT e PSDB, Haddad e Alckmin, no ano passado, ou seja, de uma nova explosão das massas. Oito mil operários no porto de Rio Grande cruzaram os braços e exigem melhores condições de trabalho, negando-se a se exporem às altas temperaturas insuportáveis dos últimos dias. Os servidores públicos federais, que promoveram as maiores greves, nos últimos 10 anos, já desencadearam a sua campanha salarial, com um indicativo de greve a partir do mês de abril apontado no calendário de lutas. A incapacidade histórica da burguesia nacional manifesta-se em dois setores estratégicos e vitais para a população que são a água e a energia elétrica, com desabastecimento e contínuos apagões que se espalham por todo o país. A temperatura começa a subir mais depressa do que os governos e os patrões imaginavam, porque os trabalhadores e a juventude revigorados depois de um período breve de calmaria, já dão demonstrações que não estão dispostos a permitir que enquanto a farra das empreiteiras, dos banqueiros, dos latifundiários, dos monopólios privados dos transportes coletivos, dos grandes industriais intensifica-se com o dinheiro público, através principalmente do BNDES, os salários sejam aviltados pelo avanço da inflação, as demissões passem a rondar de maneira mais intensa os postos de trabalho, como no caso da GM no final do ano passado, e os serviços públicos, como na área de saúde e educação sejam completamente sucateados para beneficiar os privatizadores. A luta de classes promete ganhar novamente as ruas em 2014, nos marcos de uma bancarrota capitalista que assola tanto os mais remotos rincões como os pontos centrais do planeta.

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Jornal editado e publicado pelos simpatizantes da CRQI no Brasil.

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TRIBUNA CLASSISTA Uma publicação de simpatizantes da CRQI (Coordenação pela Refundação da IV Internacional) no Brasil

Nº 13 – MARÇO DE 2014

2014 – GREVES E LUTAS DE RUA ASSOMBRAM O

CONJUNTO DO REGIME POLÍTICO

A situação política e econômica do país continua dominada pela crise mundial do capitalismo, que agora golpeia fortemente os chamados “mercados emergentes”. Depois do retrocesso no quinquênio posterior a 2008, os índices de atividade econômica de 2007 estão muito longe de serem alcançados. O crescimento do PIB no Brasil, assim como nos EUA, situa-se na casa dos 2%, e na Europa, em pífios 0,8%.O saldo da balança comercial brasileira despencou quase que 90% em relação a 2012, e é o pior resultado desde 2000, ano marcado por um déficit (exportação inferior à importação) de US$ 731 milhões. O ínfimo saldo positivo atingido em 2013 de apenas US$ 2,561 bilhões é graças a uma manobra contábil chamada de “exportação ficta”, porque se deve à venda de plataformas de petróleo para a própria Petrobrás. Mesmo com o corte brutal de gastos nas áreas essenciais para a vida dos trabalhadores como na saúde e educação, o superávit primário para abater a dívida pública foi o pior dos últimos 15 anos, 1,9% do PIB, quando em 1998 teve 0,33%, às vésperas do colapso do Plano Real.

O terceiro principal destino das exportações brasileiras, a Argentina, acaba de promover uma maxi desvalorização do peso em uma política de ajuste contra os trabalhadores exigida pelo imperialismo, o FMI e o Clube de Paris, interessados com que as reservas sigam caindo para assegurar o pagamento da dívida externa usurária e parasitária. Nestes marcos, as mobilizações da juventude e dos trabalhadores contra o aumento das tarifas de transportes e contra a Copa começam gradativamente a ocupar o cenário político nacional, palco das gigantescas manifestações que ocorreram em junho/julho de 2013, que iniciaram pelos mesmos motivos. Mal iniciou o ano de 2014 e as greves de categorias como dos rodoviários e dos servidores municipais da saúde de Porto Alegre, a greve da Comperj no Rio de Janeiro, e a dos correios nacionais, ocuparam as manchetes midiáticas e obrigaram os governos a acenderem o sinal de alerta, enfrentando ameaças como a da intervenção da Força de

Segurança Nacional, a substituição dos motoristas pelo aparato da Brigada Militar, imposição de multas diárias ao sindicato com a greve considerada abusiva pela justiça, etc. medidas que só não foram levadas adiante, porque o temor do governo Dilma, que monitora a greve, era de lançar um bumerangue com o mesmo efeito da repressão promovida em São Paulo pelos governos do PT e PSDB, Haddad e Alckmin, no ano passado, ou seja, de uma nova explosão das massas.

Oito mil operários no porto de Rio Grande cruzaram os braços e exigem melhores condições de trabalho, negando-se a se exporem às altas temperaturas insuportáveis dos últimos dias. Os servidores públicos federais, que promoveram as maiores greves, nos últimos 10 anos, já desencadearam a sua campanha salarial, com um indicativo de greve a partir do mês de abril apontado no calendário de lutas. A incapacidade histórica da burguesia nacional manifesta-se em dois setores estratégicos e vitais para a população que são a água e a energia elétrica, com desabastecimento e contínuos apagões que se espalham por todo o país.

A temperatura começa a subir mais depressa do que os governos e os patrões imaginavam, porque os trabalhadores e a juventude revigorados depois de um período breve de calmaria, já dão demonstrações que não estão dispostos a permitir que enquanto a farra das empreiteiras, dos banqueiros, dos latifundiários, dos monopólios privados dos transportes coletivos, dos grandes industriais intensifica-se com o dinheiro público, através principalmente do BNDES, os salários sejam aviltados pelo avanço da inflação, as demissões passem a rondar de maneira mais intensa os postos de trabalho, como no caso da GM no final do ano passado, e os serviços públicos, como na área de saúde e educação sejam completamente sucateados para beneficiar os privatizadores. A luta de classes promete ganhar novamente as ruas em 2014, nos marcos de uma bancarrota capitalista que assola tanto os mais remotos rincões como os pontos centrais do planeta.

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A GREVE DOS RODOVIÁRIOS

DE PORTO ALEGRE

Guilherme Giordano Ao ser anunciada a greve da categoria rodoviária de Porto Alegre, que iniciou efetivamente no dia 28/01, a Brigada Militar e os patrões dos transportes coletivos reuniram-se com a Empresa Pública de Transporte e Circulação - EPTC dois dias antes para o enfrentamento. O Ministério Público do Trabalho determinou que 30% da frota teria que operar, o que significava que dos 1.453 ônibus, que circulam normalmente, 436 teriam que estar obrigatoriamente nas ruas, a partir do início da greve, índice considerado insuficiente pela EPTC, a qual estimulou a população com mais de 1,1 milhão de usuários a buscar os chamados transportes alternativos. O presidente do Sindicato dos Rodoviários, Júlio Pires, ligado à Força Sindical, prometeu respeitar a lei. Os trabalhadores reivindicavam reajuste salarial de 14%, aumento de R$ 4,00 no vale-refeição, manutenção do plano de saúde sem custos adicionais e fim do banco de horas. Os patrões responderam com uma proposta de 5,56%, com o argumento de que a tarifa teria ficado congelada em 2013, quando as manifestações de junho e julho que se estenderam por todo o país obrigaram o recuo no reajuste praticamente em todos os municípios. Em Porto Alegre, este recuo foi reforçado por um parecer do Tribunal de Contas do Estado. O prefeito do PDT, José Fortunati, e seus porta-vozes passaram a fazer uma campanha contra a greve, afirmando que se os salários estavam atrelados ao reajuste das tarifas, a greve era patronal e não de trabalhadores. A Associação dos Transportadores de Passageiros – ATP e o SEOPA propuseram no MPT a obrigatoriedade de funcionamento de 100% frota. As lotações foram autorizadas a transportarem passageiros em pé. A BM anunciou que iria colocar seu efetivo para garantir a saída dos ônibus das garagens. O presidente do Sindicato dos Rodoviários afirmava que estava chateado em prejudicar as pessoas. Cerca de 5 mil motoristas e cobradores desencadearam finalmente a greve, que no primeiro dia cumpriram os 30% estabelecidos pelo MPT. Através da imprensa pró-patronal e pró-governo, em especial, da RBS, sucursal da Rede Globo, foi semeada uma tentativa de confundir a denominada opinião pública e atacar a luta dos trabalhadores. Já no primeiro dia, espalhava-se a seguinte indagação: “foi greve ou uma cordial articulação para forçar o aumento das passagens, apoiada pelas empresas?” Estaríamos diante de uma situação em que a imprensa mais reacionária, mais patronal, a porta-voz dos grandes interesses capitalistas no sul do país, cinicamente e supostamente, da noite para o dia, teria se voltado contra o lucro empresarial. O prefeito Fortunati invocando seu passado de ex dirigente da CUT lançava farpas contra a greve, insinuando que estava em curso um locaute patronal para impor o reajuste tarifário. Os mesmos patrões que financiaram sua candidatura nas eleições estariam agora se voltando contra a prefeitura. Acuado, passou a temer o desencadeamento de novas manifestações massivas organizadas pelo Bloco de Lutas. O poder de arbítrio do executivo municipal dissipou-se no primeiro dia da greve. A luta dos trabalhadores paralisou politicamente o prefeito, que expunha publicamente sua total impotência e o seu temor de que as manifestações contra o reajuste tarifário ganhassem as ruas da capital. O prefeito Fortunati, do democrático PDT, enquanto afirmava que não aceitaria greve de patrões, primeiro ameaçou requisitar veículos da Região Metropolitana, e depois foi para a justiça exigir o funcionamento de 50% da frota, no horário normal, e 70% no horário de pico. A imprensa burguesa estranhava que no primeiro dia da greve não teria acontecido “confusão”, como segundo ela, deveria ser uma verdadeira greve de

trabalhadores. Aos trabalhadores caberia aprender esta lição com os porta-vozes dos patrões, que pretendiam disciplinar e impor um limite à sua luta, antes mesmo da greve ter sido desencadeada. Os grandes comerciantes da capital começaram a se queixar, tanto da diminuição brusca e significativa do faturamento, como da ausência de seus funcionários ao trabalho. Estava formado o impasse: os trabalhadores rodoviários saíram à luta em busca de melhores salários, os empresários pressionavam por aumentos das tarifas e os governos estavam acuados diante das manifestações de rua que exigiam redução do preço das passagens, passe livre e uma melhor qualidade nos serviços prestados aos usuários. O IPEA, um órgão do próprio governo, dois anos antes das manifestações de junho e julho passados, advertia que numa amostragem mais da metade das pessoas considerava os transportes coletivos ruins ou péssimos. Diante da decisão do Tribunal Regional do Trabalho – TRT de determinar que 70% da frota fosse colocada em circulação nos horários de pico e que caso houvesse descumprimento, seria imposta uma multa diária de R$ 50 mil, a categoria respondeu decidindo paralisar 100% das atividades, demonstrando que não se intimidaria. A greve começava a desmascarar o verdadeiro conluio entre a prefeitura e a ATP. O locaute arguido pelo prefeito Fortunati foi negado pelo MPT com o argumento de que era uma tentativa de frustrar as reivindicações dos trabalhadores. Por outro lado, no terceiro dia, a greve foi julgada ilegal pelo judiciário, com aumento para R$ 100 mil de multa diária, e autorização de descontos dos dias parados. A Câmara de Dirigentes Lojistas – CDL calculava as perdas no comércio de rua em 50% e em 30% nos shoppings, e divulgava que 10% dos comerciários não conseguiam chegar nos locais de trabalho. Os bancos começaram a ser atingidos pela drástica diminuição da procura nas agências. A medida de autorizar os ônibus da Região Metropolitana a embarcar e desembarcar passageiros na capital foi suspensa pelo receio de que a greve contagiasse e passasse a ter a adesão dos rodoviários dos municípios vizinhos. Enquanto os setores de oposição, CUT PODE MAIS, MES/PSOL e PSTU/CONLUTAS, agrupados no Bloco de Lutas pelo Transporte Público e no Movimento Independente Rodoviário - MIR, sustentavam e mantinham a paralisação de 100%, tomavam o controle das garagens garantindo os piquetes, aumentando assim a sua presença e importância no Comando de Greve e na comissão de dissídio coletivo, a direção do sindicato dos rodoviários, filiada à Força Sindical, e ligado ao Solidariedade, recentemente criado, através principalmente do seu presidente, Júlio “Bala”, e do vereador Cláudio Janta, faziam campanhas nas garagens para que a categoria retomasse os 30% de circulação da frota decididos pela justiça, mas não cumpridos pela categoria. Alguns setores da oposição chegaram a propor nas assembleias como resposta a essa manobra da FS para enfraquecer a greve, que voltasse a circular 100% da frota com liberação das catracas, proposta esta que expressava uma posição vacilante e ao mesmo tempo aventureira diante da pressão do governo Fortunati, dos patrões e da imprensa burguesa. A greve demonstrou uma poderosa retomada da luta de uma categoria operária, tendo sido a maior de todas nos últimos tempos, e colocou em xeque o próprio regime político, abrindo uma divisão no interior da burguesia e dos seus governos. Diante do apelo desesperado do democrático prefeito Fortunati em cadeia de rádio e televisão regional para que o governador Tarso intervisse na greve com a forte repressão da assassina BM, inclusive com a utilização de brigadianos para substituir os motoristas e cobradores, o que se constituiria de fato numa militarização da greve, ou que o governo federal, que monitorou a greve desde que a mesma foi decretada pelos rodoviários em assembleia, através do Ministério da Justiça intervisse com a famigerada e não

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3 menos assassina Força de Segurança Nacional, ficou exposta em primeiro lugar a força da luta dos trabalhadores, que obrigou os representantes das três instâncias executivas do Estado a se chocarem entre si, num estado de prostração, passando os mesmos a apostarem tão somente na judicialização do conflito, através do TRT. A Força Sindical, por mais de uma vez, através dos seus dirigentes, anunciaram o fim da greve, passaram abertamente a boicotar a luta da categoria e agir como correia de transmissão dos interesses patronais, chegando ao ridículo do seu presidente, Júlio “Bala”, ter ido para a imprensa declarar que a categoria tinha que ter mais flexibilidade, expondo o enorme fosso que existe entre os interesses dos trabalhadores e essa burocracia vendida e pelega. O Judiciário também foi obrigado a agir com enorme cautela, tanto pela força da greve, como pelo temor de que as manifestações promovidas pelo Bloco de Lutas contra o aumento das tarifas ganhassem novamente as ruas e contagiassem novamente todo o país, um “fantasma” que passou a assombrar a burguesia e seus governos desde junho/julho do ano passado. Enquanto o TCE preparava um relatório denunciando que o cálculo da tarifa foi historicamente baseado no total da frota (ônibus circulantes + ônibus reservas parados nas garagens), uma majoração escancarada e extorsiva da população, o Tribunal de Justiça através de liminar determinava que a prefeitura lançasse o edital de licitação para a concessão dos serviços de transportes de passageiros na capital, em um parecer duríssimo contra a mesma e contra os patrões: “A inércia da Administração Pública Municipal somente vem em benefício das empresas, que, sem qualquer legitimidade, vêm explorando o serviço de transporte público coletivo no município de Porto Alegre. E prestam um serviço a cada dia mais deficitário.” A greve colocou em xeque todo o sistema de transporte coletivo abrindo caminho inclusive para que fosse cogitada a hipótese da entrada das vans e ônibus clandestinos na licitação prevista. As manifestações contra o reajuste tarifário do ano passado obrigaram o TCE a instaurar uma Inspeção Especial sobre o Transporte Público sobre os critérios para o cálculo das tarifas, incluindo itens como o custo dos insumos e frota operante, despesas de pessoal e o lucro das empresas. No dia 12/02, o pleno do TCE deu seu parecer, contemporizando com a população usuária dos transportes coletivos e com a greve dos rodoviários. O relatório do TCE trouxe à tona o que já era previsto: em duas décadas, os salários dos rodoviários teve uma defasagem de quase 50% em relação ao aumento das tarifas. Em duas décadas, os rodoviários acumularam um reajuste salarial de 326,42%, um ponto acima do calculado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC,

enquanto que no mesmo período, a tarifa acumulou 656,42%, ou seja, mais do que o dobro. Enquanto os empresários anunciavam uma margem de lucro de 6,7%, o TCE apresentou em 2011, 9,74%, quase 70% a mais, desmascarando uma mentira descarada. Na segunda semana da greve, o presidente do sindicato, Júlio “Bala” já não se atrevia mais a falar nas assembleias, que passaram a ser dominadas pela oposição, a qual incluiu na pauta a questão da redução da jornada de trabalho para 6 horas semanais e o fim do banco de horas. Enquanto isso, a saída dos de cima para fechar uma enorme crise política criada pela greve, como a tentativa do prefeito José Fortunati aprovar junto ao Ministério da Fazenda o Regime Especial de Incentivo ao Transporte Urbano de Passageiros (REITUP), projeto de lei que previa isenções fiscais a empresas dos transportes coletivos, era rechaçada. No ano passado, a Câmara de Vereadores de Porto Alegre já havia votado em regime de urgência, com um acordo entre todos os partidos, inclusive o PSOL, uma isenção de R$ 11 milhões para as empresas no ISSQN – Imposto de Serviços Sobre Qualquer Natureza, uma mala de bondade, e isto no curso das manifestações. Marcado por denúncias do próprio TCE de ganhos injustificáveis dos empresários por durante pelo menos 20 anos, de cortes de salários e ameaças de demissões, o Ministério Público decidiu ajuizar o dissídio coletivo da categoria. Após 15 dias de greve, a maior dos últimos 25 anos, a categoria votou o acordo coletivo ajuizado no TRT, que previa o fim do banco de horas após a Copa do Mundo, com extinção gradual até o dia 31 de julho, reajuste salarial de 7,5%, vale-alimentação de R$ 19,00, manutenção do plano de saúde com desconto de R$ 10,00 no contracheque e alternativas ao corte dos dias parados, com compensação no próprio banco de horas ou desconto no salário (dois dias por mês). Embora as reivindicações dos trabalhadores rodoviários não tenham sido plenamente atendidas, proporcionalmente às suas necessidades vitais e à altura de todo o movimento e da repercussão nacional que teve a greve, o que marcou foi a enorme disposição de luta da categoria, que quebrou o poder de arbítrio de todas as instâncias estatais, em especial do poder executivo municipal e do poder judiciário que não foi capaz de barrar uma paralisação de 100% por mais de duas semanas. Esta experiência deve servir de exemplo e animar as demais categorias de trabalhadores, que assistiu uma categoria atropelar literalmente a própria direção mafiosa do seu sindicato. O MIR deve ser desenvolvido a partir dessas bases de luta e em primeiro lugar varrer de vez com a burocracia da Força Sindical da categoria dos rodoviários.

ATOS MARCAM LANÇAMENTO DA CAMPANHA SALARIAL 2014 DOS

SPF’s NOS ESTADOS

Os servidores públicos federais de várias partes do país integraram os atos e atividades promovidos nos estados no dia 22/01, que marcaram o lançamento da Campanha Salarial 2014, a partir da realização de um Dia Nacional de Lutas. Rio de Janeiro, São Paulo, Pará, Alagoas, Maranhão, Rio Grande do Norte, Paraná e Rio Grande do Sul estão entre os estados que promoveram atividades a fim de divulgar a Campanha, realizadas também em Brasília. Com o mote “Jogando juntos a gente conquista”, a campanha reforça a importância da unidade das entidades que integram o Fórum dos SPF. Oito eixos integram a pauta de reivindicação dos servidores públicos federais, que exigem a definição de data-base (1º de maio) e política salarial permanente com

reposição inflacionária, valorização do salário base e incorporação das gratificações; cumprimento por parte do governo dos acordos e protocolos de intenções firmados; contra qualquer reforma que retire direitos dos trabalhadores; retirada de PLP’s, MP’s, decretos contrários aos interesses dos servidores públicos; paridade e integralidade entre ativos, aposentados e pensionistas; reajuste dos benefícios; e a antecipação para 2014 da pa rcela de reajuste de 2015. Os desafios para a categoria se intensificam ainda mais com o calendário previsto para 2014, com a realização da copa do mundo – que expressa a política do governo de priorização dos megaeventos -, e das eleições. A partir de um levantamento do Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União (CGU),

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4 é possível verificar que em nove das 12 cidades-sede da copa do mundo o financiamento federal para a construção e reforma dos estádios é maior que os repasses da União para a educação nos últimos quatro anos. Além disso, a proposta orçamentária da União para 2014 não prevê reposições salariais pelo governo. Dados da Auditoria Cidadã da Dívida apontam que, enquanto o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2014 prevê um total de despesas de R$ 2,4 trilhões, dos quais R$ 1,002 trilhão (42%) é destinado para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública, a soma de investimentos em setores fundamentais como saúde, educação e transporte não chega a 10%.

Em relação aos gastos com os servidores públicos, o PLOA prevê somente a segunda parcela imposta pelo governo, que sequer cobre a inflação do período. Dos eixos unificados da Campanha, o ANDES-SN destaca, a partir da última reunião do Setor das Ifes realizada em dezembro de 2013, em Brasília, a exigência de que o governo cumpra o preceito constitucional, estabelecido no artigo nº 37, que prevê a revisão geral anual dos salários, o que pressupõe data base – para 1º de maio -, a definição de uma política salarial permanente que reponha as perdas com a inflação, valorize o salário base e incorpore as gratificações.

PRISÕES E REPRESSÃO

POLICIAL NA MANIFESTAÇÃO

CONTRA A COPA EM SÃO

PAULO Wesley Paulow

Em finais de janeiro, em São Paulo, ocorreu o primeiro protesto contra a Copa do Mundo, após a morte do cinegrafista Santiago Andrade, e das intensas tentativas por parte da mídia de criminalizar os movimentos sociais. O ato foi convocado para a Praça da República no final da tarde de sábado. O horário, o dia da semana e o lugar chamado não foram exatamente um estimulo a quem queria protestar. O ato foi esvaziado, não reunindo mais que 1500 pessoas, a maioria dos quais militantes de esquerda, trabalhadores e principalmente uma parcela significativa da juventude, que participaram do protesto, como o autor dessas linhas. Houve grande diferença de perspectiva entre as palavras de ordem que os manifestantes gritavam: uma parte deles gritava “não vai ter Copa”, e outros, de forma mais consciente, lançavam gritos de “Copa pra quem?”. O aparato policial era praticamente o dobro daquele de manifestantes: cerca três mil policiais ocupavam o centro de São Paulo, seguindo pela rua Augusta e a Consolação até a avenida Paulista. Além disso, estava presente para auxiliar na repressão a “Tropa do

Braço”, policiais lutadores de jiujitsu que não fizeram nada de inovador, repetiram mais do mesmo: bater, bater e bater. De qualquer forma, não poderia ter faltado o que já é de praxe: bombas, balas de borracha e cassetetes. Arbitrariamente, sem início de tumulto algum, a polícia foi isolando grupos no protesto, alegando que eles começariam a correr e a quebrar tudo. Foram iniciadas as prisões e as detenções, a PM alcançou seu maior número em uma única manifestação neste ano: 260 presos. Entre os que compõem a lista estão alguns repórteres e até um professor da USP. Esses números tendem a ser iguais ou maiores no futuro, caso a tentativa de criminalizar as manifestações de rua por parte do governo e do Congresso, com o Projeto de Lei Antiterrorismo for aprovado, já que o conceito de terrorismo empregado no Projeto de lei é muito amplo e daria vazão para a detenção de qualquer pessoa que simplesmente estiver participando de um protesto, o que na prática, a partir dessa manifestação, já está ocorrendo. O próximo ato contra a Copa já está marcado para o dia 13 de março, a concentração está marcada para as 18h no Largo da Batata, em Pinheiros, zona oeste da capital. Não se pode recuar e deixar as coisas como estão, é preciso lutar para mostrar que não se pode entregar o país de bandeja para a FIFA e os interesses da burguesia nacional e estrangeira. É preciso lutar, independente do fato de se iremos ganhar, ou não, as próximas batalhas, devemos lutar, e é isso que faremos!

O “GOLPE SAÚDE” NOS CORREIOS DO BRASIL Sergio Miguel

No dia 29 de janeiro de 2014, os trabalhadores dos correios, após assembleia em diversos locais como RS, MT, PR e ES decidiram entrar em greve por tempo indeterminado pela questão do seu plano de saúde e de mais um golpe da ECT querendo impor o Postal Saúde, um plano privado que tira direitos, precariza o atendimento aos trabalhadores e a seus dependentes, implementando cobrança de valores para ser atendido, e encarece, dando prejuízos a estes, tentando enganar dizendo que nada irá mudar na alteração proposta pelo governo. Mas a chamada “iniciativa privada” só visa o lucro, inclusive correndo o risco de “quebrar” a qualquer momento nos marcos da atual bancarrota mundial do capitalismo. Quem corre todos os riscos são apenas os trabalhadores. O já precário Correio Saúde é bem mais em conta para os trabalhadores e devemos defendê-lo com a ampliação de direitos. Ainda assim, setores da

FENTECT, na qual pertence a maioria dos sindicatos, vacilam e abrem caminho para a política capituladora dos governistas que atuam na categoria. O movimento paredista começou no dia 30/01/14, os piquetes foram feitos em agências consideradas principais inicialmente, na madrugada e pela manhã deste mesmo dia. Sexta feira, dia 31/02/14, novas assembleias votaram pela continuação da greve, o crescimento da paralisação em nível nacional foi observado demonstrando a importância do apoio a esta luta pelos trabalhadores da ECT, contra a privatização da saúde nos Correios. Já no dia 01/02/14 estavam em greve: RS, Mato Grosso, Campinas, São José do Rio Preto, Piauí, Paraná, Ceará, Amazonas, Minas Gerais, Pernambuco, Roraima, Paraíba, Vale do Paraíba. Todo o apoio à luta dos trabalhadores da ECT! Por um Correio Saúde 100% sob o controle dos trabalhadores!

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A LEI É O CRIME Lincoln Secco

No dia 10 de fevereiro ocorreu a lamentável morte do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade atingido numa manifestação no Rio de Janeiro. Imediatamente vozes da imprensa se ergueram contra os manifestantes que agridem (sic) a polícia e agora até jornalistas! Na tribuna do senado homens “probos” como Renan Calheiros pediram a prisão de manifestantes e o impagável Jorge Vianna (PT-AC) ressuscitou o projeto de lei contra o “terrorismo”. Este é um momento delicado porque a Direita acredita que tem um mártir. Não é verdade que manifestantes saem às ruas para atacar pessoas. Os ataques são sempre ao patrimônio simbólico de grandes instituições financeiras. Simbólicos sim porque uma vidraça quebrada tem praticamente custo zero para tais empresas. Obviamente que ao serem acuados, agredidos, atropelados (como uma jovem de 18 anos em São Paulo), baleados (como outro jovem na mesma cidade), perseguidos aleatoriamente por pura vingança, os manifestantes reagem. Quebram catracas, ônibus e atiram pedras nos policiais em legítima defesa. Quando Douglas Martins Rodrigues, 17 anos, foi morto pela PM no Jaçanã, zona norte de São Paulo, grande parte da imprensa tratou da revolta espontânea da população local como “vandalismo”. E quem se choca com milhares de mortes de pobres nas periferias todos os anos? Nada disso justifica matar um cinegrafista. Mas esta morte também não justifica uma lei criminosa. Em junho de 1927 o

Presidente Washington Luiz apoiou a chamada “lei celerada” que criminalizava protestos públicos e greves. Houve intervenções nos sindicatos e os anarquistas e comunistas foram presos. Aos “tenentes” no exílio ou na clandestinidade lhes foi negada a anistia. E assim tudo correu bem até que a chamada “Revolução de 1930” varreu aquele presidente do poder. Em São Paulo a população invadiu e depredou a chamada “Bastilha do Cambuci” onde os presos políticos eram torturados. É evidente que depois ingressamos em nova forma de dominação. A lei contra o terrorismo é tão estapafúrdia, causa tanto horror nos meios jurídicos progressistas que precisa buscar exemplos tão frágeis quanto o de inventar uma “organização criminosa bloco negro”. Que ela não existe a polícia já sabe, é óbvio. Qualquer um pode empregar esta tática. Mas como o Estado, a grande imprensa e alguns estudiosos do Direito Penal, a Polícia também vive do crime. No nosso caso, em que o próprio regime político é criminoso e a democracia é racionada, é necessário periodicamente reinventar os crimes políticos. A fachada democrática atual ainda não permite que sejam tratados enquanto tal. É que na verdade tais crimes sequer existem. Por isso, é preciso inventá-los. Afinal, como se justificariam os batalhões de choque sem os temíveis blocos negros?

PROGRAMA MÍNIMO DO II ENCONTRO DOS DE BAIXO (RS)

Nos dias 24, 25 e 26/01 ocorreu o II Encontro dos de Baixo em Porto Alegre. Publicamos a resolução aprovada como programa mínimo:Pela necessidade que temos em nos organizar pelas pautas que atuamos e lutamos, concluímos a partir dos debates e análises feitas neste segundo encontro que precisamos deliberar um programa de trabalho e ação, buscando unificar de forma horizontal as nossas urgências.

Lutar contra a criminalização do protesto e da pobreza (estado de exceção da copa e megaeventos)

Pela defesa dos territórios indígenas e quilombolas, lutar contra a PEC 215/2000.

Avançar em uma proposta de modelo de transporte público que contemple uma iniciativa de gestão dos trabalhadores, com fiscalização e consulta da população, gratuito a toda população, assim como a expropriação das empresas.

Lutar pelo passe livre para estudantes, desempregados, trabalhadores, indígenas e quilombolas

Construir a partir do Encontro dos de Baixo ferramentas de trabalho de base nas comunidades com assembleias populares.

Organizar os setores de baixo por fora das urnas.

Apoio à campanha 10% do PIB para a educação pública e apoio à implementação da lei do piso salarial dos professores.

Legalização do aborto, descriminalização. Por um aborto seguro e gratuito!!

Contra o estatuto do nascituro. Combater a violência de gênero e o racismo. Combater todas as formas de segregação social e

racismo Fortalecer um campo sindical classista desde a base

dos trabalhadores, com independência de classe e governos. Denunciar o projeto de ordem social que destina

poderes aos militares Fortalecer a luta indígena e quilombola pela

demarcação de terra Lutar por uma reforma agrária popular Tomar parte da luta em defesa da CORSAN pública

e sob o controle dos trabalhadores e da comunidade, denunciando a articulação entre a mídia hegemônica e prefeituras

GENERAL MOTORS: CONTRA AS DEMISSÕES EM MASSA! David Lucius

Após o governo ter realizado uma redução de impostos que beneficiou as montadoras de automóveis com quase R$ 7 bilhões em abatimentos, a GM decidiu, no final do ano passado, demitir aproximadamente mil funcionários da fábrica de São José dos Campos. As demissões foram realizadas por telegrama, uma forma baixa, vil e sorrateira (em plena época de festas de fim de ano) de demitir os trabalhadores e tentar impedir sua organização e sua luta. Segundo um dos executivos da empresa, Luis Moan, essas demissões já tinham sido acordadas entre o sindicato, a GM, e o Ministério do Trabalho. O acordo havia sido feito em janeiro do ano passado e previa a demissão dos trabalhadores da fábrica de São José.

Segundo Moan: “Ao todo foram tentados quatro acordos, que não vingaram por causa do sindicato”. A colocação do executivo da GM vai no sentido de colocar os trabalhadores em choque com o sindicato em um momento em que a organização para a luta é essencial no movimento operário, não só regionalmente, mas principalmente de forma ampla e nacional, como método para se contrapor à tentativa das grandes empresas de jogar a crise capitalista nas costas dos trabalhadores. O dirigente nacional do PSTU, José Maria de Almeida, no inicio do ano passado comentava assim o acordo fechado naquele ano pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José: “Após uma dura batalha com a empresa, conseguiu-se

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6 suspender temporariamente as demissões” e em seguida “Foi o acordo possível, nas condições de relações de forças existentes. Não é o acordo que queríamos fazer. A extensão do lay off por mais dois meses garante que não haja demissões agora, mas não impede que a montadora demita estes companheiros dentro de 60 dias” e mais adiante “Longe de ser um bom acordo, foi o possível diante dessa dura situação e não teria sido possível caso não houvesse mobilização”. As contradições firmadas nesse acordo explodiram agora, diante dos efeitos da crise no setor automobilístico nacional e da decisão do governo de voltar a elevar o IPI para todo o setor. As tentativas da GM de fechar a linha de montagem de automóveis (MVA) em São José dos Campos vem desde 2008. No ano passado, logo após o acordo, a GM já havia demitido cerca de 600 trabalhadores. Em julho passado, a presidente Dilma havia afirmado que a redução do IPI estava condicionada à manutenção dos empregos. Segundo o CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), a GM fechou 1217 postos de trabalho entre janeiro de 2012 e dezembro de 2013, mostrando que o acordo de manutenção dos empregos para a redução do IPI foi praticamente ignorado pela GM. Com o fim da redução do IPI anunciado para o inicio de 2014, a indústria automobilística aprofundou essa política e iniciou uma prática de demissões em massa como meio de reduzir custos, pressionar diretamente os trabalhadores e os sindicatos em seus futuros acordos, aumentar a sua lucratividade, e por tabela pressionar o governo a reduzir

novamente os impostos e a aumentar os seus subsídios (gerando, obviamente, mais lucros para as empresas). Diante das demissões em marcha, o sindicato luta por reverter as demissões: com a alternativa de um caminho jurídico de entrar com uma audiência de conciliação no TRT não se obteve êxito, pois no TRT de Campinas fechou-se um acordo que beneficia os trabalhadores demitidos com os mesmos direitos dos trabalhadores que aderiram ao Programa de Demissão Voluntária (PDV) e mais o recebimento de 1 a 5 salários, conforme o tempo de salário de cada trabalhador. Mas as demissões continuam vigentes, demonstrando que o único caminho para barrá-las é a mobilização e a luta nacional dos trabalhadores. As demissões na GM são o início de um processo de demissões em massa que se inicia com o objetivo de descarregar a crise sobre os assalariados e a classe operária. Os trabalhadores, diante dessa situação, devem discutir a fundo uma política para enfrentar a tentativa do governo de Dilma Rousseff e seus acólitos de jogar os efeitos da crise sobre suas costas, a organização de um congresso de base, com ampla participação dos trabalhadores, para discutir uma política classista frente às demissões em massa e para organizar um plano de lutas para enfrentá-las, seria um passo importante na organização dos setores mais combativos do movimento operário.

GREVE DOS BANCÁRIOS NO RS

No ano passado, a burocracia sindical da Contraf/CUT (Confederação Nacional dos Bancários), os banqueiros, o Governo Federal(Dilma/PMDB) e o governo estadual (Tarso Genro/PT), unidos, derrotaram mais uma Greve dos bancários. E esta Greve de 2013 foi a maior dos últimos 20 anos (mais de 12.200 agências fechadas). Depois de uma série de negociações entre a Contraf, os banqueiros e os Governos, mais conhecidas entre os bancários como rodadas de enrolações, a única proposta concreta apresentada pelos banqueiros foi um índice de reajuste de 6,1%, metade do já rebaixado índice reivindicado pelos bancários de 11,93%, ou seja, uma verdadeira provocação para a categoria bancária. Diante dos fatos, a burocracia sindical foi obrigada a marcar assembléias em todo o País para rejeitar a proposta da patronal e decretar Greve por tempo indeterminado. Novamente estávamos diante de um velho golpe aplicado contra a categoria bancária, pela burocracia, pelos banqueiros e governos, principalmente ocorrido nos últimos 10 anos, coincidentes com mesmo tempo de administração petista no país. De um lado, os bancários entusiasmados e mobilizados para lutarem pelos seus direitos, do outro, seus tradicionais inimigos unidos, cabendo ressaltar que só os cinco maiores bancos no 1º semestre de 2013 lucraram 29,1 bilhões de reais. Mal a greve dos bancários começou e a oposição bancária - Novo Rumo (Bancários Podem Mais, MNOB/PSTU, Crítica Bancária, Unidos para Lutar/PSOL, Intersindical e Independentes) já desde o início tentava quebrar o velho script dos últimos anos, defendendo que todas as assembléias fossem conjuntas(unificadas), todos os bancários juntos, ao contrário de outros anos, assembléias separadas (assembléias de bancários só de Privados, só do Banco do Brasil, só da Caixa Federal e só do Banrisul). Reivindicava que o Banco do Brasil, a Caixa Federal e o Banrisul saíssem da sombra da FENABAN (Federação Nacional dos Bancos) – banqueiros - e viessem negociar de verdade. Defendiam que só fossem aceitas pela Contraf/CUT as reivindicações dos bancários no seu conjunto, pois estas já eram rebaixadas.

A greve iniciou com a paralisação de aproximadamente 6.100 agências e atingiu mais de 12.200 agências (com um crescimento dia a dia). Passados 26 dias, a Greve dos bancários se tornou a maior dos últimos 20 anos. Durante a greve tivemos alguns problemas, como os famosos “piquetes terceirizados” (já ocorreram em outros anos), que consiste em contratar trabalhadores terceirizados para fazer os piquetes no lugar dos bancários. A categoria precisa se posicionar diante desta prática nas futuras greves. O Sindicato dos Bancários só editava boletins para a categoria apresentando como únicos inimigos dos bancários, os banqueiros privados, não falava nenhuma palavra contra o governo federal (Dilma) e governo estadual (Tarso Genro). Isto levava aos bancários menos avisados a acreditarem que só os banqueiros são inimigos dos bancários. Os banqueiros apresentaram uma nova proposta ao Comando Nacional dos Bancários (Contraf/CUT), 7;1% de reajuste salarial, mais uma nova provocação dos banqueiros. Dado a reação contrária da categoria bancária a esta proposta, o Comando Nacional dos Bancários foi imediatamente obrigado a orientar para as assembleias do 19º de Greve que os bancários recusassem a proposta dos banqueiros, os bancários recusaram massivamente esta proposta. Mais uma vez os bancários mostraram a sua força e união na luta. Os bancários, uma categoria reconhecidamente adoecida, principalmente por ter que atingir metas abusivas, por sofrer assédio moral, por ter que cumprir elevada carga de horas trabalhadas e declínio do padrão de vida ano após ano, ainda têm que suportar, principalmente, nos últimos dez dissídios o sadismo dos banqueiros, do governo federal e governo estadual que ficam num silêncio total durante as greves e quando se pronunciam é para apresentarem propostas rebaixadas. Quando chegamos ao final da greve dos bancários dos bancos privados, Banco do Brasil e Caixa Federal, pois os bancários do Banrisul permaneceram em greve, a mobilização era enorme. Mas porque terminou a greve com reivindicações abaixo da expectativa da categoria? Os bancários tinham uma mobilização capaz de tirarem da patronal a imensa maioria de suas reivindicações, mais de 20 dias de paralisação; e aí entrou o velho script dos inimigos dos bancários para impor mais uma

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7 derrota à categoria bancária. Então no 22º dia de greve, o Comando Nacional dos Bancários com uma enorme influência da burocracia sindical de São Paulo fizeram um péssimo acordo com a patronal. De uma reivindicação dos bancários de 11,93% de reajuste salarial, a burocracia aceitou 8,00% e na questão da compensação dos dias paralisados, que a categoria defendia nenhuma hora compensada; o Comando com os banqueiros e o governo federal negociaram que os bancários deveriam compensar 1 hora por dia até o dia 15/12/2013. Para a burocracia sindical que está liberada nos sindicatos de cumprir jornada de trabalho e registrar ponto, isto não faz a menor diferença; ou seja, o que sempre derrota a luta dos bancários é a dupla traição da burocracia em conjunto com a patronal. As assembleias finais para aceitar ou não a indicação do Comando (aceitar a proposta dos banqueiros) foram bem debatidas e acaloradas com os representantes da Oposição (Novo Rumo) de um lado e os representantes locais do Comando Nacional (Contraf/CUT) do outro. Foram vaiados dirigentes históricos da burocracia sindical. Nas assembleias do

23º dia de Greve terminaram a Greve, principalmente em São Paulo. Nas assembleias do dia 26º dia de greve, os demais bancários no restante do país terminaram a greve. A grande lição para os bancários é a de que é necessário mudar a maioria dos seus dirigentes sindicais nos sindicatos, nas federações e na Confederação. Esses novos dirigentes deverão ser de luta e defenderem os interesses da categoria. Os companheiros bancários do Banrisul fizeram mais de 30 dias de greve contra o governo Tarso Genro (PT); heroicamente continuaram sozinhos na luta; porém com a torcida e o apoio de todos os demais bancários. Os bancários do Banrisul mais um ano mostraram que o caminho é lutar. É necessário que a oposição bancária comece desde já a preparar e discutir um Plano de Lutas com toda a categoria bancária, nacionalmente, para colocar em marcha a mobilização da categoria, através de Encontros de base com delegados eleitos nos locais dos trabalhos, na defesa das suas reivindicações mais sentidas.

A LEI “ANTITERRORISTA”

Repudiamos o PLS 499 de 2013, também chamado de “lei antiterrorismo”, criado com a única finalidade de criminalizar o movimento social e reeditando o Ato Institucional nº 5, uma verdadeira afronta às liberdades democráticas. As punições são mais rígidas que a Lei de Segurança Nacional (LSN), editada durante a ditadura militar (1983), e ainda em vigor. A imprecisão do texto abre um horizonte imenso de interpretações sobre o entendimento em torno do crime de terrorismo, podendo

enquadrar supostos “arrastões” e “rolezinhos”, ou todo tipo de manifestações populares, que poderão ser reprimidas, tendo em vista essa nova norma, com punições muito mais severas que as vigentes, ameaçando com penas que variam de oito a 30 anos de prisão em regime fechado. Lutamos pela plena liberdade de opinião e manifestação para os trabalhadores e a juventude que luta contra a opressão e a exploração.

OS “ROLEZINHOS” E AS MANIFESTAÇÕES CONTRA A COPA

David Lucius

Desde o final do ano passado que uma parcela da esquerda e da população em geral fazem um prognóstico que se pode ouvir pelas ruas: o de que o ano de 2014 será um ano de grandes mobilizações e protestos por todo o país. As jornadas de junho, que ainda encontram-se frescas na memória da juventude, irá completar seu primeiro aniversário exatamente no mês de realização da Copa, uma revolta latente de amplos setores da população contra o fato de que nosso país sediará uma Copa do Mundo já se faz ouvir, enquanto que de uma forma geral faltam recursos para áreas sociais (saúde, educação, reforma agrária, etc), ao mesmo tempo em que a Copa intensifica o aumento da especulação imobiliária e da carestia nas grandes cidades, justificando assim a existência do prognóstico acima citado. Já no inicio deste ano, as grandes cidades foram marcadas por uma onda de protestos, inusitados, e que tomaram os shoppings de várias capitais do Brasil. Os “rolezinhos”, como foram chamados, se iniciaram de forma despretensiosa para marcar os encontros da juventude da periferia e logo se transformaram em um tipo de protesto social, que colocou a nu o verdadeiro apartheid social que vive nosso país em pleno início do século XXI. Os iniciadores desse “roles” foram uma grande parcela da juventude mais humilde (em geral eram garotos pobres, jovens, desempregados e com pouco tempo de escolaridade) das periferias que marcam seus encontros nos shoppings para se conhecerem e se relacionarem (como é próprio da juventude), diante da carência de centros de lazer nas periferias das grandes cidades. Os “rolezinhos” foram marcados no inicio com um caráter apenas recreativo, e só começaram a se “politizar” e a ganhar um caráter de protesto a partir da atitude de grande parte da administração dos shoppings e dos grandes lojistas que mobilizaram a polícia para reprimir de forma contundente esses setores. A atitude de nossas burguesias de ter medo de qualquer aglomeração social oriunda dos lugares mais pobres é sintomática da conjuntura que vive nosso país, afinal, as jornadas de junho foram marcadas

predominantemente por setores “médios” da juventude e da população, e o instinto de classe da burguesia, apavora-a, literalmente, com pesadelos, diante da possibilidade de que uma grande massa da população proletarizada se revolte e se junte a esses setores médios em protestos de maior amplitude e com reivindicações econômicas e sociais mais radicalizadas. Cabe lembrar que as periferias das grandes cidades e suas favelas possuem cada vez mais uma grande parcela da população, expulsa dos grandes centros principalmente pelo aumento desenfreado no custo de vida e pela especulação imobiliária. Como diz a letra de uma música: “..o Haiti é aqui”, e o medo de uma grande revolta social (a la Haiti) não é mera

coincidência; a repressão se generaliza e se manifesta de forma concentrada nas periferias. Sem contar que houve claramente um caráter racista de tentar impedir setores da juventude de entrar nos shoppings, tendo por critério de seleção a cor da pele do indivíduo. Uma grande quantidade de jovens foram presos “para averiguação” como se diz no jargão policial, mas inversamente nesse caso a repressão só fez aumentar a quantidade de “roles” e de protestos. Retrospectivamente, o primeiro “role” foi no shopping Itaquera no dia 08 de dezembro passado, onde 6 mil pessoas se reuniram para um encontro marcado por uma rede social, depois foram dezenas de shoppings centers: Interlagos, Guarulhos, Tucuruvi, novamente Itaquera; o Iguatemi obteve uma liminar na justiça contra o “role” (o que aumentou ainda mais a revolta da juventude); e daí por diante foi difícil uma grande capital de nosso país que não tivesse o seu “role”, e em pouco tempo a burguesia estava no mínimo dividida, quanto à questão de se os enfrentamentos não iriam aumentar e disseminar os “roles”. Realmente, os “roles” se espalharam e se “politizaram” por todo o país, com o apoio de vários setores da esquerda, do movimento negro, dos movimentos de moradia, pela reforma agrária e é lógico de setores mais amplos da juventude. Os protestos ganharam a parte externa dos shoppings (diante da

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8 imensa adesão de um lado, com o fechamento de alguns shoppings nos dias de protesto, e o aumento da repressão do outro), setores patronais chegaram a esboçar acordos com o governo para tentar levar os “rolezinhos” para outros lugares das cidades (parques, escolas, etc), mas já era tarde, o caráter de revolta já tinha ganhado à simpatia de muita gente para mudarem o palco do protesto. Como um ensaio geral, os “rolezinhos” esquentaram o clima para o dia 25 de janeiro, quando foi realizada a primeira manifestação do ano contra a Copa em cerca de 13 capitais, incluindo São Paulo e Rio de Janeiro. “Não vai haver Copa” gritavam em tom desafiador grande parte da juventude ali presente. A repressão desenfreada por parte dos policiais em São Paulo e a infiltração de certos “provocadores” que estavam mais interessados em que o movimento fosse reprimido, do que levar esse movimento a conquistar vitórias, não tirou a importância simbólica do inicio das mobilizações

de massas deste ano. A polícia em São Paulo utilizou balas de verdade na repressão, alimentando mais ainda o ódio popular contra o aparelho repressivo do Estado (não nos esqueçamos que o estopim das Jornadas de Junho foi a repressão policial contra os protestos juvenis que se opunham ao aumento das passagens de ônibus). Todos estes primeiros movimentos do ano funcionaram de certa forma como um “ensaio geral” para o que virá mais adiante. A esquerda revolucionária terá como desafio organizar os setores cada vez mais amplos que se deslocam por fora dos partidos da esquerda governista, e que hoje está cada vez mais na contramão do movimento de massas, que se desenvolve e se choca contundentemente contra seu governo, de qualquer forma, 2014 começou com um mês de janeiro que nos aponta grandes perspectivas para a luta da juventude e dos trabalhadores.

VIVA A GREVE DOS GARIS DE RIO DE JANEIRO! Em início de março, a Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (Conlurb) anunciava a demissão por justa causa de mais de 300 garis que aderiram à greve dos trabalhadores, iniciada em 1º de março, sábado. Os garis conquistaram o apoio dos demais trabalhadores e da população, mesmo com a forte repressão da Polícia Militar do governador Sérgio Cabral e da guarda pretoriana do prefeito Eduardo Paes. Apesar de todas as ameaças, do assédio moral, do clima de terror criado pelos grandes meios de comunicação e das traições da maioria da direção do sindicato, na quarta-feira de cinzas (5) a greve colocou a direção da Conlurb e a Prefeitura do Rio de joelhos. Não só o governo, a mídia e a empresa tiveram que reconhecer a força da greve, mas também anunciaram a revogação da decisão de demissões.. A categoria pede reajuste salarial de R$ 803 para R$ 1.200, aumento no valor do tíquete alimentação diário de R$ 12 para R$ 20 e o pagamento de horas-extras para quem trabalhar nos domingos e feriados, como previsto em lei. A prefeitura propõe R$ 877, segundo o gari Fábio Coutinho, que também faz parte da liderança do movimento grevista. Além disso, os trabalhadores pedem o retorno do pagamento do triênio, do

quinquênio e melhoria das condições de trabalho. A polícia deteve três garis que conversavam com outros colegas, em Copacabana. Os trabalhadores foram levados à 12ª DP e indiciados por impedir a liberdade de trabalho. Também o desembargador José da Fonseca Martins Júnior, do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, dobrou a multa diária ao Sindicato. Agora, o valor sobe de R$ 25 mil para R$ 50 mil. O desembargador ainda ameaçou com demissão os dirigentes da greve. Porém, quem impediu a liberdade de trabalho dos garis neste carnaval foi o Prefeito e a Conlurb. Desde o início de sua gestão, Eduardo Paes fez questão de cooptar a maioria da direção do Sindicato de Empregados de Empresas de Asseio e Conservação do Município do Rio de Janeiro, com o único objetivo de aprofundar o arrocho salarial e a precarização das condições de trabalho. Esta burocracia cooptada perdeu seu vínculo com os trabalhadores de sua base e, consequentemente, sua representatividade. Por isso, coerentemente, os trabalhadores se organizaram para realizar sua maior manifestação no carnaval de 2014.

CRÔNICA DE UM RACIONAMENTO ANUNCIADO Fulvio Fernandes

O Brasil, que é conhecido mundialmente por ser um dos países com maior quantidade de recursos hídricos, vive nesses últimos dias um grande dilema, diante da ameaça de ter anunciado um racionamento em várias regiões do país e em vários estados da federação. Se somente a ameaça de um racionamento de água já não bastasse para demonstrar o esgotamento e a falência política do governo federal e dos governos estaduais diante de um fato que para ser evitado necessitaria apenas de um pouco de planejamento (já que recursos e investimentos para a Copa, as Olimpíadas e outras áreas sem nenhuma prioridade social não faltaram somas abundantes). Soma-se a isso o racionamento de energia elétrica ou “apagão” como é chamado popularmente, devido ao fato de um país continental como o nosso ter 80% de sua eletricidade gerada pela matriz hidroelétrica, podendo levar o país a um duplo racionamento no decorrer do ano: o de água e o de energia de uma só vez. Em um ano de Copa do Mundo, eleições presidenciais e com a deterioração de nossa economia ocorrendo com cada vez mais intensidade, somos informados que diante da estiagem que nosso país vem sofrendo no último mês, o Brasil está novamente a beira de um apagão generalizado, como no último ano do governo FHC e (a semelhança não é mera coincidência...) com uma situação piorada de contradições internas e externas que

nos fazem antever uma verdadeira catástrofe se as expectativas de uma parte dos especialistas se confirmarem diante da pior seca já registrada desde a década de 30. Diante de um quadro em que os reservatórios das principais metrópoles estão com menos de 30% de sua capacidade, e diante do fato que estamos na época das chuvas (a época da estiagem começará em abril e se estenderá até outubro, onde o problema tende a se agravar). Segundo um especialista, para que a situação mudasse precisaria que chovesse nas regiões dos reservatórios durante cerca de 60 dias ininterruptos, para que se atingisse uma vazão de 1000 milímetros cúbicos até a estiagem, o que dificilmente deverá ocorrer.Para tentar resolver o problema de uma forma emergencial, a Sabesp contratou um avião para bombardear as nuvens na região das represas do Sistema Cantareira (ao preço de quase 5 milhões de reais), mas até agora sem nenhum grande êxito registrado. A região abastecida pelo sistema da Cantareira é uma das regiões econômicas mais desenvolvidas de São Paulo, com grande concentração de empresas, fábricas e de produção de bebidas (Coca Cola, Ambev, etc, etc), não precisamos especular muito para chegarmos a conclusão de como os efeitos de uma seca somente nesse sistema poderia afetar a economia nacional. No

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9 interior do estado a agropecuária já está afetada pela seca, se têm notícias de que há hortas paralisadas e cerca de 50 mil frangos mortos, sufocados numa estufa devido a paralisação dos ventiladores causados pela queda de energia, ou seja, um apagão que atingiu uma parte de nosso país recentemente. Outra consequência lógica e nefasta disso tudo é que o governo deve promover um tarifaço depois das eleições para descarregar o ônus da crise nas costas da população. Somente até o momento o calculo de gasto com as distribuidoras de energia deve passar dos 20 bilhões de reais, valor acrescido dos gastos com termoelétricas que serão utilizados no limite para compensar a subutilização das hidroelétricas na geração de energia. Sem contar que devido ao extremo calor o consumo de energia está tendo recordes diários de consumo. Segundo as palavras de Felipe Barroso, da empresa Bioenergias a catástrofe pode ser eminente: “Já

estamos no limite e os apagões podem acontecer a qualquer momento”. Tudo indica que a situação tende a se agravar, o possível racionamento de água e de energia elétrica deve ter seu clímax no auge da estiagem entre junho e outubro, ou seja, entre a Copa e as eleições. Carlos Farias, que é presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia, prevê um tarifaço após as eleições: “Imagino que o reajuste das tarifas terá de ser, no mínimo, de 15% após as eleições”. Diante dos racionamentos e dos tarifaços, a população e a classe trabalhadora devem se organizar e se mobilizar. A luta pelo direito a água e a energia elétrica para todos e sem tarifaços é um princípio básico para toda a população. A tentativa do governo de empurrar pela goela abaixo dos consumidores, o racionamento e o tarifaço, só podem ser contidas pela luta massiva da população e da classe trabalhadora.

A CRQI SE REUNIU EM ATENAS Pablo Heller

Entre 16 e 20 de dezembro, teve lugar em Atenas uma nova reunião das principais organizações da CRQI (Comitê pela Refundação Imediata da IV Internacional). Estiveram presentes o EEK (Grécia), Partido Obrero (Argentina), PCL (Itália) e DIP (Turquia). Na análise da situação mundial ocupou um lugar fundamental a vitória política obtida na Argentina pela Frente de Esquerda e dos Trabalhadores, impulsionado pelo Partido Obrero. Foi caracterizada como a culminação de uma etapa de dez anos de delimitação política do nacionalismo burguês tardio – o chavismo, o indigenismo e o kirchnerismo, e em geral do desenvolvimento político de uma vanguarda da classe operária e da juventude nas últimas décadas. Numerosos setores operários e da juventude votaram na Frente de Esquerda ao cabo de uma experiência de confrontações políticas, por um lado, e de lutas, por outro. Não se pode abstrair o resultado eleitoral deste desenvolvimento metódico. A Frente de Esquerda poderia converter-se em um canal revolucionário e massivo, o qual ampliaria o campo de desenvolvimento político do partido revolucionário. Sobre a America Latina, os representantes do Partido Obrero expuseram as consequências da crise capitalista, por um lado, e as alternativas do desenvolvimento da Esquerda. Destacamos o fracasso do intento de querer construir um partido da burocracia sindical, na Bolívia, o chamado Instrumento Político, sobre a base de um programa centrista (“partido de Trabalhadores”). Este fracasso havia sido adiantado no documento de nossa conferencia latinoamericana realizada em 2011. O esgotamento das experiências como o chavismo, lulismo e frenteamplismo, abre uma possibilidade política nos termos da experiência argentina, a condição que se apoie em um programa, ou seja em uma delimitação política do nacionalismo e do centrismo. Temos chamado a atenção até as eleições, em 2014, em Brasil e Uruguai. Em relação à Europa, foram analisadas as consequências sociais catastróficas da crise em quase todos os países, em especial a situação na Itália e Grécia. A partir de uma verificação dos resultados da Conferencia europeia convocada pela CRQI em junho de 2013, decidiu-se convocar uma nova conferencia europeia, em abril próximo,

planejou-se definir uma política para as eleições ao parlamento europeu. Os prognósticos catastrofistas dos documentos fundacionais da CRQI foram confirmados por completo. O “Partido da Esquerda Europeia” (Syriza da Grécia, Frente de Esquerda da França, União de Esquerda da Espanha, entre outros) tem como base programática a defesa completa da União Europeia imperialista. A presença e o auge de formações fascistas como o Amanhecer Dourado na Grécia, ou de extrema direita é manipulada pelo Estado e os meios de comunicação, como reserva última do capital frente à catástrofe em desenvolvimento. A reunião da CRQI apreciou em toda sua extensão a importância da vitória obtida pelo EEK da Grécia em seu combate contra a acusação criminosa por parte do Amanhecer Dourado (com a cumplicidade do Estado burguês em seu conjunto) a seu dirigente Savas Matsas. Essa vitória foi produto de uma intensa campanha política nacional e internacional. A formação de milícias operárias, para combater o fascismo em queda, assinalou-se como una consigna fundamental de frente única dos Trabalhadores. Sobre a base do informe prestado pelo representante do DIP da Turquia, a reunião analisou as contradições dos movimentos populares a partir de 2011 em toda a região, e as manobras e iniciativas imperialistas. O acordo Obama-Putin na Síria e as negociações dos EUA-Irã-países europeus em torno do programa nuclear iraniano, converteram-se em uma nova tentativa de canalização da crise revolucionária. Um capítulo especial foi a abordagem da situação da Turquia e a rebelião de junho passado na praça Taksim. A reunião decidiu estudar a convocatória de uma conferencia operária e revolucionária do Oriente Médio, com a participação das organizações da CRQI de outros continentes. As iniciativas adotadas se inscrevem dentro dos esforços por revitalizar o trabalho da CRQI. É necessário que demonstre uma capacidade para desenvolver programas de ação. A CRQI é uma organização de combate. É necessário que desenvolva o método fixado em seus estatutos. As deliberações concluíram em um ato público. O ano que se inicia promete uma intervenção gigantesca das massas em ambas as margens do Mediterrâneo.

A VITÓRIA DA FRENTE DE ESQUERDA E DOS TRABALHADORES DA ARGENTINA David Lucius

Nas eleições legislativas argentinas do ano passado, a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores obteve um milhão e meio de votos, uma votação histórica e significativa atraindo uma grande parcela da juventude, da esquerda e da classe trabalhadora. A FIT também chamou a atenção dos setores classistas da esquerda latino-americana por ser (ao contrario

da esmagadora maioria das frentes de esquerda latino-americanas) uma aliança de partidos militantes, classistas e revolucionários (compostos majoritariamente por forças que reivindicam sua origem trotskista), sem nenhuma participação de partidos da esquerda pequeno burguesa

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0 tradicional, que tem em seu histórico alianças estratégicas com setores da burguesia nacional e estrangeira. A Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT) foi formada em 14 de abril de 2011 pelo Partido Obrero - PO, o Partido dos Trabalhadores - PTS e a Esquerda Socialista - IS, como uma frente para disputar as eleições que se realizavam nesse ano, mas que se propunha ser uma frente que atuasse em toda a cena política e na luta de classes argentina como um todo, e não meramente apenas como uma frente eleitoral, tendo desdobramentos de sua política na militância do movimento popular, sindical e estudantil, assim como em grandes mobilizações populares como as que ocorreram posteriormente nos atos de 1º de maio, e nas greves gerais organizadas contra o governo Kirchner. A esquerda revolucionária da Argentina consolidou política e programaticamente o ascenso obtido após o argentinazo de 2001, ganhando amplas camadas na juventude e na classe trabalhadora. Posteriormente em 2010, o assassinato pelas chamadas “patotas sindicais” (grupos armados ligados a burocracia sindical) do militante do Partido Obrero, Mariano Ferreyra, causou uma comoção nacional com multitudinárias marchas protagonizadas por amplos setores da população, contra o governo kirchner, que acobertou desde o princípio a burocracia sindical assassina, e que sofreu um duro golpe com o processo judicial e a mobilização da esquerda contra seus aliados da burocracia sindical. É importante ressaltar que a FIT foi formada não como um mero acordo eleitoral, mas sim uma frente programática classista que impulsiona uma política alternativa à situação vigente no país, que propõe um conjunto de propostas para a população e que intervêm nos mais distintos setores da sociedade (movimento estudantil, sindicatos, movimento operário e de desempregados, mobilizações populares, etc). O Partido Obrero deu um duro combate de delimitação e discussão política para que ali fossem sintetizados os princípios básicos e classistas que norteiam a FIT. A FIT foi ganhando rapidamente uma representatividade junto aos trabalhadores e a esquerda, o que garantiu, no ano de 2011 a superação de seu candidato presidencial, Jorge Altamira (Partido Obrero), nas primarias (espécie de primeiro turno em que os partidos precisam obter 1,5% nacionalmente para ir para as eleições gerais). Nesse ano uma campanha na internet virou febre entre a juventude, chamava-se: “Um Milagro por Altamira”, o objetivo dessa campanha era chamar votos para a esquerda revolucionária e classista agrupadas na FIT. Conseguindo passar pelo primeiro desafio, que era as primárias, logo após seguiu-se as eleições gerais presidenciais onde obteve mais de 500 mil votos (2,31% dos votos). Nas eleições legislativas de 2013 o Partido Obrero e a Frente de Esquerda obtiveram cerca de um milhão e meio de votos, triplicando o número de votos obtidos anteriormente na primeira eleição, elegendo uma pequena bancada de deputados federais, vários deputados provinciais (estaduais) e vereadores, atraindo uma enorme massa de simpatizantes entre a juventude, a esquerda e os trabalhadores. Poucos dias após as eleições nacionais houve eleições em Salta (província localizada no norte do país), onde houve um resultado estrondoso em favor do Partido Obrero, os números eleitorais foram todos superiores aos 20 %, sendo que para vereadores o resultado chegou a 30 % (14% a frente do peronismo governista do PJ), o PO elegeu vários deputados provinciais e chegou pelo primeira vez ao senado provincial. A vitória em Salta também se reveste de importância pelo fato da igreja católica ter realizado uma campanha feroz contra o Partido Obrero e a defesa dos direitos da mulher (anticoncepcionais, direito ao aborto, etc.). O resultado demonstra que a FIT está em ascensão e que enquanto o kirchnerismo afunda cada vez mais, a esquerda combativa vai ganhando milhares de militantes em todo o país.

O resultado eleitoral refutou de forma definitiva a tese do governo, segundo a qual a esquerda é funcional à direita, pelo contrário a vitória da FIT causou uma derrota esplendorosa dos partidos de direita, como em Salta em que os partidos mais a direita não conseguiram eleger nem um candidato. A FIT desenvolveu uma alternativa política no mesmo momento em que o governo Kirchner retorna ao Banco Mundial, ao FMI, ao Club de París, etc. A FIT abre uma perspectiva política classista e revolucionária ao conjunto da esquerda da América Latina. A expressiva votação da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores é uma manifestação clara da bancarrota capitalista e do esgotamento do nacionalismo burguês tardio. Também expressa a compreensão da situação histórica por parte da FIT e de um imenso trabalho de delimitação política com o kirchnerismo, no plano das ideias e da luta de classes. A Frente não progride devido às forças que aglomera, mas sim devido a claridade política que preside seu desenvolvimento, e ao método que é utilizado diante de seus novos desafios. É uma frente única em situações concretas. A FIT desenvolve-se diante de outro colapso político que ameaça toda a sociedade, ou seja, uma transição política que volta a colocar na agenda o destino da sociedade capitalista, porém desta vez com uma ascensão das forças revolucionárias. Diante das crises que se avizinham de nosso continente, a fisionomia que a FIT deu à esquerda da Argentina tem uma importância estratégica. Temos uma frente que procura organizar os trabalhadores para serem os protagonistas na conquista do poder político e não para ficarem a reboque de setores oligárquicos ou de outras frações da burguesia. A FIT coloca uma nova perspectiva para a esquerda latino-americana em sua luta pela conquista do poder político. Com isso temos uma divisão clara entres as diferentes perspectivas da esquerda em nosso continente: de um lado temos a esquerda pequeno-burguesa tradicional que preferiu administrar a crise do capitalismo (em aliança com o próprio) e em vez de lutar contra ele procurou adaptar-se às suas necessidades com uma série de variações na forma política, mas que manteve no conteúdo a defesa do capitalismo e uma aliança estratégica com a burguesia; do outro lado temos, com a formação da FIT, um setor da esquerda classista e revolucionária que procura conscientemente lutar contra o capitalismo (diante de seu declínio e de uma crise histórica do mesmo), impulsionar e organizar os trabalhadores para essa luta estratégica e com uma importância estratégica devido à crise histórica do capitalismo e do impacto que essa crise está tendo ao penetrar em nosso continente. A velocidade do desenvolvimento da crise econômica e financeira, coloca diante da Argentina a possibilidade de um cenário de bancarrota eminente, que o governo Kirchner procura conjurar com “tarifaços”, com a desvalorização do peso frente ao dólar e desencadeando um processo inflacionário. Receita que não está descartada de ser aplicada em nosso país após as eleições deste ano, muito pelo contrário. A constituição de uma Frente de Esquerda que tenha um caráter classista (de sua constituição até o seu programa) e que se incorpore nas lutas populares e dos trabalhadores como um fator organizativo e que se torne um protagonista impulsionando a mobilização da esquerda e dos trabalhadores (e não dispersando, atomizando e traindo essas lutas, como amiúde ocorre em nosso continente), é um fator altamente progressista e até mesmo revolucionário para toda a esquerda. O acompanhamento da situação política na Argentina, e particularmente o desenvolvimento da FIT e da esquerda, são hoje de uma importância capital para a esquerda latino-americana e para a esquerda brasileira.

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VENEZUELA: GOLPISMO DE DIREITA E

AUTOGOLPE CHAVISTA Jorge Altamira

Em menos de dez semanas o chavismo passou da vitória eleitoral nas eleições municipais a uma crise política, cujo desenvolvimento leva inevitavelmente a uma mudança de regime político; nem o atual governo pode seguir governando nos termos que vinha fazendo, nem a oposição encontra uma metodologia que a mantenha unificada. Ocorre que a desorganização econômica alcançou proporções gigantescas, que apagam na prática o alcance das eleições, quando a oposição fracassou no propósito de convertê-las em um plebiscito que produziria a derrubada do governo. Criou-se um impasse gigantesco em seu conjunto. O governo triunfante é incapaz de deter a marcha implacável da queda da atividade econômica e a irrupção conseqüente de uma explosão social, enquanto a oposição, estimulada por essa crise social, vem de uma derrota político-eleitoral que acentuou a divisão em suas fileiras. O desabastecimento alcança 30% da oferta de produtos e a indústria e as importações estão paralisadas como consequência de uma situação cambiária terminal, porque o governo não pode oferecer divisas para os câmbios legais, pois isso provocaria uma hemorragia financeira pela via dos mercados paralelos. O imobilismo do governo tem sido explorado pela ala direita da oposição, que entende que não há margem para esperar a convocatória de um referendo revocatório do presidente Maduro, em 2016, quando o habilita a constituição. Esta velha fração de direita da oposição gorila, tem rejeitado a tese do chefe da oposição, Henrique Capriles, para quem não há possibilidade de inclinar a balança nas ruas, com tanto que não se produza uma deserção em massa da população que segue respaldando o chavismo. As mobilizações que começaram em fevereiro, a partir do agravamento da insegurança nos ‘campus’ universitários, onde prevalece o movimento estudantil opositor, deu motivos de protestos a todo o mundo: o imobilismo do governo criou uma situação explosiva; o ritmo da crise não habilita uma posição de espera; a oposição não tem ganhado para seu campo a massa chavista; o governo responde com um aparato de repressão legal e para-legal, que mostra o esvaziamento de sua base popular. Como ocorre em um impasse no xadrez, não pode mover-se nenhuma peça. Daí que se ofereçam saídas bizarras, como a do teórico do ‘socialismo do século XXI’ Hans Drietrich, que tem chamado a se formar um governo de coalizão com Capriles, ou a propiciar uma mediação internacional. A possibilidade de um golpe gorila está fora do radar, por mais que o invoquem, porque as armas quem as detêm são as forças armadas controladas pelo chavismo e porque Obama tão pouco está impulsionando esta alternativa. Ao governo norte-americano lhe interessa, em primeiro lugar, que o presidente Manuel Santos seja reeleito e que prossiga com as negociações com as FARC. O triângulo do golpismo gorila está formado pelo agora detido Leopoldo López, pelo paramilitar colombiano Uribe e pelos fascistas norte-americanos do Tea Party. Trata-se de um menu indigesto inclusive para a burguesia mundial e os principais governos imperialistas. Aqueles que estão obrigados a impedir que a situação venezuelana se degenere são, especialmente, Cuba, Brasil, Argentina e, em última instância, a Colômbia. Raúl Castro e Dilma

Roussef não somente tem um ponto de encontro nos crescentes investimentos brasileiros (construtoras, petroleiras) em Cuba, assim como nos governos de El Salvador e da Nicarágua, que devem bastante ao maquinário eleitoral que o Brasil vem usando com êxito em diversos países. As alternativas que poderiam negociar a dupla lulo-castrista são, no entanto, limitadas. A Venezuela enfrenta uma crise econômica e social fora do comum. O ‘ajuste’ que delineia seu desequilíbrio financeiro é enorme; A Venezuela necessitaria de um grande financiamento internacional, que estaria condicionado a que seu governo coloque um freio brutal no sistema de planos sociais. O ‘ajuste’ transformar-se-ia em um suicídio para o chavismo; seria incompatível com o governo e o regime político vigentes. Uma possibilidade de golpismo oficial retomaria uma alternativa já mencionada na imprensa internacional no passado recente, a de um governo transitório de militares chavistas, encarregado de uma normalização política. Seria uma espécie de golpe a Jaruzelski, o militar polaco ‘comunista’ e ‘pró soviético’ que presidiu, precisamente por isso, a transição da Polônia ao capitalismo a la Otan. A oposição gorila o receberia com grande repúdio, é lógico, porém e sobretudo, com uma expectativa ainda maior, porque um golpe dessas características teria minado de forma irreversível a autoridade histórica do movimento bolivariano. Uma parcela da esquerda saudaria, em sua ignorância, com regozijo o golpe, que seria o sepulcro do chavismo. A pérola de Cristina Kirchner de que “os extremos se juntam”, poderia encontrar na Venezuela uma confirmação inédita, pois as marchas opositoras, com um definido propósito golpista, somente poderiam materializar-se no caso de que o próprio chavismo oficialize um estado de exceção, ou seja, arbitrariedade estatal. As reivindicações estudantis opositoras são justas; é lamentável que não as tenham levantado, na Venezuela, as juventudes ‘socialistas’, assim como na Argentina são levantadas pela FUBA (Federação Universitária de Buenos Aires), privando, de passagem, a direita de uma arma de demagogia popular. Nos referimos às mobilizações contra os estupros, tentativas de sequestro e sequestro efetivo de universitárias, atos criminais que contam, na Argentina, com a cumplicidade policial. O mesmo vale para a luta contra o desabastecimento e contra a carestia ou contra o enriquecimento descomunal dos capitalistas amigos e os sobrefaturamento das obras públicas. Porem, ao inverso do que ocorre na Argentina, na Venezuela, este movimento tem uma direção política de direita e definidamente golpista. Isto é o que importa na hora de sua caracterização. Ao mesmo tempo, a repressão criminosa por parte de grupos chavistas paralelos, que são designados como “coletivos”, com a cumplicidade do poder político, colocam a nu uma tendência reacionária e fascistizante do governo, cuja implicação política é apontar a tendência à instauração de uma ditadura. As conspirações que impulsionam a direita, valendo-se de uma demagogia democrática e popular, devem ser combatidas em primeiro lugar com a mobilização das massas e, sobretudo, com a passagem do poder político e da estrutura social aos trabalhadores e a classe operária. A

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2 Venezuela está governada por uma camarilha política e econômica e pela chamada ‘boliburguesia’ (burguesia bolivariana). Fruto da crise estão se desenvolvendo mobilizações operárias, por exemplo na indústria automobilística , neste caso encabeçada pela UNT, dirigida pelo chavismo. Os trabalhadores exigem a nacionalização da indústria para assegurar os postos de trabalho. Trata-se, no entanto, de uma reivindicação insuficiente, isto a partir do fracasso impressionante das nacionalizações chavistas, que colaboraram com a crise econômica industrial. O que importa é o controle e a gestão operária coletiva da economia nacionalizada, a qual implica um governo dos

trabalhadores. Ainda com essas limitações, ante os protestos patronais, tanto o poder judicial como a guarda nacional intervieram contra os trabalhadores. A burocracia sindical mobilizou no domingo passado aos trabalhadores petroleiros e automotrizes para apoiar o governo. Um setor minoritário encabeçado por dirigentes petroleiros classistas rechaçou esta cooptação e convocou a um Encontro Nacional Sindical e Popular de Setores em Luta para discutir um Plano Econômico e Social de Emergência e um plano de mobilização nacional em defesa dos direitos dos trabalhadores e do povo. O problema da independência política do movimento operário continua sendo o problema crucial da situação política venezuelana.

VITÓRIA DA GREVE DOS ESTIVADORES EM

PORTUGAL

Raquel Varela Os estivadores são uma espécie de história ao contrário dos trabalhadores organizados no Portugal contemporâneo. Em fevereiro passado foi anunciado um acordo em que, no fim da greve, os estivadores ganharam mais do que quando ela começou. Um sindicato serve para isto, não serve para gerir a miséria, como temos visto tantos exemplos. Exemplos lamentáveis como «conseguimos que só 1400 fossem despedidos» (na banca); «lutamos pelo subsídio de desemprego para funcionários públicos em vez de lutar contra as demissões » (na função pública); «conseguimos que só os com menos de 5 anos de trabalho façam prova» (nos professores). Há algum tempo que anunciam: «obtivemos a certeza de que só nos cortam um braço, caros senhores, porque a proposta era cortarem os dois!». O Sindicato dos Estivadores saiu com os dois braços e uma camisola nova: 47 trabalhadores despedidos foram reintegrados, alguns em melhores condições do que estavam antes (eram precários há 6 anos e passam a contrato sem termo) e abre-se espaço à formação qualificada de 20 novos trabalhadores. Os estivadores estiveram 2 anos em greve, não por si diretamente, mas pelos outros. Exigiam para si nada. Mas para os outros o mínimo do aceitável — quem quer que trabalhasse no Porto de Lisboa tinha que trabalhar com os mesmos direitos dos que já lá estavam. Perceberam a tempo que precariedade dos mais novos seria uma pressão a curto prazo sobre eles próprios. Os patrões e a tutela disseram-lhes para não se preocuparem que os direitos deles não seriam postos em causa e eles responderam «os direitos ou são de todos ou não trabalhamos». Conheço, sem qualquer exagero, centenas de greves no século XX, em Portugal e no mundo, cujo caderno reivindicativo exigia os mesmos direitos para todos os que trabalham, reintegração de trabalhadores despedidos, recusa de diferenciação salarial sem estar ancorada na formação e mesmo, em situações revolucionárias, imposição de tetos salariais, salário igual para trabalho igual (trabalho feminino, em particular). Os estivadores não são excepcionais. Excepcional e suicida foi o padrão de sindicalismo que se viveu em Portugal nas últimas décadas e que sistematicamente negociou a conservação de direitos para os que estavam e aceitou a precarização dos que vinham. “Queremos mais pessoas a trabalhar conosco, mas queremos que tenham os mesmos direitos”. Este lema da greve é o código genético de qualquer movimento sindical decente – não é preciso ser revolucionário ou radical, basta perceber que um sindicato ou é para ganhar direitos para quem trabalha ou não serve para nada. Os estivadores não colocaram diretamente em causa o poder político, nem estão associados a uma estratégia revolucionária contra o Estado. Não questionaram o modo de acumulação capitalista, nem pediram a nacionalização dos portos. Fizeram o mínimo para si e os

seus, e esse mínimo, hoje, paradoxalmente, surge como revolucionário, tal é o padrão baixo de onde partimos ao fim de 4 décadas de pacto social, moldados pela incapacidade de lutas sociais que ganhem direitos laborais mínimos de civilização, num país onde 3 milhões de pessoas não vive sem ajudas sociais e mais de meio milhão de pessoas ganha o salário mínimo e não consegue sequer alimentar-se e chegar ao fim do mês. A pressão que sofreram estes dois anos foi duríssima: mentiras despudoradas de pessoas com responsabilidades públicas; e Bruno Bobone, representante da ACL (Associação Comercial de Lisboa), chegou mesmo a dizer que os estivadores “tinham que desaparecer”. Os estivadores responderam com uma greve que se resumiu a isto: trabalhamos, mas assim que entrar nesta porta um trabalhador precário paramos. De tal forma que, numa greve de vários meses, só pararam um dia! O sindicato dos estivadores tem algumas particularidades: tem 100% de sindicalização; mas isso não chega. De que serve ter 100% de sindicalização se tudo for negociado entre elites burocratizadas? Reúne-se, por vezes semanalmente, em plenário. Não houve qualquer negociação ou ideia que não passasse por um plenário geral de trabalhadores. Isso significa que os dirigentes e a base estão no mesmo barco e são responsabilizados coletivamente pelos erros e acertos. Significa que os desvios burocráticos são travados. Os estivadores de Barcelona se reúnem todas as semanas, estejam ou não em greve. Isso cria democracia, é a base da confiança. Os dirigentes são homens de ferro que resistiram a pressões objetivas e morais sérias. Esta luta foi, como se sabe, apoiada por uma greve europeia de duas horas, a única greve de solidariedade na Europa desde a crise de 2008. E não é porque eles têm um sindicato internacional, porque existem outros e maiores, é porque este sindicato internacional luta e os outros não! Finalmente, esta greve não foi feita para marcar calendários eleitorais, nem como válvula de escape do descontentamento dos trabalhadores. O Sindicato dos Estivadores é independente da UGT e da CGTP e isso o manteve longe da estratégia de rebaixar as lutas ao fortalecimento dos partidos da oposição, à ideia de uma saída eleitoral para as questões laborais. Ao fim de 40 anos de democracia-representativa, é por demais óbvio que os direitos laborais nunca foram aí conquistados mas aí, sim, perdidos. O tema é tabu, mas não podemos deixar de abordá-lo — o sindicalismo em Portugal não é sequer um sindicalismo reformista clássico, muito virado para lutas corporativas e de sector, ele é uma correio da transmissão da estratégia eleitoral dos partidos políticos e essa estratégia eleitoral, que oferece a quimera de que é nas eleições de 4 em 4 anos e não nos locais de trabalho que se muda a vida, tem sido uma estratégia suicida. A outra foi vencedora. Esta vitória tem de ser celebrada.