três tipos de karma
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Três tipos de Karma
O texto desta semana foi retirado do número de abril de 2014 da publicação da Loja
Unida de Teosofistas (LUT) “The Theosophical Movement”. Este boletim mensal
editado pela LUT da Índia, também disponibilizado na internet, é uma das publicações
regulares de maior qualidade existentes no meio teosófico, recomendando-se vivamente
a sua leitura. Foi B.P. Wadia - o líder mais carismático da LUT a par do fundador
Robert Crosbie – quem iniciou a publicação de “The Theosophical Movement” em
1930.
B.P. Wadia (1881-1958)
Avancemos agora para a tradução do excelente artigo “Três tipos de karma”. As
ilustrações que intercalam o texto foram colocadas por mim, não fazendo parte do texto
original.
Três tipos de karma
Karma é a lei de ação e reação; de causa e efeito. A lei do Karma ajusta cada efeito à
sua causa e restabelece o equilíbrio perturbado. O Karma pode ser de três
tipos: Sanchita, Agami e Prarabdha. Há uma bela analogia na literatura Vedanta. O
arqueiro já disparou uma flecha que saiu das suas mãos. Não pode recuperá-la. Está
prestes a disparar outra flecha. O conjunto de flechas da aljava nas suas costas
é sanchita; a flecha que ele disparou é prarabdha e a flecha que está prestes a disparar
do seu arco é agami. Destas, ele tem controlo sobre sanchita e sobre agami, mas tem
seguramente de resolver o seu prarabdha. Tem que experienciar a pressão do passado
que começou a se manifestar.
Sanchita karma é aquele que está acumulado e que não está a operar no momento,
porque não existe o ambiente ou as condições apropriadas para trazê-lo à ação. É como
o vapor em suspensão na atmosfera, que irá cair na terra como chuva, quando as
condições forem as propícias. Quando plantamos diferentes variedades de sementes,
elas crescem e dão fruto em diferentes alturas. O morangueiro ou a macieira darão fruto
apenas na estação certa. Por sua vez, o mangueiro apenas dará fruto depois de muitos
anos. Da mesma forma, o stock completo de karma não pode dar fruto todo de uma vez.
Patanjali descreve o “karma acumulado” como resíduos mentais. Sentimos o efeito dos
resíduos mentais criados pelos nossos pensamentos, ações e sentimentos de vidas
passadas ou presentes, quando obtivermos o tipo correto de enquadramento mental ou
corporal e o ambiente adequado para trazê-lo à ação. Algumas causas kármicas são
mantidas em suspenso por pouco tempo, vindo a ser concretizadas rapidamente. Desta
forma, por exemplo, comer demasiado ou ingerir comida estragada pode causar dores de
estômago em poucas horas. Alguém que seja um fumador inveterado ou masque tabaco
pode contrair cancro oral ou do pulmão numa idade mais avançada. Contudo, alguns
atos não produzem frutos nesta vida, e aparentemente a pessoa passou incólume, mas na
verdade não é esse o caso. Tais atos de uma vida são como as flechas disparadas do
arco, agindo sobre nós na vida seguinte, produzindo as nossas recompensas e punições.
É-nos dito que até que o instrumento apropriado seja encontrado, o karma relacionado
permanece inesgotado. Por exemplo, enquanto alguém está no corpo de um homem, não
pode ter a experiência da maternidade; quando alguém usufrui de um intelecto brilhante
como resultado de bom karma mental de uma vida passada, não é possível experienciar
a imbecilidade. Da mesma forma, uma pessoa desfrutando de riqueza como resultado de
bom karma passado não pode, ao mesmo tempo, experienciar pobreza .
O Sr. Judge descreve Sanchit Karma como aquilo que ainda não começou a
produzir qualquer efeito nas nossas vidas devido à ação de outras causas
kármicas. Somos capazes de entender isto com base na lei da Física que diz
que duas forças opostas tendem à neutralidade, e que uma força pode ser
suficientemente poderosa para evitar temporariamente a ação de outra. Assim,
o karma pode ser adiado desde vidas passadas e na vida atual, até o karma
obstrutivo ser removido.
Da mesma forma que não vamos para as compras levando connosco todo o
nosso extrato bancário, também o nosso Ego nasce apenas com uma porção de
resíduos mentais ou causas kármicas, que ele tem de esgotar agora. Podemos
chegar a uma altura na vida onde todas as causas anteriores se esgotam, e
então novo karma ou karma não esgotado começa a operar. Assim,
encontramos em certos casos, súbitos reveses da sorte, onde há mudanças para
melhor ou para pior, seja nas circunstâncias ou no caráter. Às vezes o karma
do Ego é suficientemente poderoso para fazê-lo nascer numa família pobre,
mas nessa altura, novo karma começa a operar e a criança é adotada por pais
abastados, e portanto colocada num ambiente diferente. O Sr. Judge ilustra
isso com um sonho estranho de um Rajá, interpretado por um adivinho como
tendo o Rajá de dar uma grande quantia de dinheiro à primeira pessoa que ele
visse depois de acordar no dia seguinte, pretendendo o adivinho estar no local
bem cedo. No dia seguinte, o rei levantou-se invulgarmente cedo, e quando se
aproximou da janela viu um candala [hindu sem casta] varrendo a sujidade.
Deu-lhe a sua fortuna, erguendo-o, num segundo, da pobreza abjeta à
abundância.
Um aforismo sobre o karma diz que “enquanto um homem experiencia o
karma no instrumento que lhe foi fornecido, o seu outro karma, ainda não
manifestado não é esgotado por outros seres ou meios, mas é mantido em
reserva para operar futuramente. Durante este lapso de tempo não é sentida
qualquer operação daquele karma, o que não causa deterioração na sua força
ou alteração na sua natureza.” Desta forma, a força do karma acumulado não
se tornará mais forte nem será diluído devido ao lapso de tempo. A adequação
do instrumento é determinada pela relação exata do karma com o corpo,
mente e natureza intelectual e física adquiridos para utilização pelo Ego nessa
vida particular.
Contudo, podem ocorrer mudanças no instrumento de modo a que o mesmo se
torne adequado para a precipitação de karma acumulado ou de uma nova
classe de karma. Tal mudança na constituição física, mental ou psíquica de
uma pessoa pode ocorrer quer devido à intensidade de pensamento e do poder
de um voto, ou devido à alteração natural resultante da completa exaustão de
velhas causas, diz um aforismo sobre o karma. Então, quando uma pessoa
decide tornar-se um engenheiro, ou um médico, ou um dançarino e avança
nessa direção, todas as faculdades relacionadas com esse campo começam a
ser treinadas e desenvolvidas. Portanto, as naturezas física, mental e psíquica
são desenvolvidas de forma a fornecer o instrumento adequado com vista ao
exercício dessa arte ou tema. Quando decidimos – através de um juramento ou
de um voto – viver a vida espiritual, todos os aspetos da nossa natureza, sejam
nobres ou de outra índole, começam a se desenvolver. Além disso, neste caso
há uma precipitação mais rápida do karma. Aquele que se predispõe a trepar
ao mundo do Espírito tem de enfrentar não apenas o seu Prarabdha Karma –
aquela porção de karma com a qual nascemos, ou seja, o karma para cuja
precipitação o terreno está preparado – mas, devido à sua nova decisão de
romper as limitações do Karma, ele rasga um canal através do qual algum do
karma acumulado conhecido como Sanchita Karma começa a fluir tornando-
se Prarabdha.
B.P. Wadia, fundador da revista
"The Theosophical Movement"
"Isto também implica que a pessoa que fez, de forma sincera, um voto para purificar a
sua natureza irá experienciar bons e maus efeitos súbitos, que de outro modo espalhar-
se-iam durante muitos mais dias ou anos sob a forma de vários pequenos
acontecimentos.
Agami é aquele karma que estamos a construir na vida atual, cujos efeitos serão sentidos
nesta ou em futuras encarnações. É gerada pelos nossos pensamentos, sentimentos,
palavras e ações, no quotidiano. Prarabdha karma é a porção ou aspeto do karma que
está em operação na vida e corpo presentes, desde o nascimento, trazendo consigo todas
as circunstâncias e mudanças. O Destino é o karma que amadureceu, não podendo, a sua
expressão, ser evitada ou adiada. Por exemplo, não podemos mudar o sexo, família,
nação ou raça na qual nascemos. O karma que é irreversível pode ser chamado de
destino. O Sr. Judge define o Destino desta forma:
"Destino é a palavra aplicada a um karma tão forte e avassalador que a sua ação não
pode ser contrariada por outro karma; mas no sentido em que todos os acontecimentos
são dependentes do karma, tudo o que acontece está destinado."
O Destino é o karma em ação. (imagem examiner.com)
Na ausência do conhecimento da lei do karma descrevemos certos acontecimentos
inevitáveis referindo: “Isto estava destinado”. Mas o destino é apenas a operação de
determinadas causas poderosas, de modo a que nenhuma ação nossa ou qualquer outro
karma possa evitar ou modificar o resultado. Para um karma deste género podemos
afirmar, “o que não pode ser resolvido, deve ser suportado.” Experienciamos os efeitos
do karma desta vida, bem como de vidas anteriores. O que experienciamos é o resultado
do balanceamento de diversas causas kármicas.
O karma não opera sob o princípio de uma causa produzir um efeito; várias causas
podem ser precipitadas em simultâneo. Da mesma forma, uma causa poderosa pode
produzir efeitos em mais do que uma direção. Existe a lei do paralelograma das forças,
onde as boas e más causas podem contrabalançar-se completa ou parcialmente e o que
experienciamos é o resultante. Assim, atos de amor podem, até certo ponto, mitigar a
severidade das consequências kármicas.
Temos ainda a doutrina da anulação do karma. De acordo com a bem conhecida lei da
física, duas forças equivalentes opondo-se mutuamente, equilibram-se. “Uma pessoa
pode ter na sua conta-corrente kármica uma causa muito desagradável e ao mesmo
tempo uma causa de característica oposta. Se se manifestam ao mesmo tempo, poderão
se contrariar mutuamente, nenhuma será visível e o equilíbrio será a compensação de
ambas”, explica o Sr. Judge. Ele acrescenta que não é necessário que sintamos cada
parcela de karma com o mesmo detalhe com que foi produzida, porque diversos tipos de
karma podem se precipitar em simultâneo numa altura da vida, e o seu efeito combinado
produz um resultado que, embora como um todo represente de forma precisa todos os
elementos presente nele, ainda assim é um karma diferente de cada componente
particular.
William Quan Judge, um dos
fundadores da Sociedade Teosófica
Existem três categorias de karma, porque o karma opera nos planos físico,
psíquico e moral. Uma pessoa deformada com uma boa mente tem karma
desagradável operando no seu corpo, estando karma positivo a ser
experienciado na sua natureza intelectual. Para entender a anulação do karma
devemos nos recordar que como não se podem somar libras e euros, ou libras
e dólares, da mesma forma, ao contrariar karma negativo com karma positivo
é essencial que ambos os tipos de karma sejam compatíveis. Dessa forma,
parece que os resultados de ações feitas principalmente no plano mental não
podem ser mitigados ou obliterados por ações produzidas no plano físico. Por
exemplo, uma pessoa que passou muitos anos da sua vida torturando
mentalmente outro ser humano não pode esperar anular esse ato dando
grandes quantias de dinheiro aos pobres. Caridade feita a partir de um
excedente, sem nenhuma preocupação particular pelos pobres, ou ainda pior,
apenas com a intenção de ganhar mérito (punya), não pode trazer
aperfeiçoamento do caráter moral.
Também é verdade que o karma manifesta-se em harmonia com o plano do
desejo. Quando temos desejo por dinheiro, fama, reconhecimento, etc… -
centrado no plano inferior, criamos um “centro de atração” nesse plano. Isto
irá causar que o karma passado se manifeste nesse plano. Por outro lado, no
caso de uma pessoa que tem desejos mais puros e que aspira ao mais elevado,
fixa o “centro de atração” no plano superior. As energias no plano inferior são
para aqui atraídas, o que resulta num aumento de espiritualidade. Assim, por
exemplo, se gerámos bom karma dando grandes donativos em vidas passadas,
e se o nosso coração está determinado em adquirir conhecimento espiritual
então o mesmo bom karma do passado no plano físico irá manifestar-se no
plano superior e podemos dar-nos conta de que somos ajudados, conseguindo
o tipo certo de livros, um lugar calmo para meditação e estudo, e assim por
diante.
O destino de hoje (prarabdha) resulta das nossas escolhas no passado. A
escolha de hoje tece o nosso destino futuro. Se um homem toma a decisão de
ir na direção correta, avança, se acontece o contrário, retrocede. O destino é
tecido nas mentes dos homens com bons e maus pensamentos. Com
o Agami Karma sendo gerado agora, podemos mudar o saldo do nosso karma
acumulado. Além disso, quando o karma amadureceu e começou a se
precipitar, podemos experienciar os seus efeitos com a atitude certa. Contudo,
“aceitação” não deve ser equivalente a passividade ou impotência. Se formos
capazes de mudar a situação, devemos fazer tudo o que está ao nosso dispor
para modificá-la. Não é suposto permanecermos pobres, deficientes,
ignorantes, fracos, oprimidos, ou em qualquer outra situação de sofrimento.
Podemos usar a situação como matéria-prima e extrair as lições necessárias.
Pode consistir em aprender as lições de firmeza e simpatia, ou desprendimento
e paciência, e assim por diante. Um dos aforismos sobre o karma assinala que
na vida presente podemos tomar medidas para reprimir tendências erradas e
eliminar defeitos. Quando são feitos esforços intensos, a influência da
tendência kármica é diminuída. O karma coloca-nos onde temos que estar,
mas não nos prende."
Publicado em hhtp://lua-em-escorpiao.blogspot.pt em duas partes, em 5 e 12 de julho de 2014