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• ATUALIZAÇÃO TERAPtUTICA MANUAL PRATICO DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO Em crianças abaixo de dois anos com ITU recorrente indica-se UGE, além de uretrocistografia miccional (UCM). 5. Outros Exames: a) Cistoscopia. A cistoscopia também raramente demonstra lesão corrigível; e b) 19A Secretora. Recentemente tem sido demonstrado que mulheres com ITU recorrente têm 19A sccrctora (IgAs) reduzida em secreção nasal e também na urina (mas não em saliva), independentemente da presença ou não de bacteriúria, quando de sua determinação. Sugere-se que este seja defeito genérico de mucosas que talvez possa predispor à recorrência da ITU. Tratamento Vários agentes antimicrobianos podem ser usados para o tratamento de ITU. Entre os mais utilizados por "ia oral e para infecções não complicadas destacam-se a associação sulfametoxazol-trimetroprima (SMZ-TMP), as quinolonas, como nitrofurantoína, ácido nalidíxico, ácido pipernídico e as novas quinolonas, como norfloxacina, ciprofloxacina, crc. Entretanto, a sensibilidade a estes compostos também varia dependendo da população estudada, No ambulatório da Disciplina de Nefrologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, a maioria dos patógenos isolados tem se mostrado pouco sensível à associação SMZ- TMP, fazendo com que as quinolonas sejam mais indicadas para tratamento de infecções não complicadas e profilaxia. As novas quinolonas constituiriam droga de escolha, juntamente com as cefalosporinas, no caso de resistência às quinolonas. Todos os antibióticos bcta-lactârnicos, como penicilina G, arnpicilina, amoxicilina, cefalexina, cefaclor são ativos contra os coliforrnes, mas as cefalosporinas atingem níveis urinários mais elevados. Nas infecções mais graves, com comprometimento sistêrnico, as cefalosporinas de primeira a terceira geração e os aminoglicosídeos são drogas de escolha. O grupo das tetraciclinas (tetraciclina, oxitetraciclina, doxiciclina, minociclina) é especialmente efetivo no tratamento de infecções por Chlarnydia, sendo portanto indicados em síndrornes uretral e prostatite. As penicilinas resistentes à ação de germes produtores de pcnicilinase, como oxacilina, cloxacilina e dicloxacilina, reservam-se ao tratamento de infecções estafilocócicas. Infecções por anaeróbios podem ser tratadas com rnctronidazol ou clindarnicina. As cefalosporinas de segunda e terceira geração possuem espectro maior contra bactérias Grarn- negativas, exceto enterococos, e a atividade contra pseudomonas é variável. O grupo dos aminoglicosídeos também é bastante eficaz para germes Gram-negativos. No entanto, deve-se ter em mente o especial efeito nefrotóxico desses agentes. A robrarnicina é a menos nefrotóxica do grupo e a arnicacina fornece níveis urinários muito superiores aos da gentamicina. Deve-se ter em mente que a diluição urinária reduz a população bacteriana, mas também a concentração do antibiótico, sendo que a micção remove ambos. Portanto, a eficácia ótima ~~.~ cl~Q::;"-~ c corre no período pós-miccional, As concentrações urinárias dos antibióticos refletem as presentes na medula renal, sendo portanto melhores guias de eficácia do que as concentrações séricas, exceto quando há insuficiência renal. As concentrações renais das drogas, por sua vez, dependem do mecanismo de excreção renal, fluxo urinário, pH e função renal. Abscessos tendem a ter pH e p02 reduzidos ea penetração antimicrobiana em cistos também é precária. Recentemente, a duração ideal da terapia antibiótica em ITU tem sido reconsiderada. A utilização de dose única se justifica pela superficialidade da infecção na rnucosa em cistite bacteriana, concentração do antibiótico pelo rim, resultando em níveis urinários extremamente elevados, e pelo fato de quase 30% dos pacientes submetidos a lavagem vcsical com solução de neornicina a 10% terem sido efetivamente tratados. Além do mais, a observação clínica de que pacientes aos quais foram prescritas terapêuticas de sete a dez dias, mas que suspenderam por conta própria a medicação após dois ou trés dias efetivamente se curaram, reforça a idéia da dose única. Por outro lado, a desvantagem desse tipo de tratamento é o uso inadvertido em ITU alta não reconhecida, mascarando a progressão da infecção transitoriamente, com evolução potencial para pielonefrite. O uso de anticorpo antibactéria (ACB) nesses casos pode ser especialmente útil para determinar a melhor opção de tratamento. Mais recentemente, tratamentos curtos, por três dias, foram testados e comparados aos cursos clássicos de sete e da dias, com resultados superiores aos tratamentos do tipo dose única. Profilaxia As drogas mais utilizadas com fins profiláticos são nitrofurantoína, ácidos pipernídico e nalidíxico e sulfarnetoxazol- trimetoprima. De maneira geral, a profilaxia deve ser reservada a pacientes que tendem a ter mais do que duas infecções por ano, ou quando há fatores que mantêm a infecção, como cálculos. A dose sugerida é de um comprimido, por noite, ao deitar, ou então três vezes por semana. Quando a ITU estiver relacionada com a atividade sexual pode-se prescren:r um comprimido após cada relação durante três a seis meses. Insuficiência Renal Aguda na Gestante Alvaro Nagib Atallah I nsuficiência renal aguda (IRA) é definida como queda abrupta do ritmo da filtração glomerular. É relevante lembrar que as grávidas têm aumento de ritmo de filtração glomerular (RFG), em cerca de 50%, que já se inicia em torno do segundo mês de gestação, e que a crcatinina na gestação normal está entre 0,6 e 0,7 mg/dL. Elevações aparentemente pequenas na creatinina em gestantes correspondcrn a quedas substanciais na função renal. Por exemplo, grávida com 1,2 mgy'd l, de creatinina tem redução de aproximadamente 50% do ritmo de filtração glomerular. A insuficiência renal aguda associada à gravidez é mais freqüente no primeiro trimestre, geralmente associada a sangramento por aborto espontâneo ou abortamento séptico; no final da gravidez decorre principalmente de corr plicações como perda sanguínea por placenta prévia, deslocamento prematuro de placenta. também possibilidade de diminuição da superfície de filtração glomerular, como nos casos da pré-eclâmpsia e da eclârnpsia, com conseqüente queda do RFG. Nos países desenvolvidos, a incidência de insuficiência renal aguda é estimada em cerca de um caso para cada 10.000 ou 20.000 gestações A taxa de mortalidade associada a insuficiência renal aguda na gestação gira em torno dos 15 a 20% e convém lembrar que, com exceção

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Page 1: Tratamento Profilaxia - Home | Cochrane Brasil · • NEFROLOGIA • 793 da nccrose cortical renal bilateral, em geral as lesões renais são francamente reversíveis e de bom prognóstico

• ATUALIZAÇÃO TERAPtUTICA • MANUAL PRATICO DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO •

Em crianças abaixo de dois anos com ITU recorrenteindica-se UGE, além de uretrocistografia miccional (UCM).

5. Outros Exames:a) Cistoscopia. A cistoscopia também raramente

demonstra lesão corrigível; eb) 19A Secretora. Recentemente tem sido demonstrado

que mulheres com ITU recorrente têm 19A sccrctora(IgAs) reduzida em secreção nasal e também na urina(mas não em saliva), independentemente da presençaou não de bacteriúria, quando de sua determinação.Sugere-se que este seja defeito genérico de mucosasque talvez possa predispor à recorrência da ITU.

Tratamento

Vários agentes antimicrobianos podem ser usados para otratamento de ITU. Entre os mais utilizados por "ia oral e parainfecções não complicadas destacam-se a associaçãosulfametoxazol-trimetroprima (SMZ-TMP), as quinolonas,como nitrofurantoína, ácido nalidíxico, ácido pipernídico e asnovas quinolonas, como norfloxacina, ciprofloxacina, crc.Entretanto, a sensibilidade a estes compostos também variadependendo da população estudada, No ambulatório daDisciplina de Nefrologia da Universidade Federal de São Paulo- Escola Paulista de Medicina, a maioria dos patógenos isoladostem se mostrado pouco sensível à associação SMZ- TMP,fazendo com que as quinolonas sejam mais indicadas paratratamento de infecções não complicadas e profilaxia. As novasquinolonas constituiriam droga de escolha, juntamente com ascefalosporinas, no caso de resistência às quinolonas. Todos osantibióticos bcta-lactârnicos, como penicilina G, arnpicilina,amoxicilina, cefalexina, cefaclor são ativos contra os coliforrnes,mas as cefalosporinas atingem níveis urinários mais elevados.

Nas infecções mais graves, com comprometimentosistêrnico, as cefalosporinas de primeira a terceira geração e osaminoglicosídeos são drogas de escolha.

O grupo das tetraciclinas (tetraciclina, oxitetraciclina,doxiciclina, minociclina) é especialmente efetivo no tratamentode infecções por Chlarnydia, sendo portanto indicados emsíndrornes uretral e prostatite. As penicilinas resistentes à açãode germes produtores de pcnicilinase, como oxacilina, cloxacilinae dicloxacilina, reservam-se ao tratamento de infecçõesestafilocócicas. Infecções por anaeróbios podem ser tratadas comrnctronidazol ou clindarnicina. As cefalosporinas de segunda eterceira geração possuem espectro maior contra bactérias Grarn-negativas, exceto enterococos, e a atividade contra pseudomonasé variável. O grupo dos aminoglicosídeos também é bastanteeficaz para germes Gram-negativos. No entanto, deve-se ter emmente o especial efeito nefrotóxico desses agentes. A robrarnicinaé a menos nefrotóxica do grupo e a arnicacina fornece níveisurinários muito superiores aos da gentamicina.

Deve-se ter em mente que a diluição urinária reduz apopulação bacteriana, mas também a concentração doantibiótico, sendo que a micção remove ambos. Portanto, aeficácia ótima ~~.~cl~Q::;"-~c corre no período pós-miccional, Asconcentrações urinárias dos antibióticos refletem as presentesna medula renal, sendo portanto melhores guias de eficácia doque as concentrações séricas, exceto quando há insuficiênciarenal. As concentrações renais das drogas, por sua vez,dependem do mecanismo de excreção renal, fluxo urinário, pHe função renal. Abscessos tendem a ter pH e p02 reduzidos e apenetração antimicrobiana em cistos também é precária.

Recentemente, a duração ideal da terapia antibiótica emITU tem sido reconsiderada. A utilização de dose única sejustifica pela superficialidade da infecção na rnucosa em cistitebacteriana, concentração do antibiótico pelo rim, resultandoem níveis urinários extremamente elevados, e pelo fato de quase30% dos pacientes submetidos a lavagem vcsical com soluçãode neornicina a 10% terem sido efetivamente tratados. Além domais, a observação clínica de que pacientes aos quais foramprescritas terapêuticas de sete a dez dias, mas que suspenderampor conta própria a medicação após dois ou trés diasefetivamente se curaram, reforça a idéia da dose única. Por outrolado, a desvantagem desse tipo de tratamento é o usoinadvertido em ITU alta não reconhecida, mascarando aprogressão da infecção transitoriamente, com evolução potencialpara pielonefrite.

O uso de anticorpo antibactéria (ACB) nesses casos podeser especialmente útil para determinar a melhor opção detratamento.

Mais recentemente, tratamentos curtos, por três dias,foram testados e comparados aos cursos clássicos de sete e dadias, com resultados superiores aos tratamentos do tipo doseúnica.

Profilaxia

As drogas mais utilizadas com fins profiláticos sãonitrofurantoína, ácidos pipernídico e nalidíxico e sulfarnetoxazol-trimetoprima. De maneira geral, a profilaxia deve ser reservadaa pacientes que tendem a ter mais do que duas infecções porano, ou quando há fatores que mantêm a infecção, comocálculos. A dose sugerida é de um comprimido, por noite, aodeitar, ou então três vezes por semana. Quando a ITU estiverrelacionada com a atividade sexual pode-se prescren:r umcomprimido após cada relação durante três a seis meses.

Insuficiência Renal Aguda naGestante

Alvaro Nagib Atallah

Insuficiência renal aguda (IRA) é definida como quedaabrupta do ritmo da filtração glomerular. É relevante lembrar

que as grávidas têm aumento de ritmo de filtração glomerular(RFG), em cerca de 50%, que já se inicia em torno do segundomês de gestação, e que a crcatinina na gestação normal estáentre 0,6 e 0,7 mg/dL. Elevações aparentemente pequenas nacreatinina em gestantes correspondcrn a quedas substanciaisna função renal. Por exemplo, grávida com 1,2 mgy'd l, decreatinina tem redução de aproximadamente 50% do ritmo defiltração glomerular. A insuficiência renal aguda associada àgravidez é mais freqüente no primeiro trimestre, geralmenteassociada a sangramento por aborto espontâneo ouabortamento séptico; no final da gravidez decorreprincipalmente de corr plicações como perda sanguínea porplacenta prévia, deslocamento prematuro de placenta. Hátambém possibilidade de diminuição da superfície de filtraçãoglomerular, como nos casos da pré-eclâmpsia e da eclârnpsia,com conseqüente queda do RFG. Nos países desenvolvidos, aincidência de insuficiência renal aguda é estimada em cerca deum caso para cada 10.000 ou 20.000 gestações A taxa demortalidade associada a insuficiência renal aguda na gestaçãogira em torno dos 15 a 20%e convém lembrar que, com exceção

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da nccrose cortical renal bilateral, em geral as lesões renais sãofrancamente reversíveis e de bom prognóstico.

O prognóstico da necrose cortical renal bilateral vaidepender do percentual de glomérulos lesados, masnormalmente há proteção dos néfrons mais profundos, osjustaglornerulares, que podem hiperpcrtrofiar-sc, substituindoparcialmente a função dos néfrons corticais perdidos, de formaque o rim tem prognóstico reservado, mas a paciente pode tervida praticamente normal, sem diálise por longo período. Oproblema da insuficiência renal aguda surge em mente sempreque o médico depara-se com paciente em oligúria. Cabe, então,se a redução do volume urinário acompanha-se de queda doritmo de filtração glomerular e aumento da creatininaplasmática, o diagnóstico diferencial entre insuficiência renalpró-renal, renal ou pós-renal. As causas pré-rcnais têm comodenominador comum a redução do fluxo plamático renal após3. redução volêrnica por perda sanguínea, hiperêrnese gravídica,diarréias, hemorragias e em particular dcsitratação, insuficiênciacardíaca e choque, (Quadro 1). Das causas de insuficiênciarenal aguda renal devem entrar no diagnóstico diferencialparticularmente pré-cclâmpsia, cclârnpsia e síndrome Hcllp, quesão apresentações da mesma doença no que concerne àhernodinârnica da paciente, ao fluxo plasmático renal e àanatomopatologia renal. Processo de endoteliose diminui afiltração glomerular, resultando em aumento da crcatinina ,sobrecarga vcntricular esquerda, proteinúria e edema, queraramente requer tratamento dialítico.

A glomenuloriefrire difusa aguda na gestação é deocorrência rara, menos de uma em cada 20 mil gestações. Ascolagenoses podem agravar-se no final da gestação ou apósabortamento com agudização do comprometimento renal.

Como causa pós-renal, em obstetrícia, há de se excluir aligadura do urcrer durante a ccsárca, possibilidade real a serinvestigada; nesses casos geralmente há anúria. Quando aligadura do urctcr é unilateral, o volume urinário se mantém eo quadro clínico se manifesta por complicações da hidronefrose ,a exemplo da pionefrose. Ulrra-sonografia de rins e vias urináriaspode auxiliar o diagnóstico. Na gestação normal há dilataçãourctcral , que se inicia em torno do segundo mês de gestação eque só desaparece dois a três meses após o parto, o que podeconfundir médico menos experiente. Nos países subdesen-volvidos, o aborto séptico é ainda causa freqüente de quadrosdramáticos, que acabam se complicando com insuficiência renalaguda. Em alguns países, como a Índia, 60% dos casos deinsuficiência renal aguda são associados ao abortarnento séptico.O quadro clínico inclui febre, vômitos, diarréias e doresmusculares generalizadas, que geralmente aparecem dois diasapós a tentativa de aborto e acabam evoluindo para quadro dechoque séptico complicado, coagulação in tr avascu lardisseminada e insuficiência renal aguda. Em nosso meio, há dese ressaltar a importância da infecção por Clostridium welshii,anaeróbio que provoca necrose uterina com grande liberaçãode citocinas e instalação rápida do quadro séptico, icterícia,coagulação intravascular disseminada, síndrorne do desconfortorespiratório do adulto, insuficiência renal aguda e morte. Gaborto séptico também pode ser causado pela E. coli e outrosGram-ncgativos.

A pieloncfrite aguda é uma das complicações mais comunsda gravidez e pode agravar lesões renais prcexistcnrcs. Agestação facilita a instalação da infecção urinária que pode evoluirpara pielonefrite aguda em 2% das grávidas. As repercussõesfuncionais da infecção são grandes, pois na gestação a vasculatura

renal tem maior sensibilidade à ação das endotoxinas. A infecçãourinaria pode levar a significativa redução no ritmo de filtraçãoglomerular. As pacientes com piclonefrite aguda devem serhospitalizadas e acompanhadas de perto, para a profilaxia dochoque e demais conseqüências da liberação da endoroxina.Após a infecção estar debelada, as pacientes devem seracompanhadas com cuidado, porque há tendência de apicloncfrite rccidivar, aumentando o risco de abortamento.

A pré-cclâmpsia acomete cerca de 5 a 10% das gestantese tem como su bstrato anatomopatológico renal a presença decndoteliose, com deposição de fatores de coagulação, fibrinana membrana basal, aumento de volume celular glomerular comdiminuição da luz e da superfície de filtração glomerular.Conseqüentemente, há queda do ritmo de filtração glomerulare insuficiência renal aguda de grau variável.

Pré-eclârnpsia grave costuma acompanhar-se de intensahipovolernia, podendo haver também insuficiência cardíaca.Essas pacientes têm grande sensibilidade postura I. Assim,quando se coloca paciente com pré-cclârnpsia grave em decúbitodorsal há queda do retorno venoso, do débito cardíaco e dofluxo plasmático renal, com conseqüente redução do ritmo defiltração glomerular. Com a diminuição do débito cardíaco caiainda mais o ritmo de filtração glomerular e a paciente podeentrar em anúria. O tipo de decúbito na gestação é muitoimportante, tanto na propcdêutica quanto na terapêutica. Oritmo de filtração glomerular aumenta nessas pacientes em tornode 50% quando passam do dccúbito dorsal para o lateralesquerdo. Em alguns casos mais graves, a lesão renal glomcrularpode evoluir para necrose tubular aguda típica ou ainda podehaver processo de CIVD, com nccrose não só tubular agudacomo cortical bilateral. A nccrose cortical bilateral está associadaà CIVD, geralmente relacionada à existência de feto mortoretido, deslocamento prematuro da placenta e aborrarnentoséptico. Em resumo, na pré-cclámpsia a insuficiência renal temcausas múltiplas, há lesão típica (cndotcliose ), diminuição dasuperfície de filtração, maior reatividade vascular , comvasoconstrição e diminuição do fluxo plasmático renal, reduçãode produção de progesterona e prostaciclinas e deficiência deoutras substâncias envolvidas na manutenção do relaxamentovascular adequado. Há ainda hipovolcmia, diminuição do débitocardíaco e maior probabilidade de sangramento ou seqüestrohídrico. Este conjunto de fatores acaba levando à insuficiênciarenal aguda.

Não pode deixar de entrar no diagnóstico diferencial dainsuficiência renal aguda na gestação a síndrorne Hcllp. Hellp é

acrônimo para hernólisc, cnzirnas hepáticas elevadas e baixa decontagem de plaquctas; é variante da forma grave da pré-cclârnpsia, com aumento do risco e piora do prognóstico. Nessescasos, a insuficiência requer diálise. Essas pacientes, em geral,são prirnigestas que vêm evoluindo bem e subitamente começama desenvolver ederna, com aumento ou não da pressão, além dedor epigástrica. A dor epigástrica em geral é dor de expansão dacápsula hepática, com tendência a sangramento que podeterminar em ruptura hepática. Temos observado que clínicos eobstetras acabam demorando muito para pensar no diagnó rico,e as pacientes evoluem para óbito com insuficiência renal aguda,ruptura hepática com hematoma subcapsular e morte.Obviamente na pré-cclâmpsia e na sindrorne Hellp o tratamentomais importante é a realização do parto, sem perda de tempo.O diagnóstico precoce é fundamental para os prognósticosmaterno e fetal. A dor epigástrica na gestante tem valor clínicoimportante e requer que sempre seja feito o diagnóstico

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794 • ATUALIZAÇÃO TERAPÊUTICA· MANUAL PRÁTICO DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO •

diferencial de síndrome Hellp, esteatose hepática aguda dagestação e eclâmpsia eminente. O tratamento da insu~ciênciarenal aguda na síndrome Hellp obedece aos crrte nos dainsuficiência renal aguda, em geral com reposição da volernia,quando necessária, fornecimento de fatores de coagulação,concentrados de plaquetas, fator V1II, plasma fresco congelado

para melhorar a coagulação e cerceamento de hemorragias.Plasmaférese e prostaciclinas também podem ser úteis nos casosmais graves. A indicação da diálise vai depender do grau dedisfunção renal, das condições hcmodinârnicas e do balançohidroeletrolítico, que obedecem aos mesmos critérios utilizadosfora da gestação.

TIPOS

QUADRO 1 - IRA na gestação

CAUSAS

Pré-renais

Renais

Pós-renais

DPP - Deslocamento prematuro de placentaG. DA . Glomcruloncfrire difusa aguda

A esteatose hepática aguda na gestação foi descrita até adécada de 80 como doença rara, freqüentemente fatal;atualmente, admite-se que ocorra aproximadamente 1 em cada13.000 partos. O índice de mortalidade materna está em tornode 10 a 20%. A incidência aumentada provavelmente deve-se àmelhora do diagnóstico e da sobrevivência dessas pacientes,com diagnóstico precoce. É doença que às vezes se confundecom pré-cclârnpsia. A paciente tem ederna, há aumento discretoda pressão arterial, seguido de manifestações hemorrágicas,icterícia, hipoglicemia e insuficiência renal. A esteatose hepáticaaguda da gestação é mais freqüente na paciente com gestaçãogemelar. A doença começa com náuseas, vômitos, fadiga e dorabdominal, seguidos de febre e icterícia, podendo ocorrerencefalopatia hepática. Complicação freqüente é a hipoglicemiae há que se monitorar a glicemia das pacientes, mantendo-ascom soro glicosado para prevenir hipoglicemia prolongada.Algumas pacientes convulsionam, quando se faz o diagnósticoduvidoso de cclârnpsia (pode ser hemorragia, hipogliccmia ouhiponatremia). As pacientes, em alguns casos, desenvolvemsangramento decorrente da CIVD e podem evoluir compancreatite aguda. Recentemente, observamos paciente queevoluiu com insu+ciência hepática, pancreatite e insuficiênciasrenal e respiratória. No quadro inicial, apresentava tambémicterícia, aumento das aminotransferases e da amilase. Narealização do parto observou-se pâncreas e epíploon compatíveiscom pancreatite aguda. A paciente apresentou sinais decoagulapatia de consumo durante três semanas, porém evoluiubem e teve alta na quarta semana da internação. Geralmente,pacientes com estcatose hepática da gestação apresentam

Perdas sanguíneas (DPP, placenta prévia, aronia utcrina )Hipercmese gravídicaInsuficiência cardíacaChoque

Hipofluxo renal prolongadoPré-eclâmpsia z EclârnpsiaDPPSíndrome HellpEsteatose hepática aguda da gestaçãoAbortamento sépticoSíndrome hcrnolítico-urêrnica

ColagenosesGNDADrogas: aminoglicosídeos, antiinflarnatórios

Ligadura ureteralCálculo urcteral de rim único

trombocitopenia e anemia hemol ítica microangiopáticaHiperucicemia é freqüente mente observada. Como naspacientes com pré-cclâmpsia, entendemos que a queda dadepuração do ácido úrico decorre, pelo menos em parte, dadiminuição da progesterona conseqüente à insuficiênciaplacentária. Insuficiência renal aguda acomete 50% dos casos.o volume urinário tende a manter-se, respondendo a infusãode volumes e aos diuréticos. Quando a insuficiência renal émais grave, diálise pode ser indicada.

A esteatose hepática aguda é emergência médica, assimcomo a síndrorue Hellp , e deve ser lembrada em todas aspacientes com dor abdominal cpigástrica, vômito, com algumgrau de disfunção renal (Quadro 2). A biopsia de fígado.quando possível, fecha o diagnóstico, que pode também seravaliado com o auxílio da ultra-sonografia pós-parto. Deve-setambém, nestas pacientes, fazer o diagnóstico diferencial comhepatites virais e coledocolitíase. A ultra-sonografia éextremamente importante. O principal diagnóstico diferencialda csteotose aguda da gestação deve ser feito com hepatitefulminante.

O exame anatomopatológico hepático mostra infiltraçãogordurosa sem necrose r.'~.l.pf0('::ssc inflamatório. No rim nãohá alterações características; pode haver infiltração gordurosanas células tubulares. Verificam-se sinais compatíveis comnecrose tubular aguda quando o processo é mais intenso. Apatogênese da esteatose hepática aguda não está bem definida;fatores virais e nutricionais podem ter algum papel na doença.

O tratamento não é específico e resume-se na realizaçãodo parto, em controlar a hernodinârnica, tratar as complicações

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QUADRO 2 - Diagnóstico diferencial entre pré-eclâmpsía grave, síndrome Hellp, esteatose hepática aguda da gestação e hepatite fulnúnante"~~

Pré-eclâmpsiaj

Eclârnpsia

Síndrome Hellp

Esteatose hepática agudana gestação

Hepatite fulminante

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796 • ATUALIZAÇÃO TERAPtUTICA • MANUAL PRATICO DE DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO •

sépticas que freqüentemente se associam ao quadro, tratar aencefalopatia hepática, prevenir e tratar a hipoglicemia ecorrigir a coagulação. A transfusão de plasma fresco pode serútil na correção do processo hemorrágico. Considera-se arealização imediata do parto fundamental no prognóstico dadoença.

Insuficiência renal aguda pode também manifestar-se apóso parto, na forma de insuficiência renal idiopática pós-parto,forma rapidamente progressiva. Já foi referida comoncfrosclerose maligna pós-parto e também como coagulaçãointravascular pós-parto, insuficiência renal pós-parto comanemia hernolítica ou síndrome hcmolítica pós-parto. Ocorrelogo após a gestação ou algumas semanas após, em gestanteaparentemente normal.

O quadro clínico inicia-se com processo que lembraprocesso viral, oligúria progressiva, insuficiência renal e anúria;a pressão arterial sobe lentamente, evoluindo para formas gravesde hipertensão. As pacientes desenvolvem insuficiência cardíaca,anemia hemolítica e insuficiência renal. Raramente há sinais deCIVD.

O prognóstico de insuficiência renal aguda idiopática pós-parto é ruim. Em estudo de 49 pacientes com a doença osautores relataram morte de 61% das pacientes, sendo que 12%tiveram insuficiência renal terminal, que requereu tratamentocom hernodiálise. A utilidade da biopsia renal deve ser avaliada.Algumas evidências sugerem que a insuficiência renal agudaidiopática pós-parto possa estar associada à presença doanticoagulante lúpico circulante, mesmo em pacientes que nãotenham lúpus, de forma que vale a pena sempre pesquisar apresença do anticoagulante lúpico e de anticorposanticarditipina. Quando esses fatores estão presentes, aanticoagulação é ainda mais justificada.

Indicação de Diálise na Insuficiência Renal Aguda naGestação

A indicação de tratamento dialítico deve serparticularmente precoce durante a gestação. É sabido que ofeto está sob alto risco de morte sempre que os níveis de uréiaestão acima de 60 mg/dL. Portanto, nos casos em que o feto éainda inviávcl (gestação com menos de 32 semanas), otratamento dialítico visa proteger o feto e deve ser programadoantes do parto, como nos casos de insuficiência renal agudapor pielonefrite, causas pré-rcnais e drogas.

Quando a insuficiência renal tem causa associada àgestação, como na pré-eclârnpsia, na síndrome Hellp e naestcatose hepática aguda, a realização do parto é o melhortratamento e a indicação da diálise deverá ser avaliada, como namulher não- grávida.

Costumamos indicar diálise quando a creatinina estáacima de 3 mg/dL e não há prognóstico de melhora a curtoprazo. A diálise pode ser peritoneal intermitente ou peritonealdo tipo arnbulatorial continuo, cnn1 colocação cirúrgica docateter sob visão direta. Hcrnodiálisc pode ser tambémrealizada, de preferência sem uso de hcparina, com banhos debicarbonato de sódio, para prevenção de fenômenoshipotensivos, com cuidados na prevenção de distúrbioscletrolíricos.

O tratamento dialítico será suspcnso quando a creatininaplasmática baixar e se estabilizar abaixo de 3 mg/dL.

Biologia Molecular emNefrologia: IndicativosTerapêuticos

Mirian Aparecida BoimNestor Schor

As mutações genéticas herdadas causadoras de doençasgenéticas não são, obviamente, as únicas responsáveis pelas

doenças humanas, mas o desenvolvimento de muitas delas,definidas como "não-genéticas", como câncer, úlcera,tuberculose ou sífilis está associado com "carga" genética. Alémdisso, a suscctibilidadc de o indivíduo tornar-se resistente adeterminado tratamento ou desenvolver roxicidadc, s50 tambémexemplos de situações geneticamente determinadas.

A incorporação de técnicas em biologia molecular emtodas as áreas da medicina tem trazido avanços incontestáveispara o melhor entendimento das doenças humanas; oconhecimento dos genes, bem como dos eventos molccularcsenvolvidos nas desordens da função renal, está se expandindorapidamente, de tal maneira que as aplicações dessa metodologiatambém para o tratamento atingem importância fundamental.O progresso na terapia gênica, em especial para doençashereditárias, geneticamente mais bem caracterizadas, tem sidosubstancial. Neste capítulo abordaremos os principais conceitose problemas envolvidos na terapia gênica, bem como osdirecionarncntos em termos de terapêutica molecular paraalgumas algumas renais.

Estrutura dos Genes e sua Expressão

Virtualmente, todas as células somáticas de um indivíduopossuem exatamente o mesmo genoma, composto por algoentre 50.000 e 100.000 genes. Apesar do avanço do ProjetoGenorna Humano, vale salientar que apenas 2.000 a 3.000destes genes foram caracterizados e localizados em regiõesespecíficas do cromossomo até o presente momento. Assim, osgenes são definidos como seqüências de bases (ou nucleotídeos)ao longo do cromossorno, as quais codificam as proteínas pormeio da síntese prévia do RNA mensageiro correspondente.Os genes são separados, de maneira geral por longas seqüênciasde bases não-codificadoras (regiões intcrgênicas). Embora todasas células possuam os mesmos genes, sua expressão obedece asinal tecido-específico, ou seja, nem todos os genes estão ativosem todas as células o tempo todo. Basicamente é isso quediferencia uma célula de outra ou um tecido de outro. Assim,há genes que jamais serão expressos em determinada célula,embora existam no crornossorno desta célula. Este mecanismode regulação da expressão gênica é bastante complexo e podeenvolver um ou vários grupos de genes, definidos comoregulatórios. Estes genes regulatórios funcionam como sistema"liga/desliga" em resposta aestímulos internos ou externos.Além dos genes regulatórios, todo gene possui uma ou maisregiões regulatórias intrínsecas. Em nossa analogia, essa regiãoseria o interruptor; exemplo clássico desse tipo de generegulatório é aquele que codifica fosfoproteína nucleardenominada p5 3. Esta proteína, codificada por um genesupressor de tumor, liga-se a locais específicos do DNA,controlando a expressão de vários outros genes,fundamentalmente aqueles envolvidos no controle do ciclocelular. Mutações neste gene têm sido implicadas pelo