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Fisiologia Vegetal/IB/DCF/UFRuralRJ Transporte Transmembrana 1o semestre 2003
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UFRRJ
INSTITUTO DE BIOLOGIA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS FISILÓGICAS
FISIOLOGIA VEGETAL - IB 311
TRANSPORTE TRANSMEMBRANA
1. Introdução
Todas as células metabolicamente ativas (procarióticas e eucarióticas), apesar de
possuírem uma enorme diversidade funcional e anatômica, possuem estruturas semelhantes que as
delimitam fisicamente. Estes limites são feitos por uma membrana externa, chamada membrana
plasmática ou plasmalema, responsável pelo controle do trânsito de quaisquer substâncias entre o
interior e o exterior celular, entre outras funções. Desta forma, as células conseguem atingir a
diferenciação bioquímica e estrutural através da compartimentalização interna, dirigida pelas
membranas, formando um sistema metabólico complexo e integrado. A compartimentalização é um
princípio funcional geral da organização celular, servindo para ordenar e direcionar todos os
processos metabólicos, evitando redundância de funções e gastos metabólicos desnecessários.
Dentro da célula, as membranas do retículo endoplasmático, aparelho de Golgi, mitocôndrias e
outras organelas envoltas por membrana, mantêm as diferenças características entre os conteúdos
de cada organela e o citosol. A presença do conjunto das enzimas do ciclo de Calvin e do ciclo dos
ácidos tricarboxílicos (Ciclo de Krebs) nos cloroplastos e mitocôndrias, respectivamente, são
exemplos de compartimentalização.
Apesar das células procarióticas e eucarióticas serem limitadas externamente pela
plasmalema (alguns virus também possuem membrana), a célula eucariótica é muito mais complexa
que a célula procariótica (e muito maior). A diferença fundamental entre os tipos celulares
procarióticos e eucarióticos, é a existência de numerosos sistemas de membranas e organelas
(limitadas por membranas) nas células eucarióticas, muito semelhantes em todos os tipos celulares.
Todas as membranas biológicas têm uma estrutura geral comum: é um filme muito fino de lipídios e
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de proteínas mantidas juntas principalmente por interações não covalentes. Estas membranas
possuem uma típica estrutura de três camadas, sendo uma camada hidrofóbica central e duas
camadas hidrofílicas externas. Esta organização permite uma permeabilidade seletiva,
característica fundamental das membranas biológicas, e propriedade funcional que permite a
regulação quantitativa, qualitativa e direcional do transporte de substâncias através da plasmalema,
do tonoplasto e dos demais compartimentos intracelulares. Porém, devido à diversidade de funções
especializadas dirigidas pelas membranas biológicas, a permeabilidade seletiva não é sua única
função na célula.
Além da função regulatória do movimento de substâncias entre os lados das membranas
(transporte transmembrana), as membranas biológicas são também sítios de recepção e
tradução de sinais químicos e físicos do meio ambiente, e das condições metabólicas internas do
organismo. Além disso, as membranas abrigam enzimas, pigmentos e proteínas responsáveis por
processos biossintéticos vitais como, por exemplo, as enzimas responsáveis pela polimerização
dos glicídios da parede celular, os pigmentos fotossintéticos organizados em complexos protéico
(antenas) e o sistema de proteínas redox vinculadas ao fluxo de elétrons da fotossíntese e da
respiração celular.
O modelo que melhor representa as propriedades físico-químicas e biológicas das
membranas é denominado Modelo do Mosaico Fluido. De acordo com este modelo, as
membranas são comparadas a uma solução bidimensional na qual os lipídios e proteínas têm um
considerável grau de liberdade para movimentação (Figura 1). As membranas celulares são portanto
estruturas dinâmicas, fluidas, e a maior parte de suas moléculas são capazes de mover-se no plano
da membrana. Todas as membranas celulares apresentam a mesma estrutura básica que consiste em
uma bicamada lipídica contínua com cerca de 5nm de espessura, na qual estão embebidas
proteínas, muitas das quais se estendem através da membrana lipídica, sobressaindo em ambos os
lados da membrana, denominadas proteínas integrais da membrana. Outras proteínas,
denominadas periféricas se projetam da bicamada lipídica para a superfície interna ou externa das
membranas. Essa bicamada lipídica fornece a estrutura básica da membrana e atua como uma
barreira relativamente impermeável à passagem da maioria das molécula hidrossolúveis. A enorme
diversidade funcional que as membranas celulares apresentam encontra-se associada à diversidade
de suas proteínas que podem ser estruturais, enzimas, receptores, transportadores, canais ou
bombas eletrogênicas (Figura 1).
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Domínio lipídico gelatinososem a presença de
proteínas
Domínio lipídico fluido comagregações de proteínas de
membrana
Bic
amad
a lip
ídic
a
Exteriorcelular
Interior celular(citoplasma)
Proteínas periféricasde membrana
Proteína integral demembrana
Ramificações de oligossacarídeos deglicoproteínas
Proteína ancoradana cadeia lipídica
Plano central dabicamada lipídica
Figura 1 - Representacão esquemática de uma membrana biológica - Modelo do Mosaico Fluido, com a dupla camada lipídica e incrustrações protéicas (baseado em Buchanan et al., 2000).
A maioria dos lipídios que compõem a membrana são fosfolipídios dos quais
predominam: fosfatidilcolina, esfingomielina, fosfatidilserina e fosfatidiletanolamina. Os fosfolipídios
são moléculas anfipáticas (possuem regiões hidrofílicas e regiões hidrofóbicas), com fosfato em
suas moléculas. Nestas moléculas, duas cadeias de ácidos graxos estão ligadas ao glicerol formando
a porção hidrofóbica, enquanto o grupo polar se liga à cadeia de glicerol por uma ligação
fosfodiéster. Dependendo da molécula que se liga ao grupo fosfato teremos um determinado tipo de
fosfolipídios. Se for a base nitrogenada colina temos a fosfatidilcolina ou lecitina; se for serina,
fosfatidilserina e se for etanolamina, fosfatidiletanolamina. Os ácidos graxos constituintes dos
fosfolipídios são ácidos orgânicos, na sua maioria de cadeia longa (em geral com 14 a 24 C sempre
em número par) e podem apresentar a cadeia hidrocarbonada saturada ou insaturada. A cadeia
saturada do ácido graxo possui apenas ligações simples entre os carbonos. A cadeia insaturada
pode possuir uma ou mais ligações duplas. A dupla ligação faz com que haja uma dobra na molécula
por conta dos ângulos que se formam entre os carbonos na dupla ligação (Figura 2).
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H3C
H3CH3C
N+
CCH
HC
HH
OP
OO
OC
HH
CCH
HH
OOC
H2C CH2
C
O
O
H2C
H2C
H2C
H2CH2C
H2C
H2C
CH2
CH2
CH2
CH2
CH2
CH2
CHH
H2CH2C
H2C
H2CH2C
HC
CH2
CH2
CH2
CH2
CH2
CH
CH2H2CH3C
CH2
CH2
Colina
Fosfato
Glicerol
Insaturação(ligação dupla cis)
Grupo polar
Gru
po a
pola
r
Grupo carboxílico
Cadeia dehidrocarbonetos
Figura 2 - Representacão das moléculas constituintes dos fosfolipídios e dos ácidos graxos, com uma cadeia saturada e outra insaturada (monoinsatursada). Destaque para a insaturação.
2. Transporte de solutos através das membranas
Quando procuramos compreender o transporte de uma determinada substância através
das membranas celulares temos que considerar, primeiramente, as propriedades físico-químicas das
moléculas que serão transportadas, a saber:
• polaridade e tamanho da molécula;
• presença de cargas;
As membranas biológicas são barreiras seletivas à passagem de elementos químicos
(íons e moléculas sem carga elétrica), e possuem locais específicos (proteínas específicas) para o
transporte de cada soluto. Entretanto, moléculas apolares de pequeno diâmetro (como O2) ou
moléculas polares pequenas (como CO2 e H2O) podem atravessar as membranas celulares
livremente por difusão. A observação de que moléculas hidrofóbicas podiam se difundir facilmente
através da membrana plasmática forneceu a primeira evidência sobre a natureza lipídica da
membrana. Por outro lado, a maior parte das substâncias que as células necessitam para manter seu
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metabolismo são polares (ex: glicose, frutose) ou carregadas eletricamente (íons). Para estas
moléculas, a matriz lipídica da membrana representa uma barreira significativa.
Nas células, o transporte de moléculas polares e de íons é mediado por proteínas
especializadas no transporte. Normalmente a proteína transportadora é específica para determinado
íon (ex: K+ ou Na+) ou molécula (ex: sacarose ou determinado aminoácido), residindo aí o caráter
altamente seletivo das membranas celulares. A seletividade e acúmulo de certas substâncias dentro
ou fora das células ocorre através da ação de proteínas (do tipo integrais) relativamente específicas
para determinado elemento íon ou molécula. As proteínas transportadoras podem ser agrupadas em
três classes: canais, carreadores e bombas (Figura 3).
Canal
Carreadores
Alto
Gradiente eletroquím
ico
Energia
Difusão facilitada
Difusãosimples
Transporte passivo Transporte ativoBaixo
(a) (b)(c)
(d)
H+
Transporte ativo
Primário
Secundário
(e)Bomba
Figura 3. Mecanismos de transporte de moléculas através das membranas biológicas: (a) Difusão através da matriz lipídica; (b) Canais; (c) e (d) Carreadores e (e) Bombas eletrogênicas.
As bombas são proteínas integrais ativadas por energia química (ATP) ou luminosa.
Atualmente são conhecidas bombas da plasmalema do tipo H+-ATPases e Ca2+-ATPases, e
bombas do tonoplasto do tipo V-ATPases e V-PPases (ATPases e pirofosfatases vacuolares).
Nas células vegetais, as bombas de prótons (H+-ATPases) utilizam a energia liberada pela hidrólise
do ATP para transportar um próton através da membrana. Na plasmalema e no tonoplasto
funcionam continuamente H+-ATPases bombeando prótons para fora das células (em outras
palavras, jogando prótons para a parede celular no caso das bombas localizadas na plasmalema) ou
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para dentro dos vacúolos (bombas localizadas no tonoplasto), respectivamente. Estas bombas
também são chamadas de bombas eletrogênicas, por gerarem diferenças de potencial elétrico
através das membranas, sendo responsáveis pela geração de um gradiente de prótons através das
membranas (transporte ativo primário). O transporte de inúmeras substâncias químicas através
das membranas vegetais, mediada por carreadores, encontra-se acoplado à existência deste
gradiente de prótons (transporte ativo secundário). Desta forma, o transporte feito contra um
gradiente de concentração é realizado a favor de um gradiente energético ou de potencial elétrico,
promovido pelas bombas eletrogênicas ou ATPases (Figura 4).
Figura 4 - Modelo esquemático do transporte ativo primário, realizado pelas ATP-ases, gerando um gradiente transmembrana de potencial elétrico. As ATPase são responsáveis pelo acúmulo de H+ no exterior das células vegetais (baseado em Buchanan et al., 2000)
Os canais são proteínas complexas que possuem sítios de translocação (poros que
atravessam as membranas) para íons específicos, os quais podem ser abertos ou fechados por
alterações na conformação da proteína. Os canais possibilitam a passagem de um grande número de
íons, sempre a favor de um gradiente de potencial eletroquímico (diferenças de concentração de
íons e de potencial elétrico), e funcionam como um portão. O tamanho do poro e a densidade das
cargas na superfície interior do canal determinam a afinidade do íon a ser transportado, em uma
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região do canal denominada filtro de seletividade . Um único canal aberto pode permitir a
passagem de mais de 100.000.000 de íons (108 íons) por segundo. Entretanto, os "portões" abrem
ou fecham o canal em resposta a estímulos externos, além do tempo de abertura de um canal ser
muito curto (Figura 5).
á
â â
á
+++ + + +
Exterior
Interior
Alto
Gradi
ente
el et r oquí mi co
BaixoSubunidade
principalSubunidadereguladora
Portão
Filtro deseletividadeK+ K+
K+
K+
K+ K+K+K+
Canal iônico aquoso
Figura 5. Modelo esquemático do canal iônico de potássio. O canal é composto por um tetrâmero protéico, formado pelas subunidades α. Estas subunidades contém o filtro de seletividade e o portão dependente de voltagem. O portão dependente de voltagem é formado por aminoácidos básicos, que conferem as cargas positivas e permitem a resposta a variações ao potencial transmembrana com a abertura ou o fechamento do canal. As subnidades β nem sempre estão presentes (baseado em Taiz e Zeiger, 1998).
A desativação, ou fechamento de um canal de transporte iônico, ocorre quando existe uma
baixa diferença de potencial eletroquímico (corrente elétrica) entre os lados da membrana. A
inativação de um canal iônico se refere ao fechamento permanente de um canal, mesmo a membrana
estando sob potenciais de formação de corrente elétrica, e pode ocorrer por interações do canal
transportador com um íon inespecífico (como íons de metais pesados). A difusão (passagem) dos
íons através de um canal é controlada de forma bastante eficiente pelos os "portões" do canal, que
são proteínas sensoras do potencial eletroquímico transmembrana. Estas proteínas permitem que o
potencial eletroquímico transmembrans seja retificado a valores definidos, quando os canais
encontram-se abertos (ou ativos). Existem evidências da existência de canais para o transporte de
K+, Cl-, NO3-, Ca++ e íons orgânicos como o malato.
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Os carreadores, por sua vez, transportam íons ou moléculas polares individualmente
através das membranas aumentando em 100 a 1.000.000 vezes a sua permeabilidade quando
comparado exclusivamente com a matriz bilipídica (ausência dos carreadores). Neste caso, os
carreadores se ligam a uma molécula ou íon em um lado da membrana e sofrem modificações
conformacionais, liberando este elemento do outro lado da membrana (Figura 6). Sendo a
velocidade do transporte da ordem de 105 íons por segundo; isto representa uma capacidade de
transporte 1000 vezes menor do que a de um canal. Estes transportadores ou carreadores são
seletivos, trabalham no transporte de poucas espécies iônicas, e estão presentes nas membranas da
plasmalema e do tonoplasto, e realizam o transporte destas espécies de um lado para outro da
membrana utilizando a força próton motriz gerada pelas bombas eletrogênicas, para realizar
transportes contra gradientes eletroquímicos.
NH4+
H+
Interior
Interior
Exterior
Exterior
1) 2)
3) 4)
Figura 6. Representação esquemática do transporte transmembrana realizado por um carreador, contra um gradiente de concentração do soluto, mas a favor de um gradiente de potencial elétroquímico. (1) Proteína transportadora apresentando os sítios de transporte livres; (2) Interação elétrica entre um próton e a proteína transportadora, expondo o sítio de ligação com o soluto que não possui carga elétrica; (3) Mudança conformacional da proteína transportadora, exponto tanto o soluto quanto o próton para o outro lado da membrana aonde são liberados; (4) A proteína transportadora reassume sua conformação relaxada (baseado em Taiz e Zeiger, 1998).
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No transporte de moléculas através dos carreadores ocorre ligação da substância a ser
transportada nos sítios específicos da proteína carreadora, provocando uma mudança
conformacional da proteína e expondo a molécula ao outro lado da membrana onde dissocia-se da
proteína transportadora. Devido à esta necessidade de mudança conformacional da proteína
transportadora, a velocidade de absorção de uma molécula é dependente não só de sua
concentração no meio, mas também da quantidade e da eficiência (taxa de “turn over”) do
transportador em relação à molécula transportada. Portanto, o transporte mediado por carreadores
está sujeito aos fenômenos de saturação, inativação, competição, inibição, etc., dos transportadores
responsáveis por esta absorção. A cinética de absorção de íons e moléculas transportadas por
carreadores pode ser estudada utilizando-se o modelo de Michaelis-Menten para sistemas
enzimáticos. Este modelo é caracterizado pela relação hiperbólica entre a velocidade de transporte
de uma substância e a sua concentração na solução. Estudos da cinética de absorção de uma
determinada molécula permitem conhecer a afinidade do carreador em relação à molécula
transportada (Km) bem como a sua velocidade máxima (Vmax) de absorção (Figura 7).
Vmax
Vel
ocid
ade
de tr
ansp
orte
Concentração da solução
Figura 7. Representação esquemática das relações entre a velocidade de transporte (absorção) de um determinado íon e sua concentração externa; em Cmin, a absorção líquida é zero (influxo = efluxo); Km representa a concentração do íon onde a velocidade de transporte é metade da velocidade máxima;
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Vmax é a máxima velocidade de transporte da espécie iônica determinada pela concentração de saturação do transportador.
A Vmax representa o ponto aonde todos os transportadores estão saturados, ou seja, cada
transportador está associado a uma uma molécula para transporte. Neste ponto, a velocidade de
transporte torna-se independente da concentração da espécie iônica na solução. A ciinética de
Michaelis-Menten pode ser descrita na equação:
v = Vmax [S] Km + [S]
Onde v é a velocidade de transporte de uma espécie iônica, Vmax é a velocidade máxima
de transporte (em uma concentração infinita da espécie iônica) e Km (que é dependente de Vmax)
representa uma constante característica para cada sistema transportador (ou sistema enzima-
substrato), e está relacionado com a constante associação do transportador (ou enzima) pela
espécie iônica (ou substrato), sendo portanto uma medida de afinidade. A determinação de Km é
feita pela determinação da concentração da espécie iônica que satura metade dos transportadores
para este íon, sendo a concentração do íon a Vmax/2. Quanto menores os valores de Km para uma
classe de transportadores, maior será a afinidade destes transportadores pela espécie iônica.
Caracteristicamente, capacidade de absorção de nutrientes por uma espécie vegetal é
herdada geneticamente. Esta característica é função da capacidade da espécie vegetal perceber
concentrações específicas de moléculas presentes na solução do solo, e promover a absorção
seletiva destas moléculas em concentrações adequadas e não limitantes ao crescimento. Para isso,
diversas estratégias foram naturalmente selecionadas por um sem número de espécies de plantas,
para suprir as carências de determinado nutriente na solução do solo. A acidificação e/ou a seleção
da microbiota associada à rizosfera, a associação com microrganismos benéficos como fungos
micorrízicos e bactérias fixadoras de nitrogênio atmosférico, o aumento no conteúdo de matéria
seca destinado às raízes visando um aumento no volume de solo explorado, entre outros fatores,
promovem um incremento no quantidade e velocidade bruta de assimilação de nutrientes. Estes
fatores contudo não são completamente entendidos, e tampouco atuam diretamente nos
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transportadores isoladamente. A capacidade final de absorção de um determinado nutriente resulta
da carga genética total da planta.
3. Termodinâmica do transporte
3.1 - Transporte ativo: O transporte de uma molécula polar ou íon do ambiente exterior
para o interior da célula ou vacúolo e vice-versa é considerado ativo quando ocorre contra um
gradiente de potencial químico (molécula apolar) ou eletroquímico (íons). Se o transporte é ativo,
deverá haver introdução de energia no sistema para que o fluxo ocorra contra o gradiente de
potencial químico ou eletroquímico.
O transporte ativo pode ser caracterizado como primário ou secundário. O transporte é
ativo primário no caso do transporte de H+ ou Ca2+ pelas bombas que consomem energia
bioquímica (ATP) diretamente no transporte; é ativo secundário quando o transporte da substância
depende do gradiente de prótons (força proton-motriz) gerado através da ação contínua das
bombas eletrogênicas. Diz-se que o transporte ativo secundário encontra-se acoplado e dependente
do gradiente de prótons gerado no transporte ativo primário. Por exemplo, carregamento de
sacarose no floema se dá forma ativa, por transporte ativo secundário, em cotransporte com H+.
3.2 - Transporte passivo: O transporte de moléculas polares e íons é passivo quando
ocorre a favor de gradientes químicos e eletroquímicos, respectivamente. Em células animais e
vegetais, íons podem ser transportados passivamente através de canais iônicos ou por carreadores.
No caso de solutos apolares e polares, para se definir o tipo de transporte em termos
energéticos, basta considerar a diferença de concentração da substância estudada entre
compartimento celulares separados por membranas. Assim, o transporte será passivo quando
ocorrer a favor do gradiente de potencial químico, ou seja, quando ocorrer a passagem desta
substância do meio mais concentrado para o meio onde há menor concentração. Para substâncias
não carregadas eletricamente, o equilíbrio será atingido quando a concentração interna celular for
igual à concentração externa à célula.
Transporte de ions
No caso de substâncias carregadas eletricamente deve-se levar em consideração o efeito
da concentração (potencial químico) e o efeito das cargas envolvidas (potencial elétrico). O
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potencial elétrico é relevante porque o citoplasma é carregado negativamente em relação ao meio
extracelular e aos vacúolos devido à atividade das bombas eletrogênicas e proteínas que acumulam
cargas negativas devido ao pH citoplamático. O equilíbrio fisiológico celular depende da
manutenção do potencial de membrana de cada tipo de célula (En). Qualquer desequilíbrio de
cargas entre o citossol e o meio externo é prontamente corrigido pelo metabolismo celular. Assim
sendo, no transporte das substâncias carregadas eletricamente, o equilíbrio só será atingido quando
a força que promove o fluxo dessas substâncias a favor do gradiente de potencial químico for
equivalente à força que favorece o fluxo dessas mesmas substâncias a favor do gradiente elétrico,
mantendo do potencial de membrana constante (Figura 8).
H+
H+
H+
H+íons inorgânicos,açúcares e aminoácidos
Cátion
Ânion
VacúolopH 5,5
GolgipH 3,6
Mitocôndria
Cloroplasto
CitoplasmapH 7,5
Na+
Ca++
H+
H+
Figura 8. Representação esquemática de alguns dos mecanismos utilizados para a manutenção do potencial eletroquimico transmembrana constante (baseado em Buchanan et al., 2000)
Para maior compreensão do transporte de substâncias carregadas eletricamente, o
pesquisador Nernst desenvolveu uma equação na qual ele combinava tanto o potencial químico
quanto o potencial elétrico para explicar o equilíbrio iônico celular, possibilitando o cálculo dessa
interação de forças. A equação de Nernst mostra a relação entre as concentrações internas e
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externas de uma espécie iônica e as diferenças de potencial elétrico através da membrana quando o
equilíbrio é atingido. Considerando-se esta equação, temos três variáveis mensuráveis pela utilização
de metodologias próprias (potencial de membrana é determinado com microeletrodos e
concentração dos íons nos lados da membrana através de métodos químicos analíticos). A equação
determina que:
∆En = - 2,3 x R x T x log Ci/Ce z x F Onde:
∆En : potencial transmembrana (ÄEn = diferença de potencial elétrico entre o
apoplasto e o interior da célula vegetal)
R : constante dos gases
T : temperatura absoluta (oK)
z : valência do íon
F : constante de Faraday
Ci / Ce : concentração interna do íon / concentração externa do íon
Para o transporte de um íon monovalente a 25oC, teremos:
∆En = 59 x log Ci/Ce
No equilíbrio, uma diferença de concentração de 10 vezes de um ion monovalente, através
da membrana, equivale a uma diferença de potencial elétrico de -59 mV (a 25oC)
A equação de Nernst tem aplicação prática. Ela permite prever se um determinado ion
esta sendo transportado de forma ativa ou passiva. Pela equação de Nernst, tendo-se o potencial de
membrana (∆En) e a concentração externa do íon poderemos calcular a concentração interna
esperada deste íon quando o sistema encontra-se em equilíbrio (concentração calculada - Ccal). Ao
compararmos a concentração interna observada de um íon (Cobs) com o valor calculado pela
equação de Nernst (Ccal) poderemos saber se o transporte daquele íon foi ativo ou passivo. A Cobs
é determinada através de métodos químicos de análise das células estudadas(Tabela 1).
Cobs = Ccal ⇒ transporte passivo
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Cobs ≠ Ccal ⇒ transporte ativo (pode ser influxo ou efluxo)
Tabela 1: Uso da equação de Nernst para verificar se a absorção de ions em raízes de ervilha (Pisum sativum) é ativa ou passiva. A diferença de potencial elétrico entre a solução e as células da raiz foi determinada com auxílio de microeletrodos e apresentou valores médios de –110 mV (Salisbury & Ross, 1992).
Íon Conc. externa
(mM)
Conc.
Calculada (mM)
Conc. observada
(mM)
Tipo de
Transporte
K+ 1,0 74 75 Difusão (passivo)
Na+ 1,0 74 8 Efluxo (ativo)
Ca2+
1,0 5400 1,0 Efluxo (ativo)
NO3
- 2,0 0,027 28 Influxo (ativo)
H2PO4
- 1,0 0,014 21 Influxo (ativo)
SO4
-2 0,25 0,00047 9,5 Influxo (ativo)
K+ : Ccal = Cobs ⇒ segundo a equação de Nernst, o transporte é passivo (difusão), uma vez que
os valores calculados e observados são semelhantes. Isto indica que o transporte é
espontâneo. A diferença do potencial elétrico é tal que possibilita a absorção passiva de K+
mesmo contra o gradiente de potencial químico (mas a favor de um potencial elétrico);
Na+ : Cobs < Ccal ⇒ transporte ativo ⇒ pela equação, verifica-se que as células teriam condições
de absorver passivamente 74 mM Na+, mas continham apenas 8 mM Na+, ou seja, uma
concentração esperada (calculada) muito maior do que a observada. O equilíbrio seria obtido
se a concentração observada fosse próxima a 74 mM Na+ (o que não se verificou). Assim,
estaria ocorrendo um gasto de energia para manter esse nutriente fora da célula (efluxo de
Na+);
Ca2+ : Cobs < Ccal ⇒ transporte ativo ⇒ observa-se que as células teriam capacidade de
armazenar até 5400 mM Ca2+(5,4 M) mas continham apenas 1,0 mM de Ca2+. O equilíbrio,
caso o transporte fosse passivo, seria obtido se a concentração interna observada fosse de
5400 mM Ca2+. Como as células continham apenas 1,0 mM Ca2+, houve gasto de energia
para promover o efluxo de Ca2+;
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NO3- : Cobs > Ccal ⇒ transporte ativo ⇒ em condições de equilíbrio, as células teriam uma
concentração interna deste íon de 0,027 mM, mas observou-se que tinha 28 mM NO3-, ou
seja, uma concentração muito maior do que o esperado (1000 vezes maior que a calculada).
Assim, a célula estaria gastando energia para manter a concentração interna maior do que se
esperaria pelo cálculo da equação de Nernst válida para o fluxo passivo. Portanto, conclui-se
que houve gasto de energia para manter o influxo de nitrato;
H2PO4- e SO4
2- : Cobs > Ccal ⇒ transporte ativo ⇒ as concentrações internas calculadas, de
ambos os íons considerados para as condições de equilíbrio, deveriam ser muito menores
do que as concentrações internas observadas, ou seja, estaria havendo um influxo destes
íons com gasto de energia para manter essa situação distante do equilíbrio.
Assim verificamos que, para substâncias carregadas eletricamente (íons), o equilíbrio é
função não apenas das concentrações em ambos os lados da membrana (potencial químico), mas
também do efeito da carga da referida substância e do gradiente de potencial elétrico entre
compartimentos celulares.
4. Sentido do fluxo de solutos transmembrana
Com relação à direção do fluxo dos solutos transportados podemos ter os seguintes tipos de
transporte (Figura 9):
Uniporte: refere-se ao transporte de um único elemento num determinado sentido através de um
carreador ou canal, com ou sem gasto de energia. Ex.: H+-ATPase: é um uniporte de H+
com gasto de ATP, tanto na plasmalema quanto no tonoplasto. Os canais iônicos também
são transportadores do tipo uniporte (Ex: canais de Ca2+, canais de K+);
Cotransporte: refere-se ao transporte de duas substâncias ao mesmo tempo utilizando o mesmo
transpotador. Neste caso, tem-se duas possibilidades:
1) Antiporte: transporte de duas substâncias em sentidos contrários pelo carreador.
Ex.: antiporte H+/cátion: entra um próton na célula ao mesmo tempo em que
ocorre a saída de um cátion (Ex: o efluxo de Na é do tipo antiporte Na+/H+);
2) Simporte: transporte de duas substâncias num mesmo sentido no carreador. Ex.:
simporte H+/ânion: entra um próton concomitantemente à entrada de um ânion.
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A absorção de íon nitrato (NO3-) é efetuada em simporte com dois prótons
(H+);
Uniporter Simporter Antiporter
Cotransporte
S S1 S2 S1
S2
FIGURA 9 – Modelo esquemático dos mecanismos de transporte dos tipos uniporte e cotransporte (simporte e antiporte), utilizando o gradiente de potencial eletroquímico (baseado em Nelson e Cox, 2000).
É importante ressaltar que o transporte de solutos é um processo dinâmico e que os
mecanismos mencionados acima ocorrem simultaneamente na membrana, havendo absorção
simultânea de diversas substâncias, e não isoladamente como apresentado.
Fisiologicamente, podemos visualizar o cotransporte da seguinte forma: a manutenção do
potencial transmembrana depende da manutenção de um equilíbrio de cargas. A entrada de uma
carga positiva (próton) deve ser acompanhada da saída de uma carga também positiva (cátion)
mantendo assim o potencial transmembrana (tipicamente um antiporte H+/cátion). No caso de
considerarmos um ânion, este pode entrar juntamente com uma carga positiva (próton) sem
comprometer o equilíbrio de cargas na membrana (potencial transmembrana), ou seja, um simporte
H+/ânion (Figura 9). Pode ocorrer também um simporte H+/substância não carregada eletricamente
(ex.: sacarose). Neste caso, deve haver um bombeamento simultâneo de próton para fora da célula
(através das ATPases), conservando o potencial constante (Figura 8). Vale lembrar que essas
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considerações são gerais; devido à especificidade da absorção de íons, sendo que para cada tipo de
molécula teremos um mecanismo específico de transporte.
Ao analisarmos o tipo de transporte (uniporte ou cotransporte) e o gasto energético
envolvido, no caso de substâncias carregadas eletricamente, não podemos nos esquecer de avaliar
cada substância transportada, segundo a equação de Nernst, para podermos dizer se há ou não
gasto energético no transporte.
O transporte ativo de ions e moléculas orgânicas é regulado em resposta a fatores
ambientais e internos. A título de exemplo, podemos comentar a regulação do transporte de K+ nas
células guarda. Cabe, no entanto, ressaltar que este cátion é o mais abundante nas plantas, tendo um
papel muito importante no alongamento celular, movimento foliar, tropismos, homeostase
metabólica, germinação, osmoregulação, estresse de Na+, além do movimento estomático. Nas
células guarda, os canais de K+ são controlados pela luz direta e indiretamente, pelo ácido abscísico
(estresse hídrico) e por concentrações intrafoliares de CO2. Tal controle dos canais de K+
determina o grau de abertura dos estômatos em cada momento e tem um papel fundamental na
otimização do fluxo de CO2 para a fotossíntese e do fluxo de água na transpiração (Figura 10).
Ca++
Ca++
K+
H+
H+
ABACa++
K+
K+
A-
A-
Canal de efluxode potássio
Canal de influxode potássio
Canal de ânions
Canal de iônico de cálcio
FIGURA 10 - Representação esquemática dos mecanismos de indução do movimento estomático (baseado em Buchanan et al., 2000).
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A disponibilidade de cada íon na solução do solo, frequentemente é um fator regulador
das suas taxas de absorção. Atualmente são conhecidos três sistemas de absorção de íons, cada um
constituído por grupos de carreadores diferentes:
• sistema de carreadores constitutivo de baixa afinidade
• sistema de carreadores constitutivo de alta afinidade
• sistema de carreadores indutivo de alta afinidade.
A maior parte dos transportadores de alta afinidade estão localizados nas raízes. Os
genes que codificam os transportadores de alta afinidade para a absorção de íons fosfato e sulfato,
por exemplo, são desreprimidos (expressos) pela percepção de deficiência de fósforo e enxôfre,
respectivamente. Por outro lado, a expressão dos genes que codificam o transporte do NO3- é
induzida pela presença do NO3-.
BIBLIOGRAFIA:
BUCHANAN, B.B., GRUISSEM, W. & JONES, R.L. 2000. Biochemistry and
Molecular Biology of Plants, Courier Co, Inc, 1a ed, Waldorf. CD-ROM
NELSON, D. L. & COX, M. M., 2000. Lehninger. Principles of Biochemistry. Worth
Publishers 3a ed., New York, CD-ROM.
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New York, 464pp.
MARSCHNER, H. 1995. Mineral Nutrition of Higher Plants. Academic Press,
London, 2ª ed. 889pp.
MOHR, H. & SCHOPFER, P. 1995. Plant Physiology. Springer-Verlag, Berlin, 1ª
ed., 629pp.
SALYSBURY, F. B. & ROSS, C.W. 1992 Plant Physiology. Wadsworth Publishing
Co., California, 4ª ed. 682pp.