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5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Transporte de solvente e osmose 1 Transporte de Solvente e Osmose Introdução Os organismos vivos são constituídos, em sua maior parte, por água. Ela forma em torno de 60% a 90% da massa total das plantas e dos animais. E a água está constantemente sendo ingerida e excretada em grandes quantidades. Por exemplo, durante um dia um ser humano adulto ingere e elimina aproximadamente de 2 a 3 litros de água (algo em torno de 3% do seu peso corporal). Um exemplo ainda mais dramático é o de uma planta, que evapora uma quantidade de água por hora que é muitas vezes o seu conteúdo total de água. Apesar disso, a quantidade de água em um organismo vivo é uma constante. Existe um estado estacionário num organismo vivo de maneira que o seu conteúdo de água permanece constante a despeito das grandes trocas de água com o meio ambiente. Como mais da metade do conteúdo de água de um organismo está no interior das suas células, a estabilidade do peso de um organismo sugere que deve haver um mecanismo de regulação do conteúdo de água nas suas células.

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5910187 – Biofísica II – Antônio Roque – Transporte de solvente e osmose

1

Transporte de Solvente e Osmose

Introdução

Os organismos vivos são constituídos, em sua maior parte, por água.

Ela forma em torno de 60% a 90% da massa total das plantas e dos

animais. E a água está constantemente sendo ingerida e excretada

em grandes quantidades. Por exemplo, durante um dia um ser

humano adulto ingere e elimina aproximadamente de 2 a 3 litros de

água (algo em torno de 3% do seu peso corporal). Um exemplo

ainda mais dramático é o de uma planta, que evapora uma

quantidade de água por hora que é muitas vezes o seu conteúdo total

de água.

Apesar disso, a quantidade de água em um organismo vivo é uma

constante. Existe um estado estacionário num organismo vivo de

maneira que o seu conteúdo de água permanece constante a despeito

das grandes trocas de água com o meio ambiente.

Como mais da metade do conteúdo de água de um organismo está

no interior das suas células, a estabilidade do peso de um organismo

sugere que deve haver um mecanismo de regulação do conteúdo de

água nas suas células.

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Em um organismo, a água está sujeita a dois tipos de forças: pressão

hidráulica e pressão osmótica.

A pressão hidráulica surge da existência da força gravitacional e de

outras forças mecânicas, como a exercida pelo coração, por

exemplo. Já a pressão osmótica é devida a gradientes de

concentração de soluto. Embora de natureza diferente, essas duas

formas de pressão são equivalentes no sentido de que produzem

transporte de solvente (água) por convecção.

Pressão Hidráulica

Consideremos um corpo (sólido ou fluido) e imaginemos uma

superfície plana cortando-o de alto a baixo. Na figura abaixo

mostramos um exemplo para um corpo retangular cortado ao meio

por um plano perpendicular ao eixo-x. As duas partes do corpo

foram desenhadas separadas para simplificar a visualização.

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O pedaço do corpo de um dos lados da superfície pintada exerce, em

geral, uma força sobre o pedaço do outro lado. Essa força, medida

por unidade de área, é chamada de tensão. No caso de fluidos, em

geral usa-se o termo pressão.

As unidades, tanto de tensão como de pressão, são de força por

unidade de área. No SI, 1N/m2 = 1 Pa (1 pascal). Outra unidade

comum para pressão é a pressão atmosférica (a 0°C): 1 atm ≈ 105 Pa

≈ 760 mm de Hg.

No desenho acima, a força que a superfície pintada do lado direito

exerce sobre a superfície pintada do lado esquerdo (note que, na

realidade, as duas superfícies coincidem) é um vetor apontando

numa direção arbitrária (não mostrado no desenho). A componente

desse vetor paralela ao eixo-x, dividida pela área ΔyΔz, é chamada

de tensão de estiramento ou de compressão, dependendo de ela estar

apontando, respectivamente, na direção negativa ou positiva de x.

Ela é representada por σxx.

Já as componentes desse vetor nas direções y e z (divididas por

ΔyΔz) são chamadas de tensões de cisalhamento. Elas são

representadas, respectivamente, por σxy e σxz.

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Pelo princípio de ação e reação, a força que a superfície pintada da

direita exerce sobre a superfície pintada da esquerda provoca uma

reação da superfície da esquerda sobre a da direita, gerando tensões

na superfície da direita iguais a σxx, σxy e σxz, mas de direções

opostas (veja a figura).

Para um ponto genérico no interior de um corpo, de coordenadas (x,

y, z), podemos traçar três planos passando por ele perpendiculares,

respectivamente, aos eixos x, y e z. Portanto, para caracterizar a

tensão em um elemento de volume de um corpo são necessárias

nove componentes σij, constituindo o chamado tensor de tensões (o

nome vem do fato de que se pode provar matematicamente que a

quantidade σij satisfaz às propriedades de um tensor).

No caso de fluidos (líquidos e gases), fala-se de um tensor de

pressões pij. Neste caso, devido às peculiaridades dos fluidos,

costuma-se definir o sentido positivo dos eixos x, y e z como

apontando para dentro de um elemento de volume, ou seja, numa

figura como a anterior, pxx seria positiva se apontasse para dentro do

volume da esquerda.

Outra peculiaridade dos fluidos é a seguinte. Quando uma camada

de fluido move-se paralelamente à camada adjacente (imagine as

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camadas pintadas na figura, uma indo para cima e a outra para

baixo), as pressões tangenciais pij, i ≠ j, são praticamente nulas, pelo

menos quando esse movimento é lento.

Por extensão, podemos imaginar que, no equilíbrio, quando o fluido

está em repouso, as pressões tangenciais são nulas,

. ,0 jipij ≠= (1)

Esta condição pode ser vista como uma definição do que é um

fluido.

Portanto, as únicas componentes não nulas do tensor de pressões de

um fluido em equilíbrio são as dadas por pii. Além disso, como o

fluido está em equilibro e a condição (1) deve valer em qualquer

sistema de coordenadas, devemos ter que pxx = pyy = pzz (e esta

propriedade de simetria deve valer para quaisquer três direções

ortogonais (i, j, k) no ponto (x, y, z)).

Isto implica que a pressão hidrostática é uma quantidade escalar,

denotada apenas por p. Aparentemente, Pascal (1623-1662) foi o

primeiro a perceber isto para um fluido em equilíbrio.

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Vamos agora obter a condição para o equilíbrio mecânico de um

fluido sujeito a uma força externa (como, por exemplo, a força

gravitacional ou forças elétricas se as partículas do fluido tiverem

carga).

Seja F!

a força externa por unidade de volume do fluido (dimensões

= N/m3). Então, um elemento de volume ΔV = ΔxΔyΔz sofre uma

força F!ΔV. Consideremos um elemento de volume como o da figura

abaixo, cujas faces verticais paralelas ao eixo-x vão de x a x + Δx.

No equilíbrio, as forças ao longo do eixo-x sobre este elemento de

volume devem se anular. Logo,

⇒=Δ+−+Δ 0)()( AxxpAxpxAFx

.)()(x

xpxxpFx Δ

−Δ+=⇒

No limite em que Δx → 0,

Fx =dpdx. (2)

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Em três dimensões, esta equação torna-se: F =∇p. (3)

Por exemplo, quando F!

for a força gravitacional, atuando ao longo

do eixo-z tomado como positivo apontando para baixo, Fz = ρg (ρ é

a densidade do fluido e g é o módulo da aceleração da gravidade), a

integração de (3) nos dá a conhecida fórmula:

( )0)0( zzgpp −+= ρ . (4)

Esta parte da aula é uma revisão de elementos de estática dos fluidos

vista no curso de Física II.

Pressão Osmótica

Se duas soluções aquosas forem separadas por uma membrana que

permite apenas a passagem de moléculas de água, a água irá mover-

se para a solução que contém a maior concentração de moléculas de

soluto, através de um processo denominado osmose.

Um exemplo de osmose conhecido desde a antiguidade é o que

acontece com uma folha de alface em uma salada quando se coloca

sal sobre ela. A folha murcha (de fato, a folha irá murchar de

qualquer jeito, mas levará mais tempo se o sal não for colocado).

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Uma observação cuidadosa da superfície da folha indicará a

presença de gotículas de água nela. Essa água vem, em parte, do

interior das células da folha de alface, transportada por osmose

devido ao aumento na concentração de sal no exterior. Com a saída

da água, a pressão interna das células da alface (chamada de pressão

de turgor) é reduzida e a alface murcha.

A figura abaixo ilustra o fenômeno de osmose.

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Perspectiva Histórica

As primeiras observações sistemáticas sobre a pressão osmótica

foram feitas pelo fisiologista francês Henri Dutrochet (1776-1847)

no Séc. XIX. Foi ele que deu o nome de osmose ao fenômeno, a

partir do grego osmos (empurrão, impulsão).

Nas próprias palavras de Dutrochet:

“Observa-se que, quando pequenas bexigas de animais são cheias

com uma solução densa e completamente fechadas, sendo

posteriormente imersas em água, elas incham excessivamente e

tornam-se túrgidas”.

Dutrochet observou que tanto a taxa de entrada de água numa

bexiga, como a pressão hidráulica no seu interior aumentavam à

medida que a concentração de açúcar dentro da bexiga crescia. A

água fluía para dentro da bexiga para diluir a solução no interior.

Posteriormente, em 1877 o botânico alemão Wilhelm Pfeffer (1845-

1920) construiu um osmômetro para medir a pressão osmótica.

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O osmômetro de Pfeffer consiste de um balão de vidro com um tubo

vertical, ou manômetro, na sua parte superior. A boca do balão é

fechada por uma membrana semi-permeável. O balão é cheio com

uma solução contendo moléculas do soluto dissolvidas em água. A

membrana permite apenas a passagem de água, impedindo a

passagem das moléculas de soluto. O balão é submerso em um

recipiente contendo água pura. Neste caso, água do recipiente entra

no balão, aumentando a pressão hidráulica no seu interior e fazendo

com que solução suba pela coluna vertical. Eventualmente, atinge-se

um equilíbrio em que a solução no interior do tubo vertical pára de

subir quando atinge uma altura heq (medida a partir da superfície da

água no recipiente, como na figura abaixo).

Este experimento demonstra as principais propriedades da osmose:

• A água flui através da membrana semi-permeável no sentido

de aumentar a diluição do soluto.

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• À medida que a água flui para dentro do balão, um pouco da

solução sobe pela coluna vertical, gerando uma pressão

hidráulica no interior da coluna devida ao peso da coluna de

fluido.

• Quando o fluxo de água cessa, a solução no interior da coluna

vertical pára de subir atingindo uma altura heq. A quantidade de

solução dentro da coluna vertical exerce uma pressão

hidrostática (pois o sistema está em equilíbrio) que, ao nível da

superfície da água no recipiente, vale ρgheq (supondo que a

densidade da solução no interior do tubo vertical é ρ).

A pressão osmótica é definida como sendo igual a esta pressão

hidrostática. Isto é, a pressão osmótica de uma solução é a pressão

hidráulica que precisa ser aplicada à solução para evitar que haja

fluxo osmótico de solvente puro através de uma membrana semi-

permável.

Baseado em suas medidas, Pfeffer mostrou que a pressão osmótica é

proporcional à concentração de soluto e cresce continuamente à

medida que a temperatura da solução aumenta.

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Ainda no Séc. XIX, o botânico holandês Hugo de Vries (1848-1935)

estudou osmose em células de plantas. Para descrever o fenômeno

de osmose em células, precisamos definir alguns termos.

Se uma célula animal for colocada em uma solução aquosa com

concentração total de soluto igual a eCΣ , a célula pode encolher,

inchar ou manter o seu volume, dependendo da direção do fluxo de

água1.

Os nomes que a solução externa recebe nestes três casos são:

• Volume permanece constante: solução isotônica.

• Volume diminui: solução hipertônica.

• Volume aumenta: solução hipotônica.

Se a solução externa for suficientemente hipotônica, a célula animal

incha tanto que pode até se romper (ficando lisada).

Em uma solução hipertônica, a concentração de soluto é maior do

que numa solução isotônica. Já numa solução hipotônica a

concentração de soluto é menor que numa solução isotônica.

1 Usa-se a letra grega Σ para indicar o soluto porque pode haver mais de uma espécie de soluto presente: n1, n2, …

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A característica que o líquido extracelular tem de ser iso, hiper, ou

hipotônico é chamada de osmolaridade ou tonicidade.

A figura a seguir ilustra os três casos:

As células vegetais possuem uma parede celular, relativamente

rígida, mas altamente permeável. A membrana celular é como nas

células animais, relativamente deformável e semi-permeável. Em

uma solução isotônica, a membrana celular permanece adjacente à

parede celular. Em uma solução hipotônica, a rigidez da parede

celular impede que a célula inche. A pressão interna sobre a parede

celular (chamada de pressão de turgor) aumenta. Em uma solução

hipertônica, água flui para fora do citoplasma através da membrana

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celular e vai para a solução externa através da parede celular. A

pressão de turgor diminui e a membrana celular encolhe, afastando-

se da parede celular. Além disso, as células vegetais possuem

vacúolos que podem trocar água com o citoplasma.

Lei de van’t Hoff para a pressão osmótica

Em 1886, o físico-químico holandês Jacobus Henricus van’t Hoff

(1852-1911) ofereceu uma expressão matemática relacionando a

pressão osmótica ao produto da concentração de soluto pela

temperatura absoluta. A constante de proporcionalidade é a

constante universal dos gases R:

π = RCΣT , (5)

onde π indica a pressão osmótica (para diferenciar da pressão

hidráulica) e CΣ é a soma das concentrações de todas as espécies de

soluto n,

CΣ = cn.n∑ (6)

O raciocínio de van’t Hoff para chegar a esta expressão foi o

seguinte, em suas próprias palavras:

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“A pressão que um gás exerce a uma dada temperatura, quando um

dado número de moléculas é distribuído em um dado volume, é de

valor igual à pressão osmótica que, sob as mesmas condições, seria

produzida pelos solutos quando dissolvidos em um solvente

arbitrário”.

Modelando a pressão exercida pelo gás dentro de um volume V a

uma temperatura T pela equação de estado dos gases ideais,

,nRTpV =

podemos chegar à expressão (5) fazendo n/V = CΣ.

Para vermos isto melhor, consideremos dois compartimentos

separados por uma membrana semi-permeável que deixa passar

apenas água. As concentrações totais de soluto nos dois

compartimentos são, respectivamente, 1ΣC e CΣ

2 . Além disso, os dois

compartimentos estão sujeitos, respectivamente a pressões

hidráulicas p1 e p2 (veja a figura abaixo).

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O fluxo de volume, ΦV, do compartimento 1 para o 2 mede a

quantidade de água (em volume) que passa por uma área unitária da

membrana por segundo (suas unidades são cm3/(cm2.s)).

No equilíbrio não existe fluxo líquido de água do compartimento 1

para o 2 e, portanto, ΦV = 0. Neste caso, a diferença de pressão

hidráulica entre os dois compartimentos é igual à diferença de

pressão osmótica entre eles,

( ),212121 ΣΣ −=−=− CCRTpp ππ (7)

onde se usou a expressão de van’t Hoff.

Consideremos agora o caso em que 2ΣC = 0 e p2 = 0 (note que este

caso é equivalente ao do experimento com o osmômetro de Pfeffer).

A condição de equilíbrio torna-se então,

.11 Σ= RTCp

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Isto implica que aplicando-se uma pressão hidráulica igual a RTCΣ1

à solução que contém soluto na concentração CΣ1 , obtemos o

equilíbrio osmótico. É neste sentido que a pressão osmótica é

equivalente à pressão hidráulica.

De acordo com a lei de van’t Hoff, a pressão osmótica de uma

solução depende apenas da concentração do soluto e não das suas

propriedades químicas.

Uma propriedade de uma solução que depende apenas da

concentração dos solutos é chamada de propriedade coligativa.

Portanto, a pressão osmótica é uma propriedade coligativa.

Costuma-se expressar a pressão osmótica em termos da quantidade

π/RT, cuja unidade é a osmolaridade (osmol). Por exemplo, uma

solução com concentração de 0,1 mol/L de glicose tem uma pressão

osmótica de 0,1 osmol/L.

Quando se mede a concentração de soluto não em molaridade

(mol/L) como acima, mas em molalidade (mol/Kg) a pressão

osmótica é definida em termos da osmolalidade, que tem uma

definição equivalente à feita acima.

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Duas soluções que têm a mesma pressão osmótica são chamadas de

osmoticamente equivalentes, ou isosmóticas (algumas vezes também

chamadas de isotônicas).

Na hora de determinar a pressão osmótica de uma solução, devemos

levar em consideração o fato de que alguns solutos (como os sais,

por exemplo) se dissociam em solução.

Neste caso, a pressão osmótica exercida por uma substância que se

dissocia em íons é dada pela soma das pressões osmóticas dos íons

individuais formados pela dissociação.

Por exemplo, enquanto uma solução com uma concentração de 0,1

mol/L de glicose (que não se dissocia em solução) tem uma pressão

osmótica de 0,1 osmol/L, uma solução com uma concentração de 0,1

mol/L de NaCl (que, por hipótese, se dissocia completamente em

Na+ + Cl-) tem uma pressão osmótica de 0,2 osmol/L.

Já uma solução com uma concentração de 0,1 mol/L de CaCl2 (que,

por hipótese, se dissocia completamente em Ca2+ + 2Cl-) tem uma

pressão osmótica de 0,3 osmol/L.

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Dito de outra forma, as seguintes soluções são isosmóticas: 0,1

mol/L de glicose; 0,05 mol/L de NaCl e 0,033 mol/L de CaCl2.

Uma observação importante a ser feita sobre o que foi dito é que a

osmolaridade é dependente do pH da solução, pois o grau de

dissociação do soluto depende do pH.

Como exemplo, vamos usar a lei de van’t Hoff para calcular a

pressão osmótica de uma solução com 0,15 mol/L de NaCl, que é

aproximadamente a osmolaridade das soluções intra- e extra-

celulares nos vertebrados terrestres, a uma temperatura de 27oC (300

K).

A pressão osmótica para este caso é:

( ) ( )( ) atm. 5,7Pa 10 x 5,7mol/cm 10 x 3,0K 300mol/cmK.

Pa10 x 314,8 5333

6 =≈⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛== −

ΣRTCπ

Usando a equação (4) para a diferença de pressão hidrostática entre

dois pontos separados por uma altura h, vemos que a pressão obtida

acima é a pressão que uma coluna de água (ρ = 1 g/cm3) de 76,5 m

de altura exerce sobre a sua base!

Para animais marinhos, as osmolaridades das soluções podem

chegar a 1 mol/L. Substituindo isto na equação acima obtemos uma

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pressão osmótica de aproximadamente 25 atm, que é equivalente à

pressão que uma coluna de água de 250 metros de altura exerce na

sua base (isto é mais ou menos 2/3 da altura do edifício Empire State

em Nova York)!

Portanto, as pressões osmóticas das soluções que permeiam os seres

vivos são muito grandes.