transparÊncias linguagem r c pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e...

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TRANSPARÊNCIAS L INGUAGEM E R EFLEXÃO DE C ÍCERO A P ESSOA DIOGO FERRER IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA COIMBRA UNIVERSITY PRESS Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

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Page 1: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

TRANSPAREcircNCIASLinguagem e RefLexatildeo de CiacuteCeRo a Pessoa

Atraveacutes das lentes da filosofia da imagem da literatura ou do mito os onze estudos neste

livro abordam a auto-transparecircncia reflexiva e linguiacutestica humanas na sua relatividade vir-

tualidades e perplexidades

Eacute privilegiado o estudo do pensamento do seacutec XX em especial a Fenomenologia e a Filoso-

fia da Linguagem de Husserl Heidegger e Wittgenstein remontando-se tambeacutem a aspectos

da Retoacuterica romana (Ciacutecero e Agostinho) e retomando para os debates de hoje elementos

estruturantes do pensamento kantiano e do Idealismo Alematildeo Especial referecircncia eacute feita

tambeacutem a figuras determinantes do pensamento portuguecircs do sec XX Fernando Pessoa

Joseacute Marinho e Eudoro de Sousa Num amplo espectro das expressotildees do seu tema os

textos fazem intervir elementos da literatura com Borges e Pessoa das artes visuais com

Escher e do pensamento arquitetoacutenico no sec XX Atraveacutes de diferentes pensadores e ex-

pressotildees busca-se assim uma compreensatildeo convergente das condiccedilotildees da auto-refexatildeo

linguiacutestica conceptual e imageacutetica do homem

DIOGO FERRER

Diogo Falcatildeo Ferrer eacute professor associado com agregaccedilatildeo na Faculdade de Letras da

Universidade de Coimbra Portugal nas aacutereas de Ontologia e Antropologia Eacute diretor dos

cursos de Mestrado na aacuterea da Filosofia e Coordenador local do Master Erasmus mundus

lsquoPhilosophies allemande et franccedilaise dans lrsquoespace europeacuteen - Europhilosophiersquo nessa

Faculdade onde dirigiu tambeacutem o curso de Doutoramento em Filosofia o Instituto de

Estudos Filosoacuteficos e a Revista Filosoacutefica de Coimbra Co-dirige a Coleccedilatildeo Ideia da Imprensa

da Universidade de Coimbra Traduziu para o portuguecircs obras de Husserl e Fichte

Lecionou cursos em vaacuterias Universidades em Portugal Brasil Espanha e Franccedila e colaborou

com largas dezenas de conferecircncias artigos e capiacutetulos de livros em diversos paiacuteses Eacute autor

e coordenador de diversos livros dedicados ao estudo da filosofia claacutessica alematilde e das suas

interaccedilotildees com o pensamento do Seacutec XX

DIO

GO

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LING

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GEM

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DE C

IacuteCERO

A PESSO

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DEIAIIII

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITY PRESS

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

DEIAII

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ediccedilatildeo

Imprensa da Universidade de CoimbraEmail imprensaucpt

URL httpwwwucptimprensa_ucVendas online httplivrariadaimprensaucpt

direccedilatildeo

Maria Luiacutesa PortocarreroDiogo Ferrer

conselho cientiacutefico

Alexandre Franco de Saacute | Universidade de CoimbraAngelica Nuzzo | City University of New YorkBirgit Sandkaulen | Ruhr ‑Universitaumlt Bochum

Christoph Asmuth | Technische Universitaumlt BerlinGiuseppe Duso | Universitagrave di Padova

Jean ‑Christophe Goddard | Universiteacute de Toulouse ‑Le MirailJephrey Barash | Universiteacute de Picardie

Jerocircme Poreacutee | Universiteacute de RennesJoseacute Manuel Martins | Universidade de Eacutevora

Karin de Boer | Katholieke Universiteit LeuvenLuiacutes Nascimento |Universidade Federal de Satildeo Carlos

Luiacutes Umbelino | Universidade de CoimbraMarcelino Villaverde | Universidade de Santiago de Compostela

Stephen Houlgate | University of Warwick

coordenaccedilatildeo editorial

Imprensa da Universidade de Coimbra

conceccedilatildeo graacutefica

Imprensa da Universidade de Coimbra

Preacute ‑imPressatildeo

Bookpaper

isBn978‑989‑26‑1480‑9

isBn digital

978‑989‑26‑1481‑6

doihttpsdoiorg1014195978‑989‑26‑1481‑6

copy novemBro 2017 imPrensa da Universidade de coimBra

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DIOGO FERRER

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITY PRESS

TRANSPAREcircNCIASLinguagem e RefLexatildeo de CiacuteCeRo a Pessoa

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Agrave Zajatildeo

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sUmaacuter i o

Proacutelogo

por Manuel Joseacute do Carmo Ferreira 11

Apresentaccedilatildeo 13

I Linguagem e Consciecircncia entre Ciacutecero e Wittgenstein

1 Do Orador ao Mestre Concepccedilotildees Romanas da Linguagem 21

11 O inconfessado da retoacuterica 23

12 A reconduccedilatildeo retoacuterica do saber 28

13 A pragmaacutetica do sinal 34

14 Conclusatildeo 37

2 Consciecircncia e Linguagem Acerca da Criacutetica Linguiacutestica do Sujeito na Primeira Metade do Seacuteculo XX 39

21 Os antecedentes kantianos 40

22 Significaccedilatildeo e consciecircncia Husserl e a idealidade das significaccedilotildees 45

23 Wittgenstein e a linguagem dos factos 56

24 O antecedente etimologista e empirista de Horne Tooke 63

25 O pensamento etimoloacutegico de Heidegger 65

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica 71

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8

II Reflexatildeo e Relatividades de Kant a Borges via Heidegger

3 Hegel ndash Escher ndash Borges Figuras e Conceitos da Reflexatildeo 79

31 Trecircs formas para um mesmo conteuacutedo 80

32 Borges e Hegel mundo invertido filosofia alematilde e literatura fantaacutestica 82

33 Escher segundo Hegel a ontologia da intuiccedilatildeo 84

34 A teoria de Escher da consciecircncia de si 87

35 O sujeito de Escher 92

36 O fim da intuiccedilatildeo laacute onde natildeo se pode intuir recuperaccedilatildeo da representaccedilatildeo 97

37 O significado da divisatildeo do plano mais uma vez Hegel 101

38 Objetos impossiacuteveis 105

39 Conclusatildeo Sistema negatividade e desenvolvimento 108

4 Pensar e Refletir Sobre o Modelo Reflexivo do Pensar em Kant e Heidegger 111

41 A reflexatildeo loacutegica 113

42 A reflexatildeo transcendental 117

43 O juiacutezo reflexivo 125

44 A necessidade do pensar 129

45 A reflexatildeo da finitude 132

46 Aprender a pensar 136

47 A reflexividade limitada 138

48 Aprender a aprender o significado do significado 142

49 Conclusatildeo 144

III Negaccedilatildeo e Mitologia no Pensamento Portuguecircs do Seacuteculo XX Pessoa Marinho e Eudoro

5 Fernando Pessoa e a Consciecircncia Infeliz 153

51 Negaccedilatildeo e consciecircncia 156

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52 A vivecircncia da dor e a patologia teoacuterica associada 163

53 Do positivo em Pessoa maturaccedilatildeo e desenvolvimento da consciecircncia 171

6 Fernando Pessoa Aproximaccedilatildeo Dialeacutetica e Fenomenoloacutegica 177

61 O sistema da poesia pessoana 177

62 As figuras do natildeo ‑ser pessoano 179

63 O laboratoacuterio faacuteustico e a dissoluccedilatildeo do real 181

64 As nuacutepcias da diferenccedila 187

65 A faacutebrica dos heteroacutenimos 191

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa 200

7 Negatividade e Saber Absoluto na Teoria do Ser e da Verdade de Joseacute Marinho 203

71 Sob o signo do negativo 203

72 O preacute ‑predicativo em questatildeo 205

73 A palavra e a aurora 209

74 O eixo de simetria reflexivo da Teoria 212

75 Aleacutem da reflexatildeo 215

76 Sobre o saber absoluto 216

8 Eudoro de Sousa e a Mitologia 219

81 Tautegoria alegoria significaccedilatildeo 220

82 O Projeto segundo Eudoro 229

83 O achatamento hodierno do siacutembolo 233

IV Modernidade Relativismo e Crise

9 Filosofia da Arquitetura e do Espaccedilo Aproximaccedilotildees Histoacuterico ‑Conceptuais ao Modernismo 237

91 Sobre a definiccedilatildeo da arte 237

92 A arquitetura hegeliana 241

93 O fim da arquitetura e mais aleacutem 245

94 Sobre o sentido do modernismo 248

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95 Modernismo e modernidade 251

96 Modernismo e negaccedilatildeo 252

97 Sobre a reaccedilatildeo ao modernismo 254

98 Final A ponte como obra de arte 256

10 Sobre os Pressupostos e Consequecircncias da Criacutetica ao Relativismo nos Prolegoacutemenos agrave Loacutegica Pura de Husserl 261

101 A tese da existecircncia de uma forma geral para as fundamentaccedilotildees 262

102 A inteleccedilatildeo a sua perda e substitutos 267

103 O relativismo e o ponto de partida reflexivo da fenomenologia 270

104 Uma criacutetica aos ldquoargumentos da reflexatildeordquo 275

105 Conclusatildeo Verdade e intencionalidade 277

11 A Epocheacute da Modernidade A Crise das Ciecircncias Europeias de Husserl 279

111 A conceccedilatildeo uacuteltima da fenomenologia 279

112 O combate pelo significado das palavras 281

113 A epocheacute histoacuterica das ciecircncias 282

114 O problema filosoacutefico da Modernidade 285

115 A epocheacute praxioloacutegica das ciecircncias 288

116 A lsquoLebensweltrsquo e a ampliaccedilatildeo final da fenomenologia 292

Origem dos textos 297

Referecircncias bibliograacuteficas 301

Iacutendice onomaacutestico 311

Iacutendice analiacutetico 313

Obras citadas 319

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PrOacutelogo

A obra Transparecircncias Linguagem e Reflexatildeo de Ciacutecero a Pessoa eacute constituiacuteda por onze estudos dos quais nove jaacute foram publicados mas agora revistos para a presente ediccedilatildeo e dois ineacuteditos os textos inscrevem ‑se no intervalo entre 1997 e 2016 mas a maior parte deles situa ‑se no uacuteltimo trieacutenio

Os ensaios estatildeo agrupados em quatro grandes nuacutecleos temaacute‑ticos ndash lsquoLinguagem e Consciecircnciarsquo lsquoConceitos da Reflexatildeo e do Relativismorsquo lsquoNegaccedilatildeo e Mitologiarsquo e lsquoModernidade Relativismo e Crisersquo e desenrolam ‑se num eixo temporal que privilegiando a con‑temporaneidade e nesta a fenomenologia de Husserl e de Heidegger bem como a filosofia da linguagem nomeadamente a de Wittgenstein remontam agrave retoacuterica romana (Ciacutecero e Agostinho) e retomam para os debates de hoje elementos estruturantes do pensamento kantiano e do idealismo alematildeo Os estudos recuperam ainda para esses mesmos debates figuras determinantes do pensamento portuguecircs do seacuteculo xx Fernando Pessoa Joseacute Marinho e Eudoro de Sousa Sem nunca se afastar do equacionamento filosoacutefico das questotildees tratadas os textos fazem intervir tambeacutem elementos da literatura com Borges e Pessoa e das artes do espaccedilo com Escher

Confrontados com a diversidade dos temas e dos autores com o seu complexo entrelaccedilamento histoacuterico e um dilatado horizonte sistemaacuteti‑co importa sublinhar a unidade da obra uma unidade diferenciante feita de convergecircncias sem duacutevida mas claramente manifesta logo a partir do intento expresso pelo autor de nos pocircr perante diferentes

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empiacutericas ndash tudo o resto satildeo simples abreviaturas que se limitam a tornar a comunicaccedilatildeo mais expedita

A esta primeira tese empirista e criacutetica do mentalismo junta ‑se uma outra posiccedilatildeo que lhe fornece o seu meacutetodo de investigaccedilatildeo Segundo Tooke ldquoa etimologia nos daraacute em todas as liacutenguas o que a filosofia em vatildeo buscourdquo108 nomeadamente a definiccedilatildeo do estatuto e do signifi‑cado dos termos universais e a sua relaccedilatildeo com o pensamento e com a linguagem A investigaccedilatildeo etimoloacutegica seraacute ldquosuficiente para descartar aquela operaccedilatildeo imaginaacuteria da mente que se denominou abstraccedilatildeo e para provar que tudo o que chamamos por este nome eacute somente um dos dispositivos da linguagem com o fim de uma comunicaccedilatildeo mais expeditardquo109 Toda a investigaccedilatildeo concetual eacute substituiacuteda pela anaacutelise etimoloacutegica de significados com o resultado de que natildeo haacute conceito subjectivo mas um reenvio de toda a operaccedilatildeo significativa para a proacutepria linguagem e o seu desenvolvimento A etimologia permite a descoberta em todos os termos gerais abstratos adjetivos adveacuterbios e outros do substantivo concreto original e a reduccedilatildeo assim de todos os termos gerais e relacionais natildeo a atos do sujeito mas a uma operaccedilatildeo da proacutepria linguagem

25 O pensamento etimoloacutegico de Heidegger

Se a obra de Tooke estaacute longe das vias mais frequentadas da lin‑guiacutestica e da filosofia a sua abordagem aponta no entanto o caminho para a avaliaccedilatildeo do significado metodoloacutegico do apelo agrave etimologia que deixa uma marca no seacuteculo xx nomeadamente por intermeacutedio da filosofia tardia de Heidegger que a ela recorre com frequecircncia como fio heuriacutestico da sua investigaccedilatildeo A ideia do meacutetodo etimoloacutegico

108 EP 171109 EP 600

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em Tooke revestido ainda de um empirismo filosoficamente um tanto tosco ressurge com Heidegger com as suas consequecircncias filosoacuteficas subtilmente desenvolvidas como veremos em seguida Sobre o meacute‑todo etimoloacutegico escreve Heidegger numa Introduccedilatildeo agrave Filosofia de 1930 que ldquodeve observar ‑se que natildeo nos socorremos da etimologia para a partir da raiz das palavras concluir algo de originariamente nativo [Urwuumlchsiges] sobre o significado ndash um procedimento exposto a grande abuso e erros mas precisamente tambeacutem porque pode ser frutiacutefero se utilizado no lugar certo da maneira e nos limites corretos [] Tomamos a linguagem no seu todo como a revelaccedilatildeo originaacuteria do ente no meio do qual o homem existe o homem cujo relevo essencial eacute o de existir nesta revelaccedilatildeo na linguagemrdquo110

Heidegger serve ‑se na verdade da etimologia com mais frequecircncia do que parece admitir neste texto E diga ‑se igualmente que encon‑trar o limite e o lugar correto para o recurso agrave etimologia depende de que se entenda que de nada serviraacute buscarmos significados mais antigos para as palavras se tal busca natildeo for acompanhada de uma reflexatildeo sobre o proacuteprio significado em geral de uma modificaccedilatildeo da compreensatildeo do que eacute o significado ou porventura de uma reflexatildeo sobre o que significa significar Natildeo se trata de reduzir significados a outros mais simples e naturais proacuteximos das impressotildees originaacuterias que foram pouco a pouco substituiacutedos por uma falsa superestrutura cultural segundo o projeto de Tooke De pouco importa a antiguidade das palavras mas sim a explicitaccedilatildeo do que significa a manifestaccedilatildeo do ente em geral do proacuteprio ser da linguagem O problema do sig‑

110 ldquoEinmal ist zu beachten daszlig wir keine Etymologie zuhilfe gerufen haben um aus dem Wortstamm etwas Urwuumlchsiges fuumlr die Bedeutung zu erschlieszligen ndash ein Verfahren das groszligem Miszligbrauch und Irrtuumlmern ausgesetzt ist aber eben deshalb auch wenn am rechten Ort und in der rechten Weise und Grenze betreiben fruchtbar sein kann [] Wir haben die Sprache im Ganzen genommen als die urspruumlngliche Offenbarung des Seienden inmitten dessen der Mensch existiert der Mensch dessen Wesensaus‑zeichnung es ist in der Sprache in dieser Offenbarung zu existierenrdquo (Heidegger Vom Wesen der menschlichen Freiheit Einleitung in die Philosophie Gesamtausgabe Frankfurt aM 1976 ‑ [=GA] 31 53 ‑54)

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nificado das palavras deve antes do mais situar o homem no meio do ente ou seja mostrar o significado dessa revelaccedilatildeo

Encontramos na obra A Caminho da Linguagem111 de Heidegger enunciado o princiacutepio de compreensatildeo do significado princiacutepio que se ajusta agrave perfeiccedilatildeo ao meacutetodo etimoloacutegico O projeto eacute claro natildeo se trata ldquotanto de situar e discutir [a linguagem] mas de nos levar ao lugar da sua essecircnciardquo112 e esta conduccedilatildeo passa de modo algo estranho por uma repeticcedilatildeo de frases de tipo tautoloacutegico que veicu‑lam de iniacutecio muito pouco conteuacutedo significativo Assim ldquoa proacutepria linguagem eacute a linguagemraquo ao que acrescenta que laquoa inteligecircncia lo‑gicamente instruiacuteda [] chama a esta frase uma tautologia que nada dizrdquo113 e repete a frase ldquoa linguagem eacute linguagemrdquo114 para numa ligeira variaccedilatildeo apresentar o princiacutepio que referimos que mais do que repetir faz ressoar em poucas paacuteginas como um eco reflexivo cerca de quinze vezes ldquodie Sprache sprichtrdquo (ldquoa linguagem falardquo)115

Que teoria do significado se funda sobre este princiacutepio a laquolin‑guagem falaraquo Eacute dito que a linguagem natildeo eacute silenciosa muda e que se o falante pode falar eacute porque a linguagem tem sentido antes e independentemente dele Na conclusatildeo do seu curso sobre a Loacutegica como a Questatildeo pela Essecircncia da Linguagem de 1934 registaram os seus ouvintes que ldquoa essecircncia da linguagem natildeo se anuncia laacute onde ela eacute [] forccedilada como um meio de troca e degradada agrave mera expressatildeo de um denominado interiorrdquo116 A tese da instrumentalidade da lingua‑gem como meio de troca comunicativa entre o interior dos sujeitos

111 Martin Heidegger Unterwegs zur Sprache 1959 2003 [=UzS]112 ldquoDie Sprache eroumlrtern heiszligt nicht so sehr sie sondern uns an den Ort ihres

Wesens bringenrdquo (UzS 12)113 ldquoDie Sprache selbst ist die Sprache Der logisch geschulte [] Verstand nennt

diesen Satz eine nichtssagende Tautologierdquo (UzS 12)114 ldquoSprache ist Spracherdquo (UzS 13)115 ldquoDie Sprache sprichtrdquo (UzS 12 13 14 16 19 20 21 28 30 32 33)116 Idem Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 170

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requer justamente uma neutralidade significativa do proacuteprio instru‑mento para que possa anunciar algo a transparecircncia do sinal a sua natildeo ‑significatividade qua linguagem segundo podemos depreender principalmente de Saussure

No mesmo ano deste uacuteltimo curso citado de Heidegger de 1934 a jaacute referida Sprachtheorie de Karl Buumlhler117 apresenta de modo mais completo as diferentes funccedilotildees da linguagem como exposiccedilatildeo expres‑satildeo e apelo As duas primeiras ndash exposiccedilatildeo e expressatildeo ndash requerem precisamente a natildeo ‑significatividade do proacuteprio signo A exposiccedilatildeo de um estado de coisas requer que o instrumento significativo natildeo altere por significados proacuteprios e incontrolados a sua imagem linguiacutestica Do mesmo modo a expressatildeo do interior soacute eacute realizada por uma me‑diaccedilatildeo ela mesma natildeo falante plenamente transparente Eacute requerido que a linguagem ela proacutepria natildeo fale natildeo receba sentido para aleacutem do pretendido pelo sujeito falante Pelo contraacuterio o caraacutecter linguiacutestico da proacutepria linguagem abre a expressatildeo justamente ao processo infinito das interpretaccedilotildees A tese de que a linguagem fala diz natildeo soacute que a linguagem oferece resistecircncia significativa agrave expressatildeo ou agrave exposiccedilatildeo objetiva mas que em uacuteltima instacircncia e Heidegger eacute claro nisto natildeo eacute o falante que fala mas a proacutepria linguagem minus anulando ‑se o sujeito e a sua reflexatildeo como pretendida fonte do significado E Heidegger pergunta pelo sujeito presente no seu princiacutepio ldquoa linguagem fala A linguagem Natildeo o homemrdquo ldquoNa sua essecircncia a linguagem natildeo eacute nem expressatildeo nem uma atividade do homem A linguagem falardquo118 Na tese da subjetividade etimoloacutegica da linguagem reside que o fa‑lante quando fala diz inuacutemeras coisas que natildeo pode alcanccedilar na sua

117 K Buumlhler Sprachtheorie Die Darstellungsfunktion der Sprache Stuttgart 1999 v Habermas bdquoZur Kritik der Bedeutungstheorieldquo trad Paulo Rodrigues in Racionalidade e Comunicaccedilatildeo Lisboa 2002 149 ‑182

118 bdquoDie Sprache spricht Die Sprache Und nicht der Menschldquo (UzS 20) bdquoDie Sprache ist in ihrem Wesen weder Ausdruck noch eine Betaumltigung des Menschen Die Sprache sprichtldquo (UzS 19)

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reflexatildeo proacutepria de sujeito e que esta uacuteltima natildeo soacute natildeo pode ser fonte de significaccedilatildeo como tatildeo ‑pouco eacute capaz de abraccedilar em si mesma a determinaccedilatildeo proacutepria dos significados que enuncia Nisto se fundaraacute tambeacutem a hermenecircutica filosoacutefica119 E Heidegger insiste neste pon‑to na recusa da reflexatildeo como fio do pensamento120 tese cujas bases teoacutericas estatildeo no conceito de finitude e de temporalidade assumidos pelo autor conceitos a que faremos ainda referecircncia mais abaixo Em uacuteltima instacircncia segundo a tese da etimologia natildeo se pode dizer que o falante como indiviacuteduo saiba efetivamente o que diz O princiacutepio ldquoa linguagem falardquo cuja repeticcedilatildeo faacute ‑lo justamente perder o sentido para o falante ndash no fenoacutemeno psicoloacutegico que todos conhecemos de esvaziamento do significado pela repeticcedilatildeo de uma palavra ndash deve ser suficiente para estabelecer uma compreensatildeo da linguagem oposta a toda a filosofia moderna do juiacutezo cuja forccedila ilocucionaacuteria lhe eacute confe‑rida por um ato da vontade do sujeito que assere ou daacute consentimento ao ser ou natildeo ‑ser predicativo O que eacute dito natildeo estaacute depositado na pretensa representaccedilatildeo ou imagem mental interior do sujeito defi‑nida por exemplo nos termos de Saussure ldquoo signo linguiacutestico natildeo une uma coisa e um nome mas um conceito e uma imagem acuacutestica [Se] arbor eacute chamado um signo soacute o eacute enquanto conteacutem o conceito aacutervore []rdquo121 Segundo Heidegger o significativo da linguagem estaacute depositado no proacuteprio significante natildeo no significado nas palavras e natildeo justamente no conceito como quer que se queira compreender o conceito O significado estaacute esquecido aleacutem disso por um uso habitual demasiadas vezes repetido ou feito a partir de um mundo ou de condiccedilotildees existenciais que jaacute natildeo correspondem agravequelas que davam originalmente significado agraves palavras A validade do meacutetodo

119 Vg Gadamer opcit 108 361 ‑364120 Cf Heidegger Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 53 58121 ldquole signe linguistique unit non une chose et un nom mais un concept et une

image acoustique [Si] arbor est appeleacute signe ce nrsquoest qursquoen tant qursquoil porte le concept lsquoarbrersquo []rdquo (CLG 98 ‑99)

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etimoloacutegico pressupotildee que haacute um sentido original e que esse sentido estaacute esquecido perdido ndash o que corresponde com alguma precisatildeo agrave tese de Heidegger acerca do esquecimento do ser a rememorar pela linguagem poeacutetica que natildeo deixa adormecer o significado pela repeti‑ccedilatildeo habitual122 Eacute assim dito acrescente ‑se que as geraccedilotildees transmitem sucessivamente uma mensagem original nas palavras agora natildeo soacute aladas como tambeacutem falantes que permanece por decifrar e que as proacuteprias geraccedilotildees ignoram que ao falar transmitem algo que natildeo mais entendem e que Heidegger viraacute a denominar o ldquoenviordquo ou mensagem do ser A expressatildeo comum ldquoeles natildeo sabem o que dizemrdquo ganha assim plausibilidade e o seu sentido torna ‑se mais claro pela etimologia e pelo princiacutepio de que ldquoa linguagem falardquo Segundo Heidegger ldquofala‑mos da linguagem na permanente aparecircncia de falar somente sobre a linguagem quando falamos jaacute a partir da linguagemrdquo123 sendo pois a reflexividade linguiacutestica do sujeito substituiacuteda por uma outra fonte de sentido que excede os limites da reflexatildeo

A etimologia erigida em meacutetodo e sistema filosoacutefico eacute uma versatildeo linguiacutestica da tese da alienaccedilatildeo geral da consciecircncia histoacuterica que encontramos no seacuteculo xx em autores como Heidegger que procurou rememorar o esquecimento do ser Adorno com a sua dialeacutetica do esclarecimento124 que parece encontrar na civilizaccedilatildeo uma forma de insuperaacutevel negatividade e mesmo Husserl na jaacute referida A Crise das Ciecircncias Filosoacuteficas por exemplo

Por oposiccedilatildeo a esta tese segundo a qual o significado eacute assumido pela proacutepria linguagem que fala e se potildee no lugar do falante enten‑demos assim do modo mais claro os motivos do aforismo do poeta que talvez mais sistematicamente reivindicou para si e investigou a

122 V o claacutessico de Ricoeur A Metaacutefora Viva trad J T Costa e A M Magalhatildees Porto 1983 151 476 ‑478

123 Heidegger UzS 191124 Adorno Horkheimer Dialektik der Aufklaumlrung Philosophische Fragmente in

Adorno Gesammelte Schrifte Band 3 Frankfurt a M 1996

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subjetividade e a reflexatildeo conforme lemos no Livro do Desassossego ldquoEu natildeo escrevo em portuguecircs Escrevo eu mesmordquo125

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica

O desenvolvimento por Heidegger de uma filosofia que poderiacutea‑mos considerar etimologicamente fundada que desapossa o sujeito da atividade de criaccedilatildeo e apreensatildeo de significado eacute antecedida por todo um questionamento de cariz bastante diverso acerca das condi‑ccedilotildees de fenomenalizaccedilatildeo do ser em Ser e Tempo de 1927126 A condiccedilatildeo primeira do fenoacutemeno eacute o ldquoDaseinrdquo ou ldquoser ‑aiacuterdquo que Heidegger define como o ente para o qual ldquono seu ser estaacute em causa este mesmo serrdquo127 Toda a investigaccedilatildeo estaacute centrada nesta caracteriacutestica do ser de um determinado ente o ser ‑aiacute para o qual visto nele estar sempre em causa o seu proacuteprio ser haacute mais do que somente um ambiente que o circunda um mundo O ser ‑aiacute eacute nos termos de Heidegger laquoo aiacute do serraquo128 o que significa lugar de manifestaccedilatildeo do sentido do ser Segundo as coordenadas da filosofia fenomenoloacutegica coordenadas que Heidegger alega seguir transformando ‑as no sentido de uma fenomenologia hermenecircutica o ser eacute entendido sobretudo como sen‑tido o que se caracteriza pelo ser ‑no ‑mundo como condiccedilatildeo baacutesica da existecircncia do ser ‑aiacute Existecircncia significa aqui natildeo a simples posiccedilatildeo de um ente na realidade mas dir ‑se ‑ia exteriorizaccedilatildeo do ser como manifestaccedilatildeo que justamente o ser ‑aiacute apreende como a questatildeo pelo

125 Fernando Pessoa Livro do Desassossego ed R Zenith Lisboa 1998 391 V os Capiacutetulos 5 e 6 infra

126 V n 47 supra Sobre este tema cf M Caron Heidegger Penseacutee de lrsquoecirctre et origine de la subjectiviteacute Paris 2005 773 ‑812 e o Capiacutetulo 4 infra

127 rdquoin seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo (Heidegger SuZ 12)128 SuZ 12

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seu proacuteprio ser A investigaccedilatildeo pelo sentido desenrolar ‑se ‑aacute como a investigaccedilatildeo das condiccedilotildees existenciais do ser ‑aiacute e da abertura para ele de um mundo O ser ‑aiacute natildeo pode ser entendido somente como um ente entre os outros dada a sua caracteriacutestica proacutepria de ldquoexistir ontologicamenterdquo129 A sua caracteriacutestica ocircntica aquilo que ele eacute como ente eacute existir ontologicamente ou seja dar ‑se num domiacutenio de sentido de ser que ele sempre jaacute compreendeu A viragem hermenecircutica da fenomenologia reforccedila a noccedilatildeo fenomenoloacutegica original da indagaccedilatildeo pelo significado ou sentido em que o fenoacutemeno em geral e em di‑versas modalidades se daacute Se no entanto como se viu as conclusotildees de Husserl natildeo apontaram para o desenvolvimento de uma filosofia da linguagem como ontologia ou filosofia primeira mas antes para o aprofundamento do tema do sujeito ante ‑predicativo e ante ‑linguiacutestico onde se encontra a evidecircncia do sentido130 as conclusotildees de Heidegger apoacutes aquilo que ele mesmo explicaraacute como uma ldquoviragemrdquo do seu pensamento vatildeo apontar para os desenvolvimentos de uma filosofia da linguagem nos moldes jaacute aflorados

O sentido desta viragem ldquoa caminho da linguagemrdquo estatildeo jaacute da‑dos ateacute certo ponto nos desenvolvimentos de Ser e Tempo Heidegger investiga aqui a fonte do significado das palavras no fenoacutemeno que denomina como significatividade Esta designa antes de mais um todo de referecircncias ou contexto que o ser ‑aiacute encontra natildeo soacute no mundo mas como o seu mundo131 Este contexto de referecircncias e totalidade de reenvios natildeo eacute um conjunto de coisas entendido nem extensivamente nem mesmo segundo a sua compreensatildeo proacutepria e investimento de validade subjetiva mas como uma rede de pragmata ou seja entes que se abrem originariamente em funccedilatildeo das possibili‑

129 SuZ 12130 Cf A Diemer Edmund Husserl Versuch einer systematischen Darstellung seiner

Phaumlnomenologie Meisenheim am Glan 1965 esp 110 ‑113131 Cf SuZ 63 ‑64 84 ‑86

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dades do lidar ou de servir uns para os outros no uso quotidiano do ser ‑aiacute Para Heidegger o fenoacutemeno originaacuterio do sentido natildeo se daacute na consideraccedilatildeo teoreacutetica de entes simplesmente dados ou perante um sujeito mas no projeto significativo de cariz existencial do ser ‑aiacute A consideraccedilatildeo teoreacutetica abstrata ou cientiacutefica dos entes como coisas disponiacuteveis para a observaccedilatildeo da sua essecircncia e na sequecircncia disto disponiacuteveis para a manipulaccedilatildeo teacutecnica eacute expressamente considerada uma consideraccedilatildeo secundaacuteria e deficitaacuteria que soacute emerge com base na privaccedilatildeo da abertura originaacuteria de sentido132 Esta daacute ‑se natildeo como ser ‑simplesmente ‑dado (Vorhandensein) no modo do correlato da visatildeo teoacuterica objetivante mas como ser ‑agrave ‑matildeo (Zuhandensein) ou utensilidade Esta utensilidade soacute existe em funccedilatildeo do projeto do ser ‑aiacute o qual estaacute na conhecida expressatildeo de Heidegger sempre jaacute lanccedilado ou projetado com o significado de que natildeo haacute para o ser‑‑aiacute nenhum comeccedilo absoluto ou fonte transparente das significaccedilotildees contrariamente agraves pretensotildees da filosofia de Descartes a Husserl Pelo contraacuterio a reflexividade sobre si proacuteprio do ser ‑aiacute bem como a sua compreensatildeo estatildeo sempre limitadas por um horizonte que dir ‑se ‑ia o impede de ver a totalidade integral do sentido do ser que lhe eacute proacuteprio ou do ser em geral O ldquoestar lanccediladordquo diz tambeacutem da exposiccedilatildeo e abertura do ser ‑aiacute ao mundo ou seja da sua facticidade ou que ele natildeo se pode considerar jamais como fundamento daquilo que inversamente natildeo pode senatildeo antecedecirc ‑lo aleacutem de ser dado em cada caso incompletamente Aliaacutes o que a reflexatildeo lhe fornece natildeo eacute uma perspetiva integral completa e inabalaacutevel sobre o seu proacuteprio ser a sua verdade e validade evidentes conforme de um modo ou de outro foi tiacutepico da filosofia desde Descartes minus a uacutenica completude que eacute dada ao ser ‑aiacute pelo fato de no seu ser ldquoestar em jogo este mesmo serrdquo ou pela ldquoJemeinigkeitrdquo (ser ‑em ‑cada ‑caso ‑meu) proacuteprio do ser ‑aiacute eacute a do seu proacuteprio ser para a morte

132 SuZ 69 ‑71

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Estes dados apontam para a temporalidade como o fenoacutemeno central do ser ‑aiacute o que tem como consequecircncia teoacuterica justamente a perda da possibilidade de uma apreensatildeo integral do sentido do ser minus posto que haacute que repetir a temporalidade eacute a estrutura funda‑mental da existecircncia do ser ‑aiacute Este natildeo eacute como que um sujeito a que se acrescentasse como predicado a temporalidade minus esta constitui natildeo um predicado mas o seu modo existencial de acesso ao ldquoaiacuterdquo em que tem o seu ser ou nos termos que nos satildeo jaacute familiares agrave abertura do mundo Esta alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo do sentido do ser com que Heidegger pretende fazer deslocar dos seus gonzos toda a perspeti‑va ontoloacutegica da histoacuteria da filosofia anterior natildeo poderia deixar de ter consequecircncias para a compreensatildeo da linguagem Na abordagem de Ser e Tempo pelo signo eacute adquirida e assegurada ldquoantes de mais uma orientaccedilatildeo dentro do mundo circundanterdquo133 minus precisamente como se viu aquilo que segundo Husserl lhe retirava significado134 ldquoO signo (Zeichen) natildeo estaacute soacute agrave matildeo como outro utensiacutelio qualquer mas no seu estar ‑agrave ‑matildeo o mundo circundante se torna em cada caso expressamente acessiacutevel para a visatildeo em redor O signo eacute um ente onticamente agrave ‑matildeo que como [um] utensiacutelio determinado funciona simultaneamente como algo que anuncia a estrutura ontoloacutegica do ser ‑agrave ‑matildeo da totalidade de referecircncias e da mundaneidaderdquo135

O signo opera nestes termos ao niacutevel do contexto de referecircn‑cias do ser ‑agrave ‑matildeo dando acesso agrave totalidade dessas referecircncias e agrave proacutepria significatividade do mundo Natildeo seraacute possiacutevel aprofundar aqui a posiccedilatildeo heideggeriana para aleacutem das anotaccedilotildees que nos fazem remeter o significado para a noccedilatildeo de mundo e da orientaccedilatildeo do

133 ldquoes gewinnt vielmehr eine Orientierung innerhalb der Umweltrdquo (SuZ 79)134 Cf pp 51 e 52 supra135 ldquoDie Zeichen ist nicht nur zuhanden mit anderem Zeug sondern in seiner

Zuhandenheit wird die Umwelt je fuumlr die Umsicht ausdruumlcklich zuhanden Zeichen ist ein ontisch Zuhandenes das als dieses bestimmte Zeug zugleich als etwas fungiert was die ontologische Struktur der Zuhandenheit Verweisungsganzheit und Weltlichkeit anzeigtrdquo (SuZ 82)

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44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 2: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

DEIAII

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ediccedilatildeo

Imprensa da Universidade de CoimbraEmail imprensaucpt

URL httpwwwucptimprensa_ucVendas online httplivrariadaimprensaucpt

direccedilatildeo

Maria Luiacutesa PortocarreroDiogo Ferrer

conselho cientiacutefico

Alexandre Franco de Saacute | Universidade de CoimbraAngelica Nuzzo | City University of New YorkBirgit Sandkaulen | Ruhr ‑Universitaumlt Bochum

Christoph Asmuth | Technische Universitaumlt BerlinGiuseppe Duso | Universitagrave di Padova

Jean ‑Christophe Goddard | Universiteacute de Toulouse ‑Le MirailJephrey Barash | Universiteacute de Picardie

Jerocircme Poreacutee | Universiteacute de RennesJoseacute Manuel Martins | Universidade de Eacutevora

Karin de Boer | Katholieke Universiteit LeuvenLuiacutes Nascimento |Universidade Federal de Satildeo Carlos

Luiacutes Umbelino | Universidade de CoimbraMarcelino Villaverde | Universidade de Santiago de Compostela

Stephen Houlgate | University of Warwick

coordenaccedilatildeo editorial

Imprensa da Universidade de Coimbra

conceccedilatildeo graacutefica

Imprensa da Universidade de Coimbra

Preacute ‑imPressatildeo

Bookpaper

isBn978‑989‑26‑1480‑9

isBn digital

978‑989‑26‑1481‑6

doihttpsdoiorg1014195978‑989‑26‑1481‑6

copy novemBro 2017 imPrensa da Universidade de coimBra

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DIOGO FERRER

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITY PRESS

TRANSPAREcircNCIASLinguagem e RefLexatildeo de CiacuteCeRo a Pessoa

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Agrave Zajatildeo

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sUmaacuter i o

Proacutelogo

por Manuel Joseacute do Carmo Ferreira 11

Apresentaccedilatildeo 13

I Linguagem e Consciecircncia entre Ciacutecero e Wittgenstein

1 Do Orador ao Mestre Concepccedilotildees Romanas da Linguagem 21

11 O inconfessado da retoacuterica 23

12 A reconduccedilatildeo retoacuterica do saber 28

13 A pragmaacutetica do sinal 34

14 Conclusatildeo 37

2 Consciecircncia e Linguagem Acerca da Criacutetica Linguiacutestica do Sujeito na Primeira Metade do Seacuteculo XX 39

21 Os antecedentes kantianos 40

22 Significaccedilatildeo e consciecircncia Husserl e a idealidade das significaccedilotildees 45

23 Wittgenstein e a linguagem dos factos 56

24 O antecedente etimologista e empirista de Horne Tooke 63

25 O pensamento etimoloacutegico de Heidegger 65

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica 71

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8

II Reflexatildeo e Relatividades de Kant a Borges via Heidegger

3 Hegel ndash Escher ndash Borges Figuras e Conceitos da Reflexatildeo 79

31 Trecircs formas para um mesmo conteuacutedo 80

32 Borges e Hegel mundo invertido filosofia alematilde e literatura fantaacutestica 82

33 Escher segundo Hegel a ontologia da intuiccedilatildeo 84

34 A teoria de Escher da consciecircncia de si 87

35 O sujeito de Escher 92

36 O fim da intuiccedilatildeo laacute onde natildeo se pode intuir recuperaccedilatildeo da representaccedilatildeo 97

37 O significado da divisatildeo do plano mais uma vez Hegel 101

38 Objetos impossiacuteveis 105

39 Conclusatildeo Sistema negatividade e desenvolvimento 108

4 Pensar e Refletir Sobre o Modelo Reflexivo do Pensar em Kant e Heidegger 111

41 A reflexatildeo loacutegica 113

42 A reflexatildeo transcendental 117

43 O juiacutezo reflexivo 125

44 A necessidade do pensar 129

45 A reflexatildeo da finitude 132

46 Aprender a pensar 136

47 A reflexividade limitada 138

48 Aprender a aprender o significado do significado 142

49 Conclusatildeo 144

III Negaccedilatildeo e Mitologia no Pensamento Portuguecircs do Seacuteculo XX Pessoa Marinho e Eudoro

5 Fernando Pessoa e a Consciecircncia Infeliz 153

51 Negaccedilatildeo e consciecircncia 156

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9

52 A vivecircncia da dor e a patologia teoacuterica associada 163

53 Do positivo em Pessoa maturaccedilatildeo e desenvolvimento da consciecircncia 171

6 Fernando Pessoa Aproximaccedilatildeo Dialeacutetica e Fenomenoloacutegica 177

61 O sistema da poesia pessoana 177

62 As figuras do natildeo ‑ser pessoano 179

63 O laboratoacuterio faacuteustico e a dissoluccedilatildeo do real 181

64 As nuacutepcias da diferenccedila 187

65 A faacutebrica dos heteroacutenimos 191

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa 200

7 Negatividade e Saber Absoluto na Teoria do Ser e da Verdade de Joseacute Marinho 203

71 Sob o signo do negativo 203

72 O preacute ‑predicativo em questatildeo 205

73 A palavra e a aurora 209

74 O eixo de simetria reflexivo da Teoria 212

75 Aleacutem da reflexatildeo 215

76 Sobre o saber absoluto 216

8 Eudoro de Sousa e a Mitologia 219

81 Tautegoria alegoria significaccedilatildeo 220

82 O Projeto segundo Eudoro 229

83 O achatamento hodierno do siacutembolo 233

IV Modernidade Relativismo e Crise

9 Filosofia da Arquitetura e do Espaccedilo Aproximaccedilotildees Histoacuterico ‑Conceptuais ao Modernismo 237

91 Sobre a definiccedilatildeo da arte 237

92 A arquitetura hegeliana 241

93 O fim da arquitetura e mais aleacutem 245

94 Sobre o sentido do modernismo 248

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10

95 Modernismo e modernidade 251

96 Modernismo e negaccedilatildeo 252

97 Sobre a reaccedilatildeo ao modernismo 254

98 Final A ponte como obra de arte 256

10 Sobre os Pressupostos e Consequecircncias da Criacutetica ao Relativismo nos Prolegoacutemenos agrave Loacutegica Pura de Husserl 261

101 A tese da existecircncia de uma forma geral para as fundamentaccedilotildees 262

102 A inteleccedilatildeo a sua perda e substitutos 267

103 O relativismo e o ponto de partida reflexivo da fenomenologia 270

104 Uma criacutetica aos ldquoargumentos da reflexatildeordquo 275

105 Conclusatildeo Verdade e intencionalidade 277

11 A Epocheacute da Modernidade A Crise das Ciecircncias Europeias de Husserl 279

111 A conceccedilatildeo uacuteltima da fenomenologia 279

112 O combate pelo significado das palavras 281

113 A epocheacute histoacuterica das ciecircncias 282

114 O problema filosoacutefico da Modernidade 285

115 A epocheacute praxioloacutegica das ciecircncias 288

116 A lsquoLebensweltrsquo e a ampliaccedilatildeo final da fenomenologia 292

Origem dos textos 297

Referecircncias bibliograacuteficas 301

Iacutendice onomaacutestico 311

Iacutendice analiacutetico 313

Obras citadas 319

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PrOacutelogo

A obra Transparecircncias Linguagem e Reflexatildeo de Ciacutecero a Pessoa eacute constituiacuteda por onze estudos dos quais nove jaacute foram publicados mas agora revistos para a presente ediccedilatildeo e dois ineacuteditos os textos inscrevem ‑se no intervalo entre 1997 e 2016 mas a maior parte deles situa ‑se no uacuteltimo trieacutenio

Os ensaios estatildeo agrupados em quatro grandes nuacutecleos temaacute‑ticos ndash lsquoLinguagem e Consciecircnciarsquo lsquoConceitos da Reflexatildeo e do Relativismorsquo lsquoNegaccedilatildeo e Mitologiarsquo e lsquoModernidade Relativismo e Crisersquo e desenrolam ‑se num eixo temporal que privilegiando a con‑temporaneidade e nesta a fenomenologia de Husserl e de Heidegger bem como a filosofia da linguagem nomeadamente a de Wittgenstein remontam agrave retoacuterica romana (Ciacutecero e Agostinho) e retomam para os debates de hoje elementos estruturantes do pensamento kantiano e do idealismo alematildeo Os estudos recuperam ainda para esses mesmos debates figuras determinantes do pensamento portuguecircs do seacuteculo xx Fernando Pessoa Joseacute Marinho e Eudoro de Sousa Sem nunca se afastar do equacionamento filosoacutefico das questotildees tratadas os textos fazem intervir tambeacutem elementos da literatura com Borges e Pessoa e das artes do espaccedilo com Escher

Confrontados com a diversidade dos temas e dos autores com o seu complexo entrelaccedilamento histoacuterico e um dilatado horizonte sistemaacuteti‑co importa sublinhar a unidade da obra uma unidade diferenciante feita de convergecircncias sem duacutevida mas claramente manifesta logo a partir do intento expresso pelo autor de nos pocircr perante diferentes

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empiacutericas ndash tudo o resto satildeo simples abreviaturas que se limitam a tornar a comunicaccedilatildeo mais expedita

A esta primeira tese empirista e criacutetica do mentalismo junta ‑se uma outra posiccedilatildeo que lhe fornece o seu meacutetodo de investigaccedilatildeo Segundo Tooke ldquoa etimologia nos daraacute em todas as liacutenguas o que a filosofia em vatildeo buscourdquo108 nomeadamente a definiccedilatildeo do estatuto e do signifi‑cado dos termos universais e a sua relaccedilatildeo com o pensamento e com a linguagem A investigaccedilatildeo etimoloacutegica seraacute ldquosuficiente para descartar aquela operaccedilatildeo imaginaacuteria da mente que se denominou abstraccedilatildeo e para provar que tudo o que chamamos por este nome eacute somente um dos dispositivos da linguagem com o fim de uma comunicaccedilatildeo mais expeditardquo109 Toda a investigaccedilatildeo concetual eacute substituiacuteda pela anaacutelise etimoloacutegica de significados com o resultado de que natildeo haacute conceito subjectivo mas um reenvio de toda a operaccedilatildeo significativa para a proacutepria linguagem e o seu desenvolvimento A etimologia permite a descoberta em todos os termos gerais abstratos adjetivos adveacuterbios e outros do substantivo concreto original e a reduccedilatildeo assim de todos os termos gerais e relacionais natildeo a atos do sujeito mas a uma operaccedilatildeo da proacutepria linguagem

25 O pensamento etimoloacutegico de Heidegger

Se a obra de Tooke estaacute longe das vias mais frequentadas da lin‑guiacutestica e da filosofia a sua abordagem aponta no entanto o caminho para a avaliaccedilatildeo do significado metodoloacutegico do apelo agrave etimologia que deixa uma marca no seacuteculo xx nomeadamente por intermeacutedio da filosofia tardia de Heidegger que a ela recorre com frequecircncia como fio heuriacutestico da sua investigaccedilatildeo A ideia do meacutetodo etimoloacutegico

108 EP 171109 EP 600

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em Tooke revestido ainda de um empirismo filosoficamente um tanto tosco ressurge com Heidegger com as suas consequecircncias filosoacuteficas subtilmente desenvolvidas como veremos em seguida Sobre o meacute‑todo etimoloacutegico escreve Heidegger numa Introduccedilatildeo agrave Filosofia de 1930 que ldquodeve observar ‑se que natildeo nos socorremos da etimologia para a partir da raiz das palavras concluir algo de originariamente nativo [Urwuumlchsiges] sobre o significado ndash um procedimento exposto a grande abuso e erros mas precisamente tambeacutem porque pode ser frutiacutefero se utilizado no lugar certo da maneira e nos limites corretos [] Tomamos a linguagem no seu todo como a revelaccedilatildeo originaacuteria do ente no meio do qual o homem existe o homem cujo relevo essencial eacute o de existir nesta revelaccedilatildeo na linguagemrdquo110

Heidegger serve ‑se na verdade da etimologia com mais frequecircncia do que parece admitir neste texto E diga ‑se igualmente que encon‑trar o limite e o lugar correto para o recurso agrave etimologia depende de que se entenda que de nada serviraacute buscarmos significados mais antigos para as palavras se tal busca natildeo for acompanhada de uma reflexatildeo sobre o proacuteprio significado em geral de uma modificaccedilatildeo da compreensatildeo do que eacute o significado ou porventura de uma reflexatildeo sobre o que significa significar Natildeo se trata de reduzir significados a outros mais simples e naturais proacuteximos das impressotildees originaacuterias que foram pouco a pouco substituiacutedos por uma falsa superestrutura cultural segundo o projeto de Tooke De pouco importa a antiguidade das palavras mas sim a explicitaccedilatildeo do que significa a manifestaccedilatildeo do ente em geral do proacuteprio ser da linguagem O problema do sig‑

110 ldquoEinmal ist zu beachten daszlig wir keine Etymologie zuhilfe gerufen haben um aus dem Wortstamm etwas Urwuumlchsiges fuumlr die Bedeutung zu erschlieszligen ndash ein Verfahren das groszligem Miszligbrauch und Irrtuumlmern ausgesetzt ist aber eben deshalb auch wenn am rechten Ort und in der rechten Weise und Grenze betreiben fruchtbar sein kann [] Wir haben die Sprache im Ganzen genommen als die urspruumlngliche Offenbarung des Seienden inmitten dessen der Mensch existiert der Mensch dessen Wesensaus‑zeichnung es ist in der Sprache in dieser Offenbarung zu existierenrdquo (Heidegger Vom Wesen der menschlichen Freiheit Einleitung in die Philosophie Gesamtausgabe Frankfurt aM 1976 ‑ [=GA] 31 53 ‑54)

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nificado das palavras deve antes do mais situar o homem no meio do ente ou seja mostrar o significado dessa revelaccedilatildeo

Encontramos na obra A Caminho da Linguagem111 de Heidegger enunciado o princiacutepio de compreensatildeo do significado princiacutepio que se ajusta agrave perfeiccedilatildeo ao meacutetodo etimoloacutegico O projeto eacute claro natildeo se trata ldquotanto de situar e discutir [a linguagem] mas de nos levar ao lugar da sua essecircnciardquo112 e esta conduccedilatildeo passa de modo algo estranho por uma repeticcedilatildeo de frases de tipo tautoloacutegico que veicu‑lam de iniacutecio muito pouco conteuacutedo significativo Assim ldquoa proacutepria linguagem eacute a linguagemraquo ao que acrescenta que laquoa inteligecircncia lo‑gicamente instruiacuteda [] chama a esta frase uma tautologia que nada dizrdquo113 e repete a frase ldquoa linguagem eacute linguagemrdquo114 para numa ligeira variaccedilatildeo apresentar o princiacutepio que referimos que mais do que repetir faz ressoar em poucas paacuteginas como um eco reflexivo cerca de quinze vezes ldquodie Sprache sprichtrdquo (ldquoa linguagem falardquo)115

Que teoria do significado se funda sobre este princiacutepio a laquolin‑guagem falaraquo Eacute dito que a linguagem natildeo eacute silenciosa muda e que se o falante pode falar eacute porque a linguagem tem sentido antes e independentemente dele Na conclusatildeo do seu curso sobre a Loacutegica como a Questatildeo pela Essecircncia da Linguagem de 1934 registaram os seus ouvintes que ldquoa essecircncia da linguagem natildeo se anuncia laacute onde ela eacute [] forccedilada como um meio de troca e degradada agrave mera expressatildeo de um denominado interiorrdquo116 A tese da instrumentalidade da lingua‑gem como meio de troca comunicativa entre o interior dos sujeitos

111 Martin Heidegger Unterwegs zur Sprache 1959 2003 [=UzS]112 ldquoDie Sprache eroumlrtern heiszligt nicht so sehr sie sondern uns an den Ort ihres

Wesens bringenrdquo (UzS 12)113 ldquoDie Sprache selbst ist die Sprache Der logisch geschulte [] Verstand nennt

diesen Satz eine nichtssagende Tautologierdquo (UzS 12)114 ldquoSprache ist Spracherdquo (UzS 13)115 ldquoDie Sprache sprichtrdquo (UzS 12 13 14 16 19 20 21 28 30 32 33)116 Idem Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 170

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requer justamente uma neutralidade significativa do proacuteprio instru‑mento para que possa anunciar algo a transparecircncia do sinal a sua natildeo ‑significatividade qua linguagem segundo podemos depreender principalmente de Saussure

No mesmo ano deste uacuteltimo curso citado de Heidegger de 1934 a jaacute referida Sprachtheorie de Karl Buumlhler117 apresenta de modo mais completo as diferentes funccedilotildees da linguagem como exposiccedilatildeo expres‑satildeo e apelo As duas primeiras ndash exposiccedilatildeo e expressatildeo ndash requerem precisamente a natildeo ‑significatividade do proacuteprio signo A exposiccedilatildeo de um estado de coisas requer que o instrumento significativo natildeo altere por significados proacuteprios e incontrolados a sua imagem linguiacutestica Do mesmo modo a expressatildeo do interior soacute eacute realizada por uma me‑diaccedilatildeo ela mesma natildeo falante plenamente transparente Eacute requerido que a linguagem ela proacutepria natildeo fale natildeo receba sentido para aleacutem do pretendido pelo sujeito falante Pelo contraacuterio o caraacutecter linguiacutestico da proacutepria linguagem abre a expressatildeo justamente ao processo infinito das interpretaccedilotildees A tese de que a linguagem fala diz natildeo soacute que a linguagem oferece resistecircncia significativa agrave expressatildeo ou agrave exposiccedilatildeo objetiva mas que em uacuteltima instacircncia e Heidegger eacute claro nisto natildeo eacute o falante que fala mas a proacutepria linguagem minus anulando ‑se o sujeito e a sua reflexatildeo como pretendida fonte do significado E Heidegger pergunta pelo sujeito presente no seu princiacutepio ldquoa linguagem fala A linguagem Natildeo o homemrdquo ldquoNa sua essecircncia a linguagem natildeo eacute nem expressatildeo nem uma atividade do homem A linguagem falardquo118 Na tese da subjetividade etimoloacutegica da linguagem reside que o fa‑lante quando fala diz inuacutemeras coisas que natildeo pode alcanccedilar na sua

117 K Buumlhler Sprachtheorie Die Darstellungsfunktion der Sprache Stuttgart 1999 v Habermas bdquoZur Kritik der Bedeutungstheorieldquo trad Paulo Rodrigues in Racionalidade e Comunicaccedilatildeo Lisboa 2002 149 ‑182

118 bdquoDie Sprache spricht Die Sprache Und nicht der Menschldquo (UzS 20) bdquoDie Sprache ist in ihrem Wesen weder Ausdruck noch eine Betaumltigung des Menschen Die Sprache sprichtldquo (UzS 19)

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reflexatildeo proacutepria de sujeito e que esta uacuteltima natildeo soacute natildeo pode ser fonte de significaccedilatildeo como tatildeo ‑pouco eacute capaz de abraccedilar em si mesma a determinaccedilatildeo proacutepria dos significados que enuncia Nisto se fundaraacute tambeacutem a hermenecircutica filosoacutefica119 E Heidegger insiste neste pon‑to na recusa da reflexatildeo como fio do pensamento120 tese cujas bases teoacutericas estatildeo no conceito de finitude e de temporalidade assumidos pelo autor conceitos a que faremos ainda referecircncia mais abaixo Em uacuteltima instacircncia segundo a tese da etimologia natildeo se pode dizer que o falante como indiviacuteduo saiba efetivamente o que diz O princiacutepio ldquoa linguagem falardquo cuja repeticcedilatildeo faacute ‑lo justamente perder o sentido para o falante ndash no fenoacutemeno psicoloacutegico que todos conhecemos de esvaziamento do significado pela repeticcedilatildeo de uma palavra ndash deve ser suficiente para estabelecer uma compreensatildeo da linguagem oposta a toda a filosofia moderna do juiacutezo cuja forccedila ilocucionaacuteria lhe eacute confe‑rida por um ato da vontade do sujeito que assere ou daacute consentimento ao ser ou natildeo ‑ser predicativo O que eacute dito natildeo estaacute depositado na pretensa representaccedilatildeo ou imagem mental interior do sujeito defi‑nida por exemplo nos termos de Saussure ldquoo signo linguiacutestico natildeo une uma coisa e um nome mas um conceito e uma imagem acuacutestica [Se] arbor eacute chamado um signo soacute o eacute enquanto conteacutem o conceito aacutervore []rdquo121 Segundo Heidegger o significativo da linguagem estaacute depositado no proacuteprio significante natildeo no significado nas palavras e natildeo justamente no conceito como quer que se queira compreender o conceito O significado estaacute esquecido aleacutem disso por um uso habitual demasiadas vezes repetido ou feito a partir de um mundo ou de condiccedilotildees existenciais que jaacute natildeo correspondem agravequelas que davam originalmente significado agraves palavras A validade do meacutetodo

119 Vg Gadamer opcit 108 361 ‑364120 Cf Heidegger Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 53 58121 ldquole signe linguistique unit non une chose et un nom mais un concept et une

image acoustique [Si] arbor est appeleacute signe ce nrsquoest qursquoen tant qursquoil porte le concept lsquoarbrersquo []rdquo (CLG 98 ‑99)

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etimoloacutegico pressupotildee que haacute um sentido original e que esse sentido estaacute esquecido perdido ndash o que corresponde com alguma precisatildeo agrave tese de Heidegger acerca do esquecimento do ser a rememorar pela linguagem poeacutetica que natildeo deixa adormecer o significado pela repeti‑ccedilatildeo habitual122 Eacute assim dito acrescente ‑se que as geraccedilotildees transmitem sucessivamente uma mensagem original nas palavras agora natildeo soacute aladas como tambeacutem falantes que permanece por decifrar e que as proacuteprias geraccedilotildees ignoram que ao falar transmitem algo que natildeo mais entendem e que Heidegger viraacute a denominar o ldquoenviordquo ou mensagem do ser A expressatildeo comum ldquoeles natildeo sabem o que dizemrdquo ganha assim plausibilidade e o seu sentido torna ‑se mais claro pela etimologia e pelo princiacutepio de que ldquoa linguagem falardquo Segundo Heidegger ldquofala‑mos da linguagem na permanente aparecircncia de falar somente sobre a linguagem quando falamos jaacute a partir da linguagemrdquo123 sendo pois a reflexividade linguiacutestica do sujeito substituiacuteda por uma outra fonte de sentido que excede os limites da reflexatildeo

A etimologia erigida em meacutetodo e sistema filosoacutefico eacute uma versatildeo linguiacutestica da tese da alienaccedilatildeo geral da consciecircncia histoacuterica que encontramos no seacuteculo xx em autores como Heidegger que procurou rememorar o esquecimento do ser Adorno com a sua dialeacutetica do esclarecimento124 que parece encontrar na civilizaccedilatildeo uma forma de insuperaacutevel negatividade e mesmo Husserl na jaacute referida A Crise das Ciecircncias Filosoacuteficas por exemplo

Por oposiccedilatildeo a esta tese segundo a qual o significado eacute assumido pela proacutepria linguagem que fala e se potildee no lugar do falante enten‑demos assim do modo mais claro os motivos do aforismo do poeta que talvez mais sistematicamente reivindicou para si e investigou a

122 V o claacutessico de Ricoeur A Metaacutefora Viva trad J T Costa e A M Magalhatildees Porto 1983 151 476 ‑478

123 Heidegger UzS 191124 Adorno Horkheimer Dialektik der Aufklaumlrung Philosophische Fragmente in

Adorno Gesammelte Schrifte Band 3 Frankfurt a M 1996

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subjetividade e a reflexatildeo conforme lemos no Livro do Desassossego ldquoEu natildeo escrevo em portuguecircs Escrevo eu mesmordquo125

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica

O desenvolvimento por Heidegger de uma filosofia que poderiacutea‑mos considerar etimologicamente fundada que desapossa o sujeito da atividade de criaccedilatildeo e apreensatildeo de significado eacute antecedida por todo um questionamento de cariz bastante diverso acerca das condi‑ccedilotildees de fenomenalizaccedilatildeo do ser em Ser e Tempo de 1927126 A condiccedilatildeo primeira do fenoacutemeno eacute o ldquoDaseinrdquo ou ldquoser ‑aiacuterdquo que Heidegger define como o ente para o qual ldquono seu ser estaacute em causa este mesmo serrdquo127 Toda a investigaccedilatildeo estaacute centrada nesta caracteriacutestica do ser de um determinado ente o ser ‑aiacute para o qual visto nele estar sempre em causa o seu proacuteprio ser haacute mais do que somente um ambiente que o circunda um mundo O ser ‑aiacute eacute nos termos de Heidegger laquoo aiacute do serraquo128 o que significa lugar de manifestaccedilatildeo do sentido do ser Segundo as coordenadas da filosofia fenomenoloacutegica coordenadas que Heidegger alega seguir transformando ‑as no sentido de uma fenomenologia hermenecircutica o ser eacute entendido sobretudo como sen‑tido o que se caracteriza pelo ser ‑no ‑mundo como condiccedilatildeo baacutesica da existecircncia do ser ‑aiacute Existecircncia significa aqui natildeo a simples posiccedilatildeo de um ente na realidade mas dir ‑se ‑ia exteriorizaccedilatildeo do ser como manifestaccedilatildeo que justamente o ser ‑aiacute apreende como a questatildeo pelo

125 Fernando Pessoa Livro do Desassossego ed R Zenith Lisboa 1998 391 V os Capiacutetulos 5 e 6 infra

126 V n 47 supra Sobre este tema cf M Caron Heidegger Penseacutee de lrsquoecirctre et origine de la subjectiviteacute Paris 2005 773 ‑812 e o Capiacutetulo 4 infra

127 rdquoin seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo (Heidegger SuZ 12)128 SuZ 12

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seu proacuteprio ser A investigaccedilatildeo pelo sentido desenrolar ‑se ‑aacute como a investigaccedilatildeo das condiccedilotildees existenciais do ser ‑aiacute e da abertura para ele de um mundo O ser ‑aiacute natildeo pode ser entendido somente como um ente entre os outros dada a sua caracteriacutestica proacutepria de ldquoexistir ontologicamenterdquo129 A sua caracteriacutestica ocircntica aquilo que ele eacute como ente eacute existir ontologicamente ou seja dar ‑se num domiacutenio de sentido de ser que ele sempre jaacute compreendeu A viragem hermenecircutica da fenomenologia reforccedila a noccedilatildeo fenomenoloacutegica original da indagaccedilatildeo pelo significado ou sentido em que o fenoacutemeno em geral e em di‑versas modalidades se daacute Se no entanto como se viu as conclusotildees de Husserl natildeo apontaram para o desenvolvimento de uma filosofia da linguagem como ontologia ou filosofia primeira mas antes para o aprofundamento do tema do sujeito ante ‑predicativo e ante ‑linguiacutestico onde se encontra a evidecircncia do sentido130 as conclusotildees de Heidegger apoacutes aquilo que ele mesmo explicaraacute como uma ldquoviragemrdquo do seu pensamento vatildeo apontar para os desenvolvimentos de uma filosofia da linguagem nos moldes jaacute aflorados

O sentido desta viragem ldquoa caminho da linguagemrdquo estatildeo jaacute da‑dos ateacute certo ponto nos desenvolvimentos de Ser e Tempo Heidegger investiga aqui a fonte do significado das palavras no fenoacutemeno que denomina como significatividade Esta designa antes de mais um todo de referecircncias ou contexto que o ser ‑aiacute encontra natildeo soacute no mundo mas como o seu mundo131 Este contexto de referecircncias e totalidade de reenvios natildeo eacute um conjunto de coisas entendido nem extensivamente nem mesmo segundo a sua compreensatildeo proacutepria e investimento de validade subjetiva mas como uma rede de pragmata ou seja entes que se abrem originariamente em funccedilatildeo das possibili‑

129 SuZ 12130 Cf A Diemer Edmund Husserl Versuch einer systematischen Darstellung seiner

Phaumlnomenologie Meisenheim am Glan 1965 esp 110 ‑113131 Cf SuZ 63 ‑64 84 ‑86

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dades do lidar ou de servir uns para os outros no uso quotidiano do ser ‑aiacute Para Heidegger o fenoacutemeno originaacuterio do sentido natildeo se daacute na consideraccedilatildeo teoreacutetica de entes simplesmente dados ou perante um sujeito mas no projeto significativo de cariz existencial do ser ‑aiacute A consideraccedilatildeo teoreacutetica abstrata ou cientiacutefica dos entes como coisas disponiacuteveis para a observaccedilatildeo da sua essecircncia e na sequecircncia disto disponiacuteveis para a manipulaccedilatildeo teacutecnica eacute expressamente considerada uma consideraccedilatildeo secundaacuteria e deficitaacuteria que soacute emerge com base na privaccedilatildeo da abertura originaacuteria de sentido132 Esta daacute ‑se natildeo como ser ‑simplesmente ‑dado (Vorhandensein) no modo do correlato da visatildeo teoacuterica objetivante mas como ser ‑agrave ‑matildeo (Zuhandensein) ou utensilidade Esta utensilidade soacute existe em funccedilatildeo do projeto do ser ‑aiacute o qual estaacute na conhecida expressatildeo de Heidegger sempre jaacute lanccedilado ou projetado com o significado de que natildeo haacute para o ser‑‑aiacute nenhum comeccedilo absoluto ou fonte transparente das significaccedilotildees contrariamente agraves pretensotildees da filosofia de Descartes a Husserl Pelo contraacuterio a reflexividade sobre si proacuteprio do ser ‑aiacute bem como a sua compreensatildeo estatildeo sempre limitadas por um horizonte que dir ‑se ‑ia o impede de ver a totalidade integral do sentido do ser que lhe eacute proacuteprio ou do ser em geral O ldquoestar lanccediladordquo diz tambeacutem da exposiccedilatildeo e abertura do ser ‑aiacute ao mundo ou seja da sua facticidade ou que ele natildeo se pode considerar jamais como fundamento daquilo que inversamente natildeo pode senatildeo antecedecirc ‑lo aleacutem de ser dado em cada caso incompletamente Aliaacutes o que a reflexatildeo lhe fornece natildeo eacute uma perspetiva integral completa e inabalaacutevel sobre o seu proacuteprio ser a sua verdade e validade evidentes conforme de um modo ou de outro foi tiacutepico da filosofia desde Descartes minus a uacutenica completude que eacute dada ao ser ‑aiacute pelo fato de no seu ser ldquoestar em jogo este mesmo serrdquo ou pela ldquoJemeinigkeitrdquo (ser ‑em ‑cada ‑caso ‑meu) proacuteprio do ser ‑aiacute eacute a do seu proacuteprio ser para a morte

132 SuZ 69 ‑71

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Estes dados apontam para a temporalidade como o fenoacutemeno central do ser ‑aiacute o que tem como consequecircncia teoacuterica justamente a perda da possibilidade de uma apreensatildeo integral do sentido do ser minus posto que haacute que repetir a temporalidade eacute a estrutura funda‑mental da existecircncia do ser ‑aiacute Este natildeo eacute como que um sujeito a que se acrescentasse como predicado a temporalidade minus esta constitui natildeo um predicado mas o seu modo existencial de acesso ao ldquoaiacuterdquo em que tem o seu ser ou nos termos que nos satildeo jaacute familiares agrave abertura do mundo Esta alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo do sentido do ser com que Heidegger pretende fazer deslocar dos seus gonzos toda a perspeti‑va ontoloacutegica da histoacuteria da filosofia anterior natildeo poderia deixar de ter consequecircncias para a compreensatildeo da linguagem Na abordagem de Ser e Tempo pelo signo eacute adquirida e assegurada ldquoantes de mais uma orientaccedilatildeo dentro do mundo circundanterdquo133 minus precisamente como se viu aquilo que segundo Husserl lhe retirava significado134 ldquoO signo (Zeichen) natildeo estaacute soacute agrave matildeo como outro utensiacutelio qualquer mas no seu estar ‑agrave ‑matildeo o mundo circundante se torna em cada caso expressamente acessiacutevel para a visatildeo em redor O signo eacute um ente onticamente agrave ‑matildeo que como [um] utensiacutelio determinado funciona simultaneamente como algo que anuncia a estrutura ontoloacutegica do ser ‑agrave ‑matildeo da totalidade de referecircncias e da mundaneidaderdquo135

O signo opera nestes termos ao niacutevel do contexto de referecircn‑cias do ser ‑agrave ‑matildeo dando acesso agrave totalidade dessas referecircncias e agrave proacutepria significatividade do mundo Natildeo seraacute possiacutevel aprofundar aqui a posiccedilatildeo heideggeriana para aleacutem das anotaccedilotildees que nos fazem remeter o significado para a noccedilatildeo de mundo e da orientaccedilatildeo do

133 ldquoes gewinnt vielmehr eine Orientierung innerhalb der Umweltrdquo (SuZ 79)134 Cf pp 51 e 52 supra135 ldquoDie Zeichen ist nicht nur zuhanden mit anderem Zeug sondern in seiner

Zuhandenheit wird die Umwelt je fuumlr die Umsicht ausdruumlcklich zuhanden Zeichen ist ein ontisch Zuhandenes das als dieses bestimmte Zeug zugleich als etwas fungiert was die ontologische Struktur der Zuhandenheit Verweisungsganzheit und Weltlichkeit anzeigtrdquo (SuZ 82)

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44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 3: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

ediccedilatildeo

Imprensa da Universidade de CoimbraEmail imprensaucpt

URL httpwwwucptimprensa_ucVendas online httplivrariadaimprensaucpt

direccedilatildeo

Maria Luiacutesa PortocarreroDiogo Ferrer

conselho cientiacutefico

Alexandre Franco de Saacute | Universidade de CoimbraAngelica Nuzzo | City University of New YorkBirgit Sandkaulen | Ruhr ‑Universitaumlt Bochum

Christoph Asmuth | Technische Universitaumlt BerlinGiuseppe Duso | Universitagrave di Padova

Jean ‑Christophe Goddard | Universiteacute de Toulouse ‑Le MirailJephrey Barash | Universiteacute de Picardie

Jerocircme Poreacutee | Universiteacute de RennesJoseacute Manuel Martins | Universidade de Eacutevora

Karin de Boer | Katholieke Universiteit LeuvenLuiacutes Nascimento |Universidade Federal de Satildeo Carlos

Luiacutes Umbelino | Universidade de CoimbraMarcelino Villaverde | Universidade de Santiago de Compostela

Stephen Houlgate | University of Warwick

coordenaccedilatildeo editorial

Imprensa da Universidade de Coimbra

conceccedilatildeo graacutefica

Imprensa da Universidade de Coimbra

Preacute ‑imPressatildeo

Bookpaper

isBn978‑989‑26‑1480‑9

isBn digital

978‑989‑26‑1481‑6

doihttpsdoiorg1014195978‑989‑26‑1481‑6

copy novemBro 2017 imPrensa da Universidade de coimBra

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DIOGO FERRER

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITY PRESS

TRANSPAREcircNCIASLinguagem e RefLexatildeo de CiacuteCeRo a Pessoa

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Agrave Zajatildeo

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sUmaacuter i o

Proacutelogo

por Manuel Joseacute do Carmo Ferreira 11

Apresentaccedilatildeo 13

I Linguagem e Consciecircncia entre Ciacutecero e Wittgenstein

1 Do Orador ao Mestre Concepccedilotildees Romanas da Linguagem 21

11 O inconfessado da retoacuterica 23

12 A reconduccedilatildeo retoacuterica do saber 28

13 A pragmaacutetica do sinal 34

14 Conclusatildeo 37

2 Consciecircncia e Linguagem Acerca da Criacutetica Linguiacutestica do Sujeito na Primeira Metade do Seacuteculo XX 39

21 Os antecedentes kantianos 40

22 Significaccedilatildeo e consciecircncia Husserl e a idealidade das significaccedilotildees 45

23 Wittgenstein e a linguagem dos factos 56

24 O antecedente etimologista e empirista de Horne Tooke 63

25 O pensamento etimoloacutegico de Heidegger 65

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica 71

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8

II Reflexatildeo e Relatividades de Kant a Borges via Heidegger

3 Hegel ndash Escher ndash Borges Figuras e Conceitos da Reflexatildeo 79

31 Trecircs formas para um mesmo conteuacutedo 80

32 Borges e Hegel mundo invertido filosofia alematilde e literatura fantaacutestica 82

33 Escher segundo Hegel a ontologia da intuiccedilatildeo 84

34 A teoria de Escher da consciecircncia de si 87

35 O sujeito de Escher 92

36 O fim da intuiccedilatildeo laacute onde natildeo se pode intuir recuperaccedilatildeo da representaccedilatildeo 97

37 O significado da divisatildeo do plano mais uma vez Hegel 101

38 Objetos impossiacuteveis 105

39 Conclusatildeo Sistema negatividade e desenvolvimento 108

4 Pensar e Refletir Sobre o Modelo Reflexivo do Pensar em Kant e Heidegger 111

41 A reflexatildeo loacutegica 113

42 A reflexatildeo transcendental 117

43 O juiacutezo reflexivo 125

44 A necessidade do pensar 129

45 A reflexatildeo da finitude 132

46 Aprender a pensar 136

47 A reflexividade limitada 138

48 Aprender a aprender o significado do significado 142

49 Conclusatildeo 144

III Negaccedilatildeo e Mitologia no Pensamento Portuguecircs do Seacuteculo XX Pessoa Marinho e Eudoro

5 Fernando Pessoa e a Consciecircncia Infeliz 153

51 Negaccedilatildeo e consciecircncia 156

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9

52 A vivecircncia da dor e a patologia teoacuterica associada 163

53 Do positivo em Pessoa maturaccedilatildeo e desenvolvimento da consciecircncia 171

6 Fernando Pessoa Aproximaccedilatildeo Dialeacutetica e Fenomenoloacutegica 177

61 O sistema da poesia pessoana 177

62 As figuras do natildeo ‑ser pessoano 179

63 O laboratoacuterio faacuteustico e a dissoluccedilatildeo do real 181

64 As nuacutepcias da diferenccedila 187

65 A faacutebrica dos heteroacutenimos 191

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa 200

7 Negatividade e Saber Absoluto na Teoria do Ser e da Verdade de Joseacute Marinho 203

71 Sob o signo do negativo 203

72 O preacute ‑predicativo em questatildeo 205

73 A palavra e a aurora 209

74 O eixo de simetria reflexivo da Teoria 212

75 Aleacutem da reflexatildeo 215

76 Sobre o saber absoluto 216

8 Eudoro de Sousa e a Mitologia 219

81 Tautegoria alegoria significaccedilatildeo 220

82 O Projeto segundo Eudoro 229

83 O achatamento hodierno do siacutembolo 233

IV Modernidade Relativismo e Crise

9 Filosofia da Arquitetura e do Espaccedilo Aproximaccedilotildees Histoacuterico ‑Conceptuais ao Modernismo 237

91 Sobre a definiccedilatildeo da arte 237

92 A arquitetura hegeliana 241

93 O fim da arquitetura e mais aleacutem 245

94 Sobre o sentido do modernismo 248

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10

95 Modernismo e modernidade 251

96 Modernismo e negaccedilatildeo 252

97 Sobre a reaccedilatildeo ao modernismo 254

98 Final A ponte como obra de arte 256

10 Sobre os Pressupostos e Consequecircncias da Criacutetica ao Relativismo nos Prolegoacutemenos agrave Loacutegica Pura de Husserl 261

101 A tese da existecircncia de uma forma geral para as fundamentaccedilotildees 262

102 A inteleccedilatildeo a sua perda e substitutos 267

103 O relativismo e o ponto de partida reflexivo da fenomenologia 270

104 Uma criacutetica aos ldquoargumentos da reflexatildeordquo 275

105 Conclusatildeo Verdade e intencionalidade 277

11 A Epocheacute da Modernidade A Crise das Ciecircncias Europeias de Husserl 279

111 A conceccedilatildeo uacuteltima da fenomenologia 279

112 O combate pelo significado das palavras 281

113 A epocheacute histoacuterica das ciecircncias 282

114 O problema filosoacutefico da Modernidade 285

115 A epocheacute praxioloacutegica das ciecircncias 288

116 A lsquoLebensweltrsquo e a ampliaccedilatildeo final da fenomenologia 292

Origem dos textos 297

Referecircncias bibliograacuteficas 301

Iacutendice onomaacutestico 311

Iacutendice analiacutetico 313

Obras citadas 319

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PrOacutelogo

A obra Transparecircncias Linguagem e Reflexatildeo de Ciacutecero a Pessoa eacute constituiacuteda por onze estudos dos quais nove jaacute foram publicados mas agora revistos para a presente ediccedilatildeo e dois ineacuteditos os textos inscrevem ‑se no intervalo entre 1997 e 2016 mas a maior parte deles situa ‑se no uacuteltimo trieacutenio

Os ensaios estatildeo agrupados em quatro grandes nuacutecleos temaacute‑ticos ndash lsquoLinguagem e Consciecircnciarsquo lsquoConceitos da Reflexatildeo e do Relativismorsquo lsquoNegaccedilatildeo e Mitologiarsquo e lsquoModernidade Relativismo e Crisersquo e desenrolam ‑se num eixo temporal que privilegiando a con‑temporaneidade e nesta a fenomenologia de Husserl e de Heidegger bem como a filosofia da linguagem nomeadamente a de Wittgenstein remontam agrave retoacuterica romana (Ciacutecero e Agostinho) e retomam para os debates de hoje elementos estruturantes do pensamento kantiano e do idealismo alematildeo Os estudos recuperam ainda para esses mesmos debates figuras determinantes do pensamento portuguecircs do seacuteculo xx Fernando Pessoa Joseacute Marinho e Eudoro de Sousa Sem nunca se afastar do equacionamento filosoacutefico das questotildees tratadas os textos fazem intervir tambeacutem elementos da literatura com Borges e Pessoa e das artes do espaccedilo com Escher

Confrontados com a diversidade dos temas e dos autores com o seu complexo entrelaccedilamento histoacuterico e um dilatado horizonte sistemaacuteti‑co importa sublinhar a unidade da obra uma unidade diferenciante feita de convergecircncias sem duacutevida mas claramente manifesta logo a partir do intento expresso pelo autor de nos pocircr perante diferentes

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empiacutericas ndash tudo o resto satildeo simples abreviaturas que se limitam a tornar a comunicaccedilatildeo mais expedita

A esta primeira tese empirista e criacutetica do mentalismo junta ‑se uma outra posiccedilatildeo que lhe fornece o seu meacutetodo de investigaccedilatildeo Segundo Tooke ldquoa etimologia nos daraacute em todas as liacutenguas o que a filosofia em vatildeo buscourdquo108 nomeadamente a definiccedilatildeo do estatuto e do signifi‑cado dos termos universais e a sua relaccedilatildeo com o pensamento e com a linguagem A investigaccedilatildeo etimoloacutegica seraacute ldquosuficiente para descartar aquela operaccedilatildeo imaginaacuteria da mente que se denominou abstraccedilatildeo e para provar que tudo o que chamamos por este nome eacute somente um dos dispositivos da linguagem com o fim de uma comunicaccedilatildeo mais expeditardquo109 Toda a investigaccedilatildeo concetual eacute substituiacuteda pela anaacutelise etimoloacutegica de significados com o resultado de que natildeo haacute conceito subjectivo mas um reenvio de toda a operaccedilatildeo significativa para a proacutepria linguagem e o seu desenvolvimento A etimologia permite a descoberta em todos os termos gerais abstratos adjetivos adveacuterbios e outros do substantivo concreto original e a reduccedilatildeo assim de todos os termos gerais e relacionais natildeo a atos do sujeito mas a uma operaccedilatildeo da proacutepria linguagem

25 O pensamento etimoloacutegico de Heidegger

Se a obra de Tooke estaacute longe das vias mais frequentadas da lin‑guiacutestica e da filosofia a sua abordagem aponta no entanto o caminho para a avaliaccedilatildeo do significado metodoloacutegico do apelo agrave etimologia que deixa uma marca no seacuteculo xx nomeadamente por intermeacutedio da filosofia tardia de Heidegger que a ela recorre com frequecircncia como fio heuriacutestico da sua investigaccedilatildeo A ideia do meacutetodo etimoloacutegico

108 EP 171109 EP 600

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em Tooke revestido ainda de um empirismo filosoficamente um tanto tosco ressurge com Heidegger com as suas consequecircncias filosoacuteficas subtilmente desenvolvidas como veremos em seguida Sobre o meacute‑todo etimoloacutegico escreve Heidegger numa Introduccedilatildeo agrave Filosofia de 1930 que ldquodeve observar ‑se que natildeo nos socorremos da etimologia para a partir da raiz das palavras concluir algo de originariamente nativo [Urwuumlchsiges] sobre o significado ndash um procedimento exposto a grande abuso e erros mas precisamente tambeacutem porque pode ser frutiacutefero se utilizado no lugar certo da maneira e nos limites corretos [] Tomamos a linguagem no seu todo como a revelaccedilatildeo originaacuteria do ente no meio do qual o homem existe o homem cujo relevo essencial eacute o de existir nesta revelaccedilatildeo na linguagemrdquo110

Heidegger serve ‑se na verdade da etimologia com mais frequecircncia do que parece admitir neste texto E diga ‑se igualmente que encon‑trar o limite e o lugar correto para o recurso agrave etimologia depende de que se entenda que de nada serviraacute buscarmos significados mais antigos para as palavras se tal busca natildeo for acompanhada de uma reflexatildeo sobre o proacuteprio significado em geral de uma modificaccedilatildeo da compreensatildeo do que eacute o significado ou porventura de uma reflexatildeo sobre o que significa significar Natildeo se trata de reduzir significados a outros mais simples e naturais proacuteximos das impressotildees originaacuterias que foram pouco a pouco substituiacutedos por uma falsa superestrutura cultural segundo o projeto de Tooke De pouco importa a antiguidade das palavras mas sim a explicitaccedilatildeo do que significa a manifestaccedilatildeo do ente em geral do proacuteprio ser da linguagem O problema do sig‑

110 ldquoEinmal ist zu beachten daszlig wir keine Etymologie zuhilfe gerufen haben um aus dem Wortstamm etwas Urwuumlchsiges fuumlr die Bedeutung zu erschlieszligen ndash ein Verfahren das groszligem Miszligbrauch und Irrtuumlmern ausgesetzt ist aber eben deshalb auch wenn am rechten Ort und in der rechten Weise und Grenze betreiben fruchtbar sein kann [] Wir haben die Sprache im Ganzen genommen als die urspruumlngliche Offenbarung des Seienden inmitten dessen der Mensch existiert der Mensch dessen Wesensaus‑zeichnung es ist in der Sprache in dieser Offenbarung zu existierenrdquo (Heidegger Vom Wesen der menschlichen Freiheit Einleitung in die Philosophie Gesamtausgabe Frankfurt aM 1976 ‑ [=GA] 31 53 ‑54)

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nificado das palavras deve antes do mais situar o homem no meio do ente ou seja mostrar o significado dessa revelaccedilatildeo

Encontramos na obra A Caminho da Linguagem111 de Heidegger enunciado o princiacutepio de compreensatildeo do significado princiacutepio que se ajusta agrave perfeiccedilatildeo ao meacutetodo etimoloacutegico O projeto eacute claro natildeo se trata ldquotanto de situar e discutir [a linguagem] mas de nos levar ao lugar da sua essecircnciardquo112 e esta conduccedilatildeo passa de modo algo estranho por uma repeticcedilatildeo de frases de tipo tautoloacutegico que veicu‑lam de iniacutecio muito pouco conteuacutedo significativo Assim ldquoa proacutepria linguagem eacute a linguagemraquo ao que acrescenta que laquoa inteligecircncia lo‑gicamente instruiacuteda [] chama a esta frase uma tautologia que nada dizrdquo113 e repete a frase ldquoa linguagem eacute linguagemrdquo114 para numa ligeira variaccedilatildeo apresentar o princiacutepio que referimos que mais do que repetir faz ressoar em poucas paacuteginas como um eco reflexivo cerca de quinze vezes ldquodie Sprache sprichtrdquo (ldquoa linguagem falardquo)115

Que teoria do significado se funda sobre este princiacutepio a laquolin‑guagem falaraquo Eacute dito que a linguagem natildeo eacute silenciosa muda e que se o falante pode falar eacute porque a linguagem tem sentido antes e independentemente dele Na conclusatildeo do seu curso sobre a Loacutegica como a Questatildeo pela Essecircncia da Linguagem de 1934 registaram os seus ouvintes que ldquoa essecircncia da linguagem natildeo se anuncia laacute onde ela eacute [] forccedilada como um meio de troca e degradada agrave mera expressatildeo de um denominado interiorrdquo116 A tese da instrumentalidade da lingua‑gem como meio de troca comunicativa entre o interior dos sujeitos

111 Martin Heidegger Unterwegs zur Sprache 1959 2003 [=UzS]112 ldquoDie Sprache eroumlrtern heiszligt nicht so sehr sie sondern uns an den Ort ihres

Wesens bringenrdquo (UzS 12)113 ldquoDie Sprache selbst ist die Sprache Der logisch geschulte [] Verstand nennt

diesen Satz eine nichtssagende Tautologierdquo (UzS 12)114 ldquoSprache ist Spracherdquo (UzS 13)115 ldquoDie Sprache sprichtrdquo (UzS 12 13 14 16 19 20 21 28 30 32 33)116 Idem Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 170

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requer justamente uma neutralidade significativa do proacuteprio instru‑mento para que possa anunciar algo a transparecircncia do sinal a sua natildeo ‑significatividade qua linguagem segundo podemos depreender principalmente de Saussure

No mesmo ano deste uacuteltimo curso citado de Heidegger de 1934 a jaacute referida Sprachtheorie de Karl Buumlhler117 apresenta de modo mais completo as diferentes funccedilotildees da linguagem como exposiccedilatildeo expres‑satildeo e apelo As duas primeiras ndash exposiccedilatildeo e expressatildeo ndash requerem precisamente a natildeo ‑significatividade do proacuteprio signo A exposiccedilatildeo de um estado de coisas requer que o instrumento significativo natildeo altere por significados proacuteprios e incontrolados a sua imagem linguiacutestica Do mesmo modo a expressatildeo do interior soacute eacute realizada por uma me‑diaccedilatildeo ela mesma natildeo falante plenamente transparente Eacute requerido que a linguagem ela proacutepria natildeo fale natildeo receba sentido para aleacutem do pretendido pelo sujeito falante Pelo contraacuterio o caraacutecter linguiacutestico da proacutepria linguagem abre a expressatildeo justamente ao processo infinito das interpretaccedilotildees A tese de que a linguagem fala diz natildeo soacute que a linguagem oferece resistecircncia significativa agrave expressatildeo ou agrave exposiccedilatildeo objetiva mas que em uacuteltima instacircncia e Heidegger eacute claro nisto natildeo eacute o falante que fala mas a proacutepria linguagem minus anulando ‑se o sujeito e a sua reflexatildeo como pretendida fonte do significado E Heidegger pergunta pelo sujeito presente no seu princiacutepio ldquoa linguagem fala A linguagem Natildeo o homemrdquo ldquoNa sua essecircncia a linguagem natildeo eacute nem expressatildeo nem uma atividade do homem A linguagem falardquo118 Na tese da subjetividade etimoloacutegica da linguagem reside que o fa‑lante quando fala diz inuacutemeras coisas que natildeo pode alcanccedilar na sua

117 K Buumlhler Sprachtheorie Die Darstellungsfunktion der Sprache Stuttgart 1999 v Habermas bdquoZur Kritik der Bedeutungstheorieldquo trad Paulo Rodrigues in Racionalidade e Comunicaccedilatildeo Lisboa 2002 149 ‑182

118 bdquoDie Sprache spricht Die Sprache Und nicht der Menschldquo (UzS 20) bdquoDie Sprache ist in ihrem Wesen weder Ausdruck noch eine Betaumltigung des Menschen Die Sprache sprichtldquo (UzS 19)

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reflexatildeo proacutepria de sujeito e que esta uacuteltima natildeo soacute natildeo pode ser fonte de significaccedilatildeo como tatildeo ‑pouco eacute capaz de abraccedilar em si mesma a determinaccedilatildeo proacutepria dos significados que enuncia Nisto se fundaraacute tambeacutem a hermenecircutica filosoacutefica119 E Heidegger insiste neste pon‑to na recusa da reflexatildeo como fio do pensamento120 tese cujas bases teoacutericas estatildeo no conceito de finitude e de temporalidade assumidos pelo autor conceitos a que faremos ainda referecircncia mais abaixo Em uacuteltima instacircncia segundo a tese da etimologia natildeo se pode dizer que o falante como indiviacuteduo saiba efetivamente o que diz O princiacutepio ldquoa linguagem falardquo cuja repeticcedilatildeo faacute ‑lo justamente perder o sentido para o falante ndash no fenoacutemeno psicoloacutegico que todos conhecemos de esvaziamento do significado pela repeticcedilatildeo de uma palavra ndash deve ser suficiente para estabelecer uma compreensatildeo da linguagem oposta a toda a filosofia moderna do juiacutezo cuja forccedila ilocucionaacuteria lhe eacute confe‑rida por um ato da vontade do sujeito que assere ou daacute consentimento ao ser ou natildeo ‑ser predicativo O que eacute dito natildeo estaacute depositado na pretensa representaccedilatildeo ou imagem mental interior do sujeito defi‑nida por exemplo nos termos de Saussure ldquoo signo linguiacutestico natildeo une uma coisa e um nome mas um conceito e uma imagem acuacutestica [Se] arbor eacute chamado um signo soacute o eacute enquanto conteacutem o conceito aacutervore []rdquo121 Segundo Heidegger o significativo da linguagem estaacute depositado no proacuteprio significante natildeo no significado nas palavras e natildeo justamente no conceito como quer que se queira compreender o conceito O significado estaacute esquecido aleacutem disso por um uso habitual demasiadas vezes repetido ou feito a partir de um mundo ou de condiccedilotildees existenciais que jaacute natildeo correspondem agravequelas que davam originalmente significado agraves palavras A validade do meacutetodo

119 Vg Gadamer opcit 108 361 ‑364120 Cf Heidegger Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 53 58121 ldquole signe linguistique unit non une chose et un nom mais un concept et une

image acoustique [Si] arbor est appeleacute signe ce nrsquoest qursquoen tant qursquoil porte le concept lsquoarbrersquo []rdquo (CLG 98 ‑99)

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etimoloacutegico pressupotildee que haacute um sentido original e que esse sentido estaacute esquecido perdido ndash o que corresponde com alguma precisatildeo agrave tese de Heidegger acerca do esquecimento do ser a rememorar pela linguagem poeacutetica que natildeo deixa adormecer o significado pela repeti‑ccedilatildeo habitual122 Eacute assim dito acrescente ‑se que as geraccedilotildees transmitem sucessivamente uma mensagem original nas palavras agora natildeo soacute aladas como tambeacutem falantes que permanece por decifrar e que as proacuteprias geraccedilotildees ignoram que ao falar transmitem algo que natildeo mais entendem e que Heidegger viraacute a denominar o ldquoenviordquo ou mensagem do ser A expressatildeo comum ldquoeles natildeo sabem o que dizemrdquo ganha assim plausibilidade e o seu sentido torna ‑se mais claro pela etimologia e pelo princiacutepio de que ldquoa linguagem falardquo Segundo Heidegger ldquofala‑mos da linguagem na permanente aparecircncia de falar somente sobre a linguagem quando falamos jaacute a partir da linguagemrdquo123 sendo pois a reflexividade linguiacutestica do sujeito substituiacuteda por uma outra fonte de sentido que excede os limites da reflexatildeo

A etimologia erigida em meacutetodo e sistema filosoacutefico eacute uma versatildeo linguiacutestica da tese da alienaccedilatildeo geral da consciecircncia histoacuterica que encontramos no seacuteculo xx em autores como Heidegger que procurou rememorar o esquecimento do ser Adorno com a sua dialeacutetica do esclarecimento124 que parece encontrar na civilizaccedilatildeo uma forma de insuperaacutevel negatividade e mesmo Husserl na jaacute referida A Crise das Ciecircncias Filosoacuteficas por exemplo

Por oposiccedilatildeo a esta tese segundo a qual o significado eacute assumido pela proacutepria linguagem que fala e se potildee no lugar do falante enten‑demos assim do modo mais claro os motivos do aforismo do poeta que talvez mais sistematicamente reivindicou para si e investigou a

122 V o claacutessico de Ricoeur A Metaacutefora Viva trad J T Costa e A M Magalhatildees Porto 1983 151 476 ‑478

123 Heidegger UzS 191124 Adorno Horkheimer Dialektik der Aufklaumlrung Philosophische Fragmente in

Adorno Gesammelte Schrifte Band 3 Frankfurt a M 1996

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subjetividade e a reflexatildeo conforme lemos no Livro do Desassossego ldquoEu natildeo escrevo em portuguecircs Escrevo eu mesmordquo125

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica

O desenvolvimento por Heidegger de uma filosofia que poderiacutea‑mos considerar etimologicamente fundada que desapossa o sujeito da atividade de criaccedilatildeo e apreensatildeo de significado eacute antecedida por todo um questionamento de cariz bastante diverso acerca das condi‑ccedilotildees de fenomenalizaccedilatildeo do ser em Ser e Tempo de 1927126 A condiccedilatildeo primeira do fenoacutemeno eacute o ldquoDaseinrdquo ou ldquoser ‑aiacuterdquo que Heidegger define como o ente para o qual ldquono seu ser estaacute em causa este mesmo serrdquo127 Toda a investigaccedilatildeo estaacute centrada nesta caracteriacutestica do ser de um determinado ente o ser ‑aiacute para o qual visto nele estar sempre em causa o seu proacuteprio ser haacute mais do que somente um ambiente que o circunda um mundo O ser ‑aiacute eacute nos termos de Heidegger laquoo aiacute do serraquo128 o que significa lugar de manifestaccedilatildeo do sentido do ser Segundo as coordenadas da filosofia fenomenoloacutegica coordenadas que Heidegger alega seguir transformando ‑as no sentido de uma fenomenologia hermenecircutica o ser eacute entendido sobretudo como sen‑tido o que se caracteriza pelo ser ‑no ‑mundo como condiccedilatildeo baacutesica da existecircncia do ser ‑aiacute Existecircncia significa aqui natildeo a simples posiccedilatildeo de um ente na realidade mas dir ‑se ‑ia exteriorizaccedilatildeo do ser como manifestaccedilatildeo que justamente o ser ‑aiacute apreende como a questatildeo pelo

125 Fernando Pessoa Livro do Desassossego ed R Zenith Lisboa 1998 391 V os Capiacutetulos 5 e 6 infra

126 V n 47 supra Sobre este tema cf M Caron Heidegger Penseacutee de lrsquoecirctre et origine de la subjectiviteacute Paris 2005 773 ‑812 e o Capiacutetulo 4 infra

127 rdquoin seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo (Heidegger SuZ 12)128 SuZ 12

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seu proacuteprio ser A investigaccedilatildeo pelo sentido desenrolar ‑se ‑aacute como a investigaccedilatildeo das condiccedilotildees existenciais do ser ‑aiacute e da abertura para ele de um mundo O ser ‑aiacute natildeo pode ser entendido somente como um ente entre os outros dada a sua caracteriacutestica proacutepria de ldquoexistir ontologicamenterdquo129 A sua caracteriacutestica ocircntica aquilo que ele eacute como ente eacute existir ontologicamente ou seja dar ‑se num domiacutenio de sentido de ser que ele sempre jaacute compreendeu A viragem hermenecircutica da fenomenologia reforccedila a noccedilatildeo fenomenoloacutegica original da indagaccedilatildeo pelo significado ou sentido em que o fenoacutemeno em geral e em di‑versas modalidades se daacute Se no entanto como se viu as conclusotildees de Husserl natildeo apontaram para o desenvolvimento de uma filosofia da linguagem como ontologia ou filosofia primeira mas antes para o aprofundamento do tema do sujeito ante ‑predicativo e ante ‑linguiacutestico onde se encontra a evidecircncia do sentido130 as conclusotildees de Heidegger apoacutes aquilo que ele mesmo explicaraacute como uma ldquoviragemrdquo do seu pensamento vatildeo apontar para os desenvolvimentos de uma filosofia da linguagem nos moldes jaacute aflorados

O sentido desta viragem ldquoa caminho da linguagemrdquo estatildeo jaacute da‑dos ateacute certo ponto nos desenvolvimentos de Ser e Tempo Heidegger investiga aqui a fonte do significado das palavras no fenoacutemeno que denomina como significatividade Esta designa antes de mais um todo de referecircncias ou contexto que o ser ‑aiacute encontra natildeo soacute no mundo mas como o seu mundo131 Este contexto de referecircncias e totalidade de reenvios natildeo eacute um conjunto de coisas entendido nem extensivamente nem mesmo segundo a sua compreensatildeo proacutepria e investimento de validade subjetiva mas como uma rede de pragmata ou seja entes que se abrem originariamente em funccedilatildeo das possibili‑

129 SuZ 12130 Cf A Diemer Edmund Husserl Versuch einer systematischen Darstellung seiner

Phaumlnomenologie Meisenheim am Glan 1965 esp 110 ‑113131 Cf SuZ 63 ‑64 84 ‑86

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dades do lidar ou de servir uns para os outros no uso quotidiano do ser ‑aiacute Para Heidegger o fenoacutemeno originaacuterio do sentido natildeo se daacute na consideraccedilatildeo teoreacutetica de entes simplesmente dados ou perante um sujeito mas no projeto significativo de cariz existencial do ser ‑aiacute A consideraccedilatildeo teoreacutetica abstrata ou cientiacutefica dos entes como coisas disponiacuteveis para a observaccedilatildeo da sua essecircncia e na sequecircncia disto disponiacuteveis para a manipulaccedilatildeo teacutecnica eacute expressamente considerada uma consideraccedilatildeo secundaacuteria e deficitaacuteria que soacute emerge com base na privaccedilatildeo da abertura originaacuteria de sentido132 Esta daacute ‑se natildeo como ser ‑simplesmente ‑dado (Vorhandensein) no modo do correlato da visatildeo teoacuterica objetivante mas como ser ‑agrave ‑matildeo (Zuhandensein) ou utensilidade Esta utensilidade soacute existe em funccedilatildeo do projeto do ser ‑aiacute o qual estaacute na conhecida expressatildeo de Heidegger sempre jaacute lanccedilado ou projetado com o significado de que natildeo haacute para o ser‑‑aiacute nenhum comeccedilo absoluto ou fonte transparente das significaccedilotildees contrariamente agraves pretensotildees da filosofia de Descartes a Husserl Pelo contraacuterio a reflexividade sobre si proacuteprio do ser ‑aiacute bem como a sua compreensatildeo estatildeo sempre limitadas por um horizonte que dir ‑se ‑ia o impede de ver a totalidade integral do sentido do ser que lhe eacute proacuteprio ou do ser em geral O ldquoestar lanccediladordquo diz tambeacutem da exposiccedilatildeo e abertura do ser ‑aiacute ao mundo ou seja da sua facticidade ou que ele natildeo se pode considerar jamais como fundamento daquilo que inversamente natildeo pode senatildeo antecedecirc ‑lo aleacutem de ser dado em cada caso incompletamente Aliaacutes o que a reflexatildeo lhe fornece natildeo eacute uma perspetiva integral completa e inabalaacutevel sobre o seu proacuteprio ser a sua verdade e validade evidentes conforme de um modo ou de outro foi tiacutepico da filosofia desde Descartes minus a uacutenica completude que eacute dada ao ser ‑aiacute pelo fato de no seu ser ldquoestar em jogo este mesmo serrdquo ou pela ldquoJemeinigkeitrdquo (ser ‑em ‑cada ‑caso ‑meu) proacuteprio do ser ‑aiacute eacute a do seu proacuteprio ser para a morte

132 SuZ 69 ‑71

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Estes dados apontam para a temporalidade como o fenoacutemeno central do ser ‑aiacute o que tem como consequecircncia teoacuterica justamente a perda da possibilidade de uma apreensatildeo integral do sentido do ser minus posto que haacute que repetir a temporalidade eacute a estrutura funda‑mental da existecircncia do ser ‑aiacute Este natildeo eacute como que um sujeito a que se acrescentasse como predicado a temporalidade minus esta constitui natildeo um predicado mas o seu modo existencial de acesso ao ldquoaiacuterdquo em que tem o seu ser ou nos termos que nos satildeo jaacute familiares agrave abertura do mundo Esta alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo do sentido do ser com que Heidegger pretende fazer deslocar dos seus gonzos toda a perspeti‑va ontoloacutegica da histoacuteria da filosofia anterior natildeo poderia deixar de ter consequecircncias para a compreensatildeo da linguagem Na abordagem de Ser e Tempo pelo signo eacute adquirida e assegurada ldquoantes de mais uma orientaccedilatildeo dentro do mundo circundanterdquo133 minus precisamente como se viu aquilo que segundo Husserl lhe retirava significado134 ldquoO signo (Zeichen) natildeo estaacute soacute agrave matildeo como outro utensiacutelio qualquer mas no seu estar ‑agrave ‑matildeo o mundo circundante se torna em cada caso expressamente acessiacutevel para a visatildeo em redor O signo eacute um ente onticamente agrave ‑matildeo que como [um] utensiacutelio determinado funciona simultaneamente como algo que anuncia a estrutura ontoloacutegica do ser ‑agrave ‑matildeo da totalidade de referecircncias e da mundaneidaderdquo135

O signo opera nestes termos ao niacutevel do contexto de referecircn‑cias do ser ‑agrave ‑matildeo dando acesso agrave totalidade dessas referecircncias e agrave proacutepria significatividade do mundo Natildeo seraacute possiacutevel aprofundar aqui a posiccedilatildeo heideggeriana para aleacutem das anotaccedilotildees que nos fazem remeter o significado para a noccedilatildeo de mundo e da orientaccedilatildeo do

133 ldquoes gewinnt vielmehr eine Orientierung innerhalb der Umweltrdquo (SuZ 79)134 Cf pp 51 e 52 supra135 ldquoDie Zeichen ist nicht nur zuhanden mit anderem Zeug sondern in seiner

Zuhandenheit wird die Umwelt je fuumlr die Umsicht ausdruumlcklich zuhanden Zeichen ist ein ontisch Zuhandenes das als dieses bestimmte Zeug zugleich als etwas fungiert was die ontologische Struktur der Zuhandenheit Verweisungsganzheit und Weltlichkeit anzeigtrdquo (SuZ 82)

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44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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201

no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 4: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

DIOGO FERRER

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITY PRESS

TRANSPAREcircNCIASLinguagem e RefLexatildeo de CiacuteCeRo a Pessoa

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Agrave Zajatildeo

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sUmaacuter i o

Proacutelogo

por Manuel Joseacute do Carmo Ferreira 11

Apresentaccedilatildeo 13

I Linguagem e Consciecircncia entre Ciacutecero e Wittgenstein

1 Do Orador ao Mestre Concepccedilotildees Romanas da Linguagem 21

11 O inconfessado da retoacuterica 23

12 A reconduccedilatildeo retoacuterica do saber 28

13 A pragmaacutetica do sinal 34

14 Conclusatildeo 37

2 Consciecircncia e Linguagem Acerca da Criacutetica Linguiacutestica do Sujeito na Primeira Metade do Seacuteculo XX 39

21 Os antecedentes kantianos 40

22 Significaccedilatildeo e consciecircncia Husserl e a idealidade das significaccedilotildees 45

23 Wittgenstein e a linguagem dos factos 56

24 O antecedente etimologista e empirista de Horne Tooke 63

25 O pensamento etimoloacutegico de Heidegger 65

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica 71

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8

II Reflexatildeo e Relatividades de Kant a Borges via Heidegger

3 Hegel ndash Escher ndash Borges Figuras e Conceitos da Reflexatildeo 79

31 Trecircs formas para um mesmo conteuacutedo 80

32 Borges e Hegel mundo invertido filosofia alematilde e literatura fantaacutestica 82

33 Escher segundo Hegel a ontologia da intuiccedilatildeo 84

34 A teoria de Escher da consciecircncia de si 87

35 O sujeito de Escher 92

36 O fim da intuiccedilatildeo laacute onde natildeo se pode intuir recuperaccedilatildeo da representaccedilatildeo 97

37 O significado da divisatildeo do plano mais uma vez Hegel 101

38 Objetos impossiacuteveis 105

39 Conclusatildeo Sistema negatividade e desenvolvimento 108

4 Pensar e Refletir Sobre o Modelo Reflexivo do Pensar em Kant e Heidegger 111

41 A reflexatildeo loacutegica 113

42 A reflexatildeo transcendental 117

43 O juiacutezo reflexivo 125

44 A necessidade do pensar 129

45 A reflexatildeo da finitude 132

46 Aprender a pensar 136

47 A reflexividade limitada 138

48 Aprender a aprender o significado do significado 142

49 Conclusatildeo 144

III Negaccedilatildeo e Mitologia no Pensamento Portuguecircs do Seacuteculo XX Pessoa Marinho e Eudoro

5 Fernando Pessoa e a Consciecircncia Infeliz 153

51 Negaccedilatildeo e consciecircncia 156

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9

52 A vivecircncia da dor e a patologia teoacuterica associada 163

53 Do positivo em Pessoa maturaccedilatildeo e desenvolvimento da consciecircncia 171

6 Fernando Pessoa Aproximaccedilatildeo Dialeacutetica e Fenomenoloacutegica 177

61 O sistema da poesia pessoana 177

62 As figuras do natildeo ‑ser pessoano 179

63 O laboratoacuterio faacuteustico e a dissoluccedilatildeo do real 181

64 As nuacutepcias da diferenccedila 187

65 A faacutebrica dos heteroacutenimos 191

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa 200

7 Negatividade e Saber Absoluto na Teoria do Ser e da Verdade de Joseacute Marinho 203

71 Sob o signo do negativo 203

72 O preacute ‑predicativo em questatildeo 205

73 A palavra e a aurora 209

74 O eixo de simetria reflexivo da Teoria 212

75 Aleacutem da reflexatildeo 215

76 Sobre o saber absoluto 216

8 Eudoro de Sousa e a Mitologia 219

81 Tautegoria alegoria significaccedilatildeo 220

82 O Projeto segundo Eudoro 229

83 O achatamento hodierno do siacutembolo 233

IV Modernidade Relativismo e Crise

9 Filosofia da Arquitetura e do Espaccedilo Aproximaccedilotildees Histoacuterico ‑Conceptuais ao Modernismo 237

91 Sobre a definiccedilatildeo da arte 237

92 A arquitetura hegeliana 241

93 O fim da arquitetura e mais aleacutem 245

94 Sobre o sentido do modernismo 248

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10

95 Modernismo e modernidade 251

96 Modernismo e negaccedilatildeo 252

97 Sobre a reaccedilatildeo ao modernismo 254

98 Final A ponte como obra de arte 256

10 Sobre os Pressupostos e Consequecircncias da Criacutetica ao Relativismo nos Prolegoacutemenos agrave Loacutegica Pura de Husserl 261

101 A tese da existecircncia de uma forma geral para as fundamentaccedilotildees 262

102 A inteleccedilatildeo a sua perda e substitutos 267

103 O relativismo e o ponto de partida reflexivo da fenomenologia 270

104 Uma criacutetica aos ldquoargumentos da reflexatildeordquo 275

105 Conclusatildeo Verdade e intencionalidade 277

11 A Epocheacute da Modernidade A Crise das Ciecircncias Europeias de Husserl 279

111 A conceccedilatildeo uacuteltima da fenomenologia 279

112 O combate pelo significado das palavras 281

113 A epocheacute histoacuterica das ciecircncias 282

114 O problema filosoacutefico da Modernidade 285

115 A epocheacute praxioloacutegica das ciecircncias 288

116 A lsquoLebensweltrsquo e a ampliaccedilatildeo final da fenomenologia 292

Origem dos textos 297

Referecircncias bibliograacuteficas 301

Iacutendice onomaacutestico 311

Iacutendice analiacutetico 313

Obras citadas 319

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PrOacutelogo

A obra Transparecircncias Linguagem e Reflexatildeo de Ciacutecero a Pessoa eacute constituiacuteda por onze estudos dos quais nove jaacute foram publicados mas agora revistos para a presente ediccedilatildeo e dois ineacuteditos os textos inscrevem ‑se no intervalo entre 1997 e 2016 mas a maior parte deles situa ‑se no uacuteltimo trieacutenio

Os ensaios estatildeo agrupados em quatro grandes nuacutecleos temaacute‑ticos ndash lsquoLinguagem e Consciecircnciarsquo lsquoConceitos da Reflexatildeo e do Relativismorsquo lsquoNegaccedilatildeo e Mitologiarsquo e lsquoModernidade Relativismo e Crisersquo e desenrolam ‑se num eixo temporal que privilegiando a con‑temporaneidade e nesta a fenomenologia de Husserl e de Heidegger bem como a filosofia da linguagem nomeadamente a de Wittgenstein remontam agrave retoacuterica romana (Ciacutecero e Agostinho) e retomam para os debates de hoje elementos estruturantes do pensamento kantiano e do idealismo alematildeo Os estudos recuperam ainda para esses mesmos debates figuras determinantes do pensamento portuguecircs do seacuteculo xx Fernando Pessoa Joseacute Marinho e Eudoro de Sousa Sem nunca se afastar do equacionamento filosoacutefico das questotildees tratadas os textos fazem intervir tambeacutem elementos da literatura com Borges e Pessoa e das artes do espaccedilo com Escher

Confrontados com a diversidade dos temas e dos autores com o seu complexo entrelaccedilamento histoacuterico e um dilatado horizonte sistemaacuteti‑co importa sublinhar a unidade da obra uma unidade diferenciante feita de convergecircncias sem duacutevida mas claramente manifesta logo a partir do intento expresso pelo autor de nos pocircr perante diferentes

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empiacutericas ndash tudo o resto satildeo simples abreviaturas que se limitam a tornar a comunicaccedilatildeo mais expedita

A esta primeira tese empirista e criacutetica do mentalismo junta ‑se uma outra posiccedilatildeo que lhe fornece o seu meacutetodo de investigaccedilatildeo Segundo Tooke ldquoa etimologia nos daraacute em todas as liacutenguas o que a filosofia em vatildeo buscourdquo108 nomeadamente a definiccedilatildeo do estatuto e do signifi‑cado dos termos universais e a sua relaccedilatildeo com o pensamento e com a linguagem A investigaccedilatildeo etimoloacutegica seraacute ldquosuficiente para descartar aquela operaccedilatildeo imaginaacuteria da mente que se denominou abstraccedilatildeo e para provar que tudo o que chamamos por este nome eacute somente um dos dispositivos da linguagem com o fim de uma comunicaccedilatildeo mais expeditardquo109 Toda a investigaccedilatildeo concetual eacute substituiacuteda pela anaacutelise etimoloacutegica de significados com o resultado de que natildeo haacute conceito subjectivo mas um reenvio de toda a operaccedilatildeo significativa para a proacutepria linguagem e o seu desenvolvimento A etimologia permite a descoberta em todos os termos gerais abstratos adjetivos adveacuterbios e outros do substantivo concreto original e a reduccedilatildeo assim de todos os termos gerais e relacionais natildeo a atos do sujeito mas a uma operaccedilatildeo da proacutepria linguagem

25 O pensamento etimoloacutegico de Heidegger

Se a obra de Tooke estaacute longe das vias mais frequentadas da lin‑guiacutestica e da filosofia a sua abordagem aponta no entanto o caminho para a avaliaccedilatildeo do significado metodoloacutegico do apelo agrave etimologia que deixa uma marca no seacuteculo xx nomeadamente por intermeacutedio da filosofia tardia de Heidegger que a ela recorre com frequecircncia como fio heuriacutestico da sua investigaccedilatildeo A ideia do meacutetodo etimoloacutegico

108 EP 171109 EP 600

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em Tooke revestido ainda de um empirismo filosoficamente um tanto tosco ressurge com Heidegger com as suas consequecircncias filosoacuteficas subtilmente desenvolvidas como veremos em seguida Sobre o meacute‑todo etimoloacutegico escreve Heidegger numa Introduccedilatildeo agrave Filosofia de 1930 que ldquodeve observar ‑se que natildeo nos socorremos da etimologia para a partir da raiz das palavras concluir algo de originariamente nativo [Urwuumlchsiges] sobre o significado ndash um procedimento exposto a grande abuso e erros mas precisamente tambeacutem porque pode ser frutiacutefero se utilizado no lugar certo da maneira e nos limites corretos [] Tomamos a linguagem no seu todo como a revelaccedilatildeo originaacuteria do ente no meio do qual o homem existe o homem cujo relevo essencial eacute o de existir nesta revelaccedilatildeo na linguagemrdquo110

Heidegger serve ‑se na verdade da etimologia com mais frequecircncia do que parece admitir neste texto E diga ‑se igualmente que encon‑trar o limite e o lugar correto para o recurso agrave etimologia depende de que se entenda que de nada serviraacute buscarmos significados mais antigos para as palavras se tal busca natildeo for acompanhada de uma reflexatildeo sobre o proacuteprio significado em geral de uma modificaccedilatildeo da compreensatildeo do que eacute o significado ou porventura de uma reflexatildeo sobre o que significa significar Natildeo se trata de reduzir significados a outros mais simples e naturais proacuteximos das impressotildees originaacuterias que foram pouco a pouco substituiacutedos por uma falsa superestrutura cultural segundo o projeto de Tooke De pouco importa a antiguidade das palavras mas sim a explicitaccedilatildeo do que significa a manifestaccedilatildeo do ente em geral do proacuteprio ser da linguagem O problema do sig‑

110 ldquoEinmal ist zu beachten daszlig wir keine Etymologie zuhilfe gerufen haben um aus dem Wortstamm etwas Urwuumlchsiges fuumlr die Bedeutung zu erschlieszligen ndash ein Verfahren das groszligem Miszligbrauch und Irrtuumlmern ausgesetzt ist aber eben deshalb auch wenn am rechten Ort und in der rechten Weise und Grenze betreiben fruchtbar sein kann [] Wir haben die Sprache im Ganzen genommen als die urspruumlngliche Offenbarung des Seienden inmitten dessen der Mensch existiert der Mensch dessen Wesensaus‑zeichnung es ist in der Sprache in dieser Offenbarung zu existierenrdquo (Heidegger Vom Wesen der menschlichen Freiheit Einleitung in die Philosophie Gesamtausgabe Frankfurt aM 1976 ‑ [=GA] 31 53 ‑54)

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nificado das palavras deve antes do mais situar o homem no meio do ente ou seja mostrar o significado dessa revelaccedilatildeo

Encontramos na obra A Caminho da Linguagem111 de Heidegger enunciado o princiacutepio de compreensatildeo do significado princiacutepio que se ajusta agrave perfeiccedilatildeo ao meacutetodo etimoloacutegico O projeto eacute claro natildeo se trata ldquotanto de situar e discutir [a linguagem] mas de nos levar ao lugar da sua essecircnciardquo112 e esta conduccedilatildeo passa de modo algo estranho por uma repeticcedilatildeo de frases de tipo tautoloacutegico que veicu‑lam de iniacutecio muito pouco conteuacutedo significativo Assim ldquoa proacutepria linguagem eacute a linguagemraquo ao que acrescenta que laquoa inteligecircncia lo‑gicamente instruiacuteda [] chama a esta frase uma tautologia que nada dizrdquo113 e repete a frase ldquoa linguagem eacute linguagemrdquo114 para numa ligeira variaccedilatildeo apresentar o princiacutepio que referimos que mais do que repetir faz ressoar em poucas paacuteginas como um eco reflexivo cerca de quinze vezes ldquodie Sprache sprichtrdquo (ldquoa linguagem falardquo)115

Que teoria do significado se funda sobre este princiacutepio a laquolin‑guagem falaraquo Eacute dito que a linguagem natildeo eacute silenciosa muda e que se o falante pode falar eacute porque a linguagem tem sentido antes e independentemente dele Na conclusatildeo do seu curso sobre a Loacutegica como a Questatildeo pela Essecircncia da Linguagem de 1934 registaram os seus ouvintes que ldquoa essecircncia da linguagem natildeo se anuncia laacute onde ela eacute [] forccedilada como um meio de troca e degradada agrave mera expressatildeo de um denominado interiorrdquo116 A tese da instrumentalidade da lingua‑gem como meio de troca comunicativa entre o interior dos sujeitos

111 Martin Heidegger Unterwegs zur Sprache 1959 2003 [=UzS]112 ldquoDie Sprache eroumlrtern heiszligt nicht so sehr sie sondern uns an den Ort ihres

Wesens bringenrdquo (UzS 12)113 ldquoDie Sprache selbst ist die Sprache Der logisch geschulte [] Verstand nennt

diesen Satz eine nichtssagende Tautologierdquo (UzS 12)114 ldquoSprache ist Spracherdquo (UzS 13)115 ldquoDie Sprache sprichtrdquo (UzS 12 13 14 16 19 20 21 28 30 32 33)116 Idem Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 170

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requer justamente uma neutralidade significativa do proacuteprio instru‑mento para que possa anunciar algo a transparecircncia do sinal a sua natildeo ‑significatividade qua linguagem segundo podemos depreender principalmente de Saussure

No mesmo ano deste uacuteltimo curso citado de Heidegger de 1934 a jaacute referida Sprachtheorie de Karl Buumlhler117 apresenta de modo mais completo as diferentes funccedilotildees da linguagem como exposiccedilatildeo expres‑satildeo e apelo As duas primeiras ndash exposiccedilatildeo e expressatildeo ndash requerem precisamente a natildeo ‑significatividade do proacuteprio signo A exposiccedilatildeo de um estado de coisas requer que o instrumento significativo natildeo altere por significados proacuteprios e incontrolados a sua imagem linguiacutestica Do mesmo modo a expressatildeo do interior soacute eacute realizada por uma me‑diaccedilatildeo ela mesma natildeo falante plenamente transparente Eacute requerido que a linguagem ela proacutepria natildeo fale natildeo receba sentido para aleacutem do pretendido pelo sujeito falante Pelo contraacuterio o caraacutecter linguiacutestico da proacutepria linguagem abre a expressatildeo justamente ao processo infinito das interpretaccedilotildees A tese de que a linguagem fala diz natildeo soacute que a linguagem oferece resistecircncia significativa agrave expressatildeo ou agrave exposiccedilatildeo objetiva mas que em uacuteltima instacircncia e Heidegger eacute claro nisto natildeo eacute o falante que fala mas a proacutepria linguagem minus anulando ‑se o sujeito e a sua reflexatildeo como pretendida fonte do significado E Heidegger pergunta pelo sujeito presente no seu princiacutepio ldquoa linguagem fala A linguagem Natildeo o homemrdquo ldquoNa sua essecircncia a linguagem natildeo eacute nem expressatildeo nem uma atividade do homem A linguagem falardquo118 Na tese da subjetividade etimoloacutegica da linguagem reside que o fa‑lante quando fala diz inuacutemeras coisas que natildeo pode alcanccedilar na sua

117 K Buumlhler Sprachtheorie Die Darstellungsfunktion der Sprache Stuttgart 1999 v Habermas bdquoZur Kritik der Bedeutungstheorieldquo trad Paulo Rodrigues in Racionalidade e Comunicaccedilatildeo Lisboa 2002 149 ‑182

118 bdquoDie Sprache spricht Die Sprache Und nicht der Menschldquo (UzS 20) bdquoDie Sprache ist in ihrem Wesen weder Ausdruck noch eine Betaumltigung des Menschen Die Sprache sprichtldquo (UzS 19)

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reflexatildeo proacutepria de sujeito e que esta uacuteltima natildeo soacute natildeo pode ser fonte de significaccedilatildeo como tatildeo ‑pouco eacute capaz de abraccedilar em si mesma a determinaccedilatildeo proacutepria dos significados que enuncia Nisto se fundaraacute tambeacutem a hermenecircutica filosoacutefica119 E Heidegger insiste neste pon‑to na recusa da reflexatildeo como fio do pensamento120 tese cujas bases teoacutericas estatildeo no conceito de finitude e de temporalidade assumidos pelo autor conceitos a que faremos ainda referecircncia mais abaixo Em uacuteltima instacircncia segundo a tese da etimologia natildeo se pode dizer que o falante como indiviacuteduo saiba efetivamente o que diz O princiacutepio ldquoa linguagem falardquo cuja repeticcedilatildeo faacute ‑lo justamente perder o sentido para o falante ndash no fenoacutemeno psicoloacutegico que todos conhecemos de esvaziamento do significado pela repeticcedilatildeo de uma palavra ndash deve ser suficiente para estabelecer uma compreensatildeo da linguagem oposta a toda a filosofia moderna do juiacutezo cuja forccedila ilocucionaacuteria lhe eacute confe‑rida por um ato da vontade do sujeito que assere ou daacute consentimento ao ser ou natildeo ‑ser predicativo O que eacute dito natildeo estaacute depositado na pretensa representaccedilatildeo ou imagem mental interior do sujeito defi‑nida por exemplo nos termos de Saussure ldquoo signo linguiacutestico natildeo une uma coisa e um nome mas um conceito e uma imagem acuacutestica [Se] arbor eacute chamado um signo soacute o eacute enquanto conteacutem o conceito aacutervore []rdquo121 Segundo Heidegger o significativo da linguagem estaacute depositado no proacuteprio significante natildeo no significado nas palavras e natildeo justamente no conceito como quer que se queira compreender o conceito O significado estaacute esquecido aleacutem disso por um uso habitual demasiadas vezes repetido ou feito a partir de um mundo ou de condiccedilotildees existenciais que jaacute natildeo correspondem agravequelas que davam originalmente significado agraves palavras A validade do meacutetodo

119 Vg Gadamer opcit 108 361 ‑364120 Cf Heidegger Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 53 58121 ldquole signe linguistique unit non une chose et un nom mais un concept et une

image acoustique [Si] arbor est appeleacute signe ce nrsquoest qursquoen tant qursquoil porte le concept lsquoarbrersquo []rdquo (CLG 98 ‑99)

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etimoloacutegico pressupotildee que haacute um sentido original e que esse sentido estaacute esquecido perdido ndash o que corresponde com alguma precisatildeo agrave tese de Heidegger acerca do esquecimento do ser a rememorar pela linguagem poeacutetica que natildeo deixa adormecer o significado pela repeti‑ccedilatildeo habitual122 Eacute assim dito acrescente ‑se que as geraccedilotildees transmitem sucessivamente uma mensagem original nas palavras agora natildeo soacute aladas como tambeacutem falantes que permanece por decifrar e que as proacuteprias geraccedilotildees ignoram que ao falar transmitem algo que natildeo mais entendem e que Heidegger viraacute a denominar o ldquoenviordquo ou mensagem do ser A expressatildeo comum ldquoeles natildeo sabem o que dizemrdquo ganha assim plausibilidade e o seu sentido torna ‑se mais claro pela etimologia e pelo princiacutepio de que ldquoa linguagem falardquo Segundo Heidegger ldquofala‑mos da linguagem na permanente aparecircncia de falar somente sobre a linguagem quando falamos jaacute a partir da linguagemrdquo123 sendo pois a reflexividade linguiacutestica do sujeito substituiacuteda por uma outra fonte de sentido que excede os limites da reflexatildeo

A etimologia erigida em meacutetodo e sistema filosoacutefico eacute uma versatildeo linguiacutestica da tese da alienaccedilatildeo geral da consciecircncia histoacuterica que encontramos no seacuteculo xx em autores como Heidegger que procurou rememorar o esquecimento do ser Adorno com a sua dialeacutetica do esclarecimento124 que parece encontrar na civilizaccedilatildeo uma forma de insuperaacutevel negatividade e mesmo Husserl na jaacute referida A Crise das Ciecircncias Filosoacuteficas por exemplo

Por oposiccedilatildeo a esta tese segundo a qual o significado eacute assumido pela proacutepria linguagem que fala e se potildee no lugar do falante enten‑demos assim do modo mais claro os motivos do aforismo do poeta que talvez mais sistematicamente reivindicou para si e investigou a

122 V o claacutessico de Ricoeur A Metaacutefora Viva trad J T Costa e A M Magalhatildees Porto 1983 151 476 ‑478

123 Heidegger UzS 191124 Adorno Horkheimer Dialektik der Aufklaumlrung Philosophische Fragmente in

Adorno Gesammelte Schrifte Band 3 Frankfurt a M 1996

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subjetividade e a reflexatildeo conforme lemos no Livro do Desassossego ldquoEu natildeo escrevo em portuguecircs Escrevo eu mesmordquo125

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica

O desenvolvimento por Heidegger de uma filosofia que poderiacutea‑mos considerar etimologicamente fundada que desapossa o sujeito da atividade de criaccedilatildeo e apreensatildeo de significado eacute antecedida por todo um questionamento de cariz bastante diverso acerca das condi‑ccedilotildees de fenomenalizaccedilatildeo do ser em Ser e Tempo de 1927126 A condiccedilatildeo primeira do fenoacutemeno eacute o ldquoDaseinrdquo ou ldquoser ‑aiacuterdquo que Heidegger define como o ente para o qual ldquono seu ser estaacute em causa este mesmo serrdquo127 Toda a investigaccedilatildeo estaacute centrada nesta caracteriacutestica do ser de um determinado ente o ser ‑aiacute para o qual visto nele estar sempre em causa o seu proacuteprio ser haacute mais do que somente um ambiente que o circunda um mundo O ser ‑aiacute eacute nos termos de Heidegger laquoo aiacute do serraquo128 o que significa lugar de manifestaccedilatildeo do sentido do ser Segundo as coordenadas da filosofia fenomenoloacutegica coordenadas que Heidegger alega seguir transformando ‑as no sentido de uma fenomenologia hermenecircutica o ser eacute entendido sobretudo como sen‑tido o que se caracteriza pelo ser ‑no ‑mundo como condiccedilatildeo baacutesica da existecircncia do ser ‑aiacute Existecircncia significa aqui natildeo a simples posiccedilatildeo de um ente na realidade mas dir ‑se ‑ia exteriorizaccedilatildeo do ser como manifestaccedilatildeo que justamente o ser ‑aiacute apreende como a questatildeo pelo

125 Fernando Pessoa Livro do Desassossego ed R Zenith Lisboa 1998 391 V os Capiacutetulos 5 e 6 infra

126 V n 47 supra Sobre este tema cf M Caron Heidegger Penseacutee de lrsquoecirctre et origine de la subjectiviteacute Paris 2005 773 ‑812 e o Capiacutetulo 4 infra

127 rdquoin seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo (Heidegger SuZ 12)128 SuZ 12

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seu proacuteprio ser A investigaccedilatildeo pelo sentido desenrolar ‑se ‑aacute como a investigaccedilatildeo das condiccedilotildees existenciais do ser ‑aiacute e da abertura para ele de um mundo O ser ‑aiacute natildeo pode ser entendido somente como um ente entre os outros dada a sua caracteriacutestica proacutepria de ldquoexistir ontologicamenterdquo129 A sua caracteriacutestica ocircntica aquilo que ele eacute como ente eacute existir ontologicamente ou seja dar ‑se num domiacutenio de sentido de ser que ele sempre jaacute compreendeu A viragem hermenecircutica da fenomenologia reforccedila a noccedilatildeo fenomenoloacutegica original da indagaccedilatildeo pelo significado ou sentido em que o fenoacutemeno em geral e em di‑versas modalidades se daacute Se no entanto como se viu as conclusotildees de Husserl natildeo apontaram para o desenvolvimento de uma filosofia da linguagem como ontologia ou filosofia primeira mas antes para o aprofundamento do tema do sujeito ante ‑predicativo e ante ‑linguiacutestico onde se encontra a evidecircncia do sentido130 as conclusotildees de Heidegger apoacutes aquilo que ele mesmo explicaraacute como uma ldquoviragemrdquo do seu pensamento vatildeo apontar para os desenvolvimentos de uma filosofia da linguagem nos moldes jaacute aflorados

O sentido desta viragem ldquoa caminho da linguagemrdquo estatildeo jaacute da‑dos ateacute certo ponto nos desenvolvimentos de Ser e Tempo Heidegger investiga aqui a fonte do significado das palavras no fenoacutemeno que denomina como significatividade Esta designa antes de mais um todo de referecircncias ou contexto que o ser ‑aiacute encontra natildeo soacute no mundo mas como o seu mundo131 Este contexto de referecircncias e totalidade de reenvios natildeo eacute um conjunto de coisas entendido nem extensivamente nem mesmo segundo a sua compreensatildeo proacutepria e investimento de validade subjetiva mas como uma rede de pragmata ou seja entes que se abrem originariamente em funccedilatildeo das possibili‑

129 SuZ 12130 Cf A Diemer Edmund Husserl Versuch einer systematischen Darstellung seiner

Phaumlnomenologie Meisenheim am Glan 1965 esp 110 ‑113131 Cf SuZ 63 ‑64 84 ‑86

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dades do lidar ou de servir uns para os outros no uso quotidiano do ser ‑aiacute Para Heidegger o fenoacutemeno originaacuterio do sentido natildeo se daacute na consideraccedilatildeo teoreacutetica de entes simplesmente dados ou perante um sujeito mas no projeto significativo de cariz existencial do ser ‑aiacute A consideraccedilatildeo teoreacutetica abstrata ou cientiacutefica dos entes como coisas disponiacuteveis para a observaccedilatildeo da sua essecircncia e na sequecircncia disto disponiacuteveis para a manipulaccedilatildeo teacutecnica eacute expressamente considerada uma consideraccedilatildeo secundaacuteria e deficitaacuteria que soacute emerge com base na privaccedilatildeo da abertura originaacuteria de sentido132 Esta daacute ‑se natildeo como ser ‑simplesmente ‑dado (Vorhandensein) no modo do correlato da visatildeo teoacuterica objetivante mas como ser ‑agrave ‑matildeo (Zuhandensein) ou utensilidade Esta utensilidade soacute existe em funccedilatildeo do projeto do ser ‑aiacute o qual estaacute na conhecida expressatildeo de Heidegger sempre jaacute lanccedilado ou projetado com o significado de que natildeo haacute para o ser‑‑aiacute nenhum comeccedilo absoluto ou fonte transparente das significaccedilotildees contrariamente agraves pretensotildees da filosofia de Descartes a Husserl Pelo contraacuterio a reflexividade sobre si proacuteprio do ser ‑aiacute bem como a sua compreensatildeo estatildeo sempre limitadas por um horizonte que dir ‑se ‑ia o impede de ver a totalidade integral do sentido do ser que lhe eacute proacuteprio ou do ser em geral O ldquoestar lanccediladordquo diz tambeacutem da exposiccedilatildeo e abertura do ser ‑aiacute ao mundo ou seja da sua facticidade ou que ele natildeo se pode considerar jamais como fundamento daquilo que inversamente natildeo pode senatildeo antecedecirc ‑lo aleacutem de ser dado em cada caso incompletamente Aliaacutes o que a reflexatildeo lhe fornece natildeo eacute uma perspetiva integral completa e inabalaacutevel sobre o seu proacuteprio ser a sua verdade e validade evidentes conforme de um modo ou de outro foi tiacutepico da filosofia desde Descartes minus a uacutenica completude que eacute dada ao ser ‑aiacute pelo fato de no seu ser ldquoestar em jogo este mesmo serrdquo ou pela ldquoJemeinigkeitrdquo (ser ‑em ‑cada ‑caso ‑meu) proacuteprio do ser ‑aiacute eacute a do seu proacuteprio ser para a morte

132 SuZ 69 ‑71

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Estes dados apontam para a temporalidade como o fenoacutemeno central do ser ‑aiacute o que tem como consequecircncia teoacuterica justamente a perda da possibilidade de uma apreensatildeo integral do sentido do ser minus posto que haacute que repetir a temporalidade eacute a estrutura funda‑mental da existecircncia do ser ‑aiacute Este natildeo eacute como que um sujeito a que se acrescentasse como predicado a temporalidade minus esta constitui natildeo um predicado mas o seu modo existencial de acesso ao ldquoaiacuterdquo em que tem o seu ser ou nos termos que nos satildeo jaacute familiares agrave abertura do mundo Esta alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo do sentido do ser com que Heidegger pretende fazer deslocar dos seus gonzos toda a perspeti‑va ontoloacutegica da histoacuteria da filosofia anterior natildeo poderia deixar de ter consequecircncias para a compreensatildeo da linguagem Na abordagem de Ser e Tempo pelo signo eacute adquirida e assegurada ldquoantes de mais uma orientaccedilatildeo dentro do mundo circundanterdquo133 minus precisamente como se viu aquilo que segundo Husserl lhe retirava significado134 ldquoO signo (Zeichen) natildeo estaacute soacute agrave matildeo como outro utensiacutelio qualquer mas no seu estar ‑agrave ‑matildeo o mundo circundante se torna em cada caso expressamente acessiacutevel para a visatildeo em redor O signo eacute um ente onticamente agrave ‑matildeo que como [um] utensiacutelio determinado funciona simultaneamente como algo que anuncia a estrutura ontoloacutegica do ser ‑agrave ‑matildeo da totalidade de referecircncias e da mundaneidaderdquo135

O signo opera nestes termos ao niacutevel do contexto de referecircn‑cias do ser ‑agrave ‑matildeo dando acesso agrave totalidade dessas referecircncias e agrave proacutepria significatividade do mundo Natildeo seraacute possiacutevel aprofundar aqui a posiccedilatildeo heideggeriana para aleacutem das anotaccedilotildees que nos fazem remeter o significado para a noccedilatildeo de mundo e da orientaccedilatildeo do

133 ldquoes gewinnt vielmehr eine Orientierung innerhalb der Umweltrdquo (SuZ 79)134 Cf pp 51 e 52 supra135 ldquoDie Zeichen ist nicht nur zuhanden mit anderem Zeug sondern in seiner

Zuhandenheit wird die Umwelt je fuumlr die Umsicht ausdruumlcklich zuhanden Zeichen ist ein ontisch Zuhandenes das als dieses bestimmte Zeug zugleich als etwas fungiert was die ontologische Struktur der Zuhandenheit Verweisungsganzheit und Weltlichkeit anzeigtrdquo (SuZ 82)

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44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 5: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

Agrave Zajatildeo

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sUmaacuter i o

Proacutelogo

por Manuel Joseacute do Carmo Ferreira 11

Apresentaccedilatildeo 13

I Linguagem e Consciecircncia entre Ciacutecero e Wittgenstein

1 Do Orador ao Mestre Concepccedilotildees Romanas da Linguagem 21

11 O inconfessado da retoacuterica 23

12 A reconduccedilatildeo retoacuterica do saber 28

13 A pragmaacutetica do sinal 34

14 Conclusatildeo 37

2 Consciecircncia e Linguagem Acerca da Criacutetica Linguiacutestica do Sujeito na Primeira Metade do Seacuteculo XX 39

21 Os antecedentes kantianos 40

22 Significaccedilatildeo e consciecircncia Husserl e a idealidade das significaccedilotildees 45

23 Wittgenstein e a linguagem dos factos 56

24 O antecedente etimologista e empirista de Horne Tooke 63

25 O pensamento etimoloacutegico de Heidegger 65

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica 71

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8

II Reflexatildeo e Relatividades de Kant a Borges via Heidegger

3 Hegel ndash Escher ndash Borges Figuras e Conceitos da Reflexatildeo 79

31 Trecircs formas para um mesmo conteuacutedo 80

32 Borges e Hegel mundo invertido filosofia alematilde e literatura fantaacutestica 82

33 Escher segundo Hegel a ontologia da intuiccedilatildeo 84

34 A teoria de Escher da consciecircncia de si 87

35 O sujeito de Escher 92

36 O fim da intuiccedilatildeo laacute onde natildeo se pode intuir recuperaccedilatildeo da representaccedilatildeo 97

37 O significado da divisatildeo do plano mais uma vez Hegel 101

38 Objetos impossiacuteveis 105

39 Conclusatildeo Sistema negatividade e desenvolvimento 108

4 Pensar e Refletir Sobre o Modelo Reflexivo do Pensar em Kant e Heidegger 111

41 A reflexatildeo loacutegica 113

42 A reflexatildeo transcendental 117

43 O juiacutezo reflexivo 125

44 A necessidade do pensar 129

45 A reflexatildeo da finitude 132

46 Aprender a pensar 136

47 A reflexividade limitada 138

48 Aprender a aprender o significado do significado 142

49 Conclusatildeo 144

III Negaccedilatildeo e Mitologia no Pensamento Portuguecircs do Seacuteculo XX Pessoa Marinho e Eudoro

5 Fernando Pessoa e a Consciecircncia Infeliz 153

51 Negaccedilatildeo e consciecircncia 156

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9

52 A vivecircncia da dor e a patologia teoacuterica associada 163

53 Do positivo em Pessoa maturaccedilatildeo e desenvolvimento da consciecircncia 171

6 Fernando Pessoa Aproximaccedilatildeo Dialeacutetica e Fenomenoloacutegica 177

61 O sistema da poesia pessoana 177

62 As figuras do natildeo ‑ser pessoano 179

63 O laboratoacuterio faacuteustico e a dissoluccedilatildeo do real 181

64 As nuacutepcias da diferenccedila 187

65 A faacutebrica dos heteroacutenimos 191

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa 200

7 Negatividade e Saber Absoluto na Teoria do Ser e da Verdade de Joseacute Marinho 203

71 Sob o signo do negativo 203

72 O preacute ‑predicativo em questatildeo 205

73 A palavra e a aurora 209

74 O eixo de simetria reflexivo da Teoria 212

75 Aleacutem da reflexatildeo 215

76 Sobre o saber absoluto 216

8 Eudoro de Sousa e a Mitologia 219

81 Tautegoria alegoria significaccedilatildeo 220

82 O Projeto segundo Eudoro 229

83 O achatamento hodierno do siacutembolo 233

IV Modernidade Relativismo e Crise

9 Filosofia da Arquitetura e do Espaccedilo Aproximaccedilotildees Histoacuterico ‑Conceptuais ao Modernismo 237

91 Sobre a definiccedilatildeo da arte 237

92 A arquitetura hegeliana 241

93 O fim da arquitetura e mais aleacutem 245

94 Sobre o sentido do modernismo 248

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10

95 Modernismo e modernidade 251

96 Modernismo e negaccedilatildeo 252

97 Sobre a reaccedilatildeo ao modernismo 254

98 Final A ponte como obra de arte 256

10 Sobre os Pressupostos e Consequecircncias da Criacutetica ao Relativismo nos Prolegoacutemenos agrave Loacutegica Pura de Husserl 261

101 A tese da existecircncia de uma forma geral para as fundamentaccedilotildees 262

102 A inteleccedilatildeo a sua perda e substitutos 267

103 O relativismo e o ponto de partida reflexivo da fenomenologia 270

104 Uma criacutetica aos ldquoargumentos da reflexatildeordquo 275

105 Conclusatildeo Verdade e intencionalidade 277

11 A Epocheacute da Modernidade A Crise das Ciecircncias Europeias de Husserl 279

111 A conceccedilatildeo uacuteltima da fenomenologia 279

112 O combate pelo significado das palavras 281

113 A epocheacute histoacuterica das ciecircncias 282

114 O problema filosoacutefico da Modernidade 285

115 A epocheacute praxioloacutegica das ciecircncias 288

116 A lsquoLebensweltrsquo e a ampliaccedilatildeo final da fenomenologia 292

Origem dos textos 297

Referecircncias bibliograacuteficas 301

Iacutendice onomaacutestico 311

Iacutendice analiacutetico 313

Obras citadas 319

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PrOacutelogo

A obra Transparecircncias Linguagem e Reflexatildeo de Ciacutecero a Pessoa eacute constituiacuteda por onze estudos dos quais nove jaacute foram publicados mas agora revistos para a presente ediccedilatildeo e dois ineacuteditos os textos inscrevem ‑se no intervalo entre 1997 e 2016 mas a maior parte deles situa ‑se no uacuteltimo trieacutenio

Os ensaios estatildeo agrupados em quatro grandes nuacutecleos temaacute‑ticos ndash lsquoLinguagem e Consciecircnciarsquo lsquoConceitos da Reflexatildeo e do Relativismorsquo lsquoNegaccedilatildeo e Mitologiarsquo e lsquoModernidade Relativismo e Crisersquo e desenrolam ‑se num eixo temporal que privilegiando a con‑temporaneidade e nesta a fenomenologia de Husserl e de Heidegger bem como a filosofia da linguagem nomeadamente a de Wittgenstein remontam agrave retoacuterica romana (Ciacutecero e Agostinho) e retomam para os debates de hoje elementos estruturantes do pensamento kantiano e do idealismo alematildeo Os estudos recuperam ainda para esses mesmos debates figuras determinantes do pensamento portuguecircs do seacuteculo xx Fernando Pessoa Joseacute Marinho e Eudoro de Sousa Sem nunca se afastar do equacionamento filosoacutefico das questotildees tratadas os textos fazem intervir tambeacutem elementos da literatura com Borges e Pessoa e das artes do espaccedilo com Escher

Confrontados com a diversidade dos temas e dos autores com o seu complexo entrelaccedilamento histoacuterico e um dilatado horizonte sistemaacuteti‑co importa sublinhar a unidade da obra uma unidade diferenciante feita de convergecircncias sem duacutevida mas claramente manifesta logo a partir do intento expresso pelo autor de nos pocircr perante diferentes

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empiacutericas ndash tudo o resto satildeo simples abreviaturas que se limitam a tornar a comunicaccedilatildeo mais expedita

A esta primeira tese empirista e criacutetica do mentalismo junta ‑se uma outra posiccedilatildeo que lhe fornece o seu meacutetodo de investigaccedilatildeo Segundo Tooke ldquoa etimologia nos daraacute em todas as liacutenguas o que a filosofia em vatildeo buscourdquo108 nomeadamente a definiccedilatildeo do estatuto e do signifi‑cado dos termos universais e a sua relaccedilatildeo com o pensamento e com a linguagem A investigaccedilatildeo etimoloacutegica seraacute ldquosuficiente para descartar aquela operaccedilatildeo imaginaacuteria da mente que se denominou abstraccedilatildeo e para provar que tudo o que chamamos por este nome eacute somente um dos dispositivos da linguagem com o fim de uma comunicaccedilatildeo mais expeditardquo109 Toda a investigaccedilatildeo concetual eacute substituiacuteda pela anaacutelise etimoloacutegica de significados com o resultado de que natildeo haacute conceito subjectivo mas um reenvio de toda a operaccedilatildeo significativa para a proacutepria linguagem e o seu desenvolvimento A etimologia permite a descoberta em todos os termos gerais abstratos adjetivos adveacuterbios e outros do substantivo concreto original e a reduccedilatildeo assim de todos os termos gerais e relacionais natildeo a atos do sujeito mas a uma operaccedilatildeo da proacutepria linguagem

25 O pensamento etimoloacutegico de Heidegger

Se a obra de Tooke estaacute longe das vias mais frequentadas da lin‑guiacutestica e da filosofia a sua abordagem aponta no entanto o caminho para a avaliaccedilatildeo do significado metodoloacutegico do apelo agrave etimologia que deixa uma marca no seacuteculo xx nomeadamente por intermeacutedio da filosofia tardia de Heidegger que a ela recorre com frequecircncia como fio heuriacutestico da sua investigaccedilatildeo A ideia do meacutetodo etimoloacutegico

108 EP 171109 EP 600

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em Tooke revestido ainda de um empirismo filosoficamente um tanto tosco ressurge com Heidegger com as suas consequecircncias filosoacuteficas subtilmente desenvolvidas como veremos em seguida Sobre o meacute‑todo etimoloacutegico escreve Heidegger numa Introduccedilatildeo agrave Filosofia de 1930 que ldquodeve observar ‑se que natildeo nos socorremos da etimologia para a partir da raiz das palavras concluir algo de originariamente nativo [Urwuumlchsiges] sobre o significado ndash um procedimento exposto a grande abuso e erros mas precisamente tambeacutem porque pode ser frutiacutefero se utilizado no lugar certo da maneira e nos limites corretos [] Tomamos a linguagem no seu todo como a revelaccedilatildeo originaacuteria do ente no meio do qual o homem existe o homem cujo relevo essencial eacute o de existir nesta revelaccedilatildeo na linguagemrdquo110

Heidegger serve ‑se na verdade da etimologia com mais frequecircncia do que parece admitir neste texto E diga ‑se igualmente que encon‑trar o limite e o lugar correto para o recurso agrave etimologia depende de que se entenda que de nada serviraacute buscarmos significados mais antigos para as palavras se tal busca natildeo for acompanhada de uma reflexatildeo sobre o proacuteprio significado em geral de uma modificaccedilatildeo da compreensatildeo do que eacute o significado ou porventura de uma reflexatildeo sobre o que significa significar Natildeo se trata de reduzir significados a outros mais simples e naturais proacuteximos das impressotildees originaacuterias que foram pouco a pouco substituiacutedos por uma falsa superestrutura cultural segundo o projeto de Tooke De pouco importa a antiguidade das palavras mas sim a explicitaccedilatildeo do que significa a manifestaccedilatildeo do ente em geral do proacuteprio ser da linguagem O problema do sig‑

110 ldquoEinmal ist zu beachten daszlig wir keine Etymologie zuhilfe gerufen haben um aus dem Wortstamm etwas Urwuumlchsiges fuumlr die Bedeutung zu erschlieszligen ndash ein Verfahren das groszligem Miszligbrauch und Irrtuumlmern ausgesetzt ist aber eben deshalb auch wenn am rechten Ort und in der rechten Weise und Grenze betreiben fruchtbar sein kann [] Wir haben die Sprache im Ganzen genommen als die urspruumlngliche Offenbarung des Seienden inmitten dessen der Mensch existiert der Mensch dessen Wesensaus‑zeichnung es ist in der Sprache in dieser Offenbarung zu existierenrdquo (Heidegger Vom Wesen der menschlichen Freiheit Einleitung in die Philosophie Gesamtausgabe Frankfurt aM 1976 ‑ [=GA] 31 53 ‑54)

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nificado das palavras deve antes do mais situar o homem no meio do ente ou seja mostrar o significado dessa revelaccedilatildeo

Encontramos na obra A Caminho da Linguagem111 de Heidegger enunciado o princiacutepio de compreensatildeo do significado princiacutepio que se ajusta agrave perfeiccedilatildeo ao meacutetodo etimoloacutegico O projeto eacute claro natildeo se trata ldquotanto de situar e discutir [a linguagem] mas de nos levar ao lugar da sua essecircnciardquo112 e esta conduccedilatildeo passa de modo algo estranho por uma repeticcedilatildeo de frases de tipo tautoloacutegico que veicu‑lam de iniacutecio muito pouco conteuacutedo significativo Assim ldquoa proacutepria linguagem eacute a linguagemraquo ao que acrescenta que laquoa inteligecircncia lo‑gicamente instruiacuteda [] chama a esta frase uma tautologia que nada dizrdquo113 e repete a frase ldquoa linguagem eacute linguagemrdquo114 para numa ligeira variaccedilatildeo apresentar o princiacutepio que referimos que mais do que repetir faz ressoar em poucas paacuteginas como um eco reflexivo cerca de quinze vezes ldquodie Sprache sprichtrdquo (ldquoa linguagem falardquo)115

Que teoria do significado se funda sobre este princiacutepio a laquolin‑guagem falaraquo Eacute dito que a linguagem natildeo eacute silenciosa muda e que se o falante pode falar eacute porque a linguagem tem sentido antes e independentemente dele Na conclusatildeo do seu curso sobre a Loacutegica como a Questatildeo pela Essecircncia da Linguagem de 1934 registaram os seus ouvintes que ldquoa essecircncia da linguagem natildeo se anuncia laacute onde ela eacute [] forccedilada como um meio de troca e degradada agrave mera expressatildeo de um denominado interiorrdquo116 A tese da instrumentalidade da lingua‑gem como meio de troca comunicativa entre o interior dos sujeitos

111 Martin Heidegger Unterwegs zur Sprache 1959 2003 [=UzS]112 ldquoDie Sprache eroumlrtern heiszligt nicht so sehr sie sondern uns an den Ort ihres

Wesens bringenrdquo (UzS 12)113 ldquoDie Sprache selbst ist die Sprache Der logisch geschulte [] Verstand nennt

diesen Satz eine nichtssagende Tautologierdquo (UzS 12)114 ldquoSprache ist Spracherdquo (UzS 13)115 ldquoDie Sprache sprichtrdquo (UzS 12 13 14 16 19 20 21 28 30 32 33)116 Idem Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 170

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requer justamente uma neutralidade significativa do proacuteprio instru‑mento para que possa anunciar algo a transparecircncia do sinal a sua natildeo ‑significatividade qua linguagem segundo podemos depreender principalmente de Saussure

No mesmo ano deste uacuteltimo curso citado de Heidegger de 1934 a jaacute referida Sprachtheorie de Karl Buumlhler117 apresenta de modo mais completo as diferentes funccedilotildees da linguagem como exposiccedilatildeo expres‑satildeo e apelo As duas primeiras ndash exposiccedilatildeo e expressatildeo ndash requerem precisamente a natildeo ‑significatividade do proacuteprio signo A exposiccedilatildeo de um estado de coisas requer que o instrumento significativo natildeo altere por significados proacuteprios e incontrolados a sua imagem linguiacutestica Do mesmo modo a expressatildeo do interior soacute eacute realizada por uma me‑diaccedilatildeo ela mesma natildeo falante plenamente transparente Eacute requerido que a linguagem ela proacutepria natildeo fale natildeo receba sentido para aleacutem do pretendido pelo sujeito falante Pelo contraacuterio o caraacutecter linguiacutestico da proacutepria linguagem abre a expressatildeo justamente ao processo infinito das interpretaccedilotildees A tese de que a linguagem fala diz natildeo soacute que a linguagem oferece resistecircncia significativa agrave expressatildeo ou agrave exposiccedilatildeo objetiva mas que em uacuteltima instacircncia e Heidegger eacute claro nisto natildeo eacute o falante que fala mas a proacutepria linguagem minus anulando ‑se o sujeito e a sua reflexatildeo como pretendida fonte do significado E Heidegger pergunta pelo sujeito presente no seu princiacutepio ldquoa linguagem fala A linguagem Natildeo o homemrdquo ldquoNa sua essecircncia a linguagem natildeo eacute nem expressatildeo nem uma atividade do homem A linguagem falardquo118 Na tese da subjetividade etimoloacutegica da linguagem reside que o fa‑lante quando fala diz inuacutemeras coisas que natildeo pode alcanccedilar na sua

117 K Buumlhler Sprachtheorie Die Darstellungsfunktion der Sprache Stuttgart 1999 v Habermas bdquoZur Kritik der Bedeutungstheorieldquo trad Paulo Rodrigues in Racionalidade e Comunicaccedilatildeo Lisboa 2002 149 ‑182

118 bdquoDie Sprache spricht Die Sprache Und nicht der Menschldquo (UzS 20) bdquoDie Sprache ist in ihrem Wesen weder Ausdruck noch eine Betaumltigung des Menschen Die Sprache sprichtldquo (UzS 19)

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reflexatildeo proacutepria de sujeito e que esta uacuteltima natildeo soacute natildeo pode ser fonte de significaccedilatildeo como tatildeo ‑pouco eacute capaz de abraccedilar em si mesma a determinaccedilatildeo proacutepria dos significados que enuncia Nisto se fundaraacute tambeacutem a hermenecircutica filosoacutefica119 E Heidegger insiste neste pon‑to na recusa da reflexatildeo como fio do pensamento120 tese cujas bases teoacutericas estatildeo no conceito de finitude e de temporalidade assumidos pelo autor conceitos a que faremos ainda referecircncia mais abaixo Em uacuteltima instacircncia segundo a tese da etimologia natildeo se pode dizer que o falante como indiviacuteduo saiba efetivamente o que diz O princiacutepio ldquoa linguagem falardquo cuja repeticcedilatildeo faacute ‑lo justamente perder o sentido para o falante ndash no fenoacutemeno psicoloacutegico que todos conhecemos de esvaziamento do significado pela repeticcedilatildeo de uma palavra ndash deve ser suficiente para estabelecer uma compreensatildeo da linguagem oposta a toda a filosofia moderna do juiacutezo cuja forccedila ilocucionaacuteria lhe eacute confe‑rida por um ato da vontade do sujeito que assere ou daacute consentimento ao ser ou natildeo ‑ser predicativo O que eacute dito natildeo estaacute depositado na pretensa representaccedilatildeo ou imagem mental interior do sujeito defi‑nida por exemplo nos termos de Saussure ldquoo signo linguiacutestico natildeo une uma coisa e um nome mas um conceito e uma imagem acuacutestica [Se] arbor eacute chamado um signo soacute o eacute enquanto conteacutem o conceito aacutervore []rdquo121 Segundo Heidegger o significativo da linguagem estaacute depositado no proacuteprio significante natildeo no significado nas palavras e natildeo justamente no conceito como quer que se queira compreender o conceito O significado estaacute esquecido aleacutem disso por um uso habitual demasiadas vezes repetido ou feito a partir de um mundo ou de condiccedilotildees existenciais que jaacute natildeo correspondem agravequelas que davam originalmente significado agraves palavras A validade do meacutetodo

119 Vg Gadamer opcit 108 361 ‑364120 Cf Heidegger Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 53 58121 ldquole signe linguistique unit non une chose et un nom mais un concept et une

image acoustique [Si] arbor est appeleacute signe ce nrsquoest qursquoen tant qursquoil porte le concept lsquoarbrersquo []rdquo (CLG 98 ‑99)

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etimoloacutegico pressupotildee que haacute um sentido original e que esse sentido estaacute esquecido perdido ndash o que corresponde com alguma precisatildeo agrave tese de Heidegger acerca do esquecimento do ser a rememorar pela linguagem poeacutetica que natildeo deixa adormecer o significado pela repeti‑ccedilatildeo habitual122 Eacute assim dito acrescente ‑se que as geraccedilotildees transmitem sucessivamente uma mensagem original nas palavras agora natildeo soacute aladas como tambeacutem falantes que permanece por decifrar e que as proacuteprias geraccedilotildees ignoram que ao falar transmitem algo que natildeo mais entendem e que Heidegger viraacute a denominar o ldquoenviordquo ou mensagem do ser A expressatildeo comum ldquoeles natildeo sabem o que dizemrdquo ganha assim plausibilidade e o seu sentido torna ‑se mais claro pela etimologia e pelo princiacutepio de que ldquoa linguagem falardquo Segundo Heidegger ldquofala‑mos da linguagem na permanente aparecircncia de falar somente sobre a linguagem quando falamos jaacute a partir da linguagemrdquo123 sendo pois a reflexividade linguiacutestica do sujeito substituiacuteda por uma outra fonte de sentido que excede os limites da reflexatildeo

A etimologia erigida em meacutetodo e sistema filosoacutefico eacute uma versatildeo linguiacutestica da tese da alienaccedilatildeo geral da consciecircncia histoacuterica que encontramos no seacuteculo xx em autores como Heidegger que procurou rememorar o esquecimento do ser Adorno com a sua dialeacutetica do esclarecimento124 que parece encontrar na civilizaccedilatildeo uma forma de insuperaacutevel negatividade e mesmo Husserl na jaacute referida A Crise das Ciecircncias Filosoacuteficas por exemplo

Por oposiccedilatildeo a esta tese segundo a qual o significado eacute assumido pela proacutepria linguagem que fala e se potildee no lugar do falante enten‑demos assim do modo mais claro os motivos do aforismo do poeta que talvez mais sistematicamente reivindicou para si e investigou a

122 V o claacutessico de Ricoeur A Metaacutefora Viva trad J T Costa e A M Magalhatildees Porto 1983 151 476 ‑478

123 Heidegger UzS 191124 Adorno Horkheimer Dialektik der Aufklaumlrung Philosophische Fragmente in

Adorno Gesammelte Schrifte Band 3 Frankfurt a M 1996

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subjetividade e a reflexatildeo conforme lemos no Livro do Desassossego ldquoEu natildeo escrevo em portuguecircs Escrevo eu mesmordquo125

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica

O desenvolvimento por Heidegger de uma filosofia que poderiacutea‑mos considerar etimologicamente fundada que desapossa o sujeito da atividade de criaccedilatildeo e apreensatildeo de significado eacute antecedida por todo um questionamento de cariz bastante diverso acerca das condi‑ccedilotildees de fenomenalizaccedilatildeo do ser em Ser e Tempo de 1927126 A condiccedilatildeo primeira do fenoacutemeno eacute o ldquoDaseinrdquo ou ldquoser ‑aiacuterdquo que Heidegger define como o ente para o qual ldquono seu ser estaacute em causa este mesmo serrdquo127 Toda a investigaccedilatildeo estaacute centrada nesta caracteriacutestica do ser de um determinado ente o ser ‑aiacute para o qual visto nele estar sempre em causa o seu proacuteprio ser haacute mais do que somente um ambiente que o circunda um mundo O ser ‑aiacute eacute nos termos de Heidegger laquoo aiacute do serraquo128 o que significa lugar de manifestaccedilatildeo do sentido do ser Segundo as coordenadas da filosofia fenomenoloacutegica coordenadas que Heidegger alega seguir transformando ‑as no sentido de uma fenomenologia hermenecircutica o ser eacute entendido sobretudo como sen‑tido o que se caracteriza pelo ser ‑no ‑mundo como condiccedilatildeo baacutesica da existecircncia do ser ‑aiacute Existecircncia significa aqui natildeo a simples posiccedilatildeo de um ente na realidade mas dir ‑se ‑ia exteriorizaccedilatildeo do ser como manifestaccedilatildeo que justamente o ser ‑aiacute apreende como a questatildeo pelo

125 Fernando Pessoa Livro do Desassossego ed R Zenith Lisboa 1998 391 V os Capiacutetulos 5 e 6 infra

126 V n 47 supra Sobre este tema cf M Caron Heidegger Penseacutee de lrsquoecirctre et origine de la subjectiviteacute Paris 2005 773 ‑812 e o Capiacutetulo 4 infra

127 rdquoin seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo (Heidegger SuZ 12)128 SuZ 12

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seu proacuteprio ser A investigaccedilatildeo pelo sentido desenrolar ‑se ‑aacute como a investigaccedilatildeo das condiccedilotildees existenciais do ser ‑aiacute e da abertura para ele de um mundo O ser ‑aiacute natildeo pode ser entendido somente como um ente entre os outros dada a sua caracteriacutestica proacutepria de ldquoexistir ontologicamenterdquo129 A sua caracteriacutestica ocircntica aquilo que ele eacute como ente eacute existir ontologicamente ou seja dar ‑se num domiacutenio de sentido de ser que ele sempre jaacute compreendeu A viragem hermenecircutica da fenomenologia reforccedila a noccedilatildeo fenomenoloacutegica original da indagaccedilatildeo pelo significado ou sentido em que o fenoacutemeno em geral e em di‑versas modalidades se daacute Se no entanto como se viu as conclusotildees de Husserl natildeo apontaram para o desenvolvimento de uma filosofia da linguagem como ontologia ou filosofia primeira mas antes para o aprofundamento do tema do sujeito ante ‑predicativo e ante ‑linguiacutestico onde se encontra a evidecircncia do sentido130 as conclusotildees de Heidegger apoacutes aquilo que ele mesmo explicaraacute como uma ldquoviragemrdquo do seu pensamento vatildeo apontar para os desenvolvimentos de uma filosofia da linguagem nos moldes jaacute aflorados

O sentido desta viragem ldquoa caminho da linguagemrdquo estatildeo jaacute da‑dos ateacute certo ponto nos desenvolvimentos de Ser e Tempo Heidegger investiga aqui a fonte do significado das palavras no fenoacutemeno que denomina como significatividade Esta designa antes de mais um todo de referecircncias ou contexto que o ser ‑aiacute encontra natildeo soacute no mundo mas como o seu mundo131 Este contexto de referecircncias e totalidade de reenvios natildeo eacute um conjunto de coisas entendido nem extensivamente nem mesmo segundo a sua compreensatildeo proacutepria e investimento de validade subjetiva mas como uma rede de pragmata ou seja entes que se abrem originariamente em funccedilatildeo das possibili‑

129 SuZ 12130 Cf A Diemer Edmund Husserl Versuch einer systematischen Darstellung seiner

Phaumlnomenologie Meisenheim am Glan 1965 esp 110 ‑113131 Cf SuZ 63 ‑64 84 ‑86

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dades do lidar ou de servir uns para os outros no uso quotidiano do ser ‑aiacute Para Heidegger o fenoacutemeno originaacuterio do sentido natildeo se daacute na consideraccedilatildeo teoreacutetica de entes simplesmente dados ou perante um sujeito mas no projeto significativo de cariz existencial do ser ‑aiacute A consideraccedilatildeo teoreacutetica abstrata ou cientiacutefica dos entes como coisas disponiacuteveis para a observaccedilatildeo da sua essecircncia e na sequecircncia disto disponiacuteveis para a manipulaccedilatildeo teacutecnica eacute expressamente considerada uma consideraccedilatildeo secundaacuteria e deficitaacuteria que soacute emerge com base na privaccedilatildeo da abertura originaacuteria de sentido132 Esta daacute ‑se natildeo como ser ‑simplesmente ‑dado (Vorhandensein) no modo do correlato da visatildeo teoacuterica objetivante mas como ser ‑agrave ‑matildeo (Zuhandensein) ou utensilidade Esta utensilidade soacute existe em funccedilatildeo do projeto do ser ‑aiacute o qual estaacute na conhecida expressatildeo de Heidegger sempre jaacute lanccedilado ou projetado com o significado de que natildeo haacute para o ser‑‑aiacute nenhum comeccedilo absoluto ou fonte transparente das significaccedilotildees contrariamente agraves pretensotildees da filosofia de Descartes a Husserl Pelo contraacuterio a reflexividade sobre si proacuteprio do ser ‑aiacute bem como a sua compreensatildeo estatildeo sempre limitadas por um horizonte que dir ‑se ‑ia o impede de ver a totalidade integral do sentido do ser que lhe eacute proacuteprio ou do ser em geral O ldquoestar lanccediladordquo diz tambeacutem da exposiccedilatildeo e abertura do ser ‑aiacute ao mundo ou seja da sua facticidade ou que ele natildeo se pode considerar jamais como fundamento daquilo que inversamente natildeo pode senatildeo antecedecirc ‑lo aleacutem de ser dado em cada caso incompletamente Aliaacutes o que a reflexatildeo lhe fornece natildeo eacute uma perspetiva integral completa e inabalaacutevel sobre o seu proacuteprio ser a sua verdade e validade evidentes conforme de um modo ou de outro foi tiacutepico da filosofia desde Descartes minus a uacutenica completude que eacute dada ao ser ‑aiacute pelo fato de no seu ser ldquoestar em jogo este mesmo serrdquo ou pela ldquoJemeinigkeitrdquo (ser ‑em ‑cada ‑caso ‑meu) proacuteprio do ser ‑aiacute eacute a do seu proacuteprio ser para a morte

132 SuZ 69 ‑71

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Estes dados apontam para a temporalidade como o fenoacutemeno central do ser ‑aiacute o que tem como consequecircncia teoacuterica justamente a perda da possibilidade de uma apreensatildeo integral do sentido do ser minus posto que haacute que repetir a temporalidade eacute a estrutura funda‑mental da existecircncia do ser ‑aiacute Este natildeo eacute como que um sujeito a que se acrescentasse como predicado a temporalidade minus esta constitui natildeo um predicado mas o seu modo existencial de acesso ao ldquoaiacuterdquo em que tem o seu ser ou nos termos que nos satildeo jaacute familiares agrave abertura do mundo Esta alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo do sentido do ser com que Heidegger pretende fazer deslocar dos seus gonzos toda a perspeti‑va ontoloacutegica da histoacuteria da filosofia anterior natildeo poderia deixar de ter consequecircncias para a compreensatildeo da linguagem Na abordagem de Ser e Tempo pelo signo eacute adquirida e assegurada ldquoantes de mais uma orientaccedilatildeo dentro do mundo circundanterdquo133 minus precisamente como se viu aquilo que segundo Husserl lhe retirava significado134 ldquoO signo (Zeichen) natildeo estaacute soacute agrave matildeo como outro utensiacutelio qualquer mas no seu estar ‑agrave ‑matildeo o mundo circundante se torna em cada caso expressamente acessiacutevel para a visatildeo em redor O signo eacute um ente onticamente agrave ‑matildeo que como [um] utensiacutelio determinado funciona simultaneamente como algo que anuncia a estrutura ontoloacutegica do ser ‑agrave ‑matildeo da totalidade de referecircncias e da mundaneidaderdquo135

O signo opera nestes termos ao niacutevel do contexto de referecircn‑cias do ser ‑agrave ‑matildeo dando acesso agrave totalidade dessas referecircncias e agrave proacutepria significatividade do mundo Natildeo seraacute possiacutevel aprofundar aqui a posiccedilatildeo heideggeriana para aleacutem das anotaccedilotildees que nos fazem remeter o significado para a noccedilatildeo de mundo e da orientaccedilatildeo do

133 ldquoes gewinnt vielmehr eine Orientierung innerhalb der Umweltrdquo (SuZ 79)134 Cf pp 51 e 52 supra135 ldquoDie Zeichen ist nicht nur zuhanden mit anderem Zeug sondern in seiner

Zuhandenheit wird die Umwelt je fuumlr die Umsicht ausdruumlcklich zuhanden Zeichen ist ein ontisch Zuhandenes das als dieses bestimmte Zeug zugleich als etwas fungiert was die ontologische Struktur der Zuhandenheit Verweisungsganzheit und Weltlichkeit anzeigtrdquo (SuZ 82)

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44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 6: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

sUmaacuter i o

Proacutelogo

por Manuel Joseacute do Carmo Ferreira 11

Apresentaccedilatildeo 13

I Linguagem e Consciecircncia entre Ciacutecero e Wittgenstein

1 Do Orador ao Mestre Concepccedilotildees Romanas da Linguagem 21

11 O inconfessado da retoacuterica 23

12 A reconduccedilatildeo retoacuterica do saber 28

13 A pragmaacutetica do sinal 34

14 Conclusatildeo 37

2 Consciecircncia e Linguagem Acerca da Criacutetica Linguiacutestica do Sujeito na Primeira Metade do Seacuteculo XX 39

21 Os antecedentes kantianos 40

22 Significaccedilatildeo e consciecircncia Husserl e a idealidade das significaccedilotildees 45

23 Wittgenstein e a linguagem dos factos 56

24 O antecedente etimologista e empirista de Horne Tooke 63

25 O pensamento etimoloacutegico de Heidegger 65

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica 71

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8

II Reflexatildeo e Relatividades de Kant a Borges via Heidegger

3 Hegel ndash Escher ndash Borges Figuras e Conceitos da Reflexatildeo 79

31 Trecircs formas para um mesmo conteuacutedo 80

32 Borges e Hegel mundo invertido filosofia alematilde e literatura fantaacutestica 82

33 Escher segundo Hegel a ontologia da intuiccedilatildeo 84

34 A teoria de Escher da consciecircncia de si 87

35 O sujeito de Escher 92

36 O fim da intuiccedilatildeo laacute onde natildeo se pode intuir recuperaccedilatildeo da representaccedilatildeo 97

37 O significado da divisatildeo do plano mais uma vez Hegel 101

38 Objetos impossiacuteveis 105

39 Conclusatildeo Sistema negatividade e desenvolvimento 108

4 Pensar e Refletir Sobre o Modelo Reflexivo do Pensar em Kant e Heidegger 111

41 A reflexatildeo loacutegica 113

42 A reflexatildeo transcendental 117

43 O juiacutezo reflexivo 125

44 A necessidade do pensar 129

45 A reflexatildeo da finitude 132

46 Aprender a pensar 136

47 A reflexividade limitada 138

48 Aprender a aprender o significado do significado 142

49 Conclusatildeo 144

III Negaccedilatildeo e Mitologia no Pensamento Portuguecircs do Seacuteculo XX Pessoa Marinho e Eudoro

5 Fernando Pessoa e a Consciecircncia Infeliz 153

51 Negaccedilatildeo e consciecircncia 156

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9

52 A vivecircncia da dor e a patologia teoacuterica associada 163

53 Do positivo em Pessoa maturaccedilatildeo e desenvolvimento da consciecircncia 171

6 Fernando Pessoa Aproximaccedilatildeo Dialeacutetica e Fenomenoloacutegica 177

61 O sistema da poesia pessoana 177

62 As figuras do natildeo ‑ser pessoano 179

63 O laboratoacuterio faacuteustico e a dissoluccedilatildeo do real 181

64 As nuacutepcias da diferenccedila 187

65 A faacutebrica dos heteroacutenimos 191

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa 200

7 Negatividade e Saber Absoluto na Teoria do Ser e da Verdade de Joseacute Marinho 203

71 Sob o signo do negativo 203

72 O preacute ‑predicativo em questatildeo 205

73 A palavra e a aurora 209

74 O eixo de simetria reflexivo da Teoria 212

75 Aleacutem da reflexatildeo 215

76 Sobre o saber absoluto 216

8 Eudoro de Sousa e a Mitologia 219

81 Tautegoria alegoria significaccedilatildeo 220

82 O Projeto segundo Eudoro 229

83 O achatamento hodierno do siacutembolo 233

IV Modernidade Relativismo e Crise

9 Filosofia da Arquitetura e do Espaccedilo Aproximaccedilotildees Histoacuterico ‑Conceptuais ao Modernismo 237

91 Sobre a definiccedilatildeo da arte 237

92 A arquitetura hegeliana 241

93 O fim da arquitetura e mais aleacutem 245

94 Sobre o sentido do modernismo 248

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10

95 Modernismo e modernidade 251

96 Modernismo e negaccedilatildeo 252

97 Sobre a reaccedilatildeo ao modernismo 254

98 Final A ponte como obra de arte 256

10 Sobre os Pressupostos e Consequecircncias da Criacutetica ao Relativismo nos Prolegoacutemenos agrave Loacutegica Pura de Husserl 261

101 A tese da existecircncia de uma forma geral para as fundamentaccedilotildees 262

102 A inteleccedilatildeo a sua perda e substitutos 267

103 O relativismo e o ponto de partida reflexivo da fenomenologia 270

104 Uma criacutetica aos ldquoargumentos da reflexatildeordquo 275

105 Conclusatildeo Verdade e intencionalidade 277

11 A Epocheacute da Modernidade A Crise das Ciecircncias Europeias de Husserl 279

111 A conceccedilatildeo uacuteltima da fenomenologia 279

112 O combate pelo significado das palavras 281

113 A epocheacute histoacuterica das ciecircncias 282

114 O problema filosoacutefico da Modernidade 285

115 A epocheacute praxioloacutegica das ciecircncias 288

116 A lsquoLebensweltrsquo e a ampliaccedilatildeo final da fenomenologia 292

Origem dos textos 297

Referecircncias bibliograacuteficas 301

Iacutendice onomaacutestico 311

Iacutendice analiacutetico 313

Obras citadas 319

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PrOacutelogo

A obra Transparecircncias Linguagem e Reflexatildeo de Ciacutecero a Pessoa eacute constituiacuteda por onze estudos dos quais nove jaacute foram publicados mas agora revistos para a presente ediccedilatildeo e dois ineacuteditos os textos inscrevem ‑se no intervalo entre 1997 e 2016 mas a maior parte deles situa ‑se no uacuteltimo trieacutenio

Os ensaios estatildeo agrupados em quatro grandes nuacutecleos temaacute‑ticos ndash lsquoLinguagem e Consciecircnciarsquo lsquoConceitos da Reflexatildeo e do Relativismorsquo lsquoNegaccedilatildeo e Mitologiarsquo e lsquoModernidade Relativismo e Crisersquo e desenrolam ‑se num eixo temporal que privilegiando a con‑temporaneidade e nesta a fenomenologia de Husserl e de Heidegger bem como a filosofia da linguagem nomeadamente a de Wittgenstein remontam agrave retoacuterica romana (Ciacutecero e Agostinho) e retomam para os debates de hoje elementos estruturantes do pensamento kantiano e do idealismo alematildeo Os estudos recuperam ainda para esses mesmos debates figuras determinantes do pensamento portuguecircs do seacuteculo xx Fernando Pessoa Joseacute Marinho e Eudoro de Sousa Sem nunca se afastar do equacionamento filosoacutefico das questotildees tratadas os textos fazem intervir tambeacutem elementos da literatura com Borges e Pessoa e das artes do espaccedilo com Escher

Confrontados com a diversidade dos temas e dos autores com o seu complexo entrelaccedilamento histoacuterico e um dilatado horizonte sistemaacuteti‑co importa sublinhar a unidade da obra uma unidade diferenciante feita de convergecircncias sem duacutevida mas claramente manifesta logo a partir do intento expresso pelo autor de nos pocircr perante diferentes

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empiacutericas ndash tudo o resto satildeo simples abreviaturas que se limitam a tornar a comunicaccedilatildeo mais expedita

A esta primeira tese empirista e criacutetica do mentalismo junta ‑se uma outra posiccedilatildeo que lhe fornece o seu meacutetodo de investigaccedilatildeo Segundo Tooke ldquoa etimologia nos daraacute em todas as liacutenguas o que a filosofia em vatildeo buscourdquo108 nomeadamente a definiccedilatildeo do estatuto e do signifi‑cado dos termos universais e a sua relaccedilatildeo com o pensamento e com a linguagem A investigaccedilatildeo etimoloacutegica seraacute ldquosuficiente para descartar aquela operaccedilatildeo imaginaacuteria da mente que se denominou abstraccedilatildeo e para provar que tudo o que chamamos por este nome eacute somente um dos dispositivos da linguagem com o fim de uma comunicaccedilatildeo mais expeditardquo109 Toda a investigaccedilatildeo concetual eacute substituiacuteda pela anaacutelise etimoloacutegica de significados com o resultado de que natildeo haacute conceito subjectivo mas um reenvio de toda a operaccedilatildeo significativa para a proacutepria linguagem e o seu desenvolvimento A etimologia permite a descoberta em todos os termos gerais abstratos adjetivos adveacuterbios e outros do substantivo concreto original e a reduccedilatildeo assim de todos os termos gerais e relacionais natildeo a atos do sujeito mas a uma operaccedilatildeo da proacutepria linguagem

25 O pensamento etimoloacutegico de Heidegger

Se a obra de Tooke estaacute longe das vias mais frequentadas da lin‑guiacutestica e da filosofia a sua abordagem aponta no entanto o caminho para a avaliaccedilatildeo do significado metodoloacutegico do apelo agrave etimologia que deixa uma marca no seacuteculo xx nomeadamente por intermeacutedio da filosofia tardia de Heidegger que a ela recorre com frequecircncia como fio heuriacutestico da sua investigaccedilatildeo A ideia do meacutetodo etimoloacutegico

108 EP 171109 EP 600

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em Tooke revestido ainda de um empirismo filosoficamente um tanto tosco ressurge com Heidegger com as suas consequecircncias filosoacuteficas subtilmente desenvolvidas como veremos em seguida Sobre o meacute‑todo etimoloacutegico escreve Heidegger numa Introduccedilatildeo agrave Filosofia de 1930 que ldquodeve observar ‑se que natildeo nos socorremos da etimologia para a partir da raiz das palavras concluir algo de originariamente nativo [Urwuumlchsiges] sobre o significado ndash um procedimento exposto a grande abuso e erros mas precisamente tambeacutem porque pode ser frutiacutefero se utilizado no lugar certo da maneira e nos limites corretos [] Tomamos a linguagem no seu todo como a revelaccedilatildeo originaacuteria do ente no meio do qual o homem existe o homem cujo relevo essencial eacute o de existir nesta revelaccedilatildeo na linguagemrdquo110

Heidegger serve ‑se na verdade da etimologia com mais frequecircncia do que parece admitir neste texto E diga ‑se igualmente que encon‑trar o limite e o lugar correto para o recurso agrave etimologia depende de que se entenda que de nada serviraacute buscarmos significados mais antigos para as palavras se tal busca natildeo for acompanhada de uma reflexatildeo sobre o proacuteprio significado em geral de uma modificaccedilatildeo da compreensatildeo do que eacute o significado ou porventura de uma reflexatildeo sobre o que significa significar Natildeo se trata de reduzir significados a outros mais simples e naturais proacuteximos das impressotildees originaacuterias que foram pouco a pouco substituiacutedos por uma falsa superestrutura cultural segundo o projeto de Tooke De pouco importa a antiguidade das palavras mas sim a explicitaccedilatildeo do que significa a manifestaccedilatildeo do ente em geral do proacuteprio ser da linguagem O problema do sig‑

110 ldquoEinmal ist zu beachten daszlig wir keine Etymologie zuhilfe gerufen haben um aus dem Wortstamm etwas Urwuumlchsiges fuumlr die Bedeutung zu erschlieszligen ndash ein Verfahren das groszligem Miszligbrauch und Irrtuumlmern ausgesetzt ist aber eben deshalb auch wenn am rechten Ort und in der rechten Weise und Grenze betreiben fruchtbar sein kann [] Wir haben die Sprache im Ganzen genommen als die urspruumlngliche Offenbarung des Seienden inmitten dessen der Mensch existiert der Mensch dessen Wesensaus‑zeichnung es ist in der Sprache in dieser Offenbarung zu existierenrdquo (Heidegger Vom Wesen der menschlichen Freiheit Einleitung in die Philosophie Gesamtausgabe Frankfurt aM 1976 ‑ [=GA] 31 53 ‑54)

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nificado das palavras deve antes do mais situar o homem no meio do ente ou seja mostrar o significado dessa revelaccedilatildeo

Encontramos na obra A Caminho da Linguagem111 de Heidegger enunciado o princiacutepio de compreensatildeo do significado princiacutepio que se ajusta agrave perfeiccedilatildeo ao meacutetodo etimoloacutegico O projeto eacute claro natildeo se trata ldquotanto de situar e discutir [a linguagem] mas de nos levar ao lugar da sua essecircnciardquo112 e esta conduccedilatildeo passa de modo algo estranho por uma repeticcedilatildeo de frases de tipo tautoloacutegico que veicu‑lam de iniacutecio muito pouco conteuacutedo significativo Assim ldquoa proacutepria linguagem eacute a linguagemraquo ao que acrescenta que laquoa inteligecircncia lo‑gicamente instruiacuteda [] chama a esta frase uma tautologia que nada dizrdquo113 e repete a frase ldquoa linguagem eacute linguagemrdquo114 para numa ligeira variaccedilatildeo apresentar o princiacutepio que referimos que mais do que repetir faz ressoar em poucas paacuteginas como um eco reflexivo cerca de quinze vezes ldquodie Sprache sprichtrdquo (ldquoa linguagem falardquo)115

Que teoria do significado se funda sobre este princiacutepio a laquolin‑guagem falaraquo Eacute dito que a linguagem natildeo eacute silenciosa muda e que se o falante pode falar eacute porque a linguagem tem sentido antes e independentemente dele Na conclusatildeo do seu curso sobre a Loacutegica como a Questatildeo pela Essecircncia da Linguagem de 1934 registaram os seus ouvintes que ldquoa essecircncia da linguagem natildeo se anuncia laacute onde ela eacute [] forccedilada como um meio de troca e degradada agrave mera expressatildeo de um denominado interiorrdquo116 A tese da instrumentalidade da lingua‑gem como meio de troca comunicativa entre o interior dos sujeitos

111 Martin Heidegger Unterwegs zur Sprache 1959 2003 [=UzS]112 ldquoDie Sprache eroumlrtern heiszligt nicht so sehr sie sondern uns an den Ort ihres

Wesens bringenrdquo (UzS 12)113 ldquoDie Sprache selbst ist die Sprache Der logisch geschulte [] Verstand nennt

diesen Satz eine nichtssagende Tautologierdquo (UzS 12)114 ldquoSprache ist Spracherdquo (UzS 13)115 ldquoDie Sprache sprichtrdquo (UzS 12 13 14 16 19 20 21 28 30 32 33)116 Idem Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 170

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requer justamente uma neutralidade significativa do proacuteprio instru‑mento para que possa anunciar algo a transparecircncia do sinal a sua natildeo ‑significatividade qua linguagem segundo podemos depreender principalmente de Saussure

No mesmo ano deste uacuteltimo curso citado de Heidegger de 1934 a jaacute referida Sprachtheorie de Karl Buumlhler117 apresenta de modo mais completo as diferentes funccedilotildees da linguagem como exposiccedilatildeo expres‑satildeo e apelo As duas primeiras ndash exposiccedilatildeo e expressatildeo ndash requerem precisamente a natildeo ‑significatividade do proacuteprio signo A exposiccedilatildeo de um estado de coisas requer que o instrumento significativo natildeo altere por significados proacuteprios e incontrolados a sua imagem linguiacutestica Do mesmo modo a expressatildeo do interior soacute eacute realizada por uma me‑diaccedilatildeo ela mesma natildeo falante plenamente transparente Eacute requerido que a linguagem ela proacutepria natildeo fale natildeo receba sentido para aleacutem do pretendido pelo sujeito falante Pelo contraacuterio o caraacutecter linguiacutestico da proacutepria linguagem abre a expressatildeo justamente ao processo infinito das interpretaccedilotildees A tese de que a linguagem fala diz natildeo soacute que a linguagem oferece resistecircncia significativa agrave expressatildeo ou agrave exposiccedilatildeo objetiva mas que em uacuteltima instacircncia e Heidegger eacute claro nisto natildeo eacute o falante que fala mas a proacutepria linguagem minus anulando ‑se o sujeito e a sua reflexatildeo como pretendida fonte do significado E Heidegger pergunta pelo sujeito presente no seu princiacutepio ldquoa linguagem fala A linguagem Natildeo o homemrdquo ldquoNa sua essecircncia a linguagem natildeo eacute nem expressatildeo nem uma atividade do homem A linguagem falardquo118 Na tese da subjetividade etimoloacutegica da linguagem reside que o fa‑lante quando fala diz inuacutemeras coisas que natildeo pode alcanccedilar na sua

117 K Buumlhler Sprachtheorie Die Darstellungsfunktion der Sprache Stuttgart 1999 v Habermas bdquoZur Kritik der Bedeutungstheorieldquo trad Paulo Rodrigues in Racionalidade e Comunicaccedilatildeo Lisboa 2002 149 ‑182

118 bdquoDie Sprache spricht Die Sprache Und nicht der Menschldquo (UzS 20) bdquoDie Sprache ist in ihrem Wesen weder Ausdruck noch eine Betaumltigung des Menschen Die Sprache sprichtldquo (UzS 19)

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reflexatildeo proacutepria de sujeito e que esta uacuteltima natildeo soacute natildeo pode ser fonte de significaccedilatildeo como tatildeo ‑pouco eacute capaz de abraccedilar em si mesma a determinaccedilatildeo proacutepria dos significados que enuncia Nisto se fundaraacute tambeacutem a hermenecircutica filosoacutefica119 E Heidegger insiste neste pon‑to na recusa da reflexatildeo como fio do pensamento120 tese cujas bases teoacutericas estatildeo no conceito de finitude e de temporalidade assumidos pelo autor conceitos a que faremos ainda referecircncia mais abaixo Em uacuteltima instacircncia segundo a tese da etimologia natildeo se pode dizer que o falante como indiviacuteduo saiba efetivamente o que diz O princiacutepio ldquoa linguagem falardquo cuja repeticcedilatildeo faacute ‑lo justamente perder o sentido para o falante ndash no fenoacutemeno psicoloacutegico que todos conhecemos de esvaziamento do significado pela repeticcedilatildeo de uma palavra ndash deve ser suficiente para estabelecer uma compreensatildeo da linguagem oposta a toda a filosofia moderna do juiacutezo cuja forccedila ilocucionaacuteria lhe eacute confe‑rida por um ato da vontade do sujeito que assere ou daacute consentimento ao ser ou natildeo ‑ser predicativo O que eacute dito natildeo estaacute depositado na pretensa representaccedilatildeo ou imagem mental interior do sujeito defi‑nida por exemplo nos termos de Saussure ldquoo signo linguiacutestico natildeo une uma coisa e um nome mas um conceito e uma imagem acuacutestica [Se] arbor eacute chamado um signo soacute o eacute enquanto conteacutem o conceito aacutervore []rdquo121 Segundo Heidegger o significativo da linguagem estaacute depositado no proacuteprio significante natildeo no significado nas palavras e natildeo justamente no conceito como quer que se queira compreender o conceito O significado estaacute esquecido aleacutem disso por um uso habitual demasiadas vezes repetido ou feito a partir de um mundo ou de condiccedilotildees existenciais que jaacute natildeo correspondem agravequelas que davam originalmente significado agraves palavras A validade do meacutetodo

119 Vg Gadamer opcit 108 361 ‑364120 Cf Heidegger Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 53 58121 ldquole signe linguistique unit non une chose et un nom mais un concept et une

image acoustique [Si] arbor est appeleacute signe ce nrsquoest qursquoen tant qursquoil porte le concept lsquoarbrersquo []rdquo (CLG 98 ‑99)

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etimoloacutegico pressupotildee que haacute um sentido original e que esse sentido estaacute esquecido perdido ndash o que corresponde com alguma precisatildeo agrave tese de Heidegger acerca do esquecimento do ser a rememorar pela linguagem poeacutetica que natildeo deixa adormecer o significado pela repeti‑ccedilatildeo habitual122 Eacute assim dito acrescente ‑se que as geraccedilotildees transmitem sucessivamente uma mensagem original nas palavras agora natildeo soacute aladas como tambeacutem falantes que permanece por decifrar e que as proacuteprias geraccedilotildees ignoram que ao falar transmitem algo que natildeo mais entendem e que Heidegger viraacute a denominar o ldquoenviordquo ou mensagem do ser A expressatildeo comum ldquoeles natildeo sabem o que dizemrdquo ganha assim plausibilidade e o seu sentido torna ‑se mais claro pela etimologia e pelo princiacutepio de que ldquoa linguagem falardquo Segundo Heidegger ldquofala‑mos da linguagem na permanente aparecircncia de falar somente sobre a linguagem quando falamos jaacute a partir da linguagemrdquo123 sendo pois a reflexividade linguiacutestica do sujeito substituiacuteda por uma outra fonte de sentido que excede os limites da reflexatildeo

A etimologia erigida em meacutetodo e sistema filosoacutefico eacute uma versatildeo linguiacutestica da tese da alienaccedilatildeo geral da consciecircncia histoacuterica que encontramos no seacuteculo xx em autores como Heidegger que procurou rememorar o esquecimento do ser Adorno com a sua dialeacutetica do esclarecimento124 que parece encontrar na civilizaccedilatildeo uma forma de insuperaacutevel negatividade e mesmo Husserl na jaacute referida A Crise das Ciecircncias Filosoacuteficas por exemplo

Por oposiccedilatildeo a esta tese segundo a qual o significado eacute assumido pela proacutepria linguagem que fala e se potildee no lugar do falante enten‑demos assim do modo mais claro os motivos do aforismo do poeta que talvez mais sistematicamente reivindicou para si e investigou a

122 V o claacutessico de Ricoeur A Metaacutefora Viva trad J T Costa e A M Magalhatildees Porto 1983 151 476 ‑478

123 Heidegger UzS 191124 Adorno Horkheimer Dialektik der Aufklaumlrung Philosophische Fragmente in

Adorno Gesammelte Schrifte Band 3 Frankfurt a M 1996

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subjetividade e a reflexatildeo conforme lemos no Livro do Desassossego ldquoEu natildeo escrevo em portuguecircs Escrevo eu mesmordquo125

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica

O desenvolvimento por Heidegger de uma filosofia que poderiacutea‑mos considerar etimologicamente fundada que desapossa o sujeito da atividade de criaccedilatildeo e apreensatildeo de significado eacute antecedida por todo um questionamento de cariz bastante diverso acerca das condi‑ccedilotildees de fenomenalizaccedilatildeo do ser em Ser e Tempo de 1927126 A condiccedilatildeo primeira do fenoacutemeno eacute o ldquoDaseinrdquo ou ldquoser ‑aiacuterdquo que Heidegger define como o ente para o qual ldquono seu ser estaacute em causa este mesmo serrdquo127 Toda a investigaccedilatildeo estaacute centrada nesta caracteriacutestica do ser de um determinado ente o ser ‑aiacute para o qual visto nele estar sempre em causa o seu proacuteprio ser haacute mais do que somente um ambiente que o circunda um mundo O ser ‑aiacute eacute nos termos de Heidegger laquoo aiacute do serraquo128 o que significa lugar de manifestaccedilatildeo do sentido do ser Segundo as coordenadas da filosofia fenomenoloacutegica coordenadas que Heidegger alega seguir transformando ‑as no sentido de uma fenomenologia hermenecircutica o ser eacute entendido sobretudo como sen‑tido o que se caracteriza pelo ser ‑no ‑mundo como condiccedilatildeo baacutesica da existecircncia do ser ‑aiacute Existecircncia significa aqui natildeo a simples posiccedilatildeo de um ente na realidade mas dir ‑se ‑ia exteriorizaccedilatildeo do ser como manifestaccedilatildeo que justamente o ser ‑aiacute apreende como a questatildeo pelo

125 Fernando Pessoa Livro do Desassossego ed R Zenith Lisboa 1998 391 V os Capiacutetulos 5 e 6 infra

126 V n 47 supra Sobre este tema cf M Caron Heidegger Penseacutee de lrsquoecirctre et origine de la subjectiviteacute Paris 2005 773 ‑812 e o Capiacutetulo 4 infra

127 rdquoin seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo (Heidegger SuZ 12)128 SuZ 12

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seu proacuteprio ser A investigaccedilatildeo pelo sentido desenrolar ‑se ‑aacute como a investigaccedilatildeo das condiccedilotildees existenciais do ser ‑aiacute e da abertura para ele de um mundo O ser ‑aiacute natildeo pode ser entendido somente como um ente entre os outros dada a sua caracteriacutestica proacutepria de ldquoexistir ontologicamenterdquo129 A sua caracteriacutestica ocircntica aquilo que ele eacute como ente eacute existir ontologicamente ou seja dar ‑se num domiacutenio de sentido de ser que ele sempre jaacute compreendeu A viragem hermenecircutica da fenomenologia reforccedila a noccedilatildeo fenomenoloacutegica original da indagaccedilatildeo pelo significado ou sentido em que o fenoacutemeno em geral e em di‑versas modalidades se daacute Se no entanto como se viu as conclusotildees de Husserl natildeo apontaram para o desenvolvimento de uma filosofia da linguagem como ontologia ou filosofia primeira mas antes para o aprofundamento do tema do sujeito ante ‑predicativo e ante ‑linguiacutestico onde se encontra a evidecircncia do sentido130 as conclusotildees de Heidegger apoacutes aquilo que ele mesmo explicaraacute como uma ldquoviragemrdquo do seu pensamento vatildeo apontar para os desenvolvimentos de uma filosofia da linguagem nos moldes jaacute aflorados

O sentido desta viragem ldquoa caminho da linguagemrdquo estatildeo jaacute da‑dos ateacute certo ponto nos desenvolvimentos de Ser e Tempo Heidegger investiga aqui a fonte do significado das palavras no fenoacutemeno que denomina como significatividade Esta designa antes de mais um todo de referecircncias ou contexto que o ser ‑aiacute encontra natildeo soacute no mundo mas como o seu mundo131 Este contexto de referecircncias e totalidade de reenvios natildeo eacute um conjunto de coisas entendido nem extensivamente nem mesmo segundo a sua compreensatildeo proacutepria e investimento de validade subjetiva mas como uma rede de pragmata ou seja entes que se abrem originariamente em funccedilatildeo das possibili‑

129 SuZ 12130 Cf A Diemer Edmund Husserl Versuch einer systematischen Darstellung seiner

Phaumlnomenologie Meisenheim am Glan 1965 esp 110 ‑113131 Cf SuZ 63 ‑64 84 ‑86

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dades do lidar ou de servir uns para os outros no uso quotidiano do ser ‑aiacute Para Heidegger o fenoacutemeno originaacuterio do sentido natildeo se daacute na consideraccedilatildeo teoreacutetica de entes simplesmente dados ou perante um sujeito mas no projeto significativo de cariz existencial do ser ‑aiacute A consideraccedilatildeo teoreacutetica abstrata ou cientiacutefica dos entes como coisas disponiacuteveis para a observaccedilatildeo da sua essecircncia e na sequecircncia disto disponiacuteveis para a manipulaccedilatildeo teacutecnica eacute expressamente considerada uma consideraccedilatildeo secundaacuteria e deficitaacuteria que soacute emerge com base na privaccedilatildeo da abertura originaacuteria de sentido132 Esta daacute ‑se natildeo como ser ‑simplesmente ‑dado (Vorhandensein) no modo do correlato da visatildeo teoacuterica objetivante mas como ser ‑agrave ‑matildeo (Zuhandensein) ou utensilidade Esta utensilidade soacute existe em funccedilatildeo do projeto do ser ‑aiacute o qual estaacute na conhecida expressatildeo de Heidegger sempre jaacute lanccedilado ou projetado com o significado de que natildeo haacute para o ser‑‑aiacute nenhum comeccedilo absoluto ou fonte transparente das significaccedilotildees contrariamente agraves pretensotildees da filosofia de Descartes a Husserl Pelo contraacuterio a reflexividade sobre si proacuteprio do ser ‑aiacute bem como a sua compreensatildeo estatildeo sempre limitadas por um horizonte que dir ‑se ‑ia o impede de ver a totalidade integral do sentido do ser que lhe eacute proacuteprio ou do ser em geral O ldquoestar lanccediladordquo diz tambeacutem da exposiccedilatildeo e abertura do ser ‑aiacute ao mundo ou seja da sua facticidade ou que ele natildeo se pode considerar jamais como fundamento daquilo que inversamente natildeo pode senatildeo antecedecirc ‑lo aleacutem de ser dado em cada caso incompletamente Aliaacutes o que a reflexatildeo lhe fornece natildeo eacute uma perspetiva integral completa e inabalaacutevel sobre o seu proacuteprio ser a sua verdade e validade evidentes conforme de um modo ou de outro foi tiacutepico da filosofia desde Descartes minus a uacutenica completude que eacute dada ao ser ‑aiacute pelo fato de no seu ser ldquoestar em jogo este mesmo serrdquo ou pela ldquoJemeinigkeitrdquo (ser ‑em ‑cada ‑caso ‑meu) proacuteprio do ser ‑aiacute eacute a do seu proacuteprio ser para a morte

132 SuZ 69 ‑71

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Estes dados apontam para a temporalidade como o fenoacutemeno central do ser ‑aiacute o que tem como consequecircncia teoacuterica justamente a perda da possibilidade de uma apreensatildeo integral do sentido do ser minus posto que haacute que repetir a temporalidade eacute a estrutura funda‑mental da existecircncia do ser ‑aiacute Este natildeo eacute como que um sujeito a que se acrescentasse como predicado a temporalidade minus esta constitui natildeo um predicado mas o seu modo existencial de acesso ao ldquoaiacuterdquo em que tem o seu ser ou nos termos que nos satildeo jaacute familiares agrave abertura do mundo Esta alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo do sentido do ser com que Heidegger pretende fazer deslocar dos seus gonzos toda a perspeti‑va ontoloacutegica da histoacuteria da filosofia anterior natildeo poderia deixar de ter consequecircncias para a compreensatildeo da linguagem Na abordagem de Ser e Tempo pelo signo eacute adquirida e assegurada ldquoantes de mais uma orientaccedilatildeo dentro do mundo circundanterdquo133 minus precisamente como se viu aquilo que segundo Husserl lhe retirava significado134 ldquoO signo (Zeichen) natildeo estaacute soacute agrave matildeo como outro utensiacutelio qualquer mas no seu estar ‑agrave ‑matildeo o mundo circundante se torna em cada caso expressamente acessiacutevel para a visatildeo em redor O signo eacute um ente onticamente agrave ‑matildeo que como [um] utensiacutelio determinado funciona simultaneamente como algo que anuncia a estrutura ontoloacutegica do ser ‑agrave ‑matildeo da totalidade de referecircncias e da mundaneidaderdquo135

O signo opera nestes termos ao niacutevel do contexto de referecircn‑cias do ser ‑agrave ‑matildeo dando acesso agrave totalidade dessas referecircncias e agrave proacutepria significatividade do mundo Natildeo seraacute possiacutevel aprofundar aqui a posiccedilatildeo heideggeriana para aleacutem das anotaccedilotildees que nos fazem remeter o significado para a noccedilatildeo de mundo e da orientaccedilatildeo do

133 ldquoes gewinnt vielmehr eine Orientierung innerhalb der Umweltrdquo (SuZ 79)134 Cf pp 51 e 52 supra135 ldquoDie Zeichen ist nicht nur zuhanden mit anderem Zeug sondern in seiner

Zuhandenheit wird die Umwelt je fuumlr die Umsicht ausdruumlcklich zuhanden Zeichen ist ein ontisch Zuhandenes das als dieses bestimmte Zeug zugleich als etwas fungiert was die ontologische Struktur der Zuhandenheit Verweisungsganzheit und Weltlichkeit anzeigtrdquo (SuZ 82)

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44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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198

Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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199

A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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200

ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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201

no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 7: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

8

II Reflexatildeo e Relatividades de Kant a Borges via Heidegger

3 Hegel ndash Escher ndash Borges Figuras e Conceitos da Reflexatildeo 79

31 Trecircs formas para um mesmo conteuacutedo 80

32 Borges e Hegel mundo invertido filosofia alematilde e literatura fantaacutestica 82

33 Escher segundo Hegel a ontologia da intuiccedilatildeo 84

34 A teoria de Escher da consciecircncia de si 87

35 O sujeito de Escher 92

36 O fim da intuiccedilatildeo laacute onde natildeo se pode intuir recuperaccedilatildeo da representaccedilatildeo 97

37 O significado da divisatildeo do plano mais uma vez Hegel 101

38 Objetos impossiacuteveis 105

39 Conclusatildeo Sistema negatividade e desenvolvimento 108

4 Pensar e Refletir Sobre o Modelo Reflexivo do Pensar em Kant e Heidegger 111

41 A reflexatildeo loacutegica 113

42 A reflexatildeo transcendental 117

43 O juiacutezo reflexivo 125

44 A necessidade do pensar 129

45 A reflexatildeo da finitude 132

46 Aprender a pensar 136

47 A reflexividade limitada 138

48 Aprender a aprender o significado do significado 142

49 Conclusatildeo 144

III Negaccedilatildeo e Mitologia no Pensamento Portuguecircs do Seacuteculo XX Pessoa Marinho e Eudoro

5 Fernando Pessoa e a Consciecircncia Infeliz 153

51 Negaccedilatildeo e consciecircncia 156

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9

52 A vivecircncia da dor e a patologia teoacuterica associada 163

53 Do positivo em Pessoa maturaccedilatildeo e desenvolvimento da consciecircncia 171

6 Fernando Pessoa Aproximaccedilatildeo Dialeacutetica e Fenomenoloacutegica 177

61 O sistema da poesia pessoana 177

62 As figuras do natildeo ‑ser pessoano 179

63 O laboratoacuterio faacuteustico e a dissoluccedilatildeo do real 181

64 As nuacutepcias da diferenccedila 187

65 A faacutebrica dos heteroacutenimos 191

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa 200

7 Negatividade e Saber Absoluto na Teoria do Ser e da Verdade de Joseacute Marinho 203

71 Sob o signo do negativo 203

72 O preacute ‑predicativo em questatildeo 205

73 A palavra e a aurora 209

74 O eixo de simetria reflexivo da Teoria 212

75 Aleacutem da reflexatildeo 215

76 Sobre o saber absoluto 216

8 Eudoro de Sousa e a Mitologia 219

81 Tautegoria alegoria significaccedilatildeo 220

82 O Projeto segundo Eudoro 229

83 O achatamento hodierno do siacutembolo 233

IV Modernidade Relativismo e Crise

9 Filosofia da Arquitetura e do Espaccedilo Aproximaccedilotildees Histoacuterico ‑Conceptuais ao Modernismo 237

91 Sobre a definiccedilatildeo da arte 237

92 A arquitetura hegeliana 241

93 O fim da arquitetura e mais aleacutem 245

94 Sobre o sentido do modernismo 248

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10

95 Modernismo e modernidade 251

96 Modernismo e negaccedilatildeo 252

97 Sobre a reaccedilatildeo ao modernismo 254

98 Final A ponte como obra de arte 256

10 Sobre os Pressupostos e Consequecircncias da Criacutetica ao Relativismo nos Prolegoacutemenos agrave Loacutegica Pura de Husserl 261

101 A tese da existecircncia de uma forma geral para as fundamentaccedilotildees 262

102 A inteleccedilatildeo a sua perda e substitutos 267

103 O relativismo e o ponto de partida reflexivo da fenomenologia 270

104 Uma criacutetica aos ldquoargumentos da reflexatildeordquo 275

105 Conclusatildeo Verdade e intencionalidade 277

11 A Epocheacute da Modernidade A Crise das Ciecircncias Europeias de Husserl 279

111 A conceccedilatildeo uacuteltima da fenomenologia 279

112 O combate pelo significado das palavras 281

113 A epocheacute histoacuterica das ciecircncias 282

114 O problema filosoacutefico da Modernidade 285

115 A epocheacute praxioloacutegica das ciecircncias 288

116 A lsquoLebensweltrsquo e a ampliaccedilatildeo final da fenomenologia 292

Origem dos textos 297

Referecircncias bibliograacuteficas 301

Iacutendice onomaacutestico 311

Iacutendice analiacutetico 313

Obras citadas 319

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PrOacutelogo

A obra Transparecircncias Linguagem e Reflexatildeo de Ciacutecero a Pessoa eacute constituiacuteda por onze estudos dos quais nove jaacute foram publicados mas agora revistos para a presente ediccedilatildeo e dois ineacuteditos os textos inscrevem ‑se no intervalo entre 1997 e 2016 mas a maior parte deles situa ‑se no uacuteltimo trieacutenio

Os ensaios estatildeo agrupados em quatro grandes nuacutecleos temaacute‑ticos ndash lsquoLinguagem e Consciecircnciarsquo lsquoConceitos da Reflexatildeo e do Relativismorsquo lsquoNegaccedilatildeo e Mitologiarsquo e lsquoModernidade Relativismo e Crisersquo e desenrolam ‑se num eixo temporal que privilegiando a con‑temporaneidade e nesta a fenomenologia de Husserl e de Heidegger bem como a filosofia da linguagem nomeadamente a de Wittgenstein remontam agrave retoacuterica romana (Ciacutecero e Agostinho) e retomam para os debates de hoje elementos estruturantes do pensamento kantiano e do idealismo alematildeo Os estudos recuperam ainda para esses mesmos debates figuras determinantes do pensamento portuguecircs do seacuteculo xx Fernando Pessoa Joseacute Marinho e Eudoro de Sousa Sem nunca se afastar do equacionamento filosoacutefico das questotildees tratadas os textos fazem intervir tambeacutem elementos da literatura com Borges e Pessoa e das artes do espaccedilo com Escher

Confrontados com a diversidade dos temas e dos autores com o seu complexo entrelaccedilamento histoacuterico e um dilatado horizonte sistemaacuteti‑co importa sublinhar a unidade da obra uma unidade diferenciante feita de convergecircncias sem duacutevida mas claramente manifesta logo a partir do intento expresso pelo autor de nos pocircr perante diferentes

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empiacutericas ndash tudo o resto satildeo simples abreviaturas que se limitam a tornar a comunicaccedilatildeo mais expedita

A esta primeira tese empirista e criacutetica do mentalismo junta ‑se uma outra posiccedilatildeo que lhe fornece o seu meacutetodo de investigaccedilatildeo Segundo Tooke ldquoa etimologia nos daraacute em todas as liacutenguas o que a filosofia em vatildeo buscourdquo108 nomeadamente a definiccedilatildeo do estatuto e do signifi‑cado dos termos universais e a sua relaccedilatildeo com o pensamento e com a linguagem A investigaccedilatildeo etimoloacutegica seraacute ldquosuficiente para descartar aquela operaccedilatildeo imaginaacuteria da mente que se denominou abstraccedilatildeo e para provar que tudo o que chamamos por este nome eacute somente um dos dispositivos da linguagem com o fim de uma comunicaccedilatildeo mais expeditardquo109 Toda a investigaccedilatildeo concetual eacute substituiacuteda pela anaacutelise etimoloacutegica de significados com o resultado de que natildeo haacute conceito subjectivo mas um reenvio de toda a operaccedilatildeo significativa para a proacutepria linguagem e o seu desenvolvimento A etimologia permite a descoberta em todos os termos gerais abstratos adjetivos adveacuterbios e outros do substantivo concreto original e a reduccedilatildeo assim de todos os termos gerais e relacionais natildeo a atos do sujeito mas a uma operaccedilatildeo da proacutepria linguagem

25 O pensamento etimoloacutegico de Heidegger

Se a obra de Tooke estaacute longe das vias mais frequentadas da lin‑guiacutestica e da filosofia a sua abordagem aponta no entanto o caminho para a avaliaccedilatildeo do significado metodoloacutegico do apelo agrave etimologia que deixa uma marca no seacuteculo xx nomeadamente por intermeacutedio da filosofia tardia de Heidegger que a ela recorre com frequecircncia como fio heuriacutestico da sua investigaccedilatildeo A ideia do meacutetodo etimoloacutegico

108 EP 171109 EP 600

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em Tooke revestido ainda de um empirismo filosoficamente um tanto tosco ressurge com Heidegger com as suas consequecircncias filosoacuteficas subtilmente desenvolvidas como veremos em seguida Sobre o meacute‑todo etimoloacutegico escreve Heidegger numa Introduccedilatildeo agrave Filosofia de 1930 que ldquodeve observar ‑se que natildeo nos socorremos da etimologia para a partir da raiz das palavras concluir algo de originariamente nativo [Urwuumlchsiges] sobre o significado ndash um procedimento exposto a grande abuso e erros mas precisamente tambeacutem porque pode ser frutiacutefero se utilizado no lugar certo da maneira e nos limites corretos [] Tomamos a linguagem no seu todo como a revelaccedilatildeo originaacuteria do ente no meio do qual o homem existe o homem cujo relevo essencial eacute o de existir nesta revelaccedilatildeo na linguagemrdquo110

Heidegger serve ‑se na verdade da etimologia com mais frequecircncia do que parece admitir neste texto E diga ‑se igualmente que encon‑trar o limite e o lugar correto para o recurso agrave etimologia depende de que se entenda que de nada serviraacute buscarmos significados mais antigos para as palavras se tal busca natildeo for acompanhada de uma reflexatildeo sobre o proacuteprio significado em geral de uma modificaccedilatildeo da compreensatildeo do que eacute o significado ou porventura de uma reflexatildeo sobre o que significa significar Natildeo se trata de reduzir significados a outros mais simples e naturais proacuteximos das impressotildees originaacuterias que foram pouco a pouco substituiacutedos por uma falsa superestrutura cultural segundo o projeto de Tooke De pouco importa a antiguidade das palavras mas sim a explicitaccedilatildeo do que significa a manifestaccedilatildeo do ente em geral do proacuteprio ser da linguagem O problema do sig‑

110 ldquoEinmal ist zu beachten daszlig wir keine Etymologie zuhilfe gerufen haben um aus dem Wortstamm etwas Urwuumlchsiges fuumlr die Bedeutung zu erschlieszligen ndash ein Verfahren das groszligem Miszligbrauch und Irrtuumlmern ausgesetzt ist aber eben deshalb auch wenn am rechten Ort und in der rechten Weise und Grenze betreiben fruchtbar sein kann [] Wir haben die Sprache im Ganzen genommen als die urspruumlngliche Offenbarung des Seienden inmitten dessen der Mensch existiert der Mensch dessen Wesensaus‑zeichnung es ist in der Sprache in dieser Offenbarung zu existierenrdquo (Heidegger Vom Wesen der menschlichen Freiheit Einleitung in die Philosophie Gesamtausgabe Frankfurt aM 1976 ‑ [=GA] 31 53 ‑54)

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nificado das palavras deve antes do mais situar o homem no meio do ente ou seja mostrar o significado dessa revelaccedilatildeo

Encontramos na obra A Caminho da Linguagem111 de Heidegger enunciado o princiacutepio de compreensatildeo do significado princiacutepio que se ajusta agrave perfeiccedilatildeo ao meacutetodo etimoloacutegico O projeto eacute claro natildeo se trata ldquotanto de situar e discutir [a linguagem] mas de nos levar ao lugar da sua essecircnciardquo112 e esta conduccedilatildeo passa de modo algo estranho por uma repeticcedilatildeo de frases de tipo tautoloacutegico que veicu‑lam de iniacutecio muito pouco conteuacutedo significativo Assim ldquoa proacutepria linguagem eacute a linguagemraquo ao que acrescenta que laquoa inteligecircncia lo‑gicamente instruiacuteda [] chama a esta frase uma tautologia que nada dizrdquo113 e repete a frase ldquoa linguagem eacute linguagemrdquo114 para numa ligeira variaccedilatildeo apresentar o princiacutepio que referimos que mais do que repetir faz ressoar em poucas paacuteginas como um eco reflexivo cerca de quinze vezes ldquodie Sprache sprichtrdquo (ldquoa linguagem falardquo)115

Que teoria do significado se funda sobre este princiacutepio a laquolin‑guagem falaraquo Eacute dito que a linguagem natildeo eacute silenciosa muda e que se o falante pode falar eacute porque a linguagem tem sentido antes e independentemente dele Na conclusatildeo do seu curso sobre a Loacutegica como a Questatildeo pela Essecircncia da Linguagem de 1934 registaram os seus ouvintes que ldquoa essecircncia da linguagem natildeo se anuncia laacute onde ela eacute [] forccedilada como um meio de troca e degradada agrave mera expressatildeo de um denominado interiorrdquo116 A tese da instrumentalidade da lingua‑gem como meio de troca comunicativa entre o interior dos sujeitos

111 Martin Heidegger Unterwegs zur Sprache 1959 2003 [=UzS]112 ldquoDie Sprache eroumlrtern heiszligt nicht so sehr sie sondern uns an den Ort ihres

Wesens bringenrdquo (UzS 12)113 ldquoDie Sprache selbst ist die Sprache Der logisch geschulte [] Verstand nennt

diesen Satz eine nichtssagende Tautologierdquo (UzS 12)114 ldquoSprache ist Spracherdquo (UzS 13)115 ldquoDie Sprache sprichtrdquo (UzS 12 13 14 16 19 20 21 28 30 32 33)116 Idem Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 170

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requer justamente uma neutralidade significativa do proacuteprio instru‑mento para que possa anunciar algo a transparecircncia do sinal a sua natildeo ‑significatividade qua linguagem segundo podemos depreender principalmente de Saussure

No mesmo ano deste uacuteltimo curso citado de Heidegger de 1934 a jaacute referida Sprachtheorie de Karl Buumlhler117 apresenta de modo mais completo as diferentes funccedilotildees da linguagem como exposiccedilatildeo expres‑satildeo e apelo As duas primeiras ndash exposiccedilatildeo e expressatildeo ndash requerem precisamente a natildeo ‑significatividade do proacuteprio signo A exposiccedilatildeo de um estado de coisas requer que o instrumento significativo natildeo altere por significados proacuteprios e incontrolados a sua imagem linguiacutestica Do mesmo modo a expressatildeo do interior soacute eacute realizada por uma me‑diaccedilatildeo ela mesma natildeo falante plenamente transparente Eacute requerido que a linguagem ela proacutepria natildeo fale natildeo receba sentido para aleacutem do pretendido pelo sujeito falante Pelo contraacuterio o caraacutecter linguiacutestico da proacutepria linguagem abre a expressatildeo justamente ao processo infinito das interpretaccedilotildees A tese de que a linguagem fala diz natildeo soacute que a linguagem oferece resistecircncia significativa agrave expressatildeo ou agrave exposiccedilatildeo objetiva mas que em uacuteltima instacircncia e Heidegger eacute claro nisto natildeo eacute o falante que fala mas a proacutepria linguagem minus anulando ‑se o sujeito e a sua reflexatildeo como pretendida fonte do significado E Heidegger pergunta pelo sujeito presente no seu princiacutepio ldquoa linguagem fala A linguagem Natildeo o homemrdquo ldquoNa sua essecircncia a linguagem natildeo eacute nem expressatildeo nem uma atividade do homem A linguagem falardquo118 Na tese da subjetividade etimoloacutegica da linguagem reside que o fa‑lante quando fala diz inuacutemeras coisas que natildeo pode alcanccedilar na sua

117 K Buumlhler Sprachtheorie Die Darstellungsfunktion der Sprache Stuttgart 1999 v Habermas bdquoZur Kritik der Bedeutungstheorieldquo trad Paulo Rodrigues in Racionalidade e Comunicaccedilatildeo Lisboa 2002 149 ‑182

118 bdquoDie Sprache spricht Die Sprache Und nicht der Menschldquo (UzS 20) bdquoDie Sprache ist in ihrem Wesen weder Ausdruck noch eine Betaumltigung des Menschen Die Sprache sprichtldquo (UzS 19)

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reflexatildeo proacutepria de sujeito e que esta uacuteltima natildeo soacute natildeo pode ser fonte de significaccedilatildeo como tatildeo ‑pouco eacute capaz de abraccedilar em si mesma a determinaccedilatildeo proacutepria dos significados que enuncia Nisto se fundaraacute tambeacutem a hermenecircutica filosoacutefica119 E Heidegger insiste neste pon‑to na recusa da reflexatildeo como fio do pensamento120 tese cujas bases teoacutericas estatildeo no conceito de finitude e de temporalidade assumidos pelo autor conceitos a que faremos ainda referecircncia mais abaixo Em uacuteltima instacircncia segundo a tese da etimologia natildeo se pode dizer que o falante como indiviacuteduo saiba efetivamente o que diz O princiacutepio ldquoa linguagem falardquo cuja repeticcedilatildeo faacute ‑lo justamente perder o sentido para o falante ndash no fenoacutemeno psicoloacutegico que todos conhecemos de esvaziamento do significado pela repeticcedilatildeo de uma palavra ndash deve ser suficiente para estabelecer uma compreensatildeo da linguagem oposta a toda a filosofia moderna do juiacutezo cuja forccedila ilocucionaacuteria lhe eacute confe‑rida por um ato da vontade do sujeito que assere ou daacute consentimento ao ser ou natildeo ‑ser predicativo O que eacute dito natildeo estaacute depositado na pretensa representaccedilatildeo ou imagem mental interior do sujeito defi‑nida por exemplo nos termos de Saussure ldquoo signo linguiacutestico natildeo une uma coisa e um nome mas um conceito e uma imagem acuacutestica [Se] arbor eacute chamado um signo soacute o eacute enquanto conteacutem o conceito aacutervore []rdquo121 Segundo Heidegger o significativo da linguagem estaacute depositado no proacuteprio significante natildeo no significado nas palavras e natildeo justamente no conceito como quer que se queira compreender o conceito O significado estaacute esquecido aleacutem disso por um uso habitual demasiadas vezes repetido ou feito a partir de um mundo ou de condiccedilotildees existenciais que jaacute natildeo correspondem agravequelas que davam originalmente significado agraves palavras A validade do meacutetodo

119 Vg Gadamer opcit 108 361 ‑364120 Cf Heidegger Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 53 58121 ldquole signe linguistique unit non une chose et un nom mais un concept et une

image acoustique [Si] arbor est appeleacute signe ce nrsquoest qursquoen tant qursquoil porte le concept lsquoarbrersquo []rdquo (CLG 98 ‑99)

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etimoloacutegico pressupotildee que haacute um sentido original e que esse sentido estaacute esquecido perdido ndash o que corresponde com alguma precisatildeo agrave tese de Heidegger acerca do esquecimento do ser a rememorar pela linguagem poeacutetica que natildeo deixa adormecer o significado pela repeti‑ccedilatildeo habitual122 Eacute assim dito acrescente ‑se que as geraccedilotildees transmitem sucessivamente uma mensagem original nas palavras agora natildeo soacute aladas como tambeacutem falantes que permanece por decifrar e que as proacuteprias geraccedilotildees ignoram que ao falar transmitem algo que natildeo mais entendem e que Heidegger viraacute a denominar o ldquoenviordquo ou mensagem do ser A expressatildeo comum ldquoeles natildeo sabem o que dizemrdquo ganha assim plausibilidade e o seu sentido torna ‑se mais claro pela etimologia e pelo princiacutepio de que ldquoa linguagem falardquo Segundo Heidegger ldquofala‑mos da linguagem na permanente aparecircncia de falar somente sobre a linguagem quando falamos jaacute a partir da linguagemrdquo123 sendo pois a reflexividade linguiacutestica do sujeito substituiacuteda por uma outra fonte de sentido que excede os limites da reflexatildeo

A etimologia erigida em meacutetodo e sistema filosoacutefico eacute uma versatildeo linguiacutestica da tese da alienaccedilatildeo geral da consciecircncia histoacuterica que encontramos no seacuteculo xx em autores como Heidegger que procurou rememorar o esquecimento do ser Adorno com a sua dialeacutetica do esclarecimento124 que parece encontrar na civilizaccedilatildeo uma forma de insuperaacutevel negatividade e mesmo Husserl na jaacute referida A Crise das Ciecircncias Filosoacuteficas por exemplo

Por oposiccedilatildeo a esta tese segundo a qual o significado eacute assumido pela proacutepria linguagem que fala e se potildee no lugar do falante enten‑demos assim do modo mais claro os motivos do aforismo do poeta que talvez mais sistematicamente reivindicou para si e investigou a

122 V o claacutessico de Ricoeur A Metaacutefora Viva trad J T Costa e A M Magalhatildees Porto 1983 151 476 ‑478

123 Heidegger UzS 191124 Adorno Horkheimer Dialektik der Aufklaumlrung Philosophische Fragmente in

Adorno Gesammelte Schrifte Band 3 Frankfurt a M 1996

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subjetividade e a reflexatildeo conforme lemos no Livro do Desassossego ldquoEu natildeo escrevo em portuguecircs Escrevo eu mesmordquo125

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica

O desenvolvimento por Heidegger de uma filosofia que poderiacutea‑mos considerar etimologicamente fundada que desapossa o sujeito da atividade de criaccedilatildeo e apreensatildeo de significado eacute antecedida por todo um questionamento de cariz bastante diverso acerca das condi‑ccedilotildees de fenomenalizaccedilatildeo do ser em Ser e Tempo de 1927126 A condiccedilatildeo primeira do fenoacutemeno eacute o ldquoDaseinrdquo ou ldquoser ‑aiacuterdquo que Heidegger define como o ente para o qual ldquono seu ser estaacute em causa este mesmo serrdquo127 Toda a investigaccedilatildeo estaacute centrada nesta caracteriacutestica do ser de um determinado ente o ser ‑aiacute para o qual visto nele estar sempre em causa o seu proacuteprio ser haacute mais do que somente um ambiente que o circunda um mundo O ser ‑aiacute eacute nos termos de Heidegger laquoo aiacute do serraquo128 o que significa lugar de manifestaccedilatildeo do sentido do ser Segundo as coordenadas da filosofia fenomenoloacutegica coordenadas que Heidegger alega seguir transformando ‑as no sentido de uma fenomenologia hermenecircutica o ser eacute entendido sobretudo como sen‑tido o que se caracteriza pelo ser ‑no ‑mundo como condiccedilatildeo baacutesica da existecircncia do ser ‑aiacute Existecircncia significa aqui natildeo a simples posiccedilatildeo de um ente na realidade mas dir ‑se ‑ia exteriorizaccedilatildeo do ser como manifestaccedilatildeo que justamente o ser ‑aiacute apreende como a questatildeo pelo

125 Fernando Pessoa Livro do Desassossego ed R Zenith Lisboa 1998 391 V os Capiacutetulos 5 e 6 infra

126 V n 47 supra Sobre este tema cf M Caron Heidegger Penseacutee de lrsquoecirctre et origine de la subjectiviteacute Paris 2005 773 ‑812 e o Capiacutetulo 4 infra

127 rdquoin seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo (Heidegger SuZ 12)128 SuZ 12

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seu proacuteprio ser A investigaccedilatildeo pelo sentido desenrolar ‑se ‑aacute como a investigaccedilatildeo das condiccedilotildees existenciais do ser ‑aiacute e da abertura para ele de um mundo O ser ‑aiacute natildeo pode ser entendido somente como um ente entre os outros dada a sua caracteriacutestica proacutepria de ldquoexistir ontologicamenterdquo129 A sua caracteriacutestica ocircntica aquilo que ele eacute como ente eacute existir ontologicamente ou seja dar ‑se num domiacutenio de sentido de ser que ele sempre jaacute compreendeu A viragem hermenecircutica da fenomenologia reforccedila a noccedilatildeo fenomenoloacutegica original da indagaccedilatildeo pelo significado ou sentido em que o fenoacutemeno em geral e em di‑versas modalidades se daacute Se no entanto como se viu as conclusotildees de Husserl natildeo apontaram para o desenvolvimento de uma filosofia da linguagem como ontologia ou filosofia primeira mas antes para o aprofundamento do tema do sujeito ante ‑predicativo e ante ‑linguiacutestico onde se encontra a evidecircncia do sentido130 as conclusotildees de Heidegger apoacutes aquilo que ele mesmo explicaraacute como uma ldquoviragemrdquo do seu pensamento vatildeo apontar para os desenvolvimentos de uma filosofia da linguagem nos moldes jaacute aflorados

O sentido desta viragem ldquoa caminho da linguagemrdquo estatildeo jaacute da‑dos ateacute certo ponto nos desenvolvimentos de Ser e Tempo Heidegger investiga aqui a fonte do significado das palavras no fenoacutemeno que denomina como significatividade Esta designa antes de mais um todo de referecircncias ou contexto que o ser ‑aiacute encontra natildeo soacute no mundo mas como o seu mundo131 Este contexto de referecircncias e totalidade de reenvios natildeo eacute um conjunto de coisas entendido nem extensivamente nem mesmo segundo a sua compreensatildeo proacutepria e investimento de validade subjetiva mas como uma rede de pragmata ou seja entes que se abrem originariamente em funccedilatildeo das possibili‑

129 SuZ 12130 Cf A Diemer Edmund Husserl Versuch einer systematischen Darstellung seiner

Phaumlnomenologie Meisenheim am Glan 1965 esp 110 ‑113131 Cf SuZ 63 ‑64 84 ‑86

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dades do lidar ou de servir uns para os outros no uso quotidiano do ser ‑aiacute Para Heidegger o fenoacutemeno originaacuterio do sentido natildeo se daacute na consideraccedilatildeo teoreacutetica de entes simplesmente dados ou perante um sujeito mas no projeto significativo de cariz existencial do ser ‑aiacute A consideraccedilatildeo teoreacutetica abstrata ou cientiacutefica dos entes como coisas disponiacuteveis para a observaccedilatildeo da sua essecircncia e na sequecircncia disto disponiacuteveis para a manipulaccedilatildeo teacutecnica eacute expressamente considerada uma consideraccedilatildeo secundaacuteria e deficitaacuteria que soacute emerge com base na privaccedilatildeo da abertura originaacuteria de sentido132 Esta daacute ‑se natildeo como ser ‑simplesmente ‑dado (Vorhandensein) no modo do correlato da visatildeo teoacuterica objetivante mas como ser ‑agrave ‑matildeo (Zuhandensein) ou utensilidade Esta utensilidade soacute existe em funccedilatildeo do projeto do ser ‑aiacute o qual estaacute na conhecida expressatildeo de Heidegger sempre jaacute lanccedilado ou projetado com o significado de que natildeo haacute para o ser‑‑aiacute nenhum comeccedilo absoluto ou fonte transparente das significaccedilotildees contrariamente agraves pretensotildees da filosofia de Descartes a Husserl Pelo contraacuterio a reflexividade sobre si proacuteprio do ser ‑aiacute bem como a sua compreensatildeo estatildeo sempre limitadas por um horizonte que dir ‑se ‑ia o impede de ver a totalidade integral do sentido do ser que lhe eacute proacuteprio ou do ser em geral O ldquoestar lanccediladordquo diz tambeacutem da exposiccedilatildeo e abertura do ser ‑aiacute ao mundo ou seja da sua facticidade ou que ele natildeo se pode considerar jamais como fundamento daquilo que inversamente natildeo pode senatildeo antecedecirc ‑lo aleacutem de ser dado em cada caso incompletamente Aliaacutes o que a reflexatildeo lhe fornece natildeo eacute uma perspetiva integral completa e inabalaacutevel sobre o seu proacuteprio ser a sua verdade e validade evidentes conforme de um modo ou de outro foi tiacutepico da filosofia desde Descartes minus a uacutenica completude que eacute dada ao ser ‑aiacute pelo fato de no seu ser ldquoestar em jogo este mesmo serrdquo ou pela ldquoJemeinigkeitrdquo (ser ‑em ‑cada ‑caso ‑meu) proacuteprio do ser ‑aiacute eacute a do seu proacuteprio ser para a morte

132 SuZ 69 ‑71

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Estes dados apontam para a temporalidade como o fenoacutemeno central do ser ‑aiacute o que tem como consequecircncia teoacuterica justamente a perda da possibilidade de uma apreensatildeo integral do sentido do ser minus posto que haacute que repetir a temporalidade eacute a estrutura funda‑mental da existecircncia do ser ‑aiacute Este natildeo eacute como que um sujeito a que se acrescentasse como predicado a temporalidade minus esta constitui natildeo um predicado mas o seu modo existencial de acesso ao ldquoaiacuterdquo em que tem o seu ser ou nos termos que nos satildeo jaacute familiares agrave abertura do mundo Esta alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo do sentido do ser com que Heidegger pretende fazer deslocar dos seus gonzos toda a perspeti‑va ontoloacutegica da histoacuteria da filosofia anterior natildeo poderia deixar de ter consequecircncias para a compreensatildeo da linguagem Na abordagem de Ser e Tempo pelo signo eacute adquirida e assegurada ldquoantes de mais uma orientaccedilatildeo dentro do mundo circundanterdquo133 minus precisamente como se viu aquilo que segundo Husserl lhe retirava significado134 ldquoO signo (Zeichen) natildeo estaacute soacute agrave matildeo como outro utensiacutelio qualquer mas no seu estar ‑agrave ‑matildeo o mundo circundante se torna em cada caso expressamente acessiacutevel para a visatildeo em redor O signo eacute um ente onticamente agrave ‑matildeo que como [um] utensiacutelio determinado funciona simultaneamente como algo que anuncia a estrutura ontoloacutegica do ser ‑agrave ‑matildeo da totalidade de referecircncias e da mundaneidaderdquo135

O signo opera nestes termos ao niacutevel do contexto de referecircn‑cias do ser ‑agrave ‑matildeo dando acesso agrave totalidade dessas referecircncias e agrave proacutepria significatividade do mundo Natildeo seraacute possiacutevel aprofundar aqui a posiccedilatildeo heideggeriana para aleacutem das anotaccedilotildees que nos fazem remeter o significado para a noccedilatildeo de mundo e da orientaccedilatildeo do

133 ldquoes gewinnt vielmehr eine Orientierung innerhalb der Umweltrdquo (SuZ 79)134 Cf pp 51 e 52 supra135 ldquoDie Zeichen ist nicht nur zuhanden mit anderem Zeug sondern in seiner

Zuhandenheit wird die Umwelt je fuumlr die Umsicht ausdruumlcklich zuhanden Zeichen ist ein ontisch Zuhandenes das als dieses bestimmte Zeug zugleich als etwas fungiert was die ontologische Struktur der Zuhandenheit Verweisungsganzheit und Weltlichkeit anzeigtrdquo (SuZ 82)

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44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 8: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

9

52 A vivecircncia da dor e a patologia teoacuterica associada 163

53 Do positivo em Pessoa maturaccedilatildeo e desenvolvimento da consciecircncia 171

6 Fernando Pessoa Aproximaccedilatildeo Dialeacutetica e Fenomenoloacutegica 177

61 O sistema da poesia pessoana 177

62 As figuras do natildeo ‑ser pessoano 179

63 O laboratoacuterio faacuteustico e a dissoluccedilatildeo do real 181

64 As nuacutepcias da diferenccedila 187

65 A faacutebrica dos heteroacutenimos 191

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa 200

7 Negatividade e Saber Absoluto na Teoria do Ser e da Verdade de Joseacute Marinho 203

71 Sob o signo do negativo 203

72 O preacute ‑predicativo em questatildeo 205

73 A palavra e a aurora 209

74 O eixo de simetria reflexivo da Teoria 212

75 Aleacutem da reflexatildeo 215

76 Sobre o saber absoluto 216

8 Eudoro de Sousa e a Mitologia 219

81 Tautegoria alegoria significaccedilatildeo 220

82 O Projeto segundo Eudoro 229

83 O achatamento hodierno do siacutembolo 233

IV Modernidade Relativismo e Crise

9 Filosofia da Arquitetura e do Espaccedilo Aproximaccedilotildees Histoacuterico ‑Conceptuais ao Modernismo 237

91 Sobre a definiccedilatildeo da arte 237

92 A arquitetura hegeliana 241

93 O fim da arquitetura e mais aleacutem 245

94 Sobre o sentido do modernismo 248

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10

95 Modernismo e modernidade 251

96 Modernismo e negaccedilatildeo 252

97 Sobre a reaccedilatildeo ao modernismo 254

98 Final A ponte como obra de arte 256

10 Sobre os Pressupostos e Consequecircncias da Criacutetica ao Relativismo nos Prolegoacutemenos agrave Loacutegica Pura de Husserl 261

101 A tese da existecircncia de uma forma geral para as fundamentaccedilotildees 262

102 A inteleccedilatildeo a sua perda e substitutos 267

103 O relativismo e o ponto de partida reflexivo da fenomenologia 270

104 Uma criacutetica aos ldquoargumentos da reflexatildeordquo 275

105 Conclusatildeo Verdade e intencionalidade 277

11 A Epocheacute da Modernidade A Crise das Ciecircncias Europeias de Husserl 279

111 A conceccedilatildeo uacuteltima da fenomenologia 279

112 O combate pelo significado das palavras 281

113 A epocheacute histoacuterica das ciecircncias 282

114 O problema filosoacutefico da Modernidade 285

115 A epocheacute praxioloacutegica das ciecircncias 288

116 A lsquoLebensweltrsquo e a ampliaccedilatildeo final da fenomenologia 292

Origem dos textos 297

Referecircncias bibliograacuteficas 301

Iacutendice onomaacutestico 311

Iacutendice analiacutetico 313

Obras citadas 319

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PrOacutelogo

A obra Transparecircncias Linguagem e Reflexatildeo de Ciacutecero a Pessoa eacute constituiacuteda por onze estudos dos quais nove jaacute foram publicados mas agora revistos para a presente ediccedilatildeo e dois ineacuteditos os textos inscrevem ‑se no intervalo entre 1997 e 2016 mas a maior parte deles situa ‑se no uacuteltimo trieacutenio

Os ensaios estatildeo agrupados em quatro grandes nuacutecleos temaacute‑ticos ndash lsquoLinguagem e Consciecircnciarsquo lsquoConceitos da Reflexatildeo e do Relativismorsquo lsquoNegaccedilatildeo e Mitologiarsquo e lsquoModernidade Relativismo e Crisersquo e desenrolam ‑se num eixo temporal que privilegiando a con‑temporaneidade e nesta a fenomenologia de Husserl e de Heidegger bem como a filosofia da linguagem nomeadamente a de Wittgenstein remontam agrave retoacuterica romana (Ciacutecero e Agostinho) e retomam para os debates de hoje elementos estruturantes do pensamento kantiano e do idealismo alematildeo Os estudos recuperam ainda para esses mesmos debates figuras determinantes do pensamento portuguecircs do seacuteculo xx Fernando Pessoa Joseacute Marinho e Eudoro de Sousa Sem nunca se afastar do equacionamento filosoacutefico das questotildees tratadas os textos fazem intervir tambeacutem elementos da literatura com Borges e Pessoa e das artes do espaccedilo com Escher

Confrontados com a diversidade dos temas e dos autores com o seu complexo entrelaccedilamento histoacuterico e um dilatado horizonte sistemaacuteti‑co importa sublinhar a unidade da obra uma unidade diferenciante feita de convergecircncias sem duacutevida mas claramente manifesta logo a partir do intento expresso pelo autor de nos pocircr perante diferentes

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empiacutericas ndash tudo o resto satildeo simples abreviaturas que se limitam a tornar a comunicaccedilatildeo mais expedita

A esta primeira tese empirista e criacutetica do mentalismo junta ‑se uma outra posiccedilatildeo que lhe fornece o seu meacutetodo de investigaccedilatildeo Segundo Tooke ldquoa etimologia nos daraacute em todas as liacutenguas o que a filosofia em vatildeo buscourdquo108 nomeadamente a definiccedilatildeo do estatuto e do signifi‑cado dos termos universais e a sua relaccedilatildeo com o pensamento e com a linguagem A investigaccedilatildeo etimoloacutegica seraacute ldquosuficiente para descartar aquela operaccedilatildeo imaginaacuteria da mente que se denominou abstraccedilatildeo e para provar que tudo o que chamamos por este nome eacute somente um dos dispositivos da linguagem com o fim de uma comunicaccedilatildeo mais expeditardquo109 Toda a investigaccedilatildeo concetual eacute substituiacuteda pela anaacutelise etimoloacutegica de significados com o resultado de que natildeo haacute conceito subjectivo mas um reenvio de toda a operaccedilatildeo significativa para a proacutepria linguagem e o seu desenvolvimento A etimologia permite a descoberta em todos os termos gerais abstratos adjetivos adveacuterbios e outros do substantivo concreto original e a reduccedilatildeo assim de todos os termos gerais e relacionais natildeo a atos do sujeito mas a uma operaccedilatildeo da proacutepria linguagem

25 O pensamento etimoloacutegico de Heidegger

Se a obra de Tooke estaacute longe das vias mais frequentadas da lin‑guiacutestica e da filosofia a sua abordagem aponta no entanto o caminho para a avaliaccedilatildeo do significado metodoloacutegico do apelo agrave etimologia que deixa uma marca no seacuteculo xx nomeadamente por intermeacutedio da filosofia tardia de Heidegger que a ela recorre com frequecircncia como fio heuriacutestico da sua investigaccedilatildeo A ideia do meacutetodo etimoloacutegico

108 EP 171109 EP 600

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em Tooke revestido ainda de um empirismo filosoficamente um tanto tosco ressurge com Heidegger com as suas consequecircncias filosoacuteficas subtilmente desenvolvidas como veremos em seguida Sobre o meacute‑todo etimoloacutegico escreve Heidegger numa Introduccedilatildeo agrave Filosofia de 1930 que ldquodeve observar ‑se que natildeo nos socorremos da etimologia para a partir da raiz das palavras concluir algo de originariamente nativo [Urwuumlchsiges] sobre o significado ndash um procedimento exposto a grande abuso e erros mas precisamente tambeacutem porque pode ser frutiacutefero se utilizado no lugar certo da maneira e nos limites corretos [] Tomamos a linguagem no seu todo como a revelaccedilatildeo originaacuteria do ente no meio do qual o homem existe o homem cujo relevo essencial eacute o de existir nesta revelaccedilatildeo na linguagemrdquo110

Heidegger serve ‑se na verdade da etimologia com mais frequecircncia do que parece admitir neste texto E diga ‑se igualmente que encon‑trar o limite e o lugar correto para o recurso agrave etimologia depende de que se entenda que de nada serviraacute buscarmos significados mais antigos para as palavras se tal busca natildeo for acompanhada de uma reflexatildeo sobre o proacuteprio significado em geral de uma modificaccedilatildeo da compreensatildeo do que eacute o significado ou porventura de uma reflexatildeo sobre o que significa significar Natildeo se trata de reduzir significados a outros mais simples e naturais proacuteximos das impressotildees originaacuterias que foram pouco a pouco substituiacutedos por uma falsa superestrutura cultural segundo o projeto de Tooke De pouco importa a antiguidade das palavras mas sim a explicitaccedilatildeo do que significa a manifestaccedilatildeo do ente em geral do proacuteprio ser da linguagem O problema do sig‑

110 ldquoEinmal ist zu beachten daszlig wir keine Etymologie zuhilfe gerufen haben um aus dem Wortstamm etwas Urwuumlchsiges fuumlr die Bedeutung zu erschlieszligen ndash ein Verfahren das groszligem Miszligbrauch und Irrtuumlmern ausgesetzt ist aber eben deshalb auch wenn am rechten Ort und in der rechten Weise und Grenze betreiben fruchtbar sein kann [] Wir haben die Sprache im Ganzen genommen als die urspruumlngliche Offenbarung des Seienden inmitten dessen der Mensch existiert der Mensch dessen Wesensaus‑zeichnung es ist in der Sprache in dieser Offenbarung zu existierenrdquo (Heidegger Vom Wesen der menschlichen Freiheit Einleitung in die Philosophie Gesamtausgabe Frankfurt aM 1976 ‑ [=GA] 31 53 ‑54)

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nificado das palavras deve antes do mais situar o homem no meio do ente ou seja mostrar o significado dessa revelaccedilatildeo

Encontramos na obra A Caminho da Linguagem111 de Heidegger enunciado o princiacutepio de compreensatildeo do significado princiacutepio que se ajusta agrave perfeiccedilatildeo ao meacutetodo etimoloacutegico O projeto eacute claro natildeo se trata ldquotanto de situar e discutir [a linguagem] mas de nos levar ao lugar da sua essecircnciardquo112 e esta conduccedilatildeo passa de modo algo estranho por uma repeticcedilatildeo de frases de tipo tautoloacutegico que veicu‑lam de iniacutecio muito pouco conteuacutedo significativo Assim ldquoa proacutepria linguagem eacute a linguagemraquo ao que acrescenta que laquoa inteligecircncia lo‑gicamente instruiacuteda [] chama a esta frase uma tautologia que nada dizrdquo113 e repete a frase ldquoa linguagem eacute linguagemrdquo114 para numa ligeira variaccedilatildeo apresentar o princiacutepio que referimos que mais do que repetir faz ressoar em poucas paacuteginas como um eco reflexivo cerca de quinze vezes ldquodie Sprache sprichtrdquo (ldquoa linguagem falardquo)115

Que teoria do significado se funda sobre este princiacutepio a laquolin‑guagem falaraquo Eacute dito que a linguagem natildeo eacute silenciosa muda e que se o falante pode falar eacute porque a linguagem tem sentido antes e independentemente dele Na conclusatildeo do seu curso sobre a Loacutegica como a Questatildeo pela Essecircncia da Linguagem de 1934 registaram os seus ouvintes que ldquoa essecircncia da linguagem natildeo se anuncia laacute onde ela eacute [] forccedilada como um meio de troca e degradada agrave mera expressatildeo de um denominado interiorrdquo116 A tese da instrumentalidade da lingua‑gem como meio de troca comunicativa entre o interior dos sujeitos

111 Martin Heidegger Unterwegs zur Sprache 1959 2003 [=UzS]112 ldquoDie Sprache eroumlrtern heiszligt nicht so sehr sie sondern uns an den Ort ihres

Wesens bringenrdquo (UzS 12)113 ldquoDie Sprache selbst ist die Sprache Der logisch geschulte [] Verstand nennt

diesen Satz eine nichtssagende Tautologierdquo (UzS 12)114 ldquoSprache ist Spracherdquo (UzS 13)115 ldquoDie Sprache sprichtrdquo (UzS 12 13 14 16 19 20 21 28 30 32 33)116 Idem Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 170

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requer justamente uma neutralidade significativa do proacuteprio instru‑mento para que possa anunciar algo a transparecircncia do sinal a sua natildeo ‑significatividade qua linguagem segundo podemos depreender principalmente de Saussure

No mesmo ano deste uacuteltimo curso citado de Heidegger de 1934 a jaacute referida Sprachtheorie de Karl Buumlhler117 apresenta de modo mais completo as diferentes funccedilotildees da linguagem como exposiccedilatildeo expres‑satildeo e apelo As duas primeiras ndash exposiccedilatildeo e expressatildeo ndash requerem precisamente a natildeo ‑significatividade do proacuteprio signo A exposiccedilatildeo de um estado de coisas requer que o instrumento significativo natildeo altere por significados proacuteprios e incontrolados a sua imagem linguiacutestica Do mesmo modo a expressatildeo do interior soacute eacute realizada por uma me‑diaccedilatildeo ela mesma natildeo falante plenamente transparente Eacute requerido que a linguagem ela proacutepria natildeo fale natildeo receba sentido para aleacutem do pretendido pelo sujeito falante Pelo contraacuterio o caraacutecter linguiacutestico da proacutepria linguagem abre a expressatildeo justamente ao processo infinito das interpretaccedilotildees A tese de que a linguagem fala diz natildeo soacute que a linguagem oferece resistecircncia significativa agrave expressatildeo ou agrave exposiccedilatildeo objetiva mas que em uacuteltima instacircncia e Heidegger eacute claro nisto natildeo eacute o falante que fala mas a proacutepria linguagem minus anulando ‑se o sujeito e a sua reflexatildeo como pretendida fonte do significado E Heidegger pergunta pelo sujeito presente no seu princiacutepio ldquoa linguagem fala A linguagem Natildeo o homemrdquo ldquoNa sua essecircncia a linguagem natildeo eacute nem expressatildeo nem uma atividade do homem A linguagem falardquo118 Na tese da subjetividade etimoloacutegica da linguagem reside que o fa‑lante quando fala diz inuacutemeras coisas que natildeo pode alcanccedilar na sua

117 K Buumlhler Sprachtheorie Die Darstellungsfunktion der Sprache Stuttgart 1999 v Habermas bdquoZur Kritik der Bedeutungstheorieldquo trad Paulo Rodrigues in Racionalidade e Comunicaccedilatildeo Lisboa 2002 149 ‑182

118 bdquoDie Sprache spricht Die Sprache Und nicht der Menschldquo (UzS 20) bdquoDie Sprache ist in ihrem Wesen weder Ausdruck noch eine Betaumltigung des Menschen Die Sprache sprichtldquo (UzS 19)

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reflexatildeo proacutepria de sujeito e que esta uacuteltima natildeo soacute natildeo pode ser fonte de significaccedilatildeo como tatildeo ‑pouco eacute capaz de abraccedilar em si mesma a determinaccedilatildeo proacutepria dos significados que enuncia Nisto se fundaraacute tambeacutem a hermenecircutica filosoacutefica119 E Heidegger insiste neste pon‑to na recusa da reflexatildeo como fio do pensamento120 tese cujas bases teoacutericas estatildeo no conceito de finitude e de temporalidade assumidos pelo autor conceitos a que faremos ainda referecircncia mais abaixo Em uacuteltima instacircncia segundo a tese da etimologia natildeo se pode dizer que o falante como indiviacuteduo saiba efetivamente o que diz O princiacutepio ldquoa linguagem falardquo cuja repeticcedilatildeo faacute ‑lo justamente perder o sentido para o falante ndash no fenoacutemeno psicoloacutegico que todos conhecemos de esvaziamento do significado pela repeticcedilatildeo de uma palavra ndash deve ser suficiente para estabelecer uma compreensatildeo da linguagem oposta a toda a filosofia moderna do juiacutezo cuja forccedila ilocucionaacuteria lhe eacute confe‑rida por um ato da vontade do sujeito que assere ou daacute consentimento ao ser ou natildeo ‑ser predicativo O que eacute dito natildeo estaacute depositado na pretensa representaccedilatildeo ou imagem mental interior do sujeito defi‑nida por exemplo nos termos de Saussure ldquoo signo linguiacutestico natildeo une uma coisa e um nome mas um conceito e uma imagem acuacutestica [Se] arbor eacute chamado um signo soacute o eacute enquanto conteacutem o conceito aacutervore []rdquo121 Segundo Heidegger o significativo da linguagem estaacute depositado no proacuteprio significante natildeo no significado nas palavras e natildeo justamente no conceito como quer que se queira compreender o conceito O significado estaacute esquecido aleacutem disso por um uso habitual demasiadas vezes repetido ou feito a partir de um mundo ou de condiccedilotildees existenciais que jaacute natildeo correspondem agravequelas que davam originalmente significado agraves palavras A validade do meacutetodo

119 Vg Gadamer opcit 108 361 ‑364120 Cf Heidegger Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 53 58121 ldquole signe linguistique unit non une chose et un nom mais un concept et une

image acoustique [Si] arbor est appeleacute signe ce nrsquoest qursquoen tant qursquoil porte le concept lsquoarbrersquo []rdquo (CLG 98 ‑99)

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etimoloacutegico pressupotildee que haacute um sentido original e que esse sentido estaacute esquecido perdido ndash o que corresponde com alguma precisatildeo agrave tese de Heidegger acerca do esquecimento do ser a rememorar pela linguagem poeacutetica que natildeo deixa adormecer o significado pela repeti‑ccedilatildeo habitual122 Eacute assim dito acrescente ‑se que as geraccedilotildees transmitem sucessivamente uma mensagem original nas palavras agora natildeo soacute aladas como tambeacutem falantes que permanece por decifrar e que as proacuteprias geraccedilotildees ignoram que ao falar transmitem algo que natildeo mais entendem e que Heidegger viraacute a denominar o ldquoenviordquo ou mensagem do ser A expressatildeo comum ldquoeles natildeo sabem o que dizemrdquo ganha assim plausibilidade e o seu sentido torna ‑se mais claro pela etimologia e pelo princiacutepio de que ldquoa linguagem falardquo Segundo Heidegger ldquofala‑mos da linguagem na permanente aparecircncia de falar somente sobre a linguagem quando falamos jaacute a partir da linguagemrdquo123 sendo pois a reflexividade linguiacutestica do sujeito substituiacuteda por uma outra fonte de sentido que excede os limites da reflexatildeo

A etimologia erigida em meacutetodo e sistema filosoacutefico eacute uma versatildeo linguiacutestica da tese da alienaccedilatildeo geral da consciecircncia histoacuterica que encontramos no seacuteculo xx em autores como Heidegger que procurou rememorar o esquecimento do ser Adorno com a sua dialeacutetica do esclarecimento124 que parece encontrar na civilizaccedilatildeo uma forma de insuperaacutevel negatividade e mesmo Husserl na jaacute referida A Crise das Ciecircncias Filosoacuteficas por exemplo

Por oposiccedilatildeo a esta tese segundo a qual o significado eacute assumido pela proacutepria linguagem que fala e se potildee no lugar do falante enten‑demos assim do modo mais claro os motivos do aforismo do poeta que talvez mais sistematicamente reivindicou para si e investigou a

122 V o claacutessico de Ricoeur A Metaacutefora Viva trad J T Costa e A M Magalhatildees Porto 1983 151 476 ‑478

123 Heidegger UzS 191124 Adorno Horkheimer Dialektik der Aufklaumlrung Philosophische Fragmente in

Adorno Gesammelte Schrifte Band 3 Frankfurt a M 1996

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subjetividade e a reflexatildeo conforme lemos no Livro do Desassossego ldquoEu natildeo escrevo em portuguecircs Escrevo eu mesmordquo125

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica

O desenvolvimento por Heidegger de uma filosofia que poderiacutea‑mos considerar etimologicamente fundada que desapossa o sujeito da atividade de criaccedilatildeo e apreensatildeo de significado eacute antecedida por todo um questionamento de cariz bastante diverso acerca das condi‑ccedilotildees de fenomenalizaccedilatildeo do ser em Ser e Tempo de 1927126 A condiccedilatildeo primeira do fenoacutemeno eacute o ldquoDaseinrdquo ou ldquoser ‑aiacuterdquo que Heidegger define como o ente para o qual ldquono seu ser estaacute em causa este mesmo serrdquo127 Toda a investigaccedilatildeo estaacute centrada nesta caracteriacutestica do ser de um determinado ente o ser ‑aiacute para o qual visto nele estar sempre em causa o seu proacuteprio ser haacute mais do que somente um ambiente que o circunda um mundo O ser ‑aiacute eacute nos termos de Heidegger laquoo aiacute do serraquo128 o que significa lugar de manifestaccedilatildeo do sentido do ser Segundo as coordenadas da filosofia fenomenoloacutegica coordenadas que Heidegger alega seguir transformando ‑as no sentido de uma fenomenologia hermenecircutica o ser eacute entendido sobretudo como sen‑tido o que se caracteriza pelo ser ‑no ‑mundo como condiccedilatildeo baacutesica da existecircncia do ser ‑aiacute Existecircncia significa aqui natildeo a simples posiccedilatildeo de um ente na realidade mas dir ‑se ‑ia exteriorizaccedilatildeo do ser como manifestaccedilatildeo que justamente o ser ‑aiacute apreende como a questatildeo pelo

125 Fernando Pessoa Livro do Desassossego ed R Zenith Lisboa 1998 391 V os Capiacutetulos 5 e 6 infra

126 V n 47 supra Sobre este tema cf M Caron Heidegger Penseacutee de lrsquoecirctre et origine de la subjectiviteacute Paris 2005 773 ‑812 e o Capiacutetulo 4 infra

127 rdquoin seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo (Heidegger SuZ 12)128 SuZ 12

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seu proacuteprio ser A investigaccedilatildeo pelo sentido desenrolar ‑se ‑aacute como a investigaccedilatildeo das condiccedilotildees existenciais do ser ‑aiacute e da abertura para ele de um mundo O ser ‑aiacute natildeo pode ser entendido somente como um ente entre os outros dada a sua caracteriacutestica proacutepria de ldquoexistir ontologicamenterdquo129 A sua caracteriacutestica ocircntica aquilo que ele eacute como ente eacute existir ontologicamente ou seja dar ‑se num domiacutenio de sentido de ser que ele sempre jaacute compreendeu A viragem hermenecircutica da fenomenologia reforccedila a noccedilatildeo fenomenoloacutegica original da indagaccedilatildeo pelo significado ou sentido em que o fenoacutemeno em geral e em di‑versas modalidades se daacute Se no entanto como se viu as conclusotildees de Husserl natildeo apontaram para o desenvolvimento de uma filosofia da linguagem como ontologia ou filosofia primeira mas antes para o aprofundamento do tema do sujeito ante ‑predicativo e ante ‑linguiacutestico onde se encontra a evidecircncia do sentido130 as conclusotildees de Heidegger apoacutes aquilo que ele mesmo explicaraacute como uma ldquoviragemrdquo do seu pensamento vatildeo apontar para os desenvolvimentos de uma filosofia da linguagem nos moldes jaacute aflorados

O sentido desta viragem ldquoa caminho da linguagemrdquo estatildeo jaacute da‑dos ateacute certo ponto nos desenvolvimentos de Ser e Tempo Heidegger investiga aqui a fonte do significado das palavras no fenoacutemeno que denomina como significatividade Esta designa antes de mais um todo de referecircncias ou contexto que o ser ‑aiacute encontra natildeo soacute no mundo mas como o seu mundo131 Este contexto de referecircncias e totalidade de reenvios natildeo eacute um conjunto de coisas entendido nem extensivamente nem mesmo segundo a sua compreensatildeo proacutepria e investimento de validade subjetiva mas como uma rede de pragmata ou seja entes que se abrem originariamente em funccedilatildeo das possibili‑

129 SuZ 12130 Cf A Diemer Edmund Husserl Versuch einer systematischen Darstellung seiner

Phaumlnomenologie Meisenheim am Glan 1965 esp 110 ‑113131 Cf SuZ 63 ‑64 84 ‑86

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dades do lidar ou de servir uns para os outros no uso quotidiano do ser ‑aiacute Para Heidegger o fenoacutemeno originaacuterio do sentido natildeo se daacute na consideraccedilatildeo teoreacutetica de entes simplesmente dados ou perante um sujeito mas no projeto significativo de cariz existencial do ser ‑aiacute A consideraccedilatildeo teoreacutetica abstrata ou cientiacutefica dos entes como coisas disponiacuteveis para a observaccedilatildeo da sua essecircncia e na sequecircncia disto disponiacuteveis para a manipulaccedilatildeo teacutecnica eacute expressamente considerada uma consideraccedilatildeo secundaacuteria e deficitaacuteria que soacute emerge com base na privaccedilatildeo da abertura originaacuteria de sentido132 Esta daacute ‑se natildeo como ser ‑simplesmente ‑dado (Vorhandensein) no modo do correlato da visatildeo teoacuterica objetivante mas como ser ‑agrave ‑matildeo (Zuhandensein) ou utensilidade Esta utensilidade soacute existe em funccedilatildeo do projeto do ser ‑aiacute o qual estaacute na conhecida expressatildeo de Heidegger sempre jaacute lanccedilado ou projetado com o significado de que natildeo haacute para o ser‑‑aiacute nenhum comeccedilo absoluto ou fonte transparente das significaccedilotildees contrariamente agraves pretensotildees da filosofia de Descartes a Husserl Pelo contraacuterio a reflexividade sobre si proacuteprio do ser ‑aiacute bem como a sua compreensatildeo estatildeo sempre limitadas por um horizonte que dir ‑se ‑ia o impede de ver a totalidade integral do sentido do ser que lhe eacute proacuteprio ou do ser em geral O ldquoestar lanccediladordquo diz tambeacutem da exposiccedilatildeo e abertura do ser ‑aiacute ao mundo ou seja da sua facticidade ou que ele natildeo se pode considerar jamais como fundamento daquilo que inversamente natildeo pode senatildeo antecedecirc ‑lo aleacutem de ser dado em cada caso incompletamente Aliaacutes o que a reflexatildeo lhe fornece natildeo eacute uma perspetiva integral completa e inabalaacutevel sobre o seu proacuteprio ser a sua verdade e validade evidentes conforme de um modo ou de outro foi tiacutepico da filosofia desde Descartes minus a uacutenica completude que eacute dada ao ser ‑aiacute pelo fato de no seu ser ldquoestar em jogo este mesmo serrdquo ou pela ldquoJemeinigkeitrdquo (ser ‑em ‑cada ‑caso ‑meu) proacuteprio do ser ‑aiacute eacute a do seu proacuteprio ser para a morte

132 SuZ 69 ‑71

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Estes dados apontam para a temporalidade como o fenoacutemeno central do ser ‑aiacute o que tem como consequecircncia teoacuterica justamente a perda da possibilidade de uma apreensatildeo integral do sentido do ser minus posto que haacute que repetir a temporalidade eacute a estrutura funda‑mental da existecircncia do ser ‑aiacute Este natildeo eacute como que um sujeito a que se acrescentasse como predicado a temporalidade minus esta constitui natildeo um predicado mas o seu modo existencial de acesso ao ldquoaiacuterdquo em que tem o seu ser ou nos termos que nos satildeo jaacute familiares agrave abertura do mundo Esta alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo do sentido do ser com que Heidegger pretende fazer deslocar dos seus gonzos toda a perspeti‑va ontoloacutegica da histoacuteria da filosofia anterior natildeo poderia deixar de ter consequecircncias para a compreensatildeo da linguagem Na abordagem de Ser e Tempo pelo signo eacute adquirida e assegurada ldquoantes de mais uma orientaccedilatildeo dentro do mundo circundanterdquo133 minus precisamente como se viu aquilo que segundo Husserl lhe retirava significado134 ldquoO signo (Zeichen) natildeo estaacute soacute agrave matildeo como outro utensiacutelio qualquer mas no seu estar ‑agrave ‑matildeo o mundo circundante se torna em cada caso expressamente acessiacutevel para a visatildeo em redor O signo eacute um ente onticamente agrave ‑matildeo que como [um] utensiacutelio determinado funciona simultaneamente como algo que anuncia a estrutura ontoloacutegica do ser ‑agrave ‑matildeo da totalidade de referecircncias e da mundaneidaderdquo135

O signo opera nestes termos ao niacutevel do contexto de referecircn‑cias do ser ‑agrave ‑matildeo dando acesso agrave totalidade dessas referecircncias e agrave proacutepria significatividade do mundo Natildeo seraacute possiacutevel aprofundar aqui a posiccedilatildeo heideggeriana para aleacutem das anotaccedilotildees que nos fazem remeter o significado para a noccedilatildeo de mundo e da orientaccedilatildeo do

133 ldquoes gewinnt vielmehr eine Orientierung innerhalb der Umweltrdquo (SuZ 79)134 Cf pp 51 e 52 supra135 ldquoDie Zeichen ist nicht nur zuhanden mit anderem Zeug sondern in seiner

Zuhandenheit wird die Umwelt je fuumlr die Umsicht ausdruumlcklich zuhanden Zeichen ist ein ontisch Zuhandenes das als dieses bestimmte Zeug zugleich als etwas fungiert was die ontologische Struktur der Zuhandenheit Verweisungsganzheit und Weltlichkeit anzeigtrdquo (SuZ 82)

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44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 9: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

10

95 Modernismo e modernidade 251

96 Modernismo e negaccedilatildeo 252

97 Sobre a reaccedilatildeo ao modernismo 254

98 Final A ponte como obra de arte 256

10 Sobre os Pressupostos e Consequecircncias da Criacutetica ao Relativismo nos Prolegoacutemenos agrave Loacutegica Pura de Husserl 261

101 A tese da existecircncia de uma forma geral para as fundamentaccedilotildees 262

102 A inteleccedilatildeo a sua perda e substitutos 267

103 O relativismo e o ponto de partida reflexivo da fenomenologia 270

104 Uma criacutetica aos ldquoargumentos da reflexatildeordquo 275

105 Conclusatildeo Verdade e intencionalidade 277

11 A Epocheacute da Modernidade A Crise das Ciecircncias Europeias de Husserl 279

111 A conceccedilatildeo uacuteltima da fenomenologia 279

112 O combate pelo significado das palavras 281

113 A epocheacute histoacuterica das ciecircncias 282

114 O problema filosoacutefico da Modernidade 285

115 A epocheacute praxioloacutegica das ciecircncias 288

116 A lsquoLebensweltrsquo e a ampliaccedilatildeo final da fenomenologia 292

Origem dos textos 297

Referecircncias bibliograacuteficas 301

Iacutendice onomaacutestico 311

Iacutendice analiacutetico 313

Obras citadas 319

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PrOacutelogo

A obra Transparecircncias Linguagem e Reflexatildeo de Ciacutecero a Pessoa eacute constituiacuteda por onze estudos dos quais nove jaacute foram publicados mas agora revistos para a presente ediccedilatildeo e dois ineacuteditos os textos inscrevem ‑se no intervalo entre 1997 e 2016 mas a maior parte deles situa ‑se no uacuteltimo trieacutenio

Os ensaios estatildeo agrupados em quatro grandes nuacutecleos temaacute‑ticos ndash lsquoLinguagem e Consciecircnciarsquo lsquoConceitos da Reflexatildeo e do Relativismorsquo lsquoNegaccedilatildeo e Mitologiarsquo e lsquoModernidade Relativismo e Crisersquo e desenrolam ‑se num eixo temporal que privilegiando a con‑temporaneidade e nesta a fenomenologia de Husserl e de Heidegger bem como a filosofia da linguagem nomeadamente a de Wittgenstein remontam agrave retoacuterica romana (Ciacutecero e Agostinho) e retomam para os debates de hoje elementos estruturantes do pensamento kantiano e do idealismo alematildeo Os estudos recuperam ainda para esses mesmos debates figuras determinantes do pensamento portuguecircs do seacuteculo xx Fernando Pessoa Joseacute Marinho e Eudoro de Sousa Sem nunca se afastar do equacionamento filosoacutefico das questotildees tratadas os textos fazem intervir tambeacutem elementos da literatura com Borges e Pessoa e das artes do espaccedilo com Escher

Confrontados com a diversidade dos temas e dos autores com o seu complexo entrelaccedilamento histoacuterico e um dilatado horizonte sistemaacuteti‑co importa sublinhar a unidade da obra uma unidade diferenciante feita de convergecircncias sem duacutevida mas claramente manifesta logo a partir do intento expresso pelo autor de nos pocircr perante diferentes

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empiacutericas ndash tudo o resto satildeo simples abreviaturas que se limitam a tornar a comunicaccedilatildeo mais expedita

A esta primeira tese empirista e criacutetica do mentalismo junta ‑se uma outra posiccedilatildeo que lhe fornece o seu meacutetodo de investigaccedilatildeo Segundo Tooke ldquoa etimologia nos daraacute em todas as liacutenguas o que a filosofia em vatildeo buscourdquo108 nomeadamente a definiccedilatildeo do estatuto e do signifi‑cado dos termos universais e a sua relaccedilatildeo com o pensamento e com a linguagem A investigaccedilatildeo etimoloacutegica seraacute ldquosuficiente para descartar aquela operaccedilatildeo imaginaacuteria da mente que se denominou abstraccedilatildeo e para provar que tudo o que chamamos por este nome eacute somente um dos dispositivos da linguagem com o fim de uma comunicaccedilatildeo mais expeditardquo109 Toda a investigaccedilatildeo concetual eacute substituiacuteda pela anaacutelise etimoloacutegica de significados com o resultado de que natildeo haacute conceito subjectivo mas um reenvio de toda a operaccedilatildeo significativa para a proacutepria linguagem e o seu desenvolvimento A etimologia permite a descoberta em todos os termos gerais abstratos adjetivos adveacuterbios e outros do substantivo concreto original e a reduccedilatildeo assim de todos os termos gerais e relacionais natildeo a atos do sujeito mas a uma operaccedilatildeo da proacutepria linguagem

25 O pensamento etimoloacutegico de Heidegger

Se a obra de Tooke estaacute longe das vias mais frequentadas da lin‑guiacutestica e da filosofia a sua abordagem aponta no entanto o caminho para a avaliaccedilatildeo do significado metodoloacutegico do apelo agrave etimologia que deixa uma marca no seacuteculo xx nomeadamente por intermeacutedio da filosofia tardia de Heidegger que a ela recorre com frequecircncia como fio heuriacutestico da sua investigaccedilatildeo A ideia do meacutetodo etimoloacutegico

108 EP 171109 EP 600

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em Tooke revestido ainda de um empirismo filosoficamente um tanto tosco ressurge com Heidegger com as suas consequecircncias filosoacuteficas subtilmente desenvolvidas como veremos em seguida Sobre o meacute‑todo etimoloacutegico escreve Heidegger numa Introduccedilatildeo agrave Filosofia de 1930 que ldquodeve observar ‑se que natildeo nos socorremos da etimologia para a partir da raiz das palavras concluir algo de originariamente nativo [Urwuumlchsiges] sobre o significado ndash um procedimento exposto a grande abuso e erros mas precisamente tambeacutem porque pode ser frutiacutefero se utilizado no lugar certo da maneira e nos limites corretos [] Tomamos a linguagem no seu todo como a revelaccedilatildeo originaacuteria do ente no meio do qual o homem existe o homem cujo relevo essencial eacute o de existir nesta revelaccedilatildeo na linguagemrdquo110

Heidegger serve ‑se na verdade da etimologia com mais frequecircncia do que parece admitir neste texto E diga ‑se igualmente que encon‑trar o limite e o lugar correto para o recurso agrave etimologia depende de que se entenda que de nada serviraacute buscarmos significados mais antigos para as palavras se tal busca natildeo for acompanhada de uma reflexatildeo sobre o proacuteprio significado em geral de uma modificaccedilatildeo da compreensatildeo do que eacute o significado ou porventura de uma reflexatildeo sobre o que significa significar Natildeo se trata de reduzir significados a outros mais simples e naturais proacuteximos das impressotildees originaacuterias que foram pouco a pouco substituiacutedos por uma falsa superestrutura cultural segundo o projeto de Tooke De pouco importa a antiguidade das palavras mas sim a explicitaccedilatildeo do que significa a manifestaccedilatildeo do ente em geral do proacuteprio ser da linguagem O problema do sig‑

110 ldquoEinmal ist zu beachten daszlig wir keine Etymologie zuhilfe gerufen haben um aus dem Wortstamm etwas Urwuumlchsiges fuumlr die Bedeutung zu erschlieszligen ndash ein Verfahren das groszligem Miszligbrauch und Irrtuumlmern ausgesetzt ist aber eben deshalb auch wenn am rechten Ort und in der rechten Weise und Grenze betreiben fruchtbar sein kann [] Wir haben die Sprache im Ganzen genommen als die urspruumlngliche Offenbarung des Seienden inmitten dessen der Mensch existiert der Mensch dessen Wesensaus‑zeichnung es ist in der Sprache in dieser Offenbarung zu existierenrdquo (Heidegger Vom Wesen der menschlichen Freiheit Einleitung in die Philosophie Gesamtausgabe Frankfurt aM 1976 ‑ [=GA] 31 53 ‑54)

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nificado das palavras deve antes do mais situar o homem no meio do ente ou seja mostrar o significado dessa revelaccedilatildeo

Encontramos na obra A Caminho da Linguagem111 de Heidegger enunciado o princiacutepio de compreensatildeo do significado princiacutepio que se ajusta agrave perfeiccedilatildeo ao meacutetodo etimoloacutegico O projeto eacute claro natildeo se trata ldquotanto de situar e discutir [a linguagem] mas de nos levar ao lugar da sua essecircnciardquo112 e esta conduccedilatildeo passa de modo algo estranho por uma repeticcedilatildeo de frases de tipo tautoloacutegico que veicu‑lam de iniacutecio muito pouco conteuacutedo significativo Assim ldquoa proacutepria linguagem eacute a linguagemraquo ao que acrescenta que laquoa inteligecircncia lo‑gicamente instruiacuteda [] chama a esta frase uma tautologia que nada dizrdquo113 e repete a frase ldquoa linguagem eacute linguagemrdquo114 para numa ligeira variaccedilatildeo apresentar o princiacutepio que referimos que mais do que repetir faz ressoar em poucas paacuteginas como um eco reflexivo cerca de quinze vezes ldquodie Sprache sprichtrdquo (ldquoa linguagem falardquo)115

Que teoria do significado se funda sobre este princiacutepio a laquolin‑guagem falaraquo Eacute dito que a linguagem natildeo eacute silenciosa muda e que se o falante pode falar eacute porque a linguagem tem sentido antes e independentemente dele Na conclusatildeo do seu curso sobre a Loacutegica como a Questatildeo pela Essecircncia da Linguagem de 1934 registaram os seus ouvintes que ldquoa essecircncia da linguagem natildeo se anuncia laacute onde ela eacute [] forccedilada como um meio de troca e degradada agrave mera expressatildeo de um denominado interiorrdquo116 A tese da instrumentalidade da lingua‑gem como meio de troca comunicativa entre o interior dos sujeitos

111 Martin Heidegger Unterwegs zur Sprache 1959 2003 [=UzS]112 ldquoDie Sprache eroumlrtern heiszligt nicht so sehr sie sondern uns an den Ort ihres

Wesens bringenrdquo (UzS 12)113 ldquoDie Sprache selbst ist die Sprache Der logisch geschulte [] Verstand nennt

diesen Satz eine nichtssagende Tautologierdquo (UzS 12)114 ldquoSprache ist Spracherdquo (UzS 13)115 ldquoDie Sprache sprichtrdquo (UzS 12 13 14 16 19 20 21 28 30 32 33)116 Idem Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 170

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requer justamente uma neutralidade significativa do proacuteprio instru‑mento para que possa anunciar algo a transparecircncia do sinal a sua natildeo ‑significatividade qua linguagem segundo podemos depreender principalmente de Saussure

No mesmo ano deste uacuteltimo curso citado de Heidegger de 1934 a jaacute referida Sprachtheorie de Karl Buumlhler117 apresenta de modo mais completo as diferentes funccedilotildees da linguagem como exposiccedilatildeo expres‑satildeo e apelo As duas primeiras ndash exposiccedilatildeo e expressatildeo ndash requerem precisamente a natildeo ‑significatividade do proacuteprio signo A exposiccedilatildeo de um estado de coisas requer que o instrumento significativo natildeo altere por significados proacuteprios e incontrolados a sua imagem linguiacutestica Do mesmo modo a expressatildeo do interior soacute eacute realizada por uma me‑diaccedilatildeo ela mesma natildeo falante plenamente transparente Eacute requerido que a linguagem ela proacutepria natildeo fale natildeo receba sentido para aleacutem do pretendido pelo sujeito falante Pelo contraacuterio o caraacutecter linguiacutestico da proacutepria linguagem abre a expressatildeo justamente ao processo infinito das interpretaccedilotildees A tese de que a linguagem fala diz natildeo soacute que a linguagem oferece resistecircncia significativa agrave expressatildeo ou agrave exposiccedilatildeo objetiva mas que em uacuteltima instacircncia e Heidegger eacute claro nisto natildeo eacute o falante que fala mas a proacutepria linguagem minus anulando ‑se o sujeito e a sua reflexatildeo como pretendida fonte do significado E Heidegger pergunta pelo sujeito presente no seu princiacutepio ldquoa linguagem fala A linguagem Natildeo o homemrdquo ldquoNa sua essecircncia a linguagem natildeo eacute nem expressatildeo nem uma atividade do homem A linguagem falardquo118 Na tese da subjetividade etimoloacutegica da linguagem reside que o fa‑lante quando fala diz inuacutemeras coisas que natildeo pode alcanccedilar na sua

117 K Buumlhler Sprachtheorie Die Darstellungsfunktion der Sprache Stuttgart 1999 v Habermas bdquoZur Kritik der Bedeutungstheorieldquo trad Paulo Rodrigues in Racionalidade e Comunicaccedilatildeo Lisboa 2002 149 ‑182

118 bdquoDie Sprache spricht Die Sprache Und nicht der Menschldquo (UzS 20) bdquoDie Sprache ist in ihrem Wesen weder Ausdruck noch eine Betaumltigung des Menschen Die Sprache sprichtldquo (UzS 19)

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reflexatildeo proacutepria de sujeito e que esta uacuteltima natildeo soacute natildeo pode ser fonte de significaccedilatildeo como tatildeo ‑pouco eacute capaz de abraccedilar em si mesma a determinaccedilatildeo proacutepria dos significados que enuncia Nisto se fundaraacute tambeacutem a hermenecircutica filosoacutefica119 E Heidegger insiste neste pon‑to na recusa da reflexatildeo como fio do pensamento120 tese cujas bases teoacutericas estatildeo no conceito de finitude e de temporalidade assumidos pelo autor conceitos a que faremos ainda referecircncia mais abaixo Em uacuteltima instacircncia segundo a tese da etimologia natildeo se pode dizer que o falante como indiviacuteduo saiba efetivamente o que diz O princiacutepio ldquoa linguagem falardquo cuja repeticcedilatildeo faacute ‑lo justamente perder o sentido para o falante ndash no fenoacutemeno psicoloacutegico que todos conhecemos de esvaziamento do significado pela repeticcedilatildeo de uma palavra ndash deve ser suficiente para estabelecer uma compreensatildeo da linguagem oposta a toda a filosofia moderna do juiacutezo cuja forccedila ilocucionaacuteria lhe eacute confe‑rida por um ato da vontade do sujeito que assere ou daacute consentimento ao ser ou natildeo ‑ser predicativo O que eacute dito natildeo estaacute depositado na pretensa representaccedilatildeo ou imagem mental interior do sujeito defi‑nida por exemplo nos termos de Saussure ldquoo signo linguiacutestico natildeo une uma coisa e um nome mas um conceito e uma imagem acuacutestica [Se] arbor eacute chamado um signo soacute o eacute enquanto conteacutem o conceito aacutervore []rdquo121 Segundo Heidegger o significativo da linguagem estaacute depositado no proacuteprio significante natildeo no significado nas palavras e natildeo justamente no conceito como quer que se queira compreender o conceito O significado estaacute esquecido aleacutem disso por um uso habitual demasiadas vezes repetido ou feito a partir de um mundo ou de condiccedilotildees existenciais que jaacute natildeo correspondem agravequelas que davam originalmente significado agraves palavras A validade do meacutetodo

119 Vg Gadamer opcit 108 361 ‑364120 Cf Heidegger Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 53 58121 ldquole signe linguistique unit non une chose et un nom mais un concept et une

image acoustique [Si] arbor est appeleacute signe ce nrsquoest qursquoen tant qursquoil porte le concept lsquoarbrersquo []rdquo (CLG 98 ‑99)

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etimoloacutegico pressupotildee que haacute um sentido original e que esse sentido estaacute esquecido perdido ndash o que corresponde com alguma precisatildeo agrave tese de Heidegger acerca do esquecimento do ser a rememorar pela linguagem poeacutetica que natildeo deixa adormecer o significado pela repeti‑ccedilatildeo habitual122 Eacute assim dito acrescente ‑se que as geraccedilotildees transmitem sucessivamente uma mensagem original nas palavras agora natildeo soacute aladas como tambeacutem falantes que permanece por decifrar e que as proacuteprias geraccedilotildees ignoram que ao falar transmitem algo que natildeo mais entendem e que Heidegger viraacute a denominar o ldquoenviordquo ou mensagem do ser A expressatildeo comum ldquoeles natildeo sabem o que dizemrdquo ganha assim plausibilidade e o seu sentido torna ‑se mais claro pela etimologia e pelo princiacutepio de que ldquoa linguagem falardquo Segundo Heidegger ldquofala‑mos da linguagem na permanente aparecircncia de falar somente sobre a linguagem quando falamos jaacute a partir da linguagemrdquo123 sendo pois a reflexividade linguiacutestica do sujeito substituiacuteda por uma outra fonte de sentido que excede os limites da reflexatildeo

A etimologia erigida em meacutetodo e sistema filosoacutefico eacute uma versatildeo linguiacutestica da tese da alienaccedilatildeo geral da consciecircncia histoacuterica que encontramos no seacuteculo xx em autores como Heidegger que procurou rememorar o esquecimento do ser Adorno com a sua dialeacutetica do esclarecimento124 que parece encontrar na civilizaccedilatildeo uma forma de insuperaacutevel negatividade e mesmo Husserl na jaacute referida A Crise das Ciecircncias Filosoacuteficas por exemplo

Por oposiccedilatildeo a esta tese segundo a qual o significado eacute assumido pela proacutepria linguagem que fala e se potildee no lugar do falante enten‑demos assim do modo mais claro os motivos do aforismo do poeta que talvez mais sistematicamente reivindicou para si e investigou a

122 V o claacutessico de Ricoeur A Metaacutefora Viva trad J T Costa e A M Magalhatildees Porto 1983 151 476 ‑478

123 Heidegger UzS 191124 Adorno Horkheimer Dialektik der Aufklaumlrung Philosophische Fragmente in

Adorno Gesammelte Schrifte Band 3 Frankfurt a M 1996

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subjetividade e a reflexatildeo conforme lemos no Livro do Desassossego ldquoEu natildeo escrevo em portuguecircs Escrevo eu mesmordquo125

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica

O desenvolvimento por Heidegger de uma filosofia que poderiacutea‑mos considerar etimologicamente fundada que desapossa o sujeito da atividade de criaccedilatildeo e apreensatildeo de significado eacute antecedida por todo um questionamento de cariz bastante diverso acerca das condi‑ccedilotildees de fenomenalizaccedilatildeo do ser em Ser e Tempo de 1927126 A condiccedilatildeo primeira do fenoacutemeno eacute o ldquoDaseinrdquo ou ldquoser ‑aiacuterdquo que Heidegger define como o ente para o qual ldquono seu ser estaacute em causa este mesmo serrdquo127 Toda a investigaccedilatildeo estaacute centrada nesta caracteriacutestica do ser de um determinado ente o ser ‑aiacute para o qual visto nele estar sempre em causa o seu proacuteprio ser haacute mais do que somente um ambiente que o circunda um mundo O ser ‑aiacute eacute nos termos de Heidegger laquoo aiacute do serraquo128 o que significa lugar de manifestaccedilatildeo do sentido do ser Segundo as coordenadas da filosofia fenomenoloacutegica coordenadas que Heidegger alega seguir transformando ‑as no sentido de uma fenomenologia hermenecircutica o ser eacute entendido sobretudo como sen‑tido o que se caracteriza pelo ser ‑no ‑mundo como condiccedilatildeo baacutesica da existecircncia do ser ‑aiacute Existecircncia significa aqui natildeo a simples posiccedilatildeo de um ente na realidade mas dir ‑se ‑ia exteriorizaccedilatildeo do ser como manifestaccedilatildeo que justamente o ser ‑aiacute apreende como a questatildeo pelo

125 Fernando Pessoa Livro do Desassossego ed R Zenith Lisboa 1998 391 V os Capiacutetulos 5 e 6 infra

126 V n 47 supra Sobre este tema cf M Caron Heidegger Penseacutee de lrsquoecirctre et origine de la subjectiviteacute Paris 2005 773 ‑812 e o Capiacutetulo 4 infra

127 rdquoin seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo (Heidegger SuZ 12)128 SuZ 12

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seu proacuteprio ser A investigaccedilatildeo pelo sentido desenrolar ‑se ‑aacute como a investigaccedilatildeo das condiccedilotildees existenciais do ser ‑aiacute e da abertura para ele de um mundo O ser ‑aiacute natildeo pode ser entendido somente como um ente entre os outros dada a sua caracteriacutestica proacutepria de ldquoexistir ontologicamenterdquo129 A sua caracteriacutestica ocircntica aquilo que ele eacute como ente eacute existir ontologicamente ou seja dar ‑se num domiacutenio de sentido de ser que ele sempre jaacute compreendeu A viragem hermenecircutica da fenomenologia reforccedila a noccedilatildeo fenomenoloacutegica original da indagaccedilatildeo pelo significado ou sentido em que o fenoacutemeno em geral e em di‑versas modalidades se daacute Se no entanto como se viu as conclusotildees de Husserl natildeo apontaram para o desenvolvimento de uma filosofia da linguagem como ontologia ou filosofia primeira mas antes para o aprofundamento do tema do sujeito ante ‑predicativo e ante ‑linguiacutestico onde se encontra a evidecircncia do sentido130 as conclusotildees de Heidegger apoacutes aquilo que ele mesmo explicaraacute como uma ldquoviragemrdquo do seu pensamento vatildeo apontar para os desenvolvimentos de uma filosofia da linguagem nos moldes jaacute aflorados

O sentido desta viragem ldquoa caminho da linguagemrdquo estatildeo jaacute da‑dos ateacute certo ponto nos desenvolvimentos de Ser e Tempo Heidegger investiga aqui a fonte do significado das palavras no fenoacutemeno que denomina como significatividade Esta designa antes de mais um todo de referecircncias ou contexto que o ser ‑aiacute encontra natildeo soacute no mundo mas como o seu mundo131 Este contexto de referecircncias e totalidade de reenvios natildeo eacute um conjunto de coisas entendido nem extensivamente nem mesmo segundo a sua compreensatildeo proacutepria e investimento de validade subjetiva mas como uma rede de pragmata ou seja entes que se abrem originariamente em funccedilatildeo das possibili‑

129 SuZ 12130 Cf A Diemer Edmund Husserl Versuch einer systematischen Darstellung seiner

Phaumlnomenologie Meisenheim am Glan 1965 esp 110 ‑113131 Cf SuZ 63 ‑64 84 ‑86

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dades do lidar ou de servir uns para os outros no uso quotidiano do ser ‑aiacute Para Heidegger o fenoacutemeno originaacuterio do sentido natildeo se daacute na consideraccedilatildeo teoreacutetica de entes simplesmente dados ou perante um sujeito mas no projeto significativo de cariz existencial do ser ‑aiacute A consideraccedilatildeo teoreacutetica abstrata ou cientiacutefica dos entes como coisas disponiacuteveis para a observaccedilatildeo da sua essecircncia e na sequecircncia disto disponiacuteveis para a manipulaccedilatildeo teacutecnica eacute expressamente considerada uma consideraccedilatildeo secundaacuteria e deficitaacuteria que soacute emerge com base na privaccedilatildeo da abertura originaacuteria de sentido132 Esta daacute ‑se natildeo como ser ‑simplesmente ‑dado (Vorhandensein) no modo do correlato da visatildeo teoacuterica objetivante mas como ser ‑agrave ‑matildeo (Zuhandensein) ou utensilidade Esta utensilidade soacute existe em funccedilatildeo do projeto do ser ‑aiacute o qual estaacute na conhecida expressatildeo de Heidegger sempre jaacute lanccedilado ou projetado com o significado de que natildeo haacute para o ser‑‑aiacute nenhum comeccedilo absoluto ou fonte transparente das significaccedilotildees contrariamente agraves pretensotildees da filosofia de Descartes a Husserl Pelo contraacuterio a reflexividade sobre si proacuteprio do ser ‑aiacute bem como a sua compreensatildeo estatildeo sempre limitadas por um horizonte que dir ‑se ‑ia o impede de ver a totalidade integral do sentido do ser que lhe eacute proacuteprio ou do ser em geral O ldquoestar lanccediladordquo diz tambeacutem da exposiccedilatildeo e abertura do ser ‑aiacute ao mundo ou seja da sua facticidade ou que ele natildeo se pode considerar jamais como fundamento daquilo que inversamente natildeo pode senatildeo antecedecirc ‑lo aleacutem de ser dado em cada caso incompletamente Aliaacutes o que a reflexatildeo lhe fornece natildeo eacute uma perspetiva integral completa e inabalaacutevel sobre o seu proacuteprio ser a sua verdade e validade evidentes conforme de um modo ou de outro foi tiacutepico da filosofia desde Descartes minus a uacutenica completude que eacute dada ao ser ‑aiacute pelo fato de no seu ser ldquoestar em jogo este mesmo serrdquo ou pela ldquoJemeinigkeitrdquo (ser ‑em ‑cada ‑caso ‑meu) proacuteprio do ser ‑aiacute eacute a do seu proacuteprio ser para a morte

132 SuZ 69 ‑71

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Estes dados apontam para a temporalidade como o fenoacutemeno central do ser ‑aiacute o que tem como consequecircncia teoacuterica justamente a perda da possibilidade de uma apreensatildeo integral do sentido do ser minus posto que haacute que repetir a temporalidade eacute a estrutura funda‑mental da existecircncia do ser ‑aiacute Este natildeo eacute como que um sujeito a que se acrescentasse como predicado a temporalidade minus esta constitui natildeo um predicado mas o seu modo existencial de acesso ao ldquoaiacuterdquo em que tem o seu ser ou nos termos que nos satildeo jaacute familiares agrave abertura do mundo Esta alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo do sentido do ser com que Heidegger pretende fazer deslocar dos seus gonzos toda a perspeti‑va ontoloacutegica da histoacuteria da filosofia anterior natildeo poderia deixar de ter consequecircncias para a compreensatildeo da linguagem Na abordagem de Ser e Tempo pelo signo eacute adquirida e assegurada ldquoantes de mais uma orientaccedilatildeo dentro do mundo circundanterdquo133 minus precisamente como se viu aquilo que segundo Husserl lhe retirava significado134 ldquoO signo (Zeichen) natildeo estaacute soacute agrave matildeo como outro utensiacutelio qualquer mas no seu estar ‑agrave ‑matildeo o mundo circundante se torna em cada caso expressamente acessiacutevel para a visatildeo em redor O signo eacute um ente onticamente agrave ‑matildeo que como [um] utensiacutelio determinado funciona simultaneamente como algo que anuncia a estrutura ontoloacutegica do ser ‑agrave ‑matildeo da totalidade de referecircncias e da mundaneidaderdquo135

O signo opera nestes termos ao niacutevel do contexto de referecircn‑cias do ser ‑agrave ‑matildeo dando acesso agrave totalidade dessas referecircncias e agrave proacutepria significatividade do mundo Natildeo seraacute possiacutevel aprofundar aqui a posiccedilatildeo heideggeriana para aleacutem das anotaccedilotildees que nos fazem remeter o significado para a noccedilatildeo de mundo e da orientaccedilatildeo do

133 ldquoes gewinnt vielmehr eine Orientierung innerhalb der Umweltrdquo (SuZ 79)134 Cf pp 51 e 52 supra135 ldquoDie Zeichen ist nicht nur zuhanden mit anderem Zeug sondern in seiner

Zuhandenheit wird die Umwelt je fuumlr die Umsicht ausdruumlcklich zuhanden Zeichen ist ein ontisch Zuhandenes das als dieses bestimmte Zeug zugleich als etwas fungiert was die ontologische Struktur der Zuhandenheit Verweisungsganzheit und Weltlichkeit anzeigtrdquo (SuZ 82)

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44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 10: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

PrOacutelogo

A obra Transparecircncias Linguagem e Reflexatildeo de Ciacutecero a Pessoa eacute constituiacuteda por onze estudos dos quais nove jaacute foram publicados mas agora revistos para a presente ediccedilatildeo e dois ineacuteditos os textos inscrevem ‑se no intervalo entre 1997 e 2016 mas a maior parte deles situa ‑se no uacuteltimo trieacutenio

Os ensaios estatildeo agrupados em quatro grandes nuacutecleos temaacute‑ticos ndash lsquoLinguagem e Consciecircnciarsquo lsquoConceitos da Reflexatildeo e do Relativismorsquo lsquoNegaccedilatildeo e Mitologiarsquo e lsquoModernidade Relativismo e Crisersquo e desenrolam ‑se num eixo temporal que privilegiando a con‑temporaneidade e nesta a fenomenologia de Husserl e de Heidegger bem como a filosofia da linguagem nomeadamente a de Wittgenstein remontam agrave retoacuterica romana (Ciacutecero e Agostinho) e retomam para os debates de hoje elementos estruturantes do pensamento kantiano e do idealismo alematildeo Os estudos recuperam ainda para esses mesmos debates figuras determinantes do pensamento portuguecircs do seacuteculo xx Fernando Pessoa Joseacute Marinho e Eudoro de Sousa Sem nunca se afastar do equacionamento filosoacutefico das questotildees tratadas os textos fazem intervir tambeacutem elementos da literatura com Borges e Pessoa e das artes do espaccedilo com Escher

Confrontados com a diversidade dos temas e dos autores com o seu complexo entrelaccedilamento histoacuterico e um dilatado horizonte sistemaacuteti‑co importa sublinhar a unidade da obra uma unidade diferenciante feita de convergecircncias sem duacutevida mas claramente manifesta logo a partir do intento expresso pelo autor de nos pocircr perante diferentes

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empiacutericas ndash tudo o resto satildeo simples abreviaturas que se limitam a tornar a comunicaccedilatildeo mais expedita

A esta primeira tese empirista e criacutetica do mentalismo junta ‑se uma outra posiccedilatildeo que lhe fornece o seu meacutetodo de investigaccedilatildeo Segundo Tooke ldquoa etimologia nos daraacute em todas as liacutenguas o que a filosofia em vatildeo buscourdquo108 nomeadamente a definiccedilatildeo do estatuto e do signifi‑cado dos termos universais e a sua relaccedilatildeo com o pensamento e com a linguagem A investigaccedilatildeo etimoloacutegica seraacute ldquosuficiente para descartar aquela operaccedilatildeo imaginaacuteria da mente que se denominou abstraccedilatildeo e para provar que tudo o que chamamos por este nome eacute somente um dos dispositivos da linguagem com o fim de uma comunicaccedilatildeo mais expeditardquo109 Toda a investigaccedilatildeo concetual eacute substituiacuteda pela anaacutelise etimoloacutegica de significados com o resultado de que natildeo haacute conceito subjectivo mas um reenvio de toda a operaccedilatildeo significativa para a proacutepria linguagem e o seu desenvolvimento A etimologia permite a descoberta em todos os termos gerais abstratos adjetivos adveacuterbios e outros do substantivo concreto original e a reduccedilatildeo assim de todos os termos gerais e relacionais natildeo a atos do sujeito mas a uma operaccedilatildeo da proacutepria linguagem

25 O pensamento etimoloacutegico de Heidegger

Se a obra de Tooke estaacute longe das vias mais frequentadas da lin‑guiacutestica e da filosofia a sua abordagem aponta no entanto o caminho para a avaliaccedilatildeo do significado metodoloacutegico do apelo agrave etimologia que deixa uma marca no seacuteculo xx nomeadamente por intermeacutedio da filosofia tardia de Heidegger que a ela recorre com frequecircncia como fio heuriacutestico da sua investigaccedilatildeo A ideia do meacutetodo etimoloacutegico

108 EP 171109 EP 600

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em Tooke revestido ainda de um empirismo filosoficamente um tanto tosco ressurge com Heidegger com as suas consequecircncias filosoacuteficas subtilmente desenvolvidas como veremos em seguida Sobre o meacute‑todo etimoloacutegico escreve Heidegger numa Introduccedilatildeo agrave Filosofia de 1930 que ldquodeve observar ‑se que natildeo nos socorremos da etimologia para a partir da raiz das palavras concluir algo de originariamente nativo [Urwuumlchsiges] sobre o significado ndash um procedimento exposto a grande abuso e erros mas precisamente tambeacutem porque pode ser frutiacutefero se utilizado no lugar certo da maneira e nos limites corretos [] Tomamos a linguagem no seu todo como a revelaccedilatildeo originaacuteria do ente no meio do qual o homem existe o homem cujo relevo essencial eacute o de existir nesta revelaccedilatildeo na linguagemrdquo110

Heidegger serve ‑se na verdade da etimologia com mais frequecircncia do que parece admitir neste texto E diga ‑se igualmente que encon‑trar o limite e o lugar correto para o recurso agrave etimologia depende de que se entenda que de nada serviraacute buscarmos significados mais antigos para as palavras se tal busca natildeo for acompanhada de uma reflexatildeo sobre o proacuteprio significado em geral de uma modificaccedilatildeo da compreensatildeo do que eacute o significado ou porventura de uma reflexatildeo sobre o que significa significar Natildeo se trata de reduzir significados a outros mais simples e naturais proacuteximos das impressotildees originaacuterias que foram pouco a pouco substituiacutedos por uma falsa superestrutura cultural segundo o projeto de Tooke De pouco importa a antiguidade das palavras mas sim a explicitaccedilatildeo do que significa a manifestaccedilatildeo do ente em geral do proacuteprio ser da linguagem O problema do sig‑

110 ldquoEinmal ist zu beachten daszlig wir keine Etymologie zuhilfe gerufen haben um aus dem Wortstamm etwas Urwuumlchsiges fuumlr die Bedeutung zu erschlieszligen ndash ein Verfahren das groszligem Miszligbrauch und Irrtuumlmern ausgesetzt ist aber eben deshalb auch wenn am rechten Ort und in der rechten Weise und Grenze betreiben fruchtbar sein kann [] Wir haben die Sprache im Ganzen genommen als die urspruumlngliche Offenbarung des Seienden inmitten dessen der Mensch existiert der Mensch dessen Wesensaus‑zeichnung es ist in der Sprache in dieser Offenbarung zu existierenrdquo (Heidegger Vom Wesen der menschlichen Freiheit Einleitung in die Philosophie Gesamtausgabe Frankfurt aM 1976 ‑ [=GA] 31 53 ‑54)

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nificado das palavras deve antes do mais situar o homem no meio do ente ou seja mostrar o significado dessa revelaccedilatildeo

Encontramos na obra A Caminho da Linguagem111 de Heidegger enunciado o princiacutepio de compreensatildeo do significado princiacutepio que se ajusta agrave perfeiccedilatildeo ao meacutetodo etimoloacutegico O projeto eacute claro natildeo se trata ldquotanto de situar e discutir [a linguagem] mas de nos levar ao lugar da sua essecircnciardquo112 e esta conduccedilatildeo passa de modo algo estranho por uma repeticcedilatildeo de frases de tipo tautoloacutegico que veicu‑lam de iniacutecio muito pouco conteuacutedo significativo Assim ldquoa proacutepria linguagem eacute a linguagemraquo ao que acrescenta que laquoa inteligecircncia lo‑gicamente instruiacuteda [] chama a esta frase uma tautologia que nada dizrdquo113 e repete a frase ldquoa linguagem eacute linguagemrdquo114 para numa ligeira variaccedilatildeo apresentar o princiacutepio que referimos que mais do que repetir faz ressoar em poucas paacuteginas como um eco reflexivo cerca de quinze vezes ldquodie Sprache sprichtrdquo (ldquoa linguagem falardquo)115

Que teoria do significado se funda sobre este princiacutepio a laquolin‑guagem falaraquo Eacute dito que a linguagem natildeo eacute silenciosa muda e que se o falante pode falar eacute porque a linguagem tem sentido antes e independentemente dele Na conclusatildeo do seu curso sobre a Loacutegica como a Questatildeo pela Essecircncia da Linguagem de 1934 registaram os seus ouvintes que ldquoa essecircncia da linguagem natildeo se anuncia laacute onde ela eacute [] forccedilada como um meio de troca e degradada agrave mera expressatildeo de um denominado interiorrdquo116 A tese da instrumentalidade da lingua‑gem como meio de troca comunicativa entre o interior dos sujeitos

111 Martin Heidegger Unterwegs zur Sprache 1959 2003 [=UzS]112 ldquoDie Sprache eroumlrtern heiszligt nicht so sehr sie sondern uns an den Ort ihres

Wesens bringenrdquo (UzS 12)113 ldquoDie Sprache selbst ist die Sprache Der logisch geschulte [] Verstand nennt

diesen Satz eine nichtssagende Tautologierdquo (UzS 12)114 ldquoSprache ist Spracherdquo (UzS 13)115 ldquoDie Sprache sprichtrdquo (UzS 12 13 14 16 19 20 21 28 30 32 33)116 Idem Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 170

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requer justamente uma neutralidade significativa do proacuteprio instru‑mento para que possa anunciar algo a transparecircncia do sinal a sua natildeo ‑significatividade qua linguagem segundo podemos depreender principalmente de Saussure

No mesmo ano deste uacuteltimo curso citado de Heidegger de 1934 a jaacute referida Sprachtheorie de Karl Buumlhler117 apresenta de modo mais completo as diferentes funccedilotildees da linguagem como exposiccedilatildeo expres‑satildeo e apelo As duas primeiras ndash exposiccedilatildeo e expressatildeo ndash requerem precisamente a natildeo ‑significatividade do proacuteprio signo A exposiccedilatildeo de um estado de coisas requer que o instrumento significativo natildeo altere por significados proacuteprios e incontrolados a sua imagem linguiacutestica Do mesmo modo a expressatildeo do interior soacute eacute realizada por uma me‑diaccedilatildeo ela mesma natildeo falante plenamente transparente Eacute requerido que a linguagem ela proacutepria natildeo fale natildeo receba sentido para aleacutem do pretendido pelo sujeito falante Pelo contraacuterio o caraacutecter linguiacutestico da proacutepria linguagem abre a expressatildeo justamente ao processo infinito das interpretaccedilotildees A tese de que a linguagem fala diz natildeo soacute que a linguagem oferece resistecircncia significativa agrave expressatildeo ou agrave exposiccedilatildeo objetiva mas que em uacuteltima instacircncia e Heidegger eacute claro nisto natildeo eacute o falante que fala mas a proacutepria linguagem minus anulando ‑se o sujeito e a sua reflexatildeo como pretendida fonte do significado E Heidegger pergunta pelo sujeito presente no seu princiacutepio ldquoa linguagem fala A linguagem Natildeo o homemrdquo ldquoNa sua essecircncia a linguagem natildeo eacute nem expressatildeo nem uma atividade do homem A linguagem falardquo118 Na tese da subjetividade etimoloacutegica da linguagem reside que o fa‑lante quando fala diz inuacutemeras coisas que natildeo pode alcanccedilar na sua

117 K Buumlhler Sprachtheorie Die Darstellungsfunktion der Sprache Stuttgart 1999 v Habermas bdquoZur Kritik der Bedeutungstheorieldquo trad Paulo Rodrigues in Racionalidade e Comunicaccedilatildeo Lisboa 2002 149 ‑182

118 bdquoDie Sprache spricht Die Sprache Und nicht der Menschldquo (UzS 20) bdquoDie Sprache ist in ihrem Wesen weder Ausdruck noch eine Betaumltigung des Menschen Die Sprache sprichtldquo (UzS 19)

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reflexatildeo proacutepria de sujeito e que esta uacuteltima natildeo soacute natildeo pode ser fonte de significaccedilatildeo como tatildeo ‑pouco eacute capaz de abraccedilar em si mesma a determinaccedilatildeo proacutepria dos significados que enuncia Nisto se fundaraacute tambeacutem a hermenecircutica filosoacutefica119 E Heidegger insiste neste pon‑to na recusa da reflexatildeo como fio do pensamento120 tese cujas bases teoacutericas estatildeo no conceito de finitude e de temporalidade assumidos pelo autor conceitos a que faremos ainda referecircncia mais abaixo Em uacuteltima instacircncia segundo a tese da etimologia natildeo se pode dizer que o falante como indiviacuteduo saiba efetivamente o que diz O princiacutepio ldquoa linguagem falardquo cuja repeticcedilatildeo faacute ‑lo justamente perder o sentido para o falante ndash no fenoacutemeno psicoloacutegico que todos conhecemos de esvaziamento do significado pela repeticcedilatildeo de uma palavra ndash deve ser suficiente para estabelecer uma compreensatildeo da linguagem oposta a toda a filosofia moderna do juiacutezo cuja forccedila ilocucionaacuteria lhe eacute confe‑rida por um ato da vontade do sujeito que assere ou daacute consentimento ao ser ou natildeo ‑ser predicativo O que eacute dito natildeo estaacute depositado na pretensa representaccedilatildeo ou imagem mental interior do sujeito defi‑nida por exemplo nos termos de Saussure ldquoo signo linguiacutestico natildeo une uma coisa e um nome mas um conceito e uma imagem acuacutestica [Se] arbor eacute chamado um signo soacute o eacute enquanto conteacutem o conceito aacutervore []rdquo121 Segundo Heidegger o significativo da linguagem estaacute depositado no proacuteprio significante natildeo no significado nas palavras e natildeo justamente no conceito como quer que se queira compreender o conceito O significado estaacute esquecido aleacutem disso por um uso habitual demasiadas vezes repetido ou feito a partir de um mundo ou de condiccedilotildees existenciais que jaacute natildeo correspondem agravequelas que davam originalmente significado agraves palavras A validade do meacutetodo

119 Vg Gadamer opcit 108 361 ‑364120 Cf Heidegger Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 53 58121 ldquole signe linguistique unit non une chose et un nom mais un concept et une

image acoustique [Si] arbor est appeleacute signe ce nrsquoest qursquoen tant qursquoil porte le concept lsquoarbrersquo []rdquo (CLG 98 ‑99)

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etimoloacutegico pressupotildee que haacute um sentido original e que esse sentido estaacute esquecido perdido ndash o que corresponde com alguma precisatildeo agrave tese de Heidegger acerca do esquecimento do ser a rememorar pela linguagem poeacutetica que natildeo deixa adormecer o significado pela repeti‑ccedilatildeo habitual122 Eacute assim dito acrescente ‑se que as geraccedilotildees transmitem sucessivamente uma mensagem original nas palavras agora natildeo soacute aladas como tambeacutem falantes que permanece por decifrar e que as proacuteprias geraccedilotildees ignoram que ao falar transmitem algo que natildeo mais entendem e que Heidegger viraacute a denominar o ldquoenviordquo ou mensagem do ser A expressatildeo comum ldquoeles natildeo sabem o que dizemrdquo ganha assim plausibilidade e o seu sentido torna ‑se mais claro pela etimologia e pelo princiacutepio de que ldquoa linguagem falardquo Segundo Heidegger ldquofala‑mos da linguagem na permanente aparecircncia de falar somente sobre a linguagem quando falamos jaacute a partir da linguagemrdquo123 sendo pois a reflexividade linguiacutestica do sujeito substituiacuteda por uma outra fonte de sentido que excede os limites da reflexatildeo

A etimologia erigida em meacutetodo e sistema filosoacutefico eacute uma versatildeo linguiacutestica da tese da alienaccedilatildeo geral da consciecircncia histoacuterica que encontramos no seacuteculo xx em autores como Heidegger que procurou rememorar o esquecimento do ser Adorno com a sua dialeacutetica do esclarecimento124 que parece encontrar na civilizaccedilatildeo uma forma de insuperaacutevel negatividade e mesmo Husserl na jaacute referida A Crise das Ciecircncias Filosoacuteficas por exemplo

Por oposiccedilatildeo a esta tese segundo a qual o significado eacute assumido pela proacutepria linguagem que fala e se potildee no lugar do falante enten‑demos assim do modo mais claro os motivos do aforismo do poeta que talvez mais sistematicamente reivindicou para si e investigou a

122 V o claacutessico de Ricoeur A Metaacutefora Viva trad J T Costa e A M Magalhatildees Porto 1983 151 476 ‑478

123 Heidegger UzS 191124 Adorno Horkheimer Dialektik der Aufklaumlrung Philosophische Fragmente in

Adorno Gesammelte Schrifte Band 3 Frankfurt a M 1996

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subjetividade e a reflexatildeo conforme lemos no Livro do Desassossego ldquoEu natildeo escrevo em portuguecircs Escrevo eu mesmordquo125

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica

O desenvolvimento por Heidegger de uma filosofia que poderiacutea‑mos considerar etimologicamente fundada que desapossa o sujeito da atividade de criaccedilatildeo e apreensatildeo de significado eacute antecedida por todo um questionamento de cariz bastante diverso acerca das condi‑ccedilotildees de fenomenalizaccedilatildeo do ser em Ser e Tempo de 1927126 A condiccedilatildeo primeira do fenoacutemeno eacute o ldquoDaseinrdquo ou ldquoser ‑aiacuterdquo que Heidegger define como o ente para o qual ldquono seu ser estaacute em causa este mesmo serrdquo127 Toda a investigaccedilatildeo estaacute centrada nesta caracteriacutestica do ser de um determinado ente o ser ‑aiacute para o qual visto nele estar sempre em causa o seu proacuteprio ser haacute mais do que somente um ambiente que o circunda um mundo O ser ‑aiacute eacute nos termos de Heidegger laquoo aiacute do serraquo128 o que significa lugar de manifestaccedilatildeo do sentido do ser Segundo as coordenadas da filosofia fenomenoloacutegica coordenadas que Heidegger alega seguir transformando ‑as no sentido de uma fenomenologia hermenecircutica o ser eacute entendido sobretudo como sen‑tido o que se caracteriza pelo ser ‑no ‑mundo como condiccedilatildeo baacutesica da existecircncia do ser ‑aiacute Existecircncia significa aqui natildeo a simples posiccedilatildeo de um ente na realidade mas dir ‑se ‑ia exteriorizaccedilatildeo do ser como manifestaccedilatildeo que justamente o ser ‑aiacute apreende como a questatildeo pelo

125 Fernando Pessoa Livro do Desassossego ed R Zenith Lisboa 1998 391 V os Capiacutetulos 5 e 6 infra

126 V n 47 supra Sobre este tema cf M Caron Heidegger Penseacutee de lrsquoecirctre et origine de la subjectiviteacute Paris 2005 773 ‑812 e o Capiacutetulo 4 infra

127 rdquoin seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo (Heidegger SuZ 12)128 SuZ 12

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seu proacuteprio ser A investigaccedilatildeo pelo sentido desenrolar ‑se ‑aacute como a investigaccedilatildeo das condiccedilotildees existenciais do ser ‑aiacute e da abertura para ele de um mundo O ser ‑aiacute natildeo pode ser entendido somente como um ente entre os outros dada a sua caracteriacutestica proacutepria de ldquoexistir ontologicamenterdquo129 A sua caracteriacutestica ocircntica aquilo que ele eacute como ente eacute existir ontologicamente ou seja dar ‑se num domiacutenio de sentido de ser que ele sempre jaacute compreendeu A viragem hermenecircutica da fenomenologia reforccedila a noccedilatildeo fenomenoloacutegica original da indagaccedilatildeo pelo significado ou sentido em que o fenoacutemeno em geral e em di‑versas modalidades se daacute Se no entanto como se viu as conclusotildees de Husserl natildeo apontaram para o desenvolvimento de uma filosofia da linguagem como ontologia ou filosofia primeira mas antes para o aprofundamento do tema do sujeito ante ‑predicativo e ante ‑linguiacutestico onde se encontra a evidecircncia do sentido130 as conclusotildees de Heidegger apoacutes aquilo que ele mesmo explicaraacute como uma ldquoviragemrdquo do seu pensamento vatildeo apontar para os desenvolvimentos de uma filosofia da linguagem nos moldes jaacute aflorados

O sentido desta viragem ldquoa caminho da linguagemrdquo estatildeo jaacute da‑dos ateacute certo ponto nos desenvolvimentos de Ser e Tempo Heidegger investiga aqui a fonte do significado das palavras no fenoacutemeno que denomina como significatividade Esta designa antes de mais um todo de referecircncias ou contexto que o ser ‑aiacute encontra natildeo soacute no mundo mas como o seu mundo131 Este contexto de referecircncias e totalidade de reenvios natildeo eacute um conjunto de coisas entendido nem extensivamente nem mesmo segundo a sua compreensatildeo proacutepria e investimento de validade subjetiva mas como uma rede de pragmata ou seja entes que se abrem originariamente em funccedilatildeo das possibili‑

129 SuZ 12130 Cf A Diemer Edmund Husserl Versuch einer systematischen Darstellung seiner

Phaumlnomenologie Meisenheim am Glan 1965 esp 110 ‑113131 Cf SuZ 63 ‑64 84 ‑86

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dades do lidar ou de servir uns para os outros no uso quotidiano do ser ‑aiacute Para Heidegger o fenoacutemeno originaacuterio do sentido natildeo se daacute na consideraccedilatildeo teoreacutetica de entes simplesmente dados ou perante um sujeito mas no projeto significativo de cariz existencial do ser ‑aiacute A consideraccedilatildeo teoreacutetica abstrata ou cientiacutefica dos entes como coisas disponiacuteveis para a observaccedilatildeo da sua essecircncia e na sequecircncia disto disponiacuteveis para a manipulaccedilatildeo teacutecnica eacute expressamente considerada uma consideraccedilatildeo secundaacuteria e deficitaacuteria que soacute emerge com base na privaccedilatildeo da abertura originaacuteria de sentido132 Esta daacute ‑se natildeo como ser ‑simplesmente ‑dado (Vorhandensein) no modo do correlato da visatildeo teoacuterica objetivante mas como ser ‑agrave ‑matildeo (Zuhandensein) ou utensilidade Esta utensilidade soacute existe em funccedilatildeo do projeto do ser ‑aiacute o qual estaacute na conhecida expressatildeo de Heidegger sempre jaacute lanccedilado ou projetado com o significado de que natildeo haacute para o ser‑‑aiacute nenhum comeccedilo absoluto ou fonte transparente das significaccedilotildees contrariamente agraves pretensotildees da filosofia de Descartes a Husserl Pelo contraacuterio a reflexividade sobre si proacuteprio do ser ‑aiacute bem como a sua compreensatildeo estatildeo sempre limitadas por um horizonte que dir ‑se ‑ia o impede de ver a totalidade integral do sentido do ser que lhe eacute proacuteprio ou do ser em geral O ldquoestar lanccediladordquo diz tambeacutem da exposiccedilatildeo e abertura do ser ‑aiacute ao mundo ou seja da sua facticidade ou que ele natildeo se pode considerar jamais como fundamento daquilo que inversamente natildeo pode senatildeo antecedecirc ‑lo aleacutem de ser dado em cada caso incompletamente Aliaacutes o que a reflexatildeo lhe fornece natildeo eacute uma perspetiva integral completa e inabalaacutevel sobre o seu proacuteprio ser a sua verdade e validade evidentes conforme de um modo ou de outro foi tiacutepico da filosofia desde Descartes minus a uacutenica completude que eacute dada ao ser ‑aiacute pelo fato de no seu ser ldquoestar em jogo este mesmo serrdquo ou pela ldquoJemeinigkeitrdquo (ser ‑em ‑cada ‑caso ‑meu) proacuteprio do ser ‑aiacute eacute a do seu proacuteprio ser para a morte

132 SuZ 69 ‑71

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Estes dados apontam para a temporalidade como o fenoacutemeno central do ser ‑aiacute o que tem como consequecircncia teoacuterica justamente a perda da possibilidade de uma apreensatildeo integral do sentido do ser minus posto que haacute que repetir a temporalidade eacute a estrutura funda‑mental da existecircncia do ser ‑aiacute Este natildeo eacute como que um sujeito a que se acrescentasse como predicado a temporalidade minus esta constitui natildeo um predicado mas o seu modo existencial de acesso ao ldquoaiacuterdquo em que tem o seu ser ou nos termos que nos satildeo jaacute familiares agrave abertura do mundo Esta alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo do sentido do ser com que Heidegger pretende fazer deslocar dos seus gonzos toda a perspeti‑va ontoloacutegica da histoacuteria da filosofia anterior natildeo poderia deixar de ter consequecircncias para a compreensatildeo da linguagem Na abordagem de Ser e Tempo pelo signo eacute adquirida e assegurada ldquoantes de mais uma orientaccedilatildeo dentro do mundo circundanterdquo133 minus precisamente como se viu aquilo que segundo Husserl lhe retirava significado134 ldquoO signo (Zeichen) natildeo estaacute soacute agrave matildeo como outro utensiacutelio qualquer mas no seu estar ‑agrave ‑matildeo o mundo circundante se torna em cada caso expressamente acessiacutevel para a visatildeo em redor O signo eacute um ente onticamente agrave ‑matildeo que como [um] utensiacutelio determinado funciona simultaneamente como algo que anuncia a estrutura ontoloacutegica do ser ‑agrave ‑matildeo da totalidade de referecircncias e da mundaneidaderdquo135

O signo opera nestes termos ao niacutevel do contexto de referecircn‑cias do ser ‑agrave ‑matildeo dando acesso agrave totalidade dessas referecircncias e agrave proacutepria significatividade do mundo Natildeo seraacute possiacutevel aprofundar aqui a posiccedilatildeo heideggeriana para aleacutem das anotaccedilotildees que nos fazem remeter o significado para a noccedilatildeo de mundo e da orientaccedilatildeo do

133 ldquoes gewinnt vielmehr eine Orientierung innerhalb der Umweltrdquo (SuZ 79)134 Cf pp 51 e 52 supra135 ldquoDie Zeichen ist nicht nur zuhanden mit anderem Zeug sondern in seiner

Zuhandenheit wird die Umwelt je fuumlr die Umsicht ausdruumlcklich zuhanden Zeichen ist ein ontisch Zuhandenes das als dieses bestimmte Zeug zugleich als etwas fungiert was die ontologische Struktur der Zuhandenheit Verweisungsganzheit und Weltlichkeit anzeigtrdquo (SuZ 82)

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44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 11: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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empiacutericas ndash tudo o resto satildeo simples abreviaturas que se limitam a tornar a comunicaccedilatildeo mais expedita

A esta primeira tese empirista e criacutetica do mentalismo junta ‑se uma outra posiccedilatildeo que lhe fornece o seu meacutetodo de investigaccedilatildeo Segundo Tooke ldquoa etimologia nos daraacute em todas as liacutenguas o que a filosofia em vatildeo buscourdquo108 nomeadamente a definiccedilatildeo do estatuto e do signifi‑cado dos termos universais e a sua relaccedilatildeo com o pensamento e com a linguagem A investigaccedilatildeo etimoloacutegica seraacute ldquosuficiente para descartar aquela operaccedilatildeo imaginaacuteria da mente que se denominou abstraccedilatildeo e para provar que tudo o que chamamos por este nome eacute somente um dos dispositivos da linguagem com o fim de uma comunicaccedilatildeo mais expeditardquo109 Toda a investigaccedilatildeo concetual eacute substituiacuteda pela anaacutelise etimoloacutegica de significados com o resultado de que natildeo haacute conceito subjectivo mas um reenvio de toda a operaccedilatildeo significativa para a proacutepria linguagem e o seu desenvolvimento A etimologia permite a descoberta em todos os termos gerais abstratos adjetivos adveacuterbios e outros do substantivo concreto original e a reduccedilatildeo assim de todos os termos gerais e relacionais natildeo a atos do sujeito mas a uma operaccedilatildeo da proacutepria linguagem

25 O pensamento etimoloacutegico de Heidegger

Se a obra de Tooke estaacute longe das vias mais frequentadas da lin‑guiacutestica e da filosofia a sua abordagem aponta no entanto o caminho para a avaliaccedilatildeo do significado metodoloacutegico do apelo agrave etimologia que deixa uma marca no seacuteculo xx nomeadamente por intermeacutedio da filosofia tardia de Heidegger que a ela recorre com frequecircncia como fio heuriacutestico da sua investigaccedilatildeo A ideia do meacutetodo etimoloacutegico

108 EP 171109 EP 600

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em Tooke revestido ainda de um empirismo filosoficamente um tanto tosco ressurge com Heidegger com as suas consequecircncias filosoacuteficas subtilmente desenvolvidas como veremos em seguida Sobre o meacute‑todo etimoloacutegico escreve Heidegger numa Introduccedilatildeo agrave Filosofia de 1930 que ldquodeve observar ‑se que natildeo nos socorremos da etimologia para a partir da raiz das palavras concluir algo de originariamente nativo [Urwuumlchsiges] sobre o significado ndash um procedimento exposto a grande abuso e erros mas precisamente tambeacutem porque pode ser frutiacutefero se utilizado no lugar certo da maneira e nos limites corretos [] Tomamos a linguagem no seu todo como a revelaccedilatildeo originaacuteria do ente no meio do qual o homem existe o homem cujo relevo essencial eacute o de existir nesta revelaccedilatildeo na linguagemrdquo110

Heidegger serve ‑se na verdade da etimologia com mais frequecircncia do que parece admitir neste texto E diga ‑se igualmente que encon‑trar o limite e o lugar correto para o recurso agrave etimologia depende de que se entenda que de nada serviraacute buscarmos significados mais antigos para as palavras se tal busca natildeo for acompanhada de uma reflexatildeo sobre o proacuteprio significado em geral de uma modificaccedilatildeo da compreensatildeo do que eacute o significado ou porventura de uma reflexatildeo sobre o que significa significar Natildeo se trata de reduzir significados a outros mais simples e naturais proacuteximos das impressotildees originaacuterias que foram pouco a pouco substituiacutedos por uma falsa superestrutura cultural segundo o projeto de Tooke De pouco importa a antiguidade das palavras mas sim a explicitaccedilatildeo do que significa a manifestaccedilatildeo do ente em geral do proacuteprio ser da linguagem O problema do sig‑

110 ldquoEinmal ist zu beachten daszlig wir keine Etymologie zuhilfe gerufen haben um aus dem Wortstamm etwas Urwuumlchsiges fuumlr die Bedeutung zu erschlieszligen ndash ein Verfahren das groszligem Miszligbrauch und Irrtuumlmern ausgesetzt ist aber eben deshalb auch wenn am rechten Ort und in der rechten Weise und Grenze betreiben fruchtbar sein kann [] Wir haben die Sprache im Ganzen genommen als die urspruumlngliche Offenbarung des Seienden inmitten dessen der Mensch existiert der Mensch dessen Wesensaus‑zeichnung es ist in der Sprache in dieser Offenbarung zu existierenrdquo (Heidegger Vom Wesen der menschlichen Freiheit Einleitung in die Philosophie Gesamtausgabe Frankfurt aM 1976 ‑ [=GA] 31 53 ‑54)

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nificado das palavras deve antes do mais situar o homem no meio do ente ou seja mostrar o significado dessa revelaccedilatildeo

Encontramos na obra A Caminho da Linguagem111 de Heidegger enunciado o princiacutepio de compreensatildeo do significado princiacutepio que se ajusta agrave perfeiccedilatildeo ao meacutetodo etimoloacutegico O projeto eacute claro natildeo se trata ldquotanto de situar e discutir [a linguagem] mas de nos levar ao lugar da sua essecircnciardquo112 e esta conduccedilatildeo passa de modo algo estranho por uma repeticcedilatildeo de frases de tipo tautoloacutegico que veicu‑lam de iniacutecio muito pouco conteuacutedo significativo Assim ldquoa proacutepria linguagem eacute a linguagemraquo ao que acrescenta que laquoa inteligecircncia lo‑gicamente instruiacuteda [] chama a esta frase uma tautologia que nada dizrdquo113 e repete a frase ldquoa linguagem eacute linguagemrdquo114 para numa ligeira variaccedilatildeo apresentar o princiacutepio que referimos que mais do que repetir faz ressoar em poucas paacuteginas como um eco reflexivo cerca de quinze vezes ldquodie Sprache sprichtrdquo (ldquoa linguagem falardquo)115

Que teoria do significado se funda sobre este princiacutepio a laquolin‑guagem falaraquo Eacute dito que a linguagem natildeo eacute silenciosa muda e que se o falante pode falar eacute porque a linguagem tem sentido antes e independentemente dele Na conclusatildeo do seu curso sobre a Loacutegica como a Questatildeo pela Essecircncia da Linguagem de 1934 registaram os seus ouvintes que ldquoa essecircncia da linguagem natildeo se anuncia laacute onde ela eacute [] forccedilada como um meio de troca e degradada agrave mera expressatildeo de um denominado interiorrdquo116 A tese da instrumentalidade da lingua‑gem como meio de troca comunicativa entre o interior dos sujeitos

111 Martin Heidegger Unterwegs zur Sprache 1959 2003 [=UzS]112 ldquoDie Sprache eroumlrtern heiszligt nicht so sehr sie sondern uns an den Ort ihres

Wesens bringenrdquo (UzS 12)113 ldquoDie Sprache selbst ist die Sprache Der logisch geschulte [] Verstand nennt

diesen Satz eine nichtssagende Tautologierdquo (UzS 12)114 ldquoSprache ist Spracherdquo (UzS 13)115 ldquoDie Sprache sprichtrdquo (UzS 12 13 14 16 19 20 21 28 30 32 33)116 Idem Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 170

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requer justamente uma neutralidade significativa do proacuteprio instru‑mento para que possa anunciar algo a transparecircncia do sinal a sua natildeo ‑significatividade qua linguagem segundo podemos depreender principalmente de Saussure

No mesmo ano deste uacuteltimo curso citado de Heidegger de 1934 a jaacute referida Sprachtheorie de Karl Buumlhler117 apresenta de modo mais completo as diferentes funccedilotildees da linguagem como exposiccedilatildeo expres‑satildeo e apelo As duas primeiras ndash exposiccedilatildeo e expressatildeo ndash requerem precisamente a natildeo ‑significatividade do proacuteprio signo A exposiccedilatildeo de um estado de coisas requer que o instrumento significativo natildeo altere por significados proacuteprios e incontrolados a sua imagem linguiacutestica Do mesmo modo a expressatildeo do interior soacute eacute realizada por uma me‑diaccedilatildeo ela mesma natildeo falante plenamente transparente Eacute requerido que a linguagem ela proacutepria natildeo fale natildeo receba sentido para aleacutem do pretendido pelo sujeito falante Pelo contraacuterio o caraacutecter linguiacutestico da proacutepria linguagem abre a expressatildeo justamente ao processo infinito das interpretaccedilotildees A tese de que a linguagem fala diz natildeo soacute que a linguagem oferece resistecircncia significativa agrave expressatildeo ou agrave exposiccedilatildeo objetiva mas que em uacuteltima instacircncia e Heidegger eacute claro nisto natildeo eacute o falante que fala mas a proacutepria linguagem minus anulando ‑se o sujeito e a sua reflexatildeo como pretendida fonte do significado E Heidegger pergunta pelo sujeito presente no seu princiacutepio ldquoa linguagem fala A linguagem Natildeo o homemrdquo ldquoNa sua essecircncia a linguagem natildeo eacute nem expressatildeo nem uma atividade do homem A linguagem falardquo118 Na tese da subjetividade etimoloacutegica da linguagem reside que o fa‑lante quando fala diz inuacutemeras coisas que natildeo pode alcanccedilar na sua

117 K Buumlhler Sprachtheorie Die Darstellungsfunktion der Sprache Stuttgart 1999 v Habermas bdquoZur Kritik der Bedeutungstheorieldquo trad Paulo Rodrigues in Racionalidade e Comunicaccedilatildeo Lisboa 2002 149 ‑182

118 bdquoDie Sprache spricht Die Sprache Und nicht der Menschldquo (UzS 20) bdquoDie Sprache ist in ihrem Wesen weder Ausdruck noch eine Betaumltigung des Menschen Die Sprache sprichtldquo (UzS 19)

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reflexatildeo proacutepria de sujeito e que esta uacuteltima natildeo soacute natildeo pode ser fonte de significaccedilatildeo como tatildeo ‑pouco eacute capaz de abraccedilar em si mesma a determinaccedilatildeo proacutepria dos significados que enuncia Nisto se fundaraacute tambeacutem a hermenecircutica filosoacutefica119 E Heidegger insiste neste pon‑to na recusa da reflexatildeo como fio do pensamento120 tese cujas bases teoacutericas estatildeo no conceito de finitude e de temporalidade assumidos pelo autor conceitos a que faremos ainda referecircncia mais abaixo Em uacuteltima instacircncia segundo a tese da etimologia natildeo se pode dizer que o falante como indiviacuteduo saiba efetivamente o que diz O princiacutepio ldquoa linguagem falardquo cuja repeticcedilatildeo faacute ‑lo justamente perder o sentido para o falante ndash no fenoacutemeno psicoloacutegico que todos conhecemos de esvaziamento do significado pela repeticcedilatildeo de uma palavra ndash deve ser suficiente para estabelecer uma compreensatildeo da linguagem oposta a toda a filosofia moderna do juiacutezo cuja forccedila ilocucionaacuteria lhe eacute confe‑rida por um ato da vontade do sujeito que assere ou daacute consentimento ao ser ou natildeo ‑ser predicativo O que eacute dito natildeo estaacute depositado na pretensa representaccedilatildeo ou imagem mental interior do sujeito defi‑nida por exemplo nos termos de Saussure ldquoo signo linguiacutestico natildeo une uma coisa e um nome mas um conceito e uma imagem acuacutestica [Se] arbor eacute chamado um signo soacute o eacute enquanto conteacutem o conceito aacutervore []rdquo121 Segundo Heidegger o significativo da linguagem estaacute depositado no proacuteprio significante natildeo no significado nas palavras e natildeo justamente no conceito como quer que se queira compreender o conceito O significado estaacute esquecido aleacutem disso por um uso habitual demasiadas vezes repetido ou feito a partir de um mundo ou de condiccedilotildees existenciais que jaacute natildeo correspondem agravequelas que davam originalmente significado agraves palavras A validade do meacutetodo

119 Vg Gadamer opcit 108 361 ‑364120 Cf Heidegger Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 53 58121 ldquole signe linguistique unit non une chose et un nom mais un concept et une

image acoustique [Si] arbor est appeleacute signe ce nrsquoest qursquoen tant qursquoil porte le concept lsquoarbrersquo []rdquo (CLG 98 ‑99)

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etimoloacutegico pressupotildee que haacute um sentido original e que esse sentido estaacute esquecido perdido ndash o que corresponde com alguma precisatildeo agrave tese de Heidegger acerca do esquecimento do ser a rememorar pela linguagem poeacutetica que natildeo deixa adormecer o significado pela repeti‑ccedilatildeo habitual122 Eacute assim dito acrescente ‑se que as geraccedilotildees transmitem sucessivamente uma mensagem original nas palavras agora natildeo soacute aladas como tambeacutem falantes que permanece por decifrar e que as proacuteprias geraccedilotildees ignoram que ao falar transmitem algo que natildeo mais entendem e que Heidegger viraacute a denominar o ldquoenviordquo ou mensagem do ser A expressatildeo comum ldquoeles natildeo sabem o que dizemrdquo ganha assim plausibilidade e o seu sentido torna ‑se mais claro pela etimologia e pelo princiacutepio de que ldquoa linguagem falardquo Segundo Heidegger ldquofala‑mos da linguagem na permanente aparecircncia de falar somente sobre a linguagem quando falamos jaacute a partir da linguagemrdquo123 sendo pois a reflexividade linguiacutestica do sujeito substituiacuteda por uma outra fonte de sentido que excede os limites da reflexatildeo

A etimologia erigida em meacutetodo e sistema filosoacutefico eacute uma versatildeo linguiacutestica da tese da alienaccedilatildeo geral da consciecircncia histoacuterica que encontramos no seacuteculo xx em autores como Heidegger que procurou rememorar o esquecimento do ser Adorno com a sua dialeacutetica do esclarecimento124 que parece encontrar na civilizaccedilatildeo uma forma de insuperaacutevel negatividade e mesmo Husserl na jaacute referida A Crise das Ciecircncias Filosoacuteficas por exemplo

Por oposiccedilatildeo a esta tese segundo a qual o significado eacute assumido pela proacutepria linguagem que fala e se potildee no lugar do falante enten‑demos assim do modo mais claro os motivos do aforismo do poeta que talvez mais sistematicamente reivindicou para si e investigou a

122 V o claacutessico de Ricoeur A Metaacutefora Viva trad J T Costa e A M Magalhatildees Porto 1983 151 476 ‑478

123 Heidegger UzS 191124 Adorno Horkheimer Dialektik der Aufklaumlrung Philosophische Fragmente in

Adorno Gesammelte Schrifte Band 3 Frankfurt a M 1996

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subjetividade e a reflexatildeo conforme lemos no Livro do Desassossego ldquoEu natildeo escrevo em portuguecircs Escrevo eu mesmordquo125

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica

O desenvolvimento por Heidegger de uma filosofia que poderiacutea‑mos considerar etimologicamente fundada que desapossa o sujeito da atividade de criaccedilatildeo e apreensatildeo de significado eacute antecedida por todo um questionamento de cariz bastante diverso acerca das condi‑ccedilotildees de fenomenalizaccedilatildeo do ser em Ser e Tempo de 1927126 A condiccedilatildeo primeira do fenoacutemeno eacute o ldquoDaseinrdquo ou ldquoser ‑aiacuterdquo que Heidegger define como o ente para o qual ldquono seu ser estaacute em causa este mesmo serrdquo127 Toda a investigaccedilatildeo estaacute centrada nesta caracteriacutestica do ser de um determinado ente o ser ‑aiacute para o qual visto nele estar sempre em causa o seu proacuteprio ser haacute mais do que somente um ambiente que o circunda um mundo O ser ‑aiacute eacute nos termos de Heidegger laquoo aiacute do serraquo128 o que significa lugar de manifestaccedilatildeo do sentido do ser Segundo as coordenadas da filosofia fenomenoloacutegica coordenadas que Heidegger alega seguir transformando ‑as no sentido de uma fenomenologia hermenecircutica o ser eacute entendido sobretudo como sen‑tido o que se caracteriza pelo ser ‑no ‑mundo como condiccedilatildeo baacutesica da existecircncia do ser ‑aiacute Existecircncia significa aqui natildeo a simples posiccedilatildeo de um ente na realidade mas dir ‑se ‑ia exteriorizaccedilatildeo do ser como manifestaccedilatildeo que justamente o ser ‑aiacute apreende como a questatildeo pelo

125 Fernando Pessoa Livro do Desassossego ed R Zenith Lisboa 1998 391 V os Capiacutetulos 5 e 6 infra

126 V n 47 supra Sobre este tema cf M Caron Heidegger Penseacutee de lrsquoecirctre et origine de la subjectiviteacute Paris 2005 773 ‑812 e o Capiacutetulo 4 infra

127 rdquoin seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo (Heidegger SuZ 12)128 SuZ 12

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seu proacuteprio ser A investigaccedilatildeo pelo sentido desenrolar ‑se ‑aacute como a investigaccedilatildeo das condiccedilotildees existenciais do ser ‑aiacute e da abertura para ele de um mundo O ser ‑aiacute natildeo pode ser entendido somente como um ente entre os outros dada a sua caracteriacutestica proacutepria de ldquoexistir ontologicamenterdquo129 A sua caracteriacutestica ocircntica aquilo que ele eacute como ente eacute existir ontologicamente ou seja dar ‑se num domiacutenio de sentido de ser que ele sempre jaacute compreendeu A viragem hermenecircutica da fenomenologia reforccedila a noccedilatildeo fenomenoloacutegica original da indagaccedilatildeo pelo significado ou sentido em que o fenoacutemeno em geral e em di‑versas modalidades se daacute Se no entanto como se viu as conclusotildees de Husserl natildeo apontaram para o desenvolvimento de uma filosofia da linguagem como ontologia ou filosofia primeira mas antes para o aprofundamento do tema do sujeito ante ‑predicativo e ante ‑linguiacutestico onde se encontra a evidecircncia do sentido130 as conclusotildees de Heidegger apoacutes aquilo que ele mesmo explicaraacute como uma ldquoviragemrdquo do seu pensamento vatildeo apontar para os desenvolvimentos de uma filosofia da linguagem nos moldes jaacute aflorados

O sentido desta viragem ldquoa caminho da linguagemrdquo estatildeo jaacute da‑dos ateacute certo ponto nos desenvolvimentos de Ser e Tempo Heidegger investiga aqui a fonte do significado das palavras no fenoacutemeno que denomina como significatividade Esta designa antes de mais um todo de referecircncias ou contexto que o ser ‑aiacute encontra natildeo soacute no mundo mas como o seu mundo131 Este contexto de referecircncias e totalidade de reenvios natildeo eacute um conjunto de coisas entendido nem extensivamente nem mesmo segundo a sua compreensatildeo proacutepria e investimento de validade subjetiva mas como uma rede de pragmata ou seja entes que se abrem originariamente em funccedilatildeo das possibili‑

129 SuZ 12130 Cf A Diemer Edmund Husserl Versuch einer systematischen Darstellung seiner

Phaumlnomenologie Meisenheim am Glan 1965 esp 110 ‑113131 Cf SuZ 63 ‑64 84 ‑86

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dades do lidar ou de servir uns para os outros no uso quotidiano do ser ‑aiacute Para Heidegger o fenoacutemeno originaacuterio do sentido natildeo se daacute na consideraccedilatildeo teoreacutetica de entes simplesmente dados ou perante um sujeito mas no projeto significativo de cariz existencial do ser ‑aiacute A consideraccedilatildeo teoreacutetica abstrata ou cientiacutefica dos entes como coisas disponiacuteveis para a observaccedilatildeo da sua essecircncia e na sequecircncia disto disponiacuteveis para a manipulaccedilatildeo teacutecnica eacute expressamente considerada uma consideraccedilatildeo secundaacuteria e deficitaacuteria que soacute emerge com base na privaccedilatildeo da abertura originaacuteria de sentido132 Esta daacute ‑se natildeo como ser ‑simplesmente ‑dado (Vorhandensein) no modo do correlato da visatildeo teoacuterica objetivante mas como ser ‑agrave ‑matildeo (Zuhandensein) ou utensilidade Esta utensilidade soacute existe em funccedilatildeo do projeto do ser ‑aiacute o qual estaacute na conhecida expressatildeo de Heidegger sempre jaacute lanccedilado ou projetado com o significado de que natildeo haacute para o ser‑‑aiacute nenhum comeccedilo absoluto ou fonte transparente das significaccedilotildees contrariamente agraves pretensotildees da filosofia de Descartes a Husserl Pelo contraacuterio a reflexividade sobre si proacuteprio do ser ‑aiacute bem como a sua compreensatildeo estatildeo sempre limitadas por um horizonte que dir ‑se ‑ia o impede de ver a totalidade integral do sentido do ser que lhe eacute proacuteprio ou do ser em geral O ldquoestar lanccediladordquo diz tambeacutem da exposiccedilatildeo e abertura do ser ‑aiacute ao mundo ou seja da sua facticidade ou que ele natildeo se pode considerar jamais como fundamento daquilo que inversamente natildeo pode senatildeo antecedecirc ‑lo aleacutem de ser dado em cada caso incompletamente Aliaacutes o que a reflexatildeo lhe fornece natildeo eacute uma perspetiva integral completa e inabalaacutevel sobre o seu proacuteprio ser a sua verdade e validade evidentes conforme de um modo ou de outro foi tiacutepico da filosofia desde Descartes minus a uacutenica completude que eacute dada ao ser ‑aiacute pelo fato de no seu ser ldquoestar em jogo este mesmo serrdquo ou pela ldquoJemeinigkeitrdquo (ser ‑em ‑cada ‑caso ‑meu) proacuteprio do ser ‑aiacute eacute a do seu proacuteprio ser para a morte

132 SuZ 69 ‑71

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Estes dados apontam para a temporalidade como o fenoacutemeno central do ser ‑aiacute o que tem como consequecircncia teoacuterica justamente a perda da possibilidade de uma apreensatildeo integral do sentido do ser minus posto que haacute que repetir a temporalidade eacute a estrutura funda‑mental da existecircncia do ser ‑aiacute Este natildeo eacute como que um sujeito a que se acrescentasse como predicado a temporalidade minus esta constitui natildeo um predicado mas o seu modo existencial de acesso ao ldquoaiacuterdquo em que tem o seu ser ou nos termos que nos satildeo jaacute familiares agrave abertura do mundo Esta alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo do sentido do ser com que Heidegger pretende fazer deslocar dos seus gonzos toda a perspeti‑va ontoloacutegica da histoacuteria da filosofia anterior natildeo poderia deixar de ter consequecircncias para a compreensatildeo da linguagem Na abordagem de Ser e Tempo pelo signo eacute adquirida e assegurada ldquoantes de mais uma orientaccedilatildeo dentro do mundo circundanterdquo133 minus precisamente como se viu aquilo que segundo Husserl lhe retirava significado134 ldquoO signo (Zeichen) natildeo estaacute soacute agrave matildeo como outro utensiacutelio qualquer mas no seu estar ‑agrave ‑matildeo o mundo circundante se torna em cada caso expressamente acessiacutevel para a visatildeo em redor O signo eacute um ente onticamente agrave ‑matildeo que como [um] utensiacutelio determinado funciona simultaneamente como algo que anuncia a estrutura ontoloacutegica do ser ‑agrave ‑matildeo da totalidade de referecircncias e da mundaneidaderdquo135

O signo opera nestes termos ao niacutevel do contexto de referecircn‑cias do ser ‑agrave ‑matildeo dando acesso agrave totalidade dessas referecircncias e agrave proacutepria significatividade do mundo Natildeo seraacute possiacutevel aprofundar aqui a posiccedilatildeo heideggeriana para aleacutem das anotaccedilotildees que nos fazem remeter o significado para a noccedilatildeo de mundo e da orientaccedilatildeo do

133 ldquoes gewinnt vielmehr eine Orientierung innerhalb der Umweltrdquo (SuZ 79)134 Cf pp 51 e 52 supra135 ldquoDie Zeichen ist nicht nur zuhanden mit anderem Zeug sondern in seiner

Zuhandenheit wird die Umwelt je fuumlr die Umsicht ausdruumlcklich zuhanden Zeichen ist ein ontisch Zuhandenes das als dieses bestimmte Zeug zugleich als etwas fungiert was die ontologische Struktur der Zuhandenheit Verweisungsganzheit und Weltlichkeit anzeigtrdquo (SuZ 82)

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44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 12: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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em Tooke revestido ainda de um empirismo filosoficamente um tanto tosco ressurge com Heidegger com as suas consequecircncias filosoacuteficas subtilmente desenvolvidas como veremos em seguida Sobre o meacute‑todo etimoloacutegico escreve Heidegger numa Introduccedilatildeo agrave Filosofia de 1930 que ldquodeve observar ‑se que natildeo nos socorremos da etimologia para a partir da raiz das palavras concluir algo de originariamente nativo [Urwuumlchsiges] sobre o significado ndash um procedimento exposto a grande abuso e erros mas precisamente tambeacutem porque pode ser frutiacutefero se utilizado no lugar certo da maneira e nos limites corretos [] Tomamos a linguagem no seu todo como a revelaccedilatildeo originaacuteria do ente no meio do qual o homem existe o homem cujo relevo essencial eacute o de existir nesta revelaccedilatildeo na linguagemrdquo110

Heidegger serve ‑se na verdade da etimologia com mais frequecircncia do que parece admitir neste texto E diga ‑se igualmente que encon‑trar o limite e o lugar correto para o recurso agrave etimologia depende de que se entenda que de nada serviraacute buscarmos significados mais antigos para as palavras se tal busca natildeo for acompanhada de uma reflexatildeo sobre o proacuteprio significado em geral de uma modificaccedilatildeo da compreensatildeo do que eacute o significado ou porventura de uma reflexatildeo sobre o que significa significar Natildeo se trata de reduzir significados a outros mais simples e naturais proacuteximos das impressotildees originaacuterias que foram pouco a pouco substituiacutedos por uma falsa superestrutura cultural segundo o projeto de Tooke De pouco importa a antiguidade das palavras mas sim a explicitaccedilatildeo do que significa a manifestaccedilatildeo do ente em geral do proacuteprio ser da linguagem O problema do sig‑

110 ldquoEinmal ist zu beachten daszlig wir keine Etymologie zuhilfe gerufen haben um aus dem Wortstamm etwas Urwuumlchsiges fuumlr die Bedeutung zu erschlieszligen ndash ein Verfahren das groszligem Miszligbrauch und Irrtuumlmern ausgesetzt ist aber eben deshalb auch wenn am rechten Ort und in der rechten Weise und Grenze betreiben fruchtbar sein kann [] Wir haben die Sprache im Ganzen genommen als die urspruumlngliche Offenbarung des Seienden inmitten dessen der Mensch existiert der Mensch dessen Wesensaus‑zeichnung es ist in der Sprache in dieser Offenbarung zu existierenrdquo (Heidegger Vom Wesen der menschlichen Freiheit Einleitung in die Philosophie Gesamtausgabe Frankfurt aM 1976 ‑ [=GA] 31 53 ‑54)

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nificado das palavras deve antes do mais situar o homem no meio do ente ou seja mostrar o significado dessa revelaccedilatildeo

Encontramos na obra A Caminho da Linguagem111 de Heidegger enunciado o princiacutepio de compreensatildeo do significado princiacutepio que se ajusta agrave perfeiccedilatildeo ao meacutetodo etimoloacutegico O projeto eacute claro natildeo se trata ldquotanto de situar e discutir [a linguagem] mas de nos levar ao lugar da sua essecircnciardquo112 e esta conduccedilatildeo passa de modo algo estranho por uma repeticcedilatildeo de frases de tipo tautoloacutegico que veicu‑lam de iniacutecio muito pouco conteuacutedo significativo Assim ldquoa proacutepria linguagem eacute a linguagemraquo ao que acrescenta que laquoa inteligecircncia lo‑gicamente instruiacuteda [] chama a esta frase uma tautologia que nada dizrdquo113 e repete a frase ldquoa linguagem eacute linguagemrdquo114 para numa ligeira variaccedilatildeo apresentar o princiacutepio que referimos que mais do que repetir faz ressoar em poucas paacuteginas como um eco reflexivo cerca de quinze vezes ldquodie Sprache sprichtrdquo (ldquoa linguagem falardquo)115

Que teoria do significado se funda sobre este princiacutepio a laquolin‑guagem falaraquo Eacute dito que a linguagem natildeo eacute silenciosa muda e que se o falante pode falar eacute porque a linguagem tem sentido antes e independentemente dele Na conclusatildeo do seu curso sobre a Loacutegica como a Questatildeo pela Essecircncia da Linguagem de 1934 registaram os seus ouvintes que ldquoa essecircncia da linguagem natildeo se anuncia laacute onde ela eacute [] forccedilada como um meio de troca e degradada agrave mera expressatildeo de um denominado interiorrdquo116 A tese da instrumentalidade da lingua‑gem como meio de troca comunicativa entre o interior dos sujeitos

111 Martin Heidegger Unterwegs zur Sprache 1959 2003 [=UzS]112 ldquoDie Sprache eroumlrtern heiszligt nicht so sehr sie sondern uns an den Ort ihres

Wesens bringenrdquo (UzS 12)113 ldquoDie Sprache selbst ist die Sprache Der logisch geschulte [] Verstand nennt

diesen Satz eine nichtssagende Tautologierdquo (UzS 12)114 ldquoSprache ist Spracherdquo (UzS 13)115 ldquoDie Sprache sprichtrdquo (UzS 12 13 14 16 19 20 21 28 30 32 33)116 Idem Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 170

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requer justamente uma neutralidade significativa do proacuteprio instru‑mento para que possa anunciar algo a transparecircncia do sinal a sua natildeo ‑significatividade qua linguagem segundo podemos depreender principalmente de Saussure

No mesmo ano deste uacuteltimo curso citado de Heidegger de 1934 a jaacute referida Sprachtheorie de Karl Buumlhler117 apresenta de modo mais completo as diferentes funccedilotildees da linguagem como exposiccedilatildeo expres‑satildeo e apelo As duas primeiras ndash exposiccedilatildeo e expressatildeo ndash requerem precisamente a natildeo ‑significatividade do proacuteprio signo A exposiccedilatildeo de um estado de coisas requer que o instrumento significativo natildeo altere por significados proacuteprios e incontrolados a sua imagem linguiacutestica Do mesmo modo a expressatildeo do interior soacute eacute realizada por uma me‑diaccedilatildeo ela mesma natildeo falante plenamente transparente Eacute requerido que a linguagem ela proacutepria natildeo fale natildeo receba sentido para aleacutem do pretendido pelo sujeito falante Pelo contraacuterio o caraacutecter linguiacutestico da proacutepria linguagem abre a expressatildeo justamente ao processo infinito das interpretaccedilotildees A tese de que a linguagem fala diz natildeo soacute que a linguagem oferece resistecircncia significativa agrave expressatildeo ou agrave exposiccedilatildeo objetiva mas que em uacuteltima instacircncia e Heidegger eacute claro nisto natildeo eacute o falante que fala mas a proacutepria linguagem minus anulando ‑se o sujeito e a sua reflexatildeo como pretendida fonte do significado E Heidegger pergunta pelo sujeito presente no seu princiacutepio ldquoa linguagem fala A linguagem Natildeo o homemrdquo ldquoNa sua essecircncia a linguagem natildeo eacute nem expressatildeo nem uma atividade do homem A linguagem falardquo118 Na tese da subjetividade etimoloacutegica da linguagem reside que o fa‑lante quando fala diz inuacutemeras coisas que natildeo pode alcanccedilar na sua

117 K Buumlhler Sprachtheorie Die Darstellungsfunktion der Sprache Stuttgart 1999 v Habermas bdquoZur Kritik der Bedeutungstheorieldquo trad Paulo Rodrigues in Racionalidade e Comunicaccedilatildeo Lisboa 2002 149 ‑182

118 bdquoDie Sprache spricht Die Sprache Und nicht der Menschldquo (UzS 20) bdquoDie Sprache ist in ihrem Wesen weder Ausdruck noch eine Betaumltigung des Menschen Die Sprache sprichtldquo (UzS 19)

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reflexatildeo proacutepria de sujeito e que esta uacuteltima natildeo soacute natildeo pode ser fonte de significaccedilatildeo como tatildeo ‑pouco eacute capaz de abraccedilar em si mesma a determinaccedilatildeo proacutepria dos significados que enuncia Nisto se fundaraacute tambeacutem a hermenecircutica filosoacutefica119 E Heidegger insiste neste pon‑to na recusa da reflexatildeo como fio do pensamento120 tese cujas bases teoacutericas estatildeo no conceito de finitude e de temporalidade assumidos pelo autor conceitos a que faremos ainda referecircncia mais abaixo Em uacuteltima instacircncia segundo a tese da etimologia natildeo se pode dizer que o falante como indiviacuteduo saiba efetivamente o que diz O princiacutepio ldquoa linguagem falardquo cuja repeticcedilatildeo faacute ‑lo justamente perder o sentido para o falante ndash no fenoacutemeno psicoloacutegico que todos conhecemos de esvaziamento do significado pela repeticcedilatildeo de uma palavra ndash deve ser suficiente para estabelecer uma compreensatildeo da linguagem oposta a toda a filosofia moderna do juiacutezo cuja forccedila ilocucionaacuteria lhe eacute confe‑rida por um ato da vontade do sujeito que assere ou daacute consentimento ao ser ou natildeo ‑ser predicativo O que eacute dito natildeo estaacute depositado na pretensa representaccedilatildeo ou imagem mental interior do sujeito defi‑nida por exemplo nos termos de Saussure ldquoo signo linguiacutestico natildeo une uma coisa e um nome mas um conceito e uma imagem acuacutestica [Se] arbor eacute chamado um signo soacute o eacute enquanto conteacutem o conceito aacutervore []rdquo121 Segundo Heidegger o significativo da linguagem estaacute depositado no proacuteprio significante natildeo no significado nas palavras e natildeo justamente no conceito como quer que se queira compreender o conceito O significado estaacute esquecido aleacutem disso por um uso habitual demasiadas vezes repetido ou feito a partir de um mundo ou de condiccedilotildees existenciais que jaacute natildeo correspondem agravequelas que davam originalmente significado agraves palavras A validade do meacutetodo

119 Vg Gadamer opcit 108 361 ‑364120 Cf Heidegger Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 53 58121 ldquole signe linguistique unit non une chose et un nom mais un concept et une

image acoustique [Si] arbor est appeleacute signe ce nrsquoest qursquoen tant qursquoil porte le concept lsquoarbrersquo []rdquo (CLG 98 ‑99)

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etimoloacutegico pressupotildee que haacute um sentido original e que esse sentido estaacute esquecido perdido ndash o que corresponde com alguma precisatildeo agrave tese de Heidegger acerca do esquecimento do ser a rememorar pela linguagem poeacutetica que natildeo deixa adormecer o significado pela repeti‑ccedilatildeo habitual122 Eacute assim dito acrescente ‑se que as geraccedilotildees transmitem sucessivamente uma mensagem original nas palavras agora natildeo soacute aladas como tambeacutem falantes que permanece por decifrar e que as proacuteprias geraccedilotildees ignoram que ao falar transmitem algo que natildeo mais entendem e que Heidegger viraacute a denominar o ldquoenviordquo ou mensagem do ser A expressatildeo comum ldquoeles natildeo sabem o que dizemrdquo ganha assim plausibilidade e o seu sentido torna ‑se mais claro pela etimologia e pelo princiacutepio de que ldquoa linguagem falardquo Segundo Heidegger ldquofala‑mos da linguagem na permanente aparecircncia de falar somente sobre a linguagem quando falamos jaacute a partir da linguagemrdquo123 sendo pois a reflexividade linguiacutestica do sujeito substituiacuteda por uma outra fonte de sentido que excede os limites da reflexatildeo

A etimologia erigida em meacutetodo e sistema filosoacutefico eacute uma versatildeo linguiacutestica da tese da alienaccedilatildeo geral da consciecircncia histoacuterica que encontramos no seacuteculo xx em autores como Heidegger que procurou rememorar o esquecimento do ser Adorno com a sua dialeacutetica do esclarecimento124 que parece encontrar na civilizaccedilatildeo uma forma de insuperaacutevel negatividade e mesmo Husserl na jaacute referida A Crise das Ciecircncias Filosoacuteficas por exemplo

Por oposiccedilatildeo a esta tese segundo a qual o significado eacute assumido pela proacutepria linguagem que fala e se potildee no lugar do falante enten‑demos assim do modo mais claro os motivos do aforismo do poeta que talvez mais sistematicamente reivindicou para si e investigou a

122 V o claacutessico de Ricoeur A Metaacutefora Viva trad J T Costa e A M Magalhatildees Porto 1983 151 476 ‑478

123 Heidegger UzS 191124 Adorno Horkheimer Dialektik der Aufklaumlrung Philosophische Fragmente in

Adorno Gesammelte Schrifte Band 3 Frankfurt a M 1996

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subjetividade e a reflexatildeo conforme lemos no Livro do Desassossego ldquoEu natildeo escrevo em portuguecircs Escrevo eu mesmordquo125

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica

O desenvolvimento por Heidegger de uma filosofia que poderiacutea‑mos considerar etimologicamente fundada que desapossa o sujeito da atividade de criaccedilatildeo e apreensatildeo de significado eacute antecedida por todo um questionamento de cariz bastante diverso acerca das condi‑ccedilotildees de fenomenalizaccedilatildeo do ser em Ser e Tempo de 1927126 A condiccedilatildeo primeira do fenoacutemeno eacute o ldquoDaseinrdquo ou ldquoser ‑aiacuterdquo que Heidegger define como o ente para o qual ldquono seu ser estaacute em causa este mesmo serrdquo127 Toda a investigaccedilatildeo estaacute centrada nesta caracteriacutestica do ser de um determinado ente o ser ‑aiacute para o qual visto nele estar sempre em causa o seu proacuteprio ser haacute mais do que somente um ambiente que o circunda um mundo O ser ‑aiacute eacute nos termos de Heidegger laquoo aiacute do serraquo128 o que significa lugar de manifestaccedilatildeo do sentido do ser Segundo as coordenadas da filosofia fenomenoloacutegica coordenadas que Heidegger alega seguir transformando ‑as no sentido de uma fenomenologia hermenecircutica o ser eacute entendido sobretudo como sen‑tido o que se caracteriza pelo ser ‑no ‑mundo como condiccedilatildeo baacutesica da existecircncia do ser ‑aiacute Existecircncia significa aqui natildeo a simples posiccedilatildeo de um ente na realidade mas dir ‑se ‑ia exteriorizaccedilatildeo do ser como manifestaccedilatildeo que justamente o ser ‑aiacute apreende como a questatildeo pelo

125 Fernando Pessoa Livro do Desassossego ed R Zenith Lisboa 1998 391 V os Capiacutetulos 5 e 6 infra

126 V n 47 supra Sobre este tema cf M Caron Heidegger Penseacutee de lrsquoecirctre et origine de la subjectiviteacute Paris 2005 773 ‑812 e o Capiacutetulo 4 infra

127 rdquoin seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo (Heidegger SuZ 12)128 SuZ 12

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seu proacuteprio ser A investigaccedilatildeo pelo sentido desenrolar ‑se ‑aacute como a investigaccedilatildeo das condiccedilotildees existenciais do ser ‑aiacute e da abertura para ele de um mundo O ser ‑aiacute natildeo pode ser entendido somente como um ente entre os outros dada a sua caracteriacutestica proacutepria de ldquoexistir ontologicamenterdquo129 A sua caracteriacutestica ocircntica aquilo que ele eacute como ente eacute existir ontologicamente ou seja dar ‑se num domiacutenio de sentido de ser que ele sempre jaacute compreendeu A viragem hermenecircutica da fenomenologia reforccedila a noccedilatildeo fenomenoloacutegica original da indagaccedilatildeo pelo significado ou sentido em que o fenoacutemeno em geral e em di‑versas modalidades se daacute Se no entanto como se viu as conclusotildees de Husserl natildeo apontaram para o desenvolvimento de uma filosofia da linguagem como ontologia ou filosofia primeira mas antes para o aprofundamento do tema do sujeito ante ‑predicativo e ante ‑linguiacutestico onde se encontra a evidecircncia do sentido130 as conclusotildees de Heidegger apoacutes aquilo que ele mesmo explicaraacute como uma ldquoviragemrdquo do seu pensamento vatildeo apontar para os desenvolvimentos de uma filosofia da linguagem nos moldes jaacute aflorados

O sentido desta viragem ldquoa caminho da linguagemrdquo estatildeo jaacute da‑dos ateacute certo ponto nos desenvolvimentos de Ser e Tempo Heidegger investiga aqui a fonte do significado das palavras no fenoacutemeno que denomina como significatividade Esta designa antes de mais um todo de referecircncias ou contexto que o ser ‑aiacute encontra natildeo soacute no mundo mas como o seu mundo131 Este contexto de referecircncias e totalidade de reenvios natildeo eacute um conjunto de coisas entendido nem extensivamente nem mesmo segundo a sua compreensatildeo proacutepria e investimento de validade subjetiva mas como uma rede de pragmata ou seja entes que se abrem originariamente em funccedilatildeo das possibili‑

129 SuZ 12130 Cf A Diemer Edmund Husserl Versuch einer systematischen Darstellung seiner

Phaumlnomenologie Meisenheim am Glan 1965 esp 110 ‑113131 Cf SuZ 63 ‑64 84 ‑86

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dades do lidar ou de servir uns para os outros no uso quotidiano do ser ‑aiacute Para Heidegger o fenoacutemeno originaacuterio do sentido natildeo se daacute na consideraccedilatildeo teoreacutetica de entes simplesmente dados ou perante um sujeito mas no projeto significativo de cariz existencial do ser ‑aiacute A consideraccedilatildeo teoreacutetica abstrata ou cientiacutefica dos entes como coisas disponiacuteveis para a observaccedilatildeo da sua essecircncia e na sequecircncia disto disponiacuteveis para a manipulaccedilatildeo teacutecnica eacute expressamente considerada uma consideraccedilatildeo secundaacuteria e deficitaacuteria que soacute emerge com base na privaccedilatildeo da abertura originaacuteria de sentido132 Esta daacute ‑se natildeo como ser ‑simplesmente ‑dado (Vorhandensein) no modo do correlato da visatildeo teoacuterica objetivante mas como ser ‑agrave ‑matildeo (Zuhandensein) ou utensilidade Esta utensilidade soacute existe em funccedilatildeo do projeto do ser ‑aiacute o qual estaacute na conhecida expressatildeo de Heidegger sempre jaacute lanccedilado ou projetado com o significado de que natildeo haacute para o ser‑‑aiacute nenhum comeccedilo absoluto ou fonte transparente das significaccedilotildees contrariamente agraves pretensotildees da filosofia de Descartes a Husserl Pelo contraacuterio a reflexividade sobre si proacuteprio do ser ‑aiacute bem como a sua compreensatildeo estatildeo sempre limitadas por um horizonte que dir ‑se ‑ia o impede de ver a totalidade integral do sentido do ser que lhe eacute proacuteprio ou do ser em geral O ldquoestar lanccediladordquo diz tambeacutem da exposiccedilatildeo e abertura do ser ‑aiacute ao mundo ou seja da sua facticidade ou que ele natildeo se pode considerar jamais como fundamento daquilo que inversamente natildeo pode senatildeo antecedecirc ‑lo aleacutem de ser dado em cada caso incompletamente Aliaacutes o que a reflexatildeo lhe fornece natildeo eacute uma perspetiva integral completa e inabalaacutevel sobre o seu proacuteprio ser a sua verdade e validade evidentes conforme de um modo ou de outro foi tiacutepico da filosofia desde Descartes minus a uacutenica completude que eacute dada ao ser ‑aiacute pelo fato de no seu ser ldquoestar em jogo este mesmo serrdquo ou pela ldquoJemeinigkeitrdquo (ser ‑em ‑cada ‑caso ‑meu) proacuteprio do ser ‑aiacute eacute a do seu proacuteprio ser para a morte

132 SuZ 69 ‑71

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Estes dados apontam para a temporalidade como o fenoacutemeno central do ser ‑aiacute o que tem como consequecircncia teoacuterica justamente a perda da possibilidade de uma apreensatildeo integral do sentido do ser minus posto que haacute que repetir a temporalidade eacute a estrutura funda‑mental da existecircncia do ser ‑aiacute Este natildeo eacute como que um sujeito a que se acrescentasse como predicado a temporalidade minus esta constitui natildeo um predicado mas o seu modo existencial de acesso ao ldquoaiacuterdquo em que tem o seu ser ou nos termos que nos satildeo jaacute familiares agrave abertura do mundo Esta alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo do sentido do ser com que Heidegger pretende fazer deslocar dos seus gonzos toda a perspeti‑va ontoloacutegica da histoacuteria da filosofia anterior natildeo poderia deixar de ter consequecircncias para a compreensatildeo da linguagem Na abordagem de Ser e Tempo pelo signo eacute adquirida e assegurada ldquoantes de mais uma orientaccedilatildeo dentro do mundo circundanterdquo133 minus precisamente como se viu aquilo que segundo Husserl lhe retirava significado134 ldquoO signo (Zeichen) natildeo estaacute soacute agrave matildeo como outro utensiacutelio qualquer mas no seu estar ‑agrave ‑matildeo o mundo circundante se torna em cada caso expressamente acessiacutevel para a visatildeo em redor O signo eacute um ente onticamente agrave ‑matildeo que como [um] utensiacutelio determinado funciona simultaneamente como algo que anuncia a estrutura ontoloacutegica do ser ‑agrave ‑matildeo da totalidade de referecircncias e da mundaneidaderdquo135

O signo opera nestes termos ao niacutevel do contexto de referecircn‑cias do ser ‑agrave ‑matildeo dando acesso agrave totalidade dessas referecircncias e agrave proacutepria significatividade do mundo Natildeo seraacute possiacutevel aprofundar aqui a posiccedilatildeo heideggeriana para aleacutem das anotaccedilotildees que nos fazem remeter o significado para a noccedilatildeo de mundo e da orientaccedilatildeo do

133 ldquoes gewinnt vielmehr eine Orientierung innerhalb der Umweltrdquo (SuZ 79)134 Cf pp 51 e 52 supra135 ldquoDie Zeichen ist nicht nur zuhanden mit anderem Zeug sondern in seiner

Zuhandenheit wird die Umwelt je fuumlr die Umsicht ausdruumlcklich zuhanden Zeichen ist ein ontisch Zuhandenes das als dieses bestimmte Zeug zugleich als etwas fungiert was die ontologische Struktur der Zuhandenheit Verweisungsganzheit und Weltlichkeit anzeigtrdquo (SuZ 82)

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44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 13: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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nificado das palavras deve antes do mais situar o homem no meio do ente ou seja mostrar o significado dessa revelaccedilatildeo

Encontramos na obra A Caminho da Linguagem111 de Heidegger enunciado o princiacutepio de compreensatildeo do significado princiacutepio que se ajusta agrave perfeiccedilatildeo ao meacutetodo etimoloacutegico O projeto eacute claro natildeo se trata ldquotanto de situar e discutir [a linguagem] mas de nos levar ao lugar da sua essecircnciardquo112 e esta conduccedilatildeo passa de modo algo estranho por uma repeticcedilatildeo de frases de tipo tautoloacutegico que veicu‑lam de iniacutecio muito pouco conteuacutedo significativo Assim ldquoa proacutepria linguagem eacute a linguagemraquo ao que acrescenta que laquoa inteligecircncia lo‑gicamente instruiacuteda [] chama a esta frase uma tautologia que nada dizrdquo113 e repete a frase ldquoa linguagem eacute linguagemrdquo114 para numa ligeira variaccedilatildeo apresentar o princiacutepio que referimos que mais do que repetir faz ressoar em poucas paacuteginas como um eco reflexivo cerca de quinze vezes ldquodie Sprache sprichtrdquo (ldquoa linguagem falardquo)115

Que teoria do significado se funda sobre este princiacutepio a laquolin‑guagem falaraquo Eacute dito que a linguagem natildeo eacute silenciosa muda e que se o falante pode falar eacute porque a linguagem tem sentido antes e independentemente dele Na conclusatildeo do seu curso sobre a Loacutegica como a Questatildeo pela Essecircncia da Linguagem de 1934 registaram os seus ouvintes que ldquoa essecircncia da linguagem natildeo se anuncia laacute onde ela eacute [] forccedilada como um meio de troca e degradada agrave mera expressatildeo de um denominado interiorrdquo116 A tese da instrumentalidade da lingua‑gem como meio de troca comunicativa entre o interior dos sujeitos

111 Martin Heidegger Unterwegs zur Sprache 1959 2003 [=UzS]112 ldquoDie Sprache eroumlrtern heiszligt nicht so sehr sie sondern uns an den Ort ihres

Wesens bringenrdquo (UzS 12)113 ldquoDie Sprache selbst ist die Sprache Der logisch geschulte [] Verstand nennt

diesen Satz eine nichtssagende Tautologierdquo (UzS 12)114 ldquoSprache ist Spracherdquo (UzS 13)115 ldquoDie Sprache sprichtrdquo (UzS 12 13 14 16 19 20 21 28 30 32 33)116 Idem Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 170

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requer justamente uma neutralidade significativa do proacuteprio instru‑mento para que possa anunciar algo a transparecircncia do sinal a sua natildeo ‑significatividade qua linguagem segundo podemos depreender principalmente de Saussure

No mesmo ano deste uacuteltimo curso citado de Heidegger de 1934 a jaacute referida Sprachtheorie de Karl Buumlhler117 apresenta de modo mais completo as diferentes funccedilotildees da linguagem como exposiccedilatildeo expres‑satildeo e apelo As duas primeiras ndash exposiccedilatildeo e expressatildeo ndash requerem precisamente a natildeo ‑significatividade do proacuteprio signo A exposiccedilatildeo de um estado de coisas requer que o instrumento significativo natildeo altere por significados proacuteprios e incontrolados a sua imagem linguiacutestica Do mesmo modo a expressatildeo do interior soacute eacute realizada por uma me‑diaccedilatildeo ela mesma natildeo falante plenamente transparente Eacute requerido que a linguagem ela proacutepria natildeo fale natildeo receba sentido para aleacutem do pretendido pelo sujeito falante Pelo contraacuterio o caraacutecter linguiacutestico da proacutepria linguagem abre a expressatildeo justamente ao processo infinito das interpretaccedilotildees A tese de que a linguagem fala diz natildeo soacute que a linguagem oferece resistecircncia significativa agrave expressatildeo ou agrave exposiccedilatildeo objetiva mas que em uacuteltima instacircncia e Heidegger eacute claro nisto natildeo eacute o falante que fala mas a proacutepria linguagem minus anulando ‑se o sujeito e a sua reflexatildeo como pretendida fonte do significado E Heidegger pergunta pelo sujeito presente no seu princiacutepio ldquoa linguagem fala A linguagem Natildeo o homemrdquo ldquoNa sua essecircncia a linguagem natildeo eacute nem expressatildeo nem uma atividade do homem A linguagem falardquo118 Na tese da subjetividade etimoloacutegica da linguagem reside que o fa‑lante quando fala diz inuacutemeras coisas que natildeo pode alcanccedilar na sua

117 K Buumlhler Sprachtheorie Die Darstellungsfunktion der Sprache Stuttgart 1999 v Habermas bdquoZur Kritik der Bedeutungstheorieldquo trad Paulo Rodrigues in Racionalidade e Comunicaccedilatildeo Lisboa 2002 149 ‑182

118 bdquoDie Sprache spricht Die Sprache Und nicht der Menschldquo (UzS 20) bdquoDie Sprache ist in ihrem Wesen weder Ausdruck noch eine Betaumltigung des Menschen Die Sprache sprichtldquo (UzS 19)

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reflexatildeo proacutepria de sujeito e que esta uacuteltima natildeo soacute natildeo pode ser fonte de significaccedilatildeo como tatildeo ‑pouco eacute capaz de abraccedilar em si mesma a determinaccedilatildeo proacutepria dos significados que enuncia Nisto se fundaraacute tambeacutem a hermenecircutica filosoacutefica119 E Heidegger insiste neste pon‑to na recusa da reflexatildeo como fio do pensamento120 tese cujas bases teoacutericas estatildeo no conceito de finitude e de temporalidade assumidos pelo autor conceitos a que faremos ainda referecircncia mais abaixo Em uacuteltima instacircncia segundo a tese da etimologia natildeo se pode dizer que o falante como indiviacuteduo saiba efetivamente o que diz O princiacutepio ldquoa linguagem falardquo cuja repeticcedilatildeo faacute ‑lo justamente perder o sentido para o falante ndash no fenoacutemeno psicoloacutegico que todos conhecemos de esvaziamento do significado pela repeticcedilatildeo de uma palavra ndash deve ser suficiente para estabelecer uma compreensatildeo da linguagem oposta a toda a filosofia moderna do juiacutezo cuja forccedila ilocucionaacuteria lhe eacute confe‑rida por um ato da vontade do sujeito que assere ou daacute consentimento ao ser ou natildeo ‑ser predicativo O que eacute dito natildeo estaacute depositado na pretensa representaccedilatildeo ou imagem mental interior do sujeito defi‑nida por exemplo nos termos de Saussure ldquoo signo linguiacutestico natildeo une uma coisa e um nome mas um conceito e uma imagem acuacutestica [Se] arbor eacute chamado um signo soacute o eacute enquanto conteacutem o conceito aacutervore []rdquo121 Segundo Heidegger o significativo da linguagem estaacute depositado no proacuteprio significante natildeo no significado nas palavras e natildeo justamente no conceito como quer que se queira compreender o conceito O significado estaacute esquecido aleacutem disso por um uso habitual demasiadas vezes repetido ou feito a partir de um mundo ou de condiccedilotildees existenciais que jaacute natildeo correspondem agravequelas que davam originalmente significado agraves palavras A validade do meacutetodo

119 Vg Gadamer opcit 108 361 ‑364120 Cf Heidegger Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 53 58121 ldquole signe linguistique unit non une chose et un nom mais un concept et une

image acoustique [Si] arbor est appeleacute signe ce nrsquoest qursquoen tant qursquoil porte le concept lsquoarbrersquo []rdquo (CLG 98 ‑99)

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etimoloacutegico pressupotildee que haacute um sentido original e que esse sentido estaacute esquecido perdido ndash o que corresponde com alguma precisatildeo agrave tese de Heidegger acerca do esquecimento do ser a rememorar pela linguagem poeacutetica que natildeo deixa adormecer o significado pela repeti‑ccedilatildeo habitual122 Eacute assim dito acrescente ‑se que as geraccedilotildees transmitem sucessivamente uma mensagem original nas palavras agora natildeo soacute aladas como tambeacutem falantes que permanece por decifrar e que as proacuteprias geraccedilotildees ignoram que ao falar transmitem algo que natildeo mais entendem e que Heidegger viraacute a denominar o ldquoenviordquo ou mensagem do ser A expressatildeo comum ldquoeles natildeo sabem o que dizemrdquo ganha assim plausibilidade e o seu sentido torna ‑se mais claro pela etimologia e pelo princiacutepio de que ldquoa linguagem falardquo Segundo Heidegger ldquofala‑mos da linguagem na permanente aparecircncia de falar somente sobre a linguagem quando falamos jaacute a partir da linguagemrdquo123 sendo pois a reflexividade linguiacutestica do sujeito substituiacuteda por uma outra fonte de sentido que excede os limites da reflexatildeo

A etimologia erigida em meacutetodo e sistema filosoacutefico eacute uma versatildeo linguiacutestica da tese da alienaccedilatildeo geral da consciecircncia histoacuterica que encontramos no seacuteculo xx em autores como Heidegger que procurou rememorar o esquecimento do ser Adorno com a sua dialeacutetica do esclarecimento124 que parece encontrar na civilizaccedilatildeo uma forma de insuperaacutevel negatividade e mesmo Husserl na jaacute referida A Crise das Ciecircncias Filosoacuteficas por exemplo

Por oposiccedilatildeo a esta tese segundo a qual o significado eacute assumido pela proacutepria linguagem que fala e se potildee no lugar do falante enten‑demos assim do modo mais claro os motivos do aforismo do poeta que talvez mais sistematicamente reivindicou para si e investigou a

122 V o claacutessico de Ricoeur A Metaacutefora Viva trad J T Costa e A M Magalhatildees Porto 1983 151 476 ‑478

123 Heidegger UzS 191124 Adorno Horkheimer Dialektik der Aufklaumlrung Philosophische Fragmente in

Adorno Gesammelte Schrifte Band 3 Frankfurt a M 1996

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subjetividade e a reflexatildeo conforme lemos no Livro do Desassossego ldquoEu natildeo escrevo em portuguecircs Escrevo eu mesmordquo125

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica

O desenvolvimento por Heidegger de uma filosofia que poderiacutea‑mos considerar etimologicamente fundada que desapossa o sujeito da atividade de criaccedilatildeo e apreensatildeo de significado eacute antecedida por todo um questionamento de cariz bastante diverso acerca das condi‑ccedilotildees de fenomenalizaccedilatildeo do ser em Ser e Tempo de 1927126 A condiccedilatildeo primeira do fenoacutemeno eacute o ldquoDaseinrdquo ou ldquoser ‑aiacuterdquo que Heidegger define como o ente para o qual ldquono seu ser estaacute em causa este mesmo serrdquo127 Toda a investigaccedilatildeo estaacute centrada nesta caracteriacutestica do ser de um determinado ente o ser ‑aiacute para o qual visto nele estar sempre em causa o seu proacuteprio ser haacute mais do que somente um ambiente que o circunda um mundo O ser ‑aiacute eacute nos termos de Heidegger laquoo aiacute do serraquo128 o que significa lugar de manifestaccedilatildeo do sentido do ser Segundo as coordenadas da filosofia fenomenoloacutegica coordenadas que Heidegger alega seguir transformando ‑as no sentido de uma fenomenologia hermenecircutica o ser eacute entendido sobretudo como sen‑tido o que se caracteriza pelo ser ‑no ‑mundo como condiccedilatildeo baacutesica da existecircncia do ser ‑aiacute Existecircncia significa aqui natildeo a simples posiccedilatildeo de um ente na realidade mas dir ‑se ‑ia exteriorizaccedilatildeo do ser como manifestaccedilatildeo que justamente o ser ‑aiacute apreende como a questatildeo pelo

125 Fernando Pessoa Livro do Desassossego ed R Zenith Lisboa 1998 391 V os Capiacutetulos 5 e 6 infra

126 V n 47 supra Sobre este tema cf M Caron Heidegger Penseacutee de lrsquoecirctre et origine de la subjectiviteacute Paris 2005 773 ‑812 e o Capiacutetulo 4 infra

127 rdquoin seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo (Heidegger SuZ 12)128 SuZ 12

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seu proacuteprio ser A investigaccedilatildeo pelo sentido desenrolar ‑se ‑aacute como a investigaccedilatildeo das condiccedilotildees existenciais do ser ‑aiacute e da abertura para ele de um mundo O ser ‑aiacute natildeo pode ser entendido somente como um ente entre os outros dada a sua caracteriacutestica proacutepria de ldquoexistir ontologicamenterdquo129 A sua caracteriacutestica ocircntica aquilo que ele eacute como ente eacute existir ontologicamente ou seja dar ‑se num domiacutenio de sentido de ser que ele sempre jaacute compreendeu A viragem hermenecircutica da fenomenologia reforccedila a noccedilatildeo fenomenoloacutegica original da indagaccedilatildeo pelo significado ou sentido em que o fenoacutemeno em geral e em di‑versas modalidades se daacute Se no entanto como se viu as conclusotildees de Husserl natildeo apontaram para o desenvolvimento de uma filosofia da linguagem como ontologia ou filosofia primeira mas antes para o aprofundamento do tema do sujeito ante ‑predicativo e ante ‑linguiacutestico onde se encontra a evidecircncia do sentido130 as conclusotildees de Heidegger apoacutes aquilo que ele mesmo explicaraacute como uma ldquoviragemrdquo do seu pensamento vatildeo apontar para os desenvolvimentos de uma filosofia da linguagem nos moldes jaacute aflorados

O sentido desta viragem ldquoa caminho da linguagemrdquo estatildeo jaacute da‑dos ateacute certo ponto nos desenvolvimentos de Ser e Tempo Heidegger investiga aqui a fonte do significado das palavras no fenoacutemeno que denomina como significatividade Esta designa antes de mais um todo de referecircncias ou contexto que o ser ‑aiacute encontra natildeo soacute no mundo mas como o seu mundo131 Este contexto de referecircncias e totalidade de reenvios natildeo eacute um conjunto de coisas entendido nem extensivamente nem mesmo segundo a sua compreensatildeo proacutepria e investimento de validade subjetiva mas como uma rede de pragmata ou seja entes que se abrem originariamente em funccedilatildeo das possibili‑

129 SuZ 12130 Cf A Diemer Edmund Husserl Versuch einer systematischen Darstellung seiner

Phaumlnomenologie Meisenheim am Glan 1965 esp 110 ‑113131 Cf SuZ 63 ‑64 84 ‑86

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dades do lidar ou de servir uns para os outros no uso quotidiano do ser ‑aiacute Para Heidegger o fenoacutemeno originaacuterio do sentido natildeo se daacute na consideraccedilatildeo teoreacutetica de entes simplesmente dados ou perante um sujeito mas no projeto significativo de cariz existencial do ser ‑aiacute A consideraccedilatildeo teoreacutetica abstrata ou cientiacutefica dos entes como coisas disponiacuteveis para a observaccedilatildeo da sua essecircncia e na sequecircncia disto disponiacuteveis para a manipulaccedilatildeo teacutecnica eacute expressamente considerada uma consideraccedilatildeo secundaacuteria e deficitaacuteria que soacute emerge com base na privaccedilatildeo da abertura originaacuteria de sentido132 Esta daacute ‑se natildeo como ser ‑simplesmente ‑dado (Vorhandensein) no modo do correlato da visatildeo teoacuterica objetivante mas como ser ‑agrave ‑matildeo (Zuhandensein) ou utensilidade Esta utensilidade soacute existe em funccedilatildeo do projeto do ser ‑aiacute o qual estaacute na conhecida expressatildeo de Heidegger sempre jaacute lanccedilado ou projetado com o significado de que natildeo haacute para o ser‑‑aiacute nenhum comeccedilo absoluto ou fonte transparente das significaccedilotildees contrariamente agraves pretensotildees da filosofia de Descartes a Husserl Pelo contraacuterio a reflexividade sobre si proacuteprio do ser ‑aiacute bem como a sua compreensatildeo estatildeo sempre limitadas por um horizonte que dir ‑se ‑ia o impede de ver a totalidade integral do sentido do ser que lhe eacute proacuteprio ou do ser em geral O ldquoestar lanccediladordquo diz tambeacutem da exposiccedilatildeo e abertura do ser ‑aiacute ao mundo ou seja da sua facticidade ou que ele natildeo se pode considerar jamais como fundamento daquilo que inversamente natildeo pode senatildeo antecedecirc ‑lo aleacutem de ser dado em cada caso incompletamente Aliaacutes o que a reflexatildeo lhe fornece natildeo eacute uma perspetiva integral completa e inabalaacutevel sobre o seu proacuteprio ser a sua verdade e validade evidentes conforme de um modo ou de outro foi tiacutepico da filosofia desde Descartes minus a uacutenica completude que eacute dada ao ser ‑aiacute pelo fato de no seu ser ldquoestar em jogo este mesmo serrdquo ou pela ldquoJemeinigkeitrdquo (ser ‑em ‑cada ‑caso ‑meu) proacuteprio do ser ‑aiacute eacute a do seu proacuteprio ser para a morte

132 SuZ 69 ‑71

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Estes dados apontam para a temporalidade como o fenoacutemeno central do ser ‑aiacute o que tem como consequecircncia teoacuterica justamente a perda da possibilidade de uma apreensatildeo integral do sentido do ser minus posto que haacute que repetir a temporalidade eacute a estrutura funda‑mental da existecircncia do ser ‑aiacute Este natildeo eacute como que um sujeito a que se acrescentasse como predicado a temporalidade minus esta constitui natildeo um predicado mas o seu modo existencial de acesso ao ldquoaiacuterdquo em que tem o seu ser ou nos termos que nos satildeo jaacute familiares agrave abertura do mundo Esta alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo do sentido do ser com que Heidegger pretende fazer deslocar dos seus gonzos toda a perspeti‑va ontoloacutegica da histoacuteria da filosofia anterior natildeo poderia deixar de ter consequecircncias para a compreensatildeo da linguagem Na abordagem de Ser e Tempo pelo signo eacute adquirida e assegurada ldquoantes de mais uma orientaccedilatildeo dentro do mundo circundanterdquo133 minus precisamente como se viu aquilo que segundo Husserl lhe retirava significado134 ldquoO signo (Zeichen) natildeo estaacute soacute agrave matildeo como outro utensiacutelio qualquer mas no seu estar ‑agrave ‑matildeo o mundo circundante se torna em cada caso expressamente acessiacutevel para a visatildeo em redor O signo eacute um ente onticamente agrave ‑matildeo que como [um] utensiacutelio determinado funciona simultaneamente como algo que anuncia a estrutura ontoloacutegica do ser ‑agrave ‑matildeo da totalidade de referecircncias e da mundaneidaderdquo135

O signo opera nestes termos ao niacutevel do contexto de referecircn‑cias do ser ‑agrave ‑matildeo dando acesso agrave totalidade dessas referecircncias e agrave proacutepria significatividade do mundo Natildeo seraacute possiacutevel aprofundar aqui a posiccedilatildeo heideggeriana para aleacutem das anotaccedilotildees que nos fazem remeter o significado para a noccedilatildeo de mundo e da orientaccedilatildeo do

133 ldquoes gewinnt vielmehr eine Orientierung innerhalb der Umweltrdquo (SuZ 79)134 Cf pp 51 e 52 supra135 ldquoDie Zeichen ist nicht nur zuhanden mit anderem Zeug sondern in seiner

Zuhandenheit wird die Umwelt je fuumlr die Umsicht ausdruumlcklich zuhanden Zeichen ist ein ontisch Zuhandenes das als dieses bestimmte Zeug zugleich als etwas fungiert was die ontologische Struktur der Zuhandenheit Verweisungsganzheit und Weltlichkeit anzeigtrdquo (SuZ 82)

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44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 14: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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requer justamente uma neutralidade significativa do proacuteprio instru‑mento para que possa anunciar algo a transparecircncia do sinal a sua natildeo ‑significatividade qua linguagem segundo podemos depreender principalmente de Saussure

No mesmo ano deste uacuteltimo curso citado de Heidegger de 1934 a jaacute referida Sprachtheorie de Karl Buumlhler117 apresenta de modo mais completo as diferentes funccedilotildees da linguagem como exposiccedilatildeo expres‑satildeo e apelo As duas primeiras ndash exposiccedilatildeo e expressatildeo ndash requerem precisamente a natildeo ‑significatividade do proacuteprio signo A exposiccedilatildeo de um estado de coisas requer que o instrumento significativo natildeo altere por significados proacuteprios e incontrolados a sua imagem linguiacutestica Do mesmo modo a expressatildeo do interior soacute eacute realizada por uma me‑diaccedilatildeo ela mesma natildeo falante plenamente transparente Eacute requerido que a linguagem ela proacutepria natildeo fale natildeo receba sentido para aleacutem do pretendido pelo sujeito falante Pelo contraacuterio o caraacutecter linguiacutestico da proacutepria linguagem abre a expressatildeo justamente ao processo infinito das interpretaccedilotildees A tese de que a linguagem fala diz natildeo soacute que a linguagem oferece resistecircncia significativa agrave expressatildeo ou agrave exposiccedilatildeo objetiva mas que em uacuteltima instacircncia e Heidegger eacute claro nisto natildeo eacute o falante que fala mas a proacutepria linguagem minus anulando ‑se o sujeito e a sua reflexatildeo como pretendida fonte do significado E Heidegger pergunta pelo sujeito presente no seu princiacutepio ldquoa linguagem fala A linguagem Natildeo o homemrdquo ldquoNa sua essecircncia a linguagem natildeo eacute nem expressatildeo nem uma atividade do homem A linguagem falardquo118 Na tese da subjetividade etimoloacutegica da linguagem reside que o fa‑lante quando fala diz inuacutemeras coisas que natildeo pode alcanccedilar na sua

117 K Buumlhler Sprachtheorie Die Darstellungsfunktion der Sprache Stuttgart 1999 v Habermas bdquoZur Kritik der Bedeutungstheorieldquo trad Paulo Rodrigues in Racionalidade e Comunicaccedilatildeo Lisboa 2002 149 ‑182

118 bdquoDie Sprache spricht Die Sprache Und nicht der Menschldquo (UzS 20) bdquoDie Sprache ist in ihrem Wesen weder Ausdruck noch eine Betaumltigung des Menschen Die Sprache sprichtldquo (UzS 19)

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reflexatildeo proacutepria de sujeito e que esta uacuteltima natildeo soacute natildeo pode ser fonte de significaccedilatildeo como tatildeo ‑pouco eacute capaz de abraccedilar em si mesma a determinaccedilatildeo proacutepria dos significados que enuncia Nisto se fundaraacute tambeacutem a hermenecircutica filosoacutefica119 E Heidegger insiste neste pon‑to na recusa da reflexatildeo como fio do pensamento120 tese cujas bases teoacutericas estatildeo no conceito de finitude e de temporalidade assumidos pelo autor conceitos a que faremos ainda referecircncia mais abaixo Em uacuteltima instacircncia segundo a tese da etimologia natildeo se pode dizer que o falante como indiviacuteduo saiba efetivamente o que diz O princiacutepio ldquoa linguagem falardquo cuja repeticcedilatildeo faacute ‑lo justamente perder o sentido para o falante ndash no fenoacutemeno psicoloacutegico que todos conhecemos de esvaziamento do significado pela repeticcedilatildeo de uma palavra ndash deve ser suficiente para estabelecer uma compreensatildeo da linguagem oposta a toda a filosofia moderna do juiacutezo cuja forccedila ilocucionaacuteria lhe eacute confe‑rida por um ato da vontade do sujeito que assere ou daacute consentimento ao ser ou natildeo ‑ser predicativo O que eacute dito natildeo estaacute depositado na pretensa representaccedilatildeo ou imagem mental interior do sujeito defi‑nida por exemplo nos termos de Saussure ldquoo signo linguiacutestico natildeo une uma coisa e um nome mas um conceito e uma imagem acuacutestica [Se] arbor eacute chamado um signo soacute o eacute enquanto conteacutem o conceito aacutervore []rdquo121 Segundo Heidegger o significativo da linguagem estaacute depositado no proacuteprio significante natildeo no significado nas palavras e natildeo justamente no conceito como quer que se queira compreender o conceito O significado estaacute esquecido aleacutem disso por um uso habitual demasiadas vezes repetido ou feito a partir de um mundo ou de condiccedilotildees existenciais que jaacute natildeo correspondem agravequelas que davam originalmente significado agraves palavras A validade do meacutetodo

119 Vg Gadamer opcit 108 361 ‑364120 Cf Heidegger Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 53 58121 ldquole signe linguistique unit non une chose et un nom mais un concept et une

image acoustique [Si] arbor est appeleacute signe ce nrsquoest qursquoen tant qursquoil porte le concept lsquoarbrersquo []rdquo (CLG 98 ‑99)

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etimoloacutegico pressupotildee que haacute um sentido original e que esse sentido estaacute esquecido perdido ndash o que corresponde com alguma precisatildeo agrave tese de Heidegger acerca do esquecimento do ser a rememorar pela linguagem poeacutetica que natildeo deixa adormecer o significado pela repeti‑ccedilatildeo habitual122 Eacute assim dito acrescente ‑se que as geraccedilotildees transmitem sucessivamente uma mensagem original nas palavras agora natildeo soacute aladas como tambeacutem falantes que permanece por decifrar e que as proacuteprias geraccedilotildees ignoram que ao falar transmitem algo que natildeo mais entendem e que Heidegger viraacute a denominar o ldquoenviordquo ou mensagem do ser A expressatildeo comum ldquoeles natildeo sabem o que dizemrdquo ganha assim plausibilidade e o seu sentido torna ‑se mais claro pela etimologia e pelo princiacutepio de que ldquoa linguagem falardquo Segundo Heidegger ldquofala‑mos da linguagem na permanente aparecircncia de falar somente sobre a linguagem quando falamos jaacute a partir da linguagemrdquo123 sendo pois a reflexividade linguiacutestica do sujeito substituiacuteda por uma outra fonte de sentido que excede os limites da reflexatildeo

A etimologia erigida em meacutetodo e sistema filosoacutefico eacute uma versatildeo linguiacutestica da tese da alienaccedilatildeo geral da consciecircncia histoacuterica que encontramos no seacuteculo xx em autores como Heidegger que procurou rememorar o esquecimento do ser Adorno com a sua dialeacutetica do esclarecimento124 que parece encontrar na civilizaccedilatildeo uma forma de insuperaacutevel negatividade e mesmo Husserl na jaacute referida A Crise das Ciecircncias Filosoacuteficas por exemplo

Por oposiccedilatildeo a esta tese segundo a qual o significado eacute assumido pela proacutepria linguagem que fala e se potildee no lugar do falante enten‑demos assim do modo mais claro os motivos do aforismo do poeta que talvez mais sistematicamente reivindicou para si e investigou a

122 V o claacutessico de Ricoeur A Metaacutefora Viva trad J T Costa e A M Magalhatildees Porto 1983 151 476 ‑478

123 Heidegger UzS 191124 Adorno Horkheimer Dialektik der Aufklaumlrung Philosophische Fragmente in

Adorno Gesammelte Schrifte Band 3 Frankfurt a M 1996

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subjetividade e a reflexatildeo conforme lemos no Livro do Desassossego ldquoEu natildeo escrevo em portuguecircs Escrevo eu mesmordquo125

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica

O desenvolvimento por Heidegger de uma filosofia que poderiacutea‑mos considerar etimologicamente fundada que desapossa o sujeito da atividade de criaccedilatildeo e apreensatildeo de significado eacute antecedida por todo um questionamento de cariz bastante diverso acerca das condi‑ccedilotildees de fenomenalizaccedilatildeo do ser em Ser e Tempo de 1927126 A condiccedilatildeo primeira do fenoacutemeno eacute o ldquoDaseinrdquo ou ldquoser ‑aiacuterdquo que Heidegger define como o ente para o qual ldquono seu ser estaacute em causa este mesmo serrdquo127 Toda a investigaccedilatildeo estaacute centrada nesta caracteriacutestica do ser de um determinado ente o ser ‑aiacute para o qual visto nele estar sempre em causa o seu proacuteprio ser haacute mais do que somente um ambiente que o circunda um mundo O ser ‑aiacute eacute nos termos de Heidegger laquoo aiacute do serraquo128 o que significa lugar de manifestaccedilatildeo do sentido do ser Segundo as coordenadas da filosofia fenomenoloacutegica coordenadas que Heidegger alega seguir transformando ‑as no sentido de uma fenomenologia hermenecircutica o ser eacute entendido sobretudo como sen‑tido o que se caracteriza pelo ser ‑no ‑mundo como condiccedilatildeo baacutesica da existecircncia do ser ‑aiacute Existecircncia significa aqui natildeo a simples posiccedilatildeo de um ente na realidade mas dir ‑se ‑ia exteriorizaccedilatildeo do ser como manifestaccedilatildeo que justamente o ser ‑aiacute apreende como a questatildeo pelo

125 Fernando Pessoa Livro do Desassossego ed R Zenith Lisboa 1998 391 V os Capiacutetulos 5 e 6 infra

126 V n 47 supra Sobre este tema cf M Caron Heidegger Penseacutee de lrsquoecirctre et origine de la subjectiviteacute Paris 2005 773 ‑812 e o Capiacutetulo 4 infra

127 rdquoin seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo (Heidegger SuZ 12)128 SuZ 12

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seu proacuteprio ser A investigaccedilatildeo pelo sentido desenrolar ‑se ‑aacute como a investigaccedilatildeo das condiccedilotildees existenciais do ser ‑aiacute e da abertura para ele de um mundo O ser ‑aiacute natildeo pode ser entendido somente como um ente entre os outros dada a sua caracteriacutestica proacutepria de ldquoexistir ontologicamenterdquo129 A sua caracteriacutestica ocircntica aquilo que ele eacute como ente eacute existir ontologicamente ou seja dar ‑se num domiacutenio de sentido de ser que ele sempre jaacute compreendeu A viragem hermenecircutica da fenomenologia reforccedila a noccedilatildeo fenomenoloacutegica original da indagaccedilatildeo pelo significado ou sentido em que o fenoacutemeno em geral e em di‑versas modalidades se daacute Se no entanto como se viu as conclusotildees de Husserl natildeo apontaram para o desenvolvimento de uma filosofia da linguagem como ontologia ou filosofia primeira mas antes para o aprofundamento do tema do sujeito ante ‑predicativo e ante ‑linguiacutestico onde se encontra a evidecircncia do sentido130 as conclusotildees de Heidegger apoacutes aquilo que ele mesmo explicaraacute como uma ldquoviragemrdquo do seu pensamento vatildeo apontar para os desenvolvimentos de uma filosofia da linguagem nos moldes jaacute aflorados

O sentido desta viragem ldquoa caminho da linguagemrdquo estatildeo jaacute da‑dos ateacute certo ponto nos desenvolvimentos de Ser e Tempo Heidegger investiga aqui a fonte do significado das palavras no fenoacutemeno que denomina como significatividade Esta designa antes de mais um todo de referecircncias ou contexto que o ser ‑aiacute encontra natildeo soacute no mundo mas como o seu mundo131 Este contexto de referecircncias e totalidade de reenvios natildeo eacute um conjunto de coisas entendido nem extensivamente nem mesmo segundo a sua compreensatildeo proacutepria e investimento de validade subjetiva mas como uma rede de pragmata ou seja entes que se abrem originariamente em funccedilatildeo das possibili‑

129 SuZ 12130 Cf A Diemer Edmund Husserl Versuch einer systematischen Darstellung seiner

Phaumlnomenologie Meisenheim am Glan 1965 esp 110 ‑113131 Cf SuZ 63 ‑64 84 ‑86

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dades do lidar ou de servir uns para os outros no uso quotidiano do ser ‑aiacute Para Heidegger o fenoacutemeno originaacuterio do sentido natildeo se daacute na consideraccedilatildeo teoreacutetica de entes simplesmente dados ou perante um sujeito mas no projeto significativo de cariz existencial do ser ‑aiacute A consideraccedilatildeo teoreacutetica abstrata ou cientiacutefica dos entes como coisas disponiacuteveis para a observaccedilatildeo da sua essecircncia e na sequecircncia disto disponiacuteveis para a manipulaccedilatildeo teacutecnica eacute expressamente considerada uma consideraccedilatildeo secundaacuteria e deficitaacuteria que soacute emerge com base na privaccedilatildeo da abertura originaacuteria de sentido132 Esta daacute ‑se natildeo como ser ‑simplesmente ‑dado (Vorhandensein) no modo do correlato da visatildeo teoacuterica objetivante mas como ser ‑agrave ‑matildeo (Zuhandensein) ou utensilidade Esta utensilidade soacute existe em funccedilatildeo do projeto do ser ‑aiacute o qual estaacute na conhecida expressatildeo de Heidegger sempre jaacute lanccedilado ou projetado com o significado de que natildeo haacute para o ser‑‑aiacute nenhum comeccedilo absoluto ou fonte transparente das significaccedilotildees contrariamente agraves pretensotildees da filosofia de Descartes a Husserl Pelo contraacuterio a reflexividade sobre si proacuteprio do ser ‑aiacute bem como a sua compreensatildeo estatildeo sempre limitadas por um horizonte que dir ‑se ‑ia o impede de ver a totalidade integral do sentido do ser que lhe eacute proacuteprio ou do ser em geral O ldquoestar lanccediladordquo diz tambeacutem da exposiccedilatildeo e abertura do ser ‑aiacute ao mundo ou seja da sua facticidade ou que ele natildeo se pode considerar jamais como fundamento daquilo que inversamente natildeo pode senatildeo antecedecirc ‑lo aleacutem de ser dado em cada caso incompletamente Aliaacutes o que a reflexatildeo lhe fornece natildeo eacute uma perspetiva integral completa e inabalaacutevel sobre o seu proacuteprio ser a sua verdade e validade evidentes conforme de um modo ou de outro foi tiacutepico da filosofia desde Descartes minus a uacutenica completude que eacute dada ao ser ‑aiacute pelo fato de no seu ser ldquoestar em jogo este mesmo serrdquo ou pela ldquoJemeinigkeitrdquo (ser ‑em ‑cada ‑caso ‑meu) proacuteprio do ser ‑aiacute eacute a do seu proacuteprio ser para a morte

132 SuZ 69 ‑71

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Estes dados apontam para a temporalidade como o fenoacutemeno central do ser ‑aiacute o que tem como consequecircncia teoacuterica justamente a perda da possibilidade de uma apreensatildeo integral do sentido do ser minus posto que haacute que repetir a temporalidade eacute a estrutura funda‑mental da existecircncia do ser ‑aiacute Este natildeo eacute como que um sujeito a que se acrescentasse como predicado a temporalidade minus esta constitui natildeo um predicado mas o seu modo existencial de acesso ao ldquoaiacuterdquo em que tem o seu ser ou nos termos que nos satildeo jaacute familiares agrave abertura do mundo Esta alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo do sentido do ser com que Heidegger pretende fazer deslocar dos seus gonzos toda a perspeti‑va ontoloacutegica da histoacuteria da filosofia anterior natildeo poderia deixar de ter consequecircncias para a compreensatildeo da linguagem Na abordagem de Ser e Tempo pelo signo eacute adquirida e assegurada ldquoantes de mais uma orientaccedilatildeo dentro do mundo circundanterdquo133 minus precisamente como se viu aquilo que segundo Husserl lhe retirava significado134 ldquoO signo (Zeichen) natildeo estaacute soacute agrave matildeo como outro utensiacutelio qualquer mas no seu estar ‑agrave ‑matildeo o mundo circundante se torna em cada caso expressamente acessiacutevel para a visatildeo em redor O signo eacute um ente onticamente agrave ‑matildeo que como [um] utensiacutelio determinado funciona simultaneamente como algo que anuncia a estrutura ontoloacutegica do ser ‑agrave ‑matildeo da totalidade de referecircncias e da mundaneidaderdquo135

O signo opera nestes termos ao niacutevel do contexto de referecircn‑cias do ser ‑agrave ‑matildeo dando acesso agrave totalidade dessas referecircncias e agrave proacutepria significatividade do mundo Natildeo seraacute possiacutevel aprofundar aqui a posiccedilatildeo heideggeriana para aleacutem das anotaccedilotildees que nos fazem remeter o significado para a noccedilatildeo de mundo e da orientaccedilatildeo do

133 ldquoes gewinnt vielmehr eine Orientierung innerhalb der Umweltrdquo (SuZ 79)134 Cf pp 51 e 52 supra135 ldquoDie Zeichen ist nicht nur zuhanden mit anderem Zeug sondern in seiner

Zuhandenheit wird die Umwelt je fuumlr die Umsicht ausdruumlcklich zuhanden Zeichen ist ein ontisch Zuhandenes das als dieses bestimmte Zeug zugleich als etwas fungiert was die ontologische Struktur der Zuhandenheit Verweisungsganzheit und Weltlichkeit anzeigtrdquo (SuZ 82)

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44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 15: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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reflexatildeo proacutepria de sujeito e que esta uacuteltima natildeo soacute natildeo pode ser fonte de significaccedilatildeo como tatildeo ‑pouco eacute capaz de abraccedilar em si mesma a determinaccedilatildeo proacutepria dos significados que enuncia Nisto se fundaraacute tambeacutem a hermenecircutica filosoacutefica119 E Heidegger insiste neste pon‑to na recusa da reflexatildeo como fio do pensamento120 tese cujas bases teoacutericas estatildeo no conceito de finitude e de temporalidade assumidos pelo autor conceitos a que faremos ainda referecircncia mais abaixo Em uacuteltima instacircncia segundo a tese da etimologia natildeo se pode dizer que o falante como indiviacuteduo saiba efetivamente o que diz O princiacutepio ldquoa linguagem falardquo cuja repeticcedilatildeo faacute ‑lo justamente perder o sentido para o falante ndash no fenoacutemeno psicoloacutegico que todos conhecemos de esvaziamento do significado pela repeticcedilatildeo de uma palavra ndash deve ser suficiente para estabelecer uma compreensatildeo da linguagem oposta a toda a filosofia moderna do juiacutezo cuja forccedila ilocucionaacuteria lhe eacute confe‑rida por um ato da vontade do sujeito que assere ou daacute consentimento ao ser ou natildeo ‑ser predicativo O que eacute dito natildeo estaacute depositado na pretensa representaccedilatildeo ou imagem mental interior do sujeito defi‑nida por exemplo nos termos de Saussure ldquoo signo linguiacutestico natildeo une uma coisa e um nome mas um conceito e uma imagem acuacutestica [Se] arbor eacute chamado um signo soacute o eacute enquanto conteacutem o conceito aacutervore []rdquo121 Segundo Heidegger o significativo da linguagem estaacute depositado no proacuteprio significante natildeo no significado nas palavras e natildeo justamente no conceito como quer que se queira compreender o conceito O significado estaacute esquecido aleacutem disso por um uso habitual demasiadas vezes repetido ou feito a partir de um mundo ou de condiccedilotildees existenciais que jaacute natildeo correspondem agravequelas que davam originalmente significado agraves palavras A validade do meacutetodo

119 Vg Gadamer opcit 108 361 ‑364120 Cf Heidegger Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache GA 38 53 58121 ldquole signe linguistique unit non une chose et un nom mais un concept et une

image acoustique [Si] arbor est appeleacute signe ce nrsquoest qursquoen tant qursquoil porte le concept lsquoarbrersquo []rdquo (CLG 98 ‑99)

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etimoloacutegico pressupotildee que haacute um sentido original e que esse sentido estaacute esquecido perdido ndash o que corresponde com alguma precisatildeo agrave tese de Heidegger acerca do esquecimento do ser a rememorar pela linguagem poeacutetica que natildeo deixa adormecer o significado pela repeti‑ccedilatildeo habitual122 Eacute assim dito acrescente ‑se que as geraccedilotildees transmitem sucessivamente uma mensagem original nas palavras agora natildeo soacute aladas como tambeacutem falantes que permanece por decifrar e que as proacuteprias geraccedilotildees ignoram que ao falar transmitem algo que natildeo mais entendem e que Heidegger viraacute a denominar o ldquoenviordquo ou mensagem do ser A expressatildeo comum ldquoeles natildeo sabem o que dizemrdquo ganha assim plausibilidade e o seu sentido torna ‑se mais claro pela etimologia e pelo princiacutepio de que ldquoa linguagem falardquo Segundo Heidegger ldquofala‑mos da linguagem na permanente aparecircncia de falar somente sobre a linguagem quando falamos jaacute a partir da linguagemrdquo123 sendo pois a reflexividade linguiacutestica do sujeito substituiacuteda por uma outra fonte de sentido que excede os limites da reflexatildeo

A etimologia erigida em meacutetodo e sistema filosoacutefico eacute uma versatildeo linguiacutestica da tese da alienaccedilatildeo geral da consciecircncia histoacuterica que encontramos no seacuteculo xx em autores como Heidegger que procurou rememorar o esquecimento do ser Adorno com a sua dialeacutetica do esclarecimento124 que parece encontrar na civilizaccedilatildeo uma forma de insuperaacutevel negatividade e mesmo Husserl na jaacute referida A Crise das Ciecircncias Filosoacuteficas por exemplo

Por oposiccedilatildeo a esta tese segundo a qual o significado eacute assumido pela proacutepria linguagem que fala e se potildee no lugar do falante enten‑demos assim do modo mais claro os motivos do aforismo do poeta que talvez mais sistematicamente reivindicou para si e investigou a

122 V o claacutessico de Ricoeur A Metaacutefora Viva trad J T Costa e A M Magalhatildees Porto 1983 151 476 ‑478

123 Heidegger UzS 191124 Adorno Horkheimer Dialektik der Aufklaumlrung Philosophische Fragmente in

Adorno Gesammelte Schrifte Band 3 Frankfurt a M 1996

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subjetividade e a reflexatildeo conforme lemos no Livro do Desassossego ldquoEu natildeo escrevo em portuguecircs Escrevo eu mesmordquo125

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica

O desenvolvimento por Heidegger de uma filosofia que poderiacutea‑mos considerar etimologicamente fundada que desapossa o sujeito da atividade de criaccedilatildeo e apreensatildeo de significado eacute antecedida por todo um questionamento de cariz bastante diverso acerca das condi‑ccedilotildees de fenomenalizaccedilatildeo do ser em Ser e Tempo de 1927126 A condiccedilatildeo primeira do fenoacutemeno eacute o ldquoDaseinrdquo ou ldquoser ‑aiacuterdquo que Heidegger define como o ente para o qual ldquono seu ser estaacute em causa este mesmo serrdquo127 Toda a investigaccedilatildeo estaacute centrada nesta caracteriacutestica do ser de um determinado ente o ser ‑aiacute para o qual visto nele estar sempre em causa o seu proacuteprio ser haacute mais do que somente um ambiente que o circunda um mundo O ser ‑aiacute eacute nos termos de Heidegger laquoo aiacute do serraquo128 o que significa lugar de manifestaccedilatildeo do sentido do ser Segundo as coordenadas da filosofia fenomenoloacutegica coordenadas que Heidegger alega seguir transformando ‑as no sentido de uma fenomenologia hermenecircutica o ser eacute entendido sobretudo como sen‑tido o que se caracteriza pelo ser ‑no ‑mundo como condiccedilatildeo baacutesica da existecircncia do ser ‑aiacute Existecircncia significa aqui natildeo a simples posiccedilatildeo de um ente na realidade mas dir ‑se ‑ia exteriorizaccedilatildeo do ser como manifestaccedilatildeo que justamente o ser ‑aiacute apreende como a questatildeo pelo

125 Fernando Pessoa Livro do Desassossego ed R Zenith Lisboa 1998 391 V os Capiacutetulos 5 e 6 infra

126 V n 47 supra Sobre este tema cf M Caron Heidegger Penseacutee de lrsquoecirctre et origine de la subjectiviteacute Paris 2005 773 ‑812 e o Capiacutetulo 4 infra

127 rdquoin seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo (Heidegger SuZ 12)128 SuZ 12

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seu proacuteprio ser A investigaccedilatildeo pelo sentido desenrolar ‑se ‑aacute como a investigaccedilatildeo das condiccedilotildees existenciais do ser ‑aiacute e da abertura para ele de um mundo O ser ‑aiacute natildeo pode ser entendido somente como um ente entre os outros dada a sua caracteriacutestica proacutepria de ldquoexistir ontologicamenterdquo129 A sua caracteriacutestica ocircntica aquilo que ele eacute como ente eacute existir ontologicamente ou seja dar ‑se num domiacutenio de sentido de ser que ele sempre jaacute compreendeu A viragem hermenecircutica da fenomenologia reforccedila a noccedilatildeo fenomenoloacutegica original da indagaccedilatildeo pelo significado ou sentido em que o fenoacutemeno em geral e em di‑versas modalidades se daacute Se no entanto como se viu as conclusotildees de Husserl natildeo apontaram para o desenvolvimento de uma filosofia da linguagem como ontologia ou filosofia primeira mas antes para o aprofundamento do tema do sujeito ante ‑predicativo e ante ‑linguiacutestico onde se encontra a evidecircncia do sentido130 as conclusotildees de Heidegger apoacutes aquilo que ele mesmo explicaraacute como uma ldquoviragemrdquo do seu pensamento vatildeo apontar para os desenvolvimentos de uma filosofia da linguagem nos moldes jaacute aflorados

O sentido desta viragem ldquoa caminho da linguagemrdquo estatildeo jaacute da‑dos ateacute certo ponto nos desenvolvimentos de Ser e Tempo Heidegger investiga aqui a fonte do significado das palavras no fenoacutemeno que denomina como significatividade Esta designa antes de mais um todo de referecircncias ou contexto que o ser ‑aiacute encontra natildeo soacute no mundo mas como o seu mundo131 Este contexto de referecircncias e totalidade de reenvios natildeo eacute um conjunto de coisas entendido nem extensivamente nem mesmo segundo a sua compreensatildeo proacutepria e investimento de validade subjetiva mas como uma rede de pragmata ou seja entes que se abrem originariamente em funccedilatildeo das possibili‑

129 SuZ 12130 Cf A Diemer Edmund Husserl Versuch einer systematischen Darstellung seiner

Phaumlnomenologie Meisenheim am Glan 1965 esp 110 ‑113131 Cf SuZ 63 ‑64 84 ‑86

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dades do lidar ou de servir uns para os outros no uso quotidiano do ser ‑aiacute Para Heidegger o fenoacutemeno originaacuterio do sentido natildeo se daacute na consideraccedilatildeo teoreacutetica de entes simplesmente dados ou perante um sujeito mas no projeto significativo de cariz existencial do ser ‑aiacute A consideraccedilatildeo teoreacutetica abstrata ou cientiacutefica dos entes como coisas disponiacuteveis para a observaccedilatildeo da sua essecircncia e na sequecircncia disto disponiacuteveis para a manipulaccedilatildeo teacutecnica eacute expressamente considerada uma consideraccedilatildeo secundaacuteria e deficitaacuteria que soacute emerge com base na privaccedilatildeo da abertura originaacuteria de sentido132 Esta daacute ‑se natildeo como ser ‑simplesmente ‑dado (Vorhandensein) no modo do correlato da visatildeo teoacuterica objetivante mas como ser ‑agrave ‑matildeo (Zuhandensein) ou utensilidade Esta utensilidade soacute existe em funccedilatildeo do projeto do ser ‑aiacute o qual estaacute na conhecida expressatildeo de Heidegger sempre jaacute lanccedilado ou projetado com o significado de que natildeo haacute para o ser‑‑aiacute nenhum comeccedilo absoluto ou fonte transparente das significaccedilotildees contrariamente agraves pretensotildees da filosofia de Descartes a Husserl Pelo contraacuterio a reflexividade sobre si proacuteprio do ser ‑aiacute bem como a sua compreensatildeo estatildeo sempre limitadas por um horizonte que dir ‑se ‑ia o impede de ver a totalidade integral do sentido do ser que lhe eacute proacuteprio ou do ser em geral O ldquoestar lanccediladordquo diz tambeacutem da exposiccedilatildeo e abertura do ser ‑aiacute ao mundo ou seja da sua facticidade ou que ele natildeo se pode considerar jamais como fundamento daquilo que inversamente natildeo pode senatildeo antecedecirc ‑lo aleacutem de ser dado em cada caso incompletamente Aliaacutes o que a reflexatildeo lhe fornece natildeo eacute uma perspetiva integral completa e inabalaacutevel sobre o seu proacuteprio ser a sua verdade e validade evidentes conforme de um modo ou de outro foi tiacutepico da filosofia desde Descartes minus a uacutenica completude que eacute dada ao ser ‑aiacute pelo fato de no seu ser ldquoestar em jogo este mesmo serrdquo ou pela ldquoJemeinigkeitrdquo (ser ‑em ‑cada ‑caso ‑meu) proacuteprio do ser ‑aiacute eacute a do seu proacuteprio ser para a morte

132 SuZ 69 ‑71

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Estes dados apontam para a temporalidade como o fenoacutemeno central do ser ‑aiacute o que tem como consequecircncia teoacuterica justamente a perda da possibilidade de uma apreensatildeo integral do sentido do ser minus posto que haacute que repetir a temporalidade eacute a estrutura funda‑mental da existecircncia do ser ‑aiacute Este natildeo eacute como que um sujeito a que se acrescentasse como predicado a temporalidade minus esta constitui natildeo um predicado mas o seu modo existencial de acesso ao ldquoaiacuterdquo em que tem o seu ser ou nos termos que nos satildeo jaacute familiares agrave abertura do mundo Esta alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo do sentido do ser com que Heidegger pretende fazer deslocar dos seus gonzos toda a perspeti‑va ontoloacutegica da histoacuteria da filosofia anterior natildeo poderia deixar de ter consequecircncias para a compreensatildeo da linguagem Na abordagem de Ser e Tempo pelo signo eacute adquirida e assegurada ldquoantes de mais uma orientaccedilatildeo dentro do mundo circundanterdquo133 minus precisamente como se viu aquilo que segundo Husserl lhe retirava significado134 ldquoO signo (Zeichen) natildeo estaacute soacute agrave matildeo como outro utensiacutelio qualquer mas no seu estar ‑agrave ‑matildeo o mundo circundante se torna em cada caso expressamente acessiacutevel para a visatildeo em redor O signo eacute um ente onticamente agrave ‑matildeo que como [um] utensiacutelio determinado funciona simultaneamente como algo que anuncia a estrutura ontoloacutegica do ser ‑agrave ‑matildeo da totalidade de referecircncias e da mundaneidaderdquo135

O signo opera nestes termos ao niacutevel do contexto de referecircn‑cias do ser ‑agrave ‑matildeo dando acesso agrave totalidade dessas referecircncias e agrave proacutepria significatividade do mundo Natildeo seraacute possiacutevel aprofundar aqui a posiccedilatildeo heideggeriana para aleacutem das anotaccedilotildees que nos fazem remeter o significado para a noccedilatildeo de mundo e da orientaccedilatildeo do

133 ldquoes gewinnt vielmehr eine Orientierung innerhalb der Umweltrdquo (SuZ 79)134 Cf pp 51 e 52 supra135 ldquoDie Zeichen ist nicht nur zuhanden mit anderem Zeug sondern in seiner

Zuhandenheit wird die Umwelt je fuumlr die Umsicht ausdruumlcklich zuhanden Zeichen ist ein ontisch Zuhandenes das als dieses bestimmte Zeug zugleich als etwas fungiert was die ontologische Struktur der Zuhandenheit Verweisungsganzheit und Weltlichkeit anzeigtrdquo (SuZ 82)

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44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 16: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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etimoloacutegico pressupotildee que haacute um sentido original e que esse sentido estaacute esquecido perdido ndash o que corresponde com alguma precisatildeo agrave tese de Heidegger acerca do esquecimento do ser a rememorar pela linguagem poeacutetica que natildeo deixa adormecer o significado pela repeti‑ccedilatildeo habitual122 Eacute assim dito acrescente ‑se que as geraccedilotildees transmitem sucessivamente uma mensagem original nas palavras agora natildeo soacute aladas como tambeacutem falantes que permanece por decifrar e que as proacuteprias geraccedilotildees ignoram que ao falar transmitem algo que natildeo mais entendem e que Heidegger viraacute a denominar o ldquoenviordquo ou mensagem do ser A expressatildeo comum ldquoeles natildeo sabem o que dizemrdquo ganha assim plausibilidade e o seu sentido torna ‑se mais claro pela etimologia e pelo princiacutepio de que ldquoa linguagem falardquo Segundo Heidegger ldquofala‑mos da linguagem na permanente aparecircncia de falar somente sobre a linguagem quando falamos jaacute a partir da linguagemrdquo123 sendo pois a reflexividade linguiacutestica do sujeito substituiacuteda por uma outra fonte de sentido que excede os limites da reflexatildeo

A etimologia erigida em meacutetodo e sistema filosoacutefico eacute uma versatildeo linguiacutestica da tese da alienaccedilatildeo geral da consciecircncia histoacuterica que encontramos no seacuteculo xx em autores como Heidegger que procurou rememorar o esquecimento do ser Adorno com a sua dialeacutetica do esclarecimento124 que parece encontrar na civilizaccedilatildeo uma forma de insuperaacutevel negatividade e mesmo Husserl na jaacute referida A Crise das Ciecircncias Filosoacuteficas por exemplo

Por oposiccedilatildeo a esta tese segundo a qual o significado eacute assumido pela proacutepria linguagem que fala e se potildee no lugar do falante enten‑demos assim do modo mais claro os motivos do aforismo do poeta que talvez mais sistematicamente reivindicou para si e investigou a

122 V o claacutessico de Ricoeur A Metaacutefora Viva trad J T Costa e A M Magalhatildees Porto 1983 151 476 ‑478

123 Heidegger UzS 191124 Adorno Horkheimer Dialektik der Aufklaumlrung Philosophische Fragmente in

Adorno Gesammelte Schrifte Band 3 Frankfurt a M 1996

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subjetividade e a reflexatildeo conforme lemos no Livro do Desassossego ldquoEu natildeo escrevo em portuguecircs Escrevo eu mesmordquo125

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica

O desenvolvimento por Heidegger de uma filosofia que poderiacutea‑mos considerar etimologicamente fundada que desapossa o sujeito da atividade de criaccedilatildeo e apreensatildeo de significado eacute antecedida por todo um questionamento de cariz bastante diverso acerca das condi‑ccedilotildees de fenomenalizaccedilatildeo do ser em Ser e Tempo de 1927126 A condiccedilatildeo primeira do fenoacutemeno eacute o ldquoDaseinrdquo ou ldquoser ‑aiacuterdquo que Heidegger define como o ente para o qual ldquono seu ser estaacute em causa este mesmo serrdquo127 Toda a investigaccedilatildeo estaacute centrada nesta caracteriacutestica do ser de um determinado ente o ser ‑aiacute para o qual visto nele estar sempre em causa o seu proacuteprio ser haacute mais do que somente um ambiente que o circunda um mundo O ser ‑aiacute eacute nos termos de Heidegger laquoo aiacute do serraquo128 o que significa lugar de manifestaccedilatildeo do sentido do ser Segundo as coordenadas da filosofia fenomenoloacutegica coordenadas que Heidegger alega seguir transformando ‑as no sentido de uma fenomenologia hermenecircutica o ser eacute entendido sobretudo como sen‑tido o que se caracteriza pelo ser ‑no ‑mundo como condiccedilatildeo baacutesica da existecircncia do ser ‑aiacute Existecircncia significa aqui natildeo a simples posiccedilatildeo de um ente na realidade mas dir ‑se ‑ia exteriorizaccedilatildeo do ser como manifestaccedilatildeo que justamente o ser ‑aiacute apreende como a questatildeo pelo

125 Fernando Pessoa Livro do Desassossego ed R Zenith Lisboa 1998 391 V os Capiacutetulos 5 e 6 infra

126 V n 47 supra Sobre este tema cf M Caron Heidegger Penseacutee de lrsquoecirctre et origine de la subjectiviteacute Paris 2005 773 ‑812 e o Capiacutetulo 4 infra

127 rdquoin seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo (Heidegger SuZ 12)128 SuZ 12

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seu proacuteprio ser A investigaccedilatildeo pelo sentido desenrolar ‑se ‑aacute como a investigaccedilatildeo das condiccedilotildees existenciais do ser ‑aiacute e da abertura para ele de um mundo O ser ‑aiacute natildeo pode ser entendido somente como um ente entre os outros dada a sua caracteriacutestica proacutepria de ldquoexistir ontologicamenterdquo129 A sua caracteriacutestica ocircntica aquilo que ele eacute como ente eacute existir ontologicamente ou seja dar ‑se num domiacutenio de sentido de ser que ele sempre jaacute compreendeu A viragem hermenecircutica da fenomenologia reforccedila a noccedilatildeo fenomenoloacutegica original da indagaccedilatildeo pelo significado ou sentido em que o fenoacutemeno em geral e em di‑versas modalidades se daacute Se no entanto como se viu as conclusotildees de Husserl natildeo apontaram para o desenvolvimento de uma filosofia da linguagem como ontologia ou filosofia primeira mas antes para o aprofundamento do tema do sujeito ante ‑predicativo e ante ‑linguiacutestico onde se encontra a evidecircncia do sentido130 as conclusotildees de Heidegger apoacutes aquilo que ele mesmo explicaraacute como uma ldquoviragemrdquo do seu pensamento vatildeo apontar para os desenvolvimentos de uma filosofia da linguagem nos moldes jaacute aflorados

O sentido desta viragem ldquoa caminho da linguagemrdquo estatildeo jaacute da‑dos ateacute certo ponto nos desenvolvimentos de Ser e Tempo Heidegger investiga aqui a fonte do significado das palavras no fenoacutemeno que denomina como significatividade Esta designa antes de mais um todo de referecircncias ou contexto que o ser ‑aiacute encontra natildeo soacute no mundo mas como o seu mundo131 Este contexto de referecircncias e totalidade de reenvios natildeo eacute um conjunto de coisas entendido nem extensivamente nem mesmo segundo a sua compreensatildeo proacutepria e investimento de validade subjetiva mas como uma rede de pragmata ou seja entes que se abrem originariamente em funccedilatildeo das possibili‑

129 SuZ 12130 Cf A Diemer Edmund Husserl Versuch einer systematischen Darstellung seiner

Phaumlnomenologie Meisenheim am Glan 1965 esp 110 ‑113131 Cf SuZ 63 ‑64 84 ‑86

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dades do lidar ou de servir uns para os outros no uso quotidiano do ser ‑aiacute Para Heidegger o fenoacutemeno originaacuterio do sentido natildeo se daacute na consideraccedilatildeo teoreacutetica de entes simplesmente dados ou perante um sujeito mas no projeto significativo de cariz existencial do ser ‑aiacute A consideraccedilatildeo teoreacutetica abstrata ou cientiacutefica dos entes como coisas disponiacuteveis para a observaccedilatildeo da sua essecircncia e na sequecircncia disto disponiacuteveis para a manipulaccedilatildeo teacutecnica eacute expressamente considerada uma consideraccedilatildeo secundaacuteria e deficitaacuteria que soacute emerge com base na privaccedilatildeo da abertura originaacuteria de sentido132 Esta daacute ‑se natildeo como ser ‑simplesmente ‑dado (Vorhandensein) no modo do correlato da visatildeo teoacuterica objetivante mas como ser ‑agrave ‑matildeo (Zuhandensein) ou utensilidade Esta utensilidade soacute existe em funccedilatildeo do projeto do ser ‑aiacute o qual estaacute na conhecida expressatildeo de Heidegger sempre jaacute lanccedilado ou projetado com o significado de que natildeo haacute para o ser‑‑aiacute nenhum comeccedilo absoluto ou fonte transparente das significaccedilotildees contrariamente agraves pretensotildees da filosofia de Descartes a Husserl Pelo contraacuterio a reflexividade sobre si proacuteprio do ser ‑aiacute bem como a sua compreensatildeo estatildeo sempre limitadas por um horizonte que dir ‑se ‑ia o impede de ver a totalidade integral do sentido do ser que lhe eacute proacuteprio ou do ser em geral O ldquoestar lanccediladordquo diz tambeacutem da exposiccedilatildeo e abertura do ser ‑aiacute ao mundo ou seja da sua facticidade ou que ele natildeo se pode considerar jamais como fundamento daquilo que inversamente natildeo pode senatildeo antecedecirc ‑lo aleacutem de ser dado em cada caso incompletamente Aliaacutes o que a reflexatildeo lhe fornece natildeo eacute uma perspetiva integral completa e inabalaacutevel sobre o seu proacuteprio ser a sua verdade e validade evidentes conforme de um modo ou de outro foi tiacutepico da filosofia desde Descartes minus a uacutenica completude que eacute dada ao ser ‑aiacute pelo fato de no seu ser ldquoestar em jogo este mesmo serrdquo ou pela ldquoJemeinigkeitrdquo (ser ‑em ‑cada ‑caso ‑meu) proacuteprio do ser ‑aiacute eacute a do seu proacuteprio ser para a morte

132 SuZ 69 ‑71

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Estes dados apontam para a temporalidade como o fenoacutemeno central do ser ‑aiacute o que tem como consequecircncia teoacuterica justamente a perda da possibilidade de uma apreensatildeo integral do sentido do ser minus posto que haacute que repetir a temporalidade eacute a estrutura funda‑mental da existecircncia do ser ‑aiacute Este natildeo eacute como que um sujeito a que se acrescentasse como predicado a temporalidade minus esta constitui natildeo um predicado mas o seu modo existencial de acesso ao ldquoaiacuterdquo em que tem o seu ser ou nos termos que nos satildeo jaacute familiares agrave abertura do mundo Esta alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo do sentido do ser com que Heidegger pretende fazer deslocar dos seus gonzos toda a perspeti‑va ontoloacutegica da histoacuteria da filosofia anterior natildeo poderia deixar de ter consequecircncias para a compreensatildeo da linguagem Na abordagem de Ser e Tempo pelo signo eacute adquirida e assegurada ldquoantes de mais uma orientaccedilatildeo dentro do mundo circundanterdquo133 minus precisamente como se viu aquilo que segundo Husserl lhe retirava significado134 ldquoO signo (Zeichen) natildeo estaacute soacute agrave matildeo como outro utensiacutelio qualquer mas no seu estar ‑agrave ‑matildeo o mundo circundante se torna em cada caso expressamente acessiacutevel para a visatildeo em redor O signo eacute um ente onticamente agrave ‑matildeo que como [um] utensiacutelio determinado funciona simultaneamente como algo que anuncia a estrutura ontoloacutegica do ser ‑agrave ‑matildeo da totalidade de referecircncias e da mundaneidaderdquo135

O signo opera nestes termos ao niacutevel do contexto de referecircn‑cias do ser ‑agrave ‑matildeo dando acesso agrave totalidade dessas referecircncias e agrave proacutepria significatividade do mundo Natildeo seraacute possiacutevel aprofundar aqui a posiccedilatildeo heideggeriana para aleacutem das anotaccedilotildees que nos fazem remeter o significado para a noccedilatildeo de mundo e da orientaccedilatildeo do

133 ldquoes gewinnt vielmehr eine Orientierung innerhalb der Umweltrdquo (SuZ 79)134 Cf pp 51 e 52 supra135 ldquoDie Zeichen ist nicht nur zuhanden mit anderem Zeug sondern in seiner

Zuhandenheit wird die Umwelt je fuumlr die Umsicht ausdruumlcklich zuhanden Zeichen ist ein ontisch Zuhandenes das als dieses bestimmte Zeug zugleich als etwas fungiert was die ontologische Struktur der Zuhandenheit Verweisungsganzheit und Weltlichkeit anzeigtrdquo (SuZ 82)

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44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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201

no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 17: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

71

subjetividade e a reflexatildeo conforme lemos no Livro do Desassossego ldquoEu natildeo escrevo em portuguecircs Escrevo eu mesmordquo125

26 Sobre o problema da reflexividade em Ser e Tempo os fundamentos da hermenecircutica filosoacutefica

O desenvolvimento por Heidegger de uma filosofia que poderiacutea‑mos considerar etimologicamente fundada que desapossa o sujeito da atividade de criaccedilatildeo e apreensatildeo de significado eacute antecedida por todo um questionamento de cariz bastante diverso acerca das condi‑ccedilotildees de fenomenalizaccedilatildeo do ser em Ser e Tempo de 1927126 A condiccedilatildeo primeira do fenoacutemeno eacute o ldquoDaseinrdquo ou ldquoser ‑aiacuterdquo que Heidegger define como o ente para o qual ldquono seu ser estaacute em causa este mesmo serrdquo127 Toda a investigaccedilatildeo estaacute centrada nesta caracteriacutestica do ser de um determinado ente o ser ‑aiacute para o qual visto nele estar sempre em causa o seu proacuteprio ser haacute mais do que somente um ambiente que o circunda um mundo O ser ‑aiacute eacute nos termos de Heidegger laquoo aiacute do serraquo128 o que significa lugar de manifestaccedilatildeo do sentido do ser Segundo as coordenadas da filosofia fenomenoloacutegica coordenadas que Heidegger alega seguir transformando ‑as no sentido de uma fenomenologia hermenecircutica o ser eacute entendido sobretudo como sen‑tido o que se caracteriza pelo ser ‑no ‑mundo como condiccedilatildeo baacutesica da existecircncia do ser ‑aiacute Existecircncia significa aqui natildeo a simples posiccedilatildeo de um ente na realidade mas dir ‑se ‑ia exteriorizaccedilatildeo do ser como manifestaccedilatildeo que justamente o ser ‑aiacute apreende como a questatildeo pelo

125 Fernando Pessoa Livro do Desassossego ed R Zenith Lisboa 1998 391 V os Capiacutetulos 5 e 6 infra

126 V n 47 supra Sobre este tema cf M Caron Heidegger Penseacutee de lrsquoecirctre et origine de la subjectiviteacute Paris 2005 773 ‑812 e o Capiacutetulo 4 infra

127 rdquoin seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo (Heidegger SuZ 12)128 SuZ 12

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seu proacuteprio ser A investigaccedilatildeo pelo sentido desenrolar ‑se ‑aacute como a investigaccedilatildeo das condiccedilotildees existenciais do ser ‑aiacute e da abertura para ele de um mundo O ser ‑aiacute natildeo pode ser entendido somente como um ente entre os outros dada a sua caracteriacutestica proacutepria de ldquoexistir ontologicamenterdquo129 A sua caracteriacutestica ocircntica aquilo que ele eacute como ente eacute existir ontologicamente ou seja dar ‑se num domiacutenio de sentido de ser que ele sempre jaacute compreendeu A viragem hermenecircutica da fenomenologia reforccedila a noccedilatildeo fenomenoloacutegica original da indagaccedilatildeo pelo significado ou sentido em que o fenoacutemeno em geral e em di‑versas modalidades se daacute Se no entanto como se viu as conclusotildees de Husserl natildeo apontaram para o desenvolvimento de uma filosofia da linguagem como ontologia ou filosofia primeira mas antes para o aprofundamento do tema do sujeito ante ‑predicativo e ante ‑linguiacutestico onde se encontra a evidecircncia do sentido130 as conclusotildees de Heidegger apoacutes aquilo que ele mesmo explicaraacute como uma ldquoviragemrdquo do seu pensamento vatildeo apontar para os desenvolvimentos de uma filosofia da linguagem nos moldes jaacute aflorados

O sentido desta viragem ldquoa caminho da linguagemrdquo estatildeo jaacute da‑dos ateacute certo ponto nos desenvolvimentos de Ser e Tempo Heidegger investiga aqui a fonte do significado das palavras no fenoacutemeno que denomina como significatividade Esta designa antes de mais um todo de referecircncias ou contexto que o ser ‑aiacute encontra natildeo soacute no mundo mas como o seu mundo131 Este contexto de referecircncias e totalidade de reenvios natildeo eacute um conjunto de coisas entendido nem extensivamente nem mesmo segundo a sua compreensatildeo proacutepria e investimento de validade subjetiva mas como uma rede de pragmata ou seja entes que se abrem originariamente em funccedilatildeo das possibili‑

129 SuZ 12130 Cf A Diemer Edmund Husserl Versuch einer systematischen Darstellung seiner

Phaumlnomenologie Meisenheim am Glan 1965 esp 110 ‑113131 Cf SuZ 63 ‑64 84 ‑86

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dades do lidar ou de servir uns para os outros no uso quotidiano do ser ‑aiacute Para Heidegger o fenoacutemeno originaacuterio do sentido natildeo se daacute na consideraccedilatildeo teoreacutetica de entes simplesmente dados ou perante um sujeito mas no projeto significativo de cariz existencial do ser ‑aiacute A consideraccedilatildeo teoreacutetica abstrata ou cientiacutefica dos entes como coisas disponiacuteveis para a observaccedilatildeo da sua essecircncia e na sequecircncia disto disponiacuteveis para a manipulaccedilatildeo teacutecnica eacute expressamente considerada uma consideraccedilatildeo secundaacuteria e deficitaacuteria que soacute emerge com base na privaccedilatildeo da abertura originaacuteria de sentido132 Esta daacute ‑se natildeo como ser ‑simplesmente ‑dado (Vorhandensein) no modo do correlato da visatildeo teoacuterica objetivante mas como ser ‑agrave ‑matildeo (Zuhandensein) ou utensilidade Esta utensilidade soacute existe em funccedilatildeo do projeto do ser ‑aiacute o qual estaacute na conhecida expressatildeo de Heidegger sempre jaacute lanccedilado ou projetado com o significado de que natildeo haacute para o ser‑‑aiacute nenhum comeccedilo absoluto ou fonte transparente das significaccedilotildees contrariamente agraves pretensotildees da filosofia de Descartes a Husserl Pelo contraacuterio a reflexividade sobre si proacuteprio do ser ‑aiacute bem como a sua compreensatildeo estatildeo sempre limitadas por um horizonte que dir ‑se ‑ia o impede de ver a totalidade integral do sentido do ser que lhe eacute proacuteprio ou do ser em geral O ldquoestar lanccediladordquo diz tambeacutem da exposiccedilatildeo e abertura do ser ‑aiacute ao mundo ou seja da sua facticidade ou que ele natildeo se pode considerar jamais como fundamento daquilo que inversamente natildeo pode senatildeo antecedecirc ‑lo aleacutem de ser dado em cada caso incompletamente Aliaacutes o que a reflexatildeo lhe fornece natildeo eacute uma perspetiva integral completa e inabalaacutevel sobre o seu proacuteprio ser a sua verdade e validade evidentes conforme de um modo ou de outro foi tiacutepico da filosofia desde Descartes minus a uacutenica completude que eacute dada ao ser ‑aiacute pelo fato de no seu ser ldquoestar em jogo este mesmo serrdquo ou pela ldquoJemeinigkeitrdquo (ser ‑em ‑cada ‑caso ‑meu) proacuteprio do ser ‑aiacute eacute a do seu proacuteprio ser para a morte

132 SuZ 69 ‑71

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Estes dados apontam para a temporalidade como o fenoacutemeno central do ser ‑aiacute o que tem como consequecircncia teoacuterica justamente a perda da possibilidade de uma apreensatildeo integral do sentido do ser minus posto que haacute que repetir a temporalidade eacute a estrutura funda‑mental da existecircncia do ser ‑aiacute Este natildeo eacute como que um sujeito a que se acrescentasse como predicado a temporalidade minus esta constitui natildeo um predicado mas o seu modo existencial de acesso ao ldquoaiacuterdquo em que tem o seu ser ou nos termos que nos satildeo jaacute familiares agrave abertura do mundo Esta alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo do sentido do ser com que Heidegger pretende fazer deslocar dos seus gonzos toda a perspeti‑va ontoloacutegica da histoacuteria da filosofia anterior natildeo poderia deixar de ter consequecircncias para a compreensatildeo da linguagem Na abordagem de Ser e Tempo pelo signo eacute adquirida e assegurada ldquoantes de mais uma orientaccedilatildeo dentro do mundo circundanterdquo133 minus precisamente como se viu aquilo que segundo Husserl lhe retirava significado134 ldquoO signo (Zeichen) natildeo estaacute soacute agrave matildeo como outro utensiacutelio qualquer mas no seu estar ‑agrave ‑matildeo o mundo circundante se torna em cada caso expressamente acessiacutevel para a visatildeo em redor O signo eacute um ente onticamente agrave ‑matildeo que como [um] utensiacutelio determinado funciona simultaneamente como algo que anuncia a estrutura ontoloacutegica do ser ‑agrave ‑matildeo da totalidade de referecircncias e da mundaneidaderdquo135

O signo opera nestes termos ao niacutevel do contexto de referecircn‑cias do ser ‑agrave ‑matildeo dando acesso agrave totalidade dessas referecircncias e agrave proacutepria significatividade do mundo Natildeo seraacute possiacutevel aprofundar aqui a posiccedilatildeo heideggeriana para aleacutem das anotaccedilotildees que nos fazem remeter o significado para a noccedilatildeo de mundo e da orientaccedilatildeo do

133 ldquoes gewinnt vielmehr eine Orientierung innerhalb der Umweltrdquo (SuZ 79)134 Cf pp 51 e 52 supra135 ldquoDie Zeichen ist nicht nur zuhanden mit anderem Zeug sondern in seiner

Zuhandenheit wird die Umwelt je fuumlr die Umsicht ausdruumlcklich zuhanden Zeichen ist ein ontisch Zuhandenes das als dieses bestimmte Zeug zugleich als etwas fungiert was die ontologische Struktur der Zuhandenheit Verweisungsganzheit und Weltlichkeit anzeigtrdquo (SuZ 82)

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44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 18: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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seu proacuteprio ser A investigaccedilatildeo pelo sentido desenrolar ‑se ‑aacute como a investigaccedilatildeo das condiccedilotildees existenciais do ser ‑aiacute e da abertura para ele de um mundo O ser ‑aiacute natildeo pode ser entendido somente como um ente entre os outros dada a sua caracteriacutestica proacutepria de ldquoexistir ontologicamenterdquo129 A sua caracteriacutestica ocircntica aquilo que ele eacute como ente eacute existir ontologicamente ou seja dar ‑se num domiacutenio de sentido de ser que ele sempre jaacute compreendeu A viragem hermenecircutica da fenomenologia reforccedila a noccedilatildeo fenomenoloacutegica original da indagaccedilatildeo pelo significado ou sentido em que o fenoacutemeno em geral e em di‑versas modalidades se daacute Se no entanto como se viu as conclusotildees de Husserl natildeo apontaram para o desenvolvimento de uma filosofia da linguagem como ontologia ou filosofia primeira mas antes para o aprofundamento do tema do sujeito ante ‑predicativo e ante ‑linguiacutestico onde se encontra a evidecircncia do sentido130 as conclusotildees de Heidegger apoacutes aquilo que ele mesmo explicaraacute como uma ldquoviragemrdquo do seu pensamento vatildeo apontar para os desenvolvimentos de uma filosofia da linguagem nos moldes jaacute aflorados

O sentido desta viragem ldquoa caminho da linguagemrdquo estatildeo jaacute da‑dos ateacute certo ponto nos desenvolvimentos de Ser e Tempo Heidegger investiga aqui a fonte do significado das palavras no fenoacutemeno que denomina como significatividade Esta designa antes de mais um todo de referecircncias ou contexto que o ser ‑aiacute encontra natildeo soacute no mundo mas como o seu mundo131 Este contexto de referecircncias e totalidade de reenvios natildeo eacute um conjunto de coisas entendido nem extensivamente nem mesmo segundo a sua compreensatildeo proacutepria e investimento de validade subjetiva mas como uma rede de pragmata ou seja entes que se abrem originariamente em funccedilatildeo das possibili‑

129 SuZ 12130 Cf A Diemer Edmund Husserl Versuch einer systematischen Darstellung seiner

Phaumlnomenologie Meisenheim am Glan 1965 esp 110 ‑113131 Cf SuZ 63 ‑64 84 ‑86

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dades do lidar ou de servir uns para os outros no uso quotidiano do ser ‑aiacute Para Heidegger o fenoacutemeno originaacuterio do sentido natildeo se daacute na consideraccedilatildeo teoreacutetica de entes simplesmente dados ou perante um sujeito mas no projeto significativo de cariz existencial do ser ‑aiacute A consideraccedilatildeo teoreacutetica abstrata ou cientiacutefica dos entes como coisas disponiacuteveis para a observaccedilatildeo da sua essecircncia e na sequecircncia disto disponiacuteveis para a manipulaccedilatildeo teacutecnica eacute expressamente considerada uma consideraccedilatildeo secundaacuteria e deficitaacuteria que soacute emerge com base na privaccedilatildeo da abertura originaacuteria de sentido132 Esta daacute ‑se natildeo como ser ‑simplesmente ‑dado (Vorhandensein) no modo do correlato da visatildeo teoacuterica objetivante mas como ser ‑agrave ‑matildeo (Zuhandensein) ou utensilidade Esta utensilidade soacute existe em funccedilatildeo do projeto do ser ‑aiacute o qual estaacute na conhecida expressatildeo de Heidegger sempre jaacute lanccedilado ou projetado com o significado de que natildeo haacute para o ser‑‑aiacute nenhum comeccedilo absoluto ou fonte transparente das significaccedilotildees contrariamente agraves pretensotildees da filosofia de Descartes a Husserl Pelo contraacuterio a reflexividade sobre si proacuteprio do ser ‑aiacute bem como a sua compreensatildeo estatildeo sempre limitadas por um horizonte que dir ‑se ‑ia o impede de ver a totalidade integral do sentido do ser que lhe eacute proacuteprio ou do ser em geral O ldquoestar lanccediladordquo diz tambeacutem da exposiccedilatildeo e abertura do ser ‑aiacute ao mundo ou seja da sua facticidade ou que ele natildeo se pode considerar jamais como fundamento daquilo que inversamente natildeo pode senatildeo antecedecirc ‑lo aleacutem de ser dado em cada caso incompletamente Aliaacutes o que a reflexatildeo lhe fornece natildeo eacute uma perspetiva integral completa e inabalaacutevel sobre o seu proacuteprio ser a sua verdade e validade evidentes conforme de um modo ou de outro foi tiacutepico da filosofia desde Descartes minus a uacutenica completude que eacute dada ao ser ‑aiacute pelo fato de no seu ser ldquoestar em jogo este mesmo serrdquo ou pela ldquoJemeinigkeitrdquo (ser ‑em ‑cada ‑caso ‑meu) proacuteprio do ser ‑aiacute eacute a do seu proacuteprio ser para a morte

132 SuZ 69 ‑71

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Estes dados apontam para a temporalidade como o fenoacutemeno central do ser ‑aiacute o que tem como consequecircncia teoacuterica justamente a perda da possibilidade de uma apreensatildeo integral do sentido do ser minus posto que haacute que repetir a temporalidade eacute a estrutura funda‑mental da existecircncia do ser ‑aiacute Este natildeo eacute como que um sujeito a que se acrescentasse como predicado a temporalidade minus esta constitui natildeo um predicado mas o seu modo existencial de acesso ao ldquoaiacuterdquo em que tem o seu ser ou nos termos que nos satildeo jaacute familiares agrave abertura do mundo Esta alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo do sentido do ser com que Heidegger pretende fazer deslocar dos seus gonzos toda a perspeti‑va ontoloacutegica da histoacuteria da filosofia anterior natildeo poderia deixar de ter consequecircncias para a compreensatildeo da linguagem Na abordagem de Ser e Tempo pelo signo eacute adquirida e assegurada ldquoantes de mais uma orientaccedilatildeo dentro do mundo circundanterdquo133 minus precisamente como se viu aquilo que segundo Husserl lhe retirava significado134 ldquoO signo (Zeichen) natildeo estaacute soacute agrave matildeo como outro utensiacutelio qualquer mas no seu estar ‑agrave ‑matildeo o mundo circundante se torna em cada caso expressamente acessiacutevel para a visatildeo em redor O signo eacute um ente onticamente agrave ‑matildeo que como [um] utensiacutelio determinado funciona simultaneamente como algo que anuncia a estrutura ontoloacutegica do ser ‑agrave ‑matildeo da totalidade de referecircncias e da mundaneidaderdquo135

O signo opera nestes termos ao niacutevel do contexto de referecircn‑cias do ser ‑agrave ‑matildeo dando acesso agrave totalidade dessas referecircncias e agrave proacutepria significatividade do mundo Natildeo seraacute possiacutevel aprofundar aqui a posiccedilatildeo heideggeriana para aleacutem das anotaccedilotildees que nos fazem remeter o significado para a noccedilatildeo de mundo e da orientaccedilatildeo do

133 ldquoes gewinnt vielmehr eine Orientierung innerhalb der Umweltrdquo (SuZ 79)134 Cf pp 51 e 52 supra135 ldquoDie Zeichen ist nicht nur zuhanden mit anderem Zeug sondern in seiner

Zuhandenheit wird die Umwelt je fuumlr die Umsicht ausdruumlcklich zuhanden Zeichen ist ein ontisch Zuhandenes das als dieses bestimmte Zeug zugleich als etwas fungiert was die ontologische Struktur der Zuhandenheit Verweisungsganzheit und Weltlichkeit anzeigtrdquo (SuZ 82)

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44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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200

ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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201

no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 19: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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dades do lidar ou de servir uns para os outros no uso quotidiano do ser ‑aiacute Para Heidegger o fenoacutemeno originaacuterio do sentido natildeo se daacute na consideraccedilatildeo teoreacutetica de entes simplesmente dados ou perante um sujeito mas no projeto significativo de cariz existencial do ser ‑aiacute A consideraccedilatildeo teoreacutetica abstrata ou cientiacutefica dos entes como coisas disponiacuteveis para a observaccedilatildeo da sua essecircncia e na sequecircncia disto disponiacuteveis para a manipulaccedilatildeo teacutecnica eacute expressamente considerada uma consideraccedilatildeo secundaacuteria e deficitaacuteria que soacute emerge com base na privaccedilatildeo da abertura originaacuteria de sentido132 Esta daacute ‑se natildeo como ser ‑simplesmente ‑dado (Vorhandensein) no modo do correlato da visatildeo teoacuterica objetivante mas como ser ‑agrave ‑matildeo (Zuhandensein) ou utensilidade Esta utensilidade soacute existe em funccedilatildeo do projeto do ser ‑aiacute o qual estaacute na conhecida expressatildeo de Heidegger sempre jaacute lanccedilado ou projetado com o significado de que natildeo haacute para o ser‑‑aiacute nenhum comeccedilo absoluto ou fonte transparente das significaccedilotildees contrariamente agraves pretensotildees da filosofia de Descartes a Husserl Pelo contraacuterio a reflexividade sobre si proacuteprio do ser ‑aiacute bem como a sua compreensatildeo estatildeo sempre limitadas por um horizonte que dir ‑se ‑ia o impede de ver a totalidade integral do sentido do ser que lhe eacute proacuteprio ou do ser em geral O ldquoestar lanccediladordquo diz tambeacutem da exposiccedilatildeo e abertura do ser ‑aiacute ao mundo ou seja da sua facticidade ou que ele natildeo se pode considerar jamais como fundamento daquilo que inversamente natildeo pode senatildeo antecedecirc ‑lo aleacutem de ser dado em cada caso incompletamente Aliaacutes o que a reflexatildeo lhe fornece natildeo eacute uma perspetiva integral completa e inabalaacutevel sobre o seu proacuteprio ser a sua verdade e validade evidentes conforme de um modo ou de outro foi tiacutepico da filosofia desde Descartes minus a uacutenica completude que eacute dada ao ser ‑aiacute pelo fato de no seu ser ldquoestar em jogo este mesmo serrdquo ou pela ldquoJemeinigkeitrdquo (ser ‑em ‑cada ‑caso ‑meu) proacuteprio do ser ‑aiacute eacute a do seu proacuteprio ser para a morte

132 SuZ 69 ‑71

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Estes dados apontam para a temporalidade como o fenoacutemeno central do ser ‑aiacute o que tem como consequecircncia teoacuterica justamente a perda da possibilidade de uma apreensatildeo integral do sentido do ser minus posto que haacute que repetir a temporalidade eacute a estrutura funda‑mental da existecircncia do ser ‑aiacute Este natildeo eacute como que um sujeito a que se acrescentasse como predicado a temporalidade minus esta constitui natildeo um predicado mas o seu modo existencial de acesso ao ldquoaiacuterdquo em que tem o seu ser ou nos termos que nos satildeo jaacute familiares agrave abertura do mundo Esta alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo do sentido do ser com que Heidegger pretende fazer deslocar dos seus gonzos toda a perspeti‑va ontoloacutegica da histoacuteria da filosofia anterior natildeo poderia deixar de ter consequecircncias para a compreensatildeo da linguagem Na abordagem de Ser e Tempo pelo signo eacute adquirida e assegurada ldquoantes de mais uma orientaccedilatildeo dentro do mundo circundanterdquo133 minus precisamente como se viu aquilo que segundo Husserl lhe retirava significado134 ldquoO signo (Zeichen) natildeo estaacute soacute agrave matildeo como outro utensiacutelio qualquer mas no seu estar ‑agrave ‑matildeo o mundo circundante se torna em cada caso expressamente acessiacutevel para a visatildeo em redor O signo eacute um ente onticamente agrave ‑matildeo que como [um] utensiacutelio determinado funciona simultaneamente como algo que anuncia a estrutura ontoloacutegica do ser ‑agrave ‑matildeo da totalidade de referecircncias e da mundaneidaderdquo135

O signo opera nestes termos ao niacutevel do contexto de referecircn‑cias do ser ‑agrave ‑matildeo dando acesso agrave totalidade dessas referecircncias e agrave proacutepria significatividade do mundo Natildeo seraacute possiacutevel aprofundar aqui a posiccedilatildeo heideggeriana para aleacutem das anotaccedilotildees que nos fazem remeter o significado para a noccedilatildeo de mundo e da orientaccedilatildeo do

133 ldquoes gewinnt vielmehr eine Orientierung innerhalb der Umweltrdquo (SuZ 79)134 Cf pp 51 e 52 supra135 ldquoDie Zeichen ist nicht nur zuhanden mit anderem Zeug sondern in seiner

Zuhandenheit wird die Umwelt je fuumlr die Umsicht ausdruumlcklich zuhanden Zeichen ist ein ontisch Zuhandenes das als dieses bestimmte Zeug zugleich als etwas fungiert was die ontologische Struktur der Zuhandenheit Verweisungsganzheit und Weltlichkeit anzeigtrdquo (SuZ 82)

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44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 20: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

74

Estes dados apontam para a temporalidade como o fenoacutemeno central do ser ‑aiacute o que tem como consequecircncia teoacuterica justamente a perda da possibilidade de uma apreensatildeo integral do sentido do ser minus posto que haacute que repetir a temporalidade eacute a estrutura funda‑mental da existecircncia do ser ‑aiacute Este natildeo eacute como que um sujeito a que se acrescentasse como predicado a temporalidade minus esta constitui natildeo um predicado mas o seu modo existencial de acesso ao ldquoaiacuterdquo em que tem o seu ser ou nos termos que nos satildeo jaacute familiares agrave abertura do mundo Esta alteraccedilatildeo da conceccedilatildeo do sentido do ser com que Heidegger pretende fazer deslocar dos seus gonzos toda a perspeti‑va ontoloacutegica da histoacuteria da filosofia anterior natildeo poderia deixar de ter consequecircncias para a compreensatildeo da linguagem Na abordagem de Ser e Tempo pelo signo eacute adquirida e assegurada ldquoantes de mais uma orientaccedilatildeo dentro do mundo circundanterdquo133 minus precisamente como se viu aquilo que segundo Husserl lhe retirava significado134 ldquoO signo (Zeichen) natildeo estaacute soacute agrave matildeo como outro utensiacutelio qualquer mas no seu estar ‑agrave ‑matildeo o mundo circundante se torna em cada caso expressamente acessiacutevel para a visatildeo em redor O signo eacute um ente onticamente agrave ‑matildeo que como [um] utensiacutelio determinado funciona simultaneamente como algo que anuncia a estrutura ontoloacutegica do ser ‑agrave ‑matildeo da totalidade de referecircncias e da mundaneidaderdquo135

O signo opera nestes termos ao niacutevel do contexto de referecircn‑cias do ser ‑agrave ‑matildeo dando acesso agrave totalidade dessas referecircncias e agrave proacutepria significatividade do mundo Natildeo seraacute possiacutevel aprofundar aqui a posiccedilatildeo heideggeriana para aleacutem das anotaccedilotildees que nos fazem remeter o significado para a noccedilatildeo de mundo e da orientaccedilatildeo do

133 ldquoes gewinnt vielmehr eine Orientierung innerhalb der Umweltrdquo (SuZ 79)134 Cf pp 51 e 52 supra135 ldquoDie Zeichen ist nicht nur zuhanden mit anderem Zeug sondern in seiner

Zuhandenheit wird die Umwelt je fuumlr die Umsicht ausdruumlcklich zuhanden Zeichen ist ein ontisch Zuhandenes das als dieses bestimmte Zeug zugleich als etwas fungiert was die ontologische Struktur der Zuhandenheit Verweisungsganzheit und Weltlichkeit anzeigtrdquo (SuZ 82)

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44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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134

O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 21: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

129

44 A necessidade do pensar

Esboccedilados assim os aspetos principais da posiccedilatildeo kantiana sobre a reflexatildeo posiccedilatildeo que permite uma compreensatildeo geral e bastante clara sobre o significado do refletir e esboccedilados tambeacutem jaacute alguns termos da sua comparaccedilatildeo com o modelo do pensar poderaacute proceder ‑se agrave referecircncia a dois momentos em que a reflexividade emerge na ela‑boraccedilatildeo heideggeriana do pensar de modo a dar conta da presenccedila do modelo reflexivo no interior do modelo pensante de Heidegger

Um primeiro momento poderaacute encontrar ‑se naquela que Heidegger significativamente considerava a sua obra menos lida quando satildeo diferenciados dois modos de questionar e responder agrave questatildeo ldquoque se chama pensarrdquo Num a resposta parte do enunciado (Aussage) noutra do ldquomemorarrdquo e agradecimento250

Eacute precisamente a substituiccedilatildeo do juiacutezo ou do enunciado como lugar da verdade pela noccedilatildeo de desvelamento ou mostraccedilatildeo veritativa (etimoloacutegica) que envolve o abandono da reflexatildeo como sentido do trabalho filosoacutefico O pensador ainda segundo Heidegger mesmo ao questionar e pensar ldquoque quer dizer pensarrdquo manteacutem ‑se ldquofora da mera reflexatildeo que faz do pensar o seu objetordquo251 O pensar sobre o pensar natildeo eacute apesar das aparecircncias reflexivo posto que natildeo possui ponto de vista panoracircmico nem sistemaacutetico sobre si ou sobre totalidades de sentido das quais a razatildeo reservasse para si sempre a potenciali‑dade de se autoex cluir como um metassentido mais elevado mas o pensar sobre o pensar define ‑se antes como mostraccedilatildeo do pensar sua exibiccedilatildeo e desvelamento dentro de um horizonde em redor ldquoQuando procuramos aprender o que quer dizer pensar natildeo nos perdemos entatildeo na reflexatildeo que pensa sobre o pensar Eacute certo que no nosso caminho incide permanentemente uma luz sobre o pensar Soacute que esta luz natildeo

250 WhD 102251 WhD 9

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130

eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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200

ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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201

no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 22: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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eacute produzida pela lanterna da reflexatildeo A luz vem do proacuteprio pensar e somente a partir delerdquo252 A definiccedilatildeo do pensar natildeo seraacute realizaacutevel por um pensar sobre si mesmo um ter ‑se diante de si proacuteprio e julgar poder aiacute distinguir diversos atos ou estados por exemplo o eu como ponente ou como posto ou ato performativo e conteuacutedo proposicio‑nal253 e a partir duma tal distinccedilatildeo procurar transitar uma ontologia faacutectica e proposicional para uma outra autofundadora e autoacutenoma

Tal distinccedilatildeo procura encontrar as condiccedilotildees da proposiccedilatildeo e do existente num plano normativo254 Tal era o sentido do projeto de Fichte que pensava perante a criacutetica ao caraacuteter faacutectico da representaccedilatildeo de si caraacuteter que a tornava incapaz de delinear um domiacutenio normativo estabelecer um eu como ato255 realizando assim a referida substitui‑ccedilatildeo do fato natildeo refletido por um ato originaacuterio (Tathandlung) ou a exposiccedilatildeo reflexiva dos supostos da accedilatildeo autoacutenoma

A necessidade de fundamentaccedilatildeo como determinaccedilatildeo do solo e da consequente possibilidade de fazer caminho256 seraacute igualmente sentida por Heidegger como um problema com um alcance seme‑lhante O solo sobre o qual o pensar se articula seraacute poreacutem com Heidegger e contrariamente ao procedimento criacutetico e dialeacutetico do

252 WhD 10253 A primeira proposta caracteriza o pensamento reflexivo do idealismo nomeada‑

mente Fichte (GA I2 91) A segunda embora presente tambeacutem em Fichte caracteriza sobretudo a reavaliaccedilatildeo e renovaccedilatildeo da reflexatildeo transcendental pelo pragmatismo de Apel Cf K ‑O ‑ Apel opcit I 62 eg Idem ldquoGrenze der Diskursethik Versuch einer Zwischenbilanzrdquo in Zeitschrift f phil Fors 40 (1986) 10 ‑11 Sobre o caraacutecter fichteano desta reflexatildeo pragmaacutetica v V Houmlsle Die Krise der Gegenwart 127 ‑128

254 A normatividade eacute naturalmente expliacutecita em Kant (eg KrV B XVII ‑XVIII B 197 ‑198 Ak III 12 146) e em Fichte (eg Erste Einleitung GA I4 200)

255 Tal eacute o sentido do termo Tathandlung pelo qual Fichte pretende estabelecer um ato transcendental condiccedilatildeo de possibilidade sem a qual toda a accedilatildeo natildeo se distingue do facto (Fichte GA I2 255ss) Cf a reapropriaccedilatildeo contemporacircnea do termo por Apel Penser avec Habermas contre Habermas (Paris 1990) 50

256 O fundamentalismo eacute com justiccedila atribuiacutedo ao pensar de Heidegger por J Ha‑bermas Der philosophische Diskurs der Moderne (trad port Lisboa 1991) 144 149 157 Cf para a temaacutetica da fundamentaccedilatildeo perante o problema da reflexatildeo tb W Maker Philosophy without Foundations Rethinking Hegel (New York 1994) 35 ‑37 86ss 147ss

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 23: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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modelo reflexivo linguiacutestico e em especial veriloacutequio ndash ie etimoloacute‑gico dizer ‑a ‑verdade257 O que se mostra eacute tratado e trabalhado ndash mas simplesmente no sentido da sua apresentaccedilatildeo e mostraccedilatildeo nunca do controlo metodoloacutegico feito a partir do questionar da proacutepria atuaccedilatildeo Contrariamente a este modelo heideggeriano pensante e memorante a questatildeo da determinaccedilatildeo reflexiva do solo pergunta pela legitimidade de assim proceder distinguindo criteacuterios de sentido para diferentes princiacutepios de validade das representaccedilotildees

A essecircncia da necessidade consiste para o procedimento reflexivo kantiano em condiccedilotildees de possibilidade ao passo que na perspetiva heideggeriana a necessidade eacute buscada na autoridade linguiacutestica e etimoloacutegica de textos arcaicos ou poeacuteticos onde se descobre a ideia de uma ldquo[co ‑]pertenccedila de essecircnciardquo entre elementos ldquodentro de um domiacutenio de essecircnciardquo O frisar o dentro mostra que natildeo se estaacute nem sobre nem mais aleacutem mostra que o ato reflexivo se eacute no domiacutenio do pensar recurso vaacutelido natildeo eacute como se veraacute jamais o criteacuterio de valida‑de O princiacutepio da necessidade natildeo seraacute pois como para a filosofia da reflexatildeo o das condiccedilotildees necessaacuterias da autonomia mas um ldquodomiacutenio de essecircnciardquo em que todo o falar se situa dominado por expressotildees eminentemente impessoais A impessoalidade eacute caracteriacutestica do solo veritativo e ontoloacutegico sobre o qual se estaacute desde o χρή (ldquoeacute necessaacuteriordquo) parmeniacutedeo que fazia co ‑pertencer pensar e ser a expressotildees do geacutenero ldquohaacuterdquo ldquodaacute ‑serdquo ou simplesmente ldquochoverdquo258 Este solo de necessidade em que pensar e ser se copertencem natildeo constitui para Heidegger o pocircr lado a lado da siacutentese gerada pelo conceito mas equivale antes

257 A etimologia mereceu jaacute atenccedilatildeo no Capiacutetulo 2 supra A sua aplicaccedilatildeo reflexi‑va sobre si proacutepria poderia contudo neste ponto ser reveladora caso os resultados desta operaccedilatildeo natildeo fossem senatildeo inteiramente desapontadores ambiacuteguos Se nela encontramos parentescos com ἐτεός ldquoverdadeirordquo ldquorealrdquo ἐτό ldquonatildeo eacute sem razatildeo querdquo e αὖτως este significando ldquojustamente assimrdquo encontramos tambeacutem ldquopouco mais ou menosrdquo e ldquoem vatildeordquo A hipoacutetese de que a palavra eacute ἐγκρατής e que ἡ οὐσία τοῦ πράγματος δηλουμένη ἐν τῶ ὀνόματι eacute debatida jaacute por Platatildeo (Craacutetilo 393d) e aproximada duma conceccedilatildeo erraacutetica do saber e das proacuteprias coisas (cf 439c)

258 WhD 117 ldquoDaacute ‑serdquo seria por isso porventura a melhor traduccedilatildeo para o ldquoDaseinrdquo

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 24: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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agrave necessidade que estabelece e corresponde a um mundo a necessi‑dade que a rocha por exemplo tem da aacutegua que dela jorra259 Assim enquanto a necessidade do pensar eacute ontoloacutegica e pragmaacutetica porque preacute ‑reflexiva a do refletir eacute loacutegica e tambeacutem praacutetica

45 A reflexatildeo da finitude

Um segundo momento de referecircncia agrave questatildeo da reflexatildeo em Heidegger diz respeito ao proacuteprio projeto filosoacutefico de Ser e Tempo projeto que envolve nas suas linhas mais gerais uma ideia reflexiva segundo a qual o ser ‑aiacute antes de partir para a compreensatildeo do ser deve esclarecer a sua proacutepria constituiccedilatildeo O motivo da anaacutelise eacute on‑ticamente o privileacutegio do ente para o qual ldquoo seu ser estaacute em jogordquo privileacutegio que significa somente existir ontologicamente dispor de compreensatildeo preacutevia do ser e natildeo algum acesso privilegiado a si mesmo ao que eacute seu proacuteprio ser o que destaca o ser ‑aiacute entre os outros entes e ocasiona a sua investigaccedilatildeo eacute que ele acede ldquoao seu serrdquo natildeo a si mesmo O que faz do homem um caso digno de registo natildeo eacute a sua consciecircncia de si mas a sua possibilidade de compreender o ser260

A ideia reflexiva mais geral estruturante da obra que poderia fazer prever um percurso de autoesclarecimento natildeo eacute no entanto cumprida A obra natildeo se configura em circularidade ou totalidade na medida em que a reflexividade eacute em qualquer caso como se veraacute limitada ou incompleta O eu natildeo se veraacute na verdade a si proacuteprio mas como ser ‑aiacute abordaraacute o seu ser denominado existecircncia

259 Cf WhD 114ss A referecircncia de Heidegger eacute a versos de Houmllderlin ldquoDer Isterrdquo (Poemas trad de Paulo Quintela Coimbra 19592) 69 e Parmeacutenides Fr 6

260 SuZ 11 ‑12 Note ‑se ainda o sentido privilegiado da partiacutecula alematilde um na expressatildeo Worumwillen (84) onde cessa a conformidade meramente de utensiacutelios e se muda de registo em direccedilatildeo agrave significatividade e agraves possibilidades do proacuteprio ser ‑aiacute nas expressotildees Umsicht (69) Umgang (66 ‑67) e Umwelt (57) que substituem formas objetivantes da visatildeo do trato e do mundo em que se estaacute a espacialidade do ser ‑aiacute eacute definida tambeacutem pela preposiccedilatildeo um (66)

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 25: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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O eu pensante natildeo estaacute em caso algum perante si proacuteprio mas a sua relaccedilatildeo a si deriva de que eacute um ente do qual no dizer de Heidegger ldquoa esse ente no seu ser estaacute em jogo este mesmo serrdquo (ldquodiesem Seienden in seinem Sein um dieses Sein selbst gehtrdquo)261 A expressatildeo ldquoes geht umrdquo (ldquoestaacute em jogordquo ldquotrata ‑se derdquo) deliberadamente natildeo reflexiva natildeo representativa e radicada numa linguagem corrente natildeo conceptual encontra ‑se dicionarizada com os sentidos principais de ldquotratar derdquo e ldquoestar em jogordquo Refere ‑se assim ao interesse do homem no mundo ao tratar ou cuidar ao cuidado e agrave existencialidade da finitude para o pensar o que lhe faz conferir uma interpretaccedilatildeo existencial agrave sua possibildiade uacuteltima ie esta possibilidade natildeo eacute um limite teoacuterico para a conceptualizaccedilatildeo mas ser para a morte Este ente por ser ldquoaiacuterdquo por ldquoestarrdquo assume em relaccedilatildeo ao ser uma relaccedilatildeo em que esse mesmo ser estaacute em cada caso em jogo e lhe interessa O ser ‑aiacute natildeo reflete nesta expressatildeo caracteriacutestica diretamente sobre si mas ldquoa esse enterdquo (ldquodiesem Seiendenrdquo) em que o dativo diz a daacutediva do ser natildeo diretamente visaacutevel no jogo proposicional de sujeito e predicado Ou seja ldquono seu serrdquo (ldquoin seinem Seinrdquo) e natildeo nele mesmo simples e autonomamente algo ocorre de modo reflexivo o que seria dito ldquonesse proacuteprio enterdquo A reflexatildeo pertence ao proacuteprio ser do ente ‑aiacute e esta relaccedilatildeo ao ser assim desapropriado natildeo eacute representada con‑ceptualmente mas como um circunloacutequio um coloquial ldquodizer ‑lhe respeitordquo ou ldquoestar em jogordquo

A loacutegica da reflexatildeo eacute por sua vez desde Kant e mais explicita‑mente em Fichte conforme se referiu uma funccedilatildeo da posiccedilatildeo da razatildeo a partir da finitude O limite eacute o que mais fundamentalmente no modelo fichteano potildee em movimento a reflexatildeo e manteacutem ‑se como ponto cego necessaacuterio agrave reflexatildeo mas a partir dela natildeo justificaacutevel

261 Heidegger SuZ 12 e passim Cf SuZ 191 ‑192 onde o ldquoumrdquo surge articulado com a estrutura de antecipaccedilatildeo prenunciadora da finitude designada por Sich ‑vorweg‑‑sein ldquorsquoes geht umrsquo fassen wir als das Sich ‑vorweg ‑sein []rdquo (ldquoapreendemos o lsquotrata ‑se dehelliprsquo como ser ‑se ‑antecipadamente [hellip]rdquo) (192)

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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201

no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 26: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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O ponto cego da reflexatildeo natildeo eacute poreacutem interpretado pela loacutegica da reflexatildeo existencial e hermeneuticamente como ldquoser para a morterdquo mas loacutegica e criticamente como ldquofacto da razatildeordquo (ie a autonomia) um absoluto que natildeo pode ser deduzido a priori da reflexatildeo mas que tambeacutem natildeo pode ser tomado a partir do mundo262 O limite exigido pela reflexatildeo constitui facto mas facto cujo sentido soacute emerge na possibilidade de ser apropriado pela reflexatildeo

E inversamente a reflexividade presente no pensar de Heidegger natildeo eacute em cada caso a de um eu que autonomamente daacute sentido a si mesmo mas a de um ente ante o seu modo de ser que se eacute desocul‑tante e daacute ‑se como o ldquoaiacuterdquo do ser onde o mesmo se torna manifesto eacute igualmente um modo de ser em que definitivamente se apresenta um ldquoainda natildeordquo ocultador Essencial eacute reter que a figura assim descrita para a reflexatildeo natildeo eacute nunca circular de retorno a si mas desocultadora de um fundo e soacute a partir deste fundo conferindo sentido a si263 Eacute a passagem pelo fundo dominada por este que caracteriza o modelo do pensar como essencialmente natildeo reflexivo ou apenas deficiente‑mente reflexivo apresar das caracteriacutesticas por vezes duplicativas e de questionamento sobre si que ele necessariamente engloba Eacute que o si mesmo eacute primordialmente dado o que faz da verdade do pensar o agradecimento da daacutediva da essecircncia Ao mergulhar no fundo o si mesmo natildeo eacute posto por si mesmo mas dado a partir do fundo ou da mesmidade do fundo Este ente a cujo ser cabe o aiacute estaacute em cada caso ante um ser antes de o ser que se antecipa participando nisso do seu proacuteprio fim ldquoComo inadequada foi recusada a interpretaccedilatildeo do ainda ‑natildeo e com isso tambeacutem do mais extremo ainda ‑natildeo do ente aiacute no sentido de uma carecircncia pois ela envolvia a perversatildeo ontoloacutegica do ser ‑aiacute num disponiacutevel [Vorhandenes ente ‑simplesmente ‑dado] em si O ser ‑para ‑o ‑fim diz existenciariamente ser para o fim O mais

262 Sobre o facto da razatildeo v Kant KpV Ak V 31263 SuZ 284 ‑285

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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200

ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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201

no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 27: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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extremo ainda ‑natildeo tem o caraacutecter de algo para o qual o ser ‑aiacute estaacute [se comporta e se relaciona] Para o ser ‑aiacute o fim estaacute antes A morte natildeo eacute um ainda natildeo disponiacutevel natildeo uma uacuteltima carecircncia reduzida a um miacutenimo mas antes uma iminecircnciardquo264 A caracteriacutestica do limite aqui tatildeo necessaacuterio quanto a todo o pensar reflexivo eacute a sua iminecircncia e a interpretaccedilatildeo existencial do limite reflexivo pela qual fica interdita a constituiccedilatildeo duma totalidade que natildeo seja pragmaticamente resoluacutevel no cuidado existencial do ser ‑no ‑mundo

A relaccedilatildeo do ser ‑aiacute natildeo eacute a si mesmo estando a sua possibilidade tingida pelo modo do comportamento e da relaccedilatildeo ao seu proacuteprio ser265 que eacute existecircncia constitutivamente inacabada

Esta relaccedilatildeo eacute de desproporcionalidade em que a porccedilatildeo que ao ser ‑aiacute cabe natildeo lhe estaacute em cada caso disponiacutevel Ele natildeo dispotildee de si porque natildeo se potildee a si mas eacute simplesmente posto e isso que lhe falta natildeo eacute determinaacutevel mas atinge inteiramente o seu modo de ser tingindo ‑o de disposiccedilotildees afetivas que satildeo reflexivamente definitivas porque afetam de modo original ndash existencialmente ndash o seu proacuteprio ser A mortalidade cujo cumprimento lhe eacute iminente e estaacute jaacute antes mesmo de estar marca a reflexatildeo do eu que se interessa e se vecirc sempre em jogo e constitui por conseguinte a intrusatildeo da temporalidade no cerne da subjetividade de tonalidades existenciais e logo afetivas que tornam a relaccedilatildeo a si desproporcional Esta desproporcionalidade diz que o pensante soacute se pensa a si ante uma determinaccedilatildeo do sentido

264 SuZ 250265 E Tugendhat (Selbstbewuszligtsein und Selbstbestimmung Frankfurt a M 19894

esp 20 ‑21 31 188 ‑189) compreende esta relaccedilatildeo que natildeo eacute rigorosamente a si mas ao seu ser linguisticamente como relaccedilatildeo em que o sujeito natildeo eacute acessiacutevel como coisa presente mas sempre como funccedilatildeo proposicional de ser ou dizer ou pensar isto ou aquilo E por tal modo a relaccedilatildeo eacute sempre a tais funccedilotildees de ser etc jamais a algo presente e disponiacutevel para a reflexatildeo filosoacutefica Para a relaccedilatildeo reflexiva ao proacuteprio ser na expressatildeo ldquoes geht umrdquo acima referida v ib 172 ‑173 Em sentido convergente K Cramer ldquoUumlber Kants Satz Das Ich denke muszlig alle meine Vorstellungen begleiten koumlnnenrdquo(in Cramer et al (eds) op cit 167 ‑202) explicita a denominada aperceccedilatildeo em Kant como pensamento proposicional e exclusivamente funcional que natildeo pode receber conteuacutedo intuitivo ou sequer ser representado com sentido (cf 191 192n 202)

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 28: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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do ser que natildeo lhe estaacute disponiacutevel mas pela qual ele eacute absolutamente afetado E retomando o contraponto com o texto mais tardio que primeiro referimos sobre ldquoQue se chama pensarrdquo o homem natildeo produz a guardacircncia do ser que lhe eacute confiada mas apenas ldquohabita o abertordquo onde se reuacutene e guarda o a ‑pensar266

46 Aprender a pensar

A desproporcionalidade assim enunciada da relaccedilatildeo a si por intermeacutedio da relaccedilatildeo sempre preacutevia agrave mateacuteria do mundo a que se atende faz com que a aprendizagem do pensar constitua um modelo privilegiado para a sua determinaccedilatildeo O ensinar natildeo eacute disposiccedilatildeo de materiais e accedilotildees que conduzem agrave simetria de uma relaccedilatildeo da consciecircncia de si a si proacutepria a partir dum reconhecimento e reci‑procidade simeacutetrica que comeccedila por ser exterior267 mas aprender eacute lanccedilar ‑se na corrente268 hoje na esteira do proacuteprio a ‑pensar que nos arrasta269 Este aprender a deixar ‑se ir na corrente e na esteira do que se retira que constitui o pensar na sua proacutepria aprendiza‑gem estaacute jaacute segundo Heidegger num sentido para aleacutem do fim do pensar filosoacutefico como libertaccedilatildeo do espiacuterito de vinganccedila por

266 Heidegger WhD 97 A leitura do principal da obra de Heidegger sobre o pano de fundo do pensar estaacute feita por W Richardson Heidegger Through Phenomenology to Thought (The Hague 19743) onde entretanto a noccedilatildeo de ldquothoughtrdquo eacute mais amiuacutede objeto de levantamento do que reflectida (cf no entanto 21 80ss 103 478 ‑482) V tb D Halliburton Poetic Thinking (Chicago ndash London 1981 esp 214 ‑216) para uma apresentaccedilatildeo do pensar e tambeacutem da sua aprendizagem (113ss) sem considerar poreacutem senatildeo de modo muito restrito a sua vertente reflexiva

267 Para uma caracterizaccedilatildeo desta relaccedilatildeo reflexiva na educaccedilatildeo cf o nosso estudo ldquoSobre o Papel do Juiacutezo Reflexivo em Educaccedilatildeo O Conceito de Formaccedilatildeo em Fichterdquo in Philosophica 5 (1995) 35 ‑66

268 ldquoO que laquoquer dizerraquo nadar natildeo aprendemos por um tratado sobre o nadar O que quer dizer nadar eacute apenas o salto na corrente que nos dizrdquo (WhD 9)

269 WHD 5

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 29: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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ressentimento contra o tempo que passa270 mas estaacute ainda como limite no proacuteprio termo da filosofia ao resolver o sendo na vonta‑de de poder e no eterno retorno do mesmo afinal presentificaccedilatildeo absoluta271 O ensinar natildeo eacute pois transmitir ldquoconhecimentos uacuteteisrdquo mas apenas fazer e deixar aprender272 a partir do salto na proacutepria corrente da temporalidade originaacuteria do sentido do ser

ldquoEspera eu jaacute te ensino o que quer dizer obedecerrdquo A frase dita pela matildee ao filho poderaacute esclarecer de modo direto273 a partir da proacutepria relaccedilatildeo pedagoacutegica e de audiccedilatildeo e sobre o solo etimoloacutegi‑co o que mais propriamente caracteriza o pensar Neste aprender a pensar o querer dizer o significado apreende ‑se ao se ouvir (houmlren) como obedecer (horchen gehoumlrchen) e assim pertencer (gehoumlren) agravequilo que agrave sua essecircncia pertence274 (Esta pertenccedila essencial natildeo eacute por isso ocasional mas decisiva como copertenccedila original entre ser e homem275) Sentimo ‑nos assim no ouvir obrigados (houmlrig)276 ou como dizemos tambeacutem em portuguecircs reconhecidos (mas aqui natildeo simeacutetrica e comutativamente numa loacutegica de identidade e diferenccedila) e agradecidos (dankbar) e soacute por isso em estado de pensar (denken) o pensaacutevel (denk‑bar) Eacute que ldquoo agradecimento (Dank) eacute mais originaacuterio que o pensar (Denken) porque comeccedilamos por receber a daacutediva da nossa essecircncia dom que eacute o pensarrdquo277 A reflexatildeo eacute pois relaccedilatildeo de reconhecimento pelo pensar a isso que Heidegger denomina o ldquoenviordquo278 que antes

270 O comentaacuterio eacute naturalmente a Nietzsche entendido como o culminar da me‑tafiacutesica ocidental (WHD 36 ‑37)

271 WHD 36 ‑37272 WHD 50273 WHD 19274 WHD 19275 Cf WHD 13276 WHD 93277 WHD 94278 WHD 8

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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201

no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 30: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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de toda a reflexatildeo lhe conferiu a proacutepria essecircncia Eacute ao ldquoenviordquo que haveraacute no pensar que ouvir e obedecer

47 A reflexividade limitada

A reflexatildeo deixa de ser pois autorreferente tornando ‑se co‑‑respondente Aquilo que a partir do seu objeto para ela retornaraacute natildeo lhe eacute reconheciacutevel senatildeo como daacutediva ou oferta Isto tem o significado essencial de que a reflexividade perde qualquer funccedilatildeo privilegiada por exemplo a de acesso a um plano de normatividade orientadora ou de fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica ou eacutetica Ao cair este plano cai igualmente a ideia de uma reflexividade fundadora descobridora atuante substituiacuteda pela guardacircncia e aguardar na correspondecircncia do destino propiciador O ideal de autonomia exigiria a rigorosa autorreferecircncia da reflexatildeo mesmo na total alienaccedilatildeo e perda de si proacutepria A autonomia desaparece numa aprendizagem universal que configura o pensar memorial

O que neste panorama se evidencia como de difiacutecil interpretaccedilatildeo eacute a afirmaccedilatildeo de que esta daacutediva natildeo eacute como um estranho ao pen‑sar279 Esta familiaridade eacute um elemento necessaacuterio da reflexividade que deve surgir recuperado para que o pensar possa encontrar a sua correspondecircncia agrave daacutediva que lhe eacute feita Esta reflexividade eacute pois a da familiaridade do mesmo modo reconhecida por exemplo na apre‑ciaccedilatildeo esteacutetica que diz no essencial o mesmo ldquoa beleza eacute um envio da verdade com o que verdade quer dizer o desocultar que se oculta a sirdquo280 O que surpreende eacute a adequaccedilatildeo a noacutes disso que ouvimos e aguardamos O simples apreender o que se daacute e reconhececirc ‑lo como

279 WHD 8280 WHD 8 Note ‑se como a apreciaccedilatildeo esteacutetica eacute em Kant como acordo das facul‑

dades funccedilatildeo privilegiada da reflexatildeo sob a forma da faculdade e julgar

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 31: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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que um homem e uma mulher datildeo agrave beira ‑riordquo419 Ou teorizando este processo de sentir multiplamente em termos gerais ldquoO mais alto grau de sonho eacute quando criado um quadro com personagens vivemos todas elas ao mesmo tempo ndash somos todas essas almas conjunta e inte‑rativamente Eacute incriacutevel o grau de despersonalizaccedilatildeo e encinzamento [sic] do espiacuterito a que isso leva confesso ‑o [] Mas o triunfo eacute talrdquo420 Mas perante isto se a razatildeo da heteroniacutemia residisse somente aqui seria insuficiente ser somente quatro ou cinco heteroacutenimos perante este programa bem mais vasto de ser todas as perspetivas e todas as sensaccedilotildees separada e simultaneamente

A heteroniacutemia deriva por isso de diversos fatores(1) Eacute provocada em primeiro lugar pelo processo de ser ‑outro

imediato que pertence ao eu que reflete sobre si que jaacute caracterizei suficientemente acima Todo o espaccedilo da reflexatildeo eacute tambeacutem a possi‑bilidade de ver ‑se de fora como objeto identificar ‑se consigo aleacutem e fora de si um devir ‑outro

(2) Em segundo lugar obedece tambeacutem ao programa sensacionista de natildeo se ficar encerrado na perspetiva de um eu Eacute assim um programa iroacutenico e criacutetico de afastamento relativamente a todas as opiniotildees e naturalidades do caraacutecter e das convicccedilotildees Se bem se pode dizer em termos pessoanos que desconhecer eacute conhecer ‑se segundo o autor ldquodesconhecer ‑se conscienciosamente eacute o emprego ativo da ironiardquo421 Neste sentido bem apreendido pelo passo supracitado de Breacutechon eacute uma postura de desenraizamento e universalismo tipicamente modernos que Pessoa encarna acentuando ‑o de modo por vezes sofiacutestico A centralizaccedilatildeo de toda a atividade subjetiva na sensaccedilatildeo provoca de modo aparentemente inevitaacutevel a perda da identidade que eacute construiacuteda no ldquoeu pensordquo da inteligecircncia Sentir integralmente

419 LD 172 ‑173420 LD 444421 LD 165

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 32: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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conduz e consiste em sentir tudo de todas as maneiras porque sentir eacute desidentificar devir ‑outro ou perder o ortoacutenimo despessoalizar

(3) Em terceiro lugar talvez um dos pontos filosoficamente mais importantes e que natildeo estaacute de modo nenhum apreendido no excerto de Breacutechon a heteroniacutemia eacute um processo de objetivaccedilatildeo simples que eacute uma necessidade inerente do eu O desejo do reconhecimento pode assumir diferentes formas entre as quais as formas redutoras agrave iden‑tidade da consciecircncia mesmo que negativa como vimos no caso do Fausto O modo mais completo do reconhecimento eacute poreacutem o que Hegel denomina ldquoencontrar ‑se a si mesmo no seu outrordquo ou seja a de que o mundo objetivo esteja impregnado ou formado pelo eu O heteroacutenimo neste contexto eacute a projeccedilatildeo objetivada do eu que pode entatildeo romper a barreira do seu isolamento e encontrar ‑se como eu‑‑outro numa obra Neste sentido a heteroniacutemia em termos hegelianos encerra uma teoria da arte ou melhor eacute a propria condiccedilatildeo artiacutestica Lecirc ‑se assim nas Liccedilotildees de Esteacutetica de Hegel ldquoa necessidade universal e absoluta de que brota a arte [] encontra a sua origem em que o homem eacute uma consciecircncia pensante ou seja que o homem torna para si o que ele eacute e em geral tudo aquilo que eacute As coisas da natureza satildeo soacute imediatamente e uma vez mas o homem como espiacuterito duplica ‑se [] intui ‑se representa ‑se pensa e soacute por intermeacutedio deste ser ‑para‑‑si ativo eacute espiacuteritordquo422 Esta duplicaccedilatildeo do eu no seu outro contudo eacute a verdade da falsa duplicaccedilatildeo do nada que encontraacutemos no Fausto O que espanta eacute que a heteroniacutemia como instrumento oacutebvio de auto‑‑objetivaccedilatildeo e reconhecimento natildeo seja a norma mas uma exceccedilatildeo nos procedimentos artiacutesticos e criativos em geral Seria de esperar que fosse o processo natural da criaccedilatildeo artiacutestica sendo a ortoniacutemia um caso ex‑cecional de devir ‑idecircntico O poder expressivo da heteroniacutemia deriva de que eacute a descoberta de um processo comum e forccediloso de objetivaccedilatildeo que subjaz esquecido mesmo sob a superfiacutecie da autoria

422 Hegel Werke 13 50 ‑51

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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198

Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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199

A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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200

ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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201

no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 33: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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(4) Por isso em quarto lugar a heteroniacutemia eacute um instrumento po‑derosiacutessimo de autoconhecimento Soacute assim se entendem afirmaccedilotildees como ldquoFingir eacute descobrir ‑serdquo423 Porque o conhecimento de si eacute tam‑beacutem a formaccedilatildeo de si a criaccedilatildeo do autor juntamente com a obra eacute um processo evidente e natural que Pessoa se limita a tornar expliacutecito o que ainda mais se confirma pelo fato de que o proacuteprio ortoacutenimo acabaraacute por se assumir tambeacutem como mais um participante do jogo heteroniacutemico Por este jogo os diferentes traccedilos e potencialidades da personalidade satildeo cuidadosamente representados distinguidos desenvolvidos e objetivados o que conduz a um autoconhecimento muito mais completo do que o que eacute dado na ortoniacutemia Tambeacutem aqui soacute surpreende que um procedimento tatildeo oacutebvio de autoestudo natildeo tenha sido descoberto e praticado mais cedo

(5) Mas a heteroniacutemia eacute tambeacutem teoria da criaccedilatildeo artiacutestica num outro sentido Ao representar ou expor natildeo soacute o objeto artiacutestico mas juntamente e ao mesmo tempo que ele o seu autor a heteroniacutemia permite representar o proacuteprio processo da criaccedilatildeo artiacutestica Todo o processo de representaccedilatildeo que parte do autor estaacute normalmente juntamente com o autor omisso De modo similar agraves gravuras de Escher como veremos onde o representante ou o observador estaacute representado na representaccedilatildeo ndash com tudo o que isto tem de parado‑xal porque remete sempre para um ato e realizaccedilatildeo subjetivos por princiacutepio jamais representaacuteveis como objeto424 ndash tambeacutem em Pessoa o criador eacute criado juntamente com a criaccedilatildeo Isto que eacute normalmente do domiacutenio dos factos havendo na obra apenas a representaccedilatildeo de uma parte do quadro geral do processo da criaccedilatildeo surge aqui sim‑plesmente reproduzido integralmente O sujeito representante estaacute assim literalmente representado na representaccedilatildeo e a tese eacute que ele

423 F Pessoa Livro do Desassossego I ed Teresa Sobral Cunha Presenccedila Lisboa 1990 240

424 Que a representaccedilatildeo do processo de criaccedilatildeo artiacutestica eacute o principal objeto da criaccedilatildeo artiacutestica v Capiacutetulo 3 supra

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 34: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

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existe tanto mais quanto mais claramente fica representado Eacute assim patente que o essencial da representaccedilatildeo artiacutestica eacute natildeo o objeto mas o ato criativo que estaacute na base de toda a representaccedilatildeo Por isso a heteroniacutemia eacute uma reflexatildeo ou teorizaccedilatildeo da criaccedilatildeo artiacutestica e da proacutepria subjetividade

(6) Mas refira ‑se tambeacutem na sequecircncia do ponto anterior que esta autocriaccedilatildeo do criador que eacute afinal um elemento central da arte realiza uma autorreferecircncia objetivada de tal modo que evita a armadilha faacuteustica da subjetividade representada como buraco negro Temos na heteroniacutemia natildeo soacute um outro eu mas tambeacutem como se viu um eu ‑outro eu naturalizado objetivado que permite reconciliar o sujeito com o seu mundo A importacircncia da auto ‑objetivaccedilatildeo natildeo eacute reproduzir ‑se mas perder ‑se como condiccedilatildeo de reconciliaccedilatildeo

(7) E finalmente por todas estas razotildees a criaccedilatildeo heteroniacutemica eacute um vasto estudo sobre a ligaccedilatildeo e a interaccedilatildeo entre a literatura e a vida Torna ‑se evidente que a consciecircncia tanto mais se preenche e enriquece quanto maior a sua capacidade de operaccedilatildeo e objetivaccedilatildeo E consequen‑temente encontra ‑se no ldquooutrar ‑serdquo pessoano uma demonstraccedilatildeo da capacidade formativa e autoformativa da literatura e que se eacute verdade que o autor cria a obra natildeo o eacute menos que a obra forma e constitui o autor que toda a accedilatildeo ou criaccedilatildeo eacute reflexiva formando tanto o autor quanto a obra Nos termos de Pessoa ldquoToda a literatura consiste num esforccedilo para tornar a vida realrdquo425 ou ldquoHaacute metaacuteforas que satildeo mais reais do que a gente que anda na ruardquo426 Em suma ldquosou em grande parte a mesma prosa que escrevordquo427

Com base nesta breve tematizaccedilatildeo dos aspetos iniciais do estudo da intraestrutura categorial da obra de Pessoa podemos avanccedilar para

425 LD 140426 LD 172427 Fernando Pessoa Livro do Desassossego I (ed Galhoz e Cunha Aacutetica Lisboa

1982 240) cit in Breacutechon op cit p 519

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um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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201

no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 35: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

197

um esboccedilo breve do desenvolvimento conceptual sistemaacutetico que estes aspetos iniciais devem neste contexto receber

Em geral dada a ceacutelula germinal da negatividade os heteroacuteni‑mos desenvolvem ‑se como uma seacuterie diferencial de modulaccedilotildees da alteridade com relaccedilatildeo agrave negatividade de onde satildeo originaacuterios Em Ricardo Reis encontra ‑se diferentemente do que vimos ser o caso no Fausto a negatividade transformada num mundo habitaacutevel a partir em primeiro lugar da experiecircncia do tempo Esta vivecircncia manteacutem ‑se negativa mas estaacute mantida sobre uma durabilidade tal que

ldquo[] agrave arte o mundo Cria que natildeo a mente Assim na placa o externo instante grava Seu ser durando nelardquo428

Os temas partem da temporalidade e brevidade da vida humana para a qual a arte eacute a gloacuteria breve de uma coroa de flores tatildeo breve quanto o pode ser o prazer e o instante O negativo estaacute transmu‑tado numa natureza reconciliada mas dentro dos limites estritos da consciecircncia temporal em que a presenccedila da morte eacute incessante A aceitaccedilatildeo do destino e do prazer permite todavia tolerar essa presenccedila O estilo de Reis reflete a forma plenamente desenvolvida e apurada mas vincada fortemente como forma porquanto reteacutem a marca da natildeo naturalidade do domiacutenio subjectivo e intelectual da expressatildeo forma ainda separada do outro pela finitude e pela tem‑poralidade que tingem a reconciliaccedilatildeo com uma simultacircnea perda de si O vincar extremo da forma poeacutetica da linguagem faz compreender que a reconciliaccedilatildeo eacute tambeacutem somente formal que o seu conteuacutedo estaacute sempre ausente para laacute do tempo dos deuses ou do destino invocados

428 RR 13

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198

Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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199

A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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200

ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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201

no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 36: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

198

Jaacute o Engenheiro Aacutelvaro de Campos encontra em si um outro efeito patente da negatividade entendida como alteridade ser ‑outro ou me‑lhor o outro que eacute o mesmo porque reconstituiacutedo como outro do outro Assim recuperado o outro encontra ‑se como sensaccedilatildeo agrave superfiacutecie esfeacuterica da reflexatildeo do sujeito O real eacute entatildeo fenoacutemeno transmutado por um lado em sensaccedilotildees por outro em forccedilas como na proposta de Pessoa ldquoPara uma Esteacutetica Natildeo Aristoteacutelicardquo onde o belo eacute substituiacutedo pela forccedila O real soacute eacute acessiacutevel como forccedila e sensaccedilatildeo Mas a par da sensaccedilatildeo o real soacute pode ser recuperado tambeacutem na contradiccedilatildeo da reflexatildeo ndash que eacute a marca proacutepria tambeacutem do ortoacutenimo Na poesia do engenheiro naval este aspeto eacute recorrente em passos como o seguinte

ldquoAgrave esquerda laacute para traacutes o casebre modesto mais que modesto]A vida ali deve ser feliz soacute porque natildeo eacute minhardquo429

Nesta universalidade das sensaccedilotildees Campos declara

ldquoeu adoro todas as coisas e o meu coraccedilatildeo eacute um albergue aberto toda a noite Tenho pela vida um interessse aacutevido]Que busca compreendecirc ‑la sentindo muito Amo tudo animo tudo empresto humanidade a tudo]Aos homens e agraves pedras agraves almas e agraves maacutequinas Para aumentar com isso a minha personalidade

Pertenccedilo a tudo para pertencer cada vez mais a mim proacutepriordquo430]

429 AC 36430 AC 99

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199

A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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200

ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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201

no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 37: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

199

A aceitaccedilatildeo de tudo jaacute natildeo eacute regida aqui como em Reis pela tem‑poralidade a finitude e o amor fati mas pela capacidade do eu de se exteriorizar ou de ser unicamente exterior de modo a se preencher pelos fenoacutemenos e pelas suas manifestaccedilotildees A negatividade estaacute mais para traacutes encontrada no sujeito jaacute transformada em impulso de perda da unidade subjetiva e de aceitaccedilatildeo da sensibilidade como redenccedilatildeo do pensamento que permanece dela sempre tanto idecircntico quanto separado para que dela possa ter consciecircncia Aqui o esti‑lo tendencialmente histeacuterico especialmente na sua fase inicial das grandes Odes eacute dotado de uma violecircncia que responde agrave necessidade destrutiva do sujeito pensante e da negatividade para que se possa desapossar na pura superfiacutecie das sensaccedilotildees e das forccedilas que delas se dirigem agrave expressatildeo

Completa a seacuterie principal da heteroniacutemia que procuraacutemos entender como um quasi ‑sistema de resposta diferencial agrave negatividade o mestre de todos os outros heteroacutenimos Alberto Caeiro431 Na descriccedilatildeo que nas

431 A propoacutesito tambeacutem da compreensatildeo de Caeiro leia ‑se Paulo Borges ldquoContra‑riamente ao que escreve Leyla Perrone ‑Moiseacutes uma das mais interessantes inteacuterpretes de Pessoa a sua laquogranderaquo e laquouacutenicaraquo laquoquestatildeoraquo natildeo nos parece ser laquosempre a iden‑tidade almejada e falhadaraquo (F Pessoa Satildeo Paulo 1982 72) e antes um excesso de pressuposiccedilatildeo de identidade e de pretensatildeo agrave sua consciencializaccedilatildeo e totalizaccedilatildeo que lhe faz ressentir em termos fuacutenebres todo o pressentimento ou experiecircncia da sua real vacuidade e incognoscibilidade Rejeitando o iacutentimo laquonadaraquo como um ser jaacute laquotudoraquo o que o levaria a descentrar ‑se e perder ‑se encontrando ‑se na exuberante multiplici‑dade dos seres e fenoacutemenos do mundo sem carecer imaginaacute ‑los em si ou a partir de si redu ‑los a mero ponto de partida da solipsista reinvenccedilatildeo do mundo como teatro interno [] Isto num enredo onde sintomaticamente satildeo sistematicamente exorciza‑das todas as emergecircncias da alteridade real como a vida e o amor [] Por tudo isto ndash e salvaguarde ‑se a precariedade de todos estes juiacutezos [] ndash a genialidade literaacuteria de Pessoa pode natildeo ser mais do que o verso de um reverso que seja um natildeo menos grandioso insucesso sapiencialrdquo (Paulo Borges Pensamento Atlacircntico Lisboa 2002 331 ‑332) O comentaacuterio de Paulo Borges parece aqui esquecer a funccedilatildeo sistemaacutetica de Caeiro sublinhada sempre pelo contraacuterio por Joseacute Gil Por outro lado Paulo Borges conclui com reservas eacute certo por um fracasso sapiencial e vivencial de Pessoa num campo onde precisamente pelo contraacuterio natildeo seria possiacutevel encontrar o menor traccedilo de ignoracircncia no poeta Natildeo haacute em Pessoa justamente este saber do nada do eu como recuperaccedilatildeo do mundo Descrever o percurso que conduz ateacute esta recuperaccedilatildeo do ser e percorrecirc ‑lo talvez incessantemente eacute sinal antes do reconhecimento sem ilusatildeo da condiccedilatildeo finita Quanto agrave positividade sapiencial e aspetos do ecircxito vivencial do poeta v tambeacutem o Capiacutetulo anterior pp 186‑188

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200

ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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201

no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 38: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

200

ldquoNotas para a Recordaccedilatildeo do meu Mestre Caeirordquo Aacutelvaro de Campos faz do mestre tudo evoca uma clareza e retidatildeo transcendentes Caeiro per‑mite alcanccedilar o extremo oposto de Fausto Nele a negatividade esgotou ‑se em si mesma encontra ‑se inteiramente anulada ou autoanulada de tal modo que o resultado eacute a sua pura e simples elisatildeo Numa aproximaccedilatildeo dialeacutetica encontrariacuteamos aqui a mediaccedilatildeo perfeita Caeiro eacute como que o milagre da mediaccedilatildeo integralmente realizada o retorno absoluto ao imediato432 onde jaacute o modo da expressatildeo se opotildee contraditoriamente ao de Reis Ao maacuteximo artificialismo que era o traccedilo da essecircncia negativa como forma acentuando a evanescecircncia do conteuacutedo opotildee ‑se a total naturalidade do discurso caeiriano absolutamente claro e direto for‑malmente neutro nem prosa nem poesia A linguagem encontra aqui a plena naturalidade porventura como o seu paiacutes natal

A contradiccedilatildeo criacutetica e moderna que constitui a subjetividade finita entre pensamento e sensaccedilatildeo estaacute agora definitivamente conciliada numa unidade de forma e conteuacutedo que natildeo eacute a da vazia identidade do sujeito O eu ‑outro reconciliador da natureza e do espiacuterito estaacute encontrado na mediaccedilatildeo autoanulada do negativo Em termos dialeacuteticos poderia dizer‑‑se que jaacute natildeo temos a fuacuteria destrutiva e anuladora da pura essecircncia negativa mas tatildeo ‑pouco a mera positividade imediata e preacute‑reflexiva do ser Na verdade Caeiro soacute pode resultar do processo de atravessar a contradiccedilatildeo e o negativo e passar aleacutem ateacute ao seu oposto que sem o esquecer tem ‑nos (o negativo e o positivo) em si reconciliados

66 Conclusatildeo os modos da diferenccedila em Pessoa

Uma vez que como se viu Pessoa se casou com a diferenccedila para prosseguir seria preciso analisar os modos que a diferenccedila assume

432 Como observa Gil a proacutepria relaccedilatildeo da alma com corpo eacute transfigurada J Gil op cit 30 ‑35

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201

no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 39: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

201

no seu pensamento Nessa anaacutelise que por exceder os limites deste estudo natildeo poderei mais do que indicar seraacute necessaacuterio analisar o lugar das trecircs formas principais da diferenccedila filosoacutefica na obra do autor Satildeo elas nomeadamente a diferenccedila reflexiva ou seja a que cria o distanciamento entre eu e eu cuja funccedilatildeo jaacute foi desenvolvi‑da acima em segundo lugar a diferenccedila criacutetica ou seja a diferenccedila entre o pensar e o sentir ou a emoccedilatildeo cuja importacircncia em Pessoa eacute fulcral como vimos A este niacutevel assiste ‑se na sua obra agrave criaccedilatildeo de todo um imaginaacuterio poeacutetico a partir de um jogo de eclipsamento muacutetuo entre pensamento e sensaccedilatildeo entre pensar e ver Este jogo eacute constitutivo da imagem poeacutetica E por fim em terceiro lugar poderaacute mencionar ‑se a diferenccedila transcendental ou seja a diferenccedila entre o objeto visto e a sua visibilidade ou entre o ente e o sentido que o permite apreender Na verdade a poesia tem por funccedilatildeo pocircr entre parecircnteses a realizaccedilatildeo entificadora do real e substituiacute ‑la por uma reflexatildeo transcendental sobre os meios expressivos do olhar que permite ver o real Neste sentido toda a poesia natildeo menos que o pensamento filosoacutefico eacute eminentemente uma atividade transcenden‑tal Tambeacutem esta diferenccedila encontra o seu lugar no pensamento de Pessoa sob a forma da ausecircncia ou perda de sentido da pergunta em que a diferenccedila entre o ente e o ser eacute claramente enunciada Mas tambeacutem o voltar ‑se para o proacuteprio meio expressivo ou seja para a condiccedilatildeo da mostraccedilatildeo poeacutetica dos entes eacute um modo de enunciado da diferenccedila transcendental Este eacute o sentido das passagens onde o autor defende que a criaccedilatildeo literaacuteria o saber dizer eacute a verdadeira instituiccedilatildeo de sentido ldquoDizer Saber dizer Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual Tudo isto eacute quanto a vida vale []rdquo433

Mas o desenvolvimento da anaacutelise das diferenccedilas decisivas seria jaacute um outro capiacutetulo da investigaccedilatildeo filosoacutefica sobre Pessoa

433 LD 141

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312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 40: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

312

Gadamer H G 79 295 297 305Gil Joseacute 184 187 191 198Gilgamesh 249Hegel G W F 85 ‑97 99 ‑102

108 ‑111 114 ‑119 165 175 181 204 207 248 256 ‑262 264 ‑ 266 268 271 ‑274 276 278

Heidegger M 47 64 65 69 ‑79 121 123 126 ‑129 139 ‑161 171 200 269 270 275 ‑277 279 297 306

Heraclito 245Hesiacuteodo 249Houmllderlin J Ch F 161Homero 240Horkheimer Max 246Horne Tooke 66 67 70Hume David 89Husserl E 24 47 ‑59 64 ‑ 67 74

76 ‑80 269 270 281 ‑318Hourcade Pierre 189Jacobi F H 272Jensen Adolf 248Kant I 42 45 ‑47 121 ‑127 130‑

‑139 255 ‑258 309Le Corbusier 267 268 271 274Leibniz G W 65Locke J 67 68Loos Adolf 267 270Lourenccedilo Eduardo 191Marco Tuacutelio (v Ciacutecero)Marduk 249Marinho Joseacute 217 ‑233 236

Mill John Stuart 52Monteiro Adolfo Casais 188 204Nietzsche F 248Osiris 249Parmeacutenides 191 Perseacutefone 249Pessoa F 165 ‑215Platatildeo 191 236 242 297Plotino 256 257Reacutegio Joseacute 188 189Reis Ricardo 168 169 176 193

204 210 212 213Rietveld G Th 270Sartre J P 171 198Saussure F de 57 71 73Schelling F J W 239 242Searle John 80Saacute Carneiro Maacuterio de 186Sena Jorge de 188Sigwart Ch 218Simmel Georg 274Simotildees Joatildeo Gaspar 185 188Soares Bernardo 168 170 171

172 173 179 182 187 193 Soacutecrates 37Sousa Eudoro de 236 ‑251Tiamat 249Uacuterano 249Vitruacutevio 261Winfield Richard Dean 260 273Wittgenstein L 22 48 59 ‑65

267 269 274

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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iacute n d i c e a n a l iacute t i c o

Accedilatildeo 181 182actio 36Agradecer agradecimento 149

150 152 156 159Alegoria 243 247 250Aleph 106 113Alma 174Antiguidade 21 38 165 240 249

308 Antropologia 188Aparecircncia 183 257Aprender 148 154 ‑156Arco 263Argumentaccedilatildeo 31 32Arquitetura 255 260 263 264Arquitetura fim da (ver tb Poacutes‑

‑arquitetura) 266Arquitetura claacutessica 262Arquitetura romacircntica 263 264Arquitetura simboacutelica 261Arte 257 ‑259Arte fim da 265Arte funeraacuteria 261

Ato 92 93Automoacutevel 268 271Aviatildeo 271Belo 256Catedral goacutetica 263 264Ceticismo 295Ciecircncia 308 311 313Ciacuterculo 108Cisatildeo 218 ‑221 224Coluna 262Complementaridade 241Comunicaccedilatildeo 27 54 ‑56Conceito 260Consciecircncia 64 98 102 104 175Consciecircncia infeliz 181 182 188

203Consciecircncia natural 91Contradiccedilatildeo 112 ‑116Contradiccedilatildeo dialeacutetica 110Contradiccedilatildeo performativa 33Contraditoacuterio 275Correspondecircncia 128 159Cristianismo 249

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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314

Criacutetica 139 153Daacutediva 150 151Decisatildeo 304Deiciacutedio 248 250Dema divindades 248Des ‑velamento 151Deus 196 201 227 229 248Diaboacutelico 245 250 251Dialeacutetica 93Diferenccedila 102 115 165 166 200

202 214 231Diferenccedila criacutetica 214Diferenccedila reflexiva 214Diferenccedila transcendental 214Disponibilidade 243 ‑245Dor 176 ‑181Duplicaccedilatildeo 174Ego transcendental 316Ek ‑sistencial 158Empirismo 68Enigma 223 224 228 230Entre 200Envio 150epocheacute 302 305 307 ‑311 314Espaccedilo 263Espiacuterito 160 258Espiacuterito absoluto 258Essecircncia 180 183 197Esteacutetica 256Estoicos 21 30Etimologia 68 ‑74 141 142Eu eu sou 100 134 157 171 172

178 179 201 276

Eu outro 199 209 213Eu penso 135Evidecircncia 48 49 58 76 287 313Existecircncia 76 132Experiecircncia 127 130Explicar (Erklaumlren) 50 278 279Expressatildeo 51Facto 59 146Facto da razatildeo 146Fenoacutemeno 64Fenomenologia 50 282 298 302

303Filosofia da Linguagem 22 30 58Filosofia transcendental 30 46

93 309 310Fingimento 183 186 207Finitude 79 145 158 293Forma (v tb fundo) 94Formas de vida 63Formas do juiacutezo 47Fundamentaccedilatildeo 283 284 288Fundo (Grund) 94 95 117 146 159Gramaacutetica pura 65Habitar habitaccedilatildeo 148 159 262

272 274 277Haacuteptico 275Hermenecircutica 48 76 79Heteroniacutemia 170 190 191 203 ‑209Histoacuteria efetual 305Historicidade 317Homem 241 251 258Horizonte 238 239 240 246

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315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

Page 43: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

315

Humanidade 170 302Idade Meacutedia 166 205 264Ideia idealidade 48 86 257Ideia esteacutetica 259Imagem 60 96 98Imaginaacuterio 275Imediatez 169Insubstancial substante 231 232Intelecccedilatildeo (natildeo ‑intelecccedilatildeo in‑

telectividade) 52 53 56 ‑58 287 ‑291

Intelecccedilatildeo substituiccedilatildeo da 289Intelecccedilatildeo perda da 290Intencionalidade 55 286 299Interpretaccedilatildeo 72Interrogaccedilatildeo 223 225Intuiccedilatildeo 86 105Irracionalismo 303 306Jogo 247Jogos de linguagem 63Juiacutezo 47 219 ‑224Juiacutezo de gosto 255 259Juiacutezo reflexivo 136 137Linguagem 27 43 ‑47 53 55 60

71 80 290 295Lisboa 188Literatura 209Literatura fantaacutestica 105Luz 96 263Malin geacutenie 293Manifesto 267Matematizaccedilatildeo 308

Mateacuteria materialidade 90 155 263 264

Maturaccedilatildeo 186medicina mentis 63 65Memorar 140Mente 67 68 310Mestre interior 25Metafiacutesica 89 152 160Metaacutefora 209Mito 239 242 ‑249 250Mitologia 236 247Modernidade 44 46 66 151 166

176 191 270 271 278 305 307 ‑310 313 317

Modernismo 267‑270 275Modernismo criacutetica ao 271Morte 101 117 145 146 147 158

248 249Mostrar 64 257Mundo 62 244 247 249 294

303 315Mundo da vida 290 302 303 307

312 314 315 317 318Mundo invertido 89 90 115Nada 158 167 169 174 175 180

181 185 192 193 196 200 226 232

Natildeo ‑ser 191Necessidade 143Negaccedilatildeo 109 112 117 167 168

170 174 186 220 222 224 251 271 ‑274

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

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317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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316

Negaccedilatildeo dupla 176 192 272Negatividade 116 175 178 181

192 193 210 ‑212 217 218 224 225 228 268 271 273

Niilismo 272 273Objetos impossiacuteveis 108 113 116Observador 92 93 95 ‑97 100 ‑103

115 117Obstaacuteculo (Anstoszlig) 128Oceano 240Olho 61 99 100 198lsquoOutrar ‑sersquo 170 209Ouvir 149Palavra 225 226Parteacutenon 268Pensar memorial 126 Pensar pensamento 56 86 121‑

‑123 128 129 155 156 159 160 279

Performativo 35Persuasatildeo 23 26 27Pertenccedila 161physis 241Ponte 275 ‑279Poacutes ‑arquitetura 264Poacutes ‑histoacuteria 266 267Pragmaacutetica 29 32 35 269Praacutexis praxioloacutegico 302 311Predicaccedilatildeo 219Preenchimento do plano 108 ‑110Preacute ‑predicativo 219 ‑221Preacute ‑socraacuteticos 236 237 241

Pressupostos pragmaacuteticos 34Projeto 237 244 246 ‑248Proposiccedilatildeo 60 61Psicologia 308 ‑310Psicologismo 48 50 285 298 303Quaternidade 277Razatildeo 46 66 104 112 141 151

221 279Recordaccedilatildeo (Erinnerung) 91 95

105 106Reduccedilatildeo das ciecircncias 312Reduccedilatildeo fenomenoloacutegica 298

301 302 306 314Reduccedilatildeo retoacuterica 34Reduccedilatildeo transcendental 315 317Reflexatildeo exterior 111Reflexatildeo interna 111Reflexatildeo loacutegica 124Reflexatildeo refletir 59 63 ‑65 77 85

87 91 92 94 96 ‑98 121 ‑126 130 132 ‑135 137 ‑139 141 145 150 153 155 ‑157 160 161 173 230 269 278 296

Relativismo 283 285 292 294 297Renascimento 266 308Representaccedilatildeo 86 92 96 99 103

133 208Retoacuterica 23 24 28 ‑32 37 38Saber absoluto 232Saudade 177 178Sensaccedilatildeo 171 172 175 212Sensibilidade 171 172

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

Page 45: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

317

Sentido 61 62 66 269 306Separatividade 224 225Ser 75 144 187 229 232Ser ‑aiacute (Dasein) 75 ‑79 146 147Ser ‑outro 203 206Significaccedilatildeo 45 48 50 54 57

227 232Significado 50 51 54 56 67 70

156 160 227 239 243 296Significante 73Signo 30 51 53 72 73 78 79 218Siacutembolo simboacutelico 226 239 245

250Sinal 51 ‑55Sistema 58Sofistas 297Solo 313Subjetividade 46 223 310Substruccedilatildeo 308Sujeito 41 46 61 62 78 93Tautegoria 243 244 250Teleologia 317Templo claacutessico 262 263 268Tempo temporalidade 78 79

80 105 128 139 148 149 153 175 180 210 238 239 247

Teoria 295Trabalho manual 154Transcendental 45 125 131 309Triacircngulo 250 251Ultrassensaccedilatildeo 170Unidade ideal 51

Validade 43 45Valor 43 44 45 62Verdade 229 232 294 295 298Vertigem 97 98Vida 304Vida transcendental 316Visatildeo uniacutevoca 224 229Vontade 304Zahir 105 113

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o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 46: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

o B r a s c i ta d a s

Este iacutendice ordena alfabeticamente por tiacutetulo as obras citadas no corpo do texto Natildeo estatildeo incluiacutedas as obras citadas nas notas de rodapeacute

Heidegger A Caminho da Lin guagem 70

Jacobi Carta a Fichte 272Hegel Ciecircncia da Loacutegica 94 109

116Heidegger Construir ndash Habitar ndash

Pensar 275Husserl A Crise das Ciecircncias

Europeias e a Fenomenologia Transcendental 66 74 290 301

Kant Criacutetica da Razatildeo Pura 42ssKant Criacutetica do Juiacutezo 136ss 255Saussure Curso de Linguiacutestica

Geral 58Vitruacutevio Dez Livros de Arqui tetura

260Hegel Enciclopeacutedia das Ciecircncias

Filosoacuteficas 90 108Horne Tooke Epea pteroenta 67 Pessoa Fausto 193 ‑199 202 203

Hegel Fenomenologia do Espiacuterito 91 92 102 104 119 116 218

Borges Ficccedilotildees 88 Pessoa O Guardador de Rebanhos 169Borges Histoacuteria da Eternidade 88Eudoro de Sousa Histoacuteria e Mito

235Eudoro de Sousa Horizonte e

Complementaridade 235 245Ciacutecero Hortecircnsio 39Husserl A Ideia da Fenome nologia

286Husserl Ideias para uma Fenome‑

nologia 299 316Heidegger Introduccedilatildeo agrave Filosofia

69Husserl Investigaccedilotildees Loacutegicas 48

290 296

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320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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Page 47: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

320

Hegel Liccedilotildees de Esteacutetica 207 255Pessoa Livro do Desassossego 75

182 183 200 203 205Heidegger A Loacutegica como Questatildeo

pela Essecircncia da Linguagem 71Pessoa Mensagem 185Santo Agostinho Do Mestre 21ss

27As Mil e Uma Noites 52Eudoro de Sousa Mitologia 235

236Ciacutecero Do Orador 21 ‑31 36Loos Ornamento e Crime 267Platatildeo Parmeacutenides 224Le Corbusier Por uma Arqui tetura

267Husserl Prolegoacutemenos agrave Loacutegica

Pura 281 ‑299 303

Eudoro de Sousa Sempre o Mesmo acerca do Mesmo 235

Heidegger Ser e Tempo 65 75ss 139 157 269 275

B uuml h l e r S p r a c h t h e o r i e D i e Darstellungsfunktion der Sprache 72

Hesiacuteodo Teogonia 249Marinho Teoria do Ser e da Verdade

217 ‑233Adorno Teoria Esteacutetica 265Ciacutecero Topica 32Wittgenstein Tractatus logico‑

‑philosophicus 60 62 267 269Gadamer Verdade e Meacutetodo 297Ceacuteline Voyage au bout de la nuit

199

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v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

Versatildeo integral disponiacutevel em digitalisucpt

Page 48: TRANSPARÊNCIAS Linguagem R C Pessoa · livro abordam a auto-transparência reflexiva e linguística humanas, na sua relatividade, vir-tualidades e perplexidades. É privilegiado

v o l U m e P U B l i c a d o s n a s eacute r i e i d e i a

1 Diogo Ferrer Luciano Utteich A Filosofia Transcendental e a sua criacutetica idealismo fenomenologia hermenecircutica (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2015)

2 Maria Luiacutesa Portocarrero Joseacute Beato Ricoeur em Coimbra receccedilatildeo filosoacutefica da sua obra (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

3 Maria da Conceiccedilatildeo Camps Maacuterio Santiago de Carvalho Cor natureza e conhecimento no curso Aristoteacutelico Jesuiacuteta conimbricense (1592‑1606) (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2016)

4 Margarida I Almeida Amoedo Ortega y Gasset em Lisboa Traduccedilatildeo e enquadramento de La razoacuten histoacuterica [Curso de 1944] (Coimbra Imprensa da Universidade de Coimbra 2017)

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