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TRANSIÇÃO DA ESCRITA ALFABÉTICA PARA A ORTOGRÁFICA: jogos e

mediação pedagógica

Autora: Lucilia Vernaschi de Oliveira1

Orientadora: Nerli Nonato Ribeiro Mori2

Resumo

Este artigo busca refletir sobre as contribuições dos jogos na aprendizagem e no desenvolvimento da ortografia da língua portuguesa, principalmente para alunos dos anos iniciais do ensino fundamental. Em relação à metodologia, trata-se de uma pesquisa teórico-prática, aplicada durante o segundo semestre de 2011, no Instituto de Educação Estadual de Maringá, Paraná e, também, por meio de atividade on line de Grupo de Trabalho em Rede – GTR, da qual participaram 10 (dez) professores da rede estadual de ensino. Ainda, como procedimento metodológico, foi realizado intervenção pedagógica por meio de 08 (oito) oficinas a um grupo de 15 (quinze) alunos do quarto semestre, do Curso de Formação de Docentes, na disciplina de Estágio Supervisionado, na qual ocorreu a implementação de 15 (quinze) jogos ortográficos destinados a aprendizagem da nossa língua materna. A implementação de nossa pesquisa confirmou a importância dos jogos para a aprendizagem e o desenvolvimento da leitura e escrita.

Palavras-chave: Jogos Ortográficos; Aprendizagem da Escrita; Mediação

Pedagógica.

Abstract:

This article reflects on the contributions of games in learning and development of Portuguese orthography, especially for students of the early years of elementary school. Regarding methodology, it is a theoretical and practical research, applied during the second half of 2011, the Institute of Education of Maringá, Paraná, and also through online activity Group Networking - GTR , attended by 10 (ten) teachers from state schools. Still, as a methodological procedure was performed by means of educational intervention eight (8) workshops to a group of 15 (fifteen) students of the fourth semester, the Teacher Training Course in Supervised discipline, which occurred in the implementation of 15 (fifteen) spelling games for learning our mother tongue. The implementation of our research confirmed the importance of games for

learning and development of reading and writing.

Keywords: Orthographic Games, Learning Writing; Pedagogical Mediation.

1 Professora Pedagoga da Rede de Ensino do Estado do Paraná, participante do Programa de Desenvolvimento

da Educação – PDE – 2010. 2 Professora Drª Orientadora. Departamento de Educação da Universidade Estadual de Maringá – UEM.

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1 Introdução

Este artigo mostra o resultado do trabalho do Programa de Desenvolvimento

Educacional – PDE. Os estudos teóricos e a elaboração do projeto desenvolveu-se

na Universidade Estadual de Maringá – UEM, sendo sua implementação realizada

no Instituto de Educação Estadual de Maringá – Paraná.

Aprender a ler e a escrever é um processo gradual e complexo, que

historicamente tem passado por diferentes concepções, e, consequentemente,

diferentes métodos de ensino, cada qual inserido e decorrente de um contexto

social, de uma concepção de homem, de escola, de ensino e de aprendizagem.

Nesse sentido, a escrita ortograficamente correta e a interpretação de textos

são um grande desafio para toda educação. Os resultados das avaliações oficiais

angustiam professores de todos os níveis de ensino, o que os levam a tecer

reflexões sobre as causas e compreensão das dificuldades de aprendizagem

apresentadas.

O objetivo deste trabalho foi o de criação, desenvolvimento e aplicação de

jogos ortográficos, como forma de subsidiar a aprendizagem prazerosa da ortografia,

pois os jogos e a atividade lúdica a favorece. Como resultado deste estudo,

elaborou-se 15 (quinze) jogos para compreensão da ortografia da língua materna,

que se seguem: Quebra-cabeça (com o “RR” entre vogais); Bingo (do “R” entre

vogais); Memória e caça-palavras (uso de “SS”); Memória e caça-palavras (uso

do “S” entre vogais); Roleta Ortográfica (fixação da escrita por meio da derivação

de palavras); Dado da Ortografia (sons do “S”); Dado da Ortografia (sons do “X”);

Pega-pega (do “M” e “N”); Balões da Ortografia (grafias do fonema “S”);

Formação de Palavras (uso mais frequente do fonema “Z”); Vira-vira do “Z”

(palavras escritas com “Z”, a partir da derivação de adjetivos); Baralho (do ICE ou

ISSE); Ortografando (com G ou J); Dominó da Ortografia (uso do “CH” ou “X”);

Tabuleiro Ortográfico (soletração).

Foi nosso objetivo, também, criar estes jogos devido o encantamento com

que as crianças, desde a mais tenra idade têm por brinquedos e brincadeiras. Nesse

sentido, para compreendermos a importância da ludicidade na aprendizagem, aqui

em especial da escrita, recorremos a autores como Vigotski, que dedica especial

atenção da ludicidade no desenvolvimento das funções psicológicas superiores.

Este trabalho atende aos objetivos acima demonstrados, bem como

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apresenta os resultados de pesquisa teórica sobre a transição da escrita alfabética

para a ortográfica, de maneira lúdica, na implementação do material didático-

pedagógico (jogos) aos alunos do Curso de Formação de Docentes, do quarto

semestre subsequente, na disciplina de Estágio Supervisionado, do Instituto de

Educação Estadual de Maringá. Tecemos, também, algumas considerações sobre o

Grupo de Trabalho em Rede – GTR, que com outras atividades do programa deram

suporte para a elaboração deste artigo.

2 Desenvolvimento da escrita ortográfica segundo a Teoria Histórico-Cultural

Buscamos na Teoria Histórico-Cultural a compreensão do papel da

educação escolar no desenvolvimento do aluno, e nesta, enfocamos o papel da

linguagem – em nosso trabalho nos ativemos à escrita ortográfica ensinada e

apreendida por meio de jogos - como mediadores na aprendizagem da ortografia da

nossa língua materna.

Para a Teoria Histórico-Cultural, a linguagem surge como necessidade de o

indivíduo relacionar-se e comunicar-se; serve para articular não apenas as relações

que estabelecemos com o mundo, como também, a visão que construímos sobre

ele.

Para apropriar-se da linguagem escrita, o aluno precisa conviver com

variados tipos textuais, isso é condição necessária para ele refletir sobre as

características desses textos escritos, internalizá-las e utilizá-las em suas futuras

produções. Com a ortografia, a situação é semelhante, para internalizar as restrições

regulares e irregulares da norma escrita.

A aprendizagem da escrita refere-se, pois, à aquisição de um sistema de

signos que, assim como os instrumentos, foram produzidos pelo homem em

resposta às suas necessidades biológicas e socioculturais de sobrevivência.

As pesquisas de Vigotski (2003) e de seus seguidores sobre aquisição da

linguagem como fator histórico e social, enfatizam a importância da interação e da

informação linguística para a construção do conhecimento. O centro do trabalho

passa a ser o uso e a funcionalidade da linguagem, o discurso e as condições de

produção. O papel do professor é o de mediador- facilitador, que interage com os

alunos por meio da linguagem num processo dialógico.

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Aprender a escrever traduz, então, a possibilidade de novas formas e novos

motivos para comunicação, considerando que a aprendizagem da língua materna é

a via principal de acesso à cultura, bem como interfere na constituição desse sujeito,

enquanto ser social.

A linguagem escrita pode ser definida como uma função psicológica que se

realiza culturalmente, por mediação. No entanto, a criança necessita ser estimulada

para desempenhar tal função, pois:

[...] A condição mais fundamental exigida para que a criança seja capaz de tomar nota de alguma noção, conceito ou frase é que algum estímulo, ou insinuação particular, que, em si mesmo, nada tem que ver com esta idéia, conceito ou frase, é empregado como um signo auxiliar cuja percepção leva a criança a recordar a idéia etc., à qual ele se refere [...] (LURIA, 1998, p.144-145).

Assim, a análise consciente dos meios de sua expressão constitui a

característica fundamental da linguagem escrita, uma vez que, ao começar a

escrever, a criança opera primeiro com instrumentos da expressão, meios de

representação de sons e sua organização e, somente depois, a expressão de ideias

torna-se objeto das ações conscientes da criança.

Segundo Vigotski (2003), uma das características que marcam a

especificidade da atividade humana é o processo de mediação entre os indivíduos.

Sua posição tem importantes consequências para a pesquisa, em seus próprios

experimentos e de seus colaboradores: é possível perceber a mediação do

pesquisador provocando alterações de comportamento que possibilitam a

compreensão de seu desenvolvimento. Seus estudos sobre o desenvolvimento de

conceitos pela criança revelam como a palavra mediadora do adulto influi no próprio

processo de formação de conceitos.

Sobre essa ideia, Luria (1998) afirma que, por ser a escrita uma atividade

cultural mediada, no início existe um estímulo que não tem ligação direta com a ideia

que será expressa, por isso a criança se utiliza de um signo auxiliar, para que se

recorde da ideia.

No processo de aprendizagem participa tanto o adulto como a criança,

principalmente no que se refere a determinados conteúdos culturais, como sistemas

simbólicos, conceitos das várias áreas do conhecimento, metodologias de estudos,

entre outros. Assim sendo, a aprendizagem da escrita está subordinada a um

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trabalho intencional, claro, organizado e contínuo. Nesse sentido, para entender o

que acontece quando uma criança não aprende a ler e a escrever, recorremos à

ideia de que:

[...] a escrita é um produto da evolução histórico-cultural da humanidade, é um sistema organizado e para dominá-lo a pessoa precisa compreender sua organização. Sendo a escrita uma prática da cultura, vários fatores de ordem cultural participam do processo de aprendizagem da escrita. Do ponto de vista do sujeito que aprende, sendo o desenvolvimento humano de natureza biológica e cultural, os períodos do desenvolvimento humano determinam diferentes formas de abordar o ensino da escrita. [...] Quando a criança não está aprendendo a ler ou a escrever, ou ambos, é preciso levar em consideração a escrita como um sistema que é a manifestação da capacidade humana de simbolizar [...] (LIMA, 2003, p.3).

As reflexões e as mudanças educacionais requerem diálogo pedagógico

sobre o ensino do conteúdo da linguagem escrita, que possibilite compreender e

interpretar o processo de apropriação da escrita. Segundo Leontiev (1978), métodos

e condições de ensino convenientes às necessidades dos alunos podem levar

aqueles que têm histórias de fracasso escolar a consideráveis progressos. No que

diz respeito à alfabetização, estudos recentes apontam o papel da mediação

pedagógica como imprescindível no processo de apropriação da linguagem escrita.

2.1 Da escrita alfabética à ortográfica

Vigotsky (1993) procura mostrar por que a apropriação da linguagem escrita

é mais difícil para a criança. A resposta é que o seu aprendizado representa uma

ruptura com as formas anteriores de construção do conhecimento baseadas na

linguagem oral, sendo mais abstrata em dois sentidos: na abstração do som e na

ausência do interlocutor. Por esta razão, a linguagem escrita exige da criança uma

atividade mais consciente e voluntária. Esta linguagem é mais abstrata que a oral, é

uma linguagem sem interlocutor, o que constitui uma situação completamente fora

do costume para a conversação da criança. A situação da linguagem escrita é uma

condição em que a pessoa a quem se dirige ou está ausente ou não se acha em

contato com quem escreve. Trata-se de uma linguagem monóloga, da conversação

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com uma folha de papel em branco, com um interlocutor imaginário, enquanto que

qualquer situação da linguagem oral é uma situação de conversação.

Vigotsky (2003) acreditava ser necessário que as letras se convertessem em

elementos da vida das crianças tal como o é a linguagem oral, ressaltando que do

mesmo modo que as crianças aprendem a falar, devem aprender a ler e a escrever.

Em suas conclusões práticas, o autor entende que para levar o aluno a uma

compreensão interna da língua escrita, é preciso organizar um plano. Dessa forma,

ao expressar-se pelo desenho, a criança pode chegar a perceber num determinado

momento que este não lhe é suficiente.

Partindo do princípio de que o desenho já não é suficiente para representar

a escrita, esta, também, enquanto representação alfabética única não é suficiente

para materializar a escrita ortograficamente correta.

O homem, historicamente, se expressou primeiro, por meio da fala (sons) e,

posteriormente, utilizou-se de sinais gráficos (escrita) para facilitar, complementar

sua forma de comunicação. Situação análoga acontece conosco: primeiro

adquirimos a linguagem oral e, depois, a leitura e escrita. Ao falarmos, em cada

palavra, emitimos unidades sonoras numa determinada sequência. A sonoridade

que compõe as palavras, percebida acústica e distintivamente dá-se o nome de

fonema. Já na escrita, os fonemas são representados por sinais gráficos

denominados letras.

Faraco (2001) aponta que, as possibilidades de erro aumentam quando o

sistema gráfico permite duas ou mais formas de grafar a mesma palavra, ou seja, a

criança tece uma hipótese ortográfica de escrita.

Quando o aprendiz começa a entender as características morfológicas das

palavras, vai deixando as hipóteses fonéticas - embora em alguns casos exista

relação estreita entre pronúncia e representação escrita - sendo substituídas por

hipóteses ortográficas.

Assim como para aprender a falar a criança teve o modelo da fala do outro,

para aprender a escrever, ela necessita da escrita de outros como referência,

salientando o papel da leitura nesse processo de aprendizagem da escrita, ou seja,

necessita do contato sistemático com a escrita convencional.

Como nem sempre, a cada fonema corresponde uma letra, essa pode ser a

principal causa das dificuldades da escrita. As relações entre linguagem oral e

escrita podem ser discutidas tanto na oralidade para a escrita quanto da escrita para

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a oralidade. No início do processo de apropriação da escrita, geralmente, a oralidade

orienta a escrita. Ao se compreender os seus usos e as funções sociais da

linguagem escrita, não se nega a necessidade do domínio sobre a forma de se

escrever as palavras. A escrita apresenta características de natureza alfabética, de

caráter convencional ou arbitrário.

Hoje estamos cientes de que os erros ortográficos produzidos pelas crianças, reveladores do que se considera uma forma não convencional de escrever, são inerentes ao processo de construção de conhecimentos a respeito da escrita. Também sabemos que não tem efeito querer resolvê-los isoladamente, ou seja, sem que a criança os compreenda no contexto social da escrita. Porém, isso não implica que as questões ligadas ao aprendizado da ortografia estejam resolvidas, que não se deva mais perder tempo discutindo um problema que já foi bem compreendido e bem explicado (ZORZI, 1998, p. 24).

Morais, ao discutir sobre o ensino da ortografia nas escolas, expõe que:

Na maioria das vezes, as escolas continuam não tendo metas que definam que avanços esperam promover nos conhecimentos ortográficos dos aprendizes a cada série do ensino fundamental. Nesse espaço de indefinição, a ortografia continua sendo mais um objeto de avaliação, de verificação, que de ensino. Em lugar de criar situações de ensino sistemático, a atitude de muitos educadores parece revelar mais uma preocupação em verificar se o aluno está escrevendo corretamente. Isso fica muito claro, por exemplo, no modo como tradicionalmente se realizam os ditados na escola (MORAIS, 2003, p. 53).

Concorda-se com o autor acima referenciado de que, as pesquisas sobre a

escrita são imprescindíveis ao professor e a outros profissionais que lidam com essa

modalidade de linguagem, por razões tanto teóricas como práticas. Essas revelam o

conhecimento que os aprendizes apresentam sobre esse objeto de estudo, ou seja,

como elas revelam estratégias e hipóteses no processo de apropriação e

desenvolvimento da escrita, e, com isso, permitem a organização de propostas de

ensino levando-se em consideração a reflexão de como os aprendizes concebem a

escrita. Por outro lado, permitem também, analisar o “erro” como parte do processo

de aprendizagem, pois:

Salientamos o fato de que a apropriação da escrita não pode ser entendida como a emergência de um sistema pronto ou de um modelo a ser reproduzido. Antes disso, constitui um processo de

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construção de objetos lingüísticos, o qual se efetiva na relação estabelecida entre dois interlocutores. Conseqüentemente, as avaliações e análises de linguagem dever estar voltadas para usos lingüísticos e práticas sociais, e não pra formas abstratas. Da mesma forma, as produções escritas dos alunos devem ser instauradas e analisadas à luz de situações de uso da língua, da relação que estabelecem com a palavra do outro no curso da enunciação (MASSI, 2007, p. 141).

Ao pesquisar sobre a escrita e, de acordo com os autores estudados, ao

afirmarem que o seu domínio como usuário competente é condição para

participação sociocultural, acreditamos que cabe à escola e ao poder público

oferecer a garantia não só de acesso a esse bem cultural, mas, sobretudo, de

sucesso, com respostas melhor definidas na formação continuada do professor, no

fazer pedagógico, no entendimento de como o aluno aprende e se desenvolve,

dentre outras.

Muito se tem escrito sobre o fracasso e sobre o sucesso no ensino,

principalmente, na educação básica na esfera pública. Por outro lado, os

profissionais de educação (professores) têm sido vítimas e expectadores de uma

insatisfatória formação inicial e continuada, o que pode contribuir e refletir no

insucesso escolar em leitura e escrita. Observa-se, como uma das consequências

desse processo a desarticulação entre a organização e a sistematização dos

conteúdos ensinados, nos diversos níveis e modalidades de ensino.

Reforçando tais dados, pode-se observar, também, o alto índice de alunos

que são aprovados por conselhos de classe, ou que são aprovados sem os

conceitos mínimos para prosseguirem, com sucesso, nos anos seguintes de

escolaridade.

Nesse sentido, pesquisar como o aluno se apropria da sistematização

ortográfica da língua portuguesa, por meio da elaboração escrita de conceitos

contribui, sobremaneira, com a prática pedagógica de professores do ensino regular

e especial, uma vez que, com esse estudo possam compreender que a

aprendizagem da linguagem escrita não se dá meramente por recursos de memória

viso-espacial e pela aquisição espontânea, como prega o construtivismo difundido

no Brasil, a partir da década de 1980 do século XX e, ainda, perdura em muitas

escolas, na prática pedagógica brasileira.

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Entendemos assim que, o professor de língua materna necessita dominar os

conteúdos básicos da linguagem escrita, em especial, aqui, da correta grafia das

palavras, para propor um encaminhamento metodológico viável, com vistas a

garantir às crianças em processo de apropriação da escrita, um aprendizado

consistente, de modo a aplicá-los em situações efetivas de escrita e, também, por

que, a aprendizagem dos conteúdos das demais áreas do conhecimento, no

decorrer do processo de escolarização, depende do domínio dessas habilidades.

Cabe ao professor ainda, nessa perspectiva, tomar o aluno como ser

histórico e social, que se apropria da escrita nas interações com diferentes

interlocutores, utilizando-se de estratégias de ensino e aprendizagem que promovam

o desenvolvimento e a compreensão sobre o objeto de conhecimento. Essa

compreensão do aprendizado da escrita implica interpretar os erros ortográficos das

crianças, na prática de leitura e escrita, como conhecimento real acerca da escrita,

indicando um conhecimento próximo a ser apropriado por elas, e, sobretudo, a

necessidade de efetiva mediação pedagógica.

Para justificar o trabalho da ortografia fora do texto, Morais (2003) descreve

que 99% dos casos, a definição da forma ortográfica das palavras em nossa língua

independem do significado num contexto em que este muda no conjunto do

enunciado. Afirma, também, que a língua deve ser estudada linguisticamente como

objeto de conhecimento e, não puramente como instrumento de comunicação.

O estudo desta temática justifica-se considerando que a correta escrita das

palavras deve ser ensinada a partir de sua sistematização conceitual, obedecendo a

sua convencionalidade e seu uso funcional, enquanto elemento de interação e

superação social.

2.2 Confecção dos jogos ortográficos

Elaboramos 15 (quinze) jogos ortográficos com o objetivo de subsidiar a

aprendizagem e o desenvolvimento dos conceitos da escrita correta de nossa língua

materna. A sua explicação teórico-prática é composta de: conceito (explicação do

conteúdo ortográfica a ser aprendido), objetivos (elencam as funções cognitivas a

serem estimuladas com o jogo), e desenvolvimento (explica o modo de jogar, suas

regras, participantes e regra ortográfica a ser desenvolvida).

Para a confecção dos jogos são sugeridos materiais de fácil acesso e de

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baixo custo, como: reutilizados, EVA, cartolinas, papel dobradura e outros.

3 Implementação dos jogos ortográficos

Com o objetivo de mediar os alunos do Curso de Formação de Professores,

sobre o ensino intencional e sistematizado de ortografia da língua materna, foram

realizadas as seguintes ações:

Estudo bibliográfico sobre pesquisas linguísticas (o ensino da ortografia) que

se fundamentam nos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural, que analisam

o erro ortográfico como hipótese realizada pelo aprendiz, e, a mediação

pedagógica na aprendizagem da ortografia da língua materna, por meio de

jogos.

Confecção e testagem de 15 (quinze) jogos para o ensino da ortografia.

Realizamos, também, discussões, reflexões e análises dos jogos

ortográficos criados, com o Grupo de Trabalho em Rede – GTR/2011.

3.1 Resultados e discussões

3.1.1 Da aplicação dos jogos ortográficos no Instituto de Educação Estadual de

Maringá (IEEM)

A intervenção pedagógica no IEMM foi realizada no segundo semestre de

2011, por meio de oito oficinas, com a participação de 15 (quinze) alunos do quarto

semestre subsequente do Curso de Formação de Docentes em nível médio. Os

encontros foram divididos em estudos teóricos sobre aprendizagem e

desenvolvimento e estudos linguísticos sobre a correta grafia das palavras de nossa

língua materna, e confecção e testagem dos jogos ortográficos elaborados no

material didático-pedagógico.

Para a implementação de nossa pesquisa, partimos do pressuposto de que

a escrita é um bem cultural, por isso, escrever significa simbolizar ideias,

informações ou conhecimentos, por meio de códigos linguísticos que foram

socialmente e historicamente convencionados e sistematizados. Que a escrita é uma

atividade complexa, que para sua aprendizagem há necessidade, ao contrário da

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oralidade, de um método sistematizado, da mediação do professor e de motivo para

escrever.

Nesse sentido, ler e escrever é uma necessidade social que promove o

desenvolvimento de funções mentais e das várias áreas do conhecimento,

culminando, com isso, a emancipação humana.

Para isso, é imprescindível apostar na formação inicial e continuada dos

professores dos anos iniciais do ensino fundamental. Esses, devem levar em conta

que a ação pedagógica nos referidos anos está diretamente ligada ao ensino e uso

social da língua escrita, tanto para os alunos em fase de aquisição quanto em fase

de desenvolvimento de habilidades de escrita.

Cagliari, ao se reportar à formação do professor de língua materna, destaca:

Os cursos de formação de professor têm se preocupado muito com outros aspectos da escola, dando muitas vezes um valor indevido aos aspectos pedagógicos, metodológicos e psicológicos. Como educador, o professor precisa ter uma formação geral, e esses conhecimentos são básicos. Como professor alfabetizador precisa ter conhecimentos técnicos sólidos e completos. [...] Para ensinar alguém a ler e escrever, é preciso conhecer profundamente o funcionamento da escrita e da decifração e como a escrita e a fala se relacionam. (1999, p. 130).

Preocupações análogas, encontramos nas reflexões de um grupo de alunas

do curso de formação de professores, quando questionam: “Professora, por que nas

escolas públicas, a mesma turma dos anos iniciais do ensino fundamental não fica

com uma mesma professora durante os cinco primeiros anos”? Será que, com isso,

ela não organizaria o ensino da ortografia passo a passo, das regularidades para as

irregularidades da língua, e o aluno não sairia fazendo uso correto das regras

ortográficas? Outra participante retrucou: “Não seria o papel da coordenação

pedagógica e dos professores dos respectivos anos organizarem e dosarem esse

ensino”? (B.A.F; I.G.O; M.B., 2011).

Após confeccionar e fazer uso do jogo sobre grafias com “s” ou “z”, uma

aluna chegou à seguinte conclusão: “Como fica muito mais fácil entender o porquê

da palavra beleza ser escrita com “z” e de francesa ser escrita com “s”. Puxa, não

precisa ser decorado”! (T.S.L., 2011).

A partir dos depoimentos das alunas, mais uma vez reafirmamos, assim

como os autores que subsidiaram nosso trabalho, que a escrita ortográfica é fator de

promoção social e profissional; portanto, deve ser ensinada intencionalmente pela

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escola, partindo, como sugere Morais, de sua forma mais regular e contextual,

reflexiva e compreensiva, para após atingir formas de memorização, quando se

atinge a compreensão das irregularidades da língua. Foi com essa intenção que

construímos e propomos o uso de jogos para a aprendizagem da escrita ortográfica.

3.1.2 Algumas considerações sobre as reflexões do GTR a respeito dos jogos

ortográficos

O Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE/PR, prevê, além de

estudos diversos, da elaboração e implementação do material didático-pedagógico,

o Grupo de Trabalho em Rede (GTR), que consiste na interação dos professores da

rede por meio de encontros virtuais, com o intuito de estabelecer reflexões e

relações teórico-práticas entre as diversas áreas do conhecimento.

Nesse sentido, disponibilizamos nosso projeto e material didático-

pedagógico para apreciação, reflexões, sugestões e críticas a um grupo de dez

professores de diversos municípios do Paraná. Houve ampla participação dos

cursistas, com socialização das práticas e estudos que dizem respeito ao ensino e a

aprendizagem da ortografia da língua portuguesa por meio de jogos.

Segundo a avaliação dos cursistas do GTR, houve unanimidade na

afirmativa de que é essencial o estudo sobre a linguística infantil no que se refere à

ortografia da língua materna, bem como, o papel do jogo no desenvolvimento das

funções psicológicas superiores, como nas palavras de uma cursista: “[...]

compreendi a importância do jogo como estratégia de pensamento, melhorando a

aprendizagem e desenvolvendo potencialidades que afetam o processo de

desenvolvimento, principalmente nos anos iniciais de alfabetização” (M.S.S., 2011).

Sobre o uso dos jogos como estratégia de ensino dos conceitos ortográficos,

e de desenvolvimento das funções cognitivas, a professora ainda acrescenta:

“Confeccionei alguns dos jogos citados para trabalhar com alunos que apresentam

dificuldades de aprendizagem e, que são atendidos em minha sala de recursos

(séries iniciais). Um que foi muito bem aceito foi “tabuleiro ortográfico”, onde pude

diversificar e criar atividades que envolvessem outras dúvidas com relação à

aprendizagem desses alunos. O jogo realmente engloba e estimula as funções

mentais superiores” (M.S.S., 2011).

No que se refere ao ensino conceitual da ortografia da língua materna por

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meio de jogos, outra participante declarou: “[...] é de fundamental importância, uma

vez que a aprendizagem se efetiva muito mais rapidamente por meio do conceito, da

significação dos objetos, ações e emoções que permeiam o mundo em que o falante

está inserido, e os jogos levam ao conceito no imaginário infanto-juvenil de forma

mais prazerosa” (M.F.F.P., 2011).

Ainda sobre o papel do lúdico na aprendizagem infanto-juvenil, uma das

participantes relatou: “Aprender a ortografia de forma lúdica se torna muito

interessante e significativo para as crianças, diferente de quando precisam ficar

decorando algo sem sentido” (V.M., 2011).

Por fim, outra cursista resume o que significou participar do GTR e estudar a

temática sobre escrita ortográfica, ao sintetizar os passos do material didático-

pedagógico: “O trabalho do professor GTR vem de encontro das reais necessidades

ao refletir necessidades ao refletir a práxis pedagógica, inicialmente apresentando os

aspectos teóricos os quais definem os avanços históricos de processo de aquisição

da língua materna, focando, principalmente na transcrição da escrita alfabética para

a ortográfica, e na sequência, apresentando como pode ser trabalhada a ortografia

em sala de aula, sem recair no ensino tradicional” (C.N.C.K., 2011).

De acordo com o relato das participantes do GTR, constatamos, mais uma

vez, a contribuição dos jogos ortográficos na aprendizagem da ortografia da língua

materna, agora, sob o parecer favorável de quem está diretamente lidando com o

aluno, quando da aplicação de alguns destes em suas turmas. Com isso,

considerando o aprendiz na sua condição real de alguém que faz hipóteses, que

transgride as normas ortográficas, que apresenta dificuldades para armazenar na

memória conceitos, principalmente, no que se refere às irregularidades da língua da

portuguesa, quando, pelo lúdico, assimilam a sua funcionalidade e seu uso

sistematizado.

4 Conclusão

A partir da implementação do material didático-pedagógico na escola e das

reflexões feitas pelos participantes do GTR, acerca dos jogos como estratégias de

mediação pedagógica intencional e planejada, percebemos que estas tornam a

aprendizagem dos conteúdos de escrita mais significativa e atrativa. O jogo desperta

o interesse do aluno, motiva-o para o ato de jogar e, com isso, contribui para a

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formação de conceitos ortográficos e de sua aplicação sistemática na escrita padrão

da língua portuguesa, quer nas produções espontâneas, quer nas atividades

orientadas.

Neste estudo, buscamos enfatizar a importância do trabalho pedagógico

mediado pelo professor, pelo uso de jogos, como instrumentos e recursos didáticos

que suscitam as funções mentais superiores, como a atenção, a memória, o

raciocínio, dentre outros que promovem a aprendizagem de conceitos linguísticos.

Referências

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