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Transgressões iconográficas: a temática místico-religiosa na obra de Inah
Costa
Rebecca Corrêa e Silva1
Joana Maria Pedro2
RESUMO
A trajetória artística de Inah D’Ávila Costa (1915-1998) se confunde com o próprio
desenvolvimento da pintura na cidade de Pelotas-RS. Este trabalho busca
apresentar como se deu a exploração da temática místico-religiosa em sua obra.
Pretendemos comparar as tradicionais Madonas executadas no início da década de
1950, período em que foi aluna da primeira turma da Escola de Belas Artes de
Pelotas (1949-1953) com a simbologia africana desenvolvida em consequência de
sua incursão no campo modernista já no final daquela mesma década. Buscamos
observar como a artista representou temática e estilisticamente o místico/religioso
por meio da pintura. Para isso, enfocamos sua relação com o seguimento de normas
rígidas para com a arte ocidental cristã e a produção de uma linguagem mais liberta
dos padrões acadêmicos, quando inspirada nos rituais das culturas de matriz
africana. Inah Costa é uma artista reconhecidamente importante para a renovação
do sistema das artes plásticas em Pelotas, mas ainda não recebeu um estudo que
contemple o seu legado enquanto primeira mulher pintora profissional que a cidade
conheceu.
Palavras-chave: Pintura – Religiosidade – Gênero
1. Introdução
O presente texto apresenta um recorte da pesquisa de doutorado na linha de
estudos de gênero, que tem como objeto a vida e a obra da artista pelotense Inah
Costa D’Ávila (19153-1998). Como um desdobramento da questão de tese, neste
momento pontual, acrescentamos-lhe um tema exterior, destacando a iconografia 1 Doutoranda do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas - Universidade Federal de Florianópolis (UFSC); bolsista da CAPES. [email protected] 2 Professora do Departamento de História, do Programa de Pós-Graduação em História e do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da UFSC. [email protected]; [email protected] 3Este dado ainda está sendo verificado uma vez que existem duas certidões de nascimento no registro em nome de Inah Costa, que os familiares podem ter feito este registro tardiamente ou talvez ela mesma tenha feito novamente um registro para corrigir data de nascimento.
místico-religiosa ao enfocar a análise comparativa de dois períodos de sua trajetória
artística.
Assim, este estudo pretende observar o repertório imagético da
representação da figura “feminina” na temática místico-religiosa, bastante difundida
pela pintura acadêmica, que mais tarde foi retomada e revista pelas vanguardas da
arte europeia do século XX. Para disso, analisaremos duas obras da produção de
Inah Costa: “Virgem sobre as Nuvens” (1952) e “Máscaras” (1988), distintas em
temporalidade, tema e estilo. A primeira situa-se na década de 1950, bem ao gosto
da pintura neoclássica4 e tradicional, ensinada nas academias de arte; enquanto que
a segunda foi realizada a partir de uma linguagem moderna5.
O termo transgressão, em seu sentido de liberdade de escolha individual na
subversão de normas e convenções sociais, nos ajuda a pensar a trajetória da
artista. Inah transgrediu as expectativas sociais para os papéis das mulheres
naquele tempo; transgrediu o lugar das mulheres no campo da arte, atrevendo-se a
ser sujeita de si em busca de sua força criadora; e transgrediu finalmente sua
própria constância técnica e temática ao produzir a série “Máscaras” no auge de sua
carreira enquanto pintora abstrata.
Aliada a perspectiva de gênero, o caráter transgressivo aqui adquire um duplo
sentido: 1) da liberdade pessoal em opor-se aos padrões comportamentais a
respeito dos papéis femininos - de esposa, mãe e dona-de-casa – com os quais Inah
rompeu quando se torna uma artista profissional; 2) e de liberdade e autonomia
criativa, atributos estes que afirmaram a individualidade de Inah frente às exigências
da arte tradicional ou moderna, ou na afiliação a este ou aquele grupo.
4 O chamado estilo Neoclássico ou Acadêmico nas artes plásticas diz respeito ao segundo movimento de retorno ao Clássico (estética greco-romana) depois do Renascimento. A chamada escola neoclássica teve início na França do século XVII e teve como principal divulgador o pintor Jacques-Louis David. Caracteriza-se pelo virtuosismo técnico epela predileção à racionalidade da linha ao invés da emotividade da cor (diferente do Barroco, seu posterior). Esta estética privilegia a representação mimética e ao mesmo tempo idealista da realidade, com destaque para os “grandes” temas, retomando com força os retratos e inaugurando o gênero da pintura histórica. 5 A linguagem moderna das artes visuais surgiu no final do século XIX e ganhou força a partir das vanguardas artísticas do início do século XX na Europa. Esta série de movimentos de ruptura com os padrões tradicionais como o Impresssionismo, o Fauvismo, o Expressionismo, o Cubismo, o Futurismo, dentre outros ismos buscavam discutir as questões intrínsecas à pintura, despreocupando-se dos temas para produzir inovações técnicas e formais.
O elemento transgressivo na obra de Inah causou impacto e a recepção do
público foi muito polarizada, ficando, dividida entre diferentes visões de mundo e
consequentemente, de opinião sobre sua produção. Esta última pode ser vista em
parte através das críticas noticiadas na imprensa local sobre as duas analisadas
neste estudo.
A expressão temática místico-religiosa foi utilizada visando integrar a
pluralidade de manifestações religiosas cristãs ou pagãs. Sabemos que a Nsra. é
representada consoante uma tradição iconográfica católica, mas a origem místico-
religiosa por trás da máscara executada permanece nebulosa. Aliás, não sabemos
ao menos se Inah utilizou-se de algum modelo ou se extraiu as formas de sua
imaginação.
Para embasarmos as análises individuais e comparativas das obras arte
figurativas acima mencionadas, partimos em certa medida, do método de Ervin
Panofsky6 (1979) da leitura de imagens, atentando aqui para as particularidades dos
estilos pictóricos. No âmbito específico das fontes empíricas, utilizaremos
especialmente as críticas de arte publicadas no jornal pelotense Diário Popular (DP),
em circulação diária desde 1938.
2. Primeiros passos na arte acadêmica – a tradição numa linguagem
própria
Na década de 1930, já formada pelo Conservatório de Música de Pelotas,
Inah Costa decide trocar o piano pelo pincel e pouco a pouco adentra o universo
das artes plásticas. Na década de 1930 frequentou o curso de desenho e pintura
ministrado por Adail Bento Costa na mesma instituição em que a tornou pianista
(DINIZ, 1996, p.39), além deste também teve aulas com o consagrado pintor
pelotense Leopoldo Gotuzzo.
6 Com o propósito de apresentar uma análise menos fragmentada, buscamos desde o início apontar os motivos artísticos já ancorados aos seus significados. Assim, optamos por realizar a leitura das imagens aglutinando os dois primeiros níveis de análise (Tema primário ou natural e Tema secundário ou convencional) em um, e mantendo o terceiro nível de análise do Significado intrínseco ou de conteúdo, ao invés de seguirmos rigorosamente as três camadas de desvelamento da obra de arte proposta por Ervin Panofsky (1979).
Em 1949 ingressou na primeira turma da EBA – Escolas de Belas-Artes, onde
ao lado de outras colegas atuou ativamente na concretização de um ensino oficial
para as artes na cidade de Pelotas (FRANCO, 2008). Foi esta instituição, que nos
anos 1970 viria a federalizar-se (MAGALHÃES, 2012), e onde Inah notabilizou-se
enquanto laureada aluna7.
De acordo com os padrões do ensino da arte acadêmica, seu aprendizado na
EBA foi voltado para o conhecimento das convenções tradicionais ocidentais sobre o
desenho e a pintura, como: equilíbrio, estrutura, perspectiva e a importância dada à
figura humana.
O italiano Aldo Locatelli, exímio desenhista e colorista havia sido convidado
para ser professor na EBA durante a fase na qual Inah foi aluna, influenciando
enormemente não só sua formação acadêmica, mas elevando a outro patamar o
ensino da arte na cidade. Quando Inah revela o que absorveu de cada mestre,
destaca que com Locatelli aprendeu sobre “a transparência da cor.” (SILVA;
LORETO, 1996, p.90).
Prova eminente do aprendizado das cores de Inah durante o período da EBA
é o seu retrato de “Interior da Catedral”. Dentro da estética neoclássica, a obra
pretende apresentar uma parte do conjunto de pinturas aquela altura recém
executadas por Locatelli, obtendo este resultado:
7 ABOTT, Nelson. A fase acadêmica de Inah Costa. Diário Popular. Pelotas, 18 jul.1982a, s/p.
Vimos que a temática religiosa com iconografia católica desde os primeiros
anos de Escola de Belas Artes de Pelotas fizeram parte do repertório visual de
Inah. De outro lado, a representação da figura feminina, recorrente na rotina de
estudos acadêmicos através de retratos e nus, também esteve muito presente
em todos os anos de EBA. Portanto, aliar os conhecimentos dos dois motivos:
religioso e feminino era algo a ser esperado. Assim, em 1952, como resultado do
aprendizado dos primeiros anos da Escola de Belas-Artes, Inah pinta “Virgem
sobre as nuvens”.
Figura 2- “Virgem sobre as nuvens” (1952)
Fonte - Acervo pessoal de Rosa Abott
Conforme os modelos de descrição pré-iconográfica e iconográfica
(PANOFSKY, 1979), vemos a imagem de uma figura feminina em posição vertical,
centralizada sobre um fundo constituído por manchas que formam zonas
concêntricas de cor.Trata-se de uma mulher de semblante sereno, olhos expressivos
e cabelos volumosos que caem sobre os ombros.
A pele morena combina com o conjunto harmonioso dos cabelos e olhos
escuros. O rosto voltado para cima acompanha a direção do olhar da figura, que tem
as mãos unidas posicionadas entre a face e o peito. O manto azul faz referência ao
azul celestial, ele reflete seus tons na túnica branca, que por sua vez tem traços
prateados como reflexo da lua.
Existe uma predominância do monocromático, onde dois grupos de cores e
tons parecem dividir a tela. Tonalidades amarelas preenchem o segundo plano
anteposto a o outro grupo de tons, com ampla variação de azuis e de brancos
coloridos. O fundo é composto por arcos de nuvens que demarcam suavemente as
formas. As tonalidades amarelas e alaranjadas esfumaçadas iluminam a figura
feminina desde cima, coo uma aura dourada. A paisagem enevoada do encontro
entre o céu e as pedras sugere junto ao conjunto uma atmosfera transcendental.
Segundo o crítico de arte pelotense Nelson Abott8, as pinceladas que formam
o céu são visíveis quando vistas de perto. Existe já aí a marca do gestual, do fazer,
próprio das correntes modernistas, que Abott declara terem nascido “da valentia de
expressivas pinceladas.”9
Ele irá reforçar este argumento mais tarde no texto do catálogo da exposição
individual de Inah na Galeria de Arte Sibisa: “Inah Costa – uma pioneira da arte
moderna pelotense”10 ao dizer que em sua trajetória a artista “pintou muitas
madonas que se alçam elegantes sobre nuvens leves, feitas de pinceladas soltas e
enérgicas. (grifo nosso)”. O contraste dos dois planos acontece no encontro entre os
diferentes conjuntos de cores versus a riqueza de detalhes na técnica dos
panejamentos nas dobras dos tecidos. Os jogos de luz e sombra – especialidade do
mestre Locatelli (SILVA; LORETO, 1995, p.90) - conferidos à figura em
contraposição à fluidez do espaço ao seu redor permeiam toda a composição.
8Natural da cidade de Pedro Osório(RS) Nelson Abott de Freitas foi professor de língua portuguesa e dentre as inúmeras atividades desenvolvidas no meio artístico-cultural pelotense, exerceu a crítica de arte do jornal Diário Popular entre 1978 e 1990 (SILVA, 2004, p.17). 9 ABOTT, Nelson. Um quadro Espelha uma época. Diário Popular. Pelotas, 01 ago,1982b. s/p. 10 ABOTT, Nelson Uma Pioneira da Arte Moderna Pelotense, texto do convite da exposição Sibisa expõe, 1986.
Neste caso, uma figura feminina no meio de um céu, com os pés sobre
pedras, e ao mesmo tempo pisando uma lua, juntamente com o olhar para cima e as
mão unidas em sinal de prece. A lua simboliza o feminino, o oposto do sol associado
ao masculino. O ato de pisar na lua mostra o atributo de proteção conferido à Maria.
Tomados em conjunto, estes índices remetem à representação da Nsra. da
Conceição11. Na história da arte, esta Nsra. surge geralmente entre as nuvens,
rodeada de anjos, com as mãos unidas em posição prece e pisando numa meia lua.
Temos bons exemplos deste tema do Barroco espanhol, através de Murillo (1617-
1682); e brasileiro, através de Manuel Athaíde (1762-1830).
Como bem aponta Abott, a santa pintada por Inah não traz os conhecidos
anjos. O crítico também revela que a modelo retratada era colega de Inah na EBA12.
Dentro disso, acompanhado das feições humanas da santa, as vestes pesadas, os
pés marcados pisando a lua, a ausência deliberada dos anjos ressalta ainda mais o
caráter terreno da figura em relação ao fundo celestial. Será que a artista quis
aproximar a Virgem do mundo terreno ou pretendeu sugerir que existe divindade
também nas mulheres de carne e osso?
Ainda dentro do esquema de Panofsky (1979), passemos ao terceiro nível de
análise, o qual diz respeito à interpretação iconológica. Esta visa esboçar o clima ou
atitude mental do período em que determinada obra foi produzida. Segundo
Panofsky (1979) trata-se de compreender alguns princípios que marcam cada
sociedade em um determinado momento, tendo em conta o “período, classe social,
crença religiosa (....) qualificados por uma personalidade e condensados numa
obra.”(PANOFSKY 1979, p.52)
No presente caso, a pintura da Virgem realizada por Inah – uma mulher
branca da elite urbana pelotense, de família tradicional e católica – assume um
11 Do culto mariano, muitas das qualidades atribuídas à Maria se estenderam para os padrões comportamentais das mulheres, como a castidade e a pureza. A Nsra. aqui representada, também chamada de “Imaculada Conceição é, segundo o dogma católico, a concepção da Virgem Maria sem mancha (em latim, macula ) do pecado original. (...) Também professa que a Virgem Maria viveu uma vida completamente livre de pecado.” Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Imaculada_Concei%C3%A7%C3%A3o (Acesso em 10/09/2016) 12 ABOTT, Nelson. Uma Pioneira da Arte Moderna Pelotense, texto do convite da exposição Sibisa expõe, 1986. s/p.
significado que é compartilhado por toda sociedade artística e cultural da época.
Como bem expressou Abott na matéria publicada, sob o título de “A fase acadêmica
de Inah Costa”13, que a obra de grandes dimensões encontra-se entre os seus
pertences, sendo motivo de encanto entre artistas e apreciadores.
Sob o título “Um quadro espelha uma época” (1982)14, o crítico escreve num
tom semelhante celebrando os trinta anos da pintura. Desta vez traz adjetivos
enaltecedores da “valentia das pinceladas expressivas da artista”, que “evoca a
grandeza da arte renascentista” através de “uma composição original”. De certo, a
relação com a pintura renascentista esteja de acordo mais com a emoção contida e
discreta no rosto e gesto da figura, do que nos jogos de luz e sombra e no efeito de
movimento produzido nos tecidos que cobrem a Virgem.
Nesta mesma nota, ele destaca que Inah pintou a figura a partir de um
modelo-vivo posado por sua colega na EBA. De fato, a modelo parece ter sido
transportada para o universo pictórico tal qual era na realidade. Em comparação
com outras obras de períodos anteriores, a representação da Virgem feita por Inah
apresenta mais uma mulher terrena que celestial. O primeiro aspecto que a
diferencia das demais é a ausência dos anjos, um motivo típico da iconografia da
Nsra. da Conceição, como bem observou o crítico.
Uma virgem de pele morena, como os famosos anjinhos do barroco mineiro.
Uma humanização da Nsra.,onde se vê mais a modelo do que a santa. Inah
conseguiu utilizar elementos tradicionais clássicos, mas colocando ali um toque
pessoal, superando a tradição mesmo que dentro de limites bem definidos da arte
acadêmica.
2.1 A ousadia das formas – para além das convenções
Entre a feitura da Nsra. e da máscara africana existe o lapso temporal de
trinta e seis anos de uma trajetória construída conscientemente e pouco a pouco.
Como a maioria das/os artistas, Inah teve inicialmente uma base de estudos
13 ABOTT, Nelson. A fase acadêmica de Inah Costa . Diário Popular, Pelotas, 18 jul,1982a, s/p 14 ABOTT, Nelson. Um quadro Espelha uma época. Diário Popular. Pelotas, 01 ago,1982b. s/p
acadêmicos para depois explorar novas linguagens pictóricas até atingir certo grau
de autenticidade a partir da soma daquelas diversas experiências. E no seu caso, o
caminho de sua transição seguia praticamente direto de uma ponta a outra: de uma
estética tradicional do academicismo Inah atirou-se para o seu oposto, o
abstracionismo. Ainda assim, a pintora parece jamais ter excluído completamente a
referência à figura, mesmo nas suas obras mais abstratas.
O desejo de aperfeiçoar os conhecimentos fez com que Inah pouco depois de
formada na EBA de Pelotas partisse para cursos de aperfeiçoamento no Rio de
Janeiro, demorando-se por lá mais tempo do que nas breves idas anuais.
Durante dois anos estudou figura humana na Escola Nacional de Belas Artes,
ao mesmo tempo em que frequentava os cursos no Museu de Arte Moderna (MAM),
ministrados por artistas do primeiro núcleo da arte abstrata no Brasil15.
Em entrevista recente16 à crítica de arte e sobrinha de Inah, Angélica de
Moraes leu alguns trechos de um caderno de anotações de Inah, onde a tia
escreveu que no segundo ano do curso da ENBA, o professor Bandeira de Melo
certo dia disse que ela precisa fazer uma escolha para decidir o seu caminho na
pintura. Ela então optou pela arte abstrata, passando mais dois anos imersa nos
cursos oferecidos pelo MAM, e no contato direto com as/os artistas do movimento
abstracionista. Além de frequentar diversos salões e galerias de arte em coletivas no
15 Durante os dois anos de estudos na ENBA-RJ (1955-1957)Inah teve como professores: Gérson Pompeu Pinheiro, Quirino Campofiorito, Francisco Pacheco da Rocha, Henrique Campos Cavalleiro, Marques Júnior e Lídio Bandeira de Mello. Já nos quatro anos de cursos no MAM (1955-1959) teve como professoras/es: Ivan Serpa, Samson Flexor, Fayga Ostrower, Eugênio Maldonado, Ligia Clarck, destes a artista destacou o aprendizado da estrutura da composição com Edson Motta e da criação abstracionista com Zélia Salgado (SILVA;LORETO, 1996,p.90-91). O artista carioca Ivan Serpa (1923 - 1973) é considerado pelos críticos um mestre da estrutura e do desenho. Fundou o Grupo Frente, primeiro núcleo de arte neo concreta do Brasil. Foi professor do ateliê livre de pintura adultos do MAM-RJ por cerca de vinte anos. Tinha por característica, assim como Inah, de explorar a criatividade das/os alunas/os.Fonte:http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo3/frente/serpa/index.html (Acesso em 14/09/2016).
16DE MORAES, Angélica. Entrevista sobre Inah Costa. Entrevista concedida a Rebecca Corrêa e Silva. São Paulo, 03 de ago. 2016.
Rio de Janeiro, em São Paulo participou da 2ª (1953) e da 3º Bienal Internacional
(1955); e também foi à Bienal da Bahia (1955)17.
Em 1959, Inah retornou para Pelotas e fundou a primeira escolinha de Arte
infantil da cidade. A seguir, no início dos anos sessenta retornou novamente ao RJ,
desta vez para frequentar o curso intensivo de Arte na Educação – Escolinha de Arte
do Brasil com o Prof. Augusto Rodrigues. Em 1973 criou o curso “Fundamental de
Desenho, Pintura e Estruturação para Adultos”, interrompido por motivos de saúde
(Pasta Inah Costa/ MALG). A renovação plástica trazida para cidade entre 1960-70
permite que se fale em um “consenso em afirmar-se que a primeira inovadora foi
Inah D’Ávila Costa” (SILVA; LORETO, 1996, p.89).
Em meados dos anos setenta, com o sistema das artes em Pelotas mais
consolidado, a artista seguiu participando ativamente do universo artístico da cidade
integrando o júri de salões, assessorando alunas/os e promovendo a arte e as/os
artistas da cidade. Sua atuação na década de oitenta se distingue pela quantidade
de viagens pelo Brasil e exterior em função de cursos e exposições.18
No auge de sua carreira, Inah mantinha a curiosidade e o espírito inquieto que
caracterizou sua trajetória. Sempre em movimento, em busca de sua própria
verdade. Voltando ao texto de Abott sobre a mostra de 1986, agora para demonstrar
como foi este período da trajetória de Inah, o crítico dizia que “vindo de longos anos
de trabalho e pesquisa, a sua arte de hoje está ainda mais juvenil e segura em seu
despojamento de linguagem, que se depura na caminhada natural de quem faz da
arte a sua grande paixão.”19
A partir de 1988 a artista passa a explorar as formas circulares nas
composições. Assim, já no auge de sua carreira aceita o desafio de criar uma série
de máscaras africanas em homenagem ao Centenário de Abolição da Escravatura,
que foi o “resultado de longa procura e pesquisa em história acerca do tema”20. O
17 Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo. Arquivos da Pasta Inah Costa/MALG. 18 Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo. Arquivos da Pasta Inah Costa/MALG. 19 Nelson Abott de Freitas. “Uma Pioneira da Arte Moderna Pelotense”, texto do convite da exposição Sibisa expõe,1986. 20 ABOTT, Nelson. Inah volta à figura. Diário Popular. Pelotas, s/d, s/p.
conjunto de máscaras esteve em exposição entre 04 e 22 de novembro no Structura
Centro de Arte21, conforme amplamente noticiado no Diário Popular.
Dentre as obras desta série, das quais não temos a informação da quantidade
exata, escolhemos analisar a única a qual tivemos acesso, que se encontra no
acervo de uma de suas sobrinhas.
Figura 3-Da série “Máscaras” (1988)
Fonte - Acervo pessoal de Ada Averbec
Seguindo a descrição pré-iconográfica e iconográfica (PANOFSKY, 1979),
podemos dizer que a obra representa um busto de uma figura humana andrógina
estilizada. É uma composição monocromática, com escala de tons marrons. Toda a
estruturação é simétrica, e as formas são definidas por contornos mais escuros ou
mais claros. Os elementos geométricos orgânicos, ovalados se fundem,
principalmente na metade superior do quadro.
Como se trata de uma composição plana, os volumes são dados pela
justaposição e sobreposição de planos, numa clara influência do Cubismo, um dos
21 Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo. Arquivos da Pasta Inah Costa/MALG . Inah Costa tem mostra na Structura Centro de Arte. de 04 de out.1988.
movimentos mais influentes da arte moderna. Os cubistas do início do século XX
retomaram a temática africana, no entanto, com finalidades diversas. A vertente do
cubismo sintético discutia as questões formais do quadro, ligadas às preocupações
dos elementos pictóricos, tais como: formas, cores, planos e estruturas, observando
como se dava a genuína simplificação das formas entre as tribos africanas. Contra a
perspectiva renascentista, os planos se deslocam por meio conferindo movimento à
composição. As cores seguem as harmonias análogas, acinzentadas e em degradé.
Da interpretação iconológica, destacamos a opinião de Marina Laranjeiras,
intitulada “Structura Centro de Arte”22, na qual declara que Inah assimilou as
características principais do espírito africano, “elaborando-as a sua maneira,
realizando um trabalho tenso, denso e originalíssimo.” A ideia de produzir esta série
foi diferente de tudo o que ela havia feito até então e distante de qualquer outra
produção dela depois disso. Pode-se dizer que As máscaras desestabilizam o
espectador que deseja ver uma constância na obra de Inah Costa.
Apesar de o quadro ter sido elaborado dentro de uma série de telas, é um
trabalho diferente do estilo pessoal da artista em sua fase mais madura, no final dos
anos oitenta. A obra é vista como um desvio da linha conduzida pela artista ao longo
dos anos. Uma prova desta mudança repentina surge no título: “Inah Costa volta à
figura”23 da crítica de Abott à exposição.
As máscaras africanas da chamada arte primitiva24 não eram consideradas arte
em seu contexto de produção. Foram os artistas europeus que atribuíram um valor
estético e artístico posterior, diverso do sentido original ritualístico. Assim, tanto os
cubistas, quanto Inah estavam mais interessados na composição formal do que no
significado místico das máscaras.
22 Conforme o texto “Structura Centro de Arte”, de Marina Laranjeiras publicado na seção de arte de Nelson Abott no Diário Popular,Pelotas,09 de out.1988. 23 ABOTT, Nelson. Inah volta à figura. Diário Popular. Pelotas, 30 de out. 1988. 24 Arte primitiva é o nome que se convencionou para tratar da arte produzida pelos povos pré-históricos ou por grupos tribais, que assim são chamados em virtude da temporalidade histórica. Segundo E.H Gombrich (2011), estes artífices ou artesãos primitivos estilizavam as formas não por consciência estilística, mas porque poucos elementos plásticos eram suficientes para que um objeto assumisse para além de sua materialidade o significado pretendido.
2.1. Um breve paralelo entre as duas obras
Inah traz o sagrado por meio da discussão simbólica e iconológica. Diferente
da pintura com iconografia da Nsra., mais presente no imaginário de Inah, a
máscara parece à primeira vista ter sido executada com maior atenção à forma do
que ao tema. Podemos assim dizer que os aspectos iconológicos da santa e a
iconografia da máscara são as tendências que mais pesam em cada obra.
Além disso, existe todo um trabalho cromático na imagem da santa, baseado
em seus estudos com Locatelli; diferente da máscara constituída inteiramente dentro
de padrões geométricos e de linhas que se cruzam. Ainda com tantas diferenças
prevalece em ambas uma preocupação com a estrutura racional da composição,
seja por uma perspectiva tradicional e figurativista, seja por um olhar contemporâneo
da linguagem abstracionista.
O primeiro é uma composição clássica e faz referência direta ao maior ícone
feminino do cristianismo, apresentado conforme uma tradição iconográfica europeia
e representação da Nsra. da Conceição, ainda que contenha alguns elementos
originais trazidos por Inah. Enquanto que o segundo, anti-clássico por natureza,
aproxima-se de uma apropriação estética das máscaras africanas ao estilo cubista,
mais em busca de questões formais intrínsecas ao fazer artístico do que pelo
fascínio ao exótico.
No caminho percorrido entre a santa e a máscara, Inah estudou arte
acadêmica, avançou nos estudos da arte moderna e desenvolveu sua linguagem
própria. Nos anos oitenta já havia produzido muito, e passou por diferentes fases.
Na década seguinte recebeu homenagens pela carreira da artista professora e
agitadora cultural pelotense. Em 1990 aconteceu em Pelotas sua maior retrospectiva
“Quarenta Anos de Pintura (1949-1989)”. Ainda naquele ano recebeu o brasão de
Pelotas e no ano seguinte foi homenageada com “Destaque em Pintura”, concedido
pelo Clube Comercial. Em outubro de 1998, vem a falecer em sua casa em
decorrência de problemas cardíacos que enfrentava há décadas.
3. Considerações finais
À primeira vista, em ambas as pinturas a temática parece direcionar a técnica.
Uma vez que dentro dos padrões estéticos e estilísticos tradicionais faz mais sentido
uma figura religiosa ser representada naturalisticamente; do mesmo modo que se
convinha reforçar a geometrização da máscara africana através de processos de
simplificação. Mas esta operação não se deu por acaso na obra de Inah.
O espaço de cerca de trinta anos entre uma obra e outra permitiu que a
artista, já consagrada, tivesse a liberdade de criar independente de se vincular a um
estilo ou a outro. A produção da “Virgem sobre as Nuvens” se deu durante suas
primeiras classes de pintura em 1952, já demonstrando o toque da artista, ainda que
a criatividade fosse mais contida e limitada às convenções da arte figurativa
acadêmica.
No entanto, em “A máscara”, Inah já era reconhecidamente abstracionista, havia
atravessado diversos estilos, já possuía o seu repertório definido, e resolve, mais
uma vez, transcender. A decisão de fazer uma série de máscaras africanas, ainda
que no contexto de comemoração do centenário surpreendeu artistas e intelectuais.
A transgressão se dá ainda no processo de transição das linguagens,
compreendendo o espaço de trinta anos de sua trajetória. Para muitos, parecia um
retrocesso, outras/as viam com estranheza a opção por um estilo já considerado
“ultrapassado”. Acontece que Inah, como em toda sua vida, pintou para transgredir,
para mostrar que a pintura “de verdade” é livre, assim como a alma da artista.
4. Referências bibliográficas
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GOMBRICH, E.H. A História da Arte.16ª Ed. Capítulo 1 - Estranhos Começos –
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