transgressÃo controle social e igreja catÓlica … · ouro e de outras riquezas minerais nos...

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL JOSÉ LUIZ DE CASTRO TRANSGRESSÃO, CONTROLE SOCIAL E IGREJA CATÓLICA NO BRASIL COLONIAL: GOIÁS, SÉCULO XVIII FRANCA 2009

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Page 1: TRANSGRESSÃO CONTROLE SOCIAL E IGREJA CATÓLICA … · ouro e de outras riquezas minerais nos primórdios do século XVIII. Neste contexto, chegaram também os agentes da Igreja

UUNNIIVVEERRSSIIDDAADDEE EESSTTAADDUUAALL PPAAUULLIISSTTAA ““JJÚÚLLIIOO DDEE MMEESSQQUUIITTAA FFIILLHHOO””

FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL

JOSÉ LUIZ DE CASTRO

TTRRAANNSSGGRREESSSSÃÃOO,, CCOONNTTRROOLLEE SSOOCCIIAALL EE IIGGRREEJJAA CCAATTÓÓLLIICCAA NNOO

BBRRAASSIILL CCOOLLOONNIIAALL:: GOIÁS, SÉCULO XVIII

FRANCA

2009

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JOSÉ LUIZ DE CASTRO

TTRRAANNSSGGRREESSSSÃÃOO,, CCOONNTTRROOLLEE SSOOCCIIAALL EE IIGGRREEJJAA CCAATTÓÓLLIICCAA NNOO

BBRRAASSIILL CCOOLLOONNIIAALL:: GOIÁS, SÉCULO XVIII

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, da Faculdade de História, Direito e Serviço Social, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como requisito para a obtenção do Título de Doutor em História. Área de Concentração: História e Cultura. Linha de Pesquisa: História e Cultura Social.

ORIENTADORA: Profª. Drª. Dora Isabel Paiva da Costa

FRANCA

2009

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Castro, José Luiz de Transgressão, controle social e Igreja Católica no Brasil colonial: Goiás, século XVIII / José Luiz de Castro. – Franca: UNESP, 2009 Tese – Doutorado – História – Faculdade de História, Direito e Serviço Social – UNESP 1. Igreja Católica – História social – Brasil colonial. 2. Família – Sexualidade – História – Brasil. 3. Goiás – Migra-ção – História, séc. 18.

CDD – 981.73

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JOSÉ LUIZ DE CASTRO

TTRRAANNSSGGRREESSSSÃÃOO,, CCOONNTTRROOLLEE SSOOCCIIAALL EE IIGGRREEJJAA CCAATTÓÓLLIICCAA NNOO

BBRRAASSIILL CCOOLLOONNIIAALL:: GOIÁS, SÉCULO XVIII

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, da Faculdade de História, Direito e Serviço Social, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como requisito para a obtenção do Título de Doutor em História.

BANCA EXAMINADORA:

Presidente: ________________________________

Profa. Dra. DORA ISABEL PAIVA DA COSTA

1°Examinador: _____________________________

Profa. Dra. ARILDA INÊS MIRANDA RIBEIRO

2°Examinador: _____________________________

Prof. Dr. PAULO EDUARDO TEIXEIRA

3°Examinador: _____________________________

Prof. Dr. LÉLIO LUIZ DE OLIVEIRA

4°Examinador: _____________________________

Prof. Dr. IVAN APARECIDO MANOEL

FRANCA, 02 DE SETEMBRO DE 2009

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À minha família, meu pai João Nepomuceno de Castro, minha mãe Maria Josselina e meus irmãos.

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AAGGRRAADDEECCIIMMEENNTTOOSS

Nossos agradecimentos se dirigem, em primeiro lugar, à professora Dra. Dora Isabel Paiva da Costa, a quem devo a amizade, o incentivo e a orientação deste trabalho; às professoras Dras. Ida LewKowicz e Denise Aparecida Soares de Moura,que, por ocasião do Exame de qualificação, muito contribuíram para o enriquecimento desta pesquisa.

Agradecemos ao CNPq, que durante os anos de 2005 a 2008 nos forneceu uma bolsa, possibilitando o custeio de viagem, alimentação, hospedagem e aquisição de equipamentos e materiais para a pesquisa.

Somos especialmente gratos a Dom Eugênio Rixen, bispo da diocese de Santa Ana de Goiás, que permitiu a consulta dos registros de batismo de escravos e livres, existentes no arquivo geral da cúria diocesana. Esta consulta foi de vital importância para o estudo das crianças ilegítimas da paróquia de Vila Boa. Agradecemos também a atenção que sempre nos dispensaram todos os funcionários daquele arquivo, em especial Odicéia e Lurdinha.

Nossa gratidão se estende a Antônio César Caldas Pinheiro, diretor do Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central (IPEHBC), pelas ricas orientações para o manuseio das técnicas em paleografia, bem como por sua gentileza em dispor e sugerir os manuscritos do século XVIII. Também agradecemos aos funcionários do IPEHBC, Janira Sodré Miranda, Fabiana de Moraes Bueno e Euzébio Fernandes de Carvalho, que sempre nos acolheram com muita alegria e estima ao longo destes anos. Agradecemos ainda à Profa. Lourdes, diretora do arquivo histórico de Goiás.

Somos gratos também aos amigos portugueses que não mediram esforços para nos acolher nas cidades de Lisboa e Porto, onde pudemos desfrutar dos preciosos documentos do arquivo da Torre do Tombo, da Biblioteca Nacional e do arquivo Ultramarino. Queremos mencionar aqui Antônio de Deus Reis e família; Pedrosa, Célia, Vital, Liliane e Valdemar.

Não poderíamos deixar de agradecer ao bispo de Itumbiara, Dom Antonio Lino da Silva Dinis, que nos incentivou a pesquisar no arquivo da Torre de Tombo em Lisboa e nos permitiu ausentar dos ofícios eclesiásticos para prosseguirmos os estudos. Agradecemos também a atenção, a paciência e a compreensão que sempre nos dispensaram os fiéis da paróquia Cristo Rei (Itumbiara-GO). Somos gratos as funcionárias: Delma Aparecida de Campos Damaso, Maria Aparecida Vitaliano de Oliveira e Francisca Rodrigues da Costa. Queremos também manifestar a nossa gratidão ao casal José Carlos de Almeida e Vanda Maria pela gentileza com que colocaram a casa de Caldas Novas à nossa disposição.

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Agrademos ainda à professora Dra. Maria da Conceição Silva (UFG) e ao Prof. padre Luiz Lobo (UCG), com os quais sempre compartilhei as vitórias e os desafios que surgiram na difícil arte de pesquisar. O mesmo vale para Francisco Pascoal Neto que não mediu esforços para colocar seus conhecimentos de Informática a serviço desta pesquisa. Também ao professor Geraldo Faria Campos (UFG) nosso agradecimento pela revisão ortográfica desta tese.

Foram muitas pessoas que, de forma direta ou indireta, contribuíram para que esta tese chegasse ao fim: à coordenação de pós-gradução de História da UNESP, na pessoa da professora Dra. Marisa Saenz Leme pelo dinamismo com que vem prestando seus serviços à comunidade. Na seção de pós-graduação e na biblioteca, agradecemos a Maisa Helena, Luzinete Suavino, Laura e Frederico.

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Recato, humildade e continência eram exigidos da mulher com mais rigor na sociedade patriarcalista, mas essas virtudes cobrava-as de todos a igreja. Tais normas de conduta eram infrigidas pelos homens, contra os códigos da igreja e do estado, pelas mulheres, não só contra estes mas ainda contra o código de honra masculino, férreo embora não escrito. A infração, no seu caso, chocava mais. Ao fim e ao cabo todo mundo transgredia, pecava, desobedecia, violava grande número de normas. E muito mais.

Emaneuel Araújo (1997)

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RREESSUUMMOO

Transgressão, Controle Social e Igreja Católica no Brasil Colonial: Goiás século XVIII. A pesquisa aborda alguns aspectos da vida familiar, utilizando a metodologia da demografia histórica na análise dos registros de batismos e casamentos das principais paróquias da Capitania. Além destas fontes há uma variada documentação de processos de inquisição do Arquivo da torre do Tombo e do Arquivo Ultramarino de Lisboa: processos de bigamia, solicitação em confissão, ofícios e pedidos de legitimação de filhos naturais. Estas fontes refletem o cotidiano de uma população que chegou aos sertões de Goiás motivada pelas descobertas do ouro e de outras riquezas minerais nos primórdios do século XVIII. Neste contexto, chegaram também os agentes da Igreja Católica, sob o comando do bispado do Rio de Janeiro, para disseminar, em Goiás, as resoluções do Concílio de Trento. Apesar da aliança da Igreja e da Coroa, por meio do padroado, houve várias infrações contra a instituição familiar, cometidas, inclusive, por alguns elementos do clero que deviam prover os seus fregueses com o “pasto espiritual”. Neste sentido, as visitações diocesanas e os agentes do Santo Ofício investigaram os recantos de Goiás para “desterrar os vícios e combater as heresias”. Nas devassas eclesiásticas o concubinato foi o pecado que teve maior destaque entre os principais delitos cometidos pela população. No entanto, o livro das “denúncias e o rol dos culpados” aponta várias transgressões cometidas por brasileiros e estrangeiros nas freguesias de Goiás: morte e violência, incesto, usura, bigamia, solicitação de penitentes no confessionário, aborto, sacrilégio etc. Por outro lado, as atas de batismo e casamento indicam importantes vestígios dos relacionamentos ilícitos que foram praticados até mesmo nos recintos das igrejas. Os filhos naturais e as crianças abandonadas nos becos e ruas da paróquia de Santa Ana (Vila Boa) refletem as contradições de uma sociedade, baseada na escravidão africana. Neste sentido, as fontes batismais, cujo objetivo era conduzir o fiel a uma nova vida foram muitas vezes utilizadas para encobrir os pecados cometidos pelos compadres e suas comadres.

Palavra chave: Igreja católica no Brasil; vida familiar no século XVIII; transgressão e sexualidade; inquisição; relações de compadrio.

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AABBSSTTRRAACCTT

Transgression, Social Control and the Catholic Church in Colonial Brazil: Goiás century. The research addresses some aspects of family life, using the methodology of historical demography in the analysis of records of baptisms and marriages of the major parishes of the captaincy. In addition to these sources there is a varied documentation of processes of inquiry of the Archives of Torre do Tombo and File Overseas Lisbon: cases of bigamy, solicitation in confession, letters and forms of legitimation of illegitimate children. These sources reflect the daily life of a population that reached the hinterlands of Goiás motivated by the discoveries of gold and other mineral wealth in the early eighteenth century. In this context, the agents also came from the Catholic Church, under the command of the bishop of Rio de Janeiro, to spread in Rio de Janeiro, the resolutions of the Council of Trent. Despite the alliance of Church and Crown, through patronage, there were several offenses against the family institution, committed, even by some members of the clergy who should provide their customers with the "spiritual pastures. In this sense, the diocesan visitations and agents of the Holy Office investigated the corners of Goias to "banish the vices and combat heresies. In ecclesiastical inquiries, concubinage was the sin that was more prominent among the major crimes committed by the population. However, the book of "complaints and the role of the guilty" points out several transgressions committed by Brazilians and foreigners in towns in the United States: death and violence, incest, usury, bigamy, solicitation of penitents in the confessional, abortion, etc. sacrilege. Moreover, the minutes of baptism and marriage indicate significant traces of illicit relationships that have been practiced even in the precincts of the church. The natural children and abandoned children in alleys and streets of the parish of Santa Ana (Vila Boa) reflect the contradictions of a society based on African slavery. In this sense, the baptismal fonts, whose goal was to lead the faithful to a new life were often used to cover up the sins committed by their cronies and gossips.

Keyword: Catholic Church in Brazil; family life in the eighteenth century; transgression and sexuality; inquisition; relations cronyism.

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RRÉÉSSUUMMÉÉ

Transgression, contrôle social et de l'Église catholique dans Colonial Brazil: Goiás siècle. Les recherches porteront sur certains aspects de la vie familiale, en utilisant la méthodologie de la démographie historique dans l'analyse des registres de baptêmes et mariages des grandes paroisses de la capitainerie. En plus de ces sources, il existe une documentation variée des processus de l'enquête des Archives publiques de Torre do Tombo et les cas de dossier d'outre-mer de Lisbonne: la bigamie, la sollicitation en confession, des lettres et des formes de légitimation des enfants illégitimes. Ces sources reflètent la vie quotidienne d'une population qui atteint l'arrière-pays de Goiás motivés par les découvertes d'or et autres richesses minérales dans le début du XVIIIe siècle. Dans ce contexte, ont aussi atteint les agents de l'Église catholique, sous le commandement de l'évêque de Rio de Janeiro, pour diffuser, à Goiás, les résolutions du Conseil de Trente. En dépit de l'alliance de l'Église et la Couronne, par favoritisme, il y avait plusieurs infractions contre l'institution familiale, commis, même par certains membres du clergé qu'ils doivent fournir à leurs clients avec les «pâturages spirituelle. En ce sens, les visites diocésaines et agents du Saint-Office enquêté sur les coins de Goiás pour "bannir les vices et les hérésies de combat. Dans les enquêtes ecclésiastiques, le concubinage était le péché qui était plus importante parmi les crimes les plus graves commis par la population. Cependant, le livre des «plaintes et le rôle du« coupable souligne plusieurs transgressions commises par des Brésiliens et des étrangers dans les villes aux États-Unis: la mort et la violence, l'inceste, l'usure, la bigamie, la sollicitation de pénitents dans le confessionnal, l'avortement, etc sacrilège. En outre, le procès-verbal du baptême et de mariage indiquent d'importantes traces de relations illicites qui ont été pratiquées dans l'enceinte même de l'église. Les enfants naturels et les enfants abandonnés dans les ruelles et les rues de la paroisse de Santa Ana (Vila Boa) reflètent les contradictions d'une société fondée sur l'esclavage africain. En ce sens, les fonts baptismaux, dont l'objectif était de conduire les fidèles à une nouvelle vie ont souvent été utilisés pour couvrir les fautes commises par leurs compères et commères. Mot-clé: Eglise catholique au Brésil, la vie familiale, au XVIIIe siècle, la transgression et la sexualité, l'inquisition, les relations de copinage

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LLIISSTTAA DDEE TTAABBEELLAASS EE QQUUAADDRROOSS

Tabela 1 - Origem geográfica das testemunhas ............................................................... 23 Tabela 2: Origem das testemunhas .................................................................................... 28 Tabela 3 - Descrição dos réus ............................................................................................. 29 Tabela 4 - Procedência de escravos adultos .................................................................... 48 Tabela 5 - Tabela dos Delatores ....................................................................................... 114 Tabela 6 - Casamentos de Teodósio Pereira de Negreiros .......................................... 139 Tabela 7 - Local dos casamentos ...................................................................................... 160 Tabela 8 - População de Meia Ponte ................................................................................ 167 Tabela 9 - Freqüência de casamentos ............................................................................. 169 Tabela 10 - Condição dos noivos ...................................................................................... 173 Tabela 11 - Condição dos inocentes batizados .............................................................. 188 Tabela 12 - Batismo de inocentes por condição e ano .................................................. 193 Tabela 13 - Batismo por idade e sexo .............................................................................. 194 Tabela 14 - Procedência das mães escravas ................................................................. 240 Tabela 15 - Local dos batizados ........................................................................................ 242 Tabela 16 - Batizados de inocentes por condição e sexo ............................................. 246 Tabela 17 - Perfil social dos padrinhos de escravos (inocentes) ................................. 250 Tabela 18 - Alforrias na pia batismal ................................................................................ 256 Tabela 19 - População adulta de Vila Boa de Goiás ...................................................... 258 Tabela 20 - Perfil social dos padrinhos ............................................................................ 267

Quadro 1: Quadro tipológico de amancebados ......................................................234

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LLIISSTTAA DDEE AABBRREEVVIIAATTUURRAASS

AGDG - Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás

AFSD - Arquivo Frei Simão Dorvi

AHEG - Arquivo Histórico Estadual de Goiás

AHU - Arquivo Histórico Ultramarino

IAN/TT – Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo

BNL - Biblioteca Nacional de Lisboa

IPEHBC – Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central

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SUMÁRIO

IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO ........................................................................................................... 12

CCAAPPÍÍTTUULLOO 11:: MMIIGGRRAAÇÇÃÃOO EE FFAAMMÍÍLLIIAA ........................................................................... 19

1.1. A MIGRAÇÃO NOS SERTÕES DE GOIÁS ........................................................................ 19

1.1.1. ASPECTOS GERAIS DA POPULAÇÃO .......................................................................... 19

1.1.2. A MIGRAÇÃO DOS PAULISTAS ..................................................................................... 32

1.1.3. A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA ...................................................................................... 37

1.1.4. A MIGRAÇÃO DOS AFRICANOS .................................................................................. 44

1.2. PRESENÇA DA IGREJA CATÓLICA EM GOIÁS ................................................................. 49

1.2.1. O DISCURSO MORAL DO BISPADO DO RIO DE JANEIRO EM GOIÁS ............................ 53

1.2.2. VISITADORES DIOCESANOS: “DESTERRAR OS VÍCIOS E CORRIGIR OS ABUSOS” ....... 64

1.2.3. VIGÁRIO DA VARA E A JUSTIÇA ECLESIÁSTICA ........................................................... 74

CCAAPPÍÍTTUULLOO 22:: OO CCOOMMPPOORRTTAAMMEENNTTOO MMOORRAALL DDAA PPOOPPUULLAAÇÇÃÃOO ........................................ 84

2.1. MORTES E VIOLÊNCIA ................................................................................................... 84

2.2. UM CASO DE USURA ...................................................................................................... 88

2.3. A PROSTITUIÇÃO ........................................................................................................... 92

2.4. OS PECADOS DO CLERO ............................................................................................... 99

CCAAPPÍÍTTUULLOO 33:: SSEEXXUUAALLIIDDAADDEE EE TTRRAANNSSGGRREESSSSÃÃOO ......................................................... 110

3.1. SOLICITAÇÃO NA FREGUESIA DE SANTA CRUZ ........................................................... 110

3.2. BIGAMIA NAS MINAS NOVAS DOS GOYAZES: UM ESTUDO SOBRE THEODÓSIO PEREIRA

DE NEGREIROS .................................................................................................................... 131

CCAAPPÍÍTTUULLOO 44:: AA PPOOLLÍÍTTIICCAA PPOORRTTUUGGUUEESSAA EE AASS CCOONNDDIIÇÇÕÕEESS DDOO PPOOVVOOAAMMEENNTTOO .............. 143

4.1. AS MULHERES DA TERRA: ESCRAVIDÃO E MANCEBIA .................................................. 143

4.1.2. A MULHER DA TERRA NA VISÃO DOS VIAJANTES ..................................................... 147

4.2. O CASAMENTO DE ESCRAVOS E LIVRES ...................................................................... 156

4.2.1 LOCAIS E HORAS DAS CELEBRAÇÕES MATRIMONIAIS ............................................... 158

4.2.2. A ORIGEM GEOGRÁFICA DOS NUBENTES ................................................................. 165

4.2.3. O CALENDÁRIO ANUAL DAS CELEBRAÇÕES.............................................................. 170

4.2.4. OS CASAMENTOS DE ESCRAVOS E CASAMENTOS MISTOS....................................... 173

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CCAAPPÍÍTTUULLOO 55:: OO CCOONNCCUUBBIINNAATTOO ............................................................................... 180

5.1. OS SIGNIFICADOS DA PALAVRA CONCUBINATO ........................................................... 180

5.2. ILEGÍTIMOS E EXPOSTOS: O RASTRO DO CONCUBINATO ............................................ 183

5.2.1. A ILEGITIMIDADE NA POPULAÇÃO LIVRE ................................................................... 187

5.2.2. A ILEGITIMIDADE NA POPULAÇÃO ESCRAVA ............................................................. 192

5.3. ESTAR E ANDAR AMANCEBADO .................................................................................. 199

5.3.1. O CONCUBINATO ADULTERINO ................................................................................. 210

5.3.2. ALCOVITEIRISMO E CONCUBINATO INCESTUOSO ..................................................... 214

5.4. VIVENDO COMO CASADOS ........................................................................................... 220

CCAAPPÍÍTTUULLOO 66:: BBAATTIISSMMOO EE CCOOMMPPAADDRRIIOO ...................................................................... 236

6.1. O SACRAMENTO DO BATISMO ..................................................................................... 236

6.2. COMPADRIO NA POPULAÇÃO ESCRAVA ....................................................................... 247

6.2.1. AS ALFORRIAS NA PIA BATISMAL............................................................................. 256

6.2.2. OS ESCRAVOS ADULTOS ......................................................................................... 265

CCOONNSSIIDDEERRAAÇÇÕÕEESS FFIINNAAIISS ........................................................................................ 270

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 279

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IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO

Esta tese é resultado de uma pesquisa que se iniciou em 1998, quando

se concluía esta dissertação de mestrado na Universidade Federal de Goiânia. Na

análise de alguns registros eclesiásticos do século XVIII, arquivados no Instituto de

Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central (IPEHBC), três tipos de

documentos despertaram atenção: os editais das visitações diocesanas, o livro de

registro das denúncias e o rol dos culpados. Percebeu-se que eles continham

informações valiosas sobre os vários tipos de família, que se configuraram na

Capitania de Goiás com a “descoberta” da mineração. Esta documentação

apresentava os traços nítidos dos crimes que ocorreram contra a instituição da

família: concubinato, bigamia, incesto, aborto, solicitação em confissão, prostituição,

casais que viviam apartados sem justa causa, usura e alcoviteirice. E, além disso,

poucos pesquisadores se aventuraram a investigá-los.

A coleta da documentação demandou algum tempo de trabalho que

requereu meses no arquivo do IPEHBC e outros locais, que guardam preciosas

fontes sobre a história de Goiás. Entre estes, mencionam-se o Arquivo Histórico

Estadual de Goiás (AHEG), o Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás

(AGDG), o Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo (IAN/TT), em Lisboa,

o Arquivo Histórico Ultramarino (AHU) e a Biblioteca Nacional de Lisboa (BNL). Na

sede da antiga freguesia de Santa Ana (Vila Boa), fixou-se residência por alguns

meses para fazer a compilação das atas de batismo de escravos e livres. Além

desta documentação, trabalhou-se com os assentos de casamento da paróquia

Nossa Senhora do Rosário de Pirenópolis, cartas pastorais dos bispos do Rio de

Janeiro, editais dos vigários das varas eclesiásticas, ofícios e requerimentos dos

governadores da capitania às autoridades portuguesas, livros de devassas, pedidos

de legitimação de filhos naturais e outros. A pesquisa com este escopo documental

fez-se de suma importância para a proposta inicial, cuja temática versava sobre o

Concubinato na Capitania de Goiás (1726 a 1824). Apesar do esforço da Igreja em

colocar em prática as resoluções do Concílio de Trento, principalmente, no que

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INTRODUÇÃO 13

tange ao casamento monogâmico, o concubinato caminhava do lado oposto às

aspirações eclesiásticas.

Mas o desenvolver da pesquisa e o contato com outras fontes permitiram

visualizar melhor o comportamento da população goiana e a atuação da Igreja

Católica durante os setecentos. Percebeu-se que, apesar dos esforços da Igreja na

tentativa de implantar seus ideais morais nos vilarejos, houve muitas transgressões

de conduta por parte da população e do clero. Neste contexto, a proposta inicial em

pesquisar o concubinato restringia muito o leque das investigações. Ao encaminhar

alguns fragmentos da tese para ser analisada pela nossa orientadora, a doutora

Dora Paiva da Costa, esta sugeriu uma nova temática que abarcasse melhor as

principais questões até então investigadas. Assim nasceu a temática sobre

Transgressão, Controle Social e Igreja Católica no Brasil Colonial: Goiás, século

XVIII.

O objetivo da pesquisa é estudar as práticas familiares1 e o

comportamento de uma população marcada por uma forte corrente migratória, que

chegou aos sertões de Goiás com o povoamento e a corrida febril do ouro. Neste

contexto, chegou também a Igreja Católica, aliada à Coroa portuguesa com o

objetivo de espalhar nas freguesias que iam surgindo, as resoluções do Concílio de

Trento. As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia de 1707 foram o

referencial teórico e doutrinal para a Igreja no Brasil colocar em prática as

resoluções tridentinas. É dentro deste prisma que se deve compreender a presença

dos visitadores diocesanos que percorriam as minas de Goiás com o objetivo de

“desterrar os vícios e os pecados da população”. Assim o concubinato surgia nas

devassas eclesiásticas como o principal pecado, que deveria ser combatido pelos

párocos e chefes de família. Embora este pecado tenha se destacado nas devassas

eclesiásticas, os bispos tiveram preocupações minuciosas com o rebanho das minas

de Goiás. As cartas pastorais, as visitações diocesanas e os editais dos vigários das

varas eclesiásticas deixam transparecer um verdadeiro controle social que a Igreja

1 Quanto às práticas familiares, quero chamar atenção para o artigo “Família, Patriarcalismo e Mudanças Sociais no Brasil” de Eni de Mesquita Samara e Dora da Costa (Cedhal). O referido estudo faz uma abordagem da historiografia sobre a família no Brasil. Conforme Samara e Costa, a revisão dos grandes mitos da sociedade patriarcal brasileira ocorrida na década de 70, deu base para que os estudos realizados na década de 80 se caracterizassem por uma maior pluralidade. Esses estudos vão tratar do papel do sexo, do casamento, do concubinato, da sexualidade e do processo de transmissão de fortunas. Foi a partir da década de 1980 que as preocupações destes e outros estudiosos se dirigiram diretamente para a contestação da idéia de família patriarcal de Gilberto Freyre.

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INTRODUÇÃO 14

Católica no Brasil procurou exercer sobre os seus fiéis. Dentro desta perspectiva fica

evidente uma afirmação de Riolando Azzi:

[...] o pensamento católico hegemônico, nos três primeiros séculos, estava vinculado intimamente ao projeto colonizador lusitano, servindo com freqüência como suporte ético-religioso para a dominação lusitana não apenas sobre os indígenas e os negros, mas também sobre os próprios colonos que buscassem maior liberdade de pensamento e de ação em sua atividade no Brasil. Sob este aspecto, o pensamento católico se manifesta explicitamente como uma ideologia de cunho marcadamente autoritário e conservador. (1987, p. 13)

Esta pesquisa se inicia em 1734 com a presença do primeiro visitador

diocesano em solo goiano, o padre Dr. Alexandre Marques do Vale, vigário da

paróquia de Santa Ana de Vila Boa (atual Cidade de Goiás). Veja-se o que ele diz

referente ao concubinato:

Ainda que a concubina seja útil para a sua casa e governo dela, e não seja fácil achar outra mulher com igual préstimo, é obrigado o concubinário primeiro lançá-la fora de casa para ser absoluto, porque da expulsão não perde a fama, nem causa escândalo, antes o causa grande em estar de portas adentro por manceba, nem o préstimo temporal, e que vale o Espiritual que perdem.2

Embora o foco principal da pesquisa seja o século XVIII, optou-se por um

recorte cronológico até 1808. Neste período, a Igreja em Goiás passou por uma

transição de comando que afetou as suas atividades pastorais: o corte umbilical com

o bispado do Rio de Janeiro a partir da tomada de posse do terceiro prelado, D.

Vicente Alexandre de Tovar, em 1805, por meio de seu procurador o padre Vicente

Ferreira Brandão. A jurisdição episcopal do Rio de Janeiro assistiu o território goiano

na parte do sul, desde o seu povoamento até a posse do referido prelado. Durante

quase um século, realizaram-se em Goiás dezesseis visitas diocesanas e as

2 COPIA dos capítulos da primeira e ultima vezita, q fez o Doutor Alexandre Maquez do Valle, vezitador q foi destas minas de Goyaz. Vila Boa de Goyaz, 1734. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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INTRODUÇÃO 15

principais atividades pastorais eram comandadas pelos vigários das varas

eclesiásticas. Conforme o historiador Cônego J. Trindade da Fonseca e Silva, o

último visitador provisionado pelo bispo do Rio de Janeiro foi o “Cônego Roque da

Silva Moreira por provisão de Dom José Joaquim Justiniano Castelo Branco em

1803” (SILVA, J., 2006, p. 91).3

Ainda referente às fontes, menciona-se O Rol dos Culpados4. Foi um

documento de suma importância para anotar os crimes que ocorriam no âmbito da

justiça eclesiástica. Entretanto, encontraram-se poucos assentos, mas o suficiente

para retratar as infrações de ordem moral e os sacrilégios que ocorriam nas

pequenas vilas goianas no final dos setecentos. Assim o vigário da vara de Santa

Cruz foi acusado pelos seus fregueses de concubinato, de cujo “punível coito”

nasceu uma filha. Por outro lado, “Izabel de nação Angola” foi presa na Aldeia de

São José por ter expelido uma “hóstia que havia comungado”. Já, “Luiza Preta Mina”

foi condenada por permitir concubinato, incesto e abortos dos seus filhos Carlos

Pinto e Margarida “Crioula”. O mesmo ocorreu com Luiz Henrique da Silva e sua

esposa Antonia Lopes que celebrou casamento clandestino.5

Toda esta documentação, apesar das lacunas, traz à baila as intimidades

vividas no interior das famílias, os conflitos das concubinas com seus amásios nos

becos e ruas, e certa oposição do catolicismo popular com a hierarquia eclesiástica.6

3 De acordo com os historiadores goianos, Dom Vicente partiu para sua prelazia em 1808, mas com a notícia da vinda da Família Real ao Brasil retorna ao Rio. Porém acaba morrendo em Paracatu em oito de outubro deste mesmo ano. Era natural da Bahia, foi sagrado bispo em 28 de agosto de 1803 na igreja de Loreto em Lisboa, através do Núncio Apostólico Monsenhor Lourenço Callepi, Arcebispo de Nesili. Foram assistentes nesta cerimônia o arcebispo de Adrianópolis Dom Manoel Joaquim da Silva e Dom Joaquim Maria Mascarenhas, bispo de Angola. Sendo cônego reitor da Sé de Faro passou em Goiás e foi vigário da vara eclesiástica e da paróquia de Pilar durante o período de 1791 a 1800. Com a morte de Dom Vicente, o padre Vicente Ferreira Brandão continuou vigário capitular assistido pela prelazia de Cuiabá até 1810 com a nomeação de Dom Antonio Rodrigues de Aguiar (SILVA, J., 2006, p. 91-92). 4 Refere-se ao livro utilizado pelos bispos diocesanos para registrar os culpados das devassas eclesiásticas. Mas a Inquisição utilizava também esta mesma expressão. Há uma obra da historiadora Anita Novinsky (1992), intitulada Rol dos Culpados, que aborda os Cristão Novos condenados pelo Santo Oficio. 5 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Rol dos culpados. Livro utilizado pelos bispos diocesanos para registrar os culpados das devassas eclesiásticas. Livro n. 10, 1783-1805. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. 6 De acordo com Eduardo Hoornaert (1991, p. 16), a inquisição ajudou a formar (ou deformar) a consciência católica no Brasil, criando a impressão de que todos são católicos da mesma forma, obedecendo às mesmas normas e lutando contra os inimigos. Diante do clima de medo criado pelas denunciações, visitações, deportações, repressões e confiscos, os brasileiros reagiram de maneira inteligente: criaram um catolicismo ostensivo, patente aos olhos de todos, praticado, sobretudo nos lugares públicos, bem pronunciado e cheio de invocações ortodoxas a Deus, Nossa Senhora, os santos. Todos tinham que ser “muito católico” para garantir a sua posição na sociedade, e não cair na suspeita de “heresia”.

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INTRODUÇÃO 16

As famílias geradas pelo concubinato surgiam na sombra do casamento

como resultado de adultérios ou se organizaram paralelamente ao matrimônio, a

partir de arranjos, consentimentos ou mesmo como resultado de violências.

Entretanto, a palavra concubinato fazia referência a um pecado e a um crime

quando utilizado pela hierarquia eclesiástica para caracterizar certo tipo de relações

não gerado pelo casamento. Como afirma Torres-Londoño (1999, p. 15), “este era

fruto de um longo percurso da cristandade que fez do matrimônio monogâmico,

indissolúvel e destinado à procriação o único espaço da sexualidade”.

Referente aos registros de batismo e casamento procurou-se seguir as

orientações da demografia histórica para formar quadros explicativos mais gerais.

Observando as orientações metodológicas de Maria Luiza Marcílio, criou-se um

banco de dados no programa Excel para explorar melhor os assentos paroquiais.

Por meio de variantes como nome, estado civil, condição, origem geográfica,

legitimidade, ilegitimidade, exposto, etc.,.. Procurou-se trilhar nos caminhos destas

famílias que povoaram as freguesias de Nossa Senhora do Rosário (Perinópolis) e

Santa Anna de Vila Boa.

Feitas as considerações iniciais sobre Transgressão, Controle Social e

Igreja Católica no Brasil Colonial: Goiás, século XVIII, destaca-se a seguir uma

pequena síntese dos seis capítulos desta pesquisa para que o leitor tenha uma

compreensão global da investigação. O primeiro capítulo, que trata da migração e

família, situar-se-á melhor sobre a chegada de imigrantes de algumas regiões do

Brasil, da Europa e da África aos sertões de Goiás com a descoberta da mineração.

Os mineiros eram, em sua grande maioria, emigrantes solteiros, quando casados,

viajavam sozinhos para as minas, para tentar a aventura, com a esperança de

poder, mais tarde, uma vez bem sucedidos, chamar suas famílias; ou às vezes

vinham para Goiás fugindo da perseguição do Santo Ofício. Juntamente, com os

emigrantes chegou também a Igreja Católica em Goiás para difundir nas nascentes

freguesias as resoluções do Concílio de Trento. Neste contexto, destacaram-se as

cartas pastorais dos bispos do Rio de Janeiro, as visitações diocesanas e os vigários

das varas eclesiásticas. No segundo capitulo, analisa-se o comportamento moral da

população da capitania marcado de infratores e infrações de aspectos individuais e

de grupo: violência, morte, corrupção, prostituição e vários pecados cometidos por

alguns elementos do próprio clero que deviam zelar pela moralidade pública. As

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INTRODUÇÃO 17

cartas dos governadores de Goiás para a Coroa portuguesa não deixaram de

ressaltar o comportamento violento desta população, marcado por crimes e vários

tipos de “desordem de ordem” moral na visão dos lusitanos.

No terceiro capítulo, trata-se das temáticas da sexualidade e

transgressão. Com base em dois processos de Inquisição, analisam-se os “crimes”

contra a instituição familiar: a solicitação na confissão pelo pároco da freguesia de

Nossa Senhora da Conceição (Santa Cruz) e um estudo da bigamia cometida por

Theodósio Pereira de Negreiros. Solicitação e bigamia procuram ressaltar ainda

mais a aliança do Estado Português e da Igreja Católica, por meio do padroado, no

combate aos crimes e pecados, que ferissem os sete sacramentos ordenados pelo

Concílio Tridentino. O grande destaque deste capítulo são os delatores de duas

devassas ocorridas em Santa Cruz de Goiás, comandada pelo visitador diocesano, o

padre Felipe da Silveira, em 1757. Os depoimentos contra o padre Jose de Paiva

Vieira, acusado em solicitação e quebra de sigilo em confissão, trazem à baila a

intimidade da vida sexual das mulheres que moravam numa região bastante

despovoada na segunda metade do século XVIII.

No quarto capítulo, abordam-se a política portuguesa e as condições de

povoamento em solos goianos. Preencher o vazio do imenso território brasileiro

sempre foi um desafio para a colonização portuguesa. Em Goiás, encontram-se

diversas correspondências da Coroa para governadores da Capitania, ressaltando a

necessidade de povoar os sertões com os “naturais da terra”. Entretanto, as

rivalidades e as guerras de extermínio contra os indígenas, no início da ocupação,

parecem ter dificultado os enlaces matrimoniais. Os assentos de casamentos da

freguesia de Nossa senhora do Rosário (Meia Ponte) apontam pouquíssimos casos

de enlaces matrimoniais envolvendo indígenas. Por outro lado, encontram-se

importantes correspondências dos bispos do Rio de Janeiro aos vigários das varas

eclesiásticas, orientando aos párocos para facilitar o casamento dos seus fregueses

“pobres e miseráveis”. No entanto, os viajantes estrangeiros, que percorreram a

região no início do século XIX, ficaram chocados com as mancebias. Na visão de

Saint-Hilaire, o “mau exemplo do concubinato” partia das autoridades locais e se

estendia para a população, pois nenhum governador veio para Goiás casado,

preferiam viver rodeados com suas concubinas nos próprios palácios.

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INTRODUÇÃO 18

O quinto capítulo vai tratar o concubinato, seguindo o rastro dos

nascimentos ilegítimos, apontados nas atas de batismo de escravos e livres. Os

assentos de batismo de Vila Boa apresentam uma ilegitimidade alta, 73,1%. Mesmo

que não se possa provar com exatidão a maioria dos casos das relações de

concubinato, ele aparece de uma forma indireta nos livros paroquiais. Houve sempre

suspeitas nas histórias de crianças expostas em casa de “fulano de tal”, e nos

nascimentos que só apareciam os nomes da mãe e a denominação de “pai

incógnito”. No entanto, o concubinato aparece mesmo de uma forma clara no “livro

de denúncias” e no “rol dos culpados.” As testemunhas que comparecem ao tribunal

eclesiástico narram em detalhes os relacionamentos consensuais e as brigas, que

aconteciam nos becos e ruas, motivadas por ciúmes dos amásios com as suas

concubinas Além disso, o diálogo com esta documentação permite conhecer alguns

aspectos do cotidiano desta outra família que se constituiu ao lado do matrimônio

monogâmico. Famílias que freqüentavam as cerimônias religiosas criavam seus

filhos e viviam por vários anos de “portas adentro” ao lado de parentes e vizinhos.

No sexto capítulo, analisam-se o batismo e as relações sociais do

compadrio. Num contexto em que o catolicismo era a religião oficial do Império

português, o batismo foi o sacramento que mais obteve sucesso na capitania de

Goiás, revelando uma aproximação e afinidade entre a Igreja e a comunidade. Na

realidade havia uma grande preocupação dos agentes eclesiásticos para que

ninguém morresse sem ele. O batizado conforme as Constituições da Bahia era

“porta de entrada” do fiel na Igreja. Por isso as cartas pastorais do Rio de Janeiro

procuravam incentivar aos párocos para instruir os seus fregueses, principalmente,

as parteiras na forma de batizar. Mas a pia batismal foi usada também pelas mães

escravas como instrumento de alforrias de seus rebentos. Por outro lado, o

sacramento do batismo serviu, muitas vezes, para encobrir as relações de

concubinato dos compadres e as suas comadres.

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CCAAPPÍÍTTUULLOO 11

MMIIGGRRAAÇÇÃÃOO EE FFAAMMÍÍLLIIAA

1.1. A MIGRAÇÃO NOS SERTÕES DE GOIÁS

1.1.1. ASPECTOS GERAIS DA POPULAÇÃO

É importante situar a história da família na Capitania de Goiás num

processo de corrida pela conquista do ouro. Mas desde o final do século XVII Goiás

já era suficientemente conhecido dos paulistas, devido aos relatos e roteiros

elaborados pelas primeiras entradas e bandeiras. A referência do “descobrimento”

da região no século XVIII é anacrônica. Contudo, convencionou-se atribuir o

“descobrimento” de Goiás à bandeira chefiada por Bartolomeu Bueno da Silva, o

Anhanguera (1722-1725), pois, a partir dela, se encontraram as primeiras minas de

ouro e se iniciou o processo de povoamento no território goiano.

Para Nasr Fayad Chaul (1997), a estrutura familiar na política admintrativa

em Goiás, teve suas origens com o Bueno, que era superintendente; seu genro

Ortiz, guarda-mor; e Antonio Ferraz, seu sobrinho. A partir deste contexto, a política

das famílias tradicionais foi uma grande característica que marcou por longos anos a

vida de Goiás. E foi o ouro o principal responsável pelo surto populacional dos

sertões de Goiás. Parece que se repetiu neste território o mesmo que ocorreu nas

Minas Gerais. Sérgio Buarque de Holanda denominou “sociedade sui generis”. Na

visão deste autor, o que marcou a sociedade mineira foi um povoamento com

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 20

elementos de “várias procedências e de todos os estratos” (HOLANDA, 1993,

p.282).

Na realidade, a mineração trouxe uma nova forma de povoamento “tipo

urbano” ao Brasil colonial. Durante os séculos XVI e XVII, o povoamento das

Capitanias da costa brasileira dera-se em função da empresa agrícola. Com a

mineração, a situação inverteu-se: os núcleos urbanos, surgidos da concentração

mineira, congregaram a maioria da população, marcando o ritmo da vida social e

das mentalidades.

Para Palacin (1995), o descobrimento do ouro em Goiás foi o principal

responsável pelo surto populacional: migração para o interior, populações

majoritariamente masculinas, surtos de violência, urbanização acelerada e severo

controle fiscal por parte do Estado. Já o cronista Antonil, em sua obra Cultura e

Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas, fixou a corrida do ouro às Minas

Gerais, nos anos iniciais do século XVIII.

Cada ano vem nas frotas quantidade portugueses e estrangeiros, para passarem às minas. Das cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil vão brancos, pardos, pretos e muitos índios, de que os paulistas se servem. A mistura é de toda condição de pessoas; homens e mulheres; moços e velhos; pobres e ricos; nobres e plebeus, seculares e clérigos, e religiosos de diversos institutos, muitos dos quais não têm no Brasil convento nem casa. (ANTONIL, 1982, p. 264)

Cunha Mattos (1975, p. 141) chegou contar “dezessete mil escravos e mil

e quatrocentos homens brancos europeus, paulistas e mineiros, todos celibatários”

num descoberto aurífero em Cocal no ano de 1751. Luís Antônio da Silva e Souza

(1978, p. 78-79) buscou na tradição oral a memória desse povoamento colonial,

caracterizado pelo excesso de grandeza e riqueza dos primeiros tempos. Num curto

período entre 1726 e 1740, estabeleceu-se o mapa básico da mineração em Goiás,

constituído por três grandes áreas: a região de Vila Boa (Barra, Ferreiro, Ouro Fino,

etc.), contendo Meia Ponte e Santa Cruz ao sul; a região do rio Maranhão (Traíras,

São José, Cachoeira, etc.), contendo Crixás a oeste; e a região do norte (Natividade,

Ponta, Conceição, etc.).

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 21

Na realidade, as descobertas do ouro iniciam o processo de povoamento

da Capitania de Goiás. A mineração foi o principal alvo dos emigrantes que

chegavam de todas as regiões do Brasil e do Reino em busca da riqueza. O mapa a

seguir retrata os principais arraiais que se formaram nas terras do ouro.

Mapa 1 – Goiás: Vilas e Arraiais do Ouro, séculos XVIII e XIX

Fonte: NOTÍCIA Geral da Capitania de Goyaz. In: SALLES, Gilka Vasconcelos Ferreira de. Economia

e Escravidão na Capitania de Goiás. Goiânia: CEGRAF; Ed. da UFG, 1992. p. 94.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 22

Não houve aqui, certamente, nenhuma novidade extraordinária, para a

generalidade dos países de condição ou formação colonial. A título de comparação,

a ocupação dos territórios goianos teve características semelhantes das apontadas

por Sérgio Buarque de Holanda (1993), nas Minas Gerais. Um “povoamento com

predominação do elemento masculino e mulheres de baixas condições morais”. Para

o autor, em outras partes do Brasil, para onde os colonos vieram em menor número,

a carência de mulheres européias se supriu pelas índias (HOLANDA, 1993, p. 300).

Mas em Goiás muitas nações indígenas haviam sido dizimadas devido às

constantes guerras exterminatórias com o homem branco.

Por outro lado, a chegada destes imigrantes das diversas regiões do

Brasil, da Europa e da África vai interferir profundamente no processo de reprodução

biológica, social e étnica da sociedade de Goiás. As atas de batismos, casamentos e

as devassas civis e eclesiásticas corroboram com a nossa afirmação.

A primeira fase da historia de Goiás, até a sua elevação à Capitania,

independente de São Paulo, em 1749, é toda marcada por crimes e violências, em

que estavam envolvidos inclusive elementos eclesiásticos. A criação de uma

administração própria, com D. Marcos de Noronha, pouco melhoraria a situação.

Segundo o testemunho do próprio governante, grande parte dos habitantes era

foragida da justiça (apud SANTOS, 1984, p. 148).

A tabela das testemunhas que depõem nas devassas eclesiásticas em

Vila Boa (cf. Tabela 1) aponta uma grande porcentagem de portugueses, que

residiam na Capitania em 1753 em plena fase do ouro com abundância.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 23

Tabela 1 - Origem geográfica das testemunhas País Cidade Bispado QtdBrasil 10

Bahia Bahia 2Rio de Janeiro Rio de Janeiro 6São Paulo São Paulo 1Villa de Itu São Paulo 1

Portugal 43[Corrocedo?] Braga 1[Corrose] Braga 1[Reburdoam] Miranda 1[Villa de Freira] Porto 1Coimbra - 2Évora Portugal 1Freguesia de [Frotas] Porto 1Ilha de São Miguel Portugal 4Ilha Terceira Bispado de Angra 2Ilhas das Caldas Portugal 1Lisboa Lisboa 5Ponte do Porto Braga 1Santa Maria do Outeyro Braga 1São João de Água Longa Porto 1São Salvador da Roca Braga 1Valença do Minho Braga 1Vila de (Abreu) Patriarcado Lisboa 1Vila de S. João Del Rei Mariana 1Vila Rica Mariana 1Villa da Feira Porto 1Villa da Marante Braga 1Villa das Caldas da Rainha Patriarcado de Lisboa 1Villa de [Marealva] - 1Villa de [Rocha] Braga 1Villa de Alcobaça Portugal 1Villa do Conde Braga 1Villa do Ovar Porto 1Villa dos Guimarães Braga 6Villa Real Braga 1

Total 53 Fonte: BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. Livro utilizado pelos bispos para

registrar as denúncias de devassas eclesiásticas. Livro n. 2. 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de

Goiás, Goiânia.

Pelo que se observa na tabela, das 53 testemunhas que depõem no

tribunal eclesiástico de Vila Boa sobre os casos de concubinato, 45 são naturais dos

principais bispados de Portugal: Lisboa, Porto, Braga, etc.7 Pena que o livro de

7 Em relação aos crimes apontados no livro de Registro das Denúncias, a grande maioria dos casos são registros de concubinato. Mas encontramos também crimes de usura, prostituição, alcoviteirismo, incesto e sacrilégio. Em relação à origem geográfica dos réus, a documentação não deixa muitas

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 24

Registro de Denúncias não deixa claro o estado civil desta gente, e muitos menos

como chegaram aqui. E a documentação ressalta as idades e os ofícios que

praticavam em Vila Boa. Quanto à idade, o português mais velho é Caetano Tavares

da “Villa de Alcobaça”, 60 anos, que “vive do officio de Pedreiro”; o mais novo é José

Tavares da “Ilha de São Miguel”, 24 anos, que “vive do officio de sapateiro”. Em

relação aos nascidos nas terras do Brasil são poucas as testemunhas que

comparecem no Auto de Denúncia. O mais velho era comerciante, carioca com 77

anos; Já Bento Ferreira de Mello (crioulo forro), natural da Bahia tinha 22 anos e era

morador do Arraial do Ferreiro. É importante lembrar que estes depoimentos foram

tomados no ano de 1753, em plena fase da abundância do ouro. Na parte religiosa,

Goiás era comandado pela Mitra do Rio de Janeiro, cujo bispo era o beneditino D.

Antônio do Desterro Malheiros, que proibiu a cobrança de taxas de casamentos e

sepultamentos de pobres, escravos e imigrantes; e ao mesmo tempo, renovou a

obrigação dos párocos aos assentos paroquiais. Acredita-se que esta última medida

foi uma das respostas para o maior número de casos de concubinato registrado na

Capitania no ano de 1753; além disto, sendo da ordem de São Bento, a tendência

era uma orientação pastoral mais rigorosa.

Estes emigrantes, de certa forma, contribuíram com os ideais do Concilio

de Trento na difusão do catolicismo no interior do Brasil, uma vez que chegavam às

minas e logo edificavam uma capela ou mesmo um oratório para difundir a devoção

que praticavam em suas regiões de origem. As diversas confrarias e irmandades

praticadas pelos diversos seguimentos da sociedade colonial confirmam a nossa

afirmação. Ao observar os templos edificados no Brasil colônia, percebe-se

nitidamente a marca de uma sociedade baseada na escravidão do negro e no

conflito dos grupos sociais. Daí a edificação da igreja de Nossa senhora do Rosário

dos Pretos, São Benedito dos Crioulos, Irmandade da Boa Morte, etc.(CASTRO,

2006).

Mas o foco do momento é sobre as testemunhas que compareciam aos

Autos de Denúncia no período de 1753 a 1794. Para Laura de Mello e Souza (2006,

p. 20-21), as devassas eclesiásticas são documentos de capital importância para

estudar a família e os aspectos da vida moral da sociedade colonial. Neste contexto,

pistas. Mas há alguns casos que os nomes e sobrenomes dos acusados nos faz suspeitar que se tratasse de estrangeiros. O exemplo de “Pantaliam Rodrigues” que praticava usura em Vila Boa é um destes.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 25

“as testemunhas que comparecem à Mesa de denúncia falavam muito mais da vida

amorosa, da sexualidade, dos costumes de seus semelhantes, do que da sua

regularidade no comparecimento às missas e na prática dos jejuns”. Quais os

critérios que a igreja utilizava na escolha dos testemunhos? Por que tantas

testemunhas do Reino numa Vila Boa coberta de pessoas das várias regiões do

Brasil? Parece que o tribunal eclesiástico selecionava as pessoas que tivessem uma

vivência exemplar na prática da doutrina e observância dos sacramentos na

freguesia que residia. No caso em análise, o único “crioulo forro” que apareceu no

Auto de Denuncia como testemunha foi Bento Ferreira do Arraial do Ferreiro por ter

salvado o vigário de uma facada.

Quanto às outras testemunhas havia muitos comerciantes, taberneiros,

alfaiates e sacerdotes seculares. Na realidade estes ofícios tinham muito contato

com aquilo que a população comentava a respeito da vida alheia. Ser testemunha

no auto do tribunal eclesiástico não dava garantias a ninguém de ser poupado,

mediante a acusação de um vizinho ou até mesmo de uma pessoa inimiga. Parece

que não era somente o ouro que atraía essa gente, mas também outras atividades

que a prática da mineração demandava. Ao se apresentarem no auto da devassa,

uma das primeiras questões que respondiam eram nomes, idades, naturalidade,

oficio e costumes que praticavam. Os vários ofícios praticados por estes

portugueses eram sapateiro, taberneiro, ferreiro, escrevente, sacerdote secular,

alfaiate, mercador, roça, negócio, agencia, pedreiro, sapateiro, minerar, alferes,

soldado, requerente, mestre de meninos.

Para Laura de Mello e Souza (2004), a prática do concubinato não

causava preocupações para grande parte da população das Minas Gerais no

período da mineração. Geralmente, o que mais incomodava as pessoas eram as

brigas nas ruas e no interior das casas, motivadas pelos ciúmes dos parceiros.

Assim, o meirinho do juiz eclesiástico, José da Silva Barros, denunciou “Antonio

Velho Preto, por andar amancebado há muitos anos com Antonica (sic) Preta Forra

e por esta causar brigas na rua em que morava”; o mesmo Meirinho denuncia no juiz

eclesiástico, Manuel Fellipe Santiago por “andar concubinado” e ter um filho com sua

escrava Rita; José da Rosa que “vive de minerar” em Vila Boa testemunha que nas

ocasiões das visitas do Santíssimo Sacramento aos enfermos, o Mulatinho, filho do

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 26

concubinário Manuel Felipe e sua escrava Rita, “vai muitas vezes junto delle”8. No

dizer de Laura de Mello, “ato sexual” que homens da centúria praticavam com as

várias mulheres eram descritos nas “devassas eclesiásticas como ato pecaminoso”

(SOUZA, 2004, p. 227).

Outra questão, que merece destaque neste item, diz respeito à

mobilidade geográfica da população masculina. A população de Goiás no período

colonial apresentava características típicas das regiões mineradoras, ou seja, era

predominantemente masculina e solteira. Diferentes fontes, datadas de 1745,

atestam para a intensa mobilidade das populações goiana e mato-grossense. “Os

habitantes deslocavam-se constantemente à procura de novas jazidas de ouro,

fazendo com que arraiais inteiros se despovoassem e a vida se constituísse em

constante improvisação” (PALACIN; GARCIA; AMADO, 1995, p. 61).

Para Novais (1995) a mobilidade geográfica estava ligada a uma

economia colonial “predatória”, que visava o desenvolvimento da Metrópole. Neste

contexto era difícil para a população “sedimentar laço de família”. O referido autor

concorda com as teses de Gilberto Freyre que a “miscigenação” foi um dos

principais encontros do colonizador branco com as escravas e indígenas, e ao

mesmo tempo uma forma de dominação do europeu sobre as populações que

habitavam o Brasil (NOVAIS, 1997,14-39).

Para a historiadora Maria Beatriz Nizza da Silva (1993), as atividades

militares, municipais e econômicas, no fim do período colonial, forçavam os homens

a passar longos períodos distantes de suas famílias. A atividade econômica forçava

uma boa parcela da população para à mobilidade geográfica. Neste sentido,

“tropeiros e mascates, sempre em constantes viagens, pouco permaneciam nas

suas casas”. Manoel Machado Rocha que depõe na devassa de Pilões e Rio Claro,

em 1794, foi uma destas figuras típicas que levava uma vida na itinerância para

vender as suas cargas. Quando o juiz de Vila Boa perguntou ao réu o que ele fazia

no Rio Claro com instrumentos e ferramentas de minerar, respondeu:

8 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas. Livro n. 2. 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 2-5.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 27

[...] que sahindo (sic) de sua casa de Viamão com cento e vinte animais, para negociar em São Paulo, chegara ao Registro de Curitiba com quarenta e passou na cidade de São Paulo e comprou algumas cargas, que conduzira a esta Capitania, e sendo infeliz na venda dellas pela tardança das cobranças, ser pusera a hir ao Rio Cayapo procurar ouro, [...] e para isso convidara a Manoel de Oliveira, Francisco Soares, Jose Luis, João Pereira, Ignácio de Souza, João Portes, Manoel Antonio e Pedro de Siqueira e com cinco escravos seus por nomes Luis Crioulo, Jose Mina, Teodoro Crioulo, Zeferino e Barnabé Crioulos foram ao Rio Vermelho e ahi fizeram huma canoa para o atravessar, e depois seguiram ate o Rio Claro.9

O texto acima faz parte de um depoimento de devassa em Vila Boa de

Goiás em 1794. Após uma acusação verbal foram encontrados nove homens livres e

cinco escravos com instrumentos e ferramentas minerais e uma pequenina pedra de

ouro. Os mesmos estavam acampados ao “pé do Rio Claro” com vários animais e

cinco escravos. Presos pela milícia que comandava a região foram conduzidos para

cadeia de Vila Boa. Julgados pelo juiz ordinário daquela comarca foram absolvidos.

Na realidade em toda região aurífera dos rios Claros e Pilões, freqüentemente, eram

encontrados diamantes, daí o interesse e controle da região pela Coroa portuguesa.

Neste processo, várias pessoas foram interrogadas, os militares, os camaradas que

acompanhavam Manoel Machado da Rocha e várias pessoas dos arraiais vizinhos,

com exceção dos escravos e indígenas. Uma das principais questões feitas pelo

Juiz da devassa se referia ao “serviço de minerar no continente10 proibido”. Percebe-

se com isso que a instituição ameaçada em seu domínio faz prevalecer as suas

normas e leis que dão legitimidade a este poder. De acordo com Kenneth R.

Maxwell (2005), a política de Pombal foi muito centralizadora no tocante aos

diamantes, colocando esta administração sob o controle direto da Real fazenda. Em

Minas Gerais houve uma série de regulamentos que visavam abastecer o mercado

europeu. Para o autor, as instruções políticas de Pombal baseavam-se em três

prioridades: “garantir a fronteira, povoar de modo que a população pudesse se

9 AUTO de devassa e juntada. Pilões e Rio Claro. Livro n. 30, 1794. Manuscrito. Arquivo Histórico do Estado de Goiás, Goiânia. fl. 19v. 10Havia uma Carta Régia do ano de 1738 que a Coroa Portuguesa proíbe a extração nos rios Claros e Pilões. A intendência de Pilões foi criada em 1748 para resolver o contrabando de Diamantes. O policiamento local era difícil porque os próprios funcionários do governo contribuíam para a violação das ordens legais. Com objetivo de solucionar estas questões, a Coroa fez um contrato com os irmãos Caldeira Brant (1749-1751), mas o empreendimento fracassou. “ As minas foram guardadas com destacamento militar até o ano de 1803, e a região mantida sob a administração de Intendência de Vila Boa” (SALLES, 1992, p. 93-98).

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 28

defender, e fazer uso proveitoso das minas descobertas” (MAXWELL, 2005, p. 64-

65).

Mas o que chama atenção nesta devassa de Pilões são os aspectos

relacionados à vida familiar dos indivíduos. Se se observar o estado civil de algum

deles, constata-se a presença de homens casados ausentes de suas mulheres e

filhos (cf. Tabela 2).

Tabela 2: Origem das testemunhas Nome Idade Naturalidade Profissão Estado Civil

Anacleto Ferreira 37 Vila Boa Meirinho dos Dízimos Solteiro

Anselmo Miguel Ribeiro 20 Aldeia do Rio das Pedras Soldado Solteiro

Antonio de Siqueira 19 Araial de Crixás Soldado Solteiro

Antonio Luis de Oliveira 23 Aldeia do Duro Soldado Solteiro

Domingos Jose Valente - - - -

Faustino Afonso 37 São João da Ribeira - SP Soldado Casado

Francisco de Souza 25 Vila Boa Soldado Casado

Ignacio Joaquim 24 Vila Boa Soldado Solteiro

Ignacio Lima da Silva 45 Via de Cuiabá Cabo de Esquadra Solteiro

Joaquim Nunes de Campos 30 Aldeia do Rio das Pedras Soldado Casado

Jose Fernandes do Vale 50 Paranhas/Porto Piloto das [Cismarias] Solteiro

José Luiz Moreira 40 F. Soneta Conga/Braga Lavouras Casado

José Luiz Pereira 46 Aldeia S. Jose e Maria Sargento Solteiro

Jose Rodrigues Souto 30 Pilar Forriel/Minerar. Solteiro

Leandro da Siqueira Brito 54 Cidade da Bahia Carcereiro Viúvo

Leonardo Pires 30 Aldeia do rio das Velhas Soldado Solteiro

Lourenço da Silva Martins 60 V. Bemposta /Aveyro Negócio Solteiro

Luis Lorenço Gondres 77 Vila de Caminha/Braga Lavouras Casado

Manoel da Rocha Magalhães 40 Braga - Casado

Manoel de Faria Agrão 64 F. S. Maria de Agrão/Coimbra Alfaiate Solteiro

Manoel Jose de Moraes 30 Meia Ponte Matar capados Casado

Manoel Rodrigues Lamego 58 Lamego/ [ Coimbra ?] Agência Solteiro

Manoel Rodrigues Lopes 56 F. Noronho/ Coimbra Cacheiro Solteiro

Manuel Camelo Pinto 40 Porto Comércio Casado

Manuel de Sá Pereira 37 Vila Boa Seleiro Solteiro

Manuel Martins dos Santos 36 Vila Boa Soldado Casado

Miguel Álvares de Oliveira 50 Paracatu/Pernambuco/ Pedreiro Casado

Pedro Paes 25 Crixás Soldado Solteiro

Placido José Dias 45 Aldeia de Maria - SP Forriel Casado

Raimundo Lopes de Morais 33 Meia Ponte Seleiro Casado

Salvador Bueno de Morais 33 Vila Boa. Lavouras Solteiro

Serafim de Barros 23 Arraial de Trairas Soldado Solteiro Fonte: AUTO de devassa e juntada. Devassa de Pilões e Rio Claro. Livro n. 30, 1794. Manuscrito.

Arquivo Histórico do Estado de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 29

O quadro apresentado por meio da tabela 2 demonstra duas questões

capitais: as migrações e os ofícios praticados pela população. Na questão das

migrações, a tabela 2 aponta alguns estrangeiros que acusam brasileiros de cometer

crimes contra os interesses do Reino. Mas o quadro acima retrata também a

diversificação das atividades econômicas praticadas no final do século XVIII. Entre

as várias testemunhas que prestaram seus depoimentos na devassa, apenas o

“forriel José Rodrigues Souto” do arraial do Pilar praticava o “ofício de minerar”. Os

ofícios apresentados na tabela 2 sugerem algumas características dos aspectos

econômicas de Vila Boa com a freguesia Vila Rica na segunda metade dos

setecentos. Conforme Marco Antonio Silveira, os trabalhos comerciais e de ofícios

encontravam-se em primeiro e segundo lugares, respectivamente, na ocupação

daquela população. O referido pesquisador constatou nos aglomerados urbanos de

Vila Rica um intenso mercado interno, em que a maioria das pessoas

desempenhava funções relacionadas com os ofícios e o comércio: “viver de loja,

venda, fazer cobranças etc.” (SILVEIRA, 1997, p. 89). Por outro lado, as pessoas

que foram presas e acusadas de cometer crime no “continente proibido” são

homens, de certa forma, jovens que vivem na itinerância. A tabela 3 ressalta

também o aspecto civil destes indivíduos que viviam isolados e distantes de suas

famílias. Na realidade, a mobilidade geográfica da população facilitava os

relacionamentos consensuais e os adultérios. Vejamos a tabela 3 abaixo:

Tabela 3 - Descrição dos réus Nome Idade Naturalidade Ofício E. Civil

Manoel Machado Rocha 51 Viamão (RS) Negociante Casado

Manoel de Oliveira Sarmento - Vila Rica Negociante Solteiro

Francisco Soares 40 São Paulo - Solteiro

Jose Luiz 20 Vila de Sorocaba Camarada Solteiro

João Pereira 25 São Paulo Camarada Casado

Ignacio de Souza de Oliveira 52 São Paulo

João Portes 40 Mogimirim Camarada Casado

Manoel Antonio 43 Mogi das Cruzes Camarada Casado

Pedro Antonio 30 Vila de Mogimirim Camarada Casado

Fonte: AUTO de devassa e juntada. Devassa de Pilões e Rio Claro. Livro n. 30, 1794. Manuscrito. Arquivo Histórico do Estado de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 30

Geralmente o interrogatório começava da maneira seguinte:

E logo pelo dito Juiz Ordinário foi perguntado ao Reo preso [...], como se chamava, donde era natural, que idade tinha se era casado ou solteiro, se sabia a causa de sua prisão, donde, e por quem se tinha alguns privilégios.11

Manoel Machado testemunhou que era casado com Bernarda Ribeira

Lima na freguesia de Viamão do Rio Grande de São Pedro, Bispado do Rio de

Janeiro, tinha 51 anos de idade e que não sabia a causa da sua prisão; Manoel de

Oliveira Sarmento, solteiro, natural de Vila Rica, bispado de Mariana, disse que

sendo do sertão vinha ao Arraial de Meia Ponte negociar algumas cabeças de gado;

Francisco Soares, natural e morador em São Paulo, solteiro, 40 anos, era camarada

de Manoel Machado com quem viera da cidade de São Paulo; Ignácio de Souza de

Oliveira, natural de São Paulo e morador no Arraial de Santa Rita , distrito de Vila

Boa,52 anos; Jose Luiz, Vila de Sorocaba, bispado de São Paulo, solteiro, 20 anos,

camarada de seu patrão; Manoel Antonio, natural e casado em Mogi Mirim, homem

pardo, 43 anos, camarada que seguia seu Patrão de São Paulo; João Portes, natural

de Mogi Mirim, 40 anos, casado,camarada.12

Se se observar a vida destes indivíduos, percebe-se que não tinham

residência fixa. Viviam do negócio de gado, porcos e cargas, que traziam de São

Paulo e outras regiões. Como ficaria a vida familiar destes homens em constante

mobilidade geográfica? Manoel Machado, por exemplo, fez questão de dizer perante

o juiz da devassa que era casado com Bernarda Ribeira na “freguesia de Viamão do

Rio Grande”. Haveria espaço para fidelidade no matrimônio tão desejado pela Igreja

com um esposo que aparecia em casa uma vez ou outra? Talvez a reposta esteja na

grande porcentagem de filhos naturais de Vila Boa que vamos analisar em outro

capitulo. O livro de batismo de escravos (1764-1808) aponta um alto índice de

crianças ilegítimas, 73,1%.13 As devassas apontam também para uma grande

porcentagem de solteiros na comarca de Vila Boa.

11 AUTO de devassa e juntada. Devassa de Pilões e Rio Claro. Livro n. 30, 1794. Manuscrito. Arquivo Histórico do Estado de Goiás, Goiânia. 12 AUTO de devassa e juntada. Devassa de Pilões e Rio Claro. Livro n. 30, 1794. Manuscrito. Arquivo Histórico do Estado de Goiás, Goiânia. 13 Atas de batismo de escravos, 1764 a 1808, da Cidade de Goiás, antiga Vila Boa, apresentam um total 2216 inocentes que foram levados a Igreja Matriz e Capelas filiais da paróquia de Santana para o sacramento do batismo. Desse total 73,1% foram classificados como ilegítimos; 25,9% legítimos e

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 31

Estas andanças masculinas tinham como conseqüência mais visível uma

vida sexual fora do matrimônio e a procriação de filhos ilegítimos. Além disso,

numerosos estudos confirmam que, no fim do período colonial, faltava para muitos

indivíduos o apoio da família extensa, incluindo vários graus de parentes. Ao lado

das famílias estruturadas segundo a tradição portuguesa, havia numerosos brancos

classificados nas listas de população como “vadios ou mendigos”, incapazes de

levar uma vida sedentária nas povoações e de aí constituírem família. Em Goiás

uma grande parcela da população era formada por pessoas “sem profissão e sem

emprego que vegetavam nos arrabaldes das cidades ou, sem rumo, nos caminhos,

vivendo de esmolas ou de pequenos furtos, mas nunca de um trabalho fixo

(PALACIN, 1994, p. 72)”. De acordo com este autor, o desemprego, a vadiagem e a

pobreza durante o século XVIII alcançaram grandes proporções na Europa, Ásia e

na América portuguesa.

Para Laura de Mello e Souza (2004, p. 163), o grande fantasma que

perseguiu as autoridades metropolitanas foi à falta de laços familiares da população

no Brasil colonial. No contexto da mineração, os elementos que se dirigiram para

Goiás eram solteiros e desenraizados, e muitos se ressentiram da falta de mulheres

brancas. Aos poucos foram formando famílias ilegais, à margem do vínculo do

matrimônio. Contra a difusão do concubinato, a igreja combateu por meio de uma

diversificada documentação, procurando colocar em prática as resoluções do

Concilio de Trento. No entanto, entre prática e discurso parece que os ideais

andaram distantes, Mattos (1975) e Saint-Hilaire (1975) apontam o desinteresse dos

mineradores portugueses na formação de famílias com índias e negras. Veja-se o

depoimento de Saint-Hilaire:

Os primeiros aventureiros que se embrenharam nesses sertões traziam consigo unicamente mulheres negras, às quais o seu orgulho não permitia que se unissem pelo casamento. A mesma razão impediu-os de desposarem as índias. Em conseqüência, tinham apenas amantes. (1975, p. 53)

apenas 1,0% de crianças expostas, ou seja, filhos de país incógnitos. Em alguns anos os números dos bastardos atingiram uma porcentagem muito alta na referida paróquia: em 1768 dos 90 inocentes batizados 80% eram ilegítimos, em 1773 foram batizadas 58 crianças, dessas 87,9% eram ilegítimas.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 32

Mas o desinteresse pela constituição de família, baseada no matrimonio

não era somente questão de aventureiros e da população pobre. Conforme,

historiografia goiana o mau exemplo partia dos governadores e dos capitães

generais que chegavam a Vila Boa sem suas esposas. No entanto, havia interesses

ligados à questão econômica por parte da Coroa portuguesa em relação ao

casamento da população. Em Minas Gerais no final do período minerador, chegou

haver sugestões para premiar os casados e punir os opositores do matrimônio.

Acreditavam que o desinteresse pelo casamento prejudicava a repartição das

heranças, pois os bens não se transmitiam de pai para filho. Uma segunda questão

ligada ao casamento e de grande preocupação das autoridades coloniais era o

povoamento do Brasil. Neste sentido os homens e mulheres casados poderiam dar

uma grande contribuição à medida que gerassem filhos e fortalecessem os laços de

família (SOUZA, 2004, p. 165).

Houve por parte da Coroa várias tentativas para fortalecer os enlaces

matrimonias cujo objetivo era o povoamento do Brasil e o abastecimento do reino

com as riquezas minerais. Neste contexto surgiram leis que proibiam a volta de

mulheres para o reino, ingresso na vida religiosa e incentivo dos casamentos com os

indígenas. Contudo, havia uma proibição para não colocar nos filhos os nomes

indígenas.

1.1.2. A MIGRAÇÃO DOS PAULISTAS

No fim do século XVII, o território de Goiás era suficientemente

conhecido, tanto em São Paulo como em Belém. Os caminhos de penetração se

achavam descritos nos roteiros que corriam de mão em mão, e os rumores sobre

suas riquezas auríferas avolumavam-se, apesar do limitado êxitos das bandeiras

neste aspecto. Mas foi a bandeira que deu impulso à migração de paulistas,

mineiros e portugueses nos primórdios do século XVIII. Conforme Maria Luiza

Marcílio (1973), por volta da segunda metade deste mesmo século, os paulistas que

haviam se deslocado para a região de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás,

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 33

começaram a retomar para a Capitania e para a cidade de São Paulo. De acordo

com Afonso Taunay (1850), marcaram muito a vida desta tripulação nos sertões as

constantes guerras de genocídio contra o indígena. Entre os vários fatos o referido

autor cita um episódio em 1740:

Acabavam os moradores do Bonfim de ter em sua vizinhança, a quatro léguas de Vila Boa, uma algazarra terrível de índios que não se sabia se seriam caiapós ou bororós. Dizia o conde d’Alva que haviam vindo “insultar aos roceiros daquelas paragens em suas próprias casas, matando-lhes suas mulheres, filhos, e escravos, e também cavalos, porcos e mais criações, além de lhes queimarem as casas e tulhas. (TAUNAY, 1850, p. 210).

Além dos conflitos e guerras com os indígenas, os portugueses e

paulistas encontravam no sertão os ataques fulminantes dos quilombos. Para Glória

Kok (2004, p. 47), a bandeira do Mestre de Campo, Inácio Correia Pamplona, que

perambulou pelo sertão de Goiás em 1769 era formada por escravos, um cirurgião e

um grupo de oito músicos com violas, rebecas, trompas e flautas travessas.

Conflitos entre aventureiros, indígenas e negros quilombolas foram

permanentes durante todo o período de ocupação do território goiano. Quando os

grupos não estavam em guerra havia entre eles atritos, medo e desconfiança. Neste

contexto de guerra entre o homem branco e as populações nativas, a família coesa

era de suma importância para vencer os desafios do cotidiano. Neste sentido,

expressava Alcântara Machado:

Que vale sozinho, o individuo, num ambiente em que a força desabusada constitui a lei suprema? Agredido, perseguido, oprimido, como há ele de contar, no deserto que o insula, com a proteção do poder público, proteção que, mesmo nos vilarejos policiados da colônia, é duvidosa? E como esperar auxílio de estranhos, se deles está separado materialmente por léguas e léguas de sertão ou moralmente distanciados por dissídios e rivalidades? Para não sucumbir, tem de congregar-se aos que lhe são vizinhos pelo interesse e pelo sangue. É o instinto de conservação que solidariza a parentela. (1972, p. 151)

Os arranjos de família foram fundamentais na luta pela sobrevivência nos

territórios distantes dos grandes centros em que a urbanização já havia vencido as

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 34

adversidades e as incertezas da vida no sertão. Seja qual for a organização da vida

em família, ela foi de capital importância no processo de povoamento na América

Portuguesa. De meados do século XVII, tem-se o exemplo do paulista Pedro Vaz de

Barros, o Guaçu de alcunha, que nunca foi casado, mas teve filhos bastardos de

nove mulheres índias (KOK, 2004, p. 65). No caso especifico de São Paulo, a

composição da população mestiça, até meados dos séculos XVIII, era basicamente

de descendente de índios e brancos em virtude da presença tardia dos escravos

africanos na região. É claro que esta situação contrariava as orientações da igreja

que sempre combateu o concubinato e a prole de crianças ilegítimas. Até mesmo, a

Coroa portuguesa chegou estimular o casamento interétnico e combater a poligamia

vigente na Colônia.

Na Capitania de Goiás encontra-se, a partir da primeira metade do século

XVIII, a presença de vários ramos paulistas em busca do ouro e da fortuna,

conforme nos informa a Nobiliarquia Paulistana. Vários paulistas partiram com a

família para as novas minas, como Pedro Taques de Almeida Paes Leme (1980, p.

19) o fizera, mas a maioria dos mineiros brancos, compostos de celibatários,

mantinha relações irregulares com negras, e índias, uniões que o espírito da casta

não lhes permitia legalizarem. Entretanto, “os registros de batizados de Meia Ponte

apontam numerosos casais legalmente constituídos em 1732 (PALACIN, 1994, p.

79)”.

É desnecessário ressaltar o papel desempenhado por João Leite Ortiz e

Bartolomeu Paes de Abreu no processo de descoberta e povoamento de Goiás. A

partir deles ocorreu a grande onda migratória de famílias paulistas para a Capitania.

A vinda de Leonor Corea de Abreu, Irmã de Bartolomeu, com vários filhos e netos

confirma a nossa afirmação. Casada com José Dias da Silva, este último era

sobrinho do povoador de Santa Catarina, Francisco Dias Velho, e procedia das mais

velhas linhagens de S. Paulo. Dos filhos deste casal que passaram às minas de

Goiás, o primogênito Estevão Raposo da Silva nelas faleceu, com isso sua viúva

Joana da Silva voltou para a terra natal, a Vila de Pindamonhangaba (TAUNAY,

1850, p. 270).

Outros membros da mesma família, descendente de Teresa Corrêa da

Silva Leite, irmãos de Inácio Dias Paes, também se estabeleceram em Vila Boa.

Ainda outra filha de Leonor de Abreu e João Dias da Silva, Maria Leite da Silva,

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 35

passou-se a Goiás com o marido José Álvares fidalgo, português, antigo republicano

de São Paulo. Deste casal, númerosos filhos se radicaram em Goiás, como Quitéria

Felizarda Leite, casada com o Dr. Francisco Ângelo Xavier de Aguirre, paulistano,

que, depois de receber o grau de mestre em artes, teve por letras apostólicas o de

doutor em Teologia e Direito canônico e civil. Era homem de relevo intelectual que

depois de enviuvar, recebeu ordens sacras e acabou vigário de Paraty e

Guaratinguetá, onde morreu em 1784, deixando vários filhos em Goiás (TAUNAY,

1850, p. 272).

Vários emigrados de destaque saíram de São Paulo para as terras

goianas. Pedro Taques de Almeida Paes Leme (1980) chama atenção para a família

de Domingos da Silva Bueno e seu irmão Manuel de Carvalho da Silva Bueno. Eram

ambos os filhos do primeiro Domingos da Silva Bueno, mestre de Campo, cujo nome

figura com grande brilho nos primeiros anos da história de Minas Gerais. Passou o

segundo Domingos, que era homem de fortuna, a lavrar em Crixás. Dos seus

parentes mais ou menos próximos, Taques Pompeu cita o linhagista Paulo Carlos da

França, casado com sua prima Escolástica do Amaral, que se fixou nas Minas do

Maranhão; Maria Leite de Proença, casada com Brás Lopes de Miranda,

mineradores em Meia Ponte; João Pires de Almeida, filho de Francisco de Almeida

Lara, um dos mais importantes mineiros de Paracatu e homem muito áspero com os

filhos e escravos (LEME, 1980a, p. 202).

Outra família que se destacou em Goiás foi os Campos. Felipe Cordeiro

de Campos, paraibano que figurou entre os primeiros povoadores, vindo ficar muito

abastado com as minas do Ferreiro. Contudo acabou pobre, viúvo e sem filhos.

Procurou com resignação servir a Nossa Senhora da Luz tomando o hábito de

ermitão. Assim voltou a São Paulo e procurou dedicar sua vida, no mosteiro da luz.

Entrou em obras, cercando de muros o sitio, fazendo casa para romeiros e hortaliças

(LEME, 1980a, p. 243).

Entre os Lemes emigrados às lavras goianas, Pedro Taques de Almeida

Paes Leme (1980a) cita Francisca de Godói, neta de Francisca da Silva, cujo marido

era o paulistano Francisco Rodrigues Pimentel. Domingos Jorge da Silva, familiar do

Santo Ofício, filho do sertanista Salvador Jorge Velho, opulento vassalo que em

1711 guarnecera Santos, ameaçado pelos Franceses veio a falecer no sertão do Rio

Pardo na estrada de Goiás. Ainda entre os Lemes, cita-se um nome de maior

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 36

destaque: o de Antonio Ferraz de Araújo, sobrinho de Fernão Dias Paes e marido de

Maria Pires Bueno, irmã do Anhanguera. De seus noves filhos, todos naturais de

Parnaíba nenhum se fixou em Goiás.

Fato interessante ocorreu com o sertanista Francisco Tavares Cabral, da

família dos Lemes, homem prestigioso e de muita fortuna. Era muito gastador, mas

ao mesmo tempo protetor da capela de Santana. Fazia com que a padroeira fosse

aplaudida com grandeza, não só no recinto da igreja, mas também nos festejos de

comédia e banquetes que executavam com toda abundância de iguaria. Para estas

festividades convidava “os de primeira nobreza das vilas de Santos e São Vicente”.

Uma de suas filhas, Francisca Xavier Tavares, casou-se com Francisco Xavier

Pizarro, da família do conquistador do Peru. Partiu para as minas de Goiás no

principio de sua grandeza, estabelecendo-se no Ferreiro com numerosa escravatura.

Com a queda da produção de ouro deste arraial passou para as Minas do Pilar.

Vendo o pai em má situação financeira e com idade avançada o induziu a sair de

Santos para Goiás com todos os treze filhos. O pai morreu no caminho, mas toda

família transmigrou com as noticias do eldorado goiano. Bento Tavares Cabral,

estudante de gramática latina com destino ao estudo sacerdotal, abandonou tudo

para acompanhar a família. O mesmo aconteceu com sua Irmã Maria, casada com

um pernambucano, Dr. Matias da Silva e Freitas, ouvidor de São Luiz do Maranhão,

deixou a juridicatura para melhorar a fortuna nas minas de Pilar (TAUNAY, 1850, p.

279). Ana Maria Tavares acompanhou os irmãos emigrantes; assim também

Mariana que casou com Matias Cardoso, senhor de várias fazendas de gado no Rio

São Francisco.

A emigração para as minas goianas trouxe vantagens matrimoniais para

as filhas de Francisco Tavares Cabral. Quase todas celebraram as núpcias com

pessoas importantes do sertão. Escolástica Maria Tavares casou em Vila Boa com

Antonio Luiz Lisboa, um fiscal da casa de intendência; Josefa e uma segunda

Escolástica celebraram suas núpcias em Pilar; e Isabel casou com Antonio Pereira

do Lago, um dos mais opulentos mineiros da região. Este último possuía em sua

“fábrica de minerar” quase duzentos negros da “Costa de Mina”. Neste contexto, era

natural que estas senhoras de famílias distintas e brancas tivessem melhores

oportunidades em um mercado carente de mulheres brancas.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 37

1.1.3. A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA

Conforme Guy Martinière (1991) há certo consenso entre os historiadores

do grande surto emigratório da população européia para o Brasil, no século da

mineração. É lógico que estas considerações não surgiram isentas de debates e

grandes discussões, mas é inegável que o Brasil tenha se beneficiado de três

grandes fases migratórias provenientes de Portugal. E vamos privilegiar aqui a

terceira fase, a do século XVIII, por tratar da mineração. Neste contexto, as

capitanias do Rio, de Minas Gerais e de São Paulo tiveram um grande surto

populacional em 1750. Para este historiador, não foram somente os portugueses

que vieram para o Brasil, mas também os italianos, alemães e ingleses; e também

alguns cristãos novos, ligados de um forma especial ao comércio açucareiro

(MARTINIÈRE,1991,p.212-214).

A historiadora Maria Beatriz Silva (1993) em sua análise da migração

portuguesa ressalta os serviços das pessoas ligadas à administração do Reino (

magistrados, militares, professores e clérigos) que vinham para o Brasil na

expectativa de um período determinado e muitas vezes não retornavam a Portugal.

Na realidade, o gosto pela aventura e o desejo de enriquecer faziam com que muitos

deixassem suas residências em Portugal na expectativa de uma nova vida no Brasil.

Ainda no que refere este assunto destaca a autora:

Além destas migrações individuais, notava-se também uma migração transatlântica em corrente. Esta era constituída por aqueles que iam para o novo continente por causa dos contatos e das informações recebidas de conhecidos e vizinhos que tinham seguido o mesmo destino. No caso do Brasil colonial as notícias podiam chegar à aldeia portuguesa de origem por intermédio de um viajante ou de uma carta, ao mesmo tempo em que as notícias da terra natal também se espalhavam no local de destino (SILVA, 1993, p.139).

Para a historiadora Kok (2004, p.68), apenas pequena minoria destes

emigrantes era oriunda da nobreza de sangue; os demais provinham de ramos

colaterais ou bastardos, pobres em sua maioria. Para esta gente, o viver na Colônia

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 38

significava enriquecimento e ascensão social. “A aquisição de terras e escravos,

portanto, fundamentava os traços distintivos e constitutivos da classe dominante”.

Há outros estudos que abordam o fenômeno da migração na América

Portuguesa. Além das pesquisas de demografia histórica, as genealogias recolhidas

pelo Santo Ofício por ocasião das habilitações aos cargos de familiares permitem

fazer uma idéia da experiência migratória. O historiador Luiz Mott (1993) dá algumas

pistas importantes sobre a presença dos emigrantes portugueses em Goiás com

seus estudos de inquisição na Capitania. Conforme o pesquisador, além da sede do

ouro, muitos portugueses vieram para Goiás na tentativa de fugir da malha dos

processos da inquisição. Capitanias mais pobres ou povoadas tardiamente,

padeceram menos a ação repressiva do Santo Ofício. Contudo, ações repressoras

inquisitoriais deixaram suas marcas nos sertões de Goiás. “Aos 18 de outubro de

1739, dentre os 58 sentenciados, incluía-se o cristão novo Fernando Gomes Nunes,

44 anos, morador nas Minas Novas de Carlos Marinho, no Arraial da Chapada,

Comarca dos Goiazes” (MOTT, 1993, p. 36). Luiz Mott faz ainda o seguinte

comentário:

A prisão deste judeu errante em local tão distante, no meio do território dos Xavantes e Xerentes, ilustra de maneira clara quão eficiente era o sistema de espionagem do Santo Ofício, que vasculhava regiões tão longínquas e afastadas do meio da civilização, indo buscar no meio da floresta, entre tribos selvagens, aquelas ovelhas afastadas da ortodoxia católica. (1993, p. 36)

Em suas confissões contou que havia 17 anos que praticava o judaísmo,

juntamente, com outros cristãos novos. Mas foi na década de 60 que a inquisição

castigou mais os moradores da Capitania de Goiás com a prisão de três

portugueses muito ricos desta região, acusados pela pratica do judaísmo: Tomás

Pinto Ferreira (1751); o rico advogado José Pinto Ferreira (1761) e o lisboeta

Antonio Ferreira Dourado, um homem culto. Este último desempenhou vários ofícios

públicos na Capitania. O seu inventário é de suma importância para a “reconstituição

da história social desta região”. Cita-se entre os devedores, um filho do capitão

Bento Nicolau de Oliveira, o qual casou com uma parda escrava, que para o dito fim

comprou de Domingos Lopes Fogaça, morador e Meirinho no Arraial de Traíras.

Este último fato não deixa de ter sua importância, por se tratar de uma sociedade

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 39

escravocrata e cheia de preconceitos. (INQUISIÇÃO DE LISBOA [Processo n. 6268]

apud MOTT, 1993, p. 45-48).

Outro ponto que merece destaque nesta pesquisa da emigração

portuguesa é a presença em Goiás de funcionários da Inquisição. O estudo dos

processos de habilitação dos familiares e comissários é de suma importância para a

reconstituição da história da vida familiar da Capitania. Há vários moradores de

Goiás que se beneficiaram da habilitação entre os períodos de 1747-1771.

Entretanto destacam-se apenas três: Manuel Nunes Fernandes, João Silvestre de

Araújo e Silva; e João Botelho da Cunha. Este último foi o terceiro familiar do Santo

oficio de Goiás. Natural de São Miguel nos Açores, freguesia de Nossa Senhora das

Neves, era morador de Vila Boa de Goiás. A primeira informação a seu respeito foi

fornecida via Arcebispado da Bahia. O Comissário Antonio da Costa Andrade

dissera que era acostumado a fazer jornada da Bahia para Goiás, e que sendo

solteiro não havia fama de ter filhos ilegítimos. (INQUISIÇÃO DE LISBOA [Processo

n. 2189] apud MOTT, 1993, p. 70-72).

O que mais chama atenção nos três primeiros funcionários da inquisição

que atuaram em Goiás foi com relação à vida moral, aliás, um dos quesitos básicos

para receber a provisão. Mas pelo que se observa o fator econômico pesava mais.

Apesar do testemunho do comissário da Bahia mencionar que João Botelho da

Cunha não tinha fama de ter filhos ilegítimos, a imaginação leva ao contrário. Pois

os livros de batismos de escravos de Vila Boa apresentam muitas crianças, cujo “pai

incógnito” não aparece nas atas de batismo, assim como alguns recém-nascidos

que eram abandonados nas portas de algumas pessoas ilustres. Como ficaria a vida

afetiva de homens ilustres e solteiros como João da Cunha e João Silvestre com

idade madura para constituir família, pois ambos tinham 35 e 40 anos? O mercado

de casamento com mulheres brancas não lhes favorecia, talvez seja este o motivo

do emigrante preferir uma vida celibatária do que perder a pureza do sangue com

escravas ou forras.

A pesquisa do fenômeno migratório no fim do período colonial tem que

levar em conta não apenas a saída de Portugal e ilhas para o Brasil, mas também o

retorno, muitas vezes definitivo. Há uma consulta de “João Loureyro”, em 1784,

pedindo licença à rainha D. Maria I para ir ao Reino com sua família cuidar do

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 40

testamento do seu irmão defunto. Nada indica, contudo que pensasse voltar ao

Brasil depois de resolvidas as questões. Vejamos a petição:

João Loureyro Gomes, natural de Santa Marinha do Terere Conselho de Bayão Bispado do Porto, morador que tem sido nesta Vila Boa de Goiyas há 20 anos; por lhe ser preciso transportasse para sua Pátria em Portugal e pelo que lhe encarregou o falecido seu Irmão nesta Vila Manoel Gomes Rabelo, achando se depois casado com Izabel Beatris, de quem tem hum filho, e poderá vir a ter mais algua fêmea, o quer acompanhar, e juntamente hua filha natural Josefa Maria que terá 12 anos havida de diversa mulher, hua outra natural desta Vila, [e aquela] filha tem vocação de ser lá Religiosa; e como para o transporte hé perciso (sic) licença de S. Majestade, que sem dúvida se quererá informar primeiro de V. Ex. como Governador, e Capitão General desta Capitania.14

O requerimento deixa bem claro os motivos da sua volta a Portugal,

cuidar do testamento de seu irmão que havia morrido. Não se sabe como os dois

irmãos vieram para Goiás, a documentação não deixa pistas, mas dá muitas “dicas”

de suas famílias. Eram naturais da Freguesia do Terere, bispado do Porto, filhos de

Estevão Gomes Rabelo e sua mulher, Antonia Loureira de Almeida, ambos já

defuntos. Parece que os dois irmãos saíram jovens de Portugal para tentar uma

nova vida nas Minas de Goiás. João Loureiro deixa claro a sua situação familiar, era

casado com uma mulher jovem, pois pensava ter outros filhos. No entanto, tinha

uma filha de 12 anos fora do casamento que pensava ter vocação para vida

religiosa; ao passo que Manoel Gomes não deixa claro o seu estado civil. Parece

que era solteiro e, se teve algum filho natural, não o legitimou. Pelo seu testamento

pode-se observar a preocupação com a família que ficou no Reino: irmãos,

sobrinhos e primos. Mas a documentação silencia sobre mulher e filhos. Veja-se o

testamento de Manoel Gomes Rabello:

Que deixo os Legados Seguintes na minha Pátria a três Irmãs Lucia Clara, Josefa Maria, e Guiteria, a cada uma 600 mil reis, a Maria da

14 CONSULTA do Conselho Ultramarino à rainha [D. Maria I] sobre o requerimento de João Lourenço Gomes, solicitando provisão de licença para ir ao Reino com sua mulher, filhos e família. 1784. Caixa 35, Doc. 2152. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 41

Afonceca e Antonio Gomes filhos do referido meu Pai, a cada um 200 mil reis; e aos filhos de cada um destes dou a cada um 100 mil reis para repartirem; para minha Alma, e das de meu Pay, e May, e demais parentes falecidos, 100 mil reis; e pelas Almas dos referidos outros, 100 mil reis; Missas gerais ditas na minha freguesia de esmola, 150 reis; minhas primas filhas de Marinha Rabella e de João Pereira moradores na Freguesia de São Tiago de Valadares por nomes Maria, Brígida, Joana, e Antonia a cada uma 100 mil reis; a Nossa Senhora da Ajuda da Barca, 100 mil reis para os paramentos de sua capela; a Santa Marinha Padroeira, 100 mil reis para paramento [...] que depois do meu falecimento deixo para minhas irmãs referidas, alem dos 600 mil reis, a cada uma 200 mil reis; deixo para meu sobrinho Bernardo Jose na mesma Pátria 200 mil reis; e para reedificar a capela de Nossa Senhora do Socorro 200 mil reis.15

O testamento foi feito em Vila Boa de Goiás no ano de 1781. Parece tratar

de uma pessoa que conseguiu acumular um bom pecúlio nas minas de Goiás,

apesar de não se saber as atividades que praticava. Mas o dinheiro que deixou para

os seus parentes em Portugal foi uma quantia muito significativa para os padrões do

século XVIII. Além disso, o testamento fala de uma dívida que o defunto tinha com o

irmão: “e do que dever só será obrigado a pagar seis centos mil reis, que meus

testamenteiros os farão remeter para Portugal com a brevidade especial para

entregar minhas irmãs”16. Era uma boa quantia, grande parte foi perdoada.17

Aparece também no testamento, uma grande preocupação com a questão religiosa.

O texto deixa bem claro certa preocupação com a salvação das almas: missas pelas

almas de familiares e amigos falecidos, reformas e ornamentos das igrejas de sua

freguesia. Apesar de viver num contexto de modernidade, o ser humano ainda não

se desligava do teocentrismo que marcou a sociedade medieval. Em Goiás,

15 CONSULTA do Conselho Ultramarino à rainha [D. Maria I] sobre o requerimento de João Lourenço Gomes, solicitando provisão de licença para ir ao Reino com sua mulher, filhos e família. 1784. Caixa 35, Doc. 2152. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. 16 CONSULTA do Conselho Ultramarino à rainha [D. Maria I] sobre o requerimento de João Lourenço Gomes, solicitando provisão de licença para ir ao Reino com sua mulher, filhos e família. 1784. Caixa 35, Doc. 2152. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. 17 Não devemos nos admirar com tão elevada soma, pois nas áreas de mineração tudo se vendia e comprava a credito, no fiado. Os moradores das minas compravam fiados: negros, cavalos, ferramentas, sustento, vestido, enfim tudo. E por causa destes empenhos, tem sempre os credores às portas e assim, quantos ouros tiram, entregam logo aos seus credores para não serem executados. (MOTT, 1993, p. 54).

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 42

encontram-se muitas igrejas construídas na segunda metade do século XVIII, uma

das explicações estaria no emprego das riquezas adquiridas pelos portugueses nas

minas, uma vez que a morte sem herdeiros, os bens cairia nas mãos do juiz de

órfãos e ausentes (CASTRO, 2006, p. 143).

As questões referentes à migração geraram certo desajuste na vida

familiar. O esposo que partia de Portugal em busca de outras terras, muitas vezes,

esquecia as obrigações de chefe de família e iniciava uma nova prole no

estrangeiro. A história de “D. Ana Flaminia Xavier Soares” da Vila de Setubal é um

exemplo típico de muitas mulheres abandonadas pelos seus maridos. Veja-se sua

petição junto ao Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos:

Diz D. Ana Flaminia Xavier Soares da Villa de Setubal, casada com Joaquim Teodoro da Rosa do Regimento da mesma Villa, q tendo o dito seo marido passado pelos estados do Brasil no Emprego de Ajudante de ordens do Governador de Goyas, Tristão da Cunha e Meneses, haverá 22 annos deixara elle neste Reino a Supplicante sua mulher com sete filhas sem meio algum de se alimentarem, tanto por se acharem os insignificantes bens q havião a arrastados por dividas, como porq nem dos mesmos soldos deixara o Suplicante quota alguma para com Ella a Suplicante sua mulher e filhas se residirem e alimentarem.18

Esta pobre mulher e suas sete filhas foram abandonadas e esquecidas

durante 22 anos pelo ajudante de ordem no governo de Tristão da Cunha de

Meneses. Parece que as cartas de amor desta mulher não foram suficientes para

convencer o marido a retornar à Pátria e sua família. Foi necessário recorrer várias

vezes as autoridades da Coroa portuguesa para trazer de volta o capitão Joaquim

Teodoro da Rosa. Dona Flaminia Xavier vivia na miséria com as suas filhas, pois

recebia “seis mil e quatrocentos de esmola por mês” da Coroa, mesmo assim não

era suficiente para cobrir as despesas da casa. Por outro lado, já havia seis anos

que o esposo não exercia as funções militar em Vila Boa, mas decidira permanecer

nas Minas de Goiás por interesse próprio. É importante observar que o ex-ajudante 18 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente D. João, sobre o requerimento de D. Ana Flaminia Xavier Soares, da Vila de Setúbal, casada com o capitão Joaquim Teodoro da Rosa, solicitando ordem para seu marido se transportar efetivamente daquela capitania ao Reino, para a sua companhia e de suas filhas. 1804. Caixa 48, Doc. 2746. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 43

de ordem recebeu a primeira comunicação para voltar à sua Pátria e socorrer a sua

família em sete de março de 1798, mas ignorou completamente a ordem régia: “nem

socorreu, nem se transportou a este Reino”, preferiu ficar na Capitania, pois estava

“excessivamente abundante e rico”. Mediante a insistência de sua esposa, recebeu

uma intimação régia em 1804 para voltar para companhia da família na primeira

embarcação que saísse da Capitania. Caso contrário deveria ser preso na cadeia de

Vila Boa. O desfecho desta história não se sabe, mas o comportamento de João

Teodora em relação a sua esposa e as sete filhas traz alguma questão: Teria este

homem constituído uma segunda família em Vila Boa, ou viveria em relações de

concubinato?

Era difícil para um homem casado e distante de sua família manter certa

austeridade conjugal, por muito tempo, com ofertas de mulheres negras e indígenas

em sua volta. Aliás, a própria estrutura da escravidão proporcionava as aventuras

esporádicas e as relações permanentes de concubinato. Já se abordou acima, o

grande número de mestiço da Capitania no final do Século XVIII. Conforme Luciano

Raposo de Almeida Figueiredo (1987), no Brasil Colônia foi comum a presença de

casados de outras regiões que vinham para as minas sem suas mulheres, ou de

esposas que apareciam com homens, mas das quais se tinha noticia de que podiam

ter fugido de seus maridos. Os que vinham de Portugal ou de outras regiões do

Brasil aproveitavam-se das circunstâncias para ter uma nova companheira ou

companheiro. A igreja, durante o século XVIII, combateu essa prática, impondo

apresentação de carta de casados.19

E por fim se conclui este estudo da migração portuguesa na Capitania de

Goiás, chamando atenção para o comportamento de D. Ana Flaminia Xavier Soares

e suas filhas. Acostumou-se com uma literatura que associa a prostituição e o

concubinato a uma estratégia econômica de sobrevivência. As concubinas

apareciam como mulheres dependentes. Contudo, em regiões como Minas e na São

Paulo colonial, essa dependência é contestada pelo alto número de mulheres que

aparecem chefiando fogos (lares) nas listas nominativas do século XVIII e nos

primeiros censos do século XIX. O testemunho do padre José Miguel, conventual da

ordem militar de São Tiago, foi importante para conhecer o comportamento moral de

19 As cartas de casados foram exigidas por dom frei Antônio de Guadalupe em pastoral de 1727 e Dom Manuel da Cruz em 1748.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 44

D. Ana Flaminia e suas sete filhas. Veja-se o atestado do pároco da igreja de São

Sebastião, Vila de Setubal:

Minha Parochiana, He de muito boa vida e costumes, e das pessoas nobres desta Freguesia, vivendo muito recolhida, em companhia de Suas Filhas, com bastante pobreza, porem com a honra própria de sua qualidade: e por tudo asim na verdade passei a presente, com fe do que assinei Setubal nove de junho de mil sete centos e noventa e nove.20

Ao contrário do sugerido pela historiografia quanto a um padrão de vida

devassa e promiscua destas mulheres abandonadas pelos seus maridos, tem-se

aqui uma mulher recolhida e de vida pacata numa pequena vila do interior de

Portugal. Mas ao mesmo tempo, consciente do papel que o esposo tem no sustento

de sua família. Apesar de ser ignorada durante 22 anos, usou de várias estratégias e

influência na conquista de seus intentos. Quanto às suas filhas, nos parece ter

mantido “nos limites da Sagrada Família”, aguardando com isso bons parceiros para

casamento.

1.1.4. A MIGRAÇÃO DOS AFRICANOS

Até aqui, destacam-se uma migração interna e uma migração

transatlântica nos sertões de Goiás, sobressaindo Portugal e algumas regiões do

Brasil: São Paulo, Minas, Rio de Janeiro e Bahia. Mesmo que forçada21, devido aos

20 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao príncipe regente D. João, sobre o requerimento de D. Ana Flaminia Xavier Soares, da Vila de Setúbal, casada com o capitão Joaquim Teodoro da Rosa, solicitando ordem para seu marido se transportar efetivamente daquela capitania ao Reino, para a sua companhia e de suas filhas. 1804. Caixa 48, Doc. 2746. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. 21 Os historiadores vêem a maioria das migrações até certo ponto como movimentos compulsórios, assumindo que as condições sociais e ecológicas no ponto de origem possam ter adquirido um feitio tal que aos indivíduos não tenha restado outra escolha senão a de partir. Mas Theodore Schultz (apud ELTIS, 2003) estabelece a útil distinção entre aqueles obrigados a migrar contra seu próprio

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 45

avanços do capitalismo comercial, a presença do negro foi constante e regular em

Goiás, desde os primeiros anos de sua ocupação. Entre os principais grupos de

africanos que foram aportados para a Capitania, dois se destacaram os sudaneses e

os bantos.

Os bantos englobavam povos que viviam na região atual do Congo,

Angola e Moçambique. Para a historiadora Cristina Pereira Moraes (2005), as

matrículas de escravos encontradas no século XVIII eram dominadas por “angolas,

caçanjes, benguelas, gentio da Guiné e gentio da Mina”. Os sudaneses formavam os

povos da África ocidental que habitavam as regiões atuais da Nigéria, Beni e Togo.

Nos livros de batismo da paróquia de Nossa Senhora do Rosário em Meia Ponte

(1732-1771), o negro mina e o da nação nagô eram mais freqüentes. Conforme

Gilca Salles (1992, p. 230), os bantos e sudaneses fundiram-se na população

escrava indiscriminadamente, dando tonalidade própria ao comportamento, modo de

vida e crenças religiosas.

Para o historiador Russel-Wood (2005) houve vários fatores no final do

século XVII que influenciaram na mudança dos escravos bantos de origem angolana

para os sudaneses da Costa do Ouro e do Golfo de Benin. A epidemia de varíola

ocorrida em Angola (1685-87) e as mudanças das condições econômicas

contribuíram para estas migrações. Por outro lado, a preferência dos sudaneses

pelo fumo “curtido com melado” permitiu aos comerciantes baianos tratar

diretamente com a chamada Costa da Mina, em vez de depender dos mercadores

de Lisboa. Na realidade os fatores de interesses econômicos e comercias

favoreceram o predomínio dos escravos da Costa da Mina durante o século XVIII em

regiões brasileiras. Principalmente, em sertões de mineração como Mato Grosso

Bahia e Goiás (RUSSEL-WOOD, 2005, p. 54-55).

De acordo com a historiadora Gilca Salles, os comboios que

transportavam os escravos vindos do Rio de Janeiro levam aproximadamente três

meses para chegar a Goiás. E a principal rota dos tropeiros com os escravos era o

interesse e aqueles que podem escolher. Servos temporários da Europa e trabalhadores contratados de Índia e da China normalmente não eram forçados a entrar nos navios, não eram algemados ou mantidos atrás de barricadas temporárias para que não pudessem ver sua cidade natal antes dos navios seguirem viagem. Tampouco eram submetidos a medidas especiais para impedir suicídio durante a viagem. Já os escravos da África e os condenados da Europa poderiam esperar tudo ou quase tudo isso. “A distinção entre a migração livre ou voluntária e a forçada depende de quem toma a decisão de sair, o migrante ou algum outro individuo.” (ELTIS, 2003, p. 16).

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 46

Rio de Janeiro, Vila Rica e Paracatu (SALLES, 1992, p.162). Há indícios na nossa

pesquisa que os escravos transportados para Mato Grosso passavam por Goiás. As

atas de batismo de Vila Boa (1764-1808) registram um rito de batismo, em que seis

escravos de um funcionário do governo de Cuiabá recebem o sacramento na Igreja

matriz de Santana.

Na realidade as descobertas minerais foram as principais motivações

para a migração forçada dos africanos para a Capitania de Goiás. Nos estudos de

Salles (1992, p. 229), os primeiros comboios de negros chegaram, em 1732, à

freguesia de Meia Ponte, de uma forma ilegal vindo da Bahia. As causas dos

constantes contrabandos de escravos praticados pelos colonos eram os pesados “

imposto da capitação e os dízimos”. Tudo isso reforça a idéia que o trabalho dos

africanos teve uma importância capital para uma economia que dependia da mão-

de-obra escrava para sustentar os interesses metropolitanos. Neste sentido afirmava

a historiadora Cristina Moraes:

Para os anos de 1792, o censo registrou o maior número de escravos na capitania. Os motivos deste aumento da população cativa foram causados pelo novo descoberto na região do Rio das Velhas, fronteira com Minas Gerais e o aumento das atividades minerais em Pilar. Já a população cativa do julgado de Vila Boa que contava no censo de 1789 com 9.200 escravos diminuiu para 8.568. E por fim, o censo de 1804 confirmou a diminuição da população, com apenas 20.027 escravos na região (MORAES, 2005, p. 266).

Os dados acima demonstram que a presença do emigrante africano e

seus descendentes foram fundamentais para a economia de Goiana do século XVIII.

Os vestígios desta sociedade, baseados na mão-de-obra escrava estão presentes

na organização do espaço urbano de muitas cidades, nos rios, nas montanhas,

igrejas, culinárias e no processo de miscigenação do povo de Goiás. Luiz Mott

(1993, p. 64-65) nos seus apontamentos e fontes para o estudo da inquisição em

Goiás chama atenção para uma “dança de tunda” (dança diabólica) praticada por

uma negra mina, moradora na Vila de Goiás em 1747. “Era um ritual de louvor aos

deuses da Nação Coura (Nigéria) que, provavelmente, foi praticado por muitos

negros da Capitania”. Com estas informações da emigração áfrica é possível

analisar os dados colhidos nas atas de batismo da paróquia de Santana de Vila Boa

(1764-1808), atual Cidade de Goiás.

Num primeiro instante, chama-se a atenção para os escravos adultos

(escravos acima de 7 anos de idade) que chegavam à Capitania sem receber o

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 47

batismo. Havia uma orientação da Coroa portuguesa para que os escravos fossem

batizados nos portos de embarque. Parece que, na prática, isto não era muito levado

a sério. Encontra-se uma anotação do visitador diocesano José Correia Leitão,

chamando atenção de um pároco de Vila Boa para que não batizasse nenhum negro

da Costa da Mina sem autorização do vigário geral ou vigário da Vara. Mas o

interesse aqui é analisar a região de procedência destes africanos. Neste caso, as

atas de batismo de adulto representam um porcentual seguro do número de

batizados porque este sacramento não é administrado duas vezes à mesma pessoa.

No caso das mães que aparecem na igreja para batizar os filhos a análise é mais

complexa, pois uma mesma mulher, ao registrar mais de um filho, é contada duas ou

mais vezes. Veja-se a tabela 4 dos escravos adultos.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 48

Tabela 4 - Procedência de escravos adultos

1760 1770 1780 1790 1800Angola 1 0 9 1 1 12

Carijó 0 1 0 0 0 1

Cayapó 4 1 0 0 0 5

Congo 0 0 2 0 0 2

Costa da Mina 242 135 118 7 6 508

Moçambique 0 0 0 0 1 1

Nago 0 1 4 0 0 5

Não Idendificado 5 113 5 2 0 125

Total 252 251 138 10 8 659

ProcedênciaDécadas

Total

Fonte: BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livros 2/3/4, 1764-1808. Manuscrito. Arquivo Geral

da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás.

Pode-se observar, através dos números, que os escravos da Costa da

Mina predominaram neste período, somando 508 batismos de adultos.22 Mas o

número de batismo de adulto é muito pequeno para o período de 1764 a 1808, são

apenas 659. Destes, 12 de Angola, dois do Congo, um de Moçambique, cinco Nagô,

seis índios e 125 não aparecem com a nação de procedência. Teriam estes últimos

nascidos em alguma região do Brasil e chegados em Goiás sem o Sacramento?

Chama-se atenção para os escravos da Costa da Mina. Conforme Russell-Wood

(2005, p. 169), “estes escravos eram considerados trabalhadores melhores, mais

resistentes às doenças e mais fortes que os escravos angolanos”. As qualidades

mencionadas eram procuradas pelos “senhores de engenho e mineiros”, mas estes

últimos tiveram melhor beneficio pela capacidade de pagar preços mais altos e

fazer pagamento com ouro em pó. Acredita-se que tenham chegado mais escravos,

neste período em Goiás, principalmente da Costa da Mina já convertidos ao

cristianismo. Para Moraes (2005, p. 264), a conversão “era vista como benéfica aos

seus senhores, pois significava adesão aos valores religiosos e morais do mundo

branco”.23

22 Mary Karasch (2002, p. 132), pesquisando batismo de escravos adultos em Vila Boa (1794-1827), aponta várias procedências destes escravos: mina, nagô, Buçá, angola, rebolo, benguela, cabinda, congo, munjolo, Moçambique, crioulos. 23 Conforme Moraes (2005, p. 264), a documentação da capitania de Goiás apontou 17. 613 escravos para o ano de 1783. Destes 40% são nagôs. Os livros de batismo que pesquisamos sobre a população de Vila Boa registraram apenas quatro nagôs na década de 1780. É importante observar dois aspectos que marcam as diferenças destes dados: em primeiro lugar, Morais apresenta os escravos nagôs de várias freguesias da Capitania de Goiás; e em segundo lugar, os nossos dados referem-se somente a paróquia de Santa Ana de Vila Boa. Além disso deve-se considerar as lacunas apresentadas pelos registros de batismo e as limitações dos sacerdotes que apontavam a etinia do

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 49

Para além do aspecto sacramental, o assento do batismo indica a

população, registrando para vários fins, o nome dos pais, o nome do batizado e no

caso dos escravos, o dos proprietários e os locais da celebração. Para a freguesia

de Vila Boa, além da igreja matriz, encontram-se várias capelas filiais, oratório de

engenhos, casas em que aconteciam os batizados. As celebrações nas casas eram

realizadas, na maioria das vezes, quando o inocente ou adulto estava doente com

perigo de morte. No caso dos escravos africanos, chegados à cidade sem o batismo,

o assento batismal informava a nação a que aquele escravo pertencia. Mas no caso

dos escravos nascidos na cidade e batizados logo ao nascer, era informado a nação

da mãe do inocente.

O processo da imigração africana – forçado pelas imposições do

desenvolvimento do capitalismo comercial –, bem como as migrações européias,

contribuiu no processo de miscigenação da capitania. O ouro trouxe para os sertões

de Goiás, além dos paulistas e mineiros, os portugueses e africanos que juntamente

com “os povos da terra” contribuíram no processo de povoamento das minas de

Goiás. E a Igreja Católica, como foi a sua e presença e atuação neste processo,

sendo que os principais representantes habitavam na cúria metropolitana do Rio de

Janeiro? Neste próximo item analisa-se a participação das autoridades da Igreja em

Goiás, por meio das cartas pastorais dos bispos e a presença dos visitadores

diocesanos e vigários das varas eclesiásticas.

1.2. PRESENÇA DA IGREJA CATÓLICA EM GOIÁS

A presença da Igreja no solo goiano tem sua gênese a partir de 1726,

com o povoamento, após o descobrimento de suas minas de ouro. A administração

religiosa, porém, dependia do bispado do Rio de Janeiro. Apesar de uma melhor

inocente conforme as características das mulheres que apareciam na fonte batismal para batizar seus escravinhos.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 50

estruturação institucional com a criação da prelazia24 em 1745, Goiás custou a se

desvincular por completo da diocese do Rio de Janeiro. Somente a partir de 1805,

com a tomada de posse de Dom Vicente Alexandre do Tovar, a prelazia recebe um

novo impulso pastoral, havendo uma redução quase completa dos visitadores

diocesanos. Na realidade, a capitania de Goiás passou a ser conduzida nas

questões pastorais por padres procuradores até a chegada de Dom Francisco de

Azevedo em 1824.

Após a criação da prelazia de Goiás, vários prelados foram escolhidos

para a capitania. Dos escolhidos, dois não chegaram a tomar posse, D. Fr. Vicente

do Espírito Santo e D. Fr. José Nicolau Coutinho Gentil. Os outros dois morreram a

caminho de Goiás, D. Vicente Alexandre de Tovar e D. Antônio Rodrigues de Aguiar.

Somente o quinto prelado, D. Francisco de Azevedo, chegou ao território goiano em

1824.

Administrativamente, a prelazia achava-se dividida em duas repartições: a

do sul, com 15 freguesias, três das quais antigas aldeias de índios; e a do norte,

com 12 freguesias, uma delas antiga aldeia. Esta prelazia confrontava-se com

Cuiabá, os bispados de São Paulo, de Mariana, de Pernambuco, do Pará e do

Maranhão (PIZARRO, 1948a).

Na repartição do Sul funcionavam oito comarcas eclesiásticas nas

seguintes localidades: Vila Boa, Meia Ponte, Santa Luzia, Santa Cruz, Pilar e

Traíras. As comarcas de Araxá e Desemboque ficaram para o território de Minas

Gerais após o seu desmembramento de Goiás em 1816. Na repartição do norte

havia cinco comarcas: Natividade, Cavalcante, Arraias, São Félix e Barra da Palma.

O desmembramento das freguesias do norte do bispado do Pará ocorreu

no governo de D. Francisco, segundo Alencastre (1979). Ele cita as provisões do

Conselho Ultramarino de 18 de junho de 1807, ordenando a D. Vicente de Tovar que

tomasse posse das freguesias do Norte. Veja-se o documento que confirma esta

afirmação:

[...] fui servido pela minha régia resolução de 2 do corrente mês de junho desmembrar o bispado do Pará todo o território pertencente a

24 Prelazia no conceito de história da Igreja é um embrião de uma diocese, ou seja, uma região geográfica que tem o governo espiritual de um prelado.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 51

capitania de Goiás, em que os bispos daquela diocese exercitaram até agora a jurisdição pastoral, para que o mesmo território, haja de ficar unido à prelazia de Goiás e sujeito à vossa jurisdição e dos mais prelados que a houverem de reger. E como para efetuar-se convenientemente a expressa desmembração se requer que vós tomeis legalmente posse do indicado território. (CONSELHO ULTRAMARINO, 1807 apud ALENCASTRE, 1979, p. 291).

Todas as paróquias deviam ser de natureza colativa25, em virtude da

Carta Régia de 11 de novembro de 1797, e os bispos deviam colocá-las em

concurso através da Mesa de Consciência e Ordens. Em Goiás, porém, a maior

parte das paróquias continuou de encomenda. Possivelmente, como nota Pizarro

(1948a, p. 229), por “ser essa falta proveniente de algumas particularidades

proveitosa aos bispos pelos provimentos anuais das Igrejas, com que se engrossam

os reditos das suas câmaras”.

Com exceção da paróquia de Vila Boa, que foi ocupada por sacerdotes

encomendados no final do século XVIII para que sua côngrua sustentasse as

despesas da prelazia, encontram-se muitas paróquias encomendadas na capitania.

Não se crê que isso ocorresse em razão da falta de interesse dos bispos, mas por

causa da burocracia do sistema de padroado que dificultava a colação das

paróquias do interior. Na realidade, esta questão foi de ordem econômica. A colação

de paróquias, nomeação de bispos e surgimentos de novas dioceses implicavam em

gastos para o Reino. É neste contexto que se deve entender que a prelazia de

Goiás, criada em 1745, esperou quase quarenta anos para ter o seu primeiro

prelado em 1782. O padroado retardava a nomeação e a sagração dos bispos para

as dioceses. Mas isto também facilitava a “demora dos bispos na corte”, tomando

posse ou não da diocese por meio de procuradores. Parece que muitos bispos

25 Paróquia colada. Eram todas as paróquias criadas e sustentadas pela Coroa portuguesa. O sacerdote, para exercer o ministério nestas paróquias, passava por um concurso organizado pela diocese. Já as paróquias encomendadas eram criadas pelos próprios bispos. Nelas os padres viviam das pequenas ofertas dos fiéis. O governador e capitão general, João Manuel de Mello, escrevia em 1768 ao rei de Portugal, apresentando muitas igrejas da capitania que necessitava receber a colação régia pelos números de fregueses que possuíam os arraias. Num período em que a formação do clero era de certa forma precária, três paróquias coladas da capitania tiveram privilégios com párocos bacharéis formados na Universidade de Coimbra: o padre Nicolau Teixeira de Carvalho Solto Maior e Castro (Bom Jesus da Anta), o padre João Lopes de Camargo da paróquia de Santa Cruz e o padre Antonio Amaro de Souza Coutinho da paróquia Nossa Senhora de Conceição em Trairás. Ver: CARTA do [governador e capitão-genaral de Goiás], João Manuel de Melo, ao [D José], remetendo, conforme a provisão de 18 de Janeiro de 1768, as relações das igrejas da Capitania de Goiás que se encontram no distrito do Bispado do Rio de Janeiro e Grão-Pará. Goiás, 1769. Caixa 24, Doc. 1534. Manuscrito. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 52

aproveitavam dessa situação e colocavam empecilhos para assumir uma diocese ou

prelazia que não fosse de seus interesses, por causa da localização geográfica e

dos rendimentos financeiros.

Os prelados da capitania de Goiás ilustram a idéia de Riolando Azzi

(1992) sobre as vacâncias das dioceses, retardamento dos bispos na corte e a

submissão da Igreja ao absolutismo monárquico. É o “departamento do culto” que

cuida das coisas religiosas das dioceses e prelazias”. Eleito a partir de 1782, D. Fr.

Vicente do Espírito Santo e dom José Nicolau de Azevedo não tomaram posse da

prelazia, nem por procuradores. É a partir do terceiro prelado, D. Vicente Alexandre,

que a prelazia deixa de ser governada pelos bispos do Rio de Janeiro e passa ser

organizada por procuradores que fazem às vezes dos prelados.

Dom Vicente Alexandre do Tovar foi nomeado em 1802, o terceiro prelado

de Goiás. Os sertões goianos não foram novidade para este sacerdote que havia

sido pároco e vigário da vara da freguesia de Nossa Senhora do Pilar. Foi o primeiro

prelado que tomou posse por meio do seu procurador, o padre Vicente Ferreira

Brandão, a 20 de março de 1805. Obrigado pelo príncipe regente a viajar para a

prelazia, faleceu em Paracatu durante a viagem, em 08 de dezembro de 1808.

Observe-se o que nos diz Pizarro:

O 3º prelado foi D. Vicente Alexandre de Tovar. Natural da Bahia, e presbítero secular, sendo Cônego reitor da Sé de Faro passara a Goiás, e proveniente do diocesano do Rio de Janeiro, ocupara de encomenda a Igreja de Pilar, e a vara daquela comarca eclesiástica, desde 06 de julho de 1791 a 1800, [...] por consulta da mesa da consciência e ordem, resolução de 11 de setembro de 1802, foi provido na prelazia. (1948a, p. 220).

O sucessor de Dom Vicente Alexandre foi D. Antonio Rodrigues de

Aguiar, natural do Rio de Janeiro, nomeado em 1810. Também demorou vários anos

na corte. Quando decidiu partir, em 1818, para Goiás, morreu em Iguaçu, a seis

léguas do Rio (RUBERT, 1988). Neste mesmo ano foi nomeado Dom Francisco

Ferreira de Azevedo, o bispo cego que chegou à capitania de Goiás, em 1824. A

ascensão deste sacerdote, cego e filho exposto, as altas hierarquias da Igreja

parecem contrariar as tradições da época que colocava barreiras aos chamados “por

defeito”, e entre eles figuravam os dos filhos ilegítimos e os de mamelucos: defeitos,

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 53

respectivamente, de “nascimento e de origem”. Só o Sumo Pontífice poderia dar

dispensa aos candidatos aos sacerdotes que se encontravam nesta situação.

Conforme Sérgio Buarque de Holanda (1993), os papas fizeram certas

concessões especiais aos bispos ultramarinos, principalmente em terras como o

Brasil, onde havia muitas mancebias e mestiçagem. O bispado de Mariana foi muito

criticado por não levar muito em conta os chamados processos de genere. O autor

chama atenção para o processo de Claudio Manuel da Costa, iniciado em 1751, e

até em 1758 não havia sido concluído, por carência de informações necessárias

sobre alguns ascendentes próximos do habilitando. “Mas agora já se admitem para

ingresso na careira clerical, não só aqueles sujeitos que incorrem aos citados

impedimentos, como outros, que buscam eximir-se, e não sem causa, do foro

secular”. (HOLANDA, 1993, p. 299).

1.2.1. O DISCURSO MORAL DO BISPADO DO RIO DE JANEIRO EM GOIÁS

Nomeados pelo rei, os bispos do Brasil se tornavam seus colaboradores

não só na evangelização, mas no próprio projeto colonial de “dilatar a fé e o

Império”. Os bispos faziam parte da nobreza do reino e tinham como missão

principal zelar pela fé e pela obediência dos súditos à política portuguesa.

Conseqüentemente, o dever dos bispos era concebido muito mais para defender os

direitos da Coroa Portuguesa do que os direitos humanos da população brasileira.

Na realidade, à medida que depende do poder do Estado, a Igreja do Brasil perde

completamente seu dinamismo evangelizador no período colonial. Neste contexto,

as obrigações éticas e religiosas convergem em parte significativa para o rei,

representante oficial de Deus no reino luso e em suas colônias. É a Coroa que

controla o código de ética estabelecido para a vida do povo, mediante a ação das

autoridades civis e eclesiásticas (AZZI, 1992). Em última análise, é sempre o poder

político quem assume a condução do projeto colonial e estabelece as bases de suas

diretrizes éticas.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 54

A nossa intenção neste item é situar o leitor sobre a atuação dos bispos

do Rio de Janeiro na Capitania de Goiás. Principalmente, a pregação moral destes

bispos para uma população situada nos remotos sertões das minas de Goiás. Quais

as influências que as suas cartas pastorais exerceram em uma região de

povoamento a partir do século XVIII? E até que ponto estes bispos conseguiram

colocar em prática o projeto do Concilio de Trento26 e as Constituições Primeiras do

arcebispado da Bahia?

Mas a primeira questão que chama atenção é a vinculação da Igreja do

Brasil colonial ao padroado. Desde a metade do século XV até o século XVII, os

papas concederam aos soberanos da Espanha e Portugal privilégios cada vez mais

importantes, exigindo em troca que se encarregassem da evangelização nas terras

descobertas. Os papas adotaram essa linha por diversas causas. Alguns pensam

simplesmente que eles, absorvidos por outras preocupações, procuravam desse

modo, livrar-se das responsabilidades que lhes competiam, delegando a outros o

dever do apostolado nas missões. Para outros, os papas julgavam que o apoio das

autoridades civis constituía o caminho mais seguro e eficaz para a evangelização da

Ásia e da América. Na realidade, a união do altar e do trono implicava em certos

direitos e deveres do Estado para com a Igreja, mas ao mesmo tempo a Igreja ficava

totalmente subordinada ao Estado.

Os direitos do Estado podem ser resumidos nestes pontos: nomeação

para todos os benefícios, admissão ou exclusão de missionários pela Coroa e

controle de todos os negócios eclesiásticos. Nenhum missionário poderia sair das

missões sem autorização da Coroa. Por outro lado, o Estado português tinha

também seus deveres para com a Igreja Católica. Devia escolher e enviar os

missionários para instruir na fé os habitantes das terras conquistadas. Além disso,

devia arcar com todas as despesas do culto, cuidar da construção e manutenção

dos edifícios religiosos. Para Giacomo Martina (1996, p. 309-314), o padroado teve

algumas conseqüências positivas. Os reis tomaram mais consciência do grande

26Concilio de Trento. Considerado pela Igreja católica como o 19º concilio ecumênico. Em três sessões (1545-1549; 1551-1552; 1562-1563) numerosos decretos são baixados; dizem respeito antes de tudo a temas levantados por Lutero: a doutrina da justificação, as fontes da fé (a relação entre a Escritura e Tradição), o pecado original, os sacramentos. Os casamentos clandestinos são declarados inválidos e não apenas ilícitos. Os deveres do ministério episcopal são regulamentados: convocação anual de sínodos diocesanos, reunião de sínodos provinciais a cada três anos; obrigação de residência; proibição de ocupar ao mesmo tempo diversas sedes episcopais. Para melhorar a formação dos futuros padres, instituição de seminários diocesanos. Ver: Fröhlich (1987).

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 55

dever que lhes competia na promoção e difusão da fé e por muito tempo

desempenharam essa tarefa. Por outro lado, os missionários gozaram da proteção e

do favor do Estado para o trabalho na evangelização. Na realidade, a Coroa

portuguesa teve muito mais benefício do que a Igreja, uma vez que ela não cumpriu

com a maioria dos acordos feitos com a Santa Sé.

O padroado fez do rei de Portugal, desde o século XVI, o protetor da

Igreja Católica no país, inclusive nas colônias. O catolicismo se tornou a religião

oficial do Estado. Eram os reis que nomeavam os dirigentes de uma diocese ou de

uma paróquia e preenchiam as demais funções eclesiásticas. Assim os privilégios

seculares e espirituais do padroado foram introduzidos na América Latina com o

primeiro bispado, o da Bahia, criado em 1551. Na análise de Kátia de Queirós

Mattoso (1992), a igreja brasileira foi criada em completa subordinação ao Estado,

num regime em que a proteção prometida às estruturas eclesiásticas era mal

equilibrada, com uma ingerência opressiva do secular no sagrado. Ainda segundo

esta autora, os negócios eclesiásticos da colônia sempre estiveram nas mãos do rei,

por meio do Departamento de sua administração, a Mesa de Consciência e

Ordens.27

É neste contexto que a Igreja no Brasil inicia seu processo de

organização em bispado.28 A autoridade que decide sobre a criação de dioceses é o

monarca português. A função do papa limitava-se a confirmar as nomeações de

cargos e funções eclesiásticas propostas pelo rei de Portugal e criar as

circunscrições eclesiásticas solicitadas pelo monarca. Assim um dos principais

aspectos que se observa no processo de criação de dioceses é a sua inadequação

para as necessidades pastorais do imenso território. Enquanto em diversos países

da colonização hispânica se multiplicam os bispados já no século XVI, no Brasil, o

processo é lento e esporádico. Isso se explica, em grande parte, tendo em vista que

o governo português estava mais interessado em “explorar” economicamente a terra

27 Conforme esta mesma autora, essa mesa foi criada em 1532 para administrar a vida religiosa da Colônia. Integrada por seis teólogos e jurista, ela funcionava como uma espécie de departamento religioso da administração geral. Suas relações com o rei giravam em torno da gerência dos estabelecimentos de caridade, da instituição de capelas e hospitais, fundação de ordens religiosas ou universidades, resgate de cativos, criação de novas paróquias, dioceses, nomeação de todos os titulares de cargos eclesiásticos e do tratamento de qualquer assunto jurídico, relacionado com assuntos religiosos. De acordo com Mattoso (1992), a maior parte das suas decisões foi tomada na metrópole por homens que nunca estiveram em contato com a realidade e a vivência da colônia. 28 Bispado: região geográfica administrada nas questões religiosas por um bispo. As minas de Goiás desde o inicio do povoamento em 1726 até 1805 pertenceu ao bispado do Rio de Janeiro.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 56

do que num verdadeiro processo de povoamento. E cada bispado que se criava

supunha a existência de uma cidade e, em conseqüência, o aumento dos gastos da

coroa. Desse modo, o Brasil chegou ao término de três séculos de vida colonial com

apenas sete bispados: Bahia (1551), Pernambuco e Rio de Janeiro (1676),

Maranhão (1677), Pará (1719), Mariana e São Paulo (1745). Além disso, a extensão

dessas dioceses era muito ampla, dando poucas condições aos bispos para

desempenharem suas obrigações pastorais (AZZI, 1992).

A presença da Igreja no solo goiano tem sua gênese a partir de 1726,

com o povoamento, após o descobrimento de suas minas de ouro. Desta data até

1749, em que se tornou capitania independente, Goiás pertenceu à capitania de São

Paulo. Na administração religiosa, porém, dependia do bispado do Rio de Janeiro,

conforme aponta Silva e Souza:

Esta capitania em seu princípio pertence ao bispado do Rio de Janeiro pelo direito da primeira posse, e por se não terem ainda criado os bispados de são Paulo e Mariana, e as prelazias isentas de Goyaz e Cuiabá, o que se fez por bula do Papa Benedito XIV, que começa- Candor Lucis Aeternae29, no ano de 1745. (1978, p. 107)

A documentação pontifícia dava total independência à nova prelazia da

jurisdição eclesiástica do Rio de Janeiro. Mas na prática esta separação não

ocorreu, a prelazia continuou sendo administrada no religioso por aquela diocese até

1805, com a posse de Dom Vicente Alexandre de Tovar. O padre Luiz Antônio da

Silva e Souza (1978), em sua obra Memória do descobrimento: governo, população

e coisas mais notáveis da capitania de Goyaz, destaca quatro bispos do Rio de

Janeiro que governaram a Capitania de Goiás: D. Fr. Antônio de Guadalupe, D. Fr.

João da Cruz, D. Fr. Antônio do Desterro e D. Justiniano de Mascarenhas. Para

Cônego Trindade da Fonseca Silva (2006), a influência direta desses bispos nas

terras do sertão goiano só aparecia em acontecimentos de âmbito geral no governo

da Igreja. No mais todo trabalho era feito periodicamente pelos visitadores

diocesanos e pelos vigários das varas eclesiásticas.

29 Candor Lucis Aeternae é um documento da Igreja escrito em latim que significa Candura da Luz Eterna.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 57

Conforme Arlindo Rubert (1988), após tomar posse da diocese do Rio de

Janeiro em 1725, dom Frei Antonio de Guadalupe adotou algumas medidas

pastorais importantes para colocar em práticas as resoluções do Concilio de Trento.

Em primeiro lugar procurou aplicar no território de seu bispado as constituições

primeiras do arcebispado da Bahia, e a realização das visitas pastorais,

principalmente nas Minas Gerais para conhecer a população. Com o clero, tomou

sérias medidas obrigando todos os sacerdotes a participarem das conferências de

moral, do exame de teologia e de sua aprovação para pregar e confessar. Estas

medidas causaram certos atritos com os religiosos da ordem Franciscana, que se

mostraram desobedientes e arrogantes. Com a interferência do rei de Portugal e do

papa Clemente XII, nomeou-se dom Antônio de Guadalupe visitador apostólico da

província dos franciscanos, os conflitos dos frades foram amenizados (RUBERT,

1988, p. 44-46). No que refere às minas de Goiás, este bispo criou as duas primeiras

paróquias e nomeou em 1734, o primeiro visitador diocesano, o padre doutor

Alexandre Marques do Vale.30 Por meio de suas pastorais é possível fazer um painel

da vida moral da população brasileira no período colonial.

Na visão de Londoño (1999) os bispos que sucederam Dom Antonio de

Guadalupe no Rio de Janeiro e em outros bispados procuram seguir as suas

orientações morais e doutrinas na tentativa de propagar o sacramento do matrimônio

e combater os “pecados do concubinato”. Na concepção da Igreja havia dois

caminhos para combater os abusos da população: o sacramento da confissão e a

“facilitação do matrimônio aos fiéis”. Conforme as orientações da teologia moral do

século XVII e XVIII, o confessor deveria exigir do penitente a “separação da ocasião

próxima do pecado para receber absolvição (TORRES-LONDOÑO, 1999, p.170)”.

Para alguns bispos, uma das formas de combater o concubinato era

facilitar o acesso dos fiéis ao sacramento do matrimônio, principalmente os pobres.

Entre os bispos do Rio de Janeiro que atuaram em Goiás, além de dom Frei João da

Cruz, dois bispos publicaram pastorais advertindo os párocos e vigários das varas

que não cobrassem emolumentos dos pobres e desvalidos. Dom Antonio do

Desterro Malheiros proibiu cobrar taxas de “casamento e sepultamento de pobres,

30 COPIA dos capítulos da primeira e ultima vezita, q fez o Doutor Alexandre Maquez do Valle, vezitador q foi destas minas de Goyaz. Vila Boa de Goyaz, 1734. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 58

escravos e imigrantes”. Do mesmo modo Dom Joaquim Justiniano Mascarenhas

Castelo Branco enviou uma carta pastoral ao vigário geral José Correa Leitão, em

1790, alertando aos vigários das varas para a mesma questão (REGISTRO DE

PASTORAIS E EDITAIS DOS PRELADOS, 1771-1850, fl.70).

Uma segunda solução que os bispos do Rio de Janeiro encontraram para

combater o concubinato foi a “administração rigorosa” do sacramento da confissão

aos seus fiéis. A confissão auricular era um dos meios que os párocos em suas

freguesias poderiam ajudar os seus paroquianos afastarem a alma do pecado e ao

mesmo tempo combater os vícios de uma comunidade. Em 1780, João Almeida

Cardoso, comissário do Santo Oficio e visitador Ordinário das comarcas de Goiás,

observando as orientações de Dom Justiniano Mascarenhas, chamava atenção dos

confessores para observar a provisão para confessar e absolver penitentes “que

vivem em actuaes voluntários concubinatos, e occazioens próximas”. Para o referido

visitador, estas confissões ficavam nulas, pois os confessores não tinham jurisdição

para absolverem destes pecados31. O mesmo acontecia com as confissões dos

senhores que viviam amancebados com as suas escravas:

Da mesma sorte lhes falta jurisdição para absolverem a algum Senhor que com a sua própria escrava estiver em occazião próxima sem q primeiro haja de-a-Lançar fora, não obstante as frívolas, [...] que costumam dar, allegam prejuízo, q se-lhes-segue, que nada devem convencer aos padres Confessores [...] pois o valor temporal da escrava não deve prevalecer com perda da sua alma. E obrando de outra sorte os confessores, se precipitarão (o que Deos não permitta) com os mesmos penitentes no abismo.32

O referido visitador lembrava aos párocos e capelães de Goiás que a

confissão de amancebados ficava nula. Na realidade havia uma série de

preposições dos papas Alexandre VII e Inocêncio XI que condenavam a absolvição

dos penitentes nesta situação de mancebia. Para o comissário do Santo Oficio, os

sacerdotes estavam agindo contrário às determinações da Igreja e lançando os

31 TRANSLADO da Visita de João de Almeyda Cardozo Vigário collado na Matriz do Santíssimo Sacramento da Praça Nova Colônia, Comissário do Santo Oficio, e Visitador da Visita Ordinária das Comarcas da Capitania de Goyaz pelo Exmo e Revmo Senhor Dom Joseph Joachim Justiniano Mascarenhas Castel branco Bispo deste Bispado do Rio de Janeyro, e do Conselho de S. Magestade Fidelíssima. 1780. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. 32 Ibid., fl. 86.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 59

fregueses no “abismo”, e condenando as suas almas ao inferno, sendo que a missão

dos sacerdotes era levar seus fiéis a Deus.

Embora todos os bispos do Rio de Janeiro tivessem a preocupação na

formação dos costumes de seus fregueses parece que a pastoral de Dom Frei

Antônio do Desterro teve mais repercussão na Capitania do que os outros

documentos eclesiais33. A Carta pastoral foi lançada em 1751 com o objetivo de

“reforma da Disciplina Ecclesiastica em Goiás”. Este documento foi referência para

todos os visitadores diocesanos e também para os sucessores de Dom Antônio do

Desterro. Havia sempre motivos para retomar esta pastoral na tentativa de combater

os desvios morais da população e do clero. Foi o que ocorreu em 1786, o visitador

Geral Jose Correa Leitão chama atenção dos habitantes da capitania para observar

a referida pastoral. Aliás, ela deveria ser lida nas estações das missas festivas

quatro vezes ao ano, ou seja, de três em três meses com o objetivo de apascentar o

grande rebanho para a salvação.

O documento é rico de orientações doutrinárias e morais que merece um

estudo mais complexo, mas a nossa intenção aqui é destacar apenas as questões

relacionadas ao comportamento moral da população. Dom Antônio do Desterro inicia

a sua pastoral fazendo uma apelação ao clero para “apascentar o rebanho e dar

contas das almas a Deos, edificando com exemplos a administração dos

sacramentos”34. A grande preocupação do Concilio de Trento foi a reafirmação dos

sete sacramentos (batismo, eucaristia, penitencia crisma, matrimônio, ordem e

unção dos enfermos). Diante dos avanços da Igreja protestante, a formação do clero

era de suma importância para a difusão do catolicismo. Por isso os bispos tiveram a

preocupação com a criação de seminários e as famosas conferências de teologia

moral, bem como as provisões para confessar, pregar e outros atendimentos a

população.

No que tange às questões do comportamento moral, Dom Antonio do

Desterro chamava atenção e acusava os párocos e capelães de negligência com

ralação ao concubinato. No dizer do bispo, os padres não deveriam admitir na

33 PASTORAL de Exmo e Revmo Senhor D. Fr. Antonio do Desterro em q Se acha a reforma de Disciplina Ecclesiastica nestes Goyas, Cuja copia havida de outra freguesia por nesta Se não achar registada aqui fiz transladar, e é da Maneira Seguinte. 1751. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. 34 Ibid., fl. 102

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 60

confissão ou dar licença para confessar “aquellas pessoas que souberem estão em

concubinato” e todos os mais que forem peccadores públicos. Além disso, muitos

concubinários enganavam os sacerdotes sendo padrinhos de batismos dos seus

próprios filhos. Ainda em relação ao concubinato, o documento chama atenção dos

senhores que consentem seus escravos amancebados. Para o referido bispo, os

párocos não deveriam desobrigar estes senhores:

[...] a mesma denegação de Sacramentos uzarão os Parochos, e Capelaens de baixo da mesma pena com os senhores q consentem q seos escravos, e escravas andem amancebados até q os fação contrair matrimonio, ou os apartarem totalmente e porão todo o cuidado em fazer q os Senhores e Senhoras q tem escravos em venda vivendo desonestamente, ou as trazem com taboleiros da mesma sorte se emendam desta culpa até lhe negarem os Sacramentos sendo necessário como peccadores públicos, e escandalosos. 35

Mas este bispo chamava atenção dos párocos também em relação aos

confessionários para o atendimento aos fiéis e exigia grades para separar os

confessores das mulheres. Ainda em relação à confissão, ele alertava aos

sacerdotes para não desobrigar homens e mulheres casadas que viviam na

Capitania distantes de seus consortes. Na visão de Dom Antonio do Desterro,

muitos utilizavam desta situação, deixando suas mulheres “em partes distantes para

viverem divertidos com outras”. Em relação ao clero, havia também uma

preocupação em combater os desvios da conduta moral, principalmente aqueles que

infligiam o voto de celibato, vivendo de céu aberto com as concubinas. A pastoral

proibia a residência de mulheres em casa de sacerdotes, mesmo aquelas que

deviam cuidar dos ofícios domésticos, a não ser que tivessem idade avançada:

[...] e seguindo as pizadas do Illustrissimo e Excelentissimo Senhor Nosso Antecessor prohibimos com pena de Excomunhão, que os Clérigos tenham de porta adentro mulheres de qualquer qualidade, que sejam, ou livres, ou escravas, excepto se forem de Sinquenta annos de idade, mas ainda estas nem poderão ter-se com ellas

35 PASTORAL de Exmo e Revmo Senhor D. Fr. Antonio do Desterro em q Se acha a reforma de Disciplina Ecclesiastica nestes Goyas, Cuja copia havida de outra freguesia por nesta Se não achar registada aqui fiz transladar, e é da Maneira Seguinte. 1751. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 104.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 61

fossem infamadas algum dia, como pelos costumes com quem os ditos Ecclesiasticos fossem infamados.36

Na realidade a pastoral expressa uma preocupação minuciosa com a

freguesia. O pároco deveria zelar pela boa formação de seus fregueses a começar

pelo cuidado na ornamentação da igreja, nas vestes sacerdotais, no cuidado com a

pia batismal, no asseio dos objetos sagrados e na beleza do templo, pois tudo isso

favorecia a purificação da alma do fiel e o louvor a Deus. E, além disso, devia ter o

controle da população de sua freguesia, conhecendo a vida dos seus fiéis e dos

forasteiros que chegavam aos vilarejos. Daí a importância do rol das pessoas que

confessavam na desobriga pascal e das atividades das pregações e confissões.

Quanto às pregações, expressava Dom Antonio do Desterro: “Os Sacerdotes a

quem damos licença para pregar, he com a obrigação de pregar doutrina solida

ainda nas Festividades”37. Em uma sociedade em que a maioria da população era

analfabeta, a palavra e o sermão do padre eram de fundamental importância na

difusão do catolicismo. Mas a palavra poderia constituir-se também num perigo e

numa armadilha para a ortodoxia. Neste sentido, a pastoral exigia um total controle e

atenção dos párocos. “Dêem conta os Párochos dos Pregadores em cada hum ano,

e também dos estados das suas freguesias”38.

Para Torres-Londoño (1999), a Igreja Católica no Brasil se empenhou “no

século XVIII no projeto da reforma de suas dioceses e chegou ao concubinato por

intermédio de outras preocupações”. Assim justifica este historiador:

A reforma do clero (...) lançava os fundamentos mais sólidos para igual reforma do povo. Com a reforma do clero, a administração da confissão nos moldes da teologia moral era o meio mais qualificado para provocar a reforma dos costumes, pelo arrependimento e pela promessa do penitente de emendar a vida, expressada na supressão da ocasião próxima de pecado. A vigilância no cumprimento das desobrigas, conferidas por meio do rol dos confessados, e a negação da absolvição aos renitentes, juntamente com outras penas espirituais e materiais, na forma das Constituições da Bahia,

36 Ibid., fl. 105. 37 PASTORAL de Exmo e Revmo Senhor D. Fr. Antonio do Desterro em q Se acha a reforma de Disciplina Ecclesiastica nestes Goyas, Cuja copia havida de outra freguesia por nesta Se não achar registada aqui fiz transladar, e é da Maneira Seguinte. 1751. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 106. 38 PASTORAL..., loc cit.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 62

deveriam garantir a eficácia da confissão (TORRES-LONDOÑO, 1999, p. 172).

Em relação à questão da Influência que as cartas pastorais exerceram em

uma região de povoamento tardio é uma resposta muito complexa. No entanto,

acredita-se que elas deixaram alguns vestígios importantes nos seio da população.

O grande testemunho deste fato são os registros paróquias. A população de uma

forma geral pode ter caminhado na contramão daquilo que era idealizado pela Igreja,

mas não faltou da parte de alguns sacerdote e parcela da população quem não

procurasse uma vida austera. Acredita-se que os bispos do Rio de Janeiro foram os

principais agentes do discurso moral na Capitania de Goiás. Mesmo distantes, eles

não descuidaram do rebanho e agiram por intermédio da organização da Igreja, das

cartas pastorais e dos visitadores diocesanos. Mas a principal preocupação destes

bispos foi com a administração dos sacramentos para a afirmação da Igreja na

sociedade colonial. Assim, seguiram à risca as Constituições da Bahia e

empenharam-se em fazer da paróquia o espaço privilegiado, e muitas vezes o único,

para administração dos sacramentos. Esperavam, dessa forma, colocar ordem na

prática sacramental, além de fazer dela o eixo de atuação da Igreja perante os fiéis.

Dedicaram-se, pois, nas suas pastorais, a corrigir o que se considerava abusivo,

impondo uma série de normas que deveriam ser observadas em todas as paróquias.

Fundamental era que toda prática sacramental passasse, de uma forma ou de outra,

pelo pároco. Diversas vezes insistiram para que o pároco, mesmo não

administrando todos os sacramentos, mantivesse um controle permanente sobre

quem os administrasse.

Os bispos se ocuparam em falar de todos os sacramentos. Sobretudo,

segundo a época e as suas prioridades pastorais, privilegiaram o matrimônio e a

penitência, por causa, ainda mais, da relação do pároco e da paróquia com os seus

fregueses mediante esses sacramentos. Entretanto, insistiram para que todas as

crianças fossem batizadas no máximo oito dias após o nascimento e para que os

adultos não o fossem, antes de serem aprovados nos exames da doutrina. Também

ordenaram aos párocos que as missas tivessem uma duração mínima de 15 minutos

e que não fossem celebradas em altares portáteis, nas casas de particulares, visto

que era obrigação dos párocos celebrarem para os paroquianos as missas de

preceito. Em relação às missas afirmava Dom Antônio do Desterro: “Com pena de

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 63

Excomunhão ipso facto, prohibimos que nehuma pessoa consinta que em Sua caza

se levante Altar Portátil para nelle se dizer Missa, excepto os Parochos, ou quem

fizer as Suas vezes nos cazos, que permite a Constituição”39.

Em síntese, as cartas pastorais denotavam preocupações, por vezes bem

“tridentinas”, tanto em relação ao clero como aos fiéis. No primeiro caso, inculcaram

a disciplina, o afastamento de religiosos irregulares, o bom atendimento dos fiéis, o

perigo do isolamento, a obrigação do hábito talar e o comportamento sacerdotal

digno. Além disso, proibiam certa vaidade no vestir, no “corte do cabelo, no uso de

fivelas de ouro e esporas de prata”. Veja-se um questionamento de dom José

Castelo Branco sobre o clero da prelazia: “Quais são os seus costumes actulamente,

e quais tem sido, qual o seu procedimento, suas vaidades e seus vícios. Advirto que

se não deve dizer senão o que he publico,ou que he no conceito geral das gentes”.40

Acerca dos fiéis, insistiram-se com a moralidade pública, com o caráter

sagrado das festas religiosas em que se proibiam bailes, batuques e saraus, leilões

dentro das igrejas, rezas públicas à noite com mistura de sexos. Essas cartas

pastorais eram complementadas pela presença dos visitadores diocesanos que

percorriam as paróquias periodicamente. Uma das principais preocupações da Igreja

no período colonial era com a salvação dos fiéis. Aliás, o conceito de Igreja era de

uma sociedade perfeita. Isso implicava a orientação e o ensino da verdade aos fiéis,

bem como o afastamento de tudo que poderia dispersar o rebanho. É neste contexto

que se deve compreender as proibições dos bispos do Rio de Janeiro. Como pais e

mestres da fé, eles deveriam orientar seus fregueses para fugirem dos vícios e

abraçarem as virtudes. Daí as proibições de atividades noturnas, a excomunhão dos

homens e mulheres que se misturavam nos bancos das igrejas, a proibição das

cerimônias antes das “matinas e depois das Ave-Marias” e a não permissão para

mulher entrar na igreja com saias curtas e cabeça descoberta. Referente a esta

última questão, dizia o padre José Correa Leitão: “[...] pelo edital mando com pena

de Excomunhão mayor que nenhuma mulher se attreva a profanar a santidade do

39 PASTORAL de Exmo e Revmo Senhor D. Fr. Antonio do Desterro em q Se acha a reforma de Disciplina Ecclesiastica nestes Goyas, Cuja copia havida de outra freguesia por nesta Se não achar registada aqui fiz transladar, e é da Maneira Seguinte. 1751. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. 40 COPIA da Carta de Ordens, que S. Excelência Reverendíssima foi Servido mandar ao Vigário de Villa Boa de Goyas [Interrogatório do bispo Dio Rio de Janeiro sobre o clero secular e regular da capitania]. 1775. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 71-72.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 64

Templo entrando nelle de hoje em diante com saya tão curta que não toque a fivela

no sapato”.41 Juntamente com as cartas pastorais, as visitações diocesanas foram,

sem dúvida, um dos principais agentes do discurso e da prática moral na Capitania

de Goiás. E em relação a estes assunto que passaremos analisar neste próximo

item.

1.2.2. VISITADORES DIOCESANOS: “DESTERRAR OS VÍCIOS E CORRIGIR OS ABUSOS”

Durante o período colonial quase todas as regiões do Brasil receberam as

Visitações do Santo Oficio, instrumento utilizado para identificar e castigar os

inimigos da fé. Mesmo nos sertões distantes do litoral não faltou a presença deste

órgão para vigiar e punir os desvios desta população. Nas dioceses, realizavam-se

as visitações diocesanas ou “devassas”, que eram de responsabilidade do bispo,

cuja região territorial pertencia a sua jurisdição espiritual. No caso da Capitania de

Goiás, fazia parte do bispado do Rio de Janeiro. Mesmo depois da criação da

prelazia em 1745, a mitra do Rio de Janeiro ministrou esta Capitania até a posse do

seu terceiro prelado, Dom Vicente Alexandre de Tovar, em 1805 (CASTRO, 2006, p.

30).

A intenção deste estudo é averiguar a influência que os visitadores

diocesanos exerceram na atividade pastoral na Capitania de Goiás, território tão

longínquo e distante da sede do Rio de Janeiro. Até que ponto eles influenciaram a

formação da população com o discurso moral e doutrinal, cuja orientação era o

Concilio de Trento. As fontes desta pesquisa são as orientações manuscritas,

deixadas por estes homens em enfrentaram os obstáculos naturais, viajando sobre

os ombros dos animais para disseminar o catolicismo numa região de povoamento

tardio. Para os historiadores Francisco Vidal Luna e Iraci del Nero da Costa, “as

41 EDITAL porq o R. Vizitador José Correa Leitão há por bem proibir com pena de Excomunhão, q Se Abrão a igreja ou Capellas antes a Matinas, e depois das Aves Maria, q nas matinas não estejam homens misturadamente com mulheres q naquellas não entrem, nem estejam estas com as cabeças descobertas, ou com Sayas curtas assima da fivella do Sapato, q nos templos não hajam conversas, e q não Se façam Festas em Casas particulares, tudo como nelle se Contem. 1784. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 65

devassas diocesanas são fontes indispensáveis” para o entendimento da sociedade

colonial brasileira.

Hábitos, costumes, crenças, medos, superstições, preconceitos, atos escusos, pequenas vilezas, grandes crimes, o lar, as ruas, o comércio, o cemitério, o adro da Igreja, o quintal, a alcova, as paixões insofreáveis, a usura, a autoridade; enfim, a vida em todas as suas manifestações – do pensamento recôndito a vivencia em sociedade -, eis o material inscrito nos livros das devassas. (COSTA, I.; LUNA, 1982, p. 79).

Para muitos historiadores, entre eles, Anita Novinsky (1992), Caio C.

Boschi (1986), entre outros, o Santo Ofício atuou no Brasil através das visitações

diocesanas. Por meio destes agentes, as autoridades metropolitanas podiam ter

uma visão abrangente da realidade colonial, uma vez que seus relatos ou informes

não se limitavam às questões de natureza puramente espiritual (BOSCHI, 1986). A

questão da vinculação do Santo Ofício aos visitadores diocesanos é compreensível,

uma vez que a evangelização no Brasil está ligada ao padroado. Todavia, analisar

os visitadores só sob este prisma é cometer injustiças com estes homens que

viajaram centenas de léguas pelos sertões mineiros, afrontando desconfortos e nem

sempre bem acolhidos nos vilarejos.

As visitações, ou visitas pastorais, foram mecanismos de fiscalização dos

bispos ao estado das paróquias sob a sua jurisdição. Apesar das enormes

variações, que apresentam ao longo do tempo e das regiões, as visitas pastorais

tiveram sempre uma função pastoral e corretiva, ao mesmo tempo em que serviram

para afirmação da jurisdição episcopal no território diocesano. Estas visitas pastorais

produziram informações valiosas sobre o estado material, religioso e moral das

paróquias, dos seus habitantes, e dos membros do clero local, sendo por isso uma

fonte privilegiada da historia religiosa e social.

De acordo com a tradição a origem das visitas pastorais teve inicio nos

primórdios do cristianismo quando São Paulo quis visitar “as igrejas que havia

fundado em Creta e Éfeso (I Tim 4,6)”. Conforme Carlos Moreira Azevedo (2001),

“de Santo Anastásio a Santo Agostinho”, os Padres da Igreja deixaram vestígios da

sua preocupação com o exercício da visita diocesana. Mas, a partir do Concilio de

Trento que visitações diocesanas ganharam novo vigor. Dom Carlos Borromeu

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 66

(Milão) e Frei Bartolomeu dos Mártires (Braga), deram novas dinâmicas a esta

atividade após o Concílio de Trento (AZEVEDO, 2001, p. 365-366).

A partir do Concílio de Trento surgem quatro tipos de documentos ligados

ao exercício das visitas pastorais: “livros de capítulos, livros de devassas, livros de

termos de culpados e livros de extratos de culpados”. Na grande maioria dos casos,

as visitas pastorais eram executadas por visitadores que os bispos escolhiam para

desempenhar esta atividade, uma vez que os mesmos estavam envolvidos em

outros serviços pastorais (AZEVEDO, 2001, p.336). No caso da Capitania de Goiás

nenhum bispo realizou este ministério. Todas as devassas nas paróquias foram

realizadas pelos visitadores e vigários das varas eclesiásticas. Conforme o referido

Concílio, “tais visitas deveriam ser realizadas pessoalmente ou, no impedimento do

titular, pelo seu vigário geral ou visitador, a cada ano, por inteiro ou na maior parte

da diocese e, se for o caso, completadas no ano seguinte (BOSCHI, 1986)”.

No contato com seu rebanho, cabia aos bispos exortar, pregar e

esclarecer os mistérios da fé e, acima de tudo, examinar como eram administrados

os sacramentos. Os prelados deviam inspecionar os locais em que se realizavam os

ofícios religiosos e zelar pelos bons costumes. O objetivo dessas visitas, de acordo

com a orientação tridentina, era estabelecer a doutrina sã e excluir as heresias.

Diante destas diretrizes, como os bispos coloniais, particularmente aqueles que

tinham jurisdição na região mineradora, tão distante, como a Capitania de Goiás,

cumpriam essa importante obrigação do exercício pastoral?

O cumprimento à norma disciplinadora tridentina, que cabia ao bispo a

responsabilidade e o empenho em realizar as visitas diocesanas, nem sempre

poderia ser respeitada ou era acatada pelos prelados. Dessa forma, no impedimento

ou na impossibilidade de o bispo proceder às visitas aqui relatadas, tal como

previsto na legislação ordinária, elas se realizavam por intermédio do vigário geral

ou de sacerdotes virtuosos e qualificados, criteriosamente escolhidos pelos prelados

titulares. As Constituições da Bahia eram taxativas no critério de escolha dos

visitadores. “Serão sacerdotes virtuosos, prudentes e zelosos da honra de Deus e

salvação das almas, e podendo ser letrados, e quando não, ao menos pessoas de

bom entendimento e experiência” (VIDE, 2007, [Livro V, Título. VIII]).

Os bispos do Rio de Janeiro que exerceram sobre a Capitania de Goiás o

seu ofício pastoral parecem ter cumprido integralmente essa diretriz. Sem considerar

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 67

suas virtudes e seu zelo apostólico, esses visitadores diocesanos eram homens bem

qualificados intelectualmente para o bom cumprimento de suas missões. Quase

todos eram bacharéis em Cânones e, no mínimo, exerciam o ministério de párocos

colados. Outros ocupavam funções muito importantes nas suas respectivas cúrias. O

padre Dr. Marques do Vale, por exemplo, era vigário da Vara de Vila Boa, quando foi

o primeiro visitador de Goiás em 1734; o padre doutor Antônio Damaso da Silva

Governou várias freguesias de Goiás; o padre doutor Simão Pinto Guedes era

vigário da Vara das Minas do Pilar; o padre João de Almeida era vigário colado da

Matriz do Santíssimo Sacramento do Rio de Janeiro e Comissário do Santo Oficio e

o cônego José Correia Leitão era vigário geral da prelazia de Goiás em 1784.

Considerando as exigências que os bispos tinham na seleção de seus visitadores,

assim como a Inquisição os seus funcionários, não é de estranhar que muitos eram

também qualificados do Santo Oficio ou mesmo comissário.

Para Cônego42 Trindade, toda disciplina eclesiástica do território goiano

no século XVIII dependia desses homens. Uma provisão do bispado do Rio de

Janeiro dava-lhes toda garantia e poder para zelar pelos bons costumes e reprimir

tudo que fosse contrário à ortodoxia católica. No período de quase um século, desde

a fundação da primeira paróquia até a posse do primeiro vigário capitular em Goiás,

em 1805, houve na Capitania a presença de dezesseis visitadores diocesanos. As

principais preocupações destes homens eram de cunho moral ou dogmático-

liturgico. A visita diocesana tinha como destinatários os vigários, os curas, os

coadjutores e o povo da freguesia a ser percorrida. No edital da visita ficavam

declarados os solenes objetivos da visita de “desterrar os vícios, erros, abusos, e

escândalos” da população e zelar pelo seu bem espiritual e temporal (BOSCHI,

1986, p. 162).

42 O termo Cônego significa àquele que é inscrito na lista de uma Igreja. Nos séculos VI ao VIII a palavra cônego passa designar um clero que vive em comunidade com o seu bispo. A par do capítulo catedralesco os cônegos são constituídos nas principais igrejas da diocese. No século XIII, os cônegos seculares atingem o apogeu do seu poder. Muitas igrejas catedrais chegam a somar 20 a 80 cônegos, constituindo assim o conselho do bispo e tinha a função de recitar o oficio divino no coro da catedral. A partir do século XIV, os cabidos de cônegos seculares tornam-se apanágio da nobreza e da alta burguesia, aumentando assim a sua independência em relação ao bispo. A Revolução Francesa suprime os cônegos e nacionaliza os seus bens. A concordata de 1801 autoriza a reconstituição dos cabidos, entregando-os nas mãos dos bispos. A partir deste momento passa existir duas espécies de cônegos seculares: os titulares cuja função consiste em celebrar o ofício divino no coro da catedral; e os honoríficos, que se contentam com um simples titulo, sem nenhuma obrigação particular (CHRISTOPHE, 1997, p. 37-40).

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 68

Este edital deveria ser lido pelo clero e pelas autoridades seculares e

eclesiásticas, que se encarregariam de noticiar a chegada do visitador em cada uma

das Igrejas. Nessa ocasião, todos deveriam assistir à procissão para a salvação das

almas dos mortos que era realizada antes de iniciar a devassa. Esta solenidade

incluía a visita ao Sacrário, à pia batismal, aos altares e à sacristia, examinando-se

os paramentos litúrgicos e os Santos Óleos. Neste período, o pároco e os demais

sacerdotes da paróquia deveriam assistir às solenidades com as suas sobrepelizes,

os oficiais das confrarias com seus ornamentos e a nobreza e o povo, com toda

decência.

Chegavam, em geral, sem aviso, mas a recepção solene consistia na primeira entrada na Igreja Matriz, o que se realizava ao toque festivo dos sinos acompanhado de toda nobreza, clero, e povo. Seu primeiro cuidado era examinar a pia batismal, o sacrário e os altares (SILVA, J., 1948, p. 79).

A história dos visitadores diocesanos em solo goiano tem seu ponto forte

com a presença do doutor Alexandre Marques do Vale, em 1734, até a posse do

doutor Alexandre Tovar, em 1805. A partir deste período, as visitas são ocasionais,

finalizando em 1824 no Arraial de Uberaba com o visitador Luiz Antonio da Silva e

Souza. Nestas visitas, três sacerdotes se destacaram: O padre Alexandre Marques

do Vale, vigário de Vila Boa; o padre José Frias de Vasconcelos, em 1742, e o padre

João Almeida Cardoso, em 1780. Este último vem a Goiás com o objetivo de

defender os escravos. Assim determina que todos os escravos devem ir à missa,

quer estejam ou não de acordo com os seus amos. Condena fortemente os

senhores que enterravam os escravos nos campos sob pena de excomunhão

(SILVA, J., 1948).

Referente à questão moral, esta sempre foi uma preocupação da Igreja

na orientação de seus fiéis. No período em estudo, o que mais chama atenção dos

visitadores diocesanos é o “mal das minas”, a “concubinagem”. Em 1734, o padre

Alexandre Marques do Vale adverte os que viviam em concubinato na freguesia de

Vila Boa. Na verdade este sacerdote dedicou boa parte da sua visita alertando aos

sacerdotes sobre o comportamento da população. Fez questão de frisar a negação

do sacramento da confissão para os concubinários e também para as pessoas

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 69

casadas que viviam nas minas ausentes e sem licença de suas esposas. Veja-se o

seu discurso sobre o concubinato:

Ainda que a concubina Seja útil para Sua Caza e governo della, e não Seja fácil achar outra molher com igual préstimo, hê obrigado o concubinário primeiro lançala fora de caza para Ser abSoluto, porque da ezpulsão não perde a fama, nem cauza escândalo, antes o cauza grande em estar de portas adentro por manceba, nem préstimo temporal, e que valle o Espiritual que perdem. Não pode Ser [absolvido] o concubinário q tem a concubina fora de caza por Sua conta, e disposição, entrando e Saindo quando quiser, e raras vezes fala com ella q nam peque por pensamentos palavras ou obras, porq o estar fora de caza he Separação Local, mas não moral. Ainda que os taes estejão emendados, e já não pequem se continuão em vezitar as mancebas com dantes, não pode o confessor abSovellos pelo actual escândalo q cauzão em Se imaginar q as tratão como dantes.43

A Igreja procurava punir as relações consensuais por meio de

excomunhão e negação dos sacramentos a estes pecadores públicos, mas a

população muitas vezes encontrava formas de iludir os sacerdotes. Às vezes fingiam

separações nas desobrigas quaresmais44, mas quando conseguiam seus intentos,

voltavam a viver em concubinato. Em 1742, o visitador José Frias Vasconcellos

chamava atenção dos párocos para esta questão:

E constando lhe que alguns de Seus fregueses vivem em occaziam próxima que tenhão em Sua própria caza, ou fora della por Sua conta de cuja correspondência Se siga escândalo os não desobrigue Sem que primeiro viva apartado della por espaço de três meses, não Só com Separação Local, mas também moral. Isto hé que entre elles não haja comunicação algua, nem persi, nem por terceyras pessoas nem lhes fação assistência, ainda a titulo de esmollas, e Se dentro do dito tempo Se não emendarem, oz declarem Logo por incurios nas Censuras doz que não Satisfazem aoz preceytos [...].45

43 COPIA dos capítulos da primeira e ultima vezita, q fez o Doutor Alexandre Maquez do Valle, vezitador q foi destas minas de Goyaz. Vila Boa de Goyaz, 1734. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. 44 Desobriga referia-se à presença do pároco ou capelão para confessar e dar comunhão aos fiéis no período da páscoa. 45 TRANSLADO dos capítulos da vizita que deixou o Reverendo Vezitador Joze de Frias e Vasconcellos nesta Matriz da Senhora Santa Anna de Villa Boa de Goyas. 1742. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 70

Na visão da Igreja, os sinais de mudança de vida de uma pessoa passam

uma radical conversão interior. Para alcançar este objetivo o fiel deveria demonstrar

por meio de sinais exteriores atitudes que comprovassem uma verdadeira conversão

dos pecados que poderiam levar a sua alma para o inferno. Neste sentido Londoño,

nos chama atenção:

O fim do pecado passava pela suspensão dos tratos e vínculos ilícitos, mas sua emenda dependia do arrependimento da pessoa, que se expressava na suspensão de toda ocasião próxima de pecado. Desde Santo Agostinho, a “ocasião próxima” do pecado tinha sido considerada por moralistas e teólogos como principio do pecado. A debilidade da natureza humana não deveria expor-se às “ocasiões próximas” porque sempre estaria em desvantagem. No sexto mandamento, isto era muito mais perigoso para a saúde da alma. No caso do concubinato, apartar-se da ocasião próxima era principalmente “lançar fora a concubina” e manter-se o mais longe possível dela. Os confessores deveriam condicionar a absolvição à supressão da ocasião próxima do pecado, não se iludindo por escusas que os penitentes colocassem para não acabar com a ocasião próxima (TORRES-LONDOÑO, 1999, p. 161).

O padre Antonio Pereira Correia proíbe, em 1751, os sacerdotes

confessarem mulheres fora do confessionário.46 Na realidade, o referido visitador

fazia cumprir uma orientação pastoral que partia de Dom Antonio do Desterro, bispo

do Rio de Janeiro em 1751. Aliás, vários visitadores durante a segunda metade do

século XVIII fizeram questão que os párocos tivessem uma copia desta pastoral. A

documentação aborda a reforma da “Disciplina Ecclesiastica” em Goiás. Além das

penas para aos senhores, por consentir os escravos em concubinato, Dom Antonio

do Desterro chamava atenção do clero para a confissão das mulheres dentro do

confessionário. Acredita-se que foi uma forma preventiva para dificultar que alguns

sacerdotes mal intencionados solicitassem as penitentes no ato da confissão. Em

Goiás e em toda América Portuguesa não faltaram exemplos de sacerdotes que

abusaram do tribunal da penitência. Seguem-se as orientações deste zeloso pastor:

46 TERMO de visita que fez na Igreja Matriz desta Villa Boa de Goyas o Muito Reverendo Doutor Antonio Pereira Correa Vizitador geral de todas as Comarcas de Goyas e Tocantins. 1751. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 71

E porque somos informados que os Confessores não fazem reparo em ouvir de Confissão mulher sem ser das grades dos confessionários para baixo, e em muitas partes os não há, Mandamos q nenhum confessor confesse mulher sem ser pelas das grades sob pena de suspensão ipso facto, no mesmo acto da confissão, exceto aquellas mulheres que por enfermidade, e ou de tal sorte surda, que pelas grades se não podem confessar. Pelo que mandamos a todos os Parochos, q tanto nas Igrejas, como nas Capelas, ou Oratórios nos termo de hum mez mandem fazer confessionários bastante para se poder administrar a mulheres este Sacramento.47

O cônego José Correia, em 1784, determina que seja demolida uma casa

de oração em Curralinho, onde passageiros fazem dela aposentos de ambos os

sexos e proíbem as mulheres de se misturarem com os homens nas Igrejas. Parece

que a grande preocupação do referido visitador foi combater os pecados que poderia

ocorrer na própria casa de Deus quando os fiéis procuravam o abastecimento

espiritual. Neste mesmo ano, o padre José Correia Leitão publicava um longo edital

referente à presença das mulheres na igreja. O documento aponta em detalhes

como deveria ser as vestes femininas. Parece que havia um zelo e uma

preocupação exagerada em relação ao comportamento moral da população. Proibia

festas, novenas e qualquer ajuntamento de pessoas, nas horas noturnas, até nas

casas particulares sob ameaça de excomunhão. Havia preocupação até nas portas

que as mulheres entravam pela igreja.

[...] poderão abrir as portas da Igreja para entrar o povo, não consentindo de baixo da mesma pena de Excomunhão, q entrem pessoas de Sexo feminino por algua parte, q não Seja das publicas da Igreja, e para mais completa observância desta prohibição imponho pena de Excomunhão mayor a todas as pessoas do Sexo feminino, q entrarem por algua outra parte, q não for a principal ou algua das travessas, ou q Se disfarçarem em vestes e trajes de homem, para assim hirem a Igreja, ou Capellas e a todos os homens q Se enconbrirem, ou disfarçarem nos hábitos mulheris para assim estarem entre as mulheres.48

47 PASTORAL de Exmo e Revmo Senhor D. Fr. Antonio do Desterro em q Se acha a reforma de Disciplina Ecclesiastica nestes Goyas, Cuja copia havida de outra freguesia por nesta Se não achar registada aqui fiz transladar, e é da Maneira Seguinte. 1751. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. 48 Ibid., fl. 101.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 72

Parece que houve alguns antecedentes em Goiás ou em outras partes do

bispado, que justificassem o excesso de zelo do padre José Correia Leitão. Na

realidade, o leque de casos denunciados aos visitadores era bastante alargado. Os

mais recorrentes eram os delitos “morais” (conjunto formado por todos os

comportamentos de índole sexual de vida familiar irregulares aos olhos da Igreja)

como amancebamentos, práticas abortivas, alcoviteirice, cadência de casa para

práticas imorais, prostituição, casais que viviam separados.49 Os pecados ligados à

vida sexual da população não respeitavam muito as fronteiras no Brasil Colônia. Na

própria Capitania de Goiás, alguns elementos do clero abusaram das suas pobres

ovelhas no período das confissões em preparação para as festas da Páscoa.

Entretanto tais visitações não deixaram de exercer punições aos

infratores como foi o caso do padre Antonio da Rocha, de Vila Boa, multado em

quatro oitavas de ouro por estar a sua escrita mal feita; pune-se com suspensão de

ordem um padre na Vila de Trairas, no norte goiano; admoestam-se os habitantes da

Capitania, em pesadas multas de ouro, principalmente, os reincidentes na culpa de

concubinato (SILVA, J., 1948, p. 81-85). Em Portugal no século XVIII, os livros de

devassa das dioceses de Portalegre, Faro e Viseu revelaram também muitos casos

de concubinato. Tinham igualmente grande representatividade os casos de

embriaguez, com 13% do total de casos, e o delito de “má-língua” (insultos e injúrias

verbais) com cerca de 9,5%. As demais acusações eram compostas por outros

delitos como “pratica de feitiçaria, blasfêmias, jogos de cartas, não pagar o dizimo,

faltar à missa, viver em ódio, usura, urinar em público, envenenar galinhas

(AZEVEDO, 2001, p. 368)”.

Como ficaria a pastoral da Igreja num território distante do ordinário

diocesano com boa parte do clero indisciplinado? De acordo com o cônego

Trindade, além dos verdadeiros tratados de teologia moral e dogmático deixados

pelos visitadores nos arraias da mineração, eles chamam atenção do clero para o

cuidado com a Igreja, a escrita da fábrica50 e escrita dos que morrem. Nesta questão

disciplinar, merece destaque o padre Antônio Dámaso da Silva, em 1759, e o 49 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. 50 Fábrica: administração dos bens eclesiásticos de uma freguesia, das rendas, do dinheiro de uma paróquia, conjunto de bens patrimoniais ou dos seus rendimentos, destinados à conservação e reparo das Igrejas bem como às despesas e à manutenção do culto divino.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 73

Cônego José Correia Leitão, em 1784. O primeiro impõe reunião aos padres de toda

prelazia para o estudo e exige vigilância dos vigários das varas na instrução do clero

nas minas. O segundo suspende um padre em Traíras, censura o próprio vigário da

Vara e nega o uso de ordem a um padre de Santa Cruz por não cumprir com as

suas exigências.

Ainda no que se referem à influência dos bispos do Rio de Janeiro na

Capitania de Goiás, eles agiram por meio dos visitadores diocesanos e dos vigários

das varas eclesiásticas, o nosso próximo item a ser estudado. Segundo Azzi (1992,

p. 179), “embora não se possam negar atividades pastorais e mesmo zelo apostólico

em alguns bispos do período colonial, a ação deles foi por demais absorvidas pela

própria estrutura do padroado”. Nessa perspectiva é que os visitadores diocesanos

acabam colaborando com o Estado, fornecendo-lhe um melhor conhecimento da

realidade social da Capitania. Sem dúvida, não pode descartar essa hipótese pela

própria relação de submissão da Igreja ao Estado.

De uma forma geral todo discurso das visitações diocesanas na Capitania

foi ao encontro das exigências da reforma tridentina que visava a propagação do

catolicismo. Neste sentido, ao combater as uniões consensuais, as visitações

diocesanas procuravam a difusão das famílias legítimas, por meio do sacramento do

matrimônio. No que diz respeito a este campo específico de ação, o século XVIII

assiste a um enorme esforço da Igreja para afirmar-se institucionalmente. O sínodo

da Bahia, em 1707, consolidou as orientações do Concilio e sintetizou normas da

teologia e do direito canônico. Realizou o que faltava à Igreja do Brasil colônia

marcada por dioceses enormes, poucas paróquias e um clero em formação precária.

A difusão dos sacramentos traduzia-se em um elemento essencial para

disseminar o cristianismo na região. Entre eles o casamento detém certo destaque,

pois sustenta a propagação humana, ordenada para o culto e honra de Deus. Assim

na concepção da Igreja, o casamento é o local da domesticação dos desejos para a

propagação da espécie. No entanto, a vitória deste sacramento dependia do

extermínio das práticas extraconjugais adotadas pela população. Para Figueiredo

(1989), a ação da Igreja se dividia em duas frentes muito nítidas: “atacar as formas

ilegítimas de relacionamento e administrar a produção do matrimonio”. É neste

sentido que se compreende a pregação do padre Silva e Souza aos moradores de

Uberaba, em 1824. No dizer do referido visitador, os casados deveriam viver o

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 74

mistério do amor de Jesus Cristo pela sua Igreja. “Assim como Cristo amou a sua

Igreja e deu a vida por ela, deveria ser o amor do marido para com sua esposa”51.

Quanto à influencia das visitações na vida da população parece que mais

espalhou medo do que evangelizou. A chegada destes homens nos pequenos

vilarejos da mineração certamente causava muitas murmurações e conversões

apenas aparente a uma religião distante dos anseios populares. Mas com a partida

destes pregadores, as relações extraconjugais voltavam no seu curso normal.

Imagine uma pequena vila onde casais de amancebados viviam dezesseis anos de

“portas adentro” e ninguém incomodava. Ao mesmo tempo, a presença de uma

parcela do clero extremamente indisciplinada não ajudava na consolidação de uma

conduta religiosa. A desmoralização do clero espalhada pelos arraiais da Capitania

certamente contribuiu para afastar a população da religiosidade oficial, ou pelo

menos proporcionou um desgaste entre alguns fiéis menos convictos. Mas mesmo

com um rebanho, espalhado em um “continente” distante, os bispos do Rio de

Janeiro foram incansáveis na tentativa de usar todos os mecanismos criados pela

Igreja para evangelizar. A presença do vigário da vara nas principais freguesias das

minas de Goiás foi uma das formas encontradas para coibir os erros e disseminar as

resoluções do Concílio de Trento.

1.2.3. VIGÁRIO DA VARA E A JUSTIÇA ECLESIÁSTICA

A descoberta do ouro na primeira metade do século XVIII fez surgir vários

núcleos de povoamento na Capitania de Goiás. À medida que foi aumentando os

“achados da mineração”, houve a necessidade de uma organização administrativa

para atender aos anseios da população. O vigário da vara eclesiástica deve ser

compreendido num processo de organização da Igreja em paróquias ou freguesias.

Estas, neste período, eram de grandes extensões territoriais, distantes do bispo do

51 VISITAÇÃO de Luiz Antonio da Silva e Souza a Igreja de Santo Antonio e São Sebastião de Uberaba. 1824. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 124.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 75

Rio de Janeiro, o principal responsável pelo zelo espiritual das “minas dos Goyazes”.

Ligados aos anseios da expansão Ibérica, o cristianismo difundido na América

Portuguesa trouxe em seu bojo alguns elementos da Cristandade medieval, cuja

principal preocupação era com a salvação da alma de seus fregueses. Herdeiros de

uma concepção teológica, baseada em Santo Agostinho, os bispos do Rio de

Janeiro não mediram esforços para dilatar o catolicismo.

Neste contexto de desenvolvimento da população em quase todas as

freguesias desta vasta diocese, os novos costumes foram aparecendo com a

chegada de imigrantes das várias capitanias do Brasil, e também do Reino. Diante

das dificuldades de locomoção, as distâncias e os perigos da natureza, os bispos do

Rio de Janeiro se serviram de alguns mecanismos que os auxiliassem nas funções

pastorais. Neste momento surgia em Goiás, o vigário da vara eclesiástica. O

sacerdote com atribuições de “juiz eclesiástico em primeira instância” para

solucionar as querelas que eram levadas ao tribunal religioso.52 Na realidade havia

muita denúncia criminal, rixa ou pendência entre vizinhos que eram tratadas pelo

tribunal eclesiástico. O livro de Registro das Denúncias apresenta vários casos de

espancamentos, tiros de espingarda, ferimentos, tudo motivado pelos ciúmes de

casais que viviam em concubinato. E as funções atribuídas a estes sacerdotes em

Goiás eram vastas.

Se seguirem as trilhas apontadas pelas testemunhas do tribunal

eclesiástico do vigário da vara Felipe da Silveira e Souza, pode-se reconstituir uma

boa parte da vida familiar e penetrar no seio das intrigas sexuais dos casais na

52 Com o Edito de Milão em 313, o cristianismo se fortalece como religião oficial do Império Romano. A partir de então, a Igreja consolidou o seu papel na sociedade e estruturou a jurisdição eclesiástica. Surgem neste contexto os primeiros atritos entre autoridade temporal e as autoridades eclesiásticas que serão uma constante até o nascimento do estado laico. A jurisdição eclesiástica fundamenta-se em dois aspectos: a Igreja, enquanto sociedade organizada tem regras próprias que abrigam os seus membros. Essas leis aplicam-se em tribunais independentes das instâncias seculares. Qualquer ação que ponha em perigo salvação das almas deve ser punida. É o caso dos pecados público que põem em perigo não só a salvação do pecador como de todos os que dele tem conhecimento. Conforme Concilio de Trento, “o mau exemplo sem punição incita o pecado”. Nas sociedades européias do Antigo Regime a jurisdição eclesiástica interagia de forma complexa com a jurisdição secular. Um dos pontos significativos dessa interação foi a existência de “foro misto”, isto é, casos que a legislação considerava como pertencente ao mesmo tempo à jurisdição secular e eclesiástica. “Os delitos de foro misto englobam muitos atos que constituem perturbação da vida social, tais como: adultério, concubinato, prostituição, blasfêmia, perjúrio, usura e jogo”. Outro modo de cooperação consistia na ajuda dada pela jurisdição secular ao exercício da jurisdição eclesiástica. A ajuda do braço secular assumia várias formas, desde a retenção de presos da justiça em cadeias seculares, ao auxilio em executar penas com o degredo ou morte, que a Igreja não podia por seus meios realizar. Os casos de foro misto foram abolidos em Portugal no ano de 1832 com a separação entre a Igreja e o Estado (AZEVEDO, 2000b, p. 41-43).

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 76

Antiga Vila Boa. A maioria dos processos de concubinato que se vai estudar nesta

pesquisa foi despachada, em 1753, pelo referido vigário da vara. São doze

processos de concubinato, um de alcoviteira e um caso de usura53. É importante

observar que este mesmo sacerdote atuou (1757) na freguesia de Santa Cruz como

visitador diocesano na devassa que culminou na prisão do pároco José de Paiva

Vieira, acusado no crime de Solicitação em confissão. Os demais processos (1783-

1794) referem-se à prostituição, concubinato, aborto, incesto e termos de

compromissos para reconstituir uma família, cujos atritos conjugais resultaram numa

separação do casamento.

Como funcionava este tribunal eclesiástico em Vila Boa? Pela

documentação arrolada, geralmente havia uma denúncia ao tribunal eclesiástico

feita pelo meirinho ou promotor do próprio tribunal. A partir deste momento, iniciava-

se a convocação das testemunhas, na tentativa averiguar a veracidade da

acusação. O tribunal Eclesiástico de Vila Boa funcionava em 1753 da seguinte

forma: havia um juiz, o padre doutor Felipe da Silveira e Souza; um promotor, o

reverendo doutor padre João Lopes de Camargo, um meirinho, José da Silva Barros

e o escrivão, Domingos Telles da Silva. A devassa fora aberta contra Constantino da

Silva, morador no Arraial do Ferreiro por estar amancebado e atirar no padre deste

local. O segundo passo da devassa era o depoimento de quatro testemunhas

convocas pelo juiz. Iniciava se fazendo um juramento com a mão direta sobre a

Bíblia, prometendo “dizer somente a verdade do que soubesse”. Geralmente, é a

parte mais rica das devassas eclesiásticas. Estas testemunhas trazem à lume

informações muito completa das intimidades da vida conjugal, e ao mesmo tempo,

revelam a região de origem, a idade e os ofícios que desempenhavam no vilarejo.

Neste caso em estudo, parece que as testemunhas não exerciam oficio de destaque

na sociedade, tanto é que o escrivão apenas mencionou dois em que aparecem os

ofícios: um ancião, chamado Manoel Pereira Lobo, natural do Rio de Janeiro, que

vivia de sua “venda”, cuja idade era 77 anos; e o jovem alfaiate de 22 anos,

chamado Bento Ferreira de Mello. E havia também um português natural de Santa

Maria do Outeyro, arcebispado de Braga, João Nogueira da Cruz de 24 anos.

53 Todos estes processos estão no Livro de Registro das Denuncias e alguns casos são citados também no “Rol dos Culpados”. Geralmente os processos iniciavam com uma acusação feita pelo Meirinho ou Promotor do Tribunal Eclesiástico. Em cada processo de acusação quatro testemunhas eram ouvidas, cumprindo todo um ritual de juramento com a mão direita sobre a Bíblia e fazendo promessa de dizer a verdade do que soubesse do acusado.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 77

Não se sabe quais os critérios que os tribunais eclesiásticos utilizavam na

escolha das testemunhas. Mas parece tratar de pessoas de comportamento

exemplar no vilarejo. As testemunhas que comparecem no tribunal eclesiástico do

padre Felipe da Silveira e Souza são pessoas simples, que viviam do comércio,

carpintaria, ou simples alfaiates. Mas o curioso é o fato da maioria ser do Reino. São

poucos os brasileiros que comparecem no tribunal eclesiástico de Vila Boa. Parece

que estas testemunhas deveriam ser cristãos velhos. No caso de bigamia de

Teodósio de Negreiros a ser analisa no próximo capítulo aparece claro a

procedência das testemunhas, “não deveriam ter sangue judeu”.

Já a última parte da devassa era o sumário de conclusão e a publicação

da sentença. Neste caso em estudo, o vigário da vara condenou Constantino à

prisão em Vila Boa e mandou lançar o seu nome no “Rol dos Culpados”54. Além do

pecado do Concubinato pesava também sobre Constantino o sacrilégio55 da

agressão violenta ao capelão do Arraial do Ferreiro, uma vez que o réu havia atirado

e rasgado a camisa do sacerdote com uma faca. E o trágico de toda esta história foi

a tentativa de homicídio sofrida por um membro do clero que procurava salvar um

ovelha das garras de um lobo feroz. A Igreja não perdia tempo nestas situações. Um

dos principais pontos no Regimento dos vigários das varas era o seguinte: “receber

denúncia e fazer sumário dos sacrilégios cometidos em seus distritos contra

pessoas ou coisas sagradas, e remeter os autos ao Vigário Geral para a

pronúncia”56.

De acordo com o Cônego Raimundo Trindade (1928), a jurisdição dos

vigários das varas, exercida antes que os governos seculares tivessem usurpado a

54 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 12-17. 55 Sacrilégios: profanação ou violação de coisas sagradas. A Bíblia trata dos sacrilégios em relação ao Templo e aos objetos de culto. Segundo a teologia cristã, há três espécies de sacrilégios: pessoal (contra pessoas ordenadas ou consagradas); local (contra lugares de culto e sepulturas); e real (contra os sacramentos, relíquias, palavras bíblicas e pertencentes de culto). 56 Vigário Geral: sacerdote nomeado pelo bispo para exercer com poder ordinário de vicário a jurisdição voluntária sobre toda diocese. Ao Vigário Geral compete a razão do oficio, a jurisdição em toda diocese nas coisas espirituais e temporais, de que goza o bispo por direito ordinário, exceto os negócios que este reservar, ou que por direito exige mandato especial do bispo. Conforme as Constituições Primeiras, o vigário geral deve ser “pessoa de boa consciência, letras e experiência de negócios, e se possível sem defeito algum” e deveria ser “Doutor, ou Bacharel na faculdade dos Sagrados Cânones”. (VIDE, 2007, [Livro V, Título II]).

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 78

jurisdição eclesiástica, era muito ampla. Entre os principais pontos do Regimento

desses padres, mencionam-se os seguintes:

• Procediam contra os que lhes desobedeciam em matérias de seu ofício, apelando em todo o caso e remetendo a apelação ao Vigário Geral.

• Faziam sumário de imunidade dos delinqüentes que se asilavam nas igrejas etc.

• Faziam sumário de nulidade de matrimônio, mas a causa era tratada perante o vigário geral.

• Procediam contra os que usurpavam a jurisdição episcopal, sendo eclesiásticos, regulares, isentos ou seculares, remetendo os autos ao vigário geral.

• Procediam contra os que realizavam missa e pregavam, ainda que regulares, sem licença escrita do bispo.

• Determinavam os lugares e a precedência dentro das igrejas e nas procissões, mantendo cada um na sua posse.

• Davam licença para o enterramento em lugares sagrados daqueles de quem se duvidava se mereciam ou não sepultura eclesiástica.57

Pelo que se observa através do regimento do vigário da vara, eles

desempenhavam um grande papel no controle religioso da população brasileira no

período colonial. A Igreja, vinculada ao Estado pelo padroado, tinha a missão de

doutrinar e zelar pela ordem da sociedade. Assim, os vigários das varas fiscalizavam

tudo e apontavam os perigos que pudessem abalar a unidade da nação ibérica.

Voltando a uma das nossas questões iniciais como os vigários das varas se

relacionavam com os párocos?

No dizer de Figueiredo (1989), em Barrocas Famílias, os párocos

trabalhavam, muitas vezes, “conjugados com os vigários das varas”. Estes últimos

eram responsáveis pela administração das comarcas eclesiásticas, subdivisão

imediata do bispado. Suas atribuições eram vastas, cuidando desde as punições

contra delitos espirituais até a realização de casamentos e missas.

Eles eram detentores de um poder de justiça eclesiástica. Seu poder

judicial no nível local seria requisitado sempre que as repreensões e os avisos do

57 EDITAL pello q. o Reverendo Doutor Vigário da Vara desta Comarca de Villa Boa faz publicas Varias faculdades q o Nosso Excelentíssimo Bispo Diocesano foi Servido conceder lhe para bem de Seus Diocesanos [Dom Justiniano concedeu várias faculdades ao padre Francisco das Chagas Vidal de Mendonça e Ávila Corte Real]. 1777. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 75.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 79

pároco fossem insuficientes. Na capitania de Goiás, os vigários das varas foram os

principais os responsáveis pela expulsão dos padres e frades desobedientes às

normas e orientações da Igreja no início do povoamento.

Sain-Hilaire (1975) chama vigário da vara o “juiz eclesiástico em primeira

instância”. No dizer deste autor, o clero brasileiro possuía autoridade eclesiástica e

jurisdição civil em certos casos. Geralmente as divergências entre clérigo e leigo

chegavam a um consenso perante o vigário da vara. Caso a querela não fosse

resolvida se apelava para o vigário geral da diocese. Até 1836, a Igreja, apesar das

invasões do padroado, teve respeitado o seu foro e garantida a sua autonomia

judiciária. O clero, tratado como não pertencendo à jurisdição real, gozava até então

de suas imunidades; e as causas em que se viam envolvidos eram julgadas pelos

ministros da Igreja. A este respeito, eis o que diziam as Constituições do

arcebispado da Bahia, que vigoravam em todo o Brasil:

A boa razão ensina que as pessoas Eclesiásticas, especialmente dedicadas ao Divino Culto, devem ser tratadas de todos com o maior respeito, e veneração; não se admitindo causa que encontre sua isenção, nem dando ocasião a que se divirtam do ministério espiritual, ou de o não poderem fazer com recolhimento, quitação e devoção devida: e por isso se lhes deve guardar inteiramente sua imunidade, e liberdade eclesiástica, segundo a qual são isentos da jurisdição secular, à qual não podem estar sujeitos e os que pesoa dignidade do sacerdócio e clerical ofício ficam sendo mestres espirituais dos leigos. (VIDE, 2007, [Livro V, Título IX]).

As Constituições da Bahia diziam ainda que a origem desta imunidade

estava no direito divino, depois instituída pelo Direito Canônico, pelos Concílios

Gerais e pelas Constituições Papais. Todos estes documentos mandavam os

imperadores, reis e príncipes seculares guardarem as imunidades eclesiásticas. O

número 644 das Constituições da Bahia dizia ainda sobre as imunidades:

E sob as mesmas penas acima declaradas mandamos aos juízes e justiças seculares, que não tomem auto, nem querela, dada nomeadamente contra pessoa alguma eclesiástica, que goze do privilégio do foro clerical; nem das devassas gerais ou especiais. (VIDE, 2007, [Livro V, Título XX]).

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 80

Em 1817, deu-se o primeiro golpe na imunidade eclesiástica, sendo

condenados os clérigos que se envolveram na Revolução Republicana de

Pernambuco; mas explicou-se que então tratava do “Crime Nefando de Lesa-

Majestade”. A partir de 1830, a lei de 21 de setembro privava o clero do seu foro

privilegiado e o juiz eclesiástico se limitava a causas especialmente espirituais.

O vigário da vara tinha várias atribuições: Além das licenças para os

casamentos, dava também autorização para os enterros. No dizer de Saint-Hilaire

(1975), não poderia conceder “nenhuma licença para o sepultamento sem o

consentimento destes vigários”. Na Capitania de Goiás, eles desempenharam um

papel fundamental ao lado dos visitadores diocesanos para cimentar a doutrina e a

moral.. Para o Cônego Fonseca Trindade (1928, p. 92), “todo trabalho pastoral era

feito periodicamente pelos visitadores diocesanos e com mais assuidade pelos

vigários das varas”. Daí a importância da criação das comarcas eclesiásticas da

Capitania.

As comarcas eclesiásticas eram subdivisão do bispado para uma melhor

assistência administrativa e pastoral. Pizarro (1948a) enumera oito comarcas na

repartição sul da Capitania e cinco na repartição do norte. Assim, temos no sul a

comarca de Vila Boa, Meia Ponte, Santa Cruz, Santa Luzia, Desemboque, Araxá, N.

Senhora do Pilar e a comarca de Traíras. Na repartição do norte, há as comarcas de

Natividade, Cavalcante, São Felix, Arraias e Barra da Palma.

É importante observar que uma comarca eclesiástica poderia ser restrita a

uma ou várias paróquias. A comarca de Vila Boa, por exemplo, abrangia várias

paróquias: paróquia de Santa Ana, do Bom Jesus de Anta, as aldeias de

Mosssamedes, Rio das Velhas e Maria I. O mesmo se dá com a comarca de

Natividade, cuja jurisdição abrangia a freguesia de N. Senhora do Carmo e S.

Manuel e a de São José da aldeia do ouro. Quanto às comarcas que se restringiam

à jurisdição paroquial, hsvia Meia Ponte, Santa Cruz, São Felix, Cavalcante e outras.

Toda organização eclesiástica da Capitania de Goiás dependia destes vigários das

varas e seus escrivães.

A atuação do vigário da vara em Goiás se inicia com a criação da primeira

comarca de Vila Boa, em 1734, cujo padre é doutor Marques Alexandre do Vale.

Entre os vários visitadores diocesanos do período em estudo, a grande maioria

exercia ao referido oficio. Quanto à nomeação para o dito cargo, geralmente ocorria,

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 81

por meio de portarias dos bispos do Rio de Janeiro. O padre José Correia Leitão, por

exemplo, recebeu uma provisão por dez anos para ocupar o referido oficio na

freguesia de Meia Ponte, em 1784.58

A maioria dos vigários das varas de Goiás eram párocos encomendados.

Todavia, o oficio não era restrito só aos párocos, também o capelão poderia ser

vigário da vara. Porém, na maioria dos casos, os párocos acumularam estas duas

funções. Eis o que nos diz Saint-Hilaire:

O vigário, que era ao mesmo tempo vigário da vara, reservava para si esta última função, dividindo a missão de conduzir suas ovelhas com o capelão de Corumbá, com o do Córrego do Jaraguá e, finalmente, com Luís Gonzaga, a cujo cargo ficava Meia Ponte. Cada um dos três padres lhe entregava uma parte das rendas. Esse arranjo não era provavelmente legal, mas no que se refere à religião o Brasil, em geral, e a província de Goiás, em particular; estão fora de todas as regras. (1975, p. 39).

O poder da justiça eclesiástica destes vigários das varas aumentou muito

com Dom Antônio do Desterro, bispo de Rio de Janeiro. O vigário de Vila Boa, Felipe

da Silveira e Souza, recebe autorização diocesana para castigar o sacrilégio

cometido na matriz contra o pároco João Perestelo pelo ouvidor Manuel Antunes

(ALENCASTRE, 1979). Em 1762, o vigário de Vila Boa, doutor Manuel de Andrade

Varmek Chantre, por meio de um edital, expulsou da Capitania os padres Manuel de

Abreu Nunes e Alberto do Santo da paróquia de Meia Ponte; os padres José Vieira

de Paiva, José Pinto Braga, José Cardoso Mariano e Manuel Teixeira, assistentes

na paróquia de Meia Ponte; e Manoel Coelho da paróquia de Santa Luzia. Todos

estes párocos foram suspensos por um edital daquele vigário em 176459.

Com a elevação de D. José Justiniano ao bispado do Rio de Janeiro, a

partir de 1773, as comunicações se tornaram mais diretas com os vigários das varas

de Goiás. O papel desempenhado pelo visitador diocesano foi desaparecendo à

58 REGISTRO de Pastorais e Editais dos Prelados. Visitadores ou Vigários da Vara. Meia Ponte, 1771-1859. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 58s. 59 EDITAL geral em que o vigário da vara de Vila Boa [Doutor Manoel Andrade Varnek Chantre] mandou declarar por Suspensos aos padres nelas nomeados a ordem de Dom Antonio do Desterro. 1764. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 29-30.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 82

medida que as paróquias eram subdivididas e novas comarcas eclesiásticas eram

criadas (SILVA, J., 1948). Nestas comarcas, os vigários das varas tinham toda

autoridade para zelar pelo bem das almas dos fiéis. Para isso recebiam os honrosos

títulos de juiz subdelegados das dispensas apostólicas e juiz dos casamentos,

justificações, resíduos e capelas.

Por causa da distância e do isolamento em que viviam os seus vigários

nas minas, D. José Justiniano concedeu, em junho de 1777, ao vigário da vara de

Vila Boa, o padre Francisco das Chagas de Mendonça, 19 faculdades para governar

sua comarca (SILVA, J., 1948). Estas faculdades estão intimamente ligadas, à moral

e à disciplina da Igreja. Elas visavam um melhor controle sobre os casamentos, a

vida eclesiástica e os costumes do povo. Mesmo distantes da sede episcopal, os

bispos do Rio de Janeiro procuravam, por meio dos visitadores e vigários das varas

eclesiásticas, o controle do comportamento moral dos habitantes de Goiás. Há a

influência e o poder destes padres através das principais atribuições concebidas

pelo bispo do Rio de Janeiro:

• No caso do matrimônio, dispensar no terceiro ou quarto grau, simples ou misto, parentes por consangüinidade ou afinidade que tivessem causa justa para poder dispensar.

• Dispensar, em caso de urgente necessidade e grave conseqüência, os banhos antes do matrimônio.60

• Dar licença para casar e batizar fora da matriz [...] • Dar licença para usar de ordens, confessar, pregar, por tempo

de seis meses, aos sacerdotes seculares e regulares, prorrogando-lhes uma ou mais vezes essas mesmas licenças, sem que excedam o tempo prescrito de seis meses.

• Benzer imagens e paramentos necessários para o culto Divino e fazer todas as demais bênçãos.

• Fazer exorcismos61 e conceder licença a outros sacerdotes, sendo estes de bom exemplo de vida e costumes.

60 Os banhos antes do matrimônio (proclamas de casamentos que eram publicados na porta das igrejas para averiguar se os nubentes eram solteiros ou não) que sempre foram considerados essenciais para evitar as bigamias, mas em alguns casos a Igreja dispensava. Na ocasião em que Dom Antonio do Desterro nomeou o vigário da vara de Meia Ponte (1771), o padre Domingos Rodrigues de Carvalho constava no regimento: “não dispensará dos banhos algum para casamento pessoa dessa Capitania, exceto as pessoas do Reino, da Baia, Pernambuco e mais parte fora do Bispado”. Mas antes de dispensar destes banhos deveria fazer secretas investigações se a pessoa estava livre e desimpedida para o casamento com testemunhos fidedignos nos locais em que a pessoa havia residido. (Cf. REGISTRO de Pastorais e Editais dos Prelados. Visitadores ou Vigários da Vara. Meia Ponte, 1771-1859. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 2-5.) 61 Exorcismo: expulsão de um espírito maligno. A Bíblia mostra Jesus libertando várias pessoas possuídas pelo demônio. Na Idade Média, a crença na possessão do demônio foi muito forte.

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CAPÍTULO I – MIGRAÇÃO E FAMÍLIA 83

• Absolver e mandar absolver por ministros competentes aos excomungados nas desobrigas da Quaresma.

• Reconciliar igrejas polutas nos casos em que deveriam ficar interditas.

• Absolver de todos os pecados reservados à Santa Sé Apostólica ou neste Bispado.

• Conceder indulgência plenária62 na hora da morte aos que de novo se convertessem da heresia.63

As questões que envolviam os vigários das varas da Capitania eram

amplas. Por intermédio dos editais, percebe-se todo o poder e toda influência destes

padres junto à população e ao clero. O padre Ramilo (Ouro Fino) proíbe o clero de

sua comarca ouvir confissão de pessoas do sexo masculino que não fossem

escravas ou que não estivessem doentes nas capelas filiais64; o vigário José Manoel

proíbe ter lojas abertas aos domingos e dias santos65; e certo vigário da vara de Vila

Boa proíbe, em 1777, sob a pena de suspensão, celebrar missas em capelas das

irmandades por menos da esmola acostumada: uma oitava de ouro.66

É importante ressaltar que o relacionamento dessas autoridades com o

poder civil nem sempre foi tão amistoso. O caso do padre Perestelo e do vigário

Noronha ilustram bem o atrito do poder religioso com o civil. Cônego Fonseca

Trindade (1948) relata bem o episódio das tentativas de construir uma sacristia atrás

de uma Capela-Mor por uma irmandade de Vila Boa. O pequeno atrito do pároco

com os irmãos acaba gerando um conflito do vigário da vara, padre Manoel Coelho,

com o vigário geral e visitador diocesano, cônego José Correia Leitão. Não resta

dúvida sobre a importância do vigário da vara na organização eclesial da Capitania

de Goiás. Foi através de seus editais e de suas preocupações com a “salvação das

almas dos fiéis” que o cristianismo pôde solidificar em muitas regiões da Capitania.

Numa terra distante e sem a presença do bispo diocesano, a Igreja de Goiás

caminhou até 1824 sob a orientação dos vigários das varas.

62 Indulgência plenária: clemência, perdão de todos os pecados cometidos. 63 REGISTRO de Pastorais e Editais dos Prelados. Visitadores ou Vigários da Vara. Meia Ponte, 1771-1859. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 58s. 64 EDITAL geral em que o vigário da vara de Vila Boa [Doutor Manoel Andrade Varnek Chantre] mandou declarar por Suspensos aos padres nelas nomeados a ordem de Dom Antonio do Desterro. 1764. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 80-81. 65 Ibid., fl. 30. 66 Ibid., fl. 79.

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CCAAPPÍÍTTUULLOO 22

OO CCOOMMPPOORRTTAAMMEENNTTOO MMOORRAALL DDAA PPOOPPUULLAAÇÇÃÃOO

2.1. MORTES E VIOLÊNCIA

Silva e Souza (1978) não perdeu oportunidade ao narrar a saga dos

primeiros habitantes da Capitania de Goiás. “O caso apresentado por ele como

típico o da mulher paulista que matou suas próprias filhas por ciúmes de suas

belezas e depois apresentou ao marido, assado num espeto, o filho da escrava que

suspeitava ilegítimo”. Parece que estes fatos fazem parte da epopéia popular no

inicio do povoamento da Capitania. Assim como as riquezas do ouro correm nas

enxurradas das montanhas são fartos também a violência e o pecado dos primeiros

habitantes que chegam aos novos arraiais. Mas uma coisa é certa, na memória

popular ficaram os vestígios de um passado marcado pela cobiça, promiscuidade e

toda prática de violência dos primeiros aventureiros.

Ângelo dos Santos Cardoso, secretário do governo de Goiás, traçou o

perfil dos primeiros moradores de Goiás em um Oficio do ano de 1755 à coroa

portuguesa:

Bancarroteiros e desertores das Minas Gerais, São Paulo e Cuiabá, que acusados de dívidas vem buscar os haveres nos sertões, esta casta de gente foi a que sempre deu principio e estabelecimento de Minas, e a que mais francamente as povoaram.67

67 OFICIO do secretario do governo de Goiás, Ângelo dos Santos Cardoso, ao [Secretário de estado da Marinha e Ultramar], Diogo de Mendonça Corte Real, sobre a descoberta das minas de Goiás; sua povoação; o caráter dos primeiros mineiros e profissionais liberais; os governos civis e eclesiásticos e

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 85

Percebe-se que uma grande parte destes imigrantes era constituída de

devedores. Pessoas que abandonavam um passado marcado por dívidas para

iniciar uma nova vida em uma terra distante, ás vezes, transatlântica. O caso de

Joaquim Macedo ilustra a nossa afirmação. O referido deixou a vila de Paracatu “em

pleno dia, rodeado de sua gente, em direção a Goiás sem que seus numerosos

credores se atrevessem a impedir sua fuga, preferindo perder os bens a arriscar a

própria vida” (PALACIN, 1994, p. 33).

O secretario do governo, Ângelo Cardoso, não economiza palavras para

retratar um contexto marcado por mortes a porretadas e a tiros de espingarda. Para

o referido, as tarifas variavam de cinco a cinqüenta oitavas de ouro conforme o tipo

de morte. As mortes encomendadas eram praticadas por “mamelucos, mestiços e

bastardos forros”. Veja-se um trecho do relatório em que ele escreve ao estado da

Marinha e Ultramar, a respeito do comportamento da população de Vila Boa:

Olhar, ou pretender negra, ou mulata que corra por conta de alguém, não é só uma morte, mas mil, se mil vidas houvesse; denunciar alguém, ou ser testemunha em juízo secular, ou eclesiástico contra amancebados, ou em circunstâncias que prejudicasse algumas causas, tinha indubitável certeza de apanhar a porretadas [...] hum pau como bambu de negros que dirigem sempre a cabeça, braço, costela ou qualquer membro. Das pancadas vem as mortes, isto é, as mortes positivas, como as chamadas porretada68.

Essas levas de aventureiros encontravam nas circunstâncias estruturais

um incentivo maior para violência. A violência latente no seio da camada se

desdobrou numa gama enorme de infrações. É bom ressaltar que o processo de

povoamento de Goiás foi marcado por mortes e extermínio de indígenas e violência

contra o elemento africano, que os levaram as constantes revoltas e fuga para os

os problemas nela existentes. 1755. Caixa 12, Doc. 740. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. 68 OFICIO do secretario do governo de Goiás, Ângelo dos Santos Cardoso, ao [Secretário de estado da Marinha e Ultramar], Diogo de Mendonça Corte Real, sobre a descoberta das minas de Goiás; sua povoação; o caráter dos primeiros mineiros e profissionais liberais; os governos civis e eclesiásticos e os problemas nela existentes. 1755. Caixa 12, Doc. 740. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 86

quilombos. A instituição da escravidão corrompia o senso de humanidade para com

os elementos de origem africana e até os que exerciam simples ofícios tinham

orgulho de possuir escravos.

Outros que aqui exercitam algum oficio, como sapateiro, pedreiro, ou alfaiate, que tenha correspondentes no Rio, Bahia, e Pernambuco, que lhe dê hum abono para aquelas partes, que vem a ser cartas de crença, para lhe confiarem algum Comboio de Negros, vem com eles, e quando já entra nas Minas, hé transformado inteiramente em outro caráter de Sujeito, já esquece , ou se esquece de ser chamado simples Mestre fulano; mas quer o tratamento de ser adjetivado com o de S. Fulano, e se o demo o tenta em querer fazer figura, vestir-se em corpo com vestidos de parada, ter cavalos de sela de passeio, acompanhamento de pajens, que são negros, que não fazem outra coisa, e sobre tudo Maitresa, que consiste em negra ou Mulata [...].69

O orgulho do senhor com verdadeiro exército de escravos, a

agressividade do capitão-do-mato, o sadismo muitas vezes gratuito do sertanista

contra as tribos de índios não podiam deixar de refletir-se nas populações dos

arraiais. Poucos anos mais tarde, em 1757, escrevia o ouvidor e corregedor de

Goiás, Antonio da Cunha Sotomaior ao rei, sobre a criminalidade na Capitania. A

carta sugeria a pena de enforcamento para negros, mulatos, tapuios e brancos

malfeitores. Nesta mesma documentação há um certificado do tabelião judicial sobre

arrombamento e fugas de vinte presos da cadeia de Vila Boa.70 Neste sertão de

aventureiros, a morte rondava constantemente as pessoas e até os bons amigos

poderiam ser traiçoeiros. No Tocantins com um tiro mataram um coronel que

possuía quatrocentos escravos; em Vila Boa, “hum belo moço, que era as boas

esperanças de sua mãe, e amores solteiras” foi vítima de uma morte encomendada

e praticado por um amigo seu com as balas da sua própria espingarda; nas minas

de Paracatu excediam o número de quatrocentas mortes praticadas pela justiça. O 69 OFICIO do secretario do governo de Goiás, Ângelo dos Santos Cardoso, ao [Secretário de estado da Marinha e Ultramar], Diogo de Mendonça Corte Real, sobre a descoberta das minas de Goiás; sua povoação; o caráter dos primeiros mineiros e profissionais liberais; os governos civis e eclesiásticos e os problemas nela existentes. 1755. Caixa 12, Doc. 740. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. 70 CARTA do ouvidor e corregedor-geral de Goiás, Antonio da Cunha Sotomaior, ao rei [D. José], sobre a criminalidade na capitania. 1757. Caixa 14, Doc. 841. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 87

caso que mais chocou a população deste arraial foi a morte de um sacerdote, feito

em pedaços pelos seus escravos. O desaparecimento do ouro das bateias levou o

sacerdote chamar atenção de seus escravos e estes responderam ao padre que “se

quisesse ouro, se retirasse”.71

A questão dos crimes e violência não ocorreu somente na Capitania de

Goiás. Parece que foi uma marca corriqueira em todo o Brasil colonial. De acordo

com Laura de Mello e Souza uma das principais características das Minas Gerais foi

“a violência, a coerção e a abritariedade”. O mau-exemplo de uma forma geral

atingia até mesmo aqueles que deveriam zelar pela lei e pela ordem na sociedade.

Assim expressava Laura de Mello:

Em muitas partes, sobretudo nas mais retiradas, a figura que dominava o exercício da Justiça era a do Capitão-mor das ordenanças, verdadeiro delegado de polícia que punia os criminosos e prevenia infrações. Exercia, nesses casos, uma autoridade plenária e absoluta, resumindo em suas mãos todo o poder de julgar e punir discricionariamente.

Parece que a “violência da Justiça” espalhou nas diversas camadas da

sociedade marcada por uma economia baseada no sistema de escravidão. Foi

neste contexto que Antônio César Caldas Pinheiro (2003), apontou o assassinato

do capitão Francisco Xavier Leite de Távora em seu próprio engenho de Santo

Isidro, em 1767. O drama desta história foi descobrir que os escravos mais

estimados da fazenda mataram o próprio senhor. É difícil imaginar a formação de

família neste contexto de crimes, violência, mortes e vários escândalos morais em

que, às vezes, vários elementos do clero estavam envolvidos. Mas o clima de

violência e mortes foi algo muito comum no contexto de escravidão do Brasil e toda

América Portuguesa.

71 OFICIO do secretario do governo de Goiás, Ângelo dos Santos Cardoso, ao [Secretário de estado da Marinha e Ultramar], Diogo de Mendonça Corte Real, sobre a descoberta das minas de Goiás; sua povoação; o caráter dos primeiros mineiros e profissionais liberais; os governos civis e eclesiásticos e os problemas nela existentes. 1755. Caixa 12, Doc. 740. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 88

2.2. UM CASO DE USURA

O Meirinho do Juiz Eclesiástico, José da Silva Barros, apresentou uma

denúncia ao vigário da vara sobre a atividade da usura praticada por “Pantaliam (sic)

Rodrigues”. De acordo com o denunciante, Pantaliam havia emprestado cinqüenta

oitavas de ouro para Dionísio Luis e tomando como garantia um escravo do referido,

com o qual lucrara “uma oitava de ouro por jornal semanal”.72 Na realidade, a

questão da usura sempre foi uma prática condenada pela igreja, até mesmo no

Antigo Testamento, a bíblia já repudiava essa atividade73. O salmo 15 se refere

como ímpio e infeliz a quem pratica a usura. Mas no dizer do Meirinho, ”Pantaliam

hé usurário com muita consciência e sem temor de Deus”. Sugere ao juiz

eclesiástico a “condenação e punição pelo escândalo e má consciência”.

No texto das Ordenações Filipinas a condenação da usura é muito

explicito:

Nenhuma pessoa, de qualquer estado e condição que seja, dê ou receba dinheiro, prata, ouro, ou qualquer outra quantidade pesada, medida, ou contada à usura, por que possa haver, ou dar alguma vantagem, assi per via de empréstimo, como de qualquer outro contracto, de qualquer qualidade, natureza e condição que seja, e de qualquer nome que possa ser chamado. (ORDENAÇÕES..., 1985, [Livro IV, Título LXVII]).

72 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 38v-43. 73 A posição da Bíblia sobre a usura está essencialmente em cinco textos, quatro pertence ao Antigo Testamento: 1) “Se você emprestar dinheiro a alguém do meu povo, a um pobre que vive ao seu lado, você não comportará como um agiota, não deve cobrar juros” (Ex. 22: 24); 2) “Se um irmão seu cai na miséria e não tem meios de se manter, você o sustentará, para que viva com você como imigrante ou hospede. Não cobres dele juros nem ágio. Não empreste dinheiro para ele a juros, nem lhe cobre ágio sobre alimento” (Lv. 25: 35-37); 3) “Não empreste ao seu irmão com juros, quer se trate de empreste em dinheiro, quer em alimento ou qualquer outra coisa sobre a qual é costume cobrar juros” (Dt. 23: 20); 4) Segundo o salmo 15, o usurário não pode ser hospede na casa de Javé. No Novo Testamento, o evangelista Lucas retomou e ampliou esta temática: “Se emprestais àqueles de quem esperais receber, que vantagem tereis? Até os pecadores empresta aos pecadores, para receber o equivalente. Mas ao contrário, amai vossos inimigos, fazei-lhe o bem e emprestai sem nada esperar”(MT. 6: 36-38).

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 89

Para as legislações portugueses, quem cometesse o crime da usura

deveria restituir o valor principal por “haver o dito ganho”. Na realidade os usuários

perdiam todos os recursos que houvessem obtido como os lucros e seriam

degredados para África durante dois anos (ORDENAÇÕES..., 1985, [Livro IV, Título

LXVII]). Igualmente, os padres da igreja, os concílios e o código do direito canônico

expressaram seu desprezo pelos usurários. Principalmente, os grandes pensadores

da escolástica (São Boaventura e São Tomás de Aquino) que dedicaram partes

importantes de suas obras sobre a questão da usura (LE GOFF, 1981, p. 23-28).

O conceito de usura que mais influenciou os pensadores medievais foi o

de Santo Anselmo (1033-1109), a “usura é roubo”. Este conceito acabou por

substituir a noção tradicional definida como lucro vergonhoso. Mas há também um

texto, atribuído a São João Crisóstomo, mencionando as desgraças que a usura

causa na sociedade.

De todos os mercadores, o mais maldito é o usurário, pois vende uma coisa dada por Deus, não adquirida pelos homens e, após a usura, retoma a coisa, juntamente com o bem alheio, o que não faz o mercador. Pode-se objetar: aquele que aluga um campo para receber renda ou uma casa para ter um aluguel, não se assemelha àquele que empresta dinheiro a juros? É claro que não. Antes de tudo porque a única função do dinheiro é o pagamento de um preço de compra; depois, o arrendatário faz frutificar a terra, o locatário goza da casa; nestes dois casos, o proprietário parece dar o uso de sua coisa para receber dinheiro, e de certo modo, trocar lucro por lucro, enquanto que, do dinheiro emprestado, não podemos fazer dele nenhum uso, enfim, o uso esgota poço a poço a capo, estraga a casa, enquanto o dinheiro empestado não se sujeita à diminuição nem ao envelhecimento. (LE GOFF, 1981, p. 28-29)

De acordo com Le Goff (1981), os vestígios da usura que assombrou

muitas almas estão nos manuais dos confessores e na moral professada por todas

as escolas teológicas, a partir do século XIII. Os confessores, mediante as novas

situações que os embaraçavam sentiram necessidades de guias. Neste contexto

os teólogos escreveram os manuais detalhados para confessores instruídos e de

alto nível. Para os padres simples e de pouca instrução surgem os sumários. O

penitente foi obrigado a explicar seu pecado em função de sua situação familiar e de

suas motivações interiores. Estes guias para os confessores foram fundamentais

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 90

para o “começo da modernidade psicológica”. Assim o padre no confessionário

deveria “purificar uma pessoa em vez de castigar um erro”.

Francisco Luna e Iraci del Nero da Costa (1982), apontam a inquisição e

as visitações diocesanas como devassas no Brasil para castigar os inimigos da fé.

Ao nível das dioceses realizavam visitas ordinárias, enquadradas na esfera de

responsabilidade episcopal, pois cabia aos bispos manter a unidade espiritual de

seu rebanho. Nestes interrogatórios os depoentes deveriam responder “quarenta

quesitos”. As perguntas estavam relacionadas a vários aspectos da vida espiritual e

da vivência material. Estes pesquisadores classificam os pecados previstos nos

interrogatórios em seis grandes grupos. Neste contexto, a usura aparece ligada aos

crimes de caráter econômico:

Pessoa que fosse usurária dando dinheiro, pão, vinho, azeite ou outras coisas semelhantes emprestadas para receber mais do que o principal, ou vendesse mercadorias fiadas por mais do que valessem com dinheiro na mão, individuo que exigisse preço rigoroso por razão da espera ou comprasse mercadoria por menos do que ínfimo por dar dinheiro de antemão, pessoa que alugasse animais com a condição ou pacto de que se morressem nem por isso deixariam de receber o aluguel. (LUNA; COSTA, I., 1982, p. 79-80).

As denúncias das pessoas notificadas pelo vigário da vara apresentam

um vasto material informativo, pois refletem a vida material e espiritual de algumas

freguesias da Capitania de Goiás. Neste aspecto é importante observar o discurso

das testemunhas que foram notificadas para depor no tribunal eclesiástico de Vila

Boa, em 1753, sobre o caso da usura. Havia certa formalidade a que os depoentes

obedeciam quando compareciam às devassas eclesiásticas e civis.

José Francisco Franco, morador nesta Vila, natural da Ilha Terceira que vive de procurador das causas, testemunha jurada aos Santos Evangelhos que lhe foi deferido em hum libro delle (Sic), em que pôs sua mão direita, sobre cargo do qual prometeu dizer a verdade do que soubesse e perguntado lhe fosse, e sendo lhe pela idade disse ter quarenta e cinco annos pouco mais ou menos e do costume disse nada. Testemunhou que “Pantaliam tomou um escravo de Dionísio

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 91

Luis pela quantia de cinqüenta oitavas e recebia dos serviços deste escravo huma oitava de jornal”.74

Uma segunda testemunha, “Manoel da Costa Cabeçudo”, natural da “Ilha

de São Miguel”, que “vive de oficial de Ferreiro, disse ser público que necessitando

Dionísio Luis de cinqüenta oitavas foi falar com Pantaliam Rodrigues”. Este teria

emprestado o ouro, mas exigia que o escravo ficasse em seu poder e rendesse “um

jornal de uma oitava todas as semanas pela rezam de não ter quem o servisse”.

Dionísio Luis da Cunha, natural de Lisboa, apenas confirmou os depoimentos

anteriores. Os relatos destas testemunhas confirmam que de fato “Pantaliam” tinha

culpa no cartório e ele não negou quando foi interrogado. Quando foi abordado

sobre o nome e o valor do escravo, disse que se chamava “Caetano e valia noventa

oitavas”.75

Na realidade não se sabe se o destino de Pantaliam e muito menos as

conseqüências de seu envolvimento com a usura. Geralmente quem cometia este

crime pela primeira vez era obrigado a pagar cinqüenta cruzados e degredado para

fora do arcebispado por um período de um ano; a segunda vez dobrava a pena

pecuniária e o degredo. A persistência neste pecado, ou seja, uma terceira vez era

condenada em mil cruzados e cinco anos de degredo para um dos lugares da África.

O dinheiro arrecadado nestas sentenças era aplicado na fábrica da catedral e uma

quarta parte era destinada para quem denunciasse o fato (VIDE, 2007, [Livro V,

Título XIV]). O historiador Ronaldo Vainfas afirma que a população contribuiu muito

com o Santo Ofício e com as visitações na denúncia dos comportamentos morais e

sexuais considerados ilícitos.

Mas era a população colonial, livre ou escrava, branca ou mestiça, rica ou desvalida, que, por medo do poder ou dele cúmplice, acorria a delatar o vizinho, parentes, desafetos e rivais. Fazia-o, porque todos estavam sempre a se vigiar mutuamente, murmurando da vida

74 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 38v. 75 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. p. 38v-43.

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 92

alheia, mexericando o que viam ou ouviam favorecidos pela escassa privacidade que caracterizavam a vida intima de cada um. (VAINFAS, 1997, p.228)

A questão da usura chamou a atenção por ser um fato isolado que se

encontra na documentação do século XVIII. Os fatos singulares podem esconder ou

revelar que atrás das entrelinhas da documentação há uma realidade desconhecida

e complexa que muitas vezes não se percebe. Acredita-se que Pantaliam não foi o

único a cometer o pecado da usura, deve ter havido muitos outros imigrantes que

trouxeram da Europa e de outras partes da América portuguesa esta prática. Afinal,

em 1753, Goiás estava em plena fase da abundância do ouro e das riquezas

minerais. É neste contexto que chegavam à Capitania os vários grupos ávidos para

o enriquecimento. “Pantaliam não parece ser um novato no ramo, quando

questionado pelo vigário da Vara sobre sua prática de usurário respondeu que tinha

prometido uma oitava e que o dito contrato estava desfeito”. Percebe-se que o

negócio era complexo e proporcionava lucros. Ao ser interrogado sobre a ilegalidade

deste negócio, disse que “fizera com boa fé e não sabia que era proibido”76. Duvida-

se que não soubesse que praticava um pecado grave e condenado pelos

visitadores. Estes últimos freqüentavam, neste período, as regiões das minas com

certa freqüência. Mas por outro lado, parece que havia muito interesse de Jose da

Silva Barros neste negócio, afinal das contas a condenação do usurário trazia

benefícios para o denunciante.

2.3. A PROSTITUIÇÃO

Além do concubinato que contagiou uma grande parcela da população da

Capitania havia também a prática da prostituição e alcoviteirismo. Estes dois

pecados foram classificados no período colonial de crimes contra a instituição 76 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Rol dos culpados. [Livro utilizado pelos bispos diocesanos para registrar os culpados das devassas eclesiásticas]. Livro n. 10, 1783-1805. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 93

familiar e contra os costumes. Iraci del Nero da Costa (1982, p. 80), aponta vários

desvios morais que feriam a Sagrada Família: incesto, bigamia, sodomia,

bestialidade, noivos que coabitassem antes do casamento, casamento em grau

proibido, casais que viviam separados , maridos que desse má vida à mulher. A

prática do lenocínio, alcoviteirice e jogos eram classificados nas devassas de crimes

contra os costumes. Para a Igreja, a prática da prostituição corrompia os costumes e

atingia o sacramento do matrimônio.

A prática da prostituição em Goiás deve ter começado no inicio do

povoamento. Muitos autores, amparados quase sempre por relatos de viajantes,

generalizaram o fenômeno para todo o Brasil Colonial. Chegaram a admitir que a

prostituição fosse uma espécie de expressão tipicamente feminina da pobreza e

miséria social, sendo que a vadiagem e a criminalidade representavam seu

comportamento masculino. Gilberto Freyre (2005) foi um importante autor na

conformação das imagens em torno da prostituição colonial, sobretudo das negras,

assinalando o aspecto de crueldade intrínseco à exploração das escravas. Na visão

de Luciano Figueiredo (2004, p. 156-157), os estudiosos desta temática ressaltaram

em demasia “os elementos de crueldade do escravismo ao obrigarem à prostituição

de mulheres”.

Ao que tudo indica, as prostitutas chegaram aos sertões de Goiás

acompanhando o rápido povoamento por homens e mulheres ávidos da riqueza

imediata que o ouro parecia proporcionar. O regimento das minas de Guaianases

(código legal voltado para regular a mineração) chegava a prescrever em um de

seus capítulos: “Não deixará por nenhum acontecimento passar às ditas minas

mulher [de] má suspeita, nem mulata, por ser proibido e sempre prejudiciais nas

ditas minas, deixando passar as negras escravas que forem com seu senhor”

(FIGUEIREDO, 2004, p. 156). Contudo, muitos destes proprietários empurravam as

suas escravas ao caminho da prostituição como um pratica complementar ao

comércio ambulante. Em 1753, Domingas “preta forra” foi denunciada pelo meirinho

da igreja de Vila Boa de alcoviteira e fazer sua escrava prostituir, exigindo dela

“jornal de três oitavas de ouro por semana”.

Diz, José da Sylva Barros meyrinho deste juiz digo da Igreja desta Villa que elle quer denunciar Com efeito, denuncia de huma preta

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 94

forra por nome Domingas que pello subrenome não perca a causa da sua denuncia he ser a dita Alcoveteira de huma sua escrava por nome Maria e nesta culpa he escandalosa a toda a vezenhanca pedindo a dita escrava jornal de tres oitavas de ouro por semana que o bom escravo o não dá e nesta forma consente coantos negros ha sendo a que asima fica dito sem temor de Deos nem de seos menistro e deve ser castigada asperamente para Imenda de sua vida e costumes pelo dos mais que escravos tem.77

Fica difícil fazer um julgamento da atitude de Domingas “preta forra”. A

própria situação de miséria levava muitas mulheres a buscar na prostituição os

meios de sobrevivência. Ainda mais para uma mulher forra que conhecia uma vida

sexual dissoluta gerada pelo próprio sistema da escravidão. A provável carta de

alforria conquistada por “Domingas” poderia ser resultado de favores de algum

senhor ou até mesmo resultado de uma atividade ligada à prostituição e

concubinato. Mas a atitude desta liberta e sua escrava causava grande “escândalo

na vizinhança”. Por isso exigiam do vigário da Vara julgamento e condenação da

alcoviteira.

Com a denúncia do meirinho, José da Silva Barros no tribunal

eclesiástico, algumas pessoas foram convocadas pelo vigário da Vara para prestar

testemunho do referido fato.

José Tavares, morador em Vila Boa e natural da Ilha de S. Miguel, que vivia do oficio de sapateiro, disse que sabia por ouvir dizer que a denunciada consentia que sua escrava tivesse tratos ilícitos com todos e quais pessoas e também andou alguns tempos com João Ferreira.78

Esta mesma testemunha acusava Domingas forra de explorar a sua

escrava com “um jornal de três oitavas e meia por semana, valor muito alto, pois o

77 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 65v. 78 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 66v.

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 95

comum era as escravas dar aos seus senhores oitava e meia.”79 Uma segunda

testemunha, João Ferreira, natural de São João de Água Longa, Bispado do Porto

[...] disse que sabia pelo ver que a denunciada consente que a dita negra ande na rua até as oito horas da noite e disse mais que sabia pela mesma rezão (sic) que a dita negra dava algum dia três oitavas de jornal e que hoje dava duas e meio jornal que não pode dar o melhor negro.80

O padre Antonio da Rocha Freitas, sacerdote secular, natural da freguesia

de Sam Salvador da Roca Arcebispado de Braga, confirmou as mesmas acusações

das testemunhas anteriores e disse ainda que “sabia pelo ver que a dita escrava se

recolhe fora de horas para casa de sua senhora”.81 Apesar das acusações, as

testemunhas não foram suficientes para acusar Domingas “preta forra” de explorar a

prostituição de sua escrava Maria. A acusada foi obrigada a pagar as despesas do

processo judicial e ”admoestada a dar melhor educação a sua escrava”.

Casos de prostituição e alcoviteirismo devem ultrapassar os registros

apontados pela documentação. Casos de mulheres sozinhas, mães solteiras que

tinham de sustentar os filhos e a casa com o produto do trabalho, exercendo

esporadicamente a prostituição para complementar a receita doméstica. Silvio de

Vasconcellos percebeu nas Minas Gerais que o povo transportava para Nossa

Senhora o simbolismo da mulher perfeita que não encontrava nas mulheres da

terra. Assim sendo, “a grande maioria das ermidas a têm como orago, através de

suas inúmeras invocações: Nossa Senhora da Piedade, da Conceição, dos Anjos,

das Mercês, da Misericórdia, das Dores” (VASCONCELLOS, 1968, p. 144 apud

SOUZA, 2004, p. 253). E por outro lado, foi comum os senhores viverem da

prostituição de suas escravas. Alguns defendiam que praticar o ato sexual com as

escravas não era pecado. Foi o caso do padre Santo Faria da freguesia de São José

do Tocantins que tinha o costume de dizer: “as escravas que servem aos seus

senhores na formicação, não cometem pecado e nem disso devem ser

repreendidas”. O referido sacerdote foi acusado no Santo Oficio em 1779 por seu

sucessor, pois tal afirmação era suspeita de heresia. De acordo com o Concilio de

79 BISPADO DO RIO DE JANEIRO, loc. cit. 80 Ibid., fl. 67v. 81 Ibid., fl. 68.

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 96

Trento, qualquer ato sexual sem o sacramento do matrimonio era pecado mortal

(MOTT, 1993, p. 65).

Para Figueiredo (2004), a prática do alcoviterismo foi fundamental para os

intercursos sexuais no período colonial. Homens e mulheres não colocavam nenhum

obstáculo para que estes encontros ocorressem. Podiam oferecer sua própria casa

ou simplesmente passar bilhetes e cartas com detalhes do local do encontro. O

vigário de Vila Boa, padre Perestelo, mandou um bilhete do confessionário com “fins

torpes” para uma provável amasia. Em 1753, “Tereza, preta forra foi acusada de

alcoviteira e consentir o concubinato de sua escrava Antonia Courona com Leonel

de Abreu durante dezesseis anos” (BISPADO DO RIO DE JANEIRO, 1753-1794).

O ambiente em que circulavam as prostitutas e seus clientes era marcado

por grande movimentação de pessoas. Casas, vendas, senzalas, festas religiosas,

tavernas, eram locais em que “se bebia, dançavam, batucava e festejava”. Estes

aglomerados de pessoas para o de lazer coletivo preocupariam autoridades civis e

eclesiásticas. As festas religiosas foram motivos de preocupação dos bispos do Rio

de Janeiro em relação à Capitania de Goiás. Dom Frei Antonio do Desterro, em

1747, escrevia uma Carta Pastoral proibindo e ameaçando de excomunhão, as

festas em honra aos Santos com “bailes, batuques saraus, instrumentos musicais e

outros divertimentos totalmente alheios do louvor de Deus”. Para o bispo, estes

locais de ajuntamento de “ambos os sexos eram ocasião de escândalo” e pecado.82

Parece que o discurso doutrinal e a moral da igreja não tiveram muito

êxito no combate ao concubinato e à prostituição, apesar da insistência dos

visitadores diocesanos, os “vícios das minas” tiveram êxitos. No inventário de

Antonio Ferreira Dourado, cristão novo preso pela inquisição em Goiás, em 1758,

encontra-se referência de caso de prostituição. De acordo com o inventário, o

referido emprestou “vinte e tantas oitavas de ouro” a Anacleta Maria, mulher

meretriz, para sair da cadeia, por intervenção do “Procurador das causas” de Vila

Boa. Quem era a prisioneira e onde ficava não informam os documentos (MOTT,

1993, p. 47-48). Mas a imaginação pode percorrer alguns caminhos para os motivos

de sua prisão. Havia muita violência nos ambientes freqüentado pelas prostitutas e

82 CARTA Pastoral de Dom Frei Antonio do Desterro, proibindo batuques e festejos com ajuntamento de pessoas. 1747. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 17.

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 97

seus clientes: brigas e mortes, conflitos e desavenças, bebidas e devaneios. O lazer

e o ócio dos grupos populares passavam a ser ingredientes perigosos em uma

sociedade escravista. Fregueses ciumentos geravam as “bulhas” nos becos e ruas.

A “Pisca”, cujo nome era Bernarda, moradora da Rua Nova em Mariana, “se dá aos

homens que a procuram, motivando discórdia entre os mesmos” (DEVASSA apud

FIGUEIREDO, 2004, p. 160). É difícil provar que os mesmos motivos levaram

“Anacleta Maria” à cadeia de Vila Boa.

Mas os indícios da prostituição em Goiás podem ser encontrados também

nas atas de batismo e casamento das freguesias de Vila Boa e Meia Ponte. Os livros

de batismo de escravos (1764-1808) apontam para um número de 2.216 inocentes

que foram batizados na igreja matriz e capelas filiais da antiga Vila Boa. No que

refere às crianças enjeitadas, encontra-se uma percentagem pequena, apenas 22

expostos, ou seja, cerca de 1,0% dos inocentes.83 Além dos enjeitados, encontra-se

também uma alta porcentagem de ilegítimos, 73,1% das crianças inocentes. Os

resultados mencionados levam a pensar que uma grande parcela destas crianças

nasceu de uma relação baseada na prostituição. Afinal quais as opções que a

escravidão apresentava para uma escrava na América Portuguesa? Pelo que se tem

visto até agora, o papel de concubina e prostituta. Para Figueiredo (2004, p. 157),

alguns ofícios desempenhados pelas negras poderiam disfarçar uma “prostituição

plena” que tinha objetivos aumentar os lucros dos senhores.

A repressão à prostituição envolveu as forças do Estado e da Igreja nos

sertões goianos. As visitações utilizaram com freqüência o poder de prender e

multar para obrigar as mulheres a retomarem o caminho reto. Por trás de tais

mecanismos estava com certeza a repressão à imoralidade e ao pecado. Assim

Antonia Teixeira, “preta mina forra”, mulher “meretriz” comparecia na casa de

residência do vigário da Vara de Vila Boa, em 1783, para fazer “termo de deixar,

abandonar e repudiar a má vida em que estava vivendo com escândalo de

prostituição pública”84. O mesmo ocorria com Domingas Gomes da Sylva, crioula

forra, que fazia termo de abandonar a vida pública de meretriz:

83 BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2/3/4, 1764-1808. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás. 84 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 88.

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 98

Aos oito dias do mês de março de mil setecentos e oitenta três annos nesta Villa Boa da Senhora Santa Anna de Minas de Goyas, e em casa de residência do muito Reverendo Vigário da Vara João Antunes de Noronha [...], apareceu presente Domingas Gomes da Sylva crioula forra meretriz que conheço pela própria, e por Ella foi dito que de muito sua livre vontade vinha a este juiz fazer termo de deixar, e abandonar, e repudiar a ma vida em que está vivendo de pública meretriz, prostituindo se com escândalo público, que tudo consentia ser assim, e que promette de hoje em diante a total emenda, debaixo das pennas, que são pelas Leis impostas aos que estão imersos nestas Leis de atual crime, e da separação, e communicação dos fieis, e por Ella assim o fizer, confessar, e as ditas pennas se sujeitar fiz este termo [...].85

Fica difícil acreditar que estas duas mulheres, Antonia Teixeira e

Domingas Gomes, tenham abandonado de fato a prática da prostituição. A história

do cristianismo é cheia de testemunho de pessoas pecadoras, o próprio Santo

Agostinho levava uma vida devassa antes da sua conversão. E as evidências levam

acreditar que as duas mulheres não se apresentavam no Auto de denuncia do

Vigário da Vara, João Antunes de Noronha, de “sua livre vontade”. Imagina-se que

tenham sido citadas em alguma devassa dos visitadores diocesanos e temiam uma

represália maior, por isso antecipavam uma provável convocação do tribunal

eclesiástico, acreditando assim ter uma pena mais suave. É importante ter presente

que no período intermediário da conversão destas duas mulheres em 1783, Vila Boa

recebeu dois visitadores diocesanos: o padre João Almeida Cardoso (1780), cuja

principal preocupação foi com a vida dos escravos; e o comissário do Santo Oficio, o

cônego José Correa Leitão (1784). Este último proibiu a mistura de mulheres com os

homens nas Igrejas e mandou demolir uma capela em Curralinho por ser este local

aposento de ambos os sexos de passageiros que trafegavam nos arrabaldes de Vila

Boa (CASTRO, 2006, p. 47).

O historiador Jacques Rossiaud (1987), analisando a prostituição e

sexualidade nas cidades francesas do século XV, percebe que os “surtos

moralizadores” não aconteciam com freqüência. Na visão deste autor, em períodos

de grandes calamidades e crises sociais a sociedade expulsava a escória social. Por 85 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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outro lado, a chegada de um grande pregador levava as pessoas a uma “conversão

passageira e ilusória”:

Houve uma pregação apocalíptica? As pessoas querem ao mesmo tempo reprimir a formicação, proibir o jogo, as blasfêmias, os maus juramentos, expulsar os mercadores dos cemitérios, abolirem as feiras nos dias de festas, levarem os clérigos a uma conduta irrepreensível e os cidadãos a uma vida devota. Mas logo que o santo homem se vai, a vida retoma seu curso, sem alteração. (ROSSIAUD, 1987, p. 96).

Havia na realidade uma repressão periódica à prostituição, motivada

pelos escândalos e o mau exemplo que muitas vezes causava nos moradores de

uma rua. Mas os vários anos de existência desta atividade lhe davam a

continuidade. O processo de Domingas “preta forra” e os vários casos de

reincidência na prostituição justificam a afirmação. Para Rossiaud (1987), “quando

as autoridades da vila atacavam uma dona de bordel ou uma alcoviteira que exercia

muito tempo sua atividade era por terem contra elas acusações mais graves que a

simples prostituição”.

2.4. OS PECADOS DO CLERO

De acordo com a historiografia, a situação moral do clero brasileiro

durante o período colonial deixava bastante a desejar. No entanto, é importante

compreender essa situação de acordo com os padrões em que foi implantado o

catolicismo no Brasil: uma igreja submissa aos ditames do padroado. Na análise de

Silva e Souza (1978), o ouro trouxe as riquezas e as desordens morais para a

Capitania. Chega a comparar o clero com os seculares das Minas de Goiás.

E o que direi dos sacerdotes e Frades? Pouca diferença dos seculares. O Pe. José Caetano de Meia Ponte fazia despejar de sua vizinhança, com uma carta, os que lhe parecia, ameaçando-os de

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 100

morte; [...] Ao Pe. João Antonio de Oliveira Gago e João Gago imputaram-se-lhes mortes, açoites e muitos excessos, de que tomou conhecimento por provisão de 17 de novembro de 1734. O Pe. Posso de Pilar passeava a vista do carregador a cavalo com pajens armados de bacamartes. Em suma, só de uma vez foi exterminados sete, por ordem do bispo do Rio de Janeiro. (SILVA E SOUZA, 1978, p. 80).

Na realidade, o número de frades egressos era muito grande nas minas,

especialmente em Goiás, onde a distância prometia impunidade a este gravíssimo

delito. Em 1750, dom Marcos de Noronha expõe à Corte as dificuldades que

encontrava para cumprir a ordem de S. Majestade. No dizer deste governador não

era conveniente prender no cárcere estes frades devido às péssimas condições

sanitárias e a convivência com “negros e mulatos”. Por outro lado, remetê-los a seus

prelados não era possível devido às despesas que teria com transporte. Mas com

frei Francisco Tavares Cabral, franciscano da província de Nossa Senhora da

Conceição do Rio de Janeiro, aconteceu o contrário. Depois de viver apostata pelos

sertões do Rio São Francisco se refugia em Pilar, na casa de suas irmãs, onde foi

preso e remetido em ferros ao seu prelado. Depois de ter cumprido a pena e o

castigo, o frade ficou com gravíssimas seqüelas mentais (LEME, 1980c, p. 131).

Em Goiás houve sacerdotes que foram acusados de perturbar a paz e o

sossego público. Foi o caso do padre Manuel Dias e o vigário da vara João Lopes

França, em 1761, que foram presos, expulsos e proibidos de transitar nos territórios

das minas por causa dos “perniciosos procedimentos”. A coroa portuguesa ordenava

o governador João Manoel de Melo a remeter os ditos padres “em segura custodia

para o bispado do Rio de Janeiro, com participação urbana das desordens e dos

escândalos que tem causado nestas minas”86. Já o padre Nicolau Pereira de

Carvalho Sottomaior e Castro, vigário do Arraial do Anta, foi obrigado a devolver ao

tesoureiro dos defuntos e ausentes todo ouro e imóvel que havia pegado de Baltazar

Gomes e Tomás Antonio, mortos sem deixar testamentos. Mas com a justificativa de

que os mesmos lhe deviam a quarta parte de seus bens com despesas de funerais,

86 CORRESPONDÊNCIA e Instruções Diversas (1758-1777). [Este documento trata várias questões referentes ao comportamento da população e do clero]. Livro 15. n. 19. Arquivo Histórico do Estado de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 101

o referido sacerdote “levara despoticamente e com violência o ouro em pó que se

achara”87.

A Capitania de Goiás por ser longe dos grandes centros das áreas

costeiras e ser muito extenso e desabitado, a tal ponto de ser denominado na

documentação oficial de “Continente”, parece ter sido vitima constante de

aventureiros que buscavam além do ouro, as distâncias da justiça. Há uma

documentação com a data de 1760 da coroa portuguesa para o governador de

Goiás, falando da presença de alguns frades e clérigos na Capitania sem as

“licenças necessárias” para exercer seus ministérios. Para as autoridades, estes

sacerdotes estavam cometendo sucessivas desordens e escândalos com as leis

régias, ministros e governadores, chegando ao excesso de declarar que eram

isentos da real jurisdição. As determinações das autoridades portuguesas exigiram

expulsão imediata destes frades e padres da Capitania.88 Em 1764, há uma

notificação de Dom Antonio do Desterro, expulsando das freguesias de Goiás alguns

sacerdotes: Padre Alberto de Santo Thomas, Manoel de Abreu Nunes, José Vieira

de Paiva e José Pinto Braga, na freguesia de Meia Ponte; o padre José Cardoso

Mariano na freguesia de São José do Tocantins, e o padre Manoel Coelho na

freguesia de Santa Luzia. Os motivos pelos quais foram expulsos não se sabe, mas

todos foram proibidos de “confessar, dizer missa e pregar”89

Nas cartas dos capitães de Vila Boa à coroa portuguesa, transparece

também a vida do clero no cotidiano da capitania. Entre as graves denúncias contra

os padres, aparecem cobiça, manipulação do poder, roubo, amancebamento e

simonia (tráfico de coisas sagradas ou espirituais). Luís da Cunha Menezes acusa o

vigário João Antunes de Noronha, em 1782, por omissão e negligência diante dos

“vícios” do povo de Vila Boa.90 No documento de 1789, as acusações de simonia e

excessiva cobiça pela riqueza pesa sobre os padres. No dizer de Dr. Antonio Telles,

alguns se esquecem do ministério sacerdotal para cultivarem suas fazendas; outros

87 Ibid., n. 20. 88 Ibid., n. 21. 89 EDITAL geral em que o vigário da vara de Vila Boa [Doutor Manoel Andrade Varnek Chantre] mandou declarar por Suspensos aos padres nelas nomeados a ordem de Dom Antonio do Desterro. 1764. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 30. 90 CARTA do Capitão-Mor de Vila Boa, Luís da Cunha de Menezes. 1782. Arquivo Histórico do Estado de Goiás, Goiânia. fl. 19.

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 102

substituem os sermões dominicais pelas verdadeiras cobranças que fazem aos seus

fregueses. Vejamos um trecho da carta na qual transparece a cobiça pela riqueza:

[...] vão uns poucos pastores tosquiando os seus inumeráveis rebanhos, tirando-lhes individualmente a própria substancia de que necessitam para se enriquecerem sem utilidade pública e com tanta avareza, com há pouco aconteceu nesta vila, com um vigário que, tirando por soma de 12.000 cruzados em poucos anos na Igreja de Traíras e queixando-se que tudo nela gastara, sem trazer um só vintém, na hora de sua morte, que foi apresentada, custou-lhe declarar onde tinha enterrado perto de 9.000 cruzados que com o mais se lhe acharam.91

Para Pizarro (1948a, p. 118), o isolamento dos pastores principais (Rio de

Janeiro e Pará) tornava o clero indisciplinado e não aplicado ao estudo da moral. No

dizer deste autor, só a presença de um prelado em Goiás, no caso Dom Francisco,

disciplinaria o clero e afastaria os sacrilégios, as superstições, os prejuízos, e outros

malefícios que estavam arruinando a Igreja e o Estado.92

É importante ressaltar que para párocos e capelães exercer o ministério

pastoral não bastava apenas o caráter do sacramento da ordem. Eles necessitavam

de jurisdição para tudo: celebrar missas, pregar e confessar. No geral estas

provisões eram renovadas uma vez por ano. Mas as cartas pastorais dos bispos do

Rio de Janeiro denotavam preocupação com a formação do clero. Inculcavam a

disciplina, o afastamento de religiosos irregulares, o bom atendimento dos fiéis, a

obrigação do hábito talar e o comportamento sacerdotal digno. O conceito de igreja

era uma de uma sociedade perfeita. Neste sentido se deve compreender a

preocupação dos bispos e visitadores como a moralidade pública e os bons

costumes do clero e do povo.93

91 CARTA do Capitão-Mor de Vila Boa, Dr. Antônio de Souza Telles e Menezes. 1789. Arquivo Histórico do Estado de Goiás, Goiânia. 92 Alencastre, nos Anais da Província de Goiás (1979), enumera vários fatos que corroboram para a degradação moral do clero: Fala de um coadjuntor de Santa Cruz, que, roubando a mulher do filho do guarda-mor e receoso de qualquer punição voltou aos antigos hábitos que praticara antes de clérigo (peão do Rio Grande); fala do primeiro vigário da matriz de Santana, o padre Pedro Ferreira Brandão, que para perdoar um infeliz de certo sacrilégio, exigiu 500 oitavas de ouro de multa, arrecadando em cinco anos de ministério, nada menos que 400,00 cruzados de espórtulas e conhecenças; e que o sucessor padre Gonçalo José da Silva, em quatro anos, recolheu 80,00 cruzados em ouro. 93 Cônego Trindade chama atenção para a visitação diocesana de José Corrêa Leitão em determinadas freguesias de Goiás no ano de 1784. “Em todos os lugares por onde passou, deixou os

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 103

Parece que entre discurso e realidade houve certa discrepância. Como

pais e mestres da fé, o clero deveria orientar seus fregueses a fugirem dos vícios e

abraçarem as virtudes, mas nem sempre isso ocorreu. Embora exercendo uma

influência importante na difusão da cultura portuguesa no período colonial, sua

existência era, porém, desarticulada, com os clérigos muitas vezes atendendo os

interesses pessoais e não preocupações pastorais. Chegando ao Brasil com o

primeiro governador, Nóbrega traçou o perfil pouco lisonjeiro desses sacerdotes

seculares:

Dos sacerdotes ouço coisas feias [...] cá há clérigos, mas é a escória que de lá vem. Não se deveria consentir embarcar sacerdote sem ser sua vida muito aprovada, por que estes destroem quando se edifica (NÓBREGA apud WEHLING, 1994, p. 82).

Um dos principais pontos que sempre foi questionado a respeito do clero

no período colonial se refere à quebra do voto de celibato. A historiografia atual tem

apresentado muitos sacerdotes como troncos principais de várias famílias ilustres do

Brasil colonial. Mesmo sendo alvo de grandes debates da atualidade, o voto de

celibato teve início na Idade Média e persiste ainda hoje como um dos principais

compromissos para ingressar na ordem religiosa e secular. Mas a vivência da

castidade para indivíduos que não tinham vocação para a vida “consagrada” não era

tarefa fácil. Aliás, o acesso às ordens religiosas no Brasil Colônia era requisito

importante na escala social. Toda família de prestigio destinava um dos filhos para a

vida sacra. Da mesma forma que a maioria dos casamentos eram arranjados pelos

chefes de família, a entrada para as carreiras eclesiásticas fazia parte dos pactos de

família. Com isso a Igreja trouxe para seu bojo muitos indivíduos que não tinham

vocação para desempenhar o oficio religioso e muito menos cumprir o voto de

castidade. Para a pesquisadora Ida LewKowicz (1987, p. 58), “o clero não

permaneceu imune ao ambiente social que o rodeava. Por isso em Minas foi

classificado de licencioso e turbulento, mas considerado natural com a sociedade de

seu tempo” .

sinais de sua energia e firmeza e zelo pela disciplina da Igreja. Foi a primeira autoridade a exigir dos párocos os róis de suas pessoas que confessassem em cada ano (SILVA, J., 2006, p. 87).

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 104

É neste contexto que vamos analisar a prática do concubinato também no

ambiente do clero. Na carta à Coroa portuguesa, o secretário de governo de Goiás

foi categórico em relação ao clero. Para ele, alguns sacerdotes se distinguiam em

exceder os seculares:

[...] em um Arraial chamado de Natividade, o mais distante desta capital, residia um clérigo, e não sei se era Pároco, o qual tinha uma Concubina Mulata, entrou esta hum dia no extravagante desejo, de querer dizer Missa como o dito padre, fez-lhe logo a vontade, vestiu-a das vestes sacerdotais, colocou-a no altar, ajudou-a ensinou-a como havia de fazer, e disse Missa a Reverenda Mulata.94

Uma devassa feita na freguesia de Nossa Senhora da Conceição de

Santa Cruz, em 1804, acusava o pároco colado e vigário da vara, padre Francisco

José de Gouvea Sá e Albuquerque de várias faltas cometidas contra os seus

fregueses: “falta de residência na sua paróquia; mortes de seus fregueses sem

receber o sacramento da unção dos enfermos; deixar seus fregueses sem o preceito

da confissão quaresmal e comunhão pascal por mais de dois anos; mandar

processar autos judiciais com falsidades, chegando a falsificar assinaturas de

pessoas falecidas; cobrar taxas altas dos casamentos e proferir palavras

imprudentes, injuriosas, insultantes contra seus fregueses na estação da missa”.

Além destas acusações, pesava sobre o referido pároco, a prática de “público

concubinato de portas à dentro, de cujo punível coito nasceu uma filha.” 95

Os dois fatos mencionados chamam atenção devido à naturalidade com

que os dois padres em situação de concubinato se portavam diante de seus

fregueses. O primeiro cometeu uma heresia de instruir e paramentar a sua

concubina para “celebrar a missa”, sem mencionar o escândalo de público

concubinato em que estava vivendo. No tocante ao segundo caso, tratava-se de um

94 OFICIO do secretario do governo de Goiás, Ângelo dos Santos Cardoso, ao [Secretário de estado da Marinha e Ultramar], Diogo de Mendonça Corte Real, sobre a descoberta das minas de Goiás; sua povoação; o caráter dos primeiros mineiros e profissionais liberais; os governos civis e eclesiásticos e os problemas nela existentes. 1755. Caixa 12, Doc. 740. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. 95 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Rol dos culpados. [Livro utilizado pelos bispos diocesanos para registrar os culpados das devassas eclesiásticas]. Livro n. 10, 1783-1805. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 105

vigário da vara, cujo papel era importante na difusão da prática da doutrina e da vida

moral, num “continente” distante da sede dos bispos do Rio de Janeiro. O caso de

Santa Cruz esta muito distante do conceito de padre idealizado pelo Concilio de

Trento, mestre e pai de família. Contudo, entre os sacerdotes que “aparecem nas

genealogias ilustres, existem vários que deixaram descendência”.96

Mas não foi somente na Capitania de Goiás que ocorreram estes fatos. A

Torre do Tombo, em Lisboa, está cheia de processos que envolvem o

comportamento moral da população e do clero em toda América portuguesa. No

tocante ao Brasil houve um fato curioso de concubinato, adultério e incesto que

envolveu o cônego da Sé da Bahia com a sua comadre, “Anna Maria Joaquina da

Purificação”. O padre José da Silva Freire foi acusado pelo seu compadre, o alferes

Antonio Jacinto Tomas de Faria “de tratar ilicitamente vários anos” com a mulher do

mesmo. De acordo com o depoimento, o sacerdote havia abusado da confiança do

compadre, a quem havia batizado uma filha. Chegava ao absurdo de mandar seus

escravos “roçar o mato que ficava da parte do quintal do alferes” para facilitar os

seus encontros amorosos com a referida concubina. No depoimento, várias

testemunhas disseram ter visto o cônego com a mulher do alferes diversas vezes

“das janelas da casa para a parte do quintal, com tanta familiaridade, como se

estivesse na sua própria” casa. Geralmente, estes encontros aconteciam quando o

alferes ausentava para o seu engenho que ficava fora da cidade de Salvador. Este

fato, cuja data do processo ocorreu no ano de 1789, chamou atenção dos

moradores baianos pela tranqüilidade com que os acusados praticavam o adultério.

A mulher, mesmo depositada em casa de seu cunhado, o capitão Joaquim Vieira da

Silva, era visitada pelo reverendo sacerdote.97

Outros fatores ligados à ordem moral atingiram também o clero desta

Capitania, a solicitação no confessionário. Assim que Goiás foi elevado à Capitania,

em 1748, três sacerdotes foram acusados de aproveitar da confissão para receber

os favores sexuais de suas penitentes. O primeiro foi o Padre João Perestello de

Vasconcelos Spinola, vigário da vara desta comarca e também da matriz de Vila 96 O padre Antonio Luís dos Reis de França, cafeicultor e deputado estadual na primeira metade do século XIX, deixou vários descendentes naturais. O mesmo ocorreu com o seu sobrinho, padre Antonio Galvão Freire (1770-1845), onde era vigário colado. Os Marcondes Moura também surgiram de troncos importantes, como Monsenhor Marcondes de Oliveira Cabral. Uma das filhas deste fazendeiro foi a Baronesa de Taubaté(LEWKOWICZ, 1987, p. 64-65). 97 PAPÉIS do Brasil. Documentos avulsos, 3. Doc. 14. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa.

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 106

Boa. Confessou “ter mandado um recado para uma mulher com fins torpes” e o

mensageiro do recado estava dentro da Igreja, e do confessionário ele lhe disse que

não se esquecesse “98. O seu grande temor estava relacionado com um Decreto

promulgado pelo papa Gregório XV (1621-1623), relativo ao crime de solicitação.

Mesmo não solicitando à penitente, usou do confessionário com a reta intenção de

cometer um pecado.

Não foi somente a freguesia de Vila Boa o palco de solicitações de

alguns sacerdotes. Outras freguesias também foram devassadas pelos comissários

do Santo Oficio para punir e prender os infratores deste pecado. No ano de 1749 foi

a vez D. Maria Ribeiro Mendonça denunciar o vigário de Meia Ponte, padre Manoel

da Silva que “a desonestou por três noites“. Alguns anos mais tarde, em 1753, o

padre Antonio José Souto, coadjutor da freguesia de Bom Jesus das Antas, foi

acusado por aceitar “alguns presentinhos” da viúva e comunicar com a mesma

“algumas palavras amorosas”. Alem disso foi acusado também de seduzir uma moça

que a chamou “para ensinar como havia de confessar em sua casa” (MOTT, 1993,

p. 41-42).

E por fim chama-se atenção para duas acusações proferidas ao Santo

Oficio contra o vigário da freguesia de São José do Tocantins, o padre Alexandre de

Almeida. A primeira denúncia aconteceu também em 1759, por Otávia Pinta

Caldeira. “Disse que o sacerdote a solicitou para atos torpes, e como recusasse,

deu-lhe como penitência a tarefa de varrer a capela de Nossa Senhora do Rosário

dos Pretos”99. As paixões do padre Almeida por suas paroquianas parecia não ter

limites: “certa vez no confessionário, perguntou a mesma denunciante se uma

mulher que vivia em sua casa era bonita”. Em 1762, foi a vez de Ângela Pereira

Ramos, mulher casada, denunciar este mesmo sacerdote que “convidou-a para de

noite esperá-lo no quintal da casa dela” (DEVASSA apud MOTT, 1993, p. 43).

O bispado do Rio de Janeiro parece não ter descuidado da missão de

pastorear um rebanho distante nos sertões de Goiás. Houve toda uma orientação

através de pastorais, editais e visitadores diocesanos para manter um rebanho

longínquo fiel à igreja, seguindo ao mesmo tempo as orientações doutrinais e morais

98 INQUISIÇÃO DE LISBOA. Solicitantes. Processos inquisitoriais. Caderno n. 26, fl. 376/n. 27, fl. 19. Manuscrito. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. 99 INQUISIÇÃO DE LISBOA. Solicitantes. Processos inquisitoriais. Caderno n. 30, fl. 79/n. 31, fl 125. Manuscrito. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa.

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 107

de acordo com as exigências do Concilio de Trento. Referente ao sacramento da

confissão, desde 1734 com o primeiro visitador diocesano, houve preocupação na

difusão de uma doutrina sadia e reta da fé. Quase todos os visitadores diocesanos

não deixaram de tocar em dois pontos ligados às questões da moral e sexualidade:

confissão de mulheres com grades nos confessionários e a negação dos

sacramentos às pessoas ligadas ao relacionamento de concubinato. Com a

separação e a distância do confessor do penitente, separado por grandes nos

confessionários, a igreja procurava combater e corrigir estes abusos. Veja-se uma

pastoral de Dom Frei Antonio do Desterro do ano de 1751:

Mandamos q nenhum confessor confesse mulher sem ser pelas das grades sob pena de suspensão ipso facto, no mesmo acto da confissão, ecepto aquellas mulheres que por infermidade, e ou de tal sorte surda, que pelas grades não podem confessar. Pelo que mandamos a todos os Párocos, q tanto nas igrejas, como nas Capelas, ou Oratórios nos termos de um mês mandem fazer confessionários bastantes para poder administrar as mulheres estes sacramentos.100

Percebe-se por meio desta afirmação que a Igreja tinha muita

preocupação com seu rebanho. A confissão poderia purificar os fiéis, mas poderia

tornar as penitentes presas fáceis de sacerdotes indisciplinados. Qual era a

orientação para a vida moral do clero? As Constituições Primeiras do Arcebispado

da Bahia davam todos os critérios para que os sacerdotes tivessem uma vida

integra. De acordo com as Constituições:

Devem os clérigos fugir das companhias, visitas, e práticas com mulheres, de que pode haver suspeita, assim porque não dêem ocasião ao demônio que sempre vigia para fazer cair, como também por evitarem toda ocasião de escândalo nesta matéria. Portanto, mandamos que nenhum clérigo de ordens sacras, de qualquer qualidade, ou condição que seja, tenha de portas adentro mulher alguma, de que possa haver suspeita, ou perigo ainda que seja escrava sua. E as mesmas que tiverem para seu serviço serão ao

100 PASTORAL de Exmo e Revmo Senhor D. Fr. Antonio do Desterro em q Se acha a reforma de Disciplina Ecclesiastica nestes Goyas, Cuja copia havida de outra freguesia por nesta Se não achar registada aqui fiz transladar, e he da Maneira Seguinte. 1751. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 104.

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 108

menos de idade de cinqüenta anos, e de tal vida e costumes de que não possa haver nenhuma suspeita. (VIDE, 2007, [Livro V, Título XIX]).

As Constituições eram bastante rigorosas também quanto aos requisitos

para ser párocos e coadjutores das freguesias. Não bastava ser clérigo ou

sacerdote, mas deviam ter bons costumes, honestidade e limpeza de sangue. O

número 528 era muito claro quanto à admissão do sacerdote para cura. O padre não

podia ter pecado de amancebamento, a não ser que provasse a renúncia desta

prática. Além do mais os bispos do Rio de Janeiro proibiam com pena de

excomunhão que o clero tivesse “de portas adentro mulheres de qualquer qualidade,

livres ou escravas, com exceção as de cinqüenta anos e que não fosse

infamadas.”101 De acordo com as Constituições Primeiras, ficariam nulos todos os

sacramentos celebrados por um sacerdote em situação de concubinato. Mas no

cotidiano dos arraiais parece que muitos fizeram questão de anular por completo

estas orientações. Saint-Hilaire (1975, p. 105) faz críticas ferrenhas à vida de

castidade do clero em Goiás: “Suas amantes moram com eles, seus filhos são

criados ao seu redor, e muitas vezes, o padre faz-se acompanhar de amante quando

vai à igreja”.

A crônica sobre a vida do clero na capitania prossegue através dos fatos

que os historiadores apresentam. Rubert (1988, p. 57) cita o caso do Pe. José

Simões da Mota Medeiros, pároco de Traíras, que fora nomeado vigário geral da

capitania. Com poder nas mãos, incomodou os vigários da vara, desrespeitou o

bispo e publicou editais ambiciosos. Diante de uma devassa em 1781, procurou

atrapalhar, caluniando o visitador. Tendo ordem de prisão do aljubre do Rio de

Janeiro foi protegido pelo governador da capitania. Poder-se-ia estender ainda mais

a narrativa referente à questão moral do clero, pois a documentação é bastante

ampla. Todavia é importante ter critérios para fazer um julgamento destes homens

que abandonaram suas terras, famílias e sua juventude para anunciar o Evangelho

nos distantes e isolados sertões de Goiás. Parece que não foi só o gosto pela

aventura e a busca do ouro, mas também outros fatores fizeram com que padres e

101 PASTORAL de Exmo e Revmo Senhor D. Fr. Antonio do Desterro em q Se acha a reforma de Disciplina Ecclesiastica nestes Goyas, Cuja copia havida de outra freguesia por nesta Se não achar registada aqui fiz transladar, e he da Maneira Seguinte. 1751. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 105.

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CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO MORAL DA POPULAÇÃO 109

capelães enfrentassem as longas caminhadas em busca do rebanho que

necessitava de sacramentos e uma palavra de conforto.

Devem-se evitar os exageros de uma historiografia de tradição liberal que

encontraram argumentos para certo anticlericalismo. Não se trata de negar um

aspecto do imaginário religioso brasileiro, muito menos ser apologista. Trata-se tão-

somente de olhar para ele desconfiado do juízo de escândalo, manifestamente

datado e constituído para determinados fins. De acordo com Torres-Londoño (1997),

a circunstância da formação e vida cotidiana não permitiram que o padre se

afastasse do meio do qual havia saído.

Por trás do vigário encomendado acusado de escândalo por viver em

concubinato poderia estar um homem capaz de ser um bom pai de família, que

legitimava seus filhos, e um esposo respeitoso de sua mulher, além de ser um

sacerdote cumpridor do seu ministério. Por trás da imagem de um sacerdote

desordeiro podia estar também um pároco rigoroso, tentando cumprir com zelo as

normas do bispo, e injustamente acusado por motivos políticos.

Com estas considerações do imaginário traçado sobre o clero na

sociedade colonial, é possível fazer um julgamento mais justo desses

evangelizadores de outrora. É possível perceber que o clima de violência existente

nas primeiras décadas da mineração tenha influenciado o comportamento desses

homens que viviam distantes de seus superiores. Ser padre no Rio de Janeiro era

diferente do pastoreio nos sertões de Goiás. Por outro lado, não se pode negar que

o clima anticlerical, que invadiu uma grande maioria de historiadores tenha criado

uma imagem negativa do clero. Mas os sacerdotes goianos, de acordo com suas

possibilidades, tentaram realizar um trabalho digno. Os tópicos da nossa pesquisa

de mestrado, referente à participação do clero na formação social da capitania e as

principais atividades desempenhadas por párocos e capelães confirmam esta

afirmação (CASTRO, 2006, p. 59-85).

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CCAAPPÍÍTTUULLOO 33

SSEEXXUUAALLIIDDAADDEE EE TTRRAANNSSGGRREESSSSÃÃOO

3.1. SOLICITAÇÃO NA FREGUESIA DE SANTA CRUZ

O objetivo deste item é analisar o pecado de solicitação ocorrido no

Arraial de Santa Cruz de Goiás no início da segunda metade do século XVIII. Duas

devassas comandadas pelo visitador padre Felipe da Silveira e Souza procuram, por

meio das testemunhas, “desterrar os vícios e abusos” cometidos pelo pároco desta

pequena aldeia. O padre José Vieira de Paiva aproveitava do confessionário para

seduzir o rebanho feminino.

A freguesia de Santa Cruz foi muito importante no povoamento da

Capitania devido a sua localização geográfica com Minas Gerais e São Paulo. A

paróquia de Nossa Senhora da Conceição foi criada em 1741 e recebeu a colação

régia em 1759. Há uma carta do governador e Capitão-general de Goiás, João

Manoel de Melo ao rei de Portugal, fazendo um relatório das Igrejas da Capitania de

Goiás que se encontravam no Bispado do Rio de Janeiro e Grão-Pará. Nesta

documentação, a referida paróquia foi mencionada como quinta Igreja pertencente

ao Bispado do Rio de Janeiro que recebera colação régia. O padre João Lopes de

Camargo, bacharel pela universidade de Coimbra, aparece como pároco de um

rebanho com “1200 pessoas de confissão”, isolado num sertão despovoado e

distante 80 léguas da região norte da Capitania.102

102 CARTA do [governador e capitão-genaral de Goiás], João Manuel de Melo, ao [D José], remetendo, conforme a provisão de 18 de Janeiro de 1768, as relações das igrejas da Capitania de Goiás que se encontram no distrito do Bispado do Rio de Janeiro e Grão-Pará. Anexo 5 docms (consta das relações as igrejas que se encontram coladas ou não, as capelas filiais e as que existem

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 111

Afinal das contas não era qualquer capela que recebia o status de

paróquia colada. Nos primeiros anos do Brasil, as capelas faziam referência a uma

expressão de fé dos colonos. E as paróquias, a que remetiam? Para Torres-

Londoño (1997), elas assinalavam a presença do Estado Colonial por meio do

padroado Régio. Funcionando no Brasil por intermédio da Mesa de Consciência e

Ordens, o padroado confirmava os párocos coloniais. Os párocos eram escolhidos

por meio de concurso realizado pela diocese. No contexto dos séculos XVI e XVII,

tal nomeação adquiriu um signo próprio. Por sua expressão social, num mundo cada

vez mais dividido entre livres e escravos e fundamentado em privilégios, a paróquia

colada indicava o reconhecimento, por parte das autoridades coloniais e da força

política econômica do arraial. Todavia isso deveria expressar-se na capacidade

demonstrada pelos colonos de levantar uma Igreja e aparelhá-la adequadamente ao

culto, além do pagamento do dízimo que pertencia à Coroa.

Quando os vizinhos queriam ter um padre próprio tomando conta de uma

capela, fixavam uma cota para seu sustento e dirigiam ao bispo uma petição, a fim

de que lhes fosse nomeado um sacerdote. Com isso, iniciava-se um processo para o

estabelecimento de uma jurisdição própria. Se as condições fossem favoráveis o rei

concedia a colação e era determinada a côngrua. Conforme as “notícias do ano de

1783”, o reverendo vigário de Santa Cruz recebia além da côngrua da coroa

portuguesa, a metade de “setecentos mil reis com o Pé de Altar” de seus

paroquianos, por serem pobres.

Este mesmo relatório do governo de Goiás apresentava algumas

características da vida familiar desta população. O Arraial de Bonfim, atual Silvânia,

pertencente à freguesia de Santa Cruz no passado, contava, em 1783, com 65

moradores. E entre estes nove casais de pessoas brancas, sete casais de pessoas

pardas, dois casais de pretos libertos e 82 escravos nos serviços destas casas. Já o

Arraial de Santa Cruz contava com 196 moradores; e entre eles havia 57 casais de

pessoas brancas, 55 de pessoas pardas, 16 casais de pretos libertos e 68 solteiros.

É importante ressaltar que a população escrava não aparece nesta análise, mas

havia uma quantidade considerável. Para se ter uma idéia, uma única lavra em

Bonfim possuía 147 escravos (BERTRAN, 1996, p. 200). Em 1819, a paróquia

em aldeias, bem como o número de pessoas de confissão). 1769. Caixa 24, Doc. 1534. Manuscrito. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa.

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 112

inteira de Santa Cruz não contava com mais de 3.000 fiéis. Daí o pessimismo de

Saint-Hilaire quando visitou esta freguesia no inicio do século XIX:

A população permanente no povoado, muito escassa, é composta de um pequeno núcleo de artesãos, de prostitutas, de dois ou três proprietários de cabarés e, finalmente, de alguns mulatos e negros livres, que passam a maior parte de sua vida sem fazer nada (1975, p. 117).

Feitas as considerações preliminares na tentativa de melhor situar o leitor

sobre a freguesia de Santa Cruz, é importante deixar claro que este vilarejo foi palco

algumas vezes no século XVIII e inicio do século XIX de visitadores diocesanos e

comissários do Santo Oficio que procuraram afastar a população do pecado e da

heresia. Analisam-se aqui as duas devassas ocorridas no ano de 1757, cujo

visitador diocesano foi o padre Felipe da Silveira e Souza. Acostumado no tribunal

eclesiástico de Vila Boa a comandar devassas de concubinato, ele percorreu

montanhas e atravessou florestas nas mediações de Santa Cruz de Goiás em busca

das vítimas do pároco desta freguesia.

O principal acusado em Santa Cruz foi o padre José Vieira de Paiva, cujo

pecado era a Solicitação, ou seja, “convite ou ato desonesto dos sacerdotes no

confessionário”. Antes de tudo é bom lembrar ao leitor que esta freguesia, por ser o

principal caminho que ligava a Capitania de Goiás à cidade de São Paulo, foi palco

de grande corrente migratória em busca do ouro e outras riquezas minerais. Neste

contexto, vários portugueses, mineiros, paulistas e “gente” de Pernambuco

estabeleceram-se na região. E a ânsia pela riqueza e a cobiça do objeto alheio

sempre motivaram mortes, contendas e devassidão moral no seio da humanidade.

E nesta paróquia dos sertões de Goiás não foi diferente.

No final do século XVIII (1776), foi preso nos cárceres de Lisboa um

jovem goiano, José Ricardo de Morais, com 20 anos. Era natural da paróquia de

Meia Ponte, sendo morador no Arraial de Santa Cruz, distante 52 léguas de Vila

Boa. O principal motivo da prisão foi acusação de carregar “bolsa de mandinga” com

o objetivo de se “livrar de mortes súbitas, tiros e maus sucessos, como o de morrer

afogado e sem confissão” (INQUISIÇÃO, n. 2779 apud MOTT, 1993, p. 58).

Acusado de cometer o sacrilégio por carregar na sua bolsa de mandinga uma hóstia

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 113

consagrada, ele passou sete anos de prisão em três cárceres diferentes e depois foi

condenado ao degredo. A última notícia que se tem deste jovem, apanhado nos

braços do Santo Oficio, provém do prior da Igreja do Espírito Santo de Azinhal, no

termo de Castro Mearim, local do degredo. A documentação afirma que José

Ricardo de Morais se apresentou nesta Vila no dia anterior para cumprir o degredo

(MOTT, 1993, p. 63).

Mas o nosso principal foco neste trabalho é o pároco desta freguesia,

José Vieira de Paiva, sacerdote encomendado do Bispado do Rio de Janeiro.103 O

referido foi alvo de uma das maiores devassas realizada em um Arraial de Goiás.

Não se sabe se esta visita teve como objetivo a apuração das acusações de

solicitação na confissão ou se foi algo de rotina que os visitadores realizavam nas

freguesias para apurar os vícios e erros. De qualquer forma, Santa Cruz foi

devassada nos meses de março a junho de 1757. Na primeira inquirição feita pelo

padre Felipe da Silveira e Souza, ouviram-se vinte e cinco pessoas. Mas diante das

acusações de suborno houve necessidade de uma segunda devassa. O próprio

visitador ordenou outra inquirição, cuja portaria foi expedida em dezoito de maio de

1757. Esta documentação dava provisão ao doutor “padre Francisco Xavier dos

Santos”, vigário de Crixás e comissário do Santo Ofício, para fazer uma nova

devassa. Nesta última inquirição, todas as testemunhas deveriam ser interrogadas,

principalmente os ausentes da primeira.104 A tabela 5 aponta as pessoas que

prestaram depoimentos na paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Santa

Cruz.

103 Encomendar uma freguesia consistia, pois, em nomear um pároco temporário. Ele era de livre remoção por ordem do bispo. Também não era selecionado por concurso e não era examinado acerca da doutrina, exigindo-se dele apenas idoneidade moral. Esse pároco deveria ser sustentado pela comunidade. Assim, devido a precariedade dos auxílios financeiros, passou a ser normal a prática do que ficou conhecido por pé de altar, além das chamadas conhecenças, que eram pagas na quaresma. O pé de altar eram os emolumentos pagos pelos batismos, pelo casamento e pelos enterros; contribuições estas que, segundo os párocos, eram insuficientes para o seu sustento e, de acordo com os fregueses, era uma dura carga para sua pobreza. As paróquias encomendadas, que até no inicio do século XVIII chegaram a ser numerosas, representaram para os bispos a possibilidade de atuar independente e automaticamente, sem intervenção do padroado em responder a necessidades pastorais. Ademais, as paróquias encomendadas fortaleceram os bispos, com relação ao pároco colado, já que eles poderiam remover os vigários inconvenientes. Tal situação foi também utilizada pelos fregueses, que exerceram maior poder e controle sobre os padres, uma vez que estes dependiam deles para a sua manutenção, construção da Igreja e sua estabilidade no cargo. (CASTRO, 2006, p. 128). 104 INQUISIÇÃO DE LISBOA. Solicitantes. Processos inquisitoriais. Livro n. 769. Manuscrito. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. fl. 16v.

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 114

Tabela 5 - Tabela dos Delatores Nome E. Civil Morada Ofício Naturalidade Bispado Idade

Ângelo Lopes de Azevedo Casado Santa Cruz Sapateiro V. Itu São Paulo 32

Guiteria da Rocha Casado Santa Cruz - V. Parnaíba São Paulo 24

Manoel Vaz de Villa Nova Solteiro Santa Cruz Seu negócio V. Guimarães Braga 40

Francisco Xavier de OliveiraSolteiro Santa Cruz Minerar V. Parnaíba São Paulo 30

Furtuoso de Oliveira Prado Solteiro Santa Cruz Lavoura V. Parnaíba São Paulo 30

Simpliciano Ribeiro de Faria Casado Santa Cruz Serralheiro V. Cadaval Lisboa 40

Barbara de Oliveira Prado Casado Santa Cruz - V. Parnaíba São Paulo 28

Domingos Oliveira Almeida Casado Brumado* Lavoura Mogi da Cruzes São Paulo 32

Gaspar Correa Leite Solteiro Santa Cruz Minerar V. Parnaíba São Paulo 34

Maria de Siqueira Lara Casado Brumado* - Meya Ponte Rio Janeiro 28

Marçal Pessoa de Faria Casado Santa Cruz Lavoura Águas Santas Braga 40

Maria da Conceição Viúva Santa Cruz - São Paulo São Paulo 22

Getrudes de Souza Solteiro Santa Cruz - V. Parnaíba São Paulo 18

Jerônimo R. P. Guimarães Casado Santa Cruz Lavoura Guimarães Braga 55

Domingos Ribeiro Solteiro Santa Cruz Carpinteiro S. Marinha V. Porto 30

Tome Alves Furtado Casado Santa Cruz Coronel/lavoura Santo Amaro São Paulo 57

Manoel Teixeira Solteiro Santa Cruz Coadjuntor S. Pedro de B. Braga 43

Luiz Lobo de Souza Casado Santa Cruz Capitão/Minerar S. Maria Mayor Braga 44

Francisco Xavier de Morais Solteiro Santa Cruz Lavoura Santa Cruz Rio Janeiro 20

Jose Nunes Paes Casado Santa Cruz Lavoura Santo Amaro São Paulo 52

Manoel de Britto Leme Casado Pé do Morro*Lavoura V. Guaratinguetá São Paulo 39

Escolástica da Silva Buena Casado Santa Cruz - N.S. Conceição São Paulo 44

Apolônia Maria Leite Casado Santa Cruz - V. de Itu São Paulo 30

Rosa Ana da Silva Casado Santa Cruz - São Paulo São Paulo -

Joana de Oliveira Casado Santa Cruz - Santa Cruz Rio Janeiro 17

Serafino C. de Moraes - Calvo* Lavra V. Jacarei São Paulo 35

Manoel Paiva de Faria - Santa Cruz Lavoura Águas Santas Braga 40

Francisca Furtada Syrqueira Casado Santa Cruz - São Paulo São Paulo 50

José Francisco Soares Solteiro Santa Cruz Alfaiate C. Vieira Braga 30

Dmingos Rodrigues Solteiro Santa Cruz Carpinteiro S. Marinha R. Porto 30 Fonte: INQUISIÇÃO DE LISBOA. Solicitantes. Processos inquisitoriais. Livro n. 769. Manuscrito.

Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa.

Pelo que se observa nesta tabela 5 a maioria dos portugueses que

chegou a Santa Cruz veio da região norte de Portugal, principalmente do bispado de

Braga e Porto. Outro dado que chama atenção é o estado civil da população, um

grande número de casais. Percebe-se através destes índices que não se pode

generalizar a questão do concubinato em Goiás. O casamento era muito importante

para esta população. Parece que a formação da família monogâmica, por meio do

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 115

sacramento na Igreja era anseio de todos e por isso a população não aprovava o

comportamento do seu pároco que procurava destruir as alianças matrimoniais.

Outro aspecto que a tabela 5 aponta são os ofícios, ou seja, as atividades

econômicas praticadas pelos moradores da freguesia de Nossa Senhora da

Conceição. São várias atividades que permitem uma análise global da economia

goiana no período colonial. Apesar de a mineração aparecer poucas vezes neste

quadro, ela foi a atividade econômica de maior importância no decorrer de todo o

século XVIII e era exercida pelos elementos de melhor condição social. O capitão

Luiz Lobo de Souza que depõe na devassa, realizada pelo visitador Felipe da

Silveira e Souza, aparece em primeiro lugar na relação da sete “lavras de talho

aberto” que possuía Santa Cruz em 1783.105 As minas auríferas eram exploradas

por mão-de-obra escrava, em virtude da opinião vigente na época de ser o serviço

braçal somente de escravos.

Apesar dos vários obstáculos enfrentados pela população na Capitania de

Goiás, a formação econômica regional foi se firmando em decorrência da exploração

aurífera e do trabalho escravo. De acordo com Marivone Matos Chaim (1987), os

arraiais mais prósperos resistiram ao esvaziamento do ouro devido ao esforço da

população e das autoridades. Tal qual a mineração, a produção das lavouras de

subsistência, o pequeno comércio e as vias de ligação, teimosamente, resistiram à

adversidade. Estas atividades paralelas à mineração estavam vinculadas aos

interesses metropolitanos, ou seja, arrecadação de impostos. Os gêneros de

primeiras necessidades eram altamente taxados. Estas medidas foram modificadas

com a queda da produção do ouro e o governo passou a incentivar a produção

agrícola, através de isenção de impostos e outras medidas de incentivo à lavoura

(CHAIM, 1987, p. 41).

A tabela 5 fornece dados sobre as ocupações, a origem, o estado civil, a

idade, e o tipo étnico dos denunciados. Dados importantes para se esboçar a 105 Conforme a documentação, Santa Cruz de Goiás possuía no ano de 1783 várias lavras de minerar. Segue aqui a relação destas lavras: 1) O guarda-mor Luiz Lobo de Souza possuía 54 escravos e minerava com 30; 2) Francisco Xavier de Siqueira possuía 25 escravos e minerava com 16; 3) Antonio Teixeira da Motta minerava com os 12 que possuía; 4) José Francisco Duarte possuía 46 escravos e minerava com 26; 5) A viúva Anna Maria Leme possuía 36 escravos e minerava com 25; 6) A viúva Ignes de Assunção possuía 44 escravos e minerava com 15; 7) Pedro de Souza de Leão possuía 20 escravos e minerava com 16. Havia neste mesmo distrito quatro engenhos de moer: o engenho de Antonio de Almeida e Moraes possuía 25 escravos; o de Francisco Teixeira da Motta possuía 28 escravos; o de Manoel Álvares Rodrigues possuía 25 escravos, e o do doutor Claudio Maria de Brito Silva possuía 16 escravos. (BERTRAN, 1996, p. 200).

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 116

tipologia da denúncia. A ocupação de homens como chefes de famílias permite

classificar os indivíduos em função da sua posição social. Para Ronaldo Vainfas

(1986), a maioria dos denunciantes na sociedade colonial pertencia aos setores

dominantes da sociedade, ao poder civil, militar e eclesiástico. A devassa de Santa

Cruz parece expressar esta tendência, embora com números reduzidos de

testemunhas que são convocadas pelas inquirições. Para o referido historiador,

[...] o jogo de denúncia embora não fosse um instrumento de coerção nas mãos dos homens bons da colônia, era capaz de espelhar, no seu funcionamento, a hierarquia, os privilégios e as restrições vigentes no corpo social. (VAINFAS, 1986, p. 56).

Neste sentido, as pessoas que possuíam uma simples taverna sentiam o

dever de “atender ao apelo do Inquisidor”. E entre aqueles que transgrediam as

normas da sociedade a simples noticia da chegada do visitador em uma vila

causava desconforto e receios a uma grande parcela da população. Na devassa de

Santa Cruz, todos os delatores eram homens livres que viviam de seus ofícios:

“sapateiro”, “negócio”, “minerar”, “lavoura”, “serralheiro”, “carpinteiro”, “alfaiate”,

”capitão” e “coronel”. Em relação à origem e etnia houve um grande predomínio de

paulistas e portugueses, ou seja, os homens brancos do pequeno vilarejo. No dizer

de Vainfas (1986), a “ação moralizante do Santo Ofício tendia a se concentrar no

reduzido círculo de colonos portugueses, fossem homens de fortuna e prestígio,

fossem simples assalariados ou vadios”. Por outro lado, a grande maioria dos

denunciantes em Santa Cruz se compunha de pessoas casadas. Em uma sociedade

em que os “desvios morais” eram bastante comuns, parece que a Igreja dava mais

credibilidade àqueles que guardavam melhor os preceitos cristãos. É neste sentido

que “Domingos Oliveira Almeida” e a sua esposa “Maria da Serquira Lara”

moradores na “paragem do Brumado” são convocados pelo visitador. A exceção de

algumas mulheres que foram os principais alvos dos desejos libidinosos do

mencionado sacerdote, a maioria das testemunhas mantinha de certa forma, uma

relação muito estreita com as famílias envolvidas no pecado de solicitação.

Em uma pequena aldeia as notícias voavam como raio e todos “sabiam

por ouvir dizer” das aventuras eróticas do padre José Vieira. Assim “Francisco

Xavier” disse que sabe por ser “publico e notório” que o vigário desta freguesia

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 117

solicitou na confissão uma mulher casada e moradora “nas partes do Riacho Fundo”

cujo nome ignora; Manoel de Brito Leme morador na “paragem chamada pé do

morro”, natural de Guaratinguetá, disse que sua mulher Escolástica vindo confessar

nesta freguesia por desobriga da quaresma foi solicitada para “tratos ilícitos”;

Domingos de Oliveira de Almeida morador “na paragem chamado Brumado” disse

que sua filha, Maria de Lara, vindo confessar com o “Reverendo vigário, este a

solicitara para atos torpes”, mas como ela não aceitou, o padre ficou “com ódio da

sua família”.106 Também Luciano Figueiredo (1989) constatou nas Minas Gerais este

tipo de comportamento violento por parte do clero mineiro quando não conseguia

satisfazer seus intentos com as concubinas e outras mulheres que cobiçavam.

Geralmente as notícias corriam entre os familiares das vítimas em Santa

Cruz para depois se espalhar no povoado e arrabaldes. Frutuoso de Oliveira do

Prado

[...] sabe por lhe dizer Quitéria da Rocha, sua prima casada com Ângelo Lopes, que o padre a solicitara na confissão; e sabe também que Gertrudes de Souza sua prima, mulher solteira, fora solicitada na confissão e houve copula Ilícita entre ambos.107

“Angello Lopes de Azevedo” disse que sua mulher Quitéria da Rocha indo

confessar com o dito padre este no ato da confissão perguntou como se chamava, e

ao dizer seu nome, o vigário lhe dissera que tinha uma prima como o mesmo nome

e por isso a desejava “muito mais”. Já “Simpliciano Ribeiro de Faria” sabe, “por ouvir

dizer”, que “Gertrudes da Rocha, assistente na casa do Tenente José de Oliveira

Dorta, fora apanhado em uma ocasião, as altas horas da noite, em uma roça”, com o

pároco de Santa Cruz. “O dito padre disse a “Dorta” que não fizesse motim nem

publicasse tal acontecimento por que ele estava tratando do casamento de

Gertrudes com Paulo Dinis”.108

Imaginem tratar de casamento com uma moça as altas horas da noite, em

uma mata, quando as orientações do bispado do Rio de Janeiro proibiam qualquer

106 INQUISIÇÃO DE LISBOA. Solicitantes. Processos inquisitoriais. Livro n. 769. Manuscrito. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. fl. 297-316v. 107 INQUISIÇÃO DE LISBOA, loc. cit. 108 INQUISIÇÃO DE LISBOA. Solicitantes. Processos inquisitoriais. Livro n. 769. Manuscrito. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. fl. 297-316v.

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 118

ajuntamento de pessoas após a Ave-Maria. As desculpas do referido sacerdote foi

uma forma de falsear a verdade, esconder um relacionamento de concubinato que a

maioria da população em Santa Cruz sabia. Para Vainfas (1997), as relações

sexuais do período colonial consideradas “extravagantes” ou mesmo “aberrantes”

poderiam ser “corriqueiras naquele tempo”. A casa não era um espaço seguro para

as intimidades sexuais, principalmente as relações proibidas. Neste sentido, o mato

aparece como alternativa para as relações consensuais. Assim afirma o referido

historiador:

Colônia de poucas cidades e casas devassadas, o Brasil teria nos matos (acima das ervas) um espaço de deleitações, especialmente, no caso das relações proibidas. Grande paradoxo: um espaço, por assim dizer, público, como era o mato a beira do rio, podia ser mais apto à privacidade exigida por intimidades secretas do que as próprias casas de parede-meia ou cheia de frestas. (VAINFAS, 1997, p. 257).

A prática da confissão comunitária muito comum na Igreja primitiva passa

por modificações na Idade Média, tornando-se um ato individual. Com o passar dos

tempos houve subversão no sentido da confissão entre penitentes e confessores. É

neste contexto que se multiplicam os manuais dos confessores. Em relação às

interrogações que o padre fazia aos penitentes na confissão, Azpilcueta Navarro

aconselhava “somente as questões necessárias, sem particularizar nem esmiuçar

demasiadamente” (NAVARRO, 1759, p. 185 apud LIMA, 1987, p. 86). Percebendo

os riscos e os perigos que o sacramento da confissão poderia causar tanto nos

leigos como nos sacerdotes, a Igreja tomou algumas medidas para combater estes

desvios. O Manual de Confessores e Penitentes mostra-se particularmente sensível

a estes desvios, alertando aos sacerdotes para “algumas funções, como pregar,

ensinar ou confessar, obrigam, às vezes, quem as exerce, a ler, ver, ouvir ou dizer

coisas torpes junto a pessoas de outro sexo; chegando com isso a ter polução”.

Nesses casos, se a polução fosse voluntária, o padre deveria a abandonar sua

função para impedi-la (NAVARRO, 1759, p. 188 apud LIMA, 1987, p. 86).

Apesar de toda cautela da Igreja em relação à confissão, a Torre do

Tombo em Lisboa esta abarrotada de processos de solicitação. O crime de

solicitação era da alçada do Santo Ofício e chegou a preocupar o Concílio de Trento

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 119

que institui o confessionário como forma de impedir a relação muito próxima entre

confessores e fiéis durante a confissão. As Constituições da Bahia, na tentativa de

colocar em prática as resoluções tridentinas determinam a obrigatoriedade do

confessionário e proíbem as mulheres de confessar fora destes locais. Temerosa da

proximidade física criada no confessionário entre confessor e penitente, a Igreja

limitou este sacramento àqueles eclesiásticos que, pela sua idade e costumes,

dessem mais garantias de uma conduta correta.109 Nem todos, portanto, que

recebiam as ordens sacras tinha acesso ao confessionário, mas em relação aos

regulares essa questão parece ter ficado dependente da decisão dos respectivos

provinciais e não dos bispos, razão pela qual são em maior número os regulares

denunciados do que os seculares.

Mesmos com estes cuidados, abundam na documentação Inquisitorial as

denúncias de solicitação, encaminhadas diretamente por mulheres quando estas

eram alfabetizadas, o que era raro, ou feitas por um ou outro eclesiástico. É certo

que muitas destas denúncias podiam ser motivadas e instigadas devido à inimizade

entre os membros do clero que se serviam das mulheres para satisfazer seus ódios

e vinganças. Mas também é verdade que muitas mulheres, informadas por novos

confessores de que era preciso denunciar as práticas de solicitação ocorridas

anteriormente, assim o faziam por intermédio do padre.

As orientações eclesiásticas especificavam a situação que configurava o

crime de solicitação: “era durante a confissão, ou imediatamente antes ou depois, no

confessionário ou em qualquer outro local escolhido para este efeito”. Assim todas

as denúncias acentuavam as circunstâncias em que o confessor solicitava a

penitente. Muitas vezes as vítimas se deixavam levar por palavras enganadoras, na

esperança de um dote para casamento e acabavam caindo numa relação de

concubinato com o sacerdote da freguesia. Assim ocorreu com Gertrudes de Sousa

109 Se observarmos as Constituições Primeiras, os sacerdotes para confessar mulheres deveriam ter acima de quarenta anos de idade. Além do mais, as orientações sacramentais destas mesmas Constituições orientavam os párocos para criação de confessionários públicos. A confissão de qualquer penitente, especialmente as mulheres, não poderia ser fora do confessionário. Os confessores não poderiam confessar pessoa alguma na rua, ou no campo, ou em outro lugar fora da Igreja. É claro que havia exceção para as pessoas com doenças contagiosas, e também o período de grandes pestes (VIDE, 2007, [Livro I, Título XLIII]). Em Goiás houve várias medidas para colocar as mulheres penitentes distantes dos seus confessores: Dom Antonio do Desterro publicou uma pastoral em 1751 que impedia a confissão, “sem ser por grades interpostas”; o padre Antonio Pereira Correa, visitando Goiás e Tocantins, neste meso ano, proíbe os sacerdotes confessarem mulheres em casas particulares. E por fim, Silva e Souza, Visitando Araxá , em 1824, chamava atenção dos sacerdotes que confessavam mulheres sem confessionário nas desobrigas (CASTRO, 2006, p. 194).

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 120

moradora na Freguesia de Santa Cruz “[...] disse que indo confessar-se com o

Reverendo Padre Jose Vieyra de Payva no acto da Confissão Sacramental entrou o

ditto a dizer-lhe palavras amatorias” e “louvando-a de formosa e outras mais

palavras solicitantes para a torpeza”. Como não queria demorar na confissão, ele

pediu que ela fosse à sua casa, “ocultamente de noite, que tinha negocio particular

para lhe comunicar.” Depois de quatro ou cinco tentativas em vão, o encontro foi

facilitado por um “preto da casa chamado Jose” e ocorreu depois da meia noite. O

padre lhe dissera que o “negocio que dispunha significava muito amor, e

continuando com muitas palavras amatorias lhe prometeu adotar, casar, vestir, e a

sustentar, do necessário”. Com estas promessas e enganos, o padre “a deflorou, e

levou a sua honra e Virgindade; e assim continuou as maiores partes das noites”.

Mas ela testemunha, veio a casa dele poucas vezes, mesmo assim, o “caso se

tornou público e escandaloso, reputado por concubinato”. Disse mais que o padre

José Vieira faltou “em tudo que tinha prometido e a fez perder vários casamentos”.

E, além disso, a proibiu de confessar com outros sacerdotes neste período em Santa

Cruz. Mediante esta proibição, ela confessava “as culpas de torpeza” que tinha com

o próprio vigário e era sempre absolvida por ele.110 Mas Gertrudes não foi à única

mulher que viveu em concubinato com o padre José Vieira. O “guarda mor Gaspar

Correa Leite” declarava ao visitador diocesano e ao comissário do Santo Oficio, em

1757, que o padre andou também “amancebado com uma bastarda por nome Anna

que morava neste Arayal”. Relatou, ainda, a vinda de uma mulher de São Paulo

chamada “Anna Leonor da Conceição” que o padre a recolheu em sua casa e lhe

deu “bastante vinho e comida para ter cópula com ela”. E esta última “gabava com

todos deste Arayal” o seu trato ilícito com o vigário”.111

Parece que o pároco de Santa Cruz era mesmo insaciável nos seus

desejos carnais, violava os votos de castidade e cometia o crime da solicitação ad

turpia com todas “as mulheres que lhe agradavam”. Apolônia Maria Leite, casada

com Domingos da Silva, natural do Bispado de São Paulo e assistente na referida

freguesia disse ao comissário do Santo Oficio que

110 INQUISIÇÃO DE LISBOA. Solicitantes. Processos inquisitoriais. Livro n. 769. Manuscrito. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. fl. 303v-304. 111 Ibid., fl. 328-329v.

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 121

[...] confessando se segunda vez com o ditto padre este [continuou] a dizer lhe algumas palavras amatorias que ella testemunha por ser surda não percebeu muito bem, mas de algum modo entendeu serem desonestas.112

Apolônia testemunhou que o padre Jose Vieira a “provocou e persuadiu

para ter com ela Copula ilícita e conseguiu muitas vezes a relação carnal”. E

sabendo o padre, por meio da confissão, que ela teve no passado cópula com um

homem casado foi à casa do referido tirar satisfação. Além da solicitação pesava

sobre o pároco de Santa Cruz, a acusação de violação do sigilo da confissão.113

O sacramento da confissão teve uma importância capital no Brasil

colonial. Na tradição da confissão auricular, a instituição eclesiástica seguiu e até

perpetuou uma orientação da Igreja medieval européia após o famoso Concílio de

Latrão IV (1215), que fez da confissão ‘ao pé do sacerdote’ a prática penitencial por

excelência.114 No século XVIII, a confissão era o sacramento que mais preocupava

os bispos. Acreditavam que tal sacramento não estava sendo bem administrado,

uma vez que os crimes, os amancebamentos e as diversas desordens morais

abundavam nas freguesias. Na realidade as pessoas não levavam muito a sério os

mandamentos da Igreja que exigia a confissão pascal. Os bispos do Rio de Janeiro

tentaram corrigir esses abusos com as conferências de moral para os sacerdotes e a

exigência do rol dos confessados.

Em Goiás, a confissão teve a sua importância ao lado do sacramento do

batismo, eucaristia e do casamento. Além disso, a confissão no tempo da quaresma

era uma exigência da Igreja. A esse respeito, as Constituições Primeiras diziam que

“todo fiel cristão, a partir de sete anos de idade, deveria confessar com seu pároco

112 INQUISIÇÃO DE LISBOA. Solicitantes. Processos inquisitoriais. Livro n. 769. Manuscrito. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. fl. 341v-342. 113 INQUISIÇÃO DE LISBOA, loc. cit. 114 A transição da confissão pública para a confissão auricular está ligada a vários fatores. Entre eles está o medo do pecador ser processado pelos crimes que cometiam, principalmente, os pecados de adultério, cuja pena era a morte da mulher e do amante. O século XII foi fundamental para esta mudança, mas foi o concilio de Paris (1198) que marcou o momento da generalização da confissão privada. Com o Concilio de Latrão (1215-1216), a confissão anual torna-se obrigatória. Esta confissão exigia que o cristão confessasse com o seu próprio pároco, sendo necessária uma licença especial para confessar com outro padre. “Os avisos afixados vinham acompanhados de ameaças, não apenas de excomunhão da Igreja, como também de negação de sepultura eclesiástica”. A partir de Trento, a Igreja procurou solidificar de forma rigorosa os sacramentos em virtude da Reforma Protestante. Foi o Concilio de Trento que definiu regras mais rígidas para os confessores. A partir daí ninguém podia ouvir em confissão sem possuir uma autorização ou provisão do bispo diocesano (ALMEIDA, 1993, p. 11-18).

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 122

pelos menos uma vez por ano”115. A confissão pascal foi uma exigência da Igreja a

partir do Concilio de Trento. Era excomungado e praticava pecado mortal quem não

confessasse no período da quaresma. Para que isso acontecesse, o pároco ou o

capelão deveria receber de cada chefe de família o ‘rol das pessoas’ com seus

nomes e sua idade antes da quarta-feira de cinzas. O padre João Antunes de

Noronha do Arraial de Vila Boa fez um requerimento, em 1773, ao bispo do Rio de

Janeiro exigindo uma prorrogação do tempo para as confissões. Para o referido

pároco, no período de fevereiro a maio, seus paroquianos estavam ocupados com a

colheita e a mineração. Por isso, pedia ao bispo até o primeiro domingo de agosto

para confessar seus fregueses.116 Já o vigário José Correia de Leitão, em 1783,

publica um edital exigindo que os párocos e capelães fizessem um exame da

doutrina em seus fregueses antes da confissão.117

Saint-Hilaire (1975), visitando o arraial de Santa Luzia numa festa de

pentecostes, fala da ocupação do vigário na confissão de um grande número de

fazendeiros que morava distante do arraial. Para este autor, esses homens só

vinham ao povoado uma vez por ano para celebrarem a páscoa. Ainda sobre a

confissão dizia Saint-Hilaire:

[..] e quando o vigário percorre as Fazendas para a confissão pascal, acontece muitas vezes que todas as mulheres de uma mesma família se apresentam diante dele, uma de cada vez, usando o mesmo vestido. (1975, p. 27).

Todos estes fatos comprovam a obrigatoriedade da confissão exigida pela

Igreja. Contudo, muitos sacerdotes abusavam dos seus fiéis que buscavam na

115 A Igreja procurava incentivar os seus fiéis para o sacramento da confissão. Além do preceito obrigatório da quaresma havia as grandes festas religiosas conforme o calendário litúrgico: Natal, Páscoa, Pentecostes e Assunção de Nossa Senhora. Neste sentido, toda pessoa a partir dos sete anos de idade estava sujeita a cumprir o preceito da confissão anual. Passar a quaresma sem confissão era pedir para ser excomungado. (VIDE, 2007, [Livro I, Titulo XXXVI]). 116 COPIA de um requerimento do padre João Antunes de Noronha [de Vila Boa] a S. Excelência [Bispo do Rio de Janeiro] para prorrogação do tempo das Confissões Quadragésimas, e seu despeito. 1773. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. 117 EDITAL, porq. O Rdo. Vigário Geral desta Capitania Por ordem de S. Exa. Rma. manda q. Se apresentem os povos os róis das pessoas de suas famílias aos R. R. Parochos athe 4 feira de Cinza; e q as confissões annuaes não excedam ao tempo das constituições. 1784. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 123

confissão alivio para purificação de suas almas. O padre José Vieira parece um

“lobo vestido de cordeiro” que usou do seu poder sacerdotal para espalhar o terror

nas consciências dos fiéis.

Nem todas as mulheres se deixaram levar pelos caprichos e chantagem

do vigário de Santa Cruz que usava do confessionário para satisfazer os seus

apetites sexuais. Assim testemunhou “Maria da Serqueyra Lara” casada com “Jose

Teyxeira Pinto de Magalhães”, uma ex-moradora do “Rio do Peixe que fora

desobrigar no tempo da Quaresma”. Disse ao visitador que no “acto da Confissão

Sacramental” o dito padre a solicitou para “actos topes e ilícitos em que ella referida

não consentira por não ofender a Deos, e agravar a sua virgindade”. Mesmo assim,

o padre José Vieira continuou a solicitá-la, em outras confissões, com “palavras

claras para a torpeza”. Vendo que fracassara nas suas intenções, tentou roubar a

jovem do seu pai, por meio de ameaças dos “alcoviteiros Luiza Preta Forra”, e seu

marido “Francisco Lírio”. Como a vítima resistiu todas as pressões, o pároco

procurou vingar de toda sua família. Usou o poder do seu ministério para não

absolvição da confissão quaresmal, e ao mesmo tempo, os proibiu de confessar com

os coadjutores.118

Este fato deixa claro uma violência velada que a figura feminina

enfrentava nas sociedades patriarcais, principalmente em regiões agrárias do Brasil

Colonial. Não bastava a submissão do esposo e do pai, mas também de alguns

agentes eclesiásticos. O depoimento de Escolástica junto ao visitador diocesano,

Felipe da Silveira e Souza no “sitio de Corumbá” deixa transparecer esta fragilidade,

e o medo de revelar a verdade. Talvez a presença de pessoas tão ilustres em sua

casa, um sítio distante de Santa Cruz, onze léguas, tenha assustado esta pobre

analfabeta, aterrorizada com as chantagens do padre José Vieira. O que aconteceria

com a sua família se ela contasse a verdadeira história das solicitações do vigário?

Por outro lado, a presença dos agentes do bispado do Rio de Janeiro, naquela

localidade, demonstra que a presença dos visitadores não se restringiu aos centros

urbanos mais importantes. A defesa da fé cristã e os perigos da heresia faziam os

agentes eclesiásticos enfrentar montanhas e rios para coibir o erro.

118 INQUISIÇÃO DE LISBOA. Solicitantes. Processos inquisitoriais. Livro n. 769. Manuscrito. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. fl. 305v.

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 124

A devassa em Santa Cruz revela também que o prazer sexual poderia ser

buscado e praticado em muitos “lugares” na sociedade colonial, inclusive “na igreja,

o santuário do catolicismo”. No dizer de Vainfas (1997), os templos religiosos dos

setecentos foram fundamentais para o encontro das “famílias nas missas dominicais

e nas festas religiosas”. Era nas imediações ou no interior das igrejas, mediante as

pompas dos rituais da semana santa, do repicar das badaladas dos sinos e do

cheiro das fumaças do incenso que aconteciam as tramas dos jogos eróticos. Neste

sentido parece que os imigrantes europeus trouxeram para o Brasil alguns

resquícios da Idade Média. “A igreja tornou-se em certas circunstâncias, num dos

raros espaços privados de conversações amorosas e jogos eróticos, os quais

envolviam nada menos que os próprios confessores” (VAINFAS, 1997, p. 258-260).

Devido ao medo dos maridos vingativos e das retaliações dos sacerdotes muitos

acontecimentos não chegaram aos bispos e visitadores diocesanos. Muitas

mulheres procuravam uma resposta no silêncio do dia-a-dia.

“Escolástica da Sylva Bueno casada com Manoel de Brito Lima” disse ao

visitador diocesano, que fazia dois anos que o padre José Vieira a havia solicitado

no “acto da confissão Sacramental com palavras claras e provocativas para a

torpeza”. O padre disse a ela que “se não houvesse ocasião para o pecado, por ser

moradora em um sitio distante de Santa Cruz, fariam na própria Igreja matriz”. Mas

ela repugnou o assédio do padre “pedindo-lhe que a confessasse e dispusesse a

sua consciência para o bem da sua alma e não para o inferno”.119 Entretanto, as

suas palavras não foram suficientes para conter o pároco das abusadas investidas.

Na segunda devassa de solicitação realizada na freguesia de Santa Cruz,

Escolástica abriu o verbo. Conforme o seu depoimento, tudo começou no ano de

1755 quando o padre Jose Vieira foi a sua casa confessar sua família em

preparação para a páscoa. Em plena confissão, o padre lhe teria dito que “vivia

afeiçoado e que tinha vontade de lhe servir”. Mas ela não deu atenção. Então, ele

pediu ao seu marido para falar-lhe “particularmente sobre a novena da padroeira”,

antes de seguir viagem. Toda sua família e amigos conversavam nas mediações

externas quando o padre entrou no interior da casa, e no mesmo lugar a quis

violentar com “factos desonestos, puchando ella testemunha para a cama”. O “tal”

ato só não foi consumado porque uma escrava a defendeu da “violência” e agressão 119 INQUISIÇÃO DE LISBOA. Solicitantes. Processos inquisitoriais. Livro n. 769. Manuscrito. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. fl. 315.

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 125

daquele sacerdote. Ao tomar conhecimento do fato, seu marido ficou furioso e “quis

logo seguir ao dito Padre com armas de fogo para vingar semelhante ofensa”. O

episódio mencionado obrigou Escolástica procurar outro sacerdote para a sua

desobriga quaresmal. No entanto, ficou surpresa com um edital fixado à porta da

Igreja que proibia a todos os “sacerdotes do Arayal de Santa Cruz confessarem

homens brancos e mulheres”. Escolástica não conseguiu confessar e muito menos

comungar neste dia devido às provocações obscenas do seu pároco. Voltou no dia

seguinte e sujeitou se as piores humilhações em troca da desobriga pascal.120

O edital do pároco foi um dos principais recursos que ele utilizou para

satisfazer os seus desejos e ao mesmo tempo controlar a vida de seus fregueses121.

Mas sempre houve mulheres como “Escolástica” e “Maria Serqueyra” que

desafiaram as suas volúpias. Ainda sobre a desobriga da quaresma, chama-se

atenção para o testemunho de “Guiteria da Rocha assistente na freguesia de Santa

Cruz” e casada com “Ângelo Lopes de Azevedo”, natural de Parnaíba, bispado de

São Paulo. Por duas vezes foi solicitada, mas conseguiu enganar o pároco para

receber a absolvição dos seus pecados. Contudo o padre não desistia. “Certa vez

Guiteria foi visitar sua prima Barbara de Oliveira e ao voltar para casa, o pároco

estava a sua espera, e escondido atrás dos quintais tentou agarrá-la”. Mas ela foi

mais esperta, correu para casa da sua prima que, juntamente com seu marido, a

levou para casa.122 O abuso do poder no exercício sacerdotal levou o referido

pároco a posições exageradas. Às vezes, pequenas rixas e vinganças individuais

eram motivos para negar a absolvição de uma confissão. Foi o que ocorreu com

“Francisco Xavier Pessoa, natural de Águas Santas, arcebispado de Braga e

morador em Santa Cruz”. Estando o referido, ajoelhado e confessando com o padre

Manoel Teixeira, num domingo abarrotado de devotos na Igreja matriz, o padre José

Vieira gritou para que ele não continuasse a sua confissão com o coadjuntor. Este

fato chocou muito ao irmão do penitente “Marçal Pessoa de Faria, homem casado,

que vivia de sua lavoura na região”.123

120 Ibid., fl. 340v-341. 121 Conforme o depoimento das Testemunhas nas devassas de Santa Cruz, a negação da absolvição era sem motivos e ligada à vingança individual. Quando o padre José Vieira não alcançava os objetivos com a mulher que solicitava, apelava para negação da absolvição até mesmo para o esposo da vítima. 122 INQUISIÇÃO DE LISBOA. Solicitantes. Processos inquisitoriais. Livro n. 769. Manuscrito. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. fl. 306. 123 Ibid., fl. 331.

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 126

Nem todas as mulheres contaram com a mesma sorte ou tiveram

personalidades para lutar contra aos ataques do pároco de Santa Cruz. Ele era ágil

e bastante criativo para satisfazer os seus desejos carnais. Não perdia tempo, usava

da festa da padroeira, banhos de casamentos, desobriga, chantagem religiosa, e

alcoviteiros para aproximar e seduzir as mulheres que lhe agradavam. “Maria da

Conceição”, mulher viúva e natural da cidade de São Paulo, disse que foi solicitada

todas as vezes que confessou com o referido padre. E sempre ele dizia “palavras

amatorias, provocativas e luxuria, e para o mayor pecado a buscou fora da confissão

várias vezes”. Também citou neste depoimento que “Maria Preta”, escrava do

Coronel Bartolomeu Bueno fora solicitada para “atos torpes em desobriga da

quaresma”.124 Parece que o vigário de Santa Cruz não observava as idades das

mulheres para o seu assédio sexual. Joana de Oliveira, 17anos, casada com

Francisco Correa, moradora no “Sitio de Marinho”, disse ao comissário do Santo

Oficio que foi estuprada na casa do reverendo vigário quando fazia as diligências

para o seu casamento. O “ditto padre fez sair a seu pai para fora da casa [...] e

ficando só com ella a violentou com força e usou della testemunha ilicitamente por

Copula ao que não pode ella resistir pella violência e provocações que o ditto padre

lhe fez”.125

Pesava também sobre o padre José Vieira de Paiva a acusação de

quebra de sigilo na confissão.126 Era uma negligência gravíssima que o levaria ao

estado laical. “Barbara de Oliveira do Prado casada com Simpliciano Ribeiro Faria”,

relatou na devassa que o referido padre dissera a

[...] ella testemunha que seu marido tinha tratos ilícitos com huma sua escrava preta crioula por nome Maria, e se caso queria ter certeza ou desengano, elle obrigaria a ditta preta a que se

124 Ibid., fl. 306v-307v. 125 Ibid., fl. 343. 126 Conforme as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, o sigilo da confissão é uma obrigação que o confessor tem de não manifestar os pecados que lhe são confessados em hipótese nenhuma, nem para “livrar a própria vida”. O numero 188 é claro: e se algum confessor direta, ou indiretamente descobrir o que lhe foi dito em confissão, incorra em excomunhão maior e será condenado em cárcere perpetuo deposto do oficio sacerdotal e benefícios que tiver. Esta documentação orientava os confessores para manter as pessoas afastadas do local em que estivessem “ouvindo de confissão”, justamente para que ninguém pudesse entender a confissão do outro. (VIDE, 2007, [Livro I, Título XLVI]).

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 127

confessasse com elle e proibiria ao padre coadjutor Manoel Teixeira confessá-la.127

Se o fato fosse afirmativo, ele não absolveria a escrava. Para Barbara, o

padre revelou o sigilo da confissão de seu marido, relatando o caso com a

escrava.128 Já, “Rosa Ana da Silva, casada com Manoel de Rezende” disse ao

comissário do Santo Oficio que o pároco de Santa Cruz acabou com o casamento

dela ao revelar o sigilo de confissão e aconselhar o seu noivo para não casar.

Relatou que foi em Santa Cruz quando era solteira, acompanhada de Tomé Alves e

um missionário, para tirar esmola para as núpcias que seu pai havia ajustado. Ao

chegar a casa do reverendo vigário, “este publicamente dissera a ella testemunha

que não tirasse mais esmolas por que já estava desonestada com outrem”. E assim

foi dizendo aos moradores em suas casas que não dessem esmolas para esse

casamento. E como ela testemunha tinha confessado com o “ditto padre na

Quaresma antecedente” aquele pecado que nenhuma outra pessoa sabia, “logo

julgou que a noticia” tinha surgido da confissão.129 A revelação deste segredo fez

Rosa perder o casamento, mas pelo visto não ficou solteira.

Os fiéis da paróquia de Nossa Senhora da Conceição acusavam também

o seu pároco de falta de assistência aos doentes e moribundos. Os depoimentos nas

duas devassas deixam transparecer que várias pessoas morreram sem receber os

sacramentos (unção dos enfermos e confissão), indispensáveis na hora da morte

para que o fiel pudesse reconciliar com Deus e salvar a sua alma do inferno.

“Francisco Xavier de Morais” disse ao visitador diocesano que houve um levante em

Santa Cruz para matar um negro que havia assassinado seu senhor, “Serafino

Tomas”, no tempo do padre José Vieira. Após várias “pancadas e cutiladas”,

chamaram o dito vigário para confessar o escravo e este o deixou morrer sem o

sacramento.130 Também o “guarda mor Gaspar Correa Leite” declarou que o padre

deixou um “homem branco” morrer em Corumbá sem a confissão. E neste mesmo

depoimento fez referência a uma mulher do “Sitio de Manoel Jose”, distante 16

127 INQUISIÇÃO DE LISBOA. Solicitantes. Processos inquisitoriais. Livro n. 769. Manuscrito. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. fl. 313. 128 INQUISIÇÃO DE LISBOA, loc. cit. 129 Ibid., fl. 342v-343. 130 INQUISIÇÃO DE LISBOA. Solicitantes. Processos inquisitoriais. Livro n. 769. Manuscrito. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. fl. 298v.

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 128

léguas de Santa Cruz que morreu sem sacramentos por culpa do vigário.131 Na

realidade, era uma tarefa difícil para os sacerdotes dar assistência religiosa nas

fazendas distantes da igreja matriz. Imaginem-se os riscos que enfrentavam os

viajantes, as escuridões nos sertões manifestados de animais ferozes. Questionado

pelo comissário do Santo Oficio sobre o enfermo de Corumbá que havia morrido

sem confessar, o padre Manoel Teixeira respondeu que não foi no mesmo dia

porque o sitio era distante e o gentio estava atacando na ocasião as casas e

fazendas.132

A Igreja sempre se preocupou com o sacramento da penitência para seus

fiéis. Daí a preocupação em não deixar os seus fregueses morrer sem a confissão.

O Visitador e comissário do Santo Ofício, o padre João de Almeida, em sua visita à

Capitania chamava atenção dos sacerdotes

Qualquer sacerdote, que for chamado para confessar algum enfermo, estando distante, ou, impedido o pároco, ou capellão de capella filial, deve acodir com promptidão, não só por preceito de charidade, como poque se por sua culpa morrer o enfermo sem confissão, será obrigado na forma das constituições.133

As documentações demonstram claramente a preocupação da Igreja com

a salvação das almas de seus fiéis. Esta questão foi fundamental durante o período

colonial. Por isso, nas visitas aos arraiais, os visitadores insistiam com os párocos e

capelães sobre a confissão dos doentes. O padre Alexandre Marques do Vale

(1734) e Silva e Souza (1824) não deixaram de chamar a atenção a respeito deste

sacramento. Este último publicou uma pastoral, no ano de 1824134, em Araxá,

ameaçando suspender do ministério todo sacerdote que deixasse o fiel morrer sem

a confissão.

131 Ibid., fl. 329v. 132 Ibid., fl. 336v. 133 TRANSLADO da Visita de João de Almeyda Cardozo Vigário collado na Matriz do Santíssimo Sacramento da Praça Nova Colônia, Comissário do Santo Oficio, e Visitador da Visita Ordinária das Comarcas da Capitania de Goyaz pelo Exmo e Revmo Senhor Dom Joseph Joachim Justiniano Mascarenhas Castel branco Bispo deste Bispado do Rio de Janeyro, e do Conselho de S. Magestade Fidelíssima. 1780. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. 134 VISITAÇÃO de Luiz Antonio da Silva e Souza a Igreja de Santo Antonio e São Sebastião de Uberaba. 1824. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 129

Foram muitas as vítimas de solicitação do padre José Vieira de Paiva. As

duas devassas revelaram os fatos que chegaram ao conhecimento dos moradores

de Santa Cruz, algo que se tornou “público e notório”. E as mulheres, que sofreram

no silêncio e por medo de serem difamadas ou excomungadas, preferiram levar para

o túmulo os relacionamentos amorosos com o referido padre. Acredita-se que havia

muitos tabus com relação à sexualidade na freguesia de Santa Cruz no século XVIII.

Apesar do seu contanto constante com os forasteiros que chegavam do Reino e de

outras regiões do Brasil em busca do ouro, a comunidade vivia bastante isolada e

fixada em uma região despovoada. É claro que tudo isso influenciava no

comportamento das pessoas. Daí a dificuldade e timidez de contar até mesmo para

os pais e esposos as provocações e agressões que sofriam relacionadas às

questões sexuais. Parece que o padre José Vieira recebeu punições leves pelos

pecados que cometeu, se se observarem as documentações.

A Mesa do Santo Oficio consultou a Inquisição de Coimbra e de Évora se

o nome do sacerdote aparecia na lista de pessoas “culpadas” nestes dois

tribunais.135 As respostas foram favoráveis ao referido sacerdote, não havia nada

que o desabonasse. No entanto, no dia 7 de julho de 1758, o padre José Vieira de

Paiva, filho de Domingos de Paiva Tanoeiro e de Tereza Amaral, nascido na cidade

do Porto e assistente no Hospício dos religiosos do Rio de Janeiro, apresentou no

Tribunal do Santo Oficio de Lisboa uma documentação da Inquisição de Roma. O

referido sacerdote havia feito “abjuração de veemente” por culpas de “Solicitação” e

135 O estabelecimento da Inquisição em Portugal conheceu um processo longo, marcado por diversos pedidos da Coroa ao Papa (em 1515, 1525 e 1531). Mas foi a bula de 1536 que define o quadro geral de funcionamento da Inquisição portuguesa, completado uma bula de 1547. Esta última bula introduziu o processo sigiloso e também a jurisdição do Santo Oficio. A Inquisição portuguesa rapidamente conheceu formas de organização estáveis. Em primeiro lugar, foram criados tribunais de distrito: em 1541 funcionam tribunais em Évora, Lisboa, Porto, Coimbra, Tomar e Lamego. Em 1548 esses tribunais são reduzidos a dois: Lisboa e Évora. Em 1560 é criado o tribunal de Goa (único em todo o império, com jurisdição sobre os cristãos do estado da Índia, ou seja, dos territórios portugueses na África Oriental e na Ásia). Em 1565 é restabelecido o tribunal de Coimbra. A partir desta data até a extinção da Inquisição em 1821, os quatro tribunais mantêm- se em funcionamento. A jurisdição de Coimbra cobria as dioceses de Braga, Miranda, Douro, Porto, Viseu e Lamego. A jurisdição de Lisboa cobria as dioceses de Leiria e Guarda no Continente Europeu, estendendo-se às dioceses dos territórios portugueses nas Ilhas Atlânticas, África Ocidental e Brasil. A jurisdição de Évora cobria as dioceses de Portalegre, Évora e Algarve. A jurisdição de Goa cobria as dioceses da Índia. Foram realizadas várias inquirições no Brasil nos anos de 1591-1595, 1618-1620 e 1763-1765. As principais vítimas das atividades inquisitoriais foram os cristãos novos de origem judaica. Por ser uma cidade cosmopolita e capital do Império Lisboa concentrou os maiores números de processos contra protestantes e contra proposições heréticas, embora o judaísmo mantivesse uma posição majoritária (AZEVEDO, 2000a, p. 447-453).

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 130

havia também contra ele acusações de revelar sigilo de confissão.136 Parece que

faltou prova suficiente para acusar o pároco de Santa Cruz de revelar o sigilo da

confissão. Os depoimentos dos moradores da freguesia de Nossa Senhora da

Conceição foram considerados falsos no tocante a este último quesito. No entanto, o

crime de solicitação trouxe punições leves para Jose Vieira se se observarem os

rigores das Constituições Primeiras e as exigências da Igreja de Roma.

O que fica claro nesta análise é o desmando e abuso do poder sacerdotal

utilizado em beneficio próprio. O processo do padre Jose Vieira de Paiva deixa

evidente que uma das armas utilizadas por ele para obter relação sexual com suas

freguesas, era negar absolvição dos pecados. A devassa em Santa Cruz de Goiás

mostra que muitas vítimas se humilhavam em busca deste alívio que só os

sacerdotes poderiam oferecer, por meio da remissão dos pecados. É claro que havia

uma orientação da Igreja para não absolver os penitentes que não demonstrassem

uma sincera conversão. Neste sentido, aconselhava São Francisco de Sales que os

“falsários, ladrões, usurários, os separados de suas esposas, os concubinatários,

adúlteros, bêbados [...]” (DELUMEAU, 1991, p. 70), os confessores deveriam

“retardar a absolvição”. O objetivo era “abalar” a pessoa, fazê-la mudar de vida e

não deixá-la exposta no perigo da perdição. O padre deveria alertar o fiel para os

riscos do inferno que sua alma corria se morressem em pecado mortal.

Mas não se aplicam estes exemplos às penitentes de Santa Cruz,

mulheres analfabetas que na busca do “pasto espiritual” foram vítimas das fraquezas

do padre José Vieira de Paiva. Mas nem todas se deixaram levar pelos

encantamentos do referido vigário. “Maria da Conceição, viúva de Serafino Tomás”

mandou denunciar o pároco de Santa Cruz ao bispo do Rio de Janeiro, através de

uma carta. No depoimento ela afirma que o padre a procurou para desmentir a

acusação. “Se na devassa fosse perguntado pelo Caso referido dissesse que era

falso mas sim que o havia dito fora por indução do Padre Coadjutor”. Talvez nesta

carta enviada a Cúria do Rio de Janeiro esteja o começo das devassas realizadas

na freguesia de Nossa Senhora da Conceição, em 1757.137

136 INQUISIÇÃO DE LISBOA. Solicitantes. Processos inquisitoriais. Livro n. 770. Manuscrito. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. fl. 362-365. 137 INQUISIÇÃO DE LISBOA. Solicitantes. Processos inquisitoriais. Livro n. 770. Manuscrito. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa.

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 131

3.2. BIGAMIA NAS MINAS NOVAS DOS GOYAZES: UM ESTUDO SOBRE THEODÓSIO PEREIRA DE NEGREIROS

Desde o inicio do povoamento das minas de Goiás o número de pessoas

em situação irregular com a justiça secular ou eclesiástica preocupava as

autoridades. O primeiro Visitador Diocesano, o padre Alexandre Marques do Vale

em 1734, estabelece normas rigorosas contra o “mal das minas”, ou seja, o

concubinato. Numa população itinerante, a chegada de homens casados de várias

partes do Brasil e de Portugal, não havia impedimento para novas núpcias. O

princípio monogâmico seria mais uma vez contestado pelas bigamias. Os casos do

português Negreiro, que veio dedicar a seus negócios em Vila Boa e do goiano José

Caetano, com histórias de solteiro nas Minas Gerais, confirmam a nossa afirmação.

É claro que os casos de bigamia em Goiás foram muito menores do que o

concubinato, mas não se pode ignorar a sua existência. Imaginem-se os pequenos

povoados e arraiais que quase não recebiam a presença dos visitadores

diocesanos.

As primeiras notícias de bigamia nas minas de Goiás surgem de uma

devassa realizada nas Minas Gerais (1750-1753). No dizer de Figueiredo (1989),

Antonio Carlos da Costa, 30 anos, parecia espantado ao narrar um caso:

Jose Caetano, morador em uma chácara junto a Meia Ponte dos Goyazes, donde era casado com “sua preta, que ele testemunha sabe por assistir na mesma paragem e ver muitas vezes a sua mulher ir ouvir missa nos dias de preceito, e ser público e notório, e que da dita paragem se ausentara fugitivo por causa de umas bulhas que teve, donde deixou ficar a dita mulher; e que depois da sua fugida passados dois ou três anos veio ele testemunha para esta freguesia de Nossa Senhora de Mato Dentro donde achou a noticia que o dito José Caetano tinha contraído segunda vez o matrimonio nesta mesma freguesia com Rosa Maria que daqui se ausentara junto com ela para o Rio Preto, distrito da comarca do Serro, sendo que, quando ele testemunha partiu da meia ponte, deixou viva a dita preta mulher do dito José Caetano [...]. (DEVASSAS, 1750-1753, fl. 72-73 apud FIGUEIREDO, 1989, p. 122).

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 132

Aproveitando-se do isolamento e da vastidão do território do Brasil muitos

homens casados no Reino ou de outras capitanias fingiam uma vida de solteiro para

contrair novas núpcias nas regiões em que se estabeleciam. A partir deste caso,

percebem-se as dificuldades encontradas pela igreja na difusão do matrimônio para

a grande parte da colônia. Talvez esta realidade tenha motivado Theodósio Pereira

de Negreiros, casado em Lisboa, a buscar novas núpcias em Pernambuco e São

Paulo.

No dia 25 de janeiro de 1747 foi entregue ao alcaide dos cárceres da

Santa Inquisição em Lisboa Theodósio Pereira de Negreiros, morador nas Minas

Novas dos Goyazes que veio do Rio de Janeiro no navio Nossa Senhora do

Socorro. O motivo da prisão era acusação do crime de bigamia. Ele havia casado

pela terceira vez, sendo viva a sua primeira e legitima esposa. O caso de Negreiros

abre várias portas para estudar a mentalidade do mundo luso-brasileiro no século

XVIII. Partindo-se da análise do processo inquisitorial contra Theodósio Pereira de

Negreiros, o nosso objetivo neste item é estudar o problema da bigamia dentro do

contexto do sistema social e cultural imposto pela Igreja católica e a contradição que

o ato da bigamia apresenta em relação às normas sociais.

Desde 1640 a bigamia já pertencia à alçada inquisitorial. Conforme o

regimento do Santo Ofício, todo homem ou mulher que contraíssem o primeiro

matrimônio na forma do Sagrado Concílio Tridentino138, se se casassem uma

segunda vez sendo viva a primeira mulher ou o marido, seriam no “Santo Oficio

perguntado pela tensão e animo com que cometeu este crime”. Se a pessoa fosse

condenada deveria fazer abjuração de leve suspeita da fé em Auto Público. Além

disso, se a pessoa fosse plebéia era açoitada pelas ruas públicas, e degredada para

as galés, por tempo de cinco até sete anos.

138 Conforme o Concílio de Trento, o matrimônio é o último dos sete sacramentos instituídos por Cristo. E sendo um contrato como vínculo perpetuo e indissolúvel, pelo qual o homem e a mulher se entregam um ao outro. Cristo o levantou com a “excelência do sacramento”, significando a união que há entre o Senhor e a Igreja. A matéria deste sacramento é o domínio dos corpos que os casados fazem mutuamente, através de palavras e sinais, retificando um compromisso. A forma são as palavras ou sinais do consentimento. O matrimonio foi ordenado para três fins: propagação humana, ordenado para o culto e honra de Deus; fé e lealdade que os casais devem guardar mutuamente; e a inseparabilidade dos mesmos casados. Além disso, o casamento é o remédio da concupiscência. (VIDE, 2007, [Livro I, Título LXII]).

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 133

Sendo mulher vil, terá a mesma pena de açoites, e será degreda pelo mesmo tempo para o Reino de Angola, ou partes do Brasil, segundo parecer aos inquisidores, [...] terão instrução ordinária, e as penitencias espirituais. (REGIMENTO..., 1640 apud ARAÚJO, 1998, p. 54).

O caso de Theodosio Pereira de Negreiros139, 55 anos, nascido na cidade

de Lisboa, oferece um “microcosmo” do mundo social no século XVIII. A semelhança

de muitos compatriotas que viveram na América portuguesa dedicou a maior parte

de sua vida no mundo dos negócios. Mas em Pernambuco desempenhou o “oficio

de avaliador das causas dos órfãos”. Várias pessoas que o conheceram na Vila de

Santo Antonio do Recife fizeram referencias a esta função.

Filho de Francisco Pereira de Negreiros, meirinho do cirurgião mor, e de

Andreza Nunes, Theodosio casou provavelmente no ano de 1715, com Ignacia

Jacinta da Rosa, filha de Manoel da Silva Amadora, tapeceiro. A cerimônia do

casamento aconteceu na igreja de Nossa Senhora da Encarnação do Bairro Alto na

cidade de Lisboa e foram testemunhas João Pinto Ribeiro, alto funcionário do

Marques de Valença e José, juiz da balança da Alfândega. Depois de casados,

passou a “fazer vida marital de portas adentro”, e tiveram um filho chamado José

Pereira de Negreiros. Mas o casamento durou apenas dois anos quando Theodósio

resolveu viajar para o Brasil. Nas terras brasileiras sua vida foi marcada pela

itinerância, muito comum no século do ouro. Negreiro desembarcou na cidade da

Bahia, foi morar no Rio de Janeiro e depois foi para Minas Gerais. Não satisfeito

com estas duas moradas e acostumados com as mudanças constantes foi viver na

Vila de Santo Antonio de Pernambuco.140

Nesta nova região, Negreiros tentou começar uma nova fase da sua vida

social. Na sua confissão feita em Lisboa perante as autoridades da Inquisição, ele

relata que, chegando a Pernambuco, “se ajustou a casar segunda vez com D.

Michaela Ferreira de Nojosa”.141 Recebeu o casamento “em face da Igreja Nossa

Senhora do Rosário dos Pretos” no dia de São Mateus. Foram padrinhos o doutor

139 Negreiros, nome de família relacionada ao topônimo Negreiros, isto é, localidade do Conselho de Barcelos. No Minho, de onde a família é originária, o vocabulário negreiro se usa com o sentido de moinho de centeio ou milho. (ARAÚJO, 1998, p. 57). 140 INQUISIÇÃO DE LISBOA. Bigamia. Processo Inquisitorial n. 11.433. 1 CD-ROM. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. fl. 53. 141 INQUISIÇÃO DE LISBOA, loc cit.

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 134

Francisco Lopes de Carvalho, ouvidor geral, e o doutor juiz de fora, Antonio da

Cunha da Siqueira. Se se julgar pelas testemunhas de casamento, a cerimônia

ocorreu com muitas pompas na Vila de Santo Antonio do Recife. Afinal das contas, o

casamento com um homem do Reino elevava o status social da família. Na

inquirição feita pelo Santo Oficio em Pernambuco, uma das testemunhas, o padre

João Correa Sexo, sacerdote do hábito de São Pedro disse que “assistira o seu

recebimento e jantara no seu banquete” e que este casamento foi “público e

notório”.142 Os preparativos e a grandiosidade desta festa, ninguém esqueceria fácil,

era um acontecimento que geralmente parava as Vilas do interior e gerava muitos

comentários. Acredita-se que estas ocasiões eram oportunas para os namoros e

arranjos de futuros casamentos. Daí a repercussão deste fato por ser extraordinário.

D. Michaela de Nojosa era filha legitima de Domingos Gonçalves e de D. Teodosia

de Nojosa, e o seu cunhado era o capitão Jose de Barros Rego. Uma família de

destaque e de certa maneira tradicional na região.

Apesar das pompas desta cerimônia havia um grave impedimento para

que este casamento ocorresse, o seu primeiro matrimonio em Lisboa. Mas parece

que Theodósio de Negreiros fez questão de esquecer o seu passado. De

Pernambuco até Lisboa havia uma grande distância e dificuldades de locomoção.

No inicio parece que tentou comunicar com sua família. No depoimento de sua

primeira mulher, Ignacia Jacinta da Rosa, em 1745, ao tribunal do Santo Ofício,

disse que Negreiros partiu para ultramar com certo governador, e apenas escreveu

umas “duas ou três cartas no principio” e depois não deu mais notícias.143 Ao ser

interrogado pelo Santo Oficio em 1747, sobre os motivos do seu segundo

casamento, uma vez que sua primeira esposa ainda era viva, Theodósio justificou

que casou por “falta da sua primeira mulher e lhe dizerem no Rio de Janeiro alguns

homens do mar que a sua primeira mulher era falecida”144. Porém não fez nenhuma

diligência e averiguação para se certificar do seu óbito. Na tentativa de conseguir

licença para o segundo matrimônio se fingiu solteiro, e apresentou diante do pároco

da Vila de Santo Antonio do Recife com testemunhas. Estas pessoas o conheceram

“de vista na cidade de Lisboa no tempo que era solteiro”. O casamento realizou-se

142 INQUISIÇÃO DE LISBOA. Bigamia. Processo Inquisitorial n. 11.433. 1 CD-ROM. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. fl. 15v. 143 Ibid., fl. 51-52. 144 Ibid., fl. 53.

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 135

conforme a formalidade do “Sagrado Concílio Tridentino” no dia 22 de setembro de

1722.145

As aventuras de Theodosio de Negreiros não pararam com o segundo

matrimônio. Fez “vida marital de portas adentro” com a D. Michaela de Nojosa por

tempo de três anos. Durante este período tiveram dois filhos, e apenas Francisco

Pereira Negreiros sobreviveu146. Apesar de uma família aparentemente constituída

não se sabem os motivos que levaram Negreiros a embarcar para o Rio de Janeiro e

Ouro Preto, de onde foi para a cidade de São Paulo. Nesta última paragem se

ajustou a casar pela terceira vez com Ana de Aguirre, filha de Fernando de Aguirre,

natural e moradora desta cidade. Casou em “face da igreja”, na presença de pároco

e testemunhas. Foram padrinhos o mestre de Campo Antonio de Ávila e o capitão

Manoel Pinto Guedes. Seguiram os mesmos procedimentos que fez em

Pernambuco, mentiras e testemunhas para justificar seu estado de solteiro e

desimpedido para casar. Na confissão que fez ao Santo Oficio disse que contraiu

novas núpcias por ter recebido uma carta de um tio da segunda mulher que ela

estava morta.147 A documentação não apresenta os motivos que levou o tio de D.

Michaela de Nojosa escrever das Minas de Ouro Preto que ela estava morta. Intrigas

e vinganças de família ou mais uma mentira e invenção de Negreiros para contrair

novas núpcias? De qualquer forma ele conseguiu os seus intentos, casou-se pela

terceira vez em 21 de abril de 1727, na Igreja Matriz de São Paulo.148 Viveu com

esta última mulher durante vinte anos, tendo dela seis filhos, dos quais cinco eram

vivos e moravam com eles em Vila Boa de Goiás, onde foi preso por ordem do

Santo Oficio.

O processo de Negreiros foi extremamente lento. Parece que a primeira

denúncia feita pelo então vigário da vara de Vila Boa, padre Alexandre Marques do

Valle em 1738. Este sacerdote que foi também o primeiro visitador diocesano da

Capitania de Goiás, em 1734, enviou um sumário ao comissário do Santo Oficio em

São Paulo, ao doutor Gaspar Gonçalves de Araújo, sobre a bigamia de Teodósio

Pereira de Negreiros.149 De sua parte, o comissário encaminhou uma inquirição para

145 Ibid., fl. 17. 146 INQUISIÇÃO DE LISBOA. Bigamia. Processo Inquisitorial n. 11.433. 1 CD-ROM. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. fl. 27. 147 fl. 55. 148 Ibid., fl. 46. 149 Ibid., fl. 7.

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 136

Pernambuco com o intuito de descobrir os editais do segundo casamento e assim

instaurar o processo inquisitorial. Foram feitas diligências em Recife, São Pulo e

Lisboa com o objetivo de provar o crime de bigamia. Em 1745 foi expedida a ordem

de prisão de Teodósio Pereira de Negreiros.150

A Inquisição em Lisboa mandava investigar a realização dos dois

matrimônios para que a situação de bigamia não fosse confundida com um

concubinato adulterino. Mas muitas vezes, os vigários encarregados da averiguação

contentavam-se com a “fama” ou a “voz pública” em relação à celebração do

segundo matrimônio. Por isso a necessidade de apresentar a certidão das núpcias.

Os comissários do Santo Ofício eram rigorosos neste quesito. Na inquirição feita em

Pernambuco era exigida a certidão de casamento de Negreiros com D. Michaela de

Nojosa, caso ela fosse viva, sendo morta, a certidão do seu óbito.

Houve duas inquirições na Vila de Santo Antonio do Recife a respeito das

núpcias de Teodósio Pereira de Negreiros com Dona Michaela de Nojosa. A primeira

devassa ocorreu em 1738 e foi comanda pelo doutor Francisco Pinheiro Barreto,

cônego doutoral da Sé da Bahia. Nesta inquirição doze testemunhas foram ouvidas,

mas o Santo Oficio a considerou incompleta por não seguir as formalidades

exigidas. Em 1747, houve outra inquirição na freguesia de São Pedro Gonçalves,

Vila de Santo Antonio, a pedido da Inquisição de Lisboa. As testemunhas deveriam

ser cristãos velhos, de sangue puro e pessoas fidedignas. Desta vez foram ouvidas,

apenas cinco pessoas, incluindo a segunda esposa de Negreiros, Dona Michaela de

Nojosa. As testemunhas enfatizavam sempre que o réu era casado, tinha filhos e

que isto era “publico e notório”.151

Mas a inquirição feita em São Paulo chama atenção para dois fatos

importantes no processo de Negreiros: o seu casamento em Lisboa revelado por

uma das testemunhas que o encontrou em Vila Boa; e a sua nova identidade. O

referido casou com Ana de Aguirre Amadora filha de Fernão de Aguirre Amaral e

sua mulher Ana de Lima, onde ele declarou ser Teodósio Pereira filho de Antonio

Pereira e de sua mulher Ana de Silva, fregueses de Santa Catarina da cidade de

150 A ordem de prisão de Teodósio Pereira de Negreiros era bastante clara em 26 de abril de 1745, exortava a todos as pessoas à cooperação, caso contrário poderia ser multado em 500 cruzados para as despesas do Santo Oficio ou a penas da “Excomunhão Maior”. (Cf. INQUISIÇÃO DE LISBOA. Bigamia. Processo inquisitorial n. 11.433. 1 CD-ROM. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. fl. 3). 151 Ibid., fl. 24-27.

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 137

Lisboa. Esta devassa realizada em 1743 seguia também as formalidades exigidas

pela inquisição. As testemunhas deveriam jurar sobre o cargo de prometer dizer a

verdade do que soubesse e no fim ratificar o seu testemunho. As questões eram

colocadas pelos comissários, referentes ao casamento e outros aspectos familiares

do réu.

O final do processo de Negreiros poderia ser mais dramático do que se

imaginava. Em 28 de agosto de 1747 a mesa da Inquisição chegava ao seguinte

veredicto:

E pareceu a todos os votos que elle pella prova da justiça, e sua confissão e prova legitimamente com visto no Crime de Bigamia, porque sendo casado na forma do Sagrado Concilio Tridentino com Igancia Jacinta da Rosa, e sendo esta ainda viva se recebeu segunda vez no Recife de Pernambuco com D. Michaella Ferreira de Nojosa, e Terceira Vez na cidade de São Paulo com Ana de Aguirre figindo se para este effeito solteiro, livre [...]: E que, portanto elle vá ao Auto público de Fé na forma [acostumada] nelle ouça sua sentença; faça abjuração de leve suspeita na fé. Seja açoitado pellas ruas publicas desta cidade [...] e degredado por tempo de seis anos para as galles de S. Majestade. Tenha penas espirituais, instrução doutrinária; e pague as custas [...].152

Na realidade tanto a Inquisição quanto a Igreja católica eram rigorosos

com quem praticava o pecado e o crime de bigamia. Mas o desfecho para o

processo de Negreiros foi mais ameno do que supunha. Não se sabem os motivos

que levaram a mesa amenizar o veredicto, quando tudo parecia encaminhar para

uma condenação máxima das penas do Santo Oficio. O Conselho Geral do Santo

Oficio, a quem cabia acatar ou modificar as penalidades propostas pela Mesa

Inquisitorial, cabendo-lhe a última decisão, achou o réu merecedor de castigo mais

brando. Dispensou-o primeiramente da dolorida e humilhante pena dos açoites,

transferindo a leitura da abjuração de seus supostos erros herética do Auto Publico

de Fé, para dentro dos murros carcerários, na frente da própria Mesa Inquisitorial.

Depois de oito meses incompletos na prisão, Negreiros foi libertado e sua pena

limitou-se a “fazer abjuração153 de leve suspeita na fé, instrução doutrinária,

152 INQUISIÇÃO DE LISBOA. Bigamia. Processo inquisitorial n. 11.433. 1 CD-ROM. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. fl. 74. 153 Abjuração era um ato de expressão pública do arrependimento do penitente. Ele recusava as heresias cometidas e renovava seu compromisso com a Igreja católica. No final do século XVI e no início do século XVII, o ato de abjuração impõe-se como um momento especial do rito: os reconciliados deixam de abjurar individualmente depois de ter ouvido a sentença, voltando ao seu

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 138

penitencias espirituais e pagamento das custas dos processos”.154 Esta a maior

pena de Negreiros. Devido às inquirições de Recife e São Paulo, onde havia casado

segunda e terceira vez, pagou pelo seu processo 10$ 394.155 O final do processo de

Negreiros ocorreu quando ele assinou o termo de segredo em 14 de Setembro de

1747. Como os demais presos, devia pagar à custa do processo e assinar um “termo

de segredo”, comprometendo-se jamais revelar qualquer coisa que tenha ouvido,

visto ou falado dentro dos cárceres secretos do Rocio.

O importante deste processo é tentar compreender as razões que

levaram Negreiros contrair três casamentos, uma vez que a sua primeira mulher

ainda estava viva156. Para Donald Ramos, a bigamia é uma tentativa valorizar ainda

mais o sacramento do matrimônio, mesmo transgredindo as normas estabelecidas a

partir do Concilio de Trento. ”Em vez de fugir do casamento, ele aceita aquela

realidade, mas não se acomodava somente com aquela pessoa com quem deveria

viver o resto da vida” (RAMOS, 2001, p.116). Na realidade, Negreiros recebia o

sacramento na Igreja com uma forma de burlar qualquer suspeita de desrespeito aos

ideais do catolicismo. Agia confome os ditames de uma sociedade que tinha a

religião católica como oficial e ele não queria correr os riscos de ter o nome nos

cadernos do Santo Oficio.

Quais as razões que levaram Negreiros a casar segunda e terceira vez?

Na confissão que fez à Mesa do Santo Oficio disse que casou segunda vez “por falta

da sua primeira mulher e lhe serem dito no Rio de Janeiro alguns homens do mar

que a sua primeira mulher era falecida”157 Porém não fez nenhuma diligência e

averiguação para se certificar do seu óbito. As mesmas justificativas foram usadas

para realizar o terceiro casamento, mentiu, enganou testemunhas e usou uma carta

dizendo que Dona Michela estava morta. De qualquer forma, este bígamo procurava lugar no estrato infamante. Do ponto de vista do indivíduo, a cerimônia representa um rito de passagem em que a prática da heresia significa o momento de ruptura com o compromisso assumido perante Deus e perante a Igreja no batismo e na primeira comunhão. A abjuração significa a reintegração, a aceitação do individuo no seio da Igreja, a renovação dos seus compromissos perante Deus (BETHECOURT, 2000, p. 249-254). 154 INQUISIÇÃO DE LISBOA. Bigamia. Processo inquisitorial n. 11.433. 1 CD-ROM. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. fl. 78v. 155 Ibid., fl. 68. 156 O crime de bigamia era muito praticado entre a população branca no Brasil Colônia. “Homens casados em Portugal, nas ilhas ou em alguma capitania distante, contraíam novos matrimonio com o objetivo de receber um segundo dote e assim melhorar de vida no novo local de residência”. Já entre a população de cor, a bigamia surge em decorrência do seu modo de viver, sobretudo se eram escravos. (SILVA, M. B., 2001, p. 106). 157 INQUISIÇÃO DE LISBOA, op. cit., fl. 70.

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 139

viver conforme os padrões estabelecidos pela sociedade, mas a sua forma de vida

era oposta aos valores de uma Igreja tridentina. Na visão de Ramos (2001, p. 117)

“quando isso acontece, a bigamia se transforma numa arma dos fracos ou numa

forma de resistência”.

Tabela 6 - Casamentos de Teodósio Pereira de Negreiros Esposa Lugar Nome Duraçao Razão

Ignacia Jacinta Lisboa Teodósio Pereira de Negreiros 2 anos Viagem Ultramar

Michaela F. de Nojoza Pernambuco Teodósio Pereira de Negreiros 3 anos Sem motivo

Ana de Aguirre São Paulo Teodósio Pereira 20 anos Prisão de Inquisiçao Fonte: INQUISIÇÃO DE LISBOA. Bigamia. Processo Inquisitorial n. 11.433. 1 CD-ROM. Acervo

Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa.

Percebem-se através da tabela 6 os casamentos de Negreiros. Tudo isso

constituiu na prova principal que a mesa da Inquisição de Lisboa necessitava para

levar à frente um inquérito que havia iniciado antes de 1738 com a denúncia do

vigário de Vila Boa, o padre Alexandre Marques do Vale. É provável que o referido

sacerdote tenha chegado ao conhecimento deste fato, através da primeira visita

realizada na freguesia de Santa Ana de Vila Boa em 1734. Acredita-se que esta

primeira visita foi fundamental para desencadear todo um processo que resultou na

ordem de prisão de Negreiros em 1745. Geralmente, os principais motivos dos

visitadores eram “desenterrar os vícios e os abusos praticados pela população”.

Nestas ocasiões, a vida dos moradores era devassada e segredos da vida íntima de

vizinhos eram denunciados. A prática da bigamia sempre foi condenada pela Igreja

católica. Conforme as orientações doutrinárias, o sacramento do matrimônio é

indissolúvel, e só a morte poderá separar a vida de um casal. Por várias vezes

Negreiros foi questionado sobre a sua conduta de cristão que dava amostras de

abusar dos sacramentos da Igreja, da autoridade do Papa e seguir os “erros dos

hereges”, casando várias vezes:

[...] sendo o R. Christao batizado, e como tal obrigado a ter, e crer tudo, o que tem, crê, conforme a [Santa Mãe] Igreja de Roma, em observância de seus preceitos, senti-se bem dos sacramentos instituídos por Cristo [...] que é Remédio, e Salvação das almas, especialmente do sacramento do matrimonio, elle o fez pelo contrario e sem temor de Deos, nem da justiça e em desprezo do sacramento do Matrimonio se casou segunda vez, e terceira vez sendo ainda viva

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 140

sua primeira, e legitima mulher com q estava recebido na forma do Sagrado Concilio Tridentino.158

A principal questão que Negreiros enfrentou, junto ao Santo Oficio de

Lisboa, foi a suspeita de desvio da fé católica, negando os sacramentos da Igreja,

principalmente o matrimônio, indispensável para a salvação das almas. Não

obstante, o réu ter afirmado várias vezes que era cristão batizado, crismado,

confessava, comungava e “ia a missa desde as tenras idades na igreja do alegrim”,

teve que fazer abjuração de leve suspeita na fé e ser novamente instruído na

doutrina e moral professada pela Igreja católica. Na realidade, a Igreja a partir do

Concílio de Trento assumiu uma postura doutrinária muito austera na tentativa de

conter os avanços de Reforma Protestante.159

Donald Ramos (2001) associa bigamia com a promessa de casamento.

Na visão deste autor, estes compromissos informais eram “garantias de obter

relações sexuais” até que o sacramento ocorresse. Neste sentido é importante notar

que cada mulher que casou com Negreiros era filha legitima o que reflete, em si,

uma posição social.160 O processo de Negreiros não deixa claro o relacionamento

dele com as suas três esposas antes do ritual do matrimônio. Sobre as motivações

do segundo casamento respondeu ao Santo Oficio que casou por sentir “falta da sua

primeira mulher”. É claro que um homem jovem necessitava mais do que nunca

satisfazer os seus desejos, ainda mais numa região tão vasta como o Brasil e ao

mesmo tempo, distante dos afetos familiares que estavam em Portugal.

A prática do sacramento matrimonial no período colonial tinha por

questões sociais e históricas características diferentes do Continente Europeu. Por

várias razões os números eram mais reduzidos. Todavia isto não quer dizer que a

população não se casava. Mas havia também certo predomínio de relações

158 INQUISIÇÃO DE LISBOA. Bigamia. Processo Inquisitorial n. 11.433. 1 CD-ROM. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. fl. 65. 159 Para Hoonaert (1991), deixar de participar das procissões religiosas, sacramentos e desobriga pascal era motivo para suspeitar que praticasse alguma heresia. Negreiros fez questão de deixar claro ao Inquisidor Manoel de Narigão e Távora que era um cristão Velho e disse a doutrina crista: “O Padre- Nosso, Ave-Maria, Crey em Deos Padre, Salve Rainha, os mandamentos da Ley de Deos e da Santa Madre Igreja”. (Cf. INQUISIÇÃO DE LISBOA. Bigamia. Processo inquisitorial n. 11.433. 1 CD-ROM. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa.fl. 57.). 160 Teodósio Pereira de Negreiros contratou para o seu terceiro casamento uma “senhora oriundo dos velhos troncos paulistas, Ana de Aguirre”. Eles eram descendentes de Diogo Arias de Aguirre que chegou de Portugal, em 1591, com o governador D. Francisco de Sousa e deixaram numerosa descendência (ARAÚJO, 1998, p. 58).

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 141

consensuais devido o preconceito dos europeus com as escravas e indígenas.

Diante deste contexto, o casamento com um português significava prestígio e

promoção social. Foi esta realidade que permitiu a Negreiros e outros bígamos

contrair matrimônio com muita facilidade no Brasil Colonial. Este não encontrou

nenhuma dificuldade para os casamentos realizados em Pernambuco e na cidade

de São Paulo. Até a sua morada próxima do padre favoreceu os processos

matrimoniais.161

O arquivo da Torre do Tombo em Lisboa está repleto de processos de

Bigamia, que ocorreu no Brasil e em toda América Portuguesa. As razões para o

entendimento deste fenômeno devem ser encontradas na forma de contestar uma

religião que mesmo tentando difundir o matrimônio mostrou-se frágil na divulgação

dos valores do cristianismo. Apesar das exigências dos banhos matrimoniais e os

rigores dos vigários das varas eclesiásticas, a Igreja revela a suas dificuldades na

aplicação de suas normas para uma população que vivia em constante mobilidade

geográfica. Mesmo com os rigores dos tribunais eclesiásticos era possível as

isenções destes banhos mediante os testemunhos que atestassem a ideonidade dos

nubentes para contrair as núpcias. Pelo visto Negreiros não encontrou dificuldades

para comprar estas testemunhas. Na sua confissão ao Santo Oficio afirmou ter

utilizado quatro ou cinco testemunhas no casamento de Pernambuco e de São

Paulo, mas não se lembrava mais dos nomes, ofícios e morada destas pessoas.

E por fim apontam-se os desajustes familiares que a bigamia gerava na

sociedade colonial. Longe de querer colocar as mulheres como vítimas de uma

sociedade que ressaltava a figura masculina, destacam-se os dissabores causados

pela bigamia. Além das crianças órfãs de “pais vivos” ela deixou várias mulheres

abandonadas, vivendo de favores de seus familiares. No dizer de Ramos (2001)

havia a “perda da honra e a perda social”. Tudo isso é muito evidente no processo

de Negreiros. Quando Teodósio de Negreiros fez a sua confissão ao Santo Oficio já

haviam passados quase 30 anos sem contato com a sua primeira esposa e o filho

que havia abandonado em Lisboa. Além da “honra”, a segunda família levava

desvantagem também na questão econômica. Dona Michaela Nojosa dizia ao

161 Na inquirição sobre a cerimônia do casamento em São Paulo, o pároco João Gonçalves, 80 anos, declarou que conhecia o denunciado por ser seu vinzinho e por ter assistido ao seu casamento. (Cf. INQUISIÇÃO DE LISBOA. Bigamia. Processo inquisitorial n. 11.433. 1 CD-ROM. Acervo Documental. Instituto dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo, Lisboa. fl. 37.).

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CAPÍTULO III – SEXUALIDADE E TRANSGRESSÃO 142

comissário do Santo Oficio na Vila de Santo Antonio do Recife que vivia da

“Misericórdia de Deus”. O casamento com Negreiros deixou esta pobre mulher em

maus lençóis, foi viver de favor, juntamente com seu filho, na casa de sua irmã D.

Luzia, casada com o capitão José de Barros Rego. Em situação inversa vivia Ana de

Aguirre Amadora, a terceira esposa de Negreiros, em Vila Boa de Goiás. Se se

seguirem as pistas de uma das testemunhas que conviveu com ele no Bairro Alto da

cidade de Lisboa, Negreiros tinha uma situação econômica confortável. Entre vários

negócios, possuía casas de aluguel na freguesia de Santa Ana. Afinal das contas

havia vinte anos de casamento com Ana de Aguirre e seis filhos legítimos, destes

cinco eram vivos e moravam com os pais. Conforme a documentação, levava uma

vida comum nas “Minas Novas dos Goyazes” até ser preso pela Inquisição.

O estudo sobre “Theodósio Pereira de Negreiros” abre algumas portas na

tentativa de se compreender a sociedade do Brasil Colonial com suas diversidades e

contradições. Não se sabe qual a direção tomou Negreiros depois que assinou junto

a Mesa do Santo Oficio de Lisboa, o seu termo de segredo em 1747. Contudo a

bigamia pode ser encarada como um reflexo dos valores dominantes do matrimônio,

numa sociedade que procurava colocar em prática as resoluções do Concilio de

Trento. A compreensão do fenômeno da bigamia deixa perspectivas para

compreender as transgressões aos ditames de uma cultura dominante difundida

pela metrópole. As populações, nas suas várias formas de sobreviver em uma

sociedade, procuram alternativas que melhor correspondam aos seus anseios.

Neste sentido, a bigamia é uma amostra da existência de valores opostos aos da

cultura dominante, que procurava disseminar o sacramento do matrimônio.

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CCAAPPÍÍTTUULLOO 44

AA PPOOLLÍÍTTIICCAA PPOORRTTUUGGUUEESSAA EE AASS CCOONNDDIIÇÇÕÕEESS DDOO PPOOVVOOAAMMEENNTTOO

Em Goiás, encontram-se diversas correspondências da Coroa portuguesa

para os governadores da Capitania, expressando a necessidade de povoar os

sertões com os “naturais da terra”. Porem parece que os antigos conflitos do homem

branco como os aborígenes no início da ocupação tenham influenciado os enlaces

matrimonias. Os registros de casamentos da paróquia de Nossa Senhora do Rosário

de Meia Ponte (1764-1809) apresentam poucos casamentos de indígenas. Por outro

lado, encontram-se alguns editais dos bispos do Rio de Janeiro aos vigários das

varas eclesiásticas, orientando os párocos e capelães para facilitar os matrimônios

dos pobres e miseráveis. No entanto, os viajantes estrangeiros, que percorreram a

região no inicio do século XIX, ficaram chocados com as mancebias. A intenção

neste capítulo é analisar duas questões: 1) Até que ponto a política de povoamento

empregada pelos portugueses influenciou na formação das famílias nos sertões de

Goiás? 2) fazer um contra ponto ao concubinato, por meio da visão dos viajantes e

das atas de casamento da freguesia de Meia Ponte.

4.1. AS MULHERES DA TERRA: ESCRAVIDÃO E MANCEBIA

Ao chegarem ao Brasil no início do povoamento, os jesuítas ficaram

chocados com o comportamento moral da população indígena e portuguesa.

Passados seis meses, em 1550, o padre Nóbrega atribuía o amancebamento ao fato

dos portugueses casados não estarem acompanhados de suas mulheres e os

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 144

solteiros não terem com quem se casar. A sugestão dos jesuítas era a vinda de

mulheres solteiras de Portugal, mesmo meretrizes, para o casamento com os

colonos. Parece que as reivindicações dos missionários não tiveram muitas

repercussões na Coroa portuguesa. Em outra carta, cuja data de 1552, o padre

Nóbrega solicita a D. João III, rei de Portugal, a vinda de muitas órfãs e outras

mulheres brancas para que os “homens casem e vivam no serviço de N. Senhor

apartados dos pecados”162. Os jesuítas acreditavam que estas medidas poderiam

solucionar o problema do concubinato dos portugueses com as índias.

Charles Boxer (1967) mostrou que a expansão portuguesa no Atlântico e

no Índico tiveram o predomínio do elemento masculino. Diferente de outras

ocupações que foram realizadas por famílias originárias da metrópole.

Muito poucas mulheres brancas foram para a Índia em comparação com os homens devido a este meio selvagem, de guerras contínuas, que duraram com pequenos intervalos até o fim do século dezoito. Raramente havia mais de uma dúzia de mulheres num navio que carregasse seiscentos ou oitocentos homens. (BOXER, 1967, p. 93)

Para o referido pesquisador, a participação de portuguesas nas primeiras

décadas da ocupação dos três continentes teria sido desestimulada pelo caráter

militar e mercantil que marcou o início da expansão dos portugueses. É importante

ressaltar que muitos desses homens, soldados, marinheiros ou degredados eram

solteiros. Uma boa parte teria embarcado para as colônias para cumprir penas de

degredo aplicadas aos indesejáveis ou pela obrigação de um serviço militar, que não

tinha data para terminar e que os mantinha às portas da miséria (BOXER, 1967, p.

92-93).

Entretanto, o argumento da falta de mulheres para justificar o concubinato

não daria conta de explicar o comportamento de muitos homens casados que

estavam no Brasil com suas esposas e possuíam concubinas. Para Nóbrega, os

motivos que os portugueses se amancebavam com as índias eram mais amplos do

que o fato de não existirem mulheres de origem branca para se casar. O pecado que

estes colonos causavam encontrava explicação na facilidade que tinham para fazer

escravos e encontrar justificativas para seus atos. Em uma carta que escreve da

162 CARTA do padre Manuel da Nóbrega ao Rei de Portugal. Bahia, jul. 1552. In: NÓBREGA, Manuel da. Cartas do Brasil e Mais Escritos do Padre Manuel da Nóbrega. Coimbra: [s.n.], 1955. p. 114.

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 145

Bahia, em 1559, ao padre Miguel Torres, ele desabafava sobre as dificuldades nos

trabalhos missionários:

Com os cristãos desta terra se faz pouco, porque lhe temos cerrada a porta da confissão por causa dos escravos que não querem senão ter e resgatar mal, e porque geralmente todos ou os mais estão amancebados das portas adentro com suas negras, casados e solteiros, e seus escravos todos amancebados, sem em hum caso nem no outro querem fazer consciência, e acham lá outros padres liberais da absolvição e que vivem da mesma maneira.163

Parece que os portugueses sentiram uma atração irresistível pelas índias

do Brasil do mesmo modo que ocorreu em outras regiões da América portuguesa

com as mulheres da terra. Mas havia também um imaginário negativo das mulheres

nativas que contribui para a difusão do concubinato na América Portuguesa. No

dizer de Vainfas (1997), foram poucos os textos durante os séculos XVI e XVII que

teceram elogios à figura feminina. No dizer deste autor, o padre Antonio Vieira

contribui para este imaginário negativo quando compara a mulher a figura de Eva no

Paraíso.

Havia entre os portugueses certo convencimento de sua superioridade

racial. Mesmo vivendo em situações de pobreza procuravam seguir os padrões

praticados em Portugal nos séculos XVI, XVII e XVIII, ou seja, o casamento com

mulheres brancas. Tanto na Índia como no Brasil, os portugueses não estavam

interessados em se casar com mulheres não-brancas ou mestiças. Desclassificadas

pelo imaginário sexual criado e por sua condição subalterna, as índias eram

facilmente comparáveis às mancebas portuguesas. Tanto Nóbrega como padre

Antonio Vieira identificavam as índias e as negras como mancebas em suas cartas

as autoridades da metrópole. Para os jesuítas, a mancebia era decorrente da

escravidão dos índios e do domínio dos colonizadores. Casados ou solteiros, os

portugueses escravizavam os índios e tinham mancebas, sem importar-se muito

com a condenação dos missionários. Na realidade os portugueses davam mais

crédito ao clero secular que muitas vezes os absolvia, pois vivia na mesma situação

de concubinato do que os missionários jesuítas (BOXER, 1967, p.90). 163 CARTA do padre Manuel da Nóbrega ao P. Miguel de Torres e Padres de Portugal. Bahia, jul. 1559. In: NÓBREGA, Manuel da. Cartas do Brasil e Mais Escritos do Padre Manuel da Nóbrega. Coimbra: [s.n.], 1955. p. 312.

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 146

Para Figueiredo (2004), a política portuguesa estava voltada para os

interesses metropolitanos e a preservação da pureza dos “homens bons”, e isto

reforçava as elites locais. No dizer deste autor, houve muitos esforços para que

através de certos casamentos, a ordem colonial tivesse sua continuidade. Em Minas

Gerais, os “homens de cor” foram proibidos,em 1725, ocupar cargos nas câmeras

municipais. Em contrapartida, as autoridades civis e religiosa procuram difundir o

casamento no seio das populações com o da ocupação territorial

(FIGUEIREDO,2004, p.170-171).

De mãos unidas como a Coroa portuguesa, a religião foi muito utilizada

para manter os interesses metropolitanos. A religião, ao mesmo tempo em que dava

o suporte espiritual às conquistas portuguesas, poderia ser utilizada para justificar o

comportamento moral de certa parcela da população. Os jesuítas perceberam em

Pernambuco que os sacramentos do batismo e da confissão muitas vezes eram

utilizados pelos brancos que praticavam a mancebia como forma de diminuir o

tamanho do pecado. Recebiam o perdão dos pecados, porém a escravidão e

mancebia continuavam (TORRES-LONDOÑO, 1999, p. 44).

A Capitania de Goiás não foi indiferente aos costumes de mancebia muito

comum na América Portuguesa. A Igreja, através das visitações diocesanas, tentou

desde os primeiros tempos do povoamento corrigir o “mal das minas”, a

concubinagem. Mas parece que o discurso moral da Igreja não conseguiu atingir

uma grande parcela da população. As próprias autoridades civis e religiosas, os

principais responsáveis para difusão do cristianismo e as resoluções do Concilio de

Trento acabaram, de certa maneira, abortando o projeto da Igreja. No fim do século

XVIII houve muitas acusações de desordem moral contra os governadores Cunha

Menezes. O Capitão-mor Antonio Telles acusava o governador Tristão da Cunha de

“ter publicamente na própria casa de residência, as suas próprias concubinas e

filhos, e fazê-lo com o maior escândalo e sem a mínima cautela” (BERTRAN, 1997b,

p. 9).

As acusações contra as autoridades de Goiás no século XVIII foram

constantes. Em uma carta de 1782, o vigário de vila Boa, padre João Antunes de

Noronha não poupa acusações contra o governador Luiz da Cunha de Menezes que

levava para as tribunas da matriz de Vila Boa “as mulheres que se vestiam em

corpo” (CARTA..., 1782 apud BERTRAN, 1997a, p. 237). Na realidade estas

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 147

mulheres foram duramente criticadas por alguns visitadores diocesanos. Este

mesmo fato chamou atenção também de Saint-Hilaire (1975) e Cunha Mattos (1975)

no início do século XIX. Na realidade a crônica do concubinato em Vila Boa

envolvendo governantes e funcionários, escravos e livres é bastante peculiar na

história do Brasil. Os indícios destes relacionamentos consensuais estão registrados

nas atas de batismos de escravos e livres nos arquivos da cúria da diocese da

cidade de Goiás, antiga Vila Boa. Mas antes de se adentrar neste terreno, que cobre

um tesouro de informações, há as observações de cronistas e viajantes que

visitaram Goiás no início do século XIX.

4.1.2. A MULHER DA TERRA NA VISÃO DOS VIAJANTES

Na tentativa de uma melhor compreensão da mulher da região, seguem-

se algumas pistas deixadas pelos viajantes: Auguste de Saint-Hilaire (1975) e

Johann Emanuel Pohl (1976). O primeiro viaja para diversas regiões do Brasil nas

primeiras décadas do século XIX. Permanece, durante quatro meses na Província

de Goiás, dos quais passa dois em Vila Boa e escreve Viagem à Província de Goiás.

Com os olhos de um botânico francês, retrata de forma minuciosa os vários

aspectos que observou em Goiás. O segundo é médico e naturalista austríaco que

chegou ao Brasil, em 1817, na Comitiva de D. Leopoldina, filha do Imperador da

Áustria e primeira esposa de Dom Pedro I. Durante mais de três anos percorre as

capitanias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Goiás. Foi o primeiro viajante

estrangeiro a entrar no Planalto Central, em 1818, onde permaneceu dois anos e

escreveu: Viagem ao Interior do Brasil. Além destes dois autores, chama-se

atenção para um escritor goiano e portador de uma rica fonte de tradição oral:

Bernardo Élis. O seu livro Chegou o Governador é “urdido com os mesmos fios da

História”. É um romance baseado em fatos verídicos que se desenrolaram entre

Ângela Ludovico e o Governador Geral de Goiás, Francisco de Assis Mascarenhas

(1804-1809). Filha de uma família importante de Vila Boa, Ângela se transforma em

concubina do governador por causa dos preconceitos sociais.

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 148

A presença de viajantes europeus em terras goianas se insere no

contexto da fase de transição da economia mineradora para a de base agropecuária.

A essas duas atividades econômicas distintas correspondem modelos familiares

diferentes. Estudos clássicos comprovaram que a economia açucareira de base

escravista, dominado no nordeste brasileiro, no século XVII e XVIII, engendrou um

modelo de família denominado genericamente de “família patriarcal”. Entretanto

estudos regionais têm demonstrado que as bases de composição da família

patriarcal nordestina não se enquadram na organização da família típica da região

das minas auríferas. A pesquisa de Iraci Del Nero da Costa (1976) sobre Vila Rica

no século XIX confirma isto. Utilizando como referência os relatos feitos pelos

viajantes europeus, na primeira metade do século XIX, e a produção acadêmica do

final deste mesmo século, a historiadora Heliane Prudente Nunes (2001, p. 61)

aponta duas fases da história da família em Goiás: a primeira fase (1722-1850) foi

caracterizada pelo “tipo consensual”, e a segunda fase (1850-1900) houve o

predomínio de relações”próximas às da família patriarcal”.

As características sociais predominantes, nesta fase inicial do

povoamento, são de uma população em sua maioria masculina, com elevado índice

de violência, marcada por disputas pelo ouro, com uma urbanização localizada

próxima à área de mineração. Além destas características, é importante acrescentar

a mobilidade contínua de aventureiros à procura do ouro e o reduzido número de

mulheres brancas, o que certamente dificultou a construção de laços de famílias

mais estáveis.

Na concepção dos viajantes, Goiás vivia na década de 1820, uma crise

provocada pela queda do ouro e um intenso despovoamento. Chaul (1997) chama

atenção sobre o olhar distorcido e preconceituoso do europeu diante da realidade

goiana, descrita por eles como “decadente”. Acostumados com as sociedades em

processo de industrialização e um intenso dinamismo econômico, esses europeus

se assustaram com o interior de Goiás. No entanto, o olhar dos viajantes indica

algumas pistas da vida cotidiana, os costumes e a mentalidade da população local.

É dentro deste contexto que se analisa a mancebia descrita por eles.

A mineração exerceu em Goiás um papel preponderante no modelo de

família, pois os mineradores vindos para a Capitania não traziam suas mulheres.

Assim o concubinato era a prática mais viável em regiões mineiras, em virtude do

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 149

deslocamento causado pelas descobertas auríferas. A maioria dos ocupantes da

região fez das negras e das índias suas concubinas, formando com isso famílias

consensuais. Uma das principais questões que chamou atenção de Saint-Hilaire em

Goiás foi à mancebia:

Em nenhuma outra cidade o número de pessoas casadas é tão pequeno. Todos os homens, até o mais humilde obreiro, têm uma amante, que vivem ao seu redor, e essa situação irregular causa tão pouco embaraço a eles quanto se estivessem casados legalmente. Se por acaso algum deles chega a se casar, passa a ser motivo de zombarias. Esse relaxamento dos costumes data do tempo em que a região foi descoberta. Os primeiros aventureiros que se embrenharam nesses sertões traziam unicamente mulheres negras, às quais o seu orgulho não permitia que se unissem pelo casamento. A mesma razão impediu-os de desposarem as índias. Em conseqüência tinha apenas amantes. [...] Mesmo hoje, quando existem em toda a Província de Goiás núcleos de colonização já enraizados, qual a mulher que não se assustaria com a distância que separa os portos de mar dessa região central, ou com as fadigas de uma viagem de vários meses através dos sertões, onde às vezes faltam as coisas mais necessárias? Os descendentes dos primeiros goianos devem forçosamente ter seguido as pegadas de seus antepassados; a libertinagem tornou-se um hábito, e o povo vê-se constantemente estimulado a entregar-se a ela pelo mau exemplo dos que governam. (1975, p. 53).

A Igreja Católica, através das Constituições Primeiras da Bahia, e a Coroa

portuguesa, por meio das Ordenações Filipinas, condenavam o concubinato. Para a

Igreja, os que viviam sob esta condição deveriam pagar uma multa pela

transgressão. Geralmente as penas pecuniárias e as penas de degredo variavam

conforme o oficio que as pessoas desempenhavam na sociedade.164 Pelo visto, os

costumes estavam tão arraigados na Capitania que as ordenações do Reino e o

bispado do Rio de Janeiro tiveram muitas dificuldades em combater aqueles que

viviam nesta situação.

Para Michel Foucault (2006, p. 31-32), o “sexo” foi o centro dos grandes

debates no século XVIII. Com o surgimento das nações os políticos tiveram que

interferir no sexo para o bem de todos. Os governantes sentiram a necessidade 164Conforme as Ordenações Filipinas, “o homem casado que tiver barregã teúda e manteúda seja degredado pela primeira vez por três anos para África, e da prisão pague a quadragésima parte do total dos bens”. Para “a segunda vez com a mesma barregã ou outra mulher no mesmo pecado teria a mesma pena de degredo e a quarentena em dobro. Uma terceira vez seria degredado e a quarentena em trasdobro” (ORDENAÇÕES..., 1985, p. 128-129, [Livro V]).

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 150

analisar questões relacionadas à vida familiar tais como: “a taxa de natalidade, a

idade do casamento, os nascimentos legítimos e ilegítimos, a freqüência das

relações sexuais, a morbidade, fecundidade, doenças”, etc. São os problemas de

ordem política e econômica ligados às noções que preocupam os governantes neste

período. No dizer deste autor, “foi a primeira vez que uma sociedade afirmava que

seu futuro e sua fortuna estavam ligados não apenas às regras de casamentos e à

organização familiar, mas à maneira como cada um usava seu sexo”. É nesta ótica

que deve se compreender o papel dos visitadores diocesanos ao lado dos

funcionários do Reino no combate às relações consensuais. Em 1753, o governador

de São Paulo, Rodrigo Cesar de Menezes, proibia a passagem de “algumas

mulheres mal-procedidas brancas, bastardas, e mulatas forras” para as Minas de

Cuiabá, onde causavam grades perturbações (SOUZA, 2004, p. 152-153).

As explicações atribuídas à prática do concubinato estão relacionadas

com a grande distância entre Goiás e as regiões litorâneas, onde existia pouca

possibilidade de se encontrarem mulheres brancas, compatíveis com a classe social

do mineiro. Tal distância colaborava para que mulheres negras e índias

substituíssem as esposas brancas. Entretanto, Pedro Taques de Almeida Paes

Leme (1980) na sua Nobiliarquia apresenta várias famílias paulistas que

abandonaram tudo, tendo em vista as minas de Goiás.

O viajante Saint-Hilaire (1975) espantou-se com o número mínimo de

mulheres de origem social elevada na Capitania. Estas, pertencentes a famílias

abastadas ou antigas da região, eram destinadas a casar-se com funcionários reais,

forasteiros ilustres e homens abastados. Dado o pequeno número de brancas,

muitos homens da elite, inclusive altos funcionarios do governo, acabavam por se

unir a “caseiras”, mulheres negras, mulatas, índias ou brancas pobres, vivendo sob o

mesmo teto e procriando; porém “o seu orgulho não permitia que se unissem pelo

casamento”. Saint-Hilaire (1975, p. 53) não via muitas possibilidades de mudanças

nessa situação de “libertinagem: qual a mulher que não se assustaria com a

distância que separa os portos de mar dessa região central, ou com as fadigas de

uma viagem de vários meses através dos sertões?”

Na realidade não era muito fácil o acesso a Goiás. Bernardo Élis (1987, p.

13) dá uma visão das povoações mais próximas da antiga Vila Boa: “Dali a Belém

do Pará eram 400 léguas; dali ao litoral, 200 léguas; dali a Vila Rica, 130 léguas; dali

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 151

a Cuiabá, 160 léguas”. Um transporte do Rio de Janeiro para Vila Boa poderia durar

até quatro meses no período das chuvas. Imagine-se uma dessas viagens ao lombo

dos animais, enfrentando os desafios da natureza, as oscilações climáticas e os

perigos das longas jornadas? Contudo não creio ser este um dos principais motivos

para as mancebias e ausência de mulheres brancas na Capitania. As justificativas

devem ser buscadas nas estratégias políticas de ocupação territorial da América

Portuguesa.

Outro estrangeiro que criticou as relações consensuais foi o austríaco

Pohl (1976). Seus relatos sobre a sociedade de Goiás destacam a conseqüência de

uma mistura promíscua, de total desorganização das normas familiares e da falta de

moralidade encontrada na Província.

Cada um procede a seu talante e arbítrio; ninguém receia ser punido por transgressões; mesmo o Governador não se tem a menor consideração. Neste país a moralidade é extremamente baixa. A religião consiste na forma, não na essência. Ficam geralmente impunes todos os delitos, inclusive o assassinato. Os sagrados laços do matrimonio são aqui muito frouxos e pouco apreciados. Quando se realiza um casamento, habitualmente é o ouro o catalisador da união. (POHL, 1976, p. 142).

Havia, na realidade, um grande preconceito social que impedia o

casamento dos homens brancos com as suas concubinas. Todavia isto não impedia

o intercurso sexual entre as escravas com seus senhores e outros homens livres na

Capitania. O alto índice de mulatos em Vila Boa no início do século XIX aponta para

o processo de miscigenação que ocorreu na Capitania. “Embora os brancos

procriem indiscriminadamente com mulatas e negras; e não se recusem reconhecer

publicamente esses filhos, não querem que os filhos se casem com essas raças”

(POHL, 1976, p. 142). Para Luís Palacin (1986, p. 29), alguns proprietários brancos

alforriaram suas amantes.

O resultado das mancebias que ocorreram em Goiás foi a geração de

uma prole de ilegítimos. Os livros de batismos de escravos da freguesia de Vila Boa

(1764-1808) são testemunhas das relações consensuais que ocorriam entre as

escravas e a população de uma forma geral. Conforme a documentação, a

convivência destas crianças, numa mesma casa com seus pais, era algo muito

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 152

tranqüilo. As testemunhas que depunham no tribunal eclesiástico em 1753

denunciavam Leonel de Abreu e Antonia Corona, por viverem amancebados “há

dezesseis anos e ter dois filhos”.165

Para Algranti (1997), os vários tipos de domicílios no Brasil Colônia foram

fundamentais para a educação dos filhos e também espaços de convivência dos

diversos modelos de família:

É o espaço do domicilio que reúne em certos casos, apenas pessoas de uma mesma família nuclear e um ou dois escravos; em outros, somavam-se a essa composição agregados e parentes próximos, como mães viúvas ou irmãs solteiras. Por vezes encontramos domicílios compostos de padres com suas escravas, concubinas e afilhadas, ou então comerciantes solteiros com seus caixeiros. Em alguns domicílios verificamos a presença de mulheres com seus filhos, porém sem maridos; também nos deparamos com situações em que um casal de cônjuges e a concubina do marido viviam sob mesmo teto. Isso sem falar nos filhos naturais e ilegítimos que muitas vezes eram criados com os legítimos. (ALGRANTI, 1997, p. 86).

Os diversos tipos de família da sociedade colonial têm sido muito

debatidos por historiadores da atualidade que tem explorado de forma minuciosa as

origens destas uniões, enfatizando as características específicas de cada região,

devido à política de povoamento imposta pelo reino. Parece que em Goiás havia

uma ligação muito estreita das crianças da casa grande com a Senzala. Apesar do

julgamento preconceituoso do austríaco Pohl (1976, p. 142), culpando os escravos

pela desmoralização da Capitania, ele dá uma indicação importante sobre a criação

das crianças: “Os seus filhos crescem como companheiros de brinquedo dos filhos

da casa, e pervertidos como geralmente são, depositam o germe de todos os vícios

nos corações juvenis”.

É desnecessário salientar a importância do casamento na política de

povoamento do Estado e da Igreja, embora na prática ele tenha sido uma instituição

de elite. Mas isto não significava que o simples fato de um individuo pertencer às

camadas mais baixas implicasse necessariamente uniões consensuais. Pessoas de

165 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. p. 57s.

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 153

origem humilde, inclusive escravos uniram-se em matrimonio perante a igreja,

conforme indicam vários estudos.

No entanto, Saint-Hilaire (1975) chega ao exagero quando se refere ao

casamento na Capitania. No dizer do viajante, a população via o casamento como

motivo de “zombaria”, o clero criava os seus filhos “ao seu redor” e os funcionários

do governo “raramente” eram casados. O mesmo acontecia com os “capitães-gerais”

que governaram a Província até 1820. Nenhum deles era casado e todos viviam

abertamente com suas amantes. Ainda sobre os governantes prossegue Saint-

Hilaire (1975, p. 53): “A chegada de um general a Vila Boa espalhou o terror entre os

homens e deixou em ebulição todas as mulheres. Sabia que ele logo escolheria uma

amante, até que ele se decidisse todos os homens tremeram receando que a

escolha recaísse na sua”.

Bernardo Élis (1987), na sua importante obra literária Chegou o

Governador, retrata em detalhes, o romance do governador Francisco de

Mascaranha com Ângela Ludovico. Para este autor, a chegada desse português em

Vila Boa causou uma grande inquietação na vida dos moradores, principalmente na

vida das mulheres amancebadas ou solteiras. Pela experiência com a emigração

lusa de outras capitanias, todas as mulheres brancas ou negras sabiam que o

português tinha muito desejo pelas mulheres da terra, contanto que não fosse para

casar.

Assim, todas as concubinas se achavam na roda do Jogo. Se não pudessem alcançar o capitão-general, alcançariam o ouvidor, ou o secretário do governo, ou algum padre, ou o simples soldado, o modesto meirinho. O que estava em perspectiva era melhorar a dieta, obter um amante que ganhasse melhor ou amasse melhor, ou melhor, soubesse enganar uma mulher com bonitas falas e brilhantes presentes. (ÉLIS, 1987, p. 160).

A obra é rica em informações, pois retrata o cotidiano de Vila Boa, mas ao

mesmo tempo aborda a visão que os forasteiros tinham da Capitania de Goiás.

Acostumados com a vida na Europa ou em outras Capitanias com o processo de

povoamento mais avançado do que ocorria em Goiás, olhavam a região com certa

indiferença. “Algumas pessoas que estiveram em Goiás contaram-lhe em Portugal

que aqui o mulherio vivia à solta, que qualquer um tinha tantas fêmeas quantas

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 154

quisesse que ninguém era casado nem havia família legalmente constituída” (ÉLIS,

1987, p. 160). Bernardo Élis não deixa de denunciar o preconceito social que havia

por parte dos portugueses, principalmente os altos funcionários da corte com as

mulheres da terra. Para ele, os laços culturais acumulados por vários séculos

dificilmente seriam quebrados.

Embora muito comum o concubinato em Vila Boa, parece que havia

estratégia para manter os laços de uma vida conjugal estável. Em certas ocasiões,

os casais comportavam-se como se fossem meros namorados para não correr o

perigo de se expor publicamente perante as autoridades. Muitas vezes chegavam

separados dos parceiros nas festas que participavam e quando se encontravam nos

salões, comportavam-se como meros namorados. Foi o caso de um rico fazendeiro

e desembargador aposentado, um dos homens mais importantes da Capitania, João

José de Freitas Alvarenga. Português de origem e comerciante residia na Rua da

Abadia com sua mulher D. Mécia Corrêa Leite, mais nova do que ele cerca de 30

anos e com quem era amasiado. Na qualidade de reinol e tesoureiro da Irmandade

do Senhor dos Passos estava proibido de casar com brasileiras e por isso vivia

maritalmente com dona Mécia, que além de ser nascida em Goiás, diziam que era

filha do ex-governador Luís da Cunha Meneses. Se casasse, perderia a qualidade

de Irmãos dos Passos e uma série de prerrogativas, decorrentes dessa condição:

obter regalias especiais nos negócios com o poder público, tratamento excepcional

nas varas da justiça e outros (ÉLIS, 1987, p. 17).

A obra de Bernardo Élis revela também, um papel dinâmico que a mulher

exerceu na Capitania de Goiás. O autor coloca na boca de uma Concubina, mãe de

dois filhos e esposa do Governador, palavras que muitas mulheres desejavam dizer

aos seus parceiros que vinham de Portugal.

Não e não! De jeito nenhum continuaria com simples amante, fosse lá de que nobre fosse, mesmo que tal nobre fosse o próprio rei. Queria legalizar tudo, queria viver livremente com o homem que fosse seu marido e que não precisasse ocultar essa situação; queria ter os filhos legitimados, queria enfim viver em paz com os homens e com Deus. Para ela a vida de concubina era pecaminosa e não aceitaria continuar vivendo em pecado. E arrematou, em voz alta: - Para continuar nosso amor, só há um caminho: casamento o mais rápido possível (ÉLIS, 1987, p. 156-157).

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 155

O diálogo acima mostra que o romance do governador com Ângela

Ludovico chegava ao fim. Ângela casou-se com José Rodrigues Jardim, militar que

vem a ser o primeiro goiano a ocupar o cargo de Presidente da Província de Goiás.

Os seus dois filhos com Dom Francisco formaram-se em Direito na Universidade de

Coimbra. No entendimento de Maria José Goulart Bittar (2002, p. 94), as estratégias

de Ângela foram fundamentais para a promoção social de seus filhos. Juntamente

com esta mulher corajosa houve muitas outras, escravas e livres que desafiaram os

seus senhores ou até mesmos usaram dos encantos eróticos para conseguir uma

carta de alforria. Por meio das atas de batismo de escravos muitas destas

concubinas alcançaram a liberdade de seus filhos, na pia batismal.

E por fim, chama-se atenção para um drama do ser humano, o suicídio de

Fernando Delgado Castilho, governador de Goiás de 1809 a 1820. Conforme a

documentação e a historiografia de Goiás, Saint-Hilaire (1975), Zoroastro Artiaga

(1959) e Palacin (1995), o suicídio foi causado pelo preconceito envolvendo o

casamento de fidalgos brancos com mulheres de outra cor ou classe social. O

Governador da Capitania coabitava em Vila Boa com a filha de um carpinteiro, tendo

vários filhos com ela. Ao retirar-se do governo, convidou a mulher para acompanhá-

lo a Portugal; ela, porém, só aceitaria o convite caso pudesse viajar como sua

esposa. Incapaz de suportar o dilema em que se encontrava, o ex-governador

suicidou-se.166

166 Para Zoroastro Artiaga (1959, p. 122), Dom Fernando foi mandado para Goiás como castigo, pois a Capitania neste período era colônia correcional do reino, devido sua falta de conforto. “O que fez aceitar tão espinhosa função nestes sertões fora um caso amoroso na corte”. Um dos filhos de Dom Fernando chegou a ser secretário de Legação em Paris, onde morreu ainda jovem. Era bastardo. A moça chamava-se Helena e foi registrada como legitima. Ainda sobre este governador diz Castro: “Fernando D. F. de Castilho, depois de governar a Província de Paraíba pelos anos de 1799 a 1802, tomou posse a 26 de 1809, e adotando os planos de seu sucessor, manteve os povos em tranqüilidade (COUTO, 1940, p. 20).

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 156

4.2. O CASAMENTO DE ESCRAVOS E LIVRES

No processo de ocupação das terras descobertas, os enlaces

matrimoniais foram de suma importância para as estratégias metropolitanas. Para o

historiador Charles Boxer (1967) houve nos três continentes estratégias de formação

de famílias que continuassem a política de “pureza de sangue lusitana”. Neste

contexto, a Igreja Católica foi um instrumento fundamental para os interesses

portugueses à medida que combatia as relações consensuais e propagava a

formação de famílias, por meio do sacramento do matrimônio. Em colônias

despovoadas como o Brasil e outras da América Portuguesa houve uma forte

política da Coroa para fortalecer os laços familiares com o objetivo de controlar os

povos e assentar as famílias nas novas terras. Os homens do reino acreditavam que

os casais tinham uma melhor facilidade de fixar residências do que os homens

solteiros. Autores como Mary Del Priore (1993), Lévi-Strauss (1986), Michel Sot

(1991) e Paulo Teixeira (2004) procuram ressaltar o casamento monogâmico como

“porta de entrada para a fundação de uma família bem constituída” e principal

“responsável para garantir a pose da terra e a soberania lusitana”.

A historiadora Maria da Conceição Silva (2004), apontou as Constituições

da Bahia como principal órgão normalizador dos enlaces matrimoniais utilizado pela

Igreja durante período colonial e o Império. Assim se refere a pesquisadora:

No primeiro livro das Constituições Primeiras, a Igreja procurou regulamentar o sacramento do matrimônio, definindo o ritual de celebração e as obrigações do pároco perante os seus fregueses. As pessoas deveriam receber a bênção sacramental, após serem corridos os banhos canônicos, bem como as dispensas de impedimentos. De modo geral, a importância do sacramento do matrimônio em Goiás passou a ser observada com mais intensidade a partir das visitas pastorais realizadas de 1734 a 1824, pelos visitadores diocesanos (SILVA, M. C, 2004, p.62).

Os vestígios de casamentos ocorridos na paróquia de Nossa Senhora do

Rosário de Meia Ponte (atual Pirenópolis) parecem contradizer a tese difundida na

Capitania de Goiás, principalmente, da parte dos viajantes estrangeiros que o

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 157

sacramento do matrimônio nos sertões goianos era coisa rara. O objetivo deste item

é fazer um contra ponto ao concubinato, demonstrar através das atas de

casamentos que tanto a população livre como a escrava e forra realizaram

consórcios na igreja.

A origem de Meia Ponte remonta aos primeiros dias da mineração em

Goiás. Conforme Silva e Souza (1978), o arraial teria surgido em 1731. Pela riqueza

de suas lavras e por sua localização geográfica, este arraial progrediu rapidamente,

desde o inicio com certa oposição à primazia de Vila Boa. Essa rivalidade, além do

caráter natural de atritos entre vizinhos, apresentava uma versão da oposição

paulista. Em Vila Boa predominavam os paulistas, ao passo que Meia Ponte atraía

os portugueses do reino. Os nascidos desse conflito forçaram a intervenção do

governador da Capitania, Conde de Sarzedas, que separou Meia Ponte da

Jurisdição de Vila Boa e nomeou um superintendente para o distrito em 1733. Mas

esta freguesia dedicada à Nossa Senhora do Rosário foi criada pelo bispado do Rio

de Janeiro, em 1736 (CASTRO, 2006, p. 136).

O governador João Manuel de Melo fez um relatório ao rei de Portugal,

em 1769, apontando as igrejas da Capitania de Goiás que se encontravam no

bispado do Rio de Janeiro e Grão-Pará. Neste contexto, a paróquia de Nossa

Senhora do Rosário aparece com uma população de “5.500 pessoas de confissão

que necessitava de receber colação régia”. Conforme a documentação enviada a

Portugal, a freguesia de Meia Ponte tinha importantes igrejas filiais com grande

concurso de fiéis: capela de “Nossa Senhora da Penha no Córrego de Jaraguá,

Nossa Senhora do Rosário do Rio do Peixe, Santo Antonio da Serra Negra e capela

de Nossa Senhora da Penha de Corumbá”. Sendo que nesta esta última havia um

capelão residente, o padre José Pires dos Santos e Souza.167

Na realidade a historiografia até nos anos 80 defendeu a tese que os

casamentos no Brasil durante o período colonial eram poucos e restritos às elites.

Com base numa documentação baseada nos cronistas e nas cartas dos jesuítas,

esta historiografia procurou divulgar para este período que a base das relações

sociais era a mancebia. Neste contexto, as pesquisas de Caio Prado Jr.(1983) e

167 CARTA do [governador e capitão-genaral de Goiás], João Manuel de Melo, ao [D José], [remetendo, conforme a provisão de 18 de Janeiro de 1768, as relações das igrejas da Capitania de Goiás que se encontram no distrito do Bispado do Rio de Janeiro e Grão-Pará]. 1769. Caixa 24, Doc. 1534. Manuscrito. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa.

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 158

Maria Beatriz Nizza da Silva (1984) argumentaram que a “escassez dos

casamentos” foi motivada pela “baixa moralidade da população negra e mestiças” e

pelos “altos custos dos processos matrimoniais”.

Na Capitania de Goiás os viajantes estrangeiros afirmaram que o

casamento era motivo de “mofa”, o mau exemplo do concubinato “partia dos

governantes e do clero, atingindo todos os grupos sociais”. No entanto, os dados

coletados nos livros de casamentos demonstram como os diversos grupos que

compunham a freguesia de Nossa Senhora do Rosário celebravam os seus

consórcios. Percebe-se, por meio das atas de casamento, que os sacerdotes

seguiram com certa formalidade, alguns pontos relevantes nos assentos de

casamentos como: locais, horas, estação dos meses, origem dos cônjuges,

condição, estado civil, etc. A partir do Concilio de Trento houve uma orientação para

que os padres tivessem muito rigor com os assentos de batismo, casamentos,

óbitos, crisma e livros de tombos. O pároco que fosse negligente com a chamada

“escrita da fábrica” poderia ser penalizado com pesadas multas pecuniárias ou

mesmo ser suspenso dos seus ofícios. Na freguesia de Vila Boa, observa-se que

alguns sacerdotes foram multados pelos visitadores diocesanos, justamente por não

seguirem nos registros de batismo as normas das Constituições Primeiras.

Entretanto, os assentos paroquiais continuam sendo fontes indispensáveis pelos

historiadores da religião e da história social. Mesmo os locais e as horas das

celebrações do casamento não eram escolhas aleatórias dos nubentes, mas havia

toda uma orientação da Igreja, na tentativa de moralizar os costumes e a vida moral

da população.

4.2.1 LOCAIS E HORAS DAS CELEBRAÇÕES MATRIMONIAIS

Uma das primeiras questões que chama atenção nos assentos de

casamento são os locais em que os sacerdotes assistiam ao sacramento religioso. A

maioria dos casamentos ocorria, geralmente, nas igrejas matrizes, mas as capelas

filiais e os pequenos oratórios particulares serviram na freguesia de Meia Ponte para

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 159

a celebração destes rituais. Às vezes, este sacramento acontecia quando o padre

passava nos vilarejos para desobrigar os fiéis dos preceitos pascais. Mas também

poderia ocorrer casamento nas festas dos santos padroeiros de uma determinada

comunidade. Mas para isso acontecer, os nubentes necessitavam da autorização do

vigário da vara. Saint-Hilaire descrevia nas Minas Gerais a função burocrática dessa

autoridade eclesiástica:

O vigário da vara [...] é juiz dos casamentos, e não se pode contrair nenhum sem o seu consentimento. Ainda que as partes estejam perfeitamente de acordo é necessário que tenha lugar um processo perante o vigário da vara, e o resultado dessa ação bizarra é uma provisão que se paga por 10 ou 12$000 réis ou mais, e que autoriza o cura a casar os nubentes [...]. Assim, em um país onde já existe tanta repugnância pelas uniões legítimas, e onde seria tão essencial para o Estado e a moralidade pública que elas fossem encorajadas, os indigentes são, por assim dizer, arrastados pela falta de recursos a viver de modo irregular. (1975, p. 84).

Na realidade este discurso ajudou certa corrente da historiografia a

justificar a tese que os grupos populares viviam na promiscuidade e “quase ninguém

casava no Brasil”, principalmente em Goiás. Vainfas (2001) argumenta que as novas

fontes utilizadas por historiadores têm mostrado que a população no período

colonial constituía muitas famílias baseada no sacramento do matrimônio. Para este

autor, a igreja deixou de cobrar as taxas de casamentos de muitos escravos e

pobres. E se não bastasse isso, os processos de inquisição apontam um grande

número de escravos bígamos na população. Tudo isso ajuda a compreender que as

taxas e a burocracia dos processos de casamento não eram motivo para se viver em

concubinato. Além disso, ”em certas paróquias rurais, foram encontradas taxas de

legitimidade de mais de 90%” (VAINFAS, 2001, p. 108).

Na freguesia de Nossa Senhora do Rosário (Pirenopólis), os dados

apontam para as evidências de concubinato, se se observam alguns aspectos dos

nubentes que compareceram às igrejas para a realização de seus consórcios. Da

segunda metade do século XVIII (1764-1808) até o inicio do século XIX foram

analisadas várias questões referentes às condições dos cônjuges: legitimidade,

ilegitimidade e expostos. Em um total de 1384 nubentes, 149 foram ilegítimos e nove

expostos. As mulheres ilegítimas superaram os homens em Meia Ponte, 85 (12,3%)

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 160

das noivas e 64 (9,2%) dos noivos. Em outra parte desta pesquisa aborda-se com

mais profundidade a ilegitimidade a partir dos registros de batismo de escravos e

livres em Vila Boa. Para o momento, a intenção é demonstrar que os casamentos

na Capitania de Goiás não foram tão raros assim. A população se casava na

freguesia de Nossa Senhora do Rosário ou se chegava casado de outras partes da

América portuguesa. As atas de casamentos apontam também para 297 noivos

filhos de pais casados (42,9%) num total de 692. Já as noivas filhas de legítimos

consórcios foram 264, um índice de (38,2%).168

De qualquer forma, a tabela 7 esclarece quanto ao local da realização

destes consórcios na freguesia de Nossa Senhora do Rosário.

Tabela 7 - Local dos casamentos

Local Qtd %

Cap. Do Senhor do Bomfin 2 0,3%

Cap. N. S do Carmo 4 0,6%

Cap. N. S. da Lapa 2 0,3%

Cap. N. S. da Penha / Corumba 113 15,6%

Cap. N. S. da Penha / Jaragua 129 17,8%

Cap. Santa Ana / Rio do Peixe 17 2,3%

Cap. Santa Familia/Lavrinhas 4 0,6%

Cap. Santo Antonio 10 1,4%

Casa de Morada 3 0,4%

Engenho/Julio Franc.A.do Amaral 1 0,1%

Matriz N.S.Rosário / Meia Ponte 432 59,5%

Oratório 2 0,3%

Paroquia N.S. do Pilar 1 0,1%

Sitio 6 0,8%

Total 726 100,0% Fonte: REGISTRO de Casamentos. Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Meia Ponte, Livro 1c/2c, 1764-1808. Manuscrito. Arquivo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil

Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

Pelo que apresenta a tabela 7 ocorreram 59,5% dos casamentos na igreja

matriz da paróquia Nossa Senhora do Rosário. Mas as igrejas filiais de Jaraguá e 168 REGISTRO de Casamentos. Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Meia Ponte, Livro 1c/2c, 1764-1808. Manuscrito. Arquivo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 161

Corumbá foram sedes importantes dos referidos vilarejos neste período. A pequena

cidade do Córrego do Jaraguá foi erigida em 1737 por negros “faisqueiros” de ouro.

Pohl (1976) chega a computar 300 casas e três sacerdotes que faziam os ofícios

religiosos para uma maioria de habitantes “nativos mestiços”. Para o viajante, esta

população, que viveu da glória das riquezas do ouro no passado, ocupava-se no

inicio do século XIX com “alguma criação de gado e o cultivo dos tradicionais frutos

da terra” (POHL, 1976, p. 118). Entretanto, em um período aproximado de 40 anos,

os arquivos paroquiais de Pirenópolis contabilizaram 129 casamentos, cerca de

17,8% dos matrimônios; ao passo que a igreja Nossa Senhora da Penha de

Corumbá foram celebrados 113 consórcios, um índice de 15,6%. É importante notar

que durante o período de 1764 a 1809 aconteceram 726 matrimônios em toda

freguesia de Meia Ponte.

Embora com índices muito pequenos, os casamentos ocorriam também

nos engenhos, sítios, ”casa de morada” e oratórios particulares. Parece que houve

um costume no Brasil Colonial e até nos dias atuais, os sacerdotes aproveitarem os

períodos de desobriga para a realização dos sacramentos, principalmente o batismo,

confissão, eucaristia e matrimônio. As pessoas importantes poderiam desfrutar do

prestígio de uma cerimônia de casamento na própria residência ou na propriedade

de um amigo. Mas para isso ocorrer necessitava pagar um emolumento e obter

autorização do vigário da vara eclesiástica. Em 1779 foi realizado um casamento na

casa de “morada do alferes Domingos”. Tratava-se de Jose Bonifacio de Gouveia

com Ana Rosa de Siqueira, ambos os filhos legítimos, sendo a noiva filha de Gaspar

Leite e Dona Manoela P. de Siqueira.169 Se se levarmos em consideração, a

ostentação do título de “Dona”, referido à mãe da nubente tratava-se de um enlace

matrimonial de pessoas com prestigio na sociedade. O mesmo ocorria no enlace

matrimonial do ‘porta estandarte’ Gregório dos Santos Silva com Dona Delfina

Antonia do Espírito Santo. Esta cerimônia foi realizada, em 1807, na “casa de

morada” do capitão Antonio Gregório da Costa. Este grandioso evento ocorrido no

inicio do século XIX marcava também uma forte aliança, envolvendo duas

importantes famílias da hierarquia militar desta freguesia. Se de um lado estava o

capitão Jerônimo Barbosa dos Santos Filho e sua esposa, dona Cândida Caetana

169 REGISTRO de Casamentos. Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Meia Ponte, Livro 1c, 1764-1795. Manuscrito. Arquivo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 44.

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 162

Leite de Proença, pais do noivo; do outro estavam os da noiva, o capitão Francisco

da Costa Abrantes e dona Maria Tomazia da Conceição. Esta cerimônia foi assistida

pelo doutor padre Luiz Manoel Santos Silva, sendo testemunhas o capitão Antonio

da Silva Moreira e José Pereira da Silva.170

Alida C. Metcalf (1986) demonstrou que as mulheres, através das

alianças matrimoniais, eram fundamentais para a reprodução da ordem social em

Santana do Parnaíba, pois a partir delas os rapazes tinham acesso à propriedade.

Mas a historiadora Dora Costa demonstrou em sua pesquisa sobre população e

família em Campinas, SP que a transmissão de terras não se dava apenas em

linhagem feminina, mas era também transmitida em linhagem masculina (patrilinear).

Conforme a historia, o “filho varão se tornava líder da família e que só na ausência

deste que o genro ganhava a preferência” (COSTA, D., 1997, p. 128). De qualquer

forma as duas teses são fundamentais para a compreensão dos interesses

matrimonias que havia nas famílias privilegiadas da freguesia de Meia Ponte.

Já no “sitio do capitão Antonio de Abreu” foram realizados dois

casamentos no dia 28 de outubro, por ocasião de uma “desobriga” realizada pelo

padre José Gomes da Silva, em 1805. O casamento de Belxior José da Cunha e

Antonica Pereira aconteceu às 11horas, enquanto Lauriano da Costa Silva realiza as

núpcias com Senhorinha Antonia de Oliveira às 16horas.171 Não se conhecem as

motivações destes dois casamentos em plena desobriga. Talvez se possa imaginar

que os nubentes fossem parentes, amigos ou agregados do capitão, e aproveitaram

a presença do sacerdote para assistir aos enlaces. Na realidade havia estratégia

para formação da família, por meio do casamento em todas as camadas sociais.

Dora Costa fez a seguinte afirmação:

O ideal de estrutura e composição das famílias mais ricas e poderosas num contexto de fronteira aberta, no período colonial, tendia a valorizar a presença da prole masculina que faria expandir o capital material, ou seja, o fundo comum familiar o qual beneficiaria diretamente toda família natal (de origem), e imediatamente o genro, pela outra via além do capital material, a do simbólico que se daria

170 REGISTRO de Casamentos. Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Meia Ponte, Livro 2c, 1803-1809. Manuscrito. Arquivo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 49v. 171 REGISTRO de Casamentos. Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Meia Ponte, Livro 2c, 1803-1809. Manuscrito. Arquivo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 35v.

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 163

através da valorização do status, do prestígio, do poder, e do nome de família. (COSTA, D., 1997, p. 152)

Não foram somente as elites que prezaram um “bom partido” para as suas

filhas com a finalidade de aumentar o patrimônio das famílias. Às vezes, as “pobres

viúvas” poderiam preparar ciladas na tentativa de conquistar um bom genro, alguém

com certo poder de influência na sociedade, principalmente, um emigrante do reino.

A documentação ultramarina, em Lisboa, aponta para o enlace que ocorreu na

Capitania na segunda metade do século XVIII. O casamento do intendente e

provedor da “Fazenda Real”, Antônio Mendes de Almeida com Dona Anna Joaquina

Aguiar Coutinho, que ocorreu em setembro de 1763 e causou grande mal estar na

cúpula do Governador de Goiás, João Manuel de Melo. O desfecho final do caso foi

a deposição dos cargos que o referido ocupava em Vila Boa (BERTRAN, 1997). De

acordo com a Carta Régia de 27 de março de 1734 nenhum ministro real poderia

contrair matrimônio sem licença da coroa portuguesa.

Tudo começou a partir do momento em que o provedor da Fazenda Real,

Antonio Mendes de Almeida violou o código de honra de uma viúva pobre e natural

de São Paulo. O referido foi encontrado sozinho com dona Anna Joaquina, sua filha

e por isso fora obrigado a casar. Conforme seu depoimento, todo processo

matrimonial foi montado “occultamente e se fez o Casamento pelo mesmo modo

occulto”. Na realidade, a viúva usou a influência de um sobrinho sacerdote, junto ao

Juiz da vara (Tocantins) para poder celebrar este consórcio às escondidas. A

celebração do casamento ocorreu na casa e oratório de José Leite Alves Fidalgo,

morador em Vila Boa, cunhado da noiva, e Tesoureiro da Real Fazenda, uma das

testemunhas deste casamento. A cerimônia foi presidida pelo padre Manuel da

Silva, o então pároco de Vila Boa. Nas cartas que escreve ao rei de Portugal, o

intendente justifica a sua falta e argumenta que cometeu o pecado por que estava

ameaçado de morte. Mesmo assim recebe ordem para retomar a Lisboa.172 O

172 São vários documentos do Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, que aborda este casamento: CARTA do Intendente e provedor da Fazenda Real de Goiás, Antonio Mendes de Almeida, ao rei D. José, [sobre ter sido obrigado a se casar por terem-no encontrado só com a filha de uma viúva natural de São Paulo]. 1763. Caixa 19, Doc. 1188.; OFICIO do [Intendente e provedor da Fazenda Real de Goiás], Antonio Mendes de Almeida, ao [secretário do estado dos Negócios Estrangeiros], conde de Oeiras, [Sebastião José de Carvalho e Melo], [sobre ter sido obrigado a se casar por terem-no encontrado só com a filha de uma viúva natural de São Paulo e solicitado perdão por ter desobedecido a ordem proibindo aos ministros contraírem sem licença real]. 1763. Caixa 19, Doc. 1189.; OFICIO de João Manuel de Melo, ao conde de Oeiras [sobre o Intendente e provedor da

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 164

referido episódio demonstra por um lado, as estratégias que muitas mulheres chefes

de domicilio utilizaram para aumentar o patrimônio da família, e por outro, havia um

rígido controle de Portugal sobre seus funcionários. Os reinós não deveriam misturar

seu sangue com nenhuma “raça infecta”.

Uma segunda questão que chama atenção nos livros de casamentos são

os horários que ocorriam as celebrações. Parece que não havia um horário rígido

estabelecido pelo clero, embora as pastorais dos bispos do Rio de Janeiro fizessem

proibições às celebrações noturnas. Os casamentos ocorriam das quatro horas da

madrugada até as 21 horas. No entanto, a população gostava mais dos horários

matutinos para as cerimônias do que os demais períodos. Dos 726 casamentos

realizados, encontramos a maior preferência para as 16 horas, os dados

computaram 110 casos, atingindo um índice de 15,15%. Contudo, as somas das

horas matinais superam o período vespertino. Houve 104 casamentos (14,33%) às

nove horas, 86 casos às dez horas (11,85%), 59 casos às oito horas (8,13%), 25

casos às 11 horas (3,44%) e 13 casos às sete horas (1,79%). Já para o período da

tarde, além da preferência pelas 16horas, encontramos 55 casos às 17 horas

(7,58%), e 29 casos às 15 horas. Mas houve 217 casamentos (29,89%) cujo horário

não apareceu nas atas matrimoniais. Na realidade, o que mais chamou atenção,

referente ao horário destas cerimônias, foi o casamento de um português, natural de

Vila de Almeida, Patriarcado de Lisboa com uma jovem de Meia Ponte. Este evento

ocorreu em primeiro de Janeiro de 1805, às quatro da madrugada, em plena

festividades da passagem do ano novo e deve ter causado muita curiosidade nos

moradores. Afinal das contas, o casamento de uma filha da terra com um homem do

reino era motivo de prestígio e ascensão na sociedade. Neste caso, a noiva,

Joaquina Maria da Conceição, já gozava de certas regalias por ser filha do capitão

Antonio Pires Farinha e dona Rosana Maria da Conceição. O casamento com João

Fazenda Real de Goiás, Antonio Medes de Almeida, ter contraído matrimônio sem licença real e a nomeação do desembargador Antonio José de Araújo e Souza, para ocupar o lugar de intendente e provedor da Fazenda Real de Goiás]. 1764. Caixa 20, Doc. 1196.; OFICIO do desembargador Antonio José de Araújo e Souza sobre a carta do general de Goiás [João Manuel de Melo], [acerca de ter suspendido de suas funções o intendente e provedor da Fazenda Real de Goiás, Antonio Mendes de Almeida, pelo motivo de haver se casado sem licença real]. 1764. Caixa 20, Doc. 1198.

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 165

Antonio Bintencur, filho Manoel Antonio Bintencur e Francisca Rosa do Rosário iria

aumentar ainda mais o prestigio e a fortuna desta família.173

O casamento deste homem do reino com uma mulher da terra não foi o

único fato que ocorreu nesta freguesia. Os registros de casamento fornecem

valiosas contribuições para o estudo das migrações internas e transatlântica. Neste

chama-se atenção para 32 casamentos realizados na paróquia de Nossa Senhora

do Rosário, cujos noivos migraram de Portugal. Parece que houve certo predomínio

do norte em relação às outras regiões, quando se refere a estes homens que

deixaram o reino em busca da fortuna e de aventura. As atas de casamento

apontam para 14 noivos do bispado de Braga, Sete do bispado de Porto, cinco para

o Patriarcado de Lisboa, dois noivos aparecem apenas a referência a Portugal; e

para os bispados de Coimbra, Ilha da Madeira, Vizeu, e Vila de Toledo houve um

total de quatro. E houve também um caso de migração italiana.174

4.2.2. A ORIGEM GEOGRÁFICA DOS NUBENTES

Quanto ao processo de migração interna, as atas de casamento deixam

claros vestígios de que o ouro trouxe para a Capitania de Goiás uma onda migratória

não somente do reino, mas também dos principais bispados do Brasil, criados no

período colonial: Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Grão Pará, São Paulo e

Mariana. Na realidade, a mineração forçou uma intensa comunicação do sertão de

Goiás com as principais regiões costeiras durante o século XVIII. Num certo sentido,

estes imigrantes tiveram uma importância fundamental no processo de

miscigenação e povoamento da Capitania, à medida que constituíram família, por

meio do casamento ou das relações consensuais. Os livros de casamento

confirmam a proeminência dos paulistas neste processo que alguns historiadores de 173 REGISTRO de Casamentos. Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Meia Ponte, Livro 2c, 1803-1809. Manuscrito. Arquivo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 25v. 174 REGISTRO de Casamentos. Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Meia Ponte, Livro 1c/Livro 2c, 1764-1809. Manuscrito. Arquivo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 166

Goiás já observaram. Na documentação arrolada, constatou-se que foram realizados

40 casamentos na freguesia de Meia Ponte, envolvendo noivos do bispado de São

Paulo (Itu, Jundiaí, Mogi das Cruzes, Mogi Guaçu, Mogi Mirim, Piramonhangaba,

Santos, São Carlos, São Francisco de Taboada, Sorocaba, Paraná e Taubaté).

Contudo os imigrantes das Minas Gerais celebraram também consórcios na

freguesia de Nossa Senhora do Rosário. Computaram-se 16 casamentos nos

registros paroquiais com noivos do bispado de Mariana (Campanha do Rio Verde,

Congonhas do Campo, Itabira, Mariana, Sabará, São José do Rio das Mortes, Serro

Frio e Vila Rica). Além dos bispados mencionados, encontram-se cinco casamentos

com noivos do arcebispado da Bahia, três do Grão Pará, e sete do Pernambuco

(Paracatu e São Francisco da Serra/RS).175

E os casamentos que envolveram noivos naturais do bispado do Rio de

Janeiro merecem algum destaque no processo migratório? Sim, à medida que

situam as paróquias da Capitania de Goiás, pertencentes a este bispado até no

inicio do século XIX. Neste sentido, as atas de casamento apontam para 155 noivos

oriundos das diversas freguesias de Goiás. Havia uma deslocação continua desses

homens que partiam em busca de novas terras à medida que se concretizava um

novo achado de ouro. Assim os registros de casamentos apontam as diversas

paróquias e pequenos povoados da Capitania de que os nubentes procediam (Anta,

Bonfim, Cavalcante, Flores, Desemboque, Jaraguá, Meia Ponte, Ouro Fino, Pilar,

Santa Cruz, Santa Luzia, São José do Tocantins, Traíras e Vila Boa). Merecem

colocar em destaque nesta relação Meia Ponte (80), Santa Luzia (24), Vila Boa (15),

Santa Cruz (9), Traíras (7) e São José do Tocantins (7). No entanto, as paróquias

próximas do litoral do Rio de Janeiro quase não apresentam nubentes. São apenas

seis casos (Angra dos Reis, Rio de Janeiro e Terra Branca), por outro lado, os livros

de casamentos apontam 451 noivos, cuja procedência não aparece especificada.

Crê-se que a grande maioria destes noivos era natural da própria Freguesia (livres,

escravos, libertos e alguns indígenas) e que os sacerdotes não julgaram relevante

especificar a origem.

Neste sentido parece correta a afirmação de que a maioria destes

casamentos ocorreu de fato na paróquia de batismo das noivas. Até hoje perdura o

175 REGISTRO de Casamentos. Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Meia Ponte, Livro 1c/Livro 2c, 1764-1809. Manuscrito. Arquivo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 167

costume no Brasil das realizações dos consórcios na paróquia de residência da

noiva ou da sua família. Sheila Faria (1994), trabalhando os registros de casamentos

na paróquia de São Salvador (Capitania da Paraíba do Sul), percebeu que a maioria

dos “genros se incorporavam ao espaço da família da esposa”. Metcalf (1986)

observou que 87% das mulheres casavam-se na sua paróquia de nascimento,

enquanto os homens o faziam na proporção de 56%. No caso de Goiás no período

colonial havia uma migração constante, caracterizada por uma maioria de solteiros

que vinham em busca do ouro e de outras riquezas minerais.

No começo do século XIX, o viajante Pohl (1976) apontou as principais

características da população de Meia Ponte. Para o pesquisador austríaco, havia

muitos brancos no seio desta população, mas a maioria era composta de nativos e

mulatos pobres. ”Os habitantes que viviam outrora de suas rendosas lavras de ouro,

agora têm a fama de experimentados cultivadores de milho, mandioca, fumo, cana

de açúcar, café e algodão” (POHL, 1976, p. 116). Além disso, a freguesia de Meia

Ponte gozava de um considerável comércio, favorecida pela situação geográfica de

suas estradas, que ligavam Goiás com Mato Grosso, Bahia, Rio de Janeiro, São

Paulo e Minas Gerais. Utilizando uma lista oficial de 1812, Pohl apontou 6.309 almas

de confissão nesta paróquia (POHL, 1976, p. 116-117).176 Veja-se a tabela 8:

Tabela 8 - População de Meia Ponte Condição Homens Mulheres Total

Brancos casados 124 120 244

Brancos solteiros 462 562 1.024

Negros casados 57 40 97

Negros solteiros 384 364 748

Mulatos casados 184 200 384

Mulatos solteiros 734 796 1.530

Escravos 1.356 926 2.282

Soma 3.301 3.008 6.309

176 Os dados da população da paróquia de Meia Ponte mencionados pelo viajante austríaco apresentam alguns problemas que é importante esclarecer para o leitor: 1) Pohl apresenta uma população de 6. 209 almas, ao passo que a soma dos homens e mulheres da referida paróquia é de 6.308 almas de confissão. Ainda ligado a esta primeira questão, o viajante não esclarece se os homes e mulheres negras referidos na tabela são escravos ou livres. A segunda questão refere-se às almas de confissão. Conforme as orientações das Constituições Primeiras do arcebispado da Bahia todo homem e mulher que atingissem a idade de 7 anos deveriam confessar com o pároco da sua freguesia pelos menos uma vez a cada ano no período da quaresma em preparação para as festividades da Páscoa. Neste sentido, as almas de confissão apontadas na tabela 08 referem-se à população escrava e livre de Meia Ponte acima de 7 anos.

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 168

Fonte: ALMAS de confissão da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Meia Ponte. 1812. In: POHL, Johann Emanuel. Viagem no Interior do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1976. p. 116-117.

Pelos dados apresentados na tabela 8 houve uma porcentagem

considerável de casamentos na freguesia de Nossa Senhora do Rosário. Se se

observarem os números de pessoas casadas o percentual é relativamente alto

(18%), especialmente se se considerar uma população livre de 4.027 habitantes

(64% do total da população, enquanto os escravos eram 36%). Os dados acima

computaram que a população negra menos casava em relação aos “mulatos” e

brancos. Havia apenas 97 negros casados em uma freguesia que possuía 748

negros solteiros e uma população de 2282 escravos. No entanto, os mulatos

levavam uma ligeira vantagem em relação à população branca quando o negócio

era casamento. Para um total de 1530 mulatos solteiros havia 384 casados. Já entre

a população branca havia 224 casados e 1024 solteiros. Se se compararem os

dados apresentados pela tabela 08 no início do século XIX (1812) com as

informações do relatório do governador João Manuel de Melo, na segunda metade

do século XVIII, e os livros de casamentos se perceberá que o sacramento do

matrimônio teve certa influência no seio da população. De acordo com este relatório

feito ao rei de Portugal, em 1769, a freguesia de Pirenópolis contava no período com

5.500 pessoas de confissão. Neste mesmo ano, atas de casamentos apontaram oito

consórcios. Será que os dados refletem a realidade ou houve negligência dos

sacerdotes com relação aos assentos? Não se deve descartar esta última hipótese,

mas se se observar a evolução dos anos posteriores, perceber-se-á um grande

aumento de casamentos na referida freguesia. Veja-se a tabela 9:

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 169

Tabela 9 - Freqüência de casamentos

Anos Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Total

1764 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1

1768 0 0 0 2 1 0 0 2 0 4 0 0 9

1769 0 0 0 0 1 1 2 0 0 0 4 0 8

1770 0 0 0 0 0 1 0 5 1 0 0 0 7

1771 1 2 1 0 2 1 0 1 0 1 0 0 9

1772 1 0 0 0 3 1 1 0 0 3 4 1 14

1773 4 4 1 0 1 2 3 1 1 0 0 0 17

1774 1 3 1 1 2 4 3 1 2 0 1 0 19

1775 0 13 1 3 1 2 8 1 2 1 0 1 33

1776 2 1 0 0 0 0 1 0 2 2 0 0 8

1777 3 4 0 0 1 0 0 0 1 1 2 0 12

1778 2 4 0 1 1 1 2 2 0 2 1 1 17

1779 4 2 0 1 8 2 0 0 0 0 1 0 18

1780 2 2 0 4 2 0 5 2 3 0 0 1 21

1781 2 1 0 0 1 0 1 0 2 1 1 0 9

1782 2 6 0 1 2 3 1 4 2 2 1 1 25

1783 3 1 3 1 2 7 1 0 0 0 5 1 24

1784 2 1 0 4 3 4 0 3 3 4 2 3 29

1785 5 1 1 0 0 3 2 2 0 1 4 0 19

1786 12 10 0 1 0 1 1 1 0 0 0 0 26

1787 4 1 1 0 3 3 0 0 1 1 4 1 19

1788 4 4 0 4 6 4 1 2 2 4 4 0 35

1789 4 3 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 8

1790 1 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 2

1791 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2

1793 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0 0 0 2

1795 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1

1803 2 6 0 3 6 5 7 6 3 3 6 1 48

1804 3 2 0 4 4 8 8 3 4 4 4 2 46

1805 3 4 0 1 4 5 1 17 8 7 5 2 57

1806 7 8 0 4 11 6 5 5 5 7 5 10 73

1807 2 4 0 0 10 3 0 4 7 4 3 2 39

1808 0 0 1 3 2 9 0 5 4 4 4 0 32

1809 4 5 0 1 5 7 2 2 5 1 0 2 34

Total 82 93 10 40 82 85 55 70 59 57 61 29 723 Fonte: REGISTRO de Casamentos. Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Meia Ponte, Livro 1c/2c, 1764-1808. Manuscrito. Arquivo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil

Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

A tabela 9 apresenta várias lacunas em relação aos casamentos

ocorridos na freguesia de Nossa Senhora do Rosário de Meia Ponte. A começar do

ano de 1764 se anotou apenas um caso de matrimônio. Os assentos seguem

normais a partir de 1768, onde foram apontados nove casamentos. Mas houve uma

queda brusca das ocorrências entre os anos de 1789 a 1795 com apenas 15

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 170

registros. Já nos anos de 1792, 1794, 1796 a 1802 nem há referência deste

sacramento. Estas lacunas talvez estejam mais relacionadas à perda de

documentação do que negligência por parte dos sacerdotes com a escrita da fábrica,

uma vez que as visitações diocesanas eram bastante rigorosas, neste quesito, com

suspensão e multas pecuniárias. Mas os dados apontados na tabela são preciosas

indicações para se compreenderem as várias configurações de família que foram

formando, por meio do matrimonio e do concubinato.

4.2.3. O CALENDÁRIO ANUAL DAS CELEBRAÇÕES

A distribuição dos casamentos de escravos e livres, segundo o calendário

anual, indica o mês de fevereiro como o campeão das cerimônias. Foram realizados

93 casamentos ao longo do período de 1764 a 1809. Os motivos pela preferência

deste mês estão relacionados às interdições do período da quaresma. Conforme

Carlos Bacellar (2001, p. 75), as duas principais proibições, impostas pela Igreja ao

longo do ano atingiam sete semanas, o tempo do advento e o período da

quaresma. É neste sentido que se deve compreender também a distribuição dos

casamentos conforme a ordem dos meses mais procurados: fevereiro, junho,

janeiro, maio, agosto, novembro, setembro, outubro e julho. Por outro lado, os

meses de março, abril, e dezembro foram os menos procurados para a constituição

das núpcias. Na realidade dois fatores estão presentes no calendário anual dos

casamentos, as interdições do ano litúrgico e a influência do calendário agrícola. O

mês de maio é o período pascal, sem as interdições religiosas, mas é também o

período da colheita, da seca e da abundância. E em Pirenópolis, geralmente este

mês, é um tempo festivo consagrado a festa do Divino Espírito Santo, muito

marcado pelas cavalhadas, as famosas batalhas entre os “Mouros e Cristãos” que

fervilhavam a vila de forasteiros e mascarados. Parece que a população aproveitava

também deste clima festivo para as celebrações dos matrimônios.

Em termos de comparação estes resultados se harmonizam parcialmente

com a freguesia de Mercês (Portugal) no primeiro quartel do século XVIII. Maria da

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 171

Conceição Pereira (1987) apontou janeiro como o mês em que se realizou maior

número de casamentos, situando-se o mês de abril, novembro e dezembro

simultaneamente no fim da série. O mês de fevereiro que encabeça a nossa série

situa-se em terceiro lugar no citado estudo. Em relação à França, Fraçois Lebrun

(1988) descobriu uma grande concentração de casamentos nos meses de fevereiro

e novembro. Parece que neste país e nos demais países de Europa havia uma

observação rigorosa dos preceitos religiosos.

Mas, a tabela 9 apresenta também uma segunda questão importante: a

freguesia de Meia Ponte realizou na segunda metade do século XVIII um porcentual

considerável de casamentos. No plano das práticas cotidianas, a população soube

utilizar toda a importância que o matrimônio detinha naquele contexto para justificar

atos de violência ou mesmo algumas uniões ilícitas. No entanto, o mercado de

casamento seria vigiado pela Igreja por ocasião das devassas eclesiásticas. Exigia-

se dos pais e parentes o exercício de um rígido controle sobre a conduta moral de

seus filhos na tentativa de disciplinar a constituição das famílias. Com bastante

freqüência visitadores castigavam e chamava atenção de pais, senhores de

escravos, sacerdotes e autoridades no sentido de zelar pela conduta da população,

principalmente no que referiam à família.

Herdeira da orientação de Trento, a Igreja fez várias tentativas para coibir

o concubinato e as relações extraconjugais. E neste contexto, que se chama

atenção para uma carta do bispo do Rio de Janeiro, Dom José Joaquim de

Mascarenhas Castel Branco, ao vigário geral José Correa Leitão, solicitando um

cuidado especial dos vigários das varas eclesiásticas sobre o casamento dos pobres

e miseráveis:

Serve esta Somente de dizer a Vosa mercê, que nos tem Chegado aqui a noticia, que algum dos Reverendos Vigários da Vara dessas Comarcas de Goyases attendem pouco as Representações dos Reverendos Vigários da Igreja a beneficio dos pobres miseráveis fregueses, que desejando apartarse do máo estado da culpa abraçando a Conjugal, e não podendo corresponder as despesas das deligencias do estillo nos Competentes Cartórios da Comarca; e o que mais he attentando os Reverendo Párocos que táes, e táes fregueses seos querem casar, mas não o podem fazer por falta de dinheiro para as despesas, nada disto merece contemplação aos Reverendos Vigários da Vara faltando por este modo as Leis Divinas, e humanas, athe mesmo a huá consideração da natureza para com o

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 172

seo próximo. E como vossa mercê pode ter tomado suficiente conhecimento da matéria nas visitas, que tem feito nos parece conveniente recomendar lhe sobre esta matéria as providências, que convém, [ensinando] aos Reverendos Párocos o modo, por que devem recorrer aos Reverendos Vigários da Vara, e a estes, que vossa mercê tem essa nossa particular Recomendação, para lhes lembrar, que desejamos conservar as Nossas Ovelhas em Santa [Observância] da ordem de Deos [...].177

A principal preocupação do bispo do Rio de Janeiro era de fato com a

formação da família, dentro das idéias do Concílio de Trento, principalmente na

questão do sacramento do matrimônio. O quadro de casamentos apresentados na

tabela 9 confirma a preocupação do bispo. Apenas 726 casamentos, entre os anos

de 1764 a 1809. Se se observarem os enlaces matrimonias realizados na freguesia

de Meia Ponte na segunda metade do século XVIII, os números são modestos para

o perfil desta paróquia. O ano em que a população mais casou houve 35

matrimônios (1788); e em segundo lugar aparece o ano de 1775 com 33

celebrações e 1784 com 29. Alguns anos, os livros chegam apontar apenas uma ou

oito cerimônias. Estes dados só aumentaram no início do século XIX, atingindo o

ponto máximo com 73 casamentos, em 1806.

Um dos principais empecilhos apontados pela população eram as

despesas com os “Cartórios” eclesiásticos. É claro que havia um bom número de

paroquianos que preferiam as relações extraconjugais em vez do casamento. Mas a

grande preocupação do bispo foi com os miseráveis, as ovelhas que viviam no

concubinato devido à insensibilidade e ganância de alguns vigários da vara com os

emolumentos dos banhos matrimoniais. Houve de certa forma, por parte de muitos

bispos durante os setecentos, uma grande preocupação na propagação do

catolicismo, e ao mesmo tempo, combater os desvios morais da população. Mesmo

com um pequeno número, o matrimônio atingiu as várias camadas desta sociedade,

brancos, mulatos, escravos e libertos. A tabela 10 dá uma visão geral das relações

afetivas que estes grupos constituíram, tendo por base o sacramento do matrimônio.

177 REGISTRO de huma Carta do Excelentíssimo e Rmo Sr Bispo Diocesano feita ao Rdo Vigário G.al

Jose Correa Leitão sobre as providencias que deve dar aos Reverendos Vigários da Vara para estes attenderem aos pobres miseráveis, que procurarem o Estado conjugal, nas diligência de Estillo dos Respectivos Cartórios. 26 set. 1790. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 70.

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 173

Tabela 10 - Condição dos noivos

NoivaNoivoEscravos 78 6 4 11 99

Liberto 6 12 1 10 29

Livre 2 3 12 8 25

Não Ident. 10 11 8 544 573

Total 96 32 25 573 726

Escrava Liberta Livre Não Ident. Total

Fonte: REGISTRO de Casamentos. Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Meia Ponte, Livro 1c/2c, 1764-1808. Manuscrito. Arquivo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil

Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

4.2.4. OS CASAMENTOS DE ESCRAVOS E CASAMENTOS MISTOS

Uma das principais questões que chama atenção são os casamentos dos

escravos. Os nossos dados apontam para 99 noivos e 96 noivas que celebraram

núpcias na freguesia de Nossa Senhora do Rosário durante a segunda metade do

século XVIII e inicio do século XIX. A maioria destes enlaces matrimoniais foi

constituída por indivíduos da mesma condição social. Mas houve também a

formação da família monogâmica de escravos com libertos e livres, embora com

números muito pequenos.

A questão que de imediato se coloca é a de saber se em algum aspecto

os casamentos de escravos se diferenciavam dos demais aos olhos da Igreja. O

escravo podia contrair matrimônio com qualquer indivíduo independentemente do

seu estatuto jurídico. Esse enlace matrimonial não podia ser impedido pelos

senhores, mas tirava o escravo da sua sujeição. Conforme as legislações havia

apenas três situações em que o escravo conseguia a liberdade pelo casamento:

“quando o senhor constituía dote à escrava; quando ele toma por mulher a própria

escrava ou quando é a senhora a casar-se com o seu escravo; e ainda quando o

senhor casa a sua escrava com um homem livre, ignorando este a escravidão

daquela” (COMPÊNDIO..., 1776, p. 205 apud PEREIRA, 1987, p. 72).

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 174

Quanto ao consentimento dos senhores para a contratação de matrimonio

pelos seus escravos, a historiografia vem demonstrando que eles dificultaram o

máximo. Principalmente quando se tratava de escravos de outros senhores. Mesmo

contra a vontade dos senhores, estes matrimônios foram considerados pela Igreja. O

padre Antonio Ferreira expõe o assunto nos seguintes termos: “Os escravos válida,

e licitamente podem contrair Matrimonio sem licença de seus senhores, porque

estes não estão sujeitos no que he de direito natural” (FERREIRA, 1757, p. 296

apud PEREIRA, 1987, p. 72). No entanto, na Capitania de Goiás muitos senhores

não facilitaram o acesso dos seus escravos ao sacramento do matrimônio. Muito

pelo contrário, promoveram a prostituição e a mancebia, como forma de explorar o

máximo desta principal mercadoria humana. A Igreja, por meio dos visitadores

diocesanos e das cartas pastorais dos bispos, procurou orientar os seus fregueses

para uma atenção especial na doutrinação destes cativos. Dom Frei Antonio do

Desterro, em 1751, proibiu os párocos e capelães dar sacramento para os senhores

que mantinham os escravos amancebados e na prostituição:

[...] a mesma da negação de sacramentos usarão os parochos, e Capelães debaixo da mesma pena, com os senhores que consentem, que Os seus escravos, e escravas andem amancebados a Tal que os fação contrair Matrimonio, ou os apartem totalmente, e porão todo o cuidado em fazer, que os senhores, e Senhoras, que tem escravos em venda vivendo deshonestamente ou os trazem com Taboleiros da mesma sorte se emendem desta culpa athé lhe negarem os sacramentos, sendo necessário como pecadores públicos e escandalosos [...].178

Diante do sistema de escravidão, a missão pastoral da Igreja no Brasil

apresentou algumas contradições. De mãos dadas com o regime de padroado, ela

produziu, num certo sentido todo um aparato doutrinal e teológico que sustentasse a

colonização portuguesa. Isso fez com que muitas vezes esquecesse a sua missão

profética de denunciar o iníquo sistema. Poucas vozes se levantaram em favor da

liberdade dos escravos. Na realidade ela se limitou à disseminação dos valores do

catolicismo, principalmente, na questão dos sacramentos muito valorizado pela

reforma tridentina. 178 PASTORAL do Exmo e Rmo Sem Dom Frey Antonio do Desterro de saudosa Memória, que o Rev. Visitador Jose Correa Leitão me deu para registrar, extraída de uma certidão. In: REGISTRO de pastorais e editais dos prelados. Visitadores ou Vigários da Vara. Meia Ponte, 1771-1859. fl. 55v.

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 175

O que diferenciava os casamentos de escravos e os casamentos mistos

dos demais casamentos da população era a ausência de proclamas anterior à

celebração do matrimônio. Para salvar o princípio da liberdade dos nubentes na

contratação do casamento, o pároco concede “causa juratória” “pela qual os

contraentes se obrigam a apresentar-lhe os banhos num prazo de dois meses a

partir do casamento. Estes proclamas realizados após o casamento não obedecem

ao formulário comum, mas algo simplificado.179 Se o casal não cumprisse com o

compromisso seria denunciado à justiça eclesiástica (PEREIRA, 1987, p. 73). Estas

medidas eram formas preventivas de eventuais coações dos senhores ao

casamento de seus escravos. Mas no caso de casamentos mistos, a publicação de

banhos precedia naturalmente a celebração do matrimônio.

A grande maioria dos escravos que contraíram matrimônio na freguesia

de Nossa Senhora do Rosário casaram com parceiros do mesmo dono. Os registros

paroquiais nos apontaram 58 casos no período de 1764 a 1809. Os dados parecem

insignificantes, por se tratar de um período de longa duração, mas quando se

observa o número de casamentos entre os cativos, estes índices ultrapassam os

60%. Não sei se pode se afirmar com isso que os senhores de Meia Ponte possuíam

grande escravarias. As atas de casamento não oferecem dados suficientes para

reforçar esta tese. Mas a pesquisa apontou poucos proprietários, cujo nome aparece

mais de uma vez nos livros de casamento. Mesmo assim destacam-se alguns em

que tal fato ocorreu. Um dos primeiros casamentos de escravos que despertou

curiosidade se realizou na igreja matriz em 27 de fevereiro de 1775. Tratava-se do

matrimônio de “João Cabra e Luzia Mina” e outro dois escravos de Antonio Gomes

da Cunha, “Francisco Mulato” e “Jacinta Crioula”. A cerimônia foi acompanhada pelo

vigário da vara, o padre doutor Domingos Rodrigues de Carvalho. Mas neste mesmo

ano, “Maria Angola”, escrava também do referido senhor celebrava suas núpcias

com “Antonio Mina”, escravo de Dona Antonia.180 Já em 1786, foi a vez de “José

Benguela” com “Suzana Benguela” e ainda “Domingos Benguela” com “Josefa

179 Nos registros de casamento de escravos, encontrei duas referencias a publicação de banhos. O primeiro tratou-se de “José e Páscoa”, ambos os escravos de Maria Carvalha; o segundo refere- ao escravo Lourenso com Antonia Miranda, índia tapuya (REGISTRO de Casamentos. Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Meia Ponte, Livro 1c, 1764-1795. Manuscrito. Arquivo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 2f-2v.). 180 REGISTRO de Casamentos. Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Meia Ponte, Livro 1c, 1764-1795. Manuscrito. Arquivo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. [1775]. fl.23v; 24f; 28v.

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 176

Cabra”, escravos de Manuel Luiz Mendes Vieira celebrar o enlace matrimonial.181

Também não faltou da parte do clero o exemplo de dar o referido sacramento aos

seus cativos. O padre Antonio Farias Albenas celebrou na capela de Santa Ana (Rio

do Peixe) o casamento de “Miguel Mina” e “Rosa Mina”, escravos de sua

propriedade.182 O mesmo ocorria com “Francisco Mulato e Elena Mulata”, escravos

do “Visitador José Correia Leitão” em 1789.183 Crê-se que estes exemplos são

suficientes para reafirmar a tese defendida por Faria que os donos preferiam que

seus escravos casassem na mesma escravaria. “A escolha de parceiro com quem

trocava os afetos era atribuição dos escravos, mais os senhores não deixavam de

influenciar”.

Mesmo assim não faltaram os intercursos em outras escravarias.

“Joaquim Mina”, escravo de Manoel Gomes da Silva, celebrou suas núpcias com

“Luzia Mina, escrava de Lucrecia Teixeira de Morais na capela de Lavrinhas em

1768.184 Já “Ignacio Crioulo”, escravo de [Afonso] Gregório da Silva Bailon, recebia

como esposa no Altar de Nossa Senhora do Rosário, em 1771, a sua amada

“Juliana Crioula”, escrava de Manoel Angola.185 O interessante neste último

casamento que o próprio senhor da nubente era também escravo do capitão Miguel

Alves dos Santos. Na realidade, era uma estratégia de sobrevivência do próprio

sistema da escravidão, a reprodução da dominação nos próprios subalternos. E

muitas vezes, os escravos eram agraciados com algum presente de seus

proprietários, em gratidão pelos bons serviços prestados. Neste caso, Manoel

Angola deve ter recebido Juliana, ainda criança de presente.

O estudo de casamento dos escravos possibilita também a localização

geográfica destes imigrantes africanos que povoaram a Capitania de Goiás. A

documentação de batismo de escravos da paróquia de Santa Ana (Vila Boa)

permitiu apontar a proeminência da nação “Mina”, em relação aos outros grupos

africanos. Mas no que se refere à freguesia de Meia Ponte, é muito arriscado fazer

um diagnóstico com poucos dados computados. Mesmo assim as atas de

casamento permitem identificar algumas regiões africanas de que partiram estes 181 Ibid., [1786], fl. 88v. 182 Ibid., [1771], fl. 27f. 183 Ibid., [1789], fl. 107f. 184 REGISTRO de Casamentos. Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Meia Ponte, Livro 1c, 1764-1795. Manuscrito. Arquivo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. [1768]. fl. 2f. 185 Ibid., [1791], fl. 7v.

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 177

cativos. “Benguela”, “Mina”, “Angola”, “São Tomé”, “Guiné” e “Nad’a”, geralmente, a

nação de procedência aparecia após a indicação do nome dos nubentes nos

registros dos matrimônios.

A documentação arrolada permitiu constatar que a maioria dos

casamentos ocorreu entre os cônjuges “crioulos”, ou seja, entre noivos e noivas que

nasceram na própria freguesia ou outras partes do Brasil. Localizaram-se 13 casos,

e a soma total que envolve o noivo ou a noiva é de 39 casamentos. Já os minas

aparecem em segundo lugar com oito casos, e a soma total com outros grupos

foram celebrados 26 matrimônios. Apenas três casamentos aconteceram entre noivo

e noiva de Angola; com outras etnias, os dados apontaram 25 enlaces. E a

documentação apontou também 17 matrimônios em que não aparece a região de

procedência, bem como pequenos casos envolvendo escravos de outra etnia. De

qualquer forma, o processo de miscigenação entre os africanos, através dos enlaces

matrimoniais, contribuiu muito para o povoamento da Capitania.

A tabela 10 aponta também para os casamentos mistos. Através destes

enlaces, os escravos procuraram constituir família com um grupo diferente do seu. A

busca de estabelecer aliança com uma camada superior na hierarquia social era de

certa forma uma estratégia de sobrevivência no sistema desumano da escravidão.

Assim após a “publicação dos banhos”, o escravo “Lourenso Mina” desposava

“Antonia de Miranda”, índia “Tapuya”, filha legítima de Antonio Miranda e Ana Maria,

“gentio da terra”. O mesmo ocorria com outro “Lourenso Mina” que se casava com

“Antonia de Miranda Cabra”, outra índia filha do referido casal.186 O casamento com

cônjuges indígenas devem ter ocorrido em um maior número de casos na freguesia

de Meia Ponte. No entanto, a proibição por parte da Igreja que os indígenas

colocassem os nomes de caboclos em seus filhos dificulta a localização dos

mesmos nas atas de casamento. Já Palacin (1994), apontando as atas de batismos

desta mesma freguesia, defende a tese que a “mestiçagem com índio foi de

proporções muito modestas, pois em cada trinta filhos de escravos, apenas três

eram administrados”.

186 REGISTRO de Casamentos. Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Meia Ponte, Livro 1c, 1764-1795. Manuscrito. Arquivo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. [1768]. fl. 2v; 3f.

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 178

A partir de Pombal, o governo português começa a insistir na necessidade

de se utilizarem os indígenas para a ocupação efetiva do território. Era evidente para

os governantes que as enormes extensões do planalto central e da bacia amazônica

não poderiam ser povoadas com colonos brancos. Suas pequenas “povoações e

fazendas” nunca passariam de ilhas cercadas de “verdes” ou de cerrados. Há uma

Carta Régia (1777) dirigida ao governador da Capitania, Jose de Almeida

Vasconcellos, sobre a “Civilização dos Índios”. O documento é muito rico em

informações, mostrando a necessidade do povoamento de Goiás com os próprios

silvícolas. De acordo com o governo de Portugal, era mais importante “civilizar o

índio do que retirar do continente as suas principais riquezas, principalmente, o ouro

e diamantes”. Neste contexto, Lisboa critica o método de conquista utilizado pelos

espanhóis e portugueses, apoiado nos missionários. Ao mesmo tempo, aponta para

as políticas de povoamento, dos franceses e ingleses no Canadá e na América

Setentrional.187

Além dos casamentos com os indígenas, os escravos realizaram também

casamentos mistos com forros e livres. A tabela 10 aponta seis matrimônios de

cativos com noivas libertas e quatro de homens escravos com noivas livres. Entre os

consórcios de escravos com mulheres forras, exemplifica-se um enlace matrimonial

de “Caetano Crioulo”, natural de Santa Luzia, com “Domingas Crioula”, uma mulher

viúva e liberta.188 O que chama atenção neste fato são os pais do noivo, José Mina e

Ana Mina, ambos escravos de Antonio Bernardes. Pelo visto, toda família foi

comprada em Santa Luzia pelo referido proprietário. A cerimônia ocorreu em 1805

na capela de Corumbá.189 Mas a tabela aponta também para os noivos libertos que

se casavam com escravas, libertas e livres. Já entre os noivos livres, apenas dois

casos de casamento com mulheres escravas e a maioria com a mulher da mesma

condição.

187 CORRESPONDÊNCIA e Instruções Diversas (1758-1777). [Este documento trata várias questões referentes ao comportamento da população e do clero]. Livro 15, Doc. 15. Arquivo Histórico do Estado de Goiás, Goiânia. fl. 49s. 188 Quanto à realização das segundas núpcias, os viúvos tiveram uma grande vantagem em relação às viúvas na população livre e escrava da freguesia de Nossa Senhora do Rosário, atual Pirenópolis (1764-1809). Foram realizados 43 casamentos em que o noivo era viúvo, e apenas 26 em que as noivas foram citadas como viúvas. Na realidade os viúvos casaram mais como parceiros solteiros, pois a documentação apresenta apenas cinco casos de núpcias que ocorreram, sendo ambos os cônjuges viúvos. 189 REGISTRO de Casamentos. Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Meia Ponte, Livro 2c, 1803-1809. Manuscrito. Arquivo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. [1805]. fl. 25v.

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CAPÍTULO IV – A POLÍTICA PORTUGUESA E AS CONDIÇÕES DE POVOAMENTO 179

Quanto aos segmentos populacionais aludidos, verificou-se que os

consórcios dentro do mesmo segmento prevaleceram sobre as uniões entre

indivíduos de diferentes grupos populacionais. Alguns casamentos, envolvendo

libertos, escravos e livres são sugestivos e trazem elementos para compreender as

diversas faces do escravismo na América Portuguesa. Houve casos isolados, mas

justamente por sua excepcionalidade, que se perceberam os intercursos sociais

entre as camadas sociais então vigentes. Em Minas Gerais, Iraci del Nero Costa

(1982, p. 25) apontou alguns exemplos de consórcios entre senhores e seus

próprios cativos. Embora não se tenha encontrado nenhum fato semelhante nos

registros de casamentos de Meia Ponte, as documentações das devassas apontam

para casamentos que envolveram brancos com mulheres pardas em outras

paróquias de Goiás. “Otávia Pinta Caldeira”, mulher parda casada com um branco,

disse em 1759, que o padre Alexandre de Almeida (freguesia de São José do

Tocantins) “a solicitou para atos torpes”. Outra paroquiana da mesma freguesia, na

“Vendinha do Tocantins”, Ângela Pereira Ramos, mulher parda, igualmente casada

com um homem branco, contou ao vigário da vara que certa vez seu pároco a

convidou para “esperá-lo à noite no quintal da casa dele” (MOTT, 1993, p. 43-44).

A pesquisa sobre a história da família livre e escrava na Capitania de

Goiás revela alguns fatos curiosos que merecem uma observação cuidadosa dos

pesquisadores que enveredam nos campos desta temática. A investigação

documental sobre o concubinato apontou também que nos sertões goianos

aconteceu “casamento clandestino”. O livro Rol dos culpados apontou um consorcio

celebrado por Luís Henrique da Silva e Antonia Lopes da Silva, nascida no Rio de

Janeiro (1800). Os motivos que levaram os referidos cônjuges a essa decisão não

se sabe, mas o certo é que eles foram condenados pelo vigário geral do bispado do

Rio de Janeiro. Este “crime cometido pelo enlace matrimonial nas caladas da noite

custou aos cônjuges trinta dias na cadeia de Vila Boa, conforme o despacho do

vigário da vara, José Gomes da Silva”.190 Geralmente, o termo clandestinidade no

matrimônio, consistia na falta do pároco e duas testemunhas no ato do casamento.

190 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Rol dos culpados. [Livro utilizado pelos bispos diocesanos para registrar os culpados das devassas eclesiásticas]. Livro n. 10, 1783-1805. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CCAAPPÍÍTTUULLOO 55

OO CCOONNCCUUBBIINNAATTOO

5.1. OS SIGNIFICADOS DA PALAVRA CONCUBINATO

Torres-Londoño (1999) procurou conceituar o concubinato, buscando as

suas origens no Império Romano. Em uma sociedade marcada pelas desigualdades,

todo relacionamento com “mulheres inferiores ou de caráter duvidoso era uma

relação de concubinato”. Assim expressou este autor:

Em razão das classes de mulheres havia dois tipos de relações ilícitas: Concubinat designava as relações maritais tidas com mulheres inferiores ou de comportamento duvidoso, enquanto stuprum se referia a relações tidas como moças de famílias ou viúvas. O Concubinat era permitido, mas não gerava os vínculos e direitos reconhecidos ao casamento. Ele era tolerado em virtude da desigualdade que havia na sociedade: desigualdade entre homem e mulher, desigualdade entre uma escrava e liberta, e até mesmo uma mulher sem honra. Assim o Concubinat caracterizava um casamento impossível devido à desigualdade dos envolvidos, e algumas circunstâncias específicas em que as pessoas se encontravam (TORRES-LONDOÑO, 1999, p. 21).

Para Jean-Claude Bologne (1999), as relações consensuais com

inferiores foi uma característica importante das sociedades romana e germânica. O

objetivo era conter o “ardor da juventude antes de fixá-la num casamento

respeitável”. Na visão deste autor, este tipo de casamento perpetuou-se na Baixa

Antiguidade cristã e um dos grandes padres da Igreja, Santo Agostinho, teve uma

concubina por mais de quinze anos e com ela teve um filho, antes de sua conversão

(BOLOGNE, 1999, p. 28).

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 181

Com as transformações que ocorrem na sociedade ocidental,

principalmente a Reforma Protestante, “o concubinato deixou de ser uma situação

legal e se transformou em um estado criminal, condenado pelas leis divinas e

humanas”. A partir do Concilio de Trento, a prática prolongada desta relação

poderia ser um atentado contra o matrimônio, ou transformar-se em uma heresia.

Com o objetivo de reformar a moral e os costumes, o Concílio vai condenar a prática

do concubinato nos seguintes termos:

Peccado grave he, que qualquer solteiro tenha concubinas; mas gravíssimo, e de especial desprezo deste grande Sacramento, viverem também os casados neste estado de condenação, e atreverem-se às vezes a têllas, e sustentallas na própria casa com suas mulheres. (O SACROSSANTO..., 1864, p. 249-250).

Seguindo o Concilio de Trento e as condenações do século XVIII que as

Constituições Primeiras da Bahia definiram o que a Igreja brasileira passaria a

entender por concubinato: “o Concubinato, ou amancebamento consiste em uma

ilícita conversação do homem com mulher continuada por tempo considerável.”

(VIDE, 2007, [Livro V, Título XXII]). A continuidade que diferenciava o concubinato

da fornicação com prostitutas. O texto sinodal sublinhava a autoridade e a jurisdição

dos prelados eclesiásticos para procederem contra os leigos amancebados e

estabelecia as penas para os culpados e os que perseverassem neste crime.191 Mas

o concubinato dos casados foi sem dúvida o mais penalizado do que o dos solteiros.

Para os primeiros, estipulava-se “sempre maior pena, segundo a diferença, e

deformidade de delicto” (VIDE, 2007, [Livro V, Título XXII])192. Já, os solteiros, que

fossem pegos em concubinato e quisessem casar seriam absolvidos das referidas

191 É importante salientar que as Ordenações Filipinas, em seu segundo livro, Título IX, corroboram esta disposição sinodal. 192 As pessoas leigas que fossem denunciadas no pecado de concubinato deveriam ser admoestadas para afastar do escândalo e também lançar para fora da sua casa à concubina. Os casados deveriam pagar cada um “mil réis”. Os amancebados poderiam ser castigados com penas de prisão, degredo e outras, além das penas pecuniárias. O número 983 aponta as referidas penas, e acrescenta também a excomunhão para os amancebados que fossem admoestadas três vezes e não dessem provas de afastamento do dito pecado. As penas pecuniárias para os casados que cometiam o concubinato pela primeira vez era de mil reis; caso houvesse uma reincidência deste pecado com a mesma pessoa ou pessoas diferentes pagariam o dobro; e uma terceira vez, cada um pagaria “três mil reis”. Para os solteiros, a pena pecuniária era de oitocentos reis; caso fosse pegos pela terceira vez pagaria, apenas “seis cruzados”. (VIDE, 2007, [Livro V, Título XXII]).

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 182

penas. O objetivo destas correções era afastar o fiel do pecado e dos erros que

poderiam condenar a sua alma ao inferno.

As Ordenações Filipinas estabelecem também penas para as concubinas

de clérigos e para os borregueiros casados e suas barregãs (ORDENAÇÕES...,

1985, [Livro V, Título XXVIII]). No plano material prevêem a possibilidade da mulher

mover ação judicial contra o marido que tiver feito alguma doação a sua barregã ou

movê-la diretamente à barregã caso esta tivesse furtado algum bem ao seu marido

(ORDENAÇÕES..., 1985, [Livro I, Título LVI/Livro V, Título XXIX]). Proíbem também

aos cortesãos, terem ou manterem mancebas na corte (ORDENAÇÕES..., 1985,

[Livro V, Título XXVII]). As penas pecuniárias são estipuladas em função da

categoria social do infrator, incorrendo o plebeu em penas de degredo de um ano

para fora da corte. Mais, estas penas poderiam ser aumentadas se o infrator fosse

casado. As mulheres amancebadas também ficavam sujeitas a penas pecuniárias,

ou degredo por um ano e, no caso de possuírem ofícios da corte, eram ainda

penalizadas com a suspensão de tais atividades econômicas. A justiça só intervinha

quando tais situações eram denunciadas. Daí a intervenção do Merinho ou Alcaide

para averiguar a veracidade das acusações, nomeando testemunhas antes de levar

a dita querela ao corregedor ou Juiz. Todavia a acusação não devia ser levada

adiante se os concubinários tivessem apartado num período anterior de três meses.

A legislação pombalina não deixou de se debruçar sobre a prática do

concubinato, principalmente na ação judicial. Considerando que as devassas de

concubinatos provocavam freqüentes desordens e abusos já que acontecia serem

inocentes acusados e infamados por inimigos pessoais, o alvará de 24 de Setembro

de 1769 ordenava que não tirassem mais devassas de concubinatos e que se

suspendessem as que estavam em curso (SILVA, A.; VASCONCELLOS, 1825, p.

432-433). Veríssimo Serão ao analisar o contexto de produção desta peça

legislativa integra-a numa sociedade que vivia num clima de insegurança devido ao

sistema político de fiscalização do Estado (SERÃO, 1982, p. 128 apud PEREIRA,

1987, p. 83). Essa sensação de insegurança se instala no universo mental

psicológico do homem português, na segunda metade da centúria de setecentos.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 183

A partir do século XVIII os termos “barregania, barregãs e barregueiros”

deixaram de existir. Foram substituídos pelas “palavras concubinato e mancebia”.

Na visão de Londoño (1999), o referencial que a Igreja tinha para definir o

concubinato era o sacramento do matrimônio, consolidado a partir do Concilio de

Trento. E a justiça eclesiástica usava as expressões “mancebia” e “concubinato”

todas as vezes que se referia as relações consensuais. Por outro lado, o “andar de

portas adentro”, “viver como casados” expressava um comportamento ilícito para as

autoridades Eclesiásticas e para toda população. No dizer deste autor, “a palavra

concubinato” adquiriu uma “polissemia”. Poderia indicar vários tipos de relações

consensuais ou ser “enquadrado nos comportamentos morais condenados pela

Igreja” como “a prostituição, a desonestidade e a amizade torpe” (LONDOÑO, 1999,

p.28-29).

5.2. ILEGÍTIMOS E EXPOSTOS: O RASTRO DO CONCUBINATO

O grande debate associado às questões de ilegitimidade teve a sua

origem com os franceses fundadores da demográfica histórica. No entanto, estes

pesquisadores tiveram certa cautela com a problemática associada à natalidade

extraconjugal por que o núcleo dos seus interesses e as metodologias aplicadas ao

tratamento dos registros paroquiais estavam direcionadas para análise da

fecundidade legítima. Neste sentido as suas obras apresentaram poucas

informações sobre os “frutos dos amores clandestinos” (GUILLAUME; POUSSOU,

1970, p. 173).

Com este estudo foi possível estabelecer comparações entre a França

rural e as regiões litorâneas. Estas últimas apresentavam índices de ilegitimidades

mais altos do que as aldeias por serem refúgios de moças que engravidam e eram

expulsas por seus vizinhos dos vilarejos (CHAUNNU, 1985, p. 115). Jacques

Dupâquier (1979, p. 368) classificou os nascimentos de ilegítimos no tempo de Luis

XIV como um fenômeno excepcional, uma vez que em inúmeras paróquias da Bacia

de Paris, entre 1671 e 1721, não foi encontrado um único registro de nascimentos

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 184

de ilegítimos. Por outro lado, este autor nota que a freqüência dos nascimentos

ilegítimos diminuiu no século XVII na maior parte dos casos, mas aumentou no inicio

do século XVIII. As razões destas mudanças foram buscadas na lenta libertação da

sociedade das normas rígidas da Igreja.

Segundo as idéias mais comuns entre os investigadores da demografia

histórica, em especial os franceses, existe uma relação estreita entre os níveis de

ilegitimidade das sociedades antigas e o modo com que elas enquadravam a

sexualidade: a diminuição das taxas de ilegitimidade traduziria um aumento da

repressão sexual; pelo contrário, o incremento daquelas taxas corresponderia a um

afrouxamento do controle das práticas sexuais e até a uma liberação. Em Portugal,

chama-se atenção para a região do Minho, por ser uma zona de onde saíram muitos

emigrantes para a Capitania de Goiás. A informação disponibilizada tem permitido

identificar esta região do Noroeste de Portugal com a presença de um regime de

ilegitimidade muito intenso. As pesquisas da historiadora Norberta Amorim (1987)

sobre os Guimarães dos finais do século XVI até o fim do século XVIII revelam uma

alta taxa de ilegitimidade em relação a algumas regiões da Europa. Conforme as

explicações de Antonio Amaro das Neves (2001, p. 117), “em um universo de

cinqüenta mil crianças batizadas cujas mães são conhecidas, aparecem quase seis

mil e quinhentas que resultaram de relações extraconjugais”. Em cada mil

nascimentos aparecem 132 crianças ilegítimas.

Antes de se entrar na abordagem sobre os ilegítimos na Capitania de

Goiás convém deixar claro o que se entende quando se fala em ilegítimos: a grosso

modo, pode se classificá-los como os nascimentos que resultam de contatos sexuais

estabelecidos fora do casamento. Sempre que as relações entre um homem e uma

mulher não casados entre si, resultam numa gravidez e no nascimento de uma

criança, podem ocorrer duas situações diferentes, que convém distinguir. Em

primeiro lugar, poderá dar-se o caso de os pais da criança assim gerada se casar

entre o momento da concepção e o parto. Neste caso, a criança seria legitimada

pelo casamento. A outra situação corresponde àquela em que a criança nasce sem

que os pais se tenham, entretanto unido pelo casamento (em muitos casos o

casamento é impossível pelo fato de um dos pais já ser casado com outra pessoa).

Neste caso, haverá um nascimento ilegítimo. Para Vainfas (2001, p.306-307), os

ilegítimos assumem condições distintas, conforme as circunstâncias de nascimento:

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 185

“naturais (filhos de pais solteiros)” e espúrios, que podem ser conforme os casos,

adulterinos, incestuosos ou sacrílegos (filhos de alguém que fez o voto de

castidade). Mas havia também os “legítimos (pais casados na Igreja) e os expostos

(criança abandonada em casas particulares ou na roda dos expostos)”.

Se se seguirem as pistas das crianças ilegítimas encontradas nos livros

de batismos de escravos e livres em Vila Boa de Goiás encontram-se os vestígios

deixados pelas relações consensuais. Os “rastros do concubinato” aparecem

também nas diversas correspondências ao Reino e aos pedidos feitos à Coroa

portuguesa para transportar para Portugal os filhos naturais nascidos na Colônia.

Assim Belchior da Silva, homem solteiro, fazia um requerimento em 1746, pedindo

licença ao rei [Dom João V] para voltar a sua cidade em Portugal, com a sua filha

natural. O motivo alegado para que a criança pudesse acompanhar o pai foi a

ausência de familiares residentes no Brasil para educar a sua filha.193 Já Matias Gil

Ferreira, morador no arraial do Pilar, escreve ao rei [D. José] pedindo para legitimar

sua filha Maria que teve na freguesia de Salvador do Bilhó, arcebispado de Braga.

Conforme a documentação, a criança foi fruto de um relacionamento com uma prima

solteira chamada Maria Gil.194 Na visão de Vainfas (2001), havia várias maneiras

para reconhecer a paternidade de uma criança no Brasil Colonial, desde que esta

criança não nascesse de relações incestuosas ou de adultério. Mesmos os filhos de

padres e religiosas estariam livres para ser legitimados e receber as heranças.

Mesmo não celebrando o matrimônio, as legitimações dos filhos

naturais, aparece através das documentações coloniais como algo bastante

corriqueiro. A documentação arrolada chama também atenção para o requerimento

do coronel Manuel Lopes Chagas, morador na freguesia de São José do Tocantins,

em 1769. Trata-se de um processo em que o referido coronel reconhece como seu

legitimo filho, Lino filho da mulher solteira e liberta chamada Micaela. O viúvo

193 REQUERIMENTO de Belchior da Silva, ao rei [D. João V], solicitando licença para que possa levar para o Reino uma filha natural. 1764. Caixa 4, Doc. 323. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. 194 REQUERIMENTO de Matias Gil Ferreira, morador no arraial do Pilar, ao rei D. José, solicitando poder legitimar sua filha, Maria, a qual teve com uma sua prima, na freguesia de Salvador do Bilhó, comarca de Vila Real, arcebispado de Braga. 1774. Caixa 27, Doc. 1770. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 186

Manoel Lopes alegava que não possui nenhum outro filho e estava desimpedido do

matrimônio, por isso o seu único herdeiro era o filho Lino que ele reconhecia.195 Este

fato não parece tratar de uma relação amorosa esporádica, mas remete a uma

situação de concubinato. Tudo leva a crer que o status social de Micaela, a sua

condição de ex-escrava, tenha impedido a realização do casamento. Para Mary

Karasch (2001, p. 94), “o coronel Manuel Lopes Chagas teve uma relação

incestuosa com a crioula Micaela, a mãe do pardo, e com a mãe desta, ou seja, a

avó do pardo”. Conforme esta historiadora, a lei do Reino proibia herdarem os filhos

incestuosos, a Lino Manoel Lopes Chagas, “filho natural”, foi lhe negado a herança.

Mas em 1769 ele foi legitimado pelo seu pai por falta de outros herdeiros.

As relações consensuais das mulheres pobres da Capitania com militares

não param por aí, os registros destes relacionamentos estão nos vários pedidos de

carta de legitimação e nos testamentos, onde apareciam filhos de diferentes

mulheres. “Nas relações de família de 1783 as mulheres negras e índias surgem nos

domicílios de homens brancos solteiros como agregadas, escravas e pessoas de

obrigação, muitas vezes com um ou dois filhos pardos”. Mary Karasch (2001, p. 93)

constata estes padrões nos casos de homens solteiros detentores de títulos

militares. Em 1805, por exemplo, Fernando José Leal, solteiro, sargento-mor do 2º

Regimento de Cavalaria de Milícias de Vila Boa, escreve ao príncipe regente [D.

João], solicitando carta de legitimação para os seus filhos que teve com “mulher

solteira e livre”. Declarou os seguintes filhos como os seus legítimos herdeiros:

“Álvaro Jose Leal, Luis Antonio Leal, Antonio Jose Leal, Marcelino Jose Leal e Maria

Josefa da Silva”196. O número de crianças sugere que ele teve uma relação de

concubinato com a mãe dos referidos. Possivelmente, tratava-se de relacionamento

195 REQUERIMENTO do coronel Manuel Lopes Chagas, morador na freguesia de São José do Tocantins, ao rei D. José, solicitando carta de legitimação de um seu filho natural chamado Lino, que teve no estado de viúvo, com Micaela, mulher solteira e livre. 1769. Caixa 2,. Doc. 1529. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. 196 REQUERIMENTO do sargento-mor do 2º Regimento de Cavalaria de Milícias de Vila Boa, Fernando José Leal, ao príncipe regente D. João, solicitando carta de legitimação, declarando como seus filhos e legítimos herdeiros, Álvaro José Leal, Luis Antonio Leal, Feliciano Antonio Leal, Antonio José Leal e Maria Josefa da Silva. 1805. Caixa 50, Doc. 2844. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 187

conjugal com uma mulher pobre e das “raças infectas” que dificultava o casamento

com um homem do reino.

A relação das cartas de legitimação dos filhos naturais com a

documentação dos registros de batismos de escravos e livres permite abordar a

questão da ilegitimidade em Vila Boa com mais precisão. Entretanto, é importante

apontar para as lacunas encontradas na documentação sobre o batismo, tanto da

população livre como na escrava. Os registros de batismo mais antigos da Capitania

de Goiás são os livros da paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Pirenópolis,

antiga Meia Ponte, com a data de 1732. Já os registros de nascimentos da freguesia

de Sant’Ana, antiga Vila Boa, hoje Cidade de Goiás, só apresentam os de batismo

de escravos a partir de 1764, e dos livres a partir de 1805. Não se sabe o que

aconteceu com as atas de batismo na fase mais importante da mineração de Goiás.

Mesmo assim procurou-se criar um banco de dados com a documentação

encontrada para se seguirem melhor as pegadas do concubinato. Os livros de

batizados da freguesia de Vila Boa são separados, conforme a condição jurídica e

social dos batizados e defuntos. Em geral, a discriminação é especificada no termo

de abertura do livro, “baptistérios” de “escravos”, “captivos”, ou “baptizados”, de

brancos, “livres” e filhos de “índios”. A partir desta visão é possível a compreensão

do fenômeno da ilegitimidade em Vila Boa.

5.2.1. A ILEGITIMIDADE NA POPULAÇÃO LIVRE

Os registros paroquiais de batismo, ao informarem a legitimidade dos

batizados, constituem-se em fonte importante para análise do comportamento

conjugal da vida familiar no Brasil. A existência de longas séries de registros permite

analisar a dinâmica de tal comportamento, constatando suas alterações ao longo do

tempo.

No que se referem à população livre de Vila Boa, os dados da tabela 11

parecem, em principio, confirmar o padrão descrito pela historiografia e já ilustrado

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 188

pelos casos citados: o da difusão das relações consensuais e o aumento da procura

pelo casamento. De antemão, pode-se adiantar que, embora esta pesquisa seja

restrita a um período curto, ela revela o aumento da busca pelo casamento no inicio

do século XIX.

Tabela 11 - Condição dos inocentes batizados Anos 1805 1806 1807 1808 Total

Condição

Legítimos 35 55 59 62 211 (53,8%) (44,4%) (46,8%) (45,6%) (46,8%)

Naturais 27 56 51 58 192 (41,5%) (45,2%) (40,5%) (42,6%) (42,6%)

Pai Incógnito

2 5 9 9 25 (3,1%) (4,%) (7,1%) (6,6%) (5,5%)

Exposto 1 8 5 7 21 (1,5%) (6,5%) (4,%) (5,1%) (4,7%)

Outros 0 0 2 0 2

(0%) (0%) (1,6%) (0%) (0,4%)

Total 65 124 126 136 451

(100%) (100%) (100%) (100%) (100%)

Fonte: BATISMO de brancos e livres. Vila Boa de Goyaz, Livro 4, 1805-1808. Manuscrito. Arquivo

Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás.

Chamam atenção, nesta tabela 11, os dados referentes aos filhos

naturais: muitas destas crianças nasceram de ligações fortuitas e de relação de

concubinato. A leitura destes índices parece comprovar a grande difusão em Vila

Boa das relações extraconjugais. Percebe-se através dos dados que os ilegítimos

alcançaram um índice de 42,6% dos nascimentos, num período de três anos. De

uma total de 451 inocentes, o gráfico aponta para 192 crianças ilegítimas. A tabela

revela também, ao mesmo tempo, um aumento significativo dos nascimentos

provenientes do sacramento do matrimônio, 46,8% das crianças são legitimas. Estes

dados sobre a legitimidade podem ser interpretados como baixos, se comparados

aos de sociedades européias, e mesmo com algumas regiões do Brasil, em igual

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 189

período.197 Em Campinas (SP), uma região relativamente estável, organizada pelos

agricultores de abastecimento interno e exportação, o pesquisador Eduardo Teixeira

(2004b, p. 202) percebeu uma legitimidade alta entre “1774 e 1850, ou seja, 84,6%

do total de 15.075 batizados de crianças livres”. Conforme o historiador:

Os padrões de Campinas se assemelharam aos dos portugueses. Em uma região noroeste de Portugal, chamada São Tiago do Ronfe, a ilegitimidade rondou em média os 13,5% entre 1651 e 1850. Mas em outras partes da Europa Ocidental os índices variaram entre o período de 1780 a 1820. A ilegitimidade na Espanha foi de 6,5%, na França 4,7%, na Inglaterra 5,9% e na Alemanha 11,9% (SCOTT, 1999, p. 222 apud TEIXEIRA, 2004b, p. 202).

A idéia exagerada construída pelos viajantes do que o concubinato era a

principal característica das relações familiares na Capitania de Goiás deve ser

analisada com muito critério. Pesquisas recentes apontam que houve muitos

casamentos em todos os grupos sociais. Com base nos relatórios que os párocos

faziam de suas freguesias, Karach (2001) analisou os casamentos entre os anos de

1783 e 1825 e chegou a seguinte conclusão:

O censo de 1804 identifica que cerca de um quarto dos homens e mulheres brancas eram casados. Em relação aos mulatos forros, cerca de 20% dos homens e mulheres eram casados. Finalmente, o grupo onde se verifica uma taxa inferior de casamento é o dos negros forros: 17% no caso dos homens e só 12% no caso das mulheres. Este grupo contava com uma taxa mais elevada dos solteiros (88%), refletindo, provavelmente, preconceitos raciais enraizados contra o casamento de mulheres negras. Em termos da população livre, tanto em 1804 como em 1783, os negros eram o grupo que menos probabilidade tinha de se casar. Por volta de 1804, a taxa de casamento de pardos tinha sido ultrapassada pelos brancos, não obstante mais mulatos (3123) do que brancos (1710) terem casado na Igreja. Houve também 1122 negros que se casaram.

De acordo com os dados apontados pela autora, homens e mulheres das

diversas condições sociais casavam na Capitania. No entanto, o grupo das mulheres

197 Para uma melhor compreensão da taxa de legitimidade na Europa Ocidental e no Brasil, ver Faria (1997). Para uma analise comparativa do fenômeno da legitimidade nas regiões brasileiras, ver Faria (1998).

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 190

foi o menos favorecido no mercado de casamento. Em geral, estas mulheres

apareciam nos censos como dependentes familiares em casa de homens solteiros

ou de casais, ou vivendo sozinhas como solteiras. Por outro lado, os homens e as

mulheres brancos formavam o grupo que mais se casava apesar de ser

ultrapassados, em número por negros e pardos no inicio do século XIX.

É interessante atentar para a diversidade de designações utilizadas nos

registros paroquiais para caracterizar os filhos de uniões não sancionados pela

Igreja. Além das designações freqüentemente utilizadas nos assentos para

caracterizar os batizados, como as de filhos legítimos e naturais, aparecem também

na tabela acima os filhos “expostos” e os de “pai incógnito”. Devido à quantidade de

crianças que foram batizados entre os anos de 1805 a 1808, os dados apresentam

um índice considerável de filhos de “pai incógnito” (5,5%) e crianças expostas (4,7%)

ou abandonadas. Vale destacar que a referência a ambos os “pais incógnitos”

parece sugestiva, uma vez que poderia entendê-la, apenas como sinônimo de

criança exposta. A distinção, porém, na designação, pode ser indicativa de que a

exposição não representasse sempre um desconhecimento, dos pais das crianças

abandonadas. Os “pais incógnitos” talvez fossem os que realmente não podiam

assumir publicamente a paternidade. Neste sentido, as Constituições da Bahia

orientavam aos párocos para não colocar nos assentos de batismos o nome do pai

da criança, mas só o nome da mãe quando não fosse do “legitimo matrimonio” e

causasse escândalo na comunidade (VIDE, 2007 [Livro I, Título XX]). Só em

situações extremas que o nome do pai não deveria aparecer para resguardar a vida

dos envolvidos. Silvia M. Jardim Brügger (2007, p. 75) observou em São João Del

Rei que os padres não indicavam nos assentos de batismo os filhos que os homens

casados tinham fora do matrimônio.198

Comentando uma pesquisa de Linda Lewin, Paulo Eduardo Teixeira

(2004b) afirma que atrás da expressão “pai incógnito pode encontrar o termo

bastardo, significando os casos espúrios, os casos de incesto, adultério e os

relacionamentos que envolviam os sacerdotes”. De acordo com este pesquisador, os

registros paróquias de Campinas (SP) apontaram alguns números consideráveis de 198 Antonio Amaro das Neves (2001, p. 169) observa na região do Minho, em Portugal, que os padres usavam de cuidados particulares para identificar os pais das crianças nascidas fora do contexto conjugal. Observou que foi muito comum nos registros de batismos as inscrições de “pai incerto” ou de “patre incognito”, sempre que a mãe ou os padrinhos o não indicassem ou quando, não obstante a indicação, persistia dúvidas em relação aos nomes designados.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 191

filhos, cujo pai aparecia “incógnito” nos assentos: 8,7%, no período de 1774 a 1799;

10,1%, entre 1800 a 1825; e 12,3%, no período de 1826 a 1850. Mas o filho de “mãe

incógnita” apareceu também em 36 casos (TEIXEIRA, 2004b, p. 199). Esta última

expressão não foi observada em Vila Boa. Por outro lado, os estudos de Caballero

(Montivideu) relacionam a Ilegitimidade com a urbanidade e o aumento das

mulheres solteiras. Nas cidades de fronteiras era “freqüente a presença dos homens

com atividades temporais vinculadas às atividades militares” (CABALLERO, 1987

apud TEIXEIRA, 2004b, p. 201).

Dos 25 casos de “pai incognito” apontados na tabela 11, selecionam-se

seis assentos em que aparece a condição de “solteiras” das mães destes inocentes.

Assim Parciana Xavier da Rocha parda forra, batizava seu filho “Selestiano pardo”

na Igreja matriz no dia 11 de novembro de 1805, e escolhia para padrinhos, o

“ajudante” Brás Martinho de Almeida e dona Maria Caminha de Almeida. O mesmo

ocorria com Joana Francisca Reges, mulher branca que batizava seu filho Joaquim,

em 1807 na capela de N. Senhora da Abadia. Os padrinhos escolhidos para esta

criança foi o casal João Batista dos Santos e Luzia Moreira dos Anjos. Já no batismo

do inocente João, em Curralinhos, a mãe Ana Felícia, mulher branca e solteira,

escolhia para padrinhos, o alferes João Antunes e dona Maria cordeiro. As relações

consensuais atingiam todas as camadas da freguesia de Vila Boa, brancos, negros,

bastados e mulatos. Nem mesmo as famílias, que se gabavam de privilégios e

prestígios na vida social, estavam isentas destes amores proibidos que muitas vezes

ocorriam à luz do dia e na calada da noite. Homens casados, sacerdotes, militares,

governadores e vários homens “bons” geraram filhos fora do casamento. Daí a

preocupação da Igreja em ocultar estes nomes nos assentos de batismo. Assim

ocorreu com dona Ana Angélica dos Santos, mulher importante que levou o seu filho

Antonio, em 1808, às fontes batismais, na capela do Senhor Bom Jesus dos Pilões.

Os padrinhos escolhidos para esta criança foram o alferes, Antonio José Gonçalves,

e a madrinha, Maria Francisca dos Sacramentos. Não somente as pessoas de certa

posição apadrinhavam os recém-nascidos, filhos de “pai incognito”. Até mesmo

alguns escravos gabaram do prestigio de apadrinhar filhos de mulheres livres. Assim

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 192

aconteceu com Manoel Gomes, escravo de Antonio Leite Borges que batizou em

Curralinhos o inocente Romão, filho de Izabel Rodrigues Chaves.199

Também o fato de batizar a criança, registrando sua filiação materna,

apontando a condição de incógnito do pai, poderia estar indicando a existência de

um vinculo entre os seus pais. O contrário estaria acontecendo no caso dos

expostos, isto é, filhos abandonados por mulheres sozinhas. Porém, pelo fato de as

atas de batismo não registrarem o tipo de relação entre os pais da criança no

momento da concepção, fica difícil saber que porcentagem de crianças ilegítimas

era fruto de concubinatos ou de relações esporádicas (VENÂNCIO, 1999). Na

realidade todas estas expressões refletiam a situação dramática que atingia as mães

solteiras sempre que tinham que identificar os pais das crianças no ritual do batismo.

5.2.2. A ILEGITIMIDADE NA POPULAÇÃO ESCRAVA

Como se devem interpretar os altos índices de ilegitimidade na população

de Vila Boa? Seria ele reflexo da questionada “promiscuidade dos cativos” ou

proibição dos casamentos pelos seus senhores? A nossa intenção não é repetir aqui

o debate historiográfico sobre a temática, mas analisar os dados na tentativa de

buscar os vestígios das relações consensuais.

199 BATISMO de brancos e livres. Vila Boa de Goyaz, Livro 4, 1805-1808. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás. [1808]. fl. 6v.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 193

Tabela 12 - Batismo de inocentes por condição e ano Condição Total

Período Qtd. % Qtd. % Qtd. % Qtd

1764 a 1769 104 23,8 317 72,5 16 3,7 437

1770 a 1779 153 22,0 537 77,3 5 0,7 695

1780 a 1789 238 32,6 490 67,2 1 0,1 729

1790 a 1799 45 25,9 129 74,1 0 0,0 174

1800 a 1808 35 19,3 146 80,7 0 0,0 181

Total 575 25,9 1.619 73,1 22 1,0 2.216

Legítimo Ilegítimo Expoxto

Fonte: BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2/Livro 3/Livro 4, 1764-1808. Manuscrito.

Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás.

A tabela 12 aponta para um alto índice de ilegitimidade. Em primeiro

lugar, chama-se atenção para os percentuais de nascimentos legítimos. Parecem

não ser tão baixos, se comparados com os observados em outras regiões, como,

por exemplo, Vila Rica, que em 1804, apresentava apenas 2% de filhos de escravas

casadas conforme as exigências do Concilio de Trento (RAMOS, 1986), ou a

freguesia de São José da cidade do Rio de Janeiro, que, entre 1802 e 1821,

apresentava 6,8% das crianças escravas batizadas filhas de uniões legitimadas pela

Igreja (FERREIRA, 1998). A paróquia de Santa Ana de Vila Boa apresenta 25,9% de

crianças filhas do sacramento do matrimonio entre 1764 e 1808.

Deve-se também levar em consideração que, nas duas primeiras décadas

analisadas, quando os índices de legítimos atingem 23,8% e 22,0%, a Capitania de

Goiás estava no apogeu da produção do ouro.200 Havia denúncias neste período

contra o governo do Conde de São Miguel por trazer da Bahia comboios de negros.

As queixas partiam de Dom Manuel de Mello no ano de 1770. Apesar de tudo, havia

reclamações generalizadas de insuficiência de braços para o trabalho. Em 1773

Dom José de Almeida Vasconcelos lamentava a falta de escravos e mostrava as

dificuldades para substituir os que morriam (SALLES, 1992, p. 229). Mas é

importante lembrar que neste mesmo ano os livros de batizados de Vila Boa201

registram o segundo maior índice de escravos adultos que chegaram às minas. Dos 200 Palacin (1994, p. 65) defende que o período de 1751-1778 foi o apogeu da mineração. A sua tese baseia na informação do governador Delgado Freire de Castilho que, escrevendo em 1813, assinalava para a mineração o ano de 1778 como fins de sua abundância e principio de sua decadência. 201 BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2, 1764-1787/Livro 3, 1794-1834/ Livro 4, 1767-1813. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 194

128 batismos realizados, 54,7% são de adultos.202 Mas entre os batizados de

adultos, constata-se importante desequilíbrio entre homens e mulheres. Veja-se a

tabela 13:

Tabela 13 - Batismo por idade e sexo Sexo

Condição

465 194 65970,6% 29,4% 100,0%

1.088 1.128 2.21649,1% 50,9% 100,0%

1.553 1.322 2.87654,0% 46,0% 100,0%

Adultos

Inocentes

Total

Masculino Feminino Total

Fonte: BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2/Livro 3/Livro 4, 1764-1808. Manuscrito.

Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás.

Embora se tenha consciência de que neste universo não estão inseridos

muitos cativos, que poderiam ter sidos batizados antes de chegar à região, acredita-

se que este possa ser um indicativo de elevada desproporção entre os sexos, o que

dificultaria a maior propagação do matrimônio.203 Em 1804, um relatório do Ouvidor

da Capitania ao Capitão General mostrava a carência de comboios de negros nas

minas e falta de proliferação motivada pela ausência de incentivos aos casamentos.

“Também o costume de se dar preferência aos escravos machos, excluindo-se as

fêmeas, motivava a diminuição de braços para os trabalhos” (SALLES, 1992, p.

229).

Fica difícil afirmar que todos os casais legitimamente constituídos eram

formados por cativos de um mesmo proprietário. Mas apontando para a existência

de impedimentos pelos senhores para a contratação de matrimônio entre os cativos

de diversas escravarias, o que, aliás, já foi observado em outras áreas da colônia,

ter-se-á uma afirmação contrária. Isto significa que, em escravarias pequenas, o

acesso ao matrimônio era muito mais difícil do que nas unidades maiores. Se se

202 O maior número de escravos adultos que foram batizados nesta paróquia, na segunda metade do século XVIII, ocorreu no ano de 1766 com 89 escravos; em 1773, foram 70 batizados. 203 Sheila de Castro Faria (1998, p. 295) aponta dois fatores básicos para a predominância do homem no tráfico de escravos: a tendência, na África, da venda das mulheres para os próprios africanos ou para o trafico com o Oriente (a mulher era mais valorizada, nos padrões africanos e orientais, pela sua possibilidade de procriação), o que diminuía a oferta para outros mercados, e a preferência dos senhores, no Brasil por homens mais produtivos.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 195

levar em conta o relatório apresentado pelo Capitão-General Dom Luiz de Cunha de

Menezes a seu sucessor, em 1783, pode-se concluir que a freguesia de Vila Boa era

caracterizada por pequenos plantéis. Nas proximidades de Vila Boa havia “123

lavras e várias faisqueiras com uma média de 30 escravos para cada proprietário”

(SALLES, 1992, p. 239). Contudo, participar de ritos e cerimônias católicas,

principalmente batismo e casamento, tornava-se fundamental, enquanto estratégia

de preservação de espaço conquistado no cotidiano. Representava para os

escravos, garantia de “reconhecimento e poder de barganha social”. Neste contexto,

era importante para os escravos, a formação de família baseada no sacramento do

matrimônio. Em determinadas situações, porem, isto lhes foi vedado. O principal

empecilho eram as barreiras impostas pelos senhores.

A tabela 12 de batismo de escravos inocentes, entre os anos de 1764 a

1808, demonstra as altas taxas de ilegitimidade em Vila Boa de Goiás, 73,1% das

crianças são ilegítimas. Se se fizerem comparações com outras regiões do Brasil,

neste mesmo período, constatar-se-á algo comum: taxas de ilegitimidade superiores

a 66%.204 As explicações apontadas para explicar o fenômeno das crianças

ilegítimas nas regiões indicadas por Faria (1998) referem-se a “proximidades de

portos, recebedores de africanos, e de bispados”. Assim referia esta autora:

A presença de bispados deve ter produzido uma maior interferência da Igreja na vida particular dos escravos. O casamento de escravos permitiria que terceiros a intercedessem por eles, frente ao senhor, inclusive em relação a sua prole. Os casais não poderiam ser vendidos separadamente, assim como os seus filhos menores (FARIA p.324).

E as áreas como Vila Boa, distantes dos portos e do bispado do Rio de

Janeiro? O ano de 1791, a ilegitimidade atingiu 97,3% de 74 crianças batizadas. A

Igreja procurou combater as relações consensuais, por meio dos visitadores

204 Faria (1998) apresenta um quadro de legitimidade de escravos em algumas freguesias brasileiras no século XVIII: São José (RJ) em 1751 apresentava 83,6% de ilegítimos das 104 crianças analisadas. Para esta mesma freguesia, Venâncio (1986) apresenta para o período de 1791 a 1795 um total 88,6% de ilegítimos das 866 crianças analisadas; e santa Rita (RJ) apresentava em 1760 89,0% de ilegítimos das 82 crianças batizadas. Para a freguesia da Bahia, os estudos foram feitos por Schwartz (1988): Soubara (BA) no período de 1723-4 apresentou um total de 90,3% de ilegítimos das 31 crianças batizadas; Rio Fundo (BA) apresentou no período de 1780-1 e 1788 um total de 66,6% de ilegítimos das 47 crianças batizadas; Monte (BA) apresentou no período de 1788-9 um total de 73,7% de ilegítimos das 57 crianças batizadas.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 196

diocesanos que percorreram os principais Arraiais da Capitania com certa

regularidade. Mas a impressão que se tem é que tudo voltava à “estaca zero”

quando o visitador se ausentava do povoado devassado. E alguns deles tinham

plena consciência que sua missão poderia ser levada às correntezas se não

houvesse uma orientação moral rigorosa dos párocos e capelães. Além das

visitações, os bispos do Rio de janeiro procuram corrigir os vícios e abusos dos fiéis,

por meio das cartas pastorais. Em 1751, Dom Frei Antonio do Desterro publicou uma

pastoral com orientações morais e doutrinárias para o clero e os fiéis da Capitania

de Goiás. A carta pastoral deveria ser lida quatros vezes ao ano nos domingos

festivos e nas festas dos padroeiros. Os padres foram acusados de negligência nos

casos de concubinato.

Os párocos, e Confessores tem sido grande causa da pouca emenda q tem havido nos concubinatos, pelo que com pena de Suspensão ipso facto proibimos que os Párocos admitissem à Confissão, ou dem licença para se confessarem com outrem aquelas pessoas que souberem estão concubinatos sem primeiro lhes constar q estão separadas, e expedidas, e não com qualquer separação, mas com aquela, de que fiquem com segurança moral de sua emenda, e o mesmo usará com os Inconeixos (sic), e com todos os mais q forem pecadores públicos.205

Os registros eclesiásticos de Goiás apontam para a presença dos

visitadores, representantes e ao mesmo tempo ‘olhos e ouvidos’ dos bispos, desde

os anos de 1734 até 1824. A mensagem era geralmente a mesma das cartas

pastorais. A respeito da eficácia das cartas pastorais e das visitações no combate às

relações consensuais ficam muitas dúvidas. Até que ponto a atuação destes agentes

foi importante para combater os abusos, uma vez que nas atas dos batismos de

escravos estão os vestígios das mancebias? A tabela 12 aponta 437 crianças que

foram levadas às fontes do batismo, nos períodos de 1764 a 1769, sendo 72,5%

ilegítimas. Vila Boa teve a presença do visitador em 1765. Neste mesmo ano foram

batizadas 79 crianças, sendo 73,4% ilegítima e 3,8% expostos. Para os anos de

1770-1779 houve 665 batizados, sendo 77,3% de ilegítimos e 0,7% expostos.

205 PASTORAL de Exmo e Revmo Senhor D. Fr. Antonio do Desterro em q Se acha a reforma de Disciplina Ecclesiastica nestes Goyas, Cuja copia havida de outra freguesia por nesta Se não achar registada aqui fiz transladar, e he da Maneira Seguinte. 1751. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 197

Mesmo com a presença do visitador em 1772, os índices de ilegitimidade atingiram

75, 0%, sendo batizadas 88 crianças. O período de 1780-1789 houve 729 batismos,

sendo 67,2% de ilegítimos e 0,1% de expostos. É importante ressaltar a queda no

índice de ilegitimidade em relação aos outros períodos. Neste contexto a paróquia

foi visitada duas vezes: em 1780 houve 76 batismos, sendo 61,8% ilegítimos. Já, em

1784, ocorreram 68 batismos, sendo 61,8% ilegítimas. Em 1780, o Pe. João Almeida

Cardoso vem a Goiás com objetivo de defender os escravos, assim, determina que

todos os cativos deveriam ir à missa e condena fortemente os donos que os

enterravam nos campos sob pena de excomunhão.206

O período de 1790 a 1799 não há registros de visitadores na Capitania de

Goiás. Neste período encontra-se uma grande lacuna nos livros de batismos de

escravos. Apenas 174 crianças foram registradas, sendo 74,1% ilegítimas. E por

último, os anos de 1800 a 1808 com a queda da mineração houve uma diminuição

na população. Das 181 crianças batizadas, 80,7% são ilegítimas. A documentação

registra uma visita pastoral no ano de 1803. Contudo fica difícil analisar os impactos

desta visita no comportamento moral da população devido à falta de registro neste

período.

De qualquer forma, a nossa análise vai ao encontro da tese defendida por

Faria (1998). Em regiões distantes das sedes episcopais havia uma tendência

natural do clero ser menos exigente nas orientações doutrinais (FARIA 1998, p.

324). Em Goiás, uma parcela do clero, além de negligente, contribuiu para

proliferação dos filhos naturais. Jarbas Jaime fornece uma historia genealógica das

famílias africana na freguesia de Meia Ponte (Pirenópolis). Trata-se da escrava

Silvana que gerou dois filhos do padre Antonio da Costa Teixeira, o seu proprietário.

Conforme o pesquisador, uma das crianças chamada “Eufémia, nascida em 1820,

não foi liberta pelo padre, mas foi oferecida ao major Joaquim da Costa Teixeira, que

a libertou em 1838 por ser “sua amásia”. A outra filha de Silvana, Carolina da Costa,

não casou, mas teve três filhos (JAIME, 1973, p. 414).

206 TRANSLADO da Visita de João de Almeyda Cardozo Vigário collado na Matriz do Santíssimo Sacramento da Praça Nova Colônia, Comissário do Santo Oficio, e Visitador da Visita Ordinária das Comarcas da Capitania de Goyaz pelo Exmo e Revmo Senhor Dom Joseph Joachim Justiniano Mascarenhas Castel branco Bispo deste Bispado do Rio de Janeyro, e do Conselho de S. Magestade Fidelíssima. 1780. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 198

Crê-se que a trajetória traçada até aqui sobre a ilegitimidade na Capitania

de Goiás abra pistas suficientes para uma melhor compreensão do concubinato. No

entanto, é importante deixar algumas pegadas sobre os filhos expostos para que

outros pesquisadores possam aprofundar melhor esta temática. Na região de

Campinas, SP, as pesquisas do historiador Paulo Eduardo Teixeira sobre a

formação de famílias livres e o processo migratório (1774-1850) apontam para uma

“escala descendente” do número de expostos, estudados em três gerações.

Conforme o gráfico apresentado pelo referido historiador houve 1197 batizados entre

os anos de 1774 a 1799, destes 7,4% eram expostos. Para o período de 1800 a

1825 ocorreram 6495 batismos, sendo 4,3% expostos; e por fim, entre os anos de

1826 a 1850 houve 7383 batismos, sendo 1,5% expostos (TEIXEIRA, 2004a, p.

199). Conforme o pesquisador, as razões para a queda da exposição dos recém-

nascidos deveriam ser buscadas no “padrão regional” e não no “quadro econômico”.

Houve surpresas com o pequeno número de expostos na população

escrava de Vila Boa. Apenas 1,0% em um período de quarenta e quatro anos, ou

seja, das 2216 crianças batizadas, apenas 22 foram deixadas em casa de pessoas

que tinham certa posição nesta sociedade. Já na população livre, encontram-se 21

expostos no período de 1805 a 1808. Neste contexto, foram batizadas 451 crianças,

sendo 4,7% expostas. No entanto, se se compararem estes dados com as

pesquisas realizadas na região de Guimarães, ao norte de Portugal, fica fácil a

compreensão. Conforme Amorim (1987), os expostos passaram da proporção de 33

por cada mil crianças levadas a batismo, na primeira década do século XVIII, para

os quase 550 por mil da segunda década do século XIX, constituiu um exemplo

“paradigmático do processo”. Apesar de ser um número pequeno de crianças

batizadas em um período de três anos, há certa relação como os dados analisados

por Amorim.207

207 Nas freguesias urbanas da cidade do Rio de Janeiro, Sé e São José a proporção das crianças batizadas entre a população livre foi de 21,3%; ao passo que nas rurais (Guaratiba, Irajá, Jacarepaguá e Inhaúma) a proporção decresce para 3,3% (VENÂNCIO, 1999). Na freguesia da Sé, da cidade de São Paulo, a média foi de 15%, entre 1741 e 1755, e de 18%, entre 1780 e 1796 (MARCILIO, 1973). Na pobre área de subsistência de Ubatuba, litoral paulista, encontrava-se a proporção de somente 0,6%. Em Sorocaba, São Paulo, de economia tropeira, em algumas décadas não houve nem mesmo uma criança exposta, embora a média geral para os anos de entre 1679 e 1845 tenha sido de 4,1% (MARCILIO, 1986) e (BARCELAR, 2001). Na Vila de Curitiba, entre 1731e 1798, oscilou, nas décadas, entre 4,1% e 14, 9%. Em Vila Rica, entre 1779 e 1818, houve progressivo aumento, passando de 0, 45% para 11% (COSTA, I., 1982).

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 199

Quanto à população escrava, pode-se pressupor que grande parte das

crianças, filhas de “pais incógnitos”, era a prole bastarda dos senhores casados, ou

de seus filhos e parentes, que mantinham relações com suas escravas. Em relação

à origem destes expostos, afirma Teixeira (2004a, p. 210): “torna-se difícil precisar a

origem destas crianças uma vez que poucos foram os casos em que se mencionou

a presença de cédulas, isto é, papéis que contivessem alguma informação sobre o

exposto”.

Em Vila Boa não houve rodas de expostos e nem tinha Casa de

Misericórdia. Os enjeitados dependiam da caridade de pessoas particulares que

acolhiam estas crianças em suas casas. O maior índice de crianças escravas

abandonadas na freguesia de Vila Boa ocorreu entre os anos de 1765 a 1771. Nos

outros anos, com exceção de um caso que ocorreu em 1786, não houve abandono

de crianças.

5.3. ESTAR E ANDAR AMANCEBADO

Aos quinze dias do mês de janeiro do Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo [1753] nesta mesma Villa e em casa de Residência do muyto Reverendo Doutor Vigário da Vara Felippe da Silveira e Souza - donde eu escrivão ao diante nomeado fui vindo e sendo ahy apareceo prezente Joze da Silva Barros meyrinho deste juiz Eclesiástico e por elle foi dito que vinha a este juízo fazer a denuncia de Antonio Velho Homem preto por andar ha muitos annos amancebado com Antonica preta forra e por causa desta mancebia fazer à dita negra vários motins na Rua em que mora [...].208

Este fato serve para ilustrar uma das formas do comportamento moral da

população das Minas de Goiás, em um período que o ouro fazia chegar à freguesia

de Vila Boa pessoas das várias regiões do Brasil, Portugal e da África. As migrações

destes últimos, por serem escravos, tiveram uma característica distinta, contudo eles 208 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 2.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 200

influenciaram no processo de miscigenação da Capitania. A febre das riquezas

minerais influenciou muito nos vários modelos de família que foi se constituindo nos

sertões brasileiros, e de uma forma especial nas “Minas Novas dos Goyazes”.

Chama-se atenção neste item para as mancebias, combatidas e condenadas pela

Igreja Católica, que encontrou nas camadas populares e até em alguns elementos

do clero uma forma de constituir outra família. Por isso, o “estar e andar

amancebado” foi uma expressão muito corriqueira, usada pelas gentes do Brasil

para expressar os relacionamentos clandestinos. Neste contexto, o livro de Registro

das Denuncias (1753-1794) é um documento de suma importância para a temática

do concubinato. Parece uma mata virgem com fatos inéditos e surpreendentes. A

leitura e a transcrição desta documentação não foi tarefa fácil, pois exigiu muita

pericia no domínio da leitura paleográfica, além das dificuldades com as partes

corroídas e ilegíveis do documento. No entanto, este livro contém vários autos de

denúncias de concubinato que foram levados ao tribunal eclesiástico a serem

julgados pelo vigário da vara. Os autos de denúncia nos revelam a dinâmica da vida

familiar em Vila Boa e nos povoados ligados a esta vila no auge da mineração.

Através dos relatos das testemunhas convidadas a depor perante o vigário da vara,

percebem-se as intrigas entre os vizinhos, os boatos da vida alheia, a intimidade

sexual, os conflitos causados pelos ciúmes entre os parceiros que às vezes

explodiam nos becos de suas ruas. Além destes autos de devassa encontram-se

vários termos de “emenda de vida”, as vitimas, muitas vezes, foram denunciadas

pelos vizinhos e citados nos processos dos visitadores diocesanos que percorriam

as paróquias.

Vainfas (1997) destaca a importância destas fontes produzidas pela

igreja para conhecer as intimidades da vida familiar na sociedade colonial e ao

mesmo tempo alerta para as suas limitações, devido ao pavor que os inquiridores

causavam nas testemunhas.

A importância desta documentação reside na denúncia da população contra os que se desviavam dos comportamentos sexuais e morais considerados lícitos. Eram os visitadores da Igreja ou os arautos do Santo Ofício que anunciavam à porta das igrejas, nos domingos e dias santos, quais as condutas deviam ser delatadas às autoridades. Mas era a população colonial, livre ou escrava, branca ou mestiça, rica ou pobre, que, por medo do poder ou dele cúmplice, corria para delatar vizinhos, parentes, desafetos, rivais. Tudo isso, porque “todos

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 201

estavam a se vigiar, murmurando da vida alheia, mexericando o que viam ou ouviam” favorecidos pela escassa privacidade que caracterizava a vida intima de cada um (VAINFAS, 1997, p. 228).

Neves (2001) aponta os caminhos da transição das leis que obrigavam

as devassas de concubinato na Metrópole portuguesa. Para este autor, havia um

esforço legislativo das autoridades religiosas e civil para combater e castigar os

pecados públicos na cidade de Lisboa. Conforme a lei de 1608, os julgadores dos

bairros de Lisboa eram obrigados de seis em seis meses zelar pela moralidade

pública, isto é, tirar devassas de concubinato e outros crimes que atingiam as

famílias. Com o passar do tempo essas devassas acabaram gerando conflitos e

desordens na sociedade. Para se prevenir contra esta situação a lei de 1769 aboliu

as devassas de concubinatos. A sua justificação era a seguinte:

Sucedendo que as mulheres casadas, que vivem em boa harmonia com os seus maridos, tendo duas pessoas suas inimigas, que vão jurar contra elas nas ditas Devassas, aparecem pronunciadas, presas, infamadas com descrédito de seus maridos, e expostas ao perigo, que com eles padecem em satisfação da sua honra, que julgam ofendidas; sendo, aliás, nulo o procedimento destas Devassas, como contrário às leis do Meu reino, que não reconhecem parte legitima para acusação daquele crime, que não sejam os próprios cônjuges: Passando pelo mesmo labéu as filhas, que vivem na companhia de seus pais; vendo-se por este modo obrigados os pais a casá-las com as mesmas pessoas com quem ficaram infamadas, e com quem talvez as não casassem se não tivesse publicado aquele trato ou verdadeiro, ou falso. (ALVARÁ..., 1769 apud NEVES, 2001, p. 44).

Este alvará apenas previa uma exceção: os casos de concubinato com

“concubinas teúdas e manteúdas com geral e público escândalo”. Na realidade

houve uma série de medidas no reinado de D. José I, com o objetivo de zelar contra

os abusos que ocorriam contra a instituição familiar. “Os abusos eram de tal ordem

que alguns indivíduos, abandonados a uma vida licenciosa e destituídos de

qualidades, se valiam de diversos modos e malícias para corromperem o espírito

das Filhas Famílias” (NEVES, 2001, p. 44-45). Na verdade havia muito interesse

financeiro nestas corrupções para conquistar um bom casamento. Mas a lei

procurou coibir estes crimes com penas de degredo de cinco anos para África ou

Ásia.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 202

No âmbito do enquadramento religioso da sociedade, a Igreja procurava

orientar os seus fiéis, por meio do Concilio de Trento. No Brasil, a partir de 1707, as

Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia eram órgão indispensável ao bom

governo das dioceses, numa perspectiva que entrelaçava a vida religiosa, moral e

social da comunidade. Seguindo os procedimentos previstos na reforma tridentina,

a ação contra os concubinatários, que eram denunciados aos padres visitadores,

iniciava-se por três admoestações com o objetivo de converter o acusado. Estas

admoestações poderiam ser acompanhadas de penas pecuniárias. Na primeira

admoestação, cada um dos amancebados era solicitados a sair da

[...] ocasião ruim, em que anda, e mais não peque com a tal pessoa, com que foi culpado, nem fale com ela em lugar público, nem secreto, nem vá a sua casa, nem admita na sua própria, nem lhe mande escritos, nem presentes. (VIDE, 2007, [Livro V, Título XXII]).

No caso de coabitação, seriam advertidos para separar de concubina, sob

pena de excomunhão e uma multa pecuniária. A segunda e a terceira admoestações

repetiriam idênticos procedimentos com pagamentos de multa pecuniária. Se, depois

de todas as admoestações, a situação se mantivesse, os concubinários seriam

excomungados. Se fosse necessário, os acusados estavam ainda sujeitos à

possibilidade de prisão e condenação em penas pecuniárias e de degredo. Por outro

lado, em situação alguma um homem e uma mulher acusados de viverem

amancebados seriam degredados para o mesmo local.

Na visão de Neves (2001), os visitadores diocesanos priorizavam os

aspectos da moralidade pública e privada nas visitas que realizavam periodicamente

nas paróquias coloniais. Faziam questionamentos sobre diversas situações:

“bigamia, incesto, pessoas amancebadas ou que mantivessem conversações

escandalosas, alcoviteiros, pessoas que dessem alcouce em suas casas, de

pessoas que cometessem o pecado nefando, contra natura ou molície” (NEVES,

2001, p. 55). Havia na realidade questões, que preocupavam a Igreja,

principalmente, os aspectos relacionados ao comportamento sexual da população.

Era necessário dominar a vida sexual da população, voltado para um único objetivo,

a propagação humana. Neste sentido, a teologia de Santo Agostinho influenciou

muito a moral do Ocidente. Para ele, o casamento tinha três “bens”: a propagação

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 203

humana, a fidelidade e o sacramento. É dentro deste contexto que se devem

analisar os questionamentos que os visitadores faziam nas visitas as vilas coloniais.

O primeiro visitador da freguesia de Santa Anna de Vila Boa, o padre

doutor Alexandre Marquez do Valle, em 1734, faz um longo relatório chamando

atenção dos párocos e seus auxiliares para o comportamento moral de seus

fregueses. O caminho que o referido visitador percebeu para atacar o concubinato

foi o sacramento da confissão.

Não pode o confessor absolver ao Penitente q está com a concubina das portas adentro, e pode a largar, e não quer fazello por estar em occazião próxima, e voluntaria a qual se deve evictar totalmente, e em todo tempo.209

O visitador Jose de Frias de Vasconcelos, em 1743, condena o

concubinato como o “vicio da Sensualidade mais comum dos habitantes das Minas”

e que muitos moradores fingem uma “Separação fantástica, iludindo os párocos para

receberem desobrigas no tempo da quaresma”. Para destruir e arrancar este

“detestável vicio ordena aos párocos a quem fica com o “Rol dos compreendidos na

visita por culpa de concubinato e dos que assinaram termo de separação com pena

de excomunhão” que se separem das ocasiões de pecado dentro do tempo que foi

estabelecido. Caso contrário deveria ser acusado junto ao vigário da vara para

proceder com justiça contra eles.210

Na realidade os párocos deveriam cuidar bem de seu rebanho, observar,

sobretudo, os comportamentos morais de seus fregueses. Caso observassem que

algumas pessoas da sua freguesia viviam em concubinato ou em ocasião próxima

deste pecado, não deveriam receber em desobriga sem, antes, constar o

afastamento das pessoas, num período de três meses. Não adiantava afastar a

pessoa da própria casa, mas era necessária mudança no comportamento moral.

209 COPIA dos capítulos da primeira e ultima vezita, q fez o Doutor Alexandre Maquez do Valle, vezitador q foi destas minas de Goyaz. Vila Boa de Goyaz, 1734. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 2. 210 TRANSLADO dos capítulos da visita que deixou o Reverendo Vezitador Joze de Frias e Vasconcellos nesta Matriz da Senhora Santa Anna de Villa Boa de Goyas. 1742. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. f. 15.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 204

Para isso os párocos deveriam contar com pessoas sensatas que tinham a missão

de observar os acusados de mancebia, guardando sempre o segredo debaixo de

juramento. Assim se referia o termo da visita ordinária de todas as minas de Goiás,

no que referia ao rol dos culpados em concubinato:

[...] entre elles não haja communicação algua, nem persi, nem por terceyras pessoas nem lhes fação assistências, ainda a titulo de esmollas, e se dentro do dito tempo Senão emendarem, oz declaram logo por incurios nas Censuras doz q não Satisfazem aoz preceytos.211

Parece que a documentação mais importante para orientação da vida

familiar na Capitania de Goiás e que influenciou vários sacerdotes e visitadores

diocesanos foi uma carta pastoral publicada no Rio de Janeiro, em 1751, por Dom

Frei Antonio do Desterro, cujo objetivo era a reforma da “Disciplina Ecclesiastica

nestes Goyas”. As orientações pastorais contêm vários itens, chamando atenção

dos párocos, dos pais de famílias e do cuidado que os senhores deveriam ter com

seus escravos. Mas Dom Antonio do Desterro dedica boa parte do documento para

orientar e chamar atenção dos sacerdotes para os pecados públicos e os

amancebados. Veja-se o que ele refere aos homens casados que moravam nas

Capitanias distantes de suas mulheres:

E porque em varias partes deste Nosso Bispado se acham muitos homens cazados em partes distantes esquecendo-se nelles de Suas mulheres, talvez por viverem divertidos com outras; Mandamos que nenhum Parocho, ou Capelão admita a desobrigar-se homem ou mulher, que estiver apartado de seu consorte por estar em peccado publico actual, que consiste na separação deposta de seu consorte, salvo se mostrar que tem licença sua, ou allegar justa cauza para evitar peccado, ou estiver actualmente no serviço de Sua Majestade, e alguas pessoas andam com suas concubinas com o titulo de casados sem serem por taes notariamente conhecidos; os Parochos executarão com elles o q dispõem a Constituição no t. fl.70 n.300 e achando-se algumas q sem serem cazados vivem como taes, se

211 TRANSLADO dos capítulos da visita que deixou o Reverendo Vezitador Joze de Frias e Vasconcellos nesta Matriz da Senhora Santa Anna de Villa Boa de Goyas. 1742. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. f. 15.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 205

darão em culpa aos Parochos por não terem executado com elles o q ordena a mesma Constituição.212

A maioria das devassas de concubinato que se encontram no livro de

Registro das Denuncias ocorreram, em 1753, quando o Reverendo Doutor Fellippe

da Sylvera e Souza era Vigário da Vara da Freguesia de Santa Anna de Vila Boa.

Neste tempo não houve visitação diocesano na paróquia de Vila Boa. A mais

próxima do referido período, ocorreu no mês de novembro de 1751, com o

Reverendo Doutor Antônio Pereira Correa, visitador geral de todas as comarcas de

Goiás e Tocantins.213 Neste mesmo ano, o padre Felippe da Sylvera e Souza era

pároco desta freguesia e mais tarde, em 1757, comandava duas devassas de

solicitação, em confissão, na paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Santa

Cruz de Goiás.

Afinal das contas, qual era o papel do vigário da vara quando se tratava

de julgamento de concubinatários? No dizer de Figueiredo (1989), em Barrocas

famílias, “eles eram os detentores de um poder da justiça eclesiástica. Seu poder

judicial no nível local seria requisitado sempre que as repreensões e os avisos do

pároco fossem insuficientes”. Neste sentido fica fácil a compreensão da acusação do

“meyrinho Joze da Silva Barros contra Antonio Velho homem preto, por estar

amancebado com Antonica (sic) preta forra”.214 Os motivos da acusação foram os

“escândalos e perturbações que causavam à vizinhança”, não era o fato de estar

concubinado, pois fazia muito tempo que eles viviam amancebados. As testemunhas

convocadas ao tribunal eclesiástico foram unânimes em relatar as brigas do casal:

Joze Alves morador nesta Villa natural de Valença do Minho Arcebispado Braga que vive de sua taberna testemunha jurada aos

212 PASTORAL de Exmo e Revmo Senhor D. Fr. Antonio do Desterro em q Se acha a reforma de Disciplina Ecclesiastica nestes Goyas, Cuja copia havida de outra freguesia por nesta Se não achar registada aqui fiz transladar, e he da Maneira Seguinte. 1751. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. 213 TERMO de visita que fez na Igreja Matriz desta Villa Boa de Goyas o Muito Reverendo Doutor Antonio Pereira Correa Vizitador geral de todas as Comarcas de Goyas e Tocantins. 1751. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. 214 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 2.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 206

santos evangelhos que lhe foi deferido em um libro em que pôs sua mão direita Sobre Cargo do qual pormeteu dicer a verdade do que Soubece e perguntado lhe foce e sendo lhe pella idade dice ter sincoenta e tres annos e [...] sabe por ser publico que o dito Antonio Velho anda amancebado com a dita negra Antonica e dice mais que sabe por ver que adita negra fazia alguas vezes grande Bulha em casa do dito denuciado e também na Rua o que tudo hera pro zellos que tinha do dito denuciado, cauzando desta sorte gravíssimo escandallo a toda vizinhança [...].215

Outra testemunha convocada a depor, José Antonio da Maya morador

nesta Villa, natural das Ilhas das Caldas, 35 anos, oficial de ferreiro, “disse que a

denunciada fora uma ocasião a porta do denunciado com grande motim fazendo

força para arrombar a dita porta, causando grande escândalo a vizinhança”. Na

realidade, estes atritos eram motivados por ciúmes e outras intrigas do casal,

proporcionado pelo clima de violência que invadia os sertões da mineração. A

ambição pela riqueza rápida fazia a vida cotidiana muito amarga, à medida que

adiava aquilo que se esperava alcançar com rapidez e num curto espaço de tempo.

Mas a violência que envolvia pessoas em relação de concubinato não para por aí, às

vezes, os próprios vizinhos que procuravam socorrer as pessoas, envolvidas em

espancamentos, acabavam sendo vítimas das brigas e ódios destes parceiros.

Assim ocorreu com o capelão do arraial do Ferreiro, o padre Antonio Jose Souto,

que na tentativa de socorrer uma concubina que levava “chicotadas e cutiladas” nas

ruas do referido povoado, foi atacado pelo parceiro da concubina com “tiros e

facadas, rasgando-lhe a camisa”. A denúncia foi levada ao tribunal eclesiástico pelo

promotor do mesmo juiz, o padre João Lopes de Camargo, que “acusou Constantino

da Silva por este andar amancebado e atirar no Reverendo Capellão”.216 Veja-se,

em detalhe, o teor desta acusação:

Diz o padre João Lopes de Camargo como Promotor deste Juízo Eclesiástico que a sua notícia veio por informação que tomou nos dias vinte e nove de janeiro de mil e setecentos e sincoenta e três

215 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 4. 216 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 12.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 207

annos a huma hora para as duas do dia em o Araal do Ferreiro hum Constantino da Sylva morador em o dito Araal entrara a dar muita pancada em huma Mulata Forra moradora na mesma paragem com quem há tempos handa publicamente amancebado; amotinando desta sorte a vezinhança e depois de satisfazer Payxão pasou pella porta do Reverendo Cappelam Antonio Joze Souto este o chamou e lhe disse fraternalmente que não excandalizaçe aquelle povo e que o cotivece de hir a caza da dita Mulata [e que ele] daria parte a Vossa mercê para efeito de dar advertençia entrou a descompor de palavras ao dito padre em huma rua publica recolhendoce ao dito Constantino da Silva para sua caza que he de fronte da do dito padre e sahiu para fora com huma espingarda e encarando para o padre desparou que se não desviace do tiro o matava e depois pegou com as maos em o padre rasgando lhe a camisa e que [se não acudisse] hum preto forro o maltratava mais; no que cometeu sacrilejo deve ser punido com as penas impostas as pesoas que cometem tam grave culpa [...].217

Duas questões merecem destaque neste processo contra Constantino da

Sylva morador no arraial do Ferreiro: o seu concubinato com Quitéria e o “sacrilégio”

por tentativas de matar um sacerdote do hábito de São Pedro. Tudo isso motivado

pela vida “ilícita” que leva, causando espantos e perturbações no povoado do

Ferreiro. Chama atenção o depoimento de uma das testemunhas que defenderam o

sacerdote, o crioulo forro Bento Ferreira de Mello, 22 anos, morador no Arraial do

Ouro Fino e natural da cidade da Bahia. Disse que o capelão “repreendeu muito

brandamente a Constantino rogando-lhe que não andasse na vida em que estava e

fosse embora do arraial”.218 A partir deste momento, iniciou a confusão que quase

resultou em mortes. O processo teve a conclusão com a ordem de prisão de

Constantino da Silva e o seu nome escrito no Rol dos Culpados.

A leitura dos documentos que falam das relações amorosas da população

pobre das Minas deixa claro o mundo das infrações e dos pequenos crimes. Grande

parte da população vivia em concubinato, que era, portanto, uma relação corriqueira

e, como tal, aceita. Conforme se viu acima, as testemunhas conheciam muito bem o

relacionamento de “Antonio Velho” homem com a negra “Antonica”. O mesmo

ocorria em Ferreiro com Constantino da Silva e Quitéria. O que escandalizava a

população eram as bulhas, arrombamentos das portas, tiros e brigas. No dizer das

testemunhas, os amasiados provocavam o escândalo público, e sobre suas

baixezas a população murmurava consternada. 217 BISPADO DO RIO DE JANEIRO, loc. cit. 218 Ibid., fl. 16v-17v.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 208

Aos vinte e oito dias do mês de junho de 1753, o promotor do juiz

eclesiástico João Lopes de Camargo, denunciava Izabel Carvalha da Boa Morte por

andar amancebada com o Licenciado Diogo Martins. Pesava na acusação contra

Izabel Carvalha o fato de ter sido citada e assinado termo de culpa de concubinato

na visitação diocesana de 1751. No entanto, “sem temor de Deos, nem pejo do

mundo continuava em sua mancebia”. A promotoria solicitava uma punição severa,

de acordo com as penas estabelecidas no direto canônico e Constituições; e ao

mesmo tempo, expulsão da denunciada da freguesia, devido as suas “bulhas e

notório escandallo que causava com o seu mao viver”. Quanto ao Licenciado Diogo

Martins, aparecia como vítima, o homem que procurava fugir do pecado, e por isso

aconteciam as brigas. Assim testemunhava João Feitosa de Souza, 43 anos,

morador “nesta Villa e natural da Villa da Marante, Arcebispado de Braga”219.

[Disse] que sabe por ser publico e notório que a dita Izabel Carvalha anda amancebada com o Licenciado Diogo Martins a vinte e três para vinte coatro annos com escandallo grande de todos moradores desta Villa pellas muytas bulhas que fazem de ciúmes que tem contra hum e outro com tanta forma que a dias passados encontrando a denunciada com o denunciado de noite oyto para as nove horas entrarão em brigas em tanta forma que causara motim grande a toda a vezenhanca da dita Rua da Fundição indo para os Coarteis de cuja briga ficara o denunciada frido (sic) em huma orilha digo em huma orelha e se fora curar a casa delle Testemunha na mesma noite das dez para as onze oras com as roupas espedacados dizendo e publicando ser nascido de brigas que tivera com o denunciado e querendo serviu de grande escandallo aos moradores desta Villa [...].220

Na conclusão desta devassa os autores foram obrigados pelo vigário da

vara a assinar termo de separação em segundo lapso, e ao mesmo tempo foram

excomungados e admoestados a deixar a vida de concubinato. “Izabel Carvalha” foi

obrigada a abandonar a freguesia dentro de um período de três dias devido aos

escândalos e prejuízos que causava aos costumes. Mas pode-se dizer que o casal

219 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2. 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 46. 220 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 46v.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 209

constituiu uma família estável num longo período de vinte e três para vinte e quatro

anos. A separação só ocorreu devido às brigas, causadas pelos ciúmes da

concubina que incomodaram a população. Do contrario, dificilmente seriam

denunciados ao vigário da vara. Imagine-se uma pequena Vila nos sertões de Goiás,

nos remotos anos de 1753, em que as pessoas não conseguiam, facilmente,

esconder os seus relacionamentos por muito tempo. Além do mais, havia os

murmúrios sobre a intimidade sexual da vida alheia. Parece que não eram somente

as bulhas que incomodavam os vizinhos, mas também a freqüência constante na

casa da concubina era motivo de denúncia. Neste mesmo ano, o promotor do Juiz

eclesiástico denunciava Manoel Pereira e Tereza Lopes, preta forra, por andarem

concubinato em Vila Boa por muitos anos. Para o padre João Lopes de Camargo, os

denunciados deveriam viver como católicos, mas faziam o contrário, viviam com

notável escândalo sem nenhum temor às leis divinas. Uma das testemunhas que

fora convocada para depor na residência do vigário da vara foi além, declarando não

somente a questão pública do concubinato, mas também os frutos gerados deste

relacionamento. Assim declarava Antonio Jose Lopes morador nesta Villa, natural do

Arcebispado de Braga que vivia do oficio de alfaiate: “disse que sabia por ser publico

e notório que a denunciada assiste em casa do denunciado e, igualmente, sabe por

ser publico e notório que a denunciada tem huma filha mulatinha do Denunciado”.221

Percebem-se através destes depoimentos, as dificuldades que a Igreja

Católica teve para implantar na colônia as resoluções da reforma do Concilio de

Trento, um modelo de casamento baseado na indissolubilidade matrimonial. Na

Europa Ocidental, após a transformação do casamento em sacramento, a

indissolubilidade desta instituição passa para o primeiro plano. Desde então, a

prática deste sacramento seria generalizada pelas populações européias. Mas Ariés

(1987, p. 174) alerta aqueles que julgam que este processo dependeu apenas da

Igreja. Para ele, “a estabilidade no casamento em várias regiões rurais da Europa

antecedeu a própria cristianização dos costumes”.

221 Ibid., fl. 49-53.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 210

5.3.1. O CONCUBINATO ADULTERINO

As mulheres que não cumprissem o papel de esposa, conforme os

ditames da sociedade, ausentando-se do lar, seriam ameaçadas pela justiça

eclesiástica com penas espirituais. As penas poderiam chegar à prisão, ou seja, em

alguns dias de aljubre e multas pecuniárias para as obras pias. Em 1783, “Ritta

Gonçalves da Sylva”, preta liberta, casada com “Joaquim Appolinario” e separada

dele foi ao tribunal eclesiástico da paróquia de Vila Boa e assinou um termo de voltar

para o seu esposo. A referida prometeu ao vigário da vara de “viver e fazer vida

marital” com seu esposo debaixo da pena de prisão na cadeia de Vila Boa e pagar

dez oitavas de ouro para as obras pias.222 Não se sabem os motivos da separação

deste casal, mas Rita alegou perante o vigário João Antunes de Noronha, uma

“petição de divórcio”.

O pecado do adultério desde os tempos de Jesus tinha a sua pena de

morte. Na sociedade colonial, as punições não eram muito diferentes dos tempos

antigos. As Ordenações Felipinas trataram o adultério como crime que deveria ter a

sentença de morte da esposa e de quem cometesse tal delito com ela:

E não somente poderá o marido matar sua mulher e o adultero, que achar com ella em adulterio, mas ainda os póde licitamente matar, sendo certo que lhe cometterão adulterio; e entendendo assi provar, e provando depois o adulterio per prova licita e bastante conforme á Direito, será livre sem pena alguma, salvo nos casos sobreditos, onde serão punidos segundo acima dito he. (ORDENAÇÕES..., 1985, [Livro V, Título XXXVIII]).

Mas as legislações do reino previam também punições para o esposo

vítima do adultério caso ele matasse alguém de condição superior a sua. “Se o

marido for peão, e o adúltero Fidalgo, ou nosso Desembargador, ou pessoa de

maior qualidade” (ORDENAÇÕES..., 1985, [Livro V, Título XXXVIII]). Nestes casos, o

222 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 88v.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 211

esposo traído seria degredado para África por um período que a lei determinasse,

não passando de dez anos. O tempo de degredo era julgado conforme a escala

social da pessoa que o réu havia assassinado, juntamente com sua esposa.

Conforme Eliana M. Rea Goldschmidt (1993), a justiça eclesiástica

estabelecia um limite entre a correção e as sevicias. A correção demonstrava todo o

poder do esposo como o chefe de família. Ao passo que as sevícias significavam

violência e perigo de vida para a mulher (GOLDSCHMIDT, 1993, p. 217-218). E o

adultério praticado pelos homens, como eram as reações das mulheres? Em 1753, o

promotor do Juiz eclesiástico de Vila Boa dava à seguinte denuncia no tribunal

eclesiástico do vigário da vara:

[...] diz o promotor deste juízo Eclesiástico que Bonifacio Ferreyra Lustosa sendo casado com Gertrudes Pereira da Costa na forma do Sagrado Consilio Tridentino devendo viver como Católico obra tanto pello contrario, que vive amancebado com Tereza da Costa preta forra com grave escândalo e publicidade sem pejo de Deos nem do mundo, mas ante fazendo publico o seu pecado pella má vida que dá a sua mulher causando do dito concubinato e por que he digno de castigo para sua emenda [...].223

As testemunhas que foram convocadas pelo vigário da vara foram

unânimes em afirmar que Bonifacio tratava sua esposa “pior do que uma escrava”.

João dos Santos Miranda, 39 anos, morador em Vila Boa e natural da cidade de São

Paulo disse que sabia por ser

[...] publico e notório que o denunciado Bonifacio Ferreira Lustosa anda em publico escândalo amancebado com Tereza da Costa preta forra e por causa da mesma mancebia queria matar sua mulher lhe deu muita pancada e cuja bulha acudiu a vizinhança.224

A violência e a falta de fidelidade no sacramento do matrimônio foi um

traço marcante da sociedade colonial, desde o inicio, com a chegada dos

portugueses na Bahia, Nóbrega chamava atenção das autoridades portuguesas para 223 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 60v. 224 Ibid., fl. 63.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 212

o “desregramento moral” dos habitantes da nova terra. Na capitania de Goiás, o

comportamento da população não foi muito diferente. Na primeira parte desta

pesquisa analisam-se as transgressões e as violências cometidas pelos diversos

grupos sociais. Goldschmid (1993) percebeu as marcas da violência no interior das

famílias quando analisou os processos de casamento do tribunal eclesiástico de São

Paulo. A autora percebeu que o adultério masculino era o principal foco dos atritos

conjugais e também da separação de muitos casamentos. No dizer desta

pesquisadora, a transferência dos compromissos conjugais para a concubina gerava

muitas contendas. A imagem do esposo ideal propagado pela Igreja no período

colonial era a do homem “que rezava o santo terço com sua família todas as

madrugadas, provendo o lar não apenas com o alimento espiritual, mas também

com fartura de mantimentos, cuidando não só da saúde da alma como também do

corpo” (GOLDSCHMID, 1993, p. 223).

Destacavam-se na Capitania de Goiás os adultérios cometidos por

pessoas de condição social díspar, e mais se distanciavam da legalidade quando a

mulher era, ou tinha sido escrava. Mesmo que a esposa não tivesse conhecimento

do procedimento do marido, aquele que, longe do lar, tomava por companheira uma

ex-cativa, corria o risco de ser denunciado ao tribunal eclesiástico por alguém da

vizinhança. Foi o que ocorreu com

[...] José Rodrigues Xavier, homem branco casado no Arraial de Meya Ponte que vivia em concubinato com uma índia, chamada Maria Josefa numa paragem denominada Engenho do Narigão, nos arrabaldes de Vila Boa.225

José Rodrigues comparecia ao tribunal eclesiástico e fazia termo de voltar

para sua esposa, Anna Ferreira de Queiroz que havia abandonado mais de dois

anos no arraial de Meia Ponte. Alegava perante o vigário da vara que vinha como

“obediente filho da Igreja procurar seu Grêmio por meio deste termo de separação,

emenda de vida” e prometia “lançar para fora de sua casa, à dita cabra Maria

225 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 93v.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 213

Josefa”.226 As circunstâncias, muitas vezes, forçavam os elementos que viviam na

situação de concubinato lançar para fora a concubina na tentativa de enganar os

párocos para receber os sacramentos e os preceitos pascais. Quando a situação

normalizava tudo voltava novamente. Fato semelhante ocorria também, neste

mesmo ano de 1794, na freguesia de Vila Boa. Manoel Ferreira Rebouça, cabra

liberto, casado em Santa Luzia, fazia termo de separação do “publico concubinato

em que vivia no arraial do Ouro Fino com Tomasia de Aquina, mulher parda, solteira

e liberta”. O vigário da vara o obrigou a separar da concubina dentro de “quinze dias

e ao mesmo tempo, o proibiu de freqüentar a casa da preta chamada Maria de

Santa Anna para evitar à má suposição que dele querem fazer nesta parte, posto

que com esta não tem amizade muita”.227 Concubinato duplo? Diz o provérbio

popular que “onde há fumaça, pode haver fogo”. Certamente, alguém havia alertado

o tribunal eclesiástico da sua amizade ilícita com Maria de Santa Anna.

Estas situações indicam que, ao amancebar-se com homens de condição

social considerada superior à sua, a mulher escrava ou liberta ficava juridicamente

vulnerável às denúncias feitas ao tribunal eclesiástico, mas teria, por outro lado, a

possibilidade de desfrutar a vida que a sociedade colonial não lhe permitia, a vida de

senhora. Para Russell-Wood (2005, p. 261), “uma escrava podia ter mais a ganhar

sendo concubina de um homem branco do que esposa de um negro; seus filhos

colheriam os benefícios sociais de uma pigmentação mais clara”. E, além disso,

havia possibilidades de “mãe e filhos” conquistarem a sonhada “carta de alforria”.

Acredita-se que essa tendência tenha influenciado também as mulheres forras na

Capitania de Goiás. Os registros de batismo de escravos de Vila Boa apontam para

uma grande porcentagem de crianças ilegítimas como se verificou no item anterior.

Os indícios de uma relação de concubinato dos senhores com suas

escravas aparecem no ritual do batismo quando as mães, a pedido dos párocos,

nomeavam os pais de seus inocentes. Grande porcentagem aparece como pai

“incógnito”, filhos de amores proibidos e de pessoas importantes, cujos nomes os

sacerdotes preferiam omitir. Mesmo assim, algumas mães não deixaram de apontar

na liturgia do batismo os pais de suas crianças. Assim ocorria nos “dias três de 226 BISPADO DO RIO DE JANEIRO, loc. cit. 227 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 94.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 214

novembro de 1772” com Jacinta, escrava de Manoel Álvares de Moura, que levou as

fontes batismais na Igreja Matriz de Vila Boa a sua filha natural Antonia, cujo pai era

o seu próprio senhor que a tornou forra no ato do batizado.228 Como era costume

generalizado no Brasil os senhores terem várias concubinas escravas, em 1774 era

a vez de Ana parda levar as águas do batismo da freguesia de Santa Anna de Vila

Boa, a sua filha natural Tereza, cujo pai era também Manoel Álvares de Moura que

libertou a criança dos agrilhoes da escravidão.229 Percebe-se que dentro de um

período de dois anos, o mesmo senhor alforriou duas filhas com mães escravas

diferentes. Isto deve ter ocorrido com muita freqüência nos arraiais da mineração.

Talvez as alforrias concedidas pelo próprio proprietário das mães aos inocentes na

fonte batismais sejam uma boa indicação para entendermos os intercursos sexuais

dos senhores com as suas escravas.

5.3.2. ALCOVITEIRISMO E CONCUBINATO INCESTUOSO

A prática dos bons costumes e comportamentos morais foi sempre uma

preocupação da Igreja. No século XVIII, as visitações diocesanas e as pastorais dos

bispos do Rio de Janeiro não deixaram de chamar atenção do clero e da população

das minas para um comportamento moral austero. As conferências de moral para a

formação dos sacerdotes foram estratégias que a Igreja encontrou para corrigir os

abusos e desvios das populações. Na tentativa de colocar em prática as resoluções

do Concilio de Trento, a Igreja procurou, por meio dos sacramentos da confissão e

do matrimônio, corrigir os desvios morais de seus fregueses. Contudo, a sua

vinculação ao regime de padroado limitou sua atuação na prática pastoral. Bispados

vacantes, paróquias extensas e ausência de sacerdotes a tornaram bastante frágil

para imprimir uma vida moral austera nas suas freguesias. A Igreja considerava a

prática de alcovitar um “crime detestável, por ser o principio de toda desonestidade

228 BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2, 1764-1787. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás. fl. 146. 229 Ibid., fl. 176v.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 215

que levava muitos homens e mulheres à perda da honra e da castidade” (VIDE,

2007, [Livro V, Título XXV]).

Embora, o livro de Registro de Denúncias não aponte muitos casos, este

crime foi muito comum na população do Brasil Colônia. Na Capitania de Goiás foi

usado até mesmo por alguns sacerdotes para conseguir seus intentos ilícitos com

raparigas e mulheres casadas. O caso de solicitação do vigário de Santa Cruz, já

analisado nesta pesquisa é um bom exemplo. Usava de escravos e casais que

encobriam os seus pecados, e às vezes até os recursos das “artes diabólicas e

feitiçarias”, tão presentes no universo feminino colonial, na tentativa de coagir e

ameaçar as vítimas.

Mesmo sem se envolver pessoalmente com a escravaria, os senhores

eram juridicamente responsáveis perante a Igreja pela vida conjugal de seus

escravos, e poderiam também ser indiciados criminalmente quando os deslizes

desta ordem chegavam ao conhecimento do tribunal eclesiástico. Em 1753, o

meirinho do Juiz eclesiástico de Vila Boa denunciava Domingas “preta forra” por ser

alcoviteira de Maria, sua escrava, causando grande escândalo “na vizinhança”. As

provas não foram suficientes para condenar Domingas, ela foi apenas “admoestada

a dar melhor educação a sua escrava e pagar as despesas do processo de devassa.

No entanto, alguns detalhes deste processo chamam atenção pela sua

singularidade. Domingas cobrava de sua escrava um “jornal de três oitavas de ouro

por semana” e consentia que muitas pessoas tivessem tratos ilícitos com ela “sem

temor de Deus e de seus ministros”. Jose Tavares, morador em Vila Boa e natural

da Ilha S Miguel, testemunhou que a denunciada consentiu que a sua escrava Maria

andasse com João Ferreira Cabeça “alguns tempos”.230 Neste mesmo ano, uma

segunda denúncia foi levada ao vigário da vara, Felippe da Silveira.

[...] Leonel de Abreu devendo viver como católico obra tanto pelo contrário, que vive amancebado com Antonia Courona escrava de Tereza, preta forra, a dezesseis anos de quem contém dois filhos, [...] pelo que o suplicante denuncia, é a senhora da dita, concubinada por alcoviteira e cosentidora para o feito.231

230 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 65v-69. 231 Ibid., fl. 37-38.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 216

Nos dois fatos mencionados, percebe-se que a prática de alcovitar rendia

pecúlios para as proprietárias de escravos. A primeira recebia um jornal de três

oitavas de ouro por semana, preço fora do comum, pois o normal era o rendimento

de uma oitava. Já a segunda mulher alforriada consentia o concubinato da sua

escrava como uma forma de aumentar a sua escravaria, uma vez que os filhos de

escravas tinham os mesmo destinos de suas mães.

As legislações eclesiásticas eram muito rigorosas com a prática de

alcovitaria. As Constituições da Bahia, que orientaram a Igreja do Brasil, previam

para os que cometessem esse crime pela primeira vez, prisão, dois anos de degredo

fora do bispado e uma multa de dez cruzados. Se acaso cometesse o crime uma

segunda vez, pagaria em dobro o degredo e a pena pecuniária. Já, uma terceira vez,

a pessoa seria degredada para Angola ou São Tomé por dez anos e deveria fazer

penitência pública com “copocha” à porta da igreja, em cuja freguesia houvesse

cometido o delito.232 A preocupação da Igreja era zelar para que o mau costume não

corrompesse a família e a sociedade. Na sua orientação era bastante clara,

[...] se o alcoviteiro, ou alcoviteira solicitou mulheres casadas, donzelas, viúvas honestas de boa reputação, mulheres a quem servia, ou filhas, parentas que estiverem nas casas ou debaixo da administração daquelas pessoas, a quem servia, [deveria ser castigado com as penas apontadas acima]. (VIDE, 2007, [Livro V, Título XXV])

Mas era difícil provar esta prática nos tribunais eclesiásticos,

principalmente, quando se tratava de escravos. O concubinato de Leonel de Abreu

demorou dezesseis anos para ser denunciado e assim mesmo resultou em nada. Às

vezes, as testemunhas omitiam nos tribunais para não denunciar o vizinho,

afirmando que nada sabiam. Imagine isto numa pequena vila, onde todos conheciam

232 Nas Ordenações Filipinas (1985, [Livro V, Título XXXII]) as penas da prática de alcovitar variavam conforme as pessoas envolvidas. Para quem alcovitasse “alguma freira professa” no reino seria açoitado e degredado para sempre para o Brasil. Já o “alcovitar viúva ou moça vigem a pena era mais branda: a primeira vez seria açoitado e degredado para sempre para fora da Vila, com perca dos bens. Mas se a pessoa fosse condenada por este mesmo crime uma segunda vez seria degreda para o Brasil e perderia todos os bens. Em relação às alcoviteiras do Reino que não fosse degredas ao Brasil deveria portar sempre uma “polaina vermelha” na cabeça ao sair de sua casa.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 217

a vida alheia, ainda mais, alguém que possuía dois filhos com uma escrava.

Contudo, os testemunhos não foram suficientes para a condenação dos envolvidos.

A documentação arrolada chamou também atenção para um fato muito

marcante na América portuguesa e presente no Arraial de Vila Boa: a prática do

incesto. Creio que esse comportamento atingiu quase todas as camadas da

sociedade e ainda é bastante recorrente nas sociedades do século XXI. As atas de

batismo e casamento das freguesias de Santa Ana e Nossa Senhora do Rosário

(Pirenópolis) apontam algumas indicações da prática do incesto, à medida que os

sacerdotes deixaram de registrar os nomes dos pais de muitos inocentes. Neste

sentido, as crianças enjeitadas e os filhos de pai “incógnito” podem ser uma boa

indicação.

O concubinato seria mais grave segundo a ótica da justiça eclesiástica,

quando fosse incestuoso. “Os afetos entre elementos da família não poderiam ser

confundidos com zelos e ciúmes de marido e mulher”, caso contrário seriam punidos

pelos tribunais eclesiásticos. A Igreja permitia que os concubinados incestuosos se

casassem depois de alcançarem uma dispensa matrimonial, não havendo outros

impedimentos. Os vigários das varas eclesiásticas recebiam faculdades especiais

para afastar os fiéis desta situação pecaminosa. Em Vila Boa, o padre Francisco das

Chagas de Mendonça recebeu, em 1777, várias atribuições do bispo do Rio de

Janeiro. Entre elas, a faculdade de dispensar os impedimentos de “matrimônio no

terceiro ou quarto grau, simples ou misto, parentes por consangüinidade ou

afinidade que tivessem causa justa para poder dispensar”. Para Maria Beatriz Silva

(1984, p.126-128), a “proibição do incesto pela Igreja não se limitava apenas ao

impedimento de sangue”, mas havia os impedimentos de ordem espiritual (batismo e

crisma) de legal (adoção).

A historiadora Alzira Lobo de Arruda Campos (2003), em pesquisa sobre

família e casamento em São Paulo Colonial, aponta alguns fatores importantes que

teria favorecido a prática do incesto nesta Capitania. Além do “isolamento geográfico

e as condições de povoamento” estão os “critérios rígidos na escolha dos cônjuges”

para o sacramento do matrimônio. Mas esta autora não deixa de responsabilizar

também a igreja no favorecimento desta prática pecaminosa, uma vez que os bispos

do Brasil foram mais “indulgentes” do que os europeus nos processos de

impedimentos para o matrimônio. Por outro lado, Goldschmidt (1993) percebe que

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 218

as dificuldades das populações pobres com as taxas cobradas para o casamento e a

morosidade dos banhos antes das núpcias favoreciam a prática do concubinato.

Sendo um crime basicamente oculto pela vida em família, o concubinato

entre parentes não era muito fácil para ser denunciado. Muitas vezes as paixões

misturada com ódio e temor confundiam os comparsas, principalmente quando se

tratava do pai com a filha ou entre irmãos. Neste sentido, era difícil fugir dos olhares

da comunidade, mesmo usando de certa criatividade no disfarce, a coabitação de

parentes provocava desconfianças e denúncias. Assim acontecia com um morador

de Ouro Fino que foi intimado a comparecer no tribunal eclesiástico por causa do

concubinato em que vivia com sua irmã.

Aos vinte e seis dias do mês de Novembro de mil setecentos e oitenta e quatro anos, nesta Vila Boa, apareceu presente Carlos Pinto, pardo forro, morador do Arrayal do Ouro Finno districto desta Villa, e por ele foi dito, que vinha a este juízo fazer, e asignar o presente termo, pelo que se obriga por sua pessoa, e debaixo da Penna de ser conduzido para fora desta Commarca, de nunca mais viver, e morar juntos em huma mesma casa com sua Irmã Margarida crioula, promettendo de muito sua livre vontade cumprir o presente termo na forma de sentença final, que por este juízo lhe for proferido.233

A documentação não deixa claro qual a pena que o vigário da vara deu

para Carlos Pinto. Mas o seu nome aparece na lista dos culpados nas devassas

eclesiásticas. Em fevereiro de 1784, Luiza Preta Mina foi pronunciada por culpa do

“publico concubinato de seus filhos Carlos Pinto e Margarida Crioula”. O mesmo

ocorria também com Margarida Crioula, escrava do falecido tenente coronel João

Pinto Barbosa Pimentel. Esta última foi acusada no Rol dos culpados de público

concubinato, de praticar vários abortos e incesto com seu irmão.234 Geralmente, as

acusações comprovadas pelos visitadores diocesanos tinham os nomes anotados

no livro Rol dos Culpados.

233 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 89v. 234 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Rol dos culpados. [Livro utilizado pelos bispos diocesanos para registrar os culpados das devassas eclesiásticas]. Livro n. 10, 1783-1805. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 219

A Igreja considerava o incesto um crime abominável a Deus, pois através

dele perdia-se a confiança que deveria haver entre os parentes. Quando este crime

era cometido com “ascendente, ou descendente por linha direta em qualquer grau

seria preso, pagaria cinqüenta cruzados e seria degredado por tempo de dez anos

para as galés”. (VIDE, 2007, [Livro V, Título XX]). Se a pessoa não tivesse

condições físicas para este trabalho, deveria assim mesmo ser degredada para

Angola ou São Tomé pelo mesmo tempo. As Constituições da Bahia previam

também prisão no aljube, pagamento de cinqüenta cruzados, galés e degredo de

cinco anos para os locais referidos, o incesto cometido no primeiro grau de

consangüinidade.

Tudo indica que Carlos Pinto foi acusado na visitação diocesana de 1784,

realizada pelo rigoroso presbítero secular e também vigário geral da Capitania de

Goiás, o padre José Correa Leitão. Este sacerdote, exercendo as funções que cabia

aos bispos do Rio de Janeiro, deixou longos capítulos de orientações de teologia

moral para o clero e povo na sua visita pastoral.235 Percebe-se, por meio da

documentação, que a referida visitação na freguesia de Santa Ana puniu toda família

pelos escândalos de incesto entre irmãos, abortos, e omissão do chefe de família,

no caso a mãe, que foi acusada de consentir o mau comportamento dos filhos. O

papel do chefe de família, na visão da Igreja, era cuidar para a salvação das almas

de seus dependentes, filhos, escravos e agregados. Por isso devia apresentar todos

os anos ao seu pároco, o rol das pessoas que deveriam receber a confissão e a

comunhão na desobriga quaresmal.

Parece que era comum nas freguesias de Goiás, os párocos receberem o

“rol dos culpados” após a realização de uma visita pastoral. Isto compreendia uma

relação de seus fregueses culpados por algum crime. O papel do pároco era

admoestar o fiel, tendo em vista a sua correção e mudança de vida. Em caso

contrário, deveria denunciar o fiel ao vigário da vara para que este tomasse as

medidas contra o acusado, conforme as orientações da Constituição. No caso de

Carlos Pinto, parece que as admoestações do pároco não foram suficientes para a

235 VISITAÇÃO de José Correa Leitão Presbítero Secular Vigário Geral desta Capitania e nella visitador Ordinário pelo Excelentíssimo e Reverendíssimo Dom José Joaquim Justiniano de Mascarenhas Castelo-Branco Bispo desta Diocese e do Conselho de Sua Majestade Fidelíssima. 1784. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 220

sua conversão. Foi necessária uma intimação do vigário da vara para que ele fosse

ao tribunal eclesiástico, assinar o “termo de viver separado de sua irmã Margarida”.

Na realidade, o concubinato incestuoso incomodou muito os bispos do

Brasil por ele colocar em riscos os principais valores da família. As constituições da

Bahia tentaram coibir este pecado, mas as devassas eclesiásticas e os livros de

batismos espalhados por todo o Brasil testemunham que ele foi praticado por uma

parcela significativa da população colonial. Às vezes, a própria celebração de

batismo e as relações de compadrio foram utilizadas para enganar os sacerdotes.

Não faltaram, porém, esforços da parte dos bispos para corrigir estes abusos. Dom

Antonio do Desterro quis coibir este costume na Capitania de Goiás. Em uma carta

pastoral publicada ,em 1751, Dom Antonio do Desterro alertava os sacerdotes para

este fato: “E porque muitos concubinatos para enganar os Parochos se fazem

compadres huns de outros, parecendo-lhes com esta capa podem viver juntos”. O

bispo insistia com o clero para “não admitir por padrinhos no batismo as pessoas

que souberem ficam compadres do seu delicto para continuarem no seu pecado”.236

5.4. VIVENDO COMO CASADOS

Durante o século XVIII, a constituição de uma “outra família” à margem do

matrimônio teve a contribuição de uma parte significativa da população. As devassas

eclesiásticas foram testemunhas destas relações consensuais que muitas vezes

foram confundidas com o sacramento do matrimônio pela sua estabilidade. Casais

amancebados que acompanhavam seus filhos nas procissões religiosas, mulheres

que causavam escândalos nas ruas por ciúmes e brigas com seus parceiros,

pessoas que observam estes amásios pelos orifícios das portas e janelas das casas.

Os fatos mencionados foram denunciados no tribunal eclesiástico de Vila Boa de

Goiás, motivados por intrigas de vizinhos ou pelos escândalos que causaram nas

236 PASTORAL de Exmo e Revmo Senhor D. Fr. Antonio do Desterro em q Se acha a reforma de Disciplina Ecclesiastica nestes Goyas, Cuja copia havida de outra freguesia por nesta Se não achar registada aqui fiz transladar, e he da Maneira Seguinte. 1751. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 221

vilas. Torres-Londoño (1999) e Figueiredo (1989) analisaram também este

fenômeno no antigo bispado do Rio de Janeiro e nas Minas Gerais. Este último

observou nas Gerais que as testemunhas que se apresentavam nas devassas

denunciavam casais que viviam concubinados há cinco, sete, dez ou quinze anos,

concorrendo em estabilidade com os sacramentos celebrados e registrados na

Igreja.

Estes relacionamentos estáveis eram acompanhados de filhos que, para

os denunciantes, eram tidos como o do casal acusado. Destes filhos, alguns eram

considerados naturais por serem concebidos por solteiros, sem impedimentos para

casar. Alguns destes rebentos naturais apareceram nas atas de casamento da

paróquia Nossa Senhora do Rosário de Pirenópolis com a indicação dos nomes de

seus pais. É o caso de José Pedro Lima que se casou em 24 de agosto de 1785, e

do qual se anota que é filho natural de Antonio Pedro Lima e Joana Maria da

Conceição “Crioula”, solteiros. Também no dia 22 de janeiro de 1786 se casou

Francisco Fernandes Coelho, filho natural, sendo seu pai José Fernandes Coelho e

sua mãe Maria Crioula, solteira. Nos dois casamentos, as noivas são também filhas

naturais, contudo só aparece o nome da mãe e a denominação de “pai incógnito”.

Mas houve também caso de ambos os pais dos nubentes serem solteiros. Veja-se o

exemplo do casamento de Jose Alves da Cunha que foi realizado em 13 de janeiro

de 1786, e do qual se anota que é filho natural de Antonio Alves da Cunha e sua

mãe Maria de Proença. Já a noiva, Eugenia Luiza de Oliveira, parda, filha natural de

José Ferreira da Silva e Páscoa de Oliveira. A paternidade dessa prole ilegítima

pode ser verificada nos livros de casamento realizados na Antiga Meia Ponte,

atualmente cidade de Pirenópolis, em que uma grande porcentagem dos cônjuges

aparece como filhos ilegítimos.237 É claro que isto facilitava um reconhecimento

posterior dos pais.

Nas Minas Gerais Luciano Figueiredo (1989) percebeu que a religião

muitas vezes foi usada para intermediar o reconhecimento destes amores proibidos.

O nascimento de um filho natural era celebrado com festas e muito “batucado”. Na

cidade Ouro Preto, “Francisco, após o parto de sua companheira, teria convidado

muita gente para a festa de batismo e ainda fez banquete” (DEVASSAS, 1726, fl. 53-

237 REGISTRO de Casamentos. Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Meia Ponte, Livro 1c/Livro 2c, 1764-1809. Manuscrito. Arquivo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 222

55 apud FIGUEIREDO, 1989, p. 156). Em Vila Boa de Goiás, a presença de um

“mulatinho” todas as vezes que saia o “Santíssimo Sacramento em visita aos

enfermos” incomodou a população que denunciou o casal de amancebados no

tribunal eclesiástico.

[...] e sendo ahy apareceu presente o meyrinho do juiz Joze da Silva Barros e por elle foi dito que tinha denunciado neste juízo Eclesiastico Manoel Felippe Santiago por andar concubinado com uma sua escrava por nome Rita por muito escandallo por ter de portas a dentro e constatar tendo ella - hum filho que tambem tem de portas a dentro sem temor de Deos nem dos seos ministros [...].238

Neste relacionamento consensual, o que causava estranheza em uma

das testemunhas era a “existência da escrava na casa do denunciado e o bom

tratamento que recebia do seu senhor”. O concubinato era antigo e o casal parecia

que não incomodava com esta situação. O mulatinho, fruto desse relacionamento,

não perdia oportunidade para acompanhar os seus pais nas visitas aos doentes.

Outra testemunha, o reverendo padre

[...] Ignácio Xavier Cardozo, sacerdote secular, natural de São João de hel Reys, disse que sabe por ser público e notório pella mayor parte desta Villa que o denunciado anda escandalozamente amancebado com sua escrava por nome Rita [e que esta dormia no mesmo quarto do concubino].239

O acesso das casas junto às ruas facilitava, muitas vezes, os olhares

curiosos dos passantes ao interior das residências e isto podia resultar numa

denúncia ao tribunal.240 Uma das testemunhas disse que o

238 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 6v. 239 BISPADO DO RIO DE JANEIRO, loc. cit. 240 De acordo com Vainfas (1997), as condições das moradias no período colonial não favoreciam muito a vida privada, e o território da sexualidade era bem menos privado do que se poderia supor. Vizinhança de parede-meia na cidade, casas devassadas no meio rural, promiscuidade, assim transcorria o dia-a-dia da Colônia, ao que se deve acrescentar a escassez da população e a baixa densidade demográfica dos povoados e vilas. Além disso, as condições histórico-sociais conspiravam contra a privacidade. O autor faz uma referência ao baiano Gregório de Matos, para justificar a sua tese: Em cada porta um freqüentador olheiro/ Que a vida do vizinho e da vizinha/Pesquisa, escuta,

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 223

[...] Denunciado dorme em uma cama a parte e que várias vezes passando, ele viu pelo pé da janella, o denunciado sentado a conversar com a dita negra sem pejo das pessoas que passavam pella rua [...].241

Na realidade, o que mais incomodava as populações do Brasil Colonial

foram os bons tratamentos que muitas negras receberam de seus senhores em

troca dos favores sexuais. Os caminhos para libertação e as dificuldades posteriores

de sobrevivência eram problemas enfrentados com dificuldade, sobretudo para os

que se encontravam em posições não privilegiadas. Em Minas Gerais, Paiva (1995)

percebeu que as escravas utilizaram de várias estratégias em busca de alforrias. Na

visão deste autor, uma das estratégias usadas foram os “intercursos sexuais” com

seus senhores, resultando daí uma proliferação naquela sociedade de filhos

ilegítimos e concubinatos. Parece que algo semelhante ocorreu na freguesia de Vila

Boa de Goiás, se se analisarem atentamente nas entrelinhas os processos

eclesiásticos.

Às vezes, a fidelidade num relacionamento amoroso poderia ser uma

estratégia de uma escrava tendo em vista uma carta de alforria que muitos homens

livres procuravam presentear as suas concubinas. Foi o que ocorreu em Vila Boa,

em 1753 com a “Negra Francisca” que foi alforriada pelo seu parceiro, o “Pardo

Gonçalo Ribeiro”. O meirinho, José da Sylva Barros, que os acusou ante o Juiz

Eclesiástico disse que eles andavam concubinados e vivendo juntos fazia muitos

anos. Não somente nesta vila, mas desde o arraial do Ferreiro. Mas o que

escandalizava os habitantes da referida paróquia era a compra da escrava por uma

pessoa que não possuía outros bens. Para o Meirinho, este “escândalo deveria ser

evitado para o Santo Serviço de Deos”. Uma das testemunhas disse que o

denunciado “morava junto com a dita negra em uma venda”, e que ela tem uma

“carta de Alforria”. Outro disse que “sabe por ser vizinho e que o denunciado vivia

espreita e esquadrinha/Para levar à Praça, e ao Terreiro. Neste contexto, as casas coloniais estavam abertas aos olhares e ouvidas alheios, e os assuntos particulares eram ou podiam ser, assuntos de conhecimento geral (VAINFAS, 1997, p. 227). Ainda sobre este assunto consultar Maria Beatriz Nizza da Silva (1993) e Laura de Mello e Souza (2004). 241 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 10.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 224

junto com a dita negra”. Mas as alforrias também poderiam resultar numa falsa

promessa de casamento que na realidade nunca acontecia. João Dias Guimarães,

natural da Ponte do Porto, Arcebispado de Braga disse “ser público e notório que o

denunciado andava muitos annos de portas adentro com huma negra por nome

Francisca, que comprou com pretexto de casar com a mesma”.242 O desfecho deste

processo resultou na admoestação de Gonçalo Ribeiro e Francisca forra junto ao

vigário da vara para assinar o “termo de separação de primeiro lapso de concubinato

e pagar as custas”.

De qualquer forma, houve por parte da Igreja uma preocupação em

doutrinar e colocar em prática as resoluções do Concilio de Trento para as gentes do

Brasil Colônia. Acreditava-se que famílias bem constituídas eram fundamentais para

formação dos costumes e importante para se ter uma sociedade sadia. Neste

sentido, o casamento era importante para combater e domesticar os desejos da

carne. A partir do momento em que a Igreja interferiu no casamento, ela

desenvolveu toda uma base teológica que pudesse sustentá-lo. Conforme Jean-

Louis Flandrin (1987), a união sexual só era legitima dentro do próprio casamento.

“Em torno da família monogâmica foi desenvolvida uma concepção teológica que

aponta o casamento como “remédio” para curar o adultério”. Em outras palavras

afirmavam os teólogos,

[...] quando um dos esposos se sente tentado a cometer adultério, ou a cair na polução voluntária, pode, se não encontrar meio melhor, utilizar o remédio do casamento para não sucumbir a esta tentação. (FLANDRIN, 1987, p.136).

Apesar da preocupação dos teólogos com a formação de famílias, a

fidelidade conjugal não foi uma virtude comum na América Portuguesa. Os maridos

mantinham relações e vínculos com outras mulheres fora do casamento. O mesmo

ocorria também com as mulheres que muitas vezes desrespeitavam os seus

esposos. Os romances, cujo enfoque aborda o século XVIII, sempre misturam amor

e infidelidades, muitas vezes terminando em morte e tragédia de ambas as vitimas.

242 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 26v-32.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 225

Por outro lado, muitas esposas aconselhadas pelos sacerdotes das freguesias e

submetidas ao mau tratamento do marido toleravam as infidelidades por muitos

anos. Mediante este painel de infidelidade que acontecia em volta do matrimônio, o

que sustentava a relação de concubinato?

Mesmo não sem nenhuma legislação que desse um sustentáculo teórico

para o concubinato, ele se sustentava, por meio do pacto da palavra. Neste sentido

a vida de muitos amásios causava inveja na família, baseada no sacramento do

matrimônio. E o zelo do amásio pela sua concubina que incomodava as autoridades

religiosas. Na Capitania de Goiás, os Autos de Denuncias apontam para casais que

viveram longos anos de “portas adentro”. Em 1751, o padre João Loppes de

Cammargo, promotor do Juiz Eclesiástico de Vila Boa denunciava José Pinto e

Maria Pereira, parda forra, moradores nos subúrbios desta mesma Vila por “andarem

amancebados bastante tempo”. No dizer do sacerdote “eles deviam viver como

católicos, mas obrava pelo contrário, sem temor de Deos e com grande escândalo e

publicidade”. Não era a primeira acusação que pesava sobre José Pinto, em tempos

passados tinha sido punido pelo “Ouvidor em Correição” pelo crime de mancebia

com sua escrava Anna, com a qual teve alguns filhos.243 Os acusados foram

admoestados para abandonar a ocasião de concubinato em que se encontravam e

condenados com penas em primeiro lapso.

Neste mesmo ano, o então promotor do Juiz Eclesiástico fazia outra

denuncia de concubinato contra João Antonio de Oliveira e Luiza “preta forra”. Veja-

se o teor da sua petição:

Diz o promotor deste juízo Eclesiástico, que João Antonio devendo viver como católico obra tanto pello contrario que anda amancebado com huma preta por nome Luisa de quem tem huns filhos mulatos com grave escandalo e publicidade pello que o quer denunciar para que porvado (sic) o que baste se porseder (sic) contra o supdo com as penas do Direito e Constituicois estabelecidas.244

243 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 17v-21v. 244 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 22v.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 226

Percebe-se nesta segunda acusação que a durabilidade no

relacionamento dos concubinários foi marcada pela presença de “filhos mulatos”, ou

seja, já fazia tempo que o casal vivia junto. A estabilidade desta família era marcada

também com brigas e ciúmes, conforme o depoimento de uma testemunha.

João Dias Guimarães, 25 anos, natural da Villa dos Guimarães Arcebispado de Braga disse que sabe por ser público e notório que o denunciado João Antonio de Oliveira vive há annos amancebado com huma negra forra por nome Luisa de quem tem alguns filhos e cuja mancebia é escandalosa pellos Siumes e Bulhas que muytas vezes tem entre hum e outro.245

A tentativa da Igreja era coibir os sentimentos que colocassem em riscos

o seu projeto ideal de família. Neste sentido as brigas e as manifestações públicas

de sentimentos dos casais amásios chocavam com a própria preocupação

Igreja,cujo objetivo era disseminar uma família, baseada no casamento. Se o

remédio para o adultério era o casamento, como ficariam as relações consensuais?

A publicidade das manifestações de amor, ódio e ciúmes poderiam inverter o sentido

do matrimônio. Portanto, a preocupação central das devassas não era o ato em si,

mas o que se escondia por trás do ato, as manifestações de sentimentos que

existiam à margem da ordem legal. Neste sentido, as bulhas, ciúmes, arrombamento

de portas poderiam inverter o sentido do matrimônio.

Por trás das relações consensuais havia uma teia de conflitos que

envolvia os moradores de uma Vila. Às vezes as pequenas desavenças do cotidiano

poderiam ser motivo para alguém ser denunciado por algo que todos já estavam

acostumados. Em 1753, outro caso de concubinato foi levado ao tribunal pelo padre

João Lopes de Camargo. Tratava-se de uma denúncia contra “Mateus da Sylveira e

Gracia preta forra por andarem amancebados”. No dizer do promotor, os moradores

da “Fazenda Palla” causava público escândalo sem nenhum temor de Deus, em vez

de viver conforme “as Leis Divinas”. A relação de Mateus com a viúva não era

apenas um concubinato simples, mas foi caracterizado pelas testemunhas como

uma prática de adultério que já vinha ocorrendo bem antes da morte do esposo de

245 Ibid., fl. 23v.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 227

Gracia. Contudo o afeto e a paixão deste casal chegaram ao extremo que a viúva foi

proibida pelo seu consorte de sair do povoado para visitar parentes e amigos. Assim

testemunhou Antônio Gonçalves Sampaio, “morador nesta Villa e natural do

Arcebispado de Braga, 29 anos, que vive de ser soldado”. Disse que “querendo a

dita negra ausentar-se para fora desta Villa lhe em pedira o denunciado a dita

viagem tomando lhe para este efeito os seus trastes”.246

Além dos ciúmes de um relacionamento consensual que se confundia

com o casamento, o casal gerava também alguns desafetos, pequenas rixas de

vizinhos que às vezes se transformava em ódio. Esta mesma testemunha apontada

acima delatou ao Vigário da Vara que Antonio da Costa, soldado dragão, “gastaria

sinco oytavas em ouro pa quem viesse jurar contra o dito denunciado”247. Fica difícil,

pela falta de dados, apontar a veracidade deste fato e os motivos de tanta sede de

vingança da parte deste soldado contra o casal. Contudo, eles foram admoestados

pelo tribunal a legarem o concubinato do primeiro Lapso e pagar à custa da

devassa, em 28 de abril de 1753.

Conforme as nossas análises até aqui, o “viver como casado” atingiu

todas as camadas da população da Capitania de Goiás, brancos, negros, forros,

livres e escravos. Na vida cotidiana destas comunidades não faltariam atitudes e

práticas para reforçar a legitimidade social que alcançaram estas uniões ilegítimas.

Assim o promotor do Juiz Eclesiástico de Vila Boa denunciava “Antonio Carllos da

Rocha de viver mais de dois anos amancebado com Cecilhia, preta, escrava de

Anna Maria, preta forra”248. Além disso, a concubina tinha um escravo para fazer

todos os seus serviços e ao mesmo tempo a vigiava para não ter “tratos ilícitos” com

nenhuma outra pessoa. Mas este ato não era um fato isolado na vida de Antônio

Carlos. Ele já havia sido apanhado em outra ocasião, em visitação diocesana, por

prática de concubinato com uma escrava sua, a qual alforriou. Assim as uniões

ilegítimas confrontaram se com a moral da Igreja, algumas delas enfrentavam ainda

246 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 32v-37v. 247 BISPADO DO RIO DE JANEIRO, loc. cit. 248 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 228

a ordem escravista. Neste sentido, a vida familiar numa sociedade com a presença

de escravos oscilaria entre dois pólos: as paixões poderiam enfraquecer o poder

escravista ou dele poderiam fazer uso para ampliar as estratégias de dominação.

Houve praticamente unanimidade neste processo, cujas testemunhas relatavam o

zelo com que a escrava era tratada. Segue um depoimento:

Manoel Gonçalves, morador nesta freguesia, natural de Guimarães Arcebispado de Braga que vive do oficio de ferreiro, 28 anos, disse que sabe por ser público e notório que o Denunciado mandar Servir a denunciada por hum escravo seu o qual assiste em casa da denunciada e dice (sic) mais ele testemunha que sabe pella mesma Rezão que dito tem que o Denunciado vai algumas vezes à casa da Denunciada que he huma venda e que causa algua murmuração [...].249

Muitas destas uniões representaram um patente desequilíbrio na ordem

social e econômica onde os escravos possuíam papéis bem definidos. O que,

porém, chama atenção no depoimento que se mencionou é o afastamento da

escrava do trabalho pelo próprio parceiro, colocando outro escravo para

desempenhar as atividades realizadas pela concubina. Embora alguns

pesquisadores já tenham alertado para o tratamento de “Senhora”, de que muitas

negras se gabavam pelos dotes especiais, este fato pelo visto despertou atenção

das autoridades religiosas nos sertões de Goiás. No entanto, sentimento amoroso

não se restringia aos pares da mesma condição. Também em Goiás, os visitadores

não deixaram de punir o concubinato de homens brancos com escravas. Em 1784,

João Froquim, homem branco, solteiro e morador na paragem chamada “os

macacos” no distrito do Arraial do Anta comparecia perante o vigário da vara, José

Manoel Coelho, para fazer termo de separação do “público concubinato” em que

estava com a escrava Catherina “Crioula”. Assim declarava diante das autoridades

da Igreja:

[...] e por ele foi dito, que por ficar pronunciado na presente visita, que abrira o Rdo Visitador Geral no sobredito Arrayal da Anta pela culpa do concubinato publico em que andava com Catherina, crioula escrava de Dona Elena Cordeira, moradora do mesmo districto da

249 Ibid., fl. 53-57.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 229

Anta vinha a este juizo Eclesiastico da Villa Boa asignar o presente termo de emenda de vida, na forma das ordens do mesmo Rdo Visitador Geral confesandose estta má vida em que tinha andado e promettendo de sua livre, e espontanea vontade, e por força deste termo, afastarse da dita ocasião proxima debaicho das penas que são impostas pelas leis aos que estão incursos neste de testável crime, e de separação, e comunicação dos fieis. 250

Não se sabe o que de fato ocorreu com João Froquim, se o

arrependimento foi verdadeiro ou apenas agiu para esperar as “poeiras abaixarem”.

Já se referiu nesta pesquisa a alguns casos de concubinos que abandonavam suas

parceiras, apenas por um período provisório. Quando conseguiam cumprir os

preceitos pascais e eram absolvidos da excomunhão, tudo voltava novamente. E

houve casos na Capitania em que pessoas envolvidas em relacionamento

consensuais tentavam fugir dos seus próprios párocos, indo desobrigar em uma

capela filial para manter a relação de concubinato. Isto ocorreu com o pardo forro

Pedro Dias, que vivia em concubinato no Arraial do Ferreiro com a também parda

forra Maria Rosa Pinheiro. Apesar de ter confessado no Arraial de Ouro Fino, pela

mão do capelão, o padre Jose Maria Santa Anna Fernandes, o referido não

conseguiu fugir da excomunhão do pároco de Vila Boa. Este foi o principal motivo

que levou o denunciado a comparecer no tribunal eclesiástico em 30 de dezembro

de 1789 para assinar termo de separação do concubinato em que vivia até a

realização do casamento.251

A vida em concubinato causou muita excomunhão252 na Capitania de

Goiás. Apesar de uma boa parte do clero ser negligente com os relacionamentos

consensuais, não faltou o rigorismo por parte de muitos que não oscilaram quando o

assunto era excomunhão. O Casal de pardos libertos Aleixo José de Carvalho e

Clara Maria Leite sentiu na pele as penas do pároco de Santa Ana de Vila Boa, 250 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 88v. 251 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 90v. 252 É uma sentença pronunciada que comprova que um cristão deixou de estar em comunhão com os fiéis, quer por afirmar uma doutrina herética, por cometer atos contrários à moral cristã ou pela recusa em obedecer à hierarquia eclesiástica. O cristão excomungado não pode continuar a participar na vida sacramental e litúrgica da Igreja. Tornou-se muito freqüente na Idade Média para obrigar os leigos a restituir as igrejas ou os dízimos (CHRISTOPHE, 1997).

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 230

quando ignoraram a excomunhão em que se encontravam e foram desobrigar-se

com outro sacerdote, confessando e comungando no período da quaresma.

Chamados pelo tribunal eclesiástico, em 1791, compareceram junto ao vigário da

vara para fazer termo de “emenda de vida”. Assim dizia Clara Maria Leite:

[...] e como filha obediente da Igreja procura o seu recurso vindo a este juízo asignar e fazer o presente termo de emenda de vida e appartarse daquela illicita amizade, e publico concubinato tudo assim por desta sorte ser admitida a satisfação do preceito quaresmal.253

As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia orientavam aos

párocos para que eles mesmos realizassem as desobrigas pascais. Só em caso de

necessidades deveriam recorrer aos padres capelães. No Brasil Colônia, as

extensões geográficas de uma paróquia eram enormes, e isto dificultava o

atendimento pastoral dos párocos. O recurso muito utilizado pelos bispos foi colocar

nas capelas filiais os capelães que recebiam os emolumentos religiosos dos párocos

ou das irmandades religiosas. O objetivo visava um melhor atendimento espiritual

aos seus fregueses que muitas vezes viviam distantes da Igreja Matriz, devido às

extensões geográficas das paróquias.

Se se observar a imensa documentação sobre os relacionamentos

consensuais, localizar-se-á por um lado o discurso dos principais representantes da

Igreja Católica, na tentativa de controlar o comportamento da população, e por outro,

os seus fregueses que parecem não importar muito em fazer distinção do sagrado

com o profano. Neste sentido, o “estar amancebado” não é motivo para afastar da

confissão e comunhão pascal. O pecado seria não se desobrigar na quaresma,

alimento importante para purificar a alma e fazê-la chegar próxima de Deus. Para

que isso ocorresse, o homem da centúria preferia abandonar ou ser negligente com

as penas e punições dos párocos a esquecer os preceitos divinos. Neste contexto,

as prisões e excomunhões parecem não fazer muito sentido, mediante o sussurrar

de um amor proibido e às vezes impossível, mas capaz de ultrapassar as fronteiras

das interdições para satisfazer os seus desejos. Assim Joanna Rodrigues da Gama,

253 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 92.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 231

presa na cadeia de Vila Boa, juntamente, com o seu amásio Antonio de Souza

Guimarães, fazia “termo de separar do ilícito tratto” em 1778. A referida se dizia

“arrependida” e por isso “de sua livre e espontânea vontade”, assinava ali mesmo na

prisão, a documentação de abandonar o concubinato em que estava vivendo.254 O

mesmo acontecia com José Pereira que compareceu junto ao vigário da vara desta

mesma freguesia para assinar termo de separação em primeiro laço de concubinato

em que se encontrava com Maria Pereira. Geralmente, os termos de separação

consistiam num compromisso de ”emenda de vida” que os envolvidos faziam diante

das autoridades da Igreja. Além disso, as pessoas eram admoestadas, lembrado

sempre “do perigo em que a salvação da sua alma estava exposta”, caso

continuasse com a “ilícita comunicação”.255

Chama-se atenção nesta pesquisa para a questão de reconciliar famílias

separadas. Aliás, uma das preocupações dos visitadores era saber “se conhecia

alguém na paróquia que vivia ausente de seu consorte”. A migração para as regiões

de mineração favorecia muito as separações e novas constituições de núcleos

familiares. O caso de Manoel Antunes Maciel que vivia separado de sua esposa em

um distrito de Vila Boa pode representar uma parcela significativa da população da

Capitania de Goiás, que vivia nestas mesmas condições.

Aos 10 de dezembro de 1784, apareceu presente Manoel Antunes Maciel, homem casado com Florencia Buenna de Syqueira, morador no lugar chamado o Ferreiro da Anta Destricto desta Villa Boa, para assinar o termo de viver com sua mulher em paz, e sossego, e dar lhe boa vida, para cujo efeito está proposto de muito sua livre vontade e sem constrangimento de pessoa alguma para receber a dita sua mulher em sua casa, e companhia a todo o tempo que a mesma a procurar, em cuja companhia se obriga por força deste termo, e com a pena sobredita de provisão, e de pagar as oitavas de ouro para obras pias e arbítrio de sua Excelência Reverendíssima, a viver com a dita sua mulher na forma que Deos manda, pois isso é o que procura, e quer, e sempre esteve pronto para assim o fazer.256

254 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 87v. 255 Ibid., fl. 132. 256 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 89.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 232

Não se sabem os motivos da separação, mas se se observar a promessa

que Manoel Antunes faz ao vigário da vara, pode-se imaginar que a relação

matrimonial foi rompida por brigas e violência do casal. Os termos, ditos pelo autor

“de viver com sua mulher em paz, sossego e boa vida”, sugerem um comportamento

contrário ao que gerou uma crise nesta família e daí a separação. E a Igreja não via

com bons olhos a dissolução do casamento e na maior parte dos casos havia

relacionamento consensual. O visitador geral da Capitania de Goiás, em 1784,

ameaçou suspender dos exercícios ministeriais os párocos que administrassem

qualquer sacramento para pessoas que vivessem separadas do matrimônio. Assim

relatou em sua visita pastoral, o padre José Correa Leitão:

Na visita desta frega. e Devaça, q nella tirei achei que há M.tas pessoas q Sendo casadas vivem Separadas dos consortes, e porq isto he não Só contra o Direito e obrigação dos casados, e [até] escandaloso, e occasião de muitas offensas de Deos: ordeno ao R.do Pároco com pena de Suspensão por especial recomendação de S. Ex.ma R.ma constante do Regim.to q mandou p.a a pres.e visita, q de hoje em diante não admitta a desobriga pessoa algúa casada que viver Separado ou aus. e da Sua consorte, nem lhe administre Sacramento algum emq.to durar a Sua Separação e ausência nem também admitta a dosobriga pessoa algua q vier de fora, Sem q lhe conste por certidão do R.do da frega. donde Sahio, o Seo estado e que não vem cessurada, e Sendo homem e Mulher devem mostrar pelo Mesmo modo que São casados, o q tudo observará o R.do

Paroco e fará obsrvar pelos R.dos Capellaés de baixo daquella pena.257

A Igreja, na medida do possível, procurou conter todas as possibilidades

que colocassem em riscos a fidelidade conjugal. Daí a necessidade de controlar a

vida de uma população sempre itinerante nas minas novas de Goiás. Forasteiros

que chegavam à busca do ouro e eram mal vistos pelas autoridades. Homens e

mulheres com histórias de solteiros quando na verdade haviam deixado esposas e

filhos nas regiões de origem. Diante deste contexto, fica clara a afirmação do

visitador José Correa Leitão: “na visita e devassa desta freguesia achei muitas

257 VISITAÇÃO de José Correa Leitão Presbítero Secular Vigário Geral desta Capitania e nella visitador Ordinário pelo Excelentíssimo e Reverendíssimo Dom José Joaquim Justiniano de Mascarenhas Castelo-Branco Bispo desta Diocese e do Conselho de Sua Majestade Fidelíssima. 1784. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 233

pessoas casadas vivendo separadas dos consortes”258. Este conjunto de fatores

dificultava a aplicação dos ideais tão sonhados pelo Concilio de Trento, além da

política do padroado, da escravidão e do próprio contexto geográfico. Mesmo com

as exigências dos párocos não faltaram, no seio da população, aqueles que

caminhavam em oposição: mancebias, solicitações em confissão, bigamia,

prostituição e incestos são alguns exemplos de transgressões de conduta muito

presentes nas devassas diocesanas que levaram à dissolução muitos casais.

O livro de Registro das Denúncias apresenta uma radiografia das

dificuldades e desafios que várias famílias encontraram durante o apogeu e a crise

da mineração em Goiás: concubinato, aborto, violência conjugais e também o

divórcio. Às vezes, fica difícil entender a questão do divórcio em um contexto em que

a Igreja Católica procurava difundir na vida da população os sete sacramentos tão

debatidos no Concílio Tridentino. Entretanto, as minas de Goiás conviveram com

separações e divórcio. O caso de Ritta Gonçalves da Sylva, uma “preta liberta”

casada com Joaquim Appolinario e separada é um exemplo concreto de uma “causa

pendente de Divorcio”. No ano de 1783, ela compareceu junto ao vigário da vara, o

padre João Antunes de Noronha, e assinou o termo de voltar a fazer vida marital

com seu marido. Mesmo voltando para seu esposo, Ritta Gonçalves foi obrigada a

pagar dez oitavas em ouro para as obras pias da Igreja.259 Não se sabem as causas

que motivaram o processo de separação, mas não foi algo muito simples. Do

contrário, o casal não teria cogitado a dissolução do matrimônio.

258 VISITAÇÃO..., loc. cit. 259 BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2, 1753-1794. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 88v.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 234

Quadro 1 - Quadro tipológico de amancebados Figuras Sociais Nº de casos % de casos Grupos Nº

Parentes

Irmão/irmã 1 4,5 Incestuoso 1

Padre/moça solteira 1 4,5 Amanceb. de clérigo 1

Amancebamentos Homogâmicos

Negro/negra forra 1 4,5 Simples 1

Pardo forro/Parda forra 2 9,1 Simples 2

Indeterminados 2 9,1 Simples 2

Amancebamentos Inter-étnicos

Branco/negra escrava 4 18,2 Simples 4

Branco/mulata forra 1 4,5 Simples 1

Branco/parda forra 1 4,5 Simples 1

Branco/negra forra 4 18,2 Simples 4

Pardo/negra forra 1 4,5 Simples 1

Branco/negra forra 2 9,1 Adulterino 2

Branco/índia 1 4,5 Adulterino 1

Índio/Parda forra 1 4,5 Simples 1

Total geral 22 100 22 Fonte: BISPADO DO RIO DE JANEIRO. Registro das denúncias. [Livro utilizado pelos bispos para registrar as denúncias de devassas eclesiásticas]. Livro n. 2. 1753-1794; Rol dos culpados. [Livro utilizado pelos bispos diocesanos para registrar os culpados das devassas eclesiásticas]. Livro n. 10. 1783-1805. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

E por fim chama-se atenção para o quadro tipológico dos

amancebamentos. O quadro 1 é apenas um esboço de uma tipologia de concubinato

que configurou em uma das principais paróquias da Capitania de Goiás no período

da mineração, uma vez que a documentação aborda o período de 1753 a 1805.

Contudo é importante ter critério no julgamento de uma realidade complexa em que

os números das punições ficaram muito aquém de uma crônica que procurou

generalizar o concubinato. Mas atrás dos fatos singulares, como o caso do incesto

entre os irmãos e o caso de concubinato de um sacerdote da paróquia de Santa

Cruz pode haver indicativo de que a “outra família” foi constituída paralela ao

sacramento do matrimônio. Neste sentido, há certo predomínio do concubinato

simples, geralmente esta relação ocorria entre os casais solteiros. Mas o adultério,

mesmo não sendo predominante não deixou de ocorrer entre a população. Imagine-

se a vida dos homens casados distantes das famílias, em uma terra distante e

despovoada e até mesmo as dificuldades afetivas para se manter o pacto da

fidelidade matrimonial.

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CAPÍTULO V – O CONCUBINATO 235

Por outro lado, o quadro 1 apresenta certo predomínio dos intercursos

sexuais que ocorriam entre brancos e negros. Esta tipologia de amancebamento

inter-étnica trouxe grande contribuição ao processo de miscigenação que ocorreu no

povoamento de Goiás. Mesmo com uma amostragem modesta de casos,

envolvendo brancos, escravas e forras, a pesquisa corrobora com a tese de que o

concubinato manteve um “intimo parentesco” com a escravidão indígena e negra.

Esta pesquisa tem mostrado até o momento vários exemplos de senhores que

mesmo casados, possuíam amantes e filhos, dando escândalo público de seus atos,

conforme os depoimentos narrados nos tribunais eclesiásticos. E longe de

circunscrever-se ao circulo estreito dos grandes senhores do Nordeste ou das Minas

Gerais, as práticas concubinárias entre senhor e escrava pareciam igualmente

difundidas no seio de toda população nos sertões de Goiás.

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CCAAPPÍÍTTUULLOO 66

BBAATTIISSMMOO EE CCOOMMPPAADDRRIIOO

O objetivo deste capítulo é examinar as relações sociais do batismo e do

compadrio na população livre e escrava, bem como as implicações desse

parentesco fictício na freguesia de Vila Boa. A pesquisa pretende abordar também

até que ponto os senhores e seus familiares participavam como padrinhos dos seus

escravos? Ou como as relações de concubinato poderiam interferir nas alforrias

destes escravos? Nossa principal fonte de informação são os registros paroquiais de

batismo de livres e escravos da cúria diocesana da cidade de Goiás.

6.1. O SACRAMENTO DO BATISMO

Tendo em vista a importância que a igreja sempre deu ao sacramento do

batismo, ele deve ter iniciado em Goiás, a partir de 1726, com a chegada de

portugueses e paulistas. Além do mais, o primeiro visitador diocesano em 1734 fala

em suspensão e multa de duzentas oitavas de ouro para o padre e o capelão que

admitissem como padrinho de batismo as pessoas que vivessem em concubinato

com a mãe da criança.260

A partir do padre Alexandre até o último visitador diocesano em 1824,

encontram-se várias documentações referentes ao batismo de escravos, indígenas e 260 COPIA dos capítulos da primeira e ultima vezita, q fez o Doutor Alexandre Marquez do Valle, vezitador q foi destas minas de Goyaz. Vila Boa de Goyaz, 1734. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 5.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 237

da população em geral. Em cada documento aparece uma questão relacionada ao

batismo. Padre José Frias de Vasconcelos, por exemplo, chama atenção dos

párocos na instrução dos escravos para receber o batismo e a eucaristia. Em 1751,

Dom Antonio do Desterro publica uma pastoral exigindo que as parteiras soubessem

a forma de batizar.

E porque as mulheres, que tem officio de parteiras devem ser peritas na forma de batizar, madamos ao Doutor Vigário geral, ou da Vara as obriguem com pena de excomunhão a examinar-se com elles da sobredita forma, e approvando-as lhes darão certidão para exercitarem seu officio [...].261

As exigências de Dom Antonio do Desterro em fornecer certificado para

as parteiras, estão de acordo com às exigências tridentinas. Conforme este

documento, o pároco e seus auxiliares deveriam ensinar aos seus fregueses nas

estações das missas a forma de batizar para que ninguém morresse sem receber

este sacramento. No caso das parteiras, deveriam ser afastadas do oficio e das

igrejas até aprender como batizar.262. As parteiras desempenharam importante

função social não só em Goiás, mas em todo Brasil. Além de realizarem partos e

tratar de doenças exclusivamente femininas, possuíam prestígio junto à

comunidade, com seus sábios conselhos. “Assim, elas eram madrinhas de pelo

menos uma criança em cada casa, possuindo dezenas ou talvez centenas de

afilhados na localidade onde residiam”. Mas o fato deste ofício ser praticado em

grande parte por escravas ou seus descendentes indica que esta atividade era

desprestigiada na sociedade. A partir de 1832, as faculdades de medicina criaram

cursos específicos para as parteiras com duração de dois anos (MAGALHÃES,

2004, p. 197-198).

261 PASTORAL de Exmo e Revmo Senhor D. Fr. Antonio do Desterro em q Se acha a reforma de Disciplina Ecclesiastica nestes Goyas, Cuja copia havida de outra freguesia por nesta Se não achar registada aqui fiz transladar, e he da Maneira Seguinte. 1751. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 105. 262 O Título X das Constituições Primeiras da Bahia trata da forma deste primeiro sacramento da iniciação Cristã. Consiste o batismo na externa ablução do corpo feita com água natural e com as palavras que Cristo instituiu por sua forma. A matéria deste sacramento é a água natural, as outras águas artificiais não servem para realização deste sacramento. A forma são as palavras utilizadas na realização deste sacramento: “Eu te baptizo em nome do Padre, e do Filho, e do Espírito Santo”. (VIDE, 2007, [Livro I, Título X]).

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 238

Na realidade, havia grande preocupação por parte da Igreja na difusão do

cristianismo e o sacramento do batismo sempre foi a porta de entrada do fiel a esta

instituição. Com os indígenas não seria diferente. Para Silva e Souza (1978), “cento

e treze meninos foram batizados, de uma vez, no governo de Luiz da Cunha

Menezes” (1778-1783). Além das crianças conta-se o episódio da índia idosa que

chorou e reclamou até ser batizada:

Em conseqüência dessa primeira expedição vieram depois oitenta e oito Caiapós, e depois conduzidos pelos pedestres João Ribeiro e Antonio Lopes duzentos, que vieram a esta Villa e se baptizaram, sendo S. Excelência padrinho de todos os filhos dos caciques, e convidando para os outros as pessoas mais qualificados. (SILVA e SOUSA, 1978, p. 98).

Percebe-se, através deste fato, o grande número de indígenas que foi

batizado na Capitania de Goiás.263. Mas o fato acima revela a influência que o

compadrio exercia na sociedade da mineração. Qual o interesse dos caciques,

escolhendo como padrinhos de seus filhos o governador e as pessoas mais

influentes? Em um contexto de constantes massacres contra as nações indígenas,

as alianças com as autoridades políticas eram sempre uma estratégia na defesa

contra esses genocídios. Silva e Souza (1978) enumera vinte nações indígenas que

viviam na Capitania de Goiás. Houve nações que guerrearam com os povoadores

durante mais de um século. Todavia, a política régia buscava no batismo uma forma

de domar o indígena, convertendo-o ao cristianismo.

Em relação aos escravos, os assentos batismais são enquadrados num

sistema que os reúne em dois grandes grupos: os nascidos no âmbito da sociedade

colonial e os nascidos fora dela. O primeiro grupo organiza-se com base no critério

da cor e o segundo com base no critério de nação/procedência guiné, angola, mina

etc. (SOARES, 2000, p. 35-36). A tabela 14 apresenta a origem geográfica das

mães escravas.

263 O historiador Silva e Souza (1978) recolheu muitos fatos da tradição oral. Nos assentos de batismos que arrolamos para esta pesquisa não encontramos dados que comprovem esta quantidade de indígena batizados no mesmo dia. No entanto, há várias referências de crianças indígenas nos livros de batismos de escravos e livres. No termo de abertura do livro de batismo (número 4) de “brancos, pardos e pretos livres” da freguesia de Vila Boa, em 1805, o padre menciona 37 filhos de indígenas que foram batizados por ele.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 239

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 240

Tabela 14 - Procedência das mães escravas

Fonte: BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2/Livro 3/Livro 4, 1764-1808. Manuscrito.

Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás.

Conforme a tabela 14 há um total de 2176 inocentes batizados na

freguesia de Vila Boa, mas o alvo da atenção são as mães. O importante aqui é

conhecer a nação destas escravas que chegaram a Vila Boa. No período em que se

copilaram os registros de adultos e inocentes, percebe-se que houve várias

mudanças de sacerdotes na paróquia em estudo. Alguns muitos sintéticos e até

negligentes nas anotações. O que confirma isso, foram as observações e as multas

aplicadas pelos visitadores diocesanas na capitania. A pesquisa deixa claro, as

várias regiões do continente africano de que procederam as mães destes neófitos:

Costa da Mina 17%; Angola 8,64%; Nagô 0,37; Congo 0,23%; Guiné 0,09%; Cabo

Verde 0,5%; e Benguela 0,05%.

Em contrapartida, as mães nascidas no âmbito da sociedade colonial têm

em comum o fato de serem privadas de ascendência, pelo menos nas atas de

batismo. São anotadas como crioulas, pardas, pretas, mulatas ou, simplesmente,

“escrava de fulano de tal”. A tabela 14 mostra 31,53% de mães crioulas, 41,45% de

mães não identificadas, 0,14 indígena, o termo mãe gentio aparece uma vez,

Angola 188 8,64Anta 1 0,05Benguela 1 0,05Cabo Verde 1 0,05Cargo de Jaragua 1 0,05Congo 5 0,23Crioulo 686 31,53Gentio 1 0,05Guiné 2 0,09Indígenas 3 0,14Mina 370 17,00Nago 8 0,37Não Identificado 902 41,45Pilar 1 0,05Rio de Janeiro 2 0,09São Félix 1 0,05São Paulo 3 0,14Total 2.176 100,0%

Procedência Qtd %

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 241

algumas nascidas em de São Paulo e Rio de Janeiro. Há referência também das

mães que nasceram na própria capitania: Córrego do Anta e Jaraguá, Pilar e São

Felix. Quanto à cor, encontraram-se 277 mães pardas, 87 pretas e uma mulata. Um

dos exemplos de maior destaque da utilização da cor como critério de organização

dos grupos foi a criação das diversas irmandades. Em relação às mães crioulas, o

seu número é bem expressivo na paróquia de Vila Boa. Corresponde à primeira

geração nascida na cidade e que supostamente, pelos menos nos primeiros anos de

vida, mantém vínculos com a mãe e conseqüentemente com a cultura dominante

(SOARES, 2000, p. 100).

E por fim, a mulher escrava, com o maior registro nas atas de batismo,

41,45%, destaca uma condição em princípio comum a todas. Mas anotadas

enquanto tais são aquelas que não se enquadram em nenhum dos demais casos e

que, por isso, pertencem a uma categoria residual, na qual sua condição é

caracterizada pela falta de qualquer elemento que a distinga. Numa sociedade

escravocrata em que o escravo era visto como uma mercadoria, um objeto alheio,

não havia interesse de conceituá-lo como sujeito, mas “peça de fulano”. houve

muitas mães batizando seus filhos, cujo nome não era registrado nos livros de

batismo.

No tocante ao casamento, os registros de batismo permitem levantar

algumas questões. Embora Antonil (1982) mencione o costume dos proprietários

casarem seus escravos, parece que em Goiás eles não observaram as

Constituições e nem seguiram os vários visitadores diocesanos, que chamaram

atenção para o fato. O número de mães casadas, citadas nas atas do batismo é

bastante reduzido. A idéia de um Brasil bastardo, com exceção dos filhos da elite,

produziu-se através das considerações do “olhar europeu”. Viajantes e cronistas

europeus percebiam com estranheza o numero expressivo de filhos naturais e sua

convivência pacifica com os demais habitantes.

De acordo com Faria (1998), foram as mulheres forras as responsáveis

pela ilegitimidade nas áreas urbanas, rural ou mineradora. Todavia a autora defende

que mais da metade das crianças eram legitimas, isto é, provinham de casamentos

lícitos. Em Vila Boa encontra-se uma grande proporção de filhos naturais na

população escrava. Conforme os dados computados foram realizados um total de

2216 batismos de inocentes em toda freguesia de Santa Ana com suas capelas

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 242

filiais no período de 1764 a 1808. Destes inocentes levados à pia batismal 575

(25,9%) são filhos de escravos casados, 1619 (73,1%) são ilegítimos, ou seja, o

nome do pai não aparece nas atas do batismo; e 22 (1,0%) de crianças expostas.264

No decorrer dos séculos, a igreja procurou regulamentar este

sacramento. Havia um costume de escolher vários casais de padrinhos ou escolher

nossa senhora ou uma santa padroeira local como madrinha. Todas estas práticas

foram proibidas pelo Concilio de Trento, mas muitos desses costumes continuam até

hoje. No Brasil, os ritos da igreja foram codificados no sínodo da Bahia em 1707.

Segundo este código, o pároco devia batizar o recém-nascido até oito dias após o

nascimento. Cada criança devia ter somente uma madrinha com mais de 12 anos de

idade e um padrinho com mais de 14 anos. Os pais da criança eram proibidos de

serem seus padrinhos, bem como os membros das ordens religiosas.

Em Goiás, em quais os locais eram realizadas as celebrações dos

batizados? Não ocorriam somente nas Igrejas matrizes ou sedes das paróquias.

Aconteciam também, nos oratórios das fazendas, nas casas particulares e capelas

filiais. A freguesia de Santa Ana de Vila Boa possuía várias capelas distantes com

capelães sustentados pelo pároco. A tabela 15 nos aponta o número dos adultos e

inocentes que foram batizados. Muitos sacramentos ocorriam nas desobrigas, mas a

maioria acontecia na igreja matriz durante o ano.

Tabela 15 - Local dos batizados Local Qtd.

Aldeia de São José de Mossanedes 7

Capela de N. S. da Abadia de Curralinhos 2

Capela de N. S. do Pilar de Ouro Fino 117

Capela de N. S. do Rosário da Barra 51

Capela de São João do Ferreiro 3

Em Casa 14

Fazenda Cachoeira 1

Engenho Santo Izidoro 16

Sede da Paróquia 2.664

Total 2.875

264 BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2/Livro 3/Livro 4, 1764-1808. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 243

Fonte: BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2/Livro 3/Livro 4, 1764-1808. Manuscrito.

Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás.

O padre, nestes casos, era muitas vezes obrigado a se deslocar

quilômetros para celebrar missas e batismos, retornando após certo tempo para

transcrevê-los nos livros apropriados, na sede da paróquia, e poderia ocorrer a

perda de alguns registros ou de alguma informação. Percebeu-se nas anotações das

atas do batismo que havia uma preocupação em registrar os assentos, seguindo

uma ordem cronológica como dia, mês, ano, nome do inocente ou adulto, pais, e

padrinhos.265 Todavia aparecem muitos casos de inocentes e adultos anotados nos

anos posteriores ao batismo, principalmente os batizados das capelas rurais. Em

tais locais, e em ocasiões como a desobriga, cabia aos párocos efetivar o

sacramento do batismo e lembrar sua importância como “Porta por onde se entra na

igreja católica” e garantia da salvação da alma. Neste sentido, fica fácil a

compreensão dos 14 batizados que foram realizados em casa. Geralmente, isso

ocorria em situações de doença, quando o adulto ou inocente corria riscos de

vida.266 Schwartz (1988) observou na Bahia alguns casos em que uma criança

doente se recuperou e, tendo sido anteriormente batizada por um leigo como medida

de emergência, foi exorcizada deste batismo e recebeu os sacramentos pelas mãos

de um padre. Mas a tabela 16 apresenta para o período de 1764 a 1808 um total de

2664 batismos de escravo na sede da paróquia. Ao passo que a capela filial de Ouro

265 Com relação aos nomes dos batizados, a Constituição Primeira da Bahia orientava para não colocar nomes de santos em crianças e nos adultos que não fossem canonizados pela Igreja. Parece que em Vila Boa, os párocos e seus auxiliares observaram bem estas orientações. Em um total de 787 batismos do sexo masculino destacamos os dez primeiros nomes mais preferidos das famílias escravas: Manoel aparece em primeiro lugar com 16, 8% e em seguida vêm os demais, José com 15,6%, Antonio com 14,2%, Francisco com 14,0%, Joaquim com 11,3%, João com 10,4%, Adão com 6,4%, Luiz com 4,1%, Salvador com 3,9% e Felipe com 3,3%. Para as crianças do sexo feminino foram analisados 674 batizados. Maria despontou com 31,2%, Anna com 17,1%, Joana 9,6%, Francisca com 9,2%, Rosa com 7,0%, Luiza com 6,4%, Antonia 5,3%, Eva com 5,3%, Rita com 4,9% e Joaquina com 4,0%. Havia outras escolhas de nomes como Pedro, Domingos, Ignácio, Miguel, Vicente, Clara, Brígida, Inácia e outros. Além destes, construíam-se também, e com freqüência, homônimos femininos de prenomes masculinos produzindo daí formas insólitas e pouco comuns na atualidade: Thomas-Thomazia; Simão-Simoa; André-Andreza, etc. (Cf. BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2/Livro 3/Livro 4, 1764-1808. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás.). 266 Mas entre os ricos, Debret (apud PRIORE, 2007, p.95) observou que muitas vezes o batismo era realizado no oratório da casa por um eclesiástico amigo da família; neste caso, a cerimônia religiosa constituiu um pretexto para uma reunião brilhante que acontecia à tarde e se alastrava noite adentro, findando com um magnífico chá.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 244

Fino aparece em segundo lugar; e em seguida, a igreja de Nossa Senhora do

Rosário (Barra) com 51 batismos.

As capelas materializavam sentimentos e promessas de seus

idealizadores. Poderiam, pois, nascer de circunstâncias fortuitas e imprevistas.

Lugar para orações diárias, ladainhas, novenas e festas devocionais, as capelas

eram também espaço para a celebração dos sacramentos.267 Deste modo, as

capelas que conseguiam vingar constituíam uma forma de exigência da presença do

sacerdote. Certamente, elas atraíam missionários volantes, mas ainda despertavam

nos colonos que nelas se reuniam a ambição de contar com um capelão ou ter

estabelecido um curato. Isto dependia da boa vontade dos bispos, mas em especial

da capacidade dos colonos de sustentar seu vigário (CASTRO, 2006, p. 124).

A dificuldade da presença de sacerdotes abriu um espaço para

intervenção dos leigos na administração do sagrado. Ermitões, beatos, beatas e

irmãos, por sua condição de leigos, estavam mais preocupados em assegurar a

proteção divina do seu cotidiano do que em cumprir determinações canônicas ou

seguir ortodoxia de dogmas estabelecidos. Decisões como a escolha do padroeiro e

das devoções, a organização das festas e das celebrações religiosas terminavam

por responder às necessidades dos leigos, e não às normas da hierarquia. Assim,

surgiam as capelas dedicadas a Nossa Senhora da Abadia, a Nossa Senhora do

Rosário, a São João Batista, a São José, a Santo Antônio e a Santo Isidoro. As

capelas foram o repositório apropriado para a religiosidade popular portuguesa dos

267 Há uma provisão nos registros da chancelaria do bispado do Rio de Janeiro com a data de 1801, concedendo autorização a uma viúva para poder rezar Missa no Oratório da Capela de sua residência, por um período de quatro anos. ”Diz Dona Petronilha do Amor Divino, viúva que ficou por falecimento de seu marido Custodio Pereira da Veiga, residente no Arrayal de Meyaponte na Capitania de Goyaz: que Ella fez erigir hum Altar decentemente Ornado e separado de usos domésticos; nas Casas de sua residência para nelle se celebrar o Santo Sacrifício da Missa, e poder a sua Família, e Todas as mais pessoas presentes, cumprirem o preceito da santa Igreja nos dias de Santificação”. A princípio, a autorização foi concedida com as seguintes recomendações: primeiro uma inspeção cuidadosa do local pelo pároco Joaquim Pereira da Veiga, segundo não celebrar nenhum sacramento neste oratório nas principais festas religiosas ao longo do ano, nestas ocasiões os fiéis deveriam participar na igreja matriz; e em terceiro lugar, os sacerdotes que prestassem assistências neste oratório deveriam ensinar o catecismo da doutrina cristã para seus fregueses nos domingos, após a celebração da missa. Em caso contrário, o padre seria suspenso das ordens sacras. Dona Petronilha pagou “seis contos e quarenta reis” e por isso obteve informações para celebrar também as festas principais em seu oratório. (Cf. REGISTRO de uma Provisão do Bispo do Rio de Janeiro a favor de Dona Petronilha do Amor Divino para poder rezar Missa no Oratório da Capela de sua residência por tempo de quatro anos. In: REGISTRO de Pastorais e Editais dos Prelados. Visitadores ou Vigários da Vara. Meia Ponte, 1771-1859. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.).

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 245

colonos. Sem vigilância estrita, os colonos desenvolveram uma fé marcada pela

presença do milagroso e do extraordinário. Acreditando ter recebido graças, muitos

devotos, em agradecimento, erigiam capelas e ermidas dedicadas a estes santos.268

Mesmo sendo precárias, as capelas remetiam de forma inconfundível à

presença branca e portuguesa. Era também a representação do poder, do universo

colonial, que se afirmavam aos poucos. Por meio do padroado régio, muitas

paróquias atingiam o status de colação régias com párocos, recebendo côngruas da

Coroa portuguesa. Em 1769, o então governador e capitão general de Goiás, João

Manoel de Melo, escrevia ao rei de Portugal, apresentando uma relação das

paróquias coladas e encomendadas da Capitania de Goiás que estavam ligadas ao

bispado do Rio de Janeiro e do Grão Pará. No tocante à paróquia de Vila Boa,

pertencente ao bispado do Rio de Janeiro, o relatório cita as capelas filiais

mencionadas na tabela acima, e aponta como vigário de Nossa Senhora do Rosário

da Barra, o padre “Domingos Róis de Carvalho”. Além disso, a população aparece

no documento com 5200 pessoas de confissão.269 É importante registrar que neste

mesmo ano foram realizados em toda paróquia 106 batismos de escravos, sendo 42

adultos e 64 inocentes. O baixo número de escravos adultos batizados neste ano foi

resultado do processo de mudanças que ocorreu em Goiás, no final do século XVIII.

Em 1781, dom Luis de Menezes se queixava de que havia anos não se importavam

escravos por falta de dinheiro para pagamento dos prazos. Palacin (1994, p. 70) fala

da diminuição e abandono de grandes massas da população, sobretudo branca,

entre os anos de 1785 e 1804. Os registros de batizados parecem confirmar esta

afirmação. Pela extensão e dinamismo de Vila Boa com suas capelas filiais, há

poucos nascimentos de escravos e livres entre os anos de 1805 e 1808. Esta

pesquisa contabilizou apenas o nascimento de 180 crianças escravas e 451

inocentes da população livre.270

268 A paróquia de Vila Boa foi criada em 1729, recebendo a colação régia em 1758. Além das capelas filias que existiam fora e distante do Arraial de Vila Boa, apontadas pela tabela desta pesquisa havia dentro do povoado muitas capelas filias próximas da Igreja Matriz: capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Capela da Boa Morte, Capela de Nossa Senhora da Lapa, Capela de Nossa Senhora do Carmo, Capela de São Francisco de Paula, Capela de Santa Barbara, Capela de Nossa Senhora da Abadia e Capela de Nossa Senhora das Barracas (CASTRO, 2006, p. 136). 269 CARTA do [governador e capitão-genaral de Goiás], João Manuel de Melo, ao [D José], [remetendo, conforme a provisão de 18 de Janeiro de 1768, as relações das igrejas da Capitania de Goiás que se encontram no distrito do Bispado do Rio de Janeiro e Grão-Pará]. 1769. Caixa 24, Doc. 1534. Manuscrito. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. 270 BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 3/Livro 4, [1805-1808]. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás; BATISMO de brancos e livres. Vila Boa de

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 246

Acredita-se que esta visão geral sobre o sacramento do batismo em

Goiás é suficiente para se analisar as questões referentes ao compadrio e às

implicações sociais do parentesco fictício, através do batismo dos inocentes. É bom

notar que a vida familiar em Vila Boa e nos povoados vizinhos era acompanhada

pela presença de crianças. Apesar das duras condições de vida, primeiro com o

apogeu do ouro e depois com a transição da economia, as crianças tiveram um

papel importante para a formação da família.

Tabela 16 - Batizados de inocentes por condição e sexo Sexo

Condição

276 299 57525,4% 26,5% 25,9%

799 820 1.61973,4% 72,7% 73,1%

13 9 221,2% 0,8% 1,0%

1.088 1.128 2.216100,0% 100,0% 100,0%

Inocentes Legítimos

Inocentes Ilegítimos

Inocentes Expostos

Total

Masculino Feminino Total

Fonte: BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2/Livro 3/Livro 4, 1764-1808. Manuscrito.

Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás.

De qualquer maneira, estes rebentos, frutos de relações clandestinas

incomodaram muito as autoridades do Bispado do Rio de Janeiro, apesar de muitos

elementos do próprio clero ter contribuído para o índice de ilegitimidade em Vila Boa.

Contudo, as atas de batismo arroladas não fazem nenhuma menção aos filhos

espúrios ou sacrílegos. Mas eles existiram apesar do silêncio das fontes e aparecem

em outras documentações e relatos de viajantes. Atrás da figura do pai “incógnito”

existe sempre uma pergunta sobre a paternidade do inocente. Além do mais, a

crônica sobre a quebra dos votos de castidade é muita antiga e remonta os tempos

do padre Nóbrega no inicio da ocupação portuguesa nas terras de Santa Cruz. Por

outro lado, os dados acima não correspondem ao número de crianças existentes

neste período. Os nascimentos nem sempre eram computados, pois muitos anjinhos

morriam antes do batismo. Dos registros de batismo constam apenas as crianças

que sobreviveram, ao menos, por meses ou alguns anos, e que foram batizadas.

Goyaz, Livro 4, 1805-1808. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 247

Isso ajuda esclarecer o reduzido número de crianças que foram levadas às fontes

do batismo em um determinado ano.

6.2. COMPADRIO NA POPULAÇÃO ESCRAVA

Segundo a doutrina e as práticas da igreja católica, o papel dos padrinhos

era vital para a formação da criança. O conjunto de laços entre pais e padrinhos

estabelecia obrigações e dependências mútuas. Ao examinar os laços de compadrio

podem-se observar algumas das formas de interação entre escravos e senhores.

Todavia há uma discussão importante, seguida por Kátia Mattoso (1992, p. 132),

que se tem travado em relação ao apadrinhamento dos escravos, diz respeito à

possibilidade ou não de se interpretar os vínculos estabelecidos com um reforço da

família patriarcal, através dos próprios senhores terem por hábito apadrinhar seus

cativos. Outros trabalhos, seguindo dado indicado por Gudeman e Schwartz (1988),

e discordando da argumentação de Mattoso, demonstram ter sido extremamente

raro o apadrinhamento de cativos por seus senhores. Estes últimos não encontraram

no Recôncavo Baiano, no século XVIII, nenhum caso de apadrinhamento de

escravos por seus senhores. Ana Lugão Rios (1990), que estudou Paraíba do Sul

entre 1872 e 1888, indicou que apenas 0,3% dos escravos batizados tiveram seus

senhores como padrinhos. Para a região de São João Del Rei, constatou-se 1,1%

das crianças cativas batizadas foram apadrinhadas por seus senhores (BRÜGGER,

2007). Apesar da pouca participação dos senhores como padrinhos de seus

escravos é difícil negar valores patriarcais na escolha de padrinhos e madrinhas de

cativos.

Em Vila Boa de Goiás, quer se chamar atenção para dois casos de

proprietário como padrinho e um parente do senhor. O primeiro refere-se a “Rita

Crioula” filha legitima de “Joaquim Mina” e “sua mulher”, escrava do “padre Manoel

José da Rocha” que foi padrinho da inocente, juntamente com “Lourença da Costa

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 248

Santos”.271 Parece se tratar de um alforriado, casado com uma escrava. Ana Lugão

Rios, trabalhando com famílias escravas, em Paraíba do Sul, entre 1872 e 1888,

afirmou que a opção por padrinhos livres e madrinhas cativas teria “sido uma

maneira de conciliar o interesse no status social do padrinho com os cuidados e a

solidariedade de uma madrinha escrava”. Brügger e Tânia Kjerfve (1991, p. 230)

argumentaram que a escolha dos padrinhos parecia prender-se mais a conquistas

sociais, tais como “interferência em possíveis contendas ou facilitação de alforria” -

enquanto a das madrinhas se vincularia mais ao “auxilio no cotidiano de criação dos

filhos”. Daí a opção majoritária por madrinhas cativas. Em São João Del Rei,

Brügger percebe em seus estudos que as madrinhas livres sempre foram preferidas

em relação às cativas e forras.

O segundo caso trata-se de uma filha natural que foi alforriada pela

madrinha na pia do batismo.

Aos 25 dias do mês de agosto de mil oitocentos e cinco na igreja Matriz de Santa Ana de Vila Boa de Goyas, baptizei solenemente e pus os santos óleos a inocente Maria Parda, nascida no mês de junho do presente ano, filha natural de Bebiana Parda e de pai incógnito, escrava de Dona Ana Joaquina de Jesus. Foram padrinhos Jose Patrício de Freitas Correa e Dona Ana Joaquina de Jesus, que forrou à inocente. E para constar lavrou-se este assento, assignado do meu punho. O Vigário cura Inocêncio.272

A inocente é filha de mãe solteira com um “pai incógnito”. A mãe

provavelmente via-se impedida de alguma forma, de indicar a paternidade. Percebe-

se neste caso que a criança teve uma celebração de batismo honrosa com pessoas

importantes de Vila Boa, sendo padrinhos. É bom destacar neste fato que “Dona

Ana Joaquina de Jesus” era a proprietária da inocente. Mas o que motivou esta

ilustre madrinha libertar a sua afilhada? Seriam por acaso os bons serviços

prestados pela mãe? A documentação não deixa claras as causas desta alforria,

mas poder-se-ia supor que a criança seria filha da própria família e talvez até

mesmo sobrinha de “Dona Ana Joaquina”. Afinal, no contexto da escravidão era

comum o relacionamento sexual das escravas com seus próprios senhores e os

271 BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 3, 1794-1834. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás. fl. 91v. 272 BATISMO..., loc. cit.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 249

filhos destes. Às vezes, os próprios pais colocavam-se como “padrinhos” dos seus

filhos como forma de enganar os párocos e continuar na vida em concubinato.

Referente a esta questão, o primeiro visitador das Minas de Goiás chamava atenção

dos párocos e capelães em 1734.

Mando com penna de Suspensão e de duzentas oitavas para obras pias, que nenhum Sacerdote, capellão ou vigário admitta por Padrinho de Baptizado pessoa algua que tenha famma do mesmo Baptizado, ou a tenha de andar amigado com a may do Infante que Se baptiza.273

Estamos de acordo com Stuart Schwartz (1988), quanto à contradição

entre batismo e escravidão. Todavia, os escravos buscavam no rito do parentesco

espiritual, através do compadrio uma estratégia para a convivência desumana no

cotidiano da sociedade colonial.

A tabela 17 aborda o perfil social dos padrinhos na paróquia de Santa

Ana (Vila Boa). As atas de batismo apontam para 1,3% dos proprietários que

aparecem como padrinhos dos filhos de escravos. Mesmo assim, os elementos de

condição masculina levavam uma considerável vantagem em relação às mulheres.

Apenas 0,6% das mulheres proprietárias aparecem como madrinhas nas atas de

batismo, ou seja, de um total 2216 inocentes batizados, 13 são proprietárias. Os

números parecem comprovar a tese de que os escravos pouco escolhiam seus

donos como padrinhos. Neste sentido, o compadrio não serviu para salientar os

aspectos paternalistas entre senhor e escravo, muito menos serviu como vínculo ou

reforço dos mesmos, encontrando-se aí uma oposição entre batismo e escravidão.

273 COPIA dos capítulos da primeira e ultima vezita, q fez o Doutor Alexandre Marquez do Valle, vezitador q foi destas minas de Goyaz. Vila Boa de Goyaz, 1734. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 6.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 250

Tabela 17 - Perfil social dos padrinhos de escravos (inocentes)

Qtd % Qtd %Proprietários(as) ou parente deste 29 (1,3%) 13 (0,6%)

Proprietário(as) da casa exposta 3 (0,1%) 2 (0,1%)

Com ofício ident. / "Donas" 223 (10,1%) 122 (5,5%)

Sem informação 1.481 (66,8%) 885 (39,9%)

Escravos(as) 236 (10,6%) 290 (13,1%)

Forros(as) 181 (8,2%) 451 (20,4%)

Batizados sem padrinho(a) 63 (2,8%) 453 (20,4%)

Total 2.216 (100%) 2.216 (100%)

Classificação Padrinhos Madrinhas

Fonte: BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2/Livro 3/Livro 4, 1764-1808. Manuscrito.

Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás.

Florescendo num contexto de colonização, a escravidão definiu as

condições de produção, lançou sua sombra sobre todas as outras dominações. Os

senhores tinham todos os direitos sobre os escravos, enquanto mercadoria de um

tipo de capitalismo. Por outro lado, o “batismo representa associação à Igreja e

igualdade como cristão e como pessoa em relação ao outro” (GUDEMAN;

SCHWARTZ, 1988, p. 41-45). Na realidade havia uma idéia que a pessoa só se

tornava filha de Deus, por meio do batismo. Estes costumes perduram até hoje em

alguma região do Brasil. Aliás, a idéia da salvação da alma passava primeiro pelo

batismo. Neste contexto, o pagão e o infiel não se salvariam, iriam direto para o

inferno.

Na tabela 17, pode-se perceber que a maioria dos padrinhos escolhidos

era de condição superior à de suas mães. De acordo com os dados pode-se afirmar

que os escravos de Vila Boa preferiam os homens livres para estabelecer relações

de compadrio. Chama-se atenção para a grande porcentagem de padrinhos (66,8%)

que aparecem sem informação do seu perfil social nas atas do batismo. Não se crê

que os padres omitiram as informações destas gentes por esquecimento ou

negligência, mas sejam considerados os “homens livres pobres” que

desempenhavam vários ofícios na sociedade escravocrata. Para as escravas, a

escolha dos padrinhos parecia oscilar, preferencialmente, entre os dois extremos

sociais: padrinhos livres, visando provavelmente possibilidades de ganhos, para

seus filhos e para si, ou cativos, visando reforçar as teias sociais estabelecidas na

própria comunidade negra.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 251

Por outro lado, os homens forros foram os que menos apadrinharam

crianças em Vila Boa. Cerca de 181 (8,2%) crianças contra 236 (10,6%) dos

padrinhos escravos. Para alguns pesquisadores, este grupo se constituía num

segmento social minoritário, à medida que as alforrias eram mais concedidas às

mulheres do que a homens. No entanto, a documentação da capitação de 1804

apontava os negros alforriados e mulatos como o segundo segmento social de

Goiás, totalizando 31% da população.274 Brügger não acredita que apenas o fator

demográfico seja suficiente para explicar esta constatação.

Deve-se considerar a própria compreensão do compadrio como uma aliança para cima, ou seja, com segmentos sociais de algum modo, situados na hierarquia social, em patamares mais elevados que o da mãe da criança. (2007, p. 286)

É importante ter a consciência que a liberdade era o primeiro atributo da

distinção social numa sociedade escravista. Daí a preferência das mães escravas

pelos padrinhos livres, ou seja, 66,8% em relação às demais categorias jurídicas dos

envolvidos. Neste sentido, a paternidade espiritual por meio do batismo era de suma

importância para as estratégias de convivência no mundo da escravidão.

Mas a tabela 17 chama atenção também para um segundo aspecto na

relação de compadrio que envolvia os escravos de Vila Boa: cerca de 10,1% ou

seja, 223 dos padrinhos livres aparecem nos livros de batismo de escravos com

profissão identificada. Afinal, quem eram esses homens que apadrinhavam os

inocentes? Há expressões indicativas de algum prestígio social junto aos seus

nomes, tais como patentes militares, cargos políticos, cargos administrativos,

membros do clero e outros ofícios. Na realidade, os sacerdotes faziam questão de

destacar os ofícios de prestigio que alguns elementos desfrutavam em Vila Boa.

Assim apareciam nas atas de batismo: “alferes”, ”agregado”, “cabo”, “capitão”,

“coronel”, “tenente”, “sacerdote secular”, “soldado dragão”, “cirurgião mor”, “major”,

274 Luis Palacin (1994, p. 77) afirma que a mistura da raça forçada pelas circunstancias fica evidente comparando os dados de capitação de 1741 com o censo de 1804. A capitação de 1741 apontava para quase onze mil escravos na Capitania de Goiás. Destes, apenas 120 negros e mulatos eram alforriados. Em 1804, este grupo constituía a segunda categoria, com 31% da população.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 252

“sargento mor”, “doutor intendente”, “governador da capitania”, etc.275 O que levaria

as mães solteiras e os casais de escravos buscarem o compadrio nestes grupos?

Para as mães escravas, a escolha destes padrinhos com oficio de prestigio

representava ainda mais uma “aliança para cima”, uma vez que o simples fato de

escolher padrinhos livre já acrescentava em ganhos sociais.

Brügger (2007, p. 289) observou também em São João Del Rei que os

homens livres apadrinhavam mais filhos ilegítimos de escravas do que legítimos.

Para a pesquisadora, os pais dos filhos ilegítimos “interferiam nas escolhas dos

padrinhos, ligados à sua teia social”. Na capitania de Goiás há evidência que muitos

pais foram padrinhos dos seus próprios filhos, desrespeitando as orientações da

Igreja. Sobre este aspecto, os bispos do Rio de Janeiro foram persistentes nas

orientações aos sacerdotes, e chegaram até acusar os párocos de negligência em

aceitar, como padrinhos de batismos, os próprios pais dos inocentes.

E porque muitos concubinatos para enganarem os Parochos se fazem compadres huns de outros, parecendo-lhes que com esta capa podem viver juntos: Mandamos q com estes uzem o dito assima, e alem disto no Baptismo não admitão por Padrinhos aquellas pessoas, q Souberem ficão compadres do seo delicto pela experiência que temos de q isto he pretexto para continuarem no seo peccado, com mais liberdade, e mais gravidade; e admitindo estas pessoas serão castigadas ao nosso arbítrio.276

Faria (1998, p. 322) defende a tese que as relações de compadrio eram

escolhas dos escravos. Na sua visão, dificilmente os senhores escolhiam escravos

de outros proprietários como padrinhos dos seus cativos. Em relação aos padrinhos

escravos na freguesia de Vila Boa, eles superaram os forros. Representaram 10,6%

em relação aos demais, totalizando 236 padrinhos de inocentes. Tudo isso é uma

demonstração clara que as relações sociais ocorriam também entre os elementos da

mesma condição jurídica: “escravos serviam de padrinhos para escravos”. Contudo,

275 Observei na análise referente ao perfil social dos padrinhos dos escravos (1805-1808) os seguintes ofícios dos 178 batismos: agregado, apareceu uma vez; alferes, 4; cabo, 1; capitão, 6; tenente coronel, 8; sacerdote secular, 8; soldado dragão, 1; escravos, 19; libertos, 2; sem informação, 128 vezes. 276 PASTORAL de Exmo e Revmo Senhor D. Fr. Antonio do Desterro em q Se acha a reforma de Disciplina Ecclesiastica nestes Goyas, Cuja copia havida de outra freguesia por nesta Se não achar registada aqui fiz transladar, e he da Maneira Seguinte. 1751. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. fl. 104.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 253

a escolha de padrinhos cativos não significava o abandono da lógica da busca de

alianças “para cima”, antes, poderia reforçá-la. Robert Slenes (1997), trabalhando

com a região paulista, no século XIX, constatou que escravos domésticos ou que

possuíam algum tipo de qualificação profissional eram preferidos, em relação aos

escravos de roça, com padrinhos de cativos. Mas a escolha dos escravos por outros

escravos como padrinhos nem sempre agradaram as autoridades na América

Portuguesa. Para Slenes (1997, p. 271), a construção pelos escravos de relações de

compadrio demonstra a “necessidade, num mundo hostil, de criar laços morais com

pessoas de recursos, para proteger-se a si e aos filhos”. O autor cita exemplos de

escravos que puderam contar com favores de compadres e padrinhos, sobretudo

para obtenção de alforria.

A tabela 17 alerta para os batismos realizados sem a presença de

padrinhos, contrariado as orientações das Constituições Primeiras do Arcebispado

da Bahia. Num total de 2216 inocentes, apenas 63 (2,8%) aparecem nas atas do

batismo sem a indicação do nome do padrinho. Por outro lado, a ausência das

madrinhas é assustadora, 453 (20,4%) das crianças não têm madrinha. Concorda-se

com Brügger (2007) que justifica a ausência dos padrinhos por motivos de doenças

das crianças. Nestas situações, os batismos eram realizados em casa. Muitas vezes

a própria parteira batizava o recém nascido que corria riscos de vida.277

Se tais circunstâncias explicam a ausência dos padrinhos, o mesmo não

se pode dizer em relação às madrinhas. Estiveram ausentes em 20,4% dos

batizados. A maior ausência de madrinhas do que de padrinhos parece ser uma

indicação de que o papel desempenhando pelo padrinho era mais importante do que

o realizado pela madrinha. Contudo, as atas de batismo apontam algumas situações

curiosas. Há casos que aparecem indicações de duas mulheres em substituição do

padrinho ou o inverso, dois homens substituindo a madrinha.

No tocante às madrinhas, na tabela 17 há boa porcentagem de mulheres

livres, que levaram as crianças às fontes do batismo. A quantia ultrapassa os 65%

das mulheres livres e libertas que foram escolhidas pelos casais de escravos e as

277 Entre as muitas crianças que receberam o batismo em casa, quero destacar a inocente Maria, filha de escrava de Dona Josefa Alves dos Santos. O batizado aconteceu aos oito dias do mês de setembro de 1808. O assento de batismo não apresenta nenhuma informação sobre o padrinho e a madrinha, e muito menos a mãe que aparece como escrava de Dona. (Cf. BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 3, 1794-1834. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás. fl. 112.).

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 254

mães das crianças ilegítimas como madrinhas. Consideram-se também como livres

ou libertas as madrinhas que aparecem nas atas do batismo sem informação da sua

condição jurídica, uma vez que os padres faziam questão de ressaltar nas atas

batismais a condição de escrava da mãe ou da madrinha da criança. Há alguns

casos em que a referencia à mãe foi simplesmente “escrava do capitão fulano de

tal”. Neste sentido, as 885 (39,9%) das madrinhas que aparecem sem informação da

condição social não podem ser classificadas como escravas.

Mas de qualquer forma, a tabela 17 dá uma indicação que os escravos de

Vila Boa tiveram preferência em estabelecer relação de compadrio com as mulheres

livres daquela paróquia, uma vez que as madrinhas escravas aparecem com um

porcentual de 13,1% dos batizados. Tarcísio Botelho (1997), também percebeu em

Montes Claros (século XIX) uma grande preferência por madrinhas livres, ao passo

que as madrinhas escravas apareciam pouco. De acordo com o autor, entre 1815 e

1819, 8,2% das madrinhas eram cativas e 83,5% eram livres; entre 1840 e 1844,

13,7% eram escravas e 70,3% livres; entre 1872 e 1876,14,8% cativas e 72,8%

livres (BOTELHO, 1997, p. 113).

É importante notar que, assim como se observou em relação aos

padrinhos, também as proprietárias das mães das crianças muito raramente foram

suas madrinhas. Apenas 13, ao longo de todo o período, representando 0,6% dos

batizados de filhos de escravos. Em relação aos expostos, parece que os

proprietários seguiram as orientações das Constituições Primeiras. Conforme as

determinações do Arcebispado da Bahia, os pais não poderiam servir de padrinhos

dos seus próprios filhos. E aqueles que acolhiam os expostos em suas casas

acabavam assumindo as funções dos próprios pais biológicos. Daí os três casos de

padrinhos, (0,1%) e duas madrinhas (0,1%). Mas parece que estes índices se

alteram conforme as regiões do Brasil. Alguns pesquisadores observaram que estes

padrinhos construíram relações mais sólidas e que dificilmente, as crianças

abandonavam seus criadores (BRÜGGER, 2007, p. 302). E há hipótese destes

expostos serem filhos de relação de concubinato. Em Piracicaba, alguns expostos,

que foram apadrinhados pelos próprios proprietários e familiares das casas

expostas, ficam sob suspeita de serem frutos de relacionamento clandestino. Neste

contexto, questionava Bacellar (2001 p. 223): “Seriam essas crianças expostas

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 255

nascidas de concubinato desses filhos, que traziam para a casa de seus próprios

pais os frutos de seus tratos sexuais anteriores ao casamento”?

Esta hipótese é bastante contundente, uma vez que os bispos do Rio de

Janeiro já haviam alertado os sacerdotes da Capitania para o perigo dos pais serem

padrinhos dos próprios frutos do pecado em que se encontravam. Observam-se

através da documentação alguns exemplos de expostos que tiveram como

padrinhos seus próprios criadores. O secretário de governo Diogo Luiz Pereira

apadrinhou a inocente Maria, batizada em 12 de dezembro de 1765, que foi

abandonada às portas de sua casa.278 Já, a inocente Antonia exposta na casa de

Manoel Vaz de Almeida foi batizada em 17 de agosto de 1766, sendo apadrinhada

pelo irmão do referido proprietário, José Vaz de Almeida.279 Fica difícil fazer um

julgamento destes dois casos, mas a imaginação leva a várias conjecturas. Não

estaria Diogo Luiz, apadrinhando sua própria neta ou até mesmo sua sobrinha? A

mesma questão deve se fazer sobre a inocente Antonia. Quais os motivos que

levaram o proprietário escolher o irmão como padrinho da enjeitada?

Os registros de batismos deixam claro que, também para as madrinhas,

os escravos de Vila Boa parecem ter privilegiado critérios de seleção que

viabilizassem alianças “para cima”, mais do que horizontais. Referências de prestigio

social antes dos nomes, tais como dona, estiveram presentes na designação de 122

madrinhas livres, provavelmente mulheres brancas desta sociedade, representando

5,5%, índice inferior a dos padrinhos.

Em relação à escolha de madrinhas, as mulheres forras aparecem com

um alto índice de preferência nas famílias escravas de Vila Boa. Cerca de 450

mulheres libertas foram escolhidas como comadres pelos cativos, representando

20,4%, índice superior aos homens forros, escolhidos por compadres (8,2%). “As

relações comadrescas não eram incomuns entre libertas, entre elas e as escravas

ou até mesmo, entre elas e as mulheres brancas”. Para Paiva (1995), as forras

acabaram conquistando, na sociedade colonial, liberdade e autonomia jamais

conquistadas pelas mulheres brancas e ricas que ostentavam títulos de “donas e

senhorinhas”. Para solucionar o problema imediato da sobrevivência após a

278 BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2, 1764-1787. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás. fl. 19v. 279 Ibid., fl. 34v.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 256

escravidão, elas se valeram de todas as atividades. Principalmente, “os tabuleiros e

as vendas de secos e molhados”, estiveram concentrados nas mãos delas até o final

do período colonial. Neste sentido, eram importantes para os escravos as relações

de compadrio com as mulheres forras.

6.2.1. AS ALFORRIAS NA PIA BATISMAL

Embora não seja grande o número de crianças que receberam alforria

nas fontes do batismo na freguesia de Vila Boa, os 60 casos encontrados merecem

algumas considerações. Crê-se que o número dos recém-nascidos libertos seja

maior do que o registrado nos livros de escravos durante o período de 1764 a 1808,

mas algumas lacunas acabam prejudicando a pesquisa. No entanto, a tabela 18

apresenta algumas evidências que deixam transparecer as relações de concubinato.

Vejam-se os números que a tabela aponta:

Tabela 18 - Alforrias na pia batismal Casos Qtd. %

Madrinha 5 8,33%

Não identificado 19 31,67%

Padre 1 1,67%

Padrinho 5 8,33%

Pai 4 6,67%

Senhor da madrinha 1 1,67%

Senhor da mãe 25 41,67%

Total 60 100,00% Fonte: BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2/Livro 3/Livro 4, 1764-1808. Manuscrito.

Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás.

Um dos primeiros aspectos para o qual a tabela 18 chama atenção,

refere-se às crianças que receberam a liberdade pelo proprietário da mãe, cerca de

25 inocentes (41,67%). Mas estes dados podem aumentar se se levarem em conta

os alforriadores que não aparecem claro nas atas de batismo. De qualquer forma, o

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 257

que realmente motivava os senhores a alforriar seus escravinhos num contexto em

que uma grande escravaria representava poder e prestigio social? Para alguns

autores, a concessão de liberdade no mundo do cativeiro foi uma estratégia de

sobrevivência da própria instituição da escravidão. Mas, às vezes, os frutos gerados

de uma relação de concubinato ganhavam também a liberdade no dia do batismo.

Neste sentido, percebem-se as alforrias concedidas pelo próprio pai a duas filhas.280

Trata-se de Antonia e Tereza, filhas naturais de Manuel Álvares de Moura com suas

escravas Jacinta e Ana. Já se referiu em outra parte desta pesquisa a estes

batizados que foram celebrados na Igreja de Santa Ana entre os anos de 1772 e

1774.281

O fato de pais brancos aceitarem e reconhecerem a paternidade de filhos

tidos com “pretas e mulatas”, muitas vezes suas escravas, fez com que muitas

dessas crianças fossem alforriadas no berço, o que irritou profundamente as

autoridades e mesmos alguns dos “homens bons” da comunidade que não

consentiam, nem pensavam fazer o mesmo. Em uma pesquisa nos registros de

batismo de escravos e livres em Diamantina, em Minas Gerais (1736 a 1740), Julita

Scarano (2007, p. 122) destacou várias crianças filhos de “pai incógnito” que foram

alforriados na celebração do batizado. Para a historiadora, a maioria destes pais

negou-lhes paternidade, mas libertaram esses inocentes. Esta mesma realidade

constatou-se nos registros de escravos da paróquia de Vila Boa, atual cidade de

Goiás.

Esse aspecto das alforrias desagradou a muitos, sobretudo às

autoridades, que viam como perigoso o fato de se concederem alforrias às mães dos

filhos tidos fora do casamento. No entanto, os cálculos da população de Vila Boa, no

final do período colonial, apontam para uma maior quantidade de mulheres “pretas”

forras do que de homens “pretos” forros. Muitas mulheres, não apenas por causa da

280 Além dos casos de concubinato, destacam-se duas crianças que foram alforriadas na Pia Batismal pelo próprio pai: 1) Francisco filho legitimo do pardo forro Ignácio Leite e Efigênia parda, escrava de Sebastião Cândido. Foram padrinhos, Francisco Teixeira e Maria Rodrigues. O pai pagou “30 oitavas de ouro” para forrar o inocente. (2) O segundo caso refere-se a um exemplo típico de concubinato entre os escravos solteiros, o preto Mina, Antonio Pires das Neves e Maria Angola. Foi escravos de proprietários diferentes, ele, de Manoel Pires das Neves, e, ela da viúva, Úrsula Maria de Souza. Os padrinhos foram Matias da Costa Nunes e Perpétua Maria de Souza. No entanto, foi o pai de Maria Angola que pagou 32 oitavas de ouro para libertar a mãe e o filho. (BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2, 1764-1787. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás. fl. 261v.). 281 BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2, 1764-1787. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás. fl. 146f/176v.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 258

maternidade, mas também por prostituição se viam alforriadas e algumas delas

chegaram mesmo a ser proprietárias de bens, inclusive de escravos. Nos registros

de batismo aparecem várias referências às mulheres “pretas” forras ou “pardas”

como proprietárias de escravos.

As notícias sobre a Capitania de Goiás, em 1783, apontam para um maior

número de mulheres “pretas” forras do que de homens “pretos” forros no mapa das

pessoas “existentes” em Vila Boa. Vejamos a tabela 19:

Tabela 19 - População adulta de Vila Boa de Goiás

Fonte: NOTÍCIA Geral da Capitania de Goiás, 1783. In: BERTRAN, Paulo (Org.). Notícia geral da

Capitania de Goiás. Goiânia: Ed. da UCG; Ed. da UFG; Brasília: Solo Editores, 1996. p. 113.

Quanto aos pardos livres, encontra-se um relativo equilíbrio entre homens

e mulheres. Ao passo que os homens brancos são bem mais numerosos dos que as

mulheres brancas. O pequeno número de mulheres brancas facilitava as relações de

concubinato dos senhores com as suas escravas e também com as mulheres

“pretas” forras e pardas. Já se apontou em outra parte desta pesquisa sobre o

grande crescimento dos negros livres e mulatos no início do século XIX.

Os registros de batismos apresentam também alguns casos de alforrias

na fonte batismal com certa suspeita de relacionamento consensual, envolvendo

proprietários com suas escravas. Geralmente, nesses casos, em que se envolviam

pessoas de destaque da sociedade ou o nascimento era fruto de adultério, só

aparecia o nome da mãe do inocente e a denominação de “pai incógnito”. Assim

Ricardo filho natural de “Ana Parda”, escrava do “capitão Antonio Carlos da Rocha”

Descriçao Qtd.Homens pretos forros 269Homens pardos 606Homens brancos 825Mulheres pretas forras 535Mulheres pardas 644Mulheres brancas 591Pretos, pretas, pardos e pardas cativos1.689Total 5.159

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 259

foi alforriado pelo mesmo assim que “foi batizado”282. O mesmo ocorria com a

inocente Francisca filha de “Pai Incógnito” e de “Joana de Bastos”, escrava de

“Antonio Gomes de Oliveira” que alforriou esta criança no batismo.283 Até mesmo os

libertos alforriavam os frutos de suas relações consensuais. O inocente “José” filho

de “pai incógnito” foi alforriado pelo proprietário de sua mãe, o “pardo forro

Raimundo da Silva”.284).

As suspeitas de concubinato também ocorriam por meio de certas

expressões muito utilizadas pelos senhores que alforriavam os filhos de suas

escravas. Destacam-se algumas palavras, que aparecem nas atas do batismo: “foi

liberto em atenção aos bons serviços prestados pela mãe”; “de sua livre vontade e

sem constrangimento algum pelos bons serviços prestados pela sua escrava; “o

senhor da dita a forrou gratuitamente”. No contexto da escravidão, os bons serviços

desempenhados pelas escravas referiam-se a uma série de atividades como a velha

expressão, o “servir a mesa, cama e banho”. É claro que estava incluída nestes

trabalhos das escravas, a satisfação dos desejos sexuais dos senhores e suas

parentelas. Assim, em 1777, o inocente João filho de “pai incógnito” e de “Maria

Cabra”, escrava de “Joaquim Moreira”, era libertado em “atenção aos bons serviços

prestados pela mãe”. É interessante observar neste fato que o próprio proprietário

da mãe suspeito de ser o pai da criança foi também padrinho de batismo. Neste

mesmo ano, ficava também liberto o recém-nascido José, filho de “pai incógnito” e

de Francisca Mina, escrava de Lourenço da Cruz que alforriou seu escravinho de

“sua livre vontade e sem constrangimento algum pelos bons serviços prestados pela

escrava”. Os padrinhos escolhidos para o batismo do referido inocente foram

Antonio da Cruz, um provável parente ou até mesmo o próprio filho do proprietário e

Ana da Costa de Oliveira, preta mina.285 Também o inocente “Tomas”, filho natural

de Francisca Mina recebeu a liberdade do proprietário de sua mãe, o “oficial de

pedreiro” Lourenço da Cruz, em 1779. O parentesco espiritual neste fato foi marcado

pela escolha de um padrinho escravo com uma madrinha liberta.286 Neste mesmo

ano, a inocente Felícia recebeu também sua carta de alforria “gratuitamente” pelos

282 BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2, 1764-1787. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás. fl. 23v. 283 Ibid., fl. 98f. 284 Ibid., fl. 119f. 285 BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2, 1764-1787. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás. fl. 208v. 286 Ibid., fl. 236f.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 260

bons serviços que a escrava Ana Maria Angélica prestava ao seu proprietário, José

de Oliveira Amado.287

As alforrias na Pia Batismal não eram somente atributo de alguns

senhores, às vezes, as proprietárias também libertavam os filhos de suas

escravas.288 Embora se tenham encontrado apenas oito casos num longo período de

mais de 44 anos. Merece destacar aqui a alforria que a recém-nascida Maria

recebeu da proprietária de sua mãe, “Ana Maria dos Prazeres”, sendo padrinho

“Manoel Teixeira” e a madrinha, “Escolástica dos Prazeres”.289 À primeira vista

parece tratar-se de um parentesco próximo da proprietária com a madrinha da

criança. A hipótese mais provável é que a madrinha tenha sensibilizado a sua família

para a alforria da criança. Também o inocente “Manoel” filho de “Micaela”, escrava

de “Margarida Felipe Gomes, ”foi alforriado no batizado pela referida senhora.290 O

mesmo ocorria com “Roque” filho da escrava “Antonia Mina”, alforriado por uma

mulher liberta, “Antonia Teixeira”, senhora de sua mãe. De acordo com a referida

proprietária, o “inocente estava livre para sempre e sem constrangimento algum”.291

Os proprietários poderiam também alforriar os filhos dos escravos como

gesto de gratidão pelos bons serviços prestados pela mãe. Assim ocorria com o com

“Francisco” filho natural de “Efigênia Crioula”, escrava da viúva “dona Ana Maria

Ferras” que libertou o inocente “para sempre”.292 O mesmo ocorria com “Rita” filha

do casal “Felix Pardo” e “Hilária Crioula”, escrava de “dona Josefa Vieira de Matos”

que alforriava a inocente em 1784. Os padrinhos escolhidos para esta criança foram

o tenente “José da Silva”, homem pardo casado, e a solteira, “Maria Francisca

Xavier do Rosário”.293

De qualquer forma, as alforrias na fonte do batismo foram uma das

estratégias que muitos escravos encontraram para conquistar a tão sonhada carta

287 BATISMO..., loc. cit. 288 Não foram somente as criancinhas que receberam alforrias na fonte do batismo, às vezes ocorria também com os escravos adultos. Quero chamar atenção para um único caso que encontrei: trata-se de Manoel que foi batizado no dia primeiro de outubro de 1780 e foi alforriado pela sua senhora Joana Antonia da Silva, sendo padrinho o “preto liberto” José Mendes de Almeida. Quais os interesses do gesto desta senhora? (Ibid., fl. 246v.). 289 Ibid., fl. 205. 290 BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2, 1764-1787. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás. fl. 218v. 291 Ibid., fl. 234v. 292 Ibid., fl. 288f. 293 Ibid., fl. 291f.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 261

de liberdade. Neste sentido, os dados ultrapassam os números apontados pela

tabela 19 de senhores que alforriaram os seus cativos. Por trás de muitas

expressões tais como: “ficou livre para sempre”, “foi alforriado no batismo”, “foi

liberto gratuitamente”, estava um senhor que alforriava o seu cativo. Os sacerdotes,

às vezes, apressados com árduo oficio de transcrever todos os acontecimentos que

envolviam o cotidiano da população, do nascer ao morrer, simplesmente, deixam

oculto a ação de muitos homens e mulheres. Neste sentido, aparecem os 31,37%

casos de alforrias, em que não se identifica quem de fato libertou a criança:

padrinhos ou proprietários no caso da escrava, que foi batizada em casa por correr

riscos de vida e alforriada, exemplificam melhor o fato. Trata-se da recém-nascida

Joana filha de “pai incógnito”, escrava “João Rodrigues Lobato”, cujo padrinho foi

“João Álvares da Cunha”294. Os assentos de batizo não esclarecem quem de fato

libertou esta inocente.

Mas a tabela 18 apresenta um segundo aspecto bastante debatido pelos

historiadores, que investigam a relação de compadrio entre os escravos: Até que

ponto os padrinhos e madrinhas influenciaram nas alforrias de seus pupilos? Se se

observarem os dados computados, foi pequenina a influência, os índices são

modestos. Apenas cinco casos de madrinhas e cinco de padrinhos que aparecem na

tabela 18. Muitas mães escravas buscavam nas pessoas de prestígio da sociedade

certa proteção para os seus rebentos. Assim “Manoela Crioula”, escrava de Ignácio

Barbosa Lima, escolheu para padrinhos do recém-nascido João, o “sargento mor

Antonio de Morais” e “Ana Joaquina”. O padrinho deu a “liberdade” para o afilhado

no batismo.295 Margarida “Parda”, escrava do “capitão Damião José de Sá Pereira”,

escolheu para padrinhos de Maria, “João Ferreira de Souza” e “Dona” Ângela

Ferreira de França que alforriaram a inocente no dia do batizado.296 Já, Francisca

“Mina”, escrava de Manoel J. Ferreira convidou para padrinho de Faustina,

Francisco Antonio de Paula que “pagou junto a pia do batismo 32 oitavas de ouro”297

294 Ibid., fl.133f. 295 BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2, 1764-1787. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás. fl. 59f. 296 Ibid., fl. 106v. 297 No final do século XVIII foi apresentada uma lista dos 240 escravos dos bens móveis do falecido Capitão Francisco Xavier Leite de Vellasco (Fazenda Santo Izidro). A documentação apresenta uma relação completa dos nomes dos escravos e de seus filhos que nasceram nesta fazenda, e também os ofícios que eles praticavam. O preço que valia cada escravo é bastante variável. Há uma primeira lista que apresenta100 escravos masculinos, onde um cativo por nome “Alexandre Mina” (ferreiro) foi avaliado em 140 oitavas de ouro, ao passo que outro escravo por nome “Salvador” (pedreiro) custou

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 262

para libertar sua afilhada.298 O mesmo ocorreu na “Aldeia de São José de

Mossamedes” com “José Vaz de Almeida” e sua esposa “Joana Perpétua” que

apadrinharam e pelo pagamento de “uma quarta de ouro” libertaram Joana, escrava

de Antonio Martins de F. Carvalho.299

Também os sacerdotes seculares podiam ampliar seus laços familiares,

por meio do compadrio. Muitas escravas buscavam nestes homens de fé, as

bênçãos matériais e divinas. Por outro lado, os padres eram homens solteiros e, via

de regra, não possuíam descendentes como herdeiros forçados. A sua escolha

como padrinhos, portanto, poderia visar auxílios materiais aos afilhados, tanto

durante a vida como forma de legados testamentários. Assim “Ignes Parda”, escrava

de Ana Maria, escolheu para apadrinhar seu filho, o padre Francisco Xavier de

Aguirri, que libertou o recém-nascido, Manoel, filho de “pai incógnito”.300 Eugenia

“Mina”, escrava de “João Ferreira Cabeção”, escolheu para batizar a inocente

Feliciana, o padre “João Amorim” e dona “Joana Maria da Conceição”, que

libertaram a criança.301 Já, Feliciana, escrava de “Cristóvão José de Farias Araújo”,

convidou para apadrinhar a pequena Ana, o padre “José Dantas do Amorim”.302 O

mesmo ocorria com Maria, escrava de “Hortência Cardoso”, que foi alforriada pelo

apenas 10 oitavas de ouro. Quanto às mulheres, foram computadas 18 escravas. A mulher mais cara, “Maria da Grassa Mina”, por exemplo, foi avaliada em 100 oitavas de ouro, enquanto, “Josefa Mina” foi avaliada em 30 oitavas. Mas a documentação apresenta também, nove crianças nascidas neste engenho: “Joaninha Crioula”, filha de Luis Angola, foi avaliada em 40 oitavas de ouro, mas “Antonio Cabrinha”, filho de Rita Crioula foi avaliado em 30 oitavas de ouro. O documento apresenta ainda 18 escravos e oito escravas que foram tomados dos devedores deste engenho. (Cf. OFICIO do Mestre de campo, comandante do Regimento General e da Cavalaria Auxiliar de Goiás, Joaquim Pereira de Velasco e Molina, ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, remetendo o requerimento e documentos solicitando a restauração do seu crédito de honra, através da formalização da culpa dos herdeiros de seu tio, o capitão-mor Francisco Xavier Leite de Velasco, e queixando-se das calúnias feitas por estes herdeiros. 1784. Caixa 35, Doc. 2159. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.). Para Scarano (2007, p. 113), o escravo bem valioso e apreciado era aquele que tinha de 15 a 24 anos, visto como o mais capaz e em melhores condições de exercer o fatigante trabalho da mineração. Idade inferior a essa era vista como desvalorizada e recebia nas listas de escravos o nome de “moleque”, com campo de trabalho mais restrito e por isso pouco apreciado e de muito menor valor. Outra idade bem aceita era de 24 a 35 anos, considerado idoso ou quase a partir desta data. Na lista dos escravos da fazenda Santo Izidro há várias referências de homens e mulheres “sem valor”, por exemplo, o escravo “Domingos Vermelho Velho” e a escrava “Maria Paulista”. 298 BATISMO..., op. cit., fl. 130f. 299 BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2, 1764-1787. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás. fl. 292v. 300 Ibid., fl. 135f. 301 Ibid., fl. 137v. 302 Ibid., fl. 153f.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 263

padre “José Cardoso”.303 A grande maioria destas crianças era resultado de amores

clandestinos entre as escravas com os seus senhores e os familiares destes. Mesmo

os sacerdotes que deveriam zelar pelo “bom comportamento moral” da população,

às vezes, se deixavam levar pelas “tentações da carne”. Tudo isso resultou em

muitos nascimentos de filhos de “pai incógnito,” que os sacerdotes, por precaução,

preferiam deixar oculto nos assentos de batismos.

Pesquisas realizadas em São João Del Rei apontaram 69 sacerdotes

apadrinhando escravos e livres. O grande destaque destes sacerdotes foi o padre

Antonio Gonçalves Siqueira que apadrinhou 188 pessoas dos diversos grupos

sociais, apesar sua pobreza verificada em seu testamento (BRÜGGER, 2007, p.

304-305). Em Vila Boa, constataram situações semelhantes, alguns sacerdotes

compareceram várias vezes a Igreja Matriz para apadrinhar seus afilhados. Contudo,

o nosso foco é para os envolvidos nas alforrias de batismo.

Os padres, muitas vezes, alforriavam também os filhos de suas escravas,

resultados de relações de concubinato. A libertação do inocente Faustino é indício

de relação consensual entre o padre João de Souza e sua escrava Maria Crioula.

Apesar de a escrava ter escolhido os padrinhos, José Joaquim de Barros e “dona

Belizaria, foi o padre que alforriou o bebê.304 Quanto aos padrinhos, há um

descumprimento claro das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, em

quase todos os exemplos só apareceu um dos padrinhos.

Por outro lado, não faltou por parte de muitas mulheres, certo

desempenho nas alforrias de muitos escravos. Escolhidas como madrinhas, elas

utilizaram suas influências e dos espaços conquistados em favor de muitos cativos.

Assim a inocente Joana filha de “pai incógnito” era alforriada pela sua madrinha,

“Joana Cocha de Sá”, que pagou “trinta e duas oitava de ouro” ao “alferes Manoel

dos Santos Souza”.305 Rosa da Fonseca Cardoso pagou “duas oitavas de ouro” para

libertar a recém-nascida Maria, escrava de Maria da Costa Barbosa”.306 Também

Lauriana Ribeiro de Faria “pagou 32 oitavas de ouro” aos proprietários, Manuel Vaz

303 BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 3, 1794-1834. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás. fl. 106v. 304 BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2, 1764-1787. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás. fl. 230v. 305 Ibid., fl. 2f. 306 Ibid., fl. 45v.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 264

e sua esposa Izabel Antunes, para libertar a recém-nascida Rita, filha de Angélica

Crioula.307

Há alguns casos na freguesia de Vila Boa de proprietários e seus

familiares alforriarem seus afilhados nas celebrações de batizados. O casal

Francisco e Felizanda, escrava de Teodoro da Silva Guimarães, escolheu como

padrinho da pequena Joaquina, Luiz da Silva Guimarães. As interpelações do

padrinho em favor da inocente resultaram numa carta de alforria.308 Afinal das

contas, o senhor da escrava poderia ser um irmão, um filho ou o próprio pai do

padrinho se se compararem os nomes. Algo semelhante aconteceu também com

Rosália, escrava de Maria Álvares, que foi alforriada por esta senhora, mas o seu

padrinho foi Manoel Álvares.309 Fato diferente ocorreu com Rosa, escrava de “Dona”

Joana Maria da Silva, que escolheu para padrinho de seu filho Antonio, o “Doutor”

Jacinto Monteiro Pinto de Miranda. O pequeno escravo foi alforriado por Gertrudes

Maria de Paula Aguiar, mãe da proprietária.310 Na realidade, o que teria motivado a

concessão de liberdade para esta criança? Os bons serviços prestados na casa

grande? Ou talvez se tratasse de uma relação de concubinato da escrava com

algum familiar de Gertrudes. A documentação não deixa pistas claras, mas na

convivência dos senhores com os seus escravos não se devem desprezar estes

questionamentos.

Se os casos de compadrio apontados acima são enigmáticos, encontram-

se também alguns exemplos em que os proprietários, escolhidos para apadrinhar

seus escravos os libertaram nas águas do batismo. Antônio Ferraz da Anunciação e

sua cunhada “Dona” Ana Maria da Conceição Aguirre batizaram e libertaram

Antonia, filha legitima do casal “João Benguela” e “Romana Crioula”, escravos do

referido padrinho.311 O mesmo ocorria com a escrava Ana que foi libertada pela sua

madrinha, “dona” Ana Joaquina de Jesus, proprietária de sua mãe.312 Mas encontra-

se também nesta pesquisa um caso interessante de uma madrinha escrava que

utilizou o prestigio com sua senhora para alforriar uma recém-nascida. Tudo iniciou a

307 Ibid., fl. 139v. 308 Ibid., fl. 134f. 309 Ibid., fl. 176f. 310 BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2, 1764-1787. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás. fl. 184f. 311 Ibid., fl. 229f. 312 BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 3, 1794-1834. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás. fl. 91v.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 265

partir da escolha de Ana, escrava de Madalena Gomes para madrinha da pequena

Ana, escrava de Micaela dos Anjos. O padrinho deste batismo foi Antonio, um

escravo do “capitão” Guilherme José.313 A iniciação aos sacramentos da Igreja neste

fato envolveu pessoas de três escravarias distintas: o neófito, o padrinho e a

madrinha.

As várias cartas de alforrias na fonte batismal são uma pequena amostra

da complexidade do sistema escravocrata e as estratégias que as famílias cativas

encontraram em busca de sobrevivência. Neste sentido, o batismo e as relações de

compadrio serviram e foram utilizados por uma boa parte da população da Capitania

para encobrir as relações consensuais. Os bispos do Rio de Janeiro, por meio das

visitações diocesanas e das cartas pastorais, procuraram alertar aos párocos para

coibir estes abusos, mas não foi fácil para a Igreja propagar uma moral austera em

uma região em constante deslocamento populacional.

6.2.2. OS ESCRAVOS ADULTOS

O batismo de escravos recém-chegados e ainda não aculturados exigia

instruções religiosas nos principais fundamentos da fé314. Era responsabilidade de

todos os senhores o batismo dos escravos, uma vez que uma das principais

justificativas da escravidão eram a conversão dos pagãos e a salvação das almas.

As Ordenações Filipinas (1603) exigiam que todos os africanos com mais de dez

anos fossem batizados, após a compra, num período de um mês. Mas nem sempre

isso era possível devido à própria complexidade do sistema escravocrata e os

desleixos de muitos senhores. Na Capitania de Goiás, alguns visitadores

destacaram os descasos dos párocos e senhores para com o batismo dos escravos

e rudes. Além do mais, há uma advertência anotada no livro de batismo de escravo

313 BATISMO..., op. cit., fl. 4v. 314 Destacam-se neste sentido o batizado de “Antonio Mina”, escravo do diretor intendente Florêncio José de Morais, ocorrido em Vila Boa em 1805. A cerimônia do batismo aconteceu depois que o referido escravo foi “catequisado” nos preceitos fundamentais do catolicismo. O padrinho de Antonio foi o alferes José Feliciano de Morais. Batismo de Escravos, livro 3, fl. 88, arquivo Geral da diocese de Santa Ana de Goiás.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 266

na visita do padre José Correia Leitão em 1786. Assim referia o visitador sobre os

escravos vindos da Angola:

Fique tão bem advertido para não batizar pretos que vem da Costa da Guine sem ordem [...] do Reverendo Vigário da Vara, porque sendo a prática não vir de Angola [sem batizar]. É bom averiguar se a pessoa foi ou não baptizada.315

O batismo de escravos a serem exportados era pago por cabeça e

realizado de forma coletiva nos barracões de embarque de Angola. A cena foi

descrita por Jaime Rodrigues (2005), fazendo referência a uma documentação do

século XVII.

Não era cerimônia muito demorada. A cada escravo, quando chegada a sua vez, dizia o padre: seu nome é Pedro, o seu é João, o seu é Francisco, e assim por diante, dando a cada qual um pedaço de papel com o nome por escrito, e pondo-lhes na língua uma pitada de sal, antes de aspergir com um hissope água benta em toda a multidão. Então, um intérprete negro a eles se dirigia, com essas palavras: “Olhai, sois já filhos de Deus; Estais a caminho de terras espanholas (ou portuguesas), onde ireis aprender as coisas da fé. Esquecei tudo o que se relaciona com o lugar de onde viestes, deixai de comer cães, ratos ou cavalos. Agora podeis ir, e sede feliz”. (OFÍCIO..., 1801 apud RODRIGUES, 2005, p. 61-62).

Pela notícia dada por um viajante do início do século XIX, a prática não

havia modificado substancialmente até aquele período. O batismo continuava a

ocorrer coletivamente, sem instrução prévia, nos lugares onde havia agentes

coloniais portugueses na África, como em Angola e Moçambique. Os demais

escravos recebiam o sacramento quando aportavam no Brasil ou nos poucos navios

negreiros que levavam sacerdote a bordo (RODRIGUES, 2005, p. 62). Koster (apud

GUDERMAN; SCHWARTZ, 1988) relata que os escravos recém-chegados na Bahia,

rapidamente, aprendiam as vantagens sociais do batismo. Para alguns estudiosos,

as seleções dos padrinhos nestes casos eram feitas pelos próprios senhores. A

315 BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2, 1764-1787. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás. fl. 321.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 267

tabela 20 nos aponta algumas variáveis importantes sobre os padrinhos dos

escravos adultos de Vila Boa de Goiás.

Tabela 20 - Perfil social dos padrinhos

Qtd % Qtd %Proprietários(as) ou parente deste 08 (1,2%) 09 (1,4%)

Com ofício ident. / "Donas" 43 (6,5%) 10 (1,5%)

Sem informação 306 (46,4%) 164 (24,9%)

Escravos(as) 242 (36,7%) 127 (19,3%)

Forros(as) 48 (7,3%) 184 (27,9%)

Batizados sem padrinho(a) 12 (1,8%) 165 (25,0%)

Total 659 (100%) 659 (100%)

PadrinhosClassificação Madrinhas

Fonte: BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2/Livro 3/Livro 4, 1764-1808. Manuscrito.

Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás.

Uma das primeiras questões a se destacar na tabela 20 é a pouca

participação dos senhores e sua parentela na relação de compadrio de seus

escravos. Dos 659 batismos realizados, encontram-se apenas oito proprietários

(1,2%) apadrinhando escravos e nove madrinhas (1,4%) na mesma situação.

Contudo, a diferença entre os padrões de compadrio entre crianças nascidas

escravas e africanos recém-chegados é marcante. Enquanto os escravos

constituíam apenas 10,6% dos padrinhos de crianças, eles desempenharam esse

papel três vezes mais quando o batizado era de adulto (36,7%). Com relação às

madrinhas, a diferença é menos acentuada. Enquanto as escravas constituíam

apenas 13,1% das madrinhas dos inocentes, elas desempenharam esse mesmo

papel quase o dobro quando o batismo era de adulto (19,3%). Gudeman e Schwartz

(1988, p. 54) observaram esse mesmo comportamento no Recôncavo baiano. Os

dados computados apresentam 48 padrinhos forros (7,3%) e 184 madrinhas forras

(27,9%) de escravos adultos, ao passo que os inocentes, os padrinhos representam

8,2% e as madrinhas 20,4%. Para alguns historiadores, a instituição do compadrio

no contexto da escravidão pode ter sido usada de maneira “apropriada”. “Os

padrinhos estavam instruindo seus afilhados não somente em questões religiosas,

mas na integração destes africanos ao sistema do cativeiro”.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 268

A presença do padrinho nos rituais de batismo de adultos foi de suma

importância. A nossa pesquisa apontou apenas 12 casos em que o padrinho não

aparece nas atas do batismo. Em compensação, as madrinhas ausentaram muitas

vezes, 165 casos (25,0%). Mas a tabela 20 indica também um grande índice de

padrinhos (46,4%) e de madrinhas (24,9%) sem informação do oficio que

desempenhavam na freguesia de Vila Boa. Não se acredita que a omissão de

informação na questão da categoria social destes indivíduos seja questão de

negligência dos sacerdotes, os dados apontam para uma categoria de homens e

mulheres livres que trabalhavam em diversas atividades no Arraial e arredores de

Vila Boa. E a tabela também indica que poucas mulheres de posição social de

prestígio foram escolhidas como madrinhas dos escravos adultos, apenas 10 casos

de mulheres com títulos de “Donas”, ou seja, 1,5%. No caso dos padrinhos com

oficio identificado, os dados computaram 43 casos, correspondendo ao índice de

6,5%. Entre estes, destaca-se um ritual de batismo, que ocorreu na Igreja matriz de

Vila Boa, em 1780. O fato aconteceu com os seis escravos do doutor Juiz de fora de

Cuiabá que passavam por este arraial. Em uma única celebração foi ministrado o

primeiro sacramento da iniciação cristã para Francisco, Joaquim, Antonio, Vitório,

João e Anastácio, ambos de “Nação Mina”. Os neófitos tiveram um único e mesmo

padrinho, o sacristão da Igreja, Salvador José Joaquim de Barros.316 Este batismo

demonstra claramente, que nem sempre os sacerdotes obedeciam às

determinações das Constituições Primeiras, que exigiam um padrinho e uma

madrinha nas realizações de batismo. E, além disso, reforçam a tese que os

senhores escolhiam os padrinhos para seus escravos, principalmente os que

chegavam da África. No caso acima, há muitas evidências que o próprio proprietário,

o doutor Antonio Rodrigues [Goionzo] tenha escolhido o sacristão para batizar os

seus escravos.

Outra questão que merece destaque nesta análise refere-se à idade em

que estes escravos foram batizados. De antemão adianta-se que encontraram

apenas 16 casos em que o sacerdote menciona a idade destes escravos. A

documentação utilizava os termos “inocente” e “adultos” para indicar a idade dos

neófitos. A partir das últimas décadas do século XVIII os sacerdotes começaram a

indicar alguns casos com certa precisão nos assentos de batizado. Geralmente, os 316 BATISMO de escravos. Vila Boa de Goyaz, Livro 2, 1764-1787. Manuscrito. Arquivo Geral da Diocese de Santa Ana de Goiás, Cidade de Goiás. fl. 247v.

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CAPÍTULO VI – BATISMO E COMPADRIO 269

termos inocentes se referiam às crianças até sete anos de idade, ou seja, os que

ainda não tinham condições de pecar. A partir dos sete anos a documentação

eclesiástica utilizava com bastante freqüência o termo “alma de confissão”. As

pessoas que deveriam confessar no período da quaresma em preparação para a

festa da páscoa. Neste sentido, parece que os sacerdotes de Vila Boa utilizavam o

termo “adulto” para indicar os escravos que tinham idade acima de sete anos. Mas

houve alguns batismos de escravos adultos cuja idade oscilou entre 12 e 25 nos.

De modo geral parece que os padres calculavam a idade do cativo conforme a

fisionomia e a estrutura física que este apresentava na pia batismal. Neste sentido expressava

o padre Manoel Joaquim Pereira Coimbra em 1780: batizei solenemente e pus os santos óleos

em Antonio escravo adulto de Ana de Souza, tendo o cativo “cerca de 12 anos”. Já “Luiza

Mina”, escrava de Tereza Marques tinha 16 anos quando foi batizada na igreja matriz de Vila

Boa em 1779. Mas houve também escravo que foi batizado com 25 de idade. Foi o caso de

“João Mina”, escravo do padre José Dantas que foi batizado em 1782, tendo como padrinhos

Pedro Modesto Fernandes e Joana Pereira, escrava de Pedro Rodrigues Pereira.317 Na

realidade muitos escravos chegam sem o sacramento do batismo na freguesia de Vila Boa.

Pelo que se observa nos assentos de batismo os sacerdotes tinham uma difícil missão de

calcular pelos detalhes da fisionomia a idade destes cativos. Daí a expressão bastante

recorrente neste período: batizei “José Mina” e “João Mina” ambos “com cerca de 18 anos de

idade”.318

317 Batismo de escravo, livro 2 fl. 266v (1782). 318 Batismo de escravos, Livro 2 fls. 265 f e 265v (1782).

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CCOONNSSIIDDEERRAAÇÇÕÕEESS FFIINNAAIISS

Transgressão, Controle Social e Igreja Católica no Brasil: Goiás Século

XVIII reflete, sobretudo, a influência que a Igreja exerceu na Capitania de Goiás no

período da mineração. Num contexto de aliança e submissão do poder religioso ao

absolutismo monárquico, o bispado do Rio de Janeiro, por meio dos seus agentes,

visitadores diocesanos, párocos e vigários das varas eclesiásticas, procura

disseminar as resoluções do Concilio de Trento numa região de fronteira e distante

das principais cidades da zona litorânea, os sertões goianos. Parece que os agentes

da Igreja e os oficiais do Santo Ofício tiveram um papel importante no combate aos

abusos e desvios morais da população. No entanto, alguns sacerdotes, escravos,

militares, estrangeiros e muitos brasileiros não deixaram de caminhar na contramão

das orientações pastorais. Homens e mulheres cometeram muitos pecados e

transgressões nas freguesias goianas.

Crê-se que não faltou esforço dos bispos do Rio de Janeiro, na tentativa

de disciplinar e implantar um projeto pastoral nesta região mineradora. As cartas

pastorais deixam transparecer que, além das preocupações morais e doutrinais, os

bispos do Brasil procuraram transformar as freguesias em verdadeiras “cidades

celestes”. Tudo deveria convergir para a purificação e a salvação da alma do fiel.

Daí as preocupações dos visitadores diocesanos com as ornamentações dos

templos sagrados, a pia batismal, as vestes sacerdotais, os assentos de batismos,

casamentos e os registros dos que morriam. Faziam, na realidade, uma verdadeira

devassa na vida paroquial. Não era somente o concubinato que preocupava a estes

agentes eclesiásticos, mas havia interesses na difusão da fé, através da participação

dos fregueses na vida sacramental. Por outro lado, havia certo rigor com os

suspeitos de heresias, e elas poderiam ser motivo de condenação do fiel às

tormentas das chamas do “fogo eterno”.

Dom José Justiniano Castelo Branco escrevia ao vigário de Vila Boa, em

1775, um longo interrogatório, contendo 35 questões a respeito do clero e da

população da Capitania de Goiás. Mas a grande preocupação deste bispo estava

relacionada ao comportamento dos sacerdotes. Na realidade, o Concilio Tridentino

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CONSIDERAÇÕES FINAIS 271

já havia anunciado, desde o século XVI, que a renovação das paróquias e o

combate ao avanço do protestantismo passavam pela criação de seminários para

formação do clero. Na visão dos padres conciliares, somente um clero bem

preparado e a criação de novas ordens religiosas poderiam conter o avanço do

protestantismo, que se alastrava em várias regiões da Europa. Os sacerdotes

formados nos seminários tridentinos deveriam cuidar das suas obrigações,

principalmente no ensino da doutrina cristã e na explanação do evangelho nas

missas dominicais e dias festivos. Para o referido bispo, o clero deveria fazer, no fim

de todas as missas, os atos de “fé, esperança e caridade” para que nenhum cristão

pudesse correr o risco de perder a sua salvação por ignorância destes preceitos.

Das quinze questões do interrogatório referentes aos eclesiásticos da

Capitania, Dom José Justiniano fez questão de ressaltar seis e exigiu absoluto sigilo

do padre João Antunes de Noronha nos depoimentos. Vejam-se alguns

questionamentos: a) uma exata informação do seu merecimento e gravidade; b) Se

está aprovado para confessar e pregar; c) Se é amante do confessionário e ajuda ao

pároco na administração dos sacramentos; d) Se celebra com perfeição as

cerimônias e que tempo costuma gastar na missa; e) Se sabe bem a teologia moral;

f) quais são os seus costumes, procedimentos, virtudes e vícios. Mas havia

preocupação também com as igrejas, os oratórios particulares, as irmandades,

conventos, hospícios, as extensões das freguesias, os moradores, as aldeias, as

côngruas dos párocos, as alfaias e o patrimônio da Igreja. Na realidade havia uma

preocupação, até certo ponto exagerada de controlar a vida deste rebanho distante

da sede episcopal. O interrogatório era bastante minucioso. Partia do azeite que se

gastava com a lâmpada do sacrário e se estendia para as principais festividades das

freguesias, os costumes dos rituais de batismos, casamentos, morte e a festa da

páscoa. Além disso, todas as freguesias deveriam apresentar a cada ano uma

relação minuciosa da população livre e escrava para a diocese do Rio de Janeiro.319

Parece que atuação pastoral do bispado do Rio de Janeiro na Capitania

de Goiás baseou-se em três estratégias fundamentais: as cartas pastorais, os

visitadores diocesanos e os vigários das varas eclesiásticas. No que tange ás

319 COPIA da Carta de Ordens, que S. Excelência Reverendíssima foi Servido mandar ao Vigário de Villa Boa de Goyas [Interrogatório do bispo sobre o clero secular e regular da capitania]. 1775. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS 272

visitações, algumas questões abordadas pelo comissário do Santo Oficio, o padre

João Ameyda Cardoso, em 1780 chamam atenção: a proibição das devoções

populares com ajuntamento de homens e mulheres no período noturno, a

importância de cumprir o preceito da missa dominical, a proibição dos trabalhos nos

domingos e dias festivos, o sepultamentos de pessoas batizadas em lugares santos,

a negação da absolvição aos concubinatários e a excomunhão para os pais de

família que omitiam o “rol” de seus dependentes para a desobriga quaresmal.

Apesar de esta visitação tocar em várias questões que envolviam as atividades

espirituais de uma freguesia, destacam-se os itens referentes ao sacramento da

confissão.

Embora alguns sacerdotes tenham utilizado do confessionário para

satisfazer as suas volúpias, a Igreja via neste sacramento um instrumento para

purificar a alma do fiel e ao mesmo tempo um dos principais recursos para combater

os vícios e os pecados de uma freguesia. A confissão anual foi definida pelo IV

Concílio de Latrão (1215) e ainda hoje é uma lei fundamental da disciplina

penitencial. A obrigação anual deste sacramento foi muito rigorosa. A partir do

momento que ele foi formalizado na sociedade ocidental, o cristão que faltasse a ele

ficaria pura e simplesmente excomungado, isto é, não podia mais entrar na igreja e,

após a morte, não teria sepultura cristã, o que na mentalidade do tempo significava

que sua alma não entraria no céu. Esta lei deveria ser inculcada muitas vezes aos

fiéis, a fim de que não invocassem sua ignorância.

Qual era a intenção dessa legislação minuciosa? À primeira vista, parece

que o concílio queria instituir uma confissão individual anual, uma remissão anual

dos pecados para a confissão pascal, um mínimo requerido para se viver como

cristão. Contudo uma leitura mais atenta mostra que o concílio se preocupava

menos com o conteúdo da confissão e mais com a regularidade desta prática e que

ela fosse feita ao próprio pároco. Conforme Philippe Rouillard (1999), instituindo

esse controle pessoal e periódico, o concílio queria limitar a difusão das seitas e

obrigar todos os cristãos a manifestar, uma vez por ano, sua pertença e sua

fidelidade à Igreja católica. Competia ao pároco exercer esse controle e excomungar

aqueles que não se apresentassem para a confissão pascal. A principal

preocupação do Latrão IV não era, portanto, apresentar ao cristão uma nova

legislação penitencial, mas usar a confissão como meio de pressão pastoral sobre

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CONSIDERAÇÕES FINAIS 273

os cristãos hesitantes e como meio para assegurar a coesão e a fidelidade da

comunidade cristã em oposição às solicitações das “seitas” mais ou menos

heréticas.

No século XVI, percebe-se certo enrijecimento da Igreja, a partir do

concilio de Trento, para combater a reforma protestante. Esse rigorismo tridentino no

combate a Lutero e aos seus seguidores teve implicações importantes no projeto

pastoral dos bispos do Brasil. Em Goiás, os sacerdotes da centúria utilizaram a

confissão como um artifício de controle social. Através do tribunal da penitência o

pároco e seus vigários conheciam o cotidiano de seus fregueses. Entre os 21 itens

da visitação diocesana em 1780, três referem-se ao sacramento da confissão. Em

primeiro lugar, o visitador admoestava aos padres confessores para rever

atentamente a jurisdição para a confissão e que eles não tinham nenhuma

autorização para absolver aos penitentes que viviam em “voluntários concubinatos e

ocasiões próximas”. Nestes casos a confissão ficava nula. O mesmo ocorria com a

confissão de algum senhor que vivesse em concubinato com sua escrava, sem

antes “lançá-la das portas adentro”. O visitador chamava atenção dos confessores

para observar as proposições condenadas pelos papas Alexandre VII e Inocêncio

XI.320 Conforme estas orientações, a salvação da alma do penitente era mais

importante do que o valor temporal de uma escrava. Em caso contrário, confessores

e penitentes teriam as mesmas condenações ao fogo do inferno.321 Em terceiro lugar

qualquer sacerdote que fosse chamado para confessar um enfermo deveria atender

com prontidão. Caso o doente morresse sem o referido sacramento, o padre seria

punido de acordo com as orientações das Constituições da Bahia.322

320 Estes dois papas governaram a Igreja Católica no século XVII. Alexandre VII exerceu o seu papado durante 1655-1667 e o papa Inocêncio XI governou entre 1676-1689. Neste contexto (1656), a moral da confissão, praticada pelos jesuítas e controvertida por sua largueza, é caricaturada com muita habilidade nas “Cartas a um provincial” de Blaise Pascal, que as publica como anônimo. O público francês, talvez europeu, perde a grande estima que tinha para com os jesuítas (FRÖHLICH, 1987, p. 130-137). 321 TRANSLADO da Visita de João de Almeyda Cardozo Vigário collado na Matriz do Santíssimo Sacramento da Praça Nova Colônia, Comissário do Santo Oficio, e Visitador da Visita Ordinária das Comarcas da Capitania de Goyaz pelo Exmo e Revmo Senhor Dom Joseph Joachim Justiniano Mascarenhas Castel branco Bispo deste Bispado do Rio de Janeyro, e do Conselho de S. Magestade Fidelíssima. 1780. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia. 322 Conforme o Título 48 deste documento, se algum freguês falecer sem este sacramento por negligência do sacerdote, ele seria preso e suspenso por seis meses do seu oficio. (VIDE, 2007, [Livro I, Título XLVIII]).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS 274

A Igreja Católica no Brasil ao longo do século XVIII procurou de certa

forma combater os vícios da sociedade brasileira, por meio de uma teologia moral

mais austera que desse certo embasamento teórico aos confessores e pregadores.

Os bispos do Rio de Janeiro exigiram que o clero participasse das conferências de

teologia moral, e ao mesmo tempo todo sacerdote era submetido a um exame e

necessitava ser aprovado para poder confessar e pregar nas igrejas paroquiais.

Neste contexto, os compêndios de teologia moral publicados nas tipografias de

Portugal foram fundamentais para a formação do clero brasileiro. Estes livros

expressam de forma clara as orientações doutrinarias dos os papas Alexandre VII e

Inocêncio XI.323 Eles procuraram, a partir da segunda metade do século XVII,

apontar algumas regras para a formação da consciência, e ao mesmo tempo

combater as doutrinas.

Baseado nas concepções teológicas de São Tomás de Aquino, Inocêncio

XI acreditava que a formação da verdadeira consciência passava pelo sacramento

da penitencia. Antes de estabelecer as regras seguras para os confessores era

necessário combater o escândalo na sociedade que poderia ser uma ruína para a

alma. Para os teólogos da Igreja, o escândalo é uma “palavra, ou obra menos reta,

que dá ocasião ao próximo da ruína espiritual”. É importante compreender que não

só o mal, mas também as aparências do mal podem ser escândalo, e ocasião de

ruína. Neste sentido, o escândalo é pecado mortal quando o homem com seu mau

exemplo induz o outro a cometer um pecado grave.324 A Bíblia fala da grande

malícia do escândalo nos capítulos 5, 17 e 18 no Evangelho de Mateus. Na visão

dos teólogos era necessário omitir até mesmo os preceitos da Igreja para evitar o

escândalo.

323 Nas ordens religiosas e nos seminários que se multiplicaram depois do concilio de Trento, a preparação para o ministério da confissão era um elemento essencial da formação sacerdotal. Isto motivou a insistência no ensino da moral, no direito canônico e na discussão dos casos de consciência. Os sacerdotes mais dotados deviam exercer o ministério da pregação e da confissão. Por isso, do século XVI ao XVIII, apareceram muitos manuais para os confessores. Depois do concílio, em 1572, o bispo Carlos Borromeu publicou em italiano, as Exortações aos Confessores; em 1603, também Francisco de Sales publicou em francês, “Instituições aos Confessores” para ajudar os confessores a encorajar os fiéis e levá-los a encontrar Cristo Salvador. No século XVIII, Afonso de Ligório, natural de Nápoles e fundador dos Redentoristas foi considerado o doutor das confissões com duas obras que influenciou os confessores até o inicio do século XX. Em 1755, ele publicou a Pratica del confessore que teve dezoito edições, e outra obra chamada “Recomendações aos confessores para a direção das almas devotas”. (ROULLARD, 1999, p. 68-69). 324 COMPENDIO da Theologia [Moral Evangélica Para Formar Dignos Ministros do Sacramento da Penitencia e Espirituaes Directores]. Lisboa: Regia Officina Typocrafica, MDCCLXXVI. Tomo II. Biblioteca Nacional de Lisboa. p 28-37.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS 275

Uma Mulher prevê que saindo de casa haverá contendas, mortes; ou que será amada impudicamente por algum Homem; deve abster-se de ouvir Missa, ainda nos Dias de Preceito, para evitar este Escândalo. Isto pede a ordem da Caridade, que se omita o mal menor para evitar o maior, quando um e outro não se podem evitar. E certamente é menor mal a dilação, ou omissão destas obras, do que o Escândalo dos pequenos.325

Por fim, o compêndio de teologia moral aponta algumas regras práticas

para facilitar o trabalho dos confessores. Ao mesmo tempo advertia aos sacerdotes

certa ponderação na interpretação deste tratado. Assim se referia a regra quarta:

Tenha o Confessor cuidado de destruir, e dissolver com Apostólica firmeza a recíproca, e freqüente conversação de homens, e mulheres, principalmente a que é da moda, e se inventou nestes séculos de corrupção. Se a mulher recusar dissolver esta amizade perigosa com pretexto de inocência, e civilidade, ou uso comum; não a absolva, como indigna dos sacramentos. Mas antes que chegue a esta extremidade, ore, persuada, e repreenda, não com severidade, e modo rústico, e grosseiro; mas procure iluminar-lhes o entendimento com brandas, e eficazes exortações, e abrandar-lhes o coração com o temor dos castigos eternos, e não cesse de pedir muito a Deus a conversão de seus penitentes.326

Este discurso moral com base em uma teologia medieval influenciou

muito na formação do catolicismo brasileiro durante o período colonial. A Igreja por

diversas formas procurou exercer certo controle na sociedade, por meios da difusão

dos valores de austeridade. Neste sentido, a teologia de São Tomás de Aquino e a

dos padres da Igreja tiveram muita influência na formação dos padres confessores e

também no discurso dos visitadores que tentaram implantar, na região da

mineração, os ideais morais de uma teologia praticada na Idade Média.

O primeiro capítulo desta pesquisa tratou de migração e família. Constou-

se que o povoamento na Capitania de Goiás se marcou pelo emigrante sem família

que chegava aos sertões de Goiás em busca do enriquecimento, devido às notícias

325 Ibid., p. 39. 326 COMPENDIO da Theologia [Moral Evangélica Para Formar Dignos Ministros do Sacramento da Penitencia e Espirituaes Directores]. Lisboa: Regia Officina Typocrafica, MDCCLXXVI. Tomo II. Biblioteca Nacional de Lisboa. p. 77-78.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS 276

das descobertas do ouro nas terras goianas. Juntamente com os paulistas e

mineiros vieram também os portugueses e africanos que contribuíram para o

processo de miscigenação da capitania. Neste contexto, chegaram também os

principais representantes do bispado do Rio de Janeiro para propagar o cristianismo

e implantar as resoluções do Concilio de Trento nas terras do planalto central. Nas

atividades pastorais propostas pela Igreja Católica destacaram-se as visitações

diocesanas, as cartas pastorais e a atuação dos vigários das Varas eclesiásticas à

medida que os arraiais foram crescendo. Vinculada ao regime de padroado, a Igreja

e Estado tiveram uma atuação em conjunto para combater as heresias que

colocavam em riscos a ortodoxia religiosa.

O segundo capítulo tratou do comportamento moral da população.

Observou-se por meio da documentação que, na Capitania de Goiás, cometeram-se

várias infrações de natureza coletiva e individual que punham em riscos os ideais de

uma sociedade perfeita. A migração desenfreada em busca do ouro e a distância

dos grandes centros da região litorânea favoreceu em certa medida o esconderijo de

muitos indivíduos que chegavam aos sertões de Goiás, fugindo da justiça e dos

agentes da Inquisição. Neste contexto, imperaram muitas mortes e violência, muitas

vezes, encomendadas por indivíduos que matavam o vizinho pelo ciúme da esposa

ou da concubina. Por outro lado, ocorreram também as infrações e os pecados

contra a instituição da família, que até os elementos do clero, encarregados de zelar

pela moralidade pública, cometiam. Neste sentido é bom destacar a quebra do voto

de celibato por alguns sacerdotes, a prática de prostituição, alcoviterismo e usura

cometidos pela população.

O terceiro capítulo, Sexualidade e transgressão, aborda duas temáticas

bastante instigantes do ponto de vista da investigação aos processos de Inquisição:

a solicitação na confissão e a bigamia. Na alçada do Santo Oficio estes dois delitos

foram uma das principais ameaças aos sacramentos tão ressaltados pelo Concilio

de Trento. A prática da bigamia por parte da população constituía-se num dos

principais venenos que pôs em risco o sacramento do matrimônio. Por outro lado, a

devassa de solicitação em confissão que ocorreu em Santa Cruz de Goiás revelou

aspectos muito importantes da intimidade sexual dos setecentos.

O quarto capítulo, referente à política portuguesa e às condições de

povoamento, mostrou como o imaginário negativo das mulheres nativas contribuiu

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CONSIDERAÇÕES FINAIS 277

para a difusão do concubinato nas colônias da America Portuguesa. Os portugueses

relutavam em casar-se com mulheres de origem não-portuguesa. Mesmo que o

casamento significasse para o homem a possibilidade de fugir do serviço militar e da

pobreza, passando assim a fazer parte dos casados e podendo exercer uma função

pública ou trabalhar no comércio. Isto fez com que, em regiões como o Brasil e a

Índia, a concubinagem com escravas fossem mais popular entre jovens e os

próprios senhores de escravos do que o sagrado matrimônio com mulheres de

qualquer cor. Mesmo vivendo em condições de vida precária, os portugueses

mantinham o convencimento de sua superioridade branca. Isto os levava a buscar

no casamento uma forma de melhorar as suas condições de vida, contraindo

alianças com mulheres brancas de origem portuguesa, ou seja, seguiam um

costume praticado em Portugal nos séculos XVI, XVII e XVIII. As atas de

casamentos da paróquia Nossa Senhora do Rosário de Pirenópolis e os livros de

batizados de escravos de Vila Boa não corroboram com os relatos dos viajantes

sobre a ausência de casamentos na Capitania de Goiás. Apesar da existência do

concubinato em todas as camadas da sociedade, os enlaces matrimoniais foram de

certa forma, expressivos em Goiás.

O quinto capítulo abordou o concubinato e a questão da ilegitimidade nas

minas novas dos “Goyazes”. As mancebias, muito combatidas e condenadas pela

Igreja Católica, encontraram nas camadas populares e até em alguns elementos do

clero uma forma de constituir outra família. Por isso, o “estar e andar amancebado”

foi uma expressão muito corriqueira, usada pelas gentes do Brasil para expressar os

relacionamentos considerados ilegítimos. Estas relações consensuais, às vezes,

eram confundidas com o sacramento do matrimônio pela sua fidelidade e

durabilidade. Neste contexto, o livro de Registro das Denuncias (1753-1794) é um

documento de suma importância para a temática. Os autos de denúncia revelam a

dinâmica da vida familiar em Vila Boa e nos povoados ligados a esta vila no auge da

mineração. Através dos relatos das testemunhas convidadas a depor perante o

vigário da vara, percebem-se as intrigas entre os vizinhos, os boatos da vida alheia,

a intimidade sexual, os conflitos causados pelos ciúmes entre os parceiros que às

vezes explodiam nos becos de suas ruas. Por outro lado, apesar da presença quase

freqüente dos visitadores diocesanos para “corrigir os vícios e desterrar os abusos”,

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as atas de batismo revelam de uma forma indireta o concubinato dos senhores com

suas escravas.

O sexto capítulo analisa o batismo e as relações de compadrio na

freguesia de Vila Boa. Houve grande preocupação por parte da Igreja na difusão do

cristianismo e o sacramento do batismo sempre foi a porta de entrada do fiel a esta

instituição. Os padrinhos exerciam a importante função de “pais espirituais” das

crianças no batismo. Por meio dos livros de batismo percebeu-se o perfil social dos

padrinhos na paróquia de Santa Ana (Vila Boa). As atas de batismo apontam para

1,3% dos proprietários que aparecem como padrinhos dos filhos de escravos.

Mesmo assim, os elementos de condição masculina levaram uma considerável

vantagem em relação às mulheres. Apenas 0,6% das mulheres proprietárias

aparecem como madrinhas nas atas de batismo, ou seja, de um total 2216 inocentes

batizados, 13 são proprietárias. Os números parecem comprovar a tese de que os

escravos pouco escolhiam seus donos como padrinhos. Neste sentido, o compadrio

não serviu para salientar os aspectos paternalistas entre senhor e escravo, muito

menos serviu como vínculo ou reforço dos mesmos, encontrando-se aí uma

oposição entre batismo e escravidão.

Em síntese Transgressão, Controle Social e Igreja Católica no Brasil:

Goiás século XVIII, abarcam-se várias questões de interesse familiar, a política de

povoamento da Coroa portuguesa e da Igreja em uma região considerada

“continente” pelos homens da centúria. Apesar do esforço do bispado do Rio de

Janeiro na implantação das resoluções vigorosas do Concílio de Trento nas minas

de Goiás, houve certa resistência silenciosa da população à medida que transgredia

e violava alguns códigos do comportamento moral. Neste contexto, as mancebias, a

solicitação em confissão, a bigamia, ilegitimidade, abortos e sacrilégios foram, num

certo sentido, uma nova maneira de perceber e praticar a religião. Uma forma bem

diferente dos principais agentes da Igreja que procuravam difundir pelos sertões

goianos os ideais da reforma trindentina.

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EDITAL geral em que o vigário da vara de Vila Boa [Doutor Manoel Andrade Varnek Chantre] mandou declarar por Suspensos aos padres nelas nomeados a ordem de Dom Antonio do Desterro. 1764. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

EDITAL pello q. o Reverendo Doutor Vigário da Vara desta Comarca de Villa Boa faz publicas Varias faculdades q o Nosso Excelentíssimo Bispo Diocesano foi Servido conceder lhe para bem de Seus Diocesanos [Dom Justiniano concedeu várias faculdades ao padre Francisco das Chagas Vidal de Mendonça e Ávila Corte Real]. 1777. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

EDITAL porq o R. Vizitador José Correa Leitão há por bem proibir com pena de Excomunhão, q Se Abrão a igreja ou Capellas antes a Matinas, e depois das Aves Maria, q nas matinas não estejam homens misturadamente com mulheres q naquellas não entrem, nem estejam estas com as cabeças descobertas, ou com Sayas curtas assima da fivella do Sapato, q nos templos não hajam conversas, e q não Se façam Festas em Casas particulares, tudo como nelle se Contem. 1784. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

EDITAL porq o Reverendo Vigário da Vara desta Comarca de Villa Boa manda Senão desobriguem pessoas Livres do Sexo Masculino fora das Matrizes, e Capellas filiais, e outro Sim para não Se administrar o Divinissimo Sacramento Sem urgente necessidade. 1779. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

EDITAL, porq. O Rdo. Vigário Geral desta Capitania Por ordem de S. Exa. Rma. manda q. Se apresentem os povos os róis das pessoas de suas famílias aos R. R. Parochos athe 4 feira de Cinza; e q as confissões annuaes não excedam ao tempo das constituições. 1784. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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OFICIO do secretario do governo de Goiás, Ângelo dos Santos Cardoso, ao [Secretário de estado da Marinha e Ultramar], Diogo de Mendonça Corte Real, sobre a descoberta das minas de Goiás; sua povoação; o caráter dos primeiros mineiros e profissionais liberais; os governos civis e eclesiásticos e os problemas nela existentes. 1755. Caixa 12, Doc. 740. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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PASTORAL, porq. S. Exa. Rma. é Servido mandar q em todas as Vizitas Se examinem os R.R. Sacerdotes e que todos apresentem aos R. Reverendos Parochos respectivos os Seus papeis de licenças, e graças, q alcançarem na forma, e com as penas q nella Se contem. 1781. Fotocópia. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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REGISTRO de huma Carta do Excelentíssimo e Rmo Sr Bispo Diocesano feita ao Rdo Vigário G.al Jose Correa Leitão sobre as providencias que deve dar aos Reverendos Vigários da Vara para estes attenderem aos pobres miseráveis, que procurarem o Estado conjugal, nas diligência de Estillo dos Respectivos Cartórios. 26 set. 1790. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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REGISTRO de Portaria e Faculdades concedidas ao vigário da vara da comarca de Meia Ponte ao padre José Correa Leitão pelo bispo do Rio de Janeiro. 20 jun. 1786. Manuscrito. Acervo documental. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

REQUERIMENTO de Antonio Gomes de Oliveira, morador em Vila Boa, ao rei, solicitando licença para acompanhar quatro donzelas e entregá-las a algum convento da América ou do Reino ou mandá-las com pessoas que faça as suas vezes no referido transporte. [177-]. Caixa 28, Doc. 1800. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

REQUERIMENTO de Belchior da Silva, ao rei [D. João V], solicitando licença para que possa levar para o Reino uma filha natural. 1764. Caixa 4, Doc. 323. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

REQUERIMENTO de Matias Gil Ferreira, morador no arraial do Pilar, ao rei D. José, solicitando poder legitimar sua filha, Maria, a qual teve com uma sua prima, na freguesia de Salvador do Bilhó, comarca de Vila Real, arcebispado de Braga. 1774. Caixa 27, Doc. 1770. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

REQUERIMENTO do cabo de esquadra da Companhia de Dragões de Goiás, Felix Seixo de Brito, ao príncipe regente, solicitando o provimento no posto de tenente de Infantaria de Angola, e adiantamento do seu soldo para auxiliar no sustento de sua mãe e duas donzelas. 1800. Caixa 41, Doc. 2505. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

REQUERIMENTO do coronel Manuel Lopes Chagas, morador na freguesia de São José do Tocantins, ao rei D. José, solicitando carta de legitimação de um seu filho natural chamado Lino, que teve no estado de viúvo, com Micaela, mulher solteira e livre. 1769. Caixa 24, Doc. 1529. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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REFERÊNCIAS 298

REQUERIMENTO do sargento-mor do 2º Regimento de Cavalaria de Milícias de Vila Boa, Fernando José Leal, ao príncipe regente D. João, solicitando carta de legitimação, declarando como seus filhos e legítimos herdeiros, Álvaro José Leal, Luis Antonio Leal, Feliciano Antonio Leal, Antonio José Leal e Maria Josefa da Silva. 1805. Caixa 50, Doc. 2844. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. In: BRASIL. Ministério da Cultura. Projeto Resgate de Documentação Histórico Barão do Rio Branco. Documentos avulsos da Capitania de Goiás (1731-1822). 1 CD-Rom. Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central, Universidade Católica de Goiás, Goiânia.

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