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Transformação Organizacional para a Sustentabilidade Organização: Osvaldo L. G. Quelhas, Marcelo J. Meiriño, Sergio L. B. França e Cid Alledi Filho.

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Transformação Organizacionalpara a Sustentabilidade

Organização: Osvaldo L. G. Quelhas, Marcelo J. Meiriño, Sergio L. B. França e Cid Alledi Filho.

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Organização: Osvaldo L. G. Quelhas, Marcelo J. Meiriño,

Sergio L. B. França e Cid Alledi Filho.

Rio de JaneiroAgosto de 2015

Transformação Organizacional

para a SustentabilidadeDesenvolvendo um Sistema de Gestão

da Responsabilidade SocialOrganizational Change for Sustainability:

Developing a Management System of Social Responsibility

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Copyright © 2015

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou usada de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópias, grava-ções ou sitema de armazenamento em banco de dados, sem permissão por escrito, exceto nos casos de trechos curtos citados em resenhas críticas ou artigos de revistas.

Edição e produção gráfica: Benício Biz Editores AssociadosImpressão: WalprintProjeto gráfico (capa e miolo): Laércio Lourenço

978-85-64971-08-0

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Agradecimentos

O sonho de realizar esta publicação somente foi possível de ser con-cretizado graças à coesão que se formou na comunidade acadêmica brasileira e internacional e com o apoio da FIRJAN - Federação das In-dústrias do Estado do Rio de Janeiro. Essa coesão foi inspirada por uma conversa que versava sobre a importância da aproximação e troca de experiências entre academia e empresas que tivemos com alguns ges-tores da área de relacionamento comunitário e orientações e práticas de responsabilidade social da Petrobras.

No LATEC, Laboratório de Tecnologia, Gestão de Negócios e Meio Am-biente/ UFF, sobre cujos ombros apoiou-se a elaboração da arquitetura do evento e dos seus legados, buscou-se a integração com a comunida-de científica internacional e nacional. O propósito deste evento foi o de construir um “legado” que se revestisse de mensagem positiva quanto a contribuição à sociedade da aplicação dos conhecimentos relativos à responsabilidade social, sobretudo para aquelas pessoas que tem por atribuição elaborar, implantar ou aprimorar processos de gestão em responsabilidade social nas organizações.

A diversidade dos temas abordados neste livro deve-se à compreensão e sensibilidade da importância do INOVARSE , dos autores do Brasil, Portugal, Espanha, França, Chile e Argentina, a quem agradecemos.

Este livro compõe, juntamente com o site eletrônico do evento: www.inovarse.org , o “legado” à sociedade que os organizadores, os gestores da área de responsabilidade social e os autores dos diver-sos capítulos desejam deixar à posteridade. Sabemos que para gerir responsabilidade social nas organizações os desafios são imensos e que para superá-los será necessário muito empenho, trabalho e determinação. O que nos impulsiona? A oportunidade de contribuir para a um mundo mais justo e feliz.

Fraternalmente,

Os organizadoresOsvaldo Luiz Gonçalves QuelhasCid Alledi FilhoSergio Luiz Braga FrançaMarcelo Jasmim Meiriño

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Sumário

APRESENTAÇÃO .................................................................................................................. 6Osvaldo L. G. Quelhas, Marcelo J. Meirino e Sérgio L. B. França

Capítulo1: La responsabilidad Social Empresarial, un análisis desde la base de la teoría de los stakeholders ......................................................................................................................... 8José Felipe Ojeda Hidalgo, Maria Guadalupe Arredondo Hidalgo y Gerardo Álvarez Valadez

Capítulo 2: Uma proposta de mudança organizacional das empresas aéreas brasileiras base-ada no desenvolvimento sustentável ..................................................................................................20Marlene Jesus Soares Bezerra e Sergio Baltar Fandino

Capítulo 3: A contribuição dos princípios enxutos como forma de transformação em proces-sos hospitalares. ................................................................................................................ 32Renan André Barbosa dos Santos, Amanda Costa da Silva, Priscilla Yuka Kuroba e Rafael Paim Cunha

Santos

Capítulo 4: Gestão da cadeia de valor: construindo relações para a sustentabilidade do negócio .....................................................................................................................46Maria Cristina Lopes Fedato, Cecilia Seravalli Soares e Jorge Soto

Capítulo 5: A Responsabilidade Social em organizações empresariais: aplicação do conceito de cadeia social produtiva no desenvolvimento territorial/local .......................................... 60Cláudio Paula de Carvalho

Capítulo 6: A criação de valor compartilhado na Amazônia: uma experiência de inovação social nas práticas organizacionais em zona remota do Vale do Jari .................................. 74Monica Maria Souza de Oliveira e Paula Esteban do Valle Jardim

Capítulo 7: Desenvolvimento local, empreendedorismo e eco inovação: sistemas de gestão para a sustentabilidade....................................................................................................... 88Úrsula Maruyama, Alexandre Barbosa Marques e Paloma Martínez Sánchez

Capítulo 8: Cartografia social & sustentabilidade: métodos e técnicas de (re)apropriação da natureza pelas comunidades tradicionais – Oriximiná – Pará ........................................... 102Jacob Binsztok e Monica Carneiro

Capítulo 9: Organizaçoes para a mudança e mudanças nas organizações: perspectivas de desenvolvimento das empresa hibridas no Brasil ..............................................................116Analice Araujo da Silva

Capítulo 10: Desempenho social no Zoomarine Algarve: análise das dimensões internas e externas sob a perspectiva dos gestores ......................................................................... 130Joaquim Pinto Contreiras, Virgílio Machado e Ana Patrícia Duarte

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Capítulo 11: Mecanismos de gobernanza pública innovadora .......................................... 148Nora Gorrochategui

Capítulo 12: Sustentabilidade e planejamento: valores constitucionais reitores das contrata-ções administrativas, no estado democrático de direito ................................................... 162Jessé Torres Pereira Junior

Capítulo 13: Práticas de responsabilidade social no serviço público: o caso do tribunal de justiça do estado do rio de janeiro .................................................................................... 190Rosilea di Masi Palheiro

Capítulo 14: Licitações sustentáveis eo cumprimento do estado de direito: a chance de revo-lucionar as compras públicas brasileiras .......................................................................... 198Cid Alledi Filho e Dilma Pimentel

Capítulo 15: A responsabilidade social aplicada na administração local: estudo de caso da Freguesia Bobadela (Portugal) ......................................................................................... 210José Elias Parreira Ramalho, José António Pontes Quintal, José Fidalgo Gonçalves

Capítulo 16: Diálogo e mecanismos de queixas como instrumentos de gestão respon-sável .................................................................................................................. 226Cintia Takada, Marcia Bellotti e Vânia de Lourdes Marques Capitulo 17: Gênero e sexualidade na perspectiva dos direitos humanos – um desafio didáti-co-pedagógico em universidades corporativas ................................................................ 242Izabel Cristina Guimarães Serra Sêca

Capítulo 18: Gestão ambiental em instituições de ensino superior: diretrizes para implanta-ção em campus universitário ...........................................................................................254Marta Duarte de Barros, Fernanda de Carvalho Pereira e Altina Silva Oliveira

Capítulo 19: Design para inovação social como ferramenta para transformação organi-zacional ..................................................................................................................268Rita Afonso, Carla Cipolla e Maíra Prestes Joly

Capítulo 20: Transformer les organisations : comment faire émerger une culture RSE collective? ..............................................................................................................278Irène Foglierini

Capítulo 21: Projetos de responsabilidade social corporativa desenvolvidos pelo Instituto Embraer de Educação e Pesquisa: apresentação e análise dos resultados ....................... 288Rosley Anholon, Jefferson de Souza Pinto e Osvaldo Luiz Gonçalves Quelhas

Capítulo 22: Pule: uma experiência de inclusão ...............................................................306Livia Reis e Adriana Maciel

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ApresentAçãoOsvaldo L. G. Quelhas, D.Sc.

Sérgio L. B. França, D.Sc.

Marcelo J. Meirino, D.Sc.

Cid Alledi, D.Sc.1

LATEC Laboratório de Tecnologia,

Gestão de Negócios e Meio Ambiente, UFF Universidade Federal Fluminense

Desvios éticos e morais cometidos por organizações em vários países esti-mulam a reflexão acadêmica e profissional sobre as contradições do mun-do das empresas e quanto aos valores que influenciam suas práticas. Este

Livro apresenta um convite à reflexão com um conjunto de textos sobre mode-los e práticas organizacionais na gestão da responsabilidade social na América do Sul e Europa. A partir de textos abrangentes e abordagem rigorosa, a obra tem o grande mérito de inserir a RS no contexto do fenômeno organizacional, pois tem um papel fundamental na gestão sustentável das organizações.

O tema, apesar de complexo, é apresentado neste Livro de forma clara e aplicada. Como se pode observar nos textos incluídos neste Livro, as or-ganizações passaram a dar uma atenção a aspectos relevantes, tais como: • Responsabilidade Social Interna (direitos humanos aplicados à gestão orga-

nizacional, respeito à diversidade étnica, sexual, etc.);• Responsabilidade Social Externa (relacionamento com Stakeholders);• Diálogo com as partes interessadas, Pactos de não corrupção, etc.);• Qualidade de produtos e serviços;• Práticas de comércio justo;• Obtenção de “Selos” de reconhecimento de atuação responsável;• Elaboração e publicação de Relatórios de Sustentabilidade.

Muitas organizações passaram a atribuir um papel relevante a estas questões, em parte, motivados por pressões da Sociedade, dos mercados ou por inclusão da temática na sua estratégia de negócio. A Responsabilidade Social nas organizações surge também no contexto de visibilidade para o mercado e para a sociedade, como base para uma postura responsável e melhoria da reputação nos mercados. Apresenta-se como instrumento de gestão embora mereça ainda mais pesquisas interdisciplinares para orien-tar os gestores na aplicação do tema em ambientes complexos.1 em doutoramento

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Como importante elemento contemporâneo de gestão, a Responsabili-dade Social nas organizações, tem requerido uma avaliação de sua efetivi-dade em casos concretos, além do estudo de suas implicações mais amplas, considerando também as dificuldades na sua implantação. A Responsabili-dade Social organizacional, um tema inserido mais recentemente, pode ser avaliada de forma consistente, visualizando suas aplicações nos produto e serviços, no processo produtivo, no mercado. Neste contexto a RS confi-gura-se como mais uma dimensão da atuação organizacional, que deve ser considerada no processo decisório.

Os organizadores deste livro desejam bom aproveitamento de seu con-teúdo aos estudiosos, gestores e interessados em conhecer este tema con-temporâneo e importante para as organizações, para a sociedade e governo.

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1LA responsAbiLidAd sociAL empresAriAL, un AnáLisis

desde LA bAse de LA teoríA de Los stakeholders

Dr. José Felipe Ojeda Hidalgo1

Dra. Maria Guadalupe Arredondo Hidalgo2

M.C. Gerardo Álvarez Valadez3

Introducción

Al hablar del tema de la responsabilidad social empresarial (RSE) es inne-gable que debe tocarse desde el inicio, la relación de ésta con la ética en los negocios. Esto también tiene que ver con la efectividad de las empre-

sas, ya que ésta solo se alcanza, si se delimitan los objetivos y las metas, diri-gidas a las estrategias adecuadas que le permitirá permanecer, fortalecerse y mantenerse en su sector.

Estos conceptos pueden verse como inseparables, ya que dependen de cómo las empresas aplican estas prácticas en el ejercicio del día a día de sus ac-tividades. Velásquez (2006) define dos tipos de aspectos éticos en las empresas: • Sistémicos: comprendidos como sistemas sociales o instituciones dentro de

los cuales operan los negocios.• Corporativos: entendidos como una compañía individual tomada como un

todo.• Individuales: una persona o personas dentro de una compañía y su compor-

tamiento y decisiones.Por lo anterior puede decirse, que la ética de las empresas permea en las

personas que colaboran en ella, y viceversa, las empresas esperan que sus tra-bajadores compartan la cultura empresarial que emana de ellas.

Velásquez (2006) aborda el trabajo de John Searle, el cual indica que la organización corporativa existe sólo si existen ciertas personas que se encuentran en ciertas circunstancias y relaciones compartidas. Las conven-ciones sociales dicen que una corporación existe cuando hay un grupo de personas laboralmente calificadas que han acordado incorporarse a partir de una actividad legal, de esta manera, si las acciones corporativas se ori-ginan en las elecciones y las acciones de los empleados, son éstos quienes deben verse como representantes de lo que la empresa hace. Ambos autores coinciden en que si una corporación actúa mal, se debe a que algunos de los individuos de esa corporación eligieron como acción. La discusión puede no

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llegar a un punto de encuentro, sin embargo, es común saber que lo anterior es recurrente en el ámbito empresarial.

Dentro del tema de la Responsabilidad Social Empresarial (RSE), sur-ge el concepto de stakeholders o grupos de interés. Rios-Hilario y De Sou-sa-Guerreiro (2015) citan a Freeman (1984) al explicar que éste introdujo el término de stakeholders en el ámbito de la gestión empresarial. Desde un primer momento definió el concepto como “cualquier grupo o individuo identificable que puede afectar o ser afectado por el logro de los objetivos de una organización”.

Ruiz (2012) aborda la definición de RSE que da el Instituto Ethos de Em-presas y Responsabilidad Social. Es una forma de gestión que se define a tra-vés de la relación ética de la organización con todos los públicos con los que se relaciona, y por el establecimiento de metas empresariales compatibles con el desarrollo sostenible de la sociedad.

Daft (2011) indica que los gerentes o administradores tendrán que equi-librar los intereses de los clientes (producto-servicio-precio), con los de los empleados (pago-condiciones de trabajo-satisfacción laboral), al establecer las metas y buscar la efectividad empresarial. Tanto clientes como empleados son los grupos de interés que la organización debe identificar para equilibrar sus fuerzas. Esto se conoce cono enfoque en los grupos de interés e integra dife-rentes actividades organizacionales al tomarlos en cuenta, en conjunción con lo que desea la empresa internamente. Un grupo de interés entonces, es con-siderado como cualquier grupo (fuera o dentro de la organización), interesado en su desempeño.

Numerosas definiciones nacen entonces, a partir de la idea que las organi-zaciones están inmersas en una comunidad que relaciona sus intereses desde la base tanto económica como social. En este sentido, estos grupos de interés son esenciales para que las empresas permanezcan en el mercado. Daft (2011) aborda el tema de los stakeholder y lo que esperan de la organización.

Tabla 1. Grupos de interés y lo que esperan

stakeholders Lo que esperan

Empleados Pago, satisfacción laboral, condiciones de trabajo

Socios –accionistas Recuperación financiera

Proveedores Operaciones satisfactorias. Ingresos de compras

ComunidadBuen ciudadano corporativo. Contribución a los asuntos de la comunidad.

Clientes Bienes, servicios, valor

Acreedores Sujeto de crédito, responsabilidad fiscal

Administración Eficacia, eficiencia

GobiernoObediencia a las leyes y regulaciones, competen-cia justa

Sindicato Pago al trabajador, prestaciones

Fuente: Elaboración propia con información de Daf (2011)

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

Cabanelas (1997) indica que las empresas pueden presentar cuatro nive-les de desarrollo en RSE

Tabla 2. Niveles de responsabilidad social

Nivel de responsabilidad Concepto

Responsabilidad institucional

Es la estrategia de la empresa en su contexto más amplio. Se trata del rol que tiene la organización frente a su entono legal, político y social. Puede considerarse o no a los grupos de interés. Es el inicio a la RSE.

Responsabilidad corporativa

Refleja los principales intereses de la empresa en relación con el crecimiento, desarrollo y admi-nistración de las diferentes líneas de negocio. La empresa es entendida como un ente generador de dinero, que permiten responder adecuadamente a los requerimientos y las necesidades de los stakeholders.

Responsabilidad de negocio

La competitividad de la empresa viene dada por su capacidad para generar, desarrollar o mantener una ventaja competitiva: procedimientos, tecno-logía y conocimiento, que la unidad realiza para desarrollar el negocio.

Responsabilidad funcional

Se desarrollan en conjunto, las actividades que dan vida a la organización. Por ello, en esta área, se concreta todo lo planeado en los niveles más altos en la empresa: logística, operaciones, comercialización y servicios de postventa

Fuente: Elaboración propia con información de Cabanelas (1997)

Con base en esta categorización, la empresa puede ir generando el capital social que la haga más robusto su capital social:

“Este capital social es un recurso intangible que se puede crear o eli-minar de acuerdo con las relaciones que las empresas mantienen con cada uno de sus stakeholders. Se trata de un recurso intangible, por-que es un incorpóreo, no se puede palpar, debido a que no posee un cuerpo físico” (Cabanelas, 1997, p. 66).

La teoría de los stakeholders.El concepto de RSE, tal como indica Arbaiza (2014) atañe a diferentes ac-

tores de la comunidad empresarial, el quehacer económico de un país, Gobier-no, y la sociedad civil en su conjunto: “Es una tarea compartida en la que todos tienen un rol importante para llevar a cabo, los efectos de una adecuada gestión promoverán la integración social, fortaleciendo el desarrollo y sostenibilidad de cualquier proyecto empresarial con visión de futuro”. (p. 61).

La cantidad de stakeholders o grupos de interés, dependerá del tipo de em-presa y su relación con el medio. Medina Giacomozzi y Severino González (2014) citan a Hill y Jones (2009), y a Aguilera y Puerto (2012) al clasificar a estos gru-pos de interés conforme al nivel de relación y poder que ejercen sobre la empresa:

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Capítulo 1 – La responsabilidad social empresarial, un análisis desde la base de la teoría de los stakeholders

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• Grupos de interés principales: son los clientes de la empresa, los trabajado-res de la entidad y los inversionistas capitalistas controladores.

• Grupos de interés secundarios: está compuesto por los proveedores, los com-petidores, los inversionistas capitalistas no controladores y los acreedores.

• Indirectos. Abarca diversas entidades, como ONG, grupos religiosos, centros de estudio, Gobierno y medios de comunicación.

• Intervinientes. Incluye a la comunidad en general y el medio ambiente.

Desde a revisión de la literatura de la identificación de los grupos de inte-rés, los siguientes enfoques se han detectado:

a. descriptivo, instrumento mental y normativo (Donaldson y Preston, 1995);

b. interna y externa (Freeman, 1984; Olander, 2007); y c. el poder, legitimidad y urgencia atributos (enfoque normativo) y la im-

portancia o prominencia como una característica desde el enfoque des-criptivo (Mitchell et al., 1997).

La forma en que los stakeholdres o grupos de interés influyen en la gestión de las organizaciones se ha abordado desde diferentes perspectivas. Nguyen y Menzies (2010) citados en Marques, Ferreira y Carreira (2014), indican que la teoría de los stakeholders, permite a los gerentes de diferentes organizaciones, mover la administración de las empresas a partir de cómo estos grupos ven a dichas organizaciones, a partir de una aproximación basada en las relaciones que se desarrollan entre ambos entes.

Rios-Hilario y De Sousa-Guerreiro (2015) establecen que la teoría de los stakeholders implica tres fases:

Indirectos

Dimensiónética-filantrópica

• ONGs• Grupos religiosos• Centro de estudio y investigación• Estado y Gobierno• Medios de comunicación

• Proveedores• Compeditdores• Inversionistas acreedores• Inversionistas no controladores

• Clientes y/o usuarios• Inversionistas controladores• Trabajadores

Secundários

Dimensión legal-ética

Primários

Dimensión económica

Fuente: extraído de Medina-Giacomozzi y Severino-González (2014, p.69).

Figure 1: Clasificación de los stakeholders y grupos de interés

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

a. Identificar a través de varios cauces quienes son los stakeholders de la organización.

b. Priorizarlos (en función de su relevancia). A su vez se pueden categori-zar a partir de su influencia, y diferenciar a aquellos que tienen mayor impacto en el logro de los objetivos de la organización. Asimismo, la dependencia de aquellos que se ven afectados positiva o negativamente por la actividad de la organización.

c. y dar respuesta (estableciendo recursos y medidas necesarias) a las ne-cesidades y demandas de los grupos de interés” (Granda-Revilla; Tru-jillo-Fernández, 2011).

Asimismo, establecen que la relación con los stakeholders tiene un triple objetivo: • Recoger información que apoye la toma de decisiones: al obtener la opinión

directamente de los grupos de interés, aumenta la probabilidad de que las mejoras o los nuevos servicios ofertados sean aquellos que la comunidad re-almente necesita o demanda.

• Crear una dinámica participativa de tal modo que los stakeholders se sien-tan parte de la institución. El trato directo con los grupos de interés propicia el acercamiento entre ambas partes lo que conlleva un aumento de la repu-tación de la institución.

• Desarrollar el nivel de relación: que los grupos de interés pasen de una posi-ción pasiva a una participativa. (p. 74).

La información que se obtiene a partir del seguimiento de los objetivos anteriores, puede ser utilizada para crear el plan estratégico de las organiza-ciones, tomando como base:

Tabla 3. Base para la toma de decisiones

Nivel de responsabilidad Concepto

Servicio-productoQué nivel de servicio es necesario para atender a las necesidades de la comunidad, en el presente y en el futuro

Prioridades de los usuarios-residentesCuáles son las prioridades de los usuarios para el servicio ofrecido por la empresa

Prioridades del proyecto de la organizaciónEstas prioridades, ¿abordan todo el rango de las necesidades de los usuarios?

Compromiso con la innovación de la empresa¿Cómo puede la organización asegurar que los servicios sean innovadores, eficientes y sostenibles?

Fuente: Adaptación propia con información de Rios-Hilario y De Sousa-Guerreiro (2015).

Agle y Wood (1997) citados en Horras y Socias (2011), establecen las bases para que las organizaciones identifiquen a sus grupos de interés a partir del poder que éstos ejercen en ellas. Indican que este poder emana de la supervi-vencia de la entidad en términos de intereses económicos, incluso por encima de aspectos de legitimidad moral o legal.

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Capítulo 1 – La responsabilidad social empresarial, un análisis desde la base de la teoría de los stakeholders

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A partir de los cuestionamientos en los que la RSE se ve envuelta, la innova-ción es un aspecto que está involucrado en la operación de las organizaciones. En este sentido, Perdomo y Escobar (2011) establecen que el efecto de la RSE sobre esta innovación se centra en analizar cómo las prácticas y acciones de relación con los stakeholders puede promover un cambio tecnológico. Específicamente indican que se investiga sobre las relaciones con proveedores y clientes, la relación univer-sidad-empresa. Por otro lado, afirman que el enfoque de estos grupos de interés como marco de análisis de la RSE ha permitido probar el beneficio de la gestión de relaciones “respecto al atemperamiento de los factores de riesgo empresarial”.

Al respecto Smith y Williams (2011) abordan el tema desde el punto de vis-ta mercadológico al afirmar que hay una relación cercana entre la comunicación y la aplicación de la RSE con los grupos de interés. Afirman que, al mismo tiem-po que los especialistas de ética empresarial fueron despertando a las responsa-bilidades combinadas del comercializador y el consumidor, las empresas descu-brieron la RSE. La postura de ambos autores indica que la mercadotecnia, más que cualquier otra disciplina de negocios, está preparada de forma única para ayudar a las empresas y a los interesados que se benefician de un movimiento económico, hacia una relación más simbiótica entre las empresas y la sociedad.

Carapica (2011) citado en Ruiz (2012) establece que la relación con los grupos de interés ha cambiado a nivel internacional en el entorno de negocios. Se ha despla-zado el enfoque tradicional de la empresa basada en los accionistas “shareholders” por el enfoque de los grupos de interés “stakeholders”. Esto dado que se asume que las empresas no rinden cuentas única y exclusivamente a sus accionistas, sino que también deben tomar decisiones compartidas con todos los actores sociales de su en-torno. Cuando la empresa establece sus relaciones a partir de sus grupos de interés, esto le permite desarrollar una cultura ética empresarial basada en valores univer-sales como la honestidad, la transparencia, la comunicación y el diálogo.

MétodoEl método con el cual se abordó este trabajo fue el cuantitativo, bajo un

diseño no experimental - transversal, de alcance correlacional, las organiza-ciones fueron censadas, los datos descriptivos de los participantes se muestran en la tabla 4.

Tabla 4. Descriptivos de los participantes

Organización N α - CronbachGénero (%) Edad

Masculino Femenino MediaDesviación Estándar

Invernadero 48 0.875 52.1 47.9 31.10 11.56Fertilizantes 68 0.777 75.0 25.0 31.09 6.30Mercado 40 0.972 0.0 100 28.27 5.37Hospital 60 0.947 40.0 60.0 36.58 8.04Abarrotes 30 0.976 53.3 46.7 29.37 7.26Escuela 56 0.915 37.5 62.5 42.37 10.99

Fuente: Elaboración propia con datos de la investigación

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

ResultadosLos datos fueron capturados y analizados en el paquete estadístico SPSS

versión 21.0 y se realizó una prueba de regresión múltiple.

Tabla 5. Concentrado de datos de la regresión múltiple

EmpresaDurbin/Watson

Cons-tante

GB DH PL MA PJO AC PADC

Fertili-zante

2.148B -0.017 0.892 -0.444 0.103 0.318 0.223 -0.335 0.274

Sig 0.991 0.000 0.073 0.654 0.182 0.445 0.125 0.100

Inverna-dero

2.304B 0.157 0.465 -0.026 0.126 -1.131 -1.122 0.229 0.463

Sig 0.881 0.098 0.880 0.471 0.523 0.602 0.259 0.020

Mercado 1.626B -0.131 0.211 0.227 0.110 0.181 0.284 0.177 -0.123

Sig 0.799 0.296 0.311 0.599 0.328 0.202 0.330 0.496

Abarrote 1.589B 0.613 -0.393 1.273 0.326 -0.021 -0.236 -0.322 0.252

Sig 0.401 0.535 0.005 0.535 0.954 0.540 0.520 0.346

Hospital 2.485B 0.058 0.345 -0.164 0.002 0.367 -0.220 0.301 0.415

Sig 0.908 0.023 0.309 0.990 0.007 0.226 0.067 0.002

Escuela 1.949B 0.815 0.074 -0.001 0.103 0.450 0.096 0.065 0.118

Sig 0.270 0.615 0.968 0.629 0.021 0.591 0.765 0.346

Fuente: Elaboración propia con información de la investigación

La tabla muestra que los participantes de cada empresa identifican de for-ma distinta las dimensiones de la responsabilidad social que inciden directa-mente en la variable de responsabilidad social, de tal forma que en la empresa de fertilizantes se identifica claramente la dimensión de gobernabilidad, en la empresa de invernadero se idéntica la participación activa y el desarrollo de la comunidad, el mercado no idéntica a ninguna dimensión, la empresa abarrote-ra identifica la dimensión de los derechos humanos, el hospital identifica tres dimensiones, la gobernabilidad, el medio ambiente y la participación activa y el desarrollo de la comunidad, finalmente la escuela identificó la dimensión del medio ambiente. De igual forma se realizó un análisis de varianza (ANOVA) para identificar las medias significativamente diferentes en cada una de las empresas con cada una de las dimensiones de la responsabilidad.

Tabla 6. Análisis de varianza a las dimensiones de la responsabilidad socialDimensión Empresa Invernadero Fertilizantes Mercado Hospital Abarrote

Gobernabi-lidad

Fertilizantes 1.000Mercado 0.007 0.002Hospital 0.000 0.000 0.999Abarrote 0.043 0.021 1.000 0.989Escuela 0.031 0.011 0.978 0.837 0.999

Derechos humanos

Fertilizantes 0.184Mercado 0.749 0.976Hospital 0.162 0.000 0.003Abarrote 0.812 0.012 0.154 0.973Escuela 0.750 0.002 0.078 0.899 1.000

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Capítulo 1 – La responsabilidad social empresarial, un análisis desde la base de la teoría de los stakeholders

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Tabla 6. Análisis de varianza a las dimensiones de la responsabilidad socialDimensión Empresa Invernadero Fertilizantes Mercado Hospital Abarrote

Prácticas Laborales

Fertilizantes 0.208Mercado 0.965 0.032Hospital 0.444 0.000 0.949Abarrote 0.417 0.001 0.885 0.999Escuela 0.839 0.004 1.000 0.987 0.947

Medio ambiente

Fertilizantes 0.966Mercado 0.001 0.000Hospital 0.044 0.001 0.654Abarrote 0.210 0.025 0.708 1.000Escuela 0.168 0.009 0.368 0.995 1.000

Prácticas justas de operación

Fertilizantes 0.996Mercado 0.001 0.000Hospital 0.385 0.092 0.137Abarrote 0.953 0.757 0.061 0.973Escuela 1.000 0.999 0.000 0.273 0.919

Asunto de los consumi-dores

Fertilizantes 0.992Mercado 0.004 0.010Hospital 0.345 0.624 0.370Abarrote 0.237 0.442 0.869 0.993Escuela 0.912 0.996 0.055 0.915 0.735

Participación activa y de-sarrollo de la comunidad

Fertilizantes 1.000Mercado 1.000 1.000Hospital 0.749 0.672 0.875Abarrote 0.537 0.470 0.677 0.992Escuela 0.994 0.991 0.999 0.960 0.804

A partir del análisis de varianza es posible identificar que las organiza-ciones Mercado, Invernadero y Fertilizantes, son las organizaciones con mayor número de diferencias significativas en cuanto al entendimiento de las dimensio-nes de la responsabilidad social, en cuanto a la gobernabilidad las organizacio-nes de hospital, abarrote y escuela mostraron concordancia en el entendimiento del concepto, por otra parte, las organizaciones mercado, abarrote y escuela mos-traron diferencias significativas con las organizaciones invernadero y fertilizan-tes, esta situación es posible adjudicársela al hecho de que el invernadero y la empresa de fertilizantes están ubicadas en un sector rural lo que puede generar diferencias en la interpretación de lo que es la gobernabilidad.

La dimensión de derechos humanos, que debido a su difusión se puede pensar que se trata de un concepto más estandarizado, las organizaciones hos-pital, fertilizante y mercado evidenciaron diferencias significativas en su con-cepción, de igual forma hubo diferencias significativas entre la organización fertilizante y escuela, esta situación hace pensar si ¿los esfuerzos en difundir los derechos humanos están permeando en la sociedad o si se comprenden con-forme a los contextos sociales y regionales?

En cuanto a la dimensión de prácticas laborales se evidencio una clara diferencia entre la organización dedicada a la producción de fertilizantes con

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

las organizaciones denominadas como mercado, hospital, abarrote y escuela, solo mostró coincidencia con el invernadero.

La dimensión del medio ambiente, es una dimensión la cual normalmente es la más identificada con el tema de la responsabilidad social, sin embargo, los resultados muestran que la organización invernadero muestra diferencias signi-ficativas con la organización mercado y el hospital. Por otro lado la organización fertilizante mostró diferencias significativas con la organización mercado, hos-pital, abarrote y escuela, nuevamente las únicas dos organizaciones que mos-traron una concordancia significativa fueron las de invernadero y fertilizante.

En cuanto a la dimensión de prácticas justas de operación, la organización mercado mostró diferencia significativa con las organizaciones invernadero, fertilizante y escuela.

Una de las dimensiones que las organizaciones tienen más desarrollada es la de asunto de los consumidores, entre otras cosas debido al discurso de la calidad, sin embargo, nuevamente la organización mercado mostró diferencias significativas con las organizaciones de invernadero y fertilizante.

La dimensión de participación activa y desarrollo de la comunidad no mos-tro ninguna diferencia significativa entre las organizaciones abordadas, lo que sugiere que este concepto es el más consensuado entre estas organizaciones.

Si bien las dimensiones de la responsabilidad, a excepción de la participación activa y el desarrollo de la comunidad, han mostrado diferencias significativas en las organizaciones estudiadas, en el concepto de si la organización es socialmente responsables, no hubo diferencias significativas, como lo muestra la tabla 7.

Tabla 7. Análisis de varianza al concepto de responsabilidad socialDimensión Empresa Invernadero Fertilizantes Mercado Hospital Abarrote

Gobernabi-lidad

Fertilizantes 1.000Mercado 0.828 0.858Hospital 0.922 0.945 0.999Abarrote 1.000 1.000 0.937 0.982Escuela 0.974 0.919 0.357 0.448 0.965

A partir de este resultado, es posible inferir que las organizaciones tienen un concepto más o menos compartido de qué se trata la responsabilidad social en lo general, sin embargo, cuando se trata de comprender la responsabilidad social a partir de sus dimensiones, el estudio muestra diferencias en la concep-ción de dichos conceptos.

ConclusionesLa perspectiva que aborda la responsabilidad social desde la teoría de la

identificación de los grupos de interés o stakeholders, ha estado presente como una condición para que la organización se diferencie y para que desarrolle su capital social. La interdependencia es esencial. La relevancia es que el admi-nistrador identifique a estos stakeholders y desarrolle la estrategia para la organización pueda cubrir sus necesidades y objetivos.

La forma en que las organizaciones cumplen y aplican la responsabilidad social va de la mano también con las características de las personas que trabajan en ella.

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Capítulo 1 – La responsabilidad social empresarial, un análisis desde la base de la teoría de los stakeholders

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La investigación demuestra que si bien el discurso de la responsabilidad social ha sido difundido con cierta eficiencia, sus dimensiones no son enten-didas en el mismo sentido por los stakeholders de cada una de ellas, algunas dimensiones son entendidas de forma más consensuadas que otras y algunas organizaciones entienden de la misma forma algunas dimensiones y otras no.

Producto de esta investigación es posible afirmar que existe consenso en-tre las organizaciones de contextos rurales y las organizaciones de contextos urbanos, de igual forma fue evidente el hecho de que la única dimensión que no mostro diferencias significativas fue la participación activa y desarrollo de la comunidad, es decir, se puede afirmar que existe un entendimiento generaliza-do acerca de que la responsabilidad social tiene que ver con dicha participación activa de la organización en el desarrollo de la comunidad.

El concepto de responsabilidad social también fue entendido por las seis organizaciones abordadas de forma semejante, el estudio no mostro diferencias significativas en este entendimiento.

Este estudio fue realizado a partir de un contexto particular de la región centro de México, hará falta realizar estudios más generales, en contextos más diversos para poder afirmar que tales diferencias con constantes y permanen-tes entre la organizaciones rurales y urbanas, o entre actividades de una u otra categorización, por lo pronto pensamos que este estudio arroja información sig-nificativa que podrá servir como base para abordajes subsecuentes

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Sobre os autores

José Felipe Ojeda HidalgoProfesor – Investigador de la Universidad Politécnica de Guanajuato, perfil Promep, Miembro del Registro CONACYT de Evaluadores Acreditados (RCEA) convocatoria 290718, RCEA-0524826-2012 en al Área 5 Sociales y Económicas. Su producción consta a la fecha de 23 ponencias en congresos nacionales e internacionales, 16 artí-culos, 20 capítulos de libros, 8 publicaciones coordinadas y 5 conferencias nacionales e internacionales. Sus líneas de investigación son la Responsabilidad Social, el clima, la cultura, la satisfacción y el compromiso organizacional y el desarrollo estratégico de las pymes.

Maria Guadalupe Arredondo HidalgoNació en la ciudad de Guanajuato, Gto., México. Es Licenciada en Comercio Internacio-nal y Maestra en Administración por la Universidad de Guanajuato, Maestra en Desar-rollo Organizacional y Maestra en Enseñanza Universitaria por la Universidad de León. Estudió y obtuvo el grado de Doctora en Administración en la Universidad de Celaya. Sus líneas de investigación están dirigidas a estudios organizacionales en pequeñas y medianas empresas, competitividad y comercio internacional.Su experiencia laboral es de 22 años en el campo empresarial y de gobierno federal y

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Capítulo 1 – La responsabilidad social empresarial, un análisis desde la base de la teoría de los stakeholders

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estatal. Estuvo a cargo del área de comercio internacional de diferentes empresas en el estado de Guanajuato. Trabajó para la Secretaría de Economía en el Departamento de Promoción al Comercio Exterior en la Delegación del estado de Tlaxcala, apoyando a empresas pequeñas y medianas del sector textil. Se desempeñó alrededor de 8 años, como Ejecutiva de Promoción en la Coordinadora de Fomento al Comercio Exterior del estado de Guanajuato (COFOCE) en apoyo a las empresas que deseaban exportar o que ya lo estaban haciendo. Como docente, su experiencia es de 16 años. Ha impartido clases en el ámbito del Comercio y los Negocios Internacionales en la Universidad Tecnológica de León, Uni-versidad Politécnica de Guanajuato, Universidad de León, Tecnológico de Monterrey Campus León, y en el área de posgrados en la Universidad de Guanajuato, Universidad Iberoamericana León y la Universidad de la Salle Bajío. Actualmente es Profesora In-vestigadora de la División de Ciencias Económico Administrativas del Departamento de Gestión y Dirección de Empresas Campus Guanajuato, de la Universidad de Guanajuato.

Gerardo Álvarez ValadezNació en la ciudad de León, Gto., México. Es ingeniero Industrial por la Universidad Ibe-roamericana León con especialidad en Producción. Es Maestro en Desarrollo Organiza-cional por la Universidad de Guanajuato. Certificado en Operación Aduanera y Certificado en Dirección de Ventas por el Instituto Tecnológico de Estudios Superiores de Monterrey.Su experiencia profesional es de 26 años en las áreas de operaciones, administración y comercialización de empresas del sector calzado, de la construcción y servicios de asesoría de logística y comercio internacional.Actualmente es socio fundador y director de la empresa Grupo CREA, empresa dedicada a la fabricación de aditivos para la construcción y el concreto.Como docente, su experiencia es de 12 años colaborando con la Universidad Iberoame-ricana León, la Universidad de Guanajuato, la Universidad de León y la Universidad de la Salle Bajío, en las licenciaturas en Comercio Exterior y Logística y en el área de posgrados en la Maestría de Desarrollo Organizacional y la Maestría en Logística Internacional y Ca-dena de Suministros. Es asesor de la Unidad de Innovación, Aprendizaje y Competitividad (UIAC) de la Ibero León.

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2umA propostA de mudAnçA orgAnizAcionAL

dAs empresAs AéreAs brAsiLeirAs bAseAdA no desenvoLvimento

sustentáveLSergio Baltar Fandino

Marlene Jesus Soares Bezerra

Dentre os modernos meios de transporte, o avião está cada vez mais sendo uma ferramenta útil quando se busca economia de tempo, de vencer gran-des distâncias e de redução de custos operacionais. Neste sentido, países

com dimensões continentais tem neste modal um suporte essencial para seu desenvolvimento e equilíbrio entre as regiões.

O Brasil possui uma extensão territorial de 8.511.996 quilômetros quadra-dos, com uma população de 205 milhões de pessoas (IBGE, 2015), uma frota de aproximadamente 15.000 aeronaves (ANAC, 2015), e com áreas remotas, onde o avião e o barco são os únicos meios de transporte. A maior frota aérea do mundo é a dos Estados Unidos, com aproximadamente 250.000 aeronaves (BTS, 2015), sendo que a extensão territorial norte americana é de 9.363.124 quilômetros quadrados, com uma população de 320 milhões de habitantes (US CENSUS BUREAU, 2015).

A relação do território americano com a sua frota de aeronaves e sua po-pulação (uma aeronave para cada 38 km e uma aeronave para cada 1.280 pes-soas) referencia a realidade do transporte aéreo no Brasil (uma aeronave para cada 567 km e uma aeronave para cada 13.666 pessoas). Estes dados demons-tram o potencial do mercado aéreo brasileiro para os próximos anos.

Segundo o SNEA (2008), a Indústria Brasileira do Transporte Aéreo, a exemplo do que acontece na maior parte – ou quase totalidade – dos países de vasta abrangência territorial e dotados de um porte econômico comparável ao do nosso país, tem uma importância capital tanto na vida econômica da nação como em seus aspectos estratégicos, vinculando-se ao desenvolvimento, à inte-gração e à própria segurança do país.

Para Silva (2006), o transporte aéreo nacional ganhou importância, em um efeito de integração e de desenvolvimento, em função do amplo território do país, da precariedade do transporte rodoviário e da dificuldade de acesso a pontos longínquos do território, em especial a região norte do país.

O aumento de transporte aéreo entra em conflito com o desenvolvimento sustentável devido à natureza da sua produção, dependente dos derivados de

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petróleo que são extremamente poluentes. Os contrastes entre o desenvolvi-mento econômico e os impactos ambientais conferem para a aviação um dilema que tem que ser tratado; ou seja, que atitudes deverão ter as empresas de trans-porte aéreo para conviver harmonicamente com progresso que visa desenvolvi-mento com responsabilidade social e ambiental.

De acordo com o Painel Internacional de Mudança Climática (IPCC), as mudanças no clima resultantes do aquecimento global - que é provocado pelas emissões de gases causadores do efeito estufa terão graves consequências para os seres humanos e o meio ambiente.

Segundo a IATA (2011) a combustão de 1 quilograma (kg) de combustí-vel de aeronave no motor de um avião produz 3.15 kg de dióxido de carbono (CO2). No entanto, o volume liberado por voo está dependente de vários fatores tais como, a eficácia e manutenção, distância percorrida, a carga transportada (passageiros e mercadorias) e condições atmosféricas.

Um avião de grande porte da aviação comercial produz até 95 gramas de CO2 por quilômetro voado por passageiro. Isso significa que num trecho Rio-São Paulo são despejados 38 quilos de CO2 no ar por passageiro, e mais de 7,5 toneladas num voo com 200 pessoas.

Três toneladas de CO2 podem ser neutralizadas pelo plantio de 5 árvores. O preço médio de uma árvore usada no reflorestamento custa R$10,00. Neste sentido, um voo Rio-São Paulo seria neutralizado com 12,5 árvores, com um custo de R$125,00. Segundo a ANAC (2012), a maior empresa aérea nacional cumpre em seus voos domésticos, diariamente, em torno de 750.000 km, trans-portando 150.000 pessoas. Estes números mostram a importância do tema sustentabilidade no mercado aéreo brasileiro, e mais do que isso a importância de uma mudança organizacional para uma gestão adequada na relação empre-sa aérea e meio ambiente.

Até pouco tempo atrás, as grandes empresas aéreas nacionais dedicavam todas as suas forças para a ampliação de suas linhas aéreas e números de voos, sem se importarem muito com os efeitos negativos da sua operação.

Tendo em vista que grande parte das emissões ocorre fora das jurisdições dos Estados, as tarefas de contabilizar, e atribuir responsabilidades, por aque-las relativas à aviação civil internacional, são atividades complexas, tanto em sua dimensão técnica como no aspecto político. Desta forma, os países tendem a optar pela adoção de políticas de redução das emissões estabelecidas de acor-do com as aspirações das suas comunidades nacionais.

Assim, sem uma determinação específica e obrigatória pelo órgão nor-matizador da aviação no mundo, e como consequência, pelos órgãos res-ponsáveis pela aviação em cada país, fica a cargo das empresas aéreas, ou de algum Estado mais preocupado com a saúde do planeta e da sociedade, ações mais incisivas no âmbito da sustentabilidade e da responsabilidade social no setor da aviação.

Em todo mundo a legislação ambiental e a responsabilidade social das em-presas vem se desenvolvendo, mas no setor da aviação ainda é um tema que ocupa pouco espaço, principalmente no Brasil. Desta forma, as empresas perdem grande chance de impulsionar suas marcas com um selo verde e social, o qual que seria estratégico para as empresas aéreas, e fundamental para o planeta.

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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As empresas aéreas brasileiras não têm programas ambientais bem defini-dos, com indicadores que possam quantificar suas ações ligadas a sustentabili-dade. Além disto, o órgão normatizador da aviação civil no Brasil não tem regras obrigatórias que as empresas aéreas devam seguir com relação ao meio ambiente.

O investimento ambiental e social muitas vezes pouco contribui para os interesses estratégicos da empresa. Desta forma, se a abordagem de desen-volvimento sustentável como responsabilidade social fosse estendida para o âmbito da estratégia operacional da empresa, a mesma poderia ser usada como vantagem competitiva.

Darnall et al. (2001) salientam que a adoção de práticas de gestão ambien-tal altera profundamente a performance ambiental e econômica da organiza-ção, assim como o seu relacionamento com fornecedores consumidores, empre-gados, agências de financiamento e reguladores das políticas ambientais.

O fato é que muitas empresas aéreas evoluíram em sua gestão, o que mo-vimentou o mercado. E a agilidade em satisfazer o cliente tem se tornado si-nônimo de excelência empresarial, e exigido das empresas constante inovação nos produtos, nos serviços e também no processo de gestão (Nakagawa, 2000). Porém, é fato, que até a presente data, ainda não surgiu no Brasil um modelo de gestão adequado a cultura das empresas, necessidade dos clientes, e que acima de tudo ofereça um modelo de sustentabilidade para as empresas aéreas.

Para que as empresas aéreas possam se adaptar as pressões do mercado é necessário que se mantenham sempre atualizadas, de modo a se antecipar a eventuais mudanças provocadas por variáveis incontroláveis presentes no ambiente externo.

Na área ambiental as pesquisas científicas exploram diferentes estraté-gias que as empresas podem adotar para atender as demandas ambientais, como por exemplo: inovações ambientais e busca de eco-eficiência. Entretanto, há poucas publicações, principalmente brasileiras, sobre as práticas efetivas adotadas pelas empresas, o que justifica a importância de estudos que possam contribuir para construções teóricas sobre o assunto (RIGHETTI et AL, 2005).

O assunto aqui abordado é uma proposta com diretrizes para o desenvol-vimento sustentável para as empresas aéreas brasileiras, assim como a ma-neira de motivar a implementação desta proposta a partir das experiências e práticas de empresas de outros setores, das experiências e práticas de em-presas aéreas internacionais, além de uma pesquisa realizada com os agentes envolvidos no transporte aéreo.

Uma representação do modelo conceitual da gestão ambiental para as empresas de transporte aéreo é mostrada na figura 1 abaixo e contempla os inter-relacionamentos no ambiente externo e interno de uma empresa aérea.

O conceito-base da proposta é o do Triple Bottom Line (TBL), introduzido pela empresa de consultoria inglesa SustainAbillity, que avalia elementos eco-nômico-financeiros, sociais e ambientais de forma integrada. Aos princípios do TBL foram acrescidos, com as devidas adaptações, com as melhores práticas de empresas de outros setores, assim como das empresas aéreas internacionais. O quadro 1 (página ao lado) define a relação do modelo apresentado com o Triple Bottom Line, levando-se em consideração os ambientes internos e externos, assim como os três eixos: econômico, social e ambiental do TBL.

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Capítulo 2 – Uma proposta de mudança organizacional das empresas aéreas brasileiras baseada no desenvolvimento sustentável

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Concorrentes

Empresas de aviação

Clie

ntes

Fornecedoreses

Fornecedoreses

Aliados Órgãos reguladores

Planejamento ambiental

Processos

Operações

Antes do vôo

Durante vôo

Após vôo

Manutenção

Gestão de recursos humanos

(endomarketing)

Resultados ambientais

Marketing

Gestão de recursos

materiais(logística)

Benchmarking

Avalia

Figura 1 – Modelo conceitual de desenvolvimento sustentável para as empresas de transporte aéreo

Fonte: Fandino & Bodmer, 2012

Fonte: Fandino & Bodmer, 2012

Ambiente externo

Econômico Social Ambiental

Concorrentes X

Aliados X

Órgãos reguladores

X X

Clientes X

Fornecedores recursos materiais

X

Fornecedores manutenção

X X

Ambiente interno

Econômico Social Ambiental

Planejamento ambiental

X X X

Processos X X

Gestão de recursos materiais

X

Gestão de recursos humanos

X

Operações antes do voo

X X

Operações durante o voo

X X

Operações após o voo

X X

Benchmarking X

Marketing X

Quadro 1 – Relação do modelo com o Triple Bottom Line

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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No modelo conceitual para a aviação os fornecedores (fabricantes de aeronaves, fabricantes e fornecedores de combustível, fornecedores de ou-tros insumos e fornecedores de serviços de manutenção) contemplam o am-biente externo do modelo. Neste sentido, a gestão de recursos materiais da empresa e sua manutenção e devem responder positivamente os seguintes questionamentos:• desenvolve programa de armazenagem, destinação e reaproveitamento de

resíduos recicláveis? (sucata) – pneus lâmpadas, papel, filtro, ferro, alumí-nio, plástico.

• disponibiliza indicadores de desempenho dos produtos adquiridos, a fim de permitir aos fornecedores parâmetros técnicos comparativos de desempenho e qualidade?

• estabelece parceria com fornecedores para desenvolvimento de novas tecno-logias de segurança, desempenho e meio ambiente?

• abre as portas da empresa para que os fornecedores testem novas tecnolo-gias e novos equipamentos de segurança, desempenho e meio ambiente?

Outra etapa externa ao modelo são os órgãos reguladores (ANAC, DE-CEA, INFRAERO). Nesta etapa o questionamento a ser respondido positiva-mente seria:• participa ativamente de campanhas e projetos promovidos pelo governo/po-

der concedente, sobre segurança no transporte, cidadania, meio ambiente e segurança?

Fechando o modelo em seu ambiente externo devem ser levados em con-sideração: os aliados (empresas com prática de code share com a empresa); os concorrentes (empresas aéreas que atuam no mesmo mercado) e os clientes. Na etapa dos clientes, é importante a forma que os resultados ambientais obtidos são mostrados. Assim os seguintes questionamentos devem ser respondidos de forma negativa pela empresa:• respondeu, nos últimos três anos, a processos relacionados a saúde e segu-

rança do cliente? • teve nos últimos cinco anos, aeronaves retiradas de circulação por pressão

de clientes ou de órgão fiscalizadores?

Ainda no modelo é mostrado o seu ambiente interno, que tem o foco no pla-nejamento ambiental. O planejamento ambiental deve estar focado nas etapas:

Em relação ao meio ambiente:• existe comprometimento da empresa aérea com a causa ambiental? A em-

presa tem controle sobre os impactos e responsabilidade ambiental em toda a sua área de operação?

• está estabelecida e opera em conformidade com o estatuto da cidade quanto ao meio ambiente?

• participa de programas de redução de consumo e de emissão de poluentes de aeronaves proposto por entidades do setor?

• desenvolve programa de preservação ou recuperação de área verde no entor-no das suas unidades de negócio?

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Capítulo 2 – Uma proposta de mudança organizacional das empresas aéreas brasileiras baseada no desenvolvimento sustentável

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Em relação a educação e conscientização ambiental:• investe e participa de ações de educação ambiental voltadas para as comuni-

dades integrantes da sua área de operação?• utiliza os espaços internos das aeronaves para promover campanhas de

conscientização do usuário sobre poluição e preservação do meio ambiente?• desenvolve programa de redução de emissão de poluentes das suas aerona-

ves ou de terceiros a seu serviço quanto a: ruídos (limites de decibéis de acordo com a legislação), e redução de CO2 e outros gases?

• investe na aquisição de novas tecnologias e de equipamentos ecologicamente corretos?

• desenvolve projeto para aproveitamento de água pluvial e/ou reaproveita-mento de água potável nas operações de limpeza da frota e hangares?

• possui estação de tratamento (armazenagem, destinação e reaproveitamen-to) de efluentes líquidos oriundos da lavagem de aeronaves, motores e outros equipamentos?

• possui estação de tratamento (armazenagem, destinação e reaproveitamen-to) de resíduos graxos – tinta, óleo, solvente, e estopa?

O quadro 2 abaixo mostra os resultados de procedimentos relacionados ao planejamento ambiental e que podem alimentar o marketing da empresa.

Quadro 2 – Planejamento da Empresa Aérea

Procedimento Ação Resultado

Renovação da frotaCompra de aeronaves modernas pela empresa

Aeronaves tecnologicamente mais avançadas e menos poluentes

Unificação dos modelos de aeronaves

Compra do mesmo modelo de aeronaves pela empresa

Melhor gerenciamento da frota, o que leva a procedimentos padroni-zados, facilitando um voo verde

Redução do peso das aeronaves

Pinturas mais leves, ou aeronaves sem pintura, renovação do interior das aeronaves com estruturas mais leves

Aeronaves menos poluentes

Eficiência no sistema de hub

Ações de code-share e otimização de operações em aeroportos

Elevada taxa de ocupação e rápido atendimento no solo, minimizando o gasto de combustível

Fonte: Fandino & Bodmer, 2012.

O planejamento ambiental alimenta a gestão de recursos materiais (toda logística da empresa aérea); que juntamente com a gestão de recursos huma-nos alimentam os processos que irão padronizar as operações de voo (antes, durante e após o voo). É importante salientar que as operações de voo também dependem da manutenção aeronáutica realizada pelas empresas aéreas; e esta manutenção deve acontecer dentro de padrões de excelência e que contemplem aspectos ligados à preservação do meio ambiente.

Ainda na etapa de operações do modelo devem ser levadas em considera-ção algumas variáveis como: tipo de aeronave; distância percorrida; substân-cias emitidas e combustível utilizado. Todas as operações (antes, durante a

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após o voo) devem ser padronizadas nas seguintes fases:Plano de voo – é de responsabilidade do piloto, pelo menos 45 minutos antes

de dar a partida na aeronave, comparecer à sala de tráfego (conhecida como AIS) e preparar seu plano de voo, documento que perfaz oficialmente a rota prevista da aeronave até o seu destino, o que inclui a altitude e aerovia. As informações do plano de voo são lançadas no sistema para que não haja conflito de dados entre um plano de voo e outro. O software é programado, por exemplo, para evitar conflito de rota.

Autorização de tráfego – Depois que o piloto já está na aeronave e ainda an-tes da partida, entra em contato com a torre de controle do aeroporto para pedir a autorização de tráfego, que vai ratificar ao piloto que o seu plano de voo foi aprovado conforme proposto. Embora a informação/autorização seja repassada ao piloto pela torre de controle, a aprovação se dá via contato com o CINDACTA da área.

O controle de solo – Também fica situado na torre do aeroporto. Um profis-sional autoriza que o piloto dê a partida na aeronave. Esse controlador de solo vai informar ao piloto qual o percurso ele deve utilizar para chegar à cabeceira da pista.

Ponto de espera – Ainda em contato com a torre do aeroporto, o piloto infor-ma que está pronto para a decolagem. Depois de autorizado pelo controla-dor, o piloto faz a decolagem com a aeronave.

Transferência para o APP – Antes que a aeronave saia do contato visual do controlador que está no aeroporto, o piloto é informado que deve entrar em contato com o controle de aproximação (APP). Controladores dão a autori-zação para a subida. Após aproximadamente 40 milhas de voo, a aeronave passa a ser controlada pelos profissionais do ACC (centro de controle de área).

Transferência para o ACC – Os controladores que estão no ACC (sempre nos CINDACTAS) ratificam as informações sobre altitude e aerovia que a ae-ronave deve respeitar. Ao longo da rota, controladores utilizarão de vários pontos de verificação para saber se o plano de voo está sendo seguido. Entre as informações que são repassadas estão as das condições climáticas do aeroporto de destino, quais pistas estão em utilização e qual será utilizada para a aterrisagem.

A chegada – Nas proximidades do destino, a aeronave entra em contato com os controladores do caminho inverso ao da decolagem. Os controladores dos CINDACTAs transferem a aeronave para os controladores do APP (controle de aproximação), os quais dão autorização para os procedimentos de descida. Quando a aeronave já pode ser avistada, o controle passa para a torre que checa alguns procedimentos com o piloto, como por exemplo, se o trem de pou-so está baixado e travado e qual o percurso deve utilizar depois da aterrissa-gem e são orientados para o local de estacionamento no pátio de operações.

Nesta etapa de operações é importante que a sua implementação aconteça dentro de uma ordem cronológica que se inicia com a compra do bilhete por parte do passageiro até retirada da bagagem (levando em consideração todas as ações que possam envolver a empresa, os funcionários e os clientes), a saber: • (antes do voo): compra do bilhete – check-in (procedimento realizado pelo

passageiro antes do embarque, onde o mesmo se apresenta com documento

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Capítulo 2 – Uma proposta de mudança organizacional das empresas aéreas brasileiras baseada no desenvolvimento sustentável

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de identidade, embarca a bagagem e seleciona o assento) – despacho da ba-gagem – aguardo na sala de embarque – abastecimento - embarque – acio-namento dos motores – push-back (procedimento em que a aeronave estacio-nada na posição de partida é puxada para trás por um trator ou miniveículo para que possa ser colocada em posição de taxi, e comece a transitar sozinha até o início da pista para decolagem).

• (durante o voo): decolagem – pouso.• (após o voo): desligamento dos motores - desembarque – retirada de bagagem.

Os procedimentos antes do voo são apresentados no quadro 3 abaixo.

Quadro 3 – Procedimentos antes do voo

Procedimento Ação Resultado

Calculadora de CO2

Disponibilidade do cliente saber o valor de CO2 que será depositado no ambiente com trecho da passa-gem escolhida

Estabelecimento de uma cultura ambiental para os clientes

Carbono compensatório pelo cliente

Pagamento percentual da passa-gem destinado a compensar o CO2 depositado na atmosfera

Utilização do dinheiro para investi-mento em práticas para prevenção e mitigação do uso do CO2

Bilhete mais curtoEmitir um bilhete mais curto, com o restante do contrato podendo ser visualizado virtualmente

Economia de papel

Utilização de equipamentos de solo que não poluam

Compra de equipamentos moder-nos e não poluentes

Eliminação de CO2

Combustíveis mais eficien-tes e alternativos

Pesquisa e investimento em combustíveis

Eliminação de CO2 e economia de combustível

Acionamento dos motores somente quando for dada a autorização para a decolagem

Planejamento do voo pelo comandante e pelo despachante operacional de voo

Eliminação de CO2 e economia de combustível

Fonte: Fandino & Bodmer, 2012.

Os procedimentos durante o voo são apresentados no quadro 4 abaixo, onde é considerada a decolagem, o voo em si principalmente o voo de cruzeiro (é quando a aeronave atinge a altitude de 10.000 metros ou 30.000 pés.) e o pouso.

Quadro 4 – Procedimentos durante o voo

Procedimento Ação Resultado

Ajuste no voo de cruzeiro Treinamento de pilotos e co-pilotosEliminação de CO2 e economia de combustível

Demora para abaixar o trem de pouso e flaps

Treinamento de pilotos e co-pilotos Diminuição do tempo de arrasto, eliminando CO2 e economizando combustível

Fonte: Fandino & Bodmer, 2012.

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A parte final da etapa de operações indica os procedimentos após o voo, e que estão relatados no quadro 5 abaixo.

Quadro 5 – Procedimentos após o voo

Procedimento Ação Resultado

Pouso com ida direta para o finger ou área remota

Planejamento do voo e harmoni-zação com o controle de tráfego aéreo

Eliminação de CO2 e economia de combustível

Desligamento imediato dos motores

Planejamento do voo e harmoniza-ção com o pessoal de terra

Eliminação de CO2 e economia de combustível

Lavagem das aeronavesÁgua utilizada para lavar as aeronaves é tratada e reutilizada

Economia de água

Reciclagem do material de bordo

Utilização de recipientes específi-cos e implementação de programas de logística reversa

Diminuição do lixo originário do material utilizado a bordo

Reciclagem do uniforme dos funcionários

Programas de logística reversaDiminuição do lixo originário do uniforme dos funcionários que não é mais utilizado

Fonte: Fandino & Bodmer, 2012.

Todos os resultados obtidos nos procedimentos antes, durante e após o voo, se tiverem uma avaliação positiva servem de parâmetros para um plano de marketing a ser utilizado com os clientes. Os resultados avaliados de forma negativa devem ser submetidos a um benchmarking com empresas aéreas in-ternacionais ou com empresas de outros setores.

Outra etapa do ambiente interno a ser observada é a gestão de recursos hu-manos. Alguns pontos levantados pelas melhores práticas em empresas aéreas internacionais tem destaque o endomarketing praticado pelas mesmas, principal-mente quando o assunto é a internalização da sustentabilidade na cultura corpo-rativa; com o incentivo para que os colaboradores tenham o seu PPS (Projeto Pes-soal de Sustentabilidade), além da formação de um banco de ideias sustentáveis.

Como motivar a implementação da propostaA contextualização gerencial das empresas aéreas brasileiras, uma revi-

são teórico-conceitual sobre sustentabilidade, cultura e clima organizacional direcionaram a forma de implementação da proposta, além da pesquisa, onde foram levantados os principais pontos de motivação e orgulho dos funcionários em relação à empresa.

As condições econômicas, a estrutura organizacional e a remuneração são os fatores que mais influenciam o clima organizacional nas empresas aéreas. Assim, para que a proposta possa ser implementada e desenvolvida de forma satisfatória, se faz necessário que estes três fatores estejam em harmonia. Além, disso deve-se aproveitar a ótima comunicação nas empresas aéreas e a obediên-cia as regras organizacionais para a divulgação e prática do modelo ambiental.

Outro fator importante para motivar a implementação da proposta seria a divulgação da política ambiental da empresa para os funcionários de forma ampla.

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Capítulo 2 – Uma proposta de mudança organizacional das empresas aéreas brasileiras baseada no desenvolvimento sustentável

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Sobre os autores

Sergio Baltar FandinoDoutorado em Engenharia de Transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ/COPPE). Mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ/COPPE). Pós-Graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Graduação em Engenharia de Produção pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atualmente é Professor Adjunto do Curso de Engenharia de Produção da Universidade Estadual da Zona Oeste (UEZO), Professor do Curso de Engenharia de Produção do SENAI CETIQT e Professor do Curso de En-genharia de Produção da UNESA. Foi professor do curso de Engenharia de Produção da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), da Unigranrio e da Unifeso. Na Universidade Veiga de Almeida ocupou os cargos de Diretor das Engenharias, Diretor Acadêmico, Coordenador Geral e professor do Curso de Engenharia de Produção, Co-ordenador e professor do Curso de Ciências Aeronáuticas.

Marlene Jesus Soares BezerraDoutora em Sistemas de Gestão, Produção, Qualidade e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em Sistemas de Gestão pela UFF, Especialista em Gestão Estratégica da Qualidade em Educação, Especialista em Psico-drama Pedagógico e Organizacional, Especialista em Qualidade Total, Especialista em Docência do Ensino Médio, Especialista em Docência Superior. Engenheira elétrica-ele-trônica. Com experiência de mais 43 anos dos quais trinta anos de atuação direta na área de engenharia e qualidade com trabalhos relevantes na SESA, IMBEL, CEFET/RJ, FAETEC/RJ, SEE/RJ, SEE/PE, FG/PE e ITEP/PE. Possuo formação específica na área no Brasil e no Exterior. Destaco minha atuação recente como Gerente de Pesquisa e Desenvolvimento do Instituto de Tecnologia de Pernambuco ITEP, no acompanhamento das atividades de ensino, pesquisa, desenvolvimento e inovação, tendo atuado como representante da direção (RD) na condução da implantação do Sistema de Gestão da Qualidade da Instituição, fui também Gerente do Núcleo de Gestão Integrada do ITEP, responsável pela Implantação e Certificação do Sistema de Gestão da Norma ISO 9001:2008. Atualmente Vice-diretora e professora adjunta da Unidade Universitária de Engenharia de Produção do Centro Universitário Estadual da Zona Oeste (UEZO). Com experiência nas áreas de engenharia, administração e educação.

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3A contribuição dos princípios enxutos como formA de trAnsformAção

em processos HospitALAres

Renan André Barbosa dos Santos

Amanda Costa da Silva

Priscilla Yuka Kuroba

Rafael Paim Cunha Santos

Resumo

A aplicação do pensamento enxuto ou Lean Thinking obteve resultados satis-fatórios não apenas no setor industrial, mas destacou-se também em servi-ços. O setor hospitalar cada vez mais enfrenta aumento de custos e piora na

qualidade dos serviços prestados. O capítulo objetiva realizar um levantamento bibliográfico sobre a Filosofia Lean e sua aplicação no setor de serviços, a fim de evidenciar uma profunda transformação ao proporcionar benefícios com a sua utilização na área da saúde e evidenciar os benefícios que os conceitos da enge-nharia de produção proporcionam à saúde ao contribuir para a sociedade através da eficiência dos serviços prestados em unidades hospitalares. A metodologia constituiu-se de uma leitura exploratória, com a seleção de material de referên-cia, a fim de recuperar estudos anteriores, compreender a utilização da filosofia Lean e sua aplicação. Através dos conceitos e casos apresentados, foi possível perceber o potencial de contribuição da filosofia Lean para transformação dos processos em serviços de saúde, a fim de possibilitar a sustentabilidade do negó-cio, atrelado ao atendimento de qualidade prezando pela segurança do paciente.

Palavras-chave: Princípios Enxutos; Filosofia Lean; Transformação; Processos Hospitalares.

1. IntroduçãoOs serviços de saúde cada vez mais são caracterizados pelos custos cres-

centes na assistência atrelada à piora na qualidade do serviço prestado e às restrições crescentes no acesso aos serviços (ARAÚJO, 2005).

Um levantamento feito pelo governo norte-americano identificou uma série de indícios de sub-uso, mau uso e uso em excesso dos serviços de saúde dos EUA para ilustrar as ineficiências presentes nos serviços de saúde (DHHS, 1998).

A abordagem enxuta, estudada nesse capítulo como forma de contribuição para a melhoria dos serviços de saúde prestados, auxilia na eliminação de per-das do processo e está presente nos princípios do Sistema Toyota de Produção,

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posteriormente denominado Lean Thinking (WOMACK & JONES, 1996). Tal pensamento conduz ao aperfeiçoamento dos processos de produção e, mais re-centemente, de serviços. Com base nessa abordagem, busca maior qualidade aliada à maior eficiência, com capacidade de transformação ao gerar melhores resultados em termos de excelência operacional.

A aplicação da filosofia Lean em serviços de saúde é assumida como um compromisso cultural da organização de aplicar um método científico para con-ceber, executar, e melhorar continuamente o trabalho entregue pelas equipes, gerando mais e melhores valores para os pacientes e outras partes interessadas.

O capítulo objetiva analisar a aplicação da filosofia Lean em sistemas de saúde, a fim de evidenciar de que forma o uso dessa filosofia pode contribuir para a transformação dos processos de saúde, garantindo a sustentabilidade do negócio ao passo que beneficia os pacientes, através da qualidade e da seguran-ça dos serviços prestados atrelado a melhor utilização dos recursos disponíveis.

O capítulo está organizado e estruturado em quatro partes. A primeira delas descreve o objetivo do capítulo e aborda a metodologia utilizada para sua elaboração. Em seguida, apresenta o referencial teórico acerca da origem e dos pilares Lean, bem como dos seus princípios enxutos, dos tipos de perdas e da definição de valor. Além disso, trata da filosofia Lean aplicada a serviços e, especificamente a serviços de saúde. Na terceira parte apresenta dois estudos de casos, estudados por Silberstein (2006), para evidenciar a aplicabilidade da filosofia Lean nos serviços de saúde. Por fim, é apresentada a conclusão e recomendação de trabalhos futuros.

2.ObjetivoO trabalho objetiva demonstrar a aplicabilidade dos princípios enxutos, es-

pecificamente das técnicas do Lean Thinking, como forma de transformação em Processos Hospitalares tanto para a vida dos pacientes e seus familiares, quanto para a empresa. A finalidade é demonstrar meios de disponibilizar os serviços médicos com melhor qualidade e eficiência à medida que os recursos são utilizados adequadamente. A seguir estão relacionados os principais objetivos do trabalho:

Realizar um levantamento bibliográfico a respeito da Filosofia Lean e sua aplicabilidade no setor de serviços gerais e saúde visando evidenciar os benefí-cios do seu emprego no setor de saúde, sendo esta uma forma de transformação sustentável.

Demonstrar os benefícios que os conceitos e ferramentas de Engenharia de Produção dispõem à saúde ao colaborar com a sociedade através da melhoria dos serviços oferecidos em diferentes setores de ambientes hospitalares.

3.Metodologia De acordo com Lakatos & Marconi (2003) metodologia científica pode ser

definida como um conjunto de atividades sistematizadas e lógicas utilizadas para alcançar um objetivo, mostrando como alcança-lo, identificando os erros e orientando na tomada de decisão.

Segundo Lima (2007) existem dois grupos para os métodos de pesquisa: os métodos amplos, que tratam de questões genéricas e abstratas, e os métodos de procedimentos, que possui abordagens de pesquisa. <Figura1>

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A metodologia escolhida pertence ao segundo grupo, métodos de procedi-mentos, e constituiu-se de leitura exploratória. Foi realizada uma seleção de material de referência, visando recuperar estudos já realizados sobre o tema. Através disso foi adquirida maior compreensão sobre o tema e sobre as ma-neiras adequadas de aplicação das ferramentas enxutas ao setor hospitalar de forma a obter melhores resultados.

4.Referencial Teórico

4.1 Filosofia LeanSegundo Pinto (2011) o Lean teve início devido à escassez de recursos

para produção manufatureira do cenário japonês nos anos de 1950. Esse mo-delo de produção foi reconhecido pela produção dos produtos desejados pelos clientes com alta qualidade, no momento desejado, na quantidade exigida e eliminação dos desperdícios.

4.1.1. Princípios do Lean ThinkingSegundo Womack & Jones (2004), os princípios do Lean Thinking são:

1º - Definir valor: entender o que é valor para o cliente oferecendo valor agre-gado sem desperdícios.

2º - Definir a cadeia de valor: identificar e eliminar desperdícios ao longo da cadeia de valor, ou seja, separar as atividades do fluxo em três tipos: os

Metodologia científica

Método de pesquisa

Técnicas de pesquisa

Coleta de dados

Análise dos dados

Métodos amplos

Métodos de procedimento

Estratégias de pesquisa

• Estudo de caso• Survey• Experimento• Pesquisa-ação

Abordagem de pesquisa

• Qualitativa• Quantitativa

• Indutivo• Dedutivo• Hipotético-dedutivo• Dialétic0

• Entrevista• Documentos• Observação• Simulação• Questionário

Figura 1 – Estratégia de pesquisa utilizada para o estudo

Fonte: Adaptado de Martins (1999) apud Lima (2007).

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Capítulo 3 – A contribuição dos Princípios Enxutos como forma de transformação em Processos Hospitalares

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que geram valor; os que não geram valor, porém são imprescindíveis na manutenção e qualidade dos processos; e os que não criam valor e podem ser eliminados.

3º - Otimizar o fluxo: a produção em fluxo estável ajuda na diminuição dos tempos de produção e criação de estoques. A otimização do fluxo possibilita a identificação dos desperdícios.

4º - Sistema Pull: produzir somente quando o cliente ou o processo posterior demandar.

5º - Perfeição: melhoria contínua, em que os níveis da organização buscam al-cançar o estado ideal.

4.1.2. Princípios do Lean Thinking aplicados ao Setor de SaúdeO setor de saúde necessita que seus níveis de serviço e qualidade de aten-

dimento melhorem constantemente, porém não é o que ocorre. A piora na qua-lidade de serviços de saúde, as restrições no acesso e o aumento dos custos, revelam o problema do setor de saúde do Brasil (ARAÚJO, 2005). Elevados tempos de espera, atendimento de baixa qualidade, erros médicos e tratamento precário, são alguns dos exemplos de problemas vivenciados no dia a dia do setor hospital (IOM, 1999).

Segundo Setijono et al. (2011), a complexidade da área da saúde é carac-terizada pela necessidade de priorizar segurança e eficiência frente a custo e eficácia, visto que o fator humano prevalece durante a prestação destes serviços. Além disso, Spear (2005) expõe que para aplicar o conceito Lean em serviços de saúde é indispensável capacitar os profissionais da área a aperfeiçoar seu trabalho enquanto o realizam. Isto demanda identificar os desperdícios no processo.

Diante disso, o Lean Healthcare é uma abordagem relativamente recente. Neste modelo os princípios são baseados na assistência ao paciente, os quais estão apresentados a seguir (TOUSSAINT; GERARD, 2010):• Foco nos pacientes ao invés do hospital ou da equipe de trabalho. • Identificar valor para o paciente. • Eliminar desperdícios. • Minimizar o tempo de tratamento.

4.1.3. Lean como soluçãoVisto que diversos processos em ambientes hospitalares são ineficientes, o

Lean Thinking, o qual teve sua origem no sistema Toyota de produção, aparece como uma excelente opção para melhorar a área da saúde através: da apresen-tação de melhores resultados (saúde) aos pacientes, da melhora no desempenho do sistema (cuidado) e do desenvolvimento profissional (aprendizado) (BATAL-DEN & DAVIDOFF, 2007).

O pensamento enxuto não pode ser resumido a uma tática de fabricação ou um programa de redução de custos, mas uma estratégia de gestão que é aplicável a todas as organizações, pois foca na melhoria dos processos. As organizações, incluindo as de saúde, são compostas de processos, que se des-tinam a criar valor para aqueles que as usam ou dependem delas (clientes / pacientes) (IHI, 2005).

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4.2 Desperdícios na área de SaúdePesquisas apontam que falhas e ineficiências na prestação de serviços de

saúde resultam em danos muitas vezes irreversíveis aos pacientes, comprome-tem a qualidade e geram gastos desnecessários ao sistema de saúde (YOUNG; SAUNDERS; OLSEN, 2010). Segundo o Lean Healthcare Pocket Guide XL é necessário achar e eliminar os desperdícios relacionados à área de saúde, procurando agregar valor ao cliente. Por isso, é necessário analisar todos os processos da área, com relação direta ou indireta, a fim de verificar se cada atividade gera valor ou não ao cliente. O resultado desta análise é eliminar as atividades que não geram valor ou substituí-las por novas que passem a gerar valor ao cliente (MONTEIRO, 2011).

A partir das atividades que não agregam valor aos processos de saúde, Manos et al. (2006) elucida os desperdícios a seguir: 1 – Superprodução: ocorre quando é executado um conjunto de ações antes que

a próxima etapa realmente necessite. Este tipo de desperdício na saúde é geralmente observado em trabalhos em lotes. Por exemplo: realização de testes além do necessário, duplicação de exames por desconfiança, realiza-ção de exames desnecessários devido à falta de preparo da equipe.

2 – Erros ou defeitos: ajustes, defeitos, informações imprecisas/incompletas e correções são alguns fatores que costumam trazer problemas. Um exemplo para tal seria erros de medicação, informação errada ou não disponível, problemas na comunicação, dentre outros.

3 – Atrasos ou Esperas: a espera é um tipo de desperdício não importando como ela ocorre. Vários exemplos para este ponto podem ser expostos, como: profissionais da saúde esperando instrumentos fundamentais para realizar suas atividades; pacientes esperando na sala de emergência devido à falta de leitos; espera de pacientes por diagnósticos, tratamentos ou cirurgias.

4 – Movimentações Desnecessárias: seria o excesso de movimentações pelo hospital dos profissionais de saúde. Isso pode ocorrer devido a layout ina-dequado do local e falta de condições próprias ao trabalho. Deslocamentos desnecessários resultam na perda de tempo, que é um dos fatores críticos neste meio.

5 – Excesso de processamento: perda que acontece quando é feito algo além do que é preciso. Alguns exemplos de processamento inapropriado podem ser citados: preenchimento de uma grande quantidade de formulários; exagero na burocracia; elevado tempo de tratamento devido à falta de padronização; excessos de correções, retrabalhos e inspeções.

6 – Excesso de estoque: carregamento de estoques ou suprimentos resulta em custos na área de saúde. Além do mais, os custos relacionados à manuten-ção de estoques não são totalmente compreendidos.

7 – Transporte em excesso: os principais exemplos relacionados a transporte são: deslocamentos desnecessários de exames, informações, pacientes ou materiais. O local onde ocorre o processo pode ser readequado de maneira que transportes possam ser reduzidos.

8 – Desperdício do potencial humano: pode ser considerado o mais grave, pois é relacionado à subutilização da criatividade das pessoas. Este tipo de perda evidencia estruturas hierárquicas e equipes não aproveitadas de manei-

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Capítulo 3 – A contribuição dos Princípios Enxutos como forma de transformação em Processos Hospitalares

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ra correta, além disso revela a mentalidade estreita. Quem mais conhece determinado trabalho é quem está mais próximo do mesmo. Então os que dominam os processos devem ser capacitados em técnicas Lean a fim de aperfeiçoar e solucionar os problemas. A responsabilidade na melhora do processo dos membros da equipe é uma das principais vantagens do Lean. Tanto os indivíduos, quanto as equipes têm um valor diferenciado que par-cela considerável das organizações ainda não descobriu.

4.3 Expectativas de MudançasA gestão Lean procura fornecer consistentemente valor aos clientes com

custos mais baixos, através da melhor utilização dos recursos e identificação de possíveis melhorias dos fluxos. Na literatura, Lean significa começar pelo cliente (LIKER, 2004), fornecer valor ao cliente (HINES et al, 2004), maximizar valor de um processo, eliminando constantemente etapas do processo que geram des-perdício (SHINGO, 1996), atingir o desperdício zero, através da criação de um processo capaz (que produz um bom resultado a cada execução), disponível (pro-duz o resultado esperado a cada execução), adequado (que não causa atrasos), flexível em que cada etapa flui rapidamente de uma a outra puxada pelo cliente (IHI, 2005), almejar um processo perfeito, que satisfaça perfeitamente o desejo de valor do cliente sem desperdício algum (WOMACK & JONES, 1996).

Como se pode observar, as diferentes definições de autores ressaltam a ge-ração de valor para o cliente. De um modo geral, gerar valor pode ser conside-rado como uma tarefa essencial ao objetivo do cliente e que o traga benefícios. Para Pinto (2006), a criação de valor deve ser focada no cliente, pois é ele quem fará uso dos produtos ou serviços oferecidos pela organização.

Segundo Womack (2004), a geração de valor é sempre o resultado final de um ou mais processos. Na área da saúde, valor é definido como a percep-ção do paciente sobre o grau de atendimento de suas necessidades, ou seja, as atividades agregadoras de valor satisfazem aos pacientes, através do completo atendimento de suas necessidades (REDFILD & HOLMES, 2004 apud MON-TEIRO, 2011).

Setijono et al. (2011) caracterizam a complexidade da área da saúde pela necessidade de equilibrar segurança e eficiência com custo e eficácia, pois o fator humano prevalece durante a prestação destes serviços.

Vale ressaltar ainda que a geração de valor se origina da combinação dos processos de provisão e dos de consumo. Podemos definir processos de provisão como aquele que disponibiliza o bem ou serviço ao consumidor e os de consumo como o conjunto de etapas que o cliente deve percorrer para resolver seu pro-blema (WOMACK, 2004).

É possível ainda destacar princípios Lean aplicados à saúde relacionados aos processos de provisão como: reduzir trade-offs de desempenho, eliminar atividades que não agregam valor, estabelecer fluxo contínuo puxado pelo clien-te, envolvimento do paciente e delegar poder aos empregados.

O primeiro princípio refere-se ao fato de operações enxutas conseguirem reduzir os trade-offs de desempenho entre eficiência e flexibilidade ao combi-nar a eficiência da produção em massa com a flexibilidade da produção arte-sanal (BOWEN E YOUNGDAHL, 1998). Para Liker (2004), a exigência de

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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flexibilidade levou a descoberta de que a redução dos lead times dos processos aliada às linhas de produção flexíveis resultam numa maior qualidade, melhor produtividade, melhor utilização dos espaços e de equipamentos bem como a uma melhor capacidade de resposta à demanda.

O segundo princípio diz que atividades que não agregam valor são desper-dícios que devem ser constantemente eliminados através de revisões sistemáti-cas dos processos (SILBERSTEIN, 2006). Acabar com os desperdícios favorece a criação de valor para o paciente de maneira que este receba o tratamento sem maiores transtornos, como interrupções, desvios, retornos ou esperas. Identi-ficar o que é valor para cada cliente não é uma tarefa trivial, visto que cada segmento de atividade e indivíduo tem suas referências e prioridade. Contudo, quando analisado o meio relacionado à saúde é possível verificar que um servi-ço gerado com qualidade e eficácia é um valor gerado ao cliente.

Womack e Jones (1996) explicam que uma vez eliminadas as atividades que não agregam valor, a provisão enxuta buscará fazer com que a informação, o serviço ou o produto sejam trabalhados do começo ao fim do processo num fluxo contínuo, isto é, percorrendo cada etapa do processo sem esperas de qual-quer tipo. Essa definição está relacionada ao terceiro princípio.

O quarto princípio defende que quanto mais integrado o paciente estiver com processo, mais fácil se torna a percepção daquilo que o paciente/cliente considera como valor.

Dickson et al. (2009) apresenta duas ideias fundamentais do Lean. A primei-ra é a utilização da padronização dos processos para eliminação dos desperdícios. A segunda se refere à melhoria dos processos através do engajamento de todos os envolvidos. Essas ideias estão relacionadas ao quinto princípio em função da responsabilidade atribuída aos empregados pela qualidade do produto ou serviço.

É importante notar ainda três princípios Lean relacionados ao consumo. São eles: resolver o problema do paciente completamente, não desperdiçar o tempo do paciente e oferecer exatamente aquilo que o cliente quer.

Conforme Silberstein (2006), os princípios e ideias contidas na filosofia Lean tem grandes chances de ajudar no aumento da eficiência de operações na área de saúde. Esta possibilidade existe, pois os princípios ajudam a encontrar os principais fatores causadores de desperdício, além de atuar em importantes tarefas relacionadas à logística de saúde, como o atendimento eficaz atrelado a custos condizentes. Com isso, é possível obter maior eficiência em tais ativida-des e uniformizar os respectivos métodos.

A aplicação do Lean na saúde possibilita a transformação dos processos existentes em processos mais enxutos, constituídos pelas atividades que efe-tivamente agregam valor. Uma maneira de entender tal ideia é utilizar um indicador, resultado de uma divisão, onde o numerador representa as ativida-des que agregam valor e o denominador o total de atividades do processo. Com isso é possível avaliar que quanto mais próximo o resultado estiver do valor 1, melhor está sendo o processo. Por outro lado, quanto mais próximo do valor 0, menos valor está sendo agregado.

De acordo com Carter et al. (2009), nos Estados Unidos os gastos com serviços de saúde são responsáveis por mais de 16% do produto interno bruto. Enquanto o Canadá e grande parte dos países industrializados do ocidente

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Capítulo 3 – A contribuição dos Princípios Enxutos como forma de transformação em Processos Hospitalares

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destinam cerca de nove a dez por cento. Contudo, se os EUA não tivessem os atuais desperdícios, devido a ineficiências de processo, haveria uma redução de custo de cerca de 30 por cento com os respectivos serviços em saúde.

Diante do cenário apresentado anteriormente, podemos destacar que a utilização da filosofia Lean nas organizações de saúde contribuirá para redu-zir ineficiências relacionadas aos agendamentos, gestão de recursos e planeja-mento da capacidade, por exemplo, afetando diretamente a sustentabilidade do negócio e a qualidade e segurança dos serviços prestados aos pacientes.

5.Estudo de caso A seguir serão abordados dois casos em que o Lean gerou transforma-

ção a atividades relacionadas ao setor de saúde. Através desses casos é possível perceber uma transformação quanto a forma de prestação do serviço, visto que foram oferecidos tratamentos mais eficientes e humanizados aos pacientes e seus familiares. Os dois casos foram tiveram como base o estudo realizado por Silberstein (2006). O primeiro aborda o caso do Polo do Pé Pediátrico, enquanto o segundo aborda o caso do Hospital Dr. Badim.

5.1 Caso: Polo do Pé DiabéticoCom o objetivo de gerar um atendimento diferenciado ao portador da do-

ença Diabetes foi planejada a elaboração do projeto Pé Diabético. Quando em estágio evoluído, esse tipo de doença pode gerar mau funcionamento ou até esgotamento de diversos órgãos, dentre eles os rins, o coração e os olhos.

O projeto do Polo do Pé Diabético foi projetado pelo Dr. Jackson Caiafa. A motivação ocorreu, pois ele percebeu falhas em relação aos cuidados neces-sários ao paciente em uma experiência que teve no processo de tratamento da doença. Para o Dr. Caiafa a realização de uma cirurgia bem feita e o acompa-nhamento padrão não eram o suficiente, ele considerava necessária a devida análise das condições de vida dos pacientes visando a melhor recuperação pos-sível e uma preservação eficiente dos demais órgãos do corpo.

Então, o Dr. Caiafa idealizou o projeto para o Polo do Pé Diabético de forma que melhorasse o fluxo de atendimento ao paciente, visando aprimorar certos pontos, como: redução do esforço dos pacientes que possuem problemas de locomoção; redução do tempo de espera do paciente e dos seus respectivos acompanhantes; recursos para o serviço médico.

A implementação das propostas idealizadas possibilitou a eliminação dos desperdícios que geravam perdas ao processo de atendimento médico, podendo a partir de então gerar valor tanto para o paciente, quanto aos processos do Polo do Pé Diabético.

A redução do esforço dos pacientes que possuíam problemas de locomoção possibilitou a eliminação de três desperdícios. O primeiro desperdício elimi-nado era o de “transporte em excesso” realizado pelo paciente. O segundo des-perdício eliminado foi o “excesso de processamento” através da elaboração do redesenho de processos, pois anteriormente o paciente precisava se movimen-tar para ser atendido, além de serem realizados procedimentos desnecessários.

Paralelo a isso, foi reduzido também o tempo do paciente e dos familiares, sendo reduzido o desperdício de “atrasos e esperas”, graças à disposição imple-

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mentada entre os níveis de atendimento e o novo layout. Nesse novo cenário o paciente passou a ser atendido por cada um dos médicos de forma organizada e sequenciada em um “Box”, fato este que possibilitou que o processo ficasse mais dinâmico e completo.

Por fim, a utilização dos recursos médicos também foram otimizadas. Em virtude da nova estruturação, realizados em níveis de atendimentos e de atendi-mentos de pacientes em “Box”, foi viável a eliminação dos desperdícios “criativi-dade não utilizada” e “serviços desnecessários ou superprodução”, em função do serviço passar a ser disponibilizado de maneira integrada e centralizada.

A análise do caso estudado possibilita a percepção de que a aplicação de ferramentas enxutas permite a melhoria de diversos processos da área de saú-de. Essa melhoria, realizada através da eliminação de desperdícios, traz inú-meras vantagens para um grande número de envolvidos, sendo eles: o paciente, seus familiares e a instituição de saúde responsável pelo serviço disponibiliza-do. Com isso foi possível alcançar uma transformação sustentável ao ser ofe-recido um serviço com melhor eficiência operacional e qualidade, assim como possibilitar melhora de qualidade de vida do cliente.

5.2 Caso: Atendimento no Hospital Dr. BadimDe acordo com Silberstein (2006) as operações do Hospital Dr. Badim

(HDB) tiveram início em 2000. O HDB está localizado na Tijuca, possui 85 lei-tos (28 na CTI, 3 na emergência e 54 nos andares), opera com um corpo clínico aberto, atua com 400 funcionários e tem a filosofia de “o paciente em primeiro lugar”. A sua proposta é disponibilizar um serviço seguro, com alta capacidade técnica e humanizado.

Devido a essa proposta é necessária uma atenção especial em relação ao atendimento a ser disponibilizado ao paciente, visto que será a primeira opor-tunidade do cliente julgar a qualidade do serviço oferecido, enquanto o hospital terá a oportunidade de obter as informações que serão demandadas para os processos posteriores.

Visando o bom atendimento dos clientes é necessário que esses os profis-sionais do hospital sejam treinados adequadamente, haja uma definição apro-priada dos procedimentos e a estrutura esteja em condições adequadas de uso. É necessário que os processos estejam alinhados adequadamente, pois um pos-sível desalinhamento dos procedimentos poderia gerar falhas de comunicação ou falhas na execução das tarefas, assim como outras consequências indeseja-das, como o não pagamento pelo atendimento prestado. Devido tal fato é pre-ciso que o processo tenha uma definição bem estruturada, que seja integrada desde a chegada do paciente até o momento em que o paciente seja elaborado.

Objetivando um ambiente dinâmico e com resultados elevados o hospi-tal investe em pontos que considera essenciais, como o treinamento, boa remu-neração e conscientização dos seus empregados. Esse conjunto de atividades via-biliza que situações indesejadas sejam evitadas, como: não pagamento do serviço ofertado (glosa), consideráveis tempos de espera e falha quanto à informação.

Nos treinamentos foram ensinadas as rotinas e os procedimentos que os recepcionistas executariam, assim como apresentar o contexto em que tais ati-vidades estão inseridas. Foi feita também a padronização dos processos e cria-

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Capítulo 3 – A contribuição dos Princípios Enxutos como forma de transformação em Processos Hospitalares

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ção de ferramentas de controle para viabilizar a continuidade das informações. Por fim foi elaborado um plano de carreiras, visando menor rotatividade de seus empregados.

O retorno do investimento do Hospital é percebido através da eliminação de algumas perdas, dentre elas: “erros e defeitos”, “atrasos e esperas”, “excesso de processamento”, “transporte em excesso”. O caso analisado permite a per-cepção de que a aplicação de princípios Lean permitiu a melhora de diversos processos desse hospital. A eliminação de falhas do processo e treinamento do pessoal são algumas das mudanças que possibilitaram melhor serviço presta-do aos clientes, tanto os pacientes, quanto seus familiares. Portanto, mais uma vez foi viável obter uma transformação sustentável ao ser oferecido um serviço com melhor eficiência operacional e qualidade, com foco no cliente.

6.ConclusãoO serviço de saúde é uma atividade importante e essencial, pois objeti-

va melhorar a saúde de um enfermo ou paciente ou até mesmo evitar que o quadro de saúde tenha uma piora. (Silberstein, 2009). Portanto, esse tipo de serviço deve receber atenção especial, e as devidas adaptações quando neces-sário, visando melhores resultados e qualidade. Para que esse objetivo possa ser alcançado é viável o emprego de processos inovadores para esse meio, como a implementação de princípios enxutos, visando uma transformação eficiente e sustentável.

Ao ser analisado o pensamento enxuto, o Lean Thinking, foi constatado que suas técnicas e ferramentas possibilitam a diminuição, ou até mesmo a eliminação, de processos/tarefas que não agregam valor aos processos da área de saúde (Costa et al, 2013). A utilização das técnicas e ferramentas enxutas, portanto, apresentam-se como um meio de transformação organizacional para a sustentabilidade, visto que gera um tratamento mais humanizado e com me-lhor eficiência e qualidade.

Essa transformação organizacional é viável através da eliminação dos desperdícios e foco nos pacientes. Com isso é possível que seja gerado valor ao paciente ao minimizar o tempo de atendimento e tratamento e também ao hos-pital prestador do serviço ao melhorar seus serviços e consequentemente sua imagem perante seus clientes e sociedade. Um fator importante dessa mudan-ça organizacional é que ocorra social e economicamente sustentável.

Esse trabalho foi desenvolvido pelos autores com a intenção de destacar a importância da aplicação de novos princípios e ferramentas ao setor de saú-de, como exposto através do Lean. Apesar de haver a necessidade das devidas adaptações, esse novo tipo de aplicação poderá gerar eficiências elevadas e me-lhor qualidade de serviço, como nos casos estudados nesse capítulo, a um setor essencial que todos os cidadãos demandam: o de saúde.

É interesse do grupo que trabalhos similares sejam desenvolvidos na área de saúde visando melhoria contínua de maneira que gradativamente seja al-cançada uma profunda transformação organizacional para a sustentabilidade.

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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Sobre os autores

Renan André Barbosa dos SantosMestrando em Engenharia de Produção na Universidade Federal Fluminense - UFF. Gra-duado em Engenharia de Produção pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca - CEFET/RJ (2013). Durante onze anos foi professor particular de matemática e física, atividade similar à monitoria realizada em colégios e faculdades. No período de graduação realizou três estágios nas seguintes empresas: HP Hewlett

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Packard; Light Energia; Cefet Jr Consultoria. Já formado atuou como Engenheiro de Produção Jr I, área: Planejamento e Controle de Projetos, em uma consultoria do setor de óleo e gás, a Exactum - Consultoria e Projetos Engenharia.

Amanda Costa da SilvaGraduada em Engenharia de Produção pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET-RJ), Desenvolve, desde 2010, pesquisa sobre me-lhoria do processo de doação de órgãos e tecidos para fins de transplante no Estado do Rio de Janeiro a partir da aplicação de conceitos e ferramentas da Engenharia de Produção e da comparação com experiências nacionais e internacionais. Realizou Ben-chmarking no Sistema de Doação de Órgãos de Santa Catarina e São Paulo.

Priscilla Yuka KurobaConsultora de TI na Bridge Consulting. Possui graduação em Engenharia de Produ-ção pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca Cefet-RJ (2013). Tem experiência na área de Gestão de Projetos, mapeamento de processos e tecnologia da informação. Participou da empresa Jr do Cefet-RJ na área de Qualidade.

Rafael Paim Cunha SantosProfessor adjunto do Departamento de Engenharia de Produção do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca Cefet-RJ. Possui graduação em En-genharia da Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ (2001) e mestrado e doutorado em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ (2002, 2007). Tem experiência na área de Engenharia de Produção, com ênfase em Gestão de Pro-cessos, atuando principalmente nos seguintes temas: processos, tecnologia de in-formação, serviços, melhoria e organização. Tem especialização em Carnegie Mellon University - CMU e parte do doutorado foi realizado nesta universidade. Foi pesquisador visitante de CMU. Faz parte do conselho editorial do Business Process Management Journal. Líder do grupo GEOS - Gestão e Engenharia de Operações e Sistemas, do Ce-fet-RJ, centrado em pesquisa, ensino e extensão. Autor do livro, Gestão de Processos: pensar, agir e aprender.

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4gestão dA cAdeiA de vALor: construindo reLAções pArA

A sustentAbiLidAde do negócio

Maria Cristina Lopes Fedato

Cecilia Seravalli Soares

Jorge Soto

Introdução

O movimento global pelo desenvolvimento sustentável tem gerado mudan-ças significativas na sociedade e no ambiente de negócios em que as em-presas estão inseridas. A pressão que os limites do planeta exerce na

nossa sociedade produz, definitivamente, uma necessária mudança de men-talidade nas pessoas que se reflete, entre outras, numa mudança na forma de atuação das organizações empresariais. Incorporar aspectos de sustenta-bilidade nas estratégias de uma empresa se tornou fator determinante para a competitividade e perenidade de seus negócios. As empresas, como grandes gestoras de recursos e responsáveis por importantes impactos sociais, ambien-tais e econômicos, são induzidas a conhecer e gerir os riscos e oportunidades de seus negócios, não apenas dentro de seus muros, mas também ao longo de sua cadeia de valor. Uma empresa, independente de porte, setor de atuação ou região, é capaz de influenciar seus parceiros de negócio através da forma com que estabelece estes relacionamentos.

Ao analisar os impactos, riscos e oportunidades do ponto de vista da sus-tentabilidade de seu negócio, uma empresa não conseguirá deixar de conside-rar sua corresponsabilidade pelo que ocorre em todos os elos de sua cadeia de valor, seja a montante, na cadeia de suprimentos, que consiste nos fornecedo-res, produtores e prestadores de serviços, ou a jusante, onde encontram-se os clientes, os distribuidores, os consumidores finais e as fases pós-consumo.

Enxergar e compreender a cadeia de valor da qual uma empresa faz parte, entender seu papel, sua corresponsabilidade e agir na transformação desta cadeia para torná-la mais sustentável é uma tendência mundial, que se reflete em diversas iniciativas e mecanismos de mercado. Regras do mercado de capi-tais, mecanismos de financiamento e concessão de crédito e avanço da legisla-ção são alguns destes mecanismos.

Ao mapear suas cadeias de valor e analisar os aspectos de sustentabili-dade relevantes, empresas de diferentes setores certamente encontrarão re-

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alidades distintas. Todos os setores podem encontrar quais são os elos mais frágeis em suas cadeias, onde vulnerabilidades sociais e relações comerciais desequilibradas podem comprometer o desempenho de toda a cadeia. É o caso, por exemplo, do setor têxtil, ou de determinadas cadeias do agronegócio, onde os elos possuem graus de maturidade e de poder muito distintos, desequili-brando as relações. Também é possível perceber que alguns setores possuem relações mais estáveis e de longo prazo ao longo da cadeia, enquanto outros, onde os insumos normalmente são de baixo valor agregado e fácil substituição, possuem relações meramente transacionais ao longo da cadeia, sem o cuidado nem o interesse de construir relações duradouras.

Estes são apenas exemplos de aspectos que podem ser observados ao se analisar a sustentabilidade na cadeia de valor de uma empresa. No Brasil, a história, ainda recente, do envolvimento do setor privado com a gestão e desen-volvimento da cadeia de valor, em especial a cadeia de suprimentos, tem sido pautado por mudanças na forma de se relacionar com fornecedores e outros parceiros de negócio, refletindo uma desafiadora mudança da cultura da res-ponsabilidade pelos impactos de um negócio.

Entre os exemplos existentes, este artigo objetiva verificar de que forma uma organização pode atuar na transformação da cadeia do plástico ao combi-nar aspectos sociais e ambientais, positivos e negativos, oferecendo um apren-dizado importante sobre o tema.

2. Cadeia de valorO conceito de Cadeia de Valor mais difundido na atualidade foi cunhado

por Michael Porter em 1985, e diz que a cadeia de valor pode ser definida como: “o conjunto de atividades que adicionam valor a um produto ou serviço desde as etapas iniciais de projeto/produção até o atendimento ao consumidor final” (Porter, 1985). Isso inclui todas as atividades desde a obtenção da matéria-pri-ma até o descarte pelo consumidor final. Essas atividades compreendem as diferentes fases desde o fornecimento de matéria prima (logística, operações, logística de distribuição); a transformação desses insumos em produtos (produ-ção, logística, de qualidade e processos de melhoria contínua); a entrega desses produtos aos clientes (marketing, vendas e pós-venda); além dos serviços de apoio à empresa para realizar essa tarefa (planejamento estratégico, recur-sos humanos, gestão, desenvolvimento de tecnologia e aquisição) (Kaplinsky & Morris, 2000).

Na época da sua definição inicial, a cadeia era vista de forma linear, “ter-minando” no descarte. Muito se evoluiu desde então, tanto na configuração das cadeias como nos conceitos que as explicam. Falar em cadeias fechadas, econo-mia circular, etapas pós consumo é hoje uma realidade e um grande avanço em marcha, rumo à construção de cadeias mais sustentáveis.

Cadeia de valor e a sustentabilidadeConsiderando os desafios do desenvolvimento sustentável, o conceito de

Porter poderia ser complementado com a ideia de se considerar os aspectos eco-nômicos, sociais e ambientais ao longo das cadeias de valor e a importância de se construir relações comerciais competitivas, equilibradas e justas. Ou seja,

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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falar em sustentabilidade nas cadeias oferece às empresas a oportunidade de inovar na forma de fazer negócio, ampliando o valor gerado para os elos da cadeia e para a sociedade como um todo.

As questões de sustentabilidade na cadeia de valor podem se relacionar com o processo de seleção de fornecedores, políticas de compras de matéria-pri-ma, práticas de trabalho em toda cadeia, políticas de recursos humanos, imple-mentação de códigos de conduta e outras ferramentas gerenciais (Vurro et al., 2009). Além disso, as políticas de reciclagem e destinação de resíduos, inovação em processos e produto, envolvimento com a comunidade, formas de extração e fabricação de matéria prima, também podem ser considerados.

Indutores da transformação da cadeia de valor para a sustentabilidadeA atuação na transformação da cadeia de valor para endereçar questões

de sustentabilidade pode ser induzida pela pressão de alguns stakeholders (Seuring & Muller, 2008). A definição clássica do termo stakeholders se dá por: “grupos ou indivíduos que podem afetar ou ser afetados por uma organização ao buscar seus objetivos” (Freeman, 1984). Nesse caso, clientes e governo são bem relevantes. Os clientes, pois são a razão de existir e justificam a operação da cadeia e valor e o governo, que estabelece a regulamentação, fiscalização e os tributos da cadeia para o funcionar (Seuring & Muller, 2008). No entanto, outros stakeholders podem ocupar posição crítica numa análise de prioridades, dependendo do contexto específico de atuação de uma empresa.

A visão sistêmica da cadeia de valor e sua análise criteriosa do ponto de vista da sustentabilidade traz benefícios concretos para uma empresa, podendo agregar valor ao negócio através da geração de impactos positivos, e pode tam-bém preservar o valor do negócio, quando se trata da minimização de riscos e impactos negativos. Portanto, dependendo do contexto, as empresas podem ser motivadas por diferentes indutores de transformação na cadeia, tais como: o au-mento da vantagem competitiva, por meio da eficiência operacional e redução de custos; o estabelecimento de parcerias para proporcionar a otimização do uso de recursos; o gerenciamento dos riscos à imagem e à reputação da empresa, mini-mizando os riscos e a fragilidade de determinados elos, do ponto de vista ético, social ou ambiental; gerenciamento de riscos de ruptura de fornecimento; enga-jamento de toda a cadeia no atendimento de compromissos voluntários assumi-dos pela organização, como o Pacto Global, Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, Pacto pela Integridade e Contra a Corrupção (GVces, 2012).

A inovação em produtos e processos também pode ser um indutor impor-tante na mudança da cadeia de valor, pois pode resultar em aumento do fatu-ramento, produtividade, qualidade, lucratividade e acesso a novos mercados, e também de melhores impactos ambientais e sociais. Para vários setores e empresas, em especial aquelas onde seus processos já passaram por significa-tivas melhorias e busca de excelência operacional, a cadeia de fornecimento é o espaço onde reside a maior parte dos impactos e das oportunidades do ponto de vista da sustentabilidade. Assim sendo, uma vez tendo desenvolvido uma estratégia de sustentabilidade para sua própria operação, a sequência lógica é o engajamento com a cadeia para uma operação mais sustentável dos fornece-dores (EcoVadis, Sustainability in Real Life, 2014).

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Capítulo 4 – Gestão da cadeia de valor: construindo relações para a sustentabilidade do negócio

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Outro fator que a contribui para a transformação na cadeia de valor de forma eficaz é o agrupamento de empresas em plataformas colaborativas, para compartilhamento de informações sobre a gestão da sustentabilidade na ca-deia de valor, benchmarking e criação de novas soluções em conjunto. Essas plataformas possibilitam às pequenas empresas receberem orientações sobre como incluir práticas de sustentabilidade nos seus negócios e como aprimorar seu desempenho.

Cadeia de valor do plásticoAs mais distintas cadeias de valor vivem desafios e oportunidades pró-

prios, seja do ponto de vista econômico, social ou ambiental. Esses desafios e oportunidades dependem de como as cadeias são estruturadas, das regiões envolvidas, do porte das empresas, das relações de poder ao longo da cadeia, entre outros. A cadeia do plástico, com seus desafios e características próprias, será brevemente descrita a seguir.

O plástico é um material cada vez mais presente nos produtos atuais. Esse material é utilizado para substituir materiais como aço, ferro e madeira, com o objetivo de reduzir o custo, melhorar a performance, aumentar a resis-tência do material, além de ser reciclável. Plásticos vem do grego “plastikos”, que significa: “capaz de ser moldado”, e pode ser produzido a partir de deriva-dos de petróleo, cana de açúcar e milho (Abiplast, 2015).

Quimicamente, os plásticos são polímeros, ou seja, são formados por vá-rias moléculas, e podem ser divididos em termoplásticos e termofixos. Os ter-moplásticos podem ser moldados para formar produtos, por meio de aqueci-mento e pressão, várias vezes, ou seja, se aquecido novamente, irá derreter, e poderá ganhar outra forma. Já os termofixos, podem ser moldados apenas uma vez, pois sofrem reações químicas no processo de moldagem, o que impede sua reciclagem (Plastics Europe, 2015).

A cadeia de valor do plástico pode ser ilustrada conforme Figura 1.

Petróleo

Descarte

RefinoNafta

1ª GeraçãoCraqueamento

2ª GeraçãoPolimerização

3ª GeraçãoTransformados

Plásticos

Reciclagem

Indústria da Transformação e/ou Mercado Consumidor

Figura 1 – Cadeia de valor do plástico base Nafta

Fonte: Adaptado de Abiplast (2015). Perfil 2014 Indústria Brasileira de Transformação de Material Plástico. São Paulo, SP.

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O plástico pode ser produzido a partir de uma fração de petróleo chamada nafta, a partir do gás natural, a partir do etanol e de outras fontes. A cadeia do plástico preponderante no Brasil foi constituída a partir da nafta. Ela se inicia, efetivamente, na 1ª geração, onde a nafta é transformada em alguns insumos, como: eteno, propeno, buteno, butadieno, benzeno, tolueno e xileno. Esses insumos passam pelo processo de polimerização, na 2ª geração, e as-sim, são transformados em resinas termoplásticas: polietileno, polipropileno, poliestireno, PVC, EVA, entre outros. Esses produtos são matéria-prima da 3ª geração para produção de transformados plásticos (filmes, chapas, produtos para construção civil, embalagens, utilidades domésticas, aplicações médicas, etc.), que por sua vez, são distribuídos ao consumidor final ou para a indústria da transformação (Abiplast, 2015).

No Brasil, as etapas desde o refino até a 2ª geração são realizadas, na maioria, por empresas de grande porte. É na fase dos transformados plásticos onde se encontram o maior número de empresas. De acordo com o Anuário RAIS de 2013, esse setor possui mais de 11,5 mil empresas, sendo que 93, 4% de micro e pequeno porte, além de empregar mais de 350 mil pessoas (MTE, 2013).

O consumo per capita de plástico no Brasil, chegou em 2014, a 35 kg/habitante. Isto é bem menos que a média dos EUA, Japão ou da Europa que já ultrapassa os 130 kg/habitante. Esse consumo tem um grande potencial de crescimento, com consequente importante espaço para a reciclagem e reu-tilização de produtos plásticos. Em 2012, foram recicladas 683,2 mil tone-ladas de resíduos plásticos no Brasil, correspondendo a 20,9% dos produtos plásticos de vida curta consumidos. Esse percentual é bem próximo da média europeia de 2011 (25,4%) (Plastivida e Maxiquim, 2013). Mas o que lá não chega a ser um problema, aqui no Brasil o é, pois quase a metade dos resíduos sólidos urbanos no Brasil ainda não tem uma destinação adequada. Esse é hoje o principal impacto ambiental associados aos plásticos. As soluções para essa situação passam por adotar a coleta seletiva para ampliar a reciclagem mecânica e pela implementação de outras tecnologias que permitam recupe-rar o conteúdo material ou energético desses resíduos (reciclagem química ou energética). Dessa forma, esse material pode ter novo uso nas indústrias transformadoras ou como energia ou como combustível para a sociedade ou até como matéria prima para a indústria química. Graças à reciclabilidade e à origem do produto (um combustível) essa cadeia tem um grande potencial de se tornar mais circular.

Um outro aspecto relevante dessa cadeia é a importância da escala nas suas primeiras etapas (até a segunda geração) para garantir sua competiti-vidade. Isso faz com que o número de empresas vá crescendo à medida que a cadeia flui. Mas a escala já passa a ser relevante inclusive na 3ª geração, onde a produção de plástico fica concentrada em empresas de grande porte, que con-seguem fornecimento direto com as indústrias petroquímicas. O porte tanto da indústria petroquímica quanto de algumas empresas de transformação é sem dúvida um indicativo da sua relevância econômica, ele fortalece o respectivo poder de barganha na cadeia, mas ao mesmo tempo aumenta o nível de expec-tativa do seu engajamento na solução dos problemas associados à cadeia.

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Capítulo 4 – Gestão da cadeia de valor: construindo relações para a sustentabilidade do negócio

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2 MetodologiaO estudo de caso, metodologia aplicada no presente trabalho, foi selecio-

nado pois este estudo busca entender “como” ocorre o processo de transfor-mação organizacional na cadeia do plástico, tomando como objeto de estudo a Braskem, uma empresa de significativo papel e indutor de mudanças na cadeia em análise. O estudo de caso permite ao pesquisador conservar as característi-cas reais, holísticas e significativas, nas quais o evento estudado está inserido, situando-as nas condições contextuais no qual estão imersas (Yin, 2003).

Uma pesquisa correta e útil sobre mudança organizacional deve buscar um entendimento das relações entre contexto da mudança, o processo de mu-dança e o conteúdo da mudança (Pettigrew, 1989). Essa abordagem contextu-alista busca entender as características emergentes, situacionais e holísticas de um processo no seu contexto, em vez de dividir o objeto de pesquisa em conjuntos limitados de variáveis dependentes e independentes isoladas de seus contextos (Pettigrew, 1985).

A Braskem é uma empresa petroquímica e, desde sua criação, tem a sus-tentabilidade com um dos direcionadores de seus negócios. Dessa forma, in-serida na cadeia de valor do plástico, tem buscado transformá-la, atuando em todas as suas fases para melhorar consistentemente os impactos desse negócio no meio ambiente e na sociedade.

Os dados desse estudo de caso foram colhidos na página da internet da empresa, dos relatórios de sustentabilidade divulgados publicamente, artigos jornalísticos, e por meio de informações coletadas de gestores da empresa, por meio de entrevistas semiestruturadas.

3 Objeto de estudo: caso Braskem A Braskem é uma empresa com atuação global no setor químico e pe-

troquímico, de origem brasileira. É a maior produtora de resinas termo-plásticas das Américas e maior fabricante de bipolímeros do mundo. Na cadeia petroquímica, a Braskem tem atuação na 1ª e na 2ª geração da cadeia petroquímica (Figura 2). Sua produção é focada em resinas termoplásticas de polietileno (PE), polipropileno (PP) e policloreto de vinila (PVC), além de insumos químicos básicos, como: eteno, propeno, butadieno, benzeno, tolue-no, cloro, solda e solventes.

Em 2014, foram produzidos no mundo, aproximadamente, 230 milhões de toneladas de resinas termoplásticas (PE, PP e PVC). A Braskem foi responsá-vel por cerca de 3,5% da produção global de resinas e atendeu, em média, a 70% da demanda brasileira. Com esse dado, é possível perceber a responsabilidade da empresa dentro de sua cadeia de valor, uma vez que seus produtos são for-necidos para as empresas situadas na transformação dessas resinas em bens de consumo, que somam mais de 11,5 mil no Brasil, além de consumir grande parte da matéria prima, produzida na 1ª geração.

Visando atender o compromisso público assumido em 2002, desde o início de suas operações a Braskem tem buscado orientar seus negócios dentro dos princí-pios do desenvolvimento sustentável. O crescimento da Braskem está focado em expandir suas operações, mas também, em fortalecer sua cadeia produtiva, com ênfase no plástico, para que a sustentabilidade seja um direcionador dessa cadeia.

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Para isso, a Braskem definiu atuação em três pilares, associados à lógica da sustentabilidade na cadeia: (1) processos e recursos cada vez mais susten-táveis; (2) portfólio de produtos cada vez mais sustentáveis e (3) soluções para que a vida da sociedade seja cada vez mais sustentável. O foco na inovação é crucial para potencializar os resultados em cada um desses pilares e se dá na inovação dos seus processos, dos seus produtos e dos seus modelos de negócio.

Em 2013 a Braskem revisitou sua estratégia focando fortalecer sua con-tribuição para o Desenvolvimento Sustentável. Através de uma consulta que envolveu mais de 2000 pessoas, representantes das diversas partes interessa-das, revisou sua análise de materialidade, ou seja, a identificação dos temas relevantes para sua estratégia em sustentabilidade. Entre os temas desta-cam-se: uso de recursos renováveis; eficiência hídrica; mudanças climáticas; eficiência energética; resíduos de plásticos pós consumo; segurança; resultados econômicos / financeiros e desenvolvimento local; e fortalecimento das práticas em desenvolvimento sustentável. Esses temas são considerados na atuação da Braskem visando o fortalecimento das suas práticas e o desenvolvimento de soluções para a sociedade integrando sua cadeia de valor.

Figura 2 – Cadeia Petroquímica

Fonte: http://www.braskem-ri.com.br/o-setor-petroquimico

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Capítulo 4 – Gestão da cadeia de valor: construindo relações para a sustentabilidade do negócio

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Processos e Recursos Cada Vez Mais SustentáveisComo grande player e responsável por grande parte do volume de resinas ter-

moplásticas produzidas no país e no mundo, a Braskem gera impactos relevantes nas suas operações diretas considerando as três dimensões da sustentabilidade: econômica, social e ambiental. Para cada um dos temas materiais, a Braskem definiu objetivos de médio prazo (2020). Nas suas operações podem ser destacados: estar entre as melhores grandes indústrias químicas do mundo em intensidade de emissões de gases de efeito estufa (GEE) e ser um importante sequestrador de emissões de GEE, através do uso de matérias primas renováveis; estar entre as melhores grandes indústrias químicas do mundo em intensidade de consumo energético e ser importante usuário de energia de fonte renovável; e permanecer como referência em uso de recursos hídricos na indústria química mundial.

Através de inovações nos seus processos a intensidade de emissões a Braskem alcançou em 2014 a intensidade de 0,63 t CO2 equivalente / tonelada de produto. Essa marca é 13% menor que sua intensidade de 2008. Em valores absolutos isso significou evitar emitir 4,4 milhões de toneladas de CO2 equi-valentes nesse período. O que equivale a ter plantado mais de 30 milhões de árvores. Até 2020 a Braskem pretende alcançar uma intensidade menor que 0,60 t CO2 / tonelada de produto.

Na dimensão energia, a Braskem conseguiu reduzir em 10% a intensidade do seu consumo energético de 2002 a 2014 e em efluentes a redução da geração caiu 34% no mesmo período. Considerando que seu consumo de água alcançou um patamar bas-tante confortável quando comparada com a média da indústria química internacional (4,16 m3/t versus 25,9 m3/t segundo o ICCA – Conselho Internacional de Associações da Indústria Química), a Braskem decidiu focar seus esforços na sustentabilidade da fonte desse recurso. Entre 2011 e 2014 o reuso de água passou de 18,5% para 28,7%, ou seja, quase um terço da água que utiliza já tinha sido utilizada pelo menos uma vez anteriormente. Até 2020 a Braskem pretende alcançar 40% no índice de reuso.

Uma outra abordagem, é com relação à cadeia de etanol. Entendendo que a cadeia da agroindústria pode trazer riscos diferentes daqueles associados à indústria química, a Braskem desenvolveu um processo de gestão de forne-cedores, com código de conduta e um programa de auditorias específico. Os fornecedores são auditados para verificar sua adesão ao código de conduta, que define orientações sobre prevenção do desmatamento e de queimadas, proteção da biodiversidade, respeito aos direitos humanos e às relações trabalhistas, visando a eliminação da mão de obra infantil e da mão de obra escrava, e o monitoramento de indicadores socioambientais. No ano de 2014, 99,7% do fornecimento de etanol foi de fornecedores de etanol signatários do código de conduta, e similar percentual haviam sido auditados.

Portfólio de Produtos Mais SustentáveisA Braskem considera a inovação como estratégica para alcançar seus objeti-

vos em relação à sustentabilidade. Para isso, conta com mais de 300 profissionais dedicados a pesquisa e desenvolvimento, além de 23 laboratórios, 2 centros de inovação e tecnologia e 7 plantas piloto. Em 2014, foram investidos por volta de R$ 230 milhões em inovação. Alguns resultados: 15% das vendas geradas pela Unida-de de Poliolefinas no Brasil tiveram por base produtos desenvolvidos nos últimos

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três anos; 490 Clientes apoiados pelo Centro de Inovação e Tecnologia em Triunfo (RS), por meio de 14 mil análises de suporte; mais de 50 Clientes apoiados pelo Centro de Inovação e Tecnologia dos Estados Unidos; 261 projetos no pipeline de Inovação e Tecnologia da Empresa, para atender às diferentes áreas de negócios; 88 novos depósitos de pedidos de patentes, totalizando 852 documentos de paten-tes depositados em países como Brasil e Estados Unidos, na Europa e Ásia,

A maior parte dos novos depósitos de patentes está relacionada a tecnolo-gias que utilizam matéria-prima renovável. Dentro dessas inovações destaca-se o Polietileno de origem renovável cujo desenvolvimento foi anunciado em 2007 e cuja primeira fábrica foi inaugurada em 2010. Também já foram anun-ciados o sucesso no desenvolvimento do Polipropileno de origem renovável e o andamento dos projetos de desenvolvimento de Isopreno e de Butadieno de origem renovável, matérias primas que permitirão desenvolver borracha a par-tir de fontes renováveis. Com esse nível de compromisso a Braskem pretende permanecer na liderança global de produtos a partir de fontes renováveis.

Mas a inovação focando ampliar a sustentabilidade do seu portfólio de produtos não se limita à fonte de recursos renováveis. Mesmo com produtos de origem fóssil, a linha Maxio®, que agrupa resinas de Polietileno, Polipropileno ou EVA, melhora o processo produtivo dos clientes da Braskem, melhorando sua produtividade e reduzindo seus impactos ambientais. Possibilitando a re-dução da espessura dos produtos dos seus clientes e a melhor processabilidade, essa linha reduz a intensidade do consumo de energia dos clientes e as decor-rentes emissões de gases de efeito estufa.

Soluções para que a Vida da Sociedade Seja Cada Vez Mais Sustentável Neste pilar, dois objetivos podem ser destacados: o apoio aos clientes no

desenvolvimento de soluções ambientais e sociais; e ser reconhecida pelas co-munidades próximas às suas instalações e pela sociedade em geral como uma empresa contribui concretamente para a melhoria do desenvolvimento humano.

A cadeia da transformação, onde se encontram grande parte dos clientes da Braskem, é muito pulverizada, com predominância de pequenas e médias empresas, que tem mais dificuldade para engajamento em sustentabilidade. Essas indústrias buscam melhorias na produtividade e eficiência energética, mas sempre mais orientados à redução dos seus custos e menos à promoção do desenvolvimento sustentável.

A Braskem procura trabalhar em parceria com seus clientes para fortalecer toda sua cadeia apoiando seu crescimento e o aumento da sua competitividade. As parcerias com clientes incluem o suporte ao desenvolvimento de novos pro-dutos e aplicações; além do apoio à implantação de unidades de transformação próximas aos polos de produção da Empresa, para obter ganhos logísticos para ambas as partes, além da geração de renda, empregos e impostos para as regiões em que os projetos são implantados, promovendo o desenvolvimento local.

Visando o fortalecimento da cadeia dos plásticos, a Braskem, em conjunto com a ABIPLAST (Associação Brasileira da Indústria do Plástico) criou o PI-CPlast, o Plano de Incentivo à cadeia do plástico, que atua na melhoria da com-petitividade e crescimento da transformação plástica, incluindo investimentos para aumentar as exportações de produtos transformados, incentivo à inovação

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e o reforço na qualificação profissional e na gestão empresarial (http://www.pi-cplast.com.br). Em 2014, foram investidos de R$ 42 milhões no programa, com adesão de 45 clientes e comercialização de 35 mil toneladas. Esse programa de relacionamento com os membros da cadeia, também inclui assuntos de susten-tabilidade (reciclagem, análise de sustentabilidade, avaliações de ciclo de vida).

O programa ICV–Global, “Inovação e Sustentabilidade nas Cadeias Glo-bais de Valor” é um outro programa que visa o fortalecimento da cadeia de clientes, com maior ênfase nos aspectos do Desenvolvimento Sustentável. O programa, promovido pela APEX (Agência Brasileira de Promoção das Ex-portações e Investimento) com execução por conta do Centro de Estudos em Sustentabilidade, da Fundação Getúlio Vargas (GVces), teve a Braskem como âncora da cadeia de transformação plástica e em 2014 envolveu 10 clientes vi-sando fortalecer a exportação de produtos brasileiros com atributos associados ao desenvolvimento sustentável. Uma outra iniciativa que merece destaque é denominada “Let s talk packaging”. Trata-se de uma plataforma de comuni-cação, com portal na internet e e-mail, que tem o objetivo de divulgar os be-nefícios do uso do plástico em embalagem, com para seus clientes no Brasil, compartilhando ideias com Clientes e demais agentes da cadeia produtiva e fomentando novas parcerias no desenvolvimento de embalagens.

Merece ainda destaque a plataforma denominada “Wecycle”. Entendendo que uma das mais importantes demandas da sociedade é a solução dos resíduos sólidos municipais e entendendo que uma quantidade importante dos plásticos tem uma ampla aplicação em embalagens para preservação de alimentos, que após seu uso acabam sendo descartadas, a Braskem decidiu apoiar a solução da situação lançando uma plataforma que promova soluções concretas e específi-cas para as necessidades dos seus clientes ou dos clientes dos seus clientes. O objetivo é fomentar negócios e soluções que envolvam a reciclagem do plástico por meio de parcerias com organizações que já atuam ou têm interesse em atuar no segmento. A Braskem entra com o conhecimento técnico associado à ciência de polímeros buscando identificar a melhor solução que possa promover esses negócios. Um exemplo foi o desenvolvimento de um composto que permi-tiu à Starbucks Brasil dar um destino adequado aos copos de Polipropileno e à borra de café de suas lojas. Esse composto foi formulado com esses resíduos e com o Polietileno de Origem Renovável e está sendo utilizado para a produção de containers de resíduos que são utilizados nas próprias lojas da Starbucks. Essa solução é inédita no mundo.

4 Considerações finais Este trabalho conduziu um estudo de caso da Braskem, para avaliar de

que forma a empresa vem atuando na transformação da cadeia de valor do plástico, visando a sustentabilidade.

O contexto que motivou a mudança, se inicia na década de 50 do século passado, cujo desenvolvimento dos plásticos revolucionou a forma da sociedade satisfazer suas necessidades. Em 1950 eram produzidas 1,5 milhão de tone-ladas no mundo. Em 2010 a produção ultrapassava as 265 milhões de tonela-das. Isso ocorreu pelas suas características. Seu custo, sua leveza, resistência, durabilidade, segurança e reciclabilidade permitiu que o plástico passasse a

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apoiar a satisfação de diversas necessidades da sociedade. Na saúde, por exem-plo, é utilizado em cateteres, bolsas de soro, próteses dentárias. Na mobilidade é utilizado para aumentar a segurança dos veículos (air-bags, para-choques) ou para reduzir o peso para aumentar a eficiência energética, reduzindo as emis-sões de gases de efeito estufa. Na cadeia de alimentos em filmes agrícolas que permitem reduzir o consumo de água e fertilizantes, em silos temporários que permitem reduzir a perdas de produção no campo, ou nas embalagens que per-mitem aumentar a vida útil e reduzir as perdas de alimentos em toda a cadeia de distribuição. Na construção civil em eletrodutos ou cabos ou em tubulações para distribuição de água ou sistemas de coleta de esgoto.

Os benefícios são muitos, porém, existem também, todas as questões rela-tivas à utilização de combustíveis fósseis, às condições de trabalho na cadeia, à destinação e reciclagem dos resíduos, ao uso de aditivos, que podem influenciar na sustentabilidade da cadeia. Esses aspectos são os desafios da cadeia, mas também da sociedade. Considerando essa complexidade, a Braskem passou a atuar nas diversas etapas da cadeia, desde seus fornecedores de matéria-pri-ma, passando para seus clientes da indústria de transformação até chegar a outros agentes que trabalham na fase dos resíduos pós-consumo, incluindo aí a própria sociedade. Essa atuação já começa a dar resultados.

As empresas que procuram incorporar a sustentabilidade na gestão de suas cadeias de fornecimento precisarão romper paradigmas da relação con-vencional cliente-fornecedor, com o objetivo de construir relações estáveis e equilibradas, em nome da competitividade e perenidade de seu negócio. Ao olhar para o relacionamento com fornecedores para além das atividades tran-sacionais com foco exclusivo em qualidade, preço e prazo, enxergará um enor-me campo de oportunidades para inovação e desenvolvimento de soluções mais competitivas e sustentáveis.

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Sobre os autores

Maria Cristina Lopes FedatoGraduada em Engenharia Mecânica pela Escola Politécnica da USP (1986), Mestre em Administração pela FEA/USP (2005), Treinamento em Aprendizado Centrado no Parti-cipante pela Harvard Business School (2004).Coordenadora Pedagógica do curso de Especialização em Gestão Socioambiental para a Sustentabilidade na FIA/USP (Fundação Instituto de Administração).Consultora sênior da GIZ-Alemanha e do GVces (Centro de Estudos em Sustentabilida-de da Fundação Getúlio Vargas - EAESP), membro da CEE-277 – Comissão de Estudos Especiais de Compras Sustentáveis da ABNT/ISO e ponto focal da EcoVadis no Brasil.Especialista, consultora e professora em Estratégias de Sustentabilidade e Responsa-bilidade Social, Compras Sustentáveis, Sustentabilidade em Cadeias Produtivas, De-senvolvimento Sustentável.

Cecilia Seravalli SoaresEngenheira de Alimentos pela Escola de Engenharia Mauá, com especialização em Marketing pelo Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa e mestranda em Administração de Empresas pela FEA – Universidade de São Paulo.Trabalhou em empresas como Kellogg’s e Unilever, coordenando atividades de Marke-ting, no segmento de alimentos.Desde 2012, é consultora de Sustentabilidade na Seravalli Consulting, atuando em áre-as como: Estratégia de Sustentabilidade e Responsabilidade Social, Ética e Complian-ce, Engajamento de Stakeholders.É professora de pós-graduação no Instituto Mauá de Tecnologia – IMT.

Jorge SotoDiretor de Desenvolvimento Sustentável da Braskem, maior produtora de resinas ter-moplásticas das Américas e maior produtora de biopolímeros do mundo. Membro do Grupo de Líderes em Energia e Mudanças Climáticas do ICCA, Conselho Internacional de Associações da Indústria Química. Ex-Presidente do Comitê Brasileiro do Pacto Global.Engenheiro Químico (1985) pela Universidade Federal da Bahia, Brasil, Mestre em En-genharia Química (1994) pela COPPE - Universidade Federal do Rio de Janeiro e Doutor em Planejamento Ambiental (2007) também pela COPPE.

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5A responsAbiLidAde sociAL em orgAnizAções empresAriAis: ApLicAção

do conceito de cAdeiA sociAL produtivA no

desenvoLvimento territoriAL/LocAL

Cláudio Paula de Carvalho

1. INTRODUÇÃO

A globalização trouxe transformações em todos os sentidos, transformando as relações sociais e humanas, as relações empresariais assim como a visão em torno das vertentes de economia e de meio ambiente e de suas sociorre-

lações. Deste modo, dentro de uma contextualização dos processos de sustentabi-lidade, é importante destacar que o desenvolvimento tecnológico, seja sob a visão exploratória ou produtiva, deve ser orientado para uma estruturação no sentido do equilíbrio envolvendo os elementos como: o meio ambiente, os recursos naturais e as relações humanas (MAY et al., 2003). Neste sentido, sob uma melhor contex-tualização, a questão da crise ambiental traz à sociedade em geral a relevância do processo de reflexão e um novo posicionamento, a partir do momento que as percepções em relação ao meio ambiente têm como causa principal a conjuntura econômica, em que a lei do lucro é o princípio norteador e as pessoas são reduzidas a mera condição de consumidor deste processo (PINZÓN, 2007). Deste modo, cada segmento da organização passa a ter um papel importante no engajamento para o desenvolvimento da sustentabilidade, surgindo para as empresas a oportunidade em ser um agente de transformação ante a sociedade dando condições de atuar mais fortemente no desenvolvimento territorial/local e humano.

Por outro lado, a implantação de grandes empreendimentos na cadeia pro-dutiva do país nos últimos anos também trouxe a necessidade de ações específi-cas e muito mais integradas por parte das organizações assim como um maior engajamento, seja mais voltado para uma visão de desenvolvimento territorial/ local, seja pela necessidade de uma visão mais humana, em que os aspectos, conceitos e premissas de responsabilidade social corporativa devem se ater com mais ênfase nessas articulações. Estas ações devem ter um engajamento das organizações e atuar em maior consonância, não só alinhada à visão de negócio, aos princípios da empresa, mas, principalmente, não deixando de atuar de modo preponderante no papel relevante do desenvolvimento humano, de inserção so-cial, na garantia e no acesso aos direitos, fortalecendo as relações comunitárias.

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O engajamento das organizações deve passar pela inovação no processo de gestão de programas socioambientais, em que o conceito da lógica da Cadeia Social Produtiva seja um elemento chave para o desenvolvimento socioambien-tal e as premissas do desenvolvimento sustentável, além da consequência de-corrente das aplicabilidades, ações e atividades, que irão impactar no próprio desenvolvimento territorial/ local, e também humano. Não se deve deixar de considerar que estas ações de desenvolvimento devem se ater aos indicado-res de sustentabilidade como balizamento das implementações de programas e projetos sociais e os desdobramentos internos diante de uma cultura local e também ante a cultura organizacional.

Assim, considerando o conceito de universalidade ante a temática de sus-tentabilidade, como uma nova forma de entendimento do pensamento mais sustentável, a visão sistêmica exige que haja um equilíbrio socioambiental e econômico (CAPRA, 2006). E, ainda afirma que as propriedades essenciais de um organismo ou de qualquer sistema vivo vêm a ser propriedades do todo, que nenhuma das partes possui. A situação alarmante em relação ao futuro da so-ciedade humana requer um maior controle social e equilíbrio diante das ações de desenvolvimento tecnológico e econômico, porém, não deixando de inserir uma visão mais sustentável nas diversas formas de atuação, pois a realidade ambiental exige repensar o mundo, pensar no todo (PINZÓN, 2007).

Diante disso, e considerando as necessidades, as premissas, os aspectos e os princípios ante ao conceito de desenvolvimento sustentável e de desen-volvimento territorial/ local, este estudo tem como objetivo apresentar ações específicas e que se encontram em fase de desenvolvimento, relativas ao tema proposto quanto à implantação de um programa de responsabilidade social cor-porativo e sua significativa relevância no sentido de estruturar também ações e atividades inerentes ao desenvolvimento territorial/ local e humano, por meio de premissas relativas ao conceito do protagonismo social diante da lógica de uma Cadeia Social Produtiva. Ou seja, em que haja um maior engajamento das organizações, das instituições parceiras, além do próprio comprometimen-to e envolvimento comunitário e das demais partes interessadas e envolvidas [stakeholders] (RODRIGUES et. al., 2012).

2. Considerações sobre o desenvolvimento sustentávelO conceito de sustentabilidade se expressa pelas características de uma

sociedade em que se organize e se ajuste a comportamentos de forma tal que se aprofunde em temas calcados em recursos renováveis e recicláveis, pois isto permite uma condição mais sustentável, desde que inserida junto às partes envolvidas (BOFF, 2012). O processo de sustentabilidade passa pelo equilíbrio entre os elementos social, ambiental e financeiro, considerando a matriz do Triple Bottom Line (TLP), mas também deve introduzir o conceito de desenvol-vimento sustentável, tendo estes três elementos em uma equidade de combina-ção, da qual o elemento humano deve ser considerado um dos pilares.

A sustentabilidade de uma sociedade se mede por sua capacidade de in-cluir a todos e garantir-lhes os meios de uma vida suficiente e decente (BOFF, 2012). Em complementação à questão da sustentabilidade, há a necessidade de se repensar o processo de desenvolvimento, com novos valores, novas formas

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decisórias, mas, sobretudo, o entendimento da complexidade do problema e a solução do viver harmônico voltado à integração das pessoas (PINZÓN, 2007). O conceito de sustentabilidade deixou de ser visto pelas empresas meramente como uma atividade de negócio, mas como um atributo essencial para a sobre-vivência, para a longevidade e o respectivo sucesso do seu negócio. Pois, deve valorizar não só os aspectos sociais, ambientais e de gestão administrativa, de forma integrada, mas também passando pela construção de um modelo de gestão eficiente, dando condições de um melhor gerenciamento de resultados financeiros, sociais e ambientais adequados (NETO & BRENNAND, 2004). A empresa possui seu papel social, que contribui para o fortalecimento de sua imagem, da credibilidade, do fortalecimento de suas relações, atuando forte-mente como um dos agentes de transformação. As organizações podem ter uma participação como fomentadoras ou incentivadoras de projetos ou programas sustentáveis, cuja prática deveria ser mais comum entre as organizações. De-finitivamente, o processo de mudança de gestão é inevitável e implica em pro-fundas mudanças culturais. O crescimento econômico não é o objetivo final do desenvolvimento e tampouco assegura a melhoria de qualidade de vida às pessoas. O desenvolvimento humano sustentável é o valor principal da própria vida humana (ZAPATA, 2007).

2.1. O engajamento das organizações e a responsabilidade social corporativa A estratégia social de uma empresa deve compreender duas alternativas

estratégicas, seja de atuação direta, ou seja, junto ao seu público de interesse e as comunidades de relacionamento, ou de um modo indireto, em que as empre-sas atuam em cooperação com o poder público e outras instituições parceiras ou ainda em parceria com outras instituições técnicas ou mesmo empresas (NETO & BRENNAND, 2004), como aplicado ao longo da implantação do Programa de Responsabilidade Social Corporativo PQS (RODRIGUES et. al, 2012), em que o conceito da lógica da Cadeia Social Produtiva, é aplicada no desenvolvimento do Programa e dos projetos socioambientais em fase de desenvolvimento.

E, neste sentido, o conceito de responsabilidade social empresarial ou cor-porativa é uma forma de conduzir os negócios e que torna a empresa parceira e corresponsável pelo desenvolvimento social. A empresa socialmente respon-sável é aquela que possui a capacidade de ouvir os interesses das diferentes partes e, assim, conseguir incorporá-los ao planejamento de suas atividades (INSTITUTO ETHOS, 2004).

O engajamento das comunidades auxilia no processo de sustentabilidade, na medida em que ela se sente inserida, em que pese o senso de pertencimen-to àquilo proposto e que vem sendo desenvolvido em seu território. Com isso, projetos que são instalados no seu entorno ou na região, devem mobilizar o potencial de trabalho visando à concretização dos resultados, atuando na re-lação direta da transformação social, no seu sentido mais amplo e o desenvol-vimento comunitário passa pelo processo de significação e de transformação das comunidades envolvidas, além de construir cenários mais fortalecidos nas correlações futuras. A construção de uma nova concepção do desenvolvimento humano, sob uma nova ótica de governança, e que o tratamento das infor-mações, seja pela necessidade de maior transparência na tomada de decisões,

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Capítulo 5 – A responsabilidade social em organizações empresariais: aplicação do conceito de cadeia social produtiva no desenvolvimento territorial/local

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interesses e ações mais explicitadas, seja pela função dos diferentes interesses envolvidos. Isto se faz necessário para que se tenha uma melhor compreensão e construção de decisões mais consensuais, de forma que a visão venha ser mais bem mais compartilhada (ZAPATA, 2009).

O objetivo da prática de responsabilidade social e ambiental no universo empresarial, antes de tudo, é ter a consciência de que seu papel é também contri-buir em longo prazo para a manutenção das relações, minimizando os impactos adversos decorrentes do seu segmento de negócio sobre a sociedade e a própria natureza (MAY et al., 2003). Assim, dentro de uma abordagem ante as trans-formações globais, os aspectos e critérios de conduta e formas de administração são estabelecidos e, deste modo, se tem condições de melhor avaliar o processo de transformação necessário nas organizações diante do crescente movimento evolutivo da globalização, a qual alterou de forma expressiva as relações entre as partes interessadas, sejam elas relacionadas ao público interno ou o externo. As mudanças passam também pelas relações de poder, as quais são intrínsecas às múltiplas correlações relativas ao capital (BARBOSA, 2002).

A cultura organizacional precisa transformar-se diante dessas reais mu-danças, muito mais pelos ajustes necessários aos quais as organizações estão submetidas, mas, também, diante do processo desenvolvimentista cada vez maior, que não é diferente em termos de planejamento estratégico (RODRI-GUEZ, 2002). Porém, as premissas são diferentes no decorrer do tempo, princi-palmente após a implantação do processo de globalização, em que o processo de mudança é de longo prazo e em seu decorrer existe a interferência de muitos fa-tores internos e externos à empresa (BARROS & PRATES, 1996). E, em relação aos fatores mais internos, relativos à gestão de recursos humanos, as pessoas que compõem o quadro técnico-administrativo, também tem a necessidade de re-visão no aspecto da cultura organizacional. A gestão administrativa das pessoas e a cultura organizacional nas empresas possuem uma arquitetura organiza-cional estabelecida (TAKEUCHI & NONAKA, 2008). Isto tem sido um grande processo de mudança nas organizações, até por conta da dinâmica cotidina das empresas e dos processos, exigindo maior deliberação por parte da força interna, seus públicos de interesse e as ações de relacionamento comunitário.

São vários os fatores externos que alteram significativamente o compor-tamento organizacional, pois isto se dá pela composição de diversos fatores, sejam eles vinculados à imagem empresarial; a reputação e a credibilidade diante dos diversos públicos em geral, que levam a situações mais transpa-rentes junto às diversas partes interessadas e públicos de relacionamento e a sociedade em geral. Enfim, são diversos setores que se desdobram direta ou indiretamente, dependendo do tipo de segmento de negócio de cada empresa. Para cada ramo ou tipo de segmento, certamente, as partes interessadas tam-bém se desdobram, especificamente.

O mais interessante é que as organizações devem se ajustar diante da ne-cessidade em demonstrar a mudança de seus valores, considerando que mudou o nível e o grau de relacionamento. Principalmente, pelas diversas forças de pressão e dos respectivos movimentos decorrentes do processo de sustentabi-lidade, muito mais alinhados à responsabilidade social corporativa (MAY et al., 2003). Ainda dentro desta linha de mudança e cultura organizacional po-

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de-se constatar que em relação às necessidades sempre estão em acordo com o processo de evolução das gestões administrativas e empresariais (BERTERO, 1996). Principalmente, por conta da implementação massiva da globalização e seus efeitos ante as reais necessidades de mudanças administrativas e impac-tos na gestão assim como diante das transformações tecnológicas e organiza-cionais (RODRIGUEZ, 2002). E, decorrente destas mudanças, as necessidades são geradas, sejam elas por conta das relações interpessoais, de consumo, de manutenção junto às relações comunitárias e da sociedade em geral, por exem-plo. Que, por sua vez, geram a real necessidade de as empresas se ajustarem e se adaptarem as estas novas realidades diante dos meios de produção e das relações junto às diversas partes interessadas.

2.2. Fomento ao desenvolvimento territorial/local suas inter-relações no território de atuação, de influência e de relacionamento

Em consonância ao desenvolvimento socioeconômico implantado em boa parte do país nestes últimos anos, o recorte deste estudo se baseia nas práticas desenvolvidas no estado de Pernambuco, em que grandes empreendimentos vêm sendo implantados ou já instalados, como o Complexo Industrial Químico-Têxtil – PQS, composto por suas duas empresas: a Companhia Petroquímica de Pernambuco – PetroquímicaSuape, com uma unidade de produção de áci-do tereftálico purificado (PTA), que é a principal matéria prima na cadeia de poliéster. E, a outra empresa do complexo industrial, a Companhia Integrada Têxtil de Pernambuco – CITEPE, responsável pela produção de resina PET e de filamentos de poliéster. O complexo industrial é localizado no município de Ipojuca, situado na região da Mata Sul, que é um dos oito municípios que com-põem o Território Estratégico de Suape (TES), em Pernambuco. Além de Ipoju-ca, compõem o referido Território Estratégico: Jaboatão dos Guararapes, Cabo de Santo Agostinho, Moreno, Escada, Rio Formoso, Ribeirão e Sirinhaém. Por outro lado, em paralelo a esse movimento de desenvolvimento econômico, as comunidades situadas no entorno desses empreendimentos, ficaram à margem das questões socioeconômicas, restando a elas o ônus de décadas de dívida social, o que resultou em baixa escolaridade e dificuldade em empregabilidade.

A implementação deste complexo industrial, na região do Porto de Suape, as-sim como os demais empreendimentos estruturadores, enfrentou uma grande difi-culdade de absorção de mão de obra local. E, isso se deve pelo fato de que o processo de construção de empreendimentos estruturadores como o polo petroquímico (no qual o Complexo PQS integra), uma refinaria, estaleiros navais, empresas eólicas, outras indústrias e serviços à jusante das grandes empresas estruturantes vêm sendo impactadas pela baixa escolaridade encontrada e também a falta de capaci-tação para o ingresso às empresas. Pois, se tornam reais impeditivos para absor-ção de mão de obra local. Justamente, por falta de uma qualificação mais técnica e⁄ou específica. A questão sobre o desenvolvimento humano deve ser tratada sob um conceito de valores, crenças e estratégia e em um processo que também tem uma intencionalidade que contemple uma compreensão sistêmica da realidade e, com isso, a prática de uma boa governança (JÓRDAN, 2014).

A implementação do Programa de Responsabilidade Social Corporativo PQS vem beneficiar não só as comunidades circunvizinhas, mas também ao

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longo do território pernambucano, atuando em 22 municípios (de um total de 184), num raio de até 400 quilômetros, a partir da região em que está situado o Complexo Industrial PQS. Neste sentido, o Complexo PQS vem desenvolvendo uma carteira de projetos socioambientais, na qual o objetivo é a implementação destes projetos por meio da lógica da Cadeia Social Produtiva (RODRIGUES et. al., 2012), visando à sustentabilidade destes 10 projetos em carteira desen-volvidos ao longo de 22 municípios no estado de Pernambuco (de um total de 184 municípios), com múltiplas parcerias junto às diversas partes interessa-das e públicos de relacionamento (stakeholders), abrangendo instituições edu-cacionais, sociedade organizada, poder público, sindicatos, instituições técni-cas, além de associações produtivas locais – APLs, cooperativas, dentre tantos parceiros, auxiliando e fomentando ações de desenvolvimento local e humano, seja por meio de incubações no processo de gestão, seja pela atuação direta na forma de empoderamento das comunidades, seja pelas características e ações de desenvolvimento tecnológico.

O mundo contemporâneo preconiza uma nova postura e uma condição mais abrangente no modo de viver em coletividade e da sociedade em geral, onde as relações humanas passam a ter uma condição mais sustentável e so-cialmente mais participativa, e um cuidado de maior empoderamento e mais consciência em relação ao universo do seu entorno (BOFF, 2012). A necessida-de de mudar o modelo mental, baseado nas premissas de mudança de cultura social e política também passa no sentido de sensibilização e de mobilização das pessoas e da própria sociedade, atuando fortemente na questão da necessi-dade de desenvolvimento local (ZAPATA, 2011). A participação social propicia o fomento do desenvolvimento não só sob a ótica da consciência crítica, mas também da questão da cidadania de forma mais ativa, em que o entendimento do que é direito e dever seja um componente do cotidiano na vida coletiva. As-sim, construindo o sentido de valorização. Logo, incorrendo em um crescente senso de pertencimento e maior engajamento da sociedade.

Uma corrente do processo de responsabilidade social corporativa, mas que passa diretamente sobre o desenvolvimento humano e também local é a questão do empoderamento, um processo evolutivo nas relações, com premis-sas de respeitabilidade dos direitos sociais, cujo termo pode ser definido como sendo: a ação coletiva desenvolvida pelos indivíduos quando participam de es-paços privilegiados de decisões, de consciência dos direitos sociais (PEREIRA, 2006). Deste modo, uma das boas práticas utilizadas no desenvolvimento do seu Programa de Responsabilidade Social Corporativo PQS (RODRIGUES et al., 2012), foi, justamente, aplicar o conceito de empoderamento às diversas comunidades e os diversos públicos de relacionamento envolvidos no âmbito dos projetos, de forma a dar consistência e sustentabilidade após o término previsto do cronograma de alocação de recursos.

Deste modo, sob a ótica da condição de empoderamento, isto não deveria significar um conceito puramente instrumental, orientado somente para a ob-tenção de resultados eficientes. Mas, sim, diante da possibilidade de constituir uma afirmação de plena realização dos direitos das pessoas. A questão do em-poderamento tem um papel social importante, a partir do momento em que permite que haja um processo de mobilização social, dentro de contextos espe-

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cíficos e bem definidos relacionados ao desenvolvimento sustentável territorial/ local, e humano. Daí, a inserção das instituições parceiras no desenvolvimento dos projetos da carteira social, muitas vezes no papel de fomento à incubação de gestão e de processos, como forma de dar maior perenidade e empoderamen-to às comunidades e grupos envolvidos.

3. A lógica da cadeia social produtiva associada ao desenvolvimen-to territorial/local e humano

O conceito de uma Cadeia Social Produtiva é um novo modelo de gestão e inovação diante dos processos de responsabilidade social corporativo, pois re-quer um maior controle integrado ante ao conceito de governança e contempla uma nova metodologia de administrar as tomadas de decisões, seja sobre o in-teresse coletivo, sejam também pelo direcionamento dos negócios, de uma for-ma mais cooperativa no que tange ao tema responsabilidade social corporativa, diferentemente dos modelos de gestão mais centralizados e mais conservadores (ZAPATA, 2009). O processo e a implementação de governança corporativa passam a ter um papel importante no processo de controle, seja relativa à ética, seja inerente aos valores corporativos e sociais assim como em relação à forma de comunicação direta junto às partes interessadas, um maior diálogo neces-sário entre todos os agentes envolvidos, sociedade civil, poder público, agentes de mercado, público interno, comunidades etc.

As organizações hoje estão inseridas em condições de pressão frequente perante a competitividade decorrente da expansão dos mercados, e que está levando as empresas a efetuarem grandes mudanças em suas políticas e prá-ticas de administração. (RODRIGUEZ, 2002). Deste modo, é inevitável uma mudança necessária na relação com os aspectos de sustentabilidade. Não exis-te mais espaço para a sobrevivência de uma organização que ainda não esteja em consonância com este tipo de pensamento, comportamento ou postura em-presarial. Trata-se de ver na gestão da mudança qual o papel da estratégia, do mapeamento da situação, da comunicação, das experiências piloto e de ou-tros dispositivos de intervenção de atores (JÓRDAN, 2009). Ainda na visão do autor, os preceitos de governança têm a ética e a transparência, assim como a questão da reputação e a construção da credibilidade, atuando fortemente neste processo de relação entre as organizações e as partes interessadas. Este é um tema que ganha relevância ao se constatar as diversas iniciativas volta-das ao desenvolvimento territorial/ local aplicadas, principalmente, em que a governança é parte do processo de construção social do território assim como parte do processo de apoio (JÓRDAN, 2014).

O Programa PQS levou em conta as características e a base de atuação em conformidade as vertentes econômicas, sociais, ambientais e humanas como forma de desenvolvimento da carteira de projetos socioambientais para a região na qual está inserida (RODRIGUES et. al., 2012, p.94). Assim, o res-pectivo Programa está completamente alinhado às premissas de desenvolvi-mento dos seus negócios, mas, principalmente, na visão de sustentabilidade que permeia as ações voltadas aos projetos da carteira. Da mesma forma, a implantação deste Programa fortalece e promove ações integradas dos projetos à elevação do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH nas comunidades be-

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Capítulo 5 – A responsabilidade social em organizações empresariais: aplicação do conceito de cadeia social produtiva no desenvolvimento territorial/local

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neficiadas, seja pelas ações socioambientais, de qualificação, de capacitação ao trabalho, de geração de trabalho e renda, dentre outros indicadores consisten-tes, propiciando um desenvolvimento integrado no que tange à inclusão social (RODRIGUES et al., 2012).

O respectivo Programa está alinhado aos pilares de sustentabilidade e também aos princípios da seguinte forma exposta a seguir. Sob a dimensão Econômica: gestão independente, associativismo e cooperativismo, empreende-dorismo e sustentabilidade econômica. Sob a dimensão Social: inclusão social, desenvolvimento humano, ações e práticas de responsabilidade social corpora-tiva, reaplicabilidade e diversidade. Dimensão Ambiental: Atuação do Comple-xo PQS, em atuações de SMS e responsabilidade para com as gerações futuras (RODRIGUES et. al., 2012). A implantação deste Programa visa justamente fomentar ações mais sólidas e administrativamente mais consistentes, calca-das em uma visão de responsabilidade social empresarial, indo ao encontro de maior suporte e condições de estruturar uma sociedade mais organizada como forma de incrementar o desenvolvimento de sustentabilidade no território de atuação e de relacionamento na região.

O objetivo geral do respectivo Programa é definir e priorizar o investimen-to social privado em projetos e iniciativas que promovam o desenvolvimento sustentável territorial/ local, por conta da abrangência, com foco nos eixos pre-viamente definidos, ou seja: (i) Educação para o trabalho e ações complementa-res; (ii) geração de trabalho e renda; e (iii) educação ambiental e abrangência no âmbito da reciclagem. Já os objetivos específicos estratégicos que o norteiam são: (i) Promover a articulação inter-setorial local (governos, empresas, organi-zações sociais e comunidades); (ii) contribuir para elevar o IDH – do Território; (iii) reforçar as políticas públicas para geração de trabalho e renda; (iv) contri-buir para a inserção dos jovens no mercado de trabalho; (v) promover educação e ações ambientais; e (vi) desenvolvimento de um sistema de informação geren-cial para monitoramento dos projetos, avaliação de seus processos assim como os resultados e os impactos.

O processo de seleção dos projetos e a metodologia gerada pelo respectivo Programa foram baseados considerando as necessidades do território, as de-mandas locais, levando ainda a análise e os meios para contribuir e fomentar o desenvolvimento territorial/ local (RODRIGUES et. al., 2012). O Programa abrange ações diretas e de desenvolvimento dos projetos socioambientais, os quais vêm sendo implantados na região, com ações catalisadoras, que propi-ciam atividades de influência e coordenação junto aos seus respectivos parcei-ros propiciando a atuação dos diversos atores, tais como: órgãos de fomento, organizações sociais, empresas parceiras e instituições de parceria técnica de institutos, sob o aspecto da incubação e estruturação de gestão e condução administrativa, além do próprio poder público. O auxílio das empresas neste sentido propicia resultados mais consistentes, por meio do fortalecimento do ciclo de gestão e auxiliam nesta contextualização ante a consolidação das com-petências internas e locais, mediante a visão de sustentabilidade à medida que os suportes externos, advindos das empresas saiam após a implementação de um condição sustentável. O desenvolvimento territorial tem buscado a incor-poração dos atores locais como protagonistas sociais, visando à construção de

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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modos mais sustentáveis no desenvolvimento das ações (ZAPATA, 2011). A lógica da Cadeia Social Produtiva se baseia em focos definidos, da se-

guinte forma: (I) Foco Geográfico: (a) Território Estratégico de Suape e região sul do estado – azul claro; (b) Polo Têxtil do Agreste – em amarelo; (c) Região Metropolitana de Recife – em cinza; e (d) Área geográfica de abrangência no âmbito da reciclagem – em azul marinho. (II) Foco Temático: por meio das ações na cadeia produtiva do poliéster e do PET, alimentando a lógica da Ca-deia Social Produtiva, conforme demonstra a Figura 1, abaixo.

Figura 1 – Mapa de atuação da Cadeia Social Produtiva

Fonte: RODRIGUES et. al., 2012

A lógica da Cadeia Social Produtiva atua em consonância à visão estraté-gica e de suas ações de negócio desenvolvidas pelo complexo industrial, de for-ma a contribuir na delimitação de atuação, mas de modo a reforçar a inserção social e, principalmente, ter como auxiliar na formação de mão de obra e téc-nica na cadeia à jusante do processo produtivo instalado no próprio território, contribuindo também para o fomento e ampliação de postos de trabalho, por meio da educação para o trabalho e técnica complementar técnica assim como no que diz respeito à geração de trabalho e renda.

A demonstração básica da lógica e dos Princípios da Cadeia Social Produ-tiva vinculada ao Programa, atua conforme apresentando no Quadro 1 abaixo:

Quadro 1 – Lógica da Cadeia Social Produtiva vinculada ao Programa

Características do complexo industrialquímico-têxtil – PQS(Cadeia produtiva do poliéster)

Características do programa de responsabilidade social(Cadeia social produtiva)

Tecnologia de última geração Estratégias inovadoras em responsabilidade social

Transformação de matéria-prima Transformação social

Cadeia Produtiva Têxtil Cadeia Social Produtiva

Fonte: RODRIGUES et. al., 2012

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Capítulo 5 – A responsabilidade social em organizações empresariais: aplicação do conceito de cadeia social produtiva no desenvolvimento territorial/local

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Além disso, o respectivo Programa tem o total alinhamento aos Objetivos do Milênio e aos Princípios do Pacto Global no processo de seleção dos projetos (RODRIGUES et. al., 2012), atuando sistemicamente pelo território e baseado nas premissas dos focos temático e geográfico.

4. Considerações finaisMediante a necessidade premente de atender às demandas socioeconô-

micas presentes no Território Estratégico de Suape (TES), o Programa de Responsabilidade Social Corporativa PQS vem contribuir no papel de inser-ção social, de induzir ações específicas não só na região de atuação direta, mas também no território em que as ações da cadeia produtiva à jusante estejam alinhadas aos eixos, premissas de atuação do Programa, voltadas ao interesse no foco geográfico e temático definidos. Os projetos em desenvolvi-mento preveem a complementação a estas premissas específicas de forma que possa atingir parte da população em regime de idade ativa ao trabalho, mas pouco aproveitada ou ociosa (entre 19 e 38 anos), por conta da baixa escolari-dade e acessibilidade aos polos educacionais, ficando sem oportunidades di-retas de aproveitamento nas empresas e indústrias implantadas, pois requer mão de obra mais especializada ou mesmo na cadeia de serviços à jusante da cadeia produtiva instaladas na região do TES. Deste modo, estendendo tam-bém condições de melhoria de qualidade de vida às comunidades envolvidas direta e/ou indiretamente nas ações específicas desenvolvidas pelos projetos da carteira social, mas, principalmente, pelo aspecto das premissas de desen-volvimento territorial/local.

Além disso, o desenvolvimento das ações baseadas nos três eixos de atua-ção, as quais determinam a composição e o arranjo de ações mediante a baixa escolaridade, a falta de qualificação profissional, o baixo nível de renda e a pouca empregabilidade, cujos elementos apontaram para a necessidade de implantação deste programa de responsabilidade social visando uma estratégia de ação de-senvolvida e que atua de forma sistemática na realização de ações que demons-trem não só o compromisso da inserção social, mas também do desenvolvimento sustentável da região, por meio da intervenção no território, seja ele de atuação direta, de abrangência ou de influência, em acordo as premissas e as diretrizes definidas no respectivo Programa. Além disso, de atuar de forma sistêmica no desenvolvimento de projetos que atendam a essas demandas junto à comunidade e aos municípios e que vai ao encontro no apoio a centros de desenvolvimen-to de atividades de capacitação profissional, educativas, socioculturais e ações complementares ao ensino formal, para jovens e adolescentes. A capacitação e a organização de integrantes das comunidades locais, em compartilhamento a outras instituições parceiras, com desenvolvimento de metodologias de interação e de aplicação de ações relativas ao desenvolvimento territorial/local e humano, processos de incubação visando uma gestão mais independente, as relações de construção do associativismo e de cooperativismo, empreendedorismo, gerando maior autonomia e reaplicabilidade. E, um ponto bastante relevante no desen-volvimento das ações: a articulação junto aos diversos públicos de relacionamen-to e partes interessadas, a sociedade civil organizada (stakeholders), para poten-cializar os objetivos e as premissas definidas pelo referido Programa.

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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Para que a sustentabilidade passe a fazer parte do processo de longevi-dade e sobrevivência dos projetos sociais da carteira, há a necessidade de que os projetos sejam estruturados para terem sustentabilidade e desenvolvimento favoráveis, com a inserção do elemento de incubação, conforme o caso, para que após a cessão do apoio de recurso financeiro, esses projetos socioambientais possam ter continuidade no seu processo de gestão e de desenvolvimento.

A metodologia aplicada no desenvolvimento do Programa se baseou em premissas consistentes de sustentabilidade, tendo indicadores como norteado-res no processo de seleção como o Pacto Global e os Objetivos do Milênio, além de conteúdo específico à metodologia a ser desenvolvida como forma de dar con-sistência aos projetos selecionados, com instituições parceiras e pedagógicas que corroboram com o processo de sustentabilidade destes, além de integrar o processo de inserção social, ampliando o espectro de postos de trabalho e geração de trabalho e renda.

Enfim, são alguns elementos que corroboram com os aspectos das empre-sas que buscam o grau de atuação no âmbito do desenvolvimento mais susten-tável, através da obtenção de bons índices de sustentabilidade, demonstrando claramente seu posicionamento perante a sociedade em geral, seus diversos públicos de relacionamento e a forma de conduzir seus processos industriais e produtivos, além de suas correlações junto às partes interessadas (stakehol-ders). Além disso, o engajamento da organização empresarial neste sentido pelo desenvolvimento de um programa de responsabilidade social que vem ao encontro deste posicionamento, implementando processos de gestão inovado-ra, a partir da implantação de um programa consistente de responsabilidade social. E, de que é possível atuar com responsabilidade social corporativa e empresarial, corroborando com o desenvolvimento territorial/local e humano, sem, no entanto, perder a visão de sustentabilidade organizacional dentro de seus negócios e não deixando de considerar a construção de valores na cadeia junto aos diversos públicos de relacionamento.

Referências bibliográficas

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Capítulo 5 – A responsabilidade social em organizações empresariais: aplicação do conceito de cadeia social produtiva no desenvolvimento territorial/local

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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Sobre o autor

Cláudio Paula de CarvalhoMestre em Engenharia de Produção, com ênfase em Sistemas de Gestão, na área de Responsabilidade Social e Sustentabilidade (LATEC/UFF - 2008); pós-graduação em: Responsabilidade Social e Terceiro Setor (FEA/UFRJ - 2005); Gestão da Comunicação Corporativa (FIA/USP – 2002); especializações: Ross School of Business – Investor Re-lations and Communication Program (University of Michigan – 2007); International Cor-porate Communications (Syracuse University, EUA, 2008, /Aberje, Brasil – 2007); Ges-tão Social (FGV/PR – 2001); Marketing e Produção Cultural (CEPUERJ/UERJ - 2000); e Comércio Exterior (CEPUERJ/UERJ - 1993); Graduado em jornalismo (UGF/RJ - 1991). Atua na área de responsabilidade social corporativa desde 1999. Experiên-cia profissional ao longo de 33 anos, sendo 28 anos em comunicação em-presarial, sendo: gestão de comunicação organizacional; implantação de programas com ênfase em desenvolvimento territorial/local e projetos em responsa-bilidade socioambiental; gestão e gerenciamento de comunicação de crises e riscos. Desenvolvimento de projeto de voluntariado: Projeto Jaguaruana (Jaguaruana, CE, 1999/2001), calcado nas premissas em políticas de ação afirmativa e empoderamen-to socioeconômico. (Projeto recebeu Moção de Louvor na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e Prêmio Mobilização Nacional – COEP, em Brasília, ambos em 2000.) Produção de artigos técnicos e acadêmicos em revistas, periódicos, simpósios, fóruns, congressos etc., abrangendo gestão de comunicação organizacional, responsabilidade social e sustentabilidade, sistemas de gestão em engenharia de produção.

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6A criAção de vALor compArtiLHAdo nA AmAzôniA:

umA experiênciA de inovAção sociAL nAs

práticAs orgAnizAcionAis em zonA remotA do vALe do JAri

Mônica Maria Souza de Oliveira

Paula Esteban do V. Jardim

I – Introdução

A complexidade das questões socioambientais na Amazônia exige estratégias empresariais que sejam capazes de enfrentar os desafios existentes no ter-ritório, diante de diferentes cenários econômicos, ambientais, políticos e

culturais. A criação de oportunidades de negócios deve atentar para os impactos positivos e negativos sobre a rica biodiversidade da região, sendo úteis para con-tribuir na construção de soluções para questões sociais amazônicas.

De fato, as contribuições para as questões socioambientais do território amazônico demandam uma abordagem multidisciplinar, discussões entre os diferentes atores sociais e implementação de parcerias intersetoriais. Tal perspectiva busca que o valor gerado pelas ações corporativas seja compar-tilhado, a partir da possibilidade de convergir os recursos financeiros dos grandes empreendimentos, a conseqüente riqueza criada por seus negócios e a capacidade organizacional existente, em benefícios que gerem inovação de alto impacto social positivo no território. A premissa em que se baseia tal perspectiva é a possibilidade dos negócios contribuírem na construção de alternativas positivas para as questões sociais, a partir da resposta às neces-sidades e demandas comunitárias, criando valor social e valor econômico de forma simultânea.

O objetivo deste capítulo é apresentar como foi desenvolvido um processo de inovação social nas práticas organizacionais da empresa Jari Celulose, do setor extrativista, localizada em zona remota da Amazônia. Serão abordados os processos de construção do relacionamento e de engajamento dos stakehol-ders (partes interessadas) e a elaboração colaborativa e gestão participativa de projetos estruturantes de alto impacto social pela empresa e comunidades do entorno (moradores da zona ribeirinha, rural e urbana). Como objetivo secun-dário se mapeou a criação de valor social e econômico na região amazônica do Vale do Jari, através de parcerias intersetoriais como ferramenta de responsa-bilidade social empresarial.

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Para tanto, foi realizado um estudo de caso único, na qual a seleção ocorreu a par-tir da experiência vivida por uma das autoras. A metodo-logia utilizada foi a pesquisa exploratória, baseada em vi-vência do cotidiano, observa-ção de cenários e na análise subjetiva, caracterizando-se desta forma como um método fenomenológico, que com base na história de vida busca en-tender o fenômeno, interpre-tá-lo, perceber seu significado e tirar-lhe uma radiografia (VERGARA, 2007). A análi-se é qualitativa, e subjetiva, com base em dados primários e secundários, e técnicas de análises de conteúdo, docu-mental e reflexiva.

Para a discussão do caso, fez-se uma análise multidisciplinar, com fun-damentação teórica na administração e psicologia social. Tal abordagem foi fundamental por se tratar de uma temática transversal, que permeia aspectos distintos da gestão corporativa em um conjunto de ações percebidas como res-ponsabilidade social corporativa. A partir dessa fundamentação é abordado o papel da responsabilidade social corporativa na geração de valor compartilha-do, observando as ferramentas e os desafios impostos pela comunicação e pela psicologia social dada à diversidade de stakeholders.

O estudo de caso apresenta alternativa viável para minimizar os im-pactos negativos da presença empresarial do setor extrativista em uma região como a Amazônia, potencializar os impactos positivos e estimular uma maior reflexão sobre as questões complexas existentes em estruturas organizacionais remotas.

II – A multidisciplinaridade como perspectiva de análise de projetos de Responsabilidade Social Empresarial (RSE)

II.1 – O Papel da Responsabilidade Social Empresarial (RSE) na geração de vanta-gem competitiva

Cada vez mais o modelo de produção e consumo sem preocupação com o impacto social e ambiental está sendo superado por uma visão de maior interde-pendência entre os atores sociais. A ação empresarial extrativista na Amazônia implica em desafios singulares que podem se refletir em profundos impactos ne-gativos para a região. Assim, o reconhecimento de tais impactos e o mapeamento das potencialidades das relações estabelecidas permitem que sejam identifica-

Vale do Jari – PA /AP | Foto: Banco Imagem Jari

Rio Jari, o rio das castanhas na divisa dos estados do Pará e Amapá Foto: Carli Furtado

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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das, priorizadas e abordadas possíveis ações empresariais que impactem positivamente no território. O grande desa-fio dessa abordagem estra-tégica da RSE é a promoção conjunta de bem estar social e do alcance de metas orga-nizacionais. Por outro lado, a superação desse desafio pode constituir como fonte de vantagem competitiva para a empresa. A construção da vantagem competitiva base-ada na sustentabilidade deve

gerar soluções socialmente corretas, ambientalmente sustentáveis e economica-mente viáveis (Ashley, 2002).

A visão de geração de valor compartilhado (Porter e Kramer, 2006) como estratégia para a criação de vantagem competitiva parte do mapeamento de todos os potenciais e possíveis impactos negativos gerados na cadeia de valor da empresa e necessidades que podem ser atendidas. Cabe, então, a empresa agir minimizando tais impactos negativos e atendendo, de forma dinâmica, às necessidades mapeadas. Porter e Kramer (2006) observam que ao adotar essa estratégia de diferenciação, a empresa pode redefinir e mudar a concepção de seus produtos e mercados de atuação, assim como redefinir a sua cadeia de va-lor e suas interações, além de criar clusters setoriais que auxiliem na correção das falhas estruturais existentes na cadeia de valor.

A abordagem estratégica da RSE implica na consciente discussão sobre a ética nos negócios. A geração de lucro a partir da exploração de carências e ne-cessidades de subsistências tem levantado questões relevantes sobre a condução estratégica do negócio. A orientação pelo lucro faz com que a empresa encare dilemas como aumentar o preço de um serviço prestado ou expandir a base de consumidores que podem acessar tal serviço. Quando a decisão passa a ser toma-da a partir da maximização do impacto social positivo, e não do lucro, os negócios da empresa ganham um novo contorno se aproximando da idéia de negócios so-ciais de Yunus (2010). Nos países em desenvolvimento, os negócios sociais tem se referido cada vez mais ao processo de inclusão social com impacto de longo prazo.

A força motriz do negócio social é a inovação social, que possibilita a ge-ração de valor, estabelecimento de relações e outros modelos de negócios que fogem dos moldes tradicionais. Tal inovação social também pode estar presente nas estratégias de valor compartilhado.

A ideia de negócio social não se confunde com valor compartilhado, que a empresa busca gerar valor econômico a partir da criação de valor social. As-sim, a finalidade empresarial continua sendo a maximização do lucro, porém utilizando um caminho de geração de valor (ou impactos positivos) para os demais stakeholders na sua cadeia de valor. Para o valor compartilhado Por-ter e Kramer (2006) apontam que é fundamental que se estabeleçam práticas

Foto: Cidade de Laranjal do Jari – AP | Banco Imagem Jari

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Capítulo 6 – A criação de valor compartilhado na Amazônia: uma experiência de inovação social nas práticas organizacionais em zona remota do Vale do Jari

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estratégicas que viabilizem o sucesso da construção do relacionamento e enga-jamento dos stakeholders, tais como: identificar pontos de interseção; definir questões sociais a abordar; criar pauta/agenda social empresarial; integrar práticas de dentro para fora e de fora para dentro e incluir dimensão social na proposta de valor.

Ao identificar os pontos de interseção será possível observar os vínculos existentes entre a empresa e a sociedade, de dentro para fora e de fora para dentro, como é o caso de diferentes condições socioeconômicas externas que exercem influências benéficas ou não sobre a empresa. E, no olhar de dentro para fora ainda tem as consequências sociais positivas e negativas dos impac-tos gerados pela empresa, que varia de acordo com as características do local de operação, e que podem sofrer mudanças com a evolução da ciência, tecnolo-gia e dos padrões sociais.

Por essa abordagem, a RSE deve buscar desenvolver ações e projetos que tenham interseção com a área de atuação da organização. Com a criação de uma pauta social empresarial, a agenda social deve não só mitigar os danos causados pelas atividades empresariais – RSE responsiva, mas construir oportunidades de promoção dos benefícios sociais e econômicos de forma simultânea – RSE estratégica (PORTER; KRAMER,2006). É neste processo que “surge uma re-lação simbiótica: o sucesso da empresa e o sucesso da comunidade passam a se reforçar mutuamente. Em geral, quanto maior o vínculo de uma questão social com a atividade da empresa, maior a oportunidade de alavancar os recursos da organização e beneficiar a sociedade” (PORTER; KRAMER, 2006, p.63).

Ao integrar práticas de dentro para fora e de fora para dentro, e incluir uma dimensão social na proposta de valor, as empresas que utilizam a RSE como estratégia de negócio estarão otimizando recursos, implementando ini-ciativas integradas e focadas, visando não só a satisfação das partes interessa-das, mas soluções capazes de apresentar resultados efetivos sustentáveis que demonstrem o impacto social positivo, dentro da lógica corporativa prevalente.

II.2 – Teoria dos stakeholders: uma rede de relações com as partes interessadas.A teoria dos stakeholders tem sido desenvolvida desde a década de 1960 e

os seus princípios objetivam reconhecer quem são os atores sociais que intera-gem com a empresa, quais interferem nas decisões de negócio, com diferentes níveis de poder ou de interesse, e quais são impactados pelas decisões da em-presa, de distintas formas e graus (FREEMAN,1984). Esta teoria compreende o papel dos diferentes stakeholders, sublinhando as relações desenvolvidas e papéis assumidos nos ambientes corporativos interno e externo. A discussão sobre essa interação evoluiu de que os stakeholders influenciariam o negócio para que a participação desses nas decisões organizacionais, podendo tal rela-ção ser inclusive de informação, consulta, consertation ou, até mesmo, co deci-são. Essa evolução possibilitou formular e implementar processos democráticos de discussão e elaboração de planos participativos, geralmente em conformida-de com acordos estabelecidos após levantamento de demandas e de necessida-des, configurando uma postura de estratégia empresarial.

A teoria classifica os stakeholders em dois grupos de interesse: primário (aqueles que afetam diretamente os negócios das empresas e são afetados por

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ela) e secundário (os que as influenciam e são influenciados indiretamente). Os grupos de interesse primário (acionistas, sócios, empregados, fornecedores, clientes e a população residente na área de atuação da empresa) são essenciais para o funcionamento das corporações, enquanto os grupos de interesse se-cundário embora não sejam atingidos diretamente pelas ações das empresas podem afetar a imagem e reputação da organização (grupos de pressão como movimentos sociais e organizações não governamentais, e a mídia pelo forte poder de mobilização da opinião pública).

Verifica-se nesta teoria que uma das características predominantes é a relacional por interligar indivíduos, comunidade, empresas, instituições e o po-der público, permitindo verificar a influência de cada um dos atores envolvidos com a empresa, e entender como se dá esse processo de influência e participa-ção dos stakeholders nas empresas.

Alguns instrumentos de gestão de stakeholders podem ser usados para auxiliar à empresa a alcançar os seus objetivos, como através do engajamento dos atores social. O modelo normativo reconhece os interesses dos empregados, clientes e outros stakeholders no mesmo nível de importância da empresa, por possuírem valor essencial aos processos organizacionais.

Esta teoria utiliza como unidade de análise o relacionamento da empresa com seu público de interesse, sendo um importante espaço para a busca de so-luções para questões relacionadas às tomadas de decisão, como as que buscam a criação de valor compartilhado. É na criação de valor que o público interno se depara com as questões éticas relacionadas ao mundo corporativo, muitas das vezes levando-o à dissonância cognitiva – conflito de ideias, crenças e/ou opiniões divergentes.

II.3 – Teoria da Dissonância Cognitiva: O Desafio de Gerenciar o Autoconflito Os estudos sobre comportamento organizacional tem englobado a questão

da dissonância cognitiva, teoria desenvolvida pelo psicólogo Leon Festinger na década de 50, “acontece quando há inconsistência entre duas ou mais atitudes de uma pessoa, ou entre suas atitudes e seu comportamento. A teoria da disso-nância cognitiva sugere que os indivíduos tentam reduzir a dissonância e, por conseguinte o desconforto causado por ela.” (ROBBINS, 2009, p. 25,26)

Nas corporações, procura-se resolver a questão da dissonância cognitiva alterando a importância em relação ao sentimento desagradável que ela causa, acrescentando outras informações para que a percepção do indivíduo seja al-terada, dando um novo sentido as atitudes e comportamentos relacionados ao ambiente de trabalho.

Para reduzir os elementos dissonantes dos empregados que moram em cidade-empresa é importante a busca por elementos consonantes como os be-nefícios oferecidos pela organização – moradia com fornecimento de água e energia subsidiados, escola para filhos, clubes de lazer e práticas esportivas, colônias de férias, promoção de eventos para a família, ofertas de cursos de extensão, aperfeiçoamento, graduação e pós-graduação, transporte, segurança privada, hospital e clínicas médicas, dentre outros. E os benefícios de valores intangíveis, inerentes ao espaço geográfico, que ressaltam uma qualidade de vida diferenciada, como o contato direto com a natureza, comodidade e con-

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Capítulo 6 – A criação de valor compartilhado na Amazônia: uma experiência de inovação social nas práticas organizacionais em zona remota do Vale do Jari

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forto, sem o stress do trânsito diário dos grandes centros, a oportunidade de fortalecer laços de amizade e familiares, além da construção de um rico ativo e capital social.

Esta teoria permite entender também que o comportamento do indivíduo ocorre de acordo com suas percepções, que é aquele “processo pelo qual os indi-víduos organizam e interpretam suas impressões sensoriais com a finalidade de dar sentido ao seu ambiente” (ROBBINS, 2009, p. 28), além do fato de “que nenhum de nós enxerga a realidade. O que fazemos é interpretar o que vemos e chamar isso de realidade”, conclui o especialista.

III – Inovação Social como elemento da Responsabilidade Social Corporativa Estratégica no Vale do Jarí: o Caso da Jarí Celulose

A empresa Jari Celulose1 é uma indústria produtora de celulose de euca-lipto, localizada no Vale do Jari, as margens do Rio Jari, na divisa dos estados do Pará e Amapá, em uma área de 1,3 milhão de hectares, cerca de 120 mil hectares são destinados ao plantio de eucalipto.

A história da empresa na região começou em 1967, quando o empresário norte-americano Daniel Ludwing adquiriu a área na Amazônia com o objetivo inicial de realizar na região um projeto de reflorestamento, naquela época pre-dominava o extrativismo da castanha-do-pará e da borracha.

Quase duas décadas depois, em 1982, uma associação de grupos empresa-riais assumiu o projeto que tinha como objetivo o reflorestamento e a produção de celulose. E, em 2000 o controle acionário foi assumido pelo então grupo Orsa, presidido por Sergio Amoroso, que diversificou os negócios na região, implementou produtos e processos inovadores como o manejo sustentável de floresta nativa e plantada, certificadas pelo Forest Stewardship Council (FSC); atividades de estímulo à produção de produtos florestais não madeireiros com vistas ao fomento da cadeia produtiva da castanha-do-pará, açaí, cacau dentre outros produtos nativos da região; e nas ações de apoio à comunidade com a instituição de uma unidade da Fundação Orsa na região que possui forte atu-ação na área socioeconômica com atividades que promovam principalmente a geração de renda para a comunidade local.

1 Em 2013 o Grupo foca suas atividades do Vale do Jari e passa a se denominar Grupo Jari. As empresas também adotam a marca Jari em suas razões sociais. Fonte: http://www.grupojari.com.br/pt-br/institucional/linha-do-tempo.

Mapa da região – destaque para os municí-

pios da área de influência direta Laranjal do

Jari (AP), Vitória do Jari (AP), Almeirim e o

distrito Monte Dourado (PA).

Fonte: http://www.gife.org.br/artigo-uma-

pitada-de-jari-14781.asp

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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A empresa oferece residência para os empregados na cidade de Monte Dourado (PA), escola para os filhos dos funcionários, possui aeroporto próprio, ferrovia para o transporte da madeira, estação de tratamento de água e produ-ção de energia a partir de uma usina térmica que funciona a base de derivados de petróleo e biomassa. Muitos dos equipamentos e serviços públicos oferecidos na região, manutenção das estradas e vias de acesso às localidades são realiza-das em parceria com o poder público local.

No período de 2001 a 2005, a empresa realizou inovações sociais nas suas práticas organizacionais. Foram quatro anos de rico aprendizado, com amadu-recimento profissional e pessoal que enriqueceu a bagagem de todos, através da oportunidade de aquisição de novos conhecimentos, discussões e reflexões sobre as mudanças ambientais e socioeconômicas ocasionadas em uma região tão sen-sível, diante da chegada de um grande empreendimento; e as alternativas para se minimizar os passivos existentes e potencializar os impactos positivos.

O trabalho da empresa foi além das fronteiras internas nas áreas admi-nistrativa, industrial e agroflorestal, das atividades realizadas com os empre-gados, familiares e demais comunitários, até o processo de articulação polí-tico-institucional que se fez presente dado o desafio da empresa em executar algumas atribuições que são do poder público.

Vale destacar que executá-las a maioria das vezes é inevitável e necessário para as empresas localizadas em zona remota da Amazônia, onde a única saída é atuar em parceria com o governo de modo a atrair recursos financeiros, hu-manos e fornecedores para a região, e principalmente prever possíveis impactos potenciais negativos como: pressão sobre a infraestrutura, serviços públicos e recursos naturais. Para tanto, são necessários acordos e termos de compromisso entre as partes de forma que sejam oferecidas as condições mínimas necessárias na área de saúde, educação, segurança, moradia e infraestrutura local.

Nas indústrias do setor extrativista localizadas em zonas remotas tudo se agiganta ainda mais, onde se encontra um contexto organizacional com dife-rentes culturas, e por vezes práticas e formas de gerenciamento.

Nesta circunstância, as iniciativas são desafiadoras e singulares, muitas delas de vanguarda, necessárias para que haja diálogo e engajamento da em-presa com os stakeholders, na busca pela construção de laços de confiança para que sejam identificadas as necessidades, anseios e os interesses das partes interessadas, as expectativas levantadas sejam compartilhadas e na medida do possível atendidas - principalmente as de empregados, familiares e comu-nidade local.

O emprego de práticas de consulta e fomento ao diálogo ajudam a promo-ver o relacionamento e engajamento da empresa com os stakeholders, o que já é percebido como imperativo para o sucesso de uma organização.

Neste processo é fundamental a participação dos empregados, a partir de ações que buscam identificar habilidades, valores e crenças e ao mesmo tempo desenvolver competências relacionadas à comunicação, liderança, negociação e empreendedorismo.

É valido salientar que a construção de competências em gerenciar os ati-vos sociais de quem vive e trabalha em cidade-empresa localizada em zona remota são antigos desafios contemporâneos.

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Capítulo 6 – A criação de valor compartilhado na Amazônia: uma experiência de inovação social nas práticas organizacionais em zona remota do Vale do Jari

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A Situação Problema de uma Cidade-Empresa em Zona Remota da Amazônia

A peculiaridade de uma estrutura organizacional remota, principalmente em região única onde o acesso só é possível via transporte aéreo e fluvial, com caracte-rísticas singulares de isola-mento e confinamento, obri-ga as empresas a instalar infraestrutura para alojar os empregados e familiares, formando núcleos urbanos que “representam não só uma sobrecarga financeira e administrativa como tam-bém um desvio dos objetivos centrais da empresa.” (LESSA, 1993, p.3)

Trabalhar em uma região com as características de cidade-empresa repre-senta uma mudança de vida, ficar longe de amigos e familiares por um período, melhorar as condições de vida da família, sensação de segurança financeira, ter a oportunidade de viver um desafio profissional e de vida (LESSA, 1993).

Dentre os principais problemas identificados nos núcleos residenciais de uma cidade-empresa, podem ser destacados ( LESSA 1993, p.3):i. Situação social de isolamento, o convívio com uma sociedade limitada, a

presença ostensiva da empresa, a segregação funcional, a marginalização de determinados segmentos da população;

ii. O planejamento e a dotação da infraestrutura e os equipamentos coletivos, pois nem todas as vilas tem a infraestrutura básica necessária;

iii. A interação entre a vila e seu entorno imediato (onde tendem a surgir as cidades-satélites) já que estes modelos urbanos estão em regiões onde não existem atividades econômicas alternativas.

Muitos dos empregados contratados são de diferentes naturalidades e nacionalidades, e se deslocam de diversos estados do Brasil e do exterior para trabalhar em regiões remotas da Amazônia. Diante da diversidade identi-tária, o choque cultural é propenso gerador de conflitos, pois os indivídu-os passam a conviver diariamente não apenas na empresa, mas também na mesma vizinhança. E, o fato de muitos confundirem os papéis de empregado e morador, chefia e subordinado, muitas vezes é um agravante na situação de convívio social principalmente diante de um lugar restrito, com característi-cas de confinamento, onde os espaços de lazer para desfrutar do tempo livre limitado são compartilhados.

É oportuno observar, que neste contexto de estrutura organizacional re-mota, as riquezas naturais – em suas diversas dimensões (humana, animal, florestal, espiritual) – possibilitam aflorar percepções diferentes de um am-

Lancha escolar no Porto de Vitória do Jari, Foto: Carli Furtado

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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biente tão peculiar, em um mesmo espaço e tempo, no qual somente com o esforço e dedicação do coletivo, através da cooperação e compartilhamento de ideias, atitudes e comportamentos, será possível elaborar e executar um pla-nejamento eficaz, com resultados sustentáveis que possam beneficiar o maior número de indivíduos.

As estratégias de gestão de uma empresa para construir um bom relacio-namento e conquistar o engajamento das partes interessadas – neste trabalho, com recorte nos empregados, familiares e comunidade local – demandam ini-ciativa e tomada de decisão por parte da diretoria e corpo gerencial que define um sistema administrativo transversal, no qual envolve toda estrutura orga-nizacional da empresa. A comunicação integrada, como um conjunto de ações de relacionamento e dialogo, é utilizada para assegurar o alinhamento de todo este processo, resguardado os valores e missão organizacional, a identidade e imagem corporativa, de forma integrada e transparente.

O planejamento deve ser estratégico e sistêmico para minimizar os riscos, por isso os trabalhos foram realizados com a participação dos stakeholders (re-presentantes dos empregados, familiares e comunidade) através de um proces-so bottom up (de baixo para cima), durante o período de quase 12 meses, com reuniões mensais (dependendo da necessidade, reuniões extraordinárias eram realizadas em períodos mais curtos).

Com base neste trabalho foi possível estruturar o plano abaixo:Etapas de elaboração do plano de comunicação integrada da Jari

1º Identificação dos problemas, necessidades e oportunidades de melhoria através dos resultados de pesquisa interna de clima organizacional e comunicação fabril – análise do fluxo de informação, e pesquisa externa nas comunidades da área de influência da empresa (mapeando os desafios).

2º Elaboração de plano de trabalho para promover atividades motivacionais e de qualificação profissio-nal, definindo-se o discurso para cada público-alvo – empregados, familiares e comunidade.

3º Execução de programa de formação e qualificação profissional.

4º Realização de benchmarking para conhecer e comparar as melhores práticas (empresa do mesmo segmento e cidades-empresas) – visitas à Alcoa/Alumar e Vale-MA; Alunorte e Albrás-PA; Aracruz?-Fibria-ES; Suzano-BA.

5º Fortalecimento de alianças com poder público local e organizações não governamentais, e constru-ção de parcerias com fornecedores.

6º Consulta às partes interessadas (processo de diálogo) com o objetivo de conquistar a confiança, o apoio e convergir agendas.

7º Criação de grupos de trabalho para elaboração de planos, programas e projetos.

8º Execução de projetos socioambientais (construído em conjunto com as partes interessadas).

9º Acompanhamento, divulgação e registro dos resultados (jornal interno, intranet e internet da empre-sa, mídia local e publicação de relatórios empresariais).

Muitas foram as estratégias adotadas desde que a empresa passara para o controle acionário do grupo Orsa, e a Fundação Orsa se instalou no Vale do Jari. As ações beneficiaram a todos os empregados da empresa e muitos dos seus familiares e comunitários da região como os programas de formação e qualificação profissional para empregados e familiares (curso de Formação de Negociadores –FGV, e Gestão AvançadaAmana-Key para gerentes, coordena-

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dores e supervisores; Curso de Técnico em Celulose e Papel – Senai/Cetep e Pós-Graduação em Celulose e Papel da Universidade Federal de Viçosa) que prepararam os empregados para as mudanças tecnológicas e de gestão.

Coordenado pela Fundação Orsa foi criado na época o Núcleo de Apoio ao Desenvolvimento do Vale do Jari, formado por um pool de instituições e organi-zações atuantes na região (FórumDLIS, Associação de Produtores Rurais, Pre-feituras Municipais, SEBRAE, representantes dos governos estaduais, IBAMA/ESEC-Jari, Banco do Brasil – Agência Monte Dourado, ASSOCIA – Associação Comercial e industrial de Almeirim, Fundação Orsa – Unidade Jari) que tinha como foco o fortalecimento organizacional, promoção do empoderamento dos ato-res locais, ações de inclusão social e combate à pobreza, de respeito a diversidade, compromisso com o meio ambiente como o projeto Biosistema Integrado para o tratamento de água e esgoto, e uso do biogás, além de agregação de valor aos recursos da floresta com apoio ao setor agro-extrativista (acordo de cooperação téc-nica entre entidades governamentais e sociais para o fomento da cadeia produtiva da castanha, açaí, seringa etc), a realização de cursos para a comunidade como o de marcenaria com especialização em brinquedos pedagógicos, e de confecção de bijuterias e artesanato em geral com o uso de fibras naturais e sementes da Amazônia, e o Centro de Excelência da Mulher – CEM com o objetivo de atuar na formação da organização social da mulher, gestão empreendedora e apoio familiar.

A articulação politico-institucional foi um instrumento importante para a formação de parcerias com os fornecedores e as alianças com o poder público que possibilitaram a realização de projetos socioambientais nas comunidades.

Na empresa, optou-se naquela época, pela implantação de um setor respon-sável pelos programas socioambientais da empresa - Coordenadoria de Gestão So-cial, como o programa de voluntariado e programa de promoção da qualidade de vida para empregados e familiares; e em pareceria com a Diretoria de Relações Institucionais e com o apoio da Fundação Jari realizava as ações na comunidade.

A criação deste setor tinha reporte matricial à Diretoria de Recursos Humanos, estratégia adotada para que todo processo fosse realizado em articulação com as de-mais diretorias, gerencias e coordenadorias existentes. Muitas das ações implementa-das foram modelo para as demais empresas do Grupo Orsa, com adaptações de acordo com o perfil do empreendimento, o contexto social local e a dinâmica da região.

Com a nova área, um movimento ainda mais forte passou a emergir, trazendo soluções inovadoras para alguns dos problemas socioambientais da região, ou seja, com empregados, familiares, comunitários e demais parceiros novas soluções para os velhos problemas foram encontradas, através da geração de novas ideias, formas de pensar, revendo seus próprios valores, estimulando a criatividade para que fosse criado a transformação social desejada, o “fazer junto” eram as palavras chaves.

Iniciativas de vanguarda surgiram a partir daí, e o espírito empreende-dor – agente de transformação, ousado, responsável, compromissado – foi o grande diferencial para que resultados positivos fossem alcançados. Um dos mecanismos para gerar essa inovação social é a colaboração, o trabalho em equipe, partindo-se do principio de que cada um pode ser um potencial agente de mudança e inspirar outras a se engajarem na causa.

Com base nesse pressuposto, a empresa estimulou o diálogo e a participação de cada empregado. Foram realizadas reuniões com os diferentes níveis hierár-

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quicos de forma setorial e mista, mediadas por profissionais especializados em dinâmicas motivacionais, e pesquisas, como a pesquisa de clima organizacional e comunicação fabril, além de metodologias como o diálogo rápido participativo na comunidade; todas as fontes de resultados possibilitaram desenhar as estra-tégias que seriam colocadas em práticas no curto e médio prazos.

Um comitê interno, formado por representantes das áreas administrati-vas, industrial e florestal, estruturou os programas de voluntariado e de pro-moção da qualidade de vida, ambos como foco central na promoção do desenvol-vimento humano e comunitário.

As iniciativas buscavam melhorar a qualidade de vida das pessoas, crian-do projetos estruturantes legitimados por todos com gestão participativa.

Alguns projetos eram transversais aos dois programas, que se tornaram ações efetivas e sustentáveis, as quais muitas delas promoveram o protagonis-mo e empoderamento comunitário, e passada uma década ainda existem na região, a exemplo da cooperativa de costureiras Agulhas Versáteis e a Escola de Música de Monte Dourado.

Além disso, diante de um delicado cenário social ainda existente na região, os pilares de atuação da Fundação Orsa (educação, saúde, garantia de direitos humanos, meio ambiente, cultura e geração de emprego e renda) continua promover ações so-cioeconômicas que tentam minimizar os impactos negativos e os passivos gerados ao longo dos anos no Vale do Jari, no esforço conjunto com os demais atores para gerar a transformação social necessária capaz de melhorar a qualidade de vida da população.

Destaque de Programas e Projetos de Inovação Social da Jari:

Programa de voluntariado Programa de promoção da qualidade de vida

Reciclando na Escola – coordenado por um grupo de profissionais da empresa, o projeto visa incentivar a preservação do meio ambiente, através de atividades lúdicas e palestras que despertem para a importância da coleta seletiva na comunidade. O público-alvo são profes-sores, alunos e familiares. O projeto converte em pontos premiados a quantidade de material coletado, muitas escolas na região tiveram melhoria nas suas instalações e na aquisição de material para as atividades.

Olímpiadas Jari – promoção da prática da ativi-dade física, utilizando o esporte como fator de desenvolvimento humano e social, melhoria da qualidade de vida, inclusão social e o combate ao sedentarismo. Possibilitou maior integração entre os colaboradores da Jari, Fundação Orsa e as empresas prestadoras de serviço e seus familiares, além da oferta de mais uma opção de lazer e recreação na comunidade.

Chuteira de Ouro – estímulo a prática esportiva, o espírito de cidadania, companheirismo, noções sobre ética e competição pacífica. Dentre os resultados, destacam-se a melhoria no desempenho escolar dos participantes, alguns chegando a integrar escolas de futebol nos grandes centros.

Arapitanga – ofereceu alternativa de lazer durante o príodo de férias escolares, através de atividades recreativas na colônia de férias, visitas guiadas à áreas industrial e florestal, e às comunidades rurais e ribeirinhas para conhecer os trabalhos da Fundação Orsa na região.

Agulhas Versáteis – cooperativa de costureiras que oferece oportunidade de trabalho e renda para as mulheres da região e atende a uma demanda local por uniformes profissionais.

Escola de Música de Monte Dourado – convênio firmado entre a Fundação Orsa e Fundação Carlos Gomes, oferece cursos de canto e instrumentos musicais para a comunidade, e busca incentivar o desenvolvimento cultural, educação musical e promover a inclusão social de crianças, jovens e adultos.

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IV – Conclusão Ao longo das últimas décadas é evidente o papel inovador de algumas

empresas visionárias e de vanguarda, que dão importância significativa à ges-tão de pessoas e aos aspectos socioambientais do entorno de suas operações, que passaram a utilizar instrumentos capazes de promover o relacionamento e engajamento das partes interessadas, o protagonismo e empoderamento comu-nitário, e dar transparência aos processos organizacionais.

Estruturas empresariais localizadas em zonas remotas da Amazônia são singulares, onde cultivar e desenvolver ligações interpessoais favoráveis, como preconiza a teoria dos stakeholders, são imperativos para os que vivem em cidades-empresas.Os empreendedores são movidos a desafios, uma das carac-terísticas daqueles que se deslocam para essas áreas, e os laços sociais melho-ram a qualidade de vida.

No Vale do Jari muitos dos ativos encontrados, que favorecem a aquisi-ção de novos conhecimentos e o desenvolvimento de novas habilidades, estão relacionados aos saberes locais intangíveis, compartilhados gratuitamente e de forma solidária. Os resultados positivos se encontram até hoje na região, e que continuam a dar frutos, sejam pelas ações que se desdobraram a partir dos projetos estruturantes criados, no período aqui sinalizado, ou no capital intelectual e social que carregam os que por lá passaram.

As contribuições deste trabalho buscam não só registrar e valorizar o empe-nho de todos os que acreditaram que uma mudança seria possível - mudança de olhar, de percepção, de valores - e que a capacidade de transformação está em cada um, para que seja possível se fazer um dia a dia melhor coletivamente, de “dentro pra fora e de fora pra dentro”; e também estimular a produção de mais trabalhos acadêmicos e pesquisas científicas sobre estruturas organizacionais remotas, cada um dos aspectos que se inter-relacionam por ser uma temática inter-multidisci-plinar; além de tentar auxiliar gestores que estejam dispostos a agir com maior comprometimento “socio organizacional”, incentivando-os a mostrar suas capaci-dades de implementar práticas de inovação social transformadoras e sustentáveis.

Fotos: Escola de Música de Monte Dourado-PA, e Cooperativa de Costureiras Agulhas VersáteisFonte: Banco de Imagem Jari

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Foto aérea: Vale do Jari – PA /AP | Fonte: Banco Imagem Jari

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Sobre os autores

Mônica Maria Souza de OliveiraGraduada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Pará (1995), aperfei-çoamento em Gestão Responsável para a Sustentabilidade pela Fundação Dom Cabral (2003) e Formação de Negociadores pela FVG (2004), pós-graduada em Meio Ambien-te pela COPPE/UFRJ (2009), MBA em Gestão de Negócios pelo IBMEC (2014).Coordenou a área de gestão social da Jari Celulose (2001-2005), possui experiência nacional e internacional na área de comunicação empresarial e gestão socioambiental, nos setores de petróleo e gás, celulose e manejo de floresta nativa e plantada, mine-ração, mercado financeiro; responsabilidade social corporativa (Center for Corporate Citizenship at Boston College – Fellowship 2007), comunicação institucional (Burson Masteller Portugal), Schollarship Rotary Foundation (2000).Atuou como conselheira de empreendedorismo social dos alunos do IBMEC (2012- 2014), atualmente é consultora de meio ambiente na área de projetos de desenvolvi-mento da produção – Exploração & Produção/Petrobras. Entusiasta da ciência e inova-ção tecnológica para área de educação é pós-graduanda em Neurociência Pedagógica e desenvolve o projeto de pesquisa científica “Conexão com a Natureza: Experiências Sensoriais em Jornadas de Aprendizagem Socioambiental”.

Paula Esteban do V. Jardim Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2002), Mestre em Administração pelo IBMEC (2006) e Doutoranda em Economia pela Univer-sidade Federal Fluminense. Atualmente é professora tempo parcial do Grupo IBMEC da graduação e pós-graduação. Possui ampla experiência em consultoria empresarial. Tem atuado, principalmente, nos temas relacionados a investimento externo direto, negócios internacionais, estratégia empresarial e sustentabilidade.

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7desenvoLvimento LocAL, empreendedorismo e

eco inovAção: sistemAs de gestão pArA A

sustentAbiLidAde Úrsula Maruyama

Alexandre Barbosa Marques

Paloma Martínez Sánchez

Resumo

Não há como reverter os efeitos nocivos sofridos pela degradação ambiental, mas pode-se desacelerar este processo. Destarte, surge a eco inovação com a finalidade precípua de mitigar o impacto dos nossos modos de pro-

dução no ambiente, transformando-se num avanço importante para o desenvol-vimento sustentável. O objetivo deste estudo é elucidar o eixo ‘transformação’ como norteador da mudança organizacional para a sustentabilidade. A pes-quisa de abordagem qualitativa buscou inicialmente por meio da literatura, concatenar os principais conceitos e tipologias sobre eco inovação. Como objeto de estudo foi escolhida uma organização não-governamental internacional com projetos em mais de 30 países voltadas ao desenvolvimento local e empreen-dedorismo com enfoque social e/ou ambiental. Dos 36 projetos analisados, 16 foram identificados como relacionados a iniciativas eco inovadoras. Destes, fo-ram escolhidos três projetos representando os continentes mais participativos: as Américas, a África e a Ásia. Os projetos foram então categorizados dentro da taxonomia apresentada pela literatura e utilização da análise crítica pela Administração fundamentada na norma ISO 14001. Como resultado, serão apresentadas alternativas de análise gerencial baseadas na utilização de sis-temas de gestão voltados à sustentabilidade fundamentadas na proposta de transformação sócio-ambiental local.

Palavras-chave: Desenvolvimento local, empreendedorismo, eco inovação, ferra-mentas gerenciais para sustentabilidade.

1.IntroduçãoNão há como reverter os efeitos nocivos já sofridos pela degradação am-

biental, mas pode-se desacelerar este processo. Além de identificar os três as-pectos da sustentabilidade – econômico, social e ambiental – no entendimento do conceito de eco inovação, deve-se também considerar o seu viés empreende-

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dor. Assim, o objetivo deste capítulo, alinhado à proposta deste livro ‘Trans-formação Organizacional para a Sustentabilidade’, é apresentar por meio de Estudo de Caso múltiplo como a Transformação pode ser realizada desde a perspectiva institucional (ONG: Enactus), educacional (universidades envolvi-das), empresarial e demais stakeholders na sociedade, baseada no desenvolvi-mento sócio-ambiental local.

Tidd, Bessant e Pavitt (2008) partem do pressuposto sobre a inserção dos aspectos ambientais na agenda da inovação destacando os seguintes fatores: aquecimento global e ameaças decorrentes das mudanças climáticas; poluição ambiental e pressão social por produtos ‘ecologicamente corretos’; explosão demográfica e problemas derivados da concentração urbana; esgotamento das fontes energéticas e urgência no desenvolvimento de fontes alternativas e re-nováveis; saúde e fatores relacionados ao acesso a padrões mínimos de atendi-mento, água tratada, medidas sanitárias etc.

Gradativamente, apresenta-se um aumento nos relatórios de pesquisa na área de eco inovação, ‘inovação verde’ ou o desenvolvimento sustentável com que diz respeito à Pesquisa & Desenvolvimento (P&D), processos de produção, novos produtos e novos serviços (PURJARI, 2006). De acordo com um relatório das Nações Unidas, desenvolver uma cultura eco inovadora, fomentar atitudes e valores empreendedores tornou-se prioridade nas agendas governamentais. Por outro lado, há ainda a necessidade de uma maior aceitação do conceito de educação e formação para o empreendedorismo (UNEP, 2011).

Quanto menos a empresa entende o mercado estrangeiro, maior é a dis-tância psicológica e o sentimento de incerteza. Nesta lógica, deve-se priorizar o desenvolvimento local inicialmente, para depois investir num conhecimento dos mercados mais próximos de sua zona de conhecimento.

É ao utilizar o empreendedor como ‘força impulsionadora desta mudança’, e diante da necessidade de uma nova postura mundial frente às questões am-bientais, que buscou-se a realização deste estudo de caso múltiplo sobre três iniciativas voltadas à eco inovação. Como jovens universitários em diferentes países e continentes encontraram soluções que alcançaram resultados signifi-cativos para a sua comunidade local? Como estes exemplos poderão ser úteis aos Sistemas de Gestão voltados à Sustentabilidade nas organizações?

As organizações se beneficiariam de um instrumento de gestão que lhes permitisse avaliar suas opções de maneira mais estruturada e criteriosa. Nes-te sentido, a atividade de análise crítica, que integra os sistemas de gestão da qualidade baseados nas normas da ISO série 14000, revela-se um instrumento útil. Trata-se de uma ferramenta de gestão que avalia a pertinência, adequa-ção e eficácia de algo, segundo critérios definidos.

Como base para a análise crítica dos casos foram utilizados os critérios do World Business Council for Sustainable Development (WSCSD, 2000), assim como Tipologias de Eco Inovação (RENNINGS, 1998; ANDERSON, 2008). Portanto, a partir dos exemplos que serão apresentados pode-se refletir acerca de novas iniciativas e parcerias potencialmente benéficas para uma postura proativa à causa ambiental com o objetivo de oferecer às organizações uma ferramenta de gestão que as auxilie no seu processo de alocação de recursos e/ou de análise qualitativa de seus esforços nesta área.

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2. Inovação para o desenvolvimentoNão existe processo de inovação isolado. Isto significa que existe um am-

biente, um contexto no qual um sistema de redes e relações com stakeholders atuam no processo de inovação. Surgem reflexões acerca da globalização da inovação, seus processos interativos, colaborativos, com intensificação de P&D externo, integração com parceiros e múltiplos atores de competências diferen-ciadas.

Os territórios inovadores, além de constituírem sistemas produtivos pos-suidores de vantagem competitiva, são capazes de buscar novas parcerias na articulação de sua sociedade e no governo do território, pois:

[...] ainda que as debilidades estruturais tornem mais difícil a cons-trução de entornos inovadores em regiões periféricas e áreas rurais, nos últimos anos há evidência, nesses tipos de território, de fenôme-nos de inovação localizada que merecem maior atenção de pesqui-sadores públicos no sentido de identificar não só suas chaves inter-pretativas, como também os principais obstáculos à difusão desses processos (MENDEZ, 2007, p.250).

De acordo, com o autor supracitado, houve uma mudança recente de para-digmas nas relações entre inovação e desenvolvimento, conforme é apresentado na figura a seguir:

Da inovação empresarial(econômica)

Da produção de conhecimento

Da inovação associadas às novas tecnologias

Da inovação controlada por grandes empresas

Da inovação concentrada nos territórios centrais

À inovação territorial(econômica + social)

À difusão do conhecimento

À capacidade de transferência da inovação

para atividades tradicionais

Ao valor estratégico do esforço inovador de pequenas

e médias empresas (PMEs)

À construção de ambientes inovadores nas periferias

Figura 1 – Diversidade de enfoques sobre inovação e desenvolvimento

Fonte: Méndez (2007, p. 248)

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Capítulo 7 – Desenvolvimento local, empreendedorismo e eco inovação: sistemas de gestão para a sustentabilidade

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Segundo a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e De-senvolvimento, o comércio internacional viu-se afetado por diversos fatores que criaram novos desafios e oportunidade e tornaram a cooperação econômica multilateral ainda mais importante. A cooperação internacional na área do meio ambiente cresce a cada dia e observa-se que as disposições sobre o co-mércio dos acordos multilaterais sobre o meio ambiente desempenharam papel importante (CNUMAD, 1995).

A eco inovação é o meio para introduzir novas práticas na direção da sus-tentabilidade, eco eficiência e eco inovação. Considerando que a excelência se adquire com a experiência, assim como o artesão ganha autonomia para apli-car técnicas familiares a soluções não-familiares ou mesmo problemas novos (SABEL, 2001), dentre os principais pontos levantados pela Agenda 21, alguns foram especialmente destacados com a finalidade de utilizá-los na análise des-te trabalho: • Capacitação dos pobres para a obtenção de meios de subsistência sustentáveis• Mudança dos padrões de consumo• Dinâmica demográfica e sustentabilidade • Proteção e promoção das condições da saúde humana • Abordagem integrada do planejamento e do gerenciamento dos recursos ter-

restres• Promoção do desenvolvimento rural sustentável e Fortalecimento do papel

dos agricultores • Manejo ambientalmente saudável dos resíduos perigosos• Manejo ambientalmente saudável dos resíduos sólidos e questões relaciona-

das com os esgotos• Fortalecimento do papel do comércio e da indústria • Integração da comunidade científica e tecnológica• Fortalecimento do papel das organizações não-governamentais – parceiros

para um desenvolvimento sustentável• Transferência de tecnologia ambientalmente saudável, cooperação e fortale-

cimento institucionalNão obstante, para que os objetivos da Agenda 21 acerca do desenvolvi-

mento e meio ambiente sejam alcançados será necessário um fluxo substancial de recursos e esforços adicionais para as economias emergentes acelerarem o seu desenvolvimento de forma sustentável. Por fim, é neste contexto que as eco inovações são consideradas como o eixo direcionador e propulsor da mudança do paradigma ambiental.

3. Eco-inovaçãoNa literatura há diferentes definições para eco inovação e inovação am-

biental. Para a Comissão Europeia, a “eco inovação é qualquer inovação que se traduza num avanço importante no sentido do desenvolvimento sustentável, reduzindo o impacto dos nossos modos de produção no ambiente, reforçando a resiliência da natureza às pressões ambientais ou utilizando os recursos natu-rais de forma mais eficiente e responsável”.

A definição comumente apresentada pela OCDE, não difere muito da anterior-mente citada, no entanto, amplia a sua definição considerando eco inovação como:

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A criação de produtos (bens e serviços) novos, ou significativamente aprimorados, tais como: processos, métodos mercadológicos, estrutu-ras organizacionais e arranjos institucionais nos quais – intencional-mente ou não – levam a melhorias ambientais comparadas a alterna-tivas relevantes (OECD, 2008 p 19).

Assim, para cada companhia e economia é muito importante ser competi-tivo, e a eco inovação pode assumir um papel relevante ao criar mais negócios competitivos, uma ideia para uma nova start-up, produto ou serviço (STOSIC & MILUTINOVIC, 2014). Outra iniciativa apresenta as autoras Lynn Martin, Tamara McNeil e Izzy Warren Smith (2013) realizando um estudo múltiplo de caso com oito firmas de negócios eco inovadores em franco desenvolvimento nas áreas rurais.

A eco inovação é um conceito relativo e não absoluto. Por conseguinte, ao abordar a eco inovação, deve-se tornar claro quando se está referindo à criação de um produto novo ou a implementação de produtos, tecnologias, serviços e práticas. Além disto, diferente do conceito de tecnologia ambiental, a eco inova-ção sugere uma relação ‘ganha-ganha’, a qual exerce grande apelo aos negócios e governo (KEMP 2009).

Apesar de existirem diversos estudos sobre eco inovação em países de-senvolvidos, ainda há uma falta de pesquisas nos países em desenvolvimento (RASHID et al, 2015). Além disto, deve-se refletir e discutir sobre a importân-cia de grupos organizados pela sociedade civil na eco inovação sob a perspecti-va do Modelo da Hélice Tripla (YANG & HOLGAARD, 2012).

4. Taxonomia da Eco inovaçãoNum breve mapeamento sobre as publicações relacionadas ao tema eco

inovação, por meio de análise das bases de dados Web of Science e Scopus, Ren-nings aparece como um dos autores mais citados. Segundo a sua definição, no sentido lato, as eco inovações podem ser preventivas ou curativas, a partir do momento em que são consideradas para prever ou combater uma possível causa de dano ambiental ou mitigar os danos/efeitos já realizados. Desta forma, Ren-nings (1998) classifica as eco inovações conforme a sua natureza: • Eco inovações tecnológicas – Reparam danos (curativas) ou tentam evitar os

danos ambientais (preventivas) atuando no final do circuito (end of pipe) ou de forma integrada, ao longo de todo o processo;

• Eco inovações organizacionais – Representam mudanças nos instrumentos de gestão organizacional;

• Eco inovações sociais – Representam mudanças nos padrões de valores das pessoas e seus estilos de vida para a sustentabilidade;

• Eco inovações institucionais – Respostas institucionais aos problemas de sustentabilidade (e.g. redes locais e agências).

Enquanto apresentam-se conceitos para eco inovações, o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD, 2000) considera que as organi-zações podem utilizar os seguintes elementos para aumentar a sua eco eficiência:

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Capítulo 7 – Desenvolvimento local, empreendedorismo e eco inovação: sistemas de gestão para a sustentabilidade

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• Reduzir o material e intensidade energética; • Reduzir a dispersão de substâncias tóxicas; • Enfatizar o uso de recicláveis; • Maximizar a utilização de energias renováveis; prolongar a durabilidade do

produto; • Aumentar a intensidade do serviço.

Há ainda a taxonomia operacional das eco inovações de Andersen (2008), onde busca-se contextualizar os seus diferentes papéis (do incremental ao sis-têmico) ao ambiente: • Eco inovações add-on: São as tecnologias para melhoria de desempenho am-

biental;• Eco inovações integradas: São processos e produtos mais limpos que contri-

buem para as soluções ambientais integradas;• Eco inovações de produto alternativo: Representam as inovações radicais,

que podem não ser mais ‘limpas’ do que outros produtos mas oferecem me-lhores soluções ambientais;

• Eco inovações macro-organizacionais: Novas maneiras de organizar a pro-dução e o consumo num nível sistêmico;

• Eco inovações de propósito geral: São tecnologias que afetam profundamen-te a economia e o processo de inovação de uso geral, contribuindo para o paradigma tecno-econômico.

Para fins deste estudo, dentre os determinantes supracitados, serão con-sideradas as preocupações ambientais em sentido lato, as tecnologias e fatores internos às firmas e fatores mercadológicos.

5. Método de pesquisa: seleção dos casos a serem analisadosA Enactus é uma organização não-governamental (ONG), fundada em

1975 com o intuito de inspirar estudantes a melhorar a qualidade de vida no mundo por meio de suas ações empreendedoras. A organização fornece uma plataforma para equipes de universidades de excelência para que estes desen-volvam projetos onde possam transformar a sua própria ingenuidade e talentos no cerne de melhorias de suas comunidades (FORTUNE, 2015).

Figura 2 – Percentual de projetos Enactus eco-inovadores nos continentes

África

Ásia

América

Europa

Projetos de Eco Inovação (%)

Fonte: Elaborado pelos autores (baseado nos dados utilizados nesta pesquisa extraídos de www.enactus.org)

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As ‘comunidades de prática’ assumem o papel como agentes-chave que direcionam o processo de conhecimento organizacional. Estas comunidades são conhecidas como grupos de trabalhadores informalmente ligados pela ex-periência compartilhada e pelo seu comprometimento a um empreendimento conjunto. Geralmente auto-organizadas, apresentam o propósito de solucionar problemas práticos onde são capazes de gerar inovações de produtos e serviços (GERTLER 2003).

Orientados por educadores das próprias instituições e apoiados por líderes de negócios, os mais de 70.500 estudantes, provenientes de 36 países e 1.700 ins-tituições, tomam atitudes empreendedoras que proporcionam a autonomia para o seu próprio sucesso. Assim, a ONG que busca transformar a vida das comuni-dades atendidas, apresenta como resultado de aproximadamente 1.950.000 pes-soas impactadas ao mesmo tempo em que desenvolve as competências baseadas em valores nos líderes do futuro e estímulo aos negócios sociais.

A continuidade da cooperação facilita a comunicação entre os agentes, permitindo simultaneamente a integração das respectivas competências, a consolidação de princípios de “confiança mútua” e a maior sincronização das ações e estratégias por eles adotadas. No caso analisado, os fundadores consi-deram três etapas essenciais para a mudança: visualizar oportunidades, exe-cutar (implementação dos projetos) e a fase de introdução (criação de cultura), são ilustrados pela figura 3.

Figura 3 – Etapas dos projetos executados pelas equipes Enactus

Fonte: Elaborado pelos autores

No website da organização estão disponibilizadas as histórias de alguns projetos selecionados pela ONG. Assim, ao longo do ano de 2014, dos 36 proje-tos apresentados, foram identificados e selecionados 16 projetos considerados com propostas eco-inovadoras. Cada um dos 16 projetos supracitados foi estu-dado e comparado com os seguintes pontos:

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Capítulo 7 – Desenvolvimento local, empreendedorismo e eco inovação: sistemas de gestão para a sustentabilidade

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• Foco dos projetos eco inovadores (seleção e elaboração dos autores);• World Business Council for Sustainable Development (WBCSD, 2000);

Dos 16 projetos eco inovadores da Enactus, em função da limitação de escopo deste trabalho, utilizou-se como critério a representação dos três conti-nentes mais representativos: 1 projeto da África (39%), 1 projeto da Ásia (28%), e 1 projeto das Américas (22%) para a análise crítica baseada na ISO série 9000, tendo-se como parâmetro (delimitação para análise e estudo): • Taxonomia de Renning (1998);• Taxonomia de Andersen (2006).

A representação do conteúdo foi então organizada e sua análise, estrutu-rada com base na ISO série 14000, foram utilizadas na elaboração da ferra-menta gerencial. Assim, com a finalidade de facilitar o processo decisório em gestão voltada à transformação para a sustentabilidade sócio-ambiental local, será apresentada na próxima seção.

6. Análise Crítica pela Administração (ISO série 14.000)A análise crítica pela Administração é uma atividade presente e difundida

pelas normas ISO série 14.000, a qual começou a ser publicada há quase 20 anos (1996). No contexto dos sistemas de gestão baseados nas normas ISO série 14000, a análise crítica pela Administração é uma avaliação da pertinência, adequação e eficácia de algo em relação aos objetivos que se tem (ABNT, 2004).

Cada projeto foi inicialmente estratificado em grupos temáticos do seu foco eco-inovador. Alguns projetos apresentaram mais de uma característica, considerando-se complementar e não excludente, conforme indicado no gráfico representado pela figura 4.

Figura 4 – Foco dos projetos executados pelas equipes Enactus (2015)

Fonte: Elaborado pelos autores

Todos os projetos Enactus possuem enfoque social. No entanto, cerca de 50% possuem um viés de sustentabilidade ambiental e potencial eco inovador. A seguir são apresentados os projetos dos continentes mais representativos:Projeto Africano: No Zimbábue os residentes geralmente enterravam o lixo como forma de descarte, especialmente plástico. No entanto, alguns problemas sur-

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giram na drenagem e sistema de esgoto. A equipe de Midlands State Univer-sity descobriu que é possível reciclar e transformar plásticos em um líquido similar a parafina e que pode ser utilizado como combustível, líquido para polir chão e cera de vela. Para alcançar este objetivo, a equipe desenvolveu uma máquina denominada Gre-Cycler que derretia todos os tipos de plásticos reci-cláveis para criar produtos viáveis economicamente.

O projeto também auxiliou 12 viúvas que não conseguiam prover refeições e educação básica para suas crianças. Assim, elas foram capacitadas para atu-ar reciclando e transformando em seis meses US$ 2,304 das vendas do novo produto e combustível. Assim, 600 residentes de Senga Nehosho sabem como administrar o seu lixo, além de beneficiar a sua terra, saúde e economia local.

Projeto Asiático: Dawu, uma vila no litoral dependia da colheita de ostras, com 20% da população participando do processo de abertura das ostras e não havia descarte apropriado das conchas. Detritos das conchas invadiam estradas e poluía as águas da vizinhança. A equipe chinesa da Universidade de Xiamen sabia que deveria encontrar um novo uso para as conchas. Pesquisas mostra-ram que os montes de conchas poderiam se transformar em fertilizantes e materiais de construção.

A Taiyu Oyster Shell Processing Factory (Fábrica de processamento de con-chas de ostras de Taiyu) foi criada e mercados foram criados para os novos pro-dutos. Além disto, a equipe envolveu o governo local para a implantação de uma unidade de processamento e realizado mapeamento de mercado para produtos po-tenciais. A população local foi capacitada comercialmente e aconselhada por meio de coaching ambiental. Com o projeto Trash to Treasure, mais de 4.000 toneladas de conchas são processadas anualmente com rendimento de 82,8 milhões de Yuan (R$41,4 milhões; US$ 13,5 milhões), beneficiando 61 habitantes da vila de Dawu. O maior benefício para o vilarejo é que eles possuem meios para administrar o seu resíduo ambiental com oportunidade econômica e redução da poluição da água.

Projeto das Américas: Apesar dos altos custos financeiros, à saúde e ao meio-ambiente que possa ocasionar, muitas famílias rurais ainda utilizam a lenha com principal fonte para cozinhar, pois existem poucas alternativas. Ao pensar numa oportunidade de fonte de energia limpa, renovável e gratuita, a equipe da Universidade de Guadalajara no México resolveu projetar o forno solar para mitigar os efeitos negativos ambientais causados por estas famílias rurais que ainda utilizavam forno a lenha. Além disto, há os efeitos econômicos conside-rando que a utilização para a elaboração de um jantar, por exemplo, utilizando cada uma destas fontes: • Lenha US$10• Gas US$ 2,4• Energia solar US$ 0,85

Foi demonstrado que ao utilizar as domas refletoras, podia-se reduzir os efeitos negativos da queima da madeira no sistema respiratório e olhos, além dos custos na preparação dos alimentos. Assim, após a implantação das ‘cozi-nhas solares’, cerca de 200 famílias em quatro novas comunidades, reduziram a utilização de lenha em 62,5%.

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Capítulo 7 – Desenvolvimento local, empreendedorismo e eco inovação: sistemas de gestão para a sustentabilidade

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Para elucidar, os três projetos foram consolidados na figura 5, representa-dos pelas fotografias apresentadas a seguir:

Assim, como resultado geral, obteve-se uma visão qualitativa de o quanto estes casos estão ou não aderentes aos aspectos mencionados por Rennings (1998) na sua taxonomia. Neste sentido, a tabela 1 resume as constatações da análise crítica, as quais são comentadas em seguida.

Tabela 1 – Resumo da análise crítica de casos da ENACTUS segundo Renning (1998)

Aspectos avaliadosCaso Africano Caso Asiático Caso Américas

Gre-cycler Ostras Forno Solar

Eco-inovações tecnológicasReparam danos ou tentam evitar os danos ambientais atuando no final do circuito (end of pipe) ou de forma integrada

Pertinente Adequado Eficaz

Pertinente Adequado Eficaz

Pertinente Adequado Eficaz

Eco-inovações organizacionais Representam mudanças nos instru-mentos de gestão organizacional

Pertinente Adequado Eficaz

Pertinente Adequado Eficaz

Pertinente Adequado Eficaz

Eco-inovações sociais Representam mudanças nos padrões de valores das pessoas e seus estilos de vida para a susten-tabilidade

Pertinente Adequado Eficaz

Pertinente Adequado Eficaz

Pertinente Adequado Eficaz

Eco-inovações institucionais Respostas institucionais aos pro-blemas de sustentabilidade (e.g. redes locais e agências)

Pertinente Adequado Eficaz

Pertinente Adequado Eficaz

Pertinente Adequado Eficaz

Fonte: Elaborado pelos autores

Após, a análise dos projetos de acordo com a taxonomia de Renning (1998), observou-se o grau de pertinência de cada projeto ao perfil taxonômico introdu-zido pelo autor. Esta análise busca elucidar que em alguns momentos, pode-se preferir ou preterir um projeto em relação ao outro, dependendo dos objetivos

Figura 4 – Foto dos projetos locais das equipes Enactus na África, Ásia e Américas

Fonte: Elaborado pelos autores

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organizacionais em pauta. Além disto, buscou-se avalia-los também, segundo a classificação de Andersen (2006).

Tabela 2 – Resumo da análise crítica de casos da ENACTUS segundo Andersen (2006)

Aspectos avaliadosCaso Africano Caso Asiático Caso Américas

Gre-cycler Ostras Forno Solar

Eco-inovações add-on: São as tecnologias para melhoria de desempenho ambiental

Pertinente Adequado Eficaz

Pertinente Adequado Eficaz

Pertinente Adequado Eficaz

Eco-inovações integradasSão processos e produtos mais limpos que contribuem para as soluções ambientais integradas

Pertinente Adequado Eficaz

Pertinente Adequado Eficaz

Pertinente Adequado Eficaz

Eco-inovações de produto alternativoRepresentam as inovações radicais, que podem não ser mais ‘limpas’ do que ou-tros produtos, mas oferecem melhores soluções ambientais

Pertinente Adequado Eficaz

Pertinente Adequado Eficaz

Pertinente Adequado Eficaz

Eco-inovações macro-organizacionais: Novas maneiras de organizar a produção e o consumo num nível sistêmico

Pertinente Adequado Eficaz

Pertinente Adequado Eficaz

Pertinente Adequado Eficaz

Eco-inovações de propósito geral São tecnologias que afetam profun-damente a economia e o processo de inovação de uso geral, contribuindo para o paradigma tecno-econômico

Pertinente Adequado Eficaz

Pertinente Adequado Eficaz

Pertinente Adequado Eficaz

Fonte: Elaborado pelos autores

Quanto à taxonomia de Andersen, não houve diferença significativa dos projetos, uma vez em que entendeu-se que todos os projetos analisados pos-suíam características afins, tanto ao seu grau de pertinência, quanto à ade-quação e eficácia.

Finalmente, após a elaboração da análise dos projetos por meio das taxo-nomias de Renning (1998) e Andersen (2006) utilizando a análise crítica da ISO série 9000, observou-se que a categorização e avaliação por graus de per-tinência, adequação e eficácia, facilitam o processo decisório gerencial, sendo possível chegar às considerações finais desta pesquisa.

7. ConclusãoO presente estudo procurou associar o desenvolvimento local, empreende-

dorismo e a eco inovação sob a perspectiva dos sistemas de gestão para a sus-tentabilidade. Para tanto, foi escolhida uma organização não-governamental que atua por meio de projetos universitários em projetos sociais ao redor do mundo. Com sede em 35 países, mas atuando com projetos em 115 países nos cinco continentes: Américas, Europa, África, Ásia e Oceania, a Enactus repre-senta um exemplo de empreendedorismo com enfoque sustentável.

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Capítulo 7 – Desenvolvimento local, empreendedorismo e eco inovação: sistemas de gestão para a sustentabilidade

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Por conseguinte, após o estudo da literatura sobre o tema, algumas ques-tões foram levantadas: Como jovens universitários em diferentes países e con-tinentes encontraram soluções que alcançaram resultados significativos para a sua comunidade local? Como estes exemplos poderão ser úteis aos Sistemas de Gestão voltados à Sustentabilidade nas organizações?

As soluções alcançadas por estes estudantes com o auxílio da integração realizada pela comunidade local, foi identificada por meio de inovações tecno-lógicas, organizacionais, sociais ou institucionais, conceito de origem da Eco inovação utilizado por Renning (1998). Quanto ao objetivo pelo qual estas ino-vações foram desenvolvidas, utilizou-se a taxonomia de Andersen (2006): eco inovações add-on; eco inovações integradas: eco inovações de produto alterna-tivo; eco inovações macro-organizacionais e eco inovações de propósito geral.

Para facilitar esta identificação foi utilizada como ferramenta gerencial a análise crítica apresentada pela ISO série 14000. Assim, o presente estudo uti-lizou-se da análise crítica dos casos selecionados para exemplificar uma forma pela qual as organizações que possuam enfoque na sustentabilidade ambiental possam avaliar as suas ‘boas práticas’ (em projetos e outras iniciativas). Em outras palavras, apresentou-se o potencial da atividade de análise crítica pela Administração formal e estruturada, tal como a instituída e propagada pela ISO série 14.000, para apoiar a tomada de decisão por parte dos gestores das organizações empenhadas em melhorar o desempenho ambiental das comuni-dades onde atuam.

Embora incipiente, este trabalho buscou apresentar como de forma sim-ples, as organizações públicas, privadas e não-governamentais podem aliar os conhecimentos de Sistema de Gestão para avaliar projetos básicos com propos-tas sustentáveis inovadoras e de desenvolvimento local.

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Sobre os autores

Úrsula MaruyamaDoutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) do IBICT/UFRJ. Mestre em Ciência, Tecnologia e Educação (PPCTE/CEFET-RJ) com a linha de pesquisa Inovação na Educação Tecnológica. Graduada em Administração Industrial pelo CEFET-RJ, MBA Gerenciamento de Projetos e MBA Gestão Pública. Formada no ensino técnico do CEFET-RJ como eletrotécnica, estagiou no CEPEL/Eletrobras e tra-balhou em multinacionais como ABB, Petroflex (Lanxess) e Shell. Morou 2 anos em Washington DC (E.U.A.) em intercâmbio cultural e ao retornar trabalhou 5 anos nas áreas de Logística Industrial e Negócios Grandes Contas da White Martins. Professo-ra temporária no curso técnico de Administração CEFET-RJ (2011-2013). Foi analista na Gerência de Controles Internos na BB Tecnologia e Serviços, empresa controlada pelo Banco do Brasil SA (2013-2014). Ingressou como professora efetiva no CEFET-RJ (2014-atual), onde atua nos cursos de graduação em Administração, Engenharias (Elé-trica, Automação, Eletrônica, Telecomunicações, Mecânica), Ciência da Computação e LEANI. Bolsista do Programa de Produtividade Acadêmica para Coordenadores de Dis-ciplina (PA2) nos cursos de graduação oferecidos pelo Consórcio CEDERJ, disciplina Gerenciamento de Projetos. Pesquisa e interesse nas áreas de: Ciência & Tecnologia, Sistemas Nacionais de Inovação, Ciência da Informação, Estratégia, Econinovação, Sistemas de Gestão da Qualidade, Gestão do Conhecimento, Interdisciplinaridade, Educação Tecnológica e Educação Corporativa.

Alexandre Barbosa MarquesDoutorando do Programa de Pós-Graduação da Escola de Química da UFRJ. Mestre em Tecnologia e Graduado em Engenharia Industrial Mecânica, ambos pelo CEFET/RJ-CSF. Especialista em Gerenciamento de Empreendimentos (Projetos) com ênfase em Suprimentos. Professor da Graduação em Administração Industrial do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca. Pesquisa e leciona nas áreas da Inovação, Gestão do Conhecimento, Aprendizagem Organizacional e Logística.

Paloma Martínez SánchezEngenheira Produção Agroindustrial formada pela Universidade de La Sabana (Colôm-bia), especialização em Gestão Estratégica na mesma instituição. Mestrado em Sis-temas da Qualidade e Produtividade do Instituto Tecnológico de Monterrey-México. Doutoranda em Logística. Professora e Coordenadora do Programa de Especialização em Gerência da Produção e Produtividade na Universidade Del Bosque, Colômbia. Ex-periência no estabelecimento de relações institucionais com indústrias, universidades e outras organizações com foco na construção de alianças estratégicas. Avaliadora e pesquisadora reconhecida pela Colciencias (Instituto de Pesquisa da Colômbia) e pesquisadora em universidades colombianas: Del Bosque, Piloto, EAN.

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8cArtogrAfiA sociAL & sustentAbiLidAde: métodos e técnicAs

de (re)ApropriAção dA nAturezA peLAs

comunidAdes trAdicionAis – oriximiná – pArá

Jacob Binsztok

Mônica Carneiro

Resumo

O trabalho apresenta a Cartografia Social realizada nas comunidades qui-lombolas ribeirinhas do Alto Trombetas, Oriximiná, noroeste do Pará, como um procedimento destinado a atingir a sustentabilidade ambiental,

em função de experimentos feitos por equipe de geógrafos vinculados a Pró-Rei-toria de Extensão da Universidade Federal Fluminense. A proposta elaborou diferentes atividades de mapeamento participativo e de informações georre-ferenciadas, com a finalidade de instrumentalizar povos tradicionais em suas reivindicações políticas por direitos territoriais, incluindo-se também a apro-priação da identidade quilombola na fundamentação de suas reivindicações. A metodologia da cartografia social foi utilizada mediante a realização de oficinas de alfabetização cartográfica, apoiada na comunicação gráfica como facilitado-ra do processo de identificação e afirmação do território e territorialidades. Pa-ralelamente, foi valorizada a espacialidade das práticas sociais e da natureza local. Como produto, a proposta pretende, além de mapas confeccionados nas diferentes atividades, sistematizar informações em cartilhas que contenham conhecimentos geográficos presente nas diferentes conjunturas: histórica, cultu-ral, política e ambiental destas comunidades. Assim, a proposta contribui para a sustentabilidade ambiental, construindo ainda um elemento de acompanhamen-to e planejamento participativo das transformações sócio-espaciais vivenciadas por estas populações, atingidas por obras de infra-estrutura e também pela ex-pansão de grandes corporações mineradoras, exploração de recursos florestais e do agronegócio e ainda palco de interdições provenientes da intervenção de organizações oficiais de controle e monitoramento na Amazônia.

IntroduçãoOs povos indígenas, quilombolas e outros grupos tradicionais localizados na

Amazônia, estão sendo constantemente confrontados com as exigências da moder-nidade brasileira e mundial, necessitando de novos conhecimentos e tecnologias

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para sobreviver e reproduzir formas de existência. A mundialização das tecnolo-gias de informação e do consumo, bem como a demanda por novas terras e recur-sos, advindos do setor privado e do Estado, tornam os espaços mais próximos e conectados, integrando populações afastadas ao sistema de leis e regras que regem a sociedade capitalista. Essa integração é feita não considerando a diversidade de tradições de cada comunidade, sobrepondo-se e interferindo em suas dinâmicas, determinando seus métodos organizativos e ditando seus caminhos.

A leitura, a escrita e o cálculo, bem como o domínio de novas tecnolo-gias, são habilidades exigidas para interação entre as diferentes realidades e o entendimento das demandas internas e externas que acabam por intervir no cotidiano destas populações. Nas últimas décadas, foram adotadas como ferramentas pedagógicas estratégicas para a resistência e permanência dos povos tradicionais e suas formas de reprodução social. O projeto de extensão é uma tentativa de contribuir com estas ferramentas e facilitar o processo de identificação de territórios e territorialidades quilombolas, localizadas no Alto Rio Trombetas. A cartografia social é utilizada como metodologia, instrumen-talizando estas comunidades na luta política por seus direitos territoriais e emancipação de suas identidades coletivas.

Comunidades e Territórios Tradicionais e Direitos Legais Em razão de processos históricos e geográficos diferenciados, segmentos

da sociedade brasileira desenvolveram modos de vida próprios e distintos dos demais. Esses grupos fazem do lugar em que vivem sua própria identidade e existência, na medida em que as populações foram se ambientando em de-terminada região, foram também consolidando conhecimentos sobre o meio, limites e potencialidades, que implicaram na elaboração de técnicas adaptadas à dinâmica dos seus ecossistemas. Essa relação harmônica e de dependência com/da dinâmica da natureza levou a conservação dos recursos biológicos e dos conhecimentos tradicionais a eles associados.

Na análise dos povos e comunidades tradicionais está inserida uma enor-me diversidade de modos de vida, representadas por povos indígenas, quilom-bolas, populações agroextrativistas, grupos vinculados aos rios, mares, grupos associados a ecossistemas específicos e grupos associados à agricultura ou à pecuária. Com a análise da Política Nacional de Desenvolvimento de Povos e Comunidades Tradicionais de 2007 e das contribuições dos autores Little (2002b), Diegues (1996), Almeida (2004), Silva (2007), e Costa, Alvarenga & Alvarenga (2007), definiu-se um conjunto mínimo de características que per-mitam identificar os povos e comunidades tradicionais: i. Forma de apropriação e uso da terra – característica marcante desses gru-

pos é uma forte relação com o território e com o sentido de territorialidade; essas comunidades normalmente têm uma longa história de ocupação sobre os espaços em que vivem, a qual se expressa numa relação de ancestralida-de, memória e sentido de pertencimento a lugares específicos;

ii. Relação com a natureza – essas comunidades têm uma relação profunda com a natureza e seus modos de vida estão diretamente ligados à dinâmica dos ciclos naturais, suas práticas produtivas e o uso dos recursos naturais são de base familiar, comunitária ou coletiva;

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iii. Racionalidade econômico-produtiva – está assentada na unidade familiar, doméstica ou comunal; apresentando uma organização econômica e social com reduzida acumulação de capital, através da pequena escala mercantil em uma relação direta com o ambiente natural. O destino da produção des-sas comunidades tem como prioridade a subsistência visando à segurança alimentar, indispensável a sua reprodução social. Além de destinarem fra-ções a eventos sociais, como festas, entretenimento, esporte e lazer.

iv. Inter-relação com os outros grupos e auto-identificação – essas comunida-des mantêm relações com os grupos da região onde vivem, essas relações podem ser conflituosas ou solidárias. Através dessas interações a comu-nidade constrói sua própria identidade, passando a se auto-identificar. A construção desse processo é permanente, não podendo ser tratado de forma restrita e finita, na medida em que o comportamento humano é constante-mente alterado por essas relações.

A questão fundiária aparece como crucial na problemática relacionada aos povos e comunidades locais, as terras tradicionalmente ocupadas (ALMEIDA, 2004) têm sido alvo de grande interesse político e do capital privado. Na região amazônica, por exemplo, grandes obras de infraestrutura, como a construção de barragens e estradas de rodagem, como também projetos de exploração dos recursos vegetais, mineradoras de não-ferrosos, e iniciativas de expansão e consolidação da fronteira agrícola, que mostram contraditoriamente tanto o avanço do latifúndio quanto da pequena propriedade, realçando a concentração da propriedade e de poder como um dos grandes obstáculos à democratização do uso da terra no país.

Os conflitos gerados pela disputa dos espaços e recursos são frutos, atual-mente, de um processo político pautado pela acumulação flexível de capital, que consegue cooptar frações nacionais do empresariado, representantes de corpo-rações internacionais, segmentos estatais e lideranças formais e informais de movimentos sociais organizados (BINSZTOK; FARIA, 2013), que em linhas gerais apresentam dificuldade em reconhecer sistemas coletivos de utilização da terra, privilegiando somente áreas públicas e privadas.

O advento de Unidades de Conservação protagoniza outra face do emba-te, ocasionada principalmente pelas categorias de Proteção Integral. A atual política ambiental, pautada pelo paradigma da natureza intocada (DIEGUES, 1996) e imobilista, apresentando um posicionamento autoritário, ignorando deliberadamente o potencial preservacionista das populações tradicionais, des-considerando o fato de que a maior parte das áreas ainda preservadas do ter-ritório brasileiro é habitada com maior ou menor densidade pelas populações indígenas ou por comunidades rurais tradicionais (BARRETO-FILHO, 2006).

Como exemplo da manutenção da biodiversidade, podemos citar o caso do Centro de Rondônia, onde a população indígena ocupa grande parte das áreas preservadas e de difícil acesso. No entanto, as medidas conservacionistas não impedem que a Terra Indígena seja requerida para a exploração de minerais, na medida em que o subsolo é monopolizado pela União, retira dos represen-tantes níveis locais e comunitários quaisquer tipos de manifestação sobre estes requisitos legais, adotados desde os primórdios dos anos 1930, durante o pri-meiro governo da Era Vargas.

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Capítulo 8 – Cartografia Social & Sustentabilidade: Métodos e técnicas de (re)apropriação da natureza pelas comunidades tradicionais – Oriximiná – Pará

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Durante décadas essas populações foram mantidas na invisibilidade e expulsas de suas terras, quando não exterminadas (GONÇALVES, 2010). Só recentemente, o Estado está tentado agregar formas de ocupação e uso da ter-ra comunal, na qual os recursos pertencem à comunidade que os utiliza, não se configurando a existência da propriedade privada. Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, distintas modalidades territoriais foram fortalecidas ou formalizadas, são os casos das terras indí-genas e dos remanescentes das comunidades quilombolas. Assim observamos que a Constituição da República de 1988, no capítulo VIII (Dos Índios) dispõe:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costu-mes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das ri-quezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. (BRASIL, 1988)

No que concerne ao Artigo 68 das Disposições Transitórias constatamos a seguinte observação sobre as Comunidades Quilombolas:

Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocu-pando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. (BRASIL, 1988)

Com isso, as Terras Indígenas são definidas como bens da União e desti-nam-se à posse permanente dos índios, evidenciando uma situação de tutela, através dos processos de demarcação e homologação. Enquanto as terras das comunidades remanescentes de quilombos são reconhecidas como propriedade definitiva dos quilombolas, pelos processos de reconhecimento e titulação.

Esta nova Constituição busca também contemplar uma antiga luta dos povos pelo reconhecimento das diferenças, enunciando o reconhecimento de direitos étnicos e culturais. Não são apenas lutas fundiárias por redis-tribuição de terras e reparação de erros do passado, são movimentos pela afirmação da identidade das comunidades tradicionais, pela defesa de seus modos de vida e organização social, os quais possuem íntima relação com o espaço em que vivem, passando de luta pela terra à luta pelos territórios e territorialidades.

Nesse sentido, a territorialidade é entendida “como o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parce-la específica de seu ambiente físico, convertendo-o assim em seu território” (SACK, 1986), sendo assim, o território é produzido historicamente por proces-sos sociais e políticos e surge diretamente das condutas de territorialidade de um grupo social.

A Constituição é incrementada, a partir de 2004, pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais,

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por meio do decreto nº 5.051. Sendo relevante destacar o parágrafo 2º do art.1º da Convenção, sobre a auto-identificação dos grupos:

2. A consciência como indígena ou tribal deverá ser considerada um critério fundamental para a definição dos grupos aos quais se apli-cam as disposições da presente Convenção. (BRASIL, 2004)

A efetivação dos novos dispositivos da Constituição Federal de 1988, con-tradizendo os velhos instrumentos legais de inspiração colonial, tem se de-parado com imensos obstáculos, tanto forjados mecanicamente nos aparatos burocrático-administrativos do Estado quanto resultantes de estratégias en-gendradas por interesses de grupos que historicamente monopolizaram a terra (ALMEIDA, 2004), tornando o procedimento lento e de difícil compreensão para os povos tradicionais, que inclusive não dispõem de um aparato técnico-burocrático capacitado para se apropriar desses procedimentos.

Visando articular o seguimento técnico-burocrático presente nas instituições formais com as lideranças tradicionais vinculadas à informalidade, optamos pela utilização de uma metodologia pautada nos saberes locais, realizando ações que não pretendam desvalorizar a riqueza e a importância de seus conhecimentos e de suas tecnologias tradicionais, que proporcionem um melhor entendimento sobre as forças político-econômicas que influenciam a dinâmica interna das comunidades, expressos por instrumentos típicos da Cartografia Social, tais como trabalhos ex-ploratórios, mapas mentais, croquis, depoimentos orais e entrevistas.

A Cartografia Social apresenta a capacidade de transformar padrões he-gemônicos que a ciência e a globalização constroem a favor de uma cosmovisão uniformizada, contraditoriamente convivendo com comportamentos preconcei-tuosos, que prevalecem na vida de relações entre as pessoas, podendo ser per-cebida como um instrumento vital para os povos tradicionais e indígenas na contemporaneidade, no país e no mundo.

A cartografização social é um importante instrumento para a desmistifi-cação das culturas, pois permite que os próprios agentes em questão discursem sobre si. Esta vertente qualitativa da cartografia também colabora para que sociedades, cujas tradições não são conhecidas e respeitadas pela cultura capi-talista-hegemônica, possam representar seus próprios territórios, com diferen-tes discursos sobre seus lugares e paisagens.

MetodologiaA Cartografia aparece como método central do desenvolvimento do projeto

devido ao artifício gráfico de comunicação e de representação do espaço. Segun-do Almeida & Passini (2008):

“Importância do aprendizado espacial no contexto sócio-cultural da sociedade moderna, como instrumento necessário à vida das pessoas, pois esta exige certo domínio de conceitos e de referenciais espaciais para deslocamento e ambientação; e mais do que isso, para que as pessoas tenham uma visão consciente e crítica de seu espaço social.” (ALMEIDA & PASSINI, 2008)

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A cartografia convencional, todavia, é ainda insuficiente para representar territorialidades fundamentadas em modelos multidimensionais de mundo, cons-truído pelas sociedades de acordo com suas estratégias de manejo do meio e de seu universo simbólico, com uma série de relações sociais em constante dinamismo (VIECO, 2000). Por isso a escolha da Cartografia Social, tem como determinação a forma própria e autônoma dos povos tradicionais de identificar seus territórios e produzir materialmente suas simbologias, com a finalidade de utilizar em benefí-cios dos sujeitos coletivos organizados (LIMA & COSTA, 2012).

Assim, é uma ação estratégica de estímulo aos povos para reviver suas memó-rias, grafando suas cosmovisões, valorizando suas histórias, seus conhecimentos sobre o espaço vivido no contexto político, social, econômico e cultural onde construí-ram suas trajetórias, até o atual momento. Aproveitando o renascer destes conheci-mentos para sistematizá-los em saberes formais através da linguagem gráfica, para construção de um instrumento que permita a comprovação de suas territorialidades e das situações sociais que imperam em suas realidades cotidianas.

A construção de um mapa deve preocupar-se, além de sua elaboração, com o meio de retorno à realidade, devendo a elaboração ser fundamentada nas ne-cessidades e interesses dos usuários dos mapas e a construção desse trabalho através do diálogo de saberes, para que propiciem a transmissão eficiente da mensagem gráfica desejada.

Para contribuir na construção autônoma de suas representações espaciais, o processo de ensino-aprendizagem com a linguagem gráfica é primordial nas comunidades, tendo o objetivo de aumentar o grau de eficácia da transmissão da mensagem no mapa, pois é uma forma de universalizar a perspectiva apresenta-da e de capacitar as populações para ler e interpretar outros mapas, percorren-do outros espaços, conhecer outros territórios, imergir em outras culturas e se apropriar de uma ferramenta política de planejamento territorial participativo.

As atividades no campo foram desenvolvidas através da dinâmica estabeleci-da pela disponibilidade dos comunitários em suas atividades cotidianas. Os traba-lhos desenvolvidos nas comunidades apresentaram abordagens práticas diferen-ciadas de acordo com a situação territorial de cada uma e com foco de mapeamento identificado pelos próprios participantes durante o processo. O planejamento foi feito junto aos comunitários, que organizaram e nortearam o decorrer das ativida-des de acordo com suas intenções e disponibilidade. A equipe se incumbia com os materiais das atividades e com a mediação das ferramentas cartográficas.

Assim, para desdobramento das práticas foi utilizada como orientação me-todológica a pesquisa-ação e a etnometodologia. A opção pela etnometodologia fundamentou-se em uma concepção de trabalho ancorada na valorização da própria lógica de transmissão do conhecimento e aprendizagem que existe en-tre os povos tradicionais, não vinculadas as formas de interculturalidade que se apóiam em relações coloniais (LITTLE, 2002a).

Por outro lado, a pesquisa-ação é uma estratégia que agrega vários méto-dos e técnicas de pesquisa social, com os quais se estabelece uma estrutura co-letiva, participativa e ativa ao nível de produção de conhecimento. No desenvol-vimento da pesquisa-ação, os pesquisadores recorrem a métodos e técnicas de grupos para lidar com a dimensão coletiva e interativa da investigação e tam-bém técnicas de registro, processamento e exposição de resultados. Em certos

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casos os convencionais questionários e as técnicas de entrevista individual são utilizados como meio de complementar as informações. A documentação dis-ponível é também levantada, em certos momentos da investigação recorre-se a outros tipos de técnicas: diagnósticos de situação, resolução de problemas, mapeamento de representações, etc. (THIOLLENT, 1998)

Desenvolvimento das atividades• A atividade inicial foi a realização de uma reunião, em cada comunidade

quilombola, para apresentar a proposta de trabalho, intenções da equipe, objetivos do trabalho e dos produtos, proposição de formas para desempenho do trabalho, organização superficial de um cronograma (pois os dias e horá-rios das atividades podem variar de acordo com os afazeres cotidianos dos comunitários) e resolução do local de estadia da equipe.

• Na sequência, oficinas introdutórias foram feitas para diagnosticar as per-cepções espaciais e apresentar noções cartográficas. Nessa atividade, pri-vilegiou-se a observação e o questionamento de mapas convencionais, como Mapa Mundi, Mapa do Brasil, Mapa do Estado do Pará, fotos de satélite da cidade de Oriximiná e do Rio Trombetas e de mapas construídos por grupos étnicos. O diálogo, como condição fundamental para construção coletiva do conhecimento, ocorreu à medida que se perguntou sobre aspectos relativos aos mapas e imagens. As indagações se deram rápido, ao identificarem os aspectos geomorfológicos, hídricos e urbanos de localidades próximas, como, por exemplo, a cidade de Porto Trombetas.

Perguntas relacionadas a aspectos representativos da cartografia tradi-cional foi uma forma de levantar questionamentos críticos em relação à ela-boração e finalidade destes mapas. É imprescindível salientá-los quanto ao poder representativo dos mapas, que, por meio de suas configurações, legitima discursos e mantendo o status quo ou permite uma visão contrária ao conser-vadorismo e manutenção de uma ordem injusta (BARBOSA, 2010), para que possam construir seus próprios mapas conscientes de que têm a oportunidade de expressar suas opiniões e vontades.

Nessas ações foram apresentadas criticamente as categorias cartográfi-cas utilizadas convencionalmente, como escala, legenda, título e orientação, de forma a introduzir rapidamente à alfabetização cartográfica, servindo para iniciar a elaboração dos mapas mentais, remontando seus simbolismos, histó-rias e percursos de organização política.• O mapa mental é a representação do saber percebido, o lugar se apresenta

tal como ele é, com sua forma, histórias concretas e simbólicas, cujo imagi-nário é reconhecido como uma forma de apreensão do lugar (NOGUEIRA, 1994 apud SIMIELLI, 2007). Assim, o mapa mental é construído em forma de oficinas, na qual o grupo de participantes deve ser o mais diverso possí-vel (homens, mulheres, idosos, jovens, crianças, agricultores, professores, lideranças, etc). São estimuladas as criações através de sua própria noção e memória espacial, e a interferência dos mediadores deve ser no sentido de problematizar durante o processo, dando prioridade à expressão de defini-ções e classificações do próprio povo.

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Nas oficinas a confecção dos mapas mentais é considerada estratégica vi-sando retomar a atividade de alfabetização cartográfica, ampliando a aborda-gem de conceitos iniciais, como proporção e escala, legenda, visões oblíqua e vertical, orientações, dimensões, título e intencionalidade. As oficinas servem também para interagir as diferentes representações e questionar as diferentes percepções, extrair informações sobre o espaço e diagnosticar processos, visan-do contribuir para o planejamento de novas ordens e revisão de outras, a fim de criar um novo mapa mental coletivo para ser apropriado pelas comunidades em diferentes procedimentos de mediação, tais como atividades escolares, de planejamento e processos de conflito.

A Figura 1 representa um experimento realizado com a Comunidade de Mãe-Cué, identificando igarapés e lagos, bases de apoio e fiscalização do ICM-Bio e espaços de coleta e extração de recursos florestais. Assim, foram iden-tificados as concentrações de castanhais, copaibais, andirobais e seringais, realçando a diversidade de produtos manejados pela comunidade, representan-do uma extensão aproximada de 740 km do Rio Trombetas. Também, foram identificados áreas de conflito, destacando a sobreposição entre as atividades de coleta extrativa e de pesquisa e lavra de bauxita da Mineração Rio do Norte, contaminando com substâncias tóxicas provenientes da escória, que impactam o ambiente e colocam em risco a sobrevivência dos grupos quilombolas locais.

Figura 1 – Mapa Mental feito por membros da Comunidade Mãe-Cué

Fonte: Grupo de Extensão GPA – PROEX/UFF, 2014

• As excursões pelo território são imprescindíveis para complementar o ato de mapear, visando conhecer o território pela ótica do mediador, dialogar sobre a paisagem com os “guias” e conhecer o histórico do uso dos espaços e suas atividades produtivas, com a finalidade também de elaborar croquis, realizados pelo grupo de extensão, e marcação de pontos com técnicas de posicionamento e navegação por satélite (GNSS). Nas caminhadas, surgem

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certos tipos de informações que não aparecem nas entrevistas, conversas ou oficinas, pois a pessoa rememora fatos quando se defronta com sua rea-lidade material. A rota para elaboração desses croquis foi uma metodologia de apreensão planimétrica de mapeamento, como forma de aprendizagem espacializada da superfície (no caso, era o rio), do contexto vivido.

• Nestes trajetos foi utilizado o GNSS para marcação das rotas e dos lugares sociais construídos material e simbolicamente (dotados de valores econômicos, religiosos, geográficos, históricos) pelos comunitários, como forma de registros georreferenciados permitindo a espacialização dos acontecimentos históricos das comunidades. Esta etapa serve para coletar pontos de lugares importan-tes relacionados às suas representações simbólicas e seus usos cotidianos, para posterior associação a fotografias aéreas e georeferenciadas pelo Sistema de Informação Geográfica (SIG), para criação de novos mapas, caracterizados por elementos locais sobrepostos à base cartográfica convencional. O objetivo é formalizar o conhecimento dos comunitários a partir de suas próprias cons-truções coletivas, políticas e simbólicas acerca do território.

• Fora do momento da atividade coletiva, visitamos as casas dos comunitários e conversamos sobre o trabalho, gravando seus depoimentos através de mo-mentos expressivos da oralidade, ocasião em que estavam mais imersos em seus círculos familiares. As gravações são meios de registro da história oral, possibilitando que indivíduos pertencentes a categorias sociais geralmente excluídas da história “oficial” possam ser ouvidos, deixando registradas para análises futuras suas próprias visões de mundo, bem como as visões do gru-po social a que pertencem. E mais: através da história oral podemos gerar fontes de documentação e pesquisa, por meio de registro, transcrição, edição dos depoimentos e testemunhos colhidos durante a pesquisa. As histórias são contadas naturalmente, conforme a lembrança dos fatos ocorridos. Uti-lizamos os saberes adquiridos com essa troca para potencializar o nível das oficinas e incrementar os mapas com a posterior audição dos depoimentos.

• Por fim, a reunião de encerramento como confraternização para exposição das atividades realizadas durante os dias de trabalho, apresentação dos re-sultados parciais para avaliação crítica dos participantes e esclarecimentos sobre as ações realizadas e futuras. É a oportunidade também para a oficina final de percepção espacial e alfabetização cartográfica, assim como para os agradecimentos gerais.

Resultados e discussõesCada comunidade quilombola apresentou sua demanda para o mapeamen-

to. Na primeira comunidade visitada (Mãe-Cué), com 182 moradores, conforme informações da Comissão Pró-Índio (CPI-SP, 2015), apresentando uma necessi-dade de registro do território para fins burocráticos de comprovação do direito à ocupação e ao uso da terra. Por sua proximidade com a Floresta Nacional (Flona) Saracá-Taquera (BRASIL, 1989) e a área de estudo e pesquisa da Mineração Rio do Norte (MRN), existe restrições no que diz respeito ao acesso dos comunitários a bens que tradicionalmente eram extraídos da natureza para fins alimentícios, simbólicos, econômicos e estruturais da comunidade, como é o caso da madeira de itaúba, utilizada na construção de paredes para moradias.

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A partir dessa demanda foram elaborados dois mapas distintos a fim de alimentar a discussão sobre o respeito aos direitos territoriais de comunidades tradicionais: a) mapa do território da comunidade, contextualizando-a de acor-do com a distribuição das casas e pontos importantes ao longo do que conside-ram seu território (Figura 2); e b) mapa do território Alto Trombetas; elabora-do com alguns recursos de subsistência das comunidades da região conhecida como Alto Trombetas, recursos extrativistas (castanha, copaíba e seringueira), caminhos de transporte aquático (lagos, furos e igarapés) e caminhos de trans-porte terrestre (caminhos pela mata e estradas de pesquisa da mineradora), com o recorte de Porto Trombetas até Cachoeira Porteira, sinalizando as comu-nidades quilombolas e os postos de fiscalização do ICMBio (Figura 1).

Figura 2 – Mapa Mental da Comunidade Mãe-Cué

Fonte: Grupo de Extensão GPA – PROEX/UFF, 2014

As outras duas comunidades analisadas (Último Quilombo e Nova Esperan-ça) estão localizadas dentro do Lago do Erepecu, possuem origem comum e de forma pacífica optaram pela divisão, em função de divergências sobre a utilização dos recursos. Nestas, a intencionalidade do mapa, apesar de ainda ser burocrática e de registro territorial, precisava abordar também a história de ocupação do lago como comprovação da existência de apropriações espaciais ali, anteriores à criação da Rebio do Rio Trombetas, UC de proteção integral, em 1979.

Pelo fato de não terem se originado a partir de um único quilombo, as várias famílias que hoje ocupam o lago (formadas por casamentos entre extrativistas - sobretudo de castanha -, quilombolas de dife-rentes comunidades, indígenas e pessoas de fora do município de Oriximiná que vieram para tra-balhar nos castanhais) possuem na sua história um importante registro da criação do vínculo ter-ritorial com a área, o que legitima seu direito ao uso da terra e dos seus recursos, sobretudo no que tange a subsistência. A conexão geohistórica existente entre as duas comunidades e, ainda, pela

Figura 3 – Confecção do Mapa Mental das Comunidades do Lago Erepecu

Fonte: Grupo de Extensão GPA – PROEX/UFF, 2013

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divisão dos recursos naturais, notadamente os extrativistas, manejados por ambas, os comunitários optaram para que fossem contempladas em um só mapa abarcando toda extensão do lago (Figura 3 – página anterior)

Nenhum território está sob a influência de um único grupo, configura-se como um campo de luta em que diferentes vetores querem apropriar-se do espaço a partir de suas simbologias e práticas. A região do Alto Trombetas é um exemplo marcante da questão, pois a multiterritorialidade (HAESBAERT, 2004) não se dá apenas entre grupos com interesses semelhantes sobre o es-paço, mas também entre forças antagônicas que muitas vezes estão fora da compreensão dos residentes da área. Neste sentido, afirma-se novamente a ne-cessidade de atividades que contribuam para a compreensão multiterritorial pelos comunitários, legítimos residentes da região.

Considerações FinaisA relevância que a ciência possui na cultura hegemônica, aparece como

uma forte barreira na afirmação dos direitos territoriais e identidades coleti-vas desses grupos. Da mesma forma, que o fenômeno da globalização, buscan-do, através do campo econômico e cultural, padronizar e mercantilizar a todos os níveis do cotidiano.

A cartografia social, porém, traz a capacidade de subverter os padrões hegemônicos que a ciência e a globalização constroem a favor de uma cosmo-visão uniformizada, contraditoriamente convivendo com comportamentos pre-conceituosos e fanatismos religiosos, que prevalecem na vida de relações entre as pessoas. A cartografia social pode ser percebida como um instrumento vital para os povos tradicionais e indígenas no Brasil e na contemporaneidade.

A metodologia, por ser essencialmente participativa, garante que as pers-pectivas populares sejam consideradas como produtos científicos, através das universidades. Num futuro próximo, esperamos que estas perspectivas este-jam ativamente dentro das políticas públicas (como o SNUC, ou planos de de-senvolvimento ou integração do país ou de suas regiões).

O contexto atual da América Latina, embora passível de críticas, nos últimos anos é favorável a exaltação das culturas ditas “tradicionais”. Des-tacando-se que na Bolívia e Equador foram aprovadas constituições pluri-nacionais; e no Paraguai, o guarani é a segunda língua oficial; o exem-plo dos Zapatistas, em Chiapas, México, também deve ser considerado, na medida em que o grupo optou pela solidariedade comunitária, vivenciada entre as montanhas do México e da Guatemala, em detrimento de uma luta política interna no país, também deve ser ressaltada sua habilidade em ope-rar a mídia eletrônica global, revelando a elevada capacidade de absorção tecnológica destas comunidades.

Assim, o Brasil pode se orientar em experiências externas, visando ade-quar a pluralidade étnica e cultural de seu território e pautar políticas de in-teresse popular e, consequentemente, não-hegemônico. Embora, a centralidade e a unidade lingüística, mantida pela proibição imposta pelo Marques de Pom-bal, a partir de 1750, só recentemente passou a ser atenuada, principalmente com o advento da Constituinte de 1988, que estabeleceu novas diretrizes para a questão indígena no país. As interdições iniciadas no período colonial conse-

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guiram bloquear a difusão e manutenção das identidades indígenas durante o Império e grande parte de República.

No caso dos quilombolas, sua condição de escravos e, posteriormente, sua invisibilidade geográfica, por se concentravam em locais de difícil acesso, per-mitiu a manutenção de traços culturais peculiares, que agora se encontram sob tensão na medida em que estas comunidades passaram a ser reconhecidas pelo estado e se beneficiar de políticas públicas.

A Cartografia Social mostrou relevância em capacitar agentes com no-ções de gestão e, paralelamente, manter interlocuções com as corporações em-presariais privadas e estatais, tornado-se um elemento indispensável para a expansão dos procedimentos de Sustentabilidade Ambiental na região do Alto Trombetas, Oriximiná, Pará, atualmente território de disputa entre interesses de extração mineral da bauxita, madeireiras, pecuaristas, extratores e comu-nidades tradicionais ribeirinhas quilombolas e indígenas.

Neste quadro de tensões, as Unidades de Conservação estão gerando pro-blemas e se encontram ameaçadas, na medida em que sua preservação convive com corporações mineradoras e interdita diversas vezes a presença de quilom-bolas, revelando uma nítida preferência pelos representantes do capital das grandes corporações, em detrimento das comunidades tradicionais, percebidas como entraves ao desenvolvimento sócio-econômico local.

A capacitação fomentada pela Cartografia Social permite o aumento da operacionalidade das comunidades quilombolas e indígenas, em busca de uma mediação que preserve a natureza, condição fundamental para manutenção destes grupos. A Sustentabilidade Ambiental não pode prescindir da contri-buição de comunidades tradicionais, sob pena de um descolamento brutal da realidade amazônica, principalmente no Alto Trombetas.

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Capítulo 8 – Cartografia Social & Sustentabilidade: Métodos e técnicas de (re)apropriação da natureza pelas comunidades tradicionais – Oriximiná – Pará

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THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. 8ªed. São Paulo: Cortez, 1998.

VIECO, J.J.; FRANKY, C.E.; ECHEVERRI, J.A. Territorialidad Indígena y Ordenamiento en la Amazonia. Santafé de Bogotá: Universidad Nacional de Colômbia, UNIBIBLOS, 2000.

Sobre os autores

Jacob BinsztokProf. Titular de Geografia Humana da Universidade Federal Fluminense; docente dos programas de Pós Graduação em Geografia e de Gestão de Sistemas Sustentáveis da Universidade Federal Fluminense; bolsista de Produtividade N. 2 CNPq, bolsista cien-tista do Nosso Estado – FAPERJ; coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Agro Ambientais NEPAM-UFF/CNPq.

Mônica CarneiroGraduada em Geografia – Universidade Federal Fluminense, bolsista do PIBIC-CNPq; estagiária do Núcleo de Estudos e Pesquisas Agro Ambientais -NEPAM-UFF/CNPq.

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9orgAnizAções pArA A mudAnçA e mudAnçAs nAs

orgAnizAções: perspectivAs de desenvoLvimento dAs

empresA HíbridAs no brAsiL Analice Araujo Silva

1. Introdução

Emergentes configurações organizacionais no mundo contemporâneo nos são apresentadas, nos últimos anos, como respostas às novas interfa-ces necessárias para a soluções de mercado, na tentativa de responder

ao incisivo conjunto de necessidades e inovações sociais. Essas mudanças, portanto, sedimentam novos arranjos no mercado, com a constituição de novas tipologias de organizações que apresentam atributos diferenciados de competição, cujos critérios, não são só pela qualidade dos seus produtos e serviços, mas, também, pela capacidade de gerar mudanças positivas no âmbito socioambiental da sociedade.

Ressaltamos, ao logo desse artigo, que os modelos identificados desses novos tipos de organizações circunscrevem-se nas interseções das esferas da orientação para o lucro ou terem como missão o valor social. Dentre vá-rias nomenclaturas ou conceitos, destacam-se algumas que vem despontan-do presença nos últimos anos, tais, o “ Quarto Setor”, “ “Blended Organiza-tions”, Negócios Sociais, L3C, , etc. Aqui as denominaremos de Empresas Híbridas, que desenvolvem e adquirem uma nova identidade, já que não se moldam nem como empresas públicas, nem como empresas privadas, e, tampouco, como entidades do Terceiro Setor. Identificadas, às vezes, como pertencentes a um ainda emergente “ Quarto Setor” (JIMENEZ & MO-RALES, 2011, ASPEN INSTITUTE, 2009) ou “ Setor Dois e meio”, essas empresas são organizadas com um propósito e missão social, porém com atividades mercantis e/ou lucrativas. A Artemísia, uma organização dedi-cada ao à aceleração e pesquisa em empreendedorismo social, conceitua os negócios sociais, da seguinte maneira:

“os negócios sociais são caracterizados por oferecer um produto ou serviço que contribui, de alguma forma, para melhorar a qualidade de vida da população de baixa renda. Além disso, a atividade prin-

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cipal da empresa deve ser responsável por manter a sustentabilidade financeira da empresa, dispensando assim a dependência de doações ou captação de recursos para a realização de suas operações”1

A Artemísia foi uma das pioneiras a introduzir a particularidade do hibridis-mo em sua conceituação dos negócios sociais. Na figura 1, abaixo, apresentamos a esfera de atuação das Empresas Híbridas. Atuando no campo de interseção da área governamental, das ONG s e das empresas privadas, as Empresas Hibridas tem uma missão social e se utiliza de instrumentos e mecanismos de mercado para interagir com a sociedade, como pode-mos ver a seguir:

Esse artigo visa apresen-tar os horizontes de fortaleci-mento das Empresas Híbridas no contexto de mudanças do ambiente empresarial, bem como s características de sua operacionalização, como um “locus” econômico de interesse no campo das organizações.

Tendo como objeto o atendimento das necessida-des sociais, essas empresas organizam suas funções administrativas incluindo interações com outros agentes, ou se integram verticalmente, além daqueles relacionados ao fim social. Portanto, atividades de logística de produtos e serviços, vendas ou financiamento são agrega-dos ao processo de missão social dessas organizações.

As oportunidades para o seu desenvolvimento surgem de algumas “ falhas de mercado”, oriundas da ausência do poder público ou pela própria evolução das configurações resultantes do movimentos de Responsabilidade Social Cor-porativa. Ressalta-se, ao longo desse trabalho, que essas organizações híbridas vem desenvolvendo-se com processos organizacionais qualificados e, muitas vezes, introduzem importantes inovações, , tanto em termos de processo quan-to em termos de produto. Esses aspectos organizacionais são apresentados, a seguir, na intenção de apresentar as particularidades econômicas dessas em-presas híbridas e como as mudanças na gestão lhe são direcionadas.

2. Um mundo em mudança, as complexidades do ambiente e seus impactos nas organizações

As transformações mundiais que vem ocorrendo nas atividades econômi-cas, nos processos de trabalho, no emprego, na geopolítica mundial nas tensões nacionais e internacionais, culturais e sociais requerem novos usos da tecno-1 6 Disponível em <http://www.artemisia.org.br/entenda_o_conceito.php>

Governo

TerceiroSetor

EmpresasPrivadas

EmpresasHíbridas

Figura 1 – Campo de Atuação das Empresas Híbridas

Fonte: Elaborado pela autora

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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logia, do acesso às informações, nas formas de organização dos grupos sociais, no papel dos Estados, enfim, em toda mudanças em toda a tessitura do mundo contemporâneo. Esse novo desenvolvimento carrega, consigo, muitas mazelas e desnudam novas, expressas em desigualdades sociais, precariedades, riscos socioambientais, doenças desconhecidas, acirramento das vulnerabilidades, violência crescente e recrudescimento da intolerância.

Esses desequilíbrios abrem fendas na sociedade e, portanto, diante dessas fragilidades, novas práticas são requeridas. Os novos riscos e as novas formas da questão social tornam insuficientes (porém não desnecessárias) as práticas tradicionais. Existem movimentos, soluções e atuações mais específicos, mais direcionados e mais precisos. E esses novos formatos exigem uma diversidade maior dos atores envolvidos e, por conseguinte, novos conceitos .

GIDDENS(1991 e 1999) e IANNI(1994) analisam esse processo do mun-do globalizado, e apontam que há uma “ intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes, de tal maneira que aconteci-mentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distân-cia e vice-versa” GIDDENS(1991:69) . Além disso, há uma padronização dos processos de gestão, destacados por CASTELLS (1999) onde o capital e as em-presas tendem, de maneira crescente, a se organizar segundo os princípios da flexibilidade, competitividade, inovação, horizontalidade, organização em rede, descentralização, tecnologias informáticas e formas precárias de trabalho. A célere e o raio de alcance das mudanças sociais indicam houve aumento do distanciamento tempo-espaço nas sociedades avançadas, tem dirigido a uma crescente alienação e desenraizamento dos indivíduos e da sociedade com rela-ção à natureza e às questões sociais(GIDDENS, 1991;, LIMA e PORTILHO )

É a partir dessa construção social da interatividade ( ou a sua falta) dos homens com os seus problemas socioambientais, que convergem novas soluções e atores, atuando, pro-ativamente, para melhorar as condições de bem-estar social. As empresas, nesse contexto, nas últimas décadas, envolvem-se em ati-vidades que, tradicionalmente, foram consideradas como atividades de respon-sabilidade dos setor público, tais como a saúde pública, educação, segurança social e proteção dos direitos humanos. Atuam, onde, possivelmente, falharam as atuações dos governos, embora essa justificativa não seja consensual.

Podemos constatar que desde o ano 2000, mais de 5.000 empresas comer-ciais assinaram o Pacto Global da ONU, o que pode ser entendido como um tipo de auto-regulação surgido a partir do vazio regulatório surgido da globa-lização, em termos de governança global de resolução dos problemas socioam-bientais da sociedade (SCHERER E PALAZZO, 2011; MARGOLIS E WALS, 2003; HART, 2005; PORTER, 2006). Alguns autores, porém, criticam essas ações sociais porque acham que elas não correspondem ao papel econômico das empresas na sociedade, como, tradicionalmente, se espera ( HENDERSON, 2001; FRIEDMAN, 1976 ).

Por ainda haver uma lacuna em termos de governança global, ou seja, como o processo de definição e implementação mundial regras e fornecem bens públi-cos globais, a responsabilidade social é um processo de policêntrico e multilate-ral no governos, instituições internacionais, grupos da sociedade civil, empresas, fundações e institutos que contribuem com conhecimentos e recursos.

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Capítulo 9 – Organizações para a mudança e mudanças nas organizações: perspectivas de desenvolvimento das empresa híbridas no Brasil

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Ao contrário de governança nacional com o monopólio do uso da força co-ercitiva institucional (normas, leis e regulações principalmente na área am-biental ) para direcionar ou controlar a atuação dos atores privados no terri-tório nacional, a governança global está baseada em contribuições, normas e certificações voluntárias e mecanismos de execução fracos ou mesmo ausentes ( SCHERER E PALAZZO, 2011: 900 ).

E é a partir das consequências desse ambiente de mudanças comporta-mentais, éticas e psicográficas que esse artigo foi desenvolvido, no sentido de apresentar alguns movimentos pelos quais sedimentam os novos processos de gestão empresarial, que oferecem oportunidades para a consolidação de novos conceitos de empresas. Essas novas organizações, ante esse horizonte de dese-quilíbrios e novas aspirações socioambientais, assumem missões voltadas para a construção do bem-estar social. Porém, não necessariamente desvinculam-se das relações pecuniárias e mercantis, ao oferecer bens e serviços para um segmento de consumidores desassistidos ou com estilos de vida mais éticos e comprometidos, ávidos por demandar tais ofertas.

Esses novos formatos empresariais, por sua vez, imprimem mudanças na gestão, com princípios distintos, novos agentes e novas interações sociais para em-presas comerciais bem como para organizações sociais. Aqui as denominaremos de Empresas Híbridas cujas particularidades serão analisadas em itens a seguir.

3. Novas configurações organizacionais num horizonte de desenvol-vimento social e as Empresas Híbridas

O déficit de recursos sociais põe em relevo a crise que ameaça o equilíbrio social, a acumulação de capital, a institucionalização da luta de classes e o pro-gresso social (Laville, 2004). PERRET& ROUSTANG( 1993) autores da eco-nomia social francesa, analisam essa questão e enfatizam que a acumulação de capital baseada somente na exploração e acumulação de lucro, não seria a saída para os processos de crise. Os autores, para tanto, acenaram com a apre-sentação de uma nova lógica de interação econômica, diferente da baseada na racionalidade e individualismo dos agentes, mas baseado em uma “economia plural”, com arcabouços institucionais distintos.

Sob esse modo de organização, o usuário se envolve com a mobilização de recursos presentes nas proximidades, reconfigurando as relações entre econo-mia e sociedade. O que se pode destacar, entretanto, para fins de analise de como funcionam as organizações híbridas desse tipo de economia, são os aspec-tos fundamentais que caracterizam essas transações econômicas, quais sejam: a reciprocidade, a colaboração e a confiança e o fortalecimento da coesão e do capital social. O valor social existe em concomitância aos processos mercantis. O resultado é uma metamorfose da questão social, com a apropriação coletiva dos problemas cotidianos (CASTEL, 1995).

O direcionamento para a oferta de produtos e serviços imbuídos da “ ge-ração de valor” vem desde o movimento de associação das empresas privadas nas questões sociais do seu entorno. Analisando esse processo e explicando o desenvolvimento dos negócios sociais, MOLINA(2010) aponta que há duas for-ças convergentes que tem operado nas últimas duas décadas que incentivam as organizações a saírem do setor social para o empresarial e vice-versa:

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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1. Diminuição da atuação do Estado devido escassez de recursos e, simultane-amente, o aumento do número de organizações com fins sociais;

2. O movimento das empresas em direção a Responsabilidade Social Corpora-tiva estratégica, filantropia ou inovação social corporativa (MOLINA, 2010 apud Smith, 1994; Porter& Kramer, 2006 ; Kanter, 1999)

Existem outros fatores, contudo, que dão cores à sociedade contemporânea e que carreiam novos cenários pelos quais as organizações devem articular-se com a sociedade e reorganizar suas estruturas e estratégias organizacionais, dentre eles, destacam-se o crescimento demográfico de indivíduos que valorizam a vida saudável, a justiça socioambiental, a sustentabilidade dos produtos e serviços que consomem, a ética das empresas nas quais investem (HAIGH & HOFFMAN, 2012).

Há, também, um novo horizonte de articulação da sociedade no que diz respeito à produção e consumo de produtos e serviços, que potencializa uma economia colaborativa, mais justa que viabiliza e fortalece o capital social das comunidades e cria novos padrões de confiança e governança. Há ainda outro fator importante que diz respeito ao aumento do desemprego, anto no exterior quanto no Brasil, o que faz com que os indivíduos busque caminhos alterna-tivos, tanto para conseguir novos postos de trabalho (via empresas sociais e associações, por exemplo), como para ter acesso a serviços .

Na esteira do aumento das desigualdades ou da impossibilidade de solução de todas as demandas da sociedade por governos ou empresas privadas, seja por falta de recursos públicos ou pelo desinteresse privado nos seus potenciais de lucratividade, os negócios sociais surgem com duas funções concomitantes: a de ser um negócio que preveja e garanta a sua sustentabilidade financeira e a de gerar valor social. Entretanto, a despeito da ainda baixa produção aca-dêmica sobre esse tema no Brasil (COMINI, 2011;GRANADOS ET AL., 2011) reforçam essa visão, ressaltando que embora o aumento, ao longo dos anos 1991 a 2004, a produção anual artigos sobre empreendedorismo social estava em um nível muito baixo.

Essa tipologia de empresa tem sido chamada de Empresas sociais (social enterprise), negócios inclusivos (inclusive business) e negócios sociais (social bu-siness), entre outros. Entretanto, o que parecia ser dicotômico e paradoxal, negó-cios e ganho social, tem sido uma das atividades mais dinâmicas, contribuindo para diminuir problemas sociais com elementos das empresas tradicionais, tais como eficiência e ganhos financeiros através de mecanismos de mercado.

Contudo, o seu caráter diferenciado suscita dúvidas quanto às definições, es-copo, modus operandi, configurações organizacionais internas e da interação com suas cadeias de produção. COMINI(2012) reconhece essas dificuldades e salienta que existe uma não homogeneidade em se definir o caráter social desses empreendi-mentos, bem como na forma de se avaliar o seu caráter inovador, uma vez que apre-sentam formatos e posicionamentos distintos quanto aos seus objetivos e interesses.

Pelo seu caráter de aglutinador de valores e fortalecedor do capital social de indivíduos e comunidades, deve-se ter em conta que o empreendedorismo social, nas suas diversas formas, deve ser percebido como um fenômeno multidimen-sional, integrador das dimensões cultural, ecológica e política e vetor de desen-volvimento. O caráter e legado fundamental desse desenvolvimento dever ser a

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Capítulo 9 – Organizações para a mudança e mudanças nas organizações: perspectivas de desenvolvimento das empresa híbridas no Brasil

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promoção da qualidade de vida, do desenvolvimento humano, atuando com res-postas às necessidades de transformação sociale desenvolvimento sustentável.

Para Schumpeter, economista austríaco que cunhou definições fundamen-tais sobre inovação, é relevante para analisar a inovação social, especialmente porque desempenha um papel fundamental no empreendedor nesse processo .Ele incluiu ângulos diferentes de inovação, a inovação tecnológica, organiza-cional, institucional e social, bem como o lugar e o papel das instituições e seus impactos sobre o desenvolvimento econômico e social. O economista, porém, não prevê que a inovação social terá um lugar de destaque no desenvolvimento das sociedades industrializadas no final do século XX. É por isso que o pensamento de Schumpeter deve ser completado por desenvolvimentos teóricos recentes e relevantes para a compreensão da inovação e do empreendedorismo social.

Aproveitando-se falhas de mercado ou capitaneando negócios para o bem da coletividade com novos conceitos ou novas formas de organização, o em-preendedor social pode ser visto como um inovador segundo as classificações apontadas por Schumpeter. Como apontam Defourny e Mertens( 2008), o em-preendedorismo social desenvolve inovações que podem assumir as cinco clas-sificações da tipologia de Schumpeter :• o desenvolvimento de novas atividades ( o comércio justo, por exemplo) ou

melhoramento de atividades já existentes (um ex. serviços a pessoas de ter-ceira idade ou sem acesso a serviços sociais) ;

• métodos organizacionais inovadores (envolvendo as partes interessadas, como trabalhadores na gestão);

• mudanças nos fatores de produção (ex. mudando a lógica do trabalho volun-tariado para torna-lo mais pragmático e incluindo o trabalho remunerado nas empresas sociais, tornando-o mais profissional);

• estar relacionado um novo mercado ( introduzindo, em algumas situações, a lógica da concorrência com empresas capitalistas, através de licitações ou editais de prestações de serviços ao setor governamental, por exemplo);

• novas formas de empresas (com a criação de estatutos jurídicos inovadores, com formas de captação de recursos diferenciados, com por exemplo, o crowd-funding ou os chamados “investimentos de alto impacto”).

Autores seminais sobre esse tema, Hart e Prahalad, cunharam vários con-ceitos e análises sobre negócios inclusivos principalmente com o trabalho sobre a Riqueza na Base na Pirâmide (RBP) e indicam que existem oportunidades genuínas no mercado comercial que tem por base os pobres como público-alvo ( Prahalad e Hart, 2002 ;). O tamanho exato desse mercado não se sabe ao certo, mas os autores enfatizam que existe um poder de compra inexplorado na Base da Pirâmide que apresenta oportunidades para que as empresas lucrem com a oferta para esses mercados. A ideia é que atendendo às necessidades dos pobres, as empresas podem aumentar a sua produtividade e renda, e ser um motor de capacitação, não menos importante, para a dinamização da economia formal, ajudando, por conseguinte, a erradicar a pobreza. Argumenta-se, adicionalmen-te, que os benefícios para essas comunidades podem ser extrapolados, uma vez que se empresas de maior porte atuarem fortemente nesse mercado, com proces-sos mais profissionais de gestão podem gerar, também, os ganhos de eficiência sistêmicos e a qualidade dos produtos e serviços ( Hart, 2007) .

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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Silva(2015), ressalta, entretanto, que a própria decisão de “quão social” é um investimento, produto ou serviço, depende de uma visão, percepção e valores culturais de grupos, indivíduos ou das sociedades, sendo, portanto, não equânime. As prioridades sociais não são vistas de uma mesma maneira por todas as pessoas e as decisões de uso dos recursos, muitas vezes, ficam passí-veis de críticas e ponderações. Essa ponderação feita pela autora pode servir de argumento para a análise crítica de alguns negócios ditos como inclusivos, como, por exemplo o caso das Casas Bahia, citado em Prahalad e Hart( 2002) .

Ressaltamos, aqui, que o importante desse movimento de negócios híbri-dos ou puramente sociais, como os oriundos da economia solidária, por exem-plo, está em fortalecer o capital social. Esse elemento efetivamente, dinamiza a organização socioterritorial, a inovação e o desenvolvimento na medida em que ele concebe a habilidade local para estabelecer relações de cooperação, con-fiança e reciprocidade.

COMINI(2011) aponta que os negócios sociais também refletem uma nova configuração das organizações da sociedade civil em busca de formatos dis-tintos de oferecer serviços, buscando formas alternativas às tradicionais de captação de recursos de maneira a se tornarem mais independentes e susten-táveis financeiramente. Surgem modelos híbridos de negócios sociais em todo o mundo, combinando, intrinsecamente, os métodos empresariais de mercado e geração de valor social, combinados muitas vezes com parcerias de entidades do terceiro setor com os setores público e privado.

No Gráfico I abaixo, apresentamos a evolução da Hibridização das Orga-nizações, onde se pode perceber o grau de criação de Valor Social e Financeiro frente a integração de funções sociais ou financeiras.

Somente Social Algumas organizações tradicionais

sem fim lucrativo tornam-se mais integradadas

Algumas organizações tradicionais tornam-se mais integradadas

Mais diferenciada

Nível de integração

Mais integrada

Somente Financeiro

Mix para Criações de Valor

Organizações híbridas

Gráfico 1 – Processo de Hibridização das empresas

Fonte: Adaptado de BATTILIANA, Julie et al, 2012

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Capítulo 9 – Organizações para a mudança e mudanças nas organizações: perspectivas de desenvolvimento das empresa híbridas no Brasil

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O número e perfil da totalidade das empresas híbridas no Brasil ainda não foram anunciados. O que temos são pesquisas amostrais e avaliação de casos que, de alguma forma, sevem para identificar as particularidades e de-safios dessas empresas.

Uma pesquisa feia para identificar os negócios sociais no Brasil foi reali-zada em 2011 denominado de Mapeamento do Campo Negócios Sociais/Negó-cios Inclusivos coordenado por ANDE Polo Brasil, Fundação AVINA e Potencia Ventures. Este mapeamento focou nas micro e pequenas empresas, que aten-desse com produtos e serviços a população da Base da Pirâmide ou incluísse pessoas desse segmento nas etapas de sua cadeia de valor.

Figura 2 – Mapeamento dos Negócios Sociais no Brasil por região

Norte

Nordeste

Centro-Oeste

Sudeste

Sul

Fonte: ANDE Polo Brasil, Fundação AVINA e Potencia Ventures (2011)

55

6

36

33

10

Outra informação importante desse mapeamento foi a área de atuação predominante dos negócios sociasi, o que podemos verificar no Gráfico 2, (pró-xima página) que as elas estão ocupando um papel importante das soluções para as questões sociais fundamentais no Brasil.

Apresentamos, a seguir, algumas particularidades organizacionais e es-tratégicas bem como suas interações com atores, das Empresas Híbridas, ba-seadas em alguns atores, tais como HAIGH e HOFFMAN(2012), MICHELINI e FIORENTINO(2012) e MOLINA(2010):

1. Em termos de missão, o espaço de atuação no ambiente está com-preendido entre as esferas, publico, privada (o que inclui, também, as variantes das ações de RSC) e as organizações do Terceiro Setor.(figura 2)

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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2. São organizações que tem suas atividades e funções integradas na estratégia com a geração de receita comercial e valor social;

3. Não sofrem conflito de identidade em ser lucrativas ou com uma missão para fins sociais, pois podem adquirir as duas dimensões conjuntamente;

4. Seus objetivos organizacionais relacionam-se ás esferas social e/ou ambiental;

5. A integração da criação de valor social e comercial permite um ciclo virtuoso de lucro e reinvestimento na sua missão social, com a po-tencialidade de criações em grande escala para os problemas sociais.

6. Não se valem de instrumentos tradicionais de capital de risco pelas características, mas diante da potencialidade do crescimento desse mercado, novos aportes de capital estão sendo desenvolvidos, tais como os “ investimento de alto impacto que acreditam e “ apostam “ nesse tipo de modelo de negócio. A microfinanças, mais comumente, atende a essa organizações híbridas, o que também impacta, positiva-mente, em termos sociais.

Educação 34

Serviços financeiros/Microcrédito 24

Cultura 24

Canais de distribuição 18

Meio-ambiente 16

Artesanato 16

Agricultura 14

Tecnologia da informação/Comunicação 12

Turismo 10

Habitação 10

Transporte/Logística 8

Saúde 8

Serviços de assistência técnica 6

Agro-indústria 4

Agropecuária/Agropecuária familiar 4

Infraestrutura 4

Água e saneamento básico 4

Prestação de serviço 2

Consultoria de sustentabilidade 2

Indústria de alimentos 2

Qualificação para o trabalho 2

Capacitação/Gestão de negócios 2

Serviço de alimentação 2

Consultoria comércio de exposrtação de artesanato 2

Indústria e comércio 2

Energia 2

Fonte: ANDE Polo Brasil, Fundação AVINA e Potencia Ventures (2011)

Gráfico 2 – Setores de atuação dos negócios sociais inclusivos (%)

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Capítulo 9 – Organizações para a mudança e mudanças nas organizações: perspectivas de desenvolvimento das empresa híbridas no Brasil

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7. O relacionamento com fornecedores e consumidores são baseados nos benefícios mútuos e sustentabilidade dos produtos e serviços;

8. Em termos de Valor para a sociedade, a inovação (seja de produto, processo ou preço), pode ser oferecida. Em negócios sociais é quase obrigatório, o que não é necessário para negócios inclusivos.

9. Oferecem diferenciação em termos de preços( mais baixos) e condi-ções de diferenciadas de pagamento.

10. O modelo de Governança utilizam-se do formato de uma “ joint ven-ture” social (ou seja a criação de uma nova empresa através da junção de uma sem fins lucrativos e uma empresa )ou por meio de “spin-of-fs” ( a partir da separação de uma empresa ou organização sem fins lucrativos) . Há participação da comunidade no processo decisório, principalmente no formato de Negócios Sociais;

11. São integradas em termos das etapas de produção;12. Tem como público–alvo a segmentos não assistidos pelos negócios tra-

dicionais, seja por falta de renda ou de acesso;13. Utilizam-se de canais de Distribuição não convencionais;14. Lucros são reinvestidos ( negócios sociais) ou distribuídos sob a forma

de dividendos( negócios inclusivos). 15. Tem como premissa a criação de mercados para bens e serviços híbri-

dos competindo, satisfatoriamente, com empresas tradicionais aten-dendo às condições sociais e ambientais do contexto em que operam;

16. Como empresas híbridas tem o desafio especial de construção de uma cultura organizacional comprometida tanto missão social e operações eficazes.

17. Para manter a missão social e a necessidade de obter receita, há a ne-cessidade de atenção na questão da cultura organizacional, no sentido de ser reforçada com a e identificação e comunicação dos valores sociais presentes em sua missão, e, ainda, equilibrá-los com a necessidade de operações eficazes e rentáveis para viabilizar suas funções comerciais. A escolha dos funcionários, portanto, devem refletir esse equilíbrio, que precisam ter as habilidades da assistência social e comercial.

O que se percebe, portanto, é que alguns empreendedores sociais vem desenvolvendo modelos financeiros sofisticados, planos de negócios coerentes, construindo modelos de negócios em tono da sua cadeia de valor, e, por con-seguinte, proporcionando retornos financeiros. Essa é a proposta de alguns países no mundo, onde os esses empresários sociais, identificado um segmen-to de uma cadeia de valor de alto impacto social positivo, constroem negócios sustentáveis(e rentáveis) nessa cadeia. A vantagem e diferença em relação aos negócios tradicionais é a sua capacidade de criar uma cultura de empresa abra-çando objetivos sociais no cerne da sua proposta de valor.

Com relação aos desafios ainda existe um vazio regulatório, principal-mente no Brasil, sobre a atuação dos negócios sociais no que tange, princi-palmente, sobre a institucionalização dos processos de investimento diretos nos negócios, via mecanismos de capação de recursos. Os negócios sociais são estabelecidos com os mesmos procedimentos dos negócios tradicionais em ter-mos de legalização e com as alíquotas de impostos, segundo o portal SEBRAE

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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Negócios Sociais. Há também, organizações chamadas “ aceleradoras” que ca-talisam as fases de implantação, através de incentivos de gestão para negócios com potencial de inovação. Dentre esses exemplos, temos a Ashoka, a Funda-ção Skoll, Fundação Avina e Artemísia.

Nos EUA os negócios híbridos já alcançam um aparato institucional mais avançado. Há uma legislação regulamentadora de incentivos em níveis esta-dual e federal. Em 2009, a Philadelphia tornou-se a primeira cidade dos EUA a criar um crédito fiscal para o negócio sustentável, juntando-se a outros dez estados que criaram leis que apoiam as empresas sociais. Em nível federal foi criado o JOBS (Jumpstart Our Business Startups Act )com a função de facilitar o desenvolvimento de ferramentas que dão apoio às empresas sociais, formalizando, principalmente, o “crowdfunding” que é uma forma de levanta-mento de recursos “online ” em pequenos montantes, mas de um grande núme-ro de investidores, os chamados “ filantrocapitalistas” ( The Economist, 2010).

A The Economist(2010), ressalta, porém, que muitos empreendedores so-ciais estão operando nos mesmos mercados dos negócios tradicionais com dife-renças apenas de nuances, e, muitas vezes, com uma vantagem comparativa, já que conseguem isenções fiscais e crédito através dessas linhas de incentivos. Para atenuar esses desequilíbrios vários esforços estão sendo feitos para esta-belecer novos tipos de estruturas legais. Nos Estados Unidos, há algumas des-ses formatos, como o L3C (Low Profit Limited Liability Company) e as Benefít Corporation. A L3C é uma categoria que os negócios sociais se submetem, que é projetado, principalmente, para que as empresas possam acessar investimen-tos de fontes isentas de imposto, tais como fundações privadas. A Benefit Cor-poration é uma forma de associação aprovada em alguns estados americanos que exige que as organizações tenham uma finalidade social associado à uma contabilização de impactos sociais . As análises financeiras na tomada de de-cisões estratégicas e táticas de negócios, devem estar presentes no processo ( CAPRICCIOSO et al, 2010).

A expectativa é de que o alcance final dessas iniciativas é dinamizar o desenvolvimento local, que pode se dar como uma via de resgate, recuperação, ou ainda, renovação de estruturas sociais, como associações, cooperativas, re-presentações municipais, estaduais e organizações não governamentais, cuja ação reverta em benefício, principalmente, dos problemas locais. Os projetos de desenvolvimento local pautados na cultura, na natureza e nos valores éticos e ideológicos locais adquirem maior eficiência econômica, constituindo-se em ha-bilidades e capacidades distintivas. O que se espera, sobretudo, é o caráter sus-tentável dessas empresas, já que iniciativas e tecnologias sociais desenvolvidas a partir de um movimento endógeno, estabelecendo bases sólidas e duradouras de desenvolvimento local, podem consubstanciar as vantagem competitivas dos recursos dinâmicos para o desenvolvimento e a sustentabilidade.

4. ConclusõesA importância dos negócios híbridos para atender às lacunas da socieda-

de no que diz respeito às melhorias do bem- estar e das condições de vida são evidentes. E, como podemos perceber, muitos dos elementos necessários para facilitar o crescimento e desenvolvimento de empresas sociais estão encontran-

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Capítulo 9 – Organizações para a mudança e mudanças nas organizações: perspectivas de desenvolvimento das empresa híbridas no Brasil

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do condições de enraizamento social, com o apoio popular e financeiro privado e público.

Esse apoio, sua capilaridade e a dinamização das condições para a esca-bilidade são desafios importantes para a sua replicação e difusão no sentido de solidificar as iniciativas que brotam no núcleo dos segmentos sociais necessi-tados. Com isso, haverá uma potencialidade maior de dinamização do capital social do território.

Desenvolvendo modelos financeiros sofisticados e planos de negócios coe-rentes em torno da sua cadeia de valor, os negócios sociais orientam-se a ocu-par e desenvolver serviços públicos e tecnologias sociais com as funções admi-nistrativas orientadas para a lucratividade. A vantagem e diferençaem relação aos negócios tradicionais é a sua capacidade de criar uma cultura de empresa abraçando objetivos sociais no cerne da sua proposta de valor e consubstanciar alternativas e ambientes de inovação social fundamentais para o desenvolvi-mento territorial e sustentabilidade.

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Capítulo 9 – Organizações para a mudança e mudanças nas organizações: perspectivas de desenvolvimento das empresa híbridas no Brasil

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Sobre a autora

Analice Araujo SilvaEconomista pelo IE/ UFRJ, mestre em Ciência Ambiental pela UFF, professora Convi-dada do Lares/IE/UFRJ. Coordenadora Adjunta do MBE de Responsabilidade Social e Terceiro Setor, MBE de Economia e Gestão da Sustentabilidade e do MBE deTurismo, Economia, Gestão e Cultura do Instituto de Economia da UFRJ.

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10desempenHo sociAL no zoomArine ALgArve:

AnáLise dAs dimensões internAs e externAs sob A perspectivA dos gestores

Joaquim Pinto Contreiras

Virgílio Machado

Ana Patrícia Duarte

Resumo

O presente estudo, de natureza qualitativa, pretendeu conhecer a visão dos gestores sobre o desempenho social do parque temático Zoomarine Algar-ve, ao identificar a estratégia e as principais práticas de responsabilidade

social implementadas pela empresa, tanto a nível interno, como externo. No âmbito deste estudo foram realizadas cinco entrevistas ao CEO e a Diretores de departamentos. A informação reunida a partir das entrevistas permitiu o preenchimento de um scorecard de responsabilidade social que caracteriza e avalia o desempenho da empresa em sete dimensões: cultura ética e de res-ponsabilidade social, ambiente, clientes, fornecedores, funcionários, acionis-tas e comunidade. A pontuação obtida nas várias dimensões em avaliação foi positiva, particularmente no que respeita ao relacionamento com os clientes, fornecedores, trabalhadores e comunidade.Palavras-chave: Scorecard de responsabilidade social; turismo; sustentabili-dade; parques temáticos; responsabilidade social.

Abstract This qualitative study aimed to understand the vision of managers on

the corporate social performance of Zoomarine Algarve theme park, by iden-tifying the strategy and the main socially responsible practices implemented by the company in an internal and external ground. As part of this study, five interviews were conducted to the CEO and the managers of departments. The information gathered from the interviews allowed the completion of a social responsibility scorecard that characterizes and assesses the company’s per-formance in seven dimensions: ethical and socially responsible culture, envi-ronment, customers, suppliers, employees, shareholders and community. The score obtained in the various dimensions in evaluation was positive, particu-larly with regard to the relationship with customers, suppliers, employees and the community.

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Keywords: Social responsibility scorecard; tourism; sustainability; theme parks; corporate social responsibility.

Enquadramento teóricoA responsabilidade social (RS) tem sido estudada desde há várias déca-

das, primeiro, em países de cultura anglo-saxónica a nível empresarial, poste-riormente, a partir da década de 90, para todas as entidades, com ou sem fim lucrativo, fruto das consequências adversas da globalização económica e da li-berdade de circulação de capitais, mercadorias e serviços que obrigam a novas formas de reflexão e ação na organização social da responsabilidade (Carroll & Shabana, 2010; Duarte, 2014). A norma de responsabilidade social ISO 26000 (ISO, 2010), publicada como guia de aplicação voluntária em 2010 reflete, hoje, a dimensão e a importância mundial do tema.

Os estudos da RS refletem um enquadramento contextual complexo em que se interiorizam preocupações da sociedade, de natureza económica, social e ambiental no comportamento das empresas e organizações, em especial, nas suas políticas, estratégias e operações como parte de um processo de validação contínuo e justificativo, perante a sociedade, da sua existência (Araya, 2003; Toldo, 2004).

A RS, enquanto compromisso e comprometimento da organização com o meio social envolvente, pode ser considerada uma base fundacional, um pro-cesso de sustentabilidade para os objetivos de desenvolvimento da organização, entendida a palavra “desenvolvimento”, como mudança positiva, qualitativa para um estado mais favorável, suportada numa liberdade de iniciativa que inclui dimensões económicas, sociais e culturais, mas limitada pela capacidade do meio ambiente em sustentar essa mudança (Sharpley & Telfer, 2002).

No Turismo, já a Organização Mundial de Turismo (OMT), desde 1999, no Código Mundial de Ética para o Turismo, assinalou as obrigações dos ato-res do desenvolvimento turístico na sustentabilidade, em especial, na salva-guarda do ambiente e dos recursos naturais, na perspetiva de um crescimento económico são, contínuo e sustentável, capaz de satisfazer equitativamente as necessidades e as aspirações das gerações presentes e futuras e, também para com as especificidades e tradições das regiões e países recetores, num quadro de compreensão e promoção de valores éticos de tolerância e de respeito pelos direitos dos trabalhadores em beneficiarem de uma formação coerente, ajusta-da e uma proteção social adequada.

O estudo das ligações entre RS e turismo tem sido abordado. Todavia, a investigação tem incidido, em regra, numa perspetiva geral sobre políticas pú-blicas e estratégias de sustentabilidade e RS do Turismo, de destinos e comu-nidades locais (e.g. Figueira & Dias, 2011; Tao & Wall, 2009; Cordeiro, Leite & Partidário, 2009; Machado, 2010).

Tem sido produzida também alguma investigação sobre RS a um nível aplicado a empresas e organizações turísticas, nomeadamente restaurantes (e.g. Gimenes, 2004; Pacheco & Martins, 2004), hotéis (e.g. Contreiras, 2011; Ferraz, Schön & Gallardo-Vásquez, 2011; Gomes, Duarte & Neves, 2009; Ku-cukusta & Chan, 2013; Martinéz, Péres & del Bosque, 2013; Moratelli & Bar-ros, 2004; Pazos, 2004), transporte aéreo (e.g. Cowper-Smith & de Grosbois,

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2011; Valente & Sousa, 2004), imprensa turística (e.g. Falcetta, 2004) e ainda parques temáticos (e.g. Lyra & Souza, 2013; Supino, 2004). Em Portugal, a investigação carece de estudos de RS nos parques temáticos, conhecendo-se, tão só, estudos de impactos sociais integrados na vertente da sustentabilidade (Martins & Costa, 2009).

A relação entre RS e sustentabilidade em parques temáticos importa de-safios muito significativos à investigação, porquanto estes oferecem serviços recreativos de consumo instantâneo, de experiência turística, geralmente por um único dia, que assentam numa relação de eficiência custo-benefício ime-diata e económica, própria de uma actividade empresarial lucrativa. Mas onde é necessária, atenta a especificidade turística (Vera et al., 2011), não só uma relação favorável com o ambiente, a cultura e a sociedade do serviço vendido, mas também a constatação que a sustentabilidade não se esgota numa dimen-são meramente económica (Bos-Brouwers, 2010). O contexto é importante em práticas de RS (Duarte, Mouro & Neves, 2010; Martinéz et al., 2013).

Na verdade, verifica-se que as trajectórias quotidianas têm-se tornado crescentemente individualizadas e autónomas (Seixas, 2013), não surpreen-dendo que se exacerbem desejadas materializações instantâneas de desejos e de tendências consumistas de sentido mais efémero. Tais tendências são diri-gidas para espaços de vivência próprios (e.g. centros comerciais, parques de diversão), sob padrões de mobilidade e de satisfação individualizada que não prescindem de infra-estruturas e serviços coletivos próprios de funções urba-nas, tais como segurança, saúde e higiene alimentar, energia, água, comunica-ções, recolha de lixos e salubridade pública.

Estes lugares, não obstante configurarem funções urbanas, apresentam-se sob o signo da não socialização e não urbanidade, enquanto espaços de con-vivio, com diversão e disneyficação dos espaços de lazer (Muñoz, 2004). Os mesmos não têm identidade, sendo copiados e mimetizáveis, numa lógica de economias de escala, em contextos de potencial desenvolvimento de «não luga-res, não-cidades» (Augé, 1998).

Acresce, também, o problema da sazonalidade de funcionamento dos par-ques temáticos e consequente precarização das relações de trabalho (Fernan-des, 2012), que transporta um paradoxo em turismo que depende de humanis-mo, qualidade e profissionalismo na prestação do serviço vendido (Meliani & Gomes, 2009).

Neste contexto, este estudo propôs-se estudar o caso do parque temático Zoomarine Algarve, com enfoque, numa perspetiva equilibrada, nas dimen-sões internas e externas na visão dos gestores sobre o desempenho social da empresa.

Contexto e objetivos O parque temático Zoomarine Algarve, inaugurado em 1991, encontra-se

situado no Sul de Portugal, freguesia da Guia, distando a poucos quilómetros de Albufeira, e constitui uma das ofertas turísticas mais procuradas da região Algarvia. A sua edificação estende-se atualmente por uma área superior a 10 hectares, onde os visitantes podem usufruir de atividades de lazer, entreteni-mento e educação ambiental.

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Capítulo 10 – Desempenho social no Zoomarine Algarve: análise das dimensões internas e externas sob a perspectiva dos gestores

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O parque, aberto em período sazonal (de Abril a Outubro) recebe anual-mente meio milhão de visitantes, empregando, em média, cerca de 170 traba-lhadores. A componente de educação ambiental é uma das mais-valias do Zoo-marine e em 2011 foi reforçada com a requalificação do espaço porto-de-abrigo, numa aposta continuada de reabilitação de espécies marinhas. A criação de laços e fortalecimento de raízes com a comunidade local, valorizando os indi-víduos e contribuindo ativamente para a empregabilidade e desenvolvimento económico e social é igualmente uma forte componente da sua identidade.

A presente investigação assume que os vetores de RS de uma organiza-ção são amplos. De acordo com Neto e Froes (2001) abrangem sete vertentes, a saber, o apoio ao desenvolvimento da comunidade onde atua, a preservação do meio ambiente, o investimento no bem-estar dos funcionários e seus depen-dentes, comunicações transparentes, retorno aos acionistas, sinergia com os parceiros e satisfação dos clientes e/ou consumidores.

Enquanto fornecedor de um serviço turístico, um parque temático deverá desenvolver a sua atividade com respeito pelo ambiente, pelo património cultu-ral e pelas comunidades locais (art.º 20º alínea c) da lei das politicas públicas de turismo em Portugal (D.L. 191/2009, de 17 de Agosto).

Interessa à investigação apurar em que medida os objetivos e compromissos externos e internos de RS e de sustentabilidade da organização estão alinhados no-meadamente com o bem-estar dos trabalhadores quanto a aspetos fundamentais, tais como remunerações, condições de trabalho e perspetivas de valorização pessoal e profissional, assim como a perspetiva dos seus principais responsáveis sobre a relação que estabelecem com partes interessadas como a comunidade ou os clientes.

Responsabilidade e ética são conceitos indeterminados e que se realizam voluntáriamente pelas organizações através de práticas, usos, rotinas, princípios consensuais, acordos tácitos, em interacção com o seu meio ambiente, clientes e parceiros comerciais (Carroll, 1991). Supõem um esforço permanente de actua-ção com sensibilidade e forte compromisso com a sociedade, com os seus desafios e expectativas de progresso (Figueira & Dias, 2011; Jesus & Batista, 2014).

O presente estudo procurou caracterizar o desempenho social do parque temático Zoomarine Algarve, a partir da visão da sua gestão. Procurou-se es-pecificamente identificar a estratégia e as principais práticas de RS desenvol-vidas em relação a partes interessadas próximas da organização (trabalhado-res, comunidade, fornecedores, ambiente, clientes e acionistas). Seguidamente descreve-se a metodologia adotada para a realização da pesquisa.

MetodologiaEste estudo baseou-se no método do estudo de caso, suportado na recolha

de dados detalhados e internos da organização. Para a realização do mesmo adotou-se uma metodologia qualitativa assente na realização de entrevistas semi-estruturadas sobre o tema da cultura ética e práticas de RS com vários responsáveis da empresa.

ParticipantesPara recolha de informação referente à estratégia e principais práticas de

RS desenvolvidas pelo parque temático foram entrevistados o CEO da empresa

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e os gestores dos diferentes departamentos com relação com as partes interes-sadas em análise (Tabela 1).

Tabela 1– Participantes

Dimensão Entrevistado

Cultura ética e de RS CEO

Ambiente Dir. Operacional e Resíduos

Clientes Dir. Operacional

Fornecedores Dir. Operacional

Trabalhadores Dir. Recursos Humanos

Acionistas Dir. Financeiro e de Património

Comunidade CEO

Fonte: Elaboração própria

Instrumento e procedimento de recolha de dadosAs entrevistas foram conduzidas com base num guião construído para o efei-

to. O guião foi primeiramente desenvolvido com base no trabalho de Spiller (2000) que desenvolveu um modelo de medida da performance ética de cada empresa com base na construção de um scorecard ético. Posteriormente, e com vista a uma aná-lise mais aprofundada, complementar e transversal, no desenvolvimento do guião teve-se também em consideração os parâmetros de RS constantes do Livro Verde sobre a Responsabilidade Social da União Europeia (UE, 2001) e do Código de Ética para o Turismo da Organização Mundial do Turismo (WTO, 1999).

O guião das entrevistas foi estruturado em torno de sete temas principais: • Cultura ética e de responsabilidade social (e.g. missão/finalidade?)• Comunidade (e.g. forma de tomada de conhecimento e avaliação de necessi-

dades?) • Ambiente (e.g. política e preocupações ambientais?)• Trabalhadores (e.g. política remuneratória e de gestão de carreiras?)• Clientes (e.g. política de qualidade e inovação?)• Fornecedores (e.g. prioridade a fornecedores locais?)• Acionistas (e.g. processos de melhoria do retorno financeiro aos acionistas?)

As entrevistas tiveram uma duração aproximada de 45 minutos e foram con-duzidas em Novembro de 2013 nas instalações da organização. Com o acordo dos entrevistados, as respostas foram registadas no decorrer das entrevistas e as trans-crições posteriormente enviadas aos entrevistados para validação do conteúdo.

Procedimento de análise dos dados O material obtido a partir das entrevistas (corpus de análise) foi alvo de

uma análise de conteúdo, a qual permite proceder ao levantamento dos conte-údos associados a cada tema que mais relevo têm para os participantes, bem como identificar cadeias de relações entre estes mesmos conteúdos (Krippen-dorff, 1980; Vala, 1986).

A estrutura do sistema de análise/categorias orientou-se pelos temas pro-postos no guião das entrevistas. Construiu-se um quadro com os parâmetros

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Capítulo 10 – Desempenho social no Zoomarine Algarve: análise das dimensões internas e externas sob a perspectiva dos gestores

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do Livro Verde, do scorecard ético e do Código de Ética para o Turismo para cada tema, que foi sendo preenchido com as respostas dadas pelos entrevista-dos à medida que a análise progrediu. Este quadro constitui o que designamos de scorecard de desempenho social.

De referir que para a análise de conteúdo seguiu-se o método de inciden-tes críticos, realizando uma leitura interpretativa com identificação de inci-dentes críticos revelados pelos entrevistados (Amado, 2000), que coincidissem com os parâmetros do Livro Verde, do scorecard ético, do Código de Ética para o Turismo ou dos três simultaneamente.

Após a análise de conteúdo foi possível proceder à pontuação do desempe-nho da empresa em cada dimensão. A metodologia proposta por Spiller (2000) baseia-se na metodologia desenvolvida por Kinder, Lydenberg e Bomini (1992, 1996), através da qualificação desde forças importantes a preocupações impor-tantes. Uma “força importante” é qualificada com 2, uma “força” com 1, “neutro ou sem informação” com 0, uma “preocupação” com -1, uma “preocupação impor-tante” com -2. Apresentam-se de seguida os principais resultados alcançados.

ResultadosA Tabela 2 sistematiza a pontuação atribuída ao desempenho do par-

que temático nas diferentes dimensões em análise. É possível observar que a empresa desenvolve a sua estratégia tendo em conta, principalmente, a sa-tisfação de clientes, fornecedores, comunidade e trabalhadores, dimensões em que obtém a pontuação máxima (2 = “força importante”). O desempenho nas restantes dimensões é classificado como uma força (= 1) o que, apesar de ser um desempenho positivo, indica haver, comparativamente com as dimensões anteriores, maior margem de melhoria. Os resultados relativos a cada dimen-são são apresentados com maior detalhe nas páginas seguintes.

Tabela 2– Resultados da aplicação do scorecard de RS ao Zoomarine

Dimensão Pontuação

Cultura ética e de responsabilidade social 1

Ambiente 1

Clientes 2

Fornecedores 2

Trabalhadores 2

Acionistas 1

Comunidade 2

Total 11

Fonte: Elaboração própria

Nota: Escala de pontuação: -2= preocupação importante; -1=preocupação; 0=neutro ou sem informação; 1=força; 2=força importante. Pontuação máxima possível: 14 pontos.

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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Cultura ética e de responsabilidade socialDo ponto de vista da sua cultura ética e de RS o Zoomarine apresenta-se

como uma empresa acima de tudo positiva e empreendedora. Pela estrutura que possui e capital que necessita para a manter tem que ser muito afirmativa e proactiva na procura e satisfação de clientes, procurando todos os anos ofere-cer novidades e desafios a quem a visita, mas mantendo sempre uma postura séria, alicerçada no desejo em explicar, através da experiência, as maravilhas que os oceanos têm para oferecer aos seus visitantes. Acima de tudo, o visitan-te não pode sair desiludido ou sem vontade de regressar; tem que sentir que o dinheiro que investiu valeu a pena, o que do ponto de vista ético e enquanto missão organizacional é um valor importante a realizar. Não possui, no entan-to, um código de ética nem elabora relatório de sustentabilidade anual. Estas lacunas não lhe permitiram atingir a pontuação máxima na dimensão. A Ta-bela 3 apresenta excertos das entrevistas que sustentam a pontuação obtida.

Tabela 3– Resultados: Cultura ética e de RS

Dimensão Pontuação Excertos de Registos

Cultura ética e de RS

1 (força)

[missão] “Mostrar, dar oportunidade ao público de vivenciar a na-tureza marítima, aproximar os golfinhos das pessoas. Ensinar uma mensagem positiva com entretenimento para captar a atenção das pessoas. Aumentar o respeito pela natureza com base no carinho e na educação. Transportar adultos e crianças a um mundo de sonho e fantasia, criando emoções e sensações únicas.”[ética] “Internamente é o respeito pelas pessoas que trabalham. Temos dificuldades, mas pagamos sempre os salários dia 28. Sentimos muito o aumento do IVA, no ano passado só não demos prejuízo porque os administradores prescindiram de salários e outros benefícios. Para o exterior é a formação e o exemplo que vem de dentro para fora.”[certificação em ética ou RS] “Não, mas temos muitos prémios que ao longo dos anos certificaram a exigência e dedicação aos nossos clientes, aos nossos animais e aos nossos trabalhadores.”[relatório sustentabilidade] “Por enquanto não.”

Fonte: Elaboração própria

AmbienteDo ponto de vista dos entrevistados, estamos perante uma empresa que

desenvolve um trabalho muito importante de monitorização interna do seu impacto ambiental, através de um esforço técnico e tecnológico considerável, monitorização contínua dos seus gastos energéticos, de água e de produção de resíduos (Tabela 4). Além disso, procura contribuir seriamente, quer in-ternamente quer junto dos seus clientes e da comunidade envolvente, para o reforço da educação ambiental. Consegue também todos os anos salvar inú-meros animais marinhos no seu centro de recuperação de animais selvagens, que posteriormente liberta no espaço natural. Colabora ainda com investiga-dores externos no estudo, desenvolvimento e aplicação de técnicas e procedi-mentos médicos não evasivos em animais da sua coleção. Do ponto de vista do ambiente, o Zoomarine é somente penalizado em duas situações: não ter uma

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Capítulo 10 – Desempenho social no Zoomarine Algarve: análise das dimensões internas e externas sob a perspectiva dos gestores

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certificação externa ao nível ambiental e não comunicar externamente os seus resultados e práticas ambientais.

Tabela 4– Resultados: Ambiente

Dimensão Pontuação Excertos de Registos

Ambiente1

(força)

“Somos ativos, tentamos identificar o que fazemos bem e melhorar.”“Temos uma filosofia de gestão realmente genuína, não é somente uma questão de imagem. Tentamos por exemplo ser mais susten-táveis ao ir buscar água salgada diretamente ao mar e restituí-la já tratada ao mar com acompanhamento externo através da Agência Portuguesa do Ambiente. Desta forma estamos também a me-lhorar significativamente a qualidade de vida dos nossos animais. Apesar de economicamente ser um esforço considerável, pois seria mais barato juntar sal à água doce.”“Externamente preocupamo-nos muito com a educação ambiental sendo o parque em si mesmo um importante instrumento para isso. Vamos graciosamente às escolas e em cada ação procura-mos falar de uma temática diferente, por exemplo, o plástico e a poluição dos oceanos associada a este produto, que foi a principal temática deste ano.”“O Zoomarine tem um abrigo para animais marinhos que são apa-nhados em redes de pesca ou chegam à costa em más condições, procurando posteriormente devolvê-los nas melhores condições ao seu habitat.”“Quanto aos resíduos contabilizamos a sua produção e todos os anos tem vindo a baixar, principalmente com a contribuição dos clientes. Acreditamos que quanto à reciclagem ainda hà margem de progresso.”

Fonte: Elaboração própria

ClientesRelativamente aos clientes, esta empresa é vista como tendo uma postu-

ra muito proactiva, tentando ao máximo conhecer os seus gostos e opiniões, assim como desenvolver produtos, serviços e soluções que vão ao encontro das suas expectativas, principalmente ao nível da qualidade, segurança, disponibi-lidade e preço (Tabela 5 – próxima página). Revela-se bastante proactiva nas questões de higiene e de limpeza dos espaços públicos e reciclagem de emba-lagens e outros desperdícios, na disponibilidade dos funcionários em servirem os clientes da melhor forma possível e no dinamismo em corresponderem às necessidades e desejos dos que os visitam.

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Tabela 5 – Resultados: Clientes

Dimensão Pontuação Excertos de Registos

Clientes2

(força importante)

“Nós temos dois fatores a transmitir, primeiro segurança, segundo satisfação. Para tal temos de cumprir e fazer todos os requisitos legais, por exemplo, dos equipamentos de diversão. Tentamos ir para além daquilo a que estamos obrigados, sendo acima de tudo proactivos. Em termos de satisfação o foco principal é nas funções desempenhadas pelos nossos recursos humanos. (… ) Se falamos em comida, por exemplo, tentamos manter os preços próximos da concorrência externa ao parque. Os nossos clientes devem ter ra-zões para consumir dentro do parque e prescindirem de merendas, gerando menos resíduos e mais lucro para o parque.”“Temos vários tipos de inquéritos, aplicados à saída dos clientes. Temos também inquéritos específicos para áreas como o merchan-dizing (…) os resultados têm sido muito bons.”“A única área que está certificada é a da restauração com HACCP.”

Fonte: Elaboração própria

FornecedoresEm relação aos fornecedores, a empresa orgulha-se de ter uma relação

duradoura, de parceria e de confiança com a maioria dos mesmos, através de processos de consulta, de audição e de controlo de qualidade, de trabalharem em conjunto para a resolução de problemas que possam surgir e, de serem na sua maioria, fornecedores locais (Tabela 6).

Tabela 6 – Resultados: Fornecedores

Dimensão Pontuação Excertos de Registos

Fornecedores2

(força importante)

“Numa altura em que o preço tem uma importância acrescida fazemos consultas contínuas, mas temos os nossos fornecedores como parceiros do negócio, sendo a qualidade um fator de escolha igualmente fundamental.”“Temos fornecedores maioritariamente algarvios que são nossos parceiros desde a abertura do parque. Pelo que no geral estamos muito satisfeitos.”“Negociamos sempre.”“Garantimos a qualidade através das certificações nacionais e internacionais que todos os produtos têm que ter. No peixe para os animais, que é todo congelado, temos os nossos laboratórios que certificam a sua qualidade, por exemplo.”

Fonte: Elaboração própria

TrabalhadoresEm relação aos trabalhadores é de salientar a prioridade que o Zoomarine dá

ao recrutamento de mão-de-obra local e aposta contínua na formação profissional, especialmente na época em que o parque está encerrado (Tabela 7). É de salientar também a sua cultura de igualdade de oportunidades e o facto de manter ao serviço pessoas com deficiências físicas ou limitações mentais. Perante o atual cenário de crise económica e as exigências colocadas ao nível orçamental a empresa optou por

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Capítulo 10 – Desempenho social no Zoomarine Algarve: análise das dimensões internas e externas sob a perspectiva dos gestores

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reduzir o desequilíbrio entre os salários, prescindindo os administradores de algu-mas regalias. A empresa valoriza os trabalhadores com base na avaliação de de-sempenho dando possibilidade de progressão interna e recrutando prioritariamente dentro da empresa. Valoriza igualmente valores éticos e morais como a responsabili-dade e a humildade. Os trabalhadores começam muitas vezes a colaborar com a em-presa aos 16 anos e crescem com valores profissionais que melhoram constantemen-te. Como fator negativo encontramos o encerramento durante uma parte do ano, o que coloca uma parte substancial dos seus funcionários no desemprego. Todavia, a empresa oferece a opção por contratos de trabalho intermitentes, dá prioridade de colocação quando o parque reinicia a sua atividade e garante a formação através de protocolos com o Instituto de Emprego e Formação Profissional.

Tabela 7 – Resultados: Funcionários

Dimensão Pontuação Excertos de Registos

Trabalhadores2

(força importante)

“Somos principalmente formadores de talento, apostamos no talento das pessoas que trabalham connosco, e fornecemos talento para outros parques e empresas.”“Temos um muito bom clima interno. É uma das coisas que as pessoas referem, não no sentido da remuneração, mas pelo clima informal, porque as pessoas se dão bem. É um ambiente de entreajuda.”“Desde que passámos a fechar na época baixa a precariedade acentuou-se, menos na área zoológica. Passámos de um quadro de 260 contratados sem termo a 120. É nossa política que todas as pessoas comecem com contratos a termo, se bem que as pessoas das áreas zoológicas têm maior tendência para continuarem. Recuperamos horas trabalhadas no Inverno, grande polivalência nas áreas operacionais, objetivo que as pessoas com bom desempenho fiquem ou sejam readmitidas na reabertura do parque.”“No Zoomarine não existe uma grande diferenciação de rendimen-tos. Procuramos que não existam motivos de ostentação, cortámos nos níveis superiores e aumentámos os salários até 1000€. Existe uma política de objetivos para Diretores, e daqui a algum tempo extensível às chefias.”“Uma das nossas principais preocupações e obrigações é a segurança.”“Temos a trabalhar mais mulheres que homens, e começando pela administração, somos multiculturais. Contratamos e mantemos pela competência. Temos também algumas pessoas a trabalhar com deficiência e recebemos um prémio pela inclusão com contrato sem termo de uma pessoa com deficiência.”“Em situações de igualdade damos preferência às pessoas locais, que também nos dão maiores garantias de sucesso.”

Fonte: Elaboração própria

AcionistasDo ponto de vista da sua gestão financeira o Zoomarine procura ser bas-

tante transparente em relação aos seus parceiros, designadamente entidades financeiras, fundamentais para o seu crescimento, inovação e atratividade junto dos milhares de visitantes anuais e dos seus funcionários e sócios. No entanto, o facto de não ser uma sociedade por ações cotada em bolsa não coloca a obrigação de comunicar os seus resultados e práticas financeiras ao público,

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assim como não dá abertura aos seus funcionários para que se possam tornar sócios. Faz, no entanto, um esforço considerável para continuar a investir du-radouramente no parque e por controlar o orçamento disponível, os gastos e os seus resultados, de forma a conseguir cumprir com as suas responsabilidades e manter o parque aberto todos os anos (Tabela 8).

Tabela 8 – Resultados: Acionistas

Dimensão Pontuação Excertos de Registos

Acionistas1

(força)

“Por necessidade de acesso ao crédito temos que ser muito trans-parentes em termos de gestão.”“A transparência é interna, ao nível de proveitos e ganhos em relação ao conjunto da empresa. Separamos as rúbricas de contabilidade e distribuímos a parte das aquisições, por exemplo, por 17 respon-sáveis, pessoas que têm autonomia para adquirirem e solicitarem ao departamento de compras e responsáveis de rúbrica autorização de aquisição. São depois sujeitos a controlo sobre as faturas que recebem.”“Analisamos constantemente toda a informação que temos e custos associados com a atividade. Isto requer constantemente uma maior profissionalização dos nossos meios humanos. Apesar das nossas necessidades financeiras continuamos a investir. Temos que abrir constantemente novos canais de comunicação com os bancos para investimentos em novos projetos e apresentar constantemente resultados aceitáveis.”

Fonte: Elaboração própria

ComunidadeEm relação à comunidade valoriza-se enormemente o trabalho que o Zoo-

marine tem desenvolvido ao longo dos anos junto da comunidade escolar, desde as escolas de ensino básico até à Universidade, com especial atenção às que se localizam no Algarve, mas também de outras regiões de Portugal e do exterior, recebendo todos os anos estagiários, tanto de escolas técnicas como de univer-sidades (Tabela 9 – página ao lado). Tem recebido por isso inúmeros prémios que atestam o seu compromisso em contribuir para a melhoria da qualidade de vida animal e ambiente e, num outro aspeto bastante sensível e relevante, a realização de sonhos e momentos únicos, especialmente de crianças doentes ou com situação económica precária.

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Capítulo 10 – Desempenho social no Zoomarine Algarve: análise das dimensões internas e externas sob a perspectiva dos gestores

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Tabela 9 – Resultados: Comunidade

Dimensão Pontuação Excertos de Registos

Comunidade2

(força importante)

“Além de contribuir grandemente para a educação das populações, também alertamos para os problemas ambientais e para a necessi-dade de conservação da natureza e contribuímos significativamente para a economia da região. O Zoomarine foi considerado pelo Trip Adviser como o 7º melhor parque temático da Europa entre 25. Contribuímos para o sucesso de uma vertente diferente do turismo, à parte do sol e praia.”“Uma das coisas mais importantes é a relação com a comunidade, com as instituições de ensino e ciência como a Universidade do Algarve. (…) Esta é uma faceta de que nos orgulhamos bastante.” “Tentamos inserir-nos ao máximo na região. Realizamos atividades para crianças desfavorecidas, doentes, totalmente gratuitas. Todos os anos recebemos crianças de todo o mundo com doenças ter-minais e realizamos um seu sonho de forma privada, por exemplo, estar com os golfinhos. São momentos muito especiais.”“No Algarve temos um programa de estudo de crianças autistas e a forma como interagem e se desenvolvem no contacto com os golfinhos. São inúmeros os prémios que recebemos do ponto de vista científico e de desenvolvimento de técnicas, por exemplo, veterinárias com animais marinhos. A maioria dos tratamentos que fazemos são com a ajuda e participação dos animais.”

Fonte: Elaboração própria

ConclusõesO presente trabalho constituiu um exercício de avaliação da cultura e práti-

cas de RS de uma média empresa de animação turística, tal como percecionadas pela sua administração e restantes gestores. A avaliação foi particularmente positiva em todos os itens focalizados nos procedimentos de responsabilidade na elaboração comercial do produto, quer no relacionamento a montante com os fornecedores, quer na gestão da relação, a jusante, com os clientes.

O fator trabalho, com políticas de recrutamento, que privilegiam, sempre que possível, o recurso preferencial a mão-de-obra local, práticas de retribuição não muito diferenciadas, contratos intermitentes com fidelização de funcioná-rios e, ainda, avaliações de desempenho anuais, marcam um interesse forte da empresa numa interação humana favorável no contexto de produção local da experiência de animação turística com os clientes.

Verificou-se um alinhamento de avaliação de desempenho social na pon-tuação atribuída aos clientes, fornecedores e trabalhadores. Conclui-se ser uma empresa inclusiva, que centra a sua atenção na captação, manutenção e criação de talento, na relação de desempenho social com os clientes e fornece-dores, o que reforça a sua capacidade em ser, também, inclusiva no processo de produção sequencial a montante e a jusante a que o turismo obriga.

Sobressai, igualmente, um bom relacionamento com a comunidade local, através de ações de formação e educação ambiental, programas de cooperação com escolas, instituições de ciência e investigação e o acesso gratuito de crian-ças desfavorecidas ou com doenças graves a animais com um simbolismo e uma carga emocional positiva muito forte (Dolphin Emotions).

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O desempenho social da empresa constitui parte integrante da estratégia de configuração do produto turístico de animação e entretenimento oferecido pelo Zoomarine.

A preocupação com a criação de um contexto favorável, com o ambiente e práticas de cultura ética e desempenho social, na transparência da gestão, no acesso ao crédito para investimentos de médio e longo prazo, seja dos acionis-tas ou da banca, demonstram a vocação de durabilidade dos projetos da empre-sa. Entende-se que o Zoomarine se apresenta de uma forma bastante sólida e igualmente ativa no sentido de responder às solicitações e exigências das suas principais partes interessadas.

Numa perspetiva global, e apontando um aspeto negativo, dir-se-á que o Zoo-marine não consegue, apesar de tudo, fugir a uma das caraterísticas que sobressai na economia e nas empresas turísticas algarvias, a sazonalidade e o efeito que tem sobre o emprego, a estabilidade e a qualidade de vida de muitas pessoas.

Na perspetiva deste scorecard de desempenho social e, tendo em conta que a avaliação representa a visão que os seus principais responsáveis têm da empresa e retrata e avalia um determinado momento, pode-se afirmar que o Zoomarine pode ser considerado como uma empresa-modelo na relação que tem com as suas princi-pais partes interessadas, pois obtém uma classificação bastante elevada em itens duradouros e apresenta capacidade de evolução positiva a médio e longo prazo.

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Capítulo 10 – Desempenho social no Zoomarine Algarve: análise das dimensões internas e externas sob a perspectiva dos gestores

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Sobre os autores

Joaquim Pinto ContreirasÉ desde Outubro de 1998 docente na Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo da Universidade do Algarve, lecionando as disciplinas de Gestão de Recursos Humanos, Psicossociologia da Empresa, Comportamento Organizacional e Introdução à Gestão nos mais diversos cursos de 2º e 3º ciclo. É Diretor do Núcleo de Recursos Humanos.É Doutorado em Gestão na Universidade de Évora tendo apresentado a dissertação “Gestão pela cultura ética e de responsabilidade social nas organizações hoteleiras de 4 e 5 estrelas no Algarve como fatores de atração de candidatos de elevado potencial”.Participou como orador em diversos seminários e conferências com trabalhos na área de Segurança Higiene e Saúde no Trabalho, da Gestão de Recursos Humanos, da Ética Empresarial e da Responsabilidade Social Empresarial, tendo igualmente publicado ar-tigos em livros e revistas nacionais nas mesmas áreas científicas.

Virgílio MachadoÉ desde Outubro de 1993 docente na Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo da Universidade do Algarve, lecionando, entre outras, as disciplinas de Princípios Gerais de Turismo, Turismo e Desenvolvimento, Geografia do Turismo e Direito do Turismo nos mais diversos cursos de 2º e 3º ciclo.É Doutorado em Turismo na Universidade de Aveiro tendo apresentado em 2009 a dissertação “Direito e Turismo como instrumentos de poder – os Territórios Turísticos” publicada e atualizada em livro da Editorial Novembro em 2010.Foi assessor do Secretário de Estado do Turismo do XVI Governo Constitucional. Par-ticipou como orador em diversos seminários e conferências com trabalhos nas áreas do Planeamento e Ordenamento em Turismo, Direito do Turismo e Sustentabilidade no Turismo, tendo igualmente publicado artigos em livros e revistas nacionais nas mes-mas áreas científicas.

Ana Patrícia DuarteÉ desde Julho de 2012 Investigadora na Business Research Unit (BRU-IUL) do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), desenvolvendo um projeto de investigação finan-ciado por uma Bolsa de Pós-Doutoramento atribuída pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. A sua investigação centra-se sobre o impacto da responsabilidade social junto de diversos públicos, nomeadamente trabalhadores e clientes.É Doutorada em Psicologia Social e Organizacional pelo ISCTE-IUL tendo apresentado a dissertação “Corporate social responsibility from an employees’ perspective: Contri-butes for understanding job attitudes” em 2011.Participou como oradora em diversos seminários e conferências com trabalhos nas áreas de Comportamento Organizacional, Gestão de Recursos Humanos e Responsa-bilidade Social. Tem publicado trabalhos em livros e revistas nacionais e internacionais nas mesmas áreas científicas.

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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Agradecimentos

1. Os autores agradecem ao Zoomarine Algarve pela abertura à realização desta pes-quisa, assim como a todos os participantes pela disponibilidade e colaboração na rea-lização das entrevistas.

2. Este estudo foi parcialmente apoiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia através de uma bolsa de pós-doutoramento ao terceiro autor (SFRH/BPD/76114/2011).

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11mecAnismos de gobernAnzA púbLicA

innovAdorANora Liliana Gorrochategui

1. Introducción

Estamos atravesando un fin de época y la administración pública enfrenta problemas nuevos. Se impone una forma de gobernar que “mine” (en tér-minos de Ulrich Beck) conceptos, prácticas e instituciones. Así, el modelo

jerárquico, en el que las autoridades estatales ejercían un poder soberano sobre grupos y ciudadanos queda desactualizado frente a demandas variadas, entre las que se pueden mencionar: mayor cooperación, participación y transparen-cia. La satisfacción de estos requerimientos impone una gobernanza que apli-que tecnologías de gestión, metodologías y procedimientos que tengan relación con las condiciones económicas, políticas, sociales y culturales (Callón, 1998; Latuor, 1998). La literatura especializada ha señalado con insistencia el pro-blema que enfrenta la gerencia pública de no contar con conocimiento sistema-tizado y disponible, que se traduzca en tecnologías de gestión, que faciliten la instrumentación de la gobernanza, tal como requieren los tiempos actuales. (Pollitt, 2005; Sen, 2007; Kemp, 2007; Lamo de Espinosa, 2008).

Desde la perspectiva de la administración pública, las innovaciones en ma-teria de instrumentos para el desarrollo de las capacidades estatales han sido ampliamente impulsadas desde organismos especializados en América Latina, lo cual ha generado un ambiente favorable a la promoción de consensos que han sido refrendados por las Cumbres Iberoamericanas de jefes de estado y gobierno. Entre ellas se pueden mencionar: la Carta Iberoamericana de la Función Públi-ca (2003), el Código Iberoamericano de Buen Gobierno (2006), las Cartas Ibe-roamericanas de Gobierno Electrónico (2007), de Calidad en la Gestión Pública (2008) y de Participación Ciudadana en la Gestión Pública (2009).

Al más alto nivel decisorio se manifiesta la orientación de implementar transformaciones en la gestión pública, las organizaciones enfrentan diversi-dad de problemas y ensayan soluciones que se encuentran en proceso de prue-ba. Seleccionando arbitrariamente dos de los múltiples problemas que encaran las organizaciones públicas se pueden mencionar: la falta de coordinación de

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políticas públicas y la insuficiencia de recursos para suministrar servicios tra-dicionalmente a cargo del estado. Las tecnologías de gestión o modalidades de actuación que se están poniendo en práctica y corresponden a cada uno de los problemas mencionados son: la intersectorialidad y las asociaciones público privado (APP).

2. IntersectorialidadLa bibliografía especializada aborda la temática de la intersectorialidad,

describiendo algunas características, señalando su aplicación, presentando ca-sos puntuales y efectuando reflexiones sobre conceptos asociados, todo lo cual, da cuenta de que es un concepto en construcción, que se encuentra en el centro de debate de la administración pública en América Latina, como un elemento importante de la gobernanza moderna.

La noción de “intersectorialidad” remite, en principio, a la integración de diversos sectores con vistas a la solución de problemas sociales. (Cunnill Grau, 2005). Sin embargo, el término se puede interpretar, al menos, en tres sentidos, Uno, que concibe la intersección de actividades entre sector público, privado y no gubernamental, para resolver situaciones consideradas como per-judiciales para la comunidad y en la que los actores estiman que pueden y de-ben hacer algo para resolver la situación, o sea, lo incorporan a sus respectivas agendas. Otro significado se refiere a la intersección de diferentes unidades de la administración pública que atienden un tipo específico de cuestiones (econó-micas, agropecuarias, relaciones internacionales), que no pueden ser resueltas en forma aislada por ninguna de ellas y requiere la acción conjunta y conflu-yente de ellas, recibiendo la denominación de “relaciones interinstitucionales”. El tercero, vincula la intersectorialidad a la gestión de organizaciones públi-cas de los distintos niveles jurisdiccionales (nacional, provincial y municipal), que tienen competencias complementarias sobre una problemática específica (vivienda, salud, temas medioambientales), identificándose con la expresión “gobierno multinivel”. El concepto parece responder a cierto grado de incohe-rencia interjurisdiccional que se manifiesta como consecuencia de los procesos de descentralización de servicios públicos y sociales favoreciendo la toma de responsabilidades por parte de los estados subnacionales.

La perspectiva de la intersectorialidad remite a la naturaleza de los pro-blemas a resolver, a la modalidad de actuación pública y a los resultados espe-rados. Así, los problemas son complejos, multifactoriales, heterogéneos e inte-rrelacionados. La actuación aislada de las organizaciones del sector público sin la perspectiva del sector privado, o de una sola unidad gubernamental, o de un solo nivel jurisdiccional no resultan suficientes; se requieren para su solución perspectivas multidisciplinarias, acciones coordinadas y esfuerzos mancomu-nados de diferentes unidades gubernamentales y niveles jurisdiccionales, de trabajo en red. La actuación pública supone elementos políticos, relativos a la distribución de poder entre distintos actores y componentes técnicos, vincula-dos a los mecanismos formales y/o informales de coordinación vertical y hori-zontal que se implementen para la articulación de las acciones. El resultado esperado no es una política sectorial, sino la implementación de una política integrada, que supone una visión compartida del objetivo y la articulación de

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esfuerzos de diferentes organizaciones públicas, los cuales complementan sus conocimientos y recursos disponibles, dado que se impone la necesidad de apor-tar soluciones que afectan la calidad de vida de la población.

La intersectorialidad alude a la coordinación. Las reformas asociadas a la Nueva Gestión Pública han mejorado la coordinación vertical. Sin embar-go, subsisten desafíos pendientes, que parecen tener una solución a través de la coordinación horizontal. El reto consiste en asegurar prioridades políticas que apunten a la cohesión, lo cual depende de la voluntad de los gobernantes acerca de su decisión de cómo utilizar su capital político para gestionar el gobierno de manera horizontal. También, evitar o minimizar la actuación deficiente o duplicación de políticas, que se puede identificar con el síndro-me de “carencia- redundancia” de atención de determinadas poblaciones, que pueden ser objeto de no recibir cobertura por ningún programa o de recibir atención por diferentes programas implementados por unidades guberna-mentales de igual o distinto nivel jurisdiccional.

La intersectorialidad y la trasversalidad suelen asociarse, pero tienen di-ferente conceptualización. La noción de transversalidad se aplica cuando se de-sea que algún asunto, generalmente nuevo o vinculado a la protección de dere-chos, sea incorporado a la gestión de los distintos sectores de una organización, aunque no corresponde a ninguno en particular y tampoco puede ser asignado por la autoridad en forma vertical, a una unidad específica. En un sentido más amplio, se aplica a la demanda de coordinación y coherencia entre diferentes unidades gubernamentales de un mismo nivel jurisdiccional, para incorporar un tema sobre el cual ningún organismo tiene competencia específica pero que todos deben incorporar a su gestión. En sentido inverso, la intersectorialidad se aplica al tratamiento de un tema engorroso, en el que organismos diferentes aportan recursos y coordinan acciones para solucionar un problema complejo de manera integrada.

Parece existir una gradación de acciones gubernamentales en las relacio-nes intersectoriales: 1) la interrelación, tendiente a la búsqueda de correspon-dencia entre acciones gubernamentales; 2) la coordinación, como concertación de medios y esfuerzos para la acción común; 3) la cooperación, como acción conjunta entre unidades administrativas para un mismo fin y 4) la colaboración, que im-plica la contribución de recursos para el logro de un fin común entre diferentes agencias gubernamentales o contribuyentes al logro de la finalidad de otra orga-nización ajena a la propia ( situación que implica el fenómeno del poder).

La literatura especializada ha registrado “innovaciones interorganizacio-nales institucionales” (Steelman & Mandell, 2003) que varían en cuanto a su propósito y a su grado de estabilidad en la relación interinstitucional. Ellos son: contratos, coordinación intermitente, fuerzas de tareas temporales, coordinación permanente, coaliciones y estructuras en red. (Sánchez González, 2014).

Diversos estudios académicos registran observaciones sobre el funciona-miento de la intersectorialidad como mecanismo de la gobernanza moderna: y se presentan a continuación. • La intersectorialidad depende fuertemente del contexto político – institucio-

nal en el que se inserta de la autonomía organizacional, y del capital simbó-lico y social que controla cada organización.

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Capítulo 11 – Mecanismos de gobernanza pública innovadora

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• Las posibilidades de instrumentar la intersectorialidad como instrumento de la gobernanza moderna aumentan si las coaliciones socio-políticas son abiertas e innovadoras y el funcionariado técnico-burocrático tiene capa-cidad de adoptar comportamientos y prácticas flexibles de gestión pública.

• La necesidad de intersectorialidad aumenta cuanto más complejos son los objetivos perseguidos y más profundo es el cambio que se pretende en el comportamiento humano.

• La máxima expresión de intersectorialidad es la integración que constituye el más alto nivel de colaboración, tanto en términos de intensidad como de complejidad de las relaciones entre los sectores implicados en el logro de un propósito compartido.

• Algunas variables para tener en cuenta en la intersectorialidad son: “el gra-do de inclusividad en el ciclo de formación y evaluación de las políticas, el grado de mancomunidad en la ejecución de las acciones y el grado de altera-ción de las formas organizacionales previas de los sectores gubernamentales involucrados” (Cunill, 2014)

• La intersectorialidad es más eficaz cuando se logra la cooperación entre secto-res a través del diálogo, más que a través de la autoridad. Los procesos partici-pativos de deliberación entre actores pueden contribuir a evitar conflictos, cre-ar significados compartidos y aumentar la percepción de su interdependencia.

• El movimiento hacia la gobernanza colaborativa en la política ambien-tal a menudo toma la forma de asociaciones de colaboración que involu-cran múltiples partes interesadas con creencias e intereses divergentes. Dentro de este tipo de relaciones, las partes interesadas coordinan se-lectivamente entre sí, en diversos grados para alcanzar tanto objetivos individuales como colectivos. Se ha probado que la decisión de con quién coordinar, se basa en el hecho de compartir creencias, pero fundamental-mente se basan en la confianza y se efectiviza con quienes poseen recur-sos críticos. (Calanni, 2014).

• La teoría de la incrustación provee marco conceptual para investigar aspec-tos del arraigo relacional personal e institucional, en términos de demostrar que las redes de comunicación entre los respondedores son fundamentales para la coordinación efectiva y la transferencia de información, a través de las agencias que trabajan en la respuesta a un desastre. (Nowell, 2015)

• Los atributos organizacionales asociados con alta capacidad de los departa-mentos gubernamentales para coordinar son la baja complejidad estructural y la estabilidad del personal. (Maroulis, 2000).

• Los ámbitos de coordinación son más efectivos, si están dotados de au-toridad política y solidez técnica, cuentan con respaldo de la autoridad económica, su función se limita exclusivamente a la coordinación, los ob-jetivos están claramente identificados y es posible visualizar resultados concretos en breve tiempo y cuentan con normas formales que aseguren la interrelación entre organismos, que resulten de efectivo cumplimiento.(Peters, 2005)

• La intersectorialidad debe contemplar los mecanismos de formulación de decisiones, expresado en los procesos de planificación, formulación presu-puestaria, seguimiento y evaluación. Se debe contemplar la modalidad de

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ejecución de las acciones, asignación de recursos para su financiamiento e intercambio de información, así como los dispositivos organizacionales entre distintas unidades gubernamentales de los mismos y distintos niveles juris-diccionales. (Jordana, 2001)

• Gestores públicos que operan dentro de los regímenes de gobierno inter-jurisdiccionales se enfrentan a dificultades considerables para facilitar la colaboración de la red. Una dificultad para la colaboración en red consiste en la no concordancia entre las fronteras geográficas de las competencias que corresponden a una determinada función (jurisdicción de los consejos escolares) con el área geográfica en la cual se debe aplicar (municipio). (Ross, 2013)

• Para realizar plenamente el valor de la gobernanza colaborativa, es nece-sario tomar decisiones, en las primeras etapas de los procesos, particular-mente teniendo en cuenta el diseño institucional acerca de las prácticas de inclusión de las partes interesadas que intervendrán, dado que esto afecta las expectativas de la contribución que cada parte interesada puede hacer a un proyecto y luego, influye en los resultados del proceso de colaboración. (Johnston, 2011)

• La intersectorialidad se verá favorecida cuanto más instancias de comuni-cación intergubernamental se establezcan y cuanto más interactivo sea el modelo de relaciones intergubenamentales.

• Se identifican tres tipos de canales por los que circulan las relaciones inter-gubernamentales, independientemente de su grado de formalización. 1) re-laciones formalizadas entre gobiernos de diferentes niveles jurisdiccionales; 2) relaciones entre actores políticos que gestionan el sistema institucional y de gobierno, sean de tipo organizativo o personal; y 3) redes de relación personal de los profesionales, técnicos y funcionarios que participan en los procesos de políticas públicas.

• Las organizaciones del sector público son principalmente organizacio-nes intensivas en conocimiento, y para explotar sus conocimientos, se requiere intercambio efectivo de conocimientos entre los diferentes de-partamentos. La combinación de los juegos de poder y coordinación infor-mal parecen ser muy beneficiosos para el intercambio de conocimientos. (Willem, 2007)

• Algunos tipos de relaciones intergubernamentales pueden adoptar estruc-turas en red, que se desarrollan en ámbitos de influencia amplios y multi-tpropósito, en el marco de referencia que le dio origen, comparten recursos, conocimiento y riesgo y se fundamentan en la confianza que se constituye en la garantía del cumplimiento de compromisos y relaciones de reciprocidad que se fortalecen a través del tiempo.(Sánchez González, 2014)

• La intersectorialidad es factible y sostenible de implementar en un progra-ma específico, aunque sea de alta cobertura y requiera coordinación múltiple entre entidades gubernamentales. Cuando la intersectorialidad se realiza sobre intervenciones más amplias que abarcan un conjunto de políticas se complejiza la intersectorialidad, siendo preferible adoptar estructuras orga-nizacionales para problemáticas específicas (ej: Gabinetes Sociales) (Marti-nez Nogueira, 2009; Repetto, 2009)

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2.1. Experiencias de intersectorialidad en América LatinaEn América Latina se han implementado diversas experiencias de inter-

sectorialidad, con énfasis, fundamentalmente en los diseños estructurales y la coordinación pro- integralidad de las políticas públicas.

Un tipo de experiencia consiste en diseños estructurales, para la mate-rialización de la intersectorialidad, en la formulación e implementación del conjunto de estructuras públicas, es decir el que tiene en cuenta los “problemas de una población en un territorio dado”. Este enfoque pretende que cada or-ganización, sea la escuela, el hospital, el salón de usos múltiples, no se limite solamente a ofrecer sus servicios, sino que cada uno ubicado en una comunidad componga una red de acción social. Ejemplos de este tipo de interrelación se encuentran en Brasil, tales como la Alcaldía de Fortaleza del estado de Ceará, en el cual se realizó un esfuerzo por modificar la lógica de las políticas públi-cas, en particular, las sociales; otro, el Estado de Maranhao, modificando la estructura gubernamental para tornarla más flexible, asegurando la gestión integrada en la solución de problemas colectivos. Las experiencias no han sido totalmente completadas y no han tenido sostenibilidad en el tiempo.

Otro tipo, consiste en la creación de instancias ejecutivas centrales y órganos técnicos colegiados para el desarrollo de programas sociales de alcance nacional. Generalmente, surgen asociados al combate a la pobreza, consideran a la familia la unidad de intervención que facilita la gestión interorganizacional de programas sociales y se financian con aportes presupuestarios y gestión de la información y del conocimiento por parte de todas las organizaciones públicas intervinientes. Ejemplos de ellos son: Sistema Chile Solidario, Programa Oportunidades de Mé-xico, Sistema de Protección Integral a la Infancia “Chile Crece Contigo.

Un tercer caso, es el uso de estructuras matriciales, promovidos por go-biernos locales con el apoyo financiero de organismos internacionales o univer-sidades, a fin de implantar concepciones integradas de promoción de la salud o preservación del medio ambiente , asociadas al concepto de “calidad de vida”, tomando a la ciudad como ámbito de intervención. Ejemplos de ello, son los mu-nicipios y estados saludables en Brasil, las agendas urbanas intersectoriales en Brasil y los municipios saludables en Argentina. Existen algunos elementos comunes, tales como, proponer la planificación estratégica, movilizar la acción multisectorial y estimular la participación comunitaria. Son experiencias pun-tuales que en su implementación adoptan formas organizativas y de gestión que se ajustan a las condiciones locales.

También se puede mencionar el caso de los “comités o gabinetes inter-ministeriales”, los cuales suelen ser más adecuados para la incorporación de asuntos transversales o enfoques integrales de desarrollo que para la coordi-nación de los sectores gubernamentales. La sostenibilidad de las instancias suprasectoriales depende, entre otros factores, de la jerarquía formal del ente que actúa como secretaría ejecutiva de las instancias coordinadoras. Como ejemplos se pueden citar : Cámaras de Estado en Brasil y Comités Interminis-teriales en Chile.

Otro tipo de experiencias, es la realizada por los “superministerios” en Bolivia, que no ha prosperado, debido a que la creación de instancias suprasec-toriales a nivel nacional para ejercer las direcciones gubernamentales requiere

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contextos institucionales fuertes. Sin embargo, se han adoptado con más fre-cuencia los “gabinetes sociales o consejos de coordinación de políticas sociales”. Pareciera ser que tres aspectos importantes para hacer efectiva la integrali-dad de las políticas son: que en caso de coaliciones electorales, los equipos de gobierno las reflejen, lo cual está asociado a la permanencia en el tiempo de aquellas, que se encuentre representada la autoridad económica, y que posibi-litan el diálogo con integrantes de la sociedad civil. Algunos ejemplos son: Ga-binete Social en Argentina, Sistema Nacional de Desarrollo Social en México, Gabinete Social y Consejo Nacional de Coordinación de Políticas Sociales en Uruguay, Ministerio Coordinador de Desarrollo Social en Ecuador.

3. Asociaciones público privadas La APP consiste en un acuerdo entre el sector público y el sector privado,

por medio del cual parte de los servicios que tradicionalmente han sido res-ponsabilidad del sector público pasan a ser suministrados por el sector privado bajo la coincidencia en objetivos compartidos para el abastecimiento de un ser-vicio público o de la infraestructura pública. Las APP se encuentran en distin-tos sectores de actividad tales como: energía y electricidad, tecnología limpia, residuos sólidos, tecnología de la información y comunicaciones, transporte, agua y saneamiento.

Las modalidades de interacción entre sector público y privado adoptan distintas gradaciones de participación del sector privado y pueden ser visua-lizadas como un continuo. En un extremo se ubican las modalidades de bajo grado de participación del sector privado; se caracterizan porque la adminis-tración pública es una parte del contrato y el sector privado está sometido al régimen jurídico de aquella, colocándolo en una situación de subordinación jurídica frente al sector público. La propiedad es pública y la operación de los activos es privada, quedando incluidos en esta categoría, contratos de servicios y contratos de llave en mano. En el extremo opuesto, se identifican las moda-lidades con alto grado de participación del sector privado, tal el caso de las privatizaciones, en las cuales las actividades empresariales son transferidas en forma permanente del sector público al privado.

Las APP se ubican en una zona intermedia entre ambos extremos, con-sisten en asociaciones en las que se delinean las responsabilidades y se espe-cifican los riesgos que asume cada parte. En la mayoría de las modalidades, la propiedad de los activos y la responsabilidad final por los servicios queda en el sector público. El conocimiento técnico especializado, la gestión y la operación se reservan al sector privado. Se determinan minuciosamente las situaciones de relacionamiento, intentando distribuir riesgos y beneficios entre los distin-tos sectores, limitando al máximo los costos de transacción. Ejemplos de APP son: acuerdos de gestión y operación, arrendamientos, “diseñar- construir – operar” conocido por sus siglas en inglés, (DBO), “construir, operar y transfe-rir” (BOT) y empresas mixtas.

Los acuerdos de gestión y operación abarcan una gama de contratos. La característica básica consiste en que la entidad pública adjudicadora se aco-pla con la organización privada contratista para manejar un servicio público durante un período de tiempo relativamente corto, de dos a cinco años. Los

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contratos de gestión, se refieren a una tarea específica en la gestión de la in-fraestructura. Los acuerdos de operación y mantenimiento, se registran a más largo plazo, encontrándose particularmente en sectores de agua y energía.

La APP se financia a través de una cuota fija que paga la organización pública a la privada para la realización de tareas específicas. La retribución no depende de la recaudación de aranceles. Dado que el potencial de mejora de la eficiencia es limitado, en algunos casos se introducen incentivos para la eficien-cia o el cobro de facturas, mediante la definición de objetivos de rendimiento y basar una parte de la remuneración en base a su cumplimiento, estableciéndo-se períodos más largos.

La organización privada no asume el riesgo por la condición de los activos, aunque en algunos acuerdos de gestión basados en el rendimiento, pueden im-plicar para el operador privado asumir más riesgos, tales como hacerse cargo de la sustitución de componentes y partes; lo cual implica más gastos de control por parte de las organizaciones públicas.

El personal no es transferido de las organizaciones públicas a la privada; ésta contrata poco personal pero especializado.

La característica básica de los arrendamientos o “contratos affermage” con-siste en que la organización privada es responsable de la operación y manteni-miento de la empresa de servicios públicos y el sector público se encarga de la financiación de las inversiones. El sector privado compra o alquila del gobierno un activo ya existente. Lo renueva, moderniza y/o amplía para después operarlo. El sector privado no tiene ninguna obligación de devolver el activo al gobierno.

La duración de los contratos oscila entre ocho y quince años.La financiación de la APP consiste en que la organización pública financia

la inversión y la organización privada, operadora del servicio, cobra a los con-sumidores una cuota. De ella, una parte, que es fija e independiente del nivel de recaudación, se destina a la organización pública, en su carácter de entidad adjudicadora propietaria de los activos, como un alquiler (cuota de arrenda-miento fijo (leasing), y el resto lo percibe la organización privada. En el caso específico del affermage, el operador privado recauda un pago suplementario destinado a la organización pública, para que realice inversiones.

La organización privada operadora asume el riesgo de la recaudación, cos-to y mantenimiento de los activos, comprometiéndose al final del contrato a entregar las instalaciones en estado de funcionamiento.

La organización pública se compromete a realizar un proceso de revisión del rendimiento, costos y niveles de tarifas, cada cuatro o cinco años.

El personal de las organizaciones públicas es adscrito o transferido al ope-rador privado.

La modalidad “diseñar – construir- operar” (DBO) se refiere a un pro-yecto específico y se distingue porque la organización pública es quien finan-cia la construcción de nuevos activos. La organización privada se encarga de diseñar, construir, mantener y operar el activo para cumplir con los resulta-dos establecidos, sin obligación de transferir la propiedad a la organización pública. Usualmente consiste en un contrato de obras civiles, un contrato de operaciones, o una sección añadida al contrato de obras civiles que cubra un acuerdo de operaciones. La duración de los contratos es prolongada, de-

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pendiendo de cada situación concreta, pudiendo oscilar entre veinticinco y treinta años, de tal modo que sea un período lo suficientemente largo para amortizar la inversión inicial.

La financiación consiste en que el sector público paga a la organización privada una suma fija, en concepto del diseño y construcción y otra, por la ope-ración de la planta durante el período que dure el contrato.

En los proyectos de “construcción – operación - traspaso” (BOT) el sector privado diseña, construye un complejo o sistema “nuevo”, para un propósito espe-cífico y lo opera durante un período prolongado que se estipula y, en un momento predeterminado, devuelve el activo al sector público. Después de la transferen-cia, el sector privado puede alquilar el activo a la organización pública.

La financiación del nuevo activo y su propiedad corresponde a la “compa-ñía (privada) objeto del proyecto”. Se establece una estructura contractual que incluye acuerdos de préstamo, acuerdos entre los accionistas de la “compañía objeto del proyecto” y los subcontratistas del contrato de operaciones y el con-trato de construcción, así como acuerdos especiales, con las organizaciones pú-blicas, tal como puede ser el caso de energía, por el cual se establece un acuerdo de oferta/suministro de combustible a granel, y el proveedor sería la misma entidad que compra la energía bajo el acuerdo de compra de energía, es decir, la empresa estatal de energía.

3.1. Perspectiva organizacional Desde la perspectiva organizacional, se puede clasificar a la APP, por su

función social, objetivos, naturaleza, innovación y partes constitutivas.La APP, cumple dentro de la sociedad una función social, la prestación

de un servicio que llega a toda la población cuya provisión ha correspondido tradicionalmente a las organizaciones públicas y, una función económica, dado que dicha prestación debe ser rentable.

La APP podría ser clasificada como una organización con fines múltiples u organización con una finalidad combinada fundamentada en la colaboración, u organización de “doble lógica”, que resulta de perseguir objetivos, que en principio parecerían contrapuestos. Sin embargo, se constituye en una moda-lidad organizacional innovadora para resolver un problema social y, que a tra-vés, de la actuación conjunta permite conseguir aquello que sería imposible de lograr por separado, tanto por la organización pública como la privada.

La APP tiene fines estatuidos, es decir que están presentes desde la creación de la organización y figuran en el contrato que le da origen. Generalmente este tipo de organizaciones tienen un nivel muy alto de eficiencia; por lo tanto, en términos de Renate Mayntz, se puede afirmar que la APP es una organización de resultado, dado que se busca el logro de un objetivo específico, maximizando las ventajas que ofrece cada tipo de organización que le da fundamento. La APP plantea el desafío de beneficiarse de las ventajas del coste, calidad y precio del sector privado prove-yendo servicios públicos de calidad, utilizando criterios de universalidad y servicio social sin perder de vista la obtención de beneficios económicos.

Al hacer referencia a la naturaleza de las organizaciones, la literatura especializada ha acuñado la denominación de “organizaciones híbridas” para aquellas que combinan valores sociales y objetivos comerciales y que son sus-

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tentables. Habitualmente, se utiliza a fin de reflejar la tendencia de empresas para desarrollar modelos de negocio que son un híbrido de lo que se considera tradicionalmente con fines de lucro y sin fines de lucro. Otra definición de or-ganización híbrida es la que busca nuevos formatos y estructuras legales para poder cumplir con sus objetivos sociales y sus compromisos económicos. En ambas acepciones de organización híbrida se puede incluir a las APP.

La APP es ejemplo de innovación social, en el sentido de que son modelos de actuación público – privado, que cumplen simultáneamente con la satis-facción de necesidades sociales y crean nuevas relaciones y formas de cola-boración. Por lo tanto, son buenas tanto en su finalidad como en su proceso, mejorando la capacidad para actuar de las organizaciones que forman la APP. También, las APP generan un retorno a la vez social y económico, denominado de “doble impacto”. Además, produce un efecto beneficioso sobre el colectivo de su ecosistema, puesto que genera compromiso entre decisores públicos y priva-dos para lograr el propósito común de resolver un problema social específico.

Las partes constitutivas de la APP aluden a la relación entre sectores remitiendo a la lógica de la acción colectiva. La colaboración intersectorial es fuente de innovación social que surge en la interface entre sector público y privado. Dentro de esta relación se identifican numerosas “partes interesadas” (stakeholders), generando un ecosistema de innovación social que favorece el desarrollo de redes sociales, las cuales tienen un valor intrínseco y, por lo tan-to, también generan capital social.

A modo de conclusión parcial, se ofrece una definición de APP, desde el punto de vista organizacional. La APP es una organización híbrida, confor-mada por la colaboración intersectorial, la cual constituye una innovación so-cial, cuyo propósito responde a la doble lógica, de brindar un servicio público eficiente que beneficie a la sociedad y garantice la sustentabilidad económica, resolviendo problemas sociales y generando capital social.

3.2. Instrumentación de las APP en América LatinaEl Infrascopio 2014 para América Latina y el Caribe mide la capacidad

de un país para movilizar inversión privada en infraestructura a través de APP. Para su elaboración se consideran los siguientes aspectos: marco legal y regulatorio, marco institucional, madurez operacional, clima de inversiones, facilidades financieras y factor de ajuste subnacional.

Los resultados agrupan los países en cuatro categorías, en orden descen-dente. En la categoría superior que corresponde a un “contexto maduro”, no se ha incluido a ningún país. En “contexto desarrollado” se ubican cinco países Chile, Brasil, Perú, México y Colombia. En “contexto emergente” se incorporan nueve países: Uruguay, Guatemala, Jamaica, El Salvador, Costa Rica, Hondu-ras, Paraguay, Trinidad y Tobago y Panamá. En última categoría, “contexto naciente” se incluyen cinco países: República Dominicana, Ecuador, Nicara-gua, Argentina y Venezuela.

En el último quinquenio, la disposición en América Latina hacia las APP en infraestructura ha mejorado, particularmente debido a las adecuaciones de los marcos regulatorios (casos destacables, Jamaica y Paraguay) así como a la creación de unidades especializadas para la gestión de las APP. Chile

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concentra a nivel nacional la mayor parte de la actividad de las APP; Brasil implementa APP tanto a nivel nacional como subnacional, generándose una importante carga de trabajo para las organizaciones públicas. Perú, en el lapso de dos años, comprendidos entre 2012 y 2014, ha desarrollado 17 proyectos, lo cual ha aumentado la capacidad de gestión de las APP, en el sector público.

Otro efecto de la implementación de las APP es el incremento de la capacidad institucional de las organizaciones públicas al incorporar análisis diversos para la selección de proyectos, tales los casos de Brasil, El Salvador, Uruguay y México.

Algunos factores limitantes de la expansión de la APP podrían ser los ries-gos que podrían afrontar los inversores privados si las situaciones macroeco-nómicas generan la inestabilidad de las finanzas públicas, particularmente en países más pequeños, tal los casos de Honduras y Jamaica. Otra limitante, se refiere a las funciones de planificación e implementación, por un lado, y por el otro a la vigilancia y supervisión de las APP. Se presentan distintas situaciones; todas las funciones se concentran en una sola unidad o bien, no existen unidades de vigilancia. Todas estas posibilidades distan de las propuestas de la Organiza-ción para la Cooperación y el Desarrollo Económicos (OCDE) que recomienda la vigilancia pública independiente de las APP por su potencial para lograr mejo-res resultados e incrementar la responsabilidad y el control social. (EIU, 2014).

4. ConclusionesLas relaciones intersectoriales y las APP son modalidades innovadoras

porque son procesos que cambian las rutinas básicas de gestión de las organi-zaciones públicas, la distribución de recursos y las relaciones de poder tradi-cionales, pretendiendo generar un cambio sistémico, para la solución de “pro-blemas sociales”.

Ambas modalidades se fundamentan en la colaboración entre diferentes sectores, lo cual también es una variable a tener en cuenta para analizar una innovación social. Son innovaciones de tipo abiertas, dado que potencialmente pueden ser replicadas por otros, pero existen diversos factores condicionantes, que implican efectuar numerosas modificaciones en función de las “situaciones y el contexto” en el que se apliquen. Por lo tanto, más en el caso de las relaciones intersectoriales que en el de las APP, se puede afirmar que su escalabilidad y replicabilidad, todavía es un tema pendiente. Si bien las experiencias concretas de implementación no logran constituir una masa crítica que permita afirmar que dichas modalidades están institucionalizadas en las administraciones pú-blicas de América Latina, las que se han realizado han generado capital social, en términos de trabajo en red y alianzas entre distinto tipo de organizaciones.

Las experiencias de implementación demuestran que aún no se logra el impacto social que se ha pretendido producir, en cuanto al logro de políticas sociales integrales, en el caso de las relaciones intersectoriales y para la pres-tación de servicios públicos de calidad y generalizados, en el caso de las APP.

Tanto la relación intersectorial como la APP son modalidades de gestión congruentes con la gobernanza moderna, dado que se fundamentan en la coope-ración e integración, el diálogo, la preocupación por contribuir a la resolución de “problemas sociales” con la participación activa de múltiples partes interesadas, en todas las fases del proceso, la decisión, implementación, evaluación y control.

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Capítulo 11 – Mecanismos de gobernanza pública innovadora

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La voluntad política declarada de operar cambios transformadores en la administración gubernamental en América Latina se presenta como un marco de deseabilidad para la gobernanza moderna y se abre el desafío para quienes propongan, diseñen y tengan capacidad de instrumentación de mecanismos innovadores.

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Capítulo 11 – Mecanismos de gobernanza pública innovadora

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http://portal.eiu.com/home.aspx

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http://siare.clad.org/siare/innotend/intersector/info7bkp.html

Sobre a autora

Nora Liliana GorrochateguiDoctora en Administración (FCE – UBA). Magister Scientiarum en Administración Públi-ca (FCE - UBA).Licenciada y Profesora en Ciencia Política la Universidad del Salvador.Se ha desempeñado en organizaciones públicas y de la sociedad civil y ha actuado como consultora en programas de organismos internacionales. Ha sido la primera Sub-directora de la Oficina de Ética Pública de la Presidencia de la Nación en la República Argentina. Sus publicaciones se relacionan con temas organizacionales, administración pública y responsabilidad social.Es cofundadora del Simposio Internacional sobre Responsabilidad Social de las Orga-nizaciones (SIRSO).Actualmente, es docente e investigadora de la FCE – UBA.

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12sustentAbiLidAde e pLAneJAmento: vALores

constitucionAis reitores dAs contrAtAções

AdministrAtivAs, no estAdo democrático de direito

Jessé Torres Pereira Junior

1. Contextualização do tema

A busca pela confirmação empírica da tese acadêmica retrata a reciproci-dade típica das questões atinentes à sustentabilidade e ao planejamento, valores expressos na Constituição da República e, nada obstante, negli-

genciados tanto no cotidiano da atividade contratual do estado, quanto no das sociedades empresárias que com ele contratam o fornecimento de bens, a pres-tação de serviços e a execução de obras. A correlação entre esses dois valores vem sendo evidenciado, porém, no curso da experiência da gestão, seja pública ou privada, nos últimos cinquenta anos, no Brasil e no exterior, sendo o objeto das reflexões deste texto.

1.1 A sustentabilidade nas organizações empresariais Na empresa privada, há o testemunho, entre muitos outros, de Ray An-

derson, empresário há mais de meio século. Sua indústria de carpetes conta com onze fábricas, emprega quatro mil pessoas e está presente em 110 países. Sua saga está reproduzida em Conversas com Líderes Sustentáveis (Ricardo Voltolini. São Paulo: ed. SENAC, 2011, p. 40-45).

Desde 1994, após 21 anos de haver fundado a empresa, “resolveu mudar a história da companhia após ouvir de seus clientes perguntas do tipo ‘O que a sua empresa está fazendo para preservar o meio ambiente?’ ou ‘Qual o tama-nho do estrago que ela causa ao planeta?’... Impactado pela demanda dos clien-tes... decidiu que, a partir daquele momento, só ‘tomaria da Terra o que fosse natural e rapidamente renovável’... nasceu o projeto chamado Missão Zero, que prevê eliminar os impactos ambientais da companhia até 2020... Hoje se tra-duz no uso altamente eficaz do petróleo (energia e matéria-prima) para a fabri-cação do carpete, com redução de 88%, em toneladas absolutas, nas emissões

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de gases de efeito estufa e de 80% no uso de água em relação a 1996. Fizemos tudo isso num contexto de aumento de dois terços nas vendas e 100% no fatu-ramento... Apenas a iniciativa de eliminar resíduos proporcionou à empresa uma economia de custos da ordem de 372 milhões de dólares em treze anos”.

Anderson sistematiza a escalada para a conversão de seus métodos em-presarias à sustentabilidade: “O primeiro passo consiste em eliminar o lixo dos processos industriais, cortando o desperdício de recursos. O segundo implica envolver os fornecedores em um esforço de redução de emissões de carbono. O terceiro, a busca de eficiência energética, substituindo a matriz de combustível fóssil por fontes renováveis. O quarto abriga as atividades de redesenhar pro-cessos, reciclar e reutilizar. O quinto está relacionado com o ‘esverdeamento’ da cadeia de transporte. O sexto tem que ver com a mudança da cultura inter-na da empresa para um novo modelo de produção, ambientalmente responsá-vel. E o sétimo compreende a reinvenção da atividade comercial e do próprio mercado, com base em regras que possibilitem a convivência mais harmoniosa entre a biosfera e a tecnosfera... o resultado mais espetacular é que essa inicia-tiva produziu um modelo de negócios melhor, um jeito melhor e mais legítimo de lucrar. Trata-se de um modelo empresarial que desconcerta os concorrentes de mercado, sem jogar a conta pesada para a Terra e as gerações futuras”.

1.2 A sustentabilidade no serviço públicoNo setor público, sintetizo o que tenho testemunhado no Tribunal de Jus-

tiça do Estado do Rio de Janeiro, nos últimos quatro dos trinta e um anos em que integro a sua magistratura de carreira.

A estrutura organizacional do Judiciário fluminense compreende, em nú-meros redondos, 800 órgãos jurisdicionais (de primeiro e segundo graus) e 700 unidades administrativas (as que cuidam das atividades de apoio logístico e financeiro em geral), distribuídos pelas 82 Comarcas do estado, ocupando 150 imóveis com área total de 640 mil metros quadrados, nos quais circulam, dia-riamente, em caráter permanente, 900 magistrados, 16 mil servidores, cinco mil empregados de empresas terceirizadas, além de um contingente flutuante de membros do Ministério Público, advogados, procuradores estatais, defenso-res públicos e demais protagonistas dos processos judiciais (partes, testemu-nhas, peritos, entre outros auxiliares da justiça). Trata-se do segundo maior tribunal de justiça do país, em termos de estrutura organizacional e volume de processos (dois milhões de ações novas distribuídas e um milhão e 200 mil julgadas, a cada ano, do que resulta um acervo de processos em curso no total, por ora, de nove milhões).

Por evidente que esse largo complexo de pessoas, edificações, instalações e serviços demanda consumo diário de energia elétrica, água, produtos e insu-mos os mais variados, gerando toneladas de resíduos, recicláveis ou não, a exi-gir gestão sustentável nos três segmentos de sua integrada e interdisciplinar abrangência – social, econômica e ambiental.

Tal o cenário organizacional que levou a administração judiciária estadu-al, em 2010, a aderir a convênio - renovado até 2018 - proposto pelo Ministério do Meio Ambiente, que, com fundamento no modelo de cooperação estimulado pelo art. 241 da Constituição da República, com a redação da Emenda Cons-

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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titucional nº 19/98, instituiu a chamada Agenda Ambiental da Administração Pública brasileira, entrelaçando os três Poderes constituídos, em todos os entes integrantes da federação, daí a sigla A3P, cuja apresentação enfatiza que “A so-brevivência das organizações públicas ou privadas estará assentada na nossa capacidade de atualizar o seu modelo de gestão, adequando-o ao contexto da sustentabilidade”.

2. O planejamento na Constituição de 1988Ao traçar o norte da ordem econômica e financeira, a Constituição da Re-

pública aponta três vertentes de atuação do estado: fiscalização, incentivo e planejamento. Ao tratar deste, o art. 174 e seu § 1º classificam-no como “deter-minante para o setor público e indicativo para o setor privado”, remetendo para a lei a definição das “diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará a compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento”.

Vladimir da Rocha França faz ver, com razão, que “no contexto do art. 174, caput, da Lei Maior, o planejamento compreende a definição de objetivos e estratégias de ação administrativa, destinadas a atender a metas e prioridades que compõem as políticas públicas de ordenação da atividade econômica no mercado nacional. Para que o seu produto, o plano, tenha validade e eficácia jurídicas, é imprescindível a sua veiculação por meio de ato normativo do órgão ou entidade competente” (Comentários à Constituição Federal de 1988. Coorde-nação de Paulo Bonavides, Jorge Miranda e Walber de Moura Agra. Rio de Ja-neiro: Ed. Forense, 2009, p. 1999). E Eros Roberto Grau, ao distinguir os efei-tos de o planejamento ser “determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”, acentua que o conteúdo dos planos deve ser compulsoriamente seguido pelo setor público da economia, abrangente dos serviços públicos e dos monopólios estatais (A ordem econômica na Constituição de 1988 - interpreta-ção e crítica. São Paulo: Malheiros Editores, 7ª ed., 2002, p. 145-146).

O planejamento a que se refere o preceptivo constitucional desdobra-se tan-to para o macrossistema das políticas públicas, que a Constituição também traça em suas linhas gerais, como é endereçado às micro atividades do dia-a-dia da gestão pública, de sorte que em ambos os níveis de atuação – macro e micro - o estado, dado o seu perfil regulador, estará vinculado ao dever jurídico de elabo-rar planos comprometidos com o desenvolvimento. E este, para necessariamente harmonizar-se com a norma geral do art. 225 da Carta Fundamental (Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletivi-dade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações), há de ser o desenvolvimento que se qualifique como sustentável.

Rocha França não alude à sustentabilidade, mas esta estará implícita na consideração de que “os objetivos fundamentais, consubstanciados no art. 3º da Lei Maior, devem ser onipresentes nas políticas públicas empreendidas pelo Esta-do. Há, portanto, o desenvolvimento nacional equilibrado quando essas diretrizes constitucionais são materializadas na sociedade brasileira” (op. cit., p. 2000).

A cogência do planejamento na ordem jurídica administrativa do estado brasileiro ganhou impulso conceitual com a chamada Lei de Responsabilida-

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Capítulo 12 – Sustentabilidade e planejamento: valores constitucionais reitores das contratações administrativas, no Estado Democrático de Direito

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de Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 04.05.2000), que, segundo Evandro Martins Guerra, “possui quatro grandes estruturações, quais sejam: o plane-jamento, a transparência, o controle e a responsabilização. O planejamento, constituído pelas três normas orçamentárias (plano plurianual – PPA, lei de diretrizes orçamentárias – LDO, e lei orçamentária anual – LOA) é a base de todo o processo de gestão fiscal, uma vez que, mediante tais instrumentos, será programada a execução orçamentária e poder-se-á conferir o cumprimen-to dos objetivos propostos e a adequação das ações governamentais ao que foi anteriormente planejado. Assim, o planejamento é um instrumento complexo, devendo prever metas, limites e condições para a renúncia de receita, a geração de despesas, inclusive as de pessoal, operações de crédito, concessões de garan-tias, dentre outras” (Os Controles Externo e Interno da Administração Pública e os Tribunais de Contas. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2003, pp. 90-91).

Élida Graziane Pinto dá um passo adiante e pondera que “falar em controle das contas públicas é tratar – pela interface da previsão orçamentária e da efetiva alocação de recursos financeiros – do custeio de políticas públicas... cumpre não perder de vista que o orçamento é, além de instrumento de controle, uma peça imprescindível de planejamento e definição das prioridades do Estado. As políticas públicas integram o núcleo normativo definidor das atividades-fim do Estado. São, em última instância, a representação – organizada em diretrizes gerais e dentro de projetos e atividades – das funções constitucionalmente atribuídas à Adminis-tração Pública. Exemplo disso são os deveres de segurança pública, de saúde, de educação, de proteção ao meio ambiente, de tutela à criança e ao adolescente, de garantia da estabilidade da moeda e das relações econômicas etc. Certo é que o Estado se desincumbe de tais deveres por meio de estruturados planos de ação governamental, aos quais podemos individualmente chamar, grosso modo, de po-lítica pública. Se se considerar que o regime de orçamentação adotado no Brasil é o de orçamento-programa (de acordo com o art. 22, IV, da Lei nº 4.320/1964), tem-se que o conceito de política pública envolve o desempenho de programas de trabalho nas mais diversas funções sob incumbência do Estado (como são a função de acesso à justiça, a legislativa, a e de educação, a de saúde etc.). Os programas de trabalho, por seu turno, pressupõem a interação dinâmica de meios de que o Estado dispõe (no que se incluem pessoal, bens, verbas, prerrogativas e processos) para o cumprimento de determinadas finalidades públicas. Não se trata apenas de planejar a ação estatal, mas de assegurar a sua consecução, dentro das metas físicas e financeiras inscritas na lei de orçamento” (Financiamento de Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Ed. O Lutador, 2010, pp.83-84).

Os desequilíbrios da gestão estatal – prioridades indefinidas ou mal de-finidas, decisões açodadas, desconsideração dos riscos inerentes à atividade, comprometimentos de recursos para finalidades pouco ou nada estruturadas, ensejando desvios e malversações -, lesivos àquela consecução dos planos orça-dos, são o auto retrato da sociedade brasileira, que, ao encaminhar cidadãos a cargos e funções públicos, deles não exige preparo para bem planejar antes de decidir, nem para identificar as causas antes de contentar-se em atacar os efeitos. Produzem respostas paliativas e inconsistentes, que se esmaecem no curto ou médio prazo, tornando crônicos os problemas e insuficientes ou desba-ratados os meios orçamentários disponíveis ou mobilizáveis.

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Essa postura descompromissada não poderia deixar de repercutir na ati-vidade contratual do estado - o contrato é o meio jurídico de obter no mercado os bens e serviços necessários à implementação de todos os segmentos de po-líticas públicas - e concentrar o foco da função de seu controle, que se vê na contingência de mais reprimir do que prevenir, mais responsabilizar do que estimular, desnaturando o que poderia ser o fluxo de um processo permanente de educação para o exercício pleno e saudável da cidadania.

Assim o demonstra a jurisprudência formada no Tribunal de Contas da União, pródiga em admoestar agentes públicos sobre comezinhos deveres da gestão e a puni-los por desvios que se repetem, como se inúteis fossem orienta-ções tantas vezes reiteradas, desde a promulgação da Constituição de 1988, so-bre os males da falta de planejamento ou do planejamento meramente formal, nas múltiplas áreas de atuação dos entes públicos. Assim, vg:

Aquisição de produtos hospitalares: as compras, sempre que possível, devem ser planejadas com base nos registros de consumo dos mate-riais (Acórdão n.º 1380/2011-Plenário, TC-026.011/2008-4, rel. Min. José Múcio, 25.05.2011);

A execução de serviços de recuperação de pistas e acostamentos de aeroporto pressupõe, em avaliação inicial, a realização de estudos prévios que demonstrem a pertinência técnica e econômica da solução adotada (Comunicação ao Plenário, TC 013.710/2011-7, rel. Ministro Aroldo Cedraz, 18.1.2011);

A aquisição de sistema informatizado de gestão de material e pa-trimônio pressupõe a realização de estudos técnicos preliminares, de plano de trabalho e de projeto básico que levem em conta as reais necessidades do contratante e que estejam calcados em estimativa consistente de preço (Acórdão nº 54/2012-Plenário, TC 032.821/2008-0, rel. Min. Ana Arraes, 18.1.2012);

Licitação para aquisição de produtos de merenda escolar: argu-mentos como a limitação de espaço para estocagem de alimentos ou o prazo de validade dos produtos perecíveis não impedem que seja utilizada a correta modalidade de licitação, desde que seja realizada a elaboração de cronograma de fornecimento, o qual deve integrar o instrumento convocatório do certame (Acórdão nº 2109/2011, TC-011.886/2010-2, rel. Min.-Subst. André Luís de Carvalho, 10.08.2011);

Aditivos contratuais firmados em prazo exíguo constituem indício de falta de planejamento (precedentes: Acórdãos nº 838/2004, 2094/2004, 117/2006, 304/2006 e 2640/2007, Plenário) (Acórdão nº 1.793/2011-Ple-nário, TC-011.643/2010-2, rel. Min. Valmir Campelo, 06.07.2011);

O planejamento inadequado por parte da administração afasta a possibilidade de contratação emergencial, com fundamento no art.

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Capítulo 12 – Sustentabilidade e planejamento: valores constitucionais reitores das contratações administrativas, no Estado Democrático de Direito

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24, inc. IV, da Lei 8.666/93. Mediante pedido de reexame, o respon-sável, reitor da Universidade Federal do Tocantins – UFT, manifes-tou seu inconformismo diante do Acórdão 3.489/2009 – 2ª Câmara, proferido em sede de processo de representação, no qual fora apenado com a multa prevista no art. 58, II, da Lei 8.443/92, por conta da realização indevida de contratação emergencial, por dispensa de li-citação (art. 24, inc. IV, da Lei 8.666/93), de serviços de vigilância armada e desarmada, tendo entendido o Tribunal que a emergência, essencialmente, ocorrera da ausência de planejamento adequado. Após descrever todo o iter pela qual passou a contratação, enfatizan-do a morosidade havida, o relator, no voto, destacou que “os gestores deflagraram um processo licitatório sem ao menos definir as neces-sidades da Administração, o que mais uma vez contribuiu para o atraso verificado na condução do certame”. Além disso, quanto a uma alegada carência de pessoal, observou “se tratar de fato previsível a ser contornado com um adequado planejamento, o que não ocorreu”. Por tudo, concluiu que “restou devidamente evidenciado que a con-tratação emergencial decorreu da ausência de planejamento adequa-do por parte da administração da entidade”. Assim, por considerar, ainda, que a penalidade aplicada anteriormente seria compatível com o grau de reprovabilidade verificado na conduta inquinada, vo-tou pelo não provimento do recurso, no que foi acompanhado pelos demais ministros da 2ª Câmara (Acórdão nº 7.557/2010-2ª Câmara, TC-030.657/2008-2, rel. Min. Benjamin Zymler, 07.12.2010);

Licitação de obra rodoviária: ausência de estudos de viabilidade técnica e econômico-financeira do empreendimento. Em levanta-mento de auditoria relacionado à Concorrência Pública - Edital nº 0142/2010-17, cujo objeto é a contratação de empresa para execução de serviços de atualização do projeto executivo de engenharia para implantação e pavimentação da Rodovia BR-484/ES, subtrecho Serra Pelada-Itarana, com extensão de 34,2 Km, o relator, em sede cautelar, determinou ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) a imediata suspensão do processo licitatório em curso, em razão de potenciais irregularidades detectadas. Uma dessas irregularidades seria a “realização de procedimento licitató-rio para contratação dos referidos serviços de atualização de projeto executivo sem a prévia realização de estudos de viabilidade técnica e econômico-financeira do empreendimento, com afronta aos comandos contidos no inciso IX do art. 6º e art. 12 da Lei 8.666/1993 e no § 4º do art. 10 da Lei 11.653/2008”. A unidade técnica, ao examinar o assunto, registrou informação prestada pela Superintendência Re-gional do DNIT, de que “a obra não necessitaria de estudos de via-bilidade técnica e econômico-financeira, haja vista tratar-se de obra remanescente do Convênio PG-105/98-DNER/DER”. Destacou a uni-dade técnica, ainda, que praticamente toda a rodovia, objeto da lici-tação examinada, cortará terrenos particulares, atravessando “uma

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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região extremamente acidentada e montanhosa, com altitudes acima dos 1.000 m”. De sua parte, o relator observou que as circunstâncias materiais, ressaltadas pela equipe de auditoria, evidenciaram que os estudos de viabilidade técnica e econômico-financeira seriam es-pecialmente importantes, uma vez que “praticamente toda extensão da rodovia BR-484/ES está situada em áreas particulares, o que de-manda a implementação de desapropriações”, e, além disso, “a rodo-via atravessa região muito acidentada, o que impacta severamente o custo da obra”. Ainda para o relator, “É possível que tais estudos apontem para solução distinta da que foi delineada originalmente”. Todavia, divergiu o relator quanto à classificação da irregularidade, pois, para ele, “... a falta de estudos de viabilidade técnica e econômi-ca merece ser classificada como irregularidade grave com proposta de paralisação (IG-P). E não como outras irregularidades (OI). Isso porque se enquadra na hipótese do art. 94, § 1º, inciso IV, da Lei nº 12.017/2009”. O Plenário referendou a cautelar (Decisão monocrática no TC-015.254/2010-0, rel. Min. Benjamin Zymler, 21.07.2010).

Planejamento de contratações na área de tecnologia da informação. Ao apreciar relatório de auditoria na área de informática da Cai-xa Econômica Federal (CEF), realizada com o objetivo de analisar a qualidade dos controles, normas e procedimentos relativos às con-tratações efetuadas, destacou o relator que a lista de achados era extensa e revelava “as diversas falhas que rotineiramente chegam ao descortino deste Tribunal, em diversos graus de relevância ma-terial”. Constatou, ainda, que elas “têm como raiz a insuficiência de um planejamento estratégico de longo prazo, que, caso fosse bem ela-borado, evitaria irregularidades como a descrição insuficiente do que se quer adquirir (seja bem ou serviço) e a generalidade da definição dos requisitos técnicos do futuro fornecedor”. Outro exemplo de con-sequência de falta de planejamento, enfatizou em seu voto, “são as estimativas de preço falhas que, se fossem feitas da maneira correta, diminuiriam bastante as chances de haver contratações ou reajustes contratuais com valores distorcidos, sem contar com a contenção de verdadeiras avalanches de impugnações e representações que entra-vam as licitações e acabam encarecendo bens e produtos e chegando aos tribunais”. Ao final, deliberou no sentido de que fossem formula-das várias determinações à CEF, algumas diretamente associadas à necessidade de planejamento das contratações, e que contaram com a anuência do Plenário: 1)“elabore plano de trabalho que prece-da os processos licitatórios relativos a TI, demonstrando aderência da aquisição com o planejamento estratégico da instituição e com o plano diretor de informática e apresentando justificativa detalhada da necessidade da contratação, contendo a relação entre a demanda prevista e a quantidade a ser licitada, bem como o demonstrativo de resultados a serem alcançados em termos de economicidade e de me-lhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais e financeiros

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disponíveis, de acordo com o previsto no art. 2º, incisos II e III, do Decreto nº 2.271/97, e nos arts. 6º, inciso I, e 10º, § 7º, do Decreto-Lei nº 200/67”; 2)“realize um adequado planejamento das contratações, de forma a prever na minuta contratual um nível mínimo de serviço exigido (NMSE), a fim de resguardar-se quanto ao não cumprimento de padrões mínimos de qualidade, especificando os níveis pretendi-dos para o tempo de entrega do serviço, disponibilidade, performance e incidência de erros, entre outros, bem como estabelecendo graus de prioridades e penalidades, à luz dos arts. 3º, § 1º, inciso I, e 6º, inci-so IX, alínea ‘d’, da Lei nº 8.666/93 e do art. 8º, inciso I, do Decreto nº 3.555/2000”; 3)“confeccione o projeto básico dos processos licita-tórios relativos à TI com base em estudo técnico preliminar, o qual deve levar em consideração, dentre outros pontos, o levantamento das soluções disponíveis no mercado e a justificativa pela solução escolhida, de acordo com o previsto nos arts. 6º, inciso IX, e 46 da Lei nº 8.666/93”; 4)“nos casos de processos licitatórios relativos à TI cujo objeto demonstre-se técnica e economicamente divisível, proce-da a licitação e a contratação separada dos serviços, utilizando-se do parcelamento, da adjudicação por itens ou de outros mecanismos (permissão de consórcios ou subcontratações) como a forma de ob-ter o melhor preço entre os licitantes, de acordo com o previsto nos arts. 15, inciso IV, e 23, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.666/93, apresentando justificativas pormenorizadas, caso julgue inviável efetuar a contra-tação em separado dos objetos distintos da licitação”; 5)“disponha adequadamente sobre a possibilidade de subcontratação no edital e no contrato, definindo claramente seus parâmetros quando desejável, ou vedando sua ocorrência quando indesejável, nos termos dos arts. 72 e 78, inciso VI, da Lei nº 8.666/93”; 6)“abstenha-se de contratar por postos de trabalho, evitando a mera alocação de mão de obra e o pagamento por hora trabalhada ou por posto de serviço, dando preferência ao modelo de contratação de execução indireta de serviço, baseado na prestação e na remuneração de serviços mensuradas por resultados, sempre que a prestação do serviço puder ser avaliada por determinada unidade quantitativa de serviço prestado ou por nível de serviço alcançado, em obediência ao Decreto nº 2.271/97, art. 3º, § 1º”; 7)“proceda a mensuração dos serviços prestados por intermédio de parâmetros claros de aferição de resultados, fazendo constar os critérios e a metodologia de avaliação da qualidade dos serviços no edital e no contrato, conforme disposto no art. 6º, inciso IX, alínea ‘e’, da Lei nº 8.666/93, no art. 3º, § 1º, do Decreto nº 2.271/97”; 8)“quando da contratação de serviços relacionados à TI, faça constar do projeto básico os subsídios para a gestão dos serviços, compreendendo inclu-sive os instrumentos que serão utilizados na fiscalização, tais como uma lista de verificação para checar a manutenção dos requisitos de habilitação e técnicos exigidos na licitação e os procedimentos para tratamento das anormalidades, atendendo ao comando do art. 6º, in-ciso IX, alínea ‘e’, da Lei nº 8.666/93”; 9)“descreva objetiva e exausti-

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vamente, em cláusula da minuta contratual, os motivos que ensejarão a aplicação de cada um dos tipos de penalidade administrativa pre-visto, evitando-se descrições genéricas (e.g., descumprimento parcial de obrigação contratual), em atenção ao disposto no art. 55, incisos VII e IX, da Lei nº 8.666/93, e aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade”; 10)“descreva objetivamente, em cláusula da mi-nuta contratual, os motivos que ensejarão a rescisão do contrato, de forma a evitar descrições genéricas (e.g., descumprimento parcial das obrigações e responsabilidades), em atenção ao disposto no art. 55, incisos VIII e IX, da Lei nº 8.666/93, e aos princípios da prudência, proporcionalidade e razoabilidade”; 11)“estabeleça fórmulas para calcular a eventual aplicação de descontos, de forma a efetivamen-te inibir a ocorrência de atrasos na entrega dos serviços por parte da empresa contratada, evitando que tais descontos correspondam a valores irrisórios, em atenção ao disposto no art. 55, incisos VII, VIII e IX, da Lei nº 8.666/93, e aos princípios da prudência, propor-cionalidade e razoabilidade”; 12)“realize uma detalhada estimativa de preços, com base em pesquisa fundamentada em informações de diversas fontes propriamente avaliadas, como, por exemplo, cotações específicas com fornecedores, contratos anteriores do próprio órgão, contratos de outros órgãos e, em especial, os valores registrados no Sistema de Preços Praticados do SIASG e nas atas de registro de preços da Administração Pública Federal, de forma a possibilitar a estimativa mais real possível, em conformidade com os arts. 6º, in-ciso IX, alínea ‘f’, e 43, inciso IV, da Lei nº 8.666/97”; 13)“instrua seus processos licitatórios com orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os custos unitários do objeto a ser contratado, fazendo constar do edital, sempre que couber, um modelo demonstrativo de formação de preços que possibilite demons-trar, em sua completude, todos os elementos que compõem o custo da aquisição, à luz dos arts. 7º, §2º, inciso II, e 40, § 2º, inciso II, da Lei nº 8.666/93” (Acórdão nº 265/2010-Plenário, TC-024.267/2008-1, rel. Min. Raimundo Carreiro, 24.02.2010);

Determinação à CEPISA para que atente para os prazos finais dos contratos, que são fatais, realizando tempestivamente as licitações necessárias, evitando-se pagamento sem cobertura contratual, que não possui amparo legal, ou a contratação baseada no inc. IV do art. 24 da Lei nº 8.666/1993, em decorrência de ausência de planejamen-to e controle (TC-011.213/2003-2, Acórdão nº 2.629/2010-2ª Câmara);

Na fase de planejamento da licitação, a definição precisa e suficien-te do objeto licitado deve abranger a estimativa das quantidades demandadas e dos preços unitários máximos admitidos, com base nas reais necessidades do licitante e em consistente pesquisa de mer-cado, em consonância com a Súmula/TCU nº 177 (item 1.8.2, TC-024.785/2013-0, Acórdão nº 722/2014-2ª Câmara);

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Nas contratações de execução de obras, inclua no planejamento des-sas obras as etapas a seu cargo, a exemplo da obtenção das licenças ambientais e o cumprimento de suas condicionantes, processos de de-sapropriação e recuperação de sítios arqueológicos, de forma a evitar que essas etapas impactem o cronograma do contrato de execução da obra (Acórdão nº 563/2014 – Plenário, Relator Min. Augusto Sher-man, Processo nº 014.393/2011-5);

[...] recomendação à UTFPR no sentido de que efetue o planejamento prévio dos processos de aquisição de equipamentos, incluindo o neces-sário para instalá-los e operá-los, de forma que a utilização desses bens ocorra no menor espaço de tempo possível a partir do seu recebimento (item 9.4.4, TC-027.895/2011-4, Acórdão nº 812/2014-Plenário);

[...] determinação ao LANAGRO/SP para que implemente melhorias nos sistemas de controles internos, sobretudo em relação à área de contratação; para minimizar a ocorrência de contratações diretas, planejar, antes do término de cada exercício, as necessidades de bens e serviços para o ano seguinte, com base em controle de estoques e na demanda dos exercícios passados, considerando também as deman-das informadas pelas divisões e a média histórica de uso da Unidade (item 1.7.1.5, TC-019.545/2014-2, Acórdão nº 6.761/2014-1ª Câmara);

[...] o processo de trabalho que antecede a tomada de decisão do Sub-secretário de Planejamento, Orçamento e Administração, a respeito de contratações diretas, não contempla controles internos suficientes para mitigarem o risco de que tais processos exsurjam eivados de fa-lhas, conforme restou identificado no processo que levou à assinatura do Contrato 43/2010, celebrado entre o Ministério do Esporte e a Fun-dação Getúlio Vargas, no qual constatou-se a ausência de parâmetros para o dimensionamento da equipe de consultores e estabelecimento da quantidade de horas de consultoria necessárias à execução do ob-jeto, aliado à ausência de ampla pesquisa de preços no mercado para o serviço contratado, contrariando o disposto no art. 3º, “caput”, art. 26, parágrafo único, III, e art. 43, IV, todos da Lei nº 8.666/1993 (item 1.7, TC-032.067/2011-9, Acórdão nº 7.831/2014-1ª Câmara);

[...] recomendação ao DNIT para que, na implantação de obras ferro-viárias, antes de descentralizar as obras para governos estaduais e municipais, avalie a capacidade de execução desses entes e os riscos envolvidos na descentralização (item 9.2.2, TC-031.519/2013-0, Acór-dão nº 3.424/2014-Plenário);

Antes de realizar licitação cujo objeto pode ser alcançado por meio de soluções tecnológicas distintas, a Administração deve promover estudo de viabilidade, contemplando análise das possíveis soluções técnicas, comparando as respectivas variáveis de custo de implementação e de

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manutenção, de eficiência, de obsolescência, entre outras, com vistas a definir de forma clara e inequívoca a solução desejada (Acórdão nº 1.741/2015, Primeira Câmara, rel. Min. Walton Alencar Rodrigues).

3. Administração responsiva e de resultados, no estado democráti-co de direito

Outro ângulo sob o qual se deve entender o planejamento “determinante para o setor público” é o de sua utilidade para o manejo da administração responsiva e de resultados, no estado democrático de direito. Traduzindo este, como traduz, a contemporânea versão do estado servidor e regulador, é de exi-gir-se que todos os seus poderes, órgãos e agentes estejam persuadidos de que devem respostas e satisfações à sociedade civil. Ou seja, esta é a titular do poder político de decidir sobre os seus próprios destinos, incumbindo àqueles realizá-los na conformidade das opções da sociedade, na medida em que har-monizadas com a ordem jurídica constitucional e os direitos fundamentais que prescreve.

Em outras palavras, os planos de ação governamental não são concebi-dos, como outrora, para atender aos desígnios das autoridades estatais. Estas devem colher os reclamos legítimos da sociedade e atendê-los. Daí a visceral importância de elos permanentes e hábeis de comunicação entre a sociedade e o estado, de sorte a que este absorva os comandos daquela e os implemente no que consensuais. O estado democrático de direito é o garante da efetivação dos direitos consagrados na Constituição, sejam os individuais, os econômicos, os políticos ou os sociais. Ser-lhe fiel é o dever jurídico indeclinável do estado.

Essa fidelidade há de estar presente em todos os níveis do planejamento. Cada plano de ação governamental deve ser uma resposta à efetivação dos direitos fundamentais e do respeito à dignidade humana que os inspira. Se assim não for, não haverá estado democrático de direito, nem administração responsiva e de resultados que lhe deve corresponder.

Nada obstante, há uma condição cultural, em seu sentido sociológico, para que assim ocorra: a sociedade há de emancipar-se da polarizada relação entre tu-tores e tutelados, que caracteriza a cultura brasileira desde o seu berço colonial. Entendendo-se por tutor todo aquele que ocupe posição de prestígio e poder na hierarquia social - seja qual for a natureza dessa hierarquia – e por tutelado todo aquele que se sirva do tutor para obter vantagem ou proteção de qualquer sorte.

Não seria necessária maior digressão para perceber-se como essa relação compromete a emancipação da sociedade brasileira; basta lembrar os critérios segundo os quais grande número de candidatos se elege, por prometer vantagens e ganhos pessoais a seus eleitores (material de construção, empréstimos, em-pregos, cargos, apadrinhamentos, atendimentos pelos serviços públicos etc.). O socialmente patológico dessa relação está em que o tutor compraz-se em ser tutor e o tutelado anseia por encontrar o seu tutor e permanecer como tutelado. Em outras palavras: não há espaço para o mérito nessa relação, só para o interesse egoístico. Logo, tampouco há real preocupação em controlar e avaliar resultados, com o fim de dar-se início a novo ciclo virtuoso de gestão mediante a correção de erros acaso cometidos no planejamento da ação anterior, na medida em que esses erros refletem aqueles interesses personalistas e partidários.

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O planejamento deve apresentar-se como o primeiro passo do ciclo da ges-tão, em sua acepção técnico-administrativa de gerir meios para a consecução de resultados do interesse da organização, seja esta uma sociedade empresarial privada (movida pelo lucro que a mantenha) ou uma entidade pública (impul-sionada pelo interesse público que lhe cumpre atender). Lançando olhar pros-pectivo sobre o conceito, o saudoso Peter Drucker vaticinava que “O centro de uma sociedade, economia e comunidade modernas não é a tecnologia, nem a informação, tampouco a produtividade. É a instituição gerenciada como órgão da sociedade para produzir resultados. E a gerência é a ferramenta específica, a função específica, o instrumento específico para tornar as instituições capazes de produzir resultados. Isto, porém, requer um novo paradigma gerencial final: a preocupação da gerência e sua responsabilidade é tudo o que afeta o desempe-nho da instituição e seus resultados, dentro ou fora, sob o controle da instituição ou totalmente além dele” (Desafios Gerenciais para o Século XXI, trad. Nivaldo Montingelli Jr. São Paulo: Ed. Pioneira Thomson Learning Ltda., 2001, p. 41).

Transplantado o conceito para a seara jurídica comprometida com a sus-tentabilidade como direito fundamental universal – tal como o coloca o art. 225 da vigente Constituição da República -, caberia como luva a lição deixada pelo não menos saudoso García de Enterría, em livre tradução, acerca do controle da discricionariedade administrativa no estado democrático de direito:

O essencial da discricionariedade é o que, com elogiável precisão, diz a exposição de motivos da Lei da Jurisdição do Contencioso Administrati-vo espanhol, de 1956: a discricionariedade “surge quando o ordenamento jurídico atribui a algum órgão competência para apreciar, em uma dada hipótese, o que seja o interesse público”. Assim, todo poder discricionário deve haver sido previamente atribuído pelo ordenamento. Não há, por conseguinte, discricionariedade na ausência ou à margem da Lei.

Tampouco, em caso algum, a discricionariedade pode equiparar-se à Lei ou pretender substituí-la. Essa é a razão pelo qual nunca se pode intentar aplicar à discricionariedade a irresistibilidade (hoje já relativa) própria da Lei, ou o valor desta como expressão da “vontade geral”. Por ampla que seja, qualquer discricionariedade sempre será um quid alliud em face da Lei, como qualquer outro produto admi-nistrativo, e estará por isto submetida plenamente à Lei e ao Direito.

O controle judicial da discricionariedade é sempre um controle dos elementos regrados conferidos pela potestade correspondente. Esses elementos podem ser muitos, mas alguns devem estar presentes ne-cessariamente: a existência da potestade, a sua concreta extensão e a realidade dos fatos que legitimam a sua aplicação ou em razão dos quais se põe em marcha a competência, o procedimento, a finalidade, o fundo parcialmente regrado.

Acerca da finalidade, convém assinalar de modo especial que nossa Constituição é provavelmente a única que elevou ao nível constitu-

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cional o princípio do controle preceptivo e geral da finalidade pelo juiz, em seu art. 106.1 (“Os Tribunais controlam a potestade regu-lamentadora e a legalidade da atuação administrativa, bem como a submissão desta aos fins que a justificam”).

Por isto que não me parece censurável o anseio de tornar precisos e matizados esses controles, anseio que se encontra generalizado por toda parte, e não creio que se possa supor que implique um desdém das necessidades da política. Ocorre que os juristas se ocupam do direito e não da política (embora não deixe de haver, e não é mal por si só que assim ocorra, juristas que fazem política e políticos que intentam intervir no direito, com certa frequência), e a relação entre essas duas realidades formidáveis é a que estabelece a Constituição, por si mesma uma norma jurídica e política.

Especial atenção deve prestar-se ao controle através dos princípios gerais de direito, dentre os quais o da interdição da arbitrariedade dos poderes públicos, que, nada obstante conte com explícita referên-cia constitucional (art. 9.3), suscita algumas reservas em razão de sua suposta imprecisão.

A técnica dos princípios gerais de direito, ao lado de seu inerente valor em todo o âmbito jurídico como técnica de superação do posi-tivismo legalista, que pretende reduzir todo o direito a uma simples exegese das leis escritas, tem conhecido um desenvolvimento espeta-cular no direito público.

No direito constitucional resulta óbvio do espetacular desenvolvimento da justiça constitucional e da concreção definitiva desta nos proble-mas da constitucionalidade material, e não meramente formal, das leis, contrastadas com valores constitucionais de fundo, atuando como verdadeiros princípios gerais..., ao que se extrai da contribuição dos princípios gerais do direito na jurisprudência do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia... No direito administrativo, a generalida-de da doutrina e da jurisprudência os utiliza... Não seria demasiado destacar a doutrina italiana, que, embora pressionada por forte influ-xo positivista, nunca excluiu a utilização dos princípios (basta citar a casuística sobre os vícios dos atos discricionários em torno do conceito de excesso de poder – eccesso di potere), que evoluiu da década de 1950 para a de 1990 com um renovado entusiasmo principiológico, do que é exemplo o valioso livro de F. Manganaro, Princípio di buona fede e attività dele amministrazioni pubbliche, 1995.

Essa peculiar fonte do direito se generaliza e se expande na juris-prudência do Conselho de Estado francês, a partir do segundo pós-guerra, como técnica de controle da Administração e de sua atuação discricionária (Jeanneau, 1954, e Rivero, 1951, sistematizaram a en-

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tão grande novidade, que desde então não cessa de desenvolver-se e afirmar-se definitivamente).

O Conselho de Estado manteve essa posição na Constituição da V Repú-blica, de 1958, aplicando-a em questões essenciais: na validade dos regu-lamentos autônomos diretamente ordenados pela Constituição, e nos quais não seria possível reprovar contravenção à Lei, mas, sim, aos princípios gerais do direito. E, mais espetacularmente ainda, na hipótese do art.16 dessa Constituição, na assunção, pelo Presidente da República, de todos os poderes em situações de emergência, afirmando que tal situação excepcio-nal (similar à do famoso art. 48 da Constituição de Weimar, que consagra-va a “ditadura constitucional” do Presidente, na famosa caracterização de Carl Schmitt, e que foi o artigo sobre o qual Hitler fundou o seu poder) não exime o Presidente da observância dos princípios gerais do direito, posição com base na qual o Conselho de Estado não hesitou em anular uma conde-nação de morte – já transitado em julgado e pendente de execução – por um tribunal de exceção criado por norma ditada pelo General de Gaulle no uso desses poderes, por entender o Conselho de Estado, em 1962, que tal norma (ordonnance) violava aqueles princípios gerais.

A Lei espanhola da jurisdição do contencioso-administrativo acolheu resolutamente essa corrente ao substituir a expressão “infração do or-denamento jurídico” pela tradicional expressão “infração da lei”, es-clarecendo, na Exposição de Motivos, que “o jurídico não se encerra e se circunscreve às disposições escritas, mas estende-se aos princípios e à normatividade imanente da natureza das instituições”.

A Constituição de 1978 instala uma jurisprudência de valores, entre os quais qualifica de superiores todos os direitos fundamentais – a liberdade, a igualdade (art. 1.1) -, além da justiça em si. Há um man-dato outorgado a todos os poderes públicos, e, portanto, ao juiz, para tornar esses valores “reais e efetivos”, e de “remover os obstáculos que impeçam ou dificultem a sua plenitude” (art. 9.2). Por outro lado, a Constituição formula expressamente princípios, assim chamados (art. 9.3) os que reúne em enumeração própria ou os dispersos pelo texto constitucional, aos quais atribui pleno valor normativo, como o Tribunal Constitucional cuidou de estabelecer desde a sua primeira declaração de inconstitucionalidade, de 2 de fevereiro de 1982 (“valor aplicativo e não meramente programático”).

O princípio de interdição da arbitrariedade dos poderes públicos é um desses princípios constitucionais do art. 9.3 e se dirige diretamente ao núcleo central dos poderes discricionários. Assim foi formulado pela Constituição e como tal vem sendo aplicado pela jurisprudência e in-terpretado pela doutrina. Mas jurisprudência e doutrina nunca fizeram desse princípio um princípio aberto, informal ou puramente estimativo em sua aplicação, de modo que por sua só invocação o juiz pudesse deci-

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dir sobre a sua incidência no caso concreto; pelo contrário, o reduziram sempre, como ocorre com todo conceito jurídico, a técnicas precisas, que se concretizam em uma série de princípios gerais de direito, perfeitamen-te caracterizados e delineados: desvio formal de poder, falta de motivo ou fundamento suficiente, proporcionalidade, apreciação inexata dos elementos de fato de que parte a análise do caso, boa fé, manipulação dos meios elementares de vida como instrumento coercitivo etc.

Ultimamente, se pretende reduzir todas as formas de arbitrariedade ao standard da razoabilidade. Em qualquer caso, importa notar que a sentença que sindica uma arbitrariedade deverá utilizar princípios auxiliares para chegar a um topos jurídico identificável, como é co-mum, por sinal, a todos os princípios gerais de direito, que de ne-nhum modo são a expressão ou o instrumento do iudex rex, mas, bem ao contrário, constituem uma via estreita para articular cada caso no complexo do sistema jurídico (por isto são princípios gerais, e não a suposta justiça do caso concreto; por isto são do direito, isto é, princí-pios técnicos e não morais). É, portanto, completamente inexato que o uso da técnica dos princípios gerais do direito conduza diretamente ao decisionismo judicial desnudo; a proposição correta é a oposta.

Quando o juiz reprova a arbitrariedade da Administração não o faz de modo estimativo e por simples convicção subjetiva, de maneira a limitar-se a uma censura abstrata, sem contornos precisos; isto seria ativismo judicial. Ao contrário, está aplicando a lei e o direito, e nesse caso nada menos do que a Constituição, e o faz precisamente usando uma técnica objetivada para os juristas, a técnica dos princípios ge-rais do direito, que o obriga a uma vinculação imediata aos fatos do caso e a uma fundamentação que se decompõe em valores jurídicos identificáveis, de modo algum a enunciados puramente retóricos.

No mundo anglo-saxão se tem percebido que é justamente o desenvol-vimento das técnicas de controle jurídico da discricionariedade (não unicamente da discricionariedade administrativa, também e talvez especialmente a do legislador em face da justiça constitucional) aque-la que tem levado ao desenvolvimento uma concepção mais extensa e aberta do direito, compreendendo princípios tanto como normas, citando-se nesse sentido o importante exemplo de Ronald Dworkin e de Nonet e Selznick. Esse desenvolvimento implica uma completa revisão da ideologia e da metodologia jurídica. Assim tem ocorrido também em França, com o Conselho de Estado, muito menos lega-lista ou positivista do que a do Tribunal de Cassação, e de fato, em alguma medida, tem transmitido a este uma visão aberta do direito.

Em definitivo, o controle judicial da discricionariedade, em particular o controle que abre – e obriga – o princípio constitucional da interdição da arbitrariedade, não significa abrir a possibilidade de uma livre es-

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timação pelos juízes, alternativa às estimações discricionárias que à Administração incumbe com apoio legítimo na lei, nem pressupõe que se ignore a função política que, nos limites do conjunto constitucional de poderes, corresponde a esta. O controle judicial da discricionarie-dade deve efetivar a norma, não menos constitucional, da vinculação da Administração à lei e ao direito - conceito que por si só remete aos princípios gerais -, assim como o controle fundado na interdição da arbitrariedade dos poderes públicos. Somente como princípios gerais de direito, em sentido rigorosamente técnico, é que podem atuar e ser impostos pelos tribunais de justiça. Não suplanta, portanto, esse con-trole a função própria dos órgãos políticos e administrativos; cabe ao controle judicial fazer com esses órgãos atuem e se movam dentro do espaço preciso em que a Constituição os situa, que é o espaço delimi-tado pela lei e pelo direito como essência mesmo do estado de direito.

Os juízes não incorrem, através do manejo desse controle, em qualquer excesso no exercício de sua função. Ao dele fazer uso atuam no mais rigoroso officium iudicis, de acordo com o papel que a esse ofício assina a Constituição e de acordo também com o sentido atual, mais depurado, da aplicação do direito e da função judicial.

Carece de sentido ver-se nesse controle, praticado por todas as juris-dições europeias, um atentado à independência e às responsabilida-des próprias dos órgãos políticos e administrativos. Do mesmo modo, não se mostra acolhível como argumento o da origem democrática dos agentes públicos. A democracia impõe por si só a exigência de uma objetividade absoluta nas decisões administrativas, que só pelo direito, e não no interesse de qualquer partido, nem de agente algum, pode justificar-se em face do público e sustentar a confiança deste, confiança que é justamente a democracia em ação, como de sua es-sência mesmo (Democracia, Jueces y Control de la Administracion. Civitas Ediciones, Madri, 5ª edição, 2000, pp 143-153).

Em outras palavras: a própria discricionariedade administrativa, agora também sujeita a controles – sobretudo pela via da veracidade e da idoneidade dos motivos declaradamente justificadores das decisões administrativas, a en-sejar a verificação da razoabilidade e da proporcionalidade de sua conveniência e oportunidade (mérito, ou apreciação subjetiva dos motivos) -, dependerá, para afirmar-se válida (conforme à ordem jurídica) e legítima (harmônica com o in-teresse público), de planos consistentes e sustentáveis, a amparar as decisões que implementam ou traçam as políticas públicas.

4. A sustentabilidade como princípio regente das contratações públicas

Embora inserida na Constituição desde o seu texto original - passados menos de trinta anos, alterado por emendas que se aproximam da centena -, o ideário da sustentabilidade posto no seu art. 225 somente aos poucos vai

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assumindo posição de observância obrigatória nos processos formais por meio dos quais a atividade administrativa do estado colhe os elementos necessários à tomada de decisões. A atividade contratual da administração pública assim e bem o ilustra: por força da Lei nº 12.349, de 15.12.10, é que ingressou, no art. 3º da Lei Geral das Contratações do Estado (Lei nº 8.666/93), o desenvolvi-mento nacional sustentável na condição de cláusula geral vinculante de todas as licitações administrativas para a contratação de compras, obras, serviços e alienações, a significar que todos os processos de contratação, com ou sem lici-tação, devem levar em conta requisitos de sustentabilidade que distingam os produtos, obras e serviços que a administração pretenda contratar.

O fato, conquanto tardio, é auspicioso, porque, no direito administrativo coevo, o processo formal de que resulta a decisão administrativa é tão impor-tante quanto a própria decisão, como bem evidenciado em sede doutrinária:

“O que deve ser pensado é a legalidade como princípio da constitucio-nalidade, princípio de juridicidade, de agir conforme à Constituição, para produzir resultados desejados pelo ordenamento jurídico. Mui-tas vezes, o administrador vai agir, até mesmo, diante da omissão do legislador, quando a atividade administrativa é reclamada pela so-ciedade ao Estado e o legislador nem sempre tem o tempo, a oportuni-dade, o conhecimento ou o manejo político necessários para lidar com a situação. Nesse passo, em sendo indispensável a ação para a con-cretização de valores e princípios socialmente reconhecidos, aí se fará presente a legitimidade (sempre sindicável) da ação administrativa.

É nesse contexto que vão sendo modificados alguns alicerces do Di-reito Administrativo. Em torno do princípio da legalidade tem-se, na era da democratização, a importante missão de revisitar o Direito Público. As bases até então conhecidas e estudadas são repensadas em razão dessa abertura democrática. Dá-se o reconhecimento de que o Direito Administrativo deve ser focado não na autoridade e nas suas prerrogativas, mas no cidadão, que deve ter voz ativa para fazer com que as decisões de Estado e da Administração Pública sejam efetivamente voltadas para o atendimento desses interesses.

Surgem, assim, cada vez mais, canais de manifestação da sociedade. É aí que entra a participação e a ideia de se estabelecer uma meto-dologia para que ela se efetive e se aprimore. Com isso, cabe falar na processualização das decisões administrativas, como método para que se alcance uma manifestação de vontade da Administração Pú-blica que coincida com o interesse da sociedade, que é legitimadora dessa manifestação de vontade e dela destinatária. O processo - e não a decisão materializada no ato administrativo - assume a primazia do Direito Administrativo.

A processualização das decisões passa a ser uma rotina no Direito Administrativo, com o reconhecimento do direito à participação e do

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dever de a Administração Pública viabilizar essa participação para, exatamente, atender o princípio democrático e o princípio da legitimi-dade das ações da Administração Pública” (Marcos Juruena Villela Souto, Direito Administrativo em debate – 2ª série. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2007, pp 28-29).

Das proposições da A3P (referida no iltem 1.2, supra), a que, fundadas no art. 225 da Constituição Federal, se somam normas legislativas, bem como diretrizes e orientações expedidas por entidades especializadas, notadamente, no âmbito judiciário, o Conselho Nacional de Justiça, é possível extraírem-se os eixos temáticos que balizam a concepção de políticas, objetivos e metas de sustentabilidade, tal como adotados pelo Judiciário fluminense, por inspiração de seu órgão formulador (Comissão de Políticas Institucionais para a Promoção da Sustentabilidade) e sob a gestão de duas unidades operacionais, vinculadas à Presidência do Tribunal (Departamento de Promoção à Sustentabilidade e Divisão de Gestão Ambiental).

Esse conjunto de princípios, normas, regras e recomendações induz a clas-sificação das ações de sustentabilidade em seis eixos temáticos, que aglutinam órgãos, unidades e agentes, com atribuições e competências afins, para a reali-zação de tarefas integradas em todos os níveis e escalões dos órgãos jurisdicio-nais e unidades administrativas, a saber: (i) uso racional dos recursos naturais e bens públicos: (ii) gerenciamento de resíduos; (iii) educação e sensibilização ambientais; (iv) qualidade de vida no ambiente laboral; (v) licitações sustentá-veis; (vi) construções sustentáveis.

As sessões mensais daquela Comissão desenvolvem-se segundo esses ei-xos temáticos, cujos agentes responsáveis mantêm o colegiado atualizado sobre as ações e os resultados obtidos, dele colhendo, em resposta, análises decorren-tes de debates interdisciplinares, lançadas em atas que constituem documen-tos tanto orientadores do prosseguimento dos trabalhos quanto indutores da formação progressiva de uma cultura gerencial comprometida com o planeja-mento da sustentabilidade.

No eixo do uso racional dos recursos naturais e bens públicos si-tuam-se os projetos de reforma ou de edificação de prédios do Judiciário flumi-nense, que destacam preocupações objetivas com eficiência energética, utilização de materiais de mínimo impacto ambiental e processos construtivos redutores desses impactos. Isto porque as edificações respondem por 42% de toda a ener-gia elétrica consumida no País, distribuídas entre os setores residencial (23%), comercial (11%) e público (8%). No caso dos prédios públicos ou comerciais, siste-mas de condicionamento de ar arcam com 48% do consumo e os de iluminação, com 24%, segundo levantamentos do Ministério do Meio Ambiente.

Daí o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – Inmetro e a Eletrobrás haverem lançado, em 2010, a Etiqueta de Eficiência Energética de Edificações, que avalia e classifica as edificações de acordo com o seu consu-mo de energia. Segundo o consumo induzido por fachada e entorno dos prédios, pelos sistemas de iluminação e de ar condicionado, o nível de eficiência energé-tica da edificação é classificado de (A) a (E), sendo que somente os prédios que recebem a classificação (A) ganham o selo Procel Edifica.

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O Poder Judiciário fluminense conveniou com a Eletrobrás, aos 07 de de-zembro de 2012, projeto destinado a promover, com base no Plano Nacional de Eficiência Energética-PNEf, o processo de etiquetagem PROCEL EDIFICA–In-metro, tendo como edificação piloto o prédio do fórum novo de Niterói, a irradiar, oportunamente, o mesmo processo aos demais prédios em obras ou a construir.

Desde então, os projetos básicos de edificação de novos fóruns e de reforma dos prédios existentes passaram a incluir, como itens obrigatórios de crité-rios técnicos, os de eficiência energética (cobertura verde, vidros especiais, ar condicionado central com distribuição setorizada, elevadores inteligentes, ins-talações e equipamentos adequados à racionalização do uso das águas, aque-cimento solar, equipamentos de alto desempenho, valorização da iluminação natural, uso de tintas à base de água e de materiais de acabamento com baixa volatilidade, uso de madeira certificada e de pisos permeáveis etc.), canteiros de obras com baixo impacto ambiental, controle adequado de resíduos e bicicle-tário, entre outras soluções de sustentabilidade.

Ditos critérios nortearam os projetos de reformas e edificação dos prédios dos fóruns de Alcântara, Itaboraí, Mesquita, Nilópolis, Rio Bonito, Teresópo-lis, Rio das Ostras e Lâmina III do Fórum Central, nos quais foram instalados teto verde e área para segregação de resíduos, no biênio 2013-2014.

Ainda como medida pertinente ao eixo de racionalização dos recursos na-turais e ao uso de bens públicos, a Presidência do Tribunal editou, acolhendo proposta da Comissão, o Ato nº 12/2014, que estabeleceu a padronização de im-pressão mediante o uso preferencial da Fonte Ecológica Spranq (ECOFONT), que enseja até 25% de economia de tinta na impressão de documentos que, dada a sua natureza, não possam ser exclusivamente virtuais.

O eixo do gerenciamento de resíduos é balizado pela Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010, a chamada Lei da Política de Resíduos Sólidos, regu-lamentada, na administração da União, pelo Decreto federal nº 7.404/2010. Instituiu a separação obrigatória dos resíduos recicláveis daqueles não reci-cláveis. Considerada a índole essencialmente técnica da matéria, o Judiciário fluminense conveniou com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ, aos 21 de novembro de 2013, parceria de cooperação técnica e científica para a elaboração do Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos do TJERJ. Elabo-rada pelo Instituto de Química daquela Universidade, após visitas às instala-ções e fontes geradoras das toneladas de resíduos decorrentes das atividades judiciárias, a versão preliminar do plano foi acolhida aos 05 de junho de 2014 e aprovada a sua versão final, após avaliação dos setores de campo, em novembro de 2014, consagrando as soluções gerenciais que serão implementadas para todo o ciclo da gestão dos resíduos sólidos, incluindo coleta, separação, trans-porte e destinação.

O eixo da educação e sensibilização ambientais parte da premissa de que a maioria das pessoas ainda não tem consciência dos impactos socioam-bientais que elas próprias produzem. Assim também ocorre com os servidores públicos, daí a importância de formar-se uma nova cultura institucional, nas atividades meio e fim do setor público, mediante ações educativas.

Palestras, cursos, exibição de filmes comentados e outras iniciativas do gênero podem vir a sensibilizar os servidores, com o objetivo de despertar a res-

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ponsabilidade socioambiental individual e coletiva, bem como de capacitá-los para práticas administrativas sustentáveis.

Nos três últimos anos, ações desse teor foram deflagradas: o sistema in-terno de som do complexo do fórum central da Capital veiculou mensagens ambientais que orientam, por meio de ilustrações práticas, como economizar água e energia elétrica; alcançaram as vinte mil pessoas que, diariamente, aguardam, nos corredores daquele fórum, as audiências ou circulam pelo pré-dio, bem assim os serventuários e auxiliares que ali trabalham; também o sítio eletrônico do Tribunal dissemina mensagens ambientais periódicas; rea-lizaram-se cursos de formação de agentes e monitores ambientais, bem como de capacitação para o preparo e condução de procedimentos licitatórios com observância de requisitos de sustentabilidade; sessões de cinema exibiram fil-mes acerca de saneamento, resíduos, consumo, gestão e mudanças climáticas; os novos servidores do Judiciário, aprovados em concursos públicos, são re-cepcionados pelo programa de integração funcional, em cujo temário se insere matéria ambiental nas matrizes de competência; o sítio eletrônico do Tribunal permite acesso ao clipping produzido pelo Ministério do Meio Ambiente, onde se sintetiza o noticiário ambiental divulgado na mídia nacional, e se dá acesso à legislação ambiental através do Banco do conhecimento ambiental.

A Escola da Magistratura mantém, há quinze anos, um fórum perma-nente de direito ambiental, promotor de eventos e palestras de especialistas e autoridades. Ela e a Escola de Administração Judiciária oferecem, a primeira, um módulo de direito ambiental no programa do curso de pós-graduação em direito administrativo, e, a segunda, um curso de pós-graduação em direito ambiental, cada curso com 360 horas-aula de duração e credenciamento pelo Conselho Estadual de Educação-CED.

Servidores treinados vêm impulsionando a execução dos convênios de co-operação ambiental: (a) com a ELETROBRAS, referente ao processo de eti-quetagem (ENCE) PROCEL EDIFICA–Inmetro; (b) com a UERJ, almejando a elaboração do Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos; (c) com a SE-PLAG - Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado, facultando o acesso ao Sistema de Gestão de Gastos, do Governo do Estado do Rio de Janeiro (d) com a AMPLA, para o estabelecimento de condições técnicas e financeiras de implementação de eficiência energética em unidades consumidoras situadas nas regiões servidas pela concessionária; (e) com a Secretaria de Estado do Ambiente, objetivando promover a integração institucional na execução de ati-vidades de cooperação e assessoria técnica em gestão ambiental. E se prepara, em 2015, a formação de uma rede de sustentabilidade com a participação de representantes de órgãos e unidades da administração federal, estadual e mu-nicipal sediados no Rio de Janeiro, no propósito de compartilhar conhecimen-tos, experiências e apoios.

Ao eixo da qualidade de vida no ambiente laboral importa a melho-ria da qualidade do ambiente de trabalho, onde o servidor exerce suas ativida-des e passa a maior parte de sua vida profissional ativa, por isto que o conceito abarca aspectos físicos, ambientais e psicológicos.

Em agosto e setembro de 2012, realizou-se o primeiro curso de noções de ergonomia, com a participação de serventuários de diversos setores e do qual

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resultou a criação, em outubro daquele ano, do Grupo de Trabalho em Ergono-mia, que realiza reuniões mensais, com elaboração de folder e cartilha virtual com noções de ergonomia para os serventuários.

Seguiram-se visitas a serventias judiciárias, para análise e diagnóstico dos riscos ergonômicos, tendo em vista a implantação do processo judicial ele-trônico, entre 2012 e 2013; produziu-se um vídeo para exibição nas serventias, mostrando a correção de posturas corporais em relação ao mobiliário e aos equipamentos de informática. Em 2015, dar-se-á prioridade aos cuidados ergo-nômicos pertinentes à virtualização de todos os processos judiciais, com a con-sequência de submeterem-se os serventuários a jornadas diárias prolongadas no manejo de computadores, com conhecidos efeitos sobre a acuidade visual e patologias físicas decorrentes de esforço repetitivo, responsáveis pela maioria das causas de licenças de afastamentos para tratamento de saúde.

O eixo das contratações e licitações administrativas estruturou-se a partir da Lei nº 12.349, de 15 de dezembro de 2010, introdutora, na Lei nº 8.666/93, a chamada Lei Geral das Licitações e Contratações Administrativas, de modificações que abrem um novo ciclo para a gestão dos contratos públicos, qual seja o da incorporação, como cláusula geral obrigatória, do desenvolvi-mento nacional sustentável.

Intensas, em extensão e profundidade, são as repercussões dessa cláusula sobre as várias fases do processo administrativo das contratações de compras, obras e serviços. Alcançam a especificação de materiais e produtos, a elabora-ção de projetos básicos de obras e serviços, a estimativa dos preços de mercado, a definição dos critérios de julgamento de propostas, o exercício do juízo de aceitabilidade de preços, a análise de impugnações a atos convocatórios de li-citações, o julgamento de recursos administrativos, a adjudicação do objeto e a homologação do procedimento competitivo.

A rigor, nada escapa à necessidade de revisão e de ajustamento em todos os segmentos que configuram o devido processo legal da contratação, a que se de-vem adaptar órgãos, entidades e agentes, na administração direta e na indireta de qualquer dos poderes de todos os entes federativos, bem como fornecedores, prestadores de serviços e executores de obras que pretenderem participar dos certames licitatórios ou contratar com a administração estatal, no desempenho do compromisso jurídico-administrativo com o desenvolvimento sustentável.

A Lei nº 12.349/10 converteu em dever jurídico o que antes não passava de apelo politicamente correto, dever esse que cobrará a responsabilidade dos administradores públicos, por isto que impende conhecê-lo e bem praticá-lo. As mais recentes inovações legislativas, desdobrando as incumbências que o art. 225, § 1º, da Carta Fundamental assina aos poderes públicos, deixam cla-ro que a estes cabe papel essencial no cumprimento desses compromissos, na medida em que é o estado um dos maiores, senão o maior, dos contratantes permanentes de produtos, serviços e obras, tanto que se estima em 16% do PIB a participação de todos os contratos celebrados por órgãos e entidades estatais e paraestatais na economia do país.

O Ato nº 6, de 2014, da Presidência do Tribunal, aprovou minutas padro-nizadas de editais e de contratos, incluindo requisitos de sustentabilidade, e instituindo o chamado Guia Verde, onde são indicadas, de acordo com normas

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técnicas de entidades normalizadoras credenciadas (vg, ABNT e INMETRO), as especificações que devem preencher os bens e serviços mais comumente li-citados, sob pena de desclassificação da proposta que descumpra aqueles re-quisitos e essas especificações. E Ato de setembro de 2014 aprovou, após ano e meio de discussões entre os gestores judiciários estaduais, até que se aportou a consenso, incluindo os requisitos da sustentabilidade, o manual dirigente do ciclo de contratação e suas respectivas rotinas operacionais, a serem observa-dos por todos os agentes administrativos.

A questão ambiental insere-se, cada vez mais, nas atividades relati-vas ao sistema produtivo e à administração das organizações, indissociáveis as variáveis ambientais de suas decisões estratégicas. Pontos de tensão são ine-vitáveis na aplicação e interpretação de princípios e normas, dos quais decor-ram requisitos de sustentabilidade a serem observados na atuação de órgãos e entidades integrantes da administração pública, bem assim das sociedades empresárias.

Esses pontos de tensão geram conflitos que vêm sendo judicializados em progressão geométrica, sobretudo mediante ações civis públicas propostas pelo Ministério Público. Basta referir que demandas versando sobre danos e direi-tos ambientais, distribuídas aos Juízos e instâncias do Judiciário fluminense, apresentam a seguinte evolução: na década de 1970, foram aforadas três ações; na de 1980, seis ações; na de 1990, 74 ações; na primeira década do novo século, 2.759 ações. Daí a relevância de se conhecer o desenvolvimento dos princípios e normas de sustentabilidade e suas implicações, inclusive no plano das res-ponsabilidades civil, administrativa e penal, seja para evitá-las, reduzi-las ou administrar os seus efeitos e consequências.

A sustentabilidade é necessariamente sistêmica, inter e multidiscipli-nar, examinando aspectos que pareceriam alheios uns dos outros, mas que se defrontam, reciprocamente influentes, nas confluências, superposições, in-terseções e tangências da sustentabilidade, a exigir gestão eficiente e eficaz em todas as etapas de seu ciclo virtuoso – planejamento, execução, controle e avaliação, desde a gestão da infraestrutura até a de serviços prestadores dos direitos sociais fundamentais (CR/88, art. 6º) e suas políticas públicas de efe-tivação em prol de todos os cidadãos, sem exclusão.

O tema já apresenta bibliografia denotativa do interesse e da responsabi-lidade com que dele se ocupam autores e editores.

Luciana Maria Junqueira Terra, Luciana Pires Csipai e Mara Tieko Uchida destacam que, nas licitações sustentáveis,

quando da definição das características técnicas do objeto, a Ad-ministração deve adotar nível de detalhamento compatível com o atendimento a suas necessidades, inserindo os critérios ambientais pertinentes, aos quais as propostas de todos os licitantes deverão ne-cessariamente atender, sob pena de desclassificação. Todavia, deve ter a cautela de limitar as exigências aos estritos termos necessários para o cumprimento da finalidade ambiental pretendida, sem impo-sições que potencialmente restrinjam a competividade do certame ou favoreçam dado fornecedor.

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A medida essencial a ser tomada em tal momento é, sem dúvida, a formalização de justificativa técnica no processo, a cargo de profis-sional da área, elencando as razões que levaram à opção por aquela exata configuração do objeto da licitação. Em outas palavras, a de-finição deverá basear-se em fundamentos objetivos, que assegurem a proteção ao meio ambiente ao mesmo tempo em que satisfaçam ade-quadamente a necessidade concreta da Administração.

As especificações vedadas pelo ordenamento jurídico são aquelas que representem preferências ou distinções impertinentes ou irrelevantes (art. 3º, I, Lei nº 8.666/93). Ao contrário, quando há justificativa téc-nica robusta que demonstra a pertinência e relevância de determina-da exigência ambiental, é plenamente possível optar pelo objeto am-bientalmente favorável, ainda que potencialmente reduza de forma sensível a competitividade entre os fornecedores do setor afetado.

Aliás, mediante tal justificativa técnica, também é possível superar o entrave do menor preço, sempre presente quando se fala em licitação sustentável, vez que muitos dos objetos ambientalmente amigáveis costumam ser mais caros que os produtos dos demais concorrentes, que não apresentam as mesmas qualidades.

Normalmente, apesar do eventual preço superior no momento do jul-gamento da licitação, o objeto ambiental atenderá ao requisito da eco-nomicidade a longo prazo, no âmbito da própria execução contratual, no decorrer de seu uso, manutenção e descarte.

Por exemplo, quando a Administração adquire o chamado “computador verde”, cujos componentes contêm menor nível de substâncias tóxicas, ainda que pague preço maior, estará economizando recursos na fase de desfazimento do bem, pois não precisará adotar medidas especiais para evitar riscos de contaminação (Formas práticas de implementa-ção das licitações sustentáveis: três passos para a inserção de critérios socioambientais nas contratações públicas, in Licitações e Contratações Públicas Sustentáveis, coord. Murillo Giordan Santos e Teresa Villac Pinheiro Barki. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2011, pp 229-230).

Sérgio Augustin e Letícia Gonçalves Dias Lima ponderam que

a Justiça brasileira, de um modo geral, é acometida por dificuldades em atender de forma rápida e eficaz às contendas a ela submetidas. Por óbvio, na seara ambiental o problema se agrava e a rápida solução dos conflitos é imperativa, sob pena de se configurar uma situação de irreversibilidade. Em sendo o Brasil um dos países mais avançados em legislação ambiental, em que pese seus problemas de estrutura ju-dicial, é no mínimo inquietante a situação atual dos ordenamentos jurídicos que ainda não alcançaram tão organizado aparato legal. Isto

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é, se o ordenamento pátrio encontra dificuldades, apensar de todo o ar-cabouço legislativo a seu dispor, o que dizer daquelas nações que ainda sequer distinguiram mecanismos básicos de ordem jurisdicional em favor da defesa do ambiente? A questão merece discussão em nível glo-bal, a partir do olhar holístico do direito, em razão da natureza social das demandas ambientais... O grande desafio da sociedade globaliza-da é educar-se para a formação de uma nova cultura social, alcançada por meio de novos horizontes científicos, de práticas radicais, aptas a incutir nos indivíduos valores de ecocidadania” (Meios alternativos para o desenvolvimento de uma nova cultura social ambiental, in A Sustentabilidade Ambiental em suas Múltiplas Faces, org. Nilton Ce-sar Flores. São Paulo: Ed. Millennium, 2012, p. 66).

Pérsio Arida responde à pergunta recorrente dos incrédulos - “quanto de produto a sociedade global está disposta a sacrificar hoje para não ter que en-frentar uma catástrofe climática no futuro?”:

Se a taxa intertemporal de desconto for alta, a resposta tende a ser muito pouco. Se for baixa, a propensão ao sacrifício fica maior. Mas não sabemos, com certeza, muito sobre a catástrofe em si, se vai ocorrer no curto prazo de cinquenta anos ou em um século, se o estoque acu-mulado de gás carbônico aumenta a temperatura de forma linear ou se o processo tem um turning point a partir do qual se torna irrever-sível, ou mesmo se há algum mecanismo de autoequilíbrio do planeta que detenha os processos em curso. Não temos resposta exata para ne-nhuma dessas questões. Vale a pena sacrificar o produto hoje mesmo assim? Minha resposta é sim. Vamos supor que a catástrofe climática seja um evento com baixa probabilidade. O fato de ter baixa probabi-lidade não quer dizer que possa ser ignorada, por assim dizer, porque teria consequências dramáticas para o mundo, caso viesse a acontecer. Se há uma probabilidade, ainda que baixa, de uma catástrofe global, devemos reduzir a taxa de crescimento para tentar equacionar o pro-blema... Muitas vezes escuto a pergunta: mas se há tanta incerteza, no plano científico, sobre a inevitabilidade da catástrofe climática, por que deveríamos sacrificar o padrão de vida hoje? A resposta mais ade-quada é contraintuitiva: justamente porque não conseguimos atribuir uma probabilidade exata da catástrofe, justamente porque não pode-mos prever pontos de irreversibilidade, devemos ser mais prudentes, e não menos! (in O que os economistas pensam sobre sustentabilidade, coord. Ricardo Arnt. São Paulo: Editora 34, 2ª ed., 2011, p. 237).

5. ConclusãoQuatro advertências parecem inarredáveis: 1ª, a pergunta inteligente não

é a que indaga qual o custo da sustentabilidade, mas, sim, qual o custo de ser a sustentabilidade ignorada pelo planejamento das ações governamentais, nesta geração e nas vindouras; 2ª, a de que, ao contrário do que imaginavam os economistas clássicos, não é a oferta que produz a demanda, porém esta

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é que condiciona aquela; 3ª, a de que intervenções arbitrárias e açodadas do poder público - especialmente na concessão dos serviços públicos essenciais - produzirão insegurança jurídica e a certeza técnica de que qualquer avalia-ção de riscos deverá considerar o custo da interferência do governo no quadro regulatório; 4ª, a de que a sustentabilidade há de gerar um novo paradigma para identificar-se, nas contratações de compras, obras e serviços pela admi-nistração pública, a proposta mais vantajosa, que deverá ser a de menor preço dentre as que cumprirem os requisitos da sustentabilidade, destinando-se à desclassificação as de preço inferior, mas que os desatendam, consoante previa e consistentemente constar do planejamento do órgão licitador.

Quanto maiores a dimensão e a complexidade da organização, maior o de-safio de estruturarem-se, com racionalidade, eficiência, eficácia e transparência, ações comprometidas com a sustentabilidade – daí o imperativo do planejamen-to, ponto crucial do tema: as contratações administrativas hão de ser precedidas de planejamento que enuncie justificativas, defina prioridades, estabeleça cri-térios objetivos, fixe metas, estime custos e riscos, sob pena de as contratações não se mostrarem aptas e produzir resultados conformes à sustentabilidade, ou a supor que o fazem sem, todavia, evidenciada pertinência, cuja transparência e objetividade ganham especial relevo no estado democrático de direito.

O estado democrático de direito pretende virar pelo avesso o mais te-nebroso caráter do poder, como explica Bobbio e basta, à guisa de conclusão sobre a realidade dos fatos postos à vista da sociedade brasileira:

A tendência do poder para imitar a potência de Deus sempre existiu. Pense no que é a democracia em relação à autocracia. A democracia é a tentativa de tornar o poder visível a todos; é, ou deveria ser, poder em público, ou seja, aquela forma de governo em que a esfera do poder invi-sível está reduzida ao mínimo. Como poderiam ser eleitas pessoas que não se deixam ver? A autocracia não pode dispensar o gabinete secreto, que é exatamente o lugar no qual o poder é o menos visível possível. As decisões devem ser tomadas em segredo porque o povo não deve conhe-cer, não deve saber... As decisões de poder devem ser secretas, ainda que o poder, para ser poder, deva de algum modo manifestar-se. Pense nas grandes festas, nos arcos do triunfo, na pompa ostentada, na carruagem real que passa em meio às duas alas da multidão. O poder se esconde e ao mesmo tempo se manifesta para tentar atrair a atenção, para seduzir o povo com a pompa e o fausto. É invisível, mas tem necessidade de se fazer ver. Com o segredo, o poder busca inculcar temor; com a pompa e o fausto, o poder tenta seduzir. Temor e respeito estão estreitamente liga-dos à questão do segredo do poder. O poder quer ser temido e respeitado. O temor e o respeito estão atados... Tanto o temor quanto a veneração são dois comportamentos de submissão: o primeiro com o terror, o se-gundo com a admiração... na triste ocorrência da corrupção, maior a arbitrariedade dos funcionários e dos políticos, maior o seu poder de to-mar decisões arbitrárias, tanto mais fácil corrompê-los. Com frequência as propinas são cobradas por indivíduos que ocupam cargos públicos a partir dos quais exercem um certo poder discricionário. A discriciona-

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riedade deve ser entendida em sentido amplo. Até os contínuos podem ter o poder de apagar a seu bel-prazer o processo de transferência de documentos de uma repartição para outra. Em contrapartida, quanto mais o desempenho dos políticos e dos funcionários está sujeito a regras e verificações, menor é a possibilidade de corromper. A transparência é de um elemento fundamental para o funcionamento da democracia: ela permite o controle por parte dos cidadãos sobre as atividades dos gover-nantes, que funda e legitima a democracia representativa. A delegação de poder por parte dos cidadãos aos seus representantes pressupõe de fato a possibilidade de conhecer, avaliar e eventualmente sancionar o seu desempenho. Isto vale tanto para os representantes eleitos, que têm a tarefa de tomar as decisões políticas, quanto para os administradores de carreira, que devem implementar aquelas decisões (Diálogo em torno da República. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 2002, pp. 106-111).

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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SANTOS, Murillo Giordan e BARKI, Teresa Villac Pinheiro (coord.). Licitações e Contratações Públicas Sustentáveis. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2011.

SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo em debate – 2ª série. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2007.

VOLTOLINI, Ricardo. Conversas com Líderes Sustentáveis. São Paulo: ed. SENAC, 2011.

Sobre o autor

Jessé Torres Pereira Junior Desembargador. Professor-coordenador dos cursos de pós-graduação de direito ad-ministrativo da Escola da Magistratura e da Escola de Administração Judiciária. Presi-dente da Comissão de Políticas Institucionais para a Promoção da Sustentabilidade, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Professor-visitante da Escola de Direito Rio, da Fundação Getúlio Vargas

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13práticAs de responsAbiLidAde sociAL

no serviço púbLico: o cAso do tribunAL de JustiçA do estAdo do rio de JAneiro

Rosilea Di Masi Palheiro

1. Introdução

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, indo além, naquilo que é relevante à função judicial, ao discurso ético-jurídico assentado em direitos, adicionou o reconhecimento de que a vida em comunidade a todos impõe, como

indivíduos e grupos, deveres de colaboração e solidariedade: a transição de uma éti-ca de direitos para outra também de deveres. Uma ética que supera a dimensão da missão institucional para agregar no seu cotidiano valores sociais e ambientais.

Nesta ótica, a Alta Administração criou em 2005 o Departamento de Ava-liação e Acompanhamento de Projetos Especiais pela Resolução TJ/OE nº 6/2005. Posteriormente, passou a ser denominado de Departamento de Ações Pró-Sus-tentabilidade (DEAPE), por agregar em suas atividades a área ambiental.

As atribuições do DEAPE estão pautadas na Constituição Federal de 1988, em seu artigo terceiro, que determina os objetivos fundamentais da Re-pública Federativa do Brasil:I) Construir uma sociedade livre, justa e solidária;II) Garantir o desenvolvimento nacionalIII) Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais

e regionaisIV) Promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade

e quaisquer outras formas de discriminação. Dentre as várias atividades desenvolvidas pelo DEAPE, foi eleito o Pro-

grama Justiça pelos Jovens para este artigo, pois os problemas relacionados aos Jovens Infratores fustigam e interessam à sociedade e permeiam o mundo acadêmico, incisivamente.

2. JustificativaO programa JUSTIÇA PELOS JOVENS foi implantado pelo Tribunal de

Justiça do Estado do Rio de Janeiro em 2003, visando contribuir para a efeti-vação e eficácia do cumprimento das medidas socioeducativas, intervindo no

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processo de reincidência de jovens que cometeram ato infracional, propiciando, assim, a interrupção de uma trajetória de criminalidade.

O programa contempla cem (100) jovens com idades compreendidas entre 16 e 24 anos. Os jovens são encaminhados pelas Varas de Infância e Juventu-de, Unidades do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (DEGASE), Centros de Recursos Integrados de Atendimento ao Adolescente (CRIAADs) e pelos Centros de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS).

Após o processo seletivo, os jovens são contratados, por um período má-ximo de dois (2) anos, recebendo o salário mínimo regional, assegurando-lhes todos os direitos trabalhistas, incluindo vale transporte e auxílio alimentação.

Verifica-se que a experiência profissional no mercado formal de trabalho possibilita mudanças significativas de vida, reestruturando os valores pesso-ais e atitudes na família e na sociedade. Com a implementação do programa observou-se que os jovens participantes, incentivados pelo trabalho e o acom-panhamento psicossocial, resgatam a autoestima, passando a valorizar a es-colarização e o trabalho como meios efetivos de ascensão social, desenvolvendo suas potencialidades e construindo novos paradigmas de vida.

Os jovens trabalham nas diversas unidades organizacionais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Interagem diariamente com os servido-res que demonstram interesse em capacitá-los para o trabalho, incentivando-os na elevação escolar, tornando-se, muitas vezes, referências positivas na cons-trução de seus valores sociais, morais e éticos.

Percebe-se uma mudança de posição dos jovens, que de adversários da justiça tornam-se admiradores. Identificados, projetam no futuro tornarem-se Advogados, Serventuários, Defensores Públicos, Promotores de Justiça e Juízes de Direito.

Configura-se, assim, uma contribuição recíproca de grande relevância por sua própria finalidade: • por um lado ganha o jovem ao iniciar uma experiência formal de trabalho,

desenvolvendo as suas potencialidades e construindo um novo conceito de sociedade;

• por outro lado, a inclusão desses jovens provoca consequências sociais positi-vas, por seu caráter educativo e preventivo. As mudanças de comportamento e valores produzem impacto nas relações sociais, familiares e, inclusive, na área de Segurança Pública.

Percebe-se que estes jovens muitas vezes transgridem as normas da socie-dade pela ausência de autoridade familiar, por influência negativa de amigos, e por necessidade de pertencimento ao grupo social.

Segundo Arminda ABERASTURY, a adolescência é uma fase de tran-sição, em que há um constante questionamento dos jovens. Neste período da vida, diversos fatores intrínsecos (biológicos, emocionais e genéticos) e tam-bém os extrínsecos (a família, escola, os amigos e a comunidade onde vivem) tornam-se determinantes na sua formação, e caso haja falhas neste processo de amadurecimento, as consequências tornam-se complexas e podem produzir danos para o próprio jovem e para a sociedade. A autora ressalta que no proces-so de construção de sua identidade, o jovem busca referências naqueles de seu convívio, os seus pares. Por isso, o adolescente tem necessidade de um intenso

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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convívio em grupos, que se aproximam por motivos diferentes, em diversos espaços sociais, devido a diferentes temas e propósitos.

Arminda ABERASTURY acrescenta ainda que uma das características do mundo dos adolescentes é o imediatismo, pois acaba sendo estimulado pelo consumis-mo exacerbado, que incentiva um acúmulo de bens materiais e culturais no menor prazo possível. Esta ideia acaba criando nos adolescentes uma sensação de ansiedade e frustração, o que gera um processo de exclusão social da maioria dos jovens.

3. Objetivos do programaIntervir no processo de descumprimento de medida socioeducativa, a rein-

cidência infracional, e consequentemente o possível ingresso no sistema penal.Oportunizar a convivência social em ambiente adequado ao desenvolvi-

mento interpessoal dos jovens. Contribuir para mudanças de comportamento e valores nas relações fami-

liares e na sociedade. Preparar os jovens para o mercado formal de trabalho valorizando atitu-

des, compromisso e responsabilidade profissional.Estimular a elevação da escolaridade e a capacitação profissional.

4. Programas paralelosConsiderando que o programa Justiça pelos Jovens não visa tão somente à

empregabilidade, mas sim a mudança de paradigma de vida, são desenvolvidas atividades paralelas, tais como: Programa Estudar para Qualificar – Parceria com a UERJ para o reforço

escolar, preparação para o ingresso na Universidade e aprovação em concur-so público.

Programa Circuito Cultural – Passeios culturais e artísticos, realizados com guias para ampliar a cultura e os conhecimentos da construção da His-tória do Brasil.

Programa Portas Abertas – Parceria com diversos Órgãos e Entidades para o encaminhamento dos jovens para o mercado de trabalho, após concluir os dois anos de programa.

Projeto Arte e Inclusão – Curso de pintura e trabalhos manuais (ministrado por servidores voluntários).

Palestras motivadoras e educacionais – durante toda a permanência do jovem no programa são realizadas palestras.

Participação em cursos ministrados pela Escola de Administração Judiciária (ESAJ) – Os jovens podem frequentar os cursos da ESAJ du-rante sua permanência no Programa.

5. Perfil dos jovensA análise das características dos jovens infratores será composta pela ex-

posição de gráficos referentes ao sexo, grau de escolaridade, tipificação infra-cional, faixa etária, renda familiar, estado civil e número de filhos.

Os dados apresentados são relativos ao exercício de 2014. Entretanto em um estudo comparativo aos anos anteriores verifica-se apenas pequenas alte-rações, que não modificam significativamente o perfil dos jovens.

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Capítulo 13 – Práticas de responsabilidade Social no serviço público: o caso do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

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Em sua grande maioria residem em área de risco, a família se apresenta de forma disfuncional, a renda familiar é escassa, baixa escolaridade, e não apresentam projeção de vida, vivendo o imediatismo.

Verifica-se em um primeiro momento que a prática de ato infacional é elevadamente mais comum no sexo masculino.

26 (19 anos)

25 (18 anos)

19 (20 anos)

15 (17 anos)

6 (21 anos)

1 a 2 (37%)

4 a 5 (3%)

Não informado (3%)

2 a 3 (23%)

3 a 4 (15%)

Menos de 1 (11%)

Mais de 6 (1%)5 a 6 (4%)Sem renda (3%)

3 (22 anos)1 (23 anos)

5 (16 anos)

F: 13Gráfico Gênero (%)

Gráfico Faixa Etária (%)

Gráfico Renda Familiar (salários mínimos)

O gráfico da faixa etária é relativa a idade dos jovens em 2014 e não a idade que cometeram o ato infracional.

Verifica-se junto as unidades do DEGASE e CRIAADs que a grande con-centração dos atos infracionais são cometidos por jovens com idades compreen-didas entre quartoze (14) e dezessete (17) anos.

M: 87

Apesar da prática do ato infracional permear todas as classes sociais, a grande concertação dos jovens infatores está inserida em famílias com renda familiar até três (3) salários mínimos.

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Verifica-se que os atos infracionais mais praticados são respectivamente: o trá-fico de drogas, seguido do roubo a mão armada, lesão corporal e furto. Entretanto, não podemos desprezar os delitos mais graves, como o homicídio e o abuso sexual.

Tráfico de drogas – 29

Usuário de drogas – 1

União Estável – 6

Casado – 1

Solteiro – 97

Vandalismo – 2Ameaça – 1

Crimes de internet – 1Dirigir sem habilitação – 1

Lesão corporal – 13

Porte ilegal de arma – 6

Receptação – 2

Furto – 9

Abuso sexual – 6

Tentativa de homicídio – 2

Roubo – 27

Gráfico Ato Infracional (%)

Gráfico Estado Civil (%)

Verifica-se a baixa escolaridade e ausência de profissionalização.

A grande parcela dos jovens infratores é solteira.

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Capítulo 13 – Práticas de responsabilidade Social no serviço público: o caso do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

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Nenhum filho – 86

Familiar – 97

Própria – 76

CREAS – 66

Comunitário – 1

Alugada – 20

Não informado – 1

Vara da Infância – 1

Terceiros – 2

Emprestada – 3

CRIAAD – 3

1 filho – 12

2 filhos – 2

Gráfico Número de Filhos por Participantes (%)

Gráfico Relações de Suporte (%)

Gráfico Situação Habitacional (%)

Gráfico Origem dos Encaminhamentos (%)

A maioria necessita do suporte familiar para seu sustento, mesmo aqueles que possuem filhos.

Grande parcela reside com os responsáveis, em imóvel próprio.

A maioria dos jovens sã o encaminhados pelos Centros de Referência Es-pecializado de Assistência Social (CREAS), responsáveis pelo acompanhamen-to da Liberdade Assistida.

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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6. Indicador de desempenhoPara aferir a eficiência do programa estabelecemos como o indicador prin-

cipal a não reincidência criminal. Para tanto, foi estabelecido que transcorrido um (1) ano do desligamento do programa, tiramos a Folha de Antecedentes Criminais (FAC) do jovem para verificar se responde a novos delitos.

Verifica-se uma evolução satisfatória do indicador de não reincidência do projeto Jus-tiça Pelos Jovens, na medida em que a “média simples” alcançada foi de 72% de não reincidência em 2014. O resultado obtido evidencia que o programa influencia de forma positiva os participantes, inclusive com mudanças de paradigmas. Destaca-se o resul-tado deste indicador é obtido tirando-se a FAC dos participantes do projeto que foram desligados por término de contrato, após um ano.

Verifica-se que os jovens que voltaram a cometer novas práticas criminais são aqueles que foram desligados do programa pelo abandono de trabalho, fal-tas constantes e postura profissional inadequada. Cabe salientar que antes do desligamento do jovem, são realizados vários procedimentos, na tentativa de preservá-lo no programa, tais como: mudança de setor, advertência oral, adver-tência escrita, suspensão, e o desligamento final.

7. Considerações finaisPode-se afirmar que as famílias desestruturadas figuram como agravan-

tes, impeditivo da reestruturação do jovem, associado a sua baixa estima e o sentimento de abandono familiar. Neste sentido o programa Justiça pelos Jovens realiza reuniões bimensais com os pais, a fim que as responsabilidades parentais sejam exercidas de forma mais positiva, encaminhando-os, sempre que necessário, a programas de apoio.

Os jovens recebem acompanhamento efetivo e estreito prestado por as-sistentes sociais e psicólogos, possibilitando a compreensão individualizada e particularizada do jovem, a fim de entendê-lo na sua complexidade e histórico de vida, considerando-o um sujeito em construção.

Verifica-se, portanto, que o trabalho, a elevação da escolaridade, a profissio-nalização e o tratamento digno são ferramentas importantes na construção deste novo indivíduo, oferecendo condições plenas de reestruturação psíquica e social.

Pode-se afirmar que, para que haja uma ressocialização de fato é impor-tante à realização de ações que promovam novas oportunidades para os infra-

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Capítulo 13 – Práticas de responsabilidade Social no serviço público: o caso do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

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tores, através da qualificação profissional, da inclusão no mercado de trabalho, do fortalecimento dos vínculos familiares e o incentivo a cultura e ao esporte.

Diante do exposto, observa-se que existem meios para mudar a trajetória dos jovens infratores. A sociedade, as instituições e a família devem se unir para acolher de maneira digna o infrator, que mesmo tenha cometido atos ne-gativos, são seres em processo de desenvolvimento e que necessitam de afeto e proteção. A promoção de programas educacionais, culturais, esportivos e a profissionalização são essenciais para modificar a crescente estatística da cri-minalidade juvenil.

Há de se consignar que o programa Justiça pelos Jovens atende sua fina-lidade, que é acima de tudo, a reeducação e a interrupção da trajetória dos atos infracionais. Se o adolescente infrator passa a ser um agente da sua própria transformação, por vivenciar uma situação que lhe proporcionou dignidade e cidadania, o objetivo proposto pelo programa está alcançado.

Referências bibliográficas

AABERASTURY, Arminda – O que é adolescência normal: Um enfoque psicanalítico.

BECKER, Daniel – O que é adolescência.

Resolução TJ/OE nº 6/2005

Sobre a autora

Rosilea Di Masi PalheiroFormada em Serviço Social, com Pós em Serviço Social pela PUC / RJ. Ingressou no TJ, por concurso público, em 1988. Implantou o Serviço Social nas Varas de Família e nas Varas de Órfãos e Sucessões, na Comissão Estadual de Adoção Internacional e posteriormente o Departamento de Ações Pró-Sustentabilidade. Membro da Comissão Municipal de Sub Registro.

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14LicitAção sustentáveL e o cumprimento Ao estAdode direito: A cHAnce de

revoLucionAr As comprAs púbLicAs brAsiLeirAs

Cid Alledi Filho

Dilma Pimentel

Resumo Parte fundamental do conceito de compras públicas sustentáveis, a exi-

gência para que os fornecedores cumpram a legislação em seu estado mais amplo, ao participarem de um processo licitatório, parece ainda distante da realidade. Entre as justificativas, pode-se de maneira superficial supor alguns motivos: a enorme quantidade de leis, o desconhecimento dos profissionais en-volvidos e a cultura do jeitinho, entre outros. Este capítulo reconhece a comple-xidade do tema, mas entende que não há como ignorar esta grande oportunida-de do Brasil encarar de forma responsável o cumprimento da legislação. Se não for pelo simples princípio ético de fazer a coisa certa, que seja pelo menos para evitar o risco à reputação quanto aos, extremamente controversos, conceitos de Responsabilidade Solidária e Subsidiária que hoje vêm ganhando contornos que ultrapassam a visão jurídica. Neste sentido, o objetivo principal do texto, após ampliar a reflexão quanto a responsabilidade do poder público, é propor soluções viáveis que permitam alcançar um novo patamar no modelo de desen-volvimento brasileiro, no qual o crescimento econômico precisa ser equitativo e inclusivo, reduzindo as desigualdades e melhorando o meio ambiente e a quali-dade de vida das pessoas, ao mesmo tempo em que promove a gestão integrada.

Palavras-chave: Licitação sustentável, estado de direito, compras públicassustentáveis, gestão de fornecedores

1. IntroduçãoSegundo a Comissão Interministerial de Sustentabilidade na Adminis-

tração Pública, as licitações representam, em média, 15% (quinze por cento) do Produto Interno Bruto – PIB brasileiro, o que evidencia o potencial trans- formador e a responsabilidade do Poder Público rumo a um consumo mais sus- tentável e como o principal agente catalisador de mudanças estruturais em seguimentos estratégicos no País.

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Dada a importância cada vez maior da sustentabilidade, principalmente nas aquisições públicas, em 5 de junho de 2012, foi editado o Decreto nº 7.746, que, ao regulamentar a mudança do artigo 3 da Lei de Licitações, concedeu mais segurança aos gestores públicos em suas aquisições ao estabelecer crité-rios, práticas e diretrizes para a promoção do desenvolvimento nacional sus- tentável nas contratações realizadas pela Administração Pública Federal.

Dessa forma, ao estimular o uso do poder de compra para impulsionar no-vos mercados e tecnologias de menor impacto socioambiental, o Poder Público sinaliza aos seus fornecedores a necessidade de adaptação de seus processos produtivos aos novos padrões ambientais, sociais e econômicos, induzindo a produção de bens e serviços a partir de critérios, procedimentos administrati-vos e jurídicos mais racionais, transparentes e sustentáveis.

O Poder Público tem a capacidade de estabelecer mecanismos importantes de implementação da política pública de sustentabilidade, influenciando posi-tivamente seus próprios funcionários e os mercados, fornecedor e consumidor, por meio de sensibilização, conscientização e mobilização para essa importante temática, levando ao aumento da oferta de bens e serviços mais inovadores, ecológicos, econômicos e socialmente responsáveis.

Além disso, houve a instituição da Comissão Interministerial de Sus- tentabilidade na Administração Pública – CISAP, mais um instrumento via- bilizador da Política Pública de Sustentabilidade. Esta Comissão, enquanto instância consultiva, possui dentre suas competências, propor à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orça- mento e Gestão, com base nas diretrizes gerais de logística e compras da Admi- nistração Pública Federal, as formas de veiculação dos critérios e das práticas de sustentabilidade em contratações públicas.

Esses critérios de sustentabilidade deverão ser utilizados como parâme- tros para a avaliação e comparação de bens, materiais ou serviços em função do seu impacto ambiental, social e econômico. Já as práticas de sustentabilidade visam à inserção de critérios de sustentabilidade nas atividades rotineiras da Administração Pública, por meio de ações que tenham como objetivo a constru-ção de novos modelos de cultura institucional seus desdobramentos na cadeia produtiva.

Este artigo, após a apresentação de alguns conceitos e referenciais, obje- tiva dar publicidade a profunda transformação da Lei nº 8666, à luz do Decreto nº 7746, que, de forma responsável e inédita, inseriu como finalidade ao proces-so licitatório a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Apesar da mudança de comportamento nos processos de aquisição de produtos e serviços da administração pública, um aspecto preocupa: a dificuldade quanto ao cum-primento do estado de direito referente à legislação, ambiental, trabalhista, sanitária e de saúde e segurança do trabalhador.

Não se pretende com este texto uma análise jurídica do processo licitató-rio em si, mas os aspectos relacionados à abrangência desta nova finalidade.

1.1 Referencial teóricoLicitação – SSegundo Tribunal de Contas da União - TCU (2006) a licitação

é um procedimento administrativo formal, isonômico, de observância obri-

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gatória para órgãos/entidades governamentais, realizado antes de a con-tratação ser efetivada, que, obedecendo à igualdade entre os participantes interessados, visa escolher a proposta mais vantajosa à Administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, com base em parâme-tros e critérios antecipadamente definidos em um documento denominado de instrumento convocatório.

O cumprimento à legislação e processo produtivo sustentável – Vítima de uma verdadeira guerrilha conceitual e utilizada de forma irresponsá- vel pela sociedade, a definição de processo produtivo sustentável ganhou do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – Inmetro, um grande apoio: a Portaria n.º 317, de 19 de junho de 20121. O documento, de caráter orientativo e de adoção voluntária, tem por objetivo oferecer uma plataforma contemplando princípios, critérios e indicadores de sustentabili- dade, visando estimular a melhoria do desempenho de processos produtivos quanto aos aspectos ambientais, sociais e econômicos. Os princípios estabelecidos neste documento constituem a base funda- mental para processos decisórios e ações das organizações que buscam promover a sustentabilidade, sendo uma referência geral para a melhoria do desempenho de processos produtivos. O cumprimento à legislação é o Princípio número 1 para que um sistema produtivo possa ser considera- do sustentável. Nele, a organização deve, em suas decisões e atividades, atender à legislação federal, estadual e municipal em vigor, os acordos internacionais ratificados pelo Brasil e outros regulamentos ambientais, sanitários, trabalhistas, previdenciários, tributários, fiscais e de defesa do consumidor aplicáveis.

O cumprimento pelo estado de direito – Segundo a ABNT NBR ISO 26000, norma internacional que estabelece Diretrizes para a Responsabili-dade Social, ao abordar e praticar a responsabilidade social, o objetivo mais amplo de uma organização é maximizar sua contribuição para o desenvol-vimento sustentável. Dentro desse objetivo, apesar de não haver uma lista definitiva, convém que as organizações respeitem ao menos sete princípios, identificados na figura a seguir. Para esta ferramenta normativa, utilizado em todo o mundo, o estado de direito refere-se à supremacia da lei e, em especial, à idéia de que nenhum indivíduo ou organização está acima da lei e que o governo também está su- jeito à lei. O estado de direito contrapõe-se ao exercício arbitrário do poder. Geralmente, está implícito no estado de direito que as leis e regulamentos são escritos, divulgados publicamente e aplicados de forma justa conforme proce-dimentos estabelecidos. No contexto da responsabilidade social, respeitar o estado de direito significa obedecer a todas as leis e regulamentos aplicáveis. Isso significa que convém que a organização tome medidas para estar ciente das leis e dos regulamentos aplicáveis e informar a todos dentro da organiza- ção sobre suas obrigações de cumprir e implementar essas medidas.

1 Fonte: http://www.inmetro.gov.br/legislacao/rtac/pdf/RTAC001852.pdf

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Capítulo 14 – Licitação sustentável e o cumprimento ao estado de direito: a chance de revolucionar as compras públicas brasileiras

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Sendo assim, é conveniente às organizações que pautem seu comporta- mento em normas, diretrizes ou regras de conduta que estejam em conformi- dade com os princípios aceitos de uma conduta moral e corretos no contexto de situações específicas, mesmo quando essas situações representarem um desa- fio à organização.

Ao aplicar esta Norma, é aconselhável que a organização leve em con- sideração as diversidades sociais, ambientais, jurídicas, culturais, políticas e organizacionais, assim como as diferentes condições econômicas.

Em resumo, para este referencial, uma organização socialmente responsável:• Cumpre requisitos legais em todas as jurisdições em que opera, mesmo que

essas leis e regulamentos não sejam fiscalizados adequadamente;• Assegure-se de que suas relações e atividades estejam em conformidade com

a estrutura legal pretendida e aplicável;• Mantenha-se informada de todas as obrigações legais; e• Avalie periodicamente sua conformidade com leis e regulamentos aplicáveis.

2. DesenvolvimentoA complexidade do sistema jurídico brasileiro funciona no país, em muitos

casos, como uma justificativa para o não cumprimento das leis. Seja pela quan-tidade, seja pela inaplicabilidade, seja pelo distanciamento frente aos anseios da sociedade; não é raro ouvir dos brasileiros, como desculpa para as diversas ilegalidades cometidas, que não dá para cumprir as leis. Este aspecto levanta cinco grandes dificuldades para a efetivação das mudanças propostas pela al-teração do artigo 3 da Lei nº 8.666:

Figura 1 – Visão geral esquemática da norma ABNT NBR ISO 26000

Fonte: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/arquivos/%5 Bfield_generico_imagens-file-field-description%5D_65.pdf

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2.1 2.1 Como conhecer todas as leis já que este conhecimento está vinculado a processos que não os seus?

Os requisitos legais são todas as normas, regulamentos, resoluções, porta-rias, decretos, leis, e demais instrumentos legais, no âmbito federal, estadual e municipal que formam o conjunto de regras aplicáveis às opera- ções da empresa. A quantidade é tão grande que as empresas vêm contra- tando assessorias para que lhes auxiliem no levantamento personalizado e no monitoramento da legis-lação a partir de bancos de dados atualizados diariamente. Na impossibilidade de contratação deste tipo de consultoria, uma solução trabalhosa e de pouca eficácia seria entrar nos sites de todos os órgãos para levantar a legislação aplicável. Esse procedimento precisará ocorrer todos os dias em virtude das inúmeras alterações.

2.2 Como saber quais leis deverão ser cumpridas, já que este exame necessitaria de equipes multidisciplinares de análise?

O aspecto multidisciplinar da gestão exigiria no mínimo conhecimentos das áreas ambientais e de saúde e segurança do trabalho. Algumas empre- sas vêm conseguindo ganhos operacionais com a inserção de técnicos de meio ambiente e de segurança do trabalho em suas rotinas, no entanto, isto é raro, já que nos concursos públicos que objetivam contratações para cargos estatu-tários , em geral, não há esta possibilidade. Em alguns casos, há estes profis-sionais nas equipes, mas fruto de parcerias com universidades, consultorias, ou mesmo funcionários das próprias empresas fornecedoras, o que por si só, já caracterizaria conflito de interesses.

Suas participações são preciosas não só no momento de levantar a legisla- ção aplicável para a etapa de habilitação, mas também durante visitas técnicas previstas na fase de fiscalização.

2.3 Até onde vai a Responsabilidade Solidária e a Responsabilidade Subsidiária?Extremamente controverso, os conceitos de Responsabilidade Solidária e Sub-

sidiária vêm ganhando contornos que ultrapassam a visão jurídica. Em muitos ca-sos o julgamento do contratante pela sociedade vem ganhando con- tornos morais, ultrapassando em muito uma visão anterior de que o cumpri- mento à legislação era uma responsabilidade exclusiva de quem tinha o controle sobre as questões.

Diferentemente da responsabilidade solidária, na responsabilidade subsi-diária a obrigação não é compartilhada entre dois ou mais devedores. Há ape-nas um devedor principal; contudo, na hipótese do não cumprimento da obriga-ção por parte deste, outro sujeito responderá subsidiariamente pela obrigação.

A responsabilidade solidária, no Direito do Trabalho, é comum na tercei- rização da mão-de-obra, situação em que a sociedade empresária que contrata o serviço terceirizado responde também pelas obrigações não cumpridas pela empresa responsável pela contratação do empregado. Essa responsabilidade se justifica, pois apesar de não ser o contratante direto do empregado, a empresa que utiliza da terceirização se beneficia da mão-de-obra do trabalhador tercei-rizado, devendo então arcar com os riscos de sua atividade.

No caso de contratos de produtos, no entanto, esta responsabilização fica mais difícil já que, as ilegalidades, por assim dizer, ocorrem no ambiente do fabricante, ficando evidentes apenas no caso de uma eventual fiscalização

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Capítulo 14 – Licitação sustentável e o cumprimento ao estado de direito: a chance de revolucionar as compras públicas brasileiras

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in loco. Nestes casos, em especial pressionados pelos riscos ambientais, vêm se tornando comum a inserção de cláusulas contratuais que dão direito ao contratante verificar as instalações do contratado com o objetivo de verifi-car in loco o cumprimento da legislação ambiental e de saúde e segurança do trabalho. Há de se lembrar que, normalmente, os prejuízos de acidentes ambientais são públicos e costumam impactar toda a sociedade, enquanto os lucros de atividades que desrespeitam as leis ambientais são privados. Nesta mesma perspectiva, dar condições dignas aos trabalhadores é mais que uma questão de direitos trabalhistas, é uma questão de direitos humanos.

Um exemplo da pressão exercida pela sociedade pode ser vista na página prin-cipal do site Moendo Gente, onde os clientes (que podem influenciar) ganham mais destaque que os próprios frigoríficos (que detém o controle sobre os processos), onde os funcionários são expostos à péssimas condições de trabalho.

Figura 2 – Print da tela inicial do site Moendo Gente

Fonte: http://moendogente.org.br/#lat=-23.378341326108416&lng=-49.881663489746245&zoom=5

A responsabilidade será solidária quando em uma mesma obrigação houver mais de um responsável pelo seu cumprimento. Assim, estando diante de uma situação na qual a responsabilidade é solidária, poderá o credor exigir o cumpri- mento da responsabilidade de ambos os devedores ou de apenas um deles, cabendo àquele que cumprir a obrigação o direito de regresso contra o devedor solidário.

Além das três questões vinculadas à fundamentação legal, mais duas questões preocupam e merecem destaque:

2.4 Como tornar tangível a promoção do desenvolvimento nacional sustentável?A Portaria do INMETRO nº 317 citada anteriormente, apresenta, além da

visão ampliada sobre os requisitos legais, outros seis princípios.Ressalta-se que este documento, como dito anteriormente, de caráter ex-

clusivamente orientativo e de adoção voluntária, tem por objetivo oferecer uma

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plataforma contemplando princípios, critérios e indicadores de sustentabilidade, visando estimular a melhoria do desempenho de processos produtivos quanto aos aspectos ambientais, sociais e econômicos. Os requisitos citados no documento po-derão ser incorporados aos sistemas de gestão das organizações, contribuindo para a definição de objetivos, metas, programas e ações. Além disso, ainda poderá ser utilizado como referência para o desenvolvimento e aperfeiçoamento de progra-mas de avaliação da conformidade de produtos, serviços e processos, abrangendo a avaliação da qualidade intrínseca do produto e as boas práticas relacionadas à sustentabilidade do processo produtivo.

Os seis princípios e seus respectivos critérios são apresentados de forma resumida a seguir:Princípio 2 – Gestão sustentável dos recursos naturais. A organização deve

promover a gestão sustentável dos recursos naturais renováveis e não reno- váveis, inclusive na cadeia de valor.

• Critério 2.1 – A organização deve considerar a identificação de aspec- tos e a avaliação dos impactos ambientais, sociais e econômicos ao ado- tar estratégias relacionadas ao desenvolvimento de produtos e à seleção e ao uso das matérias-primas e insumos, inclusive na cadeia de valor.

• Critério 2.2 – A organização deve adotar procedimentos que permitam rastrear o produto e o serviço em todas suas etapas.

Princípio 3 – Preservação, conservação e recuperação da biodiversidade. A organização deve realizar suas atividades de modo a minimizar os impactos negativos e potencializar os impactos positivos sobre a flora e a fauna, pre-servando, conservando e recuperando ecossistemas locais.

• Critério 3.1 – As atividades do processo produtivo devem ser condu- zidas considerando a preservação, a conservação e a recuperação dos ecossistemas.

Princípio 4 – Melhoria e Manutenção da Qualidade Ambiental. As atividades da organização devem promover a conservação dos recursos hídricos, edáfi- cos e atmosféricos.

• Critério 4.1 – A utilização da área pelas atividades da organização deve ser precedida de planejamento ambiental.

• Critério 4.2 – A organização deve adotar práticas de monitoramento e conservação dos recursos hídricos, edáficos e atmosféricos.

• Critério 4.3 – A organização deve adotar plano de gestão de resíduos sólidos, efluentes líquidos e emissões atmosféricas.

Princípio 5 – Valorização e bem estar dos trabalhadores. A organização deve desenvolver e estabelecer ações de forma a propiciar a valorização e bem estar dos trabalhadores, promovendo a integração e a qualidade de vida.

• Critério 5.1 – As organizações devem implementar programas para a valorização e engajamento dos trabalhadores.

• Critério 5.2 – As organizações devem implementar programas para a melhoria do bem-estar e da qualidade de vida dos trabalhadores.

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Capítulo 14 – Licitação sustentável e o cumprimento ao estado de direito: a chance de revolucionar as compras públicas brasileiras

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Princípio 6 – Desenvolvimento ambiental, econômico e social das regiões em que se inserem as atividades da organização. A organização deve desenvol- ver e estabelecer ações de forma a promover o desenvolvimento das regiões em que se inserem suas atividades, gerando benefícios e minimizando os impactos negativos sociais, ambientais e econômicos.

• Critério 6.1 – As organizações devem incentivar e implementar pro- gramas para a melhoria das condições da comunidade local.

• Critério 6.2 – A organização deve implementar planos de comunicação e de divulgação para as partes interessadas.

Princípio 7 – Promoção da inovação tecnológica. A organização deve partici-par, desenvolver e implementar ações de pesquisa e desenvolvimento de ino-vação tecnológica em busca de soluções que promovam a sustentabilidade.

• Critério 7.1 – A organização deve participar, desenvolver e implemen-tar ações de pesquisa e inovação tecnológica de forma a possibilitar crescimento econômico alinhado ao desenvolvimento social e preserva-ção ambiental, promovendo a sustentabilidade em todo ciclo produtivo.

O fato de cada critério vir acompanhado de vários indicadores2 ajuda as empresas na difícil tarefa de inserir os princípios na gestão.

2.5 É necessário ressignificar o conceito de fornecedor crítico?O ciclo de aquisições de uma empresa é complexo e consiste de diversos

passos para sua efetivação. Dentre eles, um em especial vem se transformando em um grande desafio para as empresas, independente de suas características (compradora ou vendedora, pública ou privada, grande ou pequena, de bens ou de serviços): a gestão de fornecedores.

Identificar, selecionar, avaliar e, se necessário, desenvolver fornecedores, são importantes responsabilidades do setor de aquisições.

Hoje, de forma estratégica, convém que além do atendimento à legislação, pa-drão mínimo para a sustentabilidade, se insira também como referenciais neste processo as políticas públicas e projetos de lei, em especial nas áreas defesa do con-sumidor, meio ambiente, saúde e segurança do trabalho e responsabilidade social. Com base no exposto, o que se tem visto é que o conceito de fornecedor crítico vem ganhando novas dimensões. Se antes “fornecedor crítico” era o que impactava a qua-lidade do serviço ou do produto, diante do exposto anteriormente também será consi-derado crítico aquele em que a probabilidade de des- respeito aos direitos humanos, direitos do trabalho, legislação ambiental e a concorrência leal, também o for.

Neste sentido, além daqueles fatores que normalmente são utilizados para a escolha de fornecedores, começam a ser inseridos a habilidade técnica, capa-cidade de produção, confiabilidade, serviço pós-venda, localização do fornece-dor, preço e outros relacionados com novos tipos de riscos.

O risco de acidentes de trabalho, impacto ambiental, perda de reputação, acusações de concorrência desleal, além de novas exigências como termos de cré- dito, logística reversa, negócio recíproco e disposição do fornecedor no sentido de reservar um estoque para o comprador, também começam a ser considerados.2 Fonte: http://www.inmetro.gov.br/legislacao/rtac/pdf/RTAC001852.pdf

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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Visando colaborar com as mudanças que se fazem prementes, ressalta-se neste aspecto algumas das referências citadas na Resolução 170 do Conselho Na-cional de Justiça - CNJ (http://www.cnj.jus.br/images/resol_gp_170_2013.pdf):• Lei 12.187, de 29 de dezembro de 2009, que instituiu a Política Nacional de

Mudança de Clima, com diretrizes ao estímulo e apoio à manutenção e promo-ções de padrões sustentáveis de produção e consumo e como um de seus ins-trumentos à adoção de critérios de preferência nas licitações e concorrências públicas para as propostas que propiciem maior economia de energia, água e outros recursos naturais e a redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos; Acórdão 1752, de 5 de julho de 2011, do Tribunal de Contas da União, que trata das medidas de eficiência e sustentabilidade por meio do uso racional de energia, água e papel adotadas pela Administração Pública;

• Instruções Normativas CNJ 1/2010; 10/2012, que estabelecem regras para elaboração dos Planos de Gestão de Logística Sustentável de que trata o art. 16 do Decreto 7.746, de 5 de junho de 2012; e 2, de 4 de junho de 2014, o qual dispõe sobre a economia de energia nas edificações públicas;

Esta nova realidade contribui para a dificuldade de empresas públicas acompanharem de forma efetiva as mudanças propostas pela legislação, o que ocasionará mudanças significativas nos seus setores de compras.

3. Desafios E OportunidadesEm todo o mundo, as estruturas administrativas governamentais são res-

ponsáveis por uma grande parcela da movimentação na economia e nos recursos naturais de seus países, assim como no Brasil. O atual impacto das atividades realizadas pelo governo na sociedade e no meio ambiente exige a implementação de um sistema de gestão mais sustentável, mas também mais responsável.

Estamos diante de uma chance excepcional de finalmente termos as institui-ções públicas fazendo aquilo que a sociedade espera delas: dar exemplos positivos. Em tempos de crises socioambientais de toda ordem, não era mais possível obser-var que a falta de critérios mais abrangentes nas compras públicas permitia que empresas desqualificadas continuassem prestando serviço e/ou vendendo produtos. Não há exemplo pior para uma sociedade que observar que seu próprio governo não cumpre leis e nem insere em seus editais requisitos a favor da sustentabilidade.

Pode-se dizer sem erro que aquele setor de compras que antes agia de forma reativa às demandas vem progressivamente alcançando um papel fun- damental para a estratégia de sustentabilidade do Brasil.

Na tabela abaixo se apresentam algumas sugestões visando superar os desafios para a implementação das mudanças pretendidas pela alteração do artigo 3º da Lei nº 8.666.

Tabela 1– Proposta para superação dos desafios

Desafios Sugestões

Superar a leniência do país quanto ao cumpri-mento legal

• Trazer a legislação para outros cursos de graduação que não os de Direito.

• Inserir nos programas de integração de novos funcionários as leis vinculadas, direta e indiretamente com suas responsabilidades profissionais.

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Capítulo 14 – Licitação sustentável e o cumprimento ao estado de direito: a chance de revolucionar as compras públicas brasileiras

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Tabela 1– Proposta para superação dos desafios

Desafios Sugestões

Conhecer todas as leis• Dar publicidade aos sistemas de busca à

legislação dos órgãos públicos

Contratar profissionais especialistas em gestão

• Inserir nos concursos públicos a possibilidade de contratação de profissionais especialistas em ges-tão da qualidade, meio ambiente, responsabilidade social, e saúde e segurança do trabalho.

Formar equipes multidisciplinares

• Promover treinamentos conjuntos para que to-dos entendam as interações de seus processos e as mudanças propostas pela alteração do artigo 3 da lei de Licitações nº8.666

Inserir cláusulas que promovam o desenvolvimen-to nacional sustentável nos editais

• Formar grupos de consultores internos que possam:

• Orientar todas as áreas na especificação dos bens e serviços que precisarão ser adquiridos

• Apoiar na inserção das especificidades em editais e cartas convites.

• Apoiar na busca por documentos espe-cíficos a serem solicitados na etapa de habilitação

Gerenciar fornecedores

• Elaborar um procedimento do processo de aquisição de bens e serviços com orientações para 4 etapas:

• Especificação do Bem ou Serviço e Sele-ção dos Fornecedores

• Aquisição do Bem ou Contratação do Serviço

• Fornecimento dos Bem ou execução do Serviço

• Avaliação dos Fornecedores

Monitorar a conduta socioambiental de fornece-dores

• Elaborar checklists • Treinar equipe de fiscalização de contratos

Fonte: Elaborada pelas autores

4. Conclusão A mudança dos padrões de produção e consumo é um desafio gigantesco e

complexo para todos os países, mais particularmente para os países em desen- volvimento, como o Brasil, que têm necessariamente como principais desafios: a proteção do meio ambiente, o combate à pobreza, a inclusão social e a ética em suas relações comerciais em um difícil contexto internacional. Promover o crescimento econômico sem degradação ambiental e com desenvolvimento social e econômico, constitui um esforço comparável ao tamanho do nosso próprio país.

Esses novos padrões de produção e de consumo só poderão ser viabiliza-dos com a participação consciente e engajada dos setores privado e público, em todos os níveis, e da sociedade como um todo. Entretanto, todo esforço cairá por terra se não conseguirmos respeitar a legislação em toda a sua dimensão. Espera-se que este capítulo suscite uma reflexão profunda e madura quanto à

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efetividade do princípio da legalidade3 nas compras públicas sustentáveis. En-cerra-se saudando a iniciativa dos órgãos públicos do Rio Janeiro que, de forma inédita, formaram a Rede Rio de Sustentabilidade. Até o momento,4 mais de 70 instituições signatárias da Agenda Ambiental da Administração Pública – A3P estão unidas compartilhando experiências, inclusive com um grupo de trabalho especializado em licitações sustentáveis.

Referências Bibliográficas

Decretos, Instruções Normativas, Leis, Portarias, Resoluções relacionadas com o tema, em especial as sustentáveis;

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR ISO 26000:2010: diretrizes sobre responsabilidade social. Rio de Janeiro: ABNT, 2010.

ATLAS. Licitações e Contratos da Administração. 13ªed. São Paulo: Atlas, 2008.

BALLOU, Ronal H. Gerenciamento da cadeia de suprimentos. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.

BIDERMAN, R. et al (Orgs.). Guia de compras públicas sustentáveis. 2 ed. São Paulo: FGV, 2008.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Plano de Ação para Produção e Consumo Susten-táveis. Brasília, DF: 2011. Disponível em: <http://desenvolvimento.gov.br/arquivos/dwnl_1283453599.pdf>. Acesso em: 16 out. 2012.

_____. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Secretaria de Orçamento Federal. Departamento de Gerenciamento Estratégico e de Tecnologia. Coletânea de Melhores Práticas de Gestão do Gasto Público. 2ª Edição. 2011, p.3. Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/sof/prog_eficiencia/Coleta-nea_de_Melhores_Praticas_2011.pdf>. Acesso em: 20 set. 2012.

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_____. Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Guia de inclusão de critérios de sustenta-bilidade nas contratações da justiça do trabalho. Brasília: CSJT, 2012.

_____. Ministério do Meio Ambiente. Como implantar a A3P. Brasília, DF: 2009. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/images/arquivo/80063/Cartilha%20Intermediaria%20-%20Como%20Implantar%20a%20A3P%20-%203%20edicao.pdf>. Acesso em: 16 out. 2012.

_____. Ministério do Meio Ambiente. Cartilha Completa A3P. Brasília, DF: 2009. Disponível em: < http://www.mma.gov.br/images/arquivo/80063/cartilha%20completa%20A3P_.pdf>. Acesso em: 16 out. 2012.

3 Na licitação desenvolvem-se atividades vinculadas, submetidas estritamente aos limites previstos na lei. A lei descreve minuciosamente os atos a serem praticados, reduzindo o poder decisório do administrador ao mínimo. A discricionariedade da Administração existe apenas quanto à escolha do objeto da licitação ou ao momento em que vai instaurar o procedimento. A partir de então fica sempre ligada ao estritos limites da lei.4 Agosto de 2015

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Capítulo 14 – Licitação sustentável e o cumprimento ao estado de direito: a chance de revolucionar as compras públicas brasileiras

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_____. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos : orientações básicas / Tribunal de Contas da União. – 3. ed, rev. atual. e ampl. Brasília : TCU, Secretaria de Controle Interno, 2006. 409 p. Disponível em: http://portal3.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/licitacoes_contratos/LICITACOES_CONTRATOS_3AED.pdf. Acesso em: 16 out. 2012.

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (GVces). Compra Sustentável: a força do consumo público e empresarial para uma economia verde e inclusiva / Luciana Stocco Betiol, Thiago Hector Kanashiro Uehara, Florence Karine Laloë, Gabriela Alem Appugliese, Sérgio Adeodato, Lígia Ramos, Mario Prestes Monzoni Neto. – São Paulo: Programa Gestão Pública e Cidadania, 2012.

GARCIA, Flavio Amaral. Licitações e Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

SÃO PAULO (Estado). Advocacia-Geral da União. Guia prático de licitações sustentáveis da Consultoria Jurídica da união no Estado de São Paulo. São Paulo: AGU, 2011.

SOUZA, Horacio Augusto Mendes de. Temas de Licitações e Contratos da Administração Pública. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2008.

Sobre os autores

Cid Alledi Filho Doutorando em Engenharia Civil (UFF), Mestre em Sistemas de Gestão (UFF) e Admi-nistrador de Empresas (UFRJ). Professor de disciplinas ligadas à ética nos negócios, governança organizacional, responsabilidade social e sustentabilidade na UFF, UFRJ, UNICAMP, IBMEC, UniEthos e Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, dentre outras organizações. Coautor dos livros "Introdução à Engenharia de Produção" (ABEPRO/Elsevier, 2008 - Prêmio Jabuti 2008 como Melhor Livro de Ciências Exatas, Tecnologia e Informática); "Transparência nos Negócios e nas Organizações: os desa-fios de uma gestão para a sustentabilidade" (Atlas, 2009); “Responsabilidade Social - Construindo o Caminho Para a Sustentabilidade nas Organizações” (Atlas, 2012) e “Cuidado e Sustentabilidade” (Atlas, 2013). Sócio-Gerente da Núcleo Ético, consultoria organizacional em diálogo, ética, transparência, responsabilidade social e sustentabili-dade. Autor do blog “Drops de Sustentabilidade”.

Dilma Pimentel Doutora em Engenharia Civil pela Universidade Federal Fluminense na Linha de pes-quisa Gestão Ambiental e Desempenho do Ambiente Construído. Mestre em Sistema Integrado de Gestão pela UFF. Especialista em Gestão Sustentável pela UFF, Gestão Es-tratégica pela GRIFO e Educação pela PUC; Bióloga pela Univ. Santa Úrsula. Consultora e auditora em Sistemas Integrados de Gestão pelas empresas Otimiza e Núcleo Ético. Professora de disciplinas ligadas a temas como: Gestão Ambiental, Sustentabilidade, Responsabilidade Social e Gestão Integrada, pela Univ. Federal Fluminense- LATEC, UNICAMP e UFRJ. Co-autora dos livros "Ações Para a Qualidade" (Elsevier Editora, 5ed, 2014), "RESPONSABILIDADE SOCIAL: Conceitos e Práticas: construindo o caminho para a sustentabilidade nas organizações" (Atlas, 2012), "Direito ao ambiente como direito à Vida" (Cortez Editora, 2014).

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15A responsAbiLidAde sociAL ApLicAdA nA AdministrAção

LocAL: estudo de cAso dA freguesiA bobAdeLA

(portugAL) José Elias Parreira Ramalho

José António Pontes Quintal

José Fidalgo Gonçalves

1. Introdução

Os conceitos de sustentabilidade e de responsabilidade social emergiram em torno da lógica empresarial. À luz destes conceitos a dinâmica do lu-cro não deve constituir-se como objetivo único das empresas. De facto

as empresas devem incorporar, entre muitos outros aspetos, comportamentos socialmente responsáveis baseados numa estratégia de sustentabilidade e as-sentes num tripé que envolve, necessariamente, a preocupação económica, o bem-estar das múltiplas partes interessadas e a preservação do ambiente. É nesta perspetiva que a lógica de sustentabilidade se adequa, não só às empre-sas mas, de forma inequívoca, a todas as organizações, designadamente às instituições públicas e aos órgãos de poder local.

Assim, este artigo procura focar-se na capacidade da Freguesia da Bobade-la operacionalizar um conceito de natureza abstrata e multidimensional, como é o Desenvolvimento Local Sustentável. Com efeito, a primeira Ação Socialmen-te Responsável a desenvolver por qualquer organização que opte por se colocar na senda da sustentabilidade, consiste em formalizar compromissos com todas as partes interessadas. Sugere-se, deste modo, que uma administração pública eficiente, nesta lógica de Responsabilidade Social, é uma administração intera-tiva, onde os cidadãos são muito mais do que meros votantes, contribuintes ou consumidores. Com efeito, referimo-nos aos cidadãos enquanto elementos ativos e conscientes dos respetivos direitos e obrigações, disponíveis para intervir no processo de gestão pública, até porque é dos órgãos de gestão que emerge o apelo à cidadania participativa. Resulta deste apelo que os cidadãos, na gestão da vida económica, social, política e cultural passam a influenciar os resultados das po-líticas públicas, dado que são corresponsáveis pelas mesmas.

1.1. Problemática e objectivos As entidades públicas, em particular o Poder Local (Municípios e Fregue-

sias), desenvolvem um papel fundamental na promoção do desenvolvimento local

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sustentável, através de incentivos e apoio a todas as suas partes interessadas. A importância daquele papel deve-se a três razões fundamentais: (1) Por disporem de um conjunto relevante de funções cuja implementação pode contribuir para o progresso local, ajudando a melhorar a qualidade de vida das suas comunidades (reabilitando, educando, dando apoio social, planeando, promovendo a habitação e os transportes), sendo corresponsável pela gestão do ambiente; (2) Por estarem muito bem posicionadas (maior proximidade e afinidade) para influenciar os ou-tros agentes de desenvolvimento e envolverem toda a comunidade; (3) Porque são empregadores e consumidores, com a responsabilidade de organizar de forma sustentável a sua própria unidade produtiva local. Gonçalves (2013).

1.2. O poder local em PortugalConforme descrito no Artigo 236.º da Constituição Portuguesa, são “No conti-

nente as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administra-tivas”. Os elementos do conceito de autarquias são o território, o agregado popula-cional, os interesses comuns e os órgãos representativos. O agregado populacional é, sem dúvida, um elemento básico que subjaz a este conceito de autarquia, visto ser, em última análise, a razão de ser da existência das mesmas. As especificida-des e os interesses locais originaram a necessidade de serem administrados por ór-gãos diferentes e descentralizados. A Constituição Portuguesa, no nº1, dos Artigos 6.º (Estado unitário) e 237.º (Descentralização administrativa), reforçados pela Lei das Finanças Locais, Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, defendem claramente o prin-cípio da descentralização e da atribuição da tarefa/responsabilidade à autarquia mais próxima do cidadão, justificado pela relação de proximidade, conhecimento do meio e custo/benefício mais favorável para o cidadão.

1.3. Identificação das partes interessadasNa administração pública, a identificação das partes interessadas é feita, numa

primeira fase, através do recenseamento dos cidadãos e das organizações (Pessoas individuais e Pessoas coletivas), constitui um exercício que faz parte integrante dos diferentes serviços pela dimensão administrativa inerente a este tipo de organiza-ções. Contudo, a identificação das partes interessadas no contexto da RS não se esgota no mero registo de pessoas existentes – um registo com informação mais ou menos confidencial que é necessário organizar e manter atualizado para dar cum-primento aos procedimentos de que cada serviço está encarregue. Essa identificação é um aspeto importante e constitui uma condição necessária mas insuficiente – é preciso introduzir neste processo uma dinâmica consistente de gestão e comunica-ção com as partes interessadas. “O processo de gestão das partes interessadas pode ser utilizado como uma ferramenta do planeamento estratégico, para incorporar a importância das mesmas em relação a cada medida a implementar pela organi-zação” (Carapeto, 2005:171). Em primeiro lugar é indispensável a identificação e recenseamento dos stakeholders diretamente ligados a matérias específicas, depois é necessário proceder à avaliação do interesse e das expectativas dos grupos de in-teresse correspondentes, de seguida avaliar a satisfação desses grupos face às ações de cumprimento que se executam para ir ao encontro das expectativas pré-enuncia-das e, finalmente, reorganizar e incorporar, em função desse estudo de avaliação, os objetivos e as prioridades da organização. A identificação e análise das partes

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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interessadas é, portanto, o primeiro passo a dar neste contexto de formulação de uma estratégia de RS com vista ao desenvolvimento sustentável.

2. MetodologiaA recolha de dados destinados a consubstanciar este trabalho desenvolveu-

se no contexto social e dentro dos limites geográficos da Freguesia da Bobadela entre Novembro de 2009 e Setembro de 2013 durante o mandato do respetivo executivo. Este artigo relata um caso prático incorporando a experiência do pri-meiro autor, enquanto membro do executivo da freguesia da Bobadela, no cargo de tesoureiro, com os pelouros da Tesouraria e contabilidade, Ocupação de via publica, Fiscalização de atividades publicitárias e Responsabilidade Social no âmbito de um programa de Responsabilidade Social em fase de implementação. Integrou, portanto, o pelouro que coordenou e realizou este programa.

2.1. Carácter qualitativo da investigação. Procurou-se incorporar a prática e experiência do primeiro autor, neste

trabalho de investigação, sem subverter o carácter científico que se exige em contexto académico, tanto em termos de forma como de conteúdo (Quintal, 2009). Desenvolveu a pesquisa, integrada no contexto correspondente, optando por incorporar na análise dos dados recolhidos, enquanto observador parti-cipante, cinco etapas necessárias neste contexto da metodologia qualitativa, conforme se descreve no Quadro 1, a seguir.

Quadro 1– Etapas da metodologia

Etapa nº Descrição

1 O investigador é o principal instrumento da pesquisa;

2A investigação qualitativa tem um carácter descritivo pois ao “recolher dados descritivos, os investigadores qualitativos, abordam o mundo de forma minuciosa (Ibid.: 49);

3O enfoque da abordagem qualitativa está centrado no processo de investigação, mais do que nos resultados;

4 A análise de dados faz-se de forma indutiva: O significado é fundamental;

5O papel adotado pelo investigador pode determinar o sucesso da investigação. “A identidade e os papéis do investigador originam-se, sedimentam-se e transformam-se num processo de interação entre observador e observado” (Costa, 1999: 145)

Fonte: Quintal (2009)

2.2. Problema, objectivos e hipóteses da investigaçãoO poder local, designadamente na sua expressão de maior proximidade das

populações por intermédio das Juntas de Freguesia, está condicionado pelas Câ-maras Municipais e Administração Central, não só em termos de orientação estratégica mas também dos pontos de vista económico e financeiro. É neste contexto de interdependência que a Junta de Freguesia da Bobadela incorporou a necessidade de implementação de um modelo de gestão na área da respon-sabilidade social, considerando, “entre outros aspetos, que a efetiva incorpora-ção desse modelo torna a organização mais ágil e eficiente do ponto de vista

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Capítulo 15 – A responsabilidade social aplicada na administração local: estudo de caso da Freguesia Bobadela (Portugal)

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económico-financeiro” (Quintal, 2009: 80). A questão de partida deste estudo, consiste em avaliar a implementação do Programa de Responsabilidade Social e respetivos impactes, e sugere uma reflexão sobre o desempenho dos elementos que integram os órgãos de gestão da autarquia no desenvolvimento efetivo dos projetos adotados. Reconhecendo, apesar dos condicionalismos acima referidos, que a Freguesia dispõe de alguma autonomia na gestão dos recursos disponíveis e no desenvolvimento dos projetos em curso, formulámos quatro pressupostos (Quadro 2) que são afinal o corpo de hipóteses deste estudo:

Quadro 2– Corpo de hipóteses deste estudo

1A JFB é determinante na adoção de compromissos e no desenvolvi-mento de projetos exequíveis em matéria de Responsabilidade Social

Ex. Carta de Princípios Éticos

2As decisões adotadas pela JFB são diretamente influenciadas pelo envolvimento e pelas necessidades das diferentes partes interessadas

Ex: Orçamento Partici-pativo, Clube de Leitura

3A autoridade da JFB é reconhecida, formal e informalmente, pelos diferentes atores sociais que integram a organização

Ex. Conselho de Res-ponsabilidade Social

4

O modo como a liderança é exercida está diretamente relacionado com o grau de desempenho da JFB e com a incorporação de projetos inovadores como o Programa de Responsabilidade Social e a adoção de uma Carta de Princípios Éticos ou a definição de uma estratégia de Responsabilidade Social

Ex: Programa de Res-ponsabilidade Social

As quatro hipóteses foram formuladas com base na sensibilidade e conhe-cimento que o autor principal deste trabalho adquiriu ao longo dos anos em que tem colaborado com a autarquia e, particularmente, enquanto responsável pelo pelouro da RS. O referido autor assume-se, deste modo, como fonte de informa-ção relevante no universo da incursão empírica, dado que é um dos elementos responsáveis pela elaboração do programa de Responsabilidade Social a imple-mentar na autarquia. É ainda de referir a consultora IDIS Mais que procedeu à consulta dos diferentes stakeholders, sendo que a respetiva informação foi reco-lhida sob a supervisão do autor e com a sua participação no trabalho de terreno.

3. Estudo de CasoAs cartas de princípios éticos ou compromissos na Administração Publica,

seja de âmbito local, nacional ou europeu, reapresentam, em primeira análise, a celebração de um compromisso que pretende mobilizar todas as partes con-traentes, sendo este um dos motivos pelos quais desenvolvemos esta investiga-ção em torno da implementação da Carta de Princípios Éticos da JFB.

3.1. Inquérito (análise de conteúdo) questionáriosO inquérito inscreve-se no âmbito do Programa de Responsabilidade Social

da Junta Freguesia de Bobadela e que teve como objetivo, a caracterização das entidades e dos respetivos cidadãos, da sua recetividade e do nível de importância atribuído à Responsabilidade Social das Organizações. Procurou-se, ainda, junto dos mesmo, avaliar da sua disponibilidade para participar numa ação de forma-ção sobre responsabilidade social das organizações. O inquérito foi distribuído por um conjunto alargado, a partir de uma base dados da JFB com 304 entradas e

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

– 214 –

obtivemos 54 respostas, o que significa uma taxa de resposta em valor percentual de 17,76. Cada entrada da base de dados corresponde a um nome, número contri-buinte, morada, localidade, código postal, telefone, telemóvel e fax. No âmbito do questionário e de acordo com tipologia do quadro n.º 8, as entidades e cidadãos da Freguesia da Bobadela foram agrupadas em sectores de atividade da seguinte for-ma: (1) Cidadãos ou Fregueses, (2) JFB (Executivo e colaboradores), (3) Economia Social / 3.º Sector, (4) Pequenas e Médias Empresas (Comercio Local), (5) Escola e Área da Educação, (6) Comunicação social e órgãos da informação e, por último, (7) Outras entidades ou fornecedores (internas ou externas a freguesia).

Tabela 1 – Caracterização dos respondentes

Tipologia das partes Interessadas (7)Total de registos

Sobre Total de registos (%) (304)

Cidadãos ou Fregueses 4 1,3

JFB (Executivo e colaboradores) 10 3,2

Economia Social/3.º Sector 9 2,9

Pequenas e Médias Empresas (Comercio Local) 19 6,2

Escola e Área da Educação 2 0,6

Comunicação social e órgãos da informação 4 1,3

Outras entidades ou fornecedores (internas ou externas a freguesia) 6 1,9

Em relação á caracterização das organizações da freguesia da Bobadela, o item que registou mais respostas (35%) foi o designado por “Pequenas e Mé-dias Empresas (Comercio Local)”, com destaque para os cabeleireiros, cafés, pastelarias, restaurantes, com um total de 19 respostas. Segue-se “Junta de Freguesia e Assembleia da Freguesia” com total de 10 respostas, em valor per-centual de 19. O item “Economia Social / 3.ºSector” ficou em terceiro lugar com destaque para “Coletividades, Associação de Moradores”, com nove respostas, a que corresponde uma proporção de 17 %. Em quarto lugar, segue-se “Cidadãos ou Fregueses” com um total de 6 respostas, em valor percentual de 11. Se-guem-se os itens “Comunicação social e órgãos da informação” e “Cidadãos ou Fregueses” que registaram, cada um deles, quatro respostas a que corresponde o valor percentual de 7. Em sétimo, encontra-se “Escola e Área da Educação”, com duas respostas, a que corresponde o valor percentual de 4.

Tabela 2 – Nível de importância a temática da responsabilidade social

Tipologia das partes Interessadas (7)

Nenhuma Importância

Pouca Importância

Alguma Importância

Muita Importância

Não Sei/ Não tenho opinião

Cidadãos ou Fregueses

4

JFB (Executivo e colaboradores)

10

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Capítulo 15 – A responsabilidade social aplicada na administração local: estudo de caso da Freguesia Bobadela (Portugal)

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Tabela 2 – Nível de importância a temática da responsabilidade social

Tipologia das partes Interessadas (7)

Nenhuma Importância

Pouca Importância

Alguma Importância

Muita Importância

Não Sei/ Não tenho opinião

Economia Social / 3.º Sector

9

Pequenas e Médias Empresas (Comer-cio Local)

3 16

Escola e Área da Educação

2

Comunicação social e órgãos da informação

4

Outras entidades ou fornecedores (internas ou exter-nas a freguesia)

6

Todas as partes interessadas atribuíram “Muita Importância” à temática da Responsabilidade Social, com exceção de três Pequenas e Médias Empresas, (Comercio Local,), que apenas atribuíram a esta temática, “Alguma Importân-cia”. Quanto à disponibilidade para participar numa ação de formação sobre Responsabilidade Social das Organizações, apenas três entidades informaram que não estavam interessadas em participar.

3.2. Carta de princípios éticos e responsabilidade social JFBA Carta procura regular a gestão da Junta de Freguesia e da sua relação

com as partes interessadas, sejam os fregueses, associações, empresas ou todos aqueles que pela atividade que desenvolvem têm impacto na Freguesia, for-çando uma atuação em conformidade com um conjunto de princípios éticos. Na análise da forma como o processo decorreu importa destacar, como elemento crítico essencial, o facto de haver uma estratégia e um enfoque que implicou o envolvimento direto das diversas partes interessadas na sua formulação. O procedimento utilizado pressupôs a concretização de diversas iniciativas que envolveram ações de sensibilização e de comunicação, de formação das dife-rentes partes envolvidas e a criação de condições para a participação direta da população. A intervenção foi realizada em várias fases e decorreu em dois momentos de intervenção distintos, estabelecidos em função dos diferentes pú-blicos-alvo a que destinava. A primeira fase de intervenção, teve um âmbito interno, e envolveu os órgãos eleitos ou executivo e os trabalhadores da Junta Freguesia. Neste caso, durante o ano de 2012, foram realizadas várias ações de formação junto dos funcionários e do executivo da Junta de Freguesia, as quais foram apoiadas por um dinamizador externo. O objetivo era ganhar a adesão e sensibilizar os intervenientes para os conteúdos da Carta, potenciar a sua discussão interna e a participação ativa no processo de redação da mesma.

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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A segunda fase de intervenção foi direcionada para o exterior e dirigiu-se, em particular, para as entidades da sociedade civil pertencentes à freguesia. Neste caso, realizou-se uma ação de formação com as entidades da sociedade civil da freguesia. No final deste ciclo de formações e de debate, cada um dos públicos-alvo apresentou a sua proposta de Carta de Ética e Responsabilidade Social. Depois procedeu-se à junção das formulações de Carta propostas pelos trabalhadores e pelo executivo. Posteriormente, em reunião pública, aberta à sociedade civil, foi apresentada a Carta consolidada, discutidos os seus pres-supostos e aprovada, tendo sido adicionado mais um princípio (princípio n.º10).

A Carta de Ética e Responsabilidade Social, a qual estabelece um conjun-to de princípios éticos e sustentáveis que regulam a atuação Junta Freguesia na relação com as partes interessadas, sejam, os fregueses, associações, em-presas ou todos aqueles que pela atividade desenvolvida têm impacto na Fre-guesia. Ora, segundo a NP ISO 26000 2011 existem sete temas fundamentais e questões de responsabilidade social. Quanto aos temas fundamentais são os seguintes: Governação Organizacional, Direitos Humanos, Praticas Laborais, Ambiente, Praticas Operacionais Justas, Questões relativas ao Consumidor e Envolvimento e Desenvolvimento da Comunidade. Por outro lado, a cada tema fundamental correspondem várias questões de responsabilidade social.

Tabela 3 – Carta de Princípios Éticos da Junta de Freguesia de Bobadela

Princípios que integram a Carta de Ética da JFB

Convergência com os temas fundamentais e questões da Responsabilidade Social segundo a NP ISO 26000 2011

N.º Descrição Descrição Secções

1Privilegiar a defesa da identi-dade, tradição e território da freguesia de Bobadela

Envolvimento e Desenvolvimento da Comunidade Questão 3 – Criação de emprego e Desenvolvi-mento de Competências, Questão 4 – Desenvolvimento e acesso à Tecnologia

6.8.5

6.8.6

2Prestar um serviço público com empenho, transparência e responsabilidade mútua

Práticas Operacionais Justas Questão 1 – Anticorrupção, Questão 4 – Promoção da RS na Cadeia de Valor.

6.6.36.6.6

3

Promover a prática institucional com base na legislação nacional e na declaração universal dos direitos humanos

Direitos HumanosQuestão 6 – Direitos civis e políticos. 6.3.8

4

Fomentar a criatividade, o rigor e a eficiência com vista a inovação contínua e qualidade de serviços

Práticas Laborais Questão 5 – Desenvolvimento Humano e Forma-ção no Local de Trabalho

6.4.7

5

Desenvolver princípios orga-nizacionais tendo em conta a melhoria da qualidade de vida dos fregueses e das partes interessadas diretas e indiretas)

Envolvimento e Desenvolvimento da Comunidade Questão 7 – Investimento Social 6.8.9

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Capítulo 15 – A responsabilidade social aplicada na administração local: estudo de caso da Freguesia Bobadela (Portugal)

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Tabela 3 – Carta de Princípios Éticos da Junta de Freguesia de Bobadela

Princípios que integram a Carta de Ética da JFB

Convergência com os temas fundamentais e questões da Responsabilidade Social segundo a NP ISO 26000 2011

N.º Descrição Descrição Secções

6

Privilegiar o respeito, o zelo e a ética no relacionamento com as partes interessadas no âmbito dos serviços público

Direitos HumanosQuestão 1 – Diligência devida, Questões relativas ao consumidorQuestão 5 – Privacidade e proteção de dados.

6.3.3

6.7.7

7

Promover a igualdade de oportu-nidades e não descriminação de género, estatuto socioeconómicos, etnia, idade, religião, ideologias e condição física ou mental.

Direitos HumanosQuestão 6 – Direitos Civis e Políticos. 6.3.8

8Incentivar o diálogo, a participa-ção democracia e a cidadania ativa

Práticas LaboraisQuestão 3 – Diálogo Social

Direitos HumanosQuestão 6 – Direitos Civis e Políticos

Envolvimento e Desenvolvimento da ComunidadeQuestão 1 – Envolvimento da comunidade

6.4.5

6.3.8

6.8.3

9

Apoiar e difundir o respeito pelo meio ambiente promovendo ações com vista a sua preser-vação e utilizando os recursos energéticos de forma sustentável.

AmbienteQuestão 2 – Utilização Sustentável dos Recurso 6.5.4

10

Incentivar e apoiar atividade ao nível educacional e cultural como elemento vital de desen-volvimento local.

Envolvimento e Desenvolvimento da ComunidadeQuestão 2 – Educação e Cultura 6.8.4

11

Estimular direta e indiretamente a coesão e inserção social com vista ao desenvolvimento global da freguesia.

Envolvimento e Desenvolvimento da ComunidadeQuestão 1 – Envolvimento da Comunidade.Questão 3 – Criação de Emprego e Desenvolvi-mento de Competências.Questão 4 – Desenvolvimento e Acesso à Tecno-logia.Questão 5 – Riqueza e criação de rendimento.

6.8.3 6.8.5

6.8.6

6.8.7

De acordo com a tabela n.º 8 procurámos identificar os pontos de conver-gência entre o conteúdo do Carta de Ética e os pressupostos orientadores que integram a NP ISO 26000 de 2011. A Carta de Ética e Responsabilidade Social da Junta Freguesia da Bobadela é composta pelos 11 princípios éticos que se descrevem na tabela 7. Estes princípios foram desenvolvidos em três fases sub-sequentes e de forma hierarquizada, sendo que partiu da base organizacional (trabalhadores da JFB). A primeira fase, ocorreu em 2011 e consistiu numa abordagem interna destinada a trabalhadores da Junta Freguesia da Boba-dela. Esta abordagem implicou, em primeiro lugar, a realização de uma ação de sensibilização e formação focada em Responsabilidade Social e Desenvolvi-mento Sustentável. A ação contou com o apoio técnico e científico do Instituto

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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de Desenvolvimento e Inovação Social (IDIS mais) e da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia de Lisboa, contratada pela JFB para este efeito.

Na segunda fase foi realizada outra ação de sensibilização e formação des-tinada, neste caso, aos eleitos do Executivo da JFB. O resultado destas ações culminou numa terceira fase, isto é, num documento que veio a merecer a de-signação de “Carta de Princípios Éticos da Junta de Freguesia de Bobadela”. O referido documento começou por consistir numa primeira versão coligida pelos trabalhadores. Esta versão foi apreciada pelo Executivo da JFB que também deu o seu contributo. Foi realizada, ainda nesta fase, uma ação de sensibiliza-ção e formação focada no tema em análise que se destinou à sociedade civil, e que se realizou na sala da Assembleia de Freguesia. A simbologia inerente ao espaço escolhido para este evento sublinhou o carácter coletivo da iniciativa, incorporando conceitos chave como por exemplo o conceito de cidadania e de democracia participativa. A Assembleia validou os dez princípios que haviam resultado das ações anteriores mas sugeriu a introdução de mais um princípio. Esse princípio refere a necessidade de “Incentivar e apoiar atividades ao nível educacional e cultural como elemento vital de desenvolvimento local”.

Tabela 4 – Temas e questões fundamentais da RS de acordo com ISO 26000 de 2011 versus a Carta de Princípios Éticos da Junta de Freguesia de Bobadela (CPEJFB)

Temas Fundamentais da ISO 26000

Governação Organizacional

Princípio ético da CPE da Junta Freguesia de Bobadela Questões Frequência

5 Governação organizacional 1

Direitos Humanos

Princípio ético da CPE da Junta Freguesia de Bobadela Questões Frequência

5 Diligência devida 1

6 Direitos civis e políticos 1

Práticas Laborais

Princípio ético da CPE da Junta Freguesia de Bobadela Questões Frequência

1 Diálogo social 1

Ambiente

Princípio ético da CPE da Junta Freguesia de Bobadela Questões Frequência

2Utilização sustentável

dos recursos1

Práticas Operacionais Justa

Princípio ético da CPE da Junta Freguesia de Bobadela Questões Frequência

1 Anticorrupção 1

4 Promoção RS cadeia valor 1

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Capítulo 15 – A responsabilidade social aplicada na administração local: estudo de caso da Freguesia Bobadela (Portugal)

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Tabela 4 – Temas e questões fundamentais da RS de acordo com ISO 26000 de 2011 versus a Carta de Princípios Éticos da Junta de Freguesia de Bobadela (CPEJFB)

Temas Fundamentais da ISO 26000

Questões relativas ao consumidor

Princípio ético da CPE da Junta Freguesia de Bobadela Questões Frequência

6Privacidade e proteção de

dados do consumidor1

Envolvimento e desenvolvimento das comunidades

Princípio ético da CPE da Junta Freguesia de Bobadela Questões Frequência

1Envolvimento

da comunidade1

2 Educação e cultura 2

3Criação emprego desenv. comp.

1

4Desenvolvimento acesso tecnologia

2

7 Investimento social 2

Fonte: José Ramalho (2013)

O quadro anterior pretende correlacionar os princípios que estão expres-sos na Carta de Princípios Éticos (CPE) da Junta de Freguesia de Bobadela com os temas e questões fundamentais da RS de acordo com NP 26000 de 2011. Neste exercício pretendeu-se identificar a frequência com que as ques-tões da Norma em análise se aplicam aos princípios éticos daquele documento. Quanto ao tema “Governação Organizacional” (1ª coluna) correlaciona-se com o 5º princípio da CPE. Em relação ao tema “Direitos Humanos” (2ª coluna), foram identificadas duas questões, “Diligência devida” e “Direitos Civis e Polí-ticos” que se correlacionam, respetivamente, com o 5º e o 6º princípio da CPE. No tema, “Práticas Laborais” (3ª coluna), foi identificada uma questão “Diálogo Social”, que se relaciona com o 1º princípio da CPE. O tema “Ambiente” (4ª co-luna) inscreve apenas a questão “Utilização Sustentável dos Recursos” que se cruza com 2º princípio da CPE. No tema “Práticas Operacionais Justas” foram identificadas duas questões, “anticorrupção” e “Promoção da RS na cadeia de valor” que se cruzam com o 1º e o 4º princípio da CPE. No tema “Questões rela-tivas ao consumidor” (6ª coluna) há a referir a questão “Privacidade e proteção de dados do consumidor”, inerente ao 6.º princípio da CPE. Por fim, o tema “Envolvimento e desenvolvimento das comunidades” inclui, neste contexto de análise, 5 questões – A questão “Envolvimento da Comunidade” e “Criação de emprego” aparecem com a mesma frequência de todas as que se referem nos temas anteriores. É de sublinhar, no entanto, que as outras três questões des-tas cinco, apresentam o dobro da frequência. São elas a Educação e Cultura”, “Desenvolvimento e acesso à tecnologia” e “Investimento Social”. No entanto, a partir deste resultado expresso em frequência, não se pretende retirar conclu-sões validadas estatisticamente, mas, antes obter uma apreciação de caracter qualitativo, baseada não só nos resultados descritos, mas, também da sensibi-lidade sociológica do autor desta dissertação.

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

– 220 –

De acordo com essa sensibilidade, poder-se-ia avançar como hipótese de trabalho (a confirmar o ou infirmar em trabalho a desenvolver oportunamente), que as partes interessadas e envolvidas objetivamente na elaboração da CPE reconhecem particular relevância nos aspetos promotores de desenvolvimento estruturante, isto é, nos domínios da “Educação e Cultura”, “Desenvolvimento e acesso à tecnologia” e “Investimento Social”. De facto podemos considerar essa sensibilidade como parte da incursão empírica que sustenta este projeto, dado que o investigador se assume, no domínio da investigação-ação e que este processo foi desenvolvido em várias vertentes assumidas pelo autor e descritas em capítulo próprio.

3.3. Conselho responsabilidade social da JFBO Conselho de Responsabilidade Social da Freguesia da Bobadela é uma

iniciativa do Programa de Responsabilidade Social da Junta de Freguesia da Bobadela que está a ser desenvolvido em parceria com o IDIS mais – Instituto de Desenvolvimento e Inovação Social e pretende nesta primeira fase estabe-lecer um conjunto de princípios éticos e sustentáveis que regule o Conselho como órgão multistakeholder tendo em vista: (a) O desenvolvimento integrado e sustentado da Freguesia da Bobadela; (b) Que as partes integrantes perce-bam o impacto que as suas atividades sejam estas com fim ou sem fim lucrativo têm na própria freguesia; (c) Promover a Cooperação e o Trabalho em Rede entre as diferentes entidades; (d) Auxiliar a Construção e Revisão contínua do Programa de Responsabilidade Social da Freguesia da Bobadela através do desenvolvimento de atividades; (e) Contribuir de forma eficaz e neutra para a criação de respostas ao atual contexto económico.

Pretende-se que o Conselho de Responsabilidade Social da Freguesia da Bobadela seja assim um órgão representativo de todas as partes interessadas da Freguesia contendo por isso representantes de todas as áreas de interven-ção na freguesia e que tenham um impacte direto ou indireto na Freguesia. No Conselho de Responsabilidade Social da Freguesia da Bobadela os respetivos participantes estão organizados por grupos que são os seguintes: Partidos Po-líticos e Comunicação Social, Associação de moradores e coletividades, cabelei-reiros e papelarias, automóveis e ginásios, comércio alimentar, minimercados e supermercados, bancos e publicidade, crianças ensino e formação, saúde, en-tidades diversas e individualidades, lojas diversas. De acordo com classificação das partes interessadas disposto no regulamento do Conselho de Responsabili-dade Social da Freguesia da Bobadela, das diversas reuniões que já acontece-ram e onde estiveram presentes, os membros do Conselho de Responsabilidade Social da Freguesia da Bobadela (ver Tabela 5).

Tabela 5 – Membros do Conselho Responsabilidade Social da freguesia de Bobadela

Tipologia parte Interessadas Nome

Cidadãos ou FreguesesRogério Gil (Musico), Paulo Pereira (musico), Liliana Queirós (modelo), José Pires (Empresário)

JFB (Executivo e colaboradores) Assembleia de Freguesia da Bobadela,

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Capítulo 15 – A responsabilidade social aplicada na administração local: estudo de caso da Freguesia Bobadela (Portugal)

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Tabela 5 – Membros do Conselho Responsabilidade Social da freguesia de Bobadela

Tipologia parte Interessadas Nome

Economia Social / 3.º Sector

Associação Reformados Pensionistas e Idosos da Freguesia de Bobadela, Associação dos Moradores e Proprietários do Bairro da PetrogalCentro de Saúde da Bobadela, Grupo Coral de Reformados P. Idosos de Bobadela, paroquia Nossa Senhora dos Remédios, União Cultural e Folclórica de Bobadela, Centro Social e Paroquial da Freguesia da Bobadela, Rede Social, Agrupamento 1243 Escuteiros,

Pequenas e Médias Empresas (Comercio Local)

Alsis - Sistemas Informáticos e Serviços Lda, Animoda, Banco Espírito Santo, Colégio Quinta da Parreinha, Clínica Novas Luzes, Centro de Explicações, Conchego do Boi, Café Chic, Eleclerc , Farmácia Central, Florista Oásis, Curiplanta, Histórias Partilhadas, Josilmar, LP Tintas, Moviflor, Pastelaria Torp, Presconta – Presta-ção de Serviços Contabilísticos, Vivafit

Escolas/área da educaçãoAgrupamento de Escolas da Bobadela, Associação Portuguesa de Educação Rodoviária

Comunicação social e órgãos da informação

Tribuna de Loures, Loures Magazine, Noticias De Cá e De lá e Rádio Horizonte Tejo

Outras entidades ou fornecedores (internas ou externas a freguesia)

Brain Your Business, Conselho Português para os Refugiados, Partido Socialista, Partido Comunista Português, Partido Social Democrático, Hospital Residencial do Mar, 76.º Esquadra PSP - São João da Talha Primavera Global.

Fonte: José Ramalho (2013)

O Conselho Responsabilidade Social da freguesia de Bobadela realizou três Sessões durante o ano de 2012, sendo aprovado o regulamento de funcio-namento, o Cube de Leitura e grupos de trabalho temáticos.

3.4. Orçamento participativo“Não pergunte o que a Bobadela pode fazer por si. Pergunte o que você pode

fazer por ela”; eis o mote do primeiro Orçamento Participativo da Bobadela (OPB), cujo objetivo central consistiu em atribuir aos fregueses o poder efetivo de contri-buírem para o desenvolvimento da sua freguesia, apresentando propostas e proje-tos que considerem prioritários e do interesse geral. Foram apresentadas 10 pro-postas, todas muito relevantes. As duas propostas vencedoras são requalificações na freguesia. Uma proposta na rua Mártires Tarrafal, e outra, colocação de foto-voltaica (painéis solares) nas instalações dos trabalhadores da Junta de freguesia. A escolha foi realizada pela comissão do Orçamento Participativo da Bobadela.

A freguesia da Bobadela é pioneira no concelho de Loures no âmbito do Orçamento Participativo, visto ter sido a primeira freguesia a avançar para esta prática progressista de governação pública. O Orçamento Participativo, adotado pela JF de Bobadela, assenta num modelo de carácter consultivo, com valor de 7.500 Euros, onde todos os fregueses eleitores da freguesia são chama-dos a apresentar propostas e projetos que são avaliados por uma comissão da Assembleia de Freguesia até ao dia 15 de Novembro.

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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3.5. Programa acessibilidade e mobilidade urbana A Junta de Freguesia de Bobadela, em articulação com a Câmara Muni-

cipal de Loures, implementou o Programa AMU-Bobadela no solo público da freguesia, respondendo a uma antiga aspiração dos Bobadelenses. O sucesso desta obra, de todos e para todos, depende também do cumprimento de prin-cípios cívicos e regras de sinalização e trânsito exigíveis a condutores e peões. O projeto de mobilidade implementado na Bobadela com o rebaixamento dos passeios, a melhoria da sinalização vertical e horizontal, e a reorganização das passadeiras, fizeram a Bobadela mais segura para todos os peões, mas prin-cipalmente para os cidadãos com mobilidade reduzida. É um projeto único em todo o Concelho de Loures.

3.6. Programa Bobadela Vila RockTrata-se de um projeto cultural na vertente da juventude, e que faz parte

do programa responsabilidade Social da JFB. Este projeto tem como objetivo, o apoio e a divulgação de Bandas e Músicos residentes, ou que ensaiem, na fre-guesia de Bobadela. Está disponível no site da Junta de Freguesia um questio-nário para que todos os músicos e bandas se possam inscrever nesta iniciativa. Assim, pretende-se mapear toda a atividade musical desenvolvida na freguesia da Bobadela. Será editado um livro anuário ou Diretório Musical com toda a informação acerca dos músicos e bandas, a colocar no site da JFB, de modo, que todos possam consultar, assim, trocarem de informação. Os produtos já concre-tizados no âmbito do programa “Bobadela Vila Rock” são o logótipo, shirts na 2.ª edição do Bobadela. Vila Rock em 2012, duas edições do festival de bandas de garagem (2011 e 2012), questionário ou formulário online “Bandas ou Mú-sicos residentes a Freguesia de Bobadela” e de forma ainda oficial o Conselho Consultivo de Peritos Musicais da “Bobadela. Vila Rock”. O projeto Bobadela. Vila Rock não se pretende como um evento pontual e único. Consequentemente pretende-se numa perspetiva gizada pela coesão e pelo futuro, criar a marca Bobadela. Vila Rock, devendo os termos Vila e Rock surgirem sempre como termos únicos, traduzindo-se numa fusão com o Rock – Vila Rock.

3.7. O projecto "Inserir com Escolhas"Insere-se no Programa Escolhas, de âmbito nacional, e tem como missão

promover a inclusão social de crianças e jovens de contextos socioeconómicos vulneráveis, visando a igualdade de oportunidades e o reforço da coesão social. Presta serviço a crianças e jovens (dos 6 aos 24 anos), das áreas geográficas da Bobadela e São João da Talha (Loures), os principais destinatários, ao mes-mo tempo que abrange os familiares como beneficiários indiretos (atingindo mais de 300 indivíduos). Assim, mantém atividades diversas que se incluem em 5 áreas de intervenção: (1) Inclusão escolar e educação não formal; (2) For-mação profissional e cidadania; (3) Dinamização comunitária e cidadania; (4) Inclusão digital; (5) Empreendedorismo e capacitação. Na prática, traduz-se em sessões que vão desde Apoio ao estudo, Jogos lúdico-pedagógicos, Despor-to, Dança, Teatro, Escrita criativa, Bricolage, passando pelo acesso às novas tecnologias (no Centro de Inclusão Digital a funcionar no Espaço Internet da Bobadela), até ações de Formação Profissional, Empreendedorismo e Capaci-

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Capítulo 15 – A responsabilidade social aplicada na administração local: estudo de caso da Freguesia Bobadela (Portugal)

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tação, Voluntariado, Horta urbana, Culinária, Educação Parental, Banco de emprego. As entidades que fazem parte do consórcio do projeto (CM Loures, CPCJ de Loures, NHC Social (entidade gestora), E-leclerc Bobadela, Agrupa-mento de Escolas da Bobadela, Escola Intercultura da Amadora, a Junta de Freguesia da Bobadela.

4. ConclusõesAs autarquias, em particular as Juntas de Freguesia, são atores estra-

tégicos hoje confrontados com a necessidade de desmaterializar a sua in-tervenção, em favor da promoção do conhecimento e da inovação. De forma genérica, mas igualmente central, importa garantir a qualidade de vida da população, sem descurar o papel crescente que as freguesias vêm assumindo na promoção das atividades económicas. O poder local, enquanto estratégia gestionária de mudança organizacional a desenvolver pelos Municípios, pode e deve constituir-se como veículo privilegiado na difusão e implementação de processos consistentes de Desenvolvimento Sustentável. Estes processos são, no nosso entendimento, mais facilmente implementáveis em contexto autár-quico, devido à natureza das funções orgânicas e eminentemente sociais que caracterizam este tipo de organizações. Neste caso, referimo-nos, em parti-cular, às Juntas de Freguesia, dado que se encontram mais próximas das po-pulações e, portanto, das diferentes partes interessadas a quem distribuem, segundo critérios previamente estabelecidos, incentivos e apoios diversos. No entanto, de uma forma geral, os órgãos de gestão dos Municípios e Juntas de Freguesia não consideram especialmente importante a divulgação e repor-te de atividades socialmente responsáveis, ao contrário do que se passa nas grandes empresas em que os relatórios são muito valorizados por se cons-tituírem como fatores concorrenciais e diferenciadores, designadamente em contexto de internacionalização.

Há múltiplos modelos de relatórios neste domínio da sustentabilidade, sendo que a GRI – Global Reporting Iniciative, se constitui como um modelo certificável e amplamente reconhecido, tanto pela comunidade científica como no domínio organizacional. De facto integra um conjunto de requisitos com especial interesse para as organizações em geral e, portanto, para entidades públicas em particular. A importância do reporte reside no facto de se consti-tuir como um instrumento de validação estruturante qualquer que seja o domí-nio gestionário. Quando as opções gestionárias e políticas são implementadas a partir do erário público, essa importância é especialmente significativa e centra-se em torno de dois conceitos incontornáveis e associados causalmente. A prestação de contas (accountability) a destinar periodicamente às diferentes partes interessadas (stakeholders).

A crise das finanças públicas e a crescente exigência da União Europeia neste universo, conduz à necessidade de agir em conformidade com princípios de transparência a que os órgãos de poder local devem obedecer com especial empenho. Contudo, em Portugal, este tipo de relatórios não são legalmente obrigatórios e constituem-se apenas como instrumentos de controlo de gestão “soft law”, o que não favorece uma adesão generalizada. É de sublinhar, no entanto, alguns exemplos de referência como o município de Idanha-a-Nova,

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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Porto (primeiro município com relatório), Sertã (segundo município com relató-rio) e Loulé que já apresentaram os seus relatórios de Sustentabilidade ou de Responsabilidade Social.

Seja como for, os Municípios e as Juntas de Freguesia exercem uma gran-de influência junto das respetivas populações, facto que favorece considera-velmente a implementação efetiva de planos estratégicos de Responsabilidade Social, como via para a prossecução de um modelo de Desenvolvimento Local Sustentável. Assim sendo, à Responsabilidade Social, acresce a responsabili-dade política cuja preocupação deve incidir na melhoria da qualidade de vida das populações e numa lógica de desenvolvimento assente no tripé da susten-tabilidade.

Conforme descrito no Quadro 2, destinado à formulação do quadro de hi-póteses que sustenta esta investigação, admitimos que a Junta de Freguesia dispõe de autonomia relativa na gestão dos recursos disponíveis e no desen-volvimento dos projetos em curso. Referimos também que as quatro hipóteses foram formuladas com base na sensibilidade e conhecimento que o autor deste trabalho adquiriu ao longo dos anos em que tem colaborado com a autarquia e, particularmente, enquanto responsável pelo pelouro da RS e sublinhámos a in-tenção de desenvolver a investigação no âmbito de uma análise eminentemente qualitativa, até porque o autor sendo observador participante no decurso de toda o trabalho, assume-se como fonte de informação relevante no universo da incursão empírica, dado que tem sido um dos elementos responsáveis pela ela-boração do programa de Responsabilidade Social a implementar na autarquia. Recordamos que este quadro de hipóteses pretende dar resposta à questão de partida que enunciamos na introdução do estudo, isto é, procurámos elencar e compreender quais os impactes decorrentes da aplicação de um programa de RS na JFB. Embora a questão de partida tenha inspirado a construção des-te quadro de hipóteses de trabalho, reconhecemos que a hipótese nº 4 carece de elementos mais substantivos que nos permitam garantir a cientificidade desejável para a confirmação correspondente. Quanto às restantes hipóteses consideramos que estão validadas através das respostas aos questionários que lançámos para este efeito, de onde destacamos a valorização do conceito de Responsabilidade Social. Justificada pela assunção dos compromissos subscri-tos por todos os intervenientes na elaboração da Carta de Princípios Éticos da JFB, tanto do ponto de vista do Executivo da Autarquia, como dos correspon-dentes fregueses e entidades envolvidas.

Mas, tal como referimos na introdução deste trabalho, uma das formas para alcançar o desenvolvimento sustentável, consiste em formalizar compro-missos com todas as partes interessadas. Neste contexto, concluímos que as decisões adotadas pela Administração Local dependem do envolvimento e das necessidades das diferentes partes interessadas; que a autoridade dos Exe-cutivos é reconhecida pelos múltiplos atores sociais que integram o território administrativo sob a sua tutela; e que responde adequadamente aos principais requisitos de missão do Governo Local: a satisfação de um conjunto de necessi-dades e expectativas da sociedade identificadas, como a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e da comunidade que representa.

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Capítulo 15 – A responsabilidade social aplicada na administração local: estudo de caso da Freguesia Bobadela (Portugal)

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Referências bibliográficas

Carapeto Carlos, Fonseca Fátima (2006) Administração Pública, Modernização, Qualidade e Inovação, Edições Sílabo.

Ethos, (2004). Guia de compatibilidade de ferramentas – Instituto Ethos de Empresas e Res-ponsabilidade Social /UniEthos – Educação para a Responsabilidade Social e o Desen-volvimento Sustentável – São Paulo.

Gonçalves, J. (2013). ‘Autarquia Inclusiva e Participada’. O Mirante. Santarém

Instituto Português da Qualidade (2011). NP ISO 26000:2011 – Linhas de Orientação da Responsabilidade Social, Monte da Caparica.

Quintal, José. (2009). Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social no Sector dos Transportes Públicos – Instituto Superior de Economia e Gestão – Lisboa.

Ramalho, José (2013). Implementação de um programa de Responsabilidade Social na Junta de Freguesia de Bobadela (2009 – 2013) – Instituto Superior de Gestão – Lisboa.

(http://comum.rcaap.pt/bitstream/123456789/7298/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o_Jos%-C3%A9_Ramalho.pdf)

Sobre os autores

José António Pontes QuintalMestre em Sociologia Económica e das Organizações do Instituto Superior de Econo-mia e Gestão (ISEG)Técnico Superior/ Sociólogo no Núcleo de Apoio Social da Transportes de Lisboa.

José Elias Parreira RamalhoMestre em Gestão pelo Instituto Superior de Gestão e Professor Universitário (ISG)

José Fidalgo GonçalvesMestre em Gestão Autárquica pelo Instituto Superior de Educação e Ciências e Profes-sor Universitário (ISEC)

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16diáLogo e mecAnismos de queixAs como instrumentos

de gestão responsáveL Cintia Takada

Marcia Bellotti

Vânia de Lourdes Marques

O objetivo deste texto é discorrer sobre como o diálogo com as partes inte-ressadas (stakeholders ou públicos impactados) e, em especial, os meca-nismos de queixas, podem contribuir para a gestão responsável, facilitan-

do a transformação organizacional na direção de um modelo mais sustentável. Inicialmente, serão abordados os conceitos associados à responsabilidade

social, ao diálogo e aos mecanismos de queixas, no contexto da gestão respon-sável, bem como os princípios que regem essas práticas e sua aplicabilidade, em especial o princípio da accountability.

Em seguida, será apresentado um apanhado das principais diretrizes, iniciativas e ferramentas, de uso global e nacional, para a gestão desses temas nas organizações. Estarão contempladas as principais abordagens contidas em cada uma delas, visando colocar em prática os princípios e premissas envolvi-das e as ações propostas.

Também são abordadas as práticas de empresas que utilizam o diálogo com suas partes interessadas e disponibilizam mecanismos de queixas. A se-leção dos casos teve como foco empresas cujas atividades de negócio provocam impactos negativos relevantes, diretos e/ou indiretos, em comunidades locais. Foi escolhido o setor de mineração, de natureza extrativista e com resultados relevantes e diretos nas comunidades onde tem operações, por apresentar prá-ticas de diálogo com as partes interessadas, implementadas pelo desejo ou a necessidade de manter a licença social destas empresas.

1. IntroduçãoAo reconhecer sua responsabilidade pela gestão dos impactos gerados a

partir de suas operações, as empresas têm implantado diferentes iniciativas para mapear esses impactos e desenvolver planos efetivos de gestão. A impor-tância de estabelecer canais de interação com os diferentes públicos impacta-dos é clara, quer sejam aqueles com relacionamento comercial com a empresa (clientes, fornecedores, parceiros de negócios), quer não (comunidade, governo

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e seus representantes de esfera nacional, estadual e principalmente, munici-pal). Através do recebimento de manifestações dos stakeholders, a empresa tem a oportunidade de entender as necessidades e percepções desses atores sobre a sua operação, os seus resultados ambientais, sociais e econômicos e seus impactos. Ao disponibilizar canais de interação, pode demonstrar ainda que reconhece os interesses dos stakeholders como legítimos.

São diferentes tipos de canais que podem ser estabelecidos, desde cai-xas de sugestões, comumente utilizadas com o público interno e de baixa com-plexidade para implantação, até os mecanismos de ouvidoria ou SAC (serviço de atendimento ao consumidor) com linhas de recebimento de ligações 0800 e comunicação via web. Estas últimas são disponibilizadas para públicos como consumidores, clientes, fornecedores e comunidades, em alguns casos. O canal menos frequente nas organizações é o do diálogo propriamente dito. No diálogo há maior interação, com a possibilidade de que cada parte envolvida exponha seu ponto de vista. Isto não ocorre nos outros canais, onde há o recebimento da manifestação do stakeholder mas sem a interação (diálogo) que permita a troca de informações entre os participantes, a reflexão sobre os temas e a oportuni-dade de construção conjunta de medidas a serem implementadas.

2. Sustentabilidade como uma rede de conversaçãoUma das características dos seres humanos é a sua capacidade de cons-

truir mundos, modos de viver e realidades através de combinados (termo usado por Maturana para referir-se aos acordos estabelecidos entre as partes) possí-veis de serem feitos através de conversas. A conversação se caracteriza por ser um fluxo de coordenações de ações e emoções que ocorrem através da interação recorrente na linguagem. No domínio da biologia, emoções se caracterizam pela conduta relacional de um ser vivo diante de um determinado contexto (DAVILA, MATURANA e MUÑOZ, 2008). Na atual cultura dos seres huma-nos, o fluxo de coordenações de ações e emoções permite a criação de diver-sas redes de conversação, em diferentes domínios como ciência, política, vida pessoal, profissional, família, religião, entre outros. São redes de conversação criadas a partir de crenças, desejos, vontades e saberes.

E por que será que o tema da sustentabilidade é central nas conversa-ções de hoje? Entendemos que ao se dar conta de que o atual modo de viver dos humanos não é sustentável, ao ameaçar a possibilidade de continuidade da vida como concebida até então, emergem diferentes redes de conversação em torno da questão. É certo que a dinâmica do viver de todos os seres vivos, e em particular, dos seres humanos, gera transformações no meio onde estão inseridos que resultam em impactos positivos e negativos. Portanto, a ques-tão chave para uma sociedade sustentável não é a dinâmica de transforma-ção, e sim como lidamos com ela. Assim, a questão central para o movimento da responsabilidade social é buscar atuar sobre os resultados das transfor-mações que os seres humanos geram, de maneira ética, de modo que o viver não resulte em danos a outros ou não esteja focado unicamente no resultado de curto prazo, sem se preocupar com os danos causados. Desta forma, tratar de responsabilidade social implica em que haja abertura para formação de redes de conversação com diferentes públicos implicados com o operar das

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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organizações. Descortinar novas formas de atuação, sustentáveis, pressupõe diálogo e acolhimento da diversidade de olhares.

A palavra “diálogo” é oriunda do vocábulo grego “diálogos”, onde “logos” se refere ao significado da palavra e “dia” quer dizer ‘através de’: “uma corrente de significados fluindo entre as pessoas ou através das pessoas” (BOHM, 2001). O diálogo pode ampliar a percepção cooperativa de determinado contexto se os envolvidos estiverem dispostos a escutar uns aos outros, acolhendo o que é exposto sem julgamento ou defesa de posições.

3. Diálogo e gestão responsávelA necessidade de diálogo é um dos pilares da gestão responsável, pois ela

parte da premissa de formular e implantar processos que satisfaçam os grupos que tenham interesse, reivindicação ou direito na organização, tanto em nível estratégico como no dia-a-dia das operações e atividades empresariais. Para o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social:

Responsabilidade social é a forma de gestão que se define pela re-lação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, pre-servando recursos ambientais e culturais para gerações futuras, res-peitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais (ETHOS, 2014).

Para se relacionar de forma ética e transparente com as partes interes-sadas é necessário conhecer quais os temas de seu interesse e a sua percepção dos impactos e dos resultados gerados. Ressalta-se que as partes interessadas da empresa não estão restritas àquelas relacionadas diretamente ao negócio, como acionistas, clientes, funcionários e fornecedores, haja vista que os resul-tados positivos e negativos de sua operação extrapolam os limites do negócio. “O esforço de uma organização para entender e envolver os stakeholders e suas preocupações em suas atividades e processos decisórios” é chamado de engaja-mento (ACCOUNTABILITY, 2008).

4. Mecanismos de queixas Dentre as diferentes estratégias de engajamento, um instrumento que tem

ganhado destaque nos últimos anos são os mecanismos de queixas. Também, co-nhecidos como mecanismos de reclamações ou mecanismos de denúncias, os meca-nismos de queixas referem-se aos procedimentos não judiciais implantados pelas organizações para receber manifestações dos públicos impactados por sua opera-ção (em geral comunidades que podem ser grupos étnicos, minoritários ou não) e os respectivos processos de tratamento das manifestações. De acordo com as dire-trizes da Global Reporting Initiative, os mecanismos formais de queixas são siste-mas que consistem em procedimentos, funções e normas específicas para atender metodicamente a queixas e solucionar controvérsias (GRI, 2015). Os mecanismos de queixas devem contemplar tanto os canais de recebimento da informação como os processos de encaminhamento e resolução de possíveis conflitos.

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Capítulo 16 – Diálogo e mecanismos de queixas como instrumentos de gestão responsável

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Se, por um lado, tais mecanismos devem ser corporativos e subsidiar a gestão de forma estratégica, por outro é no nível da operação que os problemas emergem e devem receber as primeiras tratativas. Neste estudo, verificou-se que, em geral, as empresas denominam mecanismos de queixas aqueles voltados para acolher as queixas no nível da operação ou projeto. De forma geral esses instrumentos visam atuar sobre possíveis controvérsias decorrentes de impactos de decisões e ativi-dades das empresas sobre questões sociais (incluindo as dos direitos humanos), ambientais e econômicas. Denominam como ouvidoria os canais de âmbito corpo-rativo e diretamente relacionados aos princípios de conduta e ética estabelecidos.

A seguir, são apresentadas algumas ferramentas que criam um espaço favorável para a adoção de mecanismos de queixas:

Global Reporting Initiative (GRI)Organização internacional independente fundada em 1997, com sede em

Amsterdã, que ajuda empresas, governos e outras organizações a compreender e comunicar o impacto dos negócios associado a questões críticas de sustenta-bilidade, tais como mudanças climáticas, direitos humanos, corrupção e muitos outros. Para auxiliar no processo de transparência das empresas, a GRI desen-volveu, por meio de um processo global e multi-stakeholder, as Diretrizes GRI para elaboração relatórios de sustentabilidade (GRI, 2015).

As Diretrizes GRI constituem um padrão internacional para divulgação de informações sobre os impactos de uma organização – sejam positivos ou negativos – sobre o meio ambiente, a sociedade e a economia. Sua adoção as au-xilia a estabelecer metas, aferir seu desempenho e gerir mudanças com vistas a tornar suas operações mais sustentáveis. É um instrumento de adesão volun-tária voltado a empresas, organizações não governamentais e governamentais de qualquer porte ou setor. Sua estrutura está composta por informações sobre a empresa e sua gestão e indicadores de desempenho nas dimensões ambiental, social e econômica (GRI, 2015).

Mecanismos de Queixas nas Diretrizes GRI G4 – Na versão G4, o mecanismo de queixa está contemplado nos aspectos ética empresarial, práticas trabalhistas, direitos humanos e sociedade. A diretriz reco-menda que a empresa relate a existência de canais formais para avaliar a conduta ética da empresa (itens G4-57 e G4-58) e o número de queixas registradas, processadas e solucionadas por mecanismo formal para os temas práticas trabalhistas, respeito aos direitos humanos e impactos na sociedade (indicadores G4-LA16, G4-HR12 e G4-SO11).

Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos – ONUA Organização das Nações Unidas (ONU) é uma organização internacio-

nal formada por países que se reuniram voluntariamente para trabalhar pela paz e o desenvolvimento mundial. O nome Nações Unidas foi concebido pelo presidente norte-americano Franklin Roosevelt e utilizado pela primeira vez na Declaração das Nações Unidas, de 1º de janeiro de 1942. Em junho de 2011, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou por consenso os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos elaborados pelo Represen-

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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tante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas, Professor John Rug-gie. Esses 31 princípios, elaborados a partir de normas preexistentes, visam à consolidação de parâmetros normativos aplicáveis à conduta das empresas em relação ao respeito dos direitos humanos.

Mecanismos de Queixas nos Princípios Orientadores sobre Em-presas e Direitos Humanos – ONU – Os mecanismos de queixas, no-meados como mecanismos não estatais de denúncia, são recomendados no princípio 29, que orienta:

Para que seja possível atender rapidamente e reparar diretamente os danos causados, as empresas devem estabelecer ou participar de me-canismos de denúncia eficazes de nível operacional à disposição das pessoas e comunidades que sofram os impactos negativos (UN, 2011).

Mecanismos de Queixas nos Princípios Orientadores sobre Em-presas e Direitos Humanos – ONU (continuação) – O principio 31 traz critérios para que os mecanismos não judiciais de denúncia sejam eficazes. São eles:

• Legítimos: suscitar a confiança dos grupos de interesse aos quais estão destinados e responder pelo correto desenvolvimento dos processos de denúncia;

• Acessíveis: ser conhecidos por todos os grupos interessados aos quais estão destinados e prestar a devida assistência aos que possam ter es-peciais dificuldades para acessá-los;

• Previsíveis: dispor de um procedimento claro e conhecido, com um prazo indicativo de cada etapa, e esclarecer os possíveis processos e resultados disponíveis, assim como os meios para supervisionar a im-plementação;

• Equitativos: assegurar que as vítimas tenham um acesso razoável às fontes de informação, ao assessoramento e aos conhecimentos especia-lizados necessários para iniciar um processo de denúncia em condições de igualdade, com plena informação e respeito;

• Transparentes: manter informadas as partes num processo de denún-cia de sua evolução, e oferecer suficiente informação sobre o desempe-nho do mecanismo, com vistas a fomentar a confiança em sua eficácia e salvaguardar o interesse público que esteja em jogo;

• Compatíveis com os direitos: assegurar que os resultados e as repa-rações sejam conforme aos direitos humanos internacionalmente reco-nhecidos;

• Uma fonte de aprendizagem contínua: adotar as medidas pertinentes para identificar experiências a fim de melhorar o mecanismo e prevenir denúncias e danos no futuro;

• Basear-se na participação e no diálogo: consultar os grupos interessa-dos, para os quais esses mecanismos estão destinados, sobre sua con-cepção e seu desempenho, com especial atenção ao diálogo como meio para abordar e resolver as denúncias (UN, 2011).

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Capítulo 16 – Diálogo e mecanismos de queixas como instrumentos de gestão responsável

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IFC – Padrões de desempenho sobre sustentabilidade socioambientalA International Finance Corporation – IFC, subsidiária do Banco Mundial,

utiliza os Padrões de Desempenho sobre Sustentabilidade Socioambiental para avaliar os riscos sociais e ambientais dos projetos do setor privado para os quais concede financiamento. No caso de seus investimentos diretos (incluindo os finan-ciamentos corporativos e de projetos fornecidos por meio de intermediários finan-ceiros), a IFC requer que seus clientes apliquem os Padrões de Desempenho para gerenciar riscos e impactos socioambientais, a fim de aperfeiçoar as oportunidades de desenvolvimento, no sentido da incorporação da sustentabilidade (IFC, 2012).

Mecanismos de Queixas dos Padrões de desempenho sobre sus-tentabilidade socioambiental da IFC– No padrão de Desempenho 1, relativo à Avaliação e Gestão de Riscos e Impactos Socioambientais, recomenda que, onde houver comunidade afetada, os seus clientes esta-beleçam um mecanismo de reclamação para receber e facilitar a solu-ção de preocupações e reclamações oriundas do seu desempenho socio-ambiental. O mecanismo de reclamação é também recomendado para avaliar as condições de trabalho e emprego e questões sobre aquisição de terra e reassentamento involuntário.

Além da recomendação da implantação do mecanismo de queixa, a IFC recomenda que as seguintes etapas sejam contempladas no processo do mecanismo:

• receber e registrar comunicações externas do público; • examinar e avaliar as questões levantadas e determinar a maneira de

tratá-las; • fornecer, monitorar e documentar respostas, se houver; • ajustar processos de gestão e operação, conforme apropriado. • disponibilizar ao público relatórios periódicos sobre sua sustentabilida-

de socioambiental (IFC, 2012).

Norma ABNT NBR ISO 26000A ISO 26000 é uma norma sem fins de certificação, elaborada pela Orga-

nização Internacional para Padronização (ISO, na sigla em inglês) através de um processo multipartes com a participação de mais de 90 países e 40 organi-zações internacionais ou com ampla atuação regional envolvidas em diferentes aspectos da responsabilidade social. No Brasil, a norma brasileira criada a partir da ISO 26000 foi a ABNT NBR 16001. Ela foi elaborada pela Comissão de Estudo Especial de Responsabilidade Social (ABNT/CEE-111), que parti-cipou ativamente da elaboração da ISO 26000. O conteúdo técnico da ABNT NBR ISO 26000 foi amplamente discutido e divulgado no Brasil em eventos e reuniões dessa Comissão, utilizando também o processo multipartes.

Mecanismos de Queixas na ISO 26000 – A ABNT NBR ISO 26000 recomenda o mecanismo de atendimento de queixas como uma forma de proteger os direitos humanos, pois entende que ele permite a busca pela reparação, através da comunicação da queixa.

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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Diretrizes da OCDE para as Empresas MultinacionaisAs Diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Eco-

nômico (OCDE, na sigla em inglês) para as Empresas Multinacionais são re-comendações dirigidas pelos governos às multinacionais que operam dentro ou a partir de países aderentes. Elas visam promover contribuições positivas por parte das empresas para o progresso econômico, ambiental e social em todo o mundo. Estão organizadas em princípios e padrões voluntários para a conduta empresarial responsável, em um contexto global, de acordo com as leis adota-das e os padrões internacionalmente reconhecidos (BRASIL, 2011).

O cumprimento das Diretrizes pelas empresas é voluntário e não é legal-mente exigível. No entanto, algumas questões abrangidas por elas também podem ser reguladas pela legislação nacional ou compromissos internacionais. O cumprimento das leis nacionais é a primeira obrigação das empresas. As Diretrizes não são um substituto para, nem devem ser consideradas suplan-tadoras das leis e regulamentos domésticos. Embora se estendam além da lei em muitos casos, não devem e não são destinadas a colocar uma empresa em situação em que esta enfrente exigências conflitantes. No entanto, em países onde leis e regulamentos nacionais conflitem com os princípios e padrões in-ternacionais das Diretrizes, as empresas devem buscar meios para honrar as Diretrizes da OCDE sem violar a legislação dos países onde ela está inserida.

Mecanismos de Queixas nas Diretrizes da OCDE para as Empre-sas Multinacionais – As diretrizes recomendam o mecanismo de queixa como um meio eficaz para que as empresas possam avaliar os impactos de suas atividades em relação aos direitos humanos e encon-trar soluções entre as partes, com base no diálogo e engajamento. Afir-mam que os mecanismos de queixa podem ser administrados por uma empresa, sozinha ou em colaboração com outras partes interessadas, e podem ser uma fonte de aprendizado contínuo. Os mecanismos de quei-xa de nível operacional não devem ser usados para minar o papel dos sindicatos em relação às disputas trabalhistas, nem para dificultar o acesso aos mecanismos de queixa judiciais ou extrajudiciais, incluin-do os relativos aos Pontos de Contato Nacionais, que são as instâncias para receber e dar encaminhamento às denúncias, em nível nacional, no âmbito das Diretrizes (BRASIL, 2011)

Indicadores Ethos para Negócios Sustentáveis e ResponsáveisDesenvolvidos pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade So-

cial, visam avaliar o quanto a sustentabilidade e a responsabilidade social têm sido incorporadas nos negócios, auxiliando a definição de estratégias, políticas e processos. Embora traga medidas de desempenho nesses temas, esta ferra-menta não se propõe a medir o desempenho das empresas nem a reconhecê-las como sustentáveis ou responsáveis.

Mecanismos de Queixas nos Indicadores Ethos – O mecanismo de queixa está inserido nos Indicadores Ethos como uma iniciativa ou prá-tica de gestão no tema Engajamento de Partes Interessadas. A ferra-

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Capítulo 16 – Diálogo e mecanismos de queixas como instrumentos de gestão responsável

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menta avalia se a empresa confere prioridade às principais partes inte-ressadas, relacionando-se com elas por meios de canais que favorecem a recepção de opiniões, sugestões, dúvidas, reclamações e denúncias. Algumas práticas citadas são:

• A existência de uma sistema de registros de demandas e queixas e um controle sobre o atendimento de cada assunto.

• A existência de um canal de denúncias que oferece sigilo aos stakehol-ders.

• A existência de procedimentos para tratar rápida e adequadamente as queixas e denúncias (ETHOS, 2014).

Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE)Criado pela Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros (BM&FBOVESPA

S.A.), tem o propósito de comparar o desempenho de um grupo de empresas listadas na bolsa sob o aspecto da sustentabilidade corporativa, baseado em eficiência econômica, equilíbrio ambiental, justiça social e governança corpora-tiva. Entrou em vigor no dia 1º de dezembro de 2005 e a seleção das empresas listadas no ISE acontece mediante preenchimento de questionário, enviado às empresas cujas ações são as mais negociadas na BM&FBOVESPA.

O ISE também amplia o entendimento sobre empresas e grupos comprome-tidos com a sustentabilidade, diferenciando-os em termos de qualidade, nível de compromisso com o desenvolvimento sustentável, equidade, transparência e prestação de contas, natureza do produto, além do desempenho empresarial nas dimensões econômico-financeira, social, ambiental e de mudanças climáti-cas (BM&F/BOSVESPA, 2015).

Mecanismos de Queixas no ISE – No ISE, o mecanismo de queixa está condicionado ao tema Relacionamento com a Comunidade. A empresa é indagada se possui diretrizes de relacionamento com a comunidade e seu grau de formalização, como, por exemplo, garantia de que as reclamações das comunidades sejam respondidas e gerenciadas de forma apropriada. Avalia também se a empresa assegura canais de diálogo com a comuni-dade visando o desenvolvimento local (BM&F/BOSVESPA, 2015).

4. Mecanismos de queixa e o relacionamento com comunidadesO setor de mineração, pela natureza extrativista da operação, com im-

pactos ambientais e interferências sociais relevantes, reúne vasta experiência de relacionamento com comunidades, que nem sempre foi bem sucedida. Nos últimos anos, com a crescente preocupação em assegurar os direitos huma-nos, particularmente em resposta ao relatório Ruggie (RUGGIE, 2009), no-vas tratativas de relacionamento comunitário estão sendo implementadas por empresas do setor. O Conselho Internacional de Mineração e Metais (ICMM, na sigla em inglês) que reúne representantes de diferentes empresas líderes destes setores e fomenta o desenvolvimento sustentável, publicou, em 2009, um guia sobre o “Tratamento e resoluções de preocupações e queixas”. Nas orien-tações encontram-se princípios e etapas de um mecanismo de queixas. Dentre os princípios estão: assegurar acesso da comunidade ao mecanismo de queixa;

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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estabelecer processo previsível e transparente; construir bases para confiança e legitimidade do mecanismo; criar estrutura organizacional de suporte ao me-canismo (ICMM, 2009).

As etapas para desenhar os mecanismos propriamente ditos, estabele-cem: avaliação da natureza e ou potencial de queixas; desenhar o mecanismo, divulgar, operacionalizar (receber e dar tratativa às queixas) e monitorar. É ainda recomendado que haja envolvimento de um terceiro neutro para mediar conflitos já instalados ou conduzir o processo de recebimento das queixas e o endereçamento das questões à empresa de forma neutra, garantindo maior credibilidade ao processo (ICMM, 2009). Recomendações similares também são encontradas no trabalho publicado pelo Centro de Responsabilidade Social em Mineração (CSRM, na sigla em inglês), da Universidade de Queensland (CSRM, 2009).

No Brasil, empresas de mineração, como a Vale, a Votorantim, a Anglo Gold Ashanti e a Anglo American, apresentam práticas de relacionamento com as comunidades e disponibilizam mecanismos de queixas. A Figura 1, a se-guir, reúne o fluxo das etapas e atividades comumente encontradas nos proces-sos de queixas implantados nas empresas mencionadas. Figura 1: Mecanismos de Queixas – Exemplo de Processos Encontrados em Empresas

Mecanismos de queixas

E-mail 0800 Carta Portal web Reunião

Classificação e registro da queixa no sistema

Notificação do registro para áreas responsáveis

Resposta imediata ao denunciante não anônimo: esclarecimento do Processo em curso

Investigação

Comitê de Governança

Relatório de Resultados

Revisão e melhoria de processos Transparência

Fonte: Takao Diálogos para a Sustentabilidade

Mineração Rio do NorteMineradora de bauxita localizada em Oriximiná, no Pará, que contava

com aproximadamente 1.400 funcionários em 2013. Para monitorar e avaliar questões relacionadas à ética e conduta na empresa, implementou, em 2008, um processo de ouvidoria para receber, analisar e resolver demandas rela-cionadas ao seu código de ética e conduta. A ouvidoria está disponível para funcionários, fornecedores, prestadores de serviços, clientes e membros da co-munidade (MRN, 2014).

As denúncias, solicitações, sugestões e críticas podem ser feitas por e-mail, telefone, carta ou pessoalmente. A participação é feita de forma sigi-losa e o prazo para tratamento das questões é de dez dias. Todos os registros nesse canal são avaliados semanalmente pela diretoria executiva da empresa e comunicados uma vez ao mês ao seu Conselho Diretor.

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Capítulo 16 – Diálogo e mecanismos de queixas como instrumentos de gestão responsável

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Tabela 1 – Denúncias, solicitações, sugestões e críticas na Mineração Rio do Norte (2013)

Origem das ManifestaçõesOcorrências

Nº %

Pessoas de empresas contratadas 144 46

Empregados 110 35

Comunidade 59 19

Total de manifestações 313 100

Fonte: MRN (2014)

A credibilidade da ouvidoria para os públicos que ela atende é assegurada pelos pressupostos de garantia do sigilo, apuração de forma imparcial e agili-dade nas respostas aos reclamantes (MRN, 2014).

Samarco Mineração S.A.Empresa brasileira de capital fechado, tendo como acionistas a BHP Billi-

ton Brasil Ltda. e a Vale S.A. Sua atuação está focada na extração do minério de ferro e processamento para pelotas de minério de ferro. Com operações em Minas Gerais e Espírito Santo, tinha, em 2014, cerca de três mil empregados diretos e cerca de três mil e quinhentos contratados.

Para monitorar o cumprimento de políticas e fazer a gestão do seu código de conduta, a empresa dispõe de ouvidoria, que conta com equipe responsável por acolher e apurar denúncias e oferecer tratativas para minimizar riscos, aprimorar a gestão e engajar empregados e parceiros nas políticas, normas e leis aplicáveis. As denúncias e dúvidas relacionadas à ética e conduta podem ser feitas por telefone 0800, e-mail, formulário eletrônico localizado no website da empresa ou intranet.

A responsabilidade de avaliação dos registros é do Comitê de Conduta da empresa, formado pelo presidente, ouvidor, e gestores das áreas de saúde e segurança, recursos humanos, jurídica e de risco. Em 2014 a ouvidoria da Samarco recebeu 23 consultas e 146 denúncias (ver Tabela 2, a seguir).

Tabela 2 – Consultas e Denúncias Recebidas pela Ouvidoria da Samarco, em 2014

Origem das Manifestações Nº %

Não cumprimento de compromissos financeiros de contratadas 29 26.3

Não conformidade com procedimentos e políticas 27 24.4

Desvios de comportamento 29 26.3

Discriminação 13 11.3

Assédio moral 11 10

Corrupção 2 1.7

Total 111 100

Fonte: Samarco (2015)

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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O processo de ouvidoria da Samarco tem ainda como desafios reduzir o tempo médio de tratamento das denúncias, estruturar protocolos de investiga-ção para cada tipo de ocorrência e desenvolver um movimento de promoção da ética engajando dos empregados (SAMARCO, 2015).

Outro processo utilizado envolve o canal para queixas da comunidade, onde o diálogo é feito através de processos estruturados e uma central de rela-cionamento, disponível por telefone ou e-mail, onde a comunidade pode expor suas sugestões, reclamações e denúncias. Em 2014, ocorreram 378 reclama-ções e oito denúncias, das quais mais de 70% foram tratadas. Para a empresa, a participação da comunidade permite a identificação de impactos e o devido tratamento. Os aspectos percebidos como mais críticos pelas comunidades são: emissões, água, ruído, mobilidade urbana e contratação de mão-de-obra local.

ConclusõesOs diferentes indutores para implantação de estratégias de diálogo e me-

canismos de queixas estão impulsionando a adoção destes mecanismos e inse-rindo o tema na pauta estratégica das empresas. Além disso, tais mecanismos contribuem para a mudança no padrão de relacionamento entre empresas e comunidades / sociedade civil. O padrão assistencialista vem sendo substituído por práticas de gestão institucionalizadas e alinhadas com diretrizes de gestão responsável. Há um processo de aprendizado em curso, onde tanto as empresas como as comunidades (entendidas como residentes, poder público e instituições da sociedade civil, entre outros) começam a experimentar um relacionamento pautado no diálogo, na participação e na defesa de interesses mútuos.

Ao adotarem o diálogo com as partes interessadas como prática de gestão, as organizações enfrentam o desafio de responder às questões apontadas e in-cluir o ponto de vista da parte interessada no processo de tomada de decisão. O interesse do negócio tem que ser compatibilizado com o interesse social.

Os modelos organizacionais com base na hierarquia são cada vez menos propícios para a gestão das empresas, no cenário da responsabilidade social e dos desafios da sustentabilidade. Os impactos por elas gerados afetam diferen-tes stakeholders e, muitas vezes, a participação dos grupos afetados é a melhor estratégia para gerenciar e endereçar os impactos negativos. Integrar o ponto de vista do stakeholder numa estrutura vertical apresenta eficácia reduzida. Per-cebe-se que atividades de envolvimento com stakeholders promovem melhorias no processo de gestão e auxiliam a transformação de modelos organizacionais mecanicistas no sentido da organização dinâmica (BECKETT; JONKER, 2012).

A maior preocupação com a gestão dos impactos motiva as empresas a estabelecerem os canais de comunicação como estratégia para a identificação de tais impactos. As comunidades são diretamente afetadas e sua percepção é uma fonte rica de informação para as empresas. Em um ambiente dinâmico e complexo de negócios, quanto maior a agilidade da empresa no mapeamento de temas e impactos do seu negócio, mais rapidamente consegue adotar as tratativas adequadas.

O levantamento de dados conduzido neste estudo demonstrou que os mecanismos chamados de ouvidoria normalmente estão direcionados aos clientes e funcionários e acolhem queixas ou denúncias relativas aos códigos

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Capítulo 16 – Diálogo e mecanismos de queixas como instrumentos de gestão responsável

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de conduta da empresa ou a uma não conformidade do produto. No setor de mineração, verifica-se que requisitos ligados aos direitos humanos e ao rela-cionamento com a comunidade da área de influência estão contemplados nos códigos de conduta ou em normas e políticas específicas. Para acolhimento de queixas das comunidades impactadas, instituem-se os chamados mecanismos de queixas, adaptados às características locais, em complemento ao canal de ouvidoria, se já instituído.

Quadro 1 – Abordagens para os Mecanismos de Queixas, no Setor de Mineração

Abordagens para os Mecanismos de Queixas Utilizadas no Setor de Mineração

Ouvidoria – a ouvidoria é o canal para denúncias com relação ao código de conduta divulgado prioritariamente para funcionários, fornecedores e clientes e com abrangência corporativa

Mecanismos de Queixas – canal de relacionamen-to específico para a comunidade da área de influ-ência. Requisitos relativos aos direitos humanos e questões ligadas ao impacto da operação na locali-dade são o foco do mecanismo

Fonte: Elaborado pelas autoras

Se a implantação das ouvidorias veio em resposta às necessidades de am-pliar o canal de comunicação para a verificação de conduta ética, o movimento atual do setor de mineração, na direção dos mecanismos de queixas com foco no relacionamento comunitário, tem no movimento dos direitos humanos um grande impulsionador.

A disponibilização de formulários a serem preenchidos pelo reclamante nas portarias das unidades industriais é praticada pelo conjunto de empresas analisadas. Esses procedimentos, entretanto, não atendem a recomendações sobre proteção de identidade do reclamante e, na maioria das vezes, não é um canal amplamente comunicado ao público alvo. Acaba sendo usado para aten-der casos em que o reclamante se dirige à portaria da empresa na tentativa de falar com algum de seus representantes. Avaliamos que esta prática deve permanecer, mas precisa fazer parte de um mecanismo mais amplo e efetivo para atender o princípio de “Acesso ao Recurso” (ICMM, 2009). Mecanismos de queixas mal projetados ou implementados, podem agravar as frustrações entre os stakeholders afetados.

A mediação do relacionamento entre empresa e comunidade, através de um terceiro neutro, começa a ser reconhecida como uma boa estratégia para dar credibilidade ao processo de diálogo. Sem representar nenhum interesse específico, o mediador foca na construção de um ambiente propício ao diálogo, equilibrando o poder das partes, legitimando interesses, facilitando a escuta ativa e a compreensão das necessidades da outra parte e aplicando técnicas de negociação quando há necessidade.

Por outro lado, a utilização de um terceiro neutro independente da orga-nização, no recebimento e avaliação da queixa, não parece estar presente nos mecanismos implantados no setor de mineração no Brasil. Os mecanismos de queixas representam um avanço no tratamento dispensado às comunidades mas não garantem que a empresa vai atuar da melhor forma em relação aos interesses das comunidades e podem não ser suficientes para assegurar a não violação de direitos humanos (COUMANS, 2012).

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Por fim, percebe-se que, ao estabelecer relacionamento ético, canais de diálogo e mecanismos de queixas voltados para as comunidades, há ganhos de imagem e de reputação. A licença social de operação, tão importante quanto a licença ambiental ou legal, no caso do Brasil, depende do bom relacionamento e da efetiva gestão dos impactos. Assim, seguir essa tendência, mais do que me-ramente adequar-se a normativas e diretrizes, parece ser um caminho certeiro rumo à gestão responsável e à solidez do negócio.

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BECKETT, R.; JONKER, J. Accountability 1000: a new standard for building. Managerial Audi-ting Journal. 17, ó, p. 36–42, 2002.

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COUMANS, Catherine. Mining and Access to Justice: From Sanction and Remedy to Weak Non-Judicial Grievance Mechanisms"(2012). UBC L Rev, v. 45, p. 651.

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Capítulo 16 – Diálogo e mecanismos de queixas como instrumentos de gestão responsável

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Sobre os autores

Cintia Takada Mestre em Administração de Empresas (PUC-PR), Pós Graduada em Marketing (FGV) e Gestão da Responsabilidade Social Corporativa (FGV), graduada em Engenharia Quí-mica (UFPR). Consultora e facilitadora com experiência no desenvolvimento e implan-tação de estudos, programas educacionais, relatórios de sustentabilidade (GRI), Indi-cadores Ethos, projetos institucionais e estratégicos com ênfase em sustentabilidade corporativa e responsabilidade social. Seu trabalho está baseado nos princípios da Investigação Apreciativa, da Biologia-Cultural e do Pensamento Sistêmico. Foi gestora do Núcleo de Responsabilidade Social do Instituto Superior de Administração e Econo-mia da FGV e coordenadora do Núcleo de Sustentabilidade da Universidade da Industria – FIEPR. Atua na rede de consultores especialistas do Uniethos, área de assessoria às empresas do Instituto Ethos de Responsabilidade Social. É sócia fundadora da Takao - Diálogos para a Sustentabilidade.

Marcia BellottiMestre em Educação de RH pela Boston University, especialista em Corporate Res-ponsibility and stakeholders Engagement AA1000 Standard pela Two Tomorrows e em Gestão Responsável pela Fundação Dom Cabral. Estudou Consultoria de Processo e Mudança Organizacional com Prof. Edgar Schein, MIT - Sloan School of Management. É mediadora formada pela Palas Athena com atuação no Fórum de Santana. Consultora Organizacional a 15 anos, com experiência em diagnósticos organizacionais, estudos de percepção com comunidade, estratégias de engajamento com diferentes stakehol-

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ders, mediação de diálogos e conflitos, e planos de desenvolvimento organizacional e profissional. Atuou na rede de consultores especialista do Uniethos, área de assessoria às empresas do Instituto Ethos de Responsabilidade Social. Foi gerente de Recursos Humanos – aprendizagem, comunicação interna e desenvolvimento, na Unilever e na Shell Brasil. É sócia fundadora da Takao-Diálogos para a Sustentabilidade.

Vânia de Lourdes MarquesDoutora/Eng. Civil, Universidade Federal Fluminense (UFF); M. Sc./Ciência Ambiental (UFF); Pós-Graduada/Gestão Empresarial (FDC) e Gestão de Negócios Sustentáveis (UFF). Veterinária (UFMG). Linhas de pesquisa: Eco finanças e Modelos Estratégicos e de Gestão para a Sustentabilidade e Engajamento de stakeholders. Consultora em gestão para a sustentabilidade, incluindo assessoria especializada na elaboração de Relatórios GRI, atendendo empresas líderes de vários setores. Participou da rede de Especialistas do Uniethos, atuando por cinco anos como instrutora nomeada pela GRI Amsterdã para ministrar Oficinas Certificadas GRI. Auditora de Normas Sociais na ca-deia de fornecedores de grandes empresas (setores: petróleo e gás e eletrodomésti-cos). Palestrante e professora convidada em programas de pós-graduação em nível de doutorado, mestrado e MBA (UFF/LATEC, Instituto Brasileiro de Petróleo/IBP e outros). Trabalhou na Tetra Tech (ex CRA-Conestoga-Rovers & Associados), empresa de con-sultoria, onde coordenou a área de Projetos de Sustentabilidade (abril/11-Jul/13). Expe-riência em assessoria técnica (crédito rural) e projetos sociais e em gestão (empresas e pessoa física), no Banco do Brasil (1981-2004). Membro da Comissão da ABNT para as Normas Sociais (ISO 26000, NBR 16001 e outras). Membro de fóruns como: Re-visão da GRI-G3 e G4, ABNT:NBR 16001 e ISE-Bovespa. É sócia da Takao – Diálogos para a Sustentabilidade

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17gênero e sexuALidAde nA perspectivA dos direitos

HumAnos – um desAfio didático-pedAgógico

em universidAdes corporAtivAs

Izabel Cristina Guimarães Serra Sêca

1. Introdução

Ao incorporar a Sustentabilidade ao negócio as organizações adotam prá-ticas socialmente responsáveis (ambientais, sociais e econômicas) que atuam de forma transversal no suporte à sustentabilidade. Um dos te-

mas que compõem esse conjunto de práticas é o Respeito à Diversidade Huma-na e Cultural, fundamental para a Gestão de Pessoas. Muitas organizações (públicas e privadas) buscam suporte no programa pró-equidade de Gênero e Raça o que sem dúvida e uma boa iniciativa, pessoa com deficiência e gênero (focado na mulher). No tema diversidade as questões são mais abrangentes, transversais e sem dúvida estamos diante de um grande desafio, considerando as dimensões da diversidade e suas infinitas combinações (figura1). O Brasil é signatário, desde 65, da Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, assumindo o compromisso de formular e aplicar uma política nacional que tenha por fim promover a igualdade de oportunidades em empre-go e profissão. Na definição da convenção 111, discriminação compreende “toda distinção, exclusão ou preferência, fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social”.

Em relação à temática “Gênero e Sexualidade” que será abordada nesse capítulo, é importante avaliar o tema como: 1 - Gestão da Responsabilidade Social Interna por ter foco em publico interno; 2 - inovador considerando que as organizações não estão tratando o tema pelo viés cientifico 3 - transformador tendo em vista que o resultado esperado é um novo comportamento da força de trabalho frente às questões que envolvem a sexualidade no mundo do trabalho.

Considerando a importância da diversidade para a Gestão de pessoas e o desafio que envolve alguns tópicos, esse capítulo trata da questão de gênero sem que o foco seja unicamente a mulher, mas todas as possibilidades que en-volvem a sexualidade. Afinal o que é gênero?

O conceito de gênero busca explicar as relações sociais entre homens e mulheres. Esse conceito foi utilizado pela antropologia, que coloca o "ser mu-

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lher" ou "ser homem" como uma construção social. A palavra gênero, tirada da gramática, foi utilizada para identificar essa construção, diferenciando-a do sexo biológico.

Figura 1 – Dimensões da Diversidade

Fonte: Irwin, 1995 apud London, 2009.

A esse fenômeno da construção social dos sexos o termo gênero, “ser ho-mem” ou “ser mulher” não é simplesmente um feito natural, biológico, mas o resultado de vários fatores – de ordem econômica, social, política, étnica e cul-tural – os quais contribuem de forma diversa para a maneira como pensamos, nos comportamos e atuamos enquanto homens e mulheres. A sociedade atribui a cada um, valores diferenciados, comportamentos pré-concebidos que acabam gerando desigualdades na perspectiva do gênero, trazendo uma tendência da sociedade para tratar com diferença aqueles que são diferentes e considerando também outros fatores como raça, classe social, idade, etnia, orientação sexual, religião, etc. (Sardenberg 1999).

Nas últimas décadas reflexões para compreender as diferentes formas de preconceito e/ou discriminação têm despertado grande interesse como, por exemplo, à classe, etnia, cor/raça, religião, idade, e à sexualidade entre outros. Vale lembrar que, embora todos apresentem certos graus de difi-culdade em sua abordagem didática, a sexualidade é sem dúvida a menos discutida e entendida. Ou, talvez, pela falta de entendimento sobre o tema. Mas, como escreveu Paulo Freire, “se a educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a educação pode. Se a educação não é a chave das trans-formações sociais, não é também simplesmente reprodutora da ideologia dominante” (Freire, 1997: 47).

Com base na afirmação de Paulo Freire é possível que os educadores influenciem de forma positiva as relações humanas. No âmbito da educação

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corporativa, Gênero e Sexualidade precisam ser debatidos com profundidade capaz de desconstruir preconceitos e reconstruir um futuro onde de fato a “Di-versidade” seja vista de forma vantajosa para o negócio tendo em vista que pessoas felizes tendem a produzir mais e melhor.

Nossa proposta visa tratar a questão Gênero e Sexualidade na Perspectiva dos Direitos Humanos considerando como um Desafio Didáti-co-Pedagógico em Universidades Corporativas. Por que em Universidades Corporativas? Primeiramente precisamos entender o que é uma Univer-sidade Corporativa: O termo é atribuído a Jeanne Meister, presidente da Corporate University Xchage empresa americana de consultoria em educa-ção corporativa e assim define Meister:

É um guarda-chuva estratégico para o desenvolvimento e a educa-ção de funcionários, clientes e fornecedores, buscando otimizar as es-tratégias organizacionais, além de um laboratório de aprendizagem para a organização de um polo permanente (Meister, 1999, p.8).

Para a autora, as empresas deveriam interferir no currículo das insti-tuições educacionais para que estas pudessem preparar seu corpo discente para atender as demandas do mercado. Exigências estas que não se resu-mem apenas às questões técnicas que por sua natureza são mais objetivas e tangíveis, mas principalmente no tratamento de temas mais voltados para a reflexão, rever conceitos, aprimorar o ser humano que existe dentro de cada um, valorizar a diversidade, investir no intangível. Tudo dentro do mesmo guarda-chuva: reconhecer os direitos humanos, ou seja, trabalhar a formação de pessoas melhores para o mundo e não no sentido inverso. No entanto tal posicionamento por parte do mundo organizacional enfrentaria muita resis-tência em todos os níveis educacionais. Propostas de mudanças no currículo escolar devem partir do Governo para que tenham uma capilaridade maior. Medidas bem estruturadas e legalizadas a exemplo da Lei nº 10.639/2003 que acrescentou à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) dois artigos: 26-A e 79-B. O primeiro estabelece o ensino sobre cultura e história afro-brasileiras e especifica que o ensino deve privilegiar o estudo da histó-ria da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional. O mesmo artigo ain-da determina que tais conteúdos devam ser ministrados dentro do currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística, literatura e história brasileira. Já o artigo 79-B inclui no calendário escolar o Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro. Mesmo se tratando de uma proposta governamental é possível haver uma resistência da sociedade a exemplo do que aconteceu com a iniciativa do “Kit Gay”, resultado de um convênio firmado entre o Ministério da Educação (MEC), com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), e a ONG Comu-nicação em Sexualidade (Ecos), destinado a combater a homofobia nas escolas públicas é que não chegou a ser utilizado.

No arcabouço da Diversidade o tema “Gênero e Sexualidade” não são abor-dados na Educação Básica assim como na maioria das graduações, no entanto

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Capítulo 17 – Gênero e sexualidade na perspectiva dos direitos humanos – um desafio didático-pedagógico em universidades corporativas

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existe liberdade para a abordagem nas Universidades Corporativas, conside-rando que respeitar a heterogeneidade da força de trabalho e demais partes interessadas é sem dúvida uma postura ética fundamenta na Declaração Uni-versal dos Direitos Humanos e enfatizada pelas empresas em seus códigos de ética, como alguns exemplos a seguir:

Petrobras – Princípios Éticos do Sistema Petrobras – III. A hones-tidade, a integridade, a justiça, a equidade, a verdade, a coerência entre o discurso e a prática referenciam as relações do Sistema Petrobras com pessoas e instituições, e se manifestam no respeito às diferenças e diversidades de condição étnica, religiosa, social, cultural, linguística, política, estética, etária, física, mental e psí-quica, de gênero, de orientação sexual e outras (p.8, Código de ética do Sistema Petrobras);

Cemig – Integridade Profissional – valorizar a diversidade e não permi-tir qualquer forma de discriminação com base em raça, sexo, cor, apa-rência, nacionalidade, religião, idade, condições física e mental, estado civil, ideologia política, condição de veterano ou novato (p.25, Declara-ção de Princípios Éticos e Código de Conduta Profissional);

Caixa Econômica Federal – Repudiamos todas as atitudes de precon-ceitos relacionadas à origem, raça, gênero, cor, idade, religião, credo, classe social, incapacidade física e quaisquer outras formas de discrimi-nação (http://www.caixa.gov.br/Downloads/caixa-etica/CODIGO_ETI-CA_CAIXA.pdf).

Correios – Dos Compromissos dos Correios em Relação aos Emprega-dos – Art. 4º. Na relação com seus empregados, os Correios se compro-metem a: II. Respeitar e promover a diversidade, assim como comba-ter qualquer forma de discriminação, seja de origem, raça, sexo, cor, idade, condição social ou de quaisquer outras formas de preconceito (http://www.correios.com.br/sobre-correios/a-empresa/quem-somos/co-digo-de-etica).

Sabemos ser possível cumprir o que diz a Declaração Universal dos direi-tos Humanos sem a necessidade de assumir um compromisso por escrito, basta a vontade de reconhecer esses direitos, em tese tudo parece muito simples. No entanto quando uma organização assume por escrito e torna publico esse com-promisso, ela não pode e não deve ter práticas contraditórias. Aqui cabe mais um questionamento que também já conhecemos a resposta: Quem é a Organi-zação? Resposta simples, pois sabemos que a organização são as pessoas que dela fazem parte direta e indiretamente.

Se as empresas assumem compromissos de Respeito à Diversidade, se as pessoas representam as empresas, se o tema não está disponível no ensino básico e superior, nos resta atribuir às Universidades Corporativas esse papel. Começando primeiramente pela capacitação de seu corpo docente.

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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2 - Objetivos

2.1 – Geral Contribuir para a melhoria da prática docente dos professores das Univer-

sidades Corporativas, apoiando-se em aspectos históricos, culturais, sociais e políticos no tema “Gênero e Sexualidade”.

2.2 – EspecíficoRefletir com os professores das Universidades Corporativas sobre o impor-

tante papel do docente em mudanças no processo ensino-aprendizagem para a promoção e a redução das exclusões baseadas na sexualidade. Conscientizar a forca de trabalho para que entendam e respeitem as diferenças. Rever a pos-tura permissiva em relação às brincadeiras e piadas discriminatórias sobre gênero e sexualidade no local de trabalho.

Na visão de Carrara ET al. (2010, V.3, p.24 e 25), O sexo permite classificar e de-finir os indivíduos em categorias distintas – “seres do mesmo sexo”, ”do sexo oposto” – segundo características específicas atribuídas a seus corpos, atitudes e comportamen-tos. Tal raciocínio articula as três dimensões distintas de experiência humana: 1. O sexo anatômico ou biológico; 2. A identidade de gênero; e 3. A orientação sexual. Estas dimensões são concebidas como se fossem manifestações de uma só: a “sexualidade”.

3 - DesenvolvimentoO projeto em questão deve ser desenvolvido em Universidades Corpora-

tivas, por serem ambientes educacionais criados e gerenciados pelas próprias empresas para a formação e educação continuada de seus empregados. Condi-ção que facilita a aquisição de novas competências vinculadas ao negócio da empresa, à sua missão, visão e valores.

Observando o quadro funcional das organizações e possível verificar o quanto é diverso o perfil de seus empregados. Muitas empresas já possuem seus comitês internos criados para pensar na diversidade e propor melhorias cuja execução muitas vezes fica sob a responsabilidade da área de Recursos Humanos que cria políticas internas de gestão de pessoas. Essas Normas, políticas e di-retrizes tendem enquadrar todos e todas em um modelo único: empregados (as). Sem dúvida que pensar de forma ampla na diversidade é algo que requer tempo para apresentar resultados. Falar de sexualidade, por exemplo, mexe com teo-rias pré-concebidas, estereótipos e preconceitos. Empresas mais conservadoras tem receio de abordar o tema. A não observância das diferenças pode acarretar para as empresas prejuízos não só financeiros, mas para sua imagem e reputa-ção, como por exemplo, as questões de assédio moral. É fundamental tratar o universo interno das empresas considerando que trazem uma história de vida, pessoal, familiar, acadêmica e funcional, heterogênea. Para exemplificar a diver-sidade funcional, apresentamos indicadores de algumas empresas brasileiras, Cemig (quadro 1), Petrobras (quadro 2), Correios (quadro 3):

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Capítulo 17 – Gênero e sexualidade na perspectiva dos direitos humanos – um desafio didático-pedagógico em universidades corporativas

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Quadro 1

CEMIG – 2014

Indicadores do corpo funcional Homens Mulheres

Quadro Próprio 6.835 1087

Cargos de liderança 212 29

Quadro temporário 9 15

Estagiário 140 137

Menor Aprendiz 96 71

Fonte: Relatório de Sustentabilidade da CEMIG – 2014

Quadro 2

PETROBRAS/2013

Indicadores do corpo funcional

Nº de empregados (as) ao final do período ...............................................................................86.111

Nº de admissões durante o período II ........................................................................................ 2.166

Nº de empregados (as) de empresas prestadoras de serviços .............................................. 360.180

Nº Estagiários ............................................................................................................................ 1.816

Nº de empregados (as) acima de 45 anos................................................................................ 37.861

Nº de mulheres que trabalham na empresa .............................................................................. 14.371

% de cargos de chefia ocupados por mulheres (III)................................................................. 15,40%

Nº de negros (as) que trabalham na empresa IV ......................................................................20.908

% de cargos de chefia ocupados por negros (as) V ................................................................. 25,20%

Nº de portadores (as) de deficiência ou necessidades especiais V .............................................1.127

Fonte: Relatório de Sustentabilidade da Petrobras – 2013

Quadro 3

BALANÇO 2008

Efetivo Total

Efetivo 112.331

Masculino 85.943 76,51%

Feminino 26.388 23,49%

Efetivo por nível de escolaridade 112.331

Fundamental Completo 3.655 3,25%

Fundamental Incompleto 2.549 2,27%

Médio Completo 84.470 75,20%

Médio Incompleto 1.775 1,58%

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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Quadro 3

BALANÇO 2008

Efetivo Total

Superior Completo 18.077 16,09%

Superior Incompleto 2.400 2,14%

Não Informado 3 0,00%

Efetivo – Afastados 8.967

Aposentado por invalidez 4.019 44,82%

Licença acidente de trabalho 968 10,80%

Licença INSS 3.211 35,81%

Outros 769 8,58%

Posição de homens e mulheres ocupantes de função Feminino Masculino Total

Apoio Operacional/Técnico 26,37% 73,63% 2.389

Atividade especial 21,87% 78,13% 25.925

Confiança 30,42% 69,58% 16.481

Gerencial 31,96% 68,04% 194

Gratificada 43,72% 56,28% 1.633

Técnica 46,12% 53,88% 1.004

Fonte: Balanço Social dos Correios – 2008

Com base nesse contexto consideramos fundamental para o sucesso de um projeto Didático pedagógico para introdução do tema “Gênero e Sexualidade” no mundo organizacional, ter como público alvo inicial, os docentes das Univer-sidades Corporativas e os profissionais vinculados à área de Recursos Huma-nos, que tem por objetivo: “Desenvolver lideranças, Desenvolver competências, Concretizar a gestão do conhecimento, Alinhar as pessoas com os valores e a cultura da organização” (Adaptado de EBOLI, Marisa -2009).

“Falar da Diversidade Cultural no Brasil significa levar em conta a origem das famílias e reconhecer as diferenças entre os referenciais culturais de uma família nordestina e de uma gaúcha, por exemplo. E também admitir como verdadeiro que em seu interior a relação de umas com as outras, se encontram indivíduos que não são iguais, que tem especificidades de gênero, raça/etnia, religião, orientação se-xual, valores e outras diferenças definidas a partir de suas histórias pessoais” Fonte: Centro Latino Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (Carrara, 2010, p. 24).

Outro fator a considerar quando estamos tratando de docentes internos de Universidades Corporativas é a origem acadêmica desses profissionais, em sua

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Capítulo 17 – Gênero e sexualidade na perspectiva dos direitos humanos – um desafio didático-pedagógico em universidades corporativas

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maioria empregados de carreira das organizações. Um bom exemplo para ilus-trar a importância em investir no corpo docente, citamos dados apresentados pela Universidade Petrobras na Conferência ETHOS (setembro de 2013 - Painel sobre “Educação Corporativa – Desafios para uma Nova Sociedade”) seu corpo docente na ocasião, composto de 174 profissionais, dos quais 79% da área de Ciências Exa-tas (Engenheiros, Geólogos, Geofísicos, Químicos, etc.) campo do conhecimento onde temas relativos aos Direitos Humanos não são obrigatórios (como por exem-plo, “Diversidade Humana e Cultural”). Esses docentes em seu dia a dia lidam com uma diversidade humana e cultural em todas as dimensões possíveis, facil-mente perceptível analisando o quadro funcional da empresa (quadro 2).

“A diversidade devidamente reconhecida é um recurso social dotado de alta potencialidade pedagógica e libertadora. A sua valorização é indis-pensável para o desenvolvimento e a inclusão de todos os indivíduos. Po-líticas sócio educacionais e práticas pedagógicas inclusivas, voltadas a garantir a permanência, a formação de qualidade, à igualdade de opor-tunidades e o reconhecimento das diversas orientações sexuais e identi-dades de gênero e étnico-racial, contribuem para a melhoria do contexto educacional e apresentam um potencial transformador que ultrapassa os limites da escola, em favor da consolidação da democracia” (texto base da Conferência Nacional de GLBT – Direitos Humanos e Políticas Públicas: o caminho para garantir a cidadania de gays, lésbicas, bissexuais, traves-tis e transexuais, 2008, p.19). (Carrara, 2010, V.1, p. 78).

O docente de Universidades Corporativas enfrenta um grande desafio, ele é professor e empregado da Organização. Os alunos da mesma forma são também empregados. E ambos são cidadãos, com uma história de vida impar. Na Universidade corporativa o professor não deve esquecer que uma opinião pessoal pode parecer para os alunos, o posicionamento da empresa. Além do conteúdo técnico, esse docente deve estar preparado para contornar situações em sala de aula muitas vezes delicadas, que envolvem um posicionamento ina-dequado por parte de um ou mais alunos. Logo o professor deve estar apto para atender essas demandas. Daí a importância de capacitar o docente, por exem-plo, em “Gênero e Sexualidade” com conteúdos básicos que o ajudarão a enten-der o outro, além do seu ponto de vista: 1 - Diversidade Cultural, Respeito e valorização (Diversidade cultural, Etnocentrismo, estereótipos e preconceito); 2 – Gênero (Mapeamento dos estudos sobre gênero, Estudos sobre gênero no Brasil); 3 - Estudos sobre práticas e Comportamentos Sexuais (Estudos sobre sexualidade nas ciências médicas e naturais, Construção social da sexuali-dade, Estudos sobre práticas e comportamentos sexuais nas ciências sociais no Brasil); 4 - Estudos sobre homossexualidade (Introdução, O Movimento de liberação homossexual, Campo de estudos LGBT e a teoria Queer, Referencias de estudos no Brasil); 5 - O papel da Educação diante de Discriminações e de promoção da Equidade (Educação e conhecimento na promoção da equidade, combate à discriminação). Ao final o publico alvo estará apto para enfrentar os desafios em relação à valorização da diversidade, no tópico Gênero e Sexuali-dade no dia a dia do mundo organizacional.

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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4– JustificativaA proposta se justifica no atendimento às seguintes questões: Declaração Universal dos Direitos Humanos - Artigo I “Todas as pes-

soas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de frater-nidade” - Artigo II “Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”; Constituição Brasileira - Art. 5º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros resi-dentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”;

Convenção 111 da OIT - Artigo 1º. “Para os fins da presente Convenção, o termo "discriminação" compreende: a toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportuni-dades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão”;

Pacto Global Iniciativa desenvolvida pela ONU com o objetivo de mobilizar a comunidade empresarial internacional para a adoção, em suas práticas de negócios, de valores fundamentais e internacionalmente aceitos nas áreas de direitos humanos, relações de trabalho, meio ambiente e combate à corrupção refletida em 10 princípios - Princípio 1 – “As empresas devem apoiar e respeitar a proteção de direitos humanos reconhecidos internacionalmente” e, Princípio 2 – “Assegurar-se de sua não participação em violações destes direitos”;

ISO 26000 – Norma Internacional de Responsabilidade Social - Princípio 4 – Princípios da Responsabilidade Social - 4.8 Respeito pelos direitos huma-nos – “Convém que uma organização respeite os direitos humanos e reconheça tanto sua importância como sua universalidade”, Princípio 6 – Orientações so-bre temas centrais da responsabilidade social – 6.3 – Direitos Humanos – 6.3.7 – Questão 5 dos direitos humanos: Discriminação e grupos vulneráveis – “A discriminação envolve qualquer distinção, exclusão, ou preferencia que tenha o efeito de anular a igualdade de tratamento ou oportunidades, quando essa con-sideração se baseia em preconceito em vez de ter uma base legítima. Entre essas bases ilegítimas de discriminação, podem ser mencionadas as seguintes: raça, cor, gênero, idade, idioma, propriedade, nacionalidade ou região, religião, origem étnica ou social, casta, situação econômica, deficiência, gravidez, pertencimento a um povo indígena, filiação sindical, filiação política, opiniões políticas ou ou-tras opiniões. As mais recentes bases de discriminação proibidas incluem estado civil ou situação familiar, relacionamentos pessoais e estado de saúde, como ser portador de HIV/AIDS. A proibição da discriminação é um dos mais fundamen-tais princípios da legislação internacional dos direitos humanos”.

5 – ConclusãoAo final de um trabalho dessa natureza é esperado como resultados: 1 - a

melhoria da prática docente para um ensino em que o respeito à diversidade de “Gênero e Sexualidade” seja percebida pelo corpo discente; 2 - que o tema

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Capítulo 17 – Gênero e sexualidade na perspectiva dos direitos humanos – um desafio didático-pedagógico em universidades corporativas

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seja tratado de forma natural e não simplesmente ignorado; 3 - Uma Gestão de Pessoas mais dedicada à promoção dos direitos humanos no que diz respeito ao público LGBT; 4 - Que o corpo funcional sinta-se incluído na sua diversidade; 5 - A avaliação do resultado após o primeiro ano de realização do projeto, pre-ferencialmente durante a pesquisa de ambiência organizacional.

Sem dúvida que o resultado positivo vai além dos muros da organização. Cada empregado ao despertar para a importância do respeito às diferenças, do seu papel para a promoção da inclusão ele vai disseminar além do ambiente organizacional. Cada ser humano é único na sua essência, não podemos e nem devemos querer que o outro seja o nosso espelho, mas é fundamental que esse outro seja acolhido e respeitado seja qual for a diferença entre nós.

Referências bibliográficas

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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http://www.aids.gov.br/pagina/convencao-111-da-organizacao-internacional-do-trabalho-oit

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http://www.caixa.gov.br/Downloads/caixa-etica/CODIGO_ETICA_CAIXA.pdf.

Código de Ética dos Correios

http://www.correios.com.br/sobre-correios/a-empresa/quem-somos/codigo-de-etica

Código de ética da Petrobras

http: //www.petrobras.com.br

Código de ética da CEMIG

http: //www.cemig.com.br

Sobre os autores

Izabel Cristina Guimarães Serra Sêca Sócia Diretora da empresa SERRASECA Planejamento e Educação, especialista em Responsabilidade Social, Diversidade Humana e Cultural, Gênero e Sexualidade, Elabo-ração e avaliação de projetos Sociais. Graduada em Ciências Contábeis pela Universi-dade Católica do Salvador (UCSAL), pós-graduada-graduada em: Recursos Humanos pela Faculdade Estadual de Pernambuco (FESP), Planejamento e Gestão Ambiental pela Universidade Veiga de Almeida (UVA), Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Especialista em Gênero e Sexualidade (UERJ). Mestre em Sistema de Gestão - Linha de Pesquisa: Responsabilidade Social e Sustentabilidade pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Docente na Petrobras de 1993 a 2015 (Brasil e Angola), UFRJ (MBE em Comercio Exterior). Trabalhos apre-sentados: Encontro Regional de Supervisores/Petrobrás (1994); Encontro Nacional de Supervisores/Petrobrás (1996); Encontro Nacional de RH da Petrobras (2001); Rio Oil & Gás (2003); Apresentação de Oficina no Fórum Social Mundial (2004); Rio Oil & Gás (2006), Rio Oil & Gás(2012); CONARH (2013), Conferencia ETHOS (2013).Membro do Comitê de Gênero do Ministério de Minas e Energia (2004 a 2014) e da Comissão de Diversidade da Petrobras (2004 a 2014).

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18gestão AmbientAL em instituições de ensino

superior: diretrizes pArA impLAntAção em cAmpus

universitário Marta Duarte de Barros

Fernanda de Carvalho Pereira

Altina Silva Oliveira

Resumo

Considera-se a Responsabilidade Social como um conjunto de atividades que a organização realiza visando atender as necessidades dos seus empregados e da comunidade, em termos sociais, econômicos e ambientais. Esse trabalho

tem como objetivo a proposição de diretrizes de gestão ambiental atreladas agestão da Responsabilidade Social Interna de instituições de ensino superior (IES). O estudo foi elaborado a partir de revisão de literatura e da aplicação de um questio-nário e realização de entrevistas em um campus universitário. Foram observadas evidências de que agestão ambiental na IES ainda é incipiente e que é fundamen-tal a percepção das diferentes partes interessadas em relação aos compromissos institucionais com o meio ambiente.O estudo sinalizou a necessidade de elabora-ção de um Sistema de Gerenciamento de Resíduos Sólidos, buscando levantar os resíduos gerados. Foi elaborado um plano de ação 5W1H com procedimentos para mitigar os impactos ambientais gerados pelas IES. O trabalho se destaca dos de-mais porrealizar um estudo da Responsabilidade Social interna em IES focada na gestão ambiental em um campus universitário, com intuito de avaliar e acompa-nhar os resultados advindos da adoção destas iniciativas.

Palavras-chave: Responsabilidade Social, Gestão Ambiental, IES

1. ContextualizaçãoA partir da fundação do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade

Social em 1998 houve uma maior preocupação com a implementação da Res-ponsabilidade Social pelas empresas (PRETTO, NARA & STORCH, 2007). O Instituto Ethos instituiu os Indicadores Ethos de Responsabilidade Social, os quais foram desenvolvidos a partir de princípios e diretrizes da GRI (Global ReportingInitiative) e de parâmetros de pesquisa e benchmark de normas e cer-tificações nacionais e internacionais, dentre as quais destacam-se: ISO 9000, ISO 14000, SA 8000 e AA 1000 (INSTITUTO ETHOS, 2015).

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Com a Lei nº 9.605 - Lei de Crimes Ambientais (BRASIL, 1998), as or-ganizações passaram a ter maior preocupação com o meioambiente, devido ao receio de sofrer sanções. Os stakeholders também estão cada vez mais exigindo uma postura diferenciada das organizações, principalmente quando o segmen-to é voltado para a educação e a pesquisa.

A Norma ISO 14000 (ABNT, 2000) estabelece as diretrizes sobre a gestão ambiental e fornece uma estrutura organizada para que as empresas consigam promover ações internas para obter a certificação. Por estar intrinsicamen-te relacionada com a teoria dos stakeholders, as práticas de gestão ambiental buscaram ser observadas sob a dimensão interna e externa (VICENTE, 2011; KOSKELA, 2014)

A incorporação da responsabilidade social nas universidades ainda é in-cipiente (MACIEL et al., 2009), porém a preocupação com o desenvolvimento sustentável e ações de gestão ambiental vem ganhando um espaço crescente nas Instituições de Ensino Superior (IES) (TAUCHEN e BRANDLI, 2006).

A Responsabilidade Social interna em IES focada na gestão ambiental não se restringe apenas a um grupo seleto de empresas que usam os recursos naturais para a execução de suas atividades, contudo se desdobra a qualquer tipo de organização e comunidade em geral.

Neste contexto, considera-se muito oportuno o estudo da Responsabilida-de Social interna em IES focada na gestão ambiental, com intuito de avaliar e acompanhar os resultados advindos com a adoção destas iniciativas.

Este capítulo tem por objetivo fazer um levantamento dos aspectos e impac-tos ambientais; e elaboração de um plano de ação 5W1H com procedimentos para mitigar os impactos ambientais gerados nas instituições de ensino superior (IES).

Dessa forma, tem-se o seguinte problema de pesquisa: "Como minimizar os impactos ambientais gerados em IES"?

Para a situação problema apresentada, os autores pretendem se deter em um campus universitário particular, de forma a indicar diretrizes às IES que buscam implantar um Sistema de Gestão Ambiental (SGA) em um campus universitário. A escolha do objeto de pesquisa é justificada pela necessidade de realização de estudos acerca de como é realizada a gestão ambiental em orga-nização dedicada ao ensino e a pesquisa.

2. Responsabilidade social interna no contexto das universidadesAs universidades são instituições educacionais responsáveis pelo ensino

superior, sendo definidas como: “[...] instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domí-nio e cultivo do saber humano” (BRASIL, 1996, art.52)

As Universi dades e outras IES precisam incorporar os princípios e práticas da sustentabilidade, envolvendo professores, funcionários e alunos (CARETO e VENDEIRINHO, 2003), visto que deve ser responsabilidade compartilhada do Estado e das instituições, tanto nas dimensões externas quanto internas, a cria-ção de um sistema no qual combine regulação e avaliação educativa (INEP, 2004).

As IES incluem geralmente atividades de ensino, pesquisa e extensão. Além disto, um campus precisa de infraestrutura básica, redes de abasteci-mento de água e energia, redes de saneamento e coleta de águas pluviais e vias

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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de acesso, o que acarreta na geração de resíduos sólidos e efluentes líqui dos (TAUCHEN e BRANDLI, 2006).

Pode-se conceituar a Responsabilidade Social como um conjunto de ativi-dades que a organização desempenha para atender as necessidades dos seus empregados e da comunidade, em termos sociais, econômicos e ambientais (CEZAR, 2007).

As práticas de responsabilidade social são classificadas em três formas: as assistencialistas e filantrópicas; as que trazem reputação e imagem positiva para a organização; e as que estão direcionadas a realizar negócios, criando valor para os acionistas e, por conseguinte gerando o desenvolvimento susten-tável (MENEZES, 2010)

Uma IES sustentável busca mecanismos a fim de minimizar os impac-tos ambientais negativos, econômicos, sociais, de saúde e os efeitos gerados na utilização dos seus recursos, com o objetivo de cumprir sua missão de ensino, pesquisa e extensão (VELASQUEZ et al., 2006). Há quatro justificativas ado-tadas na literatura para a adoção da Responsabilidade Social dentro de uma organização: obrigação moral, sustentabilidade, licença para operar e reputa-ção (PORTER, 2008).

2.1. Práticas ambientais na gestão acadêmicaExistem cerca de 140 IES a nível mundial que incorporaram políticas

ambientais na administração e na gestão acadêmica (DELGADO e VÉLEZ, 2005). A IES considera da pioneira na implantação de um SGA é a Universida-de Mälardalen, na Suécia (RIBEIRO et al. 2005).

No Brasil, as universidades que possuem práticas ambientais têm realizado muitos projetos voltados ao gerenciamento de resíduos, como uma das primeiras etapas para o futuro desenvolvimento do Sistema de Gestão Ambiental (SGA).

Como exemplos de universidades brasileiras desenvolvedoras de práti-cas de Gestão Ambiental pode-se citar: Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Regional de Blumenau (FURB), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), dentre outras.

A UNISINOS através do projeto Verde Campus, aprovado em 1997, foi a primeira universidade da América Latina a ser certificada segundo a ISO 14001, em dezembro de 2004. Uma das melhorias possibilitadas pelo SGA da univer-sidade foi a criação do curso de Gestão Ambiental em 2005 (UNISINOS, 2015).

A UFSC possui um SGA em andamento, com um sistema de coleta dos re-síduos químicos realizado por uma empresa terceirizada, que coleta e faz a des-tinação final adequada dos resíduos químicos e com o Projeto Sala Verde, espaço na instituição dedicado ao desen volvimento de atividades de caráter educacional, visando a divulgação de publicações sobre Meio Ambiente (RIBEIRO et al. 2005).

A FURB possui um Comitê de Implantação do SGA, desde 1998, cons-tituído por representantes de toda a comunidade universitária, objetivando identifi car e minimizar os problemas ambientais (BUTZKE, PEREIRA e NO-EBAUER, 2002).

A UFRGS também vem se empenhando em implementar um SGA, o qual teve início em 2004, com um sistema de Gerenciamento de Resíduos Sólidos

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Capítulo 18 – Gestão ambiental em instituições de ensino superior: diretrizes para implantação em campus universitário

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Urbanos (GRSU), e, posteriormente, foram desenvolvidas ações para a dimi-nuição do consu mo de energia e água (RIBEIRO et al. 2005).

Uma empresa ambientalmente responsável caracteriza-se por criar con-dições internas de conscientização e comprometimento dos colaboradores, para uma IES cujo um dos objetivos está em formar cidadãos, a prática de uma empresa voltada às questões ambientais é vital.

A gestão ambiental de universidades tem tido uma evolução crescente nos últimos anos (SANTOS, 2009), porém ainda apresentam um progresso muito lento, sendo necessário promover o desenvolvimento sustentável e propiciar aos indivíduos uma nova visão dos problemas ambientais (SALES et al., 2006).

Ao assumir a responsabilidade social na condução de suas atividades, a organização torna-se parceira e co-responsável pelo desenvolvimento social, segundo o Instituto Ethos. Com isso, possui a capacidade de ouvir os interesses dos stakeholders (empregados, comunidade, governo, entre outros) e, agrupá-los ao planejamento de suas atividades, na tentativa de atender às demandas de todos envolvidos no processo.

Um fator considerado como de sucesso neste projeto é o compromisso dos gestores que deve permanecer incentivando seus colaboradores a continuarem na implantação da mudança.

O compromisso social das IES ao lado da defesa dos ideais humanísti-cos na construção de uma sociedade mais justa e igualitária encontram pontos que vão ao encontro do mesmo objetivo quando se debate as propostas no âmbi-to da Responsabilidade Social (MACIEL et al., 2009).

É necessário ampliar a dimensão Responsabilidade Social quando se pen-sa em uma IES, visto que a mesma tem um importante papel ao se interligar com a sociedade em geral e com outras organizações.

Pode-se afirmar que a IES possui uma função que está muito além de formar profissionais, fomentar a cultura, a produção do conhecimento e da oferta de serviços de extensão. Uma instituição que possui como um de seus objetivos o desenvolvimento social, não se restringe ao cumprimento das suas funções precípuas (ensino, pesquisa e extensão), mas com o futuro desse de-senvolvimento, que cumpre com estas funções, buscando transformações sig-nificativas na concepção da sua função social no processo de desenvolvimento (MACIEL et al., 2009).

3. Método de pesquisaA Organização escolhida para realização da pesquisa é representativa no

âmbito regional, no Estado do Rio de Janeiro. Possui cerca de 8000 alunos matriculados, 200 docentes e é integrada a outras instituições de ensino e pes-quisa brasileiras, privadas e públicas. Constitui-se,ainda dos departamentos: recursos humanos, contabilidade, coordenações de curso, núcleo de registro acadêmico, caixa/tesouraria, biblioteca, sala dos professores, secretaria acadê-mica,cantina, restaurante e laboratórios para as atividades práticas.

Para o alcance dos objetivos foram efetuadas as seguintes etapas: • Revisão da literatura: foi realizada a partir de um estudo sobre artigos refe-

rentes a gestão da Responsabilidade Social Interna em IES, principalmente referentes a gestão ambiental;

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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• Análise de como é realizada a gestão ambiental na universidade: progra-mas, projetos e propostas realizados pela Universidade em estudos voltados a gestão ambiental;

• Aplicação de questionário aos integrantes da Administração de uma insti-tuição: foi enviado um questionário em 03 de junho de 2015para os respon-sáveis pelos departamentos que compõem a IES, conforme apresentado no Quadro 1;

Quadro 1 – Questionário aplicado na instituição

Questionário

1. Quais são as práticas de Gestão Ambiental existentes na Instituição de Ensino Superior (IES)?

2. Quais fatores influenciaram a IES a adotar tais práticas?

3. O que a IES gera em termos de desperdício, resíduos, etc. que impactam o ambiente negativamente?

4. Quais ações e procedimentos devem ser implementados visando à redução dos impactos ambientais?

5. De que forma a dimensão de Responsabilidade Social é abordada pela empresa? (Por exemplo: Gestão de risco, gestão de crises, construção de imagem e reputação, ou outros motivos).

6. Como a IES envolve os colaboradores na minimização dos impactos ambientais?

7. Como as práticas de Gestão Ambiental influenciam a Responsabilidade Social da IES?

8. O Sistema de Gestão Ambiental (SGA) consiste no planejamento e execução de atividades que visam a eliminação ou redução dos impactos ao meio ambiente. Há possibilidade de implantar um SGA em parceria com outras instituições públicas ou privadas?

9. Como envolver e obter o comprometimento dos alunos?

• Realização de entrevistas aos docentes e discentes:foram feitas entrevistas aos clientes internos (docentes e discentes) com o objetivo de conhecer a opi-nião deles a respeito das práticas degestão ambiental e as possíveis mudan-ças nesta gestão (Quadro 2);

Quadro 2 – Entrevista realizada com os clientes internos

Público alvo Pergunta

Docentes e Discentes

O que você acha das práticas de gestão ambiental adotadas pela instituição?

Você sugere alguma proposta para a melhoria do SGA da Universidade?

• Análise dos resultados: as entrevistas e questionários foram analisados buscan-do-se observar a opinião dos stakeholders internos sobre as práticas de gestão ambiental presentes na instituição.Foi elaborado um plano de ação 5W1H com procedimentos para mitigar os impactos ambientais gerados pela IES.

4. Estudo de caso

4.1. A instituição de ensino A Instituição de ensino estudada é uma Universidade privada que tem

como missão gerar progresso científico e tecnológico no país, servindo à comu-

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nidade, através dos recursos e meios de que dispõe. A missão pressupõe um modelo administrativo que possibilite atender as demandas do mercado, no que concerne a capacitação profissional e as expectativas da sociedade.

A Universidade é composta pela Reitoria e três Pró-Reitorias: a Pró-Reito-ria Acadêmica (PROAC), Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (PROPE) e Pró-Reitoria Administrativa (PROAD). A instituição oferece os cursos de: Ciências Biológicas e da Saúde, Ciências Exatas e Tecnológicas, Ciências Jurí-dicas e Sociais Aplicadas e a área de Educação e Letras.

Os setores da Universidadepodem ser observados na Figura 1, a qual apresenta o organograma da estrutura administrativa (mantenedora).

Figura 1 – Organograma da estrutura administrativa

Prefeitura

Assistência JurídicaContabilidade Assistência

AdministrativaRecursos Humanos

4.2. Gestão ambiental na universidadeAlguns programas e projetos realizados pela universidade em estudo con-

sistem em diminuir o uso de copos descartáveis, com isso foi fornecido aos co-laboradores que pertencem aos departamentos administrativos uma caneca e um copo personalizados com a logo da instituição, incentivando que os usem sempre que for beber água ou café. No sistema de coleta dos resíduos químicos da IES estudada, uma empresa terceirizada é a responsável pela coleta e des-tinação final adequada destes resíduos.

De acordo com as informações disponibilizadas pela instituição a prática da gestão ambiental na universidade ainda é incipiente, nota-se a importância de um especialista da área, um gestor ambiental.

Ao buscar informações sobre o que poderia ser feito no Campus, observou-se que seria interessante inserir projetos voltados para recuperação da flora e fauna, coleta seletiva, tratamento do esgoto, mudas para reflorestamento da mata ciliar (mata que acompanha o rio), reaproveitamento da jardinagem para compostagem.

Ao buscar informações das práticas ambientais realizadas por outras uni-versidades, os autores Ribeiro et al. (2005), ao apresentarem conclusões das análises de iniciativas na UFRGS relacionadas a gestão Ambiental, afirmam que ainda há barreiras na implementação do SGA, entre elas: a falta de in-formação da sociedade sobre práticas sustentáveis; a não valorização do meio ambiente por diversos colaboradores da organização; e a não percepção da uni-versidade como uma fonte potencial de poluição.

Ao fazer uma analogia da IES estudada e a UFRGS observa-se pontos em comuns, a própria sociedade do Campus, como os discentes, docentes e co-

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laboradores demonstram a falta de informação que possuem sobre o assunto de práticas sustentáveis indo ao encontro dos apontamentos feitos pelos autores Ribeiro et al. (2005).

O SGA consiste no planejamento e execução de atividades que visam a eliminação ou redução dos impactos ao meio ambiente. Ao fazer o questiona-mento se há possibilidade de implantar um SGA em parceria com outras ins-tituições públicas ou privadas, percebeu-se om as respostas fornecidas pelos responsáveis que seria importante criar um espaço na instituição dedicado ao delineamento e desenvolvimento de atividades de caráter educacional, tendo como uma das principais ferramentas a divulgação e a difusão de publicações sobre Meio Ambiente.

5. Análise e discussão de resultados do estudo

5.1. Análise do questionário aplicado à administração da instituiçãoA aplicação do questionário tem como objetivo identificar em que aspectos

as práticas atuais relacionadas à gestão ambiental encontram-se.Assim, este conjunto de questões foi aplicado aos responsáveis pela gestão

estratégica da instituição, sendo parte integrante de uma pesquisa científica que visa avaliar a Responsabilidade Social (RS) Interna voltada às questões ambientais.

A Figura 2 apresenta os tipos de resíduos gerados pela universidade de acordo com os departamentos que os colaboradores estão alocados. Essas ativi-dades geram emissões atmosféricas, efluentes líquidos e resíduos sólidos.

Figura 2 – Tipos de resíduos gerados

Setor Aspectos ambientais Impactos Ambientais

Administração: coordenações de curso, contabilidade, secretaria, sala dos professores)

Consumo de papel, energia elétri-ca, copos descartáveis

Esgotamento de recursos naturais

Criação de animais Geração de odorContaminação do ar, desconforto para população

Restaurante/cantinaConsumo de energia elétrica, água

Esgotamento de recursos naturais

LaboratóriosConsumo de produtos e medica-mentos químicos, água, energia elétrica.

Esgotamento de recursos naturais, contaminação do solo e da água.

Jardinagem Consumo de produtos químicosContaminação do solo, da agua e do ar

ManutençãoConsumo de combustíveis, óleos e graxas

Contaminação atmosférica e do solo

Ensino (salas para aulas teóricas)

Consumo de energia elétricaEsgotamento de recursos naturais

Os questionários foram respondidos por professores, mestres e doutores, que atuam ou já atuaram como diretores em outros vínculos, tendo um deles experiência em coordenação de projetos ligados a questões ambientais.

Os dirigentes têm se conscientizado sobre a importância do papel das uni-versidades tanto no desenvolvimento tecnológico quanto no preparo dos estu-

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dantes ao lhe oferecer informações e conhecimento sobre práticas ambientais para construção de uma sociedade sustentável e justa. Contudo, mesmo sen-do práticas incipientes, a instituição afirma que é indispensável incorporar os princípios e práticas da sustentabilidade, seja para iniciar um processo de conscientização em todos os seus níveis, atingindo docentes, colaboradores e discentes, seja para tomar decisões fundamentais sobre planejamento, treina-mento, operações ou atividades comuns em suas áreas físicas.

5.2. Análise das entrevistas aos docentes e discentesCom o intuito de fazer um levantamento dos programas e projetos desen-

volvidos pela IES, bem como sua política ambiental, entrevistas realizadas com os docentes e discentes foram realizadas.

Os docentes e os discentes foram questionados sobre quais seriam políti-cas de gestão ambiental oferecidas pela instituição e a maioria não soube dizer quais seriam estas práticas. Alguns citaram a utilização do copo e da caneca que foram oferecidos aos colaboradores do setor administrativo e o resíduo que é reciclado por uma empresa terceirizada.

Outro questionamento realizado aos discentes e docentes: o que sugerem para a melhoria do Sistema de Gestão Ambiental (SGA) da universidade.

A partir das entrevistas, pôde-se perceber mais uma vez que a instituição possui diretrizes ambientais que estão sendo adotadas, portanto há necessida-des de melhorias, como: diminuição de resíduos; substituição de papel toalha por temporizador; reaproveitamento da água para utilização em banheiros; sensor de presença; utilizar mais da tecnologia para diminuir quantidade de papel; centralizar a aplicação das provas em épocas de prova final (muita ener-gia sendo gasta); fazer projetos ecológicos com os alunos; incluir nos projetos interdisciplinares; conscientizar em apagar luzes, fechar as torneiras, separar lixo para coleta seletiva, o Quadro 3 apresenta a consolidação das percepções dos discentes e docentes.

Quadro 3 – Percepções consolidadas dos clientes internos

Clientes Internos

Docentes Discentes

Diminuição de resíduos sólidos Ter mais lixeiras no estacionamento

Substituição de papel toalha por temporizadorJuntar os alunos na época de provas finais com intuito de economizar energia elétrica

Diminuição do uso de copo descartável Desligar ar condicionado ao acabar as aulas

Reaproveitamento da água Apagar luzes

Sensor de presença Desligar ventiladores

Diminuição do uso de papelImplementar projetos ambientais e incentivar participação aos discentes

Utilizar papel reciclável

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6. Contribuição da pesquisa Após análise dos resultadosfoi elaborado um plano de ação 5W1H com

ações que podem contribuir para a gestão ambiental no campus universitário. Essas ações estão demonstradas na Figura 3. Figura 3 – Plano de ação

Causa RaizMedida Responsável Prazo Local Razão Procedi-

mentoO que? Quem? Quando? Onde? Por quê? Como?

Descarte de papel

Enviar papel para reciclagem apropriada.

Funcionários dos setores adminis-trativos e auxiliares de serviços gerais para o recolhimento

A critério da instituição

Setores administra-tivos

Para economia de recursos naturais.

Separando em local apropriado para coleta.

Acúmulo de papel no setor admi-nistrativo

Digitalização dos docu-mentos.

Secretárias dos setores administra-tivos

A critério da instituição

Setores administra-tivos

Para a redu-ção do uso de papel.

Evitar tirar cópia. Digitalizar documentos importantes.

Descarte inapropriado de óleo

Aproveita-mento do óleo utilizado no restau-rante e na cantina para a produção de sabão ecológico biodegra-dável

Separação: funcionário da cantina/restauranteColeta: funcionário respon-sável pela fabricação do sabão

A critério da instituição

Cantina e restaurante

O sabão biodegradá-vel ajuda na preservação do meio ambiente, pois se decompõe com mais facilidade.

Separar o óleo em local apropriado.

Descarte inapropria-do de lixo orgânico

Construção de uma composteira para trans-formar o lixo orgânico em solo fértil

Separação: funcionário cantina/ restaurante e jardinagem.Coleta: funcionário responsável pelo setor de composta-gem

A critério da instituição

Cantina, restaurante e jardinagem

Os restos orgânicos (cascas e restos de comida) quando de-compostos corretamente em compos-teira, tem potencial para serem reutilizados como solo fértil.

Destinar o lixo da cozinha, que geralmente são cascas de frutas, verduras e legumes à composta-gem.

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Capítulo 18 – Gestão ambiental em instituições de ensino superior: diretrizes para implantação em campus universitário

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Figura 3 – Plano de ação

Causa RaizMedida Responsável Prazo Local Razão Procedi-

mentoO que? Quem? Quando? Onde? Por quê? Como?

Descarte inapropria-do de lixo orgânico

Construção de um minhocário

Separação: funcionário cantina/res-taurante.Coleta: funcionário responsável pelo minho-cário

A critério da instituição

Cantina, restaurante

Os restos orgânicos, quando de-compostos corretamente em minhocá-rios, têm po-tencial para reutilizados como biofer-tilizante.

Destinar restos de comida (sem carne) para o minhocá-rio.

Descarte inapropria-do de lixo reciclável

Implantação de coleta seletiva

Administra-ção da IES

A critério da instituição

Todos os setores

Tornar mais fácil e eficiente à recuperação de resíduos que podem ser reci-clados ou reaproveita-dos.

Implantação de coletores específicos em pontos estratégicos na institui-ção.

Gasto de água elevado

Reaprovei-tamento da água

Administra-ção da IES

A critério da instituição

Banheiros e jardinagem

O reuso reduz a demanda sobre os mananciais de água devido à substituição da água potável por uma água de qualidade inferior.

Instalar uma cisterna subterrânea para arma-zenar a água captada e desen-volver um sistema de distribuição que melhor se adapte as condições estruturais.

Falta de iniciativas educacionais socio-am-bientais

Campa-nhas sócio -educativas voltadas para o assunto socioam-biental

Adminis-tração e docentes da IES

A critério da instituição

Todos os setores

Os estudan-tes terem a oportunidade de observar e praticar a gestão ambiental no decorrer dos estudos, sedimen-tando os conhecimen-tos obtidos em sala de aula.

Campanhas mensais educativas para cons-cientização do uso adequado da energia elétrica e água. Além do descarte correto do lixo.

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Por se tratar de uma proposta de plano de ação para IES, o prazo para o cumprimento das ações não foi estabelecido.

Com a implantação da sistemática, espera-se que sejam alcançados resul-tados positivos como: adoção de práticas sustentáveis na universidade, iden-tificação e promoção de atitudes sustentáveis no coletivo e individualmente, desenvolvimento de atitudes diárias de respeito ao ambiente e à sustentabi-lidade e ampliação do interesse por projetos ambientais e integração em sua organização e implantação.

Espera-se também obter benefícios econômicos estratégicos, como melho-ria na imagem institucional perante toda a sociedade, melhoria nas relações de trabalho entre a instituição e colaboradores e entre a sociedade, melhoria das relações com órgãos governamentais, comunidade e grupos ambientalistas, melhor adequação aos padrões ambientais, melhoria da criatividade para no-vos desafios de todos os envolvidos, entre outros.

7. Conclusões e sugestões de novas pesquisasPode-se perceber que a gestão ambiental na IES ainda é incipiente. Existe

vontade da comunidade acadêmica para a implantação da gestão ambiental, porém identifica-se como fator importante de sucesso neste processo a par-ticipação e comprometimento de todos envolvidos no processo. Uma provável dificuldade na implantação é o não envolvimento de todos da instituição, além do investimento financeiro.

Para minimizar as dificuldades devem-se envolver todos de forma organi-zada e com objetivos e métodos para cada um, isso facilita a percepção das di-ferentes partes interessadas em relação aos compromissos institucionais com o meio ambiente.

Diante disso, observa-se que o objetivo proposto que é a elaboração de um plano de ação 5W1H com procedimentos para mitigar os impactos ambien-tais geradosnas instituições de ensino superior (IES) foi alcançado, visto que a instituição necessita de ações para que a mesma possa servir de exemplo na preservação do meio ambiente e na própria sustentabilidade.

Dentre as melhorias sugeridas à instituição destacam-se: projetos que envolvam docentes e discentes na implementação de um Sistema de Geren-ciamento de Resíduos Sólidos, buscando levantar os resíduos gerados e ações possíveis para a diminuição do consumo de energia e água, fazendo com que os mesmos se tornem co-responsáveis pela gestão ambiental da IES.

Recomenda-se ainda que a instituição disponibilize recursos financeiros para a sensibilização da sociedade em relação às práticas ambientais e capaci-tação dos discentes para potencializar e disseminar os princípios sustentáveis.

Por conseguinte, a responsabilidade social interna focada na gestão am-biental é importante para a imagem e estratégia da universidade, pois agrega valor e traz um diferencial competitivo, porém precisa ter investimentos, cam-panha sócio-educativa, treinamentos, protocolos operacionais. É fundamental incentivar os discentes e os docentes, visto que não são de tempo integral, o que torna mais difícil ter o comprometimento deles, através de uma nova cultura, é possível conscientizá-los.

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Sobre os autores:

Marta Duarte de Barros Doutoranda em Engenharia de Produção na Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em Engenharia de Produção da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (maio de 2013). Possui MBA em Engenharia Econômica Financeira pela UFF (2009). Possui graduação em Administração pela UFF (2006), participou da Ges-tão 2003/2006 da ÍMPAR Empresa Júnior como Trainne, diretora e conselheira. Em 2006, participou do 16 Seminário de Iniciação Científica, apresentando o trabalho Aná- lise de Multicritério com a orientação do Professor Helder Gomes Costa, D.Sc. Tutora do CEDERJ no curso de administração de 2008 a 2014. Em 2008 a 2009, trabalhou no Hospital São José do Avaí na área financeira (responsável pelo Contas a receber). Cursou Pós em Planejamento, Implementação e Gestão a Distância pela UFF, cursou Especialização em Docência para Educação Profissional no SENAC-RJ, atuou como instrutora no SENAC Rio. Ministrou aulas no curso de Administração na Faculdade de Minas Gerais (setembro/2010 a março/2011) e na Universidade Cândido Mendes (agosto/2013 a agosto/2014) nos cursos de Administração e Engenharia de Produção. Trabalhou na Universidade Iguaçu de 2012 a 2014 nos cursos Engenharia de Produção e Engenharia de Petróleo e Administração. Trabalhou na Tec Campos Incubadora de Empresas na escrita de projetos, palestras, ministrou curso Plano de negócios (novem-bro/2013 a setembro/2014).

Fernanda de Carvalho PereiraDoutoranda em Engenharia de Produção na Universidade Fede ral Fluminense (UFF). Mestre em Engenharia de Produção – UFF (junho/2014) eEspecialista em Engenharia de Segurança do Trabalho – UFF (novembro/2013). Possui gra duação em Ciências Eco-nômicas – UFF (outubro/2011) e graduação em Engenharia de Produção no Centro Fe-deral de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET-RJ) em julho/2011. Atuou de 2007 a 2009 em pesquisas de Iniciação Científica no CEFET-RJ. Em 2009,

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estagiou no BNDES na área de Operações Indiretas. De 2010 a 2011 trabalhou na Fio-cruz na Assessoria da Engenharia Industrial, e em 2012 foi consultora na Petrobras na área de Logística. Desde 2013, realiza pesquisas na UFF, nas áreas de Inovação, Pro-priedade Intelectual, Sistemas de Apoio à Decisão e Gestão da Segurança do Trabalho.

Altina Silva OliveiraDoutoranda em Engenharia de Produção na Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (2013). Graduada em Administração pela Universidade Iguaçu (2009).Atuou como instrutora no SENAC Rio. Atuou como professora no curso de Recursos Humanos no Centro Universitário Fluminense. Atuou como professora do curso de Lo-gística da Universidade Estácio de Sá. Trabalhou na Universidade Iguaçu de 2012 a 2014 como professora dos cursos de Administração, Engenharia de Produção e Me-dicina. Atuou de 11/2013 a 12/2014 como bolsista multiplicadora na Tec Campos- In-cubadora de Base Tecnológica de Campos dos Goytacazes atuando na implantação do modelo CERNE de gestão. Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Engenharia de Produção.

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19design pArA inovAção sociAL como ferrAmentA

pArA trAnsformAção orgAnizAcionAL

Rita Afonso

Carla Cipolla

Maíra Prestes Joly

Resumo

Este capítulo articula uma relação entre o Investimento social privado e o Design para inovação social e sustentabilidade como possível abordagem para que empresas colaborem com casos de inovação social em favelas.

Para tanto, desenvolve uma composição teórica com os conceitos de Respon-sabilidade Social – RS, Investimento Social Privado – ISP, Aglomerados sub-normais/ favelas, Inovações sociais em favelas e Design para inovação social e sustentabilidade. O artigo elabora esta co-relação baseado no caso "Ocupa Alemão" – vivido por jovens do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro – por meio de um estudo qualitativo com pesquisa documental, observação de campo e entrevistas. Por fim, o capítulo colabora com a prática de responsabilidade social de empresas, ressaltando como a abordagem de design para inovação social e sustentabilidade pode ser ferramenta para analisar e projetar ISP em casos de inovação social que surgem em territórios populares.

Palavras-chaveResponsabilidade social; Investimento social privado, Inovação social; Design para inovação social e sustentabilidade; Complexo do Alemão

Introdução Este artigo relaciona uma pesquisa de tese de doutorado sobre Responsa-

bilidade Social (AFONSO, 2012) e pesquisas exploratórias do projeto TRAN-SIT – Transformative Social Innovation Theory Project –, que procura elabo-

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rar uma teoria global em Inovação Social e define a inovação social como novas formas de “fazer, organizar, conhecer/aprender e conceituar” (HAXELTINE et al., 2015, p.22). Dessa forma, o artigo tem como objetivo apresentar o Design para inovação social e sustentabilidade como possível abordagem para que em-presas acompanhem, analisem e colaborem com casos de inovação social em favelas, como forma de responsabilidade social junto a comunidades. Dentro desse contexto, é realizada uma análise do caso Ocupa Alemão, que acontece no Complexo do Alemão no Rio de Janeiro, pesquisado em 2014.

2. Metodologia O caso Ocupa Alemão foi pesquisado considerando particularmente como

questões de investigação:Que papel os laços sociais locais (ou redes sociais locais) desempenharam

no desenvolvimento do caso Ocupa Alemão? Como esses laços sociais locais são afetados pelas conexões globais facili-

tadas pelo uso das Tecnologias da Informação?A pesquisa qualitativa inclui: (a) pesquisa documental, que abrangeu notícias,

relatórios e comunicações oficiais; (b) entrevistas semi-estruturadas com participan-tes do grupo; (c) pesquisa de campo com observação direta; (d) acompanhamento das atividades do grupo em redes sociais, especialmente no Facebook. As entrevistas foram interpretadas e analisadas com referência às perguntas da pesquisa.

3. Background teórico

3.1. Responsabilidade social / Investimento social privado Em linhas gerais, a responsabilidade social empresarial é tida como

uma forma de gestão alinhada com os problemas do planeta e suas formas de vida, tornando-se um meio para a transformação social e para o desenvolvi-mento sustentável (AFONSO, 2012) e acontece, em tese, por meio do diálogo, engajamento ou relação estabelecida com a sociedade, representada por seus stakeholders (ISO 26000, 2010) . Já o investimento social privado é a parte da responsabilidade social utilizada para este diálogo/ relação e/ou engajamento com o stakeholders "comunidade" (NOGUEIRA e SCHOMMER, 2009). Afon-so (2012) afirma que a responsabilidade social realizada especificamente por meio do investimento social privado ainda precisa considerar mais especifica-mente os objetivos das comunidades onde atuam.

3.2. Aglomerados Subnormais / FavelasFavelas são ecossistemas sociais complexos, caracterizados pela sua falta

de acesso a serviços básicos e pela densidade de formas específicas de laços so-ciais – como os da família e da vizinhança (LOMNITZ, 2009). O termo "favela" pode disfarçar variações significativas nos contextos sócio-políticos e econômi-co-culturais que caracterizam essas comunidades. Estas comunidades estão geralmente – mas não exclusivamente – situadas em assentamentos informais, que são definidos como áreas urbanas que funcionam fora ou nos limites dos regulamentos que governam a sociedade nas cidades e suas áreas vizinhas. Se-jam favelas brasileiras, sul-africanas, indianas ou as do norte-africano, todas

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tratam-se de bairros sem as condições infraestruturais dos centros urbanos. Para o IBGE , o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica, "uma fa-

vela é um assentamento de 50 unidades habitacionais ou mais, localizado em propriedade pública ou privada e caracterizado pela ocupação desordenada , sem os benefícios dos serviços públicos essenciais" (DYMSKI , 2011, p. 10).

Olhando mais de perto esta realidade complexa, é evidente que o capital social e humano existente dentro dela poderia ser utilizado para resolver proble-mas específicos e concretos de sua vida cotidiana, de uma forma mais aberta, flexível e transparente. Novos arranjos de atores sociais são formados a partir de redes sociais locais, o que lhes permite encontrar novas maneiras de resolver seus problemas diários e promover qualidades de seu território. A hipótese de trabalho assumida aqui é que estas redes sociais são um dos principais fatores que promovem o desenvolvimento de inovações sociais nestas comunidades.

3.3. Inovações sociais em favelasDentro do contexto da cidade do Rio de Janeiro, favelas são comumente re-

feridas como "comunidades". Diferentes redes sociais formam esses espaços po-pulares, o que facilita as relações entre os seus atores na busca de benefícios in-dividuais e coletivos. Larissa Lomnitz (2009), pensadora latino-americana que pesquisa o papel central das redes sociais dentro de estudos urbanos, afirma que as organizações surgidas de comunidades informais usam instituições tradicio-nais para sobreviver. Estas instituições são "a família, a amizade, a adesão a um grupo étnico ou um sistema de crenças" e se baseiam em uma "definição cultural de confiança e lealdade, que são elementos centrais para o trabalho de redes infor-mais" (LOMNITZ , 2009, p . 19). Para esta autora "uma rede social é um campo de relações entre os indivíduos" e estabelece "relações complexas dentro de um espaço social específico" (LOMNITZ, 2009, p. 19). Tais relações permitem a formação de redes de solidariedade, o que "implica em um sistema de troca de bens, serviços e informações que ocorre dentro da sociabilidade" (LOMNITZ, 2009, p. 19).

Arranjos sociais de atores são formadas a partir dessas redes, o que lhes permite encontrar novas maneiras de resolver seus problemas cotidianos. Es-tes grupos de pessoas podem ser identificadas como comunidades criativas (MERONI, 2007), porque "eles estão profundamente enraizados em um lugar , eles fazem bom uso dos recursos locais e, direta ou indiretamente, promovem novas formas de intercâmbio social" (MERONI, 2007, p. 14) . Vários casos re-velam essa realidade. Temos exemplos de jovens que se reúnem para criar blo-gs com notícias de suas comunidades; adultos que se organizam para cozinhar e vender refeições no local; pessoas que se juntam para cuidar das crianças en-quanto os pais trabalham; atores locais que criam estações de rádio; crianças e adultos que encontram novas maneiras de separação e descarte de resíduos direcionados para práticas artesanais ou adubo para as plantas. Em todos esses casos, é claro o papel da liderança e das relações sociais nas atividades.

Esses novos arranjos de atores sociais geram oportunidades para o surgimento de inovações sociais. Identificar inovações sociais em favelas significa reconhecer no-vas atividades ou novas ideias, que foram geradas por novas estratégias para formar relações sociais entre os atores, motivados pelo objetivo de encontrar bens comuns para satisfazer as necessidades sociais não satisfeitas (MULGAN, 2007; KLEIN e

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Capítulo 19 – Design para inovação social como ferramenta para transformação organizacional

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HARRISON, 2007; PHILLS, 2008). Isto promove o empoderamento local (MUL-GAN, 2007) e um processo capaz de ser replicado em outras comunidades, a fim de criar cenários de uma vida mais sustentável (MANZINI, 2008).

3.4. Design para inovação social e sustentabilidadeOrganizações que têm interesse em identificar inovações sociais em comu-

nidades devem compreender a forma como os seus atores locais se organizam, a fim de encontrar alternativas táticas para projetar atividades que promovam a geração de renda, o descarte adequado de resíduos, atividades de educação, cuidados com as crianças e assim por diante. O Design para inovação social e sustentabilidade é uma ferramenta capaz de identificar e desenvolver, em co-produção estas atividades e, considerando os valores locais, criar novos serviços relacionais (CIPOLLA e MANZINI, 2009) e colaborativos (MANZINI, 2008b).

Nestas situações, o esforço social é direcionado para resolver problemas sociais geralmente reconhecidos e que governos, empresas existentes e solu-ções tecnológicas falharam em encontrar soluções (MULGAN, 2007).

Design para inovação social e sustentabilidade é uma abordagem de projeto desenvolvida em duas direções: (1) monitorar e empoderar casos existentes de inovação social; ou (2) projetar soluções capazes de gerar novas inovações sociais.

No primeiro caso, a atividade de monitoramento e empoderamento de ca-sos de inovação social, usa a habilidade de design (CROSS, 2007) para identi-ficar e descrever inovações sociais como soluções, projetadas por pessoas locais ou não-designers. Aqui, a habilidade de design é entendida como "uma habi-lidade cognitiva multi-facetada, possuída em algum grau por todos" (CROSS, 2009, p. 115). Nesse sentido, considera-se que designers, profissionais e pes-quisadores têm muito a aprender com casos de inovação social e também que o design pode ter um papel importante no empoderamento, multiplicação, visão e conexão de casos de inovação social (CIPOLLA e MOURA, 2011).

A segunda direção está relacionada à concepção de soluções que sejam capazes de promover inovações sociais. Sob essa perspectiva, a abordagem de design considera pessoas e comunidades não como problemas, mas como um capital social, e que suas capacidades e cultura local podem ser aproveitados como recursos de projeto. (MANZINI, 2007).

Além disso, essa abordagem tem como visão a sustentabilidade. Para Manzini e Jégou (2003), a atividade de design que busca criar sistemas mais sustentáveis não é unilateral, pois depende de sistemas complexos de aprendizagem em que ato-res sociais estão envolvidos e em que participam ativamente do processo de mu-dança. Quanto mais essa capacidade de aprendizado voltada para a mudança em torno de sistemas mais sustentáveis for desenvolvida e guiada, mais rápido e menos traumático será a mudança de comportamento em torno da sustentabilidade. A de-finição de sustentável está relacionada à possibilidade de continuidade dos aspectos econômicos, sociais e ambientais dentro da sociedade humana, preservando condi-ções viáveis e dignas de sobrevivência às gerações futuras (BRUNTLAND, 1988).

Esse processo de aprendizado voltado para a sustentabilidade acontece quando as pessoas criam soluções gradualmente, por tentativa e erro, às suas necessidades. Da mesma forma, esse processo de mudança acontece por uma descontinuidade sistêmica: “uma forma de mudança, onde, no final, o sistema

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em questão (no nosso caso o sistema sócio-técnico complexo em que se baseiam as sociedades industriais) será diferente, estruturalmente diferente do que nós conhecemos” (MANZINI e JÉGOU, 2003, p. 37). Em outras palavras, local-mente grupos de pessoas inventam novas formas de lidar com sistemas de vida (ligados a alimentação, roupas, transporte, energia, educação, etc.) e promo-vem a mudança em seus contextos. As ideias bem sucedidas são replicadas a outros contextos e de forma sistêmica, mas descontínua, a sociedade desenvol-ve seu potencial de transformação para estilos de vida mais sustentáveis.

Este capítulo coloca seu foco na primeira direção da abordagem de Design para inovação social e sustentabilidade, mais precisamente, através da análise de um caso inovação social, o "Ocupa Alemão". O caso acontece no conjunto de favelas do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, e sua análise tem como interesse demonstrar lições que organizações podem ter ao aproveitar soluções surgidas de maneira bottom-up – de baixo para cima – em comunidades.

4. Estudo de casoO Ocupa Alemão é uma inovação social que reinventa positivamente os

territórios de favelas, considerados como espaços de falta de acesso e urba-nidade (BARBOSA e SILVA, 2013, p. 29). O projeto foi concebido como uma resposta aos problemas enfrentados localmente, incluindo a persistência de problemas sociais e os limites impostos pela polícia.

O caso será apresentado em detalhes a partir de sua metodologia, eviden-ciando como as bases teóricas escohidas fazem sentido neste território.

4.1 Complexo do Alemão

Figura 1 – Localização da comunidade e de suas UPPs.

Fonte: SABREN/ IPP, 2011, ISP 2011

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Capítulo 19 – Design para inovação social como ferramenta para transformação organizacional

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O Complexo do Alemão é composto por 15 favelas (UPP SOCIAL, 2014), com quatro UPPs, localizadas na zona norte do Rio de Janeiro, sendo já consi-derada como a região da cidade mais violenta, em função de seu território ser disputado por traficantes. A Figura 1 mostra a localização das comunidades e das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). A sua população total é de 160 mil habitantes em 18.000 domicílios (UPP SOCIAL, 2014).

Em função de investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Cresci-mento1) para a construção de um sistema de teleférico, o mesmo é usado por moradores e turistas, o que simbolicamente transformou o lugar: da favela mais violenta para um cartão postal da cidade.

Em 2012, o Governo do Estado proporcionou um serviços de Internet sem fio gratuito em todo o complexo, permitindo o acesso a computadores, laptops, smartphones e tablets (ORTIZ, 2011; TECNOBLOG, 2012). Jovens da comu-nidade relataram que 48,9% têm a Internet como um dos "espaços culturais" mais frequentados; 8,4% usam a internet "sempre", 20,2% "às vezes", 11,4% "raramente" e 60% "nunca". Entre as principais dificuldades para participar de atividades culturais, 13,5% afirmaram "constrangimento pela origem social" e 24,2% apontam o custo do transporte (alto) como impedimento. 62% dos jovens relataram o uso da Internet para entrar em redes sociais e 42,5% disseram que usam telefones celulares para navegar na Internet (BARBOSA e DIAS, 2013).

Neste contexto, grupos de jovens do Alemão estão ligados ao ativismo po-lítico e cultural. Exploraremos este aspecto.

4.2 Ocupa AlemãoO Ocupa Alemão é um projeto concebido por sete jovens moradores da

comunidade que tiveram como inspiração as mobilizações internacionais após o Occupy Wall Street. Tal projeto trata-se de uma resposta aos limites coloca-dos pela ocupação da polícia, a qual eles consideram violenta. Barbosa e Dias (2013) explicam essa visão:

"(...) A pacificação também representa o período de fechamento de vá-rios espaços de sociabilidade juvenil dentro das favelas; por ordem do comando da UPP foram proibidas as atividades escolares de samba, bares e salas de show foram fechados; foi proibido o fechamento de ruas que eram usadas como espaço recreacional, e foram proibidos os bailes funk. Um participante relatou que onde ele vive as pessoas não podem ficar na rua depois das dez horas da noite... "(BARBOSA e DIAS, 2013, p. 120).

Para estes jovens, a favela passou do controle do tráfico de drogas para o controle da polícia, com o mesmo, segundo eles, autoritarismo. Eles acreditam que as soluções para os problemas que eles vivem podem e devem vir deles mesmos, em um movimento de baixo para cima. O movimento Ocupa Alemão desenvolveu e publicamente entregou uma carta ao comando da polícia em re-púdio de suas ações. Eles afirmam que o movimento foi criado pela descrimi-nalização do espaço público na favela. O grupo se reúne autonomamente e de 1 Mais informações em: http://dados.gov.br/dataset/obras-do-pac-programa-de-aceleracao-do-crescimento

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forma sistemática, projetando ações que tentam resgatar o caráter público dos territórios da favela. Nesse sentido, o termo "ocupar" do projeto traz à tona a discussão sobre o que é, de fato, público nestes territórios.

Desde 2012, o projeto reunia os jovens do Alemão e de outras favelas, no intuito de promover uma ocupação política, cultural e afetiva dos espaços públicos locais. Eles queriam que a favela fossem reconhecida como "parte da cidade", tendo como principais temas de ação o "direito à cidade" e a "democracia do acesso aos direitos." Estes jovens afirmam que desde a ocu-pação policial e projetos de mobilidade na favela, que são exógenos (de cima para baixo ou top-down), os becos e praças, lugares originalmente ligados à cultura local, tornaram-se cada vez mais espaços de proibição, repressão e arbitrariedade.

A ocupação do espaço público foi inspirada no Ocupy Wall Street, assim como a plenária (onde discutem os temas que lhes interessam) aberta e o espa-çoweb (neste caso no Facebook), mas a reinvenção das intervenções foi trans-formada pela vida local. Para cada atividade cultural destinada para a ocupa-ção, os jovens imediatamente ativam suas redes de amigos e é a partir deles que recursos para realizá-las são obtidos.

Eles têm as seguintes atividades principais:• Bibliotecas livres – espaço para intercâmbio de conhecimentos adminis-

trados pelos próprios moradores, incorporado à arquitetura e geografia da comunidade.

• Rolezinhos – andar pelas favelas e conversar com os moradores e demais interessados sobre os direitos da comunidade.

• Cine-muro – filmes projetados nas paredes das favelas.• Grafite político – arte nas paredes das favelas sobre questões relacionadas

com os direitos da comunidade.

Laços sociais e motivações favorecem redes conectadas na favela, como afirmado pelos membros do movimento:

"É uma relação de amizade e afinidade como um princípio básico. A maior afinidade que temos é a vontade de mudar o mundo" (LIMA, 2013). "O que nos une é a amizade e o vínculo com o território." "Depois de pensar sobre o que nós fazemos, nós ativamos nossos ami-gos da rede para a ação". "Nós todos vivemos no mesmo lugar, alguns na mesma rua, essa pro-ximidade e amizade torna mais fácil." "Nós usamos as redes sociais como uma ferramenta, mas somos amigos."

Nas favelas do Rio de Janeiro, as comunidades são comumente represen-tadas como algo homogêneo, identificando neste espaço popular uma "estigma-tização sócio-espacial forte, especialmente inferida por moradores de outras partes da cidade" (SILVA, 2009, p . 22-23). Observa-se que é precisamente esse estigma que faz com que as pessoas se reúnam para trabalhar de forma cola-borativa em torno de benefícios sociais e econômicos comuns.

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Capítulo 19 – Design para inovação social como ferramenta para transformação organizacional

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5. AprendizadosEmpresas podem desenvolver programas de responsabilidade social junto

a favelas identificando as redes sociais locais, no intuito de integrá-las e pro-mover um trabalho em conjunto. A análise do caso Ocupa Alemão nos permi-te observar que comunidades locais vêm desenvolvendo projetos próprios, de maneira informal, que promovem benefícios relacionais e de desenvolvimento local entre seus habitantes.

A partir dessa abordagem, empresas podem direcionar sua prática de responsabilidade social, especificamente de investimento social privado, para monitorar casos de inovação social surgidos dentro de favelas. Para além de monitorá-los, podem desenvolver projetos junto com moradores locais, no intui-to de gerar benefícios sociais e econômicos a estas comunidades.

O que une o grupo para a ação são os laços de amizade, o sistema de cren-ça similar – eles querem mudar o mundo ao seu redor –, o que leva ao projeto da troca de bens, serviços e informações no território, ativando um conjunto de re-des. No caso, as redes sociais (TICs) são utilizadas como uma ferramenta para ativar redes pessoais tradicionais, promovendo a inovação social no território.

O "Ocupa Alemão" é também uma forma de projeto relacional entre os seus membros e entre estes e a favela (LOMNITZ, 2009), confirmando as hipó-teses que levaram à pesquisa.

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Sobre os autores

Rita AfonsoDoutora em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ, professora Adjunta da FACC/UFRJ- Faculdade de Administração e Ciências Contábeis, Pesquisadora Associada do LTDS/COPPE – Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social e pesquisadora do projeto TRANSIT – Transformative Social Innovation Theory.

Carla CipollaDoutora em Design pelo Politecnico di Milano, professora adjunta do Programa de En-genharia de Produção da Universidade Federal do Rio de Janeiro COPPE/UFRJ, Pesqui-

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sadora do LTDS/COPPE – Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social e, no Brasil, lider da equipe de TRANSIT – Transformative Social Innovation Theory.

Maíra Prestes JolyMestre em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ, com foco nas áreas de Design de Serviços e Inovação social. Pesquisadora Associada do LTDS/COPPE – Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social e pesquisadora do projeto TRANSIT – Trans-formative Social Innovation Theory.

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20trAnsformer Les orgAnisAtions: comment

fAire émerger une cuLture rse coLLective?

Irène Foglierini

Il est notoire que nous devons réorienter le modèle économique prédominant actuel. Axé sur la recherche d’une productivité accrue et une consommation de masse, le modèle de croissance libéral montre ses limites au niveau des

externalités négatives produites. Parmi ces externalités, nous pouvons citer entre outre la détérioration de l’environnement ou encore le développement de poches de pauvreté, y compris dans les pays du G7.

La transformation macroéconomique doit être accompagnée de transfor-mations au niveau du management des entreprises. La responsabilité sociale, sociétale et environnementale (RSE) doit devenir une valeur majeure dans la politique des organisations publiques et privées.

I – Politique RSE: green management ou green marketing?Les grands groupes publient des rapports RSE flatteurs, mais derrière

cette «façade», on peut s’interroger sur la prise en compte réelle de cette problé-matique dans les choix stratégiques et managériaux des entreprises.

Aussi, malgré les évolutions récentes, nous pouvons citer un nombre im-portant de pratiques qui nous laissent penser qu’entre «le discours officiel» et «les pratiques réelles», l’écart est assez significatif. Par exemple, les discrimi-nations encore fortes dans les politiques d’embauche dans les pays européens à l’égard des ressortissants d’origine immigrée ou encore les pratiques de glo-balisation excessive des marchés qui écartent les petits fournisseurs et presta-taires des appels d’offres publics.

Par ailleurs, les statistiques montrent que dans le contexte managé-rial actuel, les maladies socio-psychologiques se sont développées, conduisant jusqu’au burn-out des salariés mais aussi des managers. Selon l’enquête de l'Institut Great Place to Work, près d'un salarié sur deux (48%) se dit confronté à des situations de burn-out (arrêt de travail soudain à la suite d'un épuisement lié aux conditions de travail) ou à des niveaux de stress très importants pour lui-même ou pour ses proches. Chez les managers, la part des salariés qui se disent

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proches du burn-out atteint 24%. Tandis que la dépression peut se déclencher aussi bien dans la sphère privée que dans la sphère professionnelle, à la suite d’une difficulté personnelle stressante ou à la suite d’un choc émotionnel impor-tant, le burn-out (qu’on appelle d’ailleurs plus explicitement épuisement profes-sionnel) se déclenche lui toujours et uniquement dans un contexte professionnel stressant. L’insécurité économique (craintes de perdre son emploi), les rapports difficiles avec la hiérarchie (sentiment de ne pas être écouté, valorisé), le climat de tension et de compétition dans les organisations (luttes de pouvoir internes) ou encore le manque de repère (quel sens donner à son travail?) sont les princi-paux éléments qui favorisent l’apparition de risques psychosociaux.

Il serait temps de transformer les organisations. Cette transformation passerait par la mise en application de valeurs de base mais essentielles pour redémarrer l’activité économique en berne, respecter l’environnement et la sauvegarde des espèces ou encore contribuer au bonheur des sala-riés. Les travaux de Joseph Stiglitz montrent la relation entre «bonheur» et «réussite économique».

II – Conduire les changementsComment mener cette transformation? Vers quel modèle organisationnel

faut-il aller? Quel serait l’impact tant au niveau économique que sociétal? Quel profil pour le «transformateur», à savoir le manager qui mènera ces changements?

2.1 Transformer les organisationsTransformer signifie modifier profondément une organisation mais sans

toucher à son ADN, à savoir ce que fait d’une organisation une entité unique. Dans cette logique, le point de départ consiste à identifier cet ADN pour mieux le mettre en valeur. Une phase préalable de réflexion doit permettre à toutes les parties prenantes de tracer la carte génétique de l’organisation: quels sont les éléments qui ont permis à l’organisation d’assurer sa pérennité, de prospérer et d’innover. L’approche RSE (responsabilité sociale et environnementale) pour-rait être un marqueur de cette transformation. Une stratégie, une organisation et un management visant la soutenabilité de l’organisation à long-terme. L’or-ganisation du futur doit être capable de répondre aux attentes des différentes parties prenantes dans un souci d’équité. Selon Jacques Huybrechts, fondateur d’Entrepreneurs d’avenir, l’entreprise est plus que jamais désincarnée, résul-tat des délocalisations, de la dématérialisation ou encore de la financiarisation. Tous ces éléments remettent en cause l’identité de l’organisation.

La norme NF ISO 26 000 peut être le fil conducteur de cette transforma-tion. Non certifiable, cette norme ne fournit pas d’outil ou de système de mise en œuvre. Mais, elle invite à la mise en place d’un management à 360°.

2.2 Management 360°La norme NF ISO 26000 définit 7 principes de base pour la gouvernance

des organisations:Responsabilité de rendre compte: l’organisation doit être redevable vis-à-

vis de la société et de toutes les parties prenantes. Transparence: fournir les informations relatives aux décisions et aux activités.

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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Comportement éthique: valeur fondamentale qui doit être présente dans toutes les décisions prises.

Reconnaissance des intérêts des parties prenantes: équilibre dans la sa-tisfaction de ces intérêts qui peuvent être divergents (par exemple, l’intérêt des actionnaires et ceux des salariés).

Respect du principe de légalité: la primauté du respect de la loi dans toutes les décisions et actions menées par les membres de l’organisation.

Prise en compte des normes internationales de comportement: il s’agit de se comporter dans le respect de sa responsabilité sociétale. Ce point est particulièrement important dans un contexte de forte délocalisation. L’utili-sation des sous-traitants dans les pays à bas coûts peu respectueux des droits humains et sociaux est à l’origine de ce principe.

Respect des droits de l’homme: reconnaissance de leur importance et uni-versalité.

Présentée de cette façon, cette approche peut paraître dogmatique et rap-peler les 7 péchés capitaux! Néanmoins, ces principes ne sont pas contraires au développement économique des organisations. Ils peuvent, à contrario, devenir un pilier du progrès social et économique. Les parties prenantes, et plus par-ticulièrement les salariés, peuvent adhérer plus facilement aux orientations d’une entreprise managée à 360°.

2.3 Le manager transformateurConduire la transformation dans cette voie requiert un manager d’ex-

ception. Avant tout, un visionnaire capable de proposer une organisation cible répondant aux attentes de la société et de toutes les parties prenantes. Manager des équipes dans une logique de transformation nécessite de qua-lités particulières. Bass (1985) considère que le leader transformateur ob-tient de la part du personnel une plus grande motivation pour atteindre les objectifs généraux de l’organisation en allant au-delà du travail quotidien attendu. Dans une logique d’un management 360°, ce type de leadership est fondamental, non seulement vis-à-vis des salariés mais vis-à-vis de toutes les parties prenantes. Ce type de manager, selon Bass, fait appel à l’intelligence, à la créativité et à la rigueur.

Les qualités requises sont:• la transparence (les objectifs sont communiqués et expliqués), • la communication (être à l’écoute et apporter les réponses attendues),• l’enthousiasme (envie de se dépasser et susciter ce sentiment au sein de

l’équipe), • l’exemplarité (comportement éthique et respectueux du cadre légal) • le charisme (transmettre aux parties prenantes la fierté)

En outre, ce manager transformateur doit résister au stress et savoir faire face aux conflits qui peuvent émerger dans le processus de transformation: de conflits de fond ou de conflits émotionnels.

III – Transformation et RSELe modèle EFQM (European Fondation for Quality Management, dévelop-

pé en 1989 et nouvelle version en 2010) connu sous le nom de «modèle de l’Ex-

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Capítulo 20 – Transformer les organisations: comment faire émerger une culture RSE collective?

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cellence» renforce l’idée de «donner du sens» aux multiples démarches mises en œuvre par les organisations. Les concepts fondamentaux de ce modèle sont:• Assumer la responsabilité pour un futur durable,• Obtenir des résultats équilibrés,• Apporter une valeur ajoutée aux clients,• Diriger avec une vision, être une source d’inspiration et un modèle d’intégrité,• Gérer par les processus,• Réussir grâce à son personnel,• Entretenir la créativité et l’innovation,• Créer des partenariats.

Nous nous posons à ce moment la question qui paraît fondamentale: quelle est la relation entre performance économique et approche RSE?

Afin d’analyser cette relation, nous avons élaboré la matrice ci-dessous:

Figure 1 – Relation entre situation économique et politique RSE

Situation économique Risques sociaux Relations entre les parties prenantes Politique RSE

Stable Faibles Cordiales Investissements

En croissance Trés faibles Harmonieuses Investissements

En restructuration Forts Tenses Stagnation

En crise Elevés Tenses Minimum légal

La situation économique de l’organisation impacte fortement la politique RSE. En effet, quand la situation de l’organisation est stable ou en croissance, les risques sociaux (burn-out, conflits sociaux, … ) sont faibles et les relations avec les parties prenantes sont harmonieuses ou se déroulent dans une bonne synergie. Cela se traduit par une politique RSE «audacieuse», avec des inves-tissements importants dans ce domaine.

Par opposition, dans les organisations qui sont en phase de restruc-turation ou en crise, les risques psychosociaux affectent la santé mentale, physique et sociale des salariés mais aussi des dirigeants. L’insécurité économique génère des tensions sociales qui ne favorisent pas les projets communs. Au niveau de la RSE, nous pouvons constater que les mesures prises se limitent à celles imposées par la loi (traitement de déchets, bilan carbone) ou à celles qui génèrent des réductions de coûts (maîtrise de la consommation de l’énergie ou de l’eau). Bref, des mesures plutôt «développe-ment durable» que «RSE».

Il serait par conséquent aisé d’arriver à la conclusion que la RSE est une démarche réservée aux «organisations riches»! Néanmoins, nous pensons, au contraire, qu’en période de fortes pressions économiques, une démarche RSE menée par un manager transformateur ayant les qualités requises décrites préalablement, pourrait être un fort levier de redres-sement. La mobilisation autour de certaines valeurs clés pourrait être source d’innovation, de créativité permettant de mobiliser l’intelligence collective des salariés, dirigeants, actionnaires mais aussi fournisseurs. Une démarche qui consisterait à faire de la RSE un élément majeur de la redéfinition de la chaîne de valeur.

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IV – Et la transformation dans les hôpitaux publics en France?

4.1 La situation économique des hôpitaux publicsLe budget de la santé ne cesse de connaître des «coupes budgétaires». La

France s’est engagée à respecter les critères des accords de Maastricht et à réduire ainsi son déficit budgétaire (selon, les accords européens, il ne doit pas être supé-rieur à 3% du PIB. Aujourd’hui, il est proche de 4,7%). Les différents ministères ont dû serrer «la ceinture» à l’exception de certains domaines, comme l’Education.

Les budgets hospitaliers, en 2015, sont en baisse de 3 milliards d’euros. En effet, le gouvernement a décidé de baisser les tarifs auxquels hôpitaux et cliniques pourront facturer les soins à l'Assurance maladie en 2015 (plan ONDAM - Objec-tif national des dépenses d'assurance maladie). Ceux des cliniques privées chute-ront de 2,5% et ceux des hôpitaux publics de 1%. Les 3.000 établissements français ne seront pas tous touchés de la même façon. Les agences régionales de santé (ARS) ont reçu le détail des économies à réaliser. Cinq régions sont plus particu-lièrement impactées: l'Île-de-France, Poitou-Charentes, l'Auvergne, la Bourgogne et le Centre. Dans un contexte où les dépenses de santé ne cessent d’augmenter (vieillissement de la population, technologies médicales plus efficaces mais plus coûteuses, molécules plus onéreuses,…), il faudra que les hôpitaux publics four-nissent des efforts supplémentaires. Ces efforts doivent être réalisés dans deux domaines particuliers: les frais de personnel (65 à 70 % des dépenses) et les achats.

Au niveau des économies prévues sur les frais de personnel, le ministère a pris la décision de ne pas recruter de nouveaux agents, réduire le nombre d’in-térimaires, limiter les promotions et remettre en cause les 35 heures légales appliquées dans les hôpitaux.

Par ailleurs, la réduction du nombre de lits est également mise en place ainsi que la création de GHT (Groupements Hospitaliers Territoriaux) qui doivent réunir 2 à 3 hôpitaux au sein d’un même territoire pour obtenir des synergies (massification des achats, pool informatique, …).

Par ailleurs, la majorité des hôpitaux publics sont déjà déficitaires.

4.2 – Une vision «comptable»Après la dernière grande réforme dans la gestion hospitalière publique,

dite réforme Bachelot qui a consisté à donner «plus de pouvoir» aux directeurs au détriment du corps médical, la nouvelle réforme en cours est perçue par les différents acteurs comme une «réforme comptable». L’obligation pour les hôpi-taux publics de réduire les dépenses et de certifier leurs comptes est considérée par la majorité des agents hospitaliers (corps médical et administratif) comme une volonté d’introduire dans les hôpitaux une «gestion empresariale».

Peu mobilisatrice, cette politique génère des effets néfastes à différents niveaux: le nombre de jours d’absentéisme a augmenté, le climat interne est tendu, les relations entre corps médical et corps administratif est plus cloi-sonnée, les patients sont plus exigeants et les services d’urgence sont dépassés par l’afflux massif de patients (en partie dû à la précarité sociale issue de la crise économique et qui pousse les patients à aller aux urgences plutôt que de consulter un médecin libéral puisqu’il faut avancer les frais de la consultation).

Dans ce contexte de crise économique dans les hôpitaux, nous pouvons

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Capítulo 20 – Transformer les organisations: comment faire émerger une culture RSE collective?

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constater que le bien être des salariés est particulièrement remis en cause (aug-mentation du burn-out) et que les relations entre les parties prenantes sont ten-dues (médecins, administratifs, pouvoir politique, patients, fournisseurs). Quel impact dans une démarche RSE? Conformément au tableau précédent (figure 1), les investissements dans les hôpitaux sont «gelés». Au niveau RSE, on se limite alors à mettre en place les démarches développement durable rendues obligatoires par les lois ou le code des marchés publics (traitement des déchets, valorisation des fournisseurs ayant entamé une démarche RSE lors des appels d’offres, recours aux entités employant du personnel handicapé, …) ou celle qui impactent de façon positive le budget (réduction des consommations d’eau, énergie, …).

4.3 La RSE peut être un levier de transformation dans les hôpitaux?Afin de voir la perception des agents hospitaliers, un questionnaire a été

adressé au personnel de 2 hôpitaux de chacune des 5 régions citées préalable-ment qui seront particulièrement touchées par la «coupe budgétaire». Dans chaque établissement, nous avons pu collecter un échantillon significatif des dif-férentes catégories représentées dans l’hôpital. Aussi, l’échantillon final réunit 140 participants. Dans la catégorie «membres dirigeants», nous avons eu des réponses émanant des directeurs généraux (6) et des directeurs occupant des responsabilités diverses (informatique, ressources humaines, logistique). La ca-tégorie est par conséquent «mixée». Néanmoins, tous les directeurs participant à cette étude sont issus de la même filière, à savoir l’Ecole des Hautes Etudes en Santé Publique (EHESP), principale source de recrutement pour cette catégorie.

Pour les «agents administratifs», les réponses émanent à la fois des ad-joints administratifs et des agents administratifs.

Vu le manque de disponibilité des médecins et pharmaciens, l’échantillon réunit 2 participants par région.

Les questionnaires ont été envoyés par mail à une personne ressource dans chaque organisation ayant accepté d’agir en tant qu’intermédiaire. Pour l’Ile de France, le questionnaire a été rempli en face à face et cette région a servi de test pour la bonne compréhension des questions.

En outre, il est intéressant de constater qu’il n’existe pas d’écart significa-tif entre les réponses obtenues en Ile de France (grands hôpitaux de la région parisienne) et les autres régions.

La figure 2 récapitule la composition finale de l’échantillon.

Figure 2 – Composition de l’échantillon final

Membres dirigeants Médecins

Cadres de la santé Pharmaciens

Aides soignants

Personnel administratif

Ile de France 4 2 4 2 4 10

Poitou-Charentes 4 2 4 2 4 10

Auvergne 4 2 4 2 4 10

Bourogne 4 2 4 2 4 10

Centre 4 2 4 2 4 10

10

Total 20 10 20 10 20 60

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4.4 La perception des acteursLes données ci-dessous sont intéressantes pour analyser la perception de

la situation par les différentes catégories de personnel présentes dans l’hôpital:

100% des participants connaissent le plan Ondam et les répercussions au niveau de la réduction budgétaire des hôpitaux. Ils sont informés à la fois par les syndicats et les médias qui ne cessent de le rappeler. Seuls 4% des participants disent travailler dans un hôpital en équilibre. La large majorité est consciente des difficultés de leurs organisations, soit via les syndicats soit via les managers. 97% considèrent que la période actuelle est une période de crise, peut-être la crise la plus forte subie depuis la seconde guerre. D’une fa-çon globale, ils considèrent qu’il faudra faire des efforts supplémentaires mais 20% des participants perçoivent cette crise comme le résultat d’une mauvaise gestion de la politique publique de la santé.

Connaissent les mesures prises concernant la réduction budgétaire

Les mesures sont nécessaires

Les mesures visent à fermer certains hôpitaux

Les mesures ne favorisent pas la prise en compte des malades

Manager gestionnaire

Manager administratif

Manager transformateur

L'hôpital est en déficit

Les hôpitaux sont en crise

Les hôpitaux sont stables

L'hôpital est en équilbre

120%100%80%60%40%20%

0%

120%100%80%60%40%20%

0%

120%

100%

80%

60%

40%

20%

0%

45%40%35%30%25%20%15%10%5%0%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Quant aux mesures préconisées (réduction des charges de fonctionnement et réduction du nombre de lits par le développement de la chirurgie ambula-toire), 40% des participants considèrent que ces mesures sont nécessaires pour redresser la situation. Mais 30% des participants pensent qu’il s’agit d’une ‘manœuvre politique» pour fermer certains établissements.

Quant à l’image qu’ils ont du «directeur général», la large majorité le considère comme un leader gestionnaire ou administratif. Seuls 2% voient le manager comme un transformateur, capable de conduire les changements né-cessaires. Ce point est intéressant puisque même l’ensemble des directeurs

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Capítulo 20 – Transformer les organisations: comment faire émerger une culture RSE collective?

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hospitaliers ayant participé à cette étude ne se voient pas comme un manager capable de produire ou de piloter les changements. Ce constat nous fait penser à la notion de «société bloquée» chère à Michel Crozier (1970) ou encore à la «logique de l’honneur» de Philippe d’Iribarne (I1991), où chaque acteur reste fi-dèle aux valeurs de sa corporation d’origine. Des concepts théoriques «anciens» qui correspondent toujours au mode de fonctionnement de la société française.

La RSE se limite au dé-veloppement durable

La politique RSE se limite aux obliga-tions des législations

La politique RSE se traduit par des actions proposées par le personnel

La politique RSE n'est pas mise en avant dans notre établissement

La RSE pourrait être un moyen de renforcer les liens internes et externes

La RSE pour-rait être un moyen pour redonner du sens à l'action individuelle

La RSE ne pourrait pas être le levier de change-ment

La RSE est prise en compte dans la politique de l'hôpital

La RSE est bien perçue par le personnel

La RSE donne du sens à notre travail

La RSE n'impacte pas le compor-tement du personnel

La RSE est un "leurre"

45%40%35%30%25%20%15%10%5%0%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%

Concernant la RSE, 50% des participants considère qu’elle se limite au volet «développement durable» avec des actions souvent proposées par les sala-riés. Néanmoins, 25% considèrent que la RSE est du «leurre», à savoir un beau discours qui ne se traduit pas par des actions concrètes vis-à-vis des parties prenantes ou même de la préservation de l’environnement.

La large majorité (65%) pense que la RSE est bien comprise et bien perçue par le personnel et 30% des participants considèrent même qu’elle donne du sens au travail. Pour ce dernier point, nous avons constaté une très forte cor-rélation entre le statut du répondant et la quête de sens. En effet, le personnel administratif est majoritaire à souligner cette quête du sens donné au travail dans un environnement qu’ils trouvent de plus en plus complexe et hostile.

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La perception de la mise en place d’une politique RSE dans leurs orga-nisations se limite dans la majorité des cas au respect de la législation (bilan carbone, traitement de déchets, …) et par les actions proposées par le person-nel (économie du papier, choix des produits d’entretien sans nocivité pour l’en-vironnement, éteindre les lumières ou encore baisser le chauffage).

40% des participants considèrent que dans un contexte de crise, la RSE pourrait devenir un moyen d’auto satisfaction pour l’agent alors que les fac-teurs d’insatisfaction au travail ne cessent d’augmenter (F.Herzberg ; 1968). Les sources d’insatisfaction citées sont le burn-out, le stress induit par des journées trop chargées et le sentiment de ne pas pouvoir réaliser totalement les missions de santé publique vis-à-vis des patients. En outre, le manque de re-connaissance et de perspective d’évolution apparaissent aussi comme sources de ce malaise. Mais 35%, et nous trouvons ici une bonne partie du corps mé-dical, considère que la RSE ne peut pas être le levier de changement. Ils se sentent de plus en plus démunis face aux patients par faute de moyens. Le plus important pour eux est de redéfinir une véritable politique de santé publique. A peine 25% des participants pensent qu’une véritable politique RSE pourrait consolider les liens distendus entre les différentes parties prenantes.

En conclusion, il apparaît que la corrélation entre «organisation en crise» et «mal être psychosociologue» est confirmée dans les hôpitaux publics. En ef-fet, les discours axés sur l’optimisation budgétaire ne mobilisent pas la majorité des agents toutes catégories comprises. Cela sous-entend qu’il existe encore de fortes barrières à l’utilisation d’un «discours gestionnaire» dans un monde où l’idéal consiste à considérer que «la vie n’a pas de prix». Ce choc de cultures est source de forte instabilité, plongeant le personnel dans une certaine détresse. Or, on peut considérer que ces discours gestionnaires sont rationnels et visent à sauvegarder le fonctionnement du système de santé publique en France. S’il est mal vécu, le problème provient du type de communication utilisé et du manque de managers transformateurs dans les hôpitaux. Le cloisonnement des diffé-rentes catégories fait apparaître de «groupes identitaires» (médecins versus di-recteurs ; corps médical versus corps administratif). La RSE peut être un point de convergence à condition que les actions s’inscrivent dans une stratégie globale et que les différentes parties prenantes se sentent insérées dans cette démarche. Là encore, le rôle d’un manager transformateur paraît essentiel, à condition que le pouvoir politique laisse plus de marge d’action au niveau local.

Bibliographie

Bass, Bernard M. et Riggio, Ronald E.: Tranformational Leadership, Business & Economics, 2005.

Crozier, Michel: La société bloquée, Editions du Seuil, 1970.

D’Iribarne, Philippe: Les entreprises françaises et la logique de l’honneur, Fondation Saint Simon, 1991.

Herzberg, Frederic: Work and nature of man ; Staples, 1968.

Robin, Jennifer et Burchell, Mickael: Qu’est-ce qui distingue une excellente entreprise d’une entreprise simplement bonne?, Great Place to Work, Paris, 2010.

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Capítulo 20 – Transformer les organisations: comment faire émerger une culture RSE collective?

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Sobre a autora

Irène FoglieriniProfesseur à ESCP EUROPE et directeur scientifique des formations dans les domaines des achats et de la suuply chain. Elle est aussi directrice générale à International Pur-chasing & Supply Management, société d’étude et de conseil dans les domaines des achats et de la supply chain. Elle est Vice-Présidente de la Commission des Contrats Publics à AP-HP (Assistance Publique/Hôpitaux de Paris). Elle assure également des formations à l’Université de Paris V et à EHESP (Ecole des Hautes Etudes en Santé Publique). Présidente du Club Directeurs des achats en France. Professeur Invitée à la FGV et UFF ainsi que dans les universités marocaines. Elle a publié plusieurs articles sur les achats. Elle a exercé des responsabilités de direction des achats dans les secteurs automobile et assurantiel.Docteur en Sciences de la Gestion (Université de Paris I), Master 2 en Sciences de la Gestion (Université de Paris I), Master 2 en Relations Internationales (Université de Paris Dauphine) et Programme Doctoral à HEC.

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21Resumo

A Embraer, empresa brasileira fabricantes de jatos comerciais, executivos e militares ganhou no ano de 2014 o Prêmio Nacional da Qualidade, de-monstrando possuir excelência na gestão de seus stakeholders. A empresa

recebeu uma ótima avaliação em todos os critérios analisados, destacando-se principalmente aqueles associados aos projetos sociais geridos pelo Instituto Embraer de Educação e Pesquisa. Com o intuito de difundir a Responsabilidade Social Corporativa praticada e desta forma motivar ações de outras empresas, este capítulo tem por objetivo apresentar os projetos sociais desenvolvidos pela empresa em seis grandes áreas: ensino de excelência, programas de parcerias sociais, empreendedorismo, responsabilidade social corporativa, voluntariado e preservação da história da indústria aeronáutica brasileira, sumarizada na manutenção de um centro histórico. Por meio de levantamento documental, es-tudo de caso e entrevistas, observa-se que todos esses projetos são gerenciados de forma exemplar e analisados criticamente em relação à agregação de valor que proporcionam à sociedade, garantindo assim resultados excelentes. Por fim, é importante salientar que, para a Embraer, a manutenção destes projetos é definida como uma estratégia empresarial, a fim de mitigar riscos sociais em seu entorno e contribuir para um futuro melhor.

1. IntroduçãoA Responsabilidade Social Corporativa (RSC) pode ser entendida como

um compromisso que uma organização deve ter para com a sociedade, expresso por meio de atos e atitudes que a afetem positivamente (Ashley, 2005). Ela deve se caracterizar como um dos pilares do conceito do triple bottom line, no qual a gestão empresarial de excelência deve se pautar pelo equilíbrio dinâmico entre os fatores econômicos, sociais e ambientais (Elkington, 1998).

A Embraer, empresa brasileira fabricantes de jatos comerciais, executi-vos e militares, concorda com esta máxima e acredita que sua relação com

proJetos de responsAbiLidAde sociAL

corporAtivA desenvoLvidos peLo instituto embrAer de educAção e pesquisA:

ApresentAção e AnáLise dos resuLtAdos

Rosley AnholonJefferson de Souza Pinto

Osvaldo Luiz Gonçalves Quelhas

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todas as partes interessadas (stakeholders) é um aspecto fundamental para a construção de um futuro melhor nos moldes difundidos pelo triple bottom line. Aliás, esta busca incessante pela gestão de excelência com base nas partes interessadas fez com que a empresa conquistasse em 2014 o Prêmio Nacional da Qualidade da FNQ.

Focando-se um pouco melhor as ações sociais, todas as atividades desen-volvidas pela empresa em prol das cidades onde atua (São José dos Campos, Araraquara e Botucatu) são gerenciadas por meio de um instituto criado em 2001 e denominado Instituto Embraer de Educação e Pesquisa. Tais atividades são organizadas e gerenciadas em seis grandes áreas, sendo elas ensino de ex-celência, programas de parcerias sociais, empreendedorismo, responsabilidade social corporativa, voluntariado e preservação da história da indústria aero-náutica brasileira, sumarizada na manutenção de um centro histórico. O Insti-tuto denomina essas seis grandes áreas como pilares e acredita que os mesmos formam o alicerce de todos os valores defendidos pela empresa mantenedora.

Assim, mediante ao exposto, o principal objetivo deste capítulo reside na apresentação da gestão do Instituto Embraer de Educação e Pesquisa e dos proje-tos por ele desenvolvido e/ou apoiado, principalmente aqueles que compõem seus seis pilares de ação. Para o levantamento dos dados e informações aqui apresen-tadas, os autores se valeram de pesquisas bibliográficas sobre RSC em livros e artigos científicos, pesquisa documental nos relatórios de gestão da empresa nos últimos cinco anos e informações disponíveis no site do Instituto (todas essas in-formações são de caráter público), além de entrevistas semi-estruturadas junto aos colaboradores Wanessa Aparecida Santos de Oliveira, uma das responsáveis pelo Instituto, e Ayslan Anholon, voluntários em vários projetos sociais.

Além desta introdução, este capítulo apresenta mais quatro tópicos, tendo suas temáticas detalhadas a seguir: O tópico 2 é dedicado a uma rápida revisão da literatura sobre os principais conceitos que norteiam a RSC, o tópico 3 à apresentação da empresa mantenedora e suas atividades, o tópico 4 à gestão da Instituto e seus projetos e, por fim, o tópico 5 a conclusões e considerações finais.

2. Conceitos sobre a Responsabilidade Social As mudanças nos cenários que se inserem as organizações, demandam

cada vez mais que estas modifiquem a maneira como tratam as relações eco-nômicas, sociais e o meio ambiente. Em decorrência dessas novas demandas, as quais na maior parte dos casos são trazidas pelos stakeholders das organi-zações, aumenta a necessidade de se atuar de forma socialmente responsável.

Essa visão das organizações esta alicerçada no que é definido como De-senvolvimento Sustentável e é composto por cinco fatores: econômico, social, político, ambiental e territorial. O fator social agrega as situações de má ges-tão deste aspecto pelo Estado, o que denota uma necessidade de tratá-lo com o objetivo de diminuir ou eliminar essa problemática, pois o desenvolvimento inclui a responsabilidade de reparar as desigualdades sociais existentes hoje, e que tiveram sua origem marcada por explorações de territórios no passado (Sachs, 1994).

E ainda, os valores relacionados ao desenvolvimento sustentável e ao res-peito às políticas ambientais estão sendo institucionalizados em maior ou me-

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nor grau nos diversos países pela mídia, pelos movimentos sociais e ambienta-listas, e pelos governos (Barbieri et al., 2010).

Isto denota uma nova concepção de organizações focadas na Responsabilidade Social, sendo que essa visão é evidenciada no estabelecimento dos objetivos e missão organizacional, o que corrobora com a visão de Makower (1995) e Stenzel (2010).

2.1 Definições de Responsabilidade SocialHá várias terminologias para Responsabilidade Social, dentre as quais

pode-se citar, Responsabilidade Social Empresarial (RSE) e Responsabilidade Social Corporativa (RSC).

Responsabilidade Social, em um aspecto mais amplo, pode ser definida como

“o compromisso que uma organização deve ter com a sociedade, ex-presso por meio de atos e atitudes que a afetem positivamente, de modo amplo, ou a alguma comunidade, de modo específico, agindo proativamente e coerentemente no que tange a seu papel específico na sociedade e a sua prestação de contas para com ela. A organi-zação, nesse sentido, assume obrigações de caráter moral, além das estabelecidas em lei, mesmo que não diretamente vinculadas as suas atividades, mas que possam contribuir para o Desenvolvimento Sus-tentável dos povos. Assim, numa visão expandida, Responsabilidade Social é toda e qualquer ação que possa contribuir para a melhoria da qualidade de vida da sociedade (Ashley et al., 2005, p. 6).

De acordo com o Instituto Ethos (2015), "Responsabilidade Social Empre-sarial (RSE) é a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabele-cimento de metas empresariais que impulsionem o desenvolvimento sustentá-vel da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais. As enormes carências e desigualdades existentes no país, aliada às de-ficiências crônicas do Estado no atendimento das demandas sociais, conferem maior relevância à responsabilidade social empresarial".

A ISO (2010), International Organization for Standardization (Organi-zação Internacional de Normalização), descreve a Responsabilidade Social Corporativa (RSC) como uma abordagem equilibrada para as organizações a abordar questões económicas, sociais e ambientais de uma forma que visa be-neficiar pessoas, comunidades e sociedade. E que a RSC inclui questões como:

a) Os direitos humanos;b) Questões de trabalho e dos trabalhadores,

incluindo a saúde e segurança ocupacional;c) Práticas comerciais desleais;d) A governança organizacional; e,e) Aspectos ambientais.

Neste sentido, segundo a norma ABNT ISO 26000 (2010), Responsabili-dade Social é a responsabilidade de uma organização pelos impactos de suas

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Capítulo 21 – Responsabilidade Social no Sistema Firjan: valor compartilhado para a organização e a sociedade

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decisões e atividades na sociedade e no meio ambiente, por meio de um compor-tamento ético e transparente que:

a) contribua para o desenvolvimento sustentável, inclusive a saúde e bem-estar da sociedade;

b) leve em consideração as expectativas das partes interessadas;c) esteja em conformidade com a legislação aplicável;d) e seja consistente com as normas internacionais de comportamento; e,e) esteja integrada em toda a organização e seja praticada

em suas relações.

Cabe ressaltar que a ABNT ISO 26000 (2010) é aplicável a organizações de diferentes setores, portes e localidades tem por objetivo orientar as empre-sas na implantação de políticas, práticas e princípios de Responsabilidade So-cial Corporativa. E ainda, tem a como princípio nortear as organizações, sendo pautada nos seguintes pontos:

a) Responsabilidade;b) Transparência;c) Comportamento Ético;d) Consideração pelas partes interessadas;e) Legalidade;f) Normas Internacionais; e,g) Direitos Humanos.

A Responsabilidade Social Corporativa está preocupado com o tratamento dos stakeholders da organização de forma ética ou responsável. "Eticamente ou Socialmente Responsável" significa tratar os stakeholders de forma conside-rada aceitável em sociedades civilizadas. Socialmente inclui responsabilidade econômica. stakeholders existem tanto dentro da organização como fora dela. O objetivo mais amplo de responsabilidade social é criar padrões mais elevados de vida, preservando ao mesmo tempo a rentabilidade da organização, para as pessoas dentro e fora dela (Hopkins, 2003).

Segundo Pinney (2001) e Lindgreen e Swaen (2010), a Responsabilidade Social Corporativa pode ser definida como um conjunto de práticas de gestão que garantam a empresa minimiza os impactos negativos das suas operações na sociedade ao mesmo tempo maximizar seus impactos positivos.

Para Serpa e Fourneau (2207), uma visão socioeconômica da Responsa-bilidade Social Corporativa é aquela que, defende o papel da organização na promoção do bem-estar social, com objetivos mais amplos do que a obtenção de lucros corporativos e geração de empregos, sem contudo ignorá-los. Alguns de seus princípios são: foco nos lucros de longo prazo para o negócio; obtenção de melhor imagem junto à sociedade e menor regulamentação governamen-tal para o negócio; incorporação de maiores obrigações sociais para o negócio; promoção de melhor ambiente para todos. De acordo com esta abordagem, a empresa estará cumprindo sua responsabilidade social na medida em que pro-porcionar uma melhora nas condições de vida da sociedade.

Verifica-se com as definições apresentadas, que há uma preocupação em contribuir com o desenvolvimento de todos os stakeholders da organização,

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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sendo contínua a busca por sociedade sustentável e ética, corroborando com a concepção de Baolzarova e Castka (2012) e Dahlsrud (2006).

2.2 Triple Bottom Line (TBL)A Responsabilidade Social Corporativa, conforme já abordado, busca o

Desenvolvimento Sustentável, assim incorpora o que é definido Triple Bottom Line (TBL), conforme Figura 1. O TBL é formado por três dimensões - a eco-nômica, a social e a ambiental, o qual fora desenvolvido por Elkington (1998). Estas dimensões influenciam as decisões de negócios das organizações, e au-xiliam-nas a mensurar o seu desenvolvimento, o qual pode ser adaptado para diferentes aspectos (Slaper e Hall, 2011).

Figura 1 – Triple Bottom Line

Fonte: Adaptado de Elkington, 1998

Social (pessoas)

Econômico (lucro)

Ambiental (planeta)

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

As três dimensões ou tripés do TBL desenvolvido por Elkington (1998) são:a) Econômico (lucro)– uma medida tradicional

de lucro corporativo da conta de ganhos e perdas;b) Social (pessoas) – uma medida do grau de responsabilidade social

de uma organização ao longo de suas operações;c) Ambiental (planeta) –uma medida de quão ambientalmente

responsável é a organização.

Evidencia-se que o TBL tem como objetivo fundamental, o processo de mensuração dos impactos sociais e ambientais e consequentemente a sua in-fluência no lucro das organizações, que passaram a ser consideradas social e ambientalmente responsáveis. O TBL é um acordo social e ecológico entre a comunidade e as organizações (Jackson, Boswell e Davis, 2001).

Para Hubbard (2009), o TBL é baseado na teoria dos stakeholders, mas é preciso compreender a ideia de que uma empresa deve mensurar o seu desem-

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Capítulo 21 – Responsabilidade Social no Sistema Firjan: valor compartilhado para a organização e a sociedade

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penho em relação às partes interessadas, incluindo as comunidades e os gover-nos locais, não apenas aqueles stakeholders com os quais tem relações diretas, transacionais (tais como empregados, fornecedores e clientes).

O TBL implica que as responsabilidades das organizações são muito mais amplas do que simplesmente as relacionadas com os aspectos econômicos da produção de produtos e serviços desejados pelos clientes, às normas regula-mentares, com lucro. O TBL acrescenta a mensuração do desempenho ambien-tal e social além da mensuração econômica, normalmente, utilizadas na maio-ria das organizações (Ibid).

O desempenho ambiental geralmente se refere à quantidade de recursos de uma empresa utiliza em suas operações e os subprodutos suas atividades. Enquanto, que o desempenho social, geralmente, se refere ao impacto que uma organização (e seus fornecedores) tem sobre as comunidades em que atua. A partir destas premissas, mensurar o desempenho contra estas me-didas não é uma tarefa simples. Valor para o acionista, a quota de mercado, satisfação do cliente, mesmo o bem-estar do empregado, são relativamente fáceis de quantificar, e medidas desenvolvidas por uma organização são facil-mente transferíveis para outras. Mas os desempenhos social e ambiental são quase certamente únicos para cada organização, e muitas vezes são muito difíceis de quantificar (Hubbard, 2009).

De acordo com Fauzi, Svensson e Rahman (2010), o TBL da sustentabi-lidade é uma é um conceito carregado de valores e aspirações que reconhece explicitamente como importante é a relação entre o desempenho econômico da organização e seu desempenho em termos sociais e ambientais. Isto não é uma ideia trivial, há dificuldades em se definir o papel das organizações na sociedade.

O TBL evidencia se o negócio está indo bem, e aponta para áreas que precisam ser melhoradas. Assim, o TBL auxilia os gestores das organizações a repensar seus negócios do dia-a-dia, e as suas estratégias de negócios futuras. O qual pode amparar os gestores para serem legitimamente livres para conci-liar, ou até mesmo alavancar, os aparentes paradoxos e tensões na gestão de uma organização complexa.

3.Apresentação da empresa mantenedora e suas atividadesA Embraer é uma empresa brasileira atuante no setor aeroespacial, com

presença global, produzindo jatos nos seguimentos comercial, executivo e mili-tar. Atua em projetos, desenvolvimento, fabricação e comercialização de aero-naves e sistemas, bem como no suporte e serviços de pós-venda. Alguns dados do ano base 2014 chamam a atenção para o porte da empresa: possui 19.167 funcionários, sendo 2.073 no exterior; 215 aeronaves foram entregues; R$ 3,81 Bilhões em exportações; R$ 14,9 bilhões em receitas líquidas; e U$ 20,9 bilhões de pedido em carteira fixa. Atualmente, é líder no segmento de jatos para até 130 passageiros (Relatório Anual Embraer, 2014).

Ao analisar os relatórios de gestão da empresa observa-se que a idéia central é o compartilhamento de valores com as partes interessadas, razão pela qual todo o conteúdo das informações leva em conta os requisitos do Índice Dow Jones de Sustentabilidade, do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) e dos dez prin-cípios do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) (ibid).

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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Desde 2012 a empresa utiliza uma matriz de materialidade para definir os temas nos quais serão direcionados os esforços de gestão nas áreas de gover-nança, meio ambiente, pessoas, cadeia de valores, produtos, serviços e clientes. Essa matriz periodicamente é revisada para analisar se os temas ainda são condizentes com as necessidades dos stakeholders. Os resultados da matriz servem de base para a elaboração do Plano Diretor Trienal de Sustentabilida-de, cujo objetivo é compor diretrizes estratégicas e estabelecer metas e prazo, atendendo aos requisitos legais aplicáveis às diretrizes da empresa. Todas as metas são desmembradas para todas as áreas e níveis hierárquicos por meio de um programa de melhoria contínuo institucional denominado Programa de Excelência Empresarial Embraer (P3E). A Figura 2 apresenta a matriz de materialidade desenvolvida pela empresa (ibid).

Figura 2 – Matriz de Materialidade desenvolvida pela Embraer

Impo

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• Ruído 2

• Gestão de recursos naturais e resíduos2

• Emissões atmosféricas2

• Direitos humanos e trabalhistas3

• Saúde e segurança3

• Ética1

• Atração, desenvolvimento e retenção de RH3

• Segurança do produto5

• Prevenção ao uso inadequado do produto5

• Transparência e comunicação1

• Gestão do ciclo de vida ambiental 2

• Desenvolvimento socioeconômico local 3

• Pesquisa, desenvolvimento e inovação5

• Gestão de substâncias químicas2

• Gestão da cadeia de suprimento4

• Controle de exportações4 • Novos negócios, produtos

e serviços sustentáveis5

• Biodiversidade2

• Filantropia e volunta-riado3

• Desmaterialização5

• Engajamento com autoridades públicas1

• Cadeia produtiva local4

• Gestão de crise1

• Privacidade e segurança de informações5

Influência para estratégia de negócios

1 – Governança 2 – Meio ambiente 3 – Pessoas 4 – Cadeia de Valor 5 – Produtos, serviços e clientes

Fonte: Relatório Anual Embraer, 2014

Em relação ao stakeholder sociedade, tema de estudo deste capítulo, as metas apresentadas no Plano Diretor Trienal de Sustentabilidade são as se-guintes: nota 4,0 em uma escala de 0 a 5 pontos para o Programa de Parcerias Sociais, aumento de 20% no número de voluntários em relação à base de 2014 e manutenção da taxa de aprovação de alunos dos Colégios Embraer em vestibu-lares superior a 80%. Os projetos associados a estas metas serão apresentados em tópicos posteriores.

4. O Instituto e seus principais projetosA fim de proporcionar maior fluidez à leitura tópico, os autores deste ca-

pítulo salientam que as informações aqui apresentadas possuem como base os

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Capítulo 21 – Responsabilidade Social no Sistema Firjan: valor compartilhado para a organização e a sociedade

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dados da entrevista realizada e informações disponíveis no site do Instituto Embraer de Educação e Pesquisa e em relatórios anuais da empresa, todas informações públicas.

4.1 Sobre o Instituto Embraer de Educação e Pesquisa O Instituto Embraer de Educação e Pesquisa foi criado em 2001 como o

intuito de se caracterizar como o braço de ações sociais da fabricante de jatos Embraer, em um período que poucas empresas abordavam ou se dedicavam a estatemática. Antes mesmo de sua formalização, o Instituto já possuía forte ligação com ONGs da região a fim de entender as necessidades das comunida-des de São José dos Campos, Botucatu e Araraquara. Desta forma, pode dizer que o mesmo nasce moldado às necessidades da sociedade, característica que mantém até os dias atuais.

Obviamente os recursos nem sempre são suficientes para financiar todos os problemas apresentados pela comunidade, visto que no Brasil mui-tos são os problemas sociais evidenciados, como salientados na literatura. Para se ter uma idéia, o Instituto, desde sua origem, identificou problemas relacionados à educação formal, empoderamento da mulher, infraestrutu-ra tecnológica e prosperidade e equidade e, decidiu-se então, que o foco do Instituto seria a Educação. Para a mantenedora, educação é um assunto amplo que pode modificar a vida de uma pessoa e engloba praticamente todo tipo de projeto social, desde a educação formal propriamente dita, discussões sobre ética até capacitação profissional.

Assim, baseado nas considerações apresentadas e na crença fortemente enraizado pela mantenedora de que qualquer realidade social pode ser muda-da, desde que as pessoas acreditem em seu potencial, o Instituto estruturou os seis pilares que regem suas ações e que se caracterizam como seu alicerce. Es-ses seis pilares (ensino de excelência, programas de parcerias sociais, empre-endedorismo, responsabilidade social corporativa, voluntariado e preservação da história da indústria aeronáutica brasileira, sumarizada na manutenção de um centro histórico) são apresentados na Figura 3.

Figura 3 – Pilares que regem as ações do Instituto Embraer de Educação e Pesquisa

Fonte: IEEP, 2015

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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Os projetos desenvolvidos pelo Instituto serão descrito em cada um dos seis pilares, mas torna-se interessante destacar desde já algumas característi-cas marcantes em termos de gestão. A primeira delas refere-se à contínua bus-ca pela excelência dos resultados. A mantenedora do instituto possui um pro-grama denominado Programa de Excelência Empresarial da Embraer (P3E) e as mesmas diretrizes empregadas na gestão da empresa são implantadas no Instituto e seus projetos. Assim, para todos os projetos procura-se definir metas de desempenho, acompanha-se os mesmos por meio de indicadores de performance, vislumbra-se sempre a maior agregação de valor possível às ativi-dades, gerencia-se riscos, entre outras características, ou seja, os recursos não são empregados como se fossem meras “doações”, exige-se resultados e com isso as comunidades tem ganhos potencializados.

Na ocasião da visita realizada pelos autores deste capítulo, há de se destacar que uma das responsáveis pelo Instituto estava desenvolvendo um <i>kaizen para a melhoria do programa de voluntariado nos moldes propos-tos pela filosofia lean, o que demonstra a contínua busca pela excelência. Como será visto no tópico dedicado ao programa de voluntariado, os índices de participação no programa são impressionantes mesmo para empresas de classe mundial.

Outro ponto interessante é a constante análise crítica que se faz sobre os pilares do Instituto e os projetos que estão sendo desenvolvidos. Em relação aos pilares, sempre existe a preocupação de se verificar se o instituto continua atendendo aos anseios da comunidade em termos da temática educação e se os recursos investidos nos projetos não poderiam ser melhores canalizados em outras ações, com benefícios mais amplos. Baseado nesta análise decide-se pela continuação ou descontinuação dos projetos ano após ano.

Como um ótimo exemplo, pode mencionar um projeto para a construção de miniplanadores que foi descontinuado no ano de 2012. Apesar do projeto estar diretamente correlacionado com as ações da empresa e possuir uma ótima aceitação por parte dos estudantes, as instalações necessárias para a realização da competição consumiam muitos recursos na construção das plataformas exigidas. O consumo de recursos em um dia de competição era proporcional ao equivalente consumido em quatro meses por outros proje-tos, com maiores benefícios sociais. Assim, o conselho do instituto decidiu por sua descontinuidade o que demonstra uma gestão madura e sensata perante os recursos investidos.

Os tópicos a seguir apresentarão os principais projetos vigentes desenvol-vidos pelo Instituto, descrevendo suas ações e resultados.

4.2 Programas de Voluntariadoe Responsabilidade Sócio AmbientalTorna-se interessante iniciar a apresentação pelos pilares do “Progra-

ma de Voluntariado”e “Responsabilidade Social Ambiental”, uma vez que estes atuam de maneira transversal em todos os demais projetos conduzidos pelo Instituto. Em relação ao voluntariado, o Instituto conta exclusivamen-te com a participação dos funcionários da empresa mantenedora e apresen-ta dados impressionantes, mesmo para empresas de países desenvolvidos, uma vez que dos 19.167 funcionários, 4.370 se demonstram interessados

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em participar de algum tipo de atividade voluntária. Tais atividades vão desde simples tarefas como cadastrar notas fiscais em prol de entidades que lutam contra o câncer infantil (atividade esta que pode ser realizada na casa do próprio funcionário, consumindo poucos minutos diários) até participação em estruturação de projetos maiores como será demonstrado posteriormente.

A iteração entre os funcionários da mantenedora e o Instituto ocorre por meio de um portal denominado “Asas do Bem” no qual os mesmos conhecem os projetos desenvolvidos e apontam seu interesse. O instituto respeita a ca-racterística de cada colaborador e reconhece a validade de todo tipo de ação voluntária, desde a mais simples até as mais complexas.

Ao contrário do que acontece em muitas outras empresas ou programas sociais, os recursos humanos voluntários para os projetos não são um problema para o Instituto, uma vez que dos 4.370 funcionários interessados em ações voluntárias “apenas” 10% são alocados em iniciativas. Faltam projetos (conse-qüentemente limitados pelos recursos, como mencionado) para tantos interes-sados. Assim, uma das metas do Instituto (apresentada inclusive no relatório anual da mantenedora) é aumentar em 20% o número de voluntários envolvi-dos em projetos sempre em relação ao ano anterior.

O Instituto também realiza ações de responsabilidade social no exterior por meio de 170 empregados que atuam em subsidiárias da empresa, prin-cipalmente nos Estados Unidos e em Portugal. As atividades desenvolvidas estão alinhadas aos pilares de parceria social, de preservação da história e de empreendedorismo.

A de se destacar que a Responsabilidade Sócio Ambiental se caracteriza como um valor global a ser seguido em todos os projetos e difundido da forma mais ampla possível, uma vez que todo cidadão deve pautar-se pelo respeito à natureza e ao próximo.

4.3 Programa de Parcerias SociaisO “Programa Parceria Social” (PPS) possui foco no suporte a pro-

jetos educacionais estruturados por meio de ONGs. Um ponto extrema-mente interessante é que as comunidades das cidades atendidas pelo PPS (Araraquara, Botucatu e São José dos Campos) participam ativa-mente da estruturação do mesmo em consultas públicas previamente agendadas por meio de redes sociais. Baseado no Pacto Global, o Institu-to define suas áreas de atuação e abre o debate para ouvir a sociedade, representada pelas ONGs. Em 2014 o programa atendeu mais de 6.700 pessoas por meio das iniciativas que receberam aporte financeiro e con-sultoria de gestão, totalizando 130 programas sociais beneficiados ao longo dos quatorze anos de história do Instituto.

Para a seleção dos projetos a serem apoiados, realiza-se uma triagem dentre os vários candidatos inscritos por meio de uma banca composta por profissionais da própria empresa e especialistas. Baseado em critérios de es-truturação, boa gestão das ONGs e capacidade de proporcionar benefícios à comunidade, seleciona-se os projetos vencedores. O Quadro 1 apresenta os projetos a selecionados apoiados no ano de 2015.

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Quadro 1: Projetos apoiados pelo Programa de Parceria Social 2015

Projeto Instituição Região

Ambiente-se: autocuidado, autonomia e saúde da pessoa com deficiência visual

Centro de Prevenção e Reabilitação de Deficiência da Visão

São José dos Campos

Aprendiz na EmpresaIA3 Instituto de Acolhimento e Apoio ao Adolescente

São José dos Campos

Aprofundando os meus e os nossos conhecimentos

Lar Juvenil Araraquarense Domingos Sávio

Gavião Peixoto

Bem te Vi com a Comunidade - Capacitação Produtiva

Associação Comunitária João de Barro Botucatu

Biblioteca Itinerante PUPA Associação Cristã Estância de Luz São José dos Campos

Capacitação em Liderança e Escuta

Centro de Valorização da Vida São José dos Campos

Cidadania em ConstruçãoCasa da Criança Dr. Carlos Luiz Malferrari

Gavião Peixoto

Galpão das Artes: a Escola como Espçao de Cultura

Associação Atlética Banco do Brasil Botucatu

Melhorar para Transformar Associação para Mulheres Bebê a Bordo Gavião Peixoto

Passos para o Mercado Associação Fraternal Pelicano Botucatu

Robótica e CidadaniaAssociação Alpha para Educação Especial

São José dos Campos

Vida Nova - Customizando Jeans e Roupas em Geral

Sociedade de Assistência e Cultura Sagrado Coração de Jesus

São José dos Campos

Fonte: IEEP, 2015

Dentre as iniciativas destacadas pelo Quadro 1, menciona-se com maior riqueza de detalhes o projeto “Bem te Vi com a Comunidade” e o projeto “Vida Nova”. O projeto “Bem te Vi com a Comunidade” desenvolvido na ci-dade de Botucatu e gerenciado pela Associação Comunitária João de Barro tem foco na capacitação produtiva. São oferecidos cursos de capacitação às pessoas carentes para que as mesmas possam progredir profissionalmente e mudar sua história de vida. O curso de manicure oferecido em parceria com o SENAC teve suas vagas rapidamente preenchidas e no momento en-contram-se abertas as inscrições para os cursos de cuidador de idosos e zelador. Já o projeto “Vida Nova”, gerenciado pela Sociedade de Assistência e Cultura Sagrado Coração de Jesus, na cidade de São José dos Campos, atua na customização de jeans realizadas por pessoas carentes. Com a cus-tomização, as peças de vestuários passam a ter um maior valor agregado e podem ser vendidas pelas pessoas em feiras com maior margem de receita, contribuindo assim para sua sobrevivência.

Todos os projetos apoiado pelo PPS possuem metas a serem alcançados e indicadores de desempenho a serem acompanhados, o que denota a preocupação em fazer com que os mesmos sejam bem conduzidos pelas ONGs e tenha sucesso. A fim de facilitar a interação entre as ONGs e o Instituto, criou-se nos últimos anos a figura do “padrinho do projeto”, no qual um funcionário voluntário da mantenedora acompanha semanalmente de perto as ações desenvolvidas.

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Anualmente, os resultados de todos os projetos apoiados pelo PPS são apresentados pelos responsáveis do Instituto Embraer ao conselho da em-presa mantenedora, objetivando-se uma média global de no mínimo 4,0 pontos dentre 5,0 pontos possíveis quando analisado as quatro perspecti-vas do Balanced Scorecard (BSC), como mencionado anteriormente. Isso mais uma vez demonstra a preocupação da empresa em gerir corretamente a responsabilidade social corporativa.

4.4 Programas de EmpreendedorismoO Empreendedorismo se caracteriza como um valor amplamente defendi-

do pela mantenedora e se faz presente nas ações e projetos desenvolvidos pelo Instituto desde 2002. Pode-se observar que muitos projetos como “Miniempre-sa”, “Cockpit de talentos”, “Empresário sobra por um dia”, “Vamos falar de ética”, entre outros, visam estimular o espírito empreendedor dos jovens e be-neficiar alunos da rede pública das regiões onde a Embraer está inserida. Além disso, possibilitam o contato entre pessoas mais experientes (funcionários vo-luntários da Embraer que transferem seus conhecimentos suas experiências) e jovens ainda em formação.

Alguns programas associados ao empreendedorismo desenvolvidos pelo Instituto contam com a assessoria da Junior Achievement, entidade fundada em 1919 nos Estados Unidos que se caracteriza como a maior e mais antiga organização de educação prática em negócios, economia e empreendedorismo do mundo. Apresenta-se a seguir uma síntese dos principais programas de empreendedorismo desenvolvidos pelo Instituto.

a) Miniempresa – O programa Miniempresa é um dos programas que conta com a assessoria da Junior Achievement e tem como objetivo a criação de uma empresa fictícia e a definição de seus produtos. Partici-pam do programa alunos da rede pública de ensino que ao longo de 15 encontros semanais definem as diretrizes empresarias de sucesso para os casos escolhidos. A orientação das atividades é realizada por gesto-res do Instituto e por colaboradores voluntários da mantenedora, focan-do as áreas marketing, finanças, recursos humanos e produção. Além disso, também existem a possibilidade de compra e vendas de ações e a simulação de arrecadação de impostos. Ao final, todas as empresas são liquidadas e os valores convertidos para uma ONG de projetos sociais.

Como exemplo de um produto originado a partir de uma miniempresa pode-se mencionar o desenvolvimento de um suporte para notebook de baixo custo utilizando tubos de PVC. Esse projeto foi criado por alunos da cidade de Botucatu e ganhou o prêmio de melhor miniempresa entre todos os projetos assessorados pela Junior Achievement no estado de São Paulo. Como se podem observar inúmeros são os benefícios propor-cionados por esse programa, como estímulo ao empreendedorismo, de-senvolvimento de práticas administrativas, entendimento do mercado e análise de risco, técnicas de apresentação de resultados e comunicação em público (já que os alunos apresentam seus resultados periodicamen-te), debates sobre ética e sustentabilidade, etc.

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b) Empresário sombra por um dia – O programa “Empresário sombra por um dia” permite que estudantes com alto desempenho acadêmico possam acompanhar um empregado Embraer durante a sua jornada de trabalho e assim compreender um pouco melhor as atividades cotidia-nas da área profissional na qual possui interesse além de, logicamente, conhecer um pouco mais sobre o mundo dos negócios. Como exemplo dessa iniciativa menciona-se o engenheiro da Embraer Ayslan Anholon, responsável pela gestão de clientes na aviação comercial, que freqüen-temente recebe alunos com bom desempenho em escolas públicas. Para Ayslan os benefícios proporcionados por essa iniciativa podem melhor direcionar as escolhas destes jovens estudantes.

c) Cockpit de talentos – O programa “Cockpit de Talentos” guarda rela-ções muito próximas com o programa “Empresário sombra por um dia”, uma vez que seu principal objetivo também reside no estabelecimento de uma relação direta entre profissionais bem sucedidos no seu ramo de atuação e alunos do Ensino Médio. A idéia é fazer com que estes encontros sirvam de base para debates nos quais os alunos possam es-clarecer suas dúvidas e nortear de forma mais claras as decisões sobre as carreiras profissionais que desejam seguir. A grande maioria dos profissionais envolvidos neste programa são funcionários voluntários da Embraer. Quando necessário, funcionários de outras áreas que não desenvolvidas pela Embraer (algumas profissões das áreas de humanas e biológicas) são convidados a participar do programa.

d) Vamos Falar de Ética – O programa “Vamos Falar de Ética”, apesar de se encontrar dentro do programa de empreendedorismo possui um caráter multidisciplinar, uma vez que a ética se caracteriza como pilar fundamental na formação de qualquer cidadão, seja na sua vida pesso-al ou profissional. A abordagem do programa sempre ocorre de forma lúdica, contribuindo para a compreensão do papel de cada indivíduo na sociedade. A iniciativa busca desenvolver nos jovens do ensino público uma análise crítica quanto as conseqüência dos atos realizados, apre-sentando o custo da falta de ética e dilemas de modo refletir sobre a tomada de decisão.

4.5 Colégios EmbraerDentre todos os programas desenvolvidos pelo Instituto Embraer de Educa-

ção e Pesquisa, os colégios Juarez Wanderley e Casimiro Montenegro Filho são, na opinião dos autores deste capítulo, os que mais proporcionam benefícios à so-ciedade, uma vez que possibilita aos jovens carentes a possibilidade de estudar, entrar em uma universidade de excelência e mudar sua história de vida e de suas famílias. A estes jovens carentes o auxílio é completo, sendo oferecida toda a estru-tura necessária, como uniformes, materiais didáticos, alimentação e transporte.

O Colégio Juarez Wanderley está localizado na cidade de São José dos Cam-pos e possui atualmente 600 alunos nas três séries do ensino médio, tendo for-mado ao longo de seus 12 anos de história 2.200 alunos. Já o colégio Casimiro

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Capítulo 21 – Responsabilidade Social no Sistema Firjan: valor compartilhado para a organização e a sociedade

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Montenegro Filho, localizados em Botucatu, conta com 360 alunos de ensino médio e formará sua primeira turma no ano de 2015. Ambos os colégio são man-tidos integralmente pela empresa mantenedora e apresentam ótimos resultados, aparecendo sempre nas primeiras colocações dos melhores colégios de segundo grau do estado de São Paulo. Além disso, o índice de aprovação de seus alunos em universidades públicas também chama atenção, sendo superior a 80%.

A gestão do colégio apresenta padrões empresariais de excelência quan-do analisada a busca por resultados e a manutenção de seus objetivos. Como exemplo pode-se mencionar a constante análise crítica realizada sobre os cri-térios de seleção dos estudantes ingressantes, que no ano de 2015, passou a adotar novos critérios. Os critérios vigentes até o ano de 2014 exigiam que os candidatos tivessem cursados os quatro últimos anos em escolas públicas e não realizava uma análise da renda familiar. Frente a excelência de ensino que possui, os colégios começaram a chamar atenção de muitos cursos preparató-rios e tornou-se alvo atividades capitalistas educacionais.

Assim, por exemplo, um jovem de uma família com melhores condições financeira estudava pela manhã em uma escola pública (ao longo de pelo menos quatro anos), realizava um curso preparatório para o colégio à tarde e concor-ria em melhores condições com um jovem carente, conquistado uma vaga. Ao decorrer dos anos, percebeu-se que uma parcela dos estudantes do colégio pos-suía condições financeiras de pagar pelo ensino em outras instituições e a ação social deixava de ser realizada nestes casos. Portanto, a partir de 2015 os cri-térios de seleção foram modificados e hoje contemplam a necessidade do aluno ter estudado nove anos em escolas públicas e documentação sobre as condições financeiras da família. Reforça-se desta forma o caráter social da atividade, focado na modificação da vida das pessoas mais necessitadas.

Outro exemplo de ação interessante desenvolvida pela gerência dos colé-gios e pelo Instituto foi o “Programa Fundo de Bolsas”. Observou-se que mui-tos alunos, apesar de terem conquistado a vagas em excelentes universidades públicas, não possuíam condições de se manterem em outras cidades e isso muitas vezes inviabilizava o processo de “mudança de vida do cidadão”, in-terrompendo todo um ciclo. Assim, criou-se um fundo de bolsas mantido por doações de pessoas físicas e jurídicas para auxiliar esses ex-alunos. Visando a sustentabilidade do programa, os próprios bolsistas tornam-se contribuintes do fundo, após a graduação e um período de carência, ressarcindo os valores recebidos com correção monetária. Esse fundo foi criado em 2005, conta com 789 alunos beneficiados, 351 alunos diplomados em nível superior e 341 alunos bolsistas na ocasião da entrevista realizada pelos autores desse capítulo.

Focando-se uma análise didática, todo o conteúdo para o ensino médio é mi-nistrado é ministrado em 4.200 horas-aula (do total de 6.000 horas-aula) e objetiva oferecer uma educação que permita ao estudante disputar, em igualdade de condi-ções com os alunos das melhores escolas privadas, o acesso às boas universidades públicas, sem a necessidade de freqüência a cursinhos preparatórios. Toda a con-sultoria pedagógica é prestada pelo Sistema Pitágoras em três grandes áreas de conhecimento: linguagens e códigos (língua portuguesa, língua inglesa, educação artística; educação física e informática); ciências naturais (matemática, física, quí-mica e biologia) e ciências humanas (geografia, história e filosofia).

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A de se destacar também alguns programas complementares muito inte-ressantes como o Programa Preparação para a Universidade (PPU). Neste pro-grama os alunos possuem um primeiro contato com os conceitos que norteiam o aprendizado universitário e que possam fortalecer suas decisões na escolha pelas profissões. O PPU é oferecido ao longo de 640 horas-aulas, possui ampla carga de laboratórios e está estruturado em três áreas:

a) pré-exatas: voltado para os alunos que seguirão carreira na área de exatas, foi concebido com o apoio da Center of Occupational Research and Development do Texas/ EUA, consultoria educacional com 30 anos de experiência.

b) pré-humanas e administração: para os que optarão pela área de humanas, conduzido em parceria com a Universidade Pitágoras e sob a coordenação do Prof. Cláudio Moura Castro.

c) pré-biomédicas: direcionado para os futuros profissionais da área de saúde e ciências biológicas,desenvolvido em conjunto com o Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio Libanês.

Vale a pena ressaltar que o PPU não se caracteriza como uma atividade preparatória para o vestibular, mas sim na construção de uma base mais am-pla e profunda de conhecimentos, que conduza a um melhor aproveitamento no curso universitário.

Outra atividade complementar interessante a ser destacada é o “Progra-ma Alternativas Sustentáveis e Atividades Sócio-Culturais”. Esse programa consiste na gestão de questões sócio-ambientais, com desdobramento para a comunidade local. Nele os alunos são responsáveis pelo desenvolvimento de projetos que vão desde a implantação de horta orgânica, até a construção de aquecedores solares, sistema de captação e reutilização da água da chuva, etc. Tal programa baseia-se nos princípios de protagonismo, ação empreendedora, relações humanas e reforçam o conceito do instituto de que a aprendizagem não ocorre somente dentro dos muros da escola.

Pelas informações descritas anteriormente, evidencia-se assim a excelência no ensino e na formação do cidadão proporcionada pelas ações dos colégios Embraer.

4.6 Projeto Centro Histórico EmbraerO último dos pilares a ser apresentado corresponde ao centro histórico

mantido pelo Instituto e que tem como principal objetivo preservar e divulgar a história da empresa mantenedora e da indústria aeronáutica brasileira e mun-dial. A Embraer acredita que história e educação estão estritamente ligadas e que desta união podem surgir projetos transformadores.

O instituto começou a ser estruturado em 2006 com o resgate, tratamento e organização do acervo histórico da empresa e, em 2007, inaugura-se o espaço expositivo do Centro Histórico Embraer em São José dos Campos. Neste centro estão expostos 800 itens dos quase 6.000 que hoje compõem o acervo. Ao longo de quatro seções temáticas intituladas “Sonho que decola”, “Ganhando alti-tude”, “Turbulência e superação” e “Subida de alto desempenho” os visitante podem conhecer detalhes da história da indústria aeronáutica brasileira.

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Capítulo 21 – Responsabilidade Social no Sistema Firjan: valor compartilhado para a organização e a sociedade

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Atualmente o “Projeto Centro Histórico Embraer” conta com mais duas uni-dades expositivas, uma em Fort Lauderdale (EUA) e outra em Paris (França).

5. ConclusõesEm geral, os principais problemas associados à Responsabilidade Social

Corporativa (RSC) estão relacionados à identificação das reais necessidades da sociedade e à análise de agregação de valor que um projeto pode proporcionar às pessoas mais necessitadas, mudando de certa forma o rumo de suas vidas.

Ao analisar os projetos desenvolvidos pelo Instituto Embraer de Educa-ção e Pesquisa, observa-se que os mesmos são bem estruturados e solucionam as problemáticas citadas anteriormente. Todos os projetos surgem a partir de necessidades identificadas ou consultas públicas junto à comunidade, possuem metas a serem alcançadas e indicadores de desempenho a serem gerenciados, além de passarem por análises críticas em relação aos seus resultados, aloca-ção de recursos e continuidade. Ou seja, os projetos do Instituto apresentam excelência em termos de sua gestão, sendo reconhecidos por prêmios de diver-sas entidades assistenciais.

Os resultados também impressionam e alguns deles merecem ser desta-cados: são R$21 milhões de reais destinados ao Instituto pela mantenedora, o índice de colaboradores interessados em participar de atividades voluntárias corresponde a quase 22% do total de funcionários das Embraer, a aprovação dos alunos oriundos dos colégios em universidades públicas apresentam índi-ces superiores à 80% e os projetos de parcerias sociais já beneficiaram mais de 6.700 pessoas por meio de 130 programas apoiados.

Conclui-se desta forma que a gestão da RSC desenvolvida pelo Instituto Embraer de Educação e Pesquisa encontra-se na direção correta e que trans-corridos 14 anos desde a criação os resultados são significativos e reconhecidos.

6. AgradecimentoOs autores responsáveis pela estruturação desse capítulo agradecem imen-

samente aos colaboradores da Embraer Wanessa Aparecida Santos de Oliveira e Ayslan Anholon pelas entrevistas concedidas e pelas informações passadas.

Referências bibliográficas

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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Capítulo 21 – Responsabilidade Social no Sistema Firjan: valor compartilhado para a organização e a sociedade

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Sobre os autores

Rosley AnholonEngenheiro Mecânico (2001), Mestre (2003) e Doutor em Engenharia (2006), sendo todos os títulos conferidos pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atu-almente é docente nível MS 3.1 do Departamento de Engenharia de Manufatura e Mate-riais da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp.

Jefferson de Souza PintoPós-doutor (2014), Doutor (2012) e Mestre (2004) em Engenharia pela Universidade Estadual de Campinas (2014). Especialista em Gestão de Processos Industriais pela Universidade Estadual de Campinas (2002). Possui graduação em Administração de Empresas pela Universidade São Francisco (1999). Atualmente é professor do Instituto Federal de São Paulo.

Osvaldo Luiz Gonçalves QuelhasEngenheiro Civil (1978) e Mestre em Engenharia (1984) pela Universidade Federal Flu-minense. Doutor em Engenharia de Produção pela COPPE (1994), Pós-Doutorado na Universidade do Minho (Portugal, 2005). Atualmente é professor da Universidade Fe-deral Fluminense.

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22puLe: umA experiênciA

de incLusão sociAL Livia Reis

Adriana Maciel

1. Introdução

O texto em tela se propõe a contextualizar o “Programa de Universaliza-ção do Ensino e Aprendizagem de Língua Estrangeira – PULE”, imple-mentado pela UFF, em 2012, dentro do universo das políticas públicas

de inclusão e permanência do estudante no sistema federal de ensino superior.O programa se insere em um conjunto mais amplo de políticas setoriais

direcionadas para a juventude, como também de políticas públicas de inclusão social, além de dialogar com o processo de transformações em curso na Univer-sidade Pública Brasileira, nos últimos anos.

É uma ação que avança no processo de inclusão, pois caminha no sentido de possibilitar aos estudantes em condições de vulnerabilidade socioeconômi-ca, que hoje tem a oportunidade de ingressar na Universidade Pública, o desen-volvimento de habilidades e ferramentas que os qualificam para participar em programas de vanguarda, oferecidos pelas universidades, nos seus processos de internacionalização, como também os qualificam para um mercado de tra-balho, cada dia mais globalizado.

Mais do que uma formação qualificada, fundamental para uma melhor inserção no mundo do trabalho, o aprendizado de língua estrangeira, se insere numa perspectiva da universidade como espaço privilegiado para o desenvol-vimento de um formação mais humanista, em diálogo com outras culturas, em permanente tensão de alteridade.

2. Políticas públicas de inclusão para o segmento juvenilAs políticas sociais podem ser desenvolvidas a partir de uma perspectiva

da integração ou por uma ótica de inserção. As primeiras caracterizam-se pela busca do equilíbrio, acesso aos serviços públicos e à instrução, desenvolvimen-to das proteções e redução das desigualdades, portanto, políticas de caráter universal. As políticas de inserção são políticas compensatórias, que obede-cem a uma lógica de discriminação positiva, são setoriais, que definem com

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precisão o seu público-alvo e traçam estratégias específicas para tais grupos (Castel, 1988).

No Brasil a implementação de políticas de caráter mais focal passou a ocorrer mais recentemente. São políticas ditas emergenciais, que procuram minimizar os efeitos da pobreza. O segmento juvenil tem sido privilegiado por ações deste tipo, seja pela sociedade civil, através de ONGs, fundações e outras instituições, como também diretamente pelos governos municipais, estaduais e federal. É a partir da década de 1990, que começam a se observar políticas destinadas mais especificamente à juventude no Brasil. Até então, os jovens eram contemplados em políticas mais abrangentes que incluíam todas as fai-xas etárias (Sposito & Carrano 2003).

Quando pensamos em juventude, tratamos de um corte geracional com questões que afetam especificamente a um grupo, mas essa condição não é vivida de forma homogênea por todo o grupo, há uma profunda desigualdade entre os jovens brasileiros de acordo com sua condição socioeconômica, sua origem social, a região onde vive, etc.

É nesse contexto que políticas públicas são definidas. A diversidade e de-sigualdades entre os jovens geram demandas e necessidades distintas que vão direcionar e formatar as ações voltadas para a juventude.

A constituição e formulação de políticas públicas para a juventude estão direcionadas para uma juventude que se “convencionou” chamar vulnerável, em situação de risco, excluídos etc, cuja representação, muitas vezes, está as-sociada à criminalidade, violência, marginalidade. Portanto, uma juventude adjetivada, circunscrita a determinadas características. Dentro da lógica das políticas públicas como respostas à problemas sociais, os programas governa-mentais procuram minimizar a desigualdade ao promover ações que possibi-litem a inserção desses jovens no mercado de trabalho, retirando-os do espaço “vazio” e oferecendo “ferramentas” que facilitem suas trajetórias, como tam-bém, o desenvolvimento de suas potencialidades em uma perspectiva dos jo-vens como atores estratégicos.

Estes, podem ser vistos como sujeitos que necessitam de atenção e, nesta visão, estão associados a problemas sociais e de desvio, como também podem ser percebidos a partir de seus atributos positivos, responsáveis pelas mudan-ças sociais, e portadores de potencialidades.

As ações voltadas para a juventude se estruturam, em geral, em estra-tégias para minimizar as situações de risco. A relevância da atenção aos jo-vens mais vulneráveis é fundamental, mas é necessário que se tenha um en-tendimento destes como atores estratégicos e que se formulem políticas que busquem desenvolver suas potencialidades, buscando a ampliação do capital humano na formação da juventude brasileira.

Em linhas gerais, os eixos principais dos programas voltados para a ju-ventude são: elevação da escolaridade, capacitação profissional e cidadania; qualificação e formação profissional; educação – ensino superior; financiamen-to e crédito rural; esporte, cultura e lazer e meio ambiente.

No conjunto de ações voltadas para a juventude, um dos principais eixos temáticos é a educação, onde encontramos programas voltados para na amplia-ção do acesso à educação superior, nas universidades privadas e públicas.

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3. O ensino superior: ampliação e políticas de acessoPodemos tomar a década de 1960 como ponto de partida e década da cria-

ção da maioria das universidades federais, para a análise de alguns aspectos da expansão da universidade brasileira.

Esta ampliação se deu de forma distinta entre a rede pública e privada. Em 1960 o setor privado respondia por 44% das matrículas de graduação e em 2002 essa participação passou para 70% e, atualmente encontra-se em torno de 75%. http://portal.inep.gov.br/

No Brasil temos um setor público e gratuito, no qual as instituições de ní-vel superior são mantidas pelos poderes federal, estadual ou municipal e outro setor de natureza privada, laica ou confessional, mas ambos subordinados a uma legislação federal. A natureza das universidades do setor público e priva-do é distinta e complementar, desde a forma de acesso ao regime de trabalho dos docentes, a existência de pesquisa e pós-graduação, etc.

Na década de 70, o setor privado cresceu em número de cursos e vagas enquanto o setor público investiu em pesquisa e na estruturação da pós-gra-duação. Nesse período, assistimos a um grande investimento na formação de mestres e doutores no exterior para, posteriormente, consolidar o sistema de pós-graduação no Brasil. O crescimento do setor privado e a estagnação do setor público foi uma constante ao longo de décadas.

Como se pode comprovar no gráfico 1 o número de matrículas no setor privado, historicamente, é superior ao número no setor público.

Gráfico 1 – Número de matrículas no ensino superior no Brasil (%)

Fonte: http://portal.inep.gov.br/

61

Federal Estadual Municipal Privado

6221 19

13 13

5 6

1988 1998

Apesar do crescimento do ensino superior, o percentual de jovens na universidade ainda é muito restrito. Segundo os dados do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2009, apenas 19% dos jovens na faixa etária de 18 a 24 anos tinham acesso ao ensino superior. (fonte: http://www.ibge.gov.br/ )

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Capítulo 22 – PULE: uma experiência de inclusão social

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Além do baixo percentual de jovens no ensino superior, a possibilidade de ingresso é bastante desigual entre o conjunto da juventude brasileira. Deter-minantes econômicos, origem social, trajetória escolar pregressa, são respon-sáveis pela exclusão de grande parte da população ao ensino superior, princi-palmente no setor público. A universidade pública, apesar de deter os melhores índices de qualidade no ensino e ser responsável pela pesquisa e pós –gra-duação, sempre foi excludente, na medida em que nunca representou o maior número de matrículas.

Diante dessa realidade histórica, baixa frequência à educação superior e oportunidades desiguais de acesso, foram implementadas, nas últimas dé-cadas, políticas voltadas para a ampliação da participação dessa parcela da população no ensino superior. Políticas em sintonia com os princípios da Con-ferência Mundial sobre Ensino Superior, ocorrida em 1998, em Paris, na qual uma das diretrizes era a igualdade de acesso.

As primeiras iniciativas voltadas para minimizar esse quadro foi o finan-ciamento público de estudantes possibilitando o ingresso em universidades privadas. Em 1999 instituiu-se o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies).

Em 2004 foi implementado o PROUNI – Programa Universidade para Todos – que tem como finalidade a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em instituições de ensino superior privadas para estudantes de baixa renda.

Em 2014, o PROUNI completou dez anos e formou quatrocentos mil pro-fissionais em universidades privadas do país com bolsas de estudo integrais ou parciais. A metade dos graduados é de origem negra. (fonte: Dados fornecidos Diretor Políticas e Programas de Graduação do MEC, Prof. Dilvo Ristoff no Encontro do Grupo Coimbra de Universidades Brasileiras, Recife, 2014)

Embora com um significativo número de bolsas concedidas e a formação de um expressivo número de estudantes, o ProUni é alvo de críticas, na medida que pode ser entendido como um programa que aprofunda a privatização do sistema educacional superior brasileiro que, como vimos, é prioritariamente composto por universidades privadas. Há também muitos questionamentos so-bre a qualidade das instituições privadas no Brasil. (PAULA, M.F. e LAMAR-RA, N. F., 2001, p. 17)

No âmbito das universidades públicas, as primeiras iniciativas de amplia-ção do acesso e diminuição das desigualdades se deram através de políticas afirmativas e compensatórias, algumas delas especificamente direcionadas a juventude negra. O problema da desigualdade entre os jovens brasileiros se agrava na juventude negra, submetidos mais que os brancos a um contexto social de violência e exclusão, o que ocasiona um impacto maior nas suas pos-sibilidades concretas de construção de futuro. Outras iniciativas de politicas afirmativas utilizam um conjunto de fatores além da raça, tais como renda e formação básica e ensino secundário em escola pública, etc...

Os principais programas de inserção no ensino superior estavam voltados para a ocupação de vagas em instituições privadas, em geral essas instituições formam alunos de graduação e não desenvolvem pesquisa e inovação tecnológi-ca. É necessário o acesso de um maior contingente de jovens de baixa renda ao

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ensino superior público e, sem ações específicas para a inclusão desses jovens, a universidade pública continuaria restrita à aqueles com melhor formação pregressa, portanto, de classes privilegiadas.

Um dos fatores que sempre permearam o acesso à uma vaga na univer-sidade pública brasileira é estar melhor preparado para o exame de ingresso, isto é, boa formação básica e secundária. O jovem que teve acesso a uma edu-cação de qualidade tem uma grande vantagem sobre aquele que não as teve. As famílias com menores faixas de renda só têm como alternativa a escola pública, que vem se deteriorando nos últimos anos. É interessante notar que no Brasil cerca de 85% dos jovens estudam em escola pública. No entanto, no momento do ingresso na universidade essa proporção se inverte. (MATOS, M. S, PIMENTA, S. G., ALAMEIDA, M.I e OLIVEIRA, M.A.C. , 2012, p. 722)

Nos últimos anos a universidade pública brasileira, começou a apresen-tar uma mudança de perfil, de espaço privilegiado para alunos da elite finan-ceira, consequência de uma boa formação pregressa, abre-se a um novo público, a partir da implementação de ações afirmativas, como a política de quotas e forte processo de ampliação de vagas. Essas políticas possibilitaram o acesso a grupos de diferentes origens e condições sociais.

Essa mudança de perfil se deu, principalmente, nas universidades do sistema federal, depois de décadas de estagnação, com a implementação do REUNI – Pro-grama de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. O Progra-ma aumentou o número de vagas nas instituições federais existentes e criou novas universidades federais, em diferentes regiões do Brasil. Esse projeto de amplo alcance promoveu a inclusão social através de mecanismos como a política de cotas para alunos oriundos de escolas públicas de ensino médio, minorias étnicas, e ainda instituiu o PNAES – Plano Nacional de Assistência Estudantil, cujos recursos foram aplicados com o objetivo de sustentar a inclu-são das camadas menos favorecidas da população estudantil.

Com o REUNI, também se intensificou a interiorização dos campi das uni-versidades federais, além da grande transformação no sistema de ingresso atra-vés da implementação do ENEM e do SISU (sistema nacional de ingresso na educação superior). O ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio é o exame de ingresso aceito pela maioria das universidades públicas federais, seja exclusiva-mente ou combinado ainda com vestibulares próprios. Em 2012, foi promulgada a lei 12711/12, que dispõe sobre o ingresso nas Instituições Federais de Ensino Superior e prioriza estudantes de escola pública e de baixa renda familiar.

Portanto, a democratização do acesso é hoje uma realidade nas univer-sidades públicas brasileiras e nos coloca diante de novos desafios, dentre eles criar as condições adequadas para permitir a permanência desses estudantes ao longo dos 4 ou 5 anos de um curso superior. É necessário ter em mente todo o processo, incluindo-se aí o êxito na conclusão dos cursos por esses estudante, bem como a garantia de uma de uma formação qualificada, diante de algumas deficiências acadêmicas que porventura possam existir, tendo em vista que parte do público que hoje ingressa na universidade é oriundo de um ensino fundamental e médio de qualidade muitas vezes deficiente.

Nos gráficos 2 e 3 podemos ver a expansão do número de universidades públicas federais e o crescimento da oferta através do sistema nacional de in-

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Capítulo 22 – PULE: uma experiência de inclusão social

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gresso na educação superior, SISU. (http://portal.mec.gov.br/) Se hoje, através do REUNI, avançamos na criação de novas instituições

e ampliamos significativamente o número de vagas os demais objetivos que norteiam o programa – REUNI – tais como: redução das taxas de evasão, apro-veitamento de vagas ociosas, otimização da mobilidade estudantil, reorganiza-ção curricular, diversificação da oferta de cursos de graduação , ampliação de políticas de inclusão e assistência aos estudantes, articulação entre os diversos níveis de educação, precisam ser alcançados.

Com a ampliação das vagas e ações que facilitam o acesso de um grupo de jovens, anteriormente excluídos, ficamos diante do desafio que é a conclusão por esses jovens de seus cursos de graduação, seja por dificuldades oriundas de sua formação pregressa ou por não terem condições econômicas para se mante-rem ao longo do período necessário para a conclusão de seus cursos.

Em uma pesquisa realizada pelo observatório Universitário da Univer-sidade Cândido Mendes (NUNES; MARTLGNONI; CARVALHO, 2003), 25%

Gráfico 2 – Expansão das universidades federais

Gráfico 3 – Ofertas de vagas no ensino superior federal (Sisu)

Fonte: http://portal.mec.gov.br

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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dos potenciais alunos universitários são tão carentes que “não têm condições de entrar no ensino superior, mesmo se ele for gratuito”. Portanto, ao incorpo-rar uma faixa da população historicamente excluída no ensino superior é ne-cessário implementar políticas efetivas de apoio a esse grupo que ora se insere na universidade.

Além da gratuidade e do financiamento, diversas medidas de subsídios, como restaurantes universitários, auxílio transporte, moradia, bolsas de estu-do, de extensão, de pesquisa, devem ser continuamente implementadas.

Outro fator que deve ser levado em consideração, são as dificuldades oriundas da formação pregressa dos estudantes. Se esses alunos possuem uma formação muito abaixo da média de seus colegas, estes acabam sendo forçados a abandonar o curso e corremos o risco de uma grande evasão escolar. Alter-nativas como cursos de nivelamento oferecidos nas disciplinas básicas, logo no ingresso do estudante à universidade, podem ser uma importante opção. É necessário debruçar- se sobre essas questões e criar alternativas de permanên-cia, sem que isso afete a qualidade do ensino superior, para que os resultados esperados sejam efetivamente alcançados.

Sem medidas que garantam a permanência dos estudantes e que com isso possamos alcançar também uma taxa significativa de concluintes, sobretudo dos estudantes anteriormente excluídos, corremos o risco de termos uma inclusão excludente, em que um número significativo ingressa mas poucos concluem.

Tratando do tema de deserção universitária em seu texto Masifica-ción y enseñanza superior: una inclusión excluyente. Algunas hipótesis y conceptos claves, Ana Maria Ezcurra, (2011) utiliza uma imagem bastante pertinente de uma porta giratória que pode exemplificar o que procura-mos alertar: “Por eso, recalca que la presunta puerta aberta a la Educa-ción Superior para aquellos estratos no es tal, sino se trata de una puerta giratória.” (2011, p. 100).

4. Qualidade na formação e o Programa de Universalização em Língua estrangeira – PULE

Diante de sua nova configuração, um tema em debate nas universidades brasileiras é a questão da qualidade. A democratização do acesso não pode comprometer a qualidade da educação nas universidades, é fundamental que sejam dadas a todos os estudantes condições adequadas para desenvolvimento do seu percurso formativo, continuidade na sua formação através de acesso a cursos de mestrado e doutorado, possibilidade de conquista de posições sociais mais elevadas através de sua formação, acesso a bons empregos, e a tecnologia avançada, contribuindo assim para o desenvolvimento do país.

No âmbito da discussão sobre a qualidade na educação e do papel da uni-versidade na formação dos estudantes, ficamos diante do binômio educação-trabalho. Seria função da universidade oferecer formação humana integral do individuo ou capacitá-los com conhecimento e ferramentas para um mercado de trabalho cada vez mais competitivo? É necessário compatibilizar a educação humanística com a formação profissional para que a qualidade da educação es-teja em sintonia com essas duas funções da universidade. Essas visões, apesar de aparentemente contraditórias, não são excludentes.

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Capítulo 22 – PULE: uma experiência de inclusão social

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Assim de acordo com visões de mundo e interesses particulares dos diversos atores e suas posições relativas nos jogos conflituosos da so-ciedade, pode haver qualidade na educação que , no âmbito de suas atribuições e limites, cumpre, além de outras, com uma ou algumas das seguintes funções: capacita adequadamente para o trabalho e amplia as condições de empregabilidade; promove a competitividade econômica e desenvolve a indústria; dá fé pública e do correto exer-cício das práticas educativas; propicia os avanços da ciência e da tecnologia, valorizando especialmente a inovação; amplia o cabedal cognitivo da população; enriquece o patrimônio cultural da nação; contribui com os processos de formação dos cidadãos; alimenta e me-lhora os indicadores qualitativos da cidadania; aprofunda os valores da democracia e da vida social. (SOBRINHO, 2011 p. 125)

Esse conjunto de características deve, de forma articulada, fazer parte da construção de uma educação de qualidade. Hoje vivemos a necessidade de edu-cação permanente, em uma sociedade com os avanços tecnológicos crescentes e um mercado de trabalho em constante mutação e globalizado. Nesse con-texto, o conhecimento torna-se um valor primordial do desenvolvimento que demanda por mais estudos e pela constante atualização dos indivíduos.

Os desafios de formação continuada, de qualidade e com o maior número de oportunidades, estão colocados no interior da universidade brasileira. Por-tanto, além das oportunidades de acesso e de programas de apoio, que visem dar condições de permanência, é necessário promover ações que qualifiquem o percurso formativo e que proporcionem aos estudantes o acesso à pós-gradu-ação, a inovação tecnológica e a empregos de qualidade.

Os novos estudantes que hoje chegam às universidades, a partir da demo-cratização do acesso, provém estratos sociais diversos, possuem capital inte-lectual e formação desiguais e não tiverem acesso às mesmas oportunidades. A universidade tem o compromisso de proporcionar a todos a participação em programas de vanguarda, como iniciação científica e mobilidade internacio-nal. A internacionalização da universidade brasileira hoje é uma realidade, e esta não pode ser excludente.

É nesse contexto e percorrendo essa trilha, que o programa de universali-zação de língua estrangeira – PULE foi implementado em 2012, como apoio ao Programa de internacionalização da UFF, com o intuito de instrumentalizar um conjunto de alunos oriundos de um determinado espaço social não privile-giado, através da aprendizagem de uma língua estrangeira e possibilitando sua participação em programas de mobilidade internacional.

O PULE – Programa de Universalização em Língua Estrangeira veio preencher uma lacuna na formação dos nossos alunos, agregar valor acadêmico à sua formação e, sendo um programa voltado aos alunos em condições de vulnerabilidade socioeconô-mica, contribuir para o papel inclusivo da universidade pública brasileira.

Tradicionalmente, o aprendizado de língua estrangeira esteve ligado ao universo de formação de indivíduos com formação pregressa privilegiada. No Brasil, o aprendizado de uma segunda língua sempre esteve associado à cur-sos privados de idiomas, cujo investimento para esse tipo de formação é muito

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alto. O sistema público de ensino, que oferece línguas estrangeiras em seus currículos, são motivo de reflexões que não cabem nos propósitos deste texto.

Esse novo grupo de alunos que hoje chegam a universidade pública tem também essa lacuna na sua formação. Diante de um processo transnacional da educação superior, a formação universitária se conecta, cada dia mais, com um meio acadêmico internacional. A necessidade de formação de redes de pesqui-sa, acesso à novas tecnologias e à literatura produzida em diferentes partes do mundo, determinam que o conhecimento de língua estrangeira passe a ser ferramenta fundamental para que o individuo possa ter acesso a uma educação de qualidade, em toda a sua plenitude.

Se buscamos menos desigualdades e maior qualidade na formação dos indivíduos no interior da universidade, a exclusão de parte dos alunos dos programas de internacionalização e de acesso ao conteúdo científico, artigos, publicações internacionais em função da falta de conhecimento de língua es-trangeira, significam a perpetuação de diferenças entre os jovens brasileiros e não um processo inclusivo efetivo e abrangente.

A lacuna no conhecimento de língua estrangeira pelos jovens universitários brasileiros, ficou evidente na implementação do emblemático programa de mobi-lidade internacional do governo federal em 2011- Ciências sem Fronteiras- cujo objetivo principal foi promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira, por meio do intercâmbio e da mobilidade internacional de estudantes de todos os níveis, res-guardando 60% do investimento para alunos de graduação, fato inédito no Bra-sil. Para sanar essa lacuna em 2013 foi criado pelo governo federal, no âmbito de CsF, o programa Inglês sem Fronteiras, de ensino/ aprendizagem de língua inglesa, através de uma combinação de cursos on-line e presencial, que hoje se expande para outras línguas transformando-se em Idiomas sem Fronteiras, IsF.

O PULE foi implementado dois anos antes do Inglês sem Fronteiras, pois parecia bastante claro que para a rompimento de fronteiras do conhecimento, todos os alunos da UFF, especialmente os mais desprivilegiados, necessitavam de cursos de língua estrangeira. Hoje os dois programa convivem harmoniosa-mente e se complementam, uma vez que para participar do IsF o aluno necessi-ta de algum conhecimento de línguas, base proporcionada pelo PULE.

O PULE oferece 6 semestres de curso de 5 línguas estrangeiras – inglês, francês, alemão, espanhol e italiano, à alunos de graduação em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Foi implementado no ano de 2012, atendendo , inicialmente aos campi de Niterói. Posteriormente, em 2014, foi implementado no campus de Volta Redonda e em 2015 inicia suas atividades nos campi de Campos dos Goitacazes e Rio das Ostras, com a perspectiva de ser implementado em todos as unidades do interior até 2018.

O programa atende atualmente 600 alunos nas 5 línguas. As aulas são mi-nistradas por alunos dos cursos de letras, sob a supervisão de docentes do mesmo curso, todos doutores, com formação altamente qualificada no ensino de línguas estrangeiras e na formação de professores de LE. As aulas são ministradas aos sábados, possibilitando o acesso aos alunos de todos os cursos da UFF, sem interferência nos seus horários de aulas. Todo o material didático é fornecido gratuitamente, sob a forma de empréstimo, tendo em vista o alto custo de livros de língua estrangeira que importados, são de difícil acesso aos estudantes.

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Capítulo 22 – PULE: uma experiência de inclusão social

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O processo seletivo é realizado através de editais, que garantem a trans-parência ao processo de ingresso, e os critérios de seleção conjugam análise socioeconômica e rendimento acadêmico.

O PULE se caracteriza também pelo seu duplo papel de formador, pois além de instrumentalizar os alunos no aprendizado de línguas estrangeiras e dar acesso a uma formação qualificada, é um programa que contribui para a prática profissional de seus instrutores que são alunos dos cursos de graduação em Letras – línguas estrangeiras, sob a supervisão de docentes do curso.

5. Considerações finaisO que buscamos mostrar ao longo do texto é como o PULE – um Programa

de Aprendizagem em Língua estrangeira, integra um processo mais amplo de políticas de inclusão, no contexto da educação superior brasileira, um programa comprometido com a equidade de oportunidades e qualidade no ensino superior.

O PULE é uma contribuição a um conjunto de ações, que foram sendo implemen-tadas nas últimas décadas, que iniciaram com a elaboração de políticas voltadas para a juventude, tiveram continuidade na área da educação superior com a democrati-zação do acesso, através do financiamento estudantil, de políticas compensatórias e ações afirmativas e se ampliaram com o REUNI. Este conjunto de ações começam a consolidar um novo perfil mais inclusivo das/nas universidades federais brasileiras.

Ampliar o grau de escolaridade dos jovens brasileiros e o acesso ao ensino superior de qualidade é um desafio que ainda estamos longe de alcançar, mas fun-damental para o desenvolvimento do país e para a diminuição das desigualdades.

Como afirmamos, a ampliação das oportunidades de acesso ainda não são su-ficientes para revertemos esse quadro de desigualdade. São urgentes ações que pro-porcionem a essa parcela da população o acesso a conhecimentos e ferramentas edu-cacionais que lhes permitam alcançar patamares de formação qualificada e de ponta.

O PULE busca contribuir nesse processo de formação qualificada dentro do novo ambiente que hoje conforma a universidade pública brasileira.

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Transformação organizacional para a sustentabilidade: desenvolvendo um sistema de gestão da responsabilidade socialOrganizational change for sustainability: developing a management system of social responsibility

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Sobre as autoras

Livia ReisProfessora titular do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas. Superintendente de Relações Internacionais. UFF

Adriana MacielMestre em Políticas Públicas. Coordenadora de Projetos da Superintendência de Rela-ções Internacionais. UFF

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Adriana Maciel [email protected]

Alexandre Barbosa Marques [email protected]

Altina Silva Oliveira [email protected]

Amanda Costa da Silva [email protected]

Ana Patrícia Duarte [email protected]

Analice Araujo da Silva [email protected]

Carla Cipolla [email protected]

Cecilia Seravalli Soares [email protected]

Cid Alledi [email protected]

Cintia Takada [email protected]

Cláudio Paula de Carvalho [email protected]

Dilma Pimentel [email protected]

Fernanda de Carvalho Pereira [email protected]

Gerardo Álvarez Valadez [email protected]

Irène Foglierini [email protected]

Izabel Cristina G. Serra Sêca [email protected]

Jacob Binsztok [email protected]

Jefferson De Souza Pinto [email protected]

Jessé Torres Pereira Junior [email protected]

Joaquim Pinto Contreiras [email protected]

Jorge Soto [email protected]

José António Pontes Quintal [email protected]

José Elias Parreira Ramalho [email protected]

José Felipe Ojeda Hidalgo [email protected]

José Fidalgo Gonçalves [email protected]

Livia Reis [email protected]

Maíra Prestes Joly [email protected]

Marcia Bellotti [email protected]

Maria Cristina Lopes Fedato [email protected]

Maria Guadalupe A. Hidalgo [email protected]

Marlene Jesus Soares Bezerra [email protected]

Marta Duarte De Barros [email protected]

Monica Carneiro [email protected]

Mônica Maria Souza de Oliveira [email protected]

Nora Gorrochategui [email protected]

Osvaldo Luiz Gonçalves Quelhas [email protected]

Paloma Martínez Sánchez [email protected]

Paula Esteban do Valle Jardim [email protected]

Priscilla Yuka Kuroba [email protected]

Rafael Paim Cunha Santos [email protected]

Renan André B. dos Santos [email protected]

Rita Afonso [email protected]

Rosilea di Masi Palheiro [email protected]

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Sergio Baltar Fandino [email protected]

Úrsula Maruyama [email protected]

Vânia de Lourdes Marques [email protected]

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